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Gravuras Rupestres No Rio Negro - EIAA I - 2008

Este documento apresenta um panorama preliminar dos registros rupestres (petroglifos ou gravuras rupestres) encontrados na bacia do rio Negro na Amazônia Ocidental. Detalha sítios arqueológicos com gravuras identificados na área, incluindo o sítio Pedral Velho Airão, e discute brevemente a história das pesquisas sobre arte rupestre na região, destacando a ausência de contexto arqueológico e cronologias para os sítios.

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Gravuras Rupestres No Rio Negro - EIAA I - 2008

Este documento apresenta um panorama preliminar dos registros rupestres (petroglifos ou gravuras rupestres) encontrados na bacia do rio Negro na Amazônia Ocidental. Detalha sítios arqueológicos com gravuras identificados na área, incluindo o sítio Pedral Velho Airão, e discute brevemente a história das pesquisas sobre arte rupestre na região, destacando a ausência de contexto arqueológico e cronologias para os sítios.

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Registros

rupestres do
rio Negro,
Amazônia
Ocidental -
panorama
preliminar

Raoni Valle
319

A
presentamos aqui alguns dados preliminares sobre o panorama dos registros rupestres
(petroglifos ou gravuras rupestres) que vêm sendo encontrados na bacia do rio Negro.
Trata-se de uma área pouco conhecida da arqueologia amazônica, onde se está
desenvolvendo atualmente um esforço de pesquisa incipiente sobre o tema, marcadamente no
baixo e médio curso da bacia.
A perspectiva é cobrir um perímetro que se estende do município de Barcelos ao município
de Novo Airão (coordenadas S02°17’ W61°03’ a S01°16’ W62°17’). Temos, porém, nos
concentrado inicialmente entre a foz do rio Jaú (Parque Nacional do rio Jaú) e a foz do rio
Unini (Reserva Extrativista do Unini), afluentes do Negro.
Esta área possui algumas características ambientais interessantes por estar muito próxima
de uma confluência de bacias oriundas de regiões bem distintas (rios Negro e Branco) e por
apresentar uma geodiversidade específica onde o escudo cristalino das Guianas contata a
formação sedimentar Alter do Chão, esses são fatores que, acreditamos, podem influenciar
significativamente a variabilidade do fenômeno rupestre na área em questão.
Basicamente, os sítios encontrados não apresentam condições de escavação, portanto, não
sendo possível a obtenção de cronologias absolutamente datadas nem indiretas para esse
material, nem tampouco correlação com os vestígios arqueológicos de outros sítios escavados,
datados e melhor conhecidos na região (as Terras Pretas). Esses sítios rupestres poderão
unicamente, a partir do conhecimento disponível no momento, ser objeto de uma análise
gráfico-estilística preliminar e de um diagnóstico de conservação. O estabelecimento de
relações contextuais com o registro arqueológico mais amplo da região, como no caso da
relação com grafismos na decoração cerâmica das tradições e fases conhecidas na Amazônia
Central, por enquanto, não é possível.

Um breve histórico

As primeiras referências à arte rupestre na Amazônia Ocidental brasileira são encontradas


na literatura não arqueológica do século XIX e começos do XX, em relatos de viajantes,
naturalistas e antropólogos. Alfred Russel Wallace (1979 [1889]), Ermano Stradelli (1900),
Theodor Koch-Grünberg (1907; 2005[1909]) e Bernardo Ramos (1930) assinalam ocorrência
de gravuras rupestres ao longo da bacia do rio Negro, principalmente no seu alto curso nos
rios Uaupés e Içana, e no médio Amazonas, no rio Urubú. Alguns desses autores chegaram a
elaborar as primeiras tentativas de análise do acervo rupestre, porém, seguindo metodologias
próprias, estavam destituídos de um quadro teórico-metodológico arqueológico. Nessa
categoria Ramos (1930) é quem melhor se encaixa, pois logrou nos anos 20 “traduzir” as
gravuras rupestres no Médio Amazonas, do fenício e do grego para o português negando-lhes
a origem indígena.
320

Figura 1.
Mapa da área
investigada.
Fonte: IBGE.
321

Nos anos 60 e 70 do século XX antropólogos e etnobotânicos (SCHULTES; HOFMANN, 1982; REICHELL-


