Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas
Curso de Ps-Graduao
Doutorado em Histria
Tese de Doutorado
Modelo da Agroindstria Canavieira Colonial
no Esturio Amaznico: Estudo Arqueolgico de
Engenhos dos Sculos XVIII e XIX.
apresentada por
Fernando Luiz Tavares Marques
Orientador: Arno Alvarez Kern
Porto Alegre
2004
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Resumo
Este estudo objetivou desenvolver anlise arqueolgica em stios
histricos de engenhos localizados no esturio amaznico, remanescentes dos
sculos XVIII e XIX. Nos engenhos Murutucu, Mocajuba, Jaguarari e Uriboca foram
abordados o contexto ambiental, as estruturas arquitetnicas e o material
arqueolgico. A interpretao do contedo dos stios, baseada em documentao
histrica, possibilitou caracterizar a agroindstria canavieira quanto organizao
espacial, o sistema motriz e cultura material, relativa a proprietrios europeus e
escravos ndios nativos, e depois africanos. Verificou-se que as peculiaridades
ambientais do esturio amaznico, como uma extensa regio de vrzea, com seus
solos frteis sujeitos s inundaes de mars, condicionaram o desenvolvimento
deste sistema de produo.
II
Abstract
This study developed archaeological analysis in historic sites located
in the Amazon estuary, remaining of centuries XVIII and XIX. At the sugarmills
Murutucu, Mocajuba, Jaguarari and Uriboca, we have researched the ambient
context, the structures architectural and the archaeological material. The
interpretation of the site contents, based in historical documentation, made
possible to characterize the sugarcane industry about to the space organization,
the motor system and the material culture relative to the European proprietors
and enslaved native indians, and later Africans. It was verified that the ambient
peculiarities of the Amazonian estuary, as an extensive lowlands region, with
fertile ground by the floodings of tides, had conditioned the development of this
system of production.
III
memria de meu pai Luciano
e minha querida me Floripes.
IV
Agradecimentos
Ao longo da pesquisa, muitas foram as colaboraes de amigos, a quem
agradeo.
Prof. Dr. Arno Alvarez Kern, pela orientao acadmica e estmulo sempre
presente para a busca da compreenso das teorias e mtodos da Arqueologia Histrica.
Dr. Klaus e Liliana Hilbert, minha famlia em Porto Alegre, eterna gratido.
Dr. Scott Douglas Anderson, amigo incentivador, responsvel pelo meu
conhecimento sobre engenhos de cana-de-acar no esturio amaznico.
Professores do Curso de Ps-Graduao em Histria da PUCRS.
Carla Helena Carvalho Pereira, secretria do Curso de Ps-Graduao em
Histria da PUCRS, e Mrcia, secretria do CEPA.
Dr. Peter Toledo, diretor do Museu Paraense Emlio Goeldi, e tambm ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico, pelo apoio financeiro
imprescindvel elaborao da tese.
Virgnia Malheiro, colega de pesquisa, de dedicao constante nas atividades de
arqueologia.
Ana Paula Macedo Cunha e Dayseane F. Costa, amigas historiadoras, cuja
pesquisa da documentao manuscrita foi contribuio inestimvel esta tese.
Dra. Dirse Kern, do Museu Paraense Emlio Goeldi, pela conduo das
atividades de pedologia desenvolvidas nos stios Murutucu e Uriboca.
Pesquisadores, tcnicos e bolsistas da rea de Arqueologia do Museu Goeldi
que participaram nas atividades relativas elaborao desta tese, e tambm aos
historiadores Nonato Castro e Abel Jernimo.
Deusdedit e Eliane Leite, amigos de So Luis, por suas crticas e sugestes
durante a preparao deste trabalho.
Samuel Sstenes, companheiro inseparvel nos levantamentos de campo.
Todas as pessoas e instituies no mencionadas que de alguma forma
contriburam para o desenvolvimento do presente trabalho.
Finalmente, um agradecimento todo especial minha esposa Cinthya e aos
meus filhos Victor e Arthur, pela compreenso dos momentos de ausncia do convvio
ocasionados por minha dedicao a este trabalho.
V
Lista de Figuras
Figura 01. Reconstituio do sistema motriz movido a mar do engenho So Jos,
em Igarap-Miri ........................................................................................ 17
Figura 02. Mapa de localizao de stios de engenhos de cana-de-acar no
esturio amaznico .................................................................................. 18
Figura 03. Mapa de localizao dos stios de engenhos objetos deste estudo:
Murutucu, Mocajuba, Jaguarari e Uriboca................................................ 19
Figura 04. Vista do canal de aduo do reservatrio do Engenho Uriboca.............. 20
Figura 05. Planta da Capela localizada na rea do Engenho Jaguarari................... 20
Figura 06. Atividade de prospeco geofsica do solo executada anteriormente
escavao arqueolgica (Engenho Uriboca).. .......................................... 21
Figura 07. Pesquisa de solo do perfil em sondagens, e coleta de amostras para
anlise geoqumica (Engenho Uriboca).................................................... 21
Figura 08. Imagem de satlite de 2002 de parte do esturio amaznico localizao
da rodovia Ala Viria............................................................................... 55
Figura 09. Paisagem de vrzea, caracterstica do ambiente do esturio amaznico.57
Figura 10. Regio de propagao do ciclo da cana-de-acar na costa leste do
Brasil, durante os sculos XVI e XVII. ...................................................... 57
Figura 11. Pormenor de um mapa das proximidades de Belm, datado da segunda
metade do sculo XVIII ............................................................................ 58
Figura 12. Reproduo de estampa da obra Viagem Filosfica..., de Alexandre
Rodrigues Ferreira, que ilustra um engenho de cana movido por roda
hidrulica. ................................................................................................. 58
Figura 13. Localizao dos engenhos Murutucu, Mocajuba, Jaguarari e Uriboca na
Carta Geographica da Foz dos Grandes Rios Amazonas e Tocantins, de
fins do sculo XIX. (Barreto, 1877)........................................................... 59
Figura 14. Mapa de localizao geogrfica do stio do Engenho Murutucu, na
periferia de Belm .................................................................................. 113
Figura 15. Vistas do interior da Capela do Engenho Murutucu, com os caractersticos
traos do estilo arquitetnico do Neoclassicismo................................. 113
Figura 16. Detalhe do elemento decorativo da moldura de um dos vos de janela da
casa grande do Engenho Murutucu........................................................ 114
Figura 17. Outro aspecto do interior da casa grande, em data contempornea da
imagem anterior...................................................................................... 114
Figura 18. Planta geral do stio do Engenho Murutucu, com a localizao das reas
VI
da casa do engenho, da casa grande e da capela. ................................ 115
Figura 19. Planta baixa da galeria do vertedouro (Engenho Murutucu). ................. 116
Figura 20. Representao da seo longitudinal da galeria (Engenho Murutucu) .. 116
Figura 21. Vista da fachada da galeria (Engenho Murutucu) .................................. 117
Figura 22. Seo transversal na poro central da galeria (Engenho Murutucu).... 117
Figura 23. Planta baixa da rea da casa do engenho (Engenho Murutucu). .......... 118
Figura 24. Detalhe dos elementos decorativos, em frisos e medalho, no arremate
superior do vo de entrada principal, na fachada da capela do Engenho
Murutucu. ............................................................................................... 118
Figura 25. Mapa de localizao das unidades de escavao executadas na rea da
capela do Engenho Murutucu, em etapa de campo realizada em 1986. 119
Figura 26. Planta da rea da casa grande do Engenho Murutucu. ......................... 119
Figura 27. Levantamento geofsico em rea do Engenho Murutucu, com utilizao de
aparelho magnetmetro. ........................................................................ 120
Figura 28. Grfico demonstrativo de anomalias na rea do Engenho Murutucu,
conforme prospeco geofsica.............................................................. 121
Figura 29. Amostras de material arqueolgico (Engenho Murutucu) ...................... 122
Figura 30. Fragmentos de exemplares de louas europias encontradas nas reas
da capela e casa grande do Engenho Murutucu .................................... 123
Figura 31. Conjunto de material arqueolgico encontrado na rea da casa grande do
Engenho Murutucu. ................................................................................ 124
Figura 32. Mapa de localizao geogrfica do stio do Engenho Mocajuba, no furo
Arauaia, municpio de Barcarena, nas proximidades de Belm. ............ 125
Figura 33. Reproduo da estampa da Obra Viagem Filosfica de Alexandre
Rodrigues Ferreira, que mostra a perspectiva frontal do Engenho
Mocajuba, que conforme a legenda, encontrava-se no rio Araguaya,
perto da cidade do Par. ....................................................................... 125
Figura 34. Cpia fotogrfica de iconografia pertencente ao acervo da Biblioteca
Nacional, no Rio de Janeiro, intitulada Planta do engenho dgua de fazer
assucar do Cap.m Joo Manoel Roiz, situado no rio Araguaya, perto da
Cid.e do Par. ..................................................................................... 126
Figura 35. Planta da Calha do Engenho Mocajuba, bastante semelhante ao desenho
representado na iconografia mencionada acima. ................................... 127
Figura 36. Plano geral do stio do Engenho Mocajuba............................................ 128
Figura 37. Elementos da cultura material do Engenho Mocajuba. .......................... 129
Figura 38. Mapa de localizao geogrfica do Engenho Jaguarari, no rio Moju. .... 130
VII
Figura 39. Iconografia com planta e fachada do Engenho do Jaguarari, datada de
1784, da Obra Viagem Filosfica de Alexandre Rodrigues Ferreira, com
Perfil das Casas do Engenho de Acar do Capito A. Henriques...... 130
Figura 40. Detalhe do Interior de uma calha situada no Engenho Jaguarari........... 131
Figura 41. Vista da fachada da calha do Engenho Jaguarari .................................. 131
Figura 42. Aspectos arquitetnicos da igreja em runas, no Engenho Jaguarari, cuja
descrio foi encontrada em documento manuscrito, da 1761. ............. 132
Figura 43. Plano geral da rea da capela do Jaguarari........................................... 133
Figura 44. Escavao executada no interior da capela (Engenho Jaguarari). ........ 133
Figura 45. Planta geral da rea pesquisada, com a localizao das sondagens
(Engenho Jaguarari)............................................................................... 134
Figura 46. Amostragem da variabilidade de cultura material encontrada nas
escavaes realizadas na rea da capela do Engenho Jaguarari ......... 135
Figura 47. Mapa de localizao geogrfica do Engenho Uriboca, na periferia de
Belm, municpio de Marituba. ............................................................... 136
Figura 48. Imagem da estrutura da barragem do engenho Uriboca........................ 136
Figura 49. Panorama do interior da calha do Engenho Uriboca ............................. 137
Figura 50. Detalhe do forno do Engenho Uriboca. .................................................. 137
Figura 51. Grfico demonstrativo do perfil do solo (Engenho Uriboca) ................... 138
Figura 52. Planta geral do Engenho Uriboca com a localizao das unidades de
escavao executadas no stio e das evidncias de pisos e estruturas de
alicerces. ................................................................................................ 138
Figura 53. Vista da rea escavada junto ao ponto 120/100 (Engenho Uriboca). .... 139
Figura 54. Exemplares da cultura material encontrada no Engenho Uriboca ......... 139
Figura 55. Conjunto de material arqueolgico do Engenho Uriboca. ...................... 140
Figura 56. Tipo de moenda de cana-de-acar movida por animais....................... 167
Figura 57. Detalhe dos mecanismos de moenda, com cilindros verticais e sistemas
de engrenagens de madeira acopladas a uma roda dgua................... 167
Figura 58. Representao grfica com sees transversais de calhas identificadas
nos stios de engenhos estudados no esturio amaznico. ................... 168
Figura 59. Vestgios de estruturas na rea da fbrica do Engenho Murutucu......... 169
Figura 60. Perspectiva da senzala do Engenho Mocajuba. .................................... 170
Figura 61. Vista do aspecto monumental da arquitetura da capela do Engenho
Murutucu, remanescente do sculo XVIII, em destaque na paisagem atual
do stio. ................................................................................................... 170
VIII
Lista de Tabelas
Tabela 01. Relao de proprietrios de Engenhos em 1760. ................................... 54
Tabela 02. Resumo do Mapa de Todos os Engenhos de Fazer Acar, Aguardente,
Descasque de Arroz, Curtumes, Olarias, Fornos de Cal na Capitania do
Par ao 1. de Janeiro de 1792. ............................................................... 55
Tabela 03. Engenho Murutucu - material arqueolgico coletado em 1986 ............... 82
Tabela 04. Engenho Murutucu - material arqueolgico coletado em 1996-1997 ...... 83
Tabela 05. Engenho Murutucu - material arqueolgico coletado em 2000 ............... 84
Tabela 06. Engenho Mucajuba - material arqueolgico coletado em 2000............... 93
Tabela 07. Engenho Jaguarari - material arqueolgico coletado em 2000 ............. 106
Tabela 08. Engenho Uriboca - material arqueolgico coletado em 2000 ................ 112
IX
Sumrio
Resumo ...................................................................................................................... II
Abstract ..................................................................................................................... III
Dedicatria ................................................................................................................ IV
Agradecimentos ........................................................................................................ V
Lista de Figuras........................................................................................................ VI
Lista de Tabelas ........................................................................................................ IX
Introduo ................................................................................................................. 1
Objetivos .............................................................................................. 5
Objetos de Pesquisa ............................................................................ 5
Justificativa........................................................................................... 8
Metodologia.......................................................................................... 9
Estrutura do trabalho............................................................................ 15
Captulo I. Espao e o Tempo da Cana-de-Acar no Esturio Amaznico ......... 22
Cenrio da Atividade Canavieira .......................................................... 23
Cana-de-Acar como Cultura Agrcola............................................... 28
Origem e Expanso da Manufatura Aucareira ................................... 32
Breve Histria de Engenhos Locais. .................................................... 38
Captulo II. Histria e Arqueologia dos Engenhos Murutucu, Mocajuba, Jaguarari e
Uriboca ................................................................................................ 60
Fundamentao Terica ...................................................................... 61
Engenho Murutucu ............................................................................... 68
Engenho Mocajuba do Araguaia ......................................................... 85
Engenho Jaguarari .............................................................................. 94
Engenho Uriboca ............................................................................... 107
Captulo III. Caraterizao do Engenho: Modelo de Agroindstria Canavieira
Local................................................................................................... 141
Organizao Espacial ........................................................................ 142
Canaviais Ribeirinhos......................................................................... 144
Casa da Fora: o Engenho ................................................................ 146
Da Cana ao acar, mel ou aguardente............................................. 151
Mo-de-Obra Escrava ........................................................................ 153
X
Senhores de Engenhos...................................................................... 157
Cultura Material Arqueolgica ............................................................ 159
Consideraes Finais.............................................................................................. 171
Bibliografia Citada ................................................................................................... 175
XI
Introduo
A rea do esturio amaznico tem sido intensamente ocupada desde
pocas at anteriores eventual colonizao europia da regio. Ainda no
incio do sculo XVII, viajantes relataram a existncia de vrios grupos
indgenas habitando as margens dos rios nas proximidades do local onde viria
a se construir a cidade de Belm. (CRUZ, 1963; CARVAJAL, ROSAS &
ACUA, 1941).
Em pesquisas arqueolgicas realizadas no local da fundao da
cidade em 1616, o Forte do Prespio, foram encontrados cerca de 20.000
fragmentos de utenslios da cultura indgena, como raspadores e machados
polidos, e expressiva quantidade de cermica. Nesta categoria, observou-se
fragmentos de cermica utilitria, como tigelas e panelas, elaboradas em
tcnicas de acordelamento, com alta freqncia de uso de cariap e caco
modo como antiplstico, e apresentavam marcantes elementos de decorao
complexa. Alm disso, foi verificada tambm a presena macia de formas e
decoraes de vasilhas relacionadas cermica cabocla ou neocolonial, que
continuaram a ser empregadas pelas populaes nativas mesmo aps o
contato, at h pouco tempo atrs. Tambm de cermica no torneada,
identificou-se a presena de cachimbos, com uma variedade de elementos
decorativos nos fornilhos, como motivos florais, zoomorfos, antropomorfos,
geomtricos, sendo atribuda sua predominante utilizao entre as populaes
nativas, desde a pr-histria. (MARQUES, 2004)
O processo de colonizao europia desencadeado na bacia
amaznica teve incio durante a transio do sculo XVI para o XVII, com a
conquista do Maranho e entrada no rio Amazonas. Quando as foras
XII
portuguesas a chegaram, em 1616, havia j um intenso comrcio de acar
no Amazonas realizado em vrias feitorias aqui instaladas por holandeses,
ingleses e franceses, que possuam extensas plantaes. (CRUZ, 1960).
Com a expanso efetiva da ocupao portuguesa pela Amaznia, a
partir j de meados do sculo XVII comearam a proliferar pequenos ncleos
de povoaes de missionrios e colonos na zona estuarina. Particularmente,
nas reas de Abaetetuba, Barcarena e proximidades, surgem as primeiras
misses ou redues, fundadas pela Ordem dos missionrios da Companhia
de Jesus, sobre as aldeias referenciadas como Mortigura, Gibri, Jaguarari,
Moju, Ibirajuba e Sumama, onde habitavam numerosos contingentes de
indgenas. (LEITE, 1943)
Desde o incio, o crescente movimento da ocupao lusitana do
territrio caracterizou-se pelo interesse maior na explorao intensiva dos
recursos naturais da floresta, a chamada coleta das drogas do serto. Ao
mesmo tempo, os colonos passaram a desenvolver atividades de explorao
das lavouras, como cacau juntamente com arroz, caf, e tambm, cana-de-
acar, a qual passa a figurar como um componente na economia regional,
ainda que bastante insignificante, conforme se observa nas tabelas de
produo e exportao de seus produtos. (BARATA, 1973; RIBEIRO, 1972;
DIAS,1970)
Contudo, em contraste com estas informaes, fontes histricas
revelam a existncia de grande nmero de stios de engenhos oriundos deste
perodo. A magnitude das estruturas em runas e a riqueza das amostras de
cultura material domstica e industrial observadas em alguns estudos
desenvolvidos nestes stios, remetem a uma certa opulncia da atividade
XIII
aucareira durante o perodo em que estiveram em funcionamento.
Historicamente, a agroindstria canavieira tem sido abordada de
maneira ampla, muito mais do ponto de vista de sua relevncia no processo de
consolidao da ocupao humana europia, do que na formao
sociocultural. Do ponto de vista arqueolgico, o processo histrico ocorrido
nesta agroindstria tem sido objeto de pesquisas que temos desenvolvido
junto ao Museu Paraense Emlio Goeldi, no sentido de identificar, a partir dos
vestgios materiais, o papel desta agroindstria no processo civilizatrio da
regio. Em 1988, a localizao de vestgios em um stio de engenho que
esteve em atividade at a dcada de 1920 no municpio de Igarap-Miri, cerca
de 100Km SW de Belm, suscitou a investigao de um aspecto especfico de
seu funcionamento. Com o objetivo principal de investigar seu sistema motriz,
foram evidenciadas e caracterizadas estruturas de madeira construdas nas
margens de igaraps sujeitos s mars, de amplitudes marcantes naquela
rea. Estas construes correspondiam s obras hidrulicas do engenho So
Jos, que foram identificadas como: 1) caixo, barragem que servia para
represamento da gua durante o preamar; 2) canal, depresso escavada no
solo, que derivava do igarap at engenho; e 3) calha, onde era assentada a
roda dgua atrelada moenda do engenho. A interpretao arqueolgica das
construes, de forma e arranjo bastante semelhantes em pelo menos 15
stios, apoiada em consistente informao oral local, resultou numa
descoberta relevante apara a histria da tecnologia no Brasil: moendas de
engenhos de cana-de-acar operaram com a energia das mars.
(ANDERSON & MARQUES, 1992) (figura 01)
A extenso deste levantamento para uma outra rea geogrfica,
XIV
mais prxima de Belm, levou localizao e estudo de mais 14 stios com
obras hidrulicas similares, construdas em alvenaria de pedra argamassada,
no municpio de Barcarena. (MARQUES, 1993) Da mesma forma, pesquisas
subseqentes em outras localidades no esturio tem ampliado este nmero
para quase 40 stios de engenhos similares. (ANDERSON, MARQUES &
NOGUEIRA, 1999, p. 341) (figura 02)
Durante estes levantamentos no campo, na observao do
contedos dos stios foram constatadas outras estruturas que deveriam
merecer estudos mais abrangentes alm da reconstituio da tecnologia de
funcionamento, que era o interesse da pesquisa em execuo. Afinal, com
base em exame preliminar da bibliografia relativa ao assunto, muito pouco ou
quase nada se sabe sobre aspectos como: meios de vida de escravos;
disposio espacial da casa dos proprietrios e sua possvel relao com
localizao da senzala do engenho; locais e formas de sepultamentos; dietas
alimentares; etc.
Por outro lado, estes trabalhos de campo tambm possibilitaram a
identificao de outros locais de interesse histrico, como antigas habitaes e
pequenas indstrias ribeirinhas como o caso da Olaria Landi, situada na Ilha
das Onas, que, conforme fotografia do final do sculo passado, possua
maquinarias importadas e uma linha frrea de mais de 1500m de extenso.
(CACCAVONI, 1900)
XV
Objetivos
Com base nas questes levantadas pretende-se investigar, aspectos
condicionantes da forma de implantao no meio fsico ocorrida nos engenhos
do esturio amaznico, bem como verificar a sistema sociocultural
caracterstico de engenho regional a partir da anlise da cultura material.
Dada a ausncia de informao referente ao assunto, espera-se contribuir
para a produo de conhecimentos sobre o processo de ocupao humana na
Amaznia, que levem a subsidiar polticas de difuso cultural sobre a
arqueologia e a histria da colonizao aucareira da regio.
Especificamente, busca-se interpretar a disposio espacial das
estruturas e os materiais e tcnicas de construo empregados na rea da
casa grande dos engenhos, afim de compreender organizao de espaos no
stio, bem como identificar possveis hierarquias de poder entre classes sociais
a partir do partido arquitetnico adotado. Alm disso, pretende-se identificar a
seqncia cronolgica registrada no local, atravs da caracterizao da cultura
material relacionada s atividades do cotidiano dos habitantes do engenho
(casa grande, engenho e senzala) ao longo do processo arqueolgico ocorrido.
Objetos de Pesquisa
Considerando critrios que incluem: 1) viabilidade financeira de
pesquisa relativa logstica, e principalmente, 2) existncia de alguma
informao histrica incipiente, como documentos manuscritos, representao
iconogrfica de vistas e plantas datadas dos tempos coloniais e 3) relativa
densidade de cultura material de uso domstico observada em visitas
preliminares, foram selecionados como objetos deste estudo quatro stios de
engenhos: o Engenho Murutucu, coordenadas 01 26 46 S e 48 25 39 W,
XVI
localizado na periferia de Belm, s margens do igarap Murutucu, afluente do
rio Guam; o Engenho Mocajuba, coordenadas 01 36 31 S e 48 30 53 W,
situado na margem direita do rio Mocajuba, que desemboca no furo Arauaia,
afluente do rio Moju, o Engenho Uriboca, coordenadas 01 25 51 S e
48 19 01 W, localizado na margem esquerda do rio Uriboca, afluente do rio
Guam; e o Engenho Jaguarari, coordenadas 01 42 34 S e 48 26 31 W,
situado na margem direita do rio Moju. (figura 03)
No sentido de atender as exigncias da legislao pertinente
pesquisa arqueolgica, em julho de 1999 o projeto foi encaminhado ao Instituto
do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN, para obteno da devida
autorizao, que foi regulamentada somente no final de 2000, conforme a
portaria N 74, de 6 de dezembro de 2000, do Dirio Oficial da Unio.
Entretanto, neste intervalo de tempo, um fato viria a trazer srias implicaes
pesquisa. Dois dos stios previstos para estudo - Engenho Uriboca e o
Engenho Jaguarari - foram alvos de impactos diretos e irreversveis
ocasionados pelo incio da construo de uma rodovia Ala Viria como
parte do Projeto Sistema de Integrao do Leste Paraense, implementado pelo
Governo do Estado do Par.
No stio Uriboca, os servios de terraplanagem para a abertura da
estrada foram executados a menos de 10m de distncia das estruturas e
provocaram o deslocamento de aterro para o interior do canal de aduo que
deriva do igarap para o engenho. Alm disso, o trnsito de caminhes e
mquinas pesadas passou a colocar em risco de desabar as evidncias da
barragem, em alvenaria de pedra, localizada neste canal. (figura 04)
Da mesma maneira, na rea do stio Jaguarari, ocorreram vrias
XVII
intervenes relativas construo da cabeceira da ponte do rio Moju
ocasionaram prejuzos ainda mais graves integridade do contexto
arqueolgico. Especificamente, bastante prximo runa da igreja,
remanescente do sculo XVIII, a menos de 5m da fachada, foi realizado um
corte do terreno, que chegou a mais de 3m de profundidade, que trouxe srios
riscos para a estabilizao de uma estrutura histrica j em processo de
arruinamento, bem como destruiu, de maneira irreversvel, camadas de solo
com material arqueolgico. (figura 05)
No terreno situado atrs da capela (ao norte), a abertura de uma
estrada de servio destruram camadas de solo com material arqueolgico e
provocaram a exposio de materiais como fragmentos de cermica indgena e
de machados lticos polidos. Situao que ocorreu tambm na rea localizada
na frente da capela, cerca de 150m de distncia, onde obras de terraplanagem
para implantao de um canteiro de obras, igualmente ocasionaram exposio
de vestgios arqueolgicos.
Desta forma, as atividades de pesquisa arqueolgica inicialmente
programadas para estes dois stios passaram a ser includas em um programa
de salvamento dos stios impactados pela construo da Ala Viria:
PROGRAMA DE SALVAMENTO E MONITORAMENTO DE STIOS
ARQUEOLGICOS NO TRAADO DA ALA RODOVIRIA BELM/PA, cujo
incio efetivo das atividades de pesquisa de campo referente ao salvamento
dos stios somente ocorreu a partir de fevereiro de 2002.(MARQUES, 2002)
XVIII
Justificativa
O grande nmero de stios de engenhos, construdos em alvenaria
de pedra, sob aprimorada tecnologia de engenharia hidrulica remete a uma
indubitvel opulncia, que pode oferecer reflexes sobre vrios aspectos
intrnsecos deste tipo de empreendimento. Abandonados e em completa runa,
estes locais guardam resqucios de atividades humanas como informaes
quase desconhecidas de estudos histricos e arqueolgicos, a nvel regional,
as quais devem ser reveladas e, principalmente, interpretadas de maneira
crtica e contextualizada.
Na maioria das vezes, stios com edificaes coloniais tornam-se
interesse de polticas pblicas de preservao apenas por conta do valor
histrico e artstico de seus elementos arquitetnicos. Entretanto, mais do que
a beleza e a imponncia da arquitetura, preciso considerar que os solos
destes locais ainda ocultam evidncias materiais, como fragmentos de
utenslios domsticos (porcelanas, faianas, garrafas, etc.) e construtivos que
revelam significativo potencial para a reconstituio do cotidiano de seus
habitantes, entre outros. Como exemplo, presumvel que a implantao dos
engenhos, determinada primordialmente pela disponibilidade de fonte de
energia, tenha sido condicionada por peculiaridades ecolgicas da regio
amaznica, com implicao nos padres de estabelecimento. Alm disso,
estes espaos tornaram-se reconhecidos cenrios onde desencadearam-se
relaes intertnicas entre os donos de engenhos brancos europeus, de um
lado, e seus escravos, primeiramente ndios, nativos, e depois, negros,
oriundos do continente africano, do outro.
XIX
Metodologia
O estudo de stios histricos como estes em questo pressupe o
encaminhamento da investigao considerando como a necessria
contextualizao entre os documentos escritos e iconografias e os vestgios
materiais. (DEETZ, 1988)
Neste sentido buscou-se localizar documentos manuscritos com
informaes sobre cada um dos stios, presumivelmente disponveis em
bibliotecas e arquivos pblicos. No Arquivo Pblico do Estado do Par
pesquisou-se um total de 23 cdices, com mais de 300 folhas de documentos,
trs caixas de autos e processos do judicirio, alm de parte da documentao
do Arquivo Histrico Ultramarino, que uma seleo de documentos
microfilmados dos originais guardados em Lisboa. Posteriormente, estes
documentos foram disponibilizados em meio digital (16 CDs-ROM), pelo
Arquivo Pblico do Estado do Par (APEP) /Secretaria de Estado da Cultura
(SECULT) com o ttulo de Projeto Resgate da Documentao Histrica Baro
do Rio Branco Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do par (1616-
1883), Conselho Ultramarino Brasil / Arquivo Histrico Ultramarino, Instituto
de Investigao Cientfica Tropical, Lisboa, [2002]. 1
Foram encontrados manuscritos relacionados a questes como
doao de terras pelo governo luso aos senhores que possuem engenhos de
acar, bem como outras informaes sobre sua tecnologia, cotidiano e mo-
de-obra. Sobre este aspecto, destacam-se alguns em que discute-se a
utilizao da mo-de-obra indgena descida das aldeias e pede-se para ser
1
As referncias relativas a este material citadas nesta tese so indicadas com o Nmero do
Documento, seguido da data, assunto, e a localizao (no caso, APEP/AHU).
XX
dada a prioridade aos menos favorecidos de cabedais que tem pequenas e
mdias fbricas de acar e que precisam de gente para o trabalho, e que
tambm critica-se a atuao dos missionrios que utilizam os indgenas nos
seus engenhos e fazendas.
Na maioria dos casos os documentos corroboram as informaes de
que havia uma falta ou dificuldade de encontrar mo-de-obra para os
engenhos nesse perodo. A maior parte dos trabalhadores era indgena, dado
o difcil abastecimento de escravos vindos da frica, da o conflito dos
senhores de engenho com os missionrios que resultou na expulso da
companhia de Jesus no ano de 1757. Relativo a esse aspecto verificou-se um
documento em que o arquiteto Antonio Landi, que referido como proprietrio
do Engenho Murutucu, solicita permisso ao Reino para utilizar escravos
ndios em suas plantaes e na olaria. Aps 1760, atendendo os crescentes
pedidos dos lavradores e senhores de engenho ao governo passa a haver um
aumento da mo-de-obra negra no Gro-Par, estimulado pela atuao da
Companhia Geral de Comrcio.
Outros locais pesquisados foram o Arquivo do Museu Nacional e a
Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. No Arquivo Nacional, foram tambm
pesquisados os cdices relativos ao Gro-Par (99, 100, 101, 102, 231, 237,
438, 440, 444, 680, 691, 862 e 807) que incluam assuntos como: Cartas,
Provises e Alvars; Assuntos Eclesisticos; Constituio; etc.), sendo o mais
significativo o de No. 101, que trata Registro de Cartas Rgias, Provises,
Alvars, Ordens Rgias, Decretos e Atos Relativos ao Gro-Par, referente ao
perodo 1769-1799. Neste documento, que determina aos proprietrios de
engenhos e engenhocas manifestarem ao Ouvidor-Geral, a aguardente que
XXI
fabricarem, apresenta-se lista de proprietrios, entre os quais os dos engenhos
Murutucu, Jaguarari e Uriboca.
