Como ler a educacdo com os olhos da sociologia?
Asociologia é uma disciplinacientfica que se estruturou
como advento do modemo mundo industrial. Sua preo:
cupagao bisica tem sido @ de revelar as transformagoes
‘que © capitalismo operou na vida econdmica, politica e
cultural das sociedades, O recado mais incisivo da socio-
logia € 0 de que nio hi nada natural neste mundo de
mulheres e homens, nada que nao seja uma construgao
coletiva, nenhuma ideia que se sustentesolta no ar, sem
ue se possa associé-a a0 nosso tempo ou ao modo
como fabricamos nosso destino,
A educagao & um objeto privilegiado da sociologia.
Porque o ato de educar &, a0 mesmo tempo, a base da
cconservagio da ordem eo esteio de suas mais radicals
transformagbes, Viajar raiz das sociedades em busca
da compreensio de seus modos de educar é 0 convite
que nos faz a sociologia da educacao.
IOLOGIA DA EDUCACAO
ALBERTO TOS! RODRIGUES
wa va ompationSOCIOLOGIA DA EDUCACAO
Alherto Tosi Rodrigues© homem que a educacao deve realizar, em
cada wn de nds, ndo é 0 homem que a natu-
reza fez, mas o homem que a sociedade quer
que cle seja;¢ ela 0 quer conforme o reclame a
sua economia interna, 0 eu equiltorio.
(Emile Durkheim, Educacao e Sociologia)
Do sistema abril (..)brotou 0 germe da edu-
cagao do futuro, que conjugaré 0 trabalho pro-
dutivo de todos os meninos além de uma certa
{dade com o ensino e a gindstica, consttuindo-
-se em meéiodo de elevar a produgao social ¢ no
tinico meio de produzir seres humanos plena-
mente desenvolvides.
(Karl Marx, O Capital)
Por tris de todas as discussoes atuais sobre as
bases do sistema educacional, se oculta em
algum aspecto mais decisivo a luta dos “espe-
cialistas” contra o tipo mais antigo de “homem
culto”, Essa luia é determinada pela expansto
irresisttvel da burocratizagao de todas as rela-
ges piblicas e privadas de autoridade ¢ pela
crescente importéncia dos peritese do conheci-
‘mento especializado.
(Max Weber, A Burocracia)SUMARIO.
carirui0 1
carmruio ut
cariruio
Introdugao
Breve sociologia do professor virtual
Sociedade, educagdo e vida moral
homem faz a soiedade oa soiedade faz 0 homem?
Durkheim e 0 pensamento sociolégico
A sociedade na cabesa de cada um
A diferenctagto da sociedade
uducosto para a vida
Sociedade, educaggo e emancipagio
Mars: o pensamentosocalGgico
As leis da histéria
As formas de conscitncia
ducar no mundo industrial
Sociedade, educacio e desencantamento