DOLMATOFF, 1976, 1978) prospectam intensamente a área do alto rio Negro. Levantam dados e
evidências acerca dos repertórios mágico-religiosos das populações indígenas locais, como
Tukano, Tuyuka e Dêsana. Trabalhando com a utilização de plantas alucinógenas (Banisteriopsis
sp.) em rituais de xamanismo, com atividade gráfica associada, apontam a possibilidade de
relação entre a ingestão dessas substâncias psicoativas, as práticas gráficas rituais desses povos
e as gravuras rupestres (petroglifos) abundantes nos rios do alto curso do Negro.
Somente a partir da segunda metade dos anos 80 poucos estudos começam a aparecer na
literatura arqueológica específica para a região ocidental da Amazônia. Três estudos pontuais
focados em registro rupestre foram executados na Amazônia ocidental brasileira: um em
Rondônia, no Alto Rio Madeira, prospectado por Eurico Miller (1992), outro em Balbina,
Amazonas (CORRÊA, 1994), e um terceiro em Boa Vista, Roraima (RIBEIRO et al., 1986, 1987, 1989).
Os trabalhos de Eurico Miller (1992) em Rondônia, especificamente nas bacias dos rios Abunã
e Alto Madeira, levaram este autor a identificar 3 estilos de gravuras rupestres definidos
como estilo A, B e C. Segundo ele, o estilo A se caracterizava pela técnica da picotagem,
figuras geométricas, zoomorfos complexos e máscaras estilizadas. O estilo B também definia
a técnica como picotagem, mas o motivo principal são antropomorfos frontais. Tanto A quanto
B ocorrem em ambas as bacias percorridas. O estilo C só foi identificado num único sítio e
apresenta-se pela técnica de incisões em “V” com muito geometrismo e mascaras
antropomorfas triangulares. Segundo Edithe Pereira (2003), Miller não encontrou elementos
que relacionassem as gravuras com as ocupações cerâmicas e pré-cerâmicas da região.
Configurava-se numa variável arqueológica isolada e sem contexto, como ocorre com a maior
parte das gravuras rupestres no Brasil.
Marcos Corrêa (1994) produz uma dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Rio
de janeiro (UFRJ) concentrada, majoritariamente, em gravuras, na área de impacto direto do
lago da Usina Hidrelétrica de Balbina, em Presidente Figueiredo (AM), onde foram localizados
22 sítios rupestres, hoje no fundo do lago em sua maioria. Já Pedro Mentz Ribeiro na década
de 80 (1986, 1987, 1989) executou um grande levantamento de pinturas e gravuras rupestres
de sítios ameaçados por depredação no entorno da capital de Roraima e em algumas bacias
próximas. Ambos os estudos definiram estilos de fenômenos gráficos diferentes para suas
respectivas áreas, assinalando já aí indícios de diversidade cultural nas manifestações gráficas.
Assinalamos ainda que os dois estilos definidos por Corrêa-Pitinga e Abonari-Uatumã, contêm
elementos caracterizadores que podem estar representados na área do baixo/médio rio Negro.
Em relação à cronologia, Ribeiro (1986) chega a escavar o sítio Pedra Pintada, na terra
indígena São Marcos, em Roraima, um abrigo com muitas superposições de pinturas rupestres,
onde foi obtida uma datação absoluta de 4.000 anos antes do presente (A.P.), para um nível
arqueológico contendo fragmentos de parede pintada. Mas não foi possível, a partir desta
datação, estabelecer uma cronologia para os momentos picturais do sítio (PEREIRA, 2003).
322

Michael Heckenberger (1997) prospecta a bacia do rio Jaú, tributário do Baixo Negro nos
anos 90, e assinala a ocorrência de diversos sítios cerâmicos e de pelo menos três conjuntos
de gravuras rupestres entre o sítio pré-colonial e histórico da cidade de Airão Velho e o Baixo
Rio Jaú, sem, no entanto, fazer nenhuma observação específica acerca dos grafismos. Por
último, Valle (2006a, 2007) retorna à área do rio Jaú se estendendo até a bacia do rio Unini
para dar início efetivo à localização georreferenciada e documentação fotográfica sistemática
das gravuras no Baixo e Médio Negro.
Com relação ao Alto Rio Negro (ARN), embora os petroglifos da área sejam conhecidos da
antropologia cultural, nunca foram documentados e estudados sob o ponto de vista arqueológico.
Em 2008 uma prospecção arqueológica com apoio da FOIRN (Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro) foi direcionada para a bacia do rio Içana (VALLE; COSTA, 2008), o que
permitiu a identificação de 6 sítios rupestres, parcialmente submersos, entre o baixo e médio
curso desse rio. As gravuras são compostas sobremaneira por antropomorfos e grafismos puros
em afloramentos graníticos, além de uma minoria inexpressiva de zoomorfos. Ainda é muito
prematuro estabelecer qualquer relação desse material com as gravuras do Médio/Baixo Negro,
o que não quer dizer que tais relações não existam. Foi verificado que através do processo de
ressignificação das gravuras por parte das etnias indígenas atuais da área, tanto no Içana
quanto no Uaupés, muitos painéis vêm sendo refeitos, reavivados historicamente. Alguns sendo
regravados e outros sendo pintados dentro das gravuras.
Para a Amazônia Oriental a situação é bem diferente, Edithe Pereira (1990, 1996, 2003),
obteve os maiores resultados na sistematização arqueológica de diversos conjuntos gráficos
rupestres ao longo de mais de 15 anos de pesquisas. Sua investida concentrou atenção dentro
das fronteiras do Pará, embora também tenha documentado sítios nos estados de Tocantins,
Maranhão e Amapá. Observa-se que este tipo de trabalho, um inventário sistemático de
grandes proporções, é a base de dados ideal para se proceder ao trabalho analítico onde
diferentes estilos de registros são classificados e geograficamente situados. Trabalhos esses
que ainda se encontram em fase embrionária na Amazônia Ocidental.