Na Biblioteca Nacional, procedeu-se com o levantamento de
informao sobre a histria econmica do acar na Amaznia, sendo
consultadas obras como: Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do
Estado do Par de fins do sculo XIX; Almanack Laemmert Anurio Estatstico,
de 1900; e principalmente os Relatrios dos Presidentes da Provncia do Par,
da segunda metade do sc. XIX.
Em pesquisa na seo de Manuscritos, localizou-se o Cdice
Prospectos de Cidades... que inclui originais dos desenhos em aquarela,
publicados na Obra Viagem Filosfica pelas Capitanias do Gro-Par, Rio
Negro e Cuiab (1783-1793) do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira,
publicada pelo Conselho federal de Cultura, em 1974. Nesta coleo de
gravuras foram encontrados desenhos relativos aos Engenhos Jaguarari e
Mocajuba, inclusive, a planta baixa deste ltimo, que no foi ainda publicada
integralmente. Este desenho, intitulado Planta do engenho dgua de fazer
assucar do Cap.m Joo Manoel Roiz, situado no rio Araguaya, perto da Cid.e
do Par, fornece importantes pistas para se compreender a organizao
espacial do engenho com a disposio dos ambientes da fbrica, armazns e
Rancho dos Pretos.
Uma atividade relevante tambm foi a pesquisa realizada em cartas
geogrficas, iconografias e imagens de satlites. Neste aspecto, no sentido de
caracterizar as variveis ambientais de cada um dos locais dos stios de
engenho em estudo efetuou-se a interpretao de imagens de satlite e fotos
areas no laboratrio de sensoriamento remoto do Museu Goeldi. A partir de
XXII
coordenadas obtidas com GPS (global positioning system) realizou-se o
tratamento atravs de computao grfica. Tambm procedeu-se com a
digitalizao das plantas documentadas em iconografias datadas da segunda
metade do sculo XVIII relativas aos engenhos Mocajuba e Jaguarari, das
quais obteve-se cpias fotogrficas.
No que diz respeito s atividades de trabalho de campo,
consideramos oportuna tambm a possibilidade de experimentar em um dos
stios, um mtodo de prospeco indireta, no caso um aparelho de radar,
conhecido como GPR (ground Penetrating Radar). Este equipamento, segundo
ARMSTRONG (1990), de larga utilizao na arqueologia e tem demonstrado
bons resultados no apenas em stios pr-histricos mas tambm em stios
histricos. Assim, no engenho Uriboca foi executada uma prospeco com
utilizao de um aparelho GPR com o objetivo de verificar eventuais anomalias
em subsuperfcie, relativas a concentraes de materiais ou estruturas
arqueolgicas. Os testes foram conduzidos pela Dra. Dilce Rossetti, do
Departamento de Ecologia e Cincias da Terra, do Museu Paraense Emlio
Goeldi. (figura 06)
Para fins de caracterizao das camadas estratigrficas, tambm
desenvolveu-se pesquisas de solo, coordenados pela Dra. Dirse Kern,
pesquisadora do Museu Paraense Emlio Goeldi. Neste sentido, foram abertas
vrias sondagens, descritas e desenhadas, e de onde foram retiradas
amostras para anlises fsica e geoqumica. (figura 07)
Os procedimentos de escavaes realizados nos stios foram
diferenciados. No Murutucu, essencialmente consistiu de monitoramento de
remoo de camadas de entulhos e algumas sondagens. No Mocajuba, o
XXIII
exame de uma antiga planta permitiu seleo de reas determinadas para
pesquisa. E finalmente, no Uriboca e Jaguarari, procurou-se empregar uma
metodologia combinada de trincheiras e quadrculas adequadas a objetivos de
alcanar uma amostragem confivel da rea dos stios, caracterstica de
pesquisa de salvamento e resgate, em virtude do impacto sofrido pela
construo da rodovia Ala Viria.
Em laboratrio foram realizadas atividades referentes ao tratamento
de higienizao, ou limpeza, e anlise do material arqueolgico proveniente
das escavaes efetivadas nos stios.
Inicialmente, efetuou-se uma separao prvia dos materiais
conforme as seguintes categorias: cermica vermelha (torneada e no
torneada); faiana, faiana fina, grs, vidro, metais, rochas (lticos), ossos,
carvo e solos. Em seguida, os materiais mais resistentes, como as cermicas,
louas, vidros e lticos, foram submetidos lavagem em gua corrente, com o
uso de escovas de dente de cerda fina para remoo dos resduos e evitar
causar danos em sua superfcie. Em relao aos outros materiais, como os
metais ferrosos, que apresentaram em geral um alto ndice de decomposio
por oxidao, e os ossos, tambm bastante friveis, procedeu-se apenas com
uma limpeza superficial, cuidadosa, com pequenas esptulas, sem uso de
gua. Da mesma forma, foram submetidas apenas secagem, as amostras de
solos, a serem encaminhadas para anlise geoqumica. Aps a lavagem, os
fragmentos, com as suas respectivas etiquetas de informao foram
acondicionados em gavetas com fundos em telas, que servem de estufa, para
secagem durante o perodo de um ou dois dias, e posteriormente guardados
XXIV
em sacos plsticos etiquetados, devidamente agrupados por categoria.
O processo de anlise das peas fragmentadas e inteiras resgatadas
nos stios teve incio com a disposio das amostras por categoria sobre uma
mesa para fins de observao e agrupamentos por tipo de matria-prima.
Nesta etapa foi possvel detectar pequenos fragmentos de material que
poderiam remontar com outros, os quais foram reunidos e consolidados com
soluo de cola base de paralide diludo em acetona.
Na anlise foram verificados dados de matria-prima, tipos de
decorao, atributos de forma e/ou funo, alm de informaes sobre as
dimenses, cuja abordagem variava segundo o tipo de matria-prima.
Nas cermicas no torneadas, associadas cultura indgena e/ou
cabocla regional, contou-se com o auxlio de lupas binoculares de at 40x de
ampliao para observao dos diversos tipos de antiplstico e decorao
presentes. Nos fragmentos identificados como bordas e bases de vasilhas,
quando possvel, aferiu-se o dimetro e sua inclinao.
Nas louas, como faianas, faianas finas, grs e porcelanas, alm
dos elementos decorativos, foram notados atributos de funo (prato, pires,
tigela, xcara, sopeira, etc.) e tambm de forma (como borda, parede, base,
ala, tampa, etc.). Do mesmo modo, em relao aos vidros foram registrados
tipos de uso como por exemplo, garrafas, frascos, copos, vidraas, e
classificados seus elementos como bicos, paredes, bases, tampas, etc. Os
fragmentos mais significativos do ponto de vista dos atributos de forma e
decorao foram separados e em seguida, desenhados e fotografados.
Todas as informaes relativas aos objetos coletados foram
XXV
registradas em fichas de anlise que j fazem parte de um arquivo digital,
importante na totalizao e identificao do material encontrado em cada rea.
Estrutura do Trabalho
Este estudo procurou analisar o processo histrico ocorrido na
agroindstria canavieira ao longo dos sculos XVIII e XIX e sua relao entre o
contexto ambiental peculiar do esturio amaznico. Neste sentido, a presente
tese foi estruturada em trs captulos, alm da introduo e das consideraes
finais.
No captulo I, Espao e o Tempo da Cana-de-Acar no Esturio
Amaznico, descrita a identificao fsica da paisagem estuarina do rio
Amazonas, que com suas particularidades, como a mar, por quase quatro
sculos suportou a cultura da cana-de-acar. Tambm so abordadas as
etapas do processo histrico e econmico que caracterizou a trajetria da
cana-de-acar, desde sua origem e difuso pelo mundo at chegar
Amaznia, bem como alguns aspectos que regularam sua explorao.
O captulo II, Histria e Arqueologia dos Engenhos Murutucu,
Mocajuba, Jaguarari e Uriboca, trata da apresentao das atividades de
pesquisa histrica e arqueolgica desenvolvidas em quatro exemplares de
engenhos localizados nas proximidades de Belm. O exame das fontes
documentais, que incluram documentos manuscritos e representaes
iconogrficas, em conjuno com alguns mtodos de prospeco, oportunizou
a localizao de estruturas indicadoras de espaos sociais e industriais dentro
do engenho. Alm disso, as escavaes realizadas resultaram na identificao
de uma expressiva coleo de cultura material caracterstica do perodo
colonial.
XXVI
E no captulo III, Caraterizao do Engenho: Modelo de
Agroindstria Canavieira Local, so analisados os resultados da
investigao histrica e arqueolgica, considerando-se aspectos como o
padro de estabelecimento; possveis condicionantes ambientais cultura
agrcola; a tecnologia de funcionamento, os processos produtivos, mo-de-
obra escrava e os proprietrios.
Finalmente, em termos de concluso, trs pontos so considerados:
1) os fatores naturais caractersticos do esturio como condicionantes do
desenvolvimento da agroindstria canavieira no esturio; 2) a localizao dos
engenhos e organizao espacial de suas construes; e 3) a cultura material
arqueolgica coletada em espaos diferenciados relacionados aos
proprietrios e aos escravos.
XXVII
Figura 01. Reconstituio do sistema motriz movido a mar do engenho So Jos, em
Igarap-Miri. A mar foi importante componente na fertilizao das margens (1).
No preamar, a gua era retida por uma barragem (2), desviada por um canal (3)
at a calha (4), para durante a vazante, girar uma roda dgua. A mar tambm
possibilitava o transporte da cana.
XXVIII
Figura 02. Mapa de localizao de stios de engenhos de cana-de-acar no esturio
amaznico, onde foram encontradas evidncias de obras hidrulicas sujeitas s
mars.
XXIX
Figura 03. Mapa de localizao dos stios de engenhos objetos deste estudo: Murutucu,
Mocajuba, Jaguarari e Uriboca.
XXX
Figura 04. Vista do canal de aduo do reservatrio do Engenho Uriboca, objeto de impacto
pelos servios de construo da rodovia Ala Viria, junto obra da barragem.
Figura 05. Planta da Capela localizada na rea do Engenho Jaguarari, cuja rea frontal foi
inteiramente destruda pela implantao de alojamento e canteiro de obras para
a construo uma ponte sobre o rio Moju, parte do projeto da rodovia Ala Viria.
XXXI
Figura 06. Atividade de prospeco geofsica do solo executada anteriormente escavao
arqueolgica. No Engenho Uriboca, foi utilizado um aparelho de radar GPR
(Ground Penetrating Radar).
Figura 07. No Engenho Uriboca, durante a pesquisa do solo foram anotadas caractersticas
do perfil de em sondagens de at 1m de profundidade, e coletadas amostras de
vrias camadas estratigrficas para anlise geoqumica.
XXXII
Captulo 01
O Espao e o Tempo da Cana-de-Acar
no Esturio Amaznico
XXXIII
O Cenrio da Atividade Canavieira
O local da pesquisa encontra-se inserido na chamada zona
fisiogrfica guajarina, parte integrante do esturio amaznico, no estado Par,
nas proximidades de sua capital, a cidade de Belm. A rea delimitada pelos
paralelos 01 20 00 S e 01 45 00 S, e meridianos 48 10 00 W e
48 40 00 W. (figura 08)
O contexto geogrfico configura-se tipicamente como ambiente de
esturio, destacando-se a localizao de Belm, que se encontra situada na
confluncia da baa do Guajar, que est em frente cidade, com os rios
Acar e Moju, que se estendem para o sul, e com o rio Guam, que se estende
para leste. Conforme classificao de LIMA ET AL (2001, p. 67), esta rea
pertence aos domnios das chamadas Vrzeas Flvio-Marinhas, mais
especificamente na unidade Vrzea do Esturio do Par.
A denominao de vrzeas flvio-marinhas atribuda:
s reas inundveis da Amaznia brasileira, at onde, ao longo do
baixo curso dos rios e de seus afluentes, as mars invertem a correnteza dos rios
e comandam o regime de inundao. (Lima et al, 2001, p. 35)
De fato, na paisagem local so bem marcantes as influncias do
movimento das mars. No porto de Belm, em funo de sua proximidade com
a costa do Oceano Atlntico, so registradas diferenas entre os nveis de
enchente e vazante as amplitudes - que chegam a alcanar at quase quatro
metros. Sua manifestao pode ser presenciada em praticamente todo o
esturio, graas uma extensa rede hidrogrfica que caracterizada por um
grande nmero de rios, igaraps, furos e canais.
O movimento das mars um fenmeno que resulta de foras de
XXXIV
atrao que o sol e a lua exercem sobre a massa lquida da terra, ocasionando
assim oscilaes peridicas do nvel da gua dos oceanos, at certo ponto,
bastante regulares. Estas variaes so denominadas fluxo e refluxo, ou como
referenciado na linguagem dominante local, de enchente e vazante. A
enchente consiste na elevao gradual do nvel d'
gua que demora um
perodo de 6 horas e 12 minutos at atingir sua cota mxima, sendo
denominada "preamar". Neste ponto, permanece por mais ou menos 7 minutos
at o incio do refluxo. A vazante assim, o rebaixamento do nvel d'
gua,
igualmente durante um tempo aproximado de 6 horas e 12 minutos, at atingir
seu nvel mnimo, o "baixamar". Neste momento, do mesmo modo, o nvel
estabiliza-se por mais 7 minutos at reiniciar o fluxo. (Lima et al, 2001, p. 37).
Os ciclos de enchente e vazante tm, portanto implicaes em
muitos aspectos da vida cotidiana da populao local. Como por exemplo,
podemos citar desde a escolha do stio para o estabelecimento de suas
moradias, bem como em relao subsistncia, no caso da pesca e dos locais
para roa, e tambm nos horrios. A este respeito, como visto acima, o ciclo
da mar tem um perodo de tempo maior que 24 horas, ocasionando o atraso
nos preamares e baixamares em 50 minutos a cada dia.
Por outro lado, a mar constitui-se num fator ambiental de grande
importncia, na medida em que estas inundaes, combinadas com
especificidades climticas, atuam como componentes determinantes num
complexo processo de fertilizao das terras marginais. nestas reas
localizadas junto aos grandes rios, que durante a enchente, a gua da mar
deposita as partculas maiores e mais consistentes. Este processo
denominado por colmatagem e possibilita vantagens, atribuindo aos solos uma
XXXV
textura mais grossa e mais solta (Lima et al, 2001, p. 52)
As caractersticas geolgicas verificadas nas reas das bacias do
baixo rio Guam e dos baixos rios Acar e Moju encontram-se vinculadas a
depsitos de sedimentos que remontam aos perodos Quaternrio e Tercirio.
Os terrenos do Quaternrio, originrios no Holoceno, constituem-se
essencialmente por sedimentos de areias, siltes e argilas, que foram carreados
para as bacias dos pequenos e rios e igaraps. Sobressaem neste caso, os
terrenos aluviais onde so registradas ocorrncias de argilas de colorao
escura, normalmente localizadas nas proximidades dos rios de maior porte.
Quanto aos tipos de terrenos com origens no perodo Tercirio, estes
compreendem duas unidades geolgicas: a Formao Barreiras, e a Formao
Pirabas. Na rea em questo, foi registrada a predominncia de terrenos
relativos Formao Barreiras, com maior ocorrncia de argilas, siltes, areias,
cascalhos, arenitos, siltitos, conglomerados e o chamado grs do Par, que
um arenito ferruginoso.
A rea geogrfica em questo apresenta-se com a conformao
topogrfica plana regular, entrecortada por sistemas de drenagem constitudos
por rios, furos, igaraps e canais de mars. BARBOSA et al. (1974) considera
que no esturio amaznico encontram-se formas de relevos relacionados s
caractersticas geolgicas, que so classificados em duas grandes unidades. A
primeira composta de superfcies essencialmente planas e com suaves
ondulaes enquanto na outra, a plancie amaznica, se encontram as terras
marginais e ilhas do rio Amazonas. Mais especificamente, no caso do esturio
amaznico, KHOURY & DUTRA (1991, p. 98) reportaram a ocorrncia naquela
rea de "Relevo de Degradao", que compreende patamares bem acima das
XXXVI
influncias dos rios locais, e "Relevo de Agradao" constitudo de terrenos
sujeitos ao das mars.
Quanto aos aspectos da geomorfologia local, os terrenos encontram-
se, da mesma forma, inseridos em duas unidades predominantes: O Baixo
Planalto Dissecado e Plancie Estuarina. Na bacia do baixo rio Guam, o
Planalto Baixo Dissecado abrange a maior parte da poro continental,
incluindo a rea metropolitana de Belm e se estendendo pelo eixo da rodovia
BR-316, enquanto que na bacia dos baixos rios Acar e Moju, ele pode ser
percebido em algumas ilhas fronteiras, como Cutijuba, Arapiranga e
Trambioca, e parte da ilha de So Mateus, bem como a zona ocidental do
municpio de Barcarena. Esta unidade representada por terrenos com
elevaes ou colinas de at 30m de altitudes com extensos topos aplainados
(tabuleiros) que apresentam baixas declividades.
Conforme as caractersticas de suas altitudes e da natureza dos
solos, estes terrenos foram classificados em "terra firme" e "tesos", de acordo
com a nomenclatura usual dos habitantes locais. Essas terras firmes
compreendem as pores topogrficas cujas altitudes oscilam de 14 a 30m,
onde predomina uma drenagem acentuada. Os tesos, por sua vez,
correspondem aos terrenos menos elevados, de 4 a 14m de altura, com baixa
drenagem.
Os solos observados geralmente nesta unidade so de natureza
mineral, bem desenvolvidos, profundos, de textura argilosa, de consistncia
mida firme, com presena de piarra ou petroplintita, sendo por isso
chamados petroplintossolos ou laterticos concrecionrios. Um outro tipo de
solo verificado foi o podzlico vermelho-amarelo, com menor quantidade de
XXXVII
piarra.
A Plancie Estuarina, conforme classificao de KHOURY & DUTRA
(1991, p. 110), compreende quase todas as pores marginais das bacias dos
baixos rios Guam, Acar e Moju, que corresponde assim, a uma sub-unidade,
a Plancie Flvio-Estuarina. Estas reas esto relacionadas com os depsitos
de supramar e mangues fluviais, apresentando essencialmente, topografias
planas e baixas, com altitudes inferiores a seis metros. De acordo com sua
altitude e, por este motivo, em funo de sua sujeio ou no, influncia das
inundaes das mars do esturio, estes terrenos so regionalmente
designados como "vrzea alta" e "vrzea baixa". (figura 09)
Segundo LIMA ET AL (2001, p. 44), as vrzeas altas esto
localizadas imediatamente nas margens dos rios de maior porte, e essa faixa
tem largura mdia de cerca de 150 metros. Estas reas apresentam altitudes
que variam de 3 a 6 metros e somente so atingidas pelas mars sizgias, que
ocorrem nos meses de fevereiro a abril. Por sua vez, as vrzeas baixas,
localizam-se logo aps a vrzea alta, com uma faixa de terra de largura muito
maior, de at alguns quilmetros, que so atingidas pelas inundaes dos
pequenos igaraps durante as mars de lua cheia e lua nova.
Nos terrenos de vrzea, predominam solos dos tipos aluviais e o
Gley pouco Hmico, que so mal drenados, rasos e saturados de gua. No
entanto, devido influncia da gua salgada, suas propriedades fsico-
qumicas so modificadas, o que os torna mais frteis. Com processos de
drenagem podem ser obtidas boas condies para a agricultura. (Lima et al,
2001, p. 49)
XXXVIII
A Cana-de-Acar como Cultura Agrcola
A cana-de-acar, identificada cientificamente como Saccharum
officinarum, denominao de uma herbcea, pertencente famlia das
gramneas. Esta planta constitui-se de razes fibrosas, e colmos que chegam a
atingir at quatro a seis metros de altura, com dimetros de, no mximo, seis
centmetros de espessura. Em sua composio encontra-se cerca de 50% de
sacarose, alm de slica, potssio, clcio, etc.
A produtividade da cana-de-acar condicionada por vrios
fatores, como as propriedades fsico-qumicas e biolgicas do solo, os ndices
de umidade e temperatura do ambiente, a variedade da planta, resistncia s
pragas e doenas, e principalmente, as tcnicas usadas no cultivo e na
colheita. (EDGERTON, 1955, p. 14)
Em relao aos solos mais indicados para o plantio, a bibliografia
especializada no assunto refere a preferncia por latossolos, com textura
mdia, de boa drenagem, normalmente representados por Latossolos Roxos
ou Terras Roxas Estruturadas, que so caractersticos da regio sudeste. Em
um tratado sobre engenhos localizados no nordeste brasileiro, que foi
publicado no incio do sculo XVIII, ANTONIL (1982, p. 101) recomendou
como locais ideais para as plantaes de cana, as terras denominadas
massaps, terras negras e fortes 2, e alertou que os chamados sales ou
terra vermelha, ofereciam poucos cortes.
No contexto regional amaznico, os lavradores de cana deram
preferncia s margens dos rios no esturio. Na metade do sculo XVIII, o
2
No perodo colonial, o massap propiciava at seis colheitas num nico plantio de cana. um tipo
de solo de textura grossa e argilosa, quase impermevel, rico em matria orgnica, resultante da
decomposio de sedimentos oriundos do Cretceo. (Schwartz, 1999, p. 102)
XXXIX
jesuta Joo Daniel, em sua obra sobre os costumes regionais, intitulada
Tesouro Descoberto no Mximo Rio Amazonas, destacou a prtica de se
plantar canaviais nas zonas ribeirinhas do rio Amazonas:
...no Amazonas portugus mui diverso o cultivo dos canaviais,
porque s fazem, no em terra firme como no Brasil, mas em alagadios
margem dos rios, e plantam-nos borda dos rios pela convenincia da conduo
aos engenhos pela gua em canoas. (DANIEL, 2004, vol. 2, p. 38)
A propsito do assunto, os naturalistas alemes Johan Baptist von
Spix e Carl Friedrich Philip von Martius, em visita Amaznia realizada em
1819, ressaltaram a baixa qualidade do acar, classificando-o como um dos
piores do Brasil e justificavam que:
A qualidade do acar melhorar quanto mais os canaviais plantados
a princpio nas margens baixas, por causa da facilidade de transporte pelo rio, se
estenderem pelas terras do continente, mais altas e mais secas, pois o terreno
lodoso e mido no favorece a formao de seiva aucareira na cana. (SPIX &
MARTIUS, 1981,p. 34)
Neste aspecto, ANDERSON (1993, p. 33), em sua pesquisa sobre
engenhos nos municpios de Abaetetuba e Igarap-Miri, comparou dois tipos
de solos predominantes nos dois ambientes do esturio amaznico - vrzea e
terra firme - e verificou que o solo da vrzea apresentava menor taxa de
acidez e de nutrientes como nitrognio, fsforo, potssio, clcio e magnsio,
quase em dobro se comparado ao solo da terra firme. Tambm constatou que
o solo tpico da vrzea local apresenta nveis de fertilidade iguais ou maiores
que solos de canaviais no interior de So Paulo, plantados em terra firme.
No que se refere umidade, ANDERSON (1993, p. 25) ressaltou que
a planta se desenvolveu com bom rendimento em ambientes como no esturio,
onde as precipitaes pluviomtricas oscilam de 1.200mm a 1.500mm ao ano,
XL
mesmo quando estejam sujeitas a alagamento do terreno durante vrias
semanas. No perodo da fase do crescimento da cana, alm de absorver os
nutrientes presentes no solo, sua raiz necessita grande quantidade de gua.
(EDGERTON, 1955, p. 14)
Desde os tempos coloniais duas variedades de cana-de-acar tm
sido cultivadas na regio: a cana crioula e a cana caiena. A cana crioula,
ou tambm mirim, considerada a mais antiga variedade da espcie, e
caracteriza-se por apresentar os ns do colmo muito prximos entre si, cuja
casca de colorao branco-amarelada e folhas, normalmente retas, que
chegam a atingir entre dois e dois metros e meio de altura. (FRAGINALS,
1988, p. 223) Na poca dos descobrimentos, esta foi a variedade da planta
trazida das colnias ibricas nas ilhas atlnticas que expandiu a cultura
canavieira pelo Novo Mundo. (EDGERTON, 1955, p. 3). No Brasil, j no ano de
1502, chegaram as primeiras mudas provenientes da Ilha da Madeira.
(SALLES, 1972, p. 29) Em 1667, por ordem do Ministro e Secretrio de
Estado, Conde de Castello Melhor, mudas de canas crioulas foram
transplantadas da Ilha da Madeira tambm para o Gro-Par. (BARATA, 1973,
p. 316)
A variedade caiena, ou bourbon, originou-se provavelmente na
segunda metade do sculo XVIII, nas ilhas pacficas de Java e Bourbon,
depois Taiti.(EDGERTON, 1955, p. 4) Como caractersticas a planta constitui-
se de colmos grossos e fibrosos, bastante suculentos, cujas folhas chegam a
crescer at quatro metros. Em pouco tempo a caiena demonstrou rendimento
muito melhor em relao cana crioula, tornando-se praticamente exclusiva,
at em parte do sculo XX. No Brasil, esta variedade veio a ser introduzida
XLI
em fins do sculo XVIII, quando mudas foram enviadas da Guiana Francesa
para o Gro-Par. No ano de 1810, a variedade comeou a ser plantada na
Bahia, em seguida, no Rio de Janeiro, e restante do pas. (SALLES, 1972,
p. 37)
Em termos econmicos, o beneficiamento da cana-de-acar
possibilita obteno de um grande nmero de produtos. A partir de um
processo simples de moagem, pode-se extrair at 75% do sumo que
bastante consumido: caldo de cana, ou garapa. Deste mesmo sumo, o seu
tratamento industrializado pode resultar em vrios tipos de acar, aguardente,
rum, vodka, melao, e lcool.
Atualmente, o Brasil o maior produtor mundial de acar, e
tambm o lder do ranking nas exportaes. Suas colheitas chegam a
alcanar cerca de trezentos milhes de toneladas por ano, sendo que
praticamente, 50% deste volume beneficiado em acar, e o restante
utilizado na fabricao de etanol, ou lcool etlico, usado como combustvel.
Do etanol, inclusive, produz-se tambm alguns dos produtos derivados do
petrleo como plsticos (acetaldedo, poliestireno, polietileno, estireno, cetona)
e solventes (acetona, cido actico e ter).
Alm disso, o aproveitamento de seus subprodutos, como a vinhaa,
o vinhoto e o bagao, de grande utilidade na produo de rao animal,
diversos tipos de papis, fabricao de fertilizantes e gerao de energia, etc.
Para se ter uma idia, com uma tonelada de cana so obtidos cerca de 15%
em bagao, os quais so inteiramente empregados na produo de energia
trmica e eltrica. A agroindstria canavieira apresenta um potencial de
gerao de energia de aproximadamente 12 mil Megawatts, ou seja, 17% da
XLII
potncia total instalada no Brasil.
Origem e Expanso da Manufatura Aucareira
Embora extensos canaviais tenham se constitudo em elementos
marcantes na paisagem das proximidades de Belm do Par desde sua
fundao, h quase quatrocentos anos, o cultivo da cana-de-acar tem uma
origem to longnqua quanto antiga, remontando aos tempos pr-histricos.
Nas remotas ilhas do Oceano Pacfico, especificamente na antiga
Papua, hoje Nova Guin, h cerca de 12.000 anos, grupos nativos realizavam
a domesticao da cana-de-acar. 3 Por volta do quinto sculo da era crist,
estas plantaes j eram encontradas nas ilhas adjacentes, deslocando-se em
direo ao norte, e alcanando o continente asitico, na costa sudoeste da
ndia e tambm a China. Apesar do longo perodo decorrido nesta
disseminao, foi apenas durante o sculo VII que teve incio o efetivo
processamento da planta, quando os persas teriam inventado a fabricao do
acar. 4
A partir do sculo VIII, o avano dos domnios muulmanos atingiu o
norte da frica. Nas atividades comerciais realizadas por mercadores, a
cultura da cana foi conduzida at as cercanias do mar Mediterrneo, onde
passou a ser plantada pelos Mouros. As maiores plantaes encontravam-se
distribudas pelo Egito, Chipre e Creta, bem como na Siclia. Nesta poca,
durante a Idade Mdia, o cultivo da cana-de-acar devia-se principalmente
3 Aspectos da trajetria da cultura canavieira pelo mundo foram pesquisados em VIEIRA, Alberto. A
Madeira, a Expanso e Histria da Tecnologia do Acar. Anais do Simpsio Histria e Tecnologia
do Acar, em Funchal, 2000, p.7-8; CHAVES, Maria Anunciada Ramos. O Acar na Histria do
Brasil. Belm, UFPA, 1999, pp. 28-34.
4
BRAUDEL, Fernand. Civilizao Material, Economia e Capitalismo Sculos XV-XVIII. So
Paulo, Martins Fontes, 1995, pp. 109-201.
XLIII
obteno de mel, que era um produto valioso, restrito apenas s classes
sociais mais ricas. O mel era muito utilizado, tanto na fabricao de doces
como em prticas medicinais. Em funo de suas propriedades
farmacolgicas, era recomendado, por exemplo, como laxante, diurtico,
anticatarral e vulnerrio. (CHAVES, 1999, p. 28).
Com a expanso do territrio conquistado pelos Mouros at a
pennsula ibrica, a explorao da cana chega, assim, at Portugal e Espanha.
A insero cada vez maior do acar de cana nas prticas alimentares da
civilizao europia viria a tornar a explorao e comrcio deste produto um
dos fatores primordiais para o desenvolvimento do mercantilismo. Durante o
sculo XV, Portugal e Espanha promoveram as primeiras investidas de
colonizao do Ocidente. Foram empreendidas inmeras viagens martimas
que resultaram na descoberta de terras no continente americano, e na criao
de diversas colnias no continente africano.
Na costa ocidental da frica foram colonizadas as ilhas da Madeira,
Aores, Canrias, So Tom e Prncipe, no Golfo da Guin. As caractersticas
ambientais especficas a existentes, como as condies de solos frteis e
clima tropical, foram perfeitamente favorveis para a plantao da cana e
possibilitaram a instalao de uma instituio produtiva que viria a tornar-se
decisiva no processo da colonizao: a plantation. O engenho de cana-de-
acar se tornou o seu primeiro maior exemplo. Neste aspecto, SCHWARTZ. &
LOCKHART (2002, pp. 45-46) assinalam que o sistema de plantation
representava uma evoluo do modelo que teve origem no Mediterrneo,
implantado primeiramente no Chipre e em seguida, na Siclia.
