Cultura e Poder: História e Narrativa Entre Textos e Contextos
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Cultura e Poder - Alberto Luiz Schneider
APRESENTAÇÃO
Este livro é composto por textos de docentes, alunos, egressos e pesquisadores filiados aos grupos de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História da PUC-SP, especialmente vinculados à linha de pesquisa Cultura e Poder, título que dá nome ao livro ora apresentado. Nessa linha de pesquisa, o poder articulado à cultura é entendido em sua amplitude, abarcando a pluralidade de experiências de dominação, resistência e governabilidade, em espaços públicos e privados.
A reflexão sobre o poder permite o diálogo com distintas perspectivas historiográficas e, logo, com diferentes escalas e chaves analíticas, viabilizando abordagens a partir de eixos como nação, Estado e relações institucionais, bem como deslocamentos analíticos sobre o exercício do poder considerando eixos como classe, comunidades ou grupos sociais. Em seu diálogo com a cultura, alarga ainda mais suas dimensões, possibilitando análises que transitem entre os grandes eixos analíticos e os micropoderes.
Nesse percurso, refletir sobre cultura e poder permite considerá-los em sua tangibilidade, abarcando desde estruturas institucionais (instituição, leis e normas); índices econômicos e produtivos; discursos, simbologias, saberes e patrimônios, como também em suas expressões intangíveis como memórias e sentimentos. A riqueza e amplitude que a linha de pesquisa comporta expressam a diversidade temática presente nos diferentes capítulos ora apresentados.
O primeiro capítulo, intitulado Dizer o Não Dito: táticas e subterfúgios na expressão da vida e obra de Santa Teresa de Ávila
, é assinado pela pesquisadora doutoranda e mestre em História pela PUC-SP, Joyce de Freitas Ramos, em coautoria com o professor Dr. Amilcar Torrão Filho, coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da PUC-SP (2023-2025). Nesse trabalho os autores percorrem a trajetória e a obra de Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada, posteriormente Santa Tereza de Ávila (1515-1582), com o objetivo de compreender como se deu a produção e rápida aceitação de sua obra intelectual — marcadamente influenciada pela Teologia Mística — em um contexto profundamente vincado pelo controle ideológico da contrarreforma espanhola.
Para explicar esse aparente paradoxo, os autores iniciam sua análise avaliando as estruturas de poder no catolicismo espanhol em meio às disputas com o protestantismo pelo controle da autoridade da fé cristã. De princípio, destaca-se a influência da difusão do humanismo renascentista italiano na Espanha antes do Concílio de Trento (1545-1563), e como as ideias desse movimento ajudaram a constituir a literatura como uma fonte importante para o conhecimento teológico àqueles capazes de ler e ter acesso aos textos. Nesse contexto, Ramos e Torrão Filho chamam atenção para a importância do êxito de livros de expoentes da devotio moderna, como os de Francisco de Osuna, por exemplo, cujos trabalhos baseavam-se na Teologia Mística, revelando um esforço de adaptação da Igreja Católica frente às mudanças propostas pelo protestantismo.
Nascida em 1515, em Ávila, próximo a Madri, em Castela, a futura Santa Teresa foi influenciada pela leitura dessas obras. Ao reconstituir o perfil biográfico e a trajetória intelectual dessa personagem, os autores apontam para a importância de se evitar anacronismos ao analisar a ação da inquisição na Europa, lembrando que esta deve ser nuançada não só em relação ao tempo, mas também no espaço. No caso específico de Teresa de Ávila, significa entender que a inquisição em Castela da segunda metade do século XVI esforçou-se mais em proibir a circulação das obras do que na perseguição de indivíduos. Essa ação censória, por sua vez, acabou por levar muitos dos autores daquele período a adotarem estratégias e retóricas em seus textos buscando evitar a proibição da circulação destes pela inquisição. Desse modo, Ramos e Torrão Filho passam a percorrer a obra de Teresa de Ávila identificando algumas das táticas e subterfúgios empregados por ela e que tornaram possível o sucesso de sua obra ao ponto de livrá-la do censo da inquisição e, mais do que isso, torná-la a primeira Doutora da Igreja Católica em 1970.
