0 notas0% acharam este documento útil (0 voto) 163 visualizações8 páginasAMARAL, Aracy. Oswald de Andrade e As Artes Plásticas No Modernismo Dos Anos 20 PDF
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OSWALD DE ANDRADE E AS ARTES PLASTICAS NO
MODERNISMO DOS ANOS 20. (*)
Aracy Amaral (**)
RESUMO
A partir do reconhecimento do cardter interdisciplinar da arte brasileira na dé-
cada de 20, esuda-se a atuacao critica de Oswald de Andrade, levantanda-se
etdes atuais como modemismo ¢ modemidade, universalism ¢ naciona.
Bimo. Conch septa endfeagio daprojo alka Bréclion conoomeor
{esternunho do intemacionalismo nactonalissa do modemismo brasitero.
Unitermos: modernismo; modemidade; universalismo; critica,
A riqueza interdisciplinar distingte 0 movimento modernista bra-
sileiro dos anos 20 daqueles ocorridos em outros pafses da América
Latina. O grupo que se forma apés a exposico rebelde de Anita Mal-
fatti em 1917 € que explode na Semana de Arte Moderna de 1922 em
S&o Paulo ja ¢, nesse ano, claramente, uma unido de forgas de uma
nova geracdo que deseja uma revolugdo formal; nas artes plasticas,
como na poesia ¢ literatura, na misica, na arquitetura. E nesse aspecto
© Modernismo brasileiro 6 Gnico no contexto latino-americano. No
decorrer dos anos 20 a renovagéio em todas essas dreas de criatividade
serd marcante, Oswald de Andrade e Mario de Andrade sSerdo, como jé
se escreveu, personalidades complementares, indispensdveis, por sua
criatividade poética e producao reflexiva e ensafstica, a caracterizar a
nossa modernidade. Que deveria surgir em Sao Paulo, cidade desvai-
rada cantada por Mério de Andrade e Blaise Cendrars, a crescer e de-
senvolver-se de maneira assombrosa desde as primeiras décadas do
século,
* Trabalho apresentada ds es da Centendrio de Nascimento do escritor.
** Professora apaseniada de Histénia da nena FAU.USH senior
6 Rev, Inst Est. Bras., SP, 33:68—75, 1992Marinetti € 0 futurismo assim como a palavra de Baudelaire nado
eram estranhos aos jovens da segunda década. Mas Oswald registraria
também o fascfnio pela cidade nova e pelo progresso que inspiraria os
modernistas "... Eu canto o Jardim das Delicias na tormenta ritimada
das usinas, no cubo incontroldvel dos arranha-céus, na geometria enso-
larada das avenidas e na terra que volta centuplicada de frutas, pela in-
tervengao miraculosa do adubo e do arado" , mostrando nesta expressio
dos anos 40 a permanéncia da vinculagio cidade-campo, racionalis-
mo-magia que nos anos 20 marcaram seu Manifesto Antropofigico.(1)
No entanto, se em sua primeira viagem a Europa, em 1912, Oswald
de Andrade descobre o manifesto futurista, alerta, portanto, as inova-
ges, em 1915 0 jovem intelectual jé define seu interesse também pelas
artes pldsticas ao criticar académicos que véo a Europa e apenas
copiam mestres reconhecidos ¢ ultrapassados sem se darem conta de
que nossa realidade € outra; e pede uma pintura que afirme essa cir-
cunstancia especffica, Mencionando o pintor Almeida Junior como
precursor de um espfrito novo, chama a atengio para os pintores que
depois do contato com a Franga, onde tudo est4 ” cultivado, reduzido &
expressdo complacente, ajardinado, por assim dizer“, ficam tomados de
pavor, ao regressar, "diante da nossa natureza tropical e virgem, que
exprime luta, forga desordenada, e vitéria contra o mirrado inseto que o
quer possuir". Assim, faz um veemente apelo para que, a sua volta,
“se desembaracem as recordagées de motivos picturais que
tiveram, das sugestdes da arte local que sofreram", e, "incor-
Porados ao nosso meio, 4 nossa vida, é dever deles tirar dos
recursos imensos do pals, dos tesouros de cor, de luz" a“ arte
nossa que se afirme, ao lado de nosso intenso trabaiho mate-
rial de construgdo de cidades, e desbravamento de terras, uma
manifestagao superior de nacionalidade" (2)
Pouco depois, Oswald de Andrade seria o primeiro defensor de
Anita Malfatti, que realizou a primeira individual "fauve" no Brasil, a
primeira exposicao realmente transgressora, em dezembro de 1917 €
janeiro de 1918. Oswald de Andrade sempre se orgulharia dessa defesa,
a que faria mencdo em escritos posteriores, mas em 1917, diante das
obras de Anita afirma que
"....A impressdo inicial que produzem os seus quadros é de
originalidade e de diferente visdo. As suas telas chocam 0 pre-
conceito fotografico que geralmente se leva no esplrito para as
novas exposigées de pintura"{...)