Neste tipo de fazendas, as propriedades rurais apresentavam como
XLIV
caractersticas principais aplicao de altas somas de investimento
financeiro, implantao de grandes lavouras, utilizao de tcnica produtiva
especializada no processamento dos gneros e, principalmente, o emprego de
trabalhadores sob regime de escravido.
A crescente demanda por acar e aguardente no continente
europeu levou rpida proliferao nas ilhas, principalmente na Madeira, de
vrios estabelecimentos que produziam expressivas quantidades dos gneros
para exportao. O modelo foi implantado com a aplicao de capital oriundo
de investidores do exterior ou de representantes da nobreza de Portugal e
Espanha.(VIEIRA, 2000, p. 9) A necessidade de adquirir equipamentos
dispendiosos, como as maquinarias, arcar com custos de construir as
edificaes de grande porte, bem como, financiar a aquisio e manuteno de
mo-de-obra escrava, restringiu a posse destas propriedades apenas aos
colonos mais abastados. Aqueles que no dispunham de tantos recursos
acabavam se dedicando a plantar e fornecer a cana para os grandes
produtores, cujo pagamento recebiam em parcelas de acar, ou mesmo
desempenhar funes especializadas, como empregados no prprio engenho.
Nesta poca, todo o mercado relativo a estes produtos encontrava-
se assim sob o monoplio principalmente de Portugal, com as ilhas Cabo
Verde, Aores e Madeira, e da Espanha, com as ilhas Canrias e uma
incipiente cultura na ilha americana de Hispaniola, atualmente Haiti e
Repblica Dominicana. 5 No caso da Ilha da Madeira
, a propsito, o historiador Alberto
Vieira,
ressalta que, para atender a demanda do mercado, a ilha tornou-se a
alcanando,
pioneira em fabricao e comercializao do produto em larga escala,
XLV
por isso papel de destaque na Histria do Acar.
, (VIEIRA, 2000, pp. 7-9) Foi na ilha que
moldou-se o complexo aucareiro, que viria alcanar grande sucesso na
histria econmica do Novo Mundo nos trs sculos subseqentes.
A descoberta do Brasil pelos portugueses, em 1500, representou um
importante passo na consolidao do predomnio do comrcio do acar por parte de
Portugal. Assim como nas Ilhas Atlnticas, o desenvolvimento desta atividade
agrcola encontrou suporte na viabilidade de terras apropriadas para o cultivo,
contudo, em cenrios muito mais extensos, de dimenses continentais.
Experimentada inicialmente na feitoria de So Vicente, no Sudeste, a
cultura dos canaviais e instalao de engenhos se espalhou progressivamente pelo
imenso territrio litorneo, desde o Rio de Janeiro, Bahia, at Pernambuco. a no
nordeste, entretanto, que durante um perodo de quase dois sculos de durao, os
negcios com o acar atingem seu apogeu, perodo que ficou conhecido na histria
brasileira como Ciclo Aucareiro. (PRADO JNIOR, 1994; FURTADO, 1991) (figura
10)
Antes do final do sculo XVI, o Brasil j suplantava em quantidade de
acar produzido e exportado, todas as outras regies produtoras, como as Ilhas da
Madeira, So Tom e Hispaniola. Segundo projeo de FURTADO (1991) no sculo
XVI, o Brasil possua 120 engenhos, cuja produo chegava a dois milhes de
arrobas de acar, perfazendo uma renda de cerca de dois milhes e meio de libras
esterlinas.
necessrio observar que no perodo colonial, esta intensiva atividade
canavieira no se achava restrita apenas s regies do sudeste e do nordeste
brasileiro. No incio do sculo XVII, esta cultura tambm comeou a propagar-se para
as terras da costa norte da colnia, quando as foras portuguesas promoveram a
conquista do Maranho e Gro-Par.
Sobre o assunto, o economista Roberto Simonsen considera que:
A alta do acar e o desenvolvimento do seu comrcio estimularam
tambm os portugueses a estender seus domnios, afastando ainda o
estabelecimento de possveis concorrentes. E, de 1584 a 1656, se efetuou a
expanso geogrfica portuguesa pelo litoral, do Itamarac at ao Amazonas.
(SIMONSEM, 1977, p. 307)
5
Sobre o acar na ilha de Hispaniola, ver MOREL, Genaro Rodriguez. La Economia
Azucarera de La Espaola en el Siglo XVI. in VIEIRA, A. 2000, pp. 117-160.
XLVI
Do mesmo modo que ocorreu com os empreendedores ibricos, os
interesses comerciais na produo de acar tiveram papel preponderante na
contnua propagao dos domnios de conquistadores ingleses, franceses e
holandeses. Assim, na primeira metade do sculo XVII, estes colonizadores
introduzem com sucesso o modelo de povoamento baseado na lavoura canavieira na
regio do Caribe.
Os ingleses, que dividiam a ilha de So Cristvo, ocuparam tambm
Barbados e Jamaica, enquanto os Holandeses dominaram Curaau e Guiana, e os
franceses colonizaram Guadalupe, Martinica, e So Domingos (Haiti). (NOVAIS,
1995, p. 37) Na transio do sculo XVII para o sculo XVIII, o incremento do trfico
negreiro e a implementao de extensas lavouras nas colnias inglesas e francesas,
contriburam para a consolidao do poder hegemnico das Ilhas da regio do Caribe
no mercado aucareiro. As Ilhas da Jamaica e do Haiti despontaram como as maiores
produtoras do gnero no cenrio mundial. (SCHWARTZ & LOCKHART, 2002, p. 362) 6
No Haiti, entretanto, uma revolta dos escravos contra os franceses, ocorrida em
1791, praticamente interrompeu a produo aucareira.
Na Amrica do Norte a cana foi introduzida em cerca de 1750,
quando padres jesutas transportaram a planta de Santo Domingo para a
Louisiana, originando extensos canaviais que mudaram sensivelmente a
paisagem. Ao final do sculo XVIII, outras regies passaram a se destacar na
produo do acar, como Texas, Flrida, Gergia e Carolina do Sul.
Em 1762, a chegada de colonos ingleses em Cuba proporciona a
implementao de grandes plantations aucareiras, onde so usados
recursos tecnolgicos mais modernos e a fora de trabalho incrementada com
importao de contingente de escravos. Segundo FRAGINALS (1989), neste
perodo, os investidores cubanos passaram a financiar melhoramentos em
vrios setores, como o uso de implementos agrcolas mais aprimorados nos
mtodos de plantio e colheita, bem como as tcnicas de refinamento do
6
Ressaltam que a produo de acar na Jamaica era de 60.000 toneladas, com uma
populao escrava de 250.000 indivduos, e em So Domingos (Haiti) era de 80.000
toneladas, com utilizao de cerca de 500.000 escravos.
XLVII
acar. Mas sem dvida, o fator primordial foi a introduo da mquina a vapor
nos engenhos cubanos, em 1796, que proporcionou melhor rendimento no
processo de moagem da cana. 7
Um outro fato relevante ocorreu em 1837, com a construo de
ferrovias estimulada pelo xito alcanado por modernos trens a vapor, que
ofereceu assim, condies indispensveis ampliao dos canaviais para as
zonas interiores do territrio cubano. justamente neste contexto que a ilha
comeou a se transformar no maior plo produtor de acar do mundo,
posio que conservou at quase o final do sculo XIX.
Breve Histria de Engenhos Locais
Historiadores especialistas no assunto consideram que a explorao
da cana-de-acar na boca do Rio Amazonas desempenhou importante papel
no incio da ao colonizadora portuguesa desenvolvida na regio. Cabe
ressaltar que durante o sculo XVI, a agroindstria canavieira foi fundamental
no desenvolvimento econmico da regio do nordeste brasileiro. O
alargamento dos limites dos domnios lusitanos para alm daqueles expressos
no Tratado das Tordesilhas havia sido realmente fundamentado, mais em
motivos econmicos do que polticos. (CRUZ, 1963; REIS, 1993)
Em fins de 1615, o governo portugus, atravs de uma ordem rgia
determinou ao Capito Francisco Caldeira Castelo Branco a misso de
empreender uma jornada com o objetivo de expulsar estrangeiros que se
encontravam estabelecidos naquele territrio, inclusive com algumas feitorias
7
A propsito das inovaes tecnolgicas descobertas e aplicadas nas indstrias
manufatureiras das Antilhas, ver CANABRAVA, Alice Piffer. O Acar nas Antilhas (1697-
1755). So Paulo, Instituto de Pesquisas Econmicas, 1981.
XLVIII
de acar. De acordo com notcia relatada pelo cronista da viagem Andrs
Pereira, nas proximidades do rio Xingu havia entre 250 e 300 holandeses
assentados em duas fortificaes e que tinham dois engenhos de acar de
que carregavam alguns navios com o mais que a terra d de si. A cultura
canavieira, portanto, foi introduzida na regio antes dos portugueses, por
holandeses (SALLES, 1988, p. 6).
Aps a expulso dos holandeses, a explorao da cana na regio
comea a tomar impulso j a partir da fundao da cidade de Belm do Par,
em 1616. Durante o perodo em que viveu na regio at ser expulso, em 1619,
o fundador da cidade, capito-mor Francisco Caldeira Castelo Branco, possua
j entre suas propriedades, plantaes de cana. De acordo com CRUZ (1960,
p. 138), documentos relativos s questes de herana, requeridas por parte da
mulher e da filha de Castelo Branco, datados de 24 de julho de 1623
apresentam um testemunho de Manuel Soares dAlmeida, que esclarece que o
capito-mor cultivou cana-de-acar e fabricou acar perfeito. A propsito
do assunto, h um registro com informaes sobre as posses da famlia, cujo
esplio no Gro-Par inclua:
...as melhores cazas q ali h c arvores plantadas e hua olaria e
Ermida e grande quantidadi di escravos que ficaro por falecimento do dito seu
pai e q elles so cabedal bastante para asupp.te dar bons principios cultura
das terras de q trata nas quais tinha seu pai Franc.co Caldeira feito Rosas de
mandioca e plantado Cana de assucar. E que as suas foro as primeiras q
entraro naquella Conquista. E q na cidadi tinha um canaveal de q tinha feito
amostras de assucar. Eq as canas q nellas tem basto para plantar todas as
ditas terras... MEIRA FILHO, (1976, vol. 1 p. 192)
Nesta poca de descobertas e conquistas de terras no esturio
amaznico, vrios relatos de cronistas viajantes, como missionrios e oficiais
do Reino, apontavam para o xito da cultura da cana nativa e suas
XLIX
potencialidades para explorao da terra. Em 1637, o padre Luiz Figueira
apresenta um relatrio ao Rei Felipe III em que destaca a fertilidade das terras
onde se podem construir numerosos engenhos. (BARATA, 1973).
Na viagem exploratria do rio Amazonas efetivada pelo Capito
Pedro Teixeira, no perodo de 1637 a 1639, foi reportado que ao longo do rio
os viajantes recebiam cannas doces dos ndios, sendo ressaltado ainda que
em algumas provncias havia vrias culturas como cacau, tabaco e canna
doce que era muito alta e muito grossa. O jesuta espanhol Cristobal de
Acua, presente nesta viagem, tambm referiu a existncia de plantaes de
cana, exaltando as qualidades da terra, e a viabilidade econmica da
instalao de engenhos face disponibilidade de recursos naturais:
"...(os engenhos) sero de pequeno custo por haver, como disse, as
madeiras mo e a gua em abundncia..." (CARVAJAL, ROSAS e ACUA,
1941, p. 194)
Em 1651, o frei Laureano de La Cruz tambm testemunhava que
alm da explorao do tabaco, que era remetido por alguns navios para
Lisboa, havia a cana-de-acar. (CRUZ, 1900, p. 129) Neste perodo, a cultura
canavieira j apresentava, at no mbito da cidade, os primeiros sinais de
crescimento de produo. Em 1662, o viajante Maurcio de Heriarte, em uma
breve descrio de Belm, assinala a ocorrncia de sete engenhos de fazer
assucar (HERIARTE, 1874, p. 23).
Estas informaes foram corroboradas pelo padre jesuta Joo
Felipe Bettendorff que tambm, ao relatar em sua crnica a situao da
capitania por volta de 1660, enfatizou a prosperidade de estabelecimentos
agrcolas nas circunvizinhanas da cidade de Belm notada em vrias
plantaes como cana-de-acar, tabaco, cacau, urucu, etc. ocorrentes nas
L
margens dos rios Murutucu, Guarapiranga, Moju e Acar (BETTENDORFF,
1990, p. 23).
Segundo AZEVEDO (1901, p. 69) durante quase todo o sculo XVII,
estes engenhos eram de pequeno porte e na maioria pertenciam aos colonos.
Um dos grandes problemas consistia no fato de que embora estivessem
assentados nas proximidades da cidade, ainda assim sofriam constantes
ataques das tribos dos Aru e dos Nheengaba.
Ao longo da primeira metade do sculo XVIII, o interesse contnuo no
processo de colonizao se refletiu na ateno que o governo passou a dar
explorao dos produtos nativos, entre os quais incluam-se os da
agroindstria canavieira. Uma prova disto foi a preocupao com o rendimento
das plantaes, principalmente as de cana-de-acar, o que ocasionou a
introduo de uma nova espcie na regio, transplantada da Ilha da Madeira.
(BARATA, 1973, p. 317)
Aparentemente, o sucesso desta novidade agrcola estimulou a
criao de novos engenhos, de mdio e grande porte, que demandavam altos
investimentos de capital. Entre os proprietrios se achavam no apenas
oficiais do Reino, ou pessoas influentes ligadas nobreza, mas principalmente
os missionrios das diversas ordens religiosas que se estabeleceram na
regio.
Nas proximidades de Belm, os Jesutas possuam alm das aldeias
na rea de Barcarena e as fazendas de gado no Maraj, os engenhos
Borajuba e Jaguarari, situados no rio Moju, que incluam tambm capelas,
olarias e extensas reas com canaviais e outras plantaes, como cacau.
(LEITE, 1943, tomo 3, p. 305) Os Carmelitas, que ocuparam as margens do rio
LI
Guam, adquiriram a vrias terras que compreendiam a fazenda Santa Tereza
de Monte Alegre, vulgo Engenhoca, o stio Bom Jardim e o Engenho
Pernambuco, alm do stio Santa Cruz, no Moju, e o de Pinheiro, prximo de
Belm. (PRATT, 1941, pp. 143-160) Por sua vez, os Mercedrios
administravam o engenho Santana do Arari, na Ilha do Maraj, e a fazenda
Val-de-Ces, na baa do Guajar, nas cercanias de Belm. (CRUZ, 1963,
p. 111)
Ao lado destas construes mais imponentes havia espao tambm
para os pequenos engenhos, chamados engenhocas ou molinotes, que, por
determinao do Reino, s poderiam dedicar-se produo de aguardente,
ainda assim, em quantidade restrita. Este tipo de empreendimento passou a
ter maior preferncia pelos colonos, pois suas instalaes mais modestas que
o engenho, no requisitavam grande custo com mo-de-obra escrava e
tambm com equipamentos. 8 Ressalte-se, porm, que frente proliferao de
tantas engenhocas houve casos tambm de reao popular, como a dos
habitantes das margens do rio Guam. Em 1749, estes moradores solicitaram
que o governo proibisse a instalao de engenhos ou molinetes naquele rio,
que provocavam constantes perturbaes entre a populao e os escravos. 9
Diante das vantagens das engenhocas, investir na instalao de
mais alambiques e assim, produzir ainda mais cachaa, tornou-se o interesse
tambm dos proprietrios dos grandes engenhos. Este foi o caso, por exemplo,
de Vicente Xavier de Castro, morador da cidade do Par, que em 26 de maio
de 1757 enviou requerimento ao reino, para fazer uso do seu engenho real de
8
Doc. N 333, 669, 674, 744, 872, 1177, 1265, 1275, 1384, 2674, 2844, 3381 e 3484, localizados em
APEP/AHU.
LII
moer cana-de-acar e dos seus canaviais no estabelecimento de um molinete
para o fabrico de aguardente de cana, pelo tempo de dez anos. 10 A
justificativa alegada pelos colonos foi que desta forma seriam compensados os
prejuzos decorrentes dos freqentes ataques dos ndios, que alm da
destruio provocava o pnico entre os habitantes ocasionando muitas vezes o
abandono e fuga da mo-de-obra.
A despeito das tentativas de alguns melhoramentos, ainda
persistiam, entretanto, baixos rendimentos obtidos com as espcies de cana-
de-acar, e isso no se devia apenas s propriedades, mas tambm s
prticas de plantio consideradas imprprias na regio. O jesuta Joo Daniel,
que viveu na Amaznia nesta poca, afirmou que a produo do acar no
era suficiente, pois os canaviais se encontravam na zona de interferncia de
vrzea, e por isso, duravam cinco ou sete anos, enquanto que nas outras
regies do Brasil, esta cultura durava uns trinta ou quarenta anos, e em alguns
casos, para sempre. Ainda segundo o jesuta, um outro aspecto negativo era a
respeito da fora motriz, pois, naquele tempo, os engenhos locais utilizavam a
fora de bois ou cavalos, em vez da gua, to fartamente disponvel no
esturio. (DANIEL, 2004, vol.2, p 38 )
No obstante estas dificuldades, o crescimento desta atividade viria
a ser estimulado na metade do sculo XVIII, quando passa a ocorrer uma srie
de mudanas radicais na situao poltica e administrativa da colnia. Em
Portugal, com a morte de D. Joo V, em 1750, D. Jos I assumiu o trono, e
nomeou Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marqus de Pombal, como
9 o 2702 de de 17 , localizado em
Doc. N , de 19 abril 46 Requerimento dos moradores prximos ao rio Guam...,
APEP/AHU.
LIII
ministro dos Assuntos Exteriores e da Guerra do governo portugus. Em
1751, Pombal, designou seu irmo, Francisco Xavier de Mendona Furtado,
para governador e capito general das capitanias do Gro-Par e Maranho.
No incio de seu governo, um inventrio sobre a situao econmica, realizado
pelo ento Ouvidor-Mor do Maranho Joo Antonio da Cruz Diniz Pinheiro,
registrou a ocorrncia de 24 engenhos reaes de fazer assucar e 42
engenhocas de fabricar aguardente no Gro-Par. (AZEVEDO, 1901)
Realmente, engenhos foram observados no trajeto da comisso
demarcatria dos limites da Amaznia, que saiu de Belm ao Rio Negro em 02
de outubro de1754. O dirio da viagem referiu os stios dos padres da
Companhia (Burajuba); o de Domingos Monteiro de Noronha; o de Francisco
Xavier de Morais; o Curuambaba; o de Joo Rodrigues; e o de Pedro
Furtado.(PAPAVERO et al., 2002, p. 24) Na ilustrao do Mappa do rio das
Amazonas athe onde concerva esse nome..., de autoria Joo Andr
Schwebel, contemporneo viagem, encontram-se vrios dos stios
mencionados. (NUNES, 1985). 11 (figura 11)
O nmero de engenhos, na verdade, parecia no corresponder s
srias dificuldades que os proprietrios ainda encontravam para obteno de
escravos para as atividades das lavouras, originando com isso, constantes
reclamaes. Nestes tempos, a regio constantemente se achava assolada por
epidemias, como bexiga e sarampo, que atingiram duramente as comunidades
indgenas e os negros africanos. De acordo com BAENA (1835, p. 4), entre
1743 e 1749, estas doenas teriam vitimado cerca de um tero da populao
10 o 3865 5 de maio de 1757 . localizado em
Doc. N , de , Requerimento de Vicente Xavier de Castro, ...,
APEP/AHU.
LIV
da provncia.
AZEVEDO (1901, pp. 235-236) ressalta que nestes anos, em
11
Mappa Geographico dos Rios por onde navegou Francisco Xavier de Mendona Furtado
sahindo da Cidade de Par para o Arraial de So Jos do Rio Negro.
LV
contraste com a falta de braos que levavam os engenhos e as fazendas
quase runa, os missionrios utilizavam como mo-de-obra numerosos
contingente de ndios escravizados em seus estabelecimentos agrcolas. Esta
situao reservou aos jesutas um descontentamento generalizado dos
proprietrios, que os acusavam principalmente, de monopolizarem a mo-de-
obra na capitania. Na viso destes colonos, os missionrios da Companhia de
Jesus, que desenvolviam uma poltica econmica eficaz, haviam j acumulado
vultosas riquezas na administrao das aldeias e fazendas, s custas da
explorao de grande contingente indgena. (MAXWELL, 1996)
Com a criao do Diretrio que se deve observar nas povoaes
dos ndios do Par e Maranho, assinado no ano de 1755, mas que s foi
regulamentado em 17 de agosto de 1758, a poltica pombalina decretou a
liberdade integral da populao indgena, proibindo sua escravizao. Nas
aldeias, ou redues, Iniciava-se um processo de substituio dos
administradores jesutas por pessoas de confiana do governo. 12
Concomitante, em ateno aos anseios de Mendona Furtado, foi
criada a Companhia Geral do Comrcio do Gro-Par e Maranho, que operou
de 1756 a 1778. Esta empresa teve como proposio viabilizar a importao
de escravos negros da frica, para trabalhar nas lavouras, alm de exercer um
controle mais direto nos negcios de exportao dos produtos locais para o
continente europeu.
Fomentava-se assim um incremento na explorao principalmente de
gneros regionais como cacau, arroz, caf, etc., que resultaram na remessa de
12
O documento exaustivamente tratado em ALMEIDA, Rita Helosa em. O Diretrio dos ndios: um
projeto de civilizao no Brasil do sculo XVIII . Braslia, Editora Universidade de Braslia, 1997
LVI
grandes quantidades destes produtos para Portugal. Em relao ao acar
exportado na poca, porm, registrou-se um volume de apenas 3.000 arrobas,
bastante insignificante se comparado com o cacau, que chegou a mais de
800.000 arrobas, e o caf, a quase 100.000 arrobas. (DIAS, 1970; RIBEIRO,
1972)
Em um documento relativo ao ano de 1760, intitulado Relao dos
engenhos existentes na comarca do Par, sem qualquer referncia
quantidade de engenhocas, encontram-se enumeradas trinta propriedades que
na maioria eram pertencentes a oficiais do reino, sendo referidas patentes de
mestre de campo, capito-mor, coronel de ordenana da capitania, capito e
tenente. 13 Com o cruzamento destas informaes com outras referncias
bibliogrficas, foi possvel detectar nesta lista vrios engenhos como:
Murutucu, Utinga, Mocajuba, Santa Tereza de Monte Alegre, Itacu, Burajuba,
Santana, Taua, Taboca, Juquiri-Au, Boa Vista, Nossa Senhora do Desterro,
Santana, Limoeiro, entre outros, bem como a sua possvel localizao
geogrfica, com uma certa preciso, nas margens dos rios Guam, Capim,
Acar, Moju, Ilha do Maraj, Tocantins, etc. (tabela01)
Em 1761, membros da Junta de Inspeo do Gro-Par enviaram
comunicao ao Capito-mor Mendona Furtado, ressaltando o estado de
decadncia de alguns engenhos, causada principalmente pelo fato de que
estavam se dedicando exclusivamente moagem de cana para produzir
aguardentes. Como justificativa, os proprietrios alegavam falta de braos,
ocasionada pela morte ou fuga dos ndios para o mato, e que estavam em
dificuldades financeiras para comprar escravos comercializados pela
LVII
Companhia Geral do Comrcio do Gro-Par e Maranho. 14
Por outro lado, determinaes vindas de Portugal traziam graves
conseqncias ao desenvolvimento da manufatura aucareira. Por meio de
uma ordem rgia datada de 1761, o rei D. Jos I declarou que o acar
produzido na regio era de menor qualidade que o de Pernambuco e da Bahia,
e recomendava sua retirada da pauta de exportaes. (CRUZ, 1963) Um
reflexo desta medida seria a reduo drstica da produo, que resultou
inclusive na desativao das casas de inspeo do produto nas capitanias do
Par e Maranho. 15 Restringia-se assim a produo do gnero praticamente
apenas para o consumo e comrcio interno.
Alguns dos engenhos em atividade neste perodo foram registrados
pelo bispo Frei Joo de So Jos, que em seus dirios das visitas pastorais
mencionou: o Engenho Taboca, de Loureno Furtado (no rio Moju, a dez
lguas de Belm); o Borajuba, de Balthazar do Rego (no Moju); o engenho de
Luiz Vieira da Costa (na baa do Limoeiro), o de Francisco Oliveira Pantoja (no
Tocantins); e o de Jaguarari (no Moju). (So Jos, 1847, pp. 43-527)
Aos donos de engenhos locais restava, portanto, buscar outras
alternativas e a sada foi investir mais na produo da aguardente. Os lucros
conseguidos neste negcio pelos donos de engenhocas eram sedutores e
chamou a ateno do governo. Em 1761, apurou-se que as engenhocas
produziam ao ano, um total de quase 85.000 canadas de aguardente, com o
emprego de cinco, ou dez escravos, e se encontravam localizadas muito
13
Doc. No 4142, ant. 1760, Relao dos engenhos existentes na comarca do Par. localizado em
APEP/AHU.
14
Doc. N 4354, de 8 de novembro de 1760, Ofcio dos membros da Mesa da Junta de
Inspeo..., localizado em APEP/AHU.
LVIII
prximas aos engenhos. Em vista desta situao, o desembargador intendente
geral do comrcio e agricultura do Par, Luiz Gomes Faria e Sousa,
recomendou que o Governo deveria:
abolir para sempre todas as engenhocas, extinguindo como
prejudicialssimos ao comercio, agricultura, manufaturas, e finalmente aos slidos
16
interesses ,no s do estado, mas de todo o reino.
Efetivamente, a desativao das engenhocas no se concretizou,
mas os donos dos engenhos parecem ter adotado por completo, as intenes
de fabricarem aguardente. De fato, isto se refletiu nos quadros estatsticos da
manufatura aucareira da poca. De 1773 a 1800, a exportao de acar do
Gro Par para Portugal chegou apenas a pouco mais de 2.000 arrobas.
(TOCANTINS, 1982, p. 74)
No documento Registro da Introduo do Mtodo que a Junta Real
da Fazenda mandou praticar nesta Capitania para a arrecadao do subsdio
Literrio, de 31 de dezembro de 1790, foram contabilizados 102 engenhos e
engenhocas espalhados pela rea estuarina. Na lista, porm no foram
especificados que stios eram engenhos ou engenhocas.
Esta documentao histrica bastante significativa, pois indica com
detalhes a localizao, por freguesia ou distrito, o nome do stio, ou rio, e o
nome do proprietrio.. Em todo o caso, nela encontram-se grafados dois dos
quatro engenhos estudados no presente trabalho: o Murtuc (Murutucu) e o
Uriboca, mas constam tambm relacionados os nomes dos presumveis
proprietrios dos outros dois: o Capito Joo Manoel Rodrigues (Mocajuba) e
15 o
Doc. N 4614, de 6 de outubro de 1761, Ofcio do [governador e capito-general do Estado
do Maranho e Par]..., localizado no APEP/AHU.
16 o
Doc. N 4698, de 20 de novembro de 1761, Ofcio do desembargador e intendente-geral de
Comrcio e agricultura do Par, Lus Gomes Frias e Sousa, localizado no APEP/AHU.
LIX
o Capito Ambrsio Henriques (Jaguarari).
Ainda referente a este perodo, o naturalista Alexandre Rodrigues
Ferreira documentou, em seu estudo sobre a situao econmica da regio
amaznica, uma relao de propriedades agro-industriais localizadas no
esturio, intitulado Rezumo do Mappa de Todos os Engenhos de Fazer
Assucar, Aguardente, Descasque de Arroz, Curtumes, Olarias e Fornos de Cal
na Capitania do Par ao 1 o de Janeiro de 1792 (tabela 02). Nesta tabela so
totalizados 23 engenhos e 95 engenhocas. 17
Neste perodo, os engenhos locais j utilizavam a fora hidrulica
para movimentar suas moendas. Em 1780, o proprietrio Manuel Jos Alves
Bandeira comunicou Cmara do Gro-Par o incio da construo de um
engenho de goa no rio Uriboca. 18 Ainda referente a este perodo, no
material relativo viagem filosfica de Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1784,
so encontradas iconografias que ilustram alguns dos engenhos, com imensas
rodas dguas. (figura 12)
Por volta de 1820, os naturalistas alemes Spix e Martius,
analisaram que as canas existentes na provncia do Par talvez seja uma das
piores plantadas no Brasil, com baixos teores de sacarose, prestando-se por
isso, mais para a fabricao de aguardente. Segundo estes pesquisadores,
produzia-se licores finos e a aguardente, que era remetida em grande
quantidade para Aores e Portugal, de onde voltava beneficiada. (SPIX &
MARTIUS, 1981, p. 34)
17
Os engenhos estavam assim distribudos: 9 na Cidade; 5 no Acar; 4 no Moju; 3 no rio Capim; 1 no
Guam; 1 na Vila de Ourm; 1 em Oeiras; 1 em Maraj; e 1 em Camet.
18 o
Doc N 7080., de 20 de novembro de 1780, Ofcio de Manuel Jos (Alves) Bandeira..., localizado
no APEP_AHU
LX
Em 1835, a economia canavieira foi duramente afetada pela Guerra
da Cabanagem, um marcante episdio na histria do Par, que causou a perda
de mais de 30.000 vidas. (REIS, 1972, p. 67) Inmeras povoaes localizadas
na zona estuarina foram praticamente dizimadas durante os conflitos entre os
revoltosos cabanos e as tropas do governo, ocasionando sensveis
implicaes na economia regional. Estabelecimentos ribeirinhos, como
fazendas e engenhos que eram propriedades de colonos portugueses foram
naturalmente, objetos de assaltos por parte dos revoltosos cabanos.
(BORGES, 1970, p. 126; HURLEY, 1936, p. 198) Como conseqncia, muitos
donos de empreendimentos ribeirinhos abandonaram suas atividades agro-
industriais colocando venda suas propriedades. 19
O impacto da quase completa destruio causada nos engenhos
20
locais perduraria ainda por muito tempo. O desolador quadro de runa foi
testemunhado e registrado por cronistas viajantes, como os naturalistas
britnicos Henry Walter Bates e Alfred Russel Wallace, que em meados do
sculo XIX estiveram na regio. (BATES, 1944; WALLACE, 1939) Entre agosto
e setembro de 1848, aps uma de suas expedies cientficas pelos arredores
de Belm, ao retornar a Belm, atravs do rio Moju, Bates observou que:
muitas casas grandes neste rio pertencentes aos que eram grandes
e florescentes lavouras, mas que depois da revoluo de 1835, caram em
decadncia.... Disseram-nos que antes havia onze grandes engenhos de acar
nas margens do Moju, e agora s restavam trs (BATES, 1944, p. 200)
Todavia, em 1862, ao que parece, a situao econmica parece ter-
19
Em documentao relativa ao perodo da Cabanagem, localizada em Cartrio, encontram-se
inmeras escrituras de vendas, ou hipotecas de engenhos situados, principalmente na rea do Moju
e Barcarena.
