0% acharam este documento útil (0 voto)
45 visualizações25 páginas

Geohistoria Economica Da Zona Da Mata Mineira

Este documento discute a história econômica da Zona da Mata Mineira entre 1809 e a primeira metade do século XX. A região era inicialmente coberta por densa mata atlântica e tinha relevo acidentado, dificultando a ocupação. No século XVIII, o Caminho Novo foi aberto para escoar o ouro, passando pela borda leste da Serra da Mantiqueira. A partir de 1809, a expansão do café permitiu o desenvolvimento da região, mas na primeira metade do século XX houve declínio

Enviado por

giovana_loos
Direitos autorais
© Attribution Non-Commercial (BY-NC)
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
45 visualizações25 páginas

Geohistoria Economica Da Zona Da Mata Mineira

Este documento discute a história econômica da Zona da Mata Mineira entre 1809 e a primeira metade do século XX. A região era inicialmente coberta por densa mata atlântica e tinha relevo acidentado, dificultando a ocupação. No século XVIII, o Caminho Novo foi aberto para escoar o ouro, passando pela borda leste da Serra da Mantiqueira. A partir de 1809, a expansão do café permitiu o desenvolvimento da região, mas na primeira metade do século XX houve declínio

Enviado por

giovana_loos
Direitos autorais
© Attribution Non-Commercial (BY-NC)
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 25

GEOHISTRIA ECONMICA DA ZONA DA MATA MINEIRA

Rafael Rangel Giovanini Gegrafo, mestrando em Organizao do Espao, IGC/UFMG Ralfo Edmundo da Silva Matos Professor do Depto de Geografia IGC/UFMG, doutor em Demografia

Resumo: A Zona da Mata mineira objeto de estudo de vrios trabalhos de historiadores e economistas, que tratam dos mais variados aspectos relativos sua histria econmica. Neles, freqentemente so apresentadas explicaes para a rpida ascenso e posterior declnio dessa regio do estado, muitas delas dotadas de uma caracterstica at aqui explorada apenas parcialmente: a dimenso espacial. A Geohistria Econmica da Zona da Mata mineira tem como objetivo central trazer a dimenso espacial para o centro da discusso, acrescentando uma nova perspectiva ao grande acervo de informaes disponveis sobre o tema. Para que isso seja possvel, obras clssicas de historiadores, economistas e gegrafos das reas fsica e humana foram revisitadas, de modo a se retirarem e ampliarem os elementos espaciais nelas contidos. Alm disso, novos elementos explicativos so obtidos com base nos cruzamento dessas fontes. Questes como a propalada deficincia dos solos e da topografia da Mata so debatidas e relativizadas, de maneira que seja possvel aferir sua real influncia sobre o desenvolvimento e a estagnao dessa regio mineira. A rea estudada corresponde atual Regio de Planejamento 2 da SEPLAN, concentrando-se temporalmente no perodo compreendido entre o princpio da expanso cafeeira na regio, em 1809, e a fase inicial da decadncia da indstria regional, na primeira metade do sculo XX.

Palavras Chave: Geografia Histrica, Desenvolvimento Regional, Geografia Econmica

Introduo
Desde o tempo das crnicas dos viajantes estrangeiros, Minas Gerais tem sido alvo do interesse de vrios pesquisadores. Sua histria e economia so repletas de fatores que a particularizam entre os estados brasileiros, em face das razes que explicam a sua formao e desenvolvimento econmico. Trabalhos anteriores e diversas pesquisas tratando da formao de Minas destacam diversos aspectos relativos sua espacialidade, s articulaes com as reas vizinhas, as dificuldades e potencialidades advindas do meio natural, a rede de comunicaes, as estratgias de planejamento por parte do Estado e das empresas privadas, entre outros. Esse trabalho percorre alguns dos aspectos supracitados, mas tem como objetivo central elaborar e delimitar de maneira mais clara algumas explicaes econmico-geogrficas acerca da ocupao inicial da Zona da Mata e do desenvolvimento de suas atividades econmicas primazes, vis vis as articulaes inter-regionais. Tais explicaes refletem a inteno de destacar elementos que so secundarizados ou inexplorados em diversas pesquisas de historiadores e economistas. Para tanto, foi importante a consulta de revises recentes da literatura e obras clssicas de historiadores, economistas e gegrafos das reas humana e fsica. Nesse trabalho, a Zona da Mata mineira est circunscrita aos limites da atual Regio de Planejamento 2 da SEPLAN (2000). O perodo que a anlise enfatizar compreende o princpio da expanso cafeeira na regio, em 1809, e a fase inicial da decadncia econmica regional, na primeira metade do sculo XX. As particularidades e a importncia da Zona da Mata no contexto mineiro desse perodo justificam essa escolha, bem como a existncia de uma rica gama de elementos espaciais na bibliografia sobre o tema.

A Mata antes do caf


No se pode mais afirmar que a Zona da Mata era uma terra sem histria, uma rea anecmena at o limiar do sculo XIX como afirmava VALVERDE (1958). Isso se justifica pelo fato de que havia uma significativa ocupao indgena na regio, advinda de descendentes dos Goitacs do Rio de Janeiro e do Esprito Santo. Os movimentos migratrios dessas populaes a partir dessas reas, se deu em funo do contato com os portugueses no
2

litoral. Sua fixao na regio decorrncia direta do ambiente que encontraram, com vegetao bastante similar de suas reas de origem. (BLASENHEIN, 1982) Posteriormente, no sculo XVIII, o clima de hostilidade1 entre ndios e portugueses, bem como entre os prprios ndios, foi til Coroa Portuguesa em funo da explorao do ouro. Isto porque uma rota de contrabando pela Mata seria um expediente geograficamente racional para se escapar aos impostos coloniais. Em funo disso, vrios decretos foram promulgados proibindo a ocupao da regio, que deveria ser mantida como uma terra sem homens. Contudo, essa rota alternativa no foi uma tarefa fcil, independente da presena dos ndios. A Zona da Mata de ento fazia jus ao seu nome, sendo coberta pela Mata Atlntica, uma vegetao densa e praticamente proibitiva ocupao, quando comparada com as terras da regio Central de Minas Gerais. Alm disso, seu relevo, que at hoje constitui problema para a construo e manuteno de estradas, era, na poca, um obstculo quase intransponvel. Pode-se afirmar, com base em RADAMBRASIL (1983b), que em todos os terrenos da regio predominam os processos de eroso e movimento de massa aos de deposio de sedimentos. A maior parte da rea de estudo classificada como sendo de dissecao fraca, cujo uso inadequado resulta na proliferao de sulcos, ravinas e voorocas de maneira generalizada (RADAMBRASIL, 1983b). Terrenos de dissecao moderada, forte e muito forte tambm esto presentes, embora em menor rea, possuindo impedimentos ainda maiores ao uso e ocupao. Na Zona da Mata, predominam os Latossolos Vermelho-Amarelos, solos que se apresentam sempre muito profundos e pobres em nutrientes para as plantas. A resistncia eroso, embora elevada, possui limitaes claras em funo de sua ocorrncia em relevos ondulados, em clima predominantemente chuvoso. Alm disso, uma vez que se instalam os processos erosivos nesses solos, eles ganham propores aterradoras, como as quedas de barreiras sobre a BR-040 e os deslizamentos nas periferias de Juiz de Fora insistem em nos mostrar, ano aps ano.