1 ANDRADE, Oswald de. Ansropofagia, 1" pag,,s.d., Arquivo Instituto de Estudos Brasitei-
tos da USP.
2 ANDRADE, O. de. Por uma pintura nacional. O Pirralho, S. Paulo, 2jan. 1915.
Rev, Inst. Est. Bras., SP, 33:68—75, 1992 o"Anita Malfatti é um temperamento nervoso e uma intelec-
tualidade apurada, a servigo de seu século" (3)
Nessas linhas apreende-se que Oswald identifica Malfatti como
uma personalidade artfstica diferente das demais que usualmente ex-
punham em S4o Paulo ou Brasil, embora n4o a localizasse exatamente
como “fauve"ou expressionista.
Esse dado o surpreende, e nota-se seu respeito em relagdo a essa
singularidade. Por outro lado, embora nfo a classifique como escola,
quicé mesmo por desconhecimento do expressionismo alemfo, men-
ciona que ela est4 “a servigo de seu século", qualificando-a portanto
como moderna, de seu tempo, talvez por isso chocante para 0 pablico
habituado ao academismo.
Como se sabe, apesar do ataque de Monteiro Lobato a sua pintura,
a exposi¢ao de Anita fez com que dela se aproximassem Di Cavalcanti,
Oswald ¢ Mario de Andrade, passando a partir de entdo a constituir-se
€m grupo renovador, embora ndo soubessem exatamente em que
diregdo. A eles se uniria pouco depois Brecheret, descoberto por
Oswald de Andrade e Menotti del Picchia e promovido por Monteiro
Lobato também, assim como pela revista Papel e Tinta (1920) que cir-
culava tanto no Rio como em S4o Paulo; como por Di Cavalcanti e
Mario de Andrade, este sempre atento aos companheiros artistas cuja
trajet6ria seguiria com fidelidade.(4) Mario da Silva Brito, o grande
estudioso da obra de Oswald de Andrade e dos antecedentes da
Semana de 22, narra epis6dios pitorescos e, pela primeira vez, reine,
em seu livro antolégico, vasta documentagio sobre os contatos entre
os intelectuais ¢ literatos de um lado, e a importancia que sobre eles
tiveram os artistas plasticos como Anita Malfatti e Brecheret.