O segundo capítulo é assinado pela professora livre-docente da PUC-SP, Dra. Maria Izilda Santos de Matos, em coautoria com a professora Dra. Thais Teixeira Brambilla. Intitulado Hospital Matarazzo: história, associativismo, memória e patrimônio
, esse trabalho propõe uma reflexão acerca da memória da imigração italiana na cidade de São Paulo, centrando o foco de suas análises na trajetória do Hospital Matarazzo, tombado em 1986 pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de SP), mas transformado em um empreendimento de alto luxo, Cidade Matarazzo, inaugurado em 2022.
Para tanto, as autoras reconstituem o percurso do hospital desde a sua criação em 1885, ligada à Sociedade Italiana de Beneficência de São Paulo (SIBSP), passando por seu desenvolvimento, com a ampliação do conjunto arquitetônico e tombamento histórico em 1986, até desembocar na crise que levou ao seu fechamento definitivo em 1993 e a aquisição pelo grupo Allard já no século XXI. Ao realizar esse percurso Matos e Brambilla abordam temas que vão desde a constituição das associações beneficentes italianas em São Paulo, passando pela preservação da memória da imigração italiana através de equipamentos arquitetônicos da cidade até chegarem à conflituosa relação entre os interesses do capital imobiliário e a preservação do patrimônio público. Nesse caso específico do Hospital Matarazzo, o trabalho dá a ver claramente o campo de disputas entre a preservação da memória e a ressignificação do patrimônio por um processo de gentrificação do espaço urbano de São Paulo.
O terceiro capítulo foi escrito pelo mestre em História pela PUC-SP Gabriel Kenzo Soeda, em coautoria com o professor Dr. Alberto Luiz Schneider, vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da PUC-SP (2023-2025). Com o título O cerne da nacionalidade: Euclides da Cunha e a construção narrativa de Canudos (1897-1902)
, os autores analisaram a construção narrativa de Os sertões, obra mais célebre de Euclides da Cunha, a fim de propor uma reflexão acerca da condição dos Canudenses enquanto cerne da nacionalidade brasileira. Para tanto, Soeda e Schneider recorrem a textos produzidos por Euclides no ano da guerra de 1897, tais como artigos publicados no jornal O Estado de S. Paulo, reportagens e telegramas compilados no livro Diário da expedição, preparados pelo autor durante sua viagem a Canudos, além do próprio livro Os sertões, publicado originalmente em 1902, sobretudo sua nota introdutória.
Trata-se, portanto, de um aprofundamento crítico que busca, antes de tudo, problematizar uma percepção mais positiva
de Os sertões como um testemunho das vítimas massacradas pelo governo republicano. Ao esmiuçarem os significados de sertanejo e jagunço, atribuídos por Euclides da Cunha aos canudenses cinco anos antes da escrita de sua obra-prima, Soeda e Schneider levantam questionamentos fundamentais para a interpretação da nacionalidade brasileira na obra euclidiana, em especial o significado dessa nacionalidade na obra do autor, a função do cerne da nacionalidade e o papel social do povo de Canudos.
Assim, na contramão da ideia de testemunho do modo de vida sertanejo, os autores propõem uma reflexão sobre Os sertões que parte da investigação das relações de poderes entremeadas à Guerra de Canudos. Seu propósito, com isso, é compreender melhor a forma como Euclides da Cunha encarava essas questões e, mais que isso, revelar como ele acabou por reforçar sentidos distintos aos canudenses, muito mais complexos e cheios de contradições, os quais precisam ser retomados pela historiografia.
O quarto capítulo, intitulado Ritmos, pontos e contrapontos: Mário de Andrade e ‘O Samba Rural Paulista’
, é assinado pela pesquisadora mestranda Samara Chiaperini de Lima e pelo professor, especializado em História, Sociedade e Cultura pela PUC-SP, Dr. Breno Ampáro. Provocados pelo reconhecimento do Samba de Bumbo Paulista como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), esse trabalho buscou estudar a atuação etnográfica do escritor modernista Mário de Andrade em torno das músicas produzidas no interior do estado de São Paulo, com destaque para os sambas. O foco nesse escritor em específico deve-se, sobretudo, em razão do dossiê produzido como parte do processo para o reconhecimento se apoiar fundamentalmente sobre o trabalho de Mário de Andrade.