BLASENHEIN (1982) tambm afirma que os indgenas, apesar da identidade com a famlia Goitacs, se dividiam em trs grupos, cuja diferenciao se deu muito tempo antes da migrao para a Zona da Mata: os Corops, que se instalaram nas redondezas do que viria a ser Rio Pomba, os Coroados, onde hoje esto os municpios de Cataguases, Visconde do Rio Branco e Ub, e os Purs, que ocuparam uma extensa faixa ao longo de todo o leste da regio, partindo de Manhuau at Muria e Leopoldina. Uma dissidncia dos Purs, os Mirits, ocupava as atuais Rio Preto e Juiz de Fora. Os Coroados e os Corops eram inimigos ferrenhos dos portugueses, em funo de sua aliana com os Tamoios no sculo XVI, e havia tambm uma grande rivalidade entre os Purs e os Coroados. 3

Contudo, o quadro fsico da Zona da Mata heterogneo, no obstante a predominncia dos Latossolos Vermelho-Amarelos. Nunca foi homogneo como, implicitamente, relatam muitos dos trabalhos de historiadores e economistas sobre a regio. Suas caractersticas variveis vo gerar condies tambm variveis quanto aos impedimentos/empecilhos agricultura e transportes. De qualquer forma, decididamente verdadeira a percepo de que se trata de um sistema de coberturas superficiais com forte tendncia instabilidade, quando sujeitas a um uso que no respeite suas caractersticas de declividade. Considerando esses impedimentos, Garcia Rodrigues Paes Leme abre, em 17052, o Caminho Novo, estrada oficial para o escoamento do ouro das Minas. Essa empreitada foi feita a pedido da Coroa Portuguesa, que desejava uma trilha para mulas entre Ouro Preto e o porto de Parati. Seu traado passava pela borda leste da Serra da Mantiqueira, onde a floresta era menos densa e a ocupao indgena quase no existia. De acordo com VALVERDE (1958), o Caminho Novo seguia aproximadamente o traado da atual rodovia Rio-Belo Horizonte, hoje conhecida como BR-040. Esse fato pode ser interpretado de duas maneiras: i) a primeira diz respeito perspiccia de Paes Leme, ao criar uma rota to eficiente e durvel, que com o tempo foi sendo modernizada em termos de largura e pavimentao; ii) a segunda mostra que o Caminho Novo era a rota vivel poca entre a regio Central e o Rio de Janeiro. Passar pela borda leste da Mantiqueira no era uma opo tcnica, e sim uma contingncia. Rotas alternativas teriam que cortar relevos ainda mais difceis, com vegetao mais densa. O meio fsico freqentemente ditava as aes dos pioneiros, e assim continuaria por um bom tempo, at que o desenvolvimento tcnico e econmico permitisse que os homens se impusessem sobre o quadro natural. Em pagamento por seus servios, Paes Leme recebeu o ttulo de cobrador de impostos, que ele exerceu em Registros situados em Barbacena e Matias Barbosa, j na divisa com o Rio. Alm disso, recebeu uma penso e diversas sesmarias no sul da Zona da Mata, incluindo a futura rea de Juiz de Fora. At 1805, quando a posse da terra foi tornada legal na regio, os herdeiros de Paes Leme eram os nicos proprietrios de terras em na poro sul da Mata. Isso fez com que Matias Barbosa fosse o principal centro da era pr-caf, a ponto de Juiz de Fora

H uma discordncia entre VALVERDE (1958) e BLASENHEIN (1982) quanto a data de sua inaugurao: 1720 para o primeiro, 1705 para o segundo. Uma consulta a outras fontes manteve a dvida, posto que as datas variavam de acordo com a fontes de Valverde e Blasenhein. Parece haver maior consenso para a data de 1705, uma vez que a emancipao de Minas Gerais em 1720 costuma ser citada como uma decorrncia dos impactos do Caminho Novo nos ltimos anos. 4

s ser citada em relatos de viagem em funo do seu curioso nome, conforme lembrado por VALVERDE (1958). Apesar de todas as proibies, o vale do Rio Pomba comeou a ser ocupado ainda no sculo XVIII3. Contribuiu para isso o fato de que o limite norte da rea proibida no era claro, assim como o vale desse rio se situar razoavelmente distante do Caminho Novo e da fiscalizao colonial. Mas, para BLASENHEIN (1982), o que explicava essa ocupao era o incio da decadncia da explorao aurfera, o que abrandava a motivao em se manter a Zona da Mata desocupada. interessante notar, entretanto, que apenas 40Km separavam o Caminho Novo e reas centrais da Zona da Mata. Somente as imposies do quadro fsico na poca impediam a circulao do contrabando entre tais reas. A rea em questo est na Depresso Escalonada dos Rios Pomba-Muria, possuidora de declividades razoavelmente elevadas (11 a 24o). Partindo-se do Rio Pomba, vrios dos degraus que separam a depresso das Serranias da Zona da Mata teriam que ser superados, atravessando floresta densa. Sem dvida, apesar da distncia teoricamente no ser grande, os desafios para percorr-la certamente o eram, o que ajuda a justificar a tolerncia por parte da Coroa nesse momento. No sul da Zona da Mata, o surgimento de povoados seguiu a uma rota cuja explicao envolve uma combinao de fatores. O declnio da minerao, somado prosperidade da cultura cafeeira, motivou a sada de muitas famlias proeminentes do centro do estado para o Rio de Janeiro. Na poca, o acesso a essas terras era facilitado, uma vez que a Coroa as cedia com a esperana de recuperar parte das perdas com o declnio da regio mineradora. Os mineiros em terras fluminenses acabaram se tornando protagonistas chaves da expanso da

O trabalho de CARRARA (1999) permite acrescentar outra interpretao ao incio da ocupao da Mata. Baseando-se em registros dos livros de dzimo, argumenta-se que a ocupao da regio teria se iniciado pelo Norte, a partir do vale do rio Piranga at Ponte Nova e Manhuau. L, instalou-se uma cultura distinta da do restante da Mata, com a produo de cana de acar e aguardente, alm dos produtos de subsistncia. Tal ocupao teria partido de Mariana, centro mais prximo da rea em questo. Duas ressalvas devem ser feitas a essa tese: a primeira delas que, embora se trate de uma ocupao antiga, a data de referncia para seu incio 1740, 35 anos depois do surgimento do Caminho Novo e do Registro de Matias Barbosa, no sul. A segunda diz respeito ao fato de que essa ocupao no gerou ncleos de povoamento significativos e ligados, de alguma forma, ao restante da regio, tais como os que vo se constituir a partir de 1870, quando a fronteira do caf chega ao norte da Mata. O prprio CARRARA (1999) afirma que essa primeira ocupao era ligada diretamente a Mariana. Dessa forma, embora aqui no se questione a validade dessa tese, ela ser entendida como sendo complementar a da ocupao partindo do sul, via Rio de Janeiro. Mesmo considerando a presena dos colonizadores no norte antes da chegada da cafeicultura, somente depois disso essas reas se integraram a Zona da Mata. 5

fronteira agrcola, que evolua gradualmente para norte, galgando as bordas do Vale do Paraba at a sua poro mineira, na Zona da Mata. (BLASENHEIN, 1982) importante observar que o Caminho Novo era a nica trilha de mulas ligando Minas ao Rio de Janeiro, e suas margens ainda no podiam ser ocupadas em 1790, quando as famlias da regio central comearam a se deslocar. Quando o caf finalmente chegou Mata, em 1809, o impedimento legal havia deixado de existir, e aos poucos os impedimentos fsicos associados topografia e solos foram amenizados, de modo a permitir o escoamento da produo.