A Semana de Arte Moderna em 1922 selaria 0 infcio do Moder-
nismo dos anos 20 e ocorre no ano da comemorag&o do Centendrio da
Independencia, a radicalizar nacionalismos como desejos de renovagao
formal. Jé no final de sua vida (anos 40 possivelmente) Oswald registra:
"Lembro-me como se fosse um episédio de ontem, o clima
confiante e euforico de 22. O homem é o animal essencial-
mente comemorativo"... (...) "Talvez o centendrio - acres-
centa Oswald de Andrade - "ndo tivesse a importancia que
teve Se a época marcada pelo fim da primeira guerra mundial
e pela revolugdo russa, seguida da revolucdo italiana ndo nos
3 BRITO, Mario da Silva, Histéria do Modernismo Brasileiro: 1- Antecedentes da Semana
de Arte Modema, Rio de Janciro, 1964. p. 61. O artigo de Oswald de Andrade se intitulou
i A sposiciode Anita Malfatti" € foi publicado no Jornal do Comércio, Sfo Paulo, 11 jan.
4 Verem BRITO, Marioda Silva, op. cit, 0s contatos de Oswald de Andrade com Brech
Anh amplartentedetalbadea, . som Brecheret
7 Rav. Inst Est. Bras., SP,
68-75, 1992(fizesse sentir uma quebra dos velhos padrées de viver e de criar.
Acentuava-se 0" frison noveau" trazido por Baudelaire e esse
“algo novo" que se procurava desde o princfpio do século nos
engatinhamentos arquiteténicos do" art noveau". Minha ge-
ragdo saiu @ procura do que se ia fazer para comemorar o
primeiro centendrio de nossa independéncia" (5)
Daf o encontrar que os monumentos que se preparavam para a co-
memoragdo assinalavam (como alidés Mario de Andrade também regis-
trou com amargura & época), 0 "mais torpe decadentismo europeu",
segundo palavras de Oswald de Andrade. Daf, para ele, a importancia
da descoberta de Brecheret, a trabalhar no Palacio das Inddstrias e 0
entusiasmo desses jovens pelo escultor como autor do Monumento as
Bandeiras.(6)
Porém, se ao mesmo tempo o intelectual autor de Os condenados
estava muito atento as inovagSes carregadas no impulso da Semana de
22, € nesse ano também que se fascina pela personalidade suave da
pintora Tarsila do Amaral recém-chegada de Paris. Com ela regressaria
a Europa no ano seguinte em verdadeira lua-de-mel, tanto do ponto de
vista afetivo como intelectual. Juntos fariam uma verdadeira "desco-
berta do Brasil*desde Paris, ele reescrevendo Memdrias Sentimentais
de Jodo Miramar j4 em contatos parisienses que fariam © texto defi-
nitive ser um contraste com aquele publicado em capftulos no Brasil,
e Tarsila j4 pintando "A Negra", e "Caipirinha". O fim de 1923, jd em
contato com Cendrars e através dele com artistas, literatos e misicos,
tipo Léger, Supervielle, Cocteau, Valery-Larbaud, Gleizes, etc. coroa
um ano de crescimento art{stico no sentido de verdadeira absorcao de
"modernidade" por parte tanto de Oswald como de Tarsila. Ele j4
distante quilémetros, como ela, de seus poemas franceses publicados
em 1920, e ela igualmente longe de suas pinturas iniciadas apés trei-
namento em 1920, na Academia Julian, de Paris.
Em maio de 1923 Oswald de Andrade pronuncia uma conferéncia
na Sorbonne, em Paris, intitulada "L’effort du Brésil contemporain"
(publicada depois na Révue de l’Amérique Latine de julho desse ano).
Nessa ocasido Oswald se refere aos modernistas brasileiros na multi-
Plicidade de suas manifestag6es art{sticas, com énfase ao interesse pelo
mestigo e ex6tico em Paris, quase como um signo j4 de modernidade:
“Jamais foi posstvel sentir-se tdo bem, no ambiente de Paris, a presenga
sugestiva do tambor negro e do canto tndio. Essas forcas étnicas estdo em
plena modernidade*, afirma na ocasido. Nesse mesmo ano, Tarsila es-
creveria a sua familia, de Paris, demonstrando uma inovadora preo-
cupagio nacionalista, ao registrar que pretende, & volta da viagem,
5 ANDRADE, O. de. Brecheret Portinari. In: " Manuscritos incompletos’ , Arquivo do
Instituto de Estudos Brasileiros - USP.