Relação dos sítios rupestres localizados


até o momento no baixo/médio rio Negro

I) Pedral Velho Airão (Figuras 2 a 6) – Gravuras rupestres distribuídas, a princípio, em oito


concentrações que se estendem por 430 metros na linha de praia sentido leste-oeste do ponto
01° 55' 09.9"S 061° 24' 14.8"W no extremo Leste até 01° 55' 09.8"S 061° 24' 27.0"W no
extremo oeste. Sujeito à submersão em sua maior parte. Abundam antropomorfos em diversas
apresentações gráficas e estados de conservação (grosso modo, apresentam-se tecnicamente
muito descaracterizados o que pode ser indicativo de grande antiguidade) inter-relacionados a
323

um repertório significativo de grafismos abstratos, principalmente motivos espiralados de


diversas modalidades. Um único painel contendo seis unidades gráficas representa um conjunto
de zoomorfos quadrúpedes apresentados de perfil e em movimento, o que se configura numa
ocorrência bastante singular em relação ao entorno gráfico no qual se insere.

Figura 2.
Sítio Pedral do
Velho Airão.

Figura 3.
Sítio Pedral do
Velho Airão.
324

Figura 4.
Sítio Pedral do
Velho Airão.

Figura 5.
Sítio Pedral do
Velho Airão.
325

Figura 6.
Sítio Pedral do
Velho Airão.

II) Pedral Jaú 1 – Gravuras rupestres situadas há 500 metros direção oeste da base do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis (Ibama), na mesma margem –
direita (sul) – do rio Jaú distribuídas em duas concentrações separadas por 200 metros sentido
oeste-leste, uma em 01° 54' 15.8"S 061° 26' 07.2"W no extremo leste e outra a 01° 54’14.7"S e
061° 26’ 17.2"W, no extremo oeste. Parcialmente sujeitas à submersão. Comungam as mesmas
características gráficas do conjunto acima citado, sem ocorrência de formas animais (Zoomorfas).
III) Pedral Jaú 2 – Gravuras rupestres dispostas numa única concentração (painel) situadas
nas coordenadas 01° 54’ 43.2"S 061° 27' 31.9"W. Sujeitas à submersão. Comungam as mesmas
características gráficas do conjunto acima citado, sem ocorrência de formas animais
(Zoomorfas).
IV) Pedral Jaú 3 – Gravuras rupestres dispostas numa única concentração (painel) situadas
nas coordenadas 01° 53' 41.4"S 061° 32' 07.6"W. Sujeitas à submersão. Comungam as mesmas
características gráficas do conjunto acima citado, sem ocorrência de formas animais
(Zoomorfas).
V) Pedral Rio Negro (Figuras 7 a 10) – Gravuras rupestres nas margens do Negro distam 2400
metros na direção noroeste da boca do Jaú. Apresentam-se distribuídas em três concentrações
ao longo de 50 metros sentido leste-oeste, estando uma em 01° 53' 01.2"S 061° 26' 35.5"W,
no extremo leste, outra 35 metros a oeste desta, em 01° 53' 01.1" S 061° 26' 36.6" W, e uma
326

terceira há 10 metros oeste desta última, em 01° 53' 01.1"S 061° 26' 36.9"W marcando o
extremo oeste do conjunto. Sujeitas à submersão total. Apresenta um conjunto massivo de
grafismos puros, com uma única unidade possivelmente antropomórfica estilizada. Nesse
aspecto, este conjunto destoa sobremaneira dos grafismos anteriormente descritos.

Figura 7.
Sítio Pedral
do Rio Negro.

Figura 8.
Sítio Pedral
do Rio Negro.
327

Figura 9.
Sítio Pedral
do Rio Negro.

Figura 10.
Sítio Pedral
do Rio Negro.

VI) Sítio Unini 2 (Figuras 11 a 14) – Gravuras rupestres sobre pedral granítico (Rosáceo,
proterozoico, complexo Jauaperi), dispostas em três concentrações, sendo duas delas distantes
7 metros a norte uma da outra e referenciadas, portanto, no mesmo ponto 01° 40’ 12.8”S
061° 47' 32.2”W, marcam o extremo leste do conjunto. Distando 90 metros direção oeste,
encontra-se outra concentração nas coordenadas 01° 40' 13.0"S 061° 47' 34.6"W, marcando
328

o extremo oeste do conjunto. Parcialmente sujeito à submersão. Este conjunto apresenta


uma massiva concentração de zoomorfos, representando diversas espécies animais, num de
seus momentos gráficos e uma sequência de antropomorfos lado a lado em um momento
gráfico aparentemente anterior.

Figura 11.
Sítio Unini 2.

Figura 12.
Sítio Unini 2.
329

Figura 13.
Sítio Unini 2.

Figura 14.
Sítio Unini 2.
330

VII) Sítio Unini 4 – Trata-se de um segundo conjunto de gravuras rupestres, encontrado na