Expanso e consolidao da cultura cafeeira


A cafeicultura chegou Minas Gerais pela margem norte do Rio Paraibuna, em 1809. A partir da, os fluxos migratrios aumentaram sensivelmente, se dirigindo diretamente para a Zona da Mata, sem passar pelo Rio de Janeiro. Em 1822, a populao da mata girava em torno de 20 mil habitantes e, em 1870, ultrapassava os 250.000, chegando a 548.000 em 1890, quando contribua com cerca de 7% da populao do estado de Minas. (BLASENHEIN, 1982) A expanso das plantaes se deu de maneira contgua produo fluminense. Primeiramente, nas margens dos rios Paraibuna e Paraba, onde muitas das propriedades se dividiam tanto no Rio quanto em Minas. Em 1819, por exemplo, toda a produo mineira se concentrava nos distritos de fronteira, como Matias Barbosa, Mar de Espanha, Alm Paraba e Rio Preto. Os lucros advindos da produo, bem como os mtodos de plantio, incentivavam a continuidade do processo de expanso extensiva da fronteira em direo norte, de modo que o caf chegou a Juiz de Fora em 1828 e em Leopoldina, Cataguases e Ub por volta de 1840. (BLASENHEIN, 1982) VALVERDE (1958) procurou reconstruir a rota mais provvel da expanso da cafeicultura no sculo XIX, utilizando-se dos recursos cartogrficos disponveis em sua poca. O mapa resultante se tornou clssico, a ponto de ser reproduzido em trabalhos muito mais recentes, como os de BLASENHEIN (1982) e GONTIJO (1992). Trata-se, sem dvida, de uma referncia valiosa para o entendimento da ocupao da Zona da Mata durante o perodo entre 1705 e 1906. No Mapa 1, o contedo do trabalho de VALVERDE (1958) adaptado sobre os limites atuais da Regio de planejamento 2 e do seu entorno, mediante o uso de recursos atuais da cartografia digital, que permitem uma visualizao mais clara que a do mapa original.

Tecnicamente, a cultura do caf na Zona da Mata se desenvolveu de maneira similar fluminense, mas com traos de mineiridade muito ntidos. Segundo BLASENHEIN (1982), no era o esprito empreendedor e pioneiro o que caracterizava os produtores mineiros de caf, apesar deles se intitularem os Yankees de Minas. Seus valores eram ainda mais aristocrticos e tradicionais que os da regio central, particularmente Ouro Preto, a quem freqentemente se contrapunham. Alguns discursos de polticos mineiros da poca argumentavam que a capacidade do matense para o trabalho duro no era o que explicava a prosperidade da regio, e sim o clima e solo favorveis, sobretudo se comparados aos solos ferrferos e o clima mais quente e seco das cercanias de Ouro Preto. evidente que, para ambas as regies, o trabalho escravo era um pressuposto. De toda forma, a Zona da Mata desde cedo se configura como uma regio ligada politicamente a Minas e economicamente ao Rio, mesmo porque sua economia era, na verdade, uma extenso da do Vale do Paraba fluminense. Essa dupla influncia marca de maneira clara esse perodo, se atenuando somente com a crise da cafeicultura carioca, no ltimo quartel do sculo XIX, quando a Zona da Mata se d conta de sua importncia em Minas e tenta forjar uma identidade regional prpria. A fazenda de caf matense, tal como a carioca, se caracterizava pela grande extenso e pelo uso de um grande nmero de escravos4. O mtodo de plantio inicial tambm era o mesmo: a derrubada. O campo destinado plantao inicialmente era limpo, retirando-se o mato e plantas rasteiras, para depois se empreender uma grande queimada, na estao seca. Tratavase de uma tarefa perigosa, para a qual se contratava, a altos salrios, os chamados marginais, ou trabalhadores livres. Os produtores consideravam muito arriscado colocar os escravos nessa tarefa, uma vez que eles freqentemente constituam a maior parte da riqueza por eles possuda, tal como exposto por ANDRADE (2002). Esse mtodo, combinado com a exuberncia da vegetao original da Zona da Mata, certamente gerou uma impresso distorcida dos cafeicultores quanto fertilidade de seus solos. A Mata Atlntica, de maneira similar Floresta Amaznica, possui plantas adaptadas a solos pobres e chuvas abundantes, se nutrindo basicamente da matria orgnica que se acumula no solo. Quando queimadas, suas cinzas incorporam uma parte significativa de nutrientes ao solo, que vo se somar camada de matria orgnica antes sustentada pela

floresta. O fato resultante dessa prtica um desenvolvimento inicial rpido dos cafezais, seguido por um declnio tambm rpido de sua produtividade. BLASENHEIN (1982) mostra que os cafezais da Mata atingiam produtividade mxima em oito anos, comeavam a decair por volta dos 16 anos e eram completamente inteis em 25 anos5. Isso quer dizer que, em meados de 1840, as plantaes pioneiras na fronteira com o Rio j estavam em declnio. Ainda assim, no havia preocupao em limpar os plantios velhos ou em adubar as terras para replantio. Era mais fcil abandon-los e continuar a expanso da fronteira para o norte, que coincidentemente possua solos relativamente mais frteis, embora em terrenos mais declivosos. Tal como ocorria no Vale do Paraba fluminense, a declividade no estava entre as preocupaes dos proprietrios. A esse respeito, VALVERDE (1985) afirma que:
Em ambas as zonas, os cafezais eram plantados seguindo a linha de maior declive. Isto, porm, tinha conseqncias particularmente ruinosas no vale do Paraba e na Zona da Mata, por causa das inclinaes nos terrenos. (...) o autor j mediu declives de mais de 30o em cafezais dessa mesma regio. (VALVERDE, 1985:54, grifos meus)

Cabe acrescentar que os plantios eram lineares e direcionados para a baixa vertente, o que, se facilita o trabalho de plantio e colheita dos gros, provoca o surgimento de processos erosivos em larga escala. Alm da eroso, a maior exposio do solo s intempries lava os nutrientes neles presentes. curioso constatar tambm que a legislao atual probe plantios em declividades superiores a 30o, tamanha a perda de solo resultante.
Da resultava que, entre os 15 e 18 anos de idade, os cafeeiros comeavam a se ressentir, em virtude de ficarem suas razes superiores expostas ao ar. (VALVERDE, 1985:54, grifos meus)

Por volta de 1850, um viajante citado por BLASENHEIN (1982) afirma que j no havia sinal de vegetao original no centro e no sul da Mata: milhes de ps de caf se espalhavam por toda a parte, desde os topos at os vales. Nessas alturas, pode-se indagar por que a crise da cafeicultura matense no sobreveio antes, digamos, de 1897. A resposta a essa pergunta est no tempo de maturao do cafezal: quando a produo estava chegando ao seu auge no sul, o centro ainda estava na fase da semeadura.
4

A discusso acerca do tamanho das propriedades polmica, posto que tradicionalmente se difundiu a idia de que elas eram pequenas. Para maiores detalhes, ver ANDRADE (2002). 5 A ttulo de comparao, os cafezais de So Paulo so produtivos por cerca de 30-35 anos. (VALVERDE, 1985) 9

Somente quando a fronteira se esgota, no final do sculo XIX, os problemas ambientais se transformam em problemas econmicos, que se somam a uma conjuntura internacional desfavorvel para o caf. Destarte, as dificuldades de comunicao anteriores a cafeicultura ainda no haviam encontrado soluo durante o perodo aqui analisado. O caf continuava sendo transportado, em lombos de mulas, pelo Caminho Novo e por outras trilhas at o porto do Rio. Embora o transporte ainda no fosse uma preocupao latente entre os produtores, ele restringia as relaes comerciais com outras regies, o que os induzia auto-suficincia. ANDRADE (2002) mostra que, alm da cultura principal, as grandes fazendas produziam milho, cana, mandioca e frutas, possuindo tambm pastagens, engenhos de cana, casas de vivenda e moinhos.Fazendas auto-suficientes em uma economia escravocrata resultam na quase inexistncia de mercado interno, assim como de aglomeraes urbanas significativas. As localidades eram de pequeno tamanho, servindo apenas como ponto de encontro de fazendeiros nos finais de semana, mas mesmo assim de maneira incipiente. (BLASENHEIN, 1982) Em 1850, a produo cafeeira da Zona da Mata mineira j estava consolidada, correspondendo a 7% da exportao global do Pas (GIROLETTI, 1988). As bases para o boom das dcadas seguintes estavam lanadas, e seriam suficientes para uma prosperidade sem precedentes para os produtores at o fim do sculo XIX, mas no para sustentar a hegemonia da Mata ao longo do sculo XX. At que a crise viesse, entretanto, houve tempo suficiente para que alteraes definitivas, de cunho infra-estrutural, poltico e econmico atingissem a Zona da Mata e mesmo o estado de Minas Gerais.