6 AMARAL, Aragy - Tarsila sua obra ¢ seu tempo. S, Paulo, Perspectiva, 1975. p. 94-95.
Rev. Inst. Est. Bras., SP, 33:68—75, 1992 aPpassar uns “dias na Bahia, onde hd documentos preciosos de arte brasi-
leira que é 0 meu caminho atual", acrescentando, ainda, que deseja
voltar a Europa depois de uma estada na fazenda familiar para "‘trazer
Para cd muito assunto brasileiro (7)
Esté no ara curiosidade pelo Brasil em Paris, ao mesmo tempo que
a ansiedade pela atualizagao formal através da observagio € didlogo,
quando poss{vel, com os artistas da vanguarda intelectual em Paris. E,
simultaneamente, é nesse mesmo ano que Mario de Andrade escreve a
Tarsita (entéo em Paris) dizendo-Ihe que volte ao Brasil, "volta para
dentro de ti mesma". Ao mesmo tempo, apela para que tanto Oswald
como Tarsila venham ao Brasil, " para a mata virgem, onde ndo hd arte
negra, onde ndo hd também arroios gentis. HA MATA VIRGEM. Criei o
matavirgismo, Sou matavirgista. Disso é que o mundo, a arte, o Brasil e
minha queridtssima Tarsila precisam" (8)
Na conferéncia de Paris, Oswald de Andrade reconhece a dificul-
dade ou a peculiaridade de nossa situago cultural: " Temos uma arte
sem personalidade porque a lembranga das formulas cldssicas impediu
Jongamente a livre eclosdo de" uma verdadeira arte nacional"".Ou seja:
de tanto imitar e copiar nao pudemos mostrar nossa face. E menciona
a mtisica inovadora de Villa Lobos, a poesia de Ronald de Carvalho, e
a “Paulicéia Desvairada" de Mério de Andrade. Nas artes plasticas
exalta 0 projeto escult6rico de Brecheret Para o Monumento as Ban-
deiras, além de destacar as obras de Jovens como Di Cavalcanti, Anita
Malfatti, Rego Monteiro, Zina Aita e Tarsila.
Em minha opinido, 1924 é um ano igualmente crucial para a mo-
dernizagao da criatividade de Oswald de Andrade: a amizade com
Blaise Cendrars, denso de curiosidade pelo exotismo brasileiro, na
primeira linha da vanguarda parisiense, se afirma com a vinda do poeta
Sufco-francés a Sho Paulo; a viagem ao Carnaval do Rio e as cidades
coloniais de Minas, o retorno a Paris, ao final do ano, €, em 1925, a
publicago de "Pau Brasil" na editora "Au Sans Pareil, casa editora de
Cendrars, com ilustrag6es de Tarsila, que jé ilustrara o livro de poesias
de Cendrars, Le Formose, sobre sua viagem ao Brasil em 1924. Uma
Sucessio de eventos marcantes e excitantes culminados com a Revo-
lugdo de 1924, que despertaria em muitos dos modernistas (embora
no em Oswald de Andrade). um posicionamento Politico antes
inexistente,
Em particular, nesses anos de 1923 e 1924, vemos surgir nas idéias
de Oswald de Andrade, de forma bem clara, o cardter internacionalista
do modernismo no Brasil, assim como o nacionalismo que permeia a
Produgdo de nossos artistas, seja na musica, como na literatura ¢ artes
7 AMARAL, Aracy - Tarsila sua obra e seu tompo. S, Paulo, Perspectiva, 1975, p.94-95,
8 Idem, Ibidem, Carta de 15 nov. 1923, pag. 369.
2 Rev. Inst. Est. Bras, SP, 33:68—75, 1992plasticas. Esté latente e emerge, a partir de entdo, 0 desejo de se as-
sumir enquanto Brasil. Muitas de suas idéias aparecerao mais tarde
quando escreve sua "Carta a Monteiro Lobato", j4 em fase posterior
de sua vida, perfodo politico, infcio dos anos 40, ocasio em que faz um
balango, inclusive do reaciondrio ataque de Lobato contra Anita
Malfatti, Vinte e cinco anos depois, escreve ele, a atitude de Monteiro
Lobato
"aparece sob o Angulo legitimista da defesa da nacionalidade.