20
Conforme foi verificado em entrevistas sobre antigas fazendas ou engenhos no esturio, episdios
do tempo da Cabanagem ainda esto presentes na memria dos moradores locais.
LXI
se recuperado, pelo menos temporariamente. Em um inventrio estatstico
sobre a produo industrial da Provncia do Par, CORDEIRO (1820, p. 20)
enumera "166 engenhos de assucar". 21 Nesta poca, os engenhos j usavam
mquinas a vapor como fonte de energia para girara as moendas. No se tem
conhecimento sobre a poca exata do comeo de sua utilizao, mas a
mquina a vapor referida em vrios documentos de escrituras de venda de
engenhos, como no caso da venda, em 1841, do Engenho Murutucu, que
possua entre seu bens um vapor com moendas de ferro e desconcertado
.(CRUZ, 1963, p. 135)
Esta informao de recrescimento no setor coerente, pois de
acordo dados estatsticos, a produo de acar entre 1848 e 1867 chegou a
quase 300.000 arrobas. (BARATA, 1973).
De qualquer modo, em relatrio apresentado pelo governo da
Provncia do Gro-Par, em 1849, destacou-se o atraso em que se achava a
indstria agrcola, rural e manufatureira, cuja produo destinava-se quase
que exclusivamente ao consumo interno, nada ficando para as exportaes. 22
Ainda assim, no incio da dcada de 1860, foram produzidas 67.000 arrobas de
acar, e s nas proximidades da Capital, contabilizavam-se 16 engenhos 30
engenhocas, movidos a gua, vapor ou animais. Em 1868, as reclamaes do
governo ainda persistiam, conforme relatrio apresentado por Joaquim
Raymundo Delamare, que explicou:
21
Foram tambm registradas 24 fbricas de sabo, 6 de leo, 18 de cal, 6 de louas de barro, 3 de
beneficiamento de arroz, uma de moer caf, 35 olarias, 36 serrarias e 1.565 pequenas fbricas de
farinha de mandioca, distribudas por todo o esturio.
22
Falla Dirigida pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Jeronimo Francisco Coelho, presidente da Provncia do
Gro Par. Belm, Typographia de Santos & Filhos, 1849.
LXII
Apesar da excessiva uberdade do solo e produo espantosa de
cana, possui a Provncia um nmero limitado de engenhos de acar que nem
chegam a produzir o necessrio para o consumo, e alguns deles limitam-se
apenas a destilar aguardentes (Delamare, Joaquim Raymundo. Relatrio
apresentado ao Governo em 1868, p. 23)
J nesta poca, uma nova forma de extrativismo consolidava sua
importncia no quadro econmico regional: a explorao da Borracha, que
despertou interesse de altos investimentos de comerciantes tradicionais. Em
Belm, as riquezas acumuladas neste vantajoso comrcio oportunizaram uma
sensvel transformao, implementando-se melhoramentos nas feies
urbansticas, com a construo de prdios suntuosos como o Teatro da Paz, e
palacetes em art noveau, alm da infra-estrutura porturia com a construo
de novos galpes. O interior da provncia, ao contrrio, amargava uma
situao de completo abandono, conforme relatou o Presidente da Provncia
em 1871:
Em toda parte, com efeito, em vez de cidades e vilas que antes
floresciam, no se encontrar seno a decadncia...Este contraste o resultado
das mudanas operadas nos costumes industriais dos habitantes do interior.... (os
habitantes) aplicam o que resta unicamente extrao de drogas, principalmente
23
da borracha, sem reservarem nenhum para a lavoura.
No mapa geogrfico da rea do esturio do Amazonas, elaborado
por BARRETO (1877), encontram-se assinaladas inmeras fazendas, entre as
quais identificam-se engenhos como Murutucu, Uriboca, Mocajuba, Jaguarari.
(figura 13)
Quase ao final do sculo XIX, na provncia do Par ainda
contrastavam o estgio de penria da manufatura aucareira e o nmero de
23
Relatrio Apresentado Assemblia Legislativa Provincial pelo Dr. Abel Graa, Presidente da
Provncia. Belm, Typographia do Dirio o Gro Par, 1871, p. 49.
LXIII
engenhos de aguardente em operao. Em 1881, havia 209 engenhos ou
engenhocas, dos quais 152 localizavam-se nas proximidades de Belm. 24
Em trabalho sobre a situao econmica vigente nas comarcas da
provncia do Par em 1885, Manoel Baena relacionou a quantidade de
engenhos e o tipo de fora motriz utilizada.(BAENA, 1885, p. 26) Neste
inventrio, a comarca de Belm contava com engenhos de cana-de-acar
movidos a vapor, e que alguns fabricavam excelente aguardente e acar
cristalizado. Em relao ao interior foram referidos engenhos movidos a gua,
a vapor, ou por animais, nas localidades de Acar, Bujaru, Mosqueiro, Santana
do Capim, Barcarena, Benevides, Igarap-Miri, Abaet, Moju e outros na Ilha
de Maraj.
No incio do sculo XX, a atividade canavieira passou a concentrar-
se nas imediaes dos municpios de Abaetetuba e Igarap-Miri, onde as
pequenas indstrias dedicavam-se quase que exclusivamente fabricao de
aguardente. Aps uma breve retomada no crescimento da produo da
aguardente, por volta de 1960, as pequenas indstrias entram em um processo
de decadncia, ao que parece, irreversvel. Nos dias atuais, apenas um
engenho ainda est em funcionamento, ainda assim, em precrias condies. 25
24
Relatrio Apresentado Assemblia Legislativa Provincial pelo Dr. Jos Coelho da Gama Abreu,
Presidente da Provncia. Belm, Typographia do Dirio de Notcias de Costa & Campbell, 1871,
p. 49.
25
A anlise das causas do declnio econmico dos engenhos de cana-de-acar localizados nas
reas dos municpios de Abaetetuba e Igarap-Miri foi desnvolvida por ANDERSON (1993) que
investigou as etapas do processo histrico ocorrido neste sistema de produo ao longo do sculo
XX.
LXIV
Tabela 01 - Relao de proprietrios de Engenhos em 1760.
Proprietrio Cargo Local Stio
Antonio Ferreira Ribeiro Mestre de Campo Capim
Pedro de Siqueira Queirs Capito Acar/Moju Itacu ou Santos
Reis
Joo Ferreira Ribeiro Capito
Tereza viva de Gaspar de
Siqueira
Domingos da Costa Bacellar Murutucu Murutucu
Loureno Furtado Tenente Moju Taboca
Loureno Furtado Tenente Guam
Domingos da Costa Bacellar Capim
Domingos Serro de Castro Igarap Miri
Domingos Monteiro de Noronha Moju Juquiri-Au
Antonio DOrnellas Moju
Bento Pires (que administra) Utinga Utinga
Joo dos Santos de Amaral Boavista
R.do P.e Custodio Alvarez Roxo
Jos Alvarez Roxo
Andr Miguel Ayres Capito
Viva de Francisco de Siqueira
Queirs
Cezaria (viuva de Jos Rodriges de Acar N.S. do Desterro
Castro)
Pedro de Paiva
Guilherme Burrem
Pedro de Moraes ou Plcido Jos
Joo Pedro de Oliveira Barros Guam Mocajuba
Joo de Moraes baa do Limoeiro
Limoeiro
Joo Rodrigues Coelho
Padres das Mercs Maraj Santana
Padres do Carmo Guam S.Tereza de
Monte Alegre
pertenceu aos Padres da Acar Ibirajuba
Companhia
Gonalo Jos da Costa Capim
Pedro Furtado Japi, baa
Manoel de Azevedo Arago
Sarmento
LXV
Fontes: Doc. N4142, ant. 1760, Relao de Engenhos Existentes na Comarca de Belm,
localizado em APEP/AHU ; BARATA, 1973.
LXVI
Tabela 02 - Resumo do Mapa de Todos os Engenhos de Fazer Acar, Aguardente,
Descasque de Arroz, Curtumes, Olarias, Fornos de Cal na Capitania
do Par ao 1. de Janeiro de 1792.
Nmeros
Dos Dos Districtos Engenhocas Engenhos Engenhos Curtumes Olarias Fornos
Senhores Districtos de Assucar de de de Cozer
Aguardente Descascar Cal
Arroz
41 1 Da Cidade 9 19 12 2 17 10
7 2 Do Capim 3 3 2 - 3 -
5 3 Do Guam 1 3 - - 1 -
3 4 Da Villa de Ourm 1 2 - - - -
4 5 Da Villa de - 3 1 - - -
Bragana
9 6 Do Rio Acar 5 4 - - - -
17 7 Do Rio Moju 4 13 - - 4 -
11 8 Do Igarap Miri - 11 1 - - -
5 9 Do Abait - 5 - - - -
6 10 De Camet 1 5 - - 1 -
1 11 Do Melgao - 1 - - - -
3 12 De Oeiras 1 2 - - 1 -
3 13 Do Macap - 2 1 - - -
1 14 Do Gurup - 1 - - - -
1 15 De Cintra - 1 - - - -
2 16 Da Vigia - 2 - - - -
1 17 De Odivellas - 1 - - - -
1 18 De Collares - 1 - - - -
5 19 De Barcarena - 5 - - - -
8 20 De Maraj Assu 1 7 - 1 - -
4 21 De Monars - 4 - - - -
1 22 De Bujaru - - 1 - - -
139 Somma Total 26 95 18 3 27 10
Fonte: Cdice 21, 1, 1, N 9 - Coleo de manuscritos de Alexandre Rodrigues Ferreira Biblioteca
Nacional, Rio de Janeiro.
LXVII
Figura 08. Imagem de satlite que em 2002 j demonstrava grande parte do esturio
amaznico com reas em situao de degradao ambiental, agravada com a
construo da rodovia Ala Viria.
LXVIII
Figura 09. Paisagem de vrzea, caracterstica do ambiente do esturio amaznico.
Figura 10. Regio de propagao do ciclo da cana-de-acar na costa leste do Brasil,
durante os sculos XVI e XVII. (extrado de SCHWARTZ & LOCKHART, 2002)
LXIX
Figura 11. Pormenor de um mapa das proximidades de Belm, datado da segunda metade
do sculo XVIII, que indica alta concentrao de stios de engenhos ou fazendas
ao longo do rio Moju e rea de Barcarena. (extrado de NUNES, 1985)
Figura 12. Reproduo de estampa da obra Viagem Filosfica..., de Alexandre Rodrigues
Ferreira, que ilustra um engenho de cana movido por roda hidrulica na qual
demonstrada a calha, em baixo esquerda.
LXX
Figura 13. Localizao dos engenhos Murutucu, Mocajuba, Jaguarari e Uriboca em um
detalhe da Carta Geogrphica da Foz dos Grandes Rios Amazonas e Tocantins,
datada de fins da segunda metade do sculo XIX. (Barreto, 1877).
LXXI
Captulo 02
Histria e Arqueologia dos Engenhos
Murutucu, Mocajuba, Jaguarari e Uriboca
LXXII
Fundamentao Terica
O engenho de cana-de-acar caracterizado como uma unidade de
produo que representa um exemplo concreto da ao mercantilista europia
desencadeada no ocidente a partir do sculo XV. Este sistema de indstria
manufatureira, baseado no escravismo, foi determinante na poltica de
povoamento do Novo Mundo.
No caso do Brasil, a problemtica da importncia que o chamado
Ciclo Aucareiro representou em sua histria e na formao cultural de sua
sociedade tem sido objeto de exaustivas anlises. Estudos sobre o universo
social e poltico dos engenhos de cana-de-acar tem resultado na
disponibilizao de um amplo repertrio de obras consideradas de grande
repercusso na historiografia mundial. A respeito, destaca-se o sucesso
alcanado por autores como o socilogo pernambucano Gilberto Freire, com o
clssico Casa Grande & Senzala, que foi publicado inicialmente em 1933, j
acumula mais de 40 edies, com tradues publicadas nos Estados Unidos,
Canad, Inglaterra, Frana, Alemanha, Itlia, Polnia, Hungria, Portugal,
Argentina e Venezuela. Tambm destacados tem sido os trabalhos de
Fernando de Azevedo, e mais recentemente, o brasilianista Stuart B.
Schwartz. Igualmente relevante para o conhecimento de aspectos fsicos dos
engenhos, como o funcionamento e sua relao com as instalaes
arquitetnicas, tm sido as contribuies de Ruy Gama, Geraldo Gomes da
Silva e Esterzilda Bereinstein de Azevedo.
Em retrospecto, stios de engenhos apresentam potencial para
inesgotveis pesquisa por terem sido cenrios onde ocorreram formas de
interao entre povos de diferentes origens culturais, que se desenvolveram
LXXIII
de forma restrita, em um determinado espao, ao longo de largos perodos de
tempo. Por estas razes, nas ltimas dcadas, os engenhos de cana-de-
acar vem se tornando foco de interesse tambm de um novo campo do
conhecimento cientfico: a Arqueologia Histrica. Sob esta perspectiva,
pressupe-se nestes tipos de stios a ocorrncia de um certo grau de
complexidade e diversidade em sua cultura material, resultante de um conjunto
de fatores, entre os quais as relaes intertnicas, oriundas do contato entre
proprietrios europeus e escravos ndios nativos e negros africanos.
Em ateno ao pensamento do arquelogo ORSER JNIOR (1992),
uma investigao arqueolgica aprofundada das fazendas brasileiras, entre as
quais os engenhos de cana-de-acar, perfeitamente aceitvel como
contribuio relevante para a compreenso da histria da colonizao do Novo
Mundo como um todo. Por outro lado, pode oferecer amplas possibilidades no
que se refere s abordagens mais especficas, intrnsecas do contexto
brasileiro, onde suas variabilidades regionais possam ter influenciado na
espacialidade, formas de implantao na paisagem, presena de culturas
nativas, etc.
A anlise e interpretao de evidncias arqueolgicas em
assentamentos de fazendas existentes nas colnias do Novo Mundo, tem
despertado interesse h mais de trinta anos. As contribuies da arqueologia
de plantations podem ser aferidas na extensa literatura produzida, e
questes como, processos de mudana ou continuidade cultural, relaes
sociais e status dos proprietrios e escravos das fazendas, alimentaram
LXXIV
26
inmeros debates principalmente sobre a sociedade afro-americana.
Na dcada de 1960, arquelogos norte-americanos comearam a
empreender suas primeiras pesquisas com interesse nos processos
socioculturais decorrentes do contato europeu com indgenas e negros
escravos das fazendas, principalmente no sudeste dos Estados Unidos e ilhas
do Caribe. Em respeito compreenso do processo de formao e
desenvolvimento da sociedade afro-americana, estes estabelecimentos
passaram a chamar ateno como locais potencialmente indicadores de
manifestaes culturais especficas, como no caso dos escravos africanos.
Por outro lado, o estudo da estrutura fsica destas fazendas poderia
refletir sua significncia dentro de um sistema econmico e social bem mais
amplo. Assim, em conjunto com os artefatos dispersos pelo stio, ateno
especial passou a ser direcionada tambm para as formas de implantao na
paisagem, solues arquitetnicas adotadas nas casa grandes e nos edifcios
das fbricas, bem como na localizao das senzalas no contexto local. De
acordo com LEWIS (1985), os padres de assentamento constituem-se em
indicadores sensitivos de uma organizao social, poltica e econmica, e
oportuniza, em uma perspectiva diacrnica, identificar e compreender
continuidades e mudanas em processos adaptativos.
A investigao das relaes e formas de controle social e explorao
econmica exercidas pelos proprietrios das fazendas sobre os escravos levou
os arquelogos a considerar com uma nfase cada vez mais crescente, os
26
Uma sntese sobre pesquisas de plantations encontra-se em ORSER JR., Charles E.
Archaeological Approaches to New World Plantation Slavery. Archaeological Method and
Theory Vol. 2. Michel B. Schiffer, Editor. Tucson: The University of Arizona Press, 1990, p.
111-154
LXXV
estudos etnohistricos. LANGE & HANDLER, JR. (1985) chamaram a ateno
para o fato de que caractersticas de relaes prprias do regime de
escravido, como poder e hierarquia, no poderiam ser detectadas unicamente
atravs do registro material. Justificava-se a necessidade, portanto, de uma
27
maior interao entre a pesquisa arqueolgica e o aporte documental.
No caso dos stios arqueolgicos de engenhos de cana-de-acar
localizados no esturio amaznico, igualmente busca-se o conhecimento de
alguns aspectos materiais que venham oferecer subsdios interpretao de
processos histricos e culturais ocorridos no processo de formao da
sociedade local. Em exame preliminar, verificou-se uma quase inexistncia de
conhecimento sobre a histria destes engenhos locais.
O estudo arqueolgico de engenhos remanescentes dos tempos
coloniais em questo dirige-se compreenso de aspectos inerentes
problemtica de colonizao, de um ponto de vista que no se restringe,
portanto, apenas documentao histrica, como manuscritos e iconografias,
disponvel em arquivos. Como um todo, o passado humano requer uma
abordagem que no se limita aos mtodos da cincia histrica. Assim como a
Histria, a Arqueologia Histrica tem como mbito as evidncias do passado,
em termos materiais, e a pressuposta complementaridade exige assim uma
necessria integrao entre estas cincias. (KERN, 1998: 17) Em relao a
este estudo arqueolgico, os engenhos constituam-se em espaos onde
interagiam grupos sociais de origens culturais distintas, como proprietrios
colonos, que incluam religiosos, militares e civis portugueses, que utilizavam
27
ARMSTRONG, Douglas V. The Old Village and the Great House: An archaeological and
Historical Examination of Drax Hall Plantation St. Anns Bay, Jamaica. Urbana: University of
Illinois Press, 1990.
LXXVI
em regime de escravido, ndios de diversas etnias e tambm negros oriundos
de diferentes regies da frica.
A cultura material produzida pela espcie humana compreende um
amplo e complexo domnio, onde se encontram mltiplos aspectos intrnsecos
s suas manifestaes simblicas, religiosas e ideolgicas. Para a
compreenso deste conjunto de fontes de pesquisa, relacionadas s variveis
como paisagem, organizao espacial, processos construtivos, processos
culturais de mudana e descontinuidade, prticas de alimentao e higiene,
torna-se imperiosa uma abordagem multidisciplinar, que leve em conta tambm
outras cincias, como por exemplo, Geografia, Arquitetura, Antropologia e
Sociologia. (ORSER Jr., 1992: 56)
A Arqueologia Histrica ensina que a anlise e interpretao destas
variveis de espao e tempo deve ser realizada de maneira integrada e crtica,
e assim oportunizar o conhecimento do passado em uma perspectiva
diacrnica, de reconstituio de etapas de um longo processo histrico
decorrido. (KERN, 1998: 46) Da mesma forma, DE CUNZO (1990: 2)
considera que a abordagem arqueolgica de stios histricos seja desdobrada
em dois nveis: o da arqueologia enquanto tcnica de descoberta e
documentao de restos materiais de atividades de um determinado indivduo
ou grupos de um determinado lugar em um determinado perodo; e o da
interpretao dos restos materiais atravs da anlise de seu contexto histrico
e cultural.
Vista portanto, como um sistema sociocultural que interagiu durante
perodos de at mais de dois sculos, reconhecemos que esta agroindstria
canavieira, ao mesmo tempo encontrava-se inserida dentro de um amplo
LXXVII
contexto histrico e geogrfico como a Amaznia no perodo colonial, que
sofreu profundas alteraes desde sua colonizao at fins do sculo
passado. Nestes termos, consideramos pertinente justificar que o referencial
terico a ser utilizado na abordagem dos stios de engenhos em questo no
pode estar vinculado apenas a uma corrente de pensamento arqueolgico.
Tem sido constatado, como no poderia deixar de ser, que o desenvolvimento
das pesquisas neste campo foi sendo influenciado, ao longo dos anos, pelas
diferentes correntes tericas que surgiam na cincia arqueolgica, inicialmente
sob o paradigma histrico-cultural, depois o Processualismo, da New
Archaeology, at o Ps-Processualismo. 28
bvio que o mbito do presente estudo dirige-se investigao
das propriedades fsicas dos artefatos e estruturas, no sentido de buscar
subsdios para compreender sua funcionalidade e procedncia cultural, tendo
em vista o conhecimento preliminar de stios, cujo processo histrico alcana
at quase trs sculos de durao. Evidentemente, porm, deve ser observado
que o engenho no pode ser concebido como uma unidade isolada. Como
visto, as mltiplas variveis envolvidas no universo de uma instituio to
complexa, requerem uma abordagem que no se restrinja uma viso
particularista. que foi um dos princpios que marcaram o modelo histrico-
cultural.(ORSER JR., 1992: 62)
Do mesmo modo, ao analisar a questo da adaptao destas
indstrias ao meio fsico regional, este estudo busca fundamentao nas
28
Sobre as Correntes Tericas da Arqueologia Histrica, ver, por exemplo, ORSER JR., Op.
cit., p.59-80; LIMA, Tnia Andrade. Os Marcos tericos da Arqueologia Histrica, suas
Possibilidades e Limites. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXVIII, n. 2, p. 7-23;
FUNARI, p.p.; e SYMANSKI, L. C. P. Espao Privado e Vida Material em Porto Alegre no
Sculo XIX. Porto Alegre, Edipucrs, 1998.
LXXVIII
contribuies de um enfoque da chamada Nova Arqueologia ou Arqueologia
Processual, sobre a implantao geogrfica e utilizao de recursos naturais.
Um engenho colonial presumivelmente, requeria condies ambientais
especficas para sua instalao. Alm disso, os grupos sociais habitantes nas
fazendas ou engenhos coloniais, que eram to peculiarmente heterogneos
quanto sua origem tnica, estiveram sujeitos a processos de continuidade
e/ou mudana. Considera-se ainda, que, ao interpretar os artefatos
resultantes de contatos intertnicos, como reflexos dos meios de vida e
tambm dos modos de produo, empregamos as idias intrnsecas da
Arqueologia Social, conceito que por sua vez encontrado na Arqueologia
Ps-Processual. (ORSER JR., 1992).
Tambm consideramos pertinentes a nosso estudo as observaes
de SOUTH (1979: 235) que enfatiza a vantagem de analisar runas e stios,
no como reas de atividades especficas, mas sob uma viso espacial mais
abrangente, como unidades funcionais de um subsistema em relao a um
elemento mais amplo de um sistema cultural. E nesta perspectiva que busca-
se compreender os quatro exemplares de engenhos do esturio amaznico a
serem tratados no presente estudo.
LXXIX
Engenho Murutucu
O stio do Engenho Murutucu localiza-se no municpio de Belm, na
periferia da cidade, margem esquerda do igarap Murutucu, afluente do rio
Guam. A rea constitui-se de um polgono de forma quadrangular de
dimenses aproximadas de 400m x 300m, delimitado ao oeste pelo igarap e
ao leste, pelo complexo da CEASA, e rodovia de acesso ao porto do rio
Guam. Nos dias atuais, propriedade da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuria EMBRAPA. (figura 14)
No aspecto ambiental, a paisagem apresenta-se com topografia
relativamente plana, com elevao de at 5m em relao ao igarap, com a
geologia associada Formao Barreiras. A vegetao caracteriza-se como
sendo de floresta ombrfila densa, mas a maior parte j de origem antrpica,
inclusive no espao interior das construes. Destacam-se rvores plantadas
no local da fbrica, em rea mais prxima do igarap, de mdio a grande
porte, como castanheiras e sumaumeiras. Enquanto que nas proximidades das
runas da casa grande, predomina a ocorrncia de gramneas e apuizeiros, e
tambm resqucios de uma recente cultura de cacaueiros. Os solos verificados
na rea so invariavelmente latossolos, caractersticos, portanto, de ambientes
de terra firme.
Por sua importncia histrica, como cenrio de fatos importantes de
nossa regio, e tambm em funo das caractersticas arquitetnicas e
paisagsticas, o Engenho Murutucu tornou-se monumento tombado pelo
Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico nacional, em 08 de outubro de
1981.
LXXX
Histrico
Informaes histricas indicam que o stio era j ocupado no incio
do sculo XVIII, precisamente em 1711, quando mencionada a construo de
uma capela dedicada Nossa Senhora da Conceio pelos Frades Carmelitas.
Por volta de 1750, o engenho foi propriedade do Dr. Jos Borges Valrio, que
durante quase toda a primeira metade do sculo XVIII exerceu o cargo de
Ouvidor-Mor. De acordo com um documento referente a seu testamento, entre
os bens relacionados na partilha, figuravam o Engenho, Cobres, Oficinas,
serraria e mais as partes necessrias ao dito Engenho, seus misteres. 29 Com
a morte de Valrio, o Murutucu foi transferido para Domingos da Costa
Bacelar, conforme consta em uma relao de engenhos da comarca de Belm,
30
datada de 1760.
Em 1766, Antonio Jos Landi, arquiteto italiano, que chegou ao
Brasil em 1753 como integrante da comisso de demarcao de limites da
Amaznia, adquiriu o engenho Murutucu com setenta pessoas, entre ndios,
ndias e rapazes nascidos no dito engenho. 31 Este arquiteto foi o precursor do
estilo Neoclssico no Brasil, sendo de sua autoria inmeros projetos que
tornaram-se referncia na arquitetura da cidade de Belm, como o Palcio do
Governador, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, SantAna, a Catedral de
N.S. das Graas, a capela de So Joo, entre outras.(MELLO JR, 1973)
contempornea desta poca, tambm, uma reforma da Capela do engenho, na
29
Doc. No 3091, de 25 de janeiro de 1752, Requerimento (certido) do ex-ouvidor geral da
capitania do Par, Lus Jos Duarte Freire..., localizado no APEP/AHU.
30
Doc No 4142, ant. 1760, Relao dos Engenhos Existentes na Comarca de Belm,
localizado no APEP/AHU.
31
Doc No7080, de 19 de novembro de 1780, Ofcio de Antnio Jos Landi..., em
APEP/AHU.
LXXXI
qual o arquiteto incorporou os traos marcantes do Neoclassicismo. (figura 15)
Importante mencionar que na tambm na Casa Grande foram notados
elementos decorativos, como molduras e frisos, bastante similares queles
presentes em vrios prdios de autoria de Landi, em Belm. (figuras 16 e 17)
Em 1780, Landi encontrava dificuldades em obter a mo-de-obra
para operar atividades do engenho, como a plantao de um novo canavial,
razo pela qual solicitou ao reino a concesso de at 24 ndios para suprir as
necessidades. Contudo, chegou a produzir acar e aguardente, e colocou em
atividade uma olaria em que fabricou telhas e tijolos. Documentos
recentemente encontrados revelaram que Antonio Landi morreu no seu prprio
stio, em 22 de junho de 1791.(PAPAVERO, 2002, p. 61) Com isso, o engenho
herdado por sua filha, Ana Teresa, que se casou com o Capito Joo
Antnio Rodrigues Martins, filho de Joo Manuel Rodrigues, proprietrio de
engenhos como Mocajuba e Utinga. (MELLO JR., 1973 p. 245)
Dada a relao do Capito Joo Antnio Martins com a guarda local,
em 15 de Dezembro de 1819, o stio transformou-se em rea de treinamento
militar, realizado pela guarnio de Belm, que permaneceu l "em meio a
farta comida por quase um dia. (HURLEY, 1940) Com a morte de Joo
Antnio Martins, em 1820, a propriedade passa para sua filha ngela Joana
Pereira Martins, casada com o tenente coronel de 1a . Linha, Francisco
Marques d'
Elvas Portugal.
Em 1835, o Murutucu esteve relacionado Guerra da Cabanagem,
quando o local temporariamente foi utilizado como um acampamento das
tropas de revoltosos liderados por Vinagre, Angelim e Gavio, comandantes da
LXXXII
revoluo. 32 Em 14 de agosto de 1835, com uma caminhada a partir do
engenho Murutucu, teve incio a segunda invaso de Belm, pelas foras
cabanas. (RAIOL, 1970, vol. 3, pp. 832-837). Provavelmente neste perodo o
engenho encontrava-se abandonado, motivo pelo qual havia sido requisitado
por um dos cabanos, chamado Joo Antnio Sete, para servir de moradia para
seus familiares.(MELLO JR., 1973, p. 245)
Conforme CRUZ (1963), em 1841, depois da morte de Francisco
dElvas Portugal, o engenho comprado por Henrique Antnio Strauss. Entre
os bens mencionados na escritura, foi registrada uma casa de vivenda, uma
casa do engenho, um rancho dos pretos (senzalas), uma roda dgua,
moendas de ferro, um vapor, serraria, um alambique, tachas de ferro, balana,
etc. e pertences da capela. O documento refere ainda a existncia, nesta
poca, de 48 escravos.
Por volta de 1850, o stio encontrava-se em estado de abandono,
segundo testemunho do viajante John Esaias Warren, que teria visitado o
engenho, o qual ressaltou como misteriosas runas.(CRUZ, 1963) Em 1872,
foi o Murutucu referido em uma escritura de dvida e hipoteca que o ento
proprietrio Leonardo Augusto Faria Vivas fazia ao Banco Comercial do Par,
no valor de quarenta e cinco contos quatrocentos e cinqenta e nove mil e
trezentos e cinqenta ris. Neste documento, os bens do Murutucu
compreendiam:
32
Cruz (1963) menciona que vrios engenhos foram alvos de destruio pelos revoltosos
cabanos, em 1835.
LXXXIII
...entre os Igaraps Tucunduba e Uriboquinha na extenso pouco mais
ou menos de trs lguas com frente margem esquerda do Rio Guajar subindo
os terrenos de Utinga e Jabatiteua com casas de vivenda, engenho movido a vapor
para o fabrico de acar e aguardente, serraria movida por gua, ranchos,
instrumentos de lavoura, alambique, canos, utenslios diversos, dez cabeas de
gado vacum e cinqenta e dois escravos. (Cartrio Chermont, livro 90, folha 26)
J quase ao final do sculo XIX, o Murutucu estava sendo explorado
por Frederico Pond e Emlio Martins & Cia, e passou, posteriormente, para a
posse de um religioso, o Cnego Jos Loureno da Costa Aguiar. (CRUZ,
1963, p. 136) A partir de 1940, o stio tornou-se patrimnio da Unio ao ser
incorporado pelo antigo Instituto Agronmico do Norte, atualmente EMBRAPA,
que l implantou um campo experimental de prticas agrcolas.
Investigao Arqueolgica
A fim de fornecer subsdios compreenso da organizao espacial
do stio, os levantamentos arquitetnicos empreendidos no local tm resultado
na identificao dos elementos naturais em conjuno com as estruturas
arqueolgicas remanescentes, que correspondem aos macios de paredes
oriundas das antigas construes. Da mesma forma, na rea do stio tem sido
realizadas escavaes que tem buscado identificar a seqncia cronolgica
registrada no local, atravs da interpretao da cultura material relativa s
atividades do cotidiano dos habitantes do engenho em seus diversificados
espaos.