Das mulas ao trem de ferro


O quadro natural da Zona da Mata nunca deixou de ser um desafio produo cafeeira. Terrenos declivosos, solos pobres, eroso e mudanas climticas no atrapalhavam os lucros enquanto houvesse fronteira a conquistar. Para os transportes, entretanto, o quadro natural constitua empecilho econmico imediato, e a nsia em super-lo foi uma constante a partir de 1850. BLASENHEIN (1982) afirma que, com as mulas, os 215 Km que separavam o Rio de

10

Janeiro de Juiz de Fora eram percorridos em quatro dias, pelo Caminho Novo melhorado6. Alm da demora, outro motivo de reclamao eram as freqentes perdas causadas pelos perigos de um trajeto estreito e permeado por trechos de penhascos. Os prprios produtores procuraram resolver o problema, atravs de iniciativas de construo de novas trilhas, que culminaram em um projeto muito mais ambicioso: a rodovia Unio e Indstria. Em 1852, seu idealizador, Mariano Procpio, que tambm era um produtor de caf, conseguiu da assemblia provincial uma concesso para a construo de uma estrada macadamizada entre Juiz de Fora e Petrpolis. No ano seguinte, a companhia construtora foi fundada, empregando engenheiros franceses e mo de obra alem (grupos esses que iro influenciar a industrializao de Juiz de Fora). As dificuldades em se ultrapassar a Serra da Mantiqueira fizeram com que o projeto fosse concludo em 18617, mediante um emprstimo contrado em Londres. Os quatro dias de viagem foram reduzidos a nove horas. Isso contribuiu decisivamente para a expanso das exportaes de caf da dcada de 1860. Outro impacto extremamente importante da estrada foi a consolidao de Juiz de Fora como entreposto comercial da Zona da Mata. Desde os tempos do Caminho Novo essa funo j era por exercida pela cidade, mas sua influencia aumentou enormemente em funo da localizao da sede administrativa da companhia, que coletava todo o caf produzido na Mata e o transportava, em veculos prprios, at Petrpolis. O mesmo autor apresenta dados que confirmam o fato de que Juiz de Fora, alm dos negcios do caf, concentrava toda a importao de bens de consumo procedentes do Rio de Janeiro, revendendo-os para o restante da Zona da Mata. (GIROLETTI, 1988) Com o advento da ferrovia, a concorrncia com a Unio e Indstria se fez presente. Em seu trecho carioca, a Estrada de Ferro Dom Pedro II (EFP II) corria paralela estrada, cobrando fretes menores. Mariano Procpio obteve um acordo de baldeao, no qual todo o caf era transportado pela rodovia at Entre-Rios (RJ), de l sendo embarcado nos vages da ferrovia.

Segundo BLASENHEIN (1982), o Caminho Novo foi renomeado para Estrada Paraibuna em 1836, aps ser alargado por Antnio Jos da Silva Pinto, futuro baro de Bertioga. Desde 1810, entretanto, existiam novas trilhas ligando o Rio de Janeiro Mata central. 7 VALVERDE (1958) diz que seu traado coincidia, em linhas gerais, ao do Caminho Novo, que corresponde atual BR-040. 11

Mas nem isso assegurou a viabilidade econmica8 da estrada. A deteriorao da estrada, depois disso, foi rpida: em 1870, a Companhia foi extinta, e, em 1892, a estrada j estava intransitvel. (BLASENHEIN, 1982) Ao que tudo indica, a estrada macadamizada no parecia fazer falta, pois a ferrovia tornou-se o grande veculo do momento. Sua expanso ...se processou maciamente na segunda metade do sculo XIX. Foi a prpria economia cafeeira escravocrata que gestou no quadro do Estado Imperial as condies para a implantao desse setor. (MELO, 2002:175) Tais condies envolviam uma legislao favorvel, criada em 1852, que:
...assegurava aos acionistas das estradas de ferro juros de 7% (isto depois de 1857) sobre o custo estimado da ferrovia. Essa garantia vigorava pelo prazo da concesso (50 a 90 anos), mas ao final de 30 anos o Governo se reservava o direito de resgatar a estrada de ferro. Alm da garantia de juros, as companhias tinham privilgio de explorar as terras vizinhas ferrovia numa faixa varivel de 20 a 30 Km de cada lado dos trilhos em toda a sua extenso. As empresas contavam ainda com iseno para importao de trilhos, mquinas e equipamentos (material rodante) e gratuidade no transporte do carvo. (MELO, 2002:175)

A primeira estao ferroviria em Minas foi inaugurada em 1869, estando localizada em Mar de Espanha, no sul da Mata. Seus trilhos faziam parte do tronco principal da EFP II, que em 1876 chegou Juiz de Fora. Nesse intervalo de tempo, entretanto, muitas ferrovias menores foram criadas, a reboque dos incentivos citados acima e das presses da Zona da Mata sobre o Governo de Minas. Dessa forma, a construo de pequenos ramais tornou-se um timo negcio, principalmente porque as companhias podiam ser vendidas no mercado com lucros de 5 a 10%. A maior parte desses ramais eram ligaes entre o interior e a EFP II, e seu desenvolvimento era concentrado espacialmente na Zona da Mata. A arrecadao da provncia nesse perodo era proveniente principalmente do caf matense, e seus polticos no se esqueciam disso, caso houvesse reclamao de que muitas cidades no eram atendidas pelos trilhos. Como resultante, BLASENHEIN (1982) mostra que 11 das 25 concesses de ferrovias emitidas pelo Governo mineiro na dcada de 1870 eram destinadas Mata (que representa cerca de 5% da rea do estado). Em 1884, a malha ferroviria da regio era de 602 Km, contra 269 Km no Sul de Minas e 135 Km na regio Central.

Nesse momento, antecipando um final pouco auspicioso, Mariano Procpio j havia vendido a Unio e Indstria para a EFPII, tornando-se um dos seus diretores. 12

Apesar da necessidade de concesso para a construo das ferrovias, nenhum tipo de planejamento consistente com relao aos traados era feito e s necessidades intra-regionais. Acrescente a isso ao fato de que o Governo mineiro garantia um subsdio adicional por quilmetro construdo, o que incentiva a construo ferroviria, mesmo em situaes nas quais os traados subvertessem qualquer racionalidade econmica. A questo das bitolas, amplamente discutida na literatura, tambm cobrava seu preo. A EFP II utilizava a bitola de 1.6m, mais resistente que a de 1m utilizada nas ferrovias privadas da Mata, mas francamente inadequada ao relevo da regio. (BLASENHEIN, 1982). Contudo, o envolvimento dos grandes cafeicultores na construo das ferrovias foi um problema de monta. BLASENHEIN (1982) afirma que eles subestimaram os custos de construo e manuteno dos ramais, bem como superestimaram as quantidades de caf a serem transportadas. Alm disso, algumas ferrovias nada mais faziam que atender aos caprichos de alguns fazendeiros, desejosos de que elas passassem por suas propriedades. Tudo isso fez com que ferrovias muito prximas competissem entre si pelos fretes, em um processo predatrio economicamente, prejudicial Zona da Mata e oneroso aos cofres pblicos. O desenvolvimento ferrovirio da Zona da Mata tem duas conseqncias espaciais diretas. A primeira delas, muito clara, como relatado acima, a de que a integrao regional no foi favorecida como poderia. Ao privilegiar produtores e no localidades, as pequenas aglomeraes urbanas da Mata no tiveram a chance de se desenvolver em funo da ferrovia. Seguindo esse raciocnio, a chegada da ferrovia em Juiz de Fora incrementou seu papel de centro regional, como j vinha acontecendo desde 1861 com a rodovia Unio e Indstria. Apesar de municpios importantes receberem os trilhos, como Ponte Nova em 1879, tratavase apenas da extenso da influncia virio-radial de Juiz de Fora. Tudo isso viria promover vnculos de dependncia em relao ao plo regional. A segunda conseqncia deriva de um dos argumentos desenvolvidos por BLASENHEIN (1982). Comumente explica-se a decadncia da Zona da Mata pela concorrncia do Sul de Minas, dotado de melhores condies naturais. O historiador amplia essa percepo, dizendo que, alm disso, a estrutura de transportes do Sul tornou-se mais slida, ao no repetir os erros da experincia matense, em especial os da Estrada de Ferro Leopoldina (EFL). Em 1889, altera-se a legislao de incentivo s ferrovias, visando cessar a sangria dos cofres pblicos causada pela poltica inconseqente da EFL. O sistema de subsdios foi substitudo pelo de