Se Anita e nds tinhamos razdo" - diz ele - "sua luta signific-
ava a repulsa ao estrangeirismo afobado de Graga Aranha, as
decadéncias lustrais da Europa podre, ao esnobismo social
que abriga os seus saldes 4" Semana". E ndo percebia vocé
que nds também trazlamos nas nossas cangoes, por debaixo do
" futurismo", a doléncia e a revolta da terra brasileira" (9)
Se “Pau Brasil" como manifesto canta a “poesia de exportagdo
contra poesia de importagéo", Oswald de Andrade apoiando a pintura
de Tarsila do perfodo dé entdo os seus primeiros passos em diregfo a
“Antropofagia", que sem diivida ele absorve através do que percebe em
Paris no movimento "Cannibale”, como nas narrativas em capitulos de
“Hans Staden publicadas em nota de rodapé no Didrio de Sao Paulo
em 1926. Como bem observa Benedito Nunes, hd uma ligago com 0
espirito da €poca - zeitgeist - ao se fazer mengao na antropofagia de
Oswald de Andrade a Freud ¢ tabu e totem.(10)
"O Indio nao devorava por gula e sim num ato simbdlico e mdgico
onde estd e nisso reside toda a sua compreensdo da vida e do homem",
escreveu Oswald em 1946.(11) Nesse mesmo texto, lembra ele que
Gilberto Freyre afirmou que a Antropofagia salvou o modernismo de
22, pois deve-se distinguir "modernidade" de "modernismo", o real-
mente renovador e o cacoete, a repeti¢do e o papel carbono que tanta
gente utilizou e utiliza" (12)
E sempre importante lembrar que Oswald de Andrade é bem um
Tepresentante - assim como Mério de Andrade - desse caréter multi-
disciplinar que marca 0 nosso modernismo. Se a danga moderna 0 fas-
cinava - conforme se sabe, através da jovem Landa e pela passagem
perturbadora em S. Paulo de Isadora Duncan - na renova¢do da arte a
partir de sua fung&o social assinalada pela Europa para sua geragio
{quando ele menciona Guernica de Picasso, ano depois, assim como a
9 ANDRADE, Oswald de. Ponta de Langa, Rio de Janeiro, Civilizagéo Brasileira, 3¥ ¢d.,
1972,
10 NUNES, Benedito. Anthropophagisme et surréalisme, Actes de Colloque, Porsigal, Québec,
dirique igus Laan Surana "Periphdrique? Univ. de ‘Monreal sept. 1983 (org.
|. Sobral).
11 ANDRADE, O. de. Como se produziu a Semana de Arte Modema, Texto de Sho Paulo, 15
out, 1946, Arq. IEB-USP.
12 Idem, Mbidem.
Rev. Inst. Est Bras., SP, 33:68-75, 1992importancia dos muralistas mexicanos), ele diré, nos anos 40, quando
reflete sobre o papel da pintura em nosso século, lembrando-nos
sempre de que fala da margem, a t{tulo memorialista como o fizeram
os modernistas dos anos 30, revendo os anos 20 retrospectivamente a
partir da sua nova Gtica socialista, comprometida, que o guiaria:
“A pintura moderna subsistiu porque toda ela é revolugdo.