segunda cachoeira do rio Unini, logo depois da comunidade de Terra Nova. Trata-se de um
sítio rupestre com gravuras zoomórficas e antropozoomórficas (1 unidade), massivamente
aves análogas a garças e quadrúpedes em movimento, executados no plano horizontal através
de percussão indireta num dos afloramentos areníticos (arenito prosperança) no meio do rio.
Coordenadas1°41’51.02"S 61°50’4.93"W. Sujeito à submersão plena.
VIII) Mirapinima – Ocorrência que apresenta um possível fragmento de grafismo
descaracterizado e semissubmerso e outro grafismo exposto na seca, porém extremamente
desgastado, impossibilitando reconhecimento morfológico e técnico. É provável que tenham
mais grafismos abaixo da linha de seca, ou que já tenham existido. Diante do verificado
optamos por definir aí uma ocorrência rupestre até que se tenha melhor identificado a real
extensão e localização dos painéis de grafismos. Coordenadas 2°10’56.40"S 61°8’5.00"W.
Sujeito à submersão total.
IX) Madada 1 – Conjunto de grafismos rupestres gravados, petroglifos, no flanco SE de um
matacão arenítico (bloco ou rochedo) ilhado no meio de um dos canais do rio Negro em
frente à localidade conhecida como Madada. O conjunto contém 11 grafismos visíveis entre
reconhecíveis (duas faces estilizadas) e grafismos puros (espirais e motivos geométricos)
finamente picotados com instrumento lítico ou ósseo pontiagudo, de gume inferior a 0,5 cm,
através de percussão indireta. Coordenadas 2°17’52.70"S 61° 4’14.50"W/UTM 20 M 714554
9745858. Sujeito à submersão plena.
X) Madada 2 – Ocorrência de fragmento de grafismo bastante intemperizado, não permitindo
identificação morfológica nem técnica, salvo suposição de estar relacionado com o sítio
Madada 1 pela proximidade geográfica. É provável que tenham existido outros grafismos no
mesmo bloco, hoje desaparecidos pelo intemperismo. Coordenadas 2°17’54.10"S
61°4’14.40"W/ UTM20 M 714556 9745816. Sujeito à submersão plena.

Gravuras do Jaú e Velho Airão

Trata-se da maior concentração de petroglifos identificada até o momento, mais de 200


unidades gráficas divididas em 8 concentrações se espalham por cerca de 430 metros de
afloramentos no Pedral Velho Airão. Este e os petroglifos do rio Jaú compartem as mesmas
características gráficas, possuindo gravuras claramente associadas e pertencentes ao
mesmo perfil gráfico. Apresentam uma conjunção de grafismos puros (abstratos) com
uma profusão de antropomorfos estilizados dispostos a maioria estaticamente e alguns
em movimento, com membros abertos e com designação de atributos sexuais, indicando
dimorfismo sexual.
331

Chama atenção “cenas de partos” onde antropomorfos de reduzidas proporções se situam


entre as pernas e o setor correspondente à genitália de antropomorfos maiores, sendo este
motivo um grafismo emblemático do conjunto de gravuras do Pedral do Velho Airão dada a
sua recorrência.
Uma outra questão que se observa nesse conjunto é o fato de alguns blocos apresentarem
concentrações de antropomorfos dispostos de cabeça para baixo, possivelmente indicando
que os blocos podem ter sofrido deslocamento após a confecção dos grafismos, ou que se
trataria de uma escolha gráfica. Qualquer uma das duas possibilidades tem que ser averiguadas
com maior profundidade. A primeira ganha maior força ao constatarmos que ali houve
atividade histórica de extração de pedra para construção da vila de Velho Airão, com marcas
visíveis até hoje ao lado dos petroglifos tendo sido possível incluso aplicação de explosivos.
Tal conjuntura leva a supor a possibilidade de alguns daqueles blocos gravados terem sido
impactados por tal atividade.
Os motivos antropomórficos predominam como tema central neste conjunto, executados no
arenito Prosperança, friável e bastante intemperizado, com diversas apresentações gráficas
até sua decomposição em formas geométricas estilizadas, que remetem aos grafismos puros.
A técnica é a percussão indireta, com implemento provavelmente lítico de gume impactante
entre 0.5 cm e 1 cm. Possivelmente sem abrasão, no entanto, o estado de conservação não
permite avaliar com precisão as características técnicas originais. A maioria do conjunto se
mostra hoje sugerindo abrasão, contudo, percebe-se clara ação intempérica nas superfícies
conferindo uma aparência textural homogênea semelhante à aplicação de técnicas abrasivas
passando uma falsa impressão. No contraste com a superfície rochosa externa ao gravado
percebe-se essa homogeneização textural resultante do processo intempérico atuante. Nos
poucos grafismos em que as técnicas se mostram preservadas pode se identificar claramente
a percussão indireta, em transição, gradativamente sendo intemperizada até assumir a forma
“pseudoabrasiva”.

Gravuras do Pedral Rio Negro

Um terceiro conjunto de gravuras quantitativamente inferior ao Jaú, destoaria dos descritos acima
por apresentar uma massiva presença de grafismos puros, executados por percussão indireta
sobre o arenito Prosperança de matriz alaranjada. Se tecnicamente e na geologia este conjunto
se aproxima das gravuras do Jaú, se diferencia em temática e na apresentação gráfica.
Neste conjunto rupestre composto por 4 áreas de concentração gráfica, estando uma delas
já submersa no momento do contato, não foi possível, a rigor, a identificação positiva de
antropomorfos sem ambiguidade morfológica. No entanto, determinadas morfologias podem
332