Para tanto, Chiaperini e Ampáro tomam como principal fonte da pesquisa o texto O Samba Rural Paulista
, publicado pelo autor na Revista do Arquivo Municipal em 1937. A proposta dos autores foi a de questionar aspectos do trabalho etnográfico levado adiante por Mário de Andrade a fim de situar a sua contribuição no âmbito da cultura e da música, relacionando-a com as questões históricas do período em que atuou. Nesse sentido, ganham força, especialmente, as questões relacionadas ao patrimônio cultural brasileiro, bem como aos métodos de coleta e registro do material folclórico em linha com o seu projeto de formação de uma cultura nacional.
Como resultado dessa pesquisa os autores observam que, se por um lado foi possível verificar a importância de Mário de Andrade para a patrimonialização da cultura imaterial e o registro do Samba de Bumbo Paulista, por outro, concluíram que aspectos importantes dessa manifestação foram muito pouco tematizados por ele, tais como os sentidos de resistência, o sincretismo religioso e o próprio cativeiro dos escravizados.
O quinto capítulo, intitulado Opinião e Golpe: a pesquisa de opinião Ibope no período pré-golpe de 1964
, é assinado pelo professor mestre Vitor Arzani Martins conjuntamente com a professora do curso de História e do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, Dra. Olga Brites. Nesse trabalho os autores elegem como tema de sua investigação as pesquisas de opinião realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) sobre a popularidade do então presidente João Goulart no período que antecedeu o golpe de Estado de 1964. Para tanto, Martins e Brites propõem analisar como essas pesquisas de opinião foram elaboradas, especialmente suas questões e comentários, buscando discutir a utilidade desses instrumentos para a formação de uma intelligentsia dentro do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), a qual denominaram de elite orgânica
, tal como definida por René Armand Dreifuss.
Para analisar as pesquisas Ibope e sua relação com a imprensa e as elites orgânicas do Ipes, os autores recorreram ao material produzido pelo instituto entre os anos de 1962 e 1964, disponíveis no fundo Ibope do Arquivo Digital Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/SP). Dados os limites formais impostos por esse meio de divulgação, os autores concentraram seu foco em esmiuçar a elaboração dos questionários das pesquisas, bem como algumas questões específicas em torno da divulgação dos resultados. Como resultado, Martins e Brites argumentam a ocorrência de múltiplas influências entre o Ibope e essa elite orgânica do Ipes, contribuindo, dessa forma, para uma melhor compreensão desse período de exceção no Brasil ao demonstrar como uma pesquisa de opinião foi capaz de instrumentalizar um golpe de Estado em 1964. Como explicam os autores, esse não se trata de um mero exercício de apreciação do passado, mas uma busca por compreender como estruturas semelhantes ainda servem aos interesses da elite capitalista do país, contribuindo para fomentar novos golpes.
O sexto capítulo, intitulado Cultura e poder na Amazônia: empresários e militares no genocídio indígena da ditadura brasileira (1964-1988)
, é assinado pelo professor de Economia da Universidade Federal do Pará Dr. Gilberto de Souza Marques, que o escreveu em coautoria com o professor de História na Cogeae (PUC-SP) Dr. Rodolfo Costa Machado, que também é coordenador do Núcleo de Estudos de História: Trabalho, Ideologia e Poder (Nehtipo). Nesse trabalho os autores investigam o nexo empresarial-militar responsável por cometer diversas violações de direitos humanos dos povos indígenas do Brasil, em especial os da Amazônia, durante o período da ditatura brasileira (1964-1984). Para tanto, Marques e Machado recorreram à revisão de uma bibliografia já considerada clássica, bem como aos trabalhos mais recentes da literatura pertinente a essa temática. No que diz respeito às fontes, foram investigados o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), informes de grupos de pesquisa especializados, fontes primárias da ditadura depositadas no Arquivo Nacional, além dos próprios testemunhos das populações indígenas afetadas.