13

emprstimos a juros baixos, e os deputados matenses no mais conseguiam concesses para a sua regio9. Nesse sentido, pode-se dizer que a poltica ferroviria da Mata gerou dois efeitos colaterais. Por um lado, porque houve desperdcio de recursos que poderiam ter sido aplicados no desenvolvimento intra-regional ou, na pior das hipteses, em companhias ferrovirias minimamente lucrativas. Por outro lado, porque, com os recursos tributrios oriundos da Zona da Mata, as ferrovias do Sul de Minas puderam se desenvolver em bases mais slidas e racionais. Como a cafeicultura sulista ainda estava em sua fase inicial nessa poca, a maior parte da receita estadual era proveniente do caf matense. Assim, a partir de 1889, o Sul de Minas foi se beneficiando com a substituio do sistema de subsdios. Os traados de suas ferrovias passaram a contar com um melhor planejamento, constituindo uma estrutura mais racional que a matense. Citando os anais da Cmara de 1892, BLASENHEIN (1982) reproduz o discurso de um deputado do Sul de Minas que dizia: a Mata nos ensinou como no devemos construir estradas de ferro10 (grifo meu). O caf como atividade predatria, escravista e monocultora, mas muito lucrativa A cafeicultura, embora j estivesse consolidada na Mata em 1850, ainda no havia atingido seu limite de expanso. Existiam ainda muitas terras virgens a serem ocupadas no norte, e isso foi feito. Portanto, antes de 1900, a ocupao das trs divises principais da Zona da Mata, sul, centro e norte estava consolidada, com a efetiva integrao dessas reas no circuito de produo de caf. Essa expanso se deu sobre solos geralmente mais frteis, mas com maiores declividades e riscos de eroso. Jornais da poca apontavam que, em 1860, j se verificavam alteraes no regime de chuvas na Zona da Mata. Mas os lucros dos cafeicultores no cessavam de aumentar. Os dados da Tabela 1 mostram um grande aumento das exportaes entre 1850-1897, acompanhado por um grande incremento populacional, em boa parte resultante das aquisies de mo de obra escrava. O trabalho escravo impulsionava a cafeicultura matense por meio de um sistema de
9

A Leopoldina era uma estrada de ferro privada originalmente capitalizada pelos produtores da Zona da Mata. Envolvida em uma desastrosa poltica de aquisies na dcada de 1880, bem como em interminveis lutas polticas em Minas e no parlamento carioca, sua histria simboliza o caos que se instalou no desenvolvimento ferrovirio da regio e do Vale do Paraba fluminense, onde ela tambm operava. Para uma anlise detalhada, vide MELO (2002) e, principalmente, BLASENHEIN (1982). 10 The Mata taught us how we must not built railroads. (BLASENHEIN, 1982:153) 14

retroalimentao. Para que a produo aumentasse, eram incorporados mais braos lavoura, uma vez que melhorias tcnicas no faziam parte do iderio dos produtores. O tratamento conferido aos escravos era to brutal quanto aquele praticado no lado fluminense do Vale do Paraba, contrariando a viso romantizada do bom senhor, difundida na poca. Da mesma forma, as alforrias, prtica corrente em outras regies de Minas11, no era difundida na Mata e no Vale do Paraba fluminense. Como se sabe, a populao mineira no deixou de se expandir durante a maior parte do sculo XIX. Parte expressiva desse crescimento foi resultado da importao de escravos, seja da frica, seja do Nordeste brasileiro. A expanso da cafeicultura na Zona da Mata entre 18501885 certamente contribuiu expressivamente para esse incremento demogrfico, a ponto de tornar vivel a aquisio de grande volume de mo de obra escrava de outras regies mineiras, prerrogativa no disponvel a So Paulo e Rio de Janeiro12. Tal como no restante do Brasil, a populao escrava caiu drasticamente em Minas aps 1885, mas no na Zona da Mata. Em Juiz de Fora, por exemplo, havia 21.808 escravos em 1883 e 20.905 em 1887. A disponibilidade dessa mo-de-obra dentro de Minas fez com que no se considerasse a utilizao de trabalho assalariado a partir de 1870, tal como no Rio e em So Paulo. (BLASENHEIN, 1982) Na mesma poca, revoltas de escravos e fugas em massa estimularam os paulistas a encarar a migrao estrangeira como uma alternativa mo-de-obra escrava. Com a vinda de milhares de colonos europeus, o apoio dos paulistas a manuteno da escravido reduziu-se, concentrando-se apenas na questo da indenizao por escravo liberto. Apesar disso, em 1888 a Lei urea foi assinada, sem prever qualquer tipo de compensao financeira para os proprietrios. As conseqncias da abolio para a Mata foram bem menos dramticas do que seus produtores esperavam, j que os efeitos foram muito mais psicolgicos do que econmicos.
Para maiores detalhes a esse respeito, consultar: PAIVA, Eduardo Frana. Pelo justo valor e pelo amor de Deus: as alforrias de Minas. In: LIBBY, Douglas Coly; PAIVA, Clotilde Andrade (org.). 20 anos do seminrio sobre a economia mineira: histria econmica e demografia histrica. Belo Horizonte: Cedeplar, 2002. v.2, p.313-341. 12 ANDRADE (2002) confirma a tendncia de concentrao de escravos na Mata, mas observa que a importao de outras provncias tambm era muito relevante. Citando dados do Cartrio de Sarandy, distrito de Juiz de Fora entre 1875-78, constata-se que 80% dos escravos l registrados eram provenientes do Nordeste, principalmente da Bahia. Os dados de venda do mesmo distrito mostram que 89% das vendas eram feitas para a prpria Zona da Mata, sendo o restante vendido para fora da provncia. 15
11

Alis, os dados da Tabela 1 mostram que as exportaes de caf de fato caram em 1888 e 1889, mas logo em seguida retomaram seu crescimento. Considerando a mentalidade preconceituosa e aristocrtica e o alcance das mudanas daquele momento, no poderia causar surpresa verificar que os jornais da poca reclamavam do golpe mortal deferido em 13 de maio, culpando a abolio por qualquer problema enfrentado pela cafeicultura. (GONTIJO, 1992)
Tabela 1 Exportaes de caf mineiras 1820-1906 Ano 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1875 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 Quantidade (em toneladas) 221 1172 3506 5845 8422 22340 47356 42590 80369 52754 84128 53886 62207 86653 96868 75714 69445 58253 69634 67910 62397 61154 101023 107363 172245 132471 139954 104196 188216 178121 187276 129505 137402 173789 Valor oficial (em contos) 23 122 365 812 3994 6851 15627 14054 30138 19783 33336 22740 27060 39214 45222 40119 38195 40893 87056 101968 90029 118938 143352 135738 137758 105036 119489 87958 97642 83361 77692 80350 58238 68336

Retirado de BLASENHEIN, 1982:38

OBS: As exportaes vindas do Sul de Minas perfazem cerca de 5% do total em 1882, chegando a um tero delas em 1906.