A respeito da organizao espacial, no terreno do stio observa-se a
configurao de vrias reas, definidas conforme sua funo no contexto do
engenho. Considerando, na maioria dos casos, as evidncias visveis em
superfcie, os levantamentos arquitetnicos executados possibilitaram a
LXXXIV
elaborao de uma Planta Geral que demonstra a configurao do engenho,
definindo-se em sua organizao espacial a disposio dos seguintes
elementos: Sistema Motriz, Casa do Engenho, Casa Grande e a Capela. A
disposio das estruturas remete adoo de um partido arquitetnico aberto,
como na maioria dos engenhos tpicos do nordeste brasileiro. (figura 18)
As estruturas arquitetnicas apresentam-se em estado j de runas,
inteiramente desprovidas de cobertura, e na maioria dos casos so visveis
apenas os alicerces.
O sistema motriz foi o elemento crtico para seu funcionamento e
xito e compe-se de um canal de aduo, uma barragem, feita em alvenaria
de pedra, uma depresso, ou baixada, que servia de reservatrio e a calha,
que era a galeria de vertedouro, construda em alvenaria de pedra, onde
existia a roda dgua que atrelava-se moenda. Alis, estas construes
hidrulicas so perfeitamente similares s de outros engenhos no esturio
cujos estudos levaram descoberta de que giravam suas moendas com a
energia das mars. Provavelmente, durante a primeira metade do sculo XIX
ocorreu a substituio da roda dgua pela mquina a vapor para fazer
funcionar a moenda, quando, exatamente sobre a calha, foi construda uma
chamin de tijolo macio, de mais de dez metros de altura, que arruinou-se por
completo na dcada de 1970.
A barragem apresentou como caracterstica no desenho em planta
baixa, um afunilamento das paredes at o local de suporte da comporta que
indicado pelos sulcos laterais, que eram locais dos esteios suportes. Verificou-
se espessa camada de sedimento que dificultou a aferio do nvel do fundo
original. Nas paredes laterais foram notados ainda a ocorrncia de dois
LXXXV
buracos similares, dispostos em alinhamento horizontal mas de cotas
diferentes.
A calha constitui-se de dois trechos cobertos por abbadas de bero
cujas paredes se estreitam desde as extremidades da galeria at a rea
central, descoberta. No 1 trecho coberto notou-se sequenciados a tomada
d'
gua, com suas paredes inclinadas, os encaixes laterais para o suporte da
comporta e a projeo das runas de uma chamin, de forma octogonal.
Constatou-se tambm uma junta que indica a transio entre diferentes
tcnicas de cobertura em abbada. Na poro central, sem cobertura,
observou-se que a parede voltada ao engenho apresenta-se em forma
semicircular, propiciando assim mais espao para a estrutura suporte da roda
d'
gua. Mais detalhes tambm podem ser vistos no desenho das sees
transversal e longitudinal. (figuras 19, 20, 21 e 22)
A casa do engenho, ou fbrica, situa-se na lateral note da calha, em
uma rea de forma retangular com dimenses aproximadas de 60m x 40m.
Nesta rea subsistem as estruturas remanescentes de um poo, e das paredes
com 45cm de espessura que definiam o espao onde desenvolviam-se
atividades de produo de acar e aguardente. As dimenses aferidas
sugerem construes de grandes galpes ou armazns, de formas
retangulares, dispostos linearmente margem do rio. Em comparao com
plantas de engenhos contemporneos estes ambientes so perfeitamente
compatveis com casas de alambiques e casas de purgar o acar
assinaladas nessas iconografias. (figura 23)
Na casa grande, os levantamentos mtricos iniciais resultaram na
definio de uma rea de aproximadamente 17m x 30m, onde foi possvel
LXXXVI
observar paredes que definiam ambientes da casa, intercomunicados por vos
de portas ou janelas. Quanto tcnica, as paredes foram constitudas por uma
estrutura mista (pedra com argamassa de cal, intercaladas por fileiras ou
cacos de tijolo). Tambm empregava-se o tijolo em vo de portas e janelas.
Vale ressaltar ainda a utilizao de esteios de madeira no interior das paredes
de pedra visando uma maior sustentao desta. Ao que parece, esta tcnica
remete a uma adaptao de pau a pique, usado na chamada taipa de pilo, na
qual se estruturava as paredes com uma malha de madeira entre barro
socado. Quanto ao piso interior dos cmodos, assim como das reas
adjacentes, acha-se inteiramente encoberto por uma camada formada por
entulhos e solo arenoso, com evidentes indcios de perturbao.
A capela definida por uma planta em forma retangular, de cerca de
14m x5m. No seu interior, o solo encontrava-se bastante perturbado no
apenas devido ao de razes de vegetao de grande porte, como o
apuizeiro, mas por atividades provavelmente realizadas por curiosos em busca
de tesouros. As paredes de cerca de 70cm de espessura indicam tcnica
construtiva em alvenaria mista, com tijolos cermicos e pedra argamassada. A
construo apresenta-se em bom estado de conservao, permitindo a
identificao dos elementos decorativos neoclssicos acrescentados por
Landi, durante a reforma. (figura 24)
Em relao s intervenes arqueolgicas, a primeira escavao
ocorreu em 1986, e correspondeu s atividades prticas de um Curso sobre
Arqueologia Histrica, ministrado pela arqueloga Margarida Andreatta e
promovido pelo Museu Goeldi. Na ocasio foram escavadas cinco unidades,
localizadas no interior da Capela e tambm na Casa Grande. (figura 25)
LXXXVII
O corte 1 foi demarcado no interior, junto parede sul, e atingiu
pouco mais de 10cm de profundidade, evidenciando fragmentos de cermica,
porcelana, faiana, grs, vidro, cravos de ferro, considervel quantidade de
telhas. O aprofundamento de uma das extremidades do corte indicou vestgios
do piso, a 25cm de profundidade, com fragmentos de tijoleira, assentados
sobre solo compactado. O corte 2 foi executado no local do vo de acesso da
capela para a casa grande, com objetivo de evidenciar alguma soleira e
verificar se havia desnvel entre os espaos externo e interno. A escavao
aprofundou at 20cm, quando encontrou-se uma base em alvenaria de pedra
com argamassa, provavelmente o contrapiso. Foram encontrados fragmentos
de vidro, loua telhas, uma lajota inteira, cravos e um cartucho de bala, alm
de grande quantidade de fragmentos de lajotas e de telhas concentradas no
flanco norte do corte. O corte 3 foi escavado no sentido de confirmar a
existncia do piso da capela, indicado no corte 1. Aproximadamente a 45 cm
de profundidade em relao superfcie, detectou-se uma concentrao de
tijoleiras, em bom estado de conservao, bem como, alguns fragmentos de
loua, cermica e vidro. Na rea central da capela escavou-se o corte 4, de 1m
x 1m, a fim de caracterizar o restante do piso neste setor. A estratigrafia
apresentou-se bastante perturbada, e por esta razo, o corte foi aprofundado
at 1,50m. Neste corte, apesar de ocorrncia de material, no foi realizada
coleta.
Na rea frontal capela, precisamente junto ao vo de entrada, foi
executada a Trincheira 1, com o propsito de descobrir possvel calamento,
circundante edificao. A profundidade atingiu 30cm, no sendo revelado, no
entanto, nenhum indcio de piso, ou contrapiso, apenas alguns fragmentos de
LXXXVIII
loua. Na extremidade SW da capela, pelo lado externo, abriu-se uma
trincheira com 4,40m x 0,70m, para constatar se havia algum alicerce
interligando o prdio com a casa grande, mas nada foi encontrado, a no ser
uma grande concentrao de fragmentos de telhas, e algumas lajotas.
Finalmente, na rea correspondente casa grande, realizou-se o
Corte 5, que mediu 0,67m x 0,60m, para aferir a profundidade e as tcnicas
utilizadas nos alicerces das paredes das runas. Nesta escavao, os vestgios
do piso foram encontrados a cerca de 1,32m abaixo da superfcie do solo, e o
alicerce, em alvenaria de pedra, foi observado at 1,50m de profundidade.
(tabela 04)
A segunda etapa de escavaes foi realizada nos anos de 1996 e
1997, no espao interior da capela e na rea da casa grande, em carter de
pesquisa de salvamento arqueolgico, com apoio do Instituto de Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional. As atividades fizeram parte de uma ao
compensatria, em virtude da completa demolio das paredes remanescentes
da casa grande, em dezembro de 1995, provocadas por um operrio, que com
um trator pretendia recolher pedras para construo". Durante as fortes
chuvas ocorridas na poca, a situao se agravou com a queda de duas
grandes rvores no local.
No interior da capela inicialmente foram realizadas sondagens com
trado, no sentido de detectar em subsuperfcie, possvel ocorrncia de piso. A
etapa preliminar de limpeza da vegetao foi bastante cuidadosa face
ocorrncia de grandes rvores, como apuizeiros, que se encontravam
enraizadas nas estruturas das paredes. Em seguida, a rea interna foi
subdividida em quadrculas, de 2m x 2m, que foram escavadas em uma
LXXXIX
espessura mdia de 25cm. No solo retirado foram encontradas fragmentos de
peas de madeiras, cravos e telhas, relativos cobertura do ambiente, assim
como grande quantidade de fragmentos de utenslios domsticos,
caractersticos de material proveniente de aterro de construo.
No espao da casa grande a pesquisa consistiu basicamente de
monitoramento das operaes de remoo do entulho na rea recm
destruda. O objetivo foi revelar as evidncias arquitetnicas da construo,
especialmente no que diz respeito distribuio espacial dos cmodos e a
existncia ou no de piso construdo nestes ambientes. O estado de
destruio evidente no terreno e a perturbao de grande parte do solo em
tempos recentes que ocasionou um refugo arqueolgico com a espessura de
at cerca de 50cm, levou deciso de remover o entulho, de maneira
gradativa, de ambiente por ambiente, at atingir 10cm acima do piso
existente.
Em retrospecto, como um resultado bastante positivo, constatou-se a
existncia de piso nos ambientes, construdo em ladrilhos cermicos, ou
tijoleira, assentados sobre piso de terra compactada. Neste aspecto, foram
identificados ladrilhos de pelo menos trs diferentes figuras geomtricas: o
quadrado (26cm x 26cm x 4cm), retangular (25cm x l4cm x 4cm) e triangular,
ou meio-quadrado (26cm x 26cm x 4cm), em colorao branca ou vermelha.
Vale ressaltar que estavam dispostos tambm em ambientes diferenciados, o
que sugeriu pelo menos a distino intencional dos cmodos. (figura 26)
No que diz respeito sobre a descoberta dos materiais construtivos de
alicerces e de paredes at ento soterradas, curiosamente, registrou-se a
ocorrncia no apenas de tijolos macios empregados em conjunto com blocos
XC
de arenito, em meio argamassa, mas notadamente os de perfil em "L", com
quatro furos, que provavelmente, estariam apenas empilhados. Foram
observadas tambm paredes divisrias duplas, o que levanta a discusso de
possveis intervenes construtivas na rea da casa-grande, para novos
arranjos espaciais. A descoberta de paredes e piso possibilitou a definio de
um planta provisria, compartimentada em nove ambientes, intercomunicados
atravs de vos de acesso.
A observao do entulho que foi retirado do interior dos ambientes,
levou coleta de vrios vestgios de materiais construtivos como fragmentos
de telhas tipo canal, lajotas cermicas, argamassas com indcios de reboco e
camadas de tinta, blocos de pedra argamassada, pregos, cravos, dobradias,
ferrolhos e argolas de ferro j bastante oxidado. Foram recolhidas ainda peas
de uma balana de ferro, peas de cobre, ferramentas agrcolas e cartuchos
de munio.
Alm destes, embora em quantidade menor do que de costume neste
tipo de escavao, foram coletadas amostras de utenslios de cozinha
caractersticos do perodo colonial como: fragmentos de tigelas, xcaras e
pratos, em faiana, porcelana ou faiana fina, com indicao de bordas e
bases, que apresentavam decorao simples, ou modelados (ramos e
crinados) e pintados com motivos florais, geomtricos, anelares, e
paisagsticos. Foram tambm resgatados fragmentos de garrafas e copos, em
vidro verde ou grs cermico, com indicao de gargalos, bordas e fundos,
sendo que alguns apresentam inscries de marcas de fabricante. (tabela 05)
No ano de 2000, a pesquisa arqueolgica foi retomada. Inicialmente,
com apoio do gelogo Jos Barradas, foram empregados mtodos de
XCI
prospeco geofsica, com utilizao de um magnetmetro. O objetivo foi
verificar eventuais anomalias na constituio do solo que pudessem sugerir
locais potenciais para descoberta de vestgios, como alicerces, por exemplo,
ou concentraes de fragmentos.
Neste sentido, foi selecionada uma rea, em campo aberto,
delimitada ao norte pela capela e casa grande, ao oeste, pela fbrica, e ao sul,
pelo canal de aduo e calha. Aps a devida limpeza da vegetao arbustiva
no terreno, executada atravs de roagem manual e destocamento,
implantou-se um sistema de quadriculamento da rea, orientado em eixos
Norte-Sul e Leste-Oeste, o qual definiu uma malha com quadrculas de 10m x
10m. (figura 27)
Como resultado, foi obtido um grfico demonstrativo das oscilaes
detectadas pelo aparelho que apontou alguns setores com adensamento de
isolinhas, como na poro sudeste da rea. (figura 28) Ainda que, em menor
intensidade, as anomalias tambm foram manifestadas na rea frontal
capela, como no ponto 490/960. Neste local, foi implantada uma sondagem
de 2m x 2m, cuja escavao sondagem atingiu 50cm de profundidade. Em
correspondncia s indicaes da prospeco geofsica, de fato, a
arqueologia revelou marcante freqncia de fragmentos de vasilhas
cermicas e louas, alm de grande quantidade de material construtivo. Foi
possvel caracterizar na base do corte, uma camada de solo, bastante
compactada, com predominncia de blocos de arenito. (tabela 06)
O material total estudado referente ao stio do Engenho Murutucu
somou 4.322 fragmentos, destacando-se 156 de cermica no torneada, que
incluiu tambm ocorrncia de cachimbos decorados, 611 de cermica de torno,
XCII
412 de cermica de materiais construtivos, 543 de faiana, 1.130 de faiana
fina, 74 de grs, 70 de metais, 1.187 de vidro entre outros. Foram identificadas
tambm 10 moedas de cobre, relativas aos sculos XVIII e XIX, e 1 pedra de
pederneira. (figura 29, 30 e 31)
XCIII
Tabela 03 - Engenho Murutucu - material arqueolgico coletado em 1986
material forma/funo padro quantidade
cermica indgena e/ou no decorado 15
vasilha
cabocla digitado, entalhado 10
no decorado 23
cermica de torno vasilha
vidrado 4
cermica de construo telha, lajota 185
grs garrafa gua de genebra, cerveja 12
no decorado 26
anelar ,esponjado, vidrado,
faiana prato, pires, tigela motivos florais e geomtricos,
53
em azul, vinoso, laranja,
verde e policromtico.
no decorado 89
anelar, carimbado, impresso,
borro, mocha, shell-edge,
prato, pires, xcara,
faiana fina wave, royal, motivos florais,
tigela, travessa, urinol 80
em azul, preto,
laranja,vermelho, marrom,
verde e policromtico.
porcelana prato, tigela no decorado 6
colher , tampa 3
metais cartucho 1
cravo, prego, chapa 12
garrafa, copo, frasco verde e incolor 116
vidro
vidraa 2
argamassa 3
madeira 1
molusco 5
miscelnea opalina 4
ossos 2
rocha (quartzo, basalto, arenito) 10
no identificado 2
total 664
XCIV
Tabela 04 - Engenho Murutucu - material arqueolgico coletado em 1996-1997
material forma/funo padro quantidade
cermica indgena e/ou no decorado 42
vasilha
cabocla digitado, engobado e polido 6
no decorado 227
vasilha, tampa, forma vidrado, entalhado,
cermica de torno
de po-de-acar modelado, digitado, vermelho 20
e inciso
cermica de construo telha, lajota, tijolo no decorado 89
grs garrafas gua de genebra, cerveja 60
no decorado 118
anelar, vidrado, pintado a
mo, aranhes, com motivos
faiana prato, pires, tigela florais e geomtricos em
247
azul, amarelo, verde, vinoso,
vermelho, laranja, verde e
policromtico.
no decorado 458
anelar, carimbado, impresso,
borro, mocha, shell-edge,
prato, pires, xcara,
faiana fina wave, royal, trigal, motivos
tigela, travessa, urinol 455
florais, em azul, preto,
laranja,vermelho, marrom,
verde e policromtico.
no decorado 34
porcelana prato, tigela mocha, impresso, pintado
18
mo, motivos florais
moedas (ilegvel) (furada) (5R$ 1762) (5R$ 1778)
(5R$ 1786) (10R$ 1802) (25R$ 1826) (1R$ 10
metais 1828) (10Cr$ 1981) (10Cr$ 1983)
cartucho 4
gaita, fivela, agulha 3
garrafa, copo, frasco,
ampola, seringa,
verde, incolor e marrom 976
vidro contagota, peteca,
decantador
vidraa 82
argamassa (voluta, reboco, cal) 19
boto, conta 5
tubo de cachimbo em caulim 1
miscelnea
opalina 1
pente, agulha 3
frag. de rocha (seixo, calcrio, slex, basalto polido) 14
total 2892
XCV
Tabela 05 - Engenho Murutucu - material arqueolgico coletado em 2000
material forma/funo padro quantidade
cermica indgena e/ou no decorado 73
vasilha
cabocla engobado, vermelho 10
vasilha, forma de no decorado 322
cermica de torno
po-de-acar vermelho 15
cermica de construo telha no decorado 138
grs garrafa, caneca cerveja 2
no decorado 27
anelar, pintado a mo,
com motivos florais e
faiana prato, tigela
geomtricos em tons 72
azul, vinoso e
policromtico.
no decorado 16
anelar, carimbado,
impressos mocha, shell-
edge, trigal, pintados a
faiana fina prato, xcara, tigela
mo com motivos florais, 32
modelado, em tons de
azul,vermelho, verde e
policromtico.
no decorado 3
porcelana prato, tigela
modelado, anelar 3
cinta, dobradia, prego, cravo, chave, chapa,
metais 37
porca, parafuso
vidro garrafa verde 11
frag. de rocha (laterita) 3
miscelnea
argamassa (reboco) 2
total 766
XCVI
Engenho Mocajuba do Araguaia
O stio do Engenho Mocajuba est localizado no municpio de
Barcarena, na margem direita do igarap Mocajuba, a cerca de 800m do furo
Arauaia. Os vestgios de antigas construes ainda visveis encontram-se
dispersos em uma superfcie de forma quadrangular, com aproximadamente
200m de comprimento por 150m de largura. Atualmente, o terreno
propriedade do Sr. Fernando E. G. do Amaral, que no local desenvolve
atividades ligadas plantao de cacau. (figura 32)
O stio encontra-se em uma rea de topografia suavemente
ondulada, resultante de discreta freqncia de drenagens. Os tipos de solos
ocorrentes apresentam-se com textura argilosa, e colorao amarelada, dentro
portanto, dos limites da poro caracterizada como de terra firme, porm sob
marcante influncia das mars. Nas imediaes bastante perceptvel a
interferncia humana na vegetao, como no manejo de plantaes de
aaizeiros e de cacau.
No entorno das estruturas arqueolgicas, encontra-se assentada
uma pequena comunidade de moradores ribeirinhos, estabelecidos em cinco
habitaes, construdas em tempos recentes. Nas proximidades do stio, junto
s torres de transmisso de energia eltrica, encontra-se localizado um antigo
cemitrio, ainda em atividade, onde notou-se inscries datadas do final do
sculo XIX.
XCVII
Histrico
No que diz respeito histria deste engenho, as referncias so
bastantes escassas. A informao mais remota encontrada sobre a rea,
remete a uma carta de data de sesmaria solicitada para a Ilha do Arauaia,
situada imediatamente frente defronte ao Mocajuba. Este pedido foi feito por
Manoel de Machado, para cultivar suas lavouras. 33
Durante a segunda metade do sculo XVIII, sabe-se que Mocajuba
foi propriedade de Joo Manuel Rodrigues, que era tambm dono de outro
engenho, o Utinga, situado na periferia de Belm. De acordo com um
recenseamento realizado em Belm, no ano de 1785, Joo Rodrigues era
referido como morador da freguesia da S, possuidor de 73 escravos, e que
naquele ano, em seu engenho havia: plantado cana, milho e mandioca;
fabricado 396 frasqueiras de aguardente e 21 potes de mel; e produzido 407
alqueires de farinha e 81 paneiros de carvo. 34 Este rico proprietrio de terras
tambm desempenhava funes importantes no corpo administrativo colonial,
sendo agraciado com a patente de Capito Auxiliar e tambm com o cargo de
mercador e recrutador de ndios. (VELOSO, 1998, p. 14).
Ao que parece, o engenho Mocajuba foi objeto de interesse do
naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, durante suas expedies pela regio
amaznica, em 1784, pois foi registrado em pelo menos quatro desenhos. Na
coleo de documentos relativos sua Viagem Filosfica, pertencentes ao
acervo da Biblioteca Nacional, encontram-se gravuras que ilustram aspectos
33
Doc. No 4188, de 30 de julho de 1759, Requerimento de Manuel Machado..., localizado
no APEP/AHU.
34
Microfilme 19/01. Capitania do Gro-Par, Mappa de todas as Famlias..., localizado no
APEP.
XCVIII
do engenho, como seu funcionamento atravs de uma moenda acoplada a
uma roda dgua, sua distribuio espacial em uma planta baixa do stio, e a
volumetria das construes em uma vista com perspectiva do
empreendimento, intitulada Prospecto da Caza de Residncia do Engenho de
Assucar do Cap.m Joo Manuel Roiz situada no rio Araguaya, perto da Cidade
do Par, que assinala os seguintes locais: Casa do Engenho; Caza dos
Taxos, Caza de Purgar, Caza dos Alambiques, Rancho dos Pretos e
Armazens. (figura 33)
importante ressaltar que o engenho mencionado como sendo no
rio Araguaya, que um rio distante de Belm, situado no sul do Par. Talvez
por esta razo o historiador MELLO JR, (1973), em seu trabalho sobre Landi
tenha demonstrado curiosidade em saber a localizao quando chegou a
questionar: "onde situar o importante engenho [...] em enorme conjunto de
construes?"
No exame detalhado da cartografia local, observou-se a ocorrncia
de um rio bastante prximo de Belm, denominado Arauaia (sem o g), o que
permitiu hipotetizar que tratava-se do referido stio. Durante uma visita rea,
em 1989, em busca de stios com vestgios de engenhos de mar, chegamos
at um stio, localizado s margens do igarap Mocajuba, afluente do Arauaia.
Neste local constatou-se a existncia de uma Calha em estado de
conservao quase intacto e perfeitamente igual ilustrao de Alexandre
Ferreira.
Alm disso, foram observados vestgios de alicerces que indicavam
que a casa do engenho tinha sido de grandes dimenses e bastante
compartimentada. Conforme foi constatado no local atravs de levantamento
XCIX
mtrico detalhado, a configurao dos alicerces da casa do engenho e das
residncias remanescentes no terreno era compatvel com a iconografia.
Confirmaram-se assim, as suposies de que tratava-se do mesmo stio.
Uma outra informao interessante, ainda que no especifique
explicitamente a localizao, foi encontrada em um relato das visitas pastorais
do bispo do Par, Dom Frei Caetano Brando, datado do perodo 1788-1789.
Em uma de suas viagens pelo esturio amaznico, o bispo reporta uma visita
ao engenho de Joo Manoel Rodrigues, o qual descreve que:
He fazenda nova; mas j no tem inveja s melhores do Estado: sobre
tudo o engenho de agoardente, obra, em que brilho igualmente a arte, e a
magnificncia. (RAMOS, 1991, p. 110)
Na interpretao do roteiro ilustrado com um mapa, anexo ao dirio
da viagem, acreditamos que o stio visitado trata-se, na verdade, do engenho
Mocajuba, pois como visto acima, nesta poca o mesmo pertencia a Joo
Rodrigues. Alm disso, o outro engenho de sua propriedade, o Utinga,
encontrava-se localizado na periferia da cidade, em rea totalmente oposta em
respeito direo do roteiro seguido por Brando, que saiu de Belm rumo
vila de Oeiras, na Ilha de Maraj.
Apesar da escassez de dados, a pesquisa histrica possibilitou, ao
menos, inferir que o engenho teria funcionado tambm ao longo do sculo XIX.
Em um mapa geogrfico da rea estuarina, datado de 1877, est assinalada
uma Fazenda Mocajuba, exatamente no mesmo local. Nesta poca, segundo
comunicao oral do atual proprietrio, Sr. Fernando Amaral, a era
pertencente a um alemo, de nome Frederico Schmidt.
Convm enfatizar que este termo Mocajuba uma designao
C
geogrfica bastante comum na linguagem regional, tendo ocorrido com
inmeras citaes relacionadas a engenho ou fazenda dos tempos coloniais no
desenrolar da pesquisa. Por exemplo, em relao ao sculo XVIII, h
referncias recorrentes a duas importantes fazendas homnimas, contudo,
situadas a vrios quilmetros do stio em questo: uma fazenda Mocajuba que
pertenceu Joo Pedro de Oliveira Barros Furtado de Mendona, e depois a
Feliciano Jos Gonalves, localizada no rio Guam (BARATA, 1973, p. 173), e
um engenho Mocajuba, que foi de Diogo Luis Rebello de Barros e
Vasconcellos, na antiga Vila Nova del Rei, posteriormente denominada de Vila
35
de Curu, na zona bragantina.
Investigao Arqueolgica
As atividades de arqueologia desenvolvidas foram antecedidas de
uma interpretao da espacialidade do stio a partir da leitura da iconografia
de sua planta baixa. Esta imagem, obtida com uma reproduo fotogrfica em
tamanho real, junto Biblioteca Nacional, foi digitalizada em computador,
para permitir maior preciso nas medidas. No exame foi possvel aferir a
localizao e dimenses dos ambientes componentes do engenho a seguir.
(figura 34)
O setor da fbrica constituiu-se dos seguintes compartimentos: a
casa do engenho, com 22m x 24m, que incluiu uma varanda circundante; a
casa dos tachos, com 15m x 6m; a casa de purgar, com 29m x 12m; e a
casa dos alambiques, com 8m x 6m.
35
Doc. No 6132, de 9 de setembro de 1773, Carta de Datta de Sesmaria ...a Diogo Luiz
Rebello de Vasconcellos... localizado no APEP/AHU.
CI
Ao sul do engenho, identificou-se outro conjunto, onde encontra-se
a casa de morada, com varanda frontal, representada em forma de L, com
26m x 35m, subdividida em 10 ambientes, inclusive uma cozinha. Ao lado
leste da casa de morada, e contguo, nota-se o armazm, tambm
avarandado, retangular, com 35m x 9m, subdividido em 4 ambientes; tambm
ao sul, na seqncia, observa-se o rancho dos pretos, que uma
construo avarandada, em forma de L, com 42m x 25m, possuindo 15
pequenos cubculos enfileirados. No lado oeste da casa de morada, a 50m de
distncia, situa-se um outro prdio avarandado, retangular, com 35m x 9m,
que abrange 8 pequenos compartimentos.
Com estas informaes, em seguida foi feito o reconhecimento
geral da rea, para fins de mapeamento. Com trabalhos preliminares de
limpeza, como roagem manual e destocamento, foi possvel obter uma melhor
dimenso da rea que o engenho ocupava bem como da disposio das
estruturas que o compunham.
Inicialmente se realizou-se a medio da estrutura mais destacada
do stio: o local da roda dgua. A Calha apresenta-se bastante similar do
engenho Murutucu, pois tambm dispe de uma curvatura na parede lateral
que era voltada para a rea da fbrica. Conforme observado na iconografia,
esta concepo serviu para aumentar a largura do fosso exatamente na parte
central e propiciar assim, o espao necessrio estrutura suporte do eixo da
roda. (figura 35) No levantamento mtrico foram aferidas as seguintes
dimenses: 14,30m de comprimento, com profundidade de 3,20m, sendo a
largura na parte mais alta, de 1,30m, e no fundo, de apenas 0,80m.
No sentido de controlar informaes sobre procedncia espacial de
CII
eventuais materiais do stio, estabeleceu-se com piquetes, uma malha de
quadras de 10m x 10m. Na lateral sul do arco da boca da calha, demarcou-se
um ponto de referncia, a qual atribuiu-se coordenadas 500/1000. A partir do
desenho da planta foram selecionados setores de considervel potencial
arqueolgico, como por exemplo, locais de descarte de cultura material e
deteco de estruturas, para implantao de unidades de escavao. Deste
modo, na casa de morada, escavou-se as seguintes reas: na lateral da
cozinha (1m x 11m); na varanda frontal (1,5m x 4m), junto escada lateral
leste (1m x 1,5m), e no ptio interno (1m x 1,5m), e no local da senzala foram
executadas 04 sondagens (0, 5m x 10m). (figura 36)
Em relao casa de morada, na cozinha foram encontrados cerca
de 800 fragmentos, em sua maioria faiana fina, e na rea central, foram
registrados cachimbos e canos de mosquete. Quanto ao espao da senzala, as
sondagens atingiram profundidade mdia de 50cm e revelaram o local exato
dos alicerces, cuja tcnica remete construo de taipa, com esteios de
madeira. O outro local prospectado correspondeu s proximidades da fbrica,
exatamente junto casa dos tachos, onde foram encontrados, dentro do
igarap, fragmentos de algumas formas de po-de-acar.