ser correlacionadas aos grafismos puros do Pedral Velho Airão, que resultam de um processo
de esquematização avançada de antropomorfos, que somados às compatibilidades técnicas
e geológicas, poderiam indicar relações culturais mais estreitas.
Tal constatação pode contribuir para a formulação de hipóteses acerca de um processo de
mudança histórica num mesmo grupo que vai se distanciando num dado espaço de tempo e
mudando suas escolhas gráficas e socioculturais, mas, ocupando territórios muito próximos,
se consideramos os 6.300 metros que separam os sítios em linha reta. Também poderiam ser
grafismos contemporâneos, mas funcionalmente diferentes, isto é, integrariam processos
rituais diferenciados em forma e função, mas ligados a um mesmo grupo cultural.
O painel 1 deste conjunto apresenta-se relativamente bem conservado sendo possível verificar
claramente os traços técnicos usados na execução do gravado e todo o processo de paulatina
esfoliação da superfície original da rocha encontrada pelos autores culturais até o estado de
desgaste hoje verificado, conferindo ao painel uma importância técnica singular bem como
uma estética diferenciada. Geomorfologicamente ocupa um nicho na rocha, uma reentrância
que impede o contato direto com o poder de arrasto e abrasão da correnteza do rio, situando
as gravuras de frente para quem desce o rio, aparentemente aludindo a uma sinalização de
médio alcance, um “outdoor” fluvial para os antigos navegadores, ou quiçá, um marcador de
territorialidade.
Falar em descontinuidade temática entre esse sítio e o Pedral Velho Airão parece ser uma
constatação procedente, no entanto tecnicamente não haveria mais diferenças do que poderia
se supor a partir da percussão indireta, aplicada em ambos os casos. Mas a maior diferença
que salta aos olhos é a situação topogeomorfológica dessas gravuras, do próprio painel 1
como um todo. Estão diretamente em contato com o rio Negro numa situação de ampla
visibilidade para quem desce o rio, nada nos sítios anteriormente descritos remete a isso. O
Madada 1 seria uma exceção, não fosse orientado para a visualização de quem sobe o rio
estando no meio do canal. A extraordinária conservação dessas gravuras no arenito remete-
nos a uma pouca antiguidade, talvez mais recentes que os conjuntos desgastados nos arenitos
de Velho Airão.
O fato é que há ausência total de grafismos reconhecíveis objetivamente ou convencionados
dentro de regras gráficas feitas para permitir uma identificação figurativa de formas existentes
no mundo sensível, e que poderiam ser reconhecidas fora dos grupos autores, por pessoas com
qualquer formalização gráfico-cultural. Ou seja, aí se trata de um código hermético, uma
propriedade não encontrada com tanta onipresença em outros sítios da amostra. Reside aí a
singularidade desses petroglifos. Determinadas unidades gráficas apresentam relações
morfológicas com alguns grafismos puros de Velho Airão, mas, são minoritárias, não expressivas
perante o todo. Não podemos, portanto, afirmar que estamos diante do mesmo fenômeno gráfico.
Se isto implica em culturas diferentes, isso já é uma determinação mais complexa e não podemos
estabelecer necessariamente uma relação de homologia diante de tão poucos elementos.
333

Gravuras do Unini

Parece-nos ocorrer um perfil gráfico próprio da área do rio Unini, gravado no granito rosáceo,
do proterozoico (complexo Jauaperi), aparentemente através de técnica abrasiva,
possivelmente polimento ou raspagem direta; pode ter havido um momento técnico anterior
de percussão indireta, mas, não há como verificá-lo. Tematicamente predominam zoomorfos
em grandes tamanhos, entre 50 cm e 1m, apresentados com traços de identificação que
permitem reconhecimento morfológico, sobretudo morfologia cefálica, que leva à distinção
de “espécies” de animais diferentes, sempre em aparente movimento. Em determinado setor,
no que se convencionou como painel 1, há a ocorrência de uma fileira bastante intemperizada
de antropomorfos estáticos, onde se contam cerca de nove indivíduos, aparentemente situados
abaixo dos zoomorfos, indicando anterioridade na execução.
Essa relação de superposição torna-se mais evidente ao observar o que seria a calda de um
grafismo serpentiforme no canto oeste do painel 1 e a extremidade do conjunto de
antropomorfos. O que ainda precisa ser melhor definido, pois podem não integrar o mesmo
momento gráfico ou grafismos zoomórficos, podem ter sofrido algum reavivamento posterior
à confecção original. Portanto, no próprio painel 1 pode haver diversidade crono-estilística. A
formação granítica onde se encontram estende-se por 5 quilômetros em ambas as margens do
rio e os poucos grafismos que puderam ser localizados estão aparentemente tão intemperizados
que só aparecem sombras sutis de sua presença, sugerindo uma grande antiguidade, mais uma
vez considerando o desgaste lento desse tipo de rocha dura, ígnea. De fato, adotando-se um
raciocínio tafonômico acreditamos que este conjunto seja o mais antigo da amostra, dado seu
avançado estado de desgaste considerando-se um suporte de execução duro como o granito,
portanto, muito mais lentamente intemperizado do que o arenito.
No entanto, não temos traços indicativos de como poderiam ter sido em seus aspectos originais,
se apresentavam maior profundidade ou texturas outras, apesar disso a ocorrência de abrasão
(polimento ou raspagem) é evidente por contraste entre as áreas trabalhadas e não trabalhadas
dos corpos rochosos. Este conjunto necessita ser melhor conhecido, pois quantitativamente
trata-se de uma amostra bastante reduzida em termos gráficos e espaciais, bem inferior se
comparado ao material do Jaú e Velho Airão.
A segunda cachoeira do Unini, próxima à comunidade Terra Nova é um desafio ao modelo
teórico que tentamos construir a partir das hipóteses de grafismos multiculturais, com base
de separação hidrográfica e geológica. Pois, temos um conjunto de afloramentos areníticos
com gravuras zoomórficas (Unini 4), um padrão que vínhamos associando aos corpos graníticos
no rio Unini, executadas sob as mesmas técnicas encontradas no Pedral Rio Negro. Como
explicar isso? A exclusividade da temática zoomórfica não pode ser considerada como um
marcador de distinção cultural. É na relação que se estabelece entre temática, apresentação
334