16

A soluo encontrada pela Zona da se deu atravs dos regimes de parceria (meaes e empreitadas), bem como algum raro assalariamento. Nas meaes, os proprietrios forneciam o equipamento e as sementes, sendo permitido aos parceiros plantar produtos para sua subsistncia entre os cafezais. Em troca, deveriam ceder dois teros do caf colhido, com o tero restante servindo como pagamento. Nas empreitadas, os proprietrios fixavam um valor por quantidade de caf colhida. (BLASENHEIN, 1982) Vrios autores, citando o Relatrio Prates de 1906, afirmam que a parceria foi a resposta possvel para uma economia em crise, que no podia pagar salrios a seus trabalhadores. Toda a tese de GONTIJO (1992) dedicada a questionar esse argumento. Seus dados mostram que durante o auge da produo, quando os fazendeiros podiam pagar salrios, os modelos intermedirios entre escravido e assalariamento prevaleceram. Seja como for, o fato que a abolio sem indenizao no gerou impactos econmicos profundos sobre a Zona da Mata, tais como os verificados no Vale do Paraba fluminense, onde a produo, que j vinha em crise, entrou em colapso. Da mesma forma, no impactou na estrutura agrria, uma vez que no houve parcelamento de terras imediatamente aps o fim da escravido. No geral, sua conseqncia mais importante a adeso da quase totalidade dos proprietrios ao movimento republicano. Sem a sustentao da elite agrria do Pas, o Imprio resistiu apenas um ano e meio aps a Lei urea. Impactos muito mais significativos esto relacionados alta dos preos do caf. Iniciada na dcada de 1870, mas intensificada ao final da dcada de 1880, essa alta modificou completamente a estrutura produtiva das propriedades matenses. As terras ocupadas com produtos de subsistncia foram substitudas por cafezais, extinguindo a auto-suficincia regional e causando uma alta generalizada no custo de vida, j que, para os proprietrios, era mais barato comprar seus alimentos no Sul do Brasil do que usar terras para produo de alimentos. A escala desse problema acabou assumindo uma dimenso estadual, medida em que a Mata continuava atraindo migrantes, o que repercutia na reduo da produo de excedentes em outras regies do estado. Essa conjuno de fatores, somada melhoria dos transportes interprovinciais em fins do sculo XIX, fez com que Minas deixasse de ser auto-suficiente, passando a importar alimentos de outras regies do Pas.

17

Outra mudana importante se deu no volume e na forma de arrecadao dos impostos em Minas. Sua captao se dava atravs dos impostos de exportao, tanto na fronteira de Minas com o Rio de Janeiro quanto no porto do Rio, totalizando 11% do valor do caf. As mudanas nas taxas de arrecadao no porto e na fronteira de Minas, e a obrigatoriedade da apresentao de recibos de pagamento dos impostos para que o caf fosse exportado, gerava especulao, de modo que, em alguns perodos, o caf da Zona da Mata pagou 33% de impostos no porto do Rio. At que uma soluo fosse acordada pelos governadores dos dois estados, em 1894, a Mata perdeu muito dinheiro em terras cariocas. Ao mesmo tempo, a cafeicultura que se iniciava no Sul de Minas no padecia desse tipo de problema no porto de Santos. No tempo do Imprio, todos os impostos eram arrecadados pelo Governo Central, que os redistribua entre as provncias, de acordo com os critrios do regime monrquico. Com a repblica, esses impostos passaram a ser arrecadados diretamente pelo estado de Minas Gerais, o que provocou um grande incremento da receita na dcada de 1890. Os impostos arrecadados sobre o caf da Mata chegaram a compor 80% das receitas estaduais nos primeiros anos da repblica, fato que altera a postura dos matenses frente a questes polticas importantes para Minas nesse momento, como a necessidade de mudana da capital.

A super-produo e a decadncia da economia cafeeira


Em decorrncia da super-produo nacional, os preos mundiais do caf comearam a cair em 1896, e em 1897 que eles atingiram um patamar to baixo a ponto de alarmar os produtores matenses. Como agravante, o encilhamento ainda produzia seus efeitos, na medida em que a moeda nacional continuava a se desvalorizar frente Libra, o que penalizava ainda mais os produtores. Na verdade, as causas da crise de superproduo no esto na Zona da Mata, uma vez que, nesse momento, sua produo era relativamente pequena quando comparada com o de So Paulo. Entretanto, foram os fatores internos regio que fizeram com que seus impactos sobre a economia regional fossem devastadores. A desvalorizao do produto tornaria evidentes as deficincias internas da produo matense, bem como as vantagens comparativas de So Paulo e do Sul de Minas. O quadro natural o primeiro elemento que depe contra a Zona da Mata quando a queda dos preos se instala. No princpio da dcada de 1890, os problemas ambientais chegavam Juiz

18

de Fora e Leopoldina, resultando em queda generalizada do volume de produo no sul da regio. BLASENHEIN (1982) relata que, em 1877, os seis municpios s margens dos rios Paraba e Paraibuna produziam mais de 90% do caf mineiro, o que correspondia a cerca de 40 mil toneladas. Vinte e cinco anos depois, quando as exportaes mineiras chegaram a 117 mil toneladas, os mesmos seis municpios produziam apenas 10.000 ton13. Isso no quer dizer que os mtodos de produo em Muria fossem mais modernos, e sim que os cafezais eram mais novos. Prova disso que, na mesma poca, cai, em toda a Zona da Mata, a qualidade do caf produzido, exceo dos municpios do norte. Isso foi uma decorrncia direta da exausto dos solos e do mtodo arcaico14 de beneficiamento dos gros, tal como apresentado por VALVERDE (1958). Entretanto, atribuir ao quadro natural a responsabilidade pelos problemas da cafeicultura da Mata no suficiente. Alm da influncia de outros fatores, h problemas mais ligados ao tipo de manejo praticado do que s condies intrnsecas dos solos e relevo da Mata. Os rudimentos da fertilizao de solos j eram conhecidos na poca do auge do caf. O relevo ondulado, a no ser em condies de declividade acima dos 30o, pode ser contornado atravs de tcnicas de correo como plantio em curvas de nvel e terraos. Ambas as correes, embora impliquem custos mais elevados, permitiriam que a produo se mantivesse por mais tempo, com gros de qualidade superior. Como resultado direto da associao entre quadro natural e manejo inadequado, a qualidade do caf da Mata se tornou um problema srio quando se iniciaram as discusses sobre polticas visando a soluo da crise. Em agosto de 1905, delegados vindos de Minas Gerais e Rio de Janeiro se juntavam aos paulistas, em Taubat, para acordar uma poltica de valorizao. A Conveno de Taubat, como ficou conhecida, propunha que o governo federal contrasse um emprstimo de 15 milhes de Libras, com o intuito de retirar um tero do caf excedente do mercado. Para financiar seu pagamento, os estados passariam a cobrar