No stio Mocajuba, analisou-se 3.214 fragmentos.(tabela 07) Neste
total incluram-se 534 de cermica no torneada, 294 de cermica de torno,
372 de cermica de material construtivo, 258 de faiana, 1.202 de faiana fina,
9 de grs, 145 de metais, 327 de vidro, entre outros. (figura 37) Ressalta-se a
presena de 2 canos de espingarda e 1 fragmento de gatilho. Conforme pode
ser observado nos grficos abaixo, os resultados das escavaes realizadas
em dois setores diferenciados no Mocajuba, demonstraram tanto na rea da
CIII
casa grande como da senzala, uma marcante predominncia da categoria das
louas europias. No caso da senzala, especificamente, ao contrrio do que se
supunha, os fragmentos de faianas finas representaram o dobro das
cermicas associadas cultura nativa, indgena ou cabocla.
freqncia de tipo de material na rea da senzala
10% 4% 15%
20%
41%
10%
cermica indgena ou cabocla cermica de torno
louas vidros
metais outros
freqncia de tipo de material na rea da cozinha
10% 4%
3%
8%
5%
70%
cermica indgena ou cabocla cermica de torno
louas vidros
metais outros
CIV
Tabela 06 - Engenho Mucajuba - material arqueolgico coletado em 2000
material forma/funo tipologia quantidade
no decorado 487
cermica digitado, digitungulado,
indgena e/ou vasilha e cachimbo entalhado, engobado, inciso,
47
cabocla modelado, pinado, polido,
ponteado, vidrado, vermelho
no decorado 276
cermica de vasilha, prato e forma de digitado, entalhado, inciso,
torno po-de-acar ponteado, vidrado, com pintura 18
azul ou vermelha
cermica de
telha, lajota 372
construo
grs garrafa gua de genebra, cerveja 9
no decorado 116
faiana prato,xcara e tigela anelar em azul, roxo, marrom e
142
policromtico
no decorado 621
anelar, carimbado, esponjado,
impresso, modelado, mocha,
prato, pires, xcara, pintado a mo, ponteado,
faiana fina
tigela, travessa, urinol salpicado, shell-edge, trigal, 581
motivos florais e geomtricos, em
azul, verde, roxo,rosa e
policromtico.
pratos xcara, tigela, no decorado 18
porcelana
pingente, bibel trigal 1
moeda (10R$ 1869) 1
bala, cano de mosquete e guarda-matos 4
metais cravo, prego, arruela, grelha, chapa, chapa de forno,
135
dobradia, trinco, chave
alavanca, faca, foice, lima, machado 5
garrafa, copo, frasco verde e incolor 311
vidro vidraa 12
ampola, tubo, etc. 4
osso 27
rocha (quartzo, basalto) 7
miscelnea madeira 5
boto 9
opalina 3
no identificado 3
total 3214
CV
Engenho Jaguarari
O stio de Jaguarari encontra-se na margem esquerda do rio Moju,
nas proximidades de sua confluncia com o rio Acar, exatamente junto
ponte Moju-Ala, da rodovia Ala Viria. Constitui-se de uma longa faixa de
terra marginal, de aproximadamente 1.200m de extenso por 300m de largura.
Nos dias atuais a rea patrimnio do grupo empresarial Y.Yamada, que l
desenvolve atividade de pecuria. (figura 38)
A topografia caracterizada por ondulaes suaves, com ocorrncia
de algumas drenagens, como o igarap Jaguarari, ou Matiar. A respeito da
vegetao, trata-se de uma rea caracterstica de capoeira, bastante alterada,
com ocorrncia de gramneas, e tambm uma faixa de terra desmatada, que
vem sendo explorada como pasto de gado bovino. Entre os tipos de solo
observados no local, destacam-se as lateritas, que apresentam-se com textura
argilosa e colorao amarelada, principalmente nas pores mais elevadas,
que em alguns pontos junto margem chegam at a 7m em relao ao nvel
mximo do rio.
Na sede da fazenda encontram-se vrias construes de madeira,
incluindo habitaes, como a residncia do gerente e alguns alojamentos para
outros empregados, e tambm um galpo que serve de abrigo para cavalos e
mquinas agrcolas. Exatamente nesta rea foram localizados alguns vestgios
do antigo engenho, como a Calha, e alicerces da fbrica, alm do muro de
arrimo, que serviu de cais (junto ao rio). Cerca de 800m de distncia, rio
abaixo, em meio a densa vegetao, esta situada uma construo em runas
que relativa a uma antiga capela, cujas paredes de alvenaria de pedra,
chegam a medir at 1m de espessura.
CVI
Histrico
As origens histrica da utilizao da rea como fazenda encontram-
se na metade do sculo XVII. De acordo com BETTENDORFF (1990, p. 251),
na dcada de 1660, as terras do Jaguarari eram de propriedade de Bernardo
Serro Palmela e sua mulher Isabel da Costa, que neste perodo fizeram
doao das mesmas aos padres da Companhia de Jesus, com a condio de
que estes sustentassem o casal at a morte.
LEITE (1943, livro 3, p. 302) informa que a fazenda foi implantada
por Francisco Veloso, na poca em que era reitor do Colgio dos Jesutas, de
1663 a 1668, e que a primeira casa e a igreja foram construdas pelo padre
Manuel Nunes, que viveu no Par at 1676. Da mesma forma que a Fazenda
Ibirajuba, a de Jaguarari foi um dos mais prsperos empreendimentos que os
jesutas possuram no Par, at sua expulso, conforme relatou o jesuta Joo
Daniel, que assim a descreveu:
Uma das maiores fazendas que tinham (os jesutas) era a que todos l
conhecem como Jaguarari; fazenda que tem dentro uma engenhoca, e fbrica, de
algumas aguardentes, que o emprego de maior lucro naquele estado; tem dentro
uma famosa olaria, e muitos oficiais nela; uma oficina de ferreiros, com bons
mestres; fbrica de canoas, teceles, carpinteiros etc. Tem lguas de terras, cultivo
da farinha-de-pau, searas de milho, e arroz, fazenda de cacauais, e cafezais; um
famosos curral de gado e todo o preciso para todos os ofcios; (DANIEL, 2004, vol.
2, p. 203 )
Em 1761, o governador Manuel Bernardo de Melo e Castro ordena
um levantamento das condies da fazenda visando sua possvel
transformao em vila. Nesta vistoria, realizada por Feliz Joz de Lucena
Coutinho, em 15 de outubro de 1761, constatou-se que Jaguarari compreendia
uma imensa rea, de uma lgua em quadro (6.600m x 6.600m) situada na
margem direita do rio Moju e tambm meia lgua de terra, na outra margem,
CVII
que era apenas destinada s plantaes, e onde se encontrava um canavial de
cerca de 1.800m x 200m. 36
O referido inventrio constitui-se de documento bastante relevante
pesquisa, pois alm de descrever as construes, tambm relaciona seus
pertences, como moblia e pequenos objetos. Por exemplo, foi mencionada a
localizao de uma casa de farinha, com sua roda de ralar mandioca, na rea
central do lote, alm de trinta ranchos. Entre as outras edificaes existentes
foram descritas: a casa da engenhoca, que media 15m x 15m, com varanda e
colunas de pedra e cal, na beira do rio; a casa do alambiques, ao lado da
engenhoca, tambm de pedra e cal, com 13m x 11m; casas de vivenda,
anexas mesma engenhoca, sendo um sobrado com varanda, feita sobre
pilares de pedra e cal, e umas casas trreas, com cerca de 17m x 40m, que
incluam doze cubculos; a igreja, dedicada Nossa Senhora da Assuno,
que se compunha da nave com duas torres sineiras, da capela mor (altar) e da
sacristia, toda feita em pedra e cal, que mediam 22m x 7m; a ferraria, atrs da
capela mor; a cozinha, com seu forno de po, junto a uma das torres sineiras;
uma casa grande chamada a procuratura, pegada s casa da vivenda; a
carpintaria e a casa das canoas, tambm juntas engenhoca; e a olaria, com
61m x 12m, alm de uma construo, para secar as cermicas, com 20m x 7m,
feita em madeira e palha.
No documento foram includas tambm cento e cinqenta e sete
pessoas, correspondendo a 62 escravos negros, avaliados em seis contos e
quinhentos e setenta mil ris, e 95 ndios. O valor total da fazenda foi definido
36 o
Doc. N 4705, de 23 de novembro de 1761, Carta de Francisco Xavier de Mendona Furtado... ,
localizado no APEP/AHU.
CVIII
em vinte e sete mil cruzados e cento e setenta mil ris.
No ano de 1768, a fazenda foi requerida como pagamento dos
servios militares prestados ao reino pelo tenente coronel Valrio Correia
Botelho, conforme ofcios enviados ao Marqus de Pombal e a Mendona
Furtado. 37 Com base na pesquisa histrica, no foi possvel confirmar,
realmente, se estes pedidos foram atendidos. Em todo o caso, sabe-se que a
fazenda Jaguarari foi arrematada na Junta da Administrao da Fazenda Real
da Capitania do Par, com suas terras, casas com molinetes e escravos, por
Hilrio de Moraes Bittencourt, rico senhor de engenhos, pela quantia de oito
contos de ris. 38
Em meio documentao referente viagem filosfica de Alexandre
Rodrigues Ferreira, em 1784, so encontradas trs ilustraes do engenho,
que demonstram a grandiosidade da arquitetura na da fbrica e a disposio
das outras edificaes no terreno. Nesta poca, o Jaguarari era j propriedade
do Capito Ambrsio Henriques.
No primeiro desenho observa-se uma vista em perspectiva da frente,
em que foram assinaladas a casa de purgar, casa dos alambiques, casa
dos tachos, casa do engenho e boca da calha. Na fachada do prdio nota-
se a presena de vrios arcos, pilastras e cornijas, que so tpicos do perodo
neoclssico. O segundo desenho destaca o sistema motriz, com uma roda
dgua atrelada a uma moenda de trs rolos verticais. O terceiro desenho
permite compreender a localizao em planta dos vrios ambientes no interior
37
Doc. N 5.475, de 22 de outubro de 1768, Ofcio de Valrio Correa Botelho de
Andrade..., localizado no APEP/AHU.
38
Doc. N 6.030, de 31 de julho de 1773, Cpia do Termo com que..., localizado no
APEP/AHU.
CIX
do engenho, e tambm as construes localizadas na rea atrs da fbrica,
com indicao de rancho velho dos pretos e rancho novo. (figura 39)
Em 1819, em sua expedio pela regio, os cientistas alemes Spix
e Martius estiveram hospedados no engenho Jaguarari, que teve ressaltada
sua fama de maior eficincia e elegncia, em que aproveitava-se a cana
plantada nos arredores para a manufatura de acar e aguardente, cuja
produo chegava a atingir a quantidade de 1.500 pipas por ano. Das
observaes destes dois cientistas resultou a seguinte descrio do engenho:
A usina muito espaosa e alta acomoda um grande engenho, de cana
e acessrios, um pilo para socar arroz, e os alambiques construdos segundo o
modelo ingls. Um riacho bastante considervel, que ao mesmo tempo fornece
gua potvel para os habitantes, movimenta a mquina... A morada do
administrador contgua usina e liga-a com a casa do proprietrio, de extremo
bom gosto, que, de sua ensombrada varanda, goza da alegre vista do rio tranqilo
e de suas margens cultivadas. (SPIX & MARTIUS, 1981, p. 69)
Na opinio de Spix & Martius, o proprietrio do engenho Ambrsio
Henriques dispensava especial cuidado a seus escravos, lhes fornecendo
habitaes cujo asseio e boa aparncia fsica so a melhor prova do
tratamento humano que aqui recebem.
No perodo entre a dcada de 1860 e 1880, Jaguarari certamente
pertencia ao tenente coronel Raimundo Brito Gomes de Souza, conforme se
compreende no exame de algumas escrituras de hipoteca daquela fazenda.
Por exemplo, em 1866, as terras de Jaguarari foram arroladas como garantia,
em uma questo de dvida do proprietrio Raimundo Brito Gomes de Souza e
sua credora Maria Luiza Bandeira Cabral. 39 Da mesma forma, a referida
fazenda, ainda com o mesmo proprietrio, foi mencionada em outra hipoteca,
CX
datada de 1875, em que foram hipotecados terras pertencentes ao
estabelecimento, coisas, mquinas e seus acessrios, instrumentos e
utenslios de lavoura, animais e todas as mais benfeitorias e mais 47
escravos. 40
De acordo com informao oral prestada por um antigo morador da
rea, o Sr. Jovelino Vinagre, com cerca de 90 anos de idade, o dono da
fazenda Jaguarari no incio do sculo XX, foi referido como Sr. Cabral. Em
seguida, por volta de 1925, o lugar foi propriedade de Francisco Libon, um
alemo que implantou no local uma colnia agrcola. Segundo Sr. Jovelino, o
assentamento durou at 1940, e contava com quase trinta casas, enfileiradas
na beira do rio, e tambm com um moinho de arroz que martelava o pilo e
uma serraria, movida gua. A roda d gua alm de movimentar a serraria,
acionava um motor (dnamo) que fornecia eletricidade para a colnia.
Investigao Arqueolgica
As estruturas arqueolgicas visveis em superfcie no stio
compreendem: uma calha, em perfeito estado de conservao, localizada
cerca de 100m, ao sudoeste da sede da fazenda; uma outra calha,
inteiramente soterrada, situada bem frente da sede; e uma igreja, em runas,
situada cerca de 800m ao norte.
A primeira calha, segundo informao do morador Francisco, filho do
Sr. Jovelino, foi aquela usada para movimentar a serraria e o dnamo,
mencionados anteriormente. A obra corresponde a um fosso, com cerca de 5m
39
.Folha 122 do Livro N 92 de Notas e Ofcios, Escritura de Dvida com Hipoteca, localizado
do Cartrio Chermont, Belm.
40
Folha 26 do Livro N 95 de Notas e Ofcios, Escritura de Dvida com Hipoteca, localizado
no Cartrio Chermont, Belm.
CXI
de comprimento, por 1, 33m de largura e 2m de profundidade. construda em
alvenaria de pedra argamassada, inclusive ainda com revestimento. Na juno
do canal que deriva do rio Matiari, com a entrada da calha, ainda observa-se
vestgios da comporta que regulava o fluxo dgua, para girar a roda. (figura
40)
A segunda calha, na verdade, foi a mesma obra componente do
engenho, relativa portanto, dcada de 1780. Infelizmente, a estrutura
encontra-se deteriorada devido a ao de mquinas agrcolas que entulharam
o interior do fosso. Contudo, ainda possvel identificar, na parte da frente, o
arco, construdo em tijoleira e alvenaria de pedra, indicador da boca da calha
assinalada na perspectiva representada em desenho, na iconografia da
Viagem Filosfica. (figura 41)
A igreja apresenta-se em processo de arruinamento, j inteiramente
desprovida de cobertura, com seus macios de paredes encobertos quase em
sua totalidade por densa vegetao, o que compromete ainda mais seu estado
de conservao. O prdio compe-se de dois compartimentos correspondentes
nave, com 13m x 7m, e capela do altar, com 7,2m x 5,8m, com paredes de
1m de espessura, e aproximadamente 6m de altura. (figura 42) A constatao
das aberturas dos vos de janelas e nichos nas paredes laterais, bem como
das dimenses dos dois ambientes, conduz associao imediata da
descrio do templo que foi detalhada no inventrio da Fazenda, realizado em
1761, conforme citado anteriormente.
Conforme informaes orais prestadas por moradores das
proximidades, a igreja teria funcionado at a metade do sculo XX. Nesta
poca, a construo religiosa era dedicada Nossa Senhora do Carmo e ainda
CXII
possua telhado e paredes rebocadas, sendo referida a existncia da imagem
de um Cristo crucificado, no altar. Na lateral leste localiza-se o cemitrio, ainda
em atividade, que atende comunidade local. (figura 43)
Em relao pesquisa de arqueologia, as atividades constituram
parte de um projeto de salvamento executado por conta de danos causados
pela construo da rodovia Ala Viria, pela Secretaria Estadual de
Transportes do Par, em 2000. No caso da igreja, o impacto correspondeu
abertura e terraplanagem de uma rea de cerca de 150x150m, precisamente a
menos de 5m da frente de sua fachada. Estes servios realizados para
implantao de alojamentos e canteiro de obras necessrios construo da
ponte, provocaram um corte do terreno, que chegou a quase 3m de
profundidade. Alm de trazer um grande risco para a estabilizao de uma
estrutura arqueolgica j em processo de arruinamento, a obra destruiu, de
maneira irreversvel, camadas de solo com material arqueolgico.
Do mesmo modo, a abertura de uma estrada de servio na rea dos
fundos da capela (ao norte), causou a exposio de materiais como
fragmentos de cermica indgena e de machados lticos polidos, situao que
se repetiu na rea destinada aos alojamentos. Com isso, uma das providncias
imediatas do projeto foi promover o isolamento da rea Assim, o terreno em
volta foi totalmente cercado, e sinalizado com placas, na tentativa de inibir a
depredao seja por vandalismo, seja por curiosidade, sobretudo aps o incio
da pesquisa arqueolgica, o que passou a despertar grande interesse.
Em ateno aos problemas de destruio do stio, a escolha dos
arredores da capela para a realizao das escavaes, ocorreu devido
urgncia no salvamento da cultura material ainda preservada e da
CXIII
conservao da runa. a pesquisa arqueolgica priorizou o entorno da igreja e
as imediaes das duas estradas e a rea do alojamento. A inteno foi de
imediato verificar a existncia de possveis pisos e alicerces relativos igreja,
e no segundo caso, tentar delimitar a rea de disperso do material
arqueolgico associado ocupao indgena.
Aps a limpeza atravs de roagem e remoo de entulho iniciou-se
a escavao a partir de pequenas trincheiras na rea externa da capela , que
chegaram quatro metros a partir das paredes leste e oeste que compem o
salo. Nestes setores foram encontrados pisos em tijoleiras em profundidades
variveis, de 20cm a 50cm, devido camada de entulho acumulada
principalmente na lateral oeste. O piso encontrado a oeste se prolongou pelas
unidades de escavao nas linhas 86, 87, 85 e 84 surgindo novamente em
quatro unidades abertas na trincheira 78 prximo entrada da capela
(72,71,70,78 ) onde o piso sofre uma pequena elevao de 10cm e (69/78 ).
Em um segundo momento foram feitos prolongamentos de
escavao nas linhas 88 e 99, que foram estendidas para alm da cerca, no
sentido oeste, at o barranco do rio Moju, limite natural do stio. A primeira
compreendeu unidades desde a quadrcula 67/88 at as proximidades do
barranco, no ponto 38/88, e atingiram em mdia 25 a 30cm de profundidade,
exceto na unidade 62/88, em que houve um rebaixamento de 40 a 50cm para a
caracterizao de um perfil.
Entre as unidades 56/88 e 58/88 descobriu-se um alinhamento de
tijoleiras empilhadas, o que levou a rebaix-las at 80cm, ao nvel do solo
argiloso. Ainda na unidade 57/88, aos 50cm surgiu uma quantidade
significativa de cacos de telha o que reforou a hiptese de que a estrutura
CXIV
encontrada poderia ser um compartimento coberto. Foi encontrado nesta
trincheira um piso em tijoleiras que se estendeu da unidade 51/88 43/88,
apresentando intersees (possveis paredes) nas unidades 49 e 47/88.
Ainda na rea a oeste da igreja, na linha 99 ampliou-se a escavao
desde junto parede da capela do altar, na unidade 72/99 at junto ao marco,
ponto 50/99. As evidncias arquitetnicas encontradas ocorreram na unidade
66/99, com um possvel alicerce em blocos de pedra, e no intervalo entre a
69/99 e 73/99, aps a retirada de entulhos descobriu-se piso de lajotas
triangulares, confirmando a existncia de um aposento, talvez a sacristia, junto
parede leste do altar na parte externa.. Nas unidades da rea externa do
stio, entre a cerca e o barranco, ainda na linha 99, foi coletada grande
quantidade de cermica, destacando-se duas vasilhas, relativamente
preservadas, aparentemente correspondentes formas de po-de-acar. Em
seguida, estendeu-se as unidades da linha 99, atravessando a igreja, no
sentido leste-oeste, em paralelo parede do altar. Prosseguindo a linha, junto
face externa da parede oeste da capela do altar, realizou-se uma sondagem
de 1 metro de profundidade na unidade 80/99, que evidenciou alguns blocos
de pedra das fundaes. Aproveitou-se este corte para desenho do perfil
estratigrfico.
Na rea interior da igreja, procedeu-se a implantao de duas novas
trincheiras para verificao de possveis pisos. A primeira, disposta sob o arco,
em sentido leste-oeste, entre as colunas que separam o salo do altar, foi
escavada at o nvel de 25cm e evidenciou uma sucesso de camadas de
possveis pisos (argila compactada, restos de telha e rocha argamassada). A
segunda trincheira demarcou-se na faixa central da capela, sentido norte-sul.
CXV
Na unidade 76/96 evidenciou-se lajotas triangulares semelhantes s
encontradas junto ao altar, em nvel de 10 a 15cm, desarticuladas, em funo
da proliferao da vegetao (tubrculos). Nas unidades 76/93, 76/94 e 76/95
o piso apresentou um desnvel, relativo, ao que parece de um degrau de
acesso ao altar. A unidade 76/95 foi rebaixada at 40cm, quando atingiu um
solo avermelhado, com minrio de ferro, sendo a partir deste nvel feita ainda
uma sondagem de 0,5mx 0,5m, que foi aprofundada em mais 10cm, chegando
at a uma camada de argila acinzentada, em que ocorreram fragmentos de
ossos de animais. Como um todo, a escavao desta trincheira na rea do
salo evidenciou um piso bastante irregular e danificado, situao provocada
pelo arruinamento da cobertura, posto que sobre ele encontramos uma
camada de escombros composta por cravos de ferro, fragmentos de telhas,
argamassa e pedaos de vigas de madeira. (figura 44)
Com o objetivo de identificar uma possvel escadaria, na entrada da
igreja, foi executada a escavao das unidades 76/75 e 76/74, que atingiram
at 50cm de profundidade. Como nenhuma evidncia de degraus foi
encontrada, aprofundou-se mais 30cm, que resultou na coleta de alguns
fragmentos de vasilhas cermicas nativas e restos de ossos. Em retrospecto,
as unidades de escavao executadas na rea da igreja possibilitaram a
constatao da existncia, em nveis bem prximos da superfcie de uma
grande quantidade de pisos internos e externos, em tijoleiras de variados
padres. (figura 45)
O material recolhido no stio Jaguarari compreendeu a 3.282
fragmentos (tabela 08). A cermica no torneada foi a mais freqente, com
1.138 fragmentos, seguida da cermica torneada, com 1.030 fragmentos. Alm
CXVI
disso, identificou-se 95 fragmentos de faiana, 116 de faiana fina, 199 de
vidro, etc. Foram tambm anotados 02 fragmentos de cachimbos cermicos,
01 machado ltico, vestgios possveis de uma forma de po-de-acar e 04
moedas datadas do sculo XIX e incio do sculo XX. (figura 45)
CXVII
Tabela 07 - Engenho Jaguarari - material arqueolgico coletado em 2000
material forma/funo tipologia quantidade
no decorado 993
cermica digitado, digitungulado, entalhado,
indgena e/ou vasilha, cachimbo engobado, inciso, modelado,
145
cabocla polido, vermelho, laranja, ponteado,
raspado, escovado
no decorado 932
cermica de vasilha, forma de po-de- digitado, inciso, vidrado, polido,
torno acar modelado, ungulado, vermelho, 98
pintado em azul e preto
cermica de
telha, tijolo, lajota 175
construo
grs garrafa gua de genebra 1
faiana prato, tigela no decorado 20
anelar em azul e vinoso 75
no decorado 56
anelar, carimbado, impresso,
modelado, pintado a mo, shell-
faiana fina prato, pires, xcara, tigela
edge, motivos florais e geomtricos 60
em azul, verde, vinoso, vermelho,
preto e policromtico.
porcelana xcara, vasilha impresso e ondulado 4
moeda: (ilegvel) (20R$ 1824-1830) (20R$ 1823-1831) (100R$
4
1901)
metais cortador de unhas, fivela, lmina de faca, medalha, pires 6
barra, cravo, dobradia, fechadura, prego, chapa, cano, trinco,
436
arame, lata
garrafa, copo, frasco verde, incolor, marrom e azul 196
vidro
vidraa 3
argamassa 4
boto 2
gastrpode 6
miscelnia esteio de madeira 3
no identificado 1
osso 46
quebra ccos, machado e amolador, e frag. de rocha 16
total 3282
CXVIII
Engenho Uriboca
Este stio localiza-se na margem direita do igarap Uriboca, que
um afluente do rio Guam, exatamente nas imediaes da ponte da rodovia
Ala Viria, municpio de Marituba. A rea pertencia ao patrimnio da firma
Fazenda Guam Agropecuria Ltda at 1998, quando foi desapropriada e
adquirida pelo Governo do Estado do Par. (figura 47)
O ambiente natural caracteriza-se como inserido exatamente na
transio da longa faixa de terra plana marginal do rio Guam para as reas
de relevo ondulados, com elevaes de at quase 30m. Em relao
cobertura vegetal, observa-se a proliferao de reas de capoeira, de
explorao de seringueiras, e reas de pasto, em substituio floresta densa
nativa.
Histrico
O engenho Uriboca teve iniciada suas atividades, por volta de 1780.
Em ofcio encaminhado ao Senado da Cmara de Belm, a 20 de novembro
daquele ano, Manuel Jos Alves Bandeira informou a desativao de um
engenho que possua na Ilha de Arapiranga, defronte cidade, por no estar
conseguindo mais produzir acar e aguardente, pela falta de canaviais. No
documento, Manuel Bandeira comunicou ainda que estava fabricando um
engenho de gua, no rio Uriboca, por esta razo solicitava ajuda de custo e
socorro de escravos e prometia aplicar a factura de todo o asucar que me
for possvel. 41 O engenho encontrava-se funcionando em 1799, conforme
consta da relao de engenhos e engenhocas que existiam no Gro-Par
41
Doc. N 7080, de 20 de novembro de 1780, Ofcio de Manuel Jos Alves Bandeira...,
localizado no APEP/AHU.r
CXIX
naquele ano. Nesta lista, porm Uriboca referida como propriedade do
Alferes Antonio de Souza Azevedo, em conjunto com Manuel Bandeira, que
por sua vez, conforme o documento, ainda continuava proprietrio do engenho,
em Arapiranga. Conforme um mapa populacional da freguesia da S, em 1785,
Antonio Azevedo era rico mercador, e possuidor de 64 escravos.
Investigao Arqueolgica
Em levantamento arqueolgico realizado em 1997, foi possvel
identificar alguns elementos construtivos, em meio vegetao de capoeira
dominante no stio. O contedo compreende estruturas de espessos muros e
abbadas construdos em alvenaria de pedra, beira do igarap, os quais
foram identificados como a barragem e a calha, componentes do sistema
motriz do engenho.
A barragem, que tinha funo de reter a gua durante o preamar,
compreende uma estrutura de 1,4m de vo e 5m de extenso, que se acha
localizada no leito de um crrego, que serve de canal de aduo, a menos de
5m de distncia da rea recente impactada pela construo da rodovia. (figura
48)
A calha, que o local onde assentou-se uma roda d'
gua para girar
a moenda, apresenta concepo similar quelas encontradas em outros stios,
com abbadas em tijoleira, e laterais reforadas por espessos muros de pedra.
O espao do fosso, que era destinado roda, mediu 1,4m de vo, por 10m de
extenso e altura varivel de 1,2m, junto comporta, at 1,9m, na sada da
gua. (figura 49)
Na poro mais elevada, situada ao leste, foram observados
CXX
vestgios de alicerces de paredes e um forno, de forma quadrada, com
dimenses de 5m x 5m, com quase 1m de altura. Esta estrutura possui as
paredes laterais construdas tambm em alvenaria de pedra argamassada,
mas na parte central compe-se de tijolos macios. (figura 50)
No ano de 2000 teve incio o salvamento arqueolgico do stio. Em
uma vistoria preliminar verificou-se que parte do canal que deriva do igarap
para o engenho, estava entulhado com troncos de rvores e aterro, devido a
abertura da rodovia e principalmente da vala na lateral. A estrutura da
barragem em alvenaria de pedra, localizada neste canal, encontrava-se sob
risco de desabamento, agravado pelo trnsito de caminhes e mquinas
pesadas pela rodovia que foi construda a menos de 10m de distncia da
estrutura. A rea do stio era desprovida de segurana, sem cercas de
proteo, e ainda sem sinalizao de sua identificao de stio histrico,
merc do trnsito no controlado de pessoas em seu interior. Ressalta-se que
nestas condies, a instalao de canteiros de obras e/ou alojamentos, como
ocorre nas proximidades, pe claramente em risco a integridade das estruturas
do stio, a qual j se encontra sob intenso processo de arruinamento. Alm
disso, percebeu-se o excesso de vegetao arbustiva em meio aos macios
construdos, j sem revestimentos de reboco, localizados em terrenos midos
de vrzea, comprometendo sua estabilidade.
A fim de atender uma medida de proteo fsica do stio, foi efetuada
a delimitao do terreno, optando-se por uma faixa de terra mais elevada. A
rea se estendia desde a obra da barragem at cerca de 120m a leste, sendo
definida ao norte por uma baixada (que seriam os fundos do engenho), e ao
sul pelo rio Uriboca (na frente do engenho). Em seguida, foi realizado o
CXXI
levantamento topogrfico, no qual aproveitou-se um marco de concreto
existente no local. A este ponto foram atribudas coordenadas x e y (100, 120)
que serviram assim de referncia para eixos cartesianos orientados nos
sentidos sul-norte (SN) e oeste-leste (WE), associados a uma malha com
quadras de 10m x 10m.
Previamente a qualquer interveno de escavao no stio realizou-
se uma prospeco de geofsica com a utilizao de um aparelho Radar GPR
(Ground Penetrating Radar), a fim de verificar eventuais anomalias em
subsuperfcie, que pudessem apontar provveis concentraes de materiais ou
estruturas arqueolgicas. Os testes foram conduzidos pela Dra. Dilce Rossetti,
do Departamento de Ecologia e Cincias da Terra, do Museu Paraense Emlio
Goeldi, e consistiram de deslocamento do aparelho pela superfcie do terreno.
Esta prospeco foi realizada especialmente na poro mais elevada do stio,
ao longo das linhas 100WE e 110WE (entre os pontos 100 e 150) e tambm
nas linhas 120 SN, 130 SN e 140 SN (entre os pontos 100 e 125). O grfico
resultante dos testes demonstrou perturbaes na subsuperfcie, ao longo da
linha 100WE, nos intervalos 120-130 e 140-145. (figura 51)
Da mesma forma, tambm foram realizados testes pedolgicos com
a finalidade de identificar e caracterizar as camadas do solo. Foram abertas
vrias sondagens, descritas e desenhadas, e de onde foram retiradas
amostras para anlises fsica e geoqumica. O resultados indicaram a
presena de solos caractersticos da rea de transio entre vrzea e terra
firme.