gráfica, técnica e geoambiente que começamos a entender essas mudanças de fundo


hipoteticamente histórico-cultural.
Encontramos essa relação no sítio unini 2, mas no Unini 4 temos um conjunto de cerca 13
representações zoomórficas, a maioria aves, 3 quadrúpedes, um exemplar peculiar que parece
aludir a uma forma mista entre homem e ave, além de uma representação de face humana
estilizada muito simples, onde é possível identificar olhos, boca e contorno cefálico.
Acreditamos que este conjunto não apresentaria relações técnicas nem cronológicas com
Unini 2, dado seu bom estado de conservação sobre um suporte mole, onde as marcas da
percussão indireta estão ainda visíveis e as dimensões dos zoomorfos são inferiores. Então,
se a temática os une, uma série de outros fatores os separam, e a recorrência temática pode
ser explicada pela imitação ou convergência e não necessariamente continuidade cultural,
ou mesmo uma resposta de diversas culturas a uma abundância de recursos naturais ali
encontrados em tempos idos.

Gravuras do Madada e Mirapinima

Com respeito a esse material, pouco pode ser afirmado, pois não foi inspecionado nem
fotodocumentado diretamente pelo autor. O processo de fotorregistro detalhado é a peça
fundamental da metodologia de análise aqui adotada, sem o qual nada além do que
impressões pueris podem ser inferidas com base em fontes visuais que oferecem poucos
recursos analíticos. No caso do Mirapinima, único local diretamente visitado pelo autor, não
foi possível contato positivo com o material, ainda submerso.
Com relação ao parco material fotográfico acessado sobre os sítios Madada 1 e 2, cerca de
seis fotografias coletadas com equipamento de baixa resolução, e em condições precárias de
posicionamento para registro (o sítio se situa no meio do canal do rio e o bloco não permite
atracagem firme de embarcação nem desembarque no corpo rochoso), poucas coisas podemos
afirmar. Mas, a partir do conjunto gráfico do Madada 1 podemos considerar que,
aparentemente, a técnica original ainda é visível na maior parte dos grafismos denotando
que estão bem conservados, pois, estão em área protegida do contato direto com a corrente
do rio. Considerando-se o tipo de rocha arenítica, as gravuras não seriam muito antigas,
possivelmente contemporâneas as do Pedral Rio Negro (ou até mais recentes a julgar pela
superficialidade delas) e posteriores às gravuras do Velho Airão, dado o estado da erosão
verificado nestas últimas.
A temática, a apresentação gráfica e as morfologias apontam para grafismos puros e estilização
geométrica de faces. A técnica de execução seria percussão indireta, mas, executada com
um instrumento de gume percussivo inferior a 0.5 cm, ou seja, um instrumento extremamente
335

pontiagudo, aplicado sucessivas vezes numa mesma área marcada com pontos, para marcar
os traços muito superficiais, nesse aspecto, esse sítio é único a portar esse “melindre” técnico.
A situação topogeomorfológica do painel também difere do Pedral Velho Airão e se aproxima
do contato direto com o rio no pico da seca, como no caso do Pedral Rio Negro. Além disso, se
situa em condição de visibilidade a média distância de quem sobe o rio no período da seca,
teria, pois, a mesma propriedade conjetural de sinalização náutica (outdoor fluvial pré-histórico)
que o Pedral Rio Negro. Esses são alguns fatores que pudemos enumerar e que nesse primeiro
momento nos levam a crer em duas possibilidades: (1) o conjunto gráfico do Madada estaria
isolado enquanto fenômeno gráfico e os pares constitutivos desse perfil ainda não teriam
sido encontrados; ou (2) essas relações que apontamos com o Pedral Rio Negro se sustentam
e eles estariam inseridos muito próximos dentro uma classificação preliminar.

Gravuras do Içana

Optamos aqui por apresentar um pequeno apêndice sobre os petroglifos do Alto Rio Negro
(ARN) através de uma breve exposição sobre o sítio mais representativo da amostra até agora
lá coletada: Jandú Cachoeira (Figuras 15 a 18), no médio curso do rio Içana, terra indígena
Baniwa. Este sítio reflete bem a natureza dos petroglifos que estamos encontrando na área.

Figura 15.
Sítio Jandú
Cachoeira.
336

Figura 16.
Sítio Jandú
Cachoeira.