Esse capítulo buscou destacar como os megaprojetos de infraestrutura lançados pelo Programa de Integração Nacional (PIN) da ditadura, tais como as rodovias Transamazônica/BR-230, Manaus-Boa Vista/BR-174 e Perimetral Norte/BR-210, fizeram-se acompanhar por um racismo etnocêntrico entusiasta da colonização
, desenvolvimento
e modernização
de uma suposta terra sem homens
. Destrincha-se como essa concepção do vazio demográfico
, coerente com a ideologia oficial de Segurança Nacional e Desenvolvimento da ditadura, ao desumanizar a Amazônia de seus habitantes reais, serviu como ato preparatório ao etno-genocídio indígena, perpetrado por militares e seus cúmplices econômicos. Sob um indigenismo de Estado anti-indígena, a serviço do poder empresarial-militar hegemônico, particularizam-se as articulações político-econômicas violadoras dos direitos, culturas e modos de vida dos povos indígenas atingidos pela BR-230 (com ênfase nos tupi-Kagwahiva Tenharim e Jiahui), pela BR-174 (os Waimiri-Atroari) e pela BR-210 (os Yanomami).
O sétimo e último capítulo, intitulado "Revista Chiclete com Banana: expressões da contracultura e embates político-culturais na redemocratização brasileira", é de autoria da professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP e diretora da Faculdade de Ciências Sociais (2021-2025) doutora Carla Reis Longhi, em coautoria com o professor de História e Relações Internacionais doutor Iberê Moreno Rosário e Barros. Nesse trabalho, os autores tomam como objeto de estudo a primeira edição da revista Chiclete com Banana, que circulou bimestralmente entre os anos de 1985 e 1990, para propor uma reflexão acerca das relações de poder no âmbito cultural em um período marcado politicamente pelo processo de redemocratização do Brasil.
Tomando como referenciais postulados teóricos como o de Michel de Certeau e sua proposição de cotidiano, e de Roger Chartier sobre a leitura do texto, a investigação conduziu os autores por uma análise do projeto editorial do periódico a partir de sua linguagem própria e construção de sentidos, de modo a vislumbrar alguns aspectos das mudanças e permanências políticas brasileiras representadas e construídas ao longo dos anos pela revista. Nessa análise também merece destaque a atenção dada pelos autores aos paradoxos da própria editoria da revista que se identificava, simultaneamente, como um dos espaços da contracultura e oposição na disputa hegemônica brasileira, mas, ainda, como um campo de humor descomprometido e despolitizado.
Por fim, Longhi e Barros demonstram que o estudo aprofundado dessa revista revelou por que ela pode ser compreendida como um ponto de encontro marcante da contracultura da década de 1980 a partir de uma perspectiva bem própria da cultura urbana da cidade de São Paulo. Nesse sentido, mostram como a Chiclete com Banana expressava características da contracultura daquele período, permeada pela crítica ácida e direta e/ou debochada e descomprometida tanto às práticas e lógicas do regime ditatorial quanto às escolhas políticas que grupos da esquerda vinham fazendo na redemocratização. Trata-se, portanto, de identificar na revista um fio condutor dos debates nacionais, ainda que sob uma perspectiva paulistana, que superou uma compreensão ainda bastante comum do processo de redemocratização naquele momento como positivo, complexificando a compreensão daquele contexto ao apontar muitas permanências em lugar das rupturas que eram tão ansiadas por parte da população brasileira.
CAPÍTULO 1
Dizer o não dito: táticas narrativas na produção textual de Santa Teresa de Ávila
Joyce de Freitas Ramos
Amilcar Torrão Filho
Para quem está familiarizado com a história do cristianismo na Idade Moderna da Europa ocidental, práticas espirituais como o contato pessoal do indivíduo com Deus, da busca do divino através da aproximação com as escrituras, da oração mental e afetiva, pautada no estado emocional de cada fiel, parecem descrever, de forma bastante contundente, a corrente protestante. Entretanto, esses são os elementos primordiais da chamada Teologia Mística, que se viu embrenhada no fazer e no pensar de respeitados expoentes da produção religiosa dentro da Igreja Católica, entre eles, Santa Teresa de Ávila (1515-1582).