Em termos de escavaes, como metodologia empregada neste stio
adotou-se a opo de unidades de escavao, com 2,00m x 0,50m, dispostas
CXXII
em seqncia constituindo assim extensas trincheiras sobre as linhas 100N e
110N, alm de sondagens de 0,50m x 0,50m, espaadas de 10m em 10m e
demarcadas em cada uma das linhas de 50E a 160E, desde a linha 100N at
margem do rio Uriboca. Tanto as unidades como as sondagens foram
escavadas at o nvel de ocorrncia de solo estril. (figura 52)
As escavaes possibilitaram a identificao e coleta de grande
quantidade de cultura material relacionada ao perodo colonial. Foram
recolhidos fragmentos de: cachimbos e vasilhas cermicas associadas s
culturas indgena e cabocla; pratos, xcaras e pires em loua europia;
garrafas de vidro e de grs, utilizadas para vinho, cerveja e gua importada;
botes; ferragens de elementos industriais e de construo; pedras de
pederneira e moedas datadas de 1781, 1790 e 1860. Alm disso, foram
encontradas reas com indcios de pisos em tijoleira, e alicerces em pedra,
presumivelmente da casa do engenho. (figura 53)
Do stio Uriboca, foram pesquisados 11.838 (tabela 09), com
predominncia de faiana fina, com quase 4.045 fragmentos, seguida pela
cermica no torneada, com 1.457, 3.529 de vidro, 928 de cermica torneada,
547 de faiana, etc. Foram registradas tambm trs moedas do sculo XVIII e
uma medalha, 02 pedras de pederneira, e 7 fragmentos de cachimbos
cermicos. (figura 54 e 55)
CXXIII
Tabela 08 - Engenho Uriboca - material arqueolgico coletado em 2000
material forma/funo tipologia quantidade
no decorado 1308
cermica indgena digitado, digitungulado, entalhado, engobado,
vasilha, cachimbo
e/ou cabocla inciso, modelado, pinado, polido, vermelho, 149
ungulado
no decorado 821
cermica de torno vasilha digitado, inciso, vidrado, polido, modelado,
107
vermelho e preto
telha, tijoleira no decorado 23
cermica de
pintado a mo, motivos florais, em azul, vinoso
construo azulejo 43
e policromtico.
grs garrafa, tinteiro gua de genebra, cerveja 177
no decorado 236
prato,xcara,
anelar, impresso, trigal, shell-edge, mocha,
faiana tigela, pires,
modelado, pintado a mo, motivo floral, em 308
azulejo
azul, verde, vinoso e marrom.
no decorado 1409
anelar, carimbado, esponjado, impresso,
prato, pires,
faiana fina modelado, pintado a mo, shell-edge, trigal,
xcara, tigela 2636
motivos florais e geomtricos, em azul, verde,
roxo,rosa e policromtico.
prato, xcara, no decorado 20
porcelana tigela, bibel,
pintado a mo, em verde, azul e rosa 6
pires, tampa
moeda: (5R$ 1720) (5R$ de 1781) (40R$ 18....) 3
fivela, medalha, tesoura, cabo de talher e apito 6
bala 2
haste, aro, barra, chave, cravo, dobradia, fechadura, grelha,
metais
prego, gancho, arruela, parafuso, chapa, pino, placa, trinco, 774
puxador, arame, argolas, chumbo
serra, talhadeira, verruma, perfil, machados, guia, foice, formo,
22
cunha
garrafa, copo,
verde, incolor, marrom e azul 3468
vidros frasco, ampola
vidraa 61
osso, dente 90
molusco 6
opalina 3
miscelnea pederneira, machado, frag. de rocha 9
madeira 10
argamassa 6
boto, conta, prendedor de cabelo, cuia para ltex, pente 136
total 11839
CXXIV
Figura 14. Mapa de localizao geogrfica do stio do Engenho Murutucu, na periferia de
Belm.
Figura 15. Vistas do interior da Capela do Engenho Murutucu, com os caractersticos traos
do estilo arquitetnico do Neoclassicismo.
CXXV
Figura 16. Nesta imagem relativa ao ano de 1992, observa-se o detalhe do elemento
decorativo da moldura de um dos vos de janela da casa grande do Engenho
Murutucu, o qual pode ser verificado tambm em outras obras da arquiteto
Antnio Landi, como a igreja de SantAnna, por exemplo.
Figura 17. Outro aspecto do interior da casa grande, em data contempornea da imagem
anterior, na qual se constata evidncias de um segundo pavimento, acima do
vo de porta.
CXXVI
Figura 18. Planta geral do stio do Engenho Murutucu, com a localizao das reas da casa
do engenho, da casa grande e da capela
CXXVII
Figura 19. Planta baixa da galeria do vertedouro. A obra constitui-se de dois trechos
cobertos por abbadas de bero, cujas paredes se estreitam das extremidades
da galeria at uma rea central, descoberta. Observa-se a tomada d' gua em
paredes inclinadas, os encaixes laterais para o suporte da comporta e a projeo
das runas da base de uma chamin, octogonal.
Figura 20. Representao da seo longitudinal da galeria, destacando-se: No 1 trecho
coberto, o sulco para encaixe da comporta e a relao entre o cho atual, o
fundo original e o nvel do preamar. Na parte central, descoberta, o detalhe da
parede lateral em forma semicircular, indicando o local do eixo da roda d'
gua.
CXXVIII
Figura 21. Vista da fachada da galeria cuja convergncia das paredes teve como soluo
arquitetnica em sua cobertura a transio de abbadas de arco abatido para
arco de meio ponto.
Figura 22. Seo transversal na poro central da galeria cuja inclinao da parede direita
possibilitava o espao para a estrutura suporte da roda d' gua. Indica-se ainda a
projeo das cotas de fundo do 2o trecho e o nvel do preamar.
CXXIX
Figura 23. Planta baixa da rea da casa do engenho, cujas dimenses so bastante
similares com as dos grandes galpes utilizados nas fbricas como casa de
purgar.
Figura 24. Detalhe dos elementos decorativos, em frisos e medalho, no arremate superior
do vo de entrada principal, na fachada da capela do Engenho Murutucu.
CXXX
Figura 25. Mapa de localizao das unidades de escavao executadas na rea da capela
do Engenho Murutucu, em etapa de campo realizada em 1986.
Figura 26. Planta da rea da casa grande do Engenho Murutucu, cujos pisos dos ambientes
foram evidenciados em pesquisa de monitoramento arqueolgico executada em
1997.
CXXXI
Figura 27. Levantamento geofsico em rea do Engenho Murutucu, com utilizao de
aparelho magnetmetro.
CXXXII
Figura 28. Grfico demonstrativo das anomalias verificadas na rea do Engenho Murutucu,
atravs de prospeco geofsica, com uso de magnetmetro. Observar reas
com adensamento de isolinhas na rea frontal capela, e na poro sudeste do
stio, no alto do desenho, direita.
CXXXIII
Figura 29. Amostras de material arqueolgico relacionado: (a) cultura indgena ou cabocla
local; e (b) aos produtos manufaturados possivelmente na olaria do Engenho
Murutucu, com destaque para uma lajota com impresso de uma mo.
CXXXIV
Figura 30. Fragmentos de exemplares de louas europias encontradas nas reas da
capela e casa grande do Engenho Murutucu: (a) faianas em policromia; e (b)
faianas finas, incluindo-se os padres shell-edge, impressos, mocha,
anelares, etc.
CXXXV
Figura 31. Conjunto de material arqueolgico encontrado na rea da casa grande do
Engenho Murutucu, compreendendo: (a) garrafas de bebidas; (b) fragmento de
gaita, pedra de pederneira e moedas dos sculos XVIII e XIX; e (c) balana,
ferramentas, escpulas, cravos, dobradias, trincos, etc.
CXXXVI
Figura 32. Mapa de localizao geogrfica do stio do Engenho Mocajuba, no furo Arauaia,
municpio de Barcarena, nas proximidades de Belm.
Figura 33. Reproduo da estampa da Obra Viagem Filosfica de Alexandre Rodrigues
Ferreira, que mostra a perspectiva frontal do Engenho Mocajuba, que conforme
a legenda, encontrava-se no rio Araguaya, perto da cidade do Par.
CXXXVII
Figura 34. Cpia fotogrfica de iconografia pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional, no
Rio de Janeiro, intitulada Planta do engenho dgua de fazer assucar do Cap.m
Joo Manoel Roiz, situado no rio Araguaya, perto da Cid.e do Par, que
demonstra a distribuio espacial no Engenho Mocajuba.
CXXXVIII
Figura 35. Planta da Calha do Engenho Mocajuba, bastante semelhante ao desenho
representado na iconografia mencionada acima.
CXXXIX
Figura 36. Plano geral do stio do Engenho Mocajuba, em que observa-se o curso dgua
que passava na calha ( esquerda) e a localizao das unidades de escavao
executadas.
CXL
Figura 37. Elementos da cultura material recolhidos na rea do Engenho Mocajuba. Notar a
presena de fragmento de vasilha cermica pintada, caracterstica da cultura
indgena.
CXLI
Figura 38. Ma pa de localizao geogrfica do Engenho Jaguarari, no rio Moju.
Figura 39. Iconografia com planta e fachada do Engenho do Jaguarari, datada de 1784, que
consta na Obra Viagem Filosfica de Alexandre Rodrigues Ferreira, com Perfil
das Casas do Engenho de Acar do Capito A. Henriques.
CXLII
Figura 40. Detalhe do Interior de uma calha situada nas imediaes do Engenho Jaguarari,
que segundo informao oral local, foi construda no incio do sculo XX, para
movimentar uma serraria e gerar eletricidade para uma comunidade que l
existia.
Figura 41. Vista da fachada da calha do Engenho Jaguarari inteiramente soterrada. Trata-se
da mesma obra identificada na iconografia referida acima.
CXLIII
Figura 42. Aspectos arquitetnicos da igreja em runas localizada no Engenho Jaguarari,
cuja descrio detalhada foi encontrada em um documento manuscrito, datado
de 1761.
CXLIV
Figura 43. Plano geral da rea da capela do Jaguarari, com indicao de um cemitrio
contguo, e das alteraes do entorno, a partir da construo da rodovia Ala
Viria.
Figura 44. Unidade de escavao executada no interior da nave da capela, onde se
observa o revestimento do piso em tijoleira, perturbado por evidncias de caibros
provenientes do arruinamento da cobertura do prdio.
CXLV
Figura 45. Planta geral da rea pesquisada, com a localizao das sondagens, bem como
das evidncias de piso encontradas na rea interna da capela e na lateral oeste,
que so correspondentes aos aposentos das residncias anexas.
CXLVI
Figura 46. Amostragem da variabilidade de cultura material encontrada nas escavaes
realizadas na rea da capela do Engenho Jaguarari: (a) cermicas e machado
ltico polido, relativos cultura nativa; (b) conjunto de louas europias, como
faianas e faianas finas; (c) garrafas de vidro, para vinhos e cervejas; e (d)
medalha religiosa.
CXLVII
Figura 47. Mapa de localizao geogrfica do Engenho Uriboca, na periferia de Belm,
municpio de Marituba.
Figura 48. Imagem da estrutura da barragem do engenho Uriboca construda em alvenaria
de pedra lapidada, em processo de arruinamento, agravado com a construo
da rodovia Ala Viria.
CXLVIII
Figura 49. Panorama do interior da calha do Engenho Uriboca, notando-se ao fundo o 1o.
trecho da galeria em abbada de tijoleira, e na lateral esquerda, a reentrncia
semicircular, semelhante calha do Murutucu.
Figura 50. Detalhe do forno do Engenho Uriboca, construdo em alvenaria mista (pedra e
tijolo macio), em forma quadrangular, com dimenses de aproximadamente 5m
x 5m, e 2,5m de dimetro na rea circular central.
CXLIX
Figura 51. Grfico demonstrativo do perfil do solo, ao longo da linha 100W, submetido
prospeco geofsica, no caso com o aparelho de radar (GPR). Foram
identificadas anomalias nos trechos 120-130 e 140-145.
Figura 52. Planta geral do Engenho Uriboca com a localizao das unidades de escavao
executadas no stio e das evidncias de pisos e estruturas de alicerces.
CL
Figura 53. Vista da rea escavada junto ao ponto 120/100, cujas anomalias detectadas pelo
aparelho de radar corresponderam a ocorrncia de piso assentado com lajotas
cermicas em padres variados.
Figura 54. Exemplares da cultura material encontrada em escavaes no Engenho Uriboca:
(a) cachimbo, panela, tigelinha usada para coletar ltex de seringueira e bordas
de vasilhas decoradas, vinculadas cermica indgena ou cabocla; (b) garrafa
de gua de genebra e tinteiro, em grs; (c) botes usados o vesturio; e (d)
pedra de pederneira.
CLI
Figura 55. Conjunto de material arqueolgico do Engenho Uriboca, incluindo-se (a) faianas
decoradas; (b) faianas finas decoradas segundo os padres shell-edge,
carimbado, impresso e pintado mo floral; e (c) garrafas de vidro relacionadas
a bebidas como vinho, guas gasosas, e gua de genebra.
CLII
Captulo 03
Caracterizao do Engenho: Modelo de Agroindstria
Canavieira Local
CLIII
Organizao Espacial
O exame das evidncias documentais e arqueolgicas permitiu
concluir que, na organizao espacial das instalaes pelo interior dos stios
dos engenhos locais adotou-se uma concepo arquitetnica caracterizada
como um partido aberto, ou seja, os ambientes da residncia dos proprietrios,
do alojamento dos escravos, da fbrica e das oficinas, olarias, etc., que
representavam construes separadas. bem verdade, que neste tipo de
arranjo, que foi muito comum durante o sculo XVIII, na Bahia, privilegiou-se a
localizao das casas grandes nas pores mais elevadas do terreno, como
um reflexo de uma provvel intencionalidade no apenas de controle, mas
tambm de demonstrao de poder (AZEVEDO, 1990, p. 106).
Ao que parece, este foi o caso verificado nos Engenhos Murutucu,
Mocajuba e Uriboca, uma vez que no Jaguarari, no foi possvel detectar a
situao da morada principal, na fonte iconogrfica analisada. Por outro lado,
deve-se levar em considerao que, em respeito s condies ecolgicas
locais, apenas as fbricas poderiam estar assentadas nas partes mais baixas,
devido necessidade de obteno da fora motriz, portanto, o mais prximo
possvel das margens dos rios.
No Engenho Murutucu notou-se que, assim como a rea da
manufatura, a casa grande tambm se encontra margem do igarap, porm a
uma distncia de cerca de 20 metros da fbrica, e em cota marcadamente
mais alta. Ainda neste stio destaca-se a localizao da capela, contgua
casa grande, tendo sua porta posicionada de frente para uma ampla rea
aberta, como se fosse um largo.
A ilustrao da planta do stio Mocajuba demonstra uma relativa
CLIV
independncia entre os espaos da fbrica e o conjunto das habitaes e
armazns, ao qual se interliga apenas por uma passarela coberta. Por sinal,
em relao casa de residncia assinalada, esta representa a casa grande,
cujo acesso pra o rancho dos pretos era feito atravs da varanda dos
armazns. O mesmo pode ser visto na configurao do engenho Jaguarari,
que em sua planta observa-se o estabelecimento do prdio da fbrica, em
posio topogrfica inferior das habitaes. Referente disposio destas
construes assim observaram SPIX & MARTIUS, em 1819:
A morada do administrador contgua ao galpo, e liga-se com a casa
do proprietrio, de extremo bom gosto, que de sua ensombrada varanda, goza de
alegre vista do rio tranqilo e das margens cultivadas (SPIX & MARTIUS, 1981,
vol.3, p. 70).
Para melhor compreender-se as atividades e instalaes intrnsecas
ao funcionamento de um engenho dentro do contexto regional local, durante o
perodo colonial, necessrio recorrer documentao histrica. Neste
aspecto, remete-se, portanto, ao tratamento de fontes contemporneas aos
sculos XVIII e XIX, como relatos do jesuta Joo Daniel e s ilustraes de
engenhos presentes no material da Viagem Filosfica. Igualmente relevante,
dentro de uma abordagem etnoarqueolgica, por exemplo, considera-se
pertinente uma anlise das informaes oriundas da histria recente, como o
testemunho da operao de um engenho amaznico, h trinta anos
(AMANAJS, 1972, p. 41).
CLV
Canaviais Ribeirinhos
As plantaes de cana compreendiam vastas extenses de terras
dominando a paisagem nas margens das bacias de rios como o Acar, Moju,
Guam e Capim. Conforme foi visto anteriormente, as dimenses atingiam at
lguas de comprimento, como foi o caso da rea do Engenho Pernambuco,
doado aos Carmelitas, cujas terras, em torno do igarap Jandia, chegavam a
ter seis lguas. (PRATT, 1941, pp. 143-160) No caso do Murutucu, por
exemplo, conforme escritura de sua venda mesmo j em fins do sculo XIX, os
limites da propriedade abrangiam at prximo do engenho Uriboca, ou seja,
quase 10km.
A lavoura aucareira, durante o sculo XVIII, foi objeto de anlise
jesuta Joo Daniel que chamou ateno para o fato dos mtodos agrcolas
usados no rio Amazonas serem bem distintos dos que eram empregados nos
engenhos das outras regies do Brasil. Quanto programao das atividades,
eram organizadas duas plantaes, em pocas diferentes, a fim de possibilitar
uma espcie de rodzio, em dois perodos de colheitas para a moagem.
Segundo o missionrio, as canas eram slidas e o seu modo de plantar era
similar ao da mandioca:
... tambm se fazem por plantamento metendo na terra as pontas das
canas, onde logo pegam, e crescem, e duram estes canaviais sempre os mesmos
cinco at seis ou sete anos, arrebentando tantas vezes as razes quando todos os
anos a vo cortando. (DANIEL, 2004, vol. 2, p. 22)
Na pesquisa histrica acerca do modo de plantio, no se encontrou
informao detalhada, entretanto, com base em depoimento de um proprietrio
de engenho em Abaetetuba, acredita-se que esta uma prtica tradicional que
parece no ter sofrido muitas transformaes em relao ao que se praticava
CLVI
at algum tempo atrs na regio, pelo menos h cerca de 60 anos
(ANDERSON, 1993, p. 42). Uma vez selecionada a rea para o canavial,
sempre em terrenos beira do rio, executava-se a derrubada das rvores l
existentes, a maioria de palmeiras, como aaizeiros e buritizeiros, e em
seguida, cerca de trs semanas depois, procedia-se com a queimada. Aps a
limpeza do terreno, plantava-se o olho da cana (parte mais consistente do
colmo), em espaamento aproximado de um metro.
O controle da plantao para fazer frente a prejuzos possveis era
feito atravs da capina, que regularmente ocorria, de dois em dois meses.
Segundo DANIEL (2004, vol. 2, p. 38), as canas chegavam a amadurecer em
pouco mais de um ano e assim j podiam ser cortadas. Depois da limpeza do
canavial eram ento realizadas as queimadas, e a partir de ento as razes
comeavam a brotar novamente, iniciando um novo ciclo.
Em termos de rendimento, a combinao entre as tcnicas utilizadas
e os tipos de solos permitia nestas plantaes amaznicas uma durao em
mdia entre 5 e 7 anos, enquanto as do Nordeste, por exemplo, chegavam a
alcanar at 40 anos. Do mesmo modo, um outro fator preocupante era
qualidade da cana. Os solos de vrzea, apesar da fertilidade, no eram
propcios obteno de acares, pois as canas, apesar de bastante
suculentas, apresentavam teor muito baixo de sacarose, o que veio a
favorecer assim, a fabricao de aguardente. Com a cana j madura, iniciava-
se o corte para em seguida, transport-la at o engenho.
Este carregamento era feito em barcos, denominados regionalmente
de bateles, que dependendo do tamanho, poderiam comportar at cem feixes
de cana. Conforme AMANAJS (1972, p. 42), cada feixe correspondia a
CLVII
sessenta pedaos de cana, de quase um metro de comprimento, o que
perfazia um total de uns cinqenta quilos, aproximadamente.
Neste aspecto, vale apenas lembrar que Joo Daniel destacou que,
se por um lado as reas alagadias apresentavam baixos rendimentos, a
escolha das reas marginais para plantio respondia a um quesito fundamental,
que era o transporte. A infinidade de pequenos rios, ou igaraps, na rea
estuarina, era perfeitamente vantajosa para a conduo da cana desde o
canavial at o engenho. (DANIEL, 2004, vol. 2, p. 505). Segundo ANDERSON
(1993, p. 58), trata-se de um meio de transporte barato e rpido, que
independe de combustvel, ou de abertura e manuteno de estradas, pois o
simples movimento das mars permite o deslocamento destes barcos pelo
grande nmero de igaraps do esturio ,por distncias que achegam at
quinze quilmetros.
Casa da Fora: o Engenho
Ao chegar ao engenho, os feixes eram depositados em uma rea
cercada, localizada na parte da frente do stio, chamada de picadeiro. Deste
local, a cana era conduzida at a moenda, cujo processo pode ser mais bem
compreendido, segundo descrio do jesuta Daniel:
Est a cana em rumas nos cantos da grande sala, e de l a vo
chegando os serventes em braadas para o p das moendas, onde a vo
ministrando com diligncia dois ou trs serventes; um ou dois de uma banda, e
outro da outra banda: Um vai metendo a cana na moenda, e a enche de alto a
baixo; o da outra banda vai pegando nesta cana, que sai moda, e a vai dando a
o
comer outra moenda, onde acaba de a espremer; e o 3 , ou o mesmo primeiro se
so s dois os serventes, vai tirando o bagao, que sai da moenda; e se as
moendas moem com ligeireza, necessria uma grande agilidade nos serventes, e
muito mais se so s dois. (DANIEL, 2004, vol. 2, p. 39)
A propsito da etapa de moagem, o tipo de moenda utilizada
CLVIII
compreendia uma estrutura composta de trs tambores de madeira, dispostos
enfileirados e em posio vertical, com cerca de 0,70m de dimetro e 1,00m
de altura. Durante o processo de espremer a cana, os trs rolos giravam em
conjunto, interligados por um mecanismo de dentes de engrenagens
encravados ao redor de cada um, em sua parte superior. Estes rolos eram
apoiados, por baixo, em uma prancha horizontal perfurada, que servia para
recolher e escoar o sumo da cana, e no alto por uma estrutura de vigas de
madeira, que eram engastadas nas paredes laterais do engenho. O rolo
central, chamado moenda mestra, era o que recebia a fora motriz e transmitia
aos outros dois.
Se o engenho era movido por animais, o eixo vertical do tambor
central da moenda era fixado na extremidade de uma viga de madeira, que em
posio inclinada, descia at o ponto em que se atavam os animais. (figura 56)
Segundo testemunhado por Joo Daniel, os engenhos no rio Amazonas
usavam apenas este tipo de fora motriz, e na maioria das vezes, utilizavam
bois em vez de cavalos. Os animais em nmero de quatro, eram
individualmente atrelados s travessas que desciam do espigo, no eixo do
tambor central da moenda, movimentando-a do seguinte modo:
...andando em crculo, fazem a andar a roda a moenda mestra, e esta
por meio dos dentes, as moendas dos lados, e conforme a maior ou menor
ligeireza dos animais, assim as moendas andam menos ou mais depressa.
(DANIEL, 2004, vol. 2, p. 40)
Nas moendas movidas por fora da gua, como se constata na
representao iconogrfica de engenhos locais, a moenda mestra era ligada
atravs de seu eixo ao centro de uma grande roda de madeira, de uns 4,5m de
dimetro, instalada no alto da estrutura, em posio horizontal, que era
CLIX
denominada volandeira. A borda desta pea era toda denticulada, que
permitia receber o movimento giratrio que lhe era transmitido, como uma
espcie de engrenagem, por uma outra roda, disposta na vertical. (figura 57)
Este rodete, como era referido, tinha dimetro menor, de cerca de 1,70m, e
acoplava-se diretamente, com seu centro no eixo da roda dgua. Do ponto de
vista tcnico, esta roda caracterizava-se como uma gigantesca turbina, pois
chegava medir uns 10m de dimetro e apresentava em sua borda, at 64 ps,
cujo impacto direto da gua, no fundo da calha, promovia o movimento de
rotao.
De fato, na investigao arqueolgica, principalmente dos engenhos
Murutucu e Mocajuba, foi possvel avaliar as dimenses das calhas que tinham
profundidade de quase quatro metros, e que no Uriboca foi de cerca de trs
metros. No engenho Jaguarari, como mencionado anteriormente, a calha
encontrava-se inteiramente desfigurada por camadas de entulho em seu
interior, o que impossibilitou a medio. De acordo com estudos realizados,
estes parmetros, entre 3 e 4m de profundidade tm sido praticamente os
mesmos verificados em outros stios de engenhos visitados no esturio. (figura
58)
No caso especfico destes engenhos, vale a pena enfatizar que a
sujeio das obras hidrulicas s inundaes das enchentes e vazantes
dirias, oportunizou considerar tambm como fora motriz, a energia das
mars. Estudos anteriores na rea tm demonstrado a realidade deste tipo de
fonte energtica. Durante a preamar, quando o nvel da mar sobe, a gua
penetra para encher um igarap e um canal que deriva deste at a "Calha",
localizada no engenho. A partir do incio da vazante, com o refluxo, comportas
CLX
no igarap e na calha passam a represar este volume dgua. Quando o nvel
da gua desafoga as ps da roda instalada na calha, eleva-se sua comporta
para liberar o fluxo e assim girar os rolos de uma moenda acoplada roda.
(ANDERSON, NOGUEIRA & MARQUES, 1993, p. 273)
Entretanto, com base na localizao da calha do engenho Mocajuba,
alm do funcionamento descrito acima como movido mar, possivelmente
uma outra caracterizao pode ser apontada. Neste engenho, foi constatado
que no fundo da calha ocorria um contnuo fluxo de gua no sentido do canal
para o rio Mocajuba. primeira vista, este dado poderia sugerir que o engenho
tenha sido movido pela gua corrente que desce de um lago reportado por
moradores, e no pela gua represada da mar. Por outro lado, foi observado
tambm que o nvel da preamar no local mais alto que o fundo da calha,
condio mnima para sua utilizao como motriz. Nestes termos, estes dados
poderiam sustentar a hiptese de que este caso tenha sido um exemplo de uso
de energia mista: gua corrente (na poca das cheias) e mar (nas estiagens).
Embora ainda faltem dados para precisar a poca do incio de uso
de mar na regio, presumvel que o uso desta fora motriz em engenhos de
cana-de-acar no esturio amaznico, tenha se iniciado na virada do sculo
XVIII para o sculo XIX. Esta suposio se sustenta no relato do oficial
Francisco Barata, que reportou como novidade o uso de mar constatado em
engenhos de cana-de-acar do Suriname, quando l esteve em 1789.
(BARATA, 1846, p. 187)
Com base nas referncias histricas, o emprego da energia das
mars em engenhos da Amaznia somente viria a ocorrer quase duzentos
anos depois do incio de sua colonizao, representando assim, um processo
CLXI
tecnolgico extremamente lento e tardio. Nestes termos, interessante refletir
sobre os seguintes aspectos: 1) a despeito de uma extensa rede hidrogrfica
disponvel e o potencial fenmeno das mars, os engenhos locais teriam sido
apenas movidos a animais, embora houvesse engenhos d'
gua no resto do
Brasil j durante o sculo XVII; e 2) dezenas de moinhos de mar existiam em
Portugal desde o sculo XIII, e justamente nas imediaes do porto de Lisboa
de onde procederam oficiais e ordens religiosas que estiveram em nossa
regio.
A estes fatores deve-se considerar ainda que, ao fim do sculo
XVIII, na poca da implantao da tecnologia de maremotriz no esturio,
experimentava-se nas Antilhas, uma fonte de energia de rendimento superior:
a mquina a vapor.
Em 1767, a modernidade se anunciava para os velhos engenhos
coloniais, com uma tentativa feita por John Stewart, que preconizava o
sucesso. Conforme um panfleto promocional de lanamento da inveno, o
rendimento da mquina a vapor nos engenhos seria muito superior queles de
energia elica ou de trao animal, no havendo, no entanto, comparaes
com a fora hidrulica. De fato, o vapor proporcionou verdadeira revoluo,
pois passou a ter vrias aplicaes, como fora para o movimento das
moendas, como fonte de calor para o cozimento, e de potncia para as
turbinas de centrifugao (GAMA, 1983, p. 195).
Efetivamente, o vapor como fora motriz veio a se consolidar no
incio do sculo XIX, na agroindstria cubana, e no Brasil, a introduo desta
novidade s aconteceu em 1815, em um engenho situado na ilha de Itaparica,
na Bahia (GAMA, 1983, p. 193). Nos engenhos do esturio amaznico, ao
CLXII
contrrio do que se poderia supor, a mquina a vapor no suplantou a moenda
de bois, ou a roda dgua, completamente, at co-existiram. Pelo menos foi o
que se notou em inventrios sobre as indstrias locais, de fins do sculo XIX,
onde so enumerados em funcionamento, engenhos movidos a gua, a
animais, e a vapor. Inclusive, em uma escritura de venda do Engenho
Murutucu, no ano de 1841, constatou-se entre os bens relacionados um
vapor, com moendas de ferro e desconcertado e uma serraria movida a gua,
o que denota utilizao de um sistema misto. Ressalta-se neste aspecto, os
achados arqueolgicos de engenhos movidos a mar em Igarap-Miri, que
funcionaram at a dcada de 1920. Por outro lado, um exemplo concreto que
ilustra bem o caso de substituio de tecnologia pode ser visto na calha do
engenho Murutucu: a abbada da galeria foi ampliada, eliminando o espao
necessrio para o funcionamento da roda dgua, para poder suportar uma
chamin de uns 10m de altura. (figura 59)
Da Cana ao acar, mel ou aguardente
Aps a extrao do sumo da cana-de-acar pela fora das
moendas, o caldo era encaminhado atravs de um canal at s caldeiras, para
a preparao de acar, ou aos alambiques, para a destilao de aguardente.
A feitura do acar iniciava-se na casa das caldeiras onde o lquido
era submetido alta temperatura dentro de tachos, ou paris, de vrios
tamanhos, em fornos de alvenaria de pedra. Durante a etapa de cozimento, o
caldo era transferido de um tacho para outro, removendo-se a escuma, que
servia para fazer o melao, ou ento era aproveitada para as aguardentes. A
casa das caldeiras compunha-se de fornos, construdos em alvenaria de
pedra, que podiam ser de forma quadrangular, com os tachos aglomerados
CLXIII
sobre uma s boca circular, ou ento retangulares, onde os tachos ficavam
enfileirados, sobre bocas circulares de variadas dimenses. 42 Indcios destes
tipos de forno tm sido realmente observados em stios de engenhos locais.
Com base na iconografia mencionada anteriormente foi possvel conferir que
os ambientes eram amplos, com 7,5m x 10m no Jaguarari e 6m x 15m, no
Mocajuba, e comportavam conjuntos de 3 e 2 fornos, respectivamente. Quando
se atingia o ponto de fervura desejado, o caldo j podia ser retirado e passar
para a etapa seguinte: a purga.
O processo de purga consistia na cristalizao e aclaramento do
acar, atravs da decantao, que se estendia por perodos de at trinta dias.