Revolucdo no esplrito, revolugdo no sortilégio, revolugdo no
material e na plastica". Diz ainda: " Talvez somente no Re-
nascimento, uma grande época da Histéria foi anunciada e
alimentada por uma retaguarda espiritual tao forte e conse-
qiente, por um verdadeiro comando undnime de que parti-
ciparam em conjunto artistas, escritores, estetas e filéso-
fos" (13)
Nesse contexto em que reafitma similaridades, assinala a impor-
tancia que em sua opinido tiveram o surrealismo, o impressionismo, os
“fauves" ¢ os primitivos, "realizando plasticamente os continentes freu-
dianos do sonho e da sexualidade, e, ao mesmo tempo, com o sentido de
Protesto e a mensagem de sublevagdo que marcaram a pintura" incom-
preendida de um Cézanne, um Van Gogh e um Gauguin.
Nessa mesma revisio do papel da pintura em nosso tempo ele é
afirmativo:
"Se me perguntassem qual o fildo original com que o Brasil
contribuiu para este novo Renascimento que indica a reno-
vagdo da prépria vida, eu apontaria a arte de Tarsila. Ela
criou a pintura Pau brasil. Se nds modernsitas de 22, anuncia-
mos uma poesia de exportagdo contra uma poesia de impor-
tagdo, ela foi quem ilustrou essa fase de apresentagdo de ma-
teriais, plasticizada por Di Cavalcanti, mestre de Portinari. Fot
ela quem deu, afinal, as primeiras medidas de nosso sonho
bdrbaro na Antropofagia, de suas telas da segunda fase, A
Negra, Abaporu, e no gigantismo com que hoje renova seu
espléndido apogeu, De outro lado, temas a majestade que
atinge o sentido do afresco nos quadros de Lasar Segall”
E claro que nesta referencia Oswald est4 focalizando 0 Segall de
Navio de Imigrantes, e de Progom, de fins dos anos 30, perfodo em que
a catdstrofe da 2# Guerra jé atinge o povo judaico e comove em especial
0 sentido humanista de Segall.
Na trajet6ria dos projetos irrealizados de Oswald de Andrade esté
em particular uma iniciativa que descobrimos ao pesquisar sobré a
obra de Tarsila nos anos 20. Trata-se da idéia de um grande musical,
inspirado no Ballets Suédois, de Rolf de Maré, que fazia furor em Paris
da primeira metade dos anos 20 € ao qual Tarsila e Oswald assistiram,
13 ANDRADE, O. de. Aspectos da pintra através de “Marco Zero". In: Ponta de Lanca, p.
7 Rev. Inst, Est. Bras., SP, 33:68—75, 1892com misica de Satie e Léger como figurinista, em novembro de 1924,
ou quem sabe desejando reeditar os sucessos de Diaghilev-Picasso, ou
Darius Milhaud-Cendrars-Léger. A idéia, a espelhar bem a multidis-
ciplinaridade do modernismo brasileiro era um grande musical com
cendrios e figurinos de Tarsila, scriptde Oswald de Andrade, e mésica
de Villa-Lobos. Cendrars teria sido o intermediério entre Rolf de
Maré € o casal brasileiro. Infelizmente, 0 projeto nfo se tealizou,
provavelmente por desinteresse do diretor do Suédois. Ambigiio ex-
Cessiva dos modernistas brasileiros? No acreditamos. Pois esse musi-
cal, s€ realizado, teria permanecido, Por certo, como o testemunho
mais eloqdente do internacionalismo nacionalista do modernismo do
Brasil nos anos 20. Através de um ballet brésilien em Paris, inspirado
na motivagdo essencialmente brasileira de uma Tarsila, um Oswald de
Andrade, um Villa Lobos.
Recebido em 18/01/90
ABSTRACT
Zahoms the recoprition of interdiscipline sts in Brazilian art in 19:
Grabzes Oswald vandhod s eieeet and in conclusion, idensfes
Ballet Brésilien as the best modemism testimony.
Rev. inst. Est. Bras., SP, 93:63—75, 1902 5