Como era possível que tais ideias florescessem em um ambiente tão comumente associado ao radicalismo da contrarreforma católica como a Espanha do século XVI? E como uma mulher, mesmo uma religiosa, uma monja, teria conseguido navegar por esse ambiente, promulgando tais postulados sem que seus escritos tenham sido condenados como heréticos pelo muito ativo tribunal inquisitorial da época? E, ainda mais, como tal mulher foi beatificada e canonizada tão rapidamente, tendo se tornado a primeira Doutora da Igreja Católica e uma respeitada especialista em Teologia pela Igreja? A resposta encontra-se, majoritariamente, na própria natureza de sua produção textual e de suas vivências.
A vida de Santa Teresa é permeada por caminhos que a levam a navegar por uma série de determinações, imposições e limitações. Entretanto, é em meio a essas formulações de poder preestabelecidas que a vemos reformar uma Ordem religiosa, fundar mais de uma dezena de conventos por todo o território de Castela e produzir uma vasta obra textual, que comporta desde uma extensa autobiografia a comentários dos evangelhos, manuais de fundação e visitação de conventos, obras de caráter teológico e poesias. Como teria sido possível tal produção em pleno cenário espanhol da Idade Moderna?
Em primeiro lugar, é necessário avaliar o que seriam as estruturas de poder do catolicismo nessa Espanha teresiana, bem como as especificidades do momento de embate pelo controle das premissas da fé cristã entre essa Igreja e o nascente protestantismo. Para alguns autores, como Javier García Gibert (2010) e Mercedes García-Arenal (2008), existe uma concepção um pouco generalista sobre a severidade da reação católica na Espanha, bem como sobre a ação efetiva do tribunal inquisitorial.
[…] a visão da Espanha moderna que ficou quase solidificada desde a própria historiografia do XVI, e logo através da visão nacionalista e católica ou de sua contraposição, a historiografia liberal […] que apresenta, na realidade, a mesma imagem só que em caráter negativo, é a de uma homogênea e monolítica campeã do catolicismo em sua versão contrarreformista, encabeçada por sua triunfante monarquia e pelo seu Santo Ofício (García-Arenal, 2008, p. 2).¹
O crescimento e adesão ao protestantismo abalaram as bases do catolicismo, o que levou a uma reposta, por vezes bastante dura, às demandas e acusações feitas pela nova vertente. Ainda assim, se fez necessário, também, certa reformulação de doutrina, já que a tendência espiritual do momento era a busca pela individualização do acesso ao divino, algo que já vinha se fazendo presente no próprio catolicismo.
Antes do Concílio de Trento (1545-1563), que se constituiu como a tentativa da Igreja de reestabelecer as fronteiras de suas doutrinas frente ao avanço do protestantismo, o território espanhol, como parte da onda mediterrânea, vinha sofrendo a influência do humanismo renascentista italiano e o havia transformado em um movimento com características próprias.
[…] a mentalidade
característica deste período — seu espírito pedagógico e missionário, os métodos emocionais e imaginativos de persuasão, seu aval simultâneo dos recursos de vontade e de meditação sobre a vanitas humana e sobre a morte e, definitivamente, seu indubitável alento reformador […] estavam já na Espanha antes mesmo do Concílio, antecipado modelarmente pelo fundador dos jesuítas […] O certo é que, uma vez chegada a Contrarreforma, a literatura surgida dessa mentalidade, tão religiosa, não mudou necessariamente a visão renascentista, já muito arraigada (na Espanha), nem sequer no terreno […] da ascética (García Gibert, 2010, p. 94).²
Portanto, existe uma ideia presente entre aqueles que se voltam aos estudos do território espanhol do século XVI de que ali havia uma profusão artística e literária proeminente e prolífica. Afinal, tal humanização do contato com Deus fazia com que a literatura se constituísse como fonte importante de conhecimento teológico que poderia ser adquirido de forma individual por aqueles que fossem capazes de ler e ter acesso