O caldo era depositado em frmas de barro, de forma cnica, com uns 40 a
50cm de dimetro na boca, por uns 60 ou 70cm de altura. Sobre este assunto,
Joo Daniel referiu que:
As formas, em que ultimamente deitam esta calda, quando j na sua
ltima perfeio, so de barro furadas em baixo, e tapadas com rolha;... cheias,
pois as formas, as acomodam em lgeas frescas, onde se vo convertendo em
acar, no que gastam alguns dias (Daniel, 2004, vol. 2, p. 39)
As lgeas, no caso, correspondem casa de purgar, que de
acordo com as ilustraes dos desenhos locais observados, constituam-se
nos maiores espaos dentro do conjunto do engenho, posto que no Engenho
Jaguarari, este ambiente mediu 25m x 10m, enquanto que no Mocajuba, foi de
30m x 12m. Convm lembrar ainda, que no Engenho Murutucu, igualmente,
encontrou-se vestgios de paredes que definiam um ambiente localizado no
espao fabril, com dimenses bastante aproximadas, cerca de 12m x 25m.
A fabricao da aguardente, nos grandes engenhos se dava na casa
42
Esta estrutura conhecida como forno ingls e foi largamente utilizada na Jamaica, durante o
CLXIV
dos alambiques. Como explica DANIEL (2004, vol. 2, p. 42), o caldo da cana
era vertido da moenda, atravs de um canal, at chegar neste local, onde era
depositado em uns cochos de madeira, ou tanques, para fins de fermentao.
Em seguida, a garapa azeda ia para a fervura no alambique, onde o vapor
aps o esfriamento, transformava-se em aguardente. Como descrito por
AMANAJS (1972, p. 42) este ainda era o mesmo procedimento praticado em
engenhos de tempos recentes, no municpio de Abaetetuba. De acordo com
sua descrio, a garapa era transferida por meio de tubulaes para uns
tanques de uns 10.000 litros, onde fermentava por trs dias at ser processada
nos alambiques.
Aps a fabricao do acar e da aguardente, assim como tambm o
mel, os produtos eram respectivamente embalados em caixas de madeira,
garrafes de vidro e potes de barro, para serem comercializados no mercado,
na cidade, ou ento eram acondicionados em armazns, por vezes situados
no prprio engenho. Na observao do desenho em perspectiva dos stios, o
engenho Mocajuba, percebe-se sua indicao assinalada referida a uma
construo localizada exatamente entre a casa de morada e as senzalas
(rancho dos pretos). Na planta baixa do stio, concluiu-se que os armazns
compreendiam um conjunto avarandado, com quatro cmodos conjugados,
sendo dois ambientes de 3m x 4m, um de 13m x 4m e outro de 8m x 4m.
Mo-de-Obra Escrava
Embora j no sculo XVII tenham ocorrido tentativas de introduo
de escravos africanos nas lavouras da capitania do Gro-Par, at por volta de
1750, a mo-de-obra empregada nas manufaturas aucareiras locais era
sculo XVIII.
CLXV
essencialmente indgena. Pelo menos, o que se conclui a partir do exame de
farta documentao da poca, sobre o assunto. Relativo ao perodo de fins do
sculo XVII metade do sculo XVIII, h registros de inmeros ofcios
endereados pelos donos de engenhos ao Reino, com pedidos de autorizao
para a descida de ndios necessrios aos servios das lavouras particulares.
De modo geral, foram identificadas mais de vinte peties em que as
quantidades variavam de cinqenta at para mais de duzentos ndios para
servirem como escravos em plantaes.
Estas formas de resgate incidiam principalmente sobre os ndios da
nao Tapuia, que eram aqueles que se encontravam nas aldeias de
missionrios, j inteiramente desprovidos de sua origem cultural. 43 Em relao
aos engenhos estudados, sabe-se que Jaguarari, conforme j explicado
anteriormente, tratava-se de uma fazenda dos jesutas, constituindo-se,
portanto, em sua essncia, como uma aldeia indgena. O outro stio
referenciado foi o Murutucu, onde seu proprietrio Antonio Landi, em 1767
havia utilizado nas lavouras a mo-de-obra ndia, que chegava a totalizar
setenta pessoas. (PAPAVERO et al, 2002, p. 55)
Esta documentao vem atestar a falta ou dificuldade de encontrar
mo-de-obra para os engenhos, at meados do sculo XVIII. Em funo da
indisponibilidade de contingentes de escravos vindos da frica, cujo valor
monetrio das peas tambm representava um entrave, a maior parte dos
trabalhadores era assim constituda por indgenas.
De acordo com SALLES (1988, p. 37) esta substituio de mo-de-
43
Para MOREIRA NETO (1988: 23) a misso o centro de destribalizao e de homogeneizao
deculturativa daqueles restos de naes menos bravias originando a formao do ndio
aculturado, o Tapuio.
CLXVI
obra s veio a acontecer, de fato, a partir do funcionamento da Companhia
Geral de Comrcio do Gro-Par e Maranho, de 1756 a 1778. Em ateno
aos clculos apresentados por BEZERRA NETO (2001, p. 111), no perodo de
1755 at 1820, 53.072 escravos africanos foram introduzidos na Capitania,
sendo que deste total, cerca de 10% haviam sido, durante os tempos da
Companhia, reexportados para Mato Grosso.
A respeito das etnias presentes nas importaes, BEZERRA NETO
(2001, p. 43) registra que os contingentes de negros procediam de vrias
praas da frica, que hoje correspondem s regies de Guin-Bissau, Cabo
Verde, Angola e Moambique. O expressivo volume de escravos trazidos para
a Amaznia refletiu-se em nmeros marcantes nas estatsticas populacionais
da poca. Por exemplo, no sculo XVIII, segundo uma projeo de BEZERRA
NETO (2001, p. 44) muito provavelmente a populao escrava negra da
Amaznia era composta por uma maioria de africanos. Realmente, em um
Mapa Populacional datado de 1785 referente Freguesia da S, em Belm,
constam indicaes de famlias que possuam mais de 130 empregados sob
regime de escravido, como a dona de engenho, Juliana Maria de Franca, que
tinha 134, e tambm do senhor Joo Manuel Rodrigues, proprietrio do
engenho Mocajuba, com 135 escravos.(LIMA, 2000)
A presena de escravos negros foi atestada nos stios Mocajuba,
Jaguarari e Murutucu, segundo iconografias do sculo XVIII e documentos
pesquisados em cartrio, datados do sculo XIX. Precisamente, nos desenhos
do Mocajuba e do Jaguarari encontram-se assinalados locais com os termos
ranchos dos pretos. A respeito do Jaguarari, em 1819, Spix & Martius (1981,
p. 71) ressaltaram que seu proprietrio, Ambrsio Henriques orgulhava-se de
CLXVII
empregar na lavoura os inmeros escravos pretos da fazenda. Alis, como
tratado anteriormente, foi pesquisada uma escritura de hipoteca do Jaguarari,
de 1875, em que se menciona nos bens indicados, 47 escravos, inclusive com
o registro dos nomes e idades. No caso do Murutucu, em uma escritura de
declarao entre partes de Leonardo Augusto de Faria Vivas e o Banco Mau
& Cia, redigida no ano de 1872, foram arrolados os seguintes bens, casas de
vivenda, engenho movido a vapor para o fabrico de acar e aguardente,
serraria movida a gua, ranchos, instrumentos de lavoura, alambique, canos,
utenslios diversos, dez cabeas de gado vaccum e cinqenta e dois escravos.
Ainda segundo a iconografia, os espaos destinados s moradias
dos escravos eram localizados dentro do stio, sem um padro caracterstico.
No desenho do stio Jaguarari so referenciados rancho velho dos escravos
e rancho novo, em meio a um grande nmero de construes que encontram-
se atrs do prdio do Engenho. Curiosamente, alm da fbrica, estes so os
nicos termos referidos, no havendo indicao, por exemplo, dos locais da
casa grande, olaria, e outras oficinas, embora se constate a localizao de
uma grande cozinha, com fornos em srie. O rancho velho apontado em um
conjunto de compartimentos, de dimenses variadas, sem especificao exata
dos limites da senzala, o que sugere talvez uma adaptao desta funo em
uma construo j existente. Isto se justifica, pois percebe-se que o rancho
novo encontra-se em local mais afastado, mas de espao bem mais definido.
Por sua vez, no stio Mocajuba, o conjunto de ambientes assinalado
como rancho dos pretos apresenta um padro mais comum, em forma linear,
com sua compartimentao em pequenos cubculos, de dimenses similares.
Este tipo de soluo o mesmo adotado em outros engenhos e fazendas no
CLXVIII
Brasil, conhecido como senzala-pavilho, conforme a seguinte descrio
fornecida por um viajante, no Rio de Janeiro, em 1851:
Em cada fazenda encontramos pavilhes compridos, com andar trreo
apenas, separados em cubculos de apenas 8 a 10 ps de largura, tendo cada um
sua sada para o ptio. (SLENES, 1999, p. 150)
As escavaes arqueolgicas realizadas no exato local da senzala
do Mocajuba, indicado pela iconografia, revelaram que o pavilho foi
construdo em alicerces de tcnica mista, com utilizao de alvenaria de pedra
e pau a pique, o que caracterstico de obras de taipa de pilo, ou argila
socada. Importante referir tambm que neste setor foi encontrada grande
quantidade de cultura material, especialmente cermicas, louas e vidros.
(figura 60)
Senhores de Engenhos
Os proprietrios dos engenhos, via de regra, eram colonos de
posio destacada na sociedade local, principalmente ligadas ao poder
administrativo da capitania. bem verdade tambm que, durante a primeira
metade do sculo XVIII, sobressaam as propriedades relacionadas s
instituies religiosas, como os jesutas e carmelitas. Estes foram os casos
observados em relao aos quatro stios pesquisados.
Na poca da construo da capela, em 1711, as terras do Murutucu
teriam pertencido ordem dos carmelitas. (TOCANTINS, 1982) No se sabe,
porm, se o engenho j existia na ocasio. A partir da segunda metade do
sculo XVIII, foram proprietrios: o Dr. Jos Borges Valrio (ouvidor-mor da
capitania), Domingos da Costa Bacelar, Antonio Jos Landi (arquiteto, mas
tambm, capito de infantaria de ordenana), Joo Antonio Rodrigues Martins
CLXIX
(capito), e Francisco Marques dElvas Portugal (tenente-coronel). Acerca do
Mocajuba, ainda que as informaes encontradas limitem-se apenas ao fim do
sculo XVIII, soube-se que foi propriedade de Joo Manuel Rodrigues, que era
capito auxiliar. Da mesma forma, o engenho Jaguarari, com a expulso dos
jesutas, no final da dcada de 1750, passou a ser administrado pela Fazenda
Real, sob os cuidados do prprio Governador Joo Pereira Caldas. Pouco
tempo depois, esta fazenda foi vendida ao coronel de milcias Hilrio Morais
Bittencourt, que imediatamente vendeu-a ao capito Ambrsio Henriques. Em
relao ao engenho Uriboca, as nicas referncias encontradas indicam como
tendo sido posse do escrivo da Ouvidoria, Auditoria e Intendncia Geral de
Belm, Manuel Jos Alves Bandeira, em 1780, e depois, pertencente ao
alferes Antonio de Souza Azevedo, em 1799.
A constituio e disposio das residncias dos proprietrios dentro
do contexto do stio representavam uma exata dimenso da realidade social
predominante no universo dos engenhos, localizando-se parte dos espaos
destinados s moradias dos escravos. Em relao s pesquisas arqueolgicas,
dos stios abordados no presente estudo, apenas o Engenho Murutucu
ofereceu suporte para uma compreenso das caractersticas da casa grande e
sua representao na espacialidade.
Neste stio, as escavaes possibilitaram a descoberta dos alicerces
das paredes externas e divisrias dos ambientes internos da casa de morada,
ou casa grande. Tambm foi possvel verificar at a presena de elementos
decorativos, como molduras de vos de portas, que se encontravam
encobertos por entulhos, bem como variaes aplicadas no assentamento de
ladrilhos em cores e desenhos diferenciados. O conjunto de casa grande e
CLXX
capela encontra-se assentado na poro mais elevada do terreno, denotando
uma tendncia bastante comum no engenhos coloniais brasileiros, que remete
questo do controle visual de todo o stio. Por outro lado, um aspecto a
considerar tambm a prpria monumentalidade no porte destas duas
construes, com suas paredes de at 1m de espessura, que aparentemente
sugerem uma condio hierrquica superior, em relao s outras construes
mais modestas das senzalas. (figura 61)
Cultura Material Arqueolgica
A quantidade de materiais coletados, identificados e classificados
nos stios totalizou 22.656, entre fragmentos e objetos inteiros, referentes a
4.322 no Murutucu, 3.214 no Mocajuba, 3.282 no Jaguarari e 11.838 no
Uriboca. Estes vestgios foram analisados levando-se em considerao a
constituio da matria prima, a sua forma ou funo, as tcnicas de
decorao empregadas, e outros atributos como dimenses, indicao de
inscries, etc. Para fins de interpretao, apresenta-se a seguir um resumo
das vrias categorias de anlise da cultura material, com suas respectivas
freqncias verificadas nos quatro stios estudados:
Cermica indgena e/ou cabocla. Classificada como material de
argila queimada, este tipo de cermica teve como atributo definidor de sua
categoria a tcnica de confeco em acordelamento. Na mistura da pasta
detectou-se ocorrncia de cariap, conchas, carvo e caco modo, que so
caractersticas marcantes em vasilhas pertencentes cultura nativa, de origem
indgena ou cabocla. Foram identificados fornilhos de cachimbo e fragmentos
que incluram bordas, paredes, bases, apndices, e alas, de vasilhas como
tigelas e panelas. Quanto decorao, predominaram os fragmentos no
CLXXI
decorados, mas foram registrados tambm pintados, em vermelho, branco e
preto, alm de carenados, entalhados, digitados, ungulados, modelados,
incisos, ponteados, vidrados, apliques.
No Murutucu, grande parte deste tipo de material foi encontrada na
rea central do stio, entre a casa grande e a fbrica. No stio Mocajuba, o
nmero de fragmentos destas cermicas foi menor na rea da senzala do que
na cozinha. A grande representatividade observada no stio Jaguarari deve-se
ao fato de l ter sido durante muitos anos uma aldeia jesutica. E no Uriboca, a
quantidade tambm expressiva, quando se considera que o total de todo o
material coletado no stio foi superior a 11.000 fragmentos. O grfico a seguir
mostra a densidade deste material em cada stio, individualmente:
freqncia de cermica indgena ou cabocla por stio
31,38%
14,14%
9,15% 7,84%
Murutucu Mocajuba Jaguarari Uriboca
Cermicas de construo. Neste grupo analisaram-se fragmentos,
que materiais de construtivos, como telhas, tijolos, lajotas e manilhas, de
cermica, perfeitamente compatveis com dados sobre existncia de olarias. A
ocorrncia deste material por stio pode ser observada a seguir:
freqncia de cermica de construo por stio
11,57%
9,53% 5,33%
0,51%
Murutucu Mocajuba Jaguarari Uriboca
CLXXII
Cermica de torno. Esta categoria abrange o tipo de cermica
elaborado em torno, tpico de olarias, com caracterstica presena de xido de
ferro, na queima. Foram identificados fragmentos de formas como alguidares,
vasos para plantas, potes, panelas, etc., no decorados, ou com, incises,
modelados, vidrados, etc. Foram encontrados fragmentos relativos a frmas de
po-de-acar. No grfico seguinte, observa-se a densidade deste tipo de
material ocorrida em cada stio estudado.
freqncia de cermica de torno por stio
31,38%
14,14% 9,15% 7,84%
Murutucu Mocajuba Jaguarari Uriboca
Faiana. Este tipo de loua caracteriza-se pela pasta ligeiramente
corada (bege ou amarelada), de textura terrosa, porosa, com variaes de
revestimento entre engobado (terroso), transparente (vidrado) e opaco
(esmaltado). Deste tipo, foram analisados fragmentos relativos a objetos como
pratos, xcaras, tigelas, pires, sopeira, terrinas, saladeiras, e tambm de
urinis. Apesar da maioria de peas brancas, foi verificada a presena motivos
geomtricos, florais, paisagsticos, pintados em tons de azul, ou vinoso, ou
preto (alguns bastante caractersticos de loua portuguesa do perodo
colonial), e tambm de policromticos. A freqncia deste tipo de material em
cada um dos stios ficou assim:
CLXXIII
freqncia de faiana por stio
12,56%
8,03%
2,89% 4,62%
Murutucu Mocajuba Jaguarari Uriboca
Faiana Fina. Com esta denominao foram agrupados os
fragmentos que apresentaram pasta na cor branca, de textura porosa, opaca
ou brilhante, com ou sem revestimento. Representando a grande maioria foram
classificados fragmentos de formas como: pratos, pires, xcaras, canecas,
tigelas, travessas, sopeiras, terrinas, chaleiras, bacias, urinis, etc.
Em meio grande maioria de peas no decoradas, encontrou-se
diversas com indicao de selos de fabricantes, como: "ROYAL PATENT/
IRONSTONE/ THOMAS HUGHES ENGLAND, "PORCELAINE OPAQUE
ANGLAISE ..JOHNSON/ J VIEILLARD ....BORDEAUX "IRONSTONE";."ROYAL
PATENT IRONSTONE REGISTERED"; "REAL STONE CHINA"; "H.S..
DEPOSE../CREIL ET MONTREAU";."BAKER..&../IMPERIAL .IRONSTONE
CHINA"; ."...D &GARRETT";."IRONSTONE CHINA/J. & G. MEAKIN/HANKEY/
ENGLAND/.."; etc.. Tambm foi detectada grande variedade nos padres
decorativos, monocromticos ou policromticos, destacando-se: entre os
modelados, aqueles de padres trigal e royal; e entre os pintados,
ocorrncia dos seguintes padres: 1)bordas decoradas ou shell edge, incisos
e pintados, em azul ou verde; 2)anelares como dipped wares, wave e
CLXXIV
mocha, em diversas cores; 3)pintados mo, ou Peasant Style, em azul ou
em policromia; 4)impressos ou tranfer printed, com motivos paisagsticos nas
cores azul, verde, vermelho, preto, roxo e vinho; 5)carimbados, c/motivos
florais e geomtricos; e 6)salpicados, em azul, marrom, verde e vermelho. Em
relao s faianas finas, o percentual calculado em cada stios foi: .
freqncia de faiana f ina por stio
37,40% 34,17%
26,15%
3,53%
Murutucu Mocajuba Jaguarari Uriboca
Porcelana e Semi-Porcelana. Neste grupo, considerou-se os
materiais constitudos de pasta branca translcida ou opaca, compacta, textura
vtrea ou caracterstica de p-de-pedra, com ou sem revestimento. Deste tipo
registrou-se fragmentos correspondentes forma de pratos, tigela, pires,
xcara, sopeira, bandeja, tampinhas cnicas de garrafa, chaleira, botes,
material eltrico, etc. Entre os decorados notou-se florais pintados mo, em
tons azul ou dourado, modelados, e anelares.
Grs. Apresenta pasta corada opaca, compacta, com ou sem
revestimento vidrado. Com este material foram identificados fragmentos, entre
os quais, garrafas de gua de genebra de procedncia holandesa (de
colorao ocre), garrafas de cerveja vindas da Gr-Bretanha (de colorao
CLXXV
branca e/ou chocolate), pequenos tinteiros, tambm ingleses (grandes,
mdios e pequenos, de colorao marrom escuro e ocre), alm de vestgios de
louas sanitrias. Entre os fragmentos foram observadas algumas inscries:
"WYNAND/FOCKINK/ AMSTERDAM; nas garrafas de genebra;
"H.KENNEDY/ GLASGOW/BARROWFIELD.
Vidro. Deste material foram analisados fragmentos ou objetos
inteiros, distribudo em tipos incolores, verde mbar, verde claro, azul, marrom
e vermelho. As formas identificadas compreenderam garrafas de vinho, de
champanhe, de outras bebidas alcolicas (campari italiano), de cerveja, de
refrigerantes e bebidas gasosas; garrafo ou frasqueira de aguardente, copos,
taas, frascos de produtos medicinais, tampas de frascos, etc. As inscries
notadas em muitos dos fragmentos foram: STADTBRAUEREI EINBECK
GEGR 1415..."; PATENT"; GUA DIVINA E COUDRAY .G.LOHSE/BERLIN
...FLORIDA/; AGUA DE FLORIDA/ R.R.RABBITT &CO/ DROGUISTAS/ NEW
YORK; IMPERIAL. ..PINT; .BELFAST/ ROSS'
S; GUAS DE VERIN/
ANDRESSEN; GUAS DE FLORIDA DE MURRAY Y LANMAN/
DROGUISTAS/ NEW YORK. No grfico a seguir demonstrada a densidade
dos vidros por stios.
freqncia de vidros por stio
27,46% 29,81%
10,17% 6,06%
Murutucu Mocajuba Jaguarari Uriboca
CLXXVI
Metais. Neste grupo foram includos os objetos fabricados em
chumbo, cobre, bronze, lato, ferro, ao, etc. Em um total de peas identificou-
se grande diversidade, como por exemplo, botes, fivelas, colchetes, pregos
pequenos, balas de mosquete, bala de canho, relgio de bolso, selo, colher,
torneiras, puxador de porta, dobradias, fechaduras, chaves, ferrolho,
ferraduras, cravos, tubos, grelha, aros de barril, argolas, candeeiros, etc. Alm
destes, recuperou-se moedas datadas desde 1749 at 1945. Em relao
ocorrncia deste material em cada stio, o percentual calculado foi:
freqncia de metais por stio
13,59%
1,62% 4,51% 6,82%
Murutucu Mocajuba Jaguarari Uriboca
Ressalta-se que outros materiais tambm foram registrados, porm
sem expressividade no conjunto total da coleo, no sendo, portanto, objetivo
de anlise quanto freqncia nos stios.. Foram caracterizadas em menor
nmero: 1) amostras de rocha basltica e slex, relativos a pedras de
pederneira e outros artefatos lticos como machados, raspadores e ncleos; 2)
materiais orgnicos, como ossos e dentes de animais; mas tambm
manufaturados em forma de escovas de dente e botes; e 3) outros como
conchas e amostras de madeira de construo.
CLXXVII
Em retrospecto, a variabilidade observada na cultura material
arqueolgica reflete claramente indcios de contato intertnico entre a
sociedade nativa local e a sociedade europia. Embora apenas no Engenho
Mocajuba tenha sido possvel pesquisar os espaos destinados aos escravos,
os resultados demonstraram uma presena marcante de louas europias em
conjuno com cermicas associadas cultura nativa. Outro dado importante
refere-se ao Engenho Uriboca, cuja escavao realizada no espao
correspondente aos fundos da casa de morada revelou expressivo nmero de
fragmentos de cermica indgena e cabocla.
evidente que estes dados no devem ser conclusivos, pois a
situao ideal seria, primeiramente, identificar os espaos das senzalas em
todos os stios e ento desenvolver estudos comparativos. Do mesmo modo,
isso deveria ser aplicado em relao s reas referentes tambm da casa
grande e da fbrica.
CLXXVIII
Figura 56. Ilustrao de um tipo de moenda de cana-de-acar movida por animais.
(extrado de Gama, 1983)
Figura 57. Detalhe dos mecanismos de uma moenda, com cilindros verticais e sistemas de
engrenagens de madeira acopladas a uma roda dgua.
CLXXIX
Figura 58. Representao grfica com as sees transversais de calhas identificadas nos
stios de engenhos estudados no esturio amaznico.
CLXXX
Figura 59. Vestgios de estruturas na rea da fbrica do Engenho Murutucu: Detalhe da
base da chamin, em forma octogonal, cuja altura chegava quase a 10m, e que
se arruinou na dcada de 1980 (em cima); e interior do 1o. trecho da galeria da
calha, onde percebe-se indcios da reforma de ampliao da abbada, em
tcnica construtiva diferente, para suportar a chamin, o que inviabilizou o uso
da roda dgua. (em baixo)
CLXXXI
Figura 60. Perspectiva da senzala do Engenho Mocajuba, conforme ilustrao iconogrfica,
datada de fins do sculo XVIII.
Figura 61. O aspecto monumental da arquitetura da capela do Engenho Murutucu,
remanescente do sculo XVIII, em destaque na paisagem atual do stio.
Consideraes Finais
CLXXXII
Nas margens dos rios e igaraps do esturio amaznico podem ser
encontrados exemplos de empreendimentos que na histria econmica da
regio bem ilustram um passado prspero, mas a realidade atual de completa
runa. Inteiramente esquecidos em meio s plantaes nos terrenos dos
moradores ribeirinhos atuais, encontram-se evidncias remanescentes do
sucesso alcanado durante o perodo colonial. Inmeras olarias, fazendas,
armazns e engenhos se transformaram irreversivelmente em stios
arqueolgicos. Em levantamentos realizados durante os ltimos dez anos
identificou-se cerca de quarenta stios arqueolgicos de engenhos de cana-de-
acar, construdos em alvenaria de pedra argamassada ou em madeira.
O presente estudo dirigiu-se anlise de aspectos da cultura
canavieira que se desenvolveu na rea do esturio amaznico ao longo de
quase quatrocentos anos. Foram investigados dados histricos em conjuno
com o contedo arqueolgico remanescente em quatro stios de engenhos.
Conforme foi demonstrado, o desenvolvimento da manufatura
aucareira esteve condicionado por vrios fatores. O engenho constitua-se
em uma instituio complexa do ponto de vista cultural, tendo sido, durante o
perodo colonial, cenrio de relaes sociais desencadeadas por colonizadores
europeus, como proprietrios, e ndios nativos ou escravos africanos, como
mo-de-obra escrava. Por outro lado, como unidade de produo, esta
agroindstria tambm requisitava condies especficas para sua instalao,
em ateno aos necessrios processos de fabricao dos produtos, como
acar, aguardente, mel, etc.
A paisagem estuarina caracteriza-se por uma extensa regio de
vrzea, entrecortada por inmeros rios e pequenos igaraps. A proximidade da
CLXXXIII
costa atlntica possibilita a ocorrncia marcante do fenmeno das mars, que
no porto de Belm chega a causar amplitudes de at quatro metros. Estes
movimentos de enchente e vazante ao transportarem sedimentos, atuam com
componente fundamental no processo de fertilizao das terras marginais.
Anlises recentes do potencial agronmico destas vrzeas tm atestado
aptido para culturas como cacau, arroz e at a cana-de-acar. Por outro
lado, segundo informaes datadas dos sculos XVIII e XIX, as terras
alagadias eram imprprias obteno de bons acares, mas excelentes
para a produo de aguardente, pois as canas l produzidas eram de baixos
teores de sacarose. Realmente, naquela poca, havia constantes solicitaes
de colonos para construo de pequenos engenhos (molinotes), que
demandavam poucas despesas com instalaes e mo-de-obra, bem diferente
dos grandes investimentos que eram aplicados nos engenhos de acar.
Um fator fundamental no desenvolvimento desta agroindstria diz
respeito localizao dos stios diante da disponibilidade dos recursos
naturais. A mar, alm de fertilizar naturalmente as terras dos canaviais
ribeirinhos, oportunizava a utilizao de fora motriz para fazer funcionar as
moendas, e acima de tudo permitia o deslocamento dos barcos carregados de
cana pela imensa rede hidrogrfica. Em relao fora motriz, consenso que
a mar s foi utilizada em fins do sculo XVIII, portanto, com um atraso de
quase duzentos anos aps a instalao dos primeiros engenhos na regio.
Neste caso, foram necessrias obras de adaptao, com a execuo de
servios de escavao de extensos canais para conduo da gua at rea
de terra firme, no local do engenho, onde se assentava a roda dgua. Este
parece ter sido o caso de quase todos os engenhos anteriores a aquela poca,
CLXXXIV
como o Murutucu e o Jaguarari. De fato, conforme comprovado no estudo, por
questes de engenharia, os engenhos localizavam-se em terrenos resistentes,
capazes de suportar a infraestrutura necessria, como arquitetura,
maquinarias, etc.
A interpretao da organizao espacial dos stios permitiu aferir que
nos engenhos do sculo XVIII foi adotado como concepo arquitetnica o
partido aberto. As construes componentes como casa grande, fbrica e
senzala eram constituam-se em conjuntos separados. Em relao hiptese
de haver uma conotao de poder e controle visual no fato das casas grandes
serem construdas em cotas mais altas que os demais, observou-se que, pelo
menos em trs dos stios estudados, o local da casa grande era realmente o
mais alto do terreno. Deve se considerar que as fbricas ocupavam os
terrenos mais baixos, em ateno necessria proximidade dos rios. Quanto
aos materiais construtivos utilizados, no Engenho Mocajuba foi possvel
constatar estruturas de alvenaria de pedra argamassada na casa de morada,
enquanto nas senzalas, as escavaes evidenciaram tcnica de taipa de pilo
e pau a pique. importante ressaltar a contribuio do levantamento histrico
na localizao de raros documentos, como escrituras e testamentos, relativos
aos stios, em especial ao Engenho Mocajuba. A insuficincia de dados
tratados neste estudo sobre senzalas em outros stios restringe qualquer
concluso acerca de um possvel padro hierrquico presente nas moradias.
Da mesma forma, a anlise da cultura material proveniente das
escavaes nos stios resultou em marcante ocorrncia de vasilhas cermicas
associadas cultura nativa, indgena ou cabocla, em conjuno com grande
quantidade de louas e vidros de origem europia. Inclusive, no Engenho
CLXXXV
Mocajuba, onde foi possvel confirmar o local das senzalas, os materiais a
encontrados foram na maioria faianas finas decoradas. Conforme foi
demonstrado, os fragmentos da cultura material so perfeitamente compatveis
com as informaes histricas. A presena indgena atestada em vasta
documentao histrica datada da primeira metade do sculo XVIII, referente
aos pedidos de proprietrios ao governo para utilizar como mo-de-obra. Alis,
esta prtica veladamente se manteve, mesmo aps a proibio com o Diretrio
dos ndios.. Por sua vez, as cermicas torneadas esto relacionadas s
necessidades do engenho, como formas de po-de-acar, e podem ter sido
fabricadas na prpria olaria do engenho. A diversidade observada na cultura
material impe algumas reflexes, no caso dos engenhos, sobre as formas de
contato entre europeus proprietrios e seus escravos, ndios ou africanos.
Ressalta-se que esta mesma heterogeneidade o que caracteriza outros
stios, bastante prximos, como o centro histrico da cidade de Belm,
recentemente pesquisado.
No caso dos engenhos do esturio amaznico, o estudo asseverou a
necessidade de aprofundar a investigao em outros stios no sentido de
formular uma base de informaes sobre a implantao e funcionamento
destas unidades de produo. Julga-se que o desconhecimento dos
habitantes ribeirinhos da significncia histrica dos stios localizados nas
vizinhanas tem implicaes no apenas para a preservao da integridade
dos vestgios materiais em si, mas tambm para o desaparecimento, tambm
da memria cultural desta populao.
CLXXXVI
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