13 14

A ttulo de comparao, o municpio de Muria, situado na Mata central, produzia as mesmas 10.000 ton. Trata-se do ...processo mido; no o adotado nas ndias Ocidentais, mas exatamente o mesmo que se empregava no Vale do Paraba (...). ste (sic) processo, embora utilizando a via mida, produzia cafs de tipos inferiores. Em So Paulo, a produo de caf no s aumentou mas ainda melhorou de qualidade (VALVERDE, 1958:45-46). CARRARA (1999) ainda adiciona outro elemento anlise, quando afirma que a introduo de maquinismos se dava de maneira extremamente lenta. Somente a partir da crise, arados modernos passaram a ser incorporados com mais intensidade. Mesmo assim, foram necessrios incentivos estatais, como a criao da Diretoria de Agricultura, em 1906, e a venda desses equipamentos preo de custo em algumas prefeituras, como a de Leopoldina. 19

uma taxa entre 32 e 36 Francos por saca de 60Kg de caf. Alm disso, o emprstimo tambm deveria financiar uma caixa de converso, na qual o valor do milris fosse estabilizado. O governo de Minas Gerais prontamente endossou a conveno, mas, em funo de sua crise fiscal, no possua condies de honrar com a sua parte no pagamento do emprstimo. Alheios a isso, os cafeicultores paulistas bancaram sozinhos o Convnio, o que lhes permitiu tomar a deciso de valorizar apenas os melhores tipos de gros, o que exclua a maior parte do caf da Zona da Mata. Por isso, pode-se dizer que nesse ponto da histria que as vantagens comparativas do Sul se impem, em termos de solos, clima e manejo mais adequados. Os produtores matenses atribuem a superioridade conquistada pelo Sul apenas ao quadro natural, mas inegvel que outros fatores contriburam. A produo sulista beneficiou-se com os erros praticados pela cafeicultura matense. De outra parte, o Sul nunca abandonou os cultivos de subsistncia, o que impediu a instalao do processo de dependncia caracterstico da Zona da Mata na dcada de 1880. Em um contexto de queda no valor de compra da moeda brasileira, ser auto-suficiente em alimentos certamente era uma vantagem. No caso da Mata, as reas abandonadas pela cafeicultura foram reaproveitadas para pastagens e cultivos de subsistncia. Se, por um lado, isso parece ter sido bom, foi pssimo por outro: a auto-suficincia se reconquistaria, mas custa da queda no valor da produo agrcola regional. No Sul, isso no foi necessrio, posto que as reas de produo de alimentos j existiam. Como se no bastasse, em 1904 a deteriorao ambiental atingia o centro da regio, o que tornou ainda mais reduzidas as chances de revalorizao da atividade cafeeira na Mata mineira por meio da melhoria da qualidade dos gros.

A diversificao produtiva
A situao crtica da cafeicultura levou os proprietrios matenses busca de alternativas de renda, de modo a minimizar os impactos da crise. A agricultura gradativamente foi redirecionada para a exportao de gneros alimentcios. A volta da produo de alimentos e a disseminao da pecuria se deu basicamente aps a crise de 1897. Entre 1898 e 1900, as exportaes de pecuria para o Rio mais que triplicaram, acarretando conseqncias diretas sobre o setor laticnios, que tambm aumentou sua produo. Um incentivo essencial para essa mudana foi a concesso de fretes mais baixos na Estada de Ferro Central do Brasil

20

(EFCB), apenas para os produtos alimentcios. Pela primeira vez desde a dcada de 1880, a Mata cultivava milho, feijo, arroz e batatas. (BLASENHEIN, 1982) O governo mineiro estimulava intensamente essas mudanas, principalmente visando o desenvolvimento da pecuria na Mata. Matrizes para melhoria dos rebanhos foram compradas, com ajuda estatal, do sul do Brasil e do exterior. Feiras de pecuria foram sendo criadas em vrios municpios. Os incentivos e as sobretaxas as importaes de alimentos, promulgadas em 1904, se somaram reduo dos impostos de exportao da pecuria, laticnios, feijo, arroz, acar e fumo. No mesmo momento, os impostos sobre a minerao tambm foram baixados, bem como as taxas de exportao de produtos industriais, como roupas, tijolos, mveis e cerveja. Tal esforo mostrava que a inteno no era apenas revitalizar a Mata, e sim alargar a base produtiva da economia mineira. O surgimento e desenvolvimento da indstria no devem ser considerados como mero desdobramento da necessidade de novas formas de renda. Entretanto, os incentivos destinados ao alargamento da base produtiva certamente a favoreceram, conforme mostra PAULA (1976). Concentrada principalmente em Juiz de Fora15 a indstria tem como seu marco inicial a construo da rodovia Unio e Indstria, que teria trazido consigo os trs fatores que GIROLETTI (1988) considera principais para deflagrar o processo industrial: a) capital proveniente da condio de entreposto comercial e dos excedentes produzidos pelo caf, foi capaz inclusive de fazer surgir um setor bancrio local16; b) mo de obra - advinda da contratao um grande nmero de artfices alemes pela Companhia Unio e Indstria17, que pagava salrios relativamente elevados. A medida em que a empresa entrou em decadncia, muitos deles tinham juntado capitais suficientes para montar pequenas indstrias de construo, ferragens, cerveja e mveis, entre outras18; c) mercado mesmo antes da
15

Nesse trabalho, somente ser analisada a indstria de Juiz de Fora, que constitui o maior parque industrial da Mata at hoje. Isso se justifica por motivos de espao e pela disponibilidade de informaes nas fontes consultadas. 16 Primeiramente voltado para o atendimento exclusivo dos cafeicultores, atravs do Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais, ele expandiu sua atuao com a fundao do Banco de Crdito Real, em 1889, financiador de alguns projetos industriais. 17 Cabe destacar que a maior parte de sua mo de obra era escrava, entretanto. 18 A primeira fase da industrializao de Juiz de Fora foi capitaneada basicamente pelos estrangeiros, com os brasileiros se mantendo relativamente afastados. Constituem excees os investimentos de alguma forma ligados a Bernardo Mascarenhas: a Cia. Mineira de Eletricidade e a Tecelagem Bernardo Mascarenhas. Enquanto a tecelagem era uma experincia conhecida para o industrial, a Cia. Mineira de Eletricidade, por sua vez, era a primeira produtora de energia hidreltrica da histria do Brasil. Sua criao tinha a inteno primeira de fornecer energia para a Tecelagem e para a iluminao pblica da cidade, antes feita a gs. Depois de um incio repleto de problemas em 1889, a companhia conseguiu alguma estabilidade no fornecimento, propiciando o uso dos primeiros motores eltricos industriais do Pas em 1898. (GIROLETTI, 1988) 21

abolio, o autor considera esse fator muito importante. Aps 1888, mesmo com o predomnio dos regimes de parceria ao assalariamento, uma parcela crescente de pessoas teria passado a consumir bens industrializados. Juiz de Fora, com seus 55 mil habitantes em 1890, era uma compradora de produtos alimentcios, como cerveja e laticnios, e dos bens relativos construo civil e melhorias urbanas. Esse tipo de consumo, entretanto, era suprido principalmente pelas pequenas indstrias. As de maior porte exportavam o grosso de sua produo para o restante do estado de Minas, Gois, Rio de Janeiro e So Paulo. Ao caracterizar a produo desse perodo CARRARA (1999) menciona como principais produtos os bens de consumo em geral, os utenslios agrrios e as mquinas agrcolas (principalmente desencaroadoras de arroz e caf), assim como as oficinas mecnicas e tipografias. Entretanto, acrescenta que o nico setor rigorosamente industrial na Mata era o txtil, j que nos demais predominavam os pequenos estabelecimentos semiindustrais, ou manufaturas antiquadas. Tais estabelecimentos, adverte o autor, eram classificados como industriais nas estatsticas oficiais, o que redimencionava a extenso da industrializao de Juiz de Fora. Essa afirmao permite que se rediscuta a magnitude da industrializao de Juiz de Fora. Embora hegemnica em Minas Gerais na poca, internalizava limitaes e fragilidades muito claras. Uma delas, apresentada por PAULA (1976) e GIROLETTI (1988), se referia dependncia externa. Tal dependncia se agravava na medida em que os equipamentos industriais s podiam ser obtidos no exterior com a intermediao dos negociantes da cidade do Rio de Janeiro. Mas o ponto de fragilidade mais srio, ao que tudo indica, era a concentrao dos investimentos em setores tradicionais, inclusive com o j notvel predomnio do setor txtil. Ademais, a indstria de Juiz de Fora produzia artigos similares aos do Rio e de So Paulo, mas com condies de venda inferiores, em face dos custos de transporte com os quais ela tinha que arcar. A no ser em situaes excepcionais, como no bloqueio das importaes em funo da Primeira Guerra Mundial, Juiz de Fora no vinha apresentando flego para atingir esses mercados. Da mesma forma, a indstria paulista estava em pleno processo de concentrao em grandes unidades, contra as quais os empreendimentos de pequeno e mdio porte da Mata no poderiam concorrer. DINIZ (1981), exibindo dados de 1907, mostra que, apesar do nmero de estabelecimentos txteis em Minas (36) ser maior que o de So Paulo (31), o capital dos paulistas (54.084 contos) era muito superior (16.884 contos).
22