Jandú Cachoeira (Coordenadas 01°30’29.25"N 68°42’40.17"W UTM 19 N 0532104/ 0166710)


apresenta 77 grafismos identificados nesta inspeção, divididos em 7 áreas de concentração
(painéis) que se espalham por 4600 m² nas duas margens da cachoeira sendo o maior número
concentrado na margem esquerda (6 painéis). Área importante para os Baniwa, que têm em
“seu” Alberto, capitão da comunidade Jandú, um narrador da história mítica das figuras que
foram confeccionadas pelo herói fundador Ñapirikoli, o primeiro Baniwa.
Grafismos em três painéis apresentam sinais claros de “reavivamento” recente por técnicas
líticas abrasivas e um quarto painel encontra-se riscado por implemento fino. Áreas que
sofreram queimas diretas e intencionais também foram observadas tornando o granito
extremamente friável e quebradiço susceptível a grandes descamações nesses setores. O
reavivamento das gravuras se deve à importância que elas têm para os Baniwa, em função
da mensagem que lhes é transmitida, narrativas de sua história mítica, adotam, pois, uma
estratégia drástica de “conservação” dessa mensagem alterando tecnicamente ao longo das
gerações os painéis para não deixá-los desaparecer com a erosão, provocando uma espécie
de “etnointemperismo”. Mas, de maneira geral, um alto grau de intemperismo com
descamação e erosão do suporte é generalizado em todo sítio, bem como, formação de musgo
nas partes mais altas do afloramento cobrindo os petroglifos. Estes se apresentam em
diferentes estados de conservação, em algumas áreas de concentração não possuem mais
337

Figura 17.
Sítio Jandú
Cachoeira.
338

Figura 18.
Sítio Jandú
Cachoeira.

quase nenhum relevo estando em vias de rápido desaparecimento, em outros painéis


apresentam-se profundos e largos (2cm x 3cm).
Observou-se num dos painéis uma superposição indicando pelo menos dois momentos gráficos
diferentes em que antropomorfos morfologicamente diferenciados se superpõem, remetendo
a uma cronologia na elaboração do acervo e possivelmente na ocorrência de mais de um
estilo rupestre no sítio e no Içana. A técnica de execução não pôde ser identificada com
precisão em nenhum grafismo, presumivelmente se trataria de percussão indireta seguida
de abrasão em alguns casos. No conjunto geral: 3 zoomorfos, 17 antropomorfos e 57 grafismos
puros puderam ser contabilizados.
Jandú Cachoeira retrata um fenômeno de conservação próprio da área do alto rio Negro: as
gravuras sofrem duplo impacto – um acentuado intemperismo ambiental e um intemperismo
étnico, além disso, foram constatadas intervenções invasivas oriundas de outras atividades
de pesquisa. Emblemático desse processo foi a recente aplicação de giz (carbonato de cálcio)
nos petroglifos do Içana para documentação fotográfica de caráter antropológico (XAVIER,
2008) o que contaminou quimicamente e alterou em níveis desconhecidos o microambiente
das gravuras, bem como passou uma equivocada noção a intelectuais indígenas sobre a
condução de pesquisa com arte rupestre, à revelia do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional e da arqueologia. Casos de intervenção incauta da antropologia em sítios
339

arqueológicos e de “etnointemperismo” apontam para a necessidade de demorada reflexão


e conversação entre diversos atores sociais, no que concerne à preservação de tais
monumentos no ARN.
A área é vasta e complexa em seu fenômeno gráfico e nas inter-relações étnicas implicadas,
seu acesso demanda verdadeiras operações de guerra para permitir um reconhecimento, o
que seguramente retardará as pesquisas por alguns anos a mais do que no Médio/Baixo
Negro, logisticamente menos problemático.

DISCUSSÃO

A área que engloba de Velho Airão até o rio Unini apresentaria, em princípio, pelo menos
dois perfis gráficos distintos em técnica, temática, apresentação gráfica, escolha geológica e
estado de conservação. Ou seja, o conjunto de fatores sociais, ideológicos, técnicos e
cronológicos que produziu os grafismos do sítio granítico Unini 2 é, em princípio,
substancialmente diferente de todo resto da amostra e em termos de registros gráficos pré-
históricos. Temos indícios hipotéticos de pelo menos dois grupos humanos com distintas
apresentações gráficas e possivelmente sociais que gravaram naquelas rochas seus sistemas
de comunicação.
Suspeitamos da existência de um terceiro fenômeno que poderia estar relacionado aos sítios
Madada 1 e Pedral Rio Negro, e a ocorrência massiva de grafismos puros sem antropomorfos,
configurando-os num terceiro perfil gráfico para amostra, no entanto ainda não é seguro postular
essa afirmação, pois se trata da relação mais conjetural e frágil estabelecida internamente.
Com respeito à profundidade cronológica, o estado de conservação das gravuras executadas
no suporte granítico da primeira cachoeira do Unini é significativamente mais erodido, sem
profundidade ou distinção técnica marcada entre as áreas trabalhadas e não trabalhadas do
suporte. Por se apresentarem, em princípio, extremamente intemperizadas e considerando-
se a dureza da rocha ígnea, cremos serem de uma antiguidade superior às gravuras executadas
nos suportes areníticos, melhor conservadas numa rocha mole, daí deriva-se o raciocínio
tafonômico de serem mais recentes a partir da relação intemperismo + tipo rochoso.
Segundo Bednarik (1997, 1989), autoridade internacional em arte rupestre, as tradições de
petroglifos da América do Sul seriam, em sua maioria, do período arcaico, geologicamente
situadas no holoceno inicial a médio, compreendido entre 10.000 a.p. e 3.000 a.p.
aproximadamente, o que é uma janela ampla, considerando a periodização para arqueologia
amazônica que recuaria até 12.000 anos (ROOSEVELT, 1992). Datações radiométricas atribuídas
340

a níveis estratigráficos contendo fragmentos de parede gravada e implementos líticos usados


na confecção de gravuras em sítios no nordeste brasileiro, situaram tais fenômenos entre o
sexto e sétimo milênio antes do presente (MARTIN, 1987; PESSIS, 2002), corroborando uma
periodização arcaica. Para Amazônia, mesmo esse tipo de aproximação cronológica ainda
não foi possível, portanto, permanecemos, por enquanto, sem uma escala temporal para
situar esses petroglifos. Ainda assim, Koch-Grünberg (2005a, p. 244-245; 2005b, p. 50) observa
em dois momentos que a confecção esporádica de petroglifos na Amazônia Ocidental pode
ter continuado até a primeira década do século XX a partir de método informado (CHIPPINDALE;
TAÇON, 1992) por depoentes indígenas.
Assim, é plausível pensar em momentos distanciados no tempo para a chegada e ocupação
dos dois supostos perfis gráfico-sociais na área, ou seja, não seriam contemporâneos, no
entanto, não nos é possível afirmar qual o espaço cronológico entre essas manifestações. Tal
estado de coisas nos remete a várias questões: Seria mesmo uma fronteira gráfica, portanto
cultural, marcada entre os rios Jaú e Unini? Qual relação se teria com a barra do rio Branco
50 km acima, proveniente de Roraima e da Guiana? Estariam as gravuras no granito
relacionadas a grupos provenientes do rio Branco? Todas as gravuras no arenito seriam
contemporâneas e oriundas de um mesmo grupo autor? Por fim, haveriam de fato
especializações técnico-culturais aos diversos tipos de rocha encontrados na área?
Aprofundando mais um pouco, poderíamos configurar um problema de pesquisa interessante:
Seria a área de confluência entre o rio Negro e o rio Branco uma área de confluência cultural
na Pré-história? Apresentaria perfis gráficos distintos que remetessem a distintas identidades
étnicas e cronologias?
Essa seria uma consequência gráfico-rupestre plausível num ambiente multicultural com
profundidade cronológica desconhecida. Indícios preliminares nos levam a crer que isto pode
estar ocorrendo ali próximo entre o Unini e o Jaú. Ao se pensar em uma fronteira cultural,
antes de mais nada é preciso entender que temos como categoria de entrada nessa reflexão:
uma fronteira hidrográfica e geológica, portanto, de caráter ambiental. É de se esperar que
isso incida de diversas formas na adaptabilidade de grupos humanos na Pré-história e que
reflexos desse processo estejam matizados na expressão gráfica desses grupos.
Teríamos, pois, diversas estratégias adaptativas conforme os ecossistemas em questão, ao
menos 5 compartimentos ecossistêmicos estariam interligados pelo Negro (o sexto elemento
em si mesmo) na área foco: Jaú, Unini, Branco, Jauaperi e Jufaris. Se considerarmos essa
sobreposição com as calhas de rio cada um com particularidades ambientais próprias levando
à adoção de estratégias de adaptação específicas, e, por conseguinte, a bancos de dados
simbólicos diferencialmente associados, se teriam, pois, sistemas gráficos específicos para
cada um desses rios.
Até onde sabemos, essas inter-relações causais entre ecossistemas, estratégias de sobrevivência
e formação de repertórios simbólicos, e de maneira mais ampla culturais, diferenciados não
341

são lineares. E sem substrato cronológico que oriente a sucessão de eventos no tempo, fica
difícil definirmos unidades crono-estilísticas e suas áreas de dispersão geográfica, suas
fronteiras de contato e a periodização desses contatos entre diversos estilos.
Além disso, não se trata de uma fronteira no conceito político que temos hoje; seria algo
mais flexível e fluído do ponto de vista cultural, e certamente influenciada pelos regimes
hidrológicos do Negro e do Branco, no passado. No entanto, ainda não podemos determinar
como se manifestaria essa fronteira geoambiental no comportamento de populações humanas
pré-históricas; tão somente tentamos identificar fenômenos diferentes, circunscritos num
espaço delimitado e descrevê-los. E, por enquanto, ainda tentamos extrapolar do nível
conjetural ao hipotético nessa identificação das diferenças.
O primeiro passo antes de explicar a mudança, é caracterizá-la. Temos realmente estilos
diferentes de gravuras rupestres na área focada? Acreditamos que ainda é prematura tal
afirmação, sem entendermos o que ocorre mais acima, na área de confluência com o rio
Branco (e no próprio rio Branco, junto a seus vizinhos de águas preta e clara, o Jauaperi e o
Jufaris) numa perspectiva imediata, e em relação aos petroglifos do alto Negro a médio e
longo prazo. Mas o fato é que os caracterizadores gráficos e ambientais que adotamos como
categorias de entrada na análise gráfica dentro da metodologia que buscamos aplicar aqui
tem nos indicado diferenças significativas entre dois rios muito próximos um do outro no
exato setor onde temos uma fronteira geológica marcante, entre o cristalino ígneo e a bacia
sedimentar. Esses são elementos substanciosos para um início de reflexão e formatação
preliminar de um problema de pesquisa. Mãos à obra!

REFERÊNCIAS

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