PAULA (1976) e GIROLETTI (1988) apontam a construo e desenvolvimento de Belo Horizonte como um dos fatores que vulnerabilizaram a indstria juiz-forana. Para justificar sua tese, eles chamam a ateno para os custos elevados custos das obras e a distncia geogrfica entre a nova capital e a Zona da Mata. Esses argumentos, bastante conhecidos, devem ser relativizados, porquanto a produo industrial belo-horizontina em 1920 ainda no alcanava a metade da de Juiz de Fora. Alm disso, somente em 1936 a primeira rea reservada diretamente para a indstria foi inaugurada no Barro Preto (MOURA, 1994), no obstante os problemas de oferta de energia eltrica, que continuavam graves. Cabe observar, que melhorias nos transportes na Zona da Mata influram positivamente em Juiz de Fora, como prova o grande aumento da produo e do nmero de estabelecimentos registrados no perodo. Na verdade, s mais tarde a expanso de Belo Horizonte passaria a contar com volumes expressivos de investimentos pblicos e privados necessrios industrializao de grande porte. Isto faria decolar seu crescimento econmico de forma inusitada. Assim sendo, o peso econmico de Belo Horizonte s afetou marcadamente Juiz de Fora a partir de 1950, quando mudanas na poltica do estado, grandes investimentos na Zona Metalrgica, fragilidades internas ao parque industrial da Zona da Mata e a modernizao tecnolgica intrnseca ao processo de substituio de importaes do Pas desempenharam um papel decisivo.

Concluses e consideraes finais


A decadncia econmica da Zona da Mata mineira um processo freqentemente explicado por fatores associados s condies intrnsecas do quadro natural, ou fatores externos regio, como a concorrncia com reas mais dinmicas. Nesse trabalho a anlise sugere uma interpretao alternativa, na qual esses fatores so conseqncias de debilidades internas da economia matense. O quadro natural no foi um problema maior do que o modelo predatrio de produo e manejo da cafeicultura na Zona da Mata. Mais que isso, o quadro natural s foi um problema em funo desse modelo. O uso de tcnicas de conservao dos solos, j existentes poca, embora implicasse maiores custos e, talvez, em alguma perda de competitividade, removeria quase por completo os empecilhos lavoura. Da mesma forma, a concorrncia com reas mais dinmicas s foi danosa em funo do modelo matense, mais atrasado e tradicional do que o de outras reas emergentes. Na agricultura, o Sul de Minas e o Oeste Paulista, alm de contarem com uma geografia fsica
23

mais favorvel, eram tecnicamente superiores Mata, inclusive pela no utilizao do referido manejo predatrio dos recursos naturais. Nos transportes, a malfadada experincia da Leopoldina motivou mudanas polticas que estabeleceram um novo modelo de financiamento, mais racional e eficiente, que beneficiou o Sul de Minas. Na indstria, a concentrao das atividades matenses em setores similares aos do Rio de Janeiro e So Paulo no poderia suportar a fora econmica e industrial instalada nessas cidades. Alm disso, vnculos de dependncia tcnica, recorrentemente, atingiam Juiz de Fora por dcadas. Por ltimo, as concluses da anlise reforam a necessidade de se investir em reinterpretaes tericas e metodolgicas, de corte transdisciplinar, voltadas ao entendimento de relaes espaciais e econmicas. Por sua natureza e durao temporal, os fatores que estruturam interaes de tipo intra e inter-regional afetam profundamente as atividades produtivas, marcam a geografia econmica de muitas localidades e difundem possibilidades e potencialidades de retomada do desenvolvimento, desde que os erros cometidos no passado no se repitam, desde que os atributos e limitaes do quadro natural sejam devidamente considerados em uma perspectiva multidimensional.

24

Referncia bibliogrfica
ANDRADE, Rmulo. Notas prvias sobre a escravido na Zona da Mata de Minas Gerais (um estudo sobre as fazendas de caf de Juiz de Fora, 1850-88). In: LIBBY, Douglas Coly; PAIVA, Clotilde Andrade (org.). 20 anos do seminrio sobre a economia mineira: histria econmica e demografia histrica. Belo Horizonte: Cedeplar, 2002. v.2, p.91-124. BLASENHEIN, Peter Louis. A regional history of the Zona da Mata in Minas Gerais, Brazil: 1870-1906. 1982. 372 f. Tese (PhD em Histria) Departamento de Histria, Stanford University, Stanford. DINIZ, Cllio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrializao mineira. Belo Horizonte, UFMG, 1981. 256 p. CARRARA, Angelo Alves. Estruturas agrrias e capitalismo: contribuio para o estudo da ocupao do solo e da transformao do trabalho na zona da Mata mineira. Mariana: Universidade Federal de Ouro Preto, 1999. 101 p. Srie Estudos v.2 GIROLETTI, Domingos. Industrializao de Juiz de Fora: 1850/1930. Juiz de Fora: Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, 1988. 136 p. GONTIJO, Romilda Mouro. A parceria e o caf na Zona da Mata mineira 1850-1906. 1992. 220 f. (Mestrado em Cincia Poltica) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. MELO, Hildete Pereira de. Ferrovias e caf: Rio de Janeiro e Minas Gerais 1850/1910. In: LIBBY, Douglas Coly; PAIVA, Clotilde Andrade (org.). 20 anos do seminrio sobre a economia mineira: histria econmica e demografia histrica. Belo Horizonte: Cedeplar, 2002. v.2, p.173-195. MOURA, Helosa Soares de. Habitao e produo do espao em Belo Horizonte. In: MONTE-MR, Roberto Lus de Melo. Belo Horizonte: espaos e tempos em construo. Belo Horizonte: CEDEPLAR/PBH, 1994. p. 5177 PAULA, Maria Carlota de Souza. As vicissitudes da industrializao perifrica: o caso de Juiz de Fora (1930/1970). 1976. 193 f. (Mestrado em Cincias Humanas) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. RADAMBRASIL, Projeto. Levantamento de recursos naturais: folha SF.23/24 Rio/Vitria. Rio de Janeiro: Projeto RADAMBRASIL, 1983. 780 p. RADAMBRASIL, Projeto. Mapa de avaliao do relevo: folha SF.23/24 Rio/Vitria. Rio de Janeiro: Projeto RADAMBRASIL, 1983. Mapa de avaliao do relevo. RADAMBRASIL, Projeto. Mapa exploratrio de solos: folha SF.23/24 Rio/Vitria. Rio de Janeiro: Projeto RADAMBRASIL, 1983. Mapa de solos. REZENDE, Fernando. A tributao em Minas Gerais no sculo XVIII. In: LIBBY, Douglas Coly; PAIVA, Clotilde Andrade (org.). 20 anos do seminrio sobre a economia mineira: histria econmica e demografia histrica. Belo Horizonte: Cedeplar, 2002. v.2, p.19-49. SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO E COORDENAO GERAL. Divises Territoriais adotadas pela Administrao Pblica do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Superintendncia Central de Planejamento Institucional, 2000. 118 p. VALVERDE, Orlando. Estudo regional da Zona da Mata, de Minas Gerais. Revista brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v,20, n.1, p. 3-82, jan-mar 1958. VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia agrria brasileira. Petrpolis: Vozes, 1985. 266 p.

25

Você também pode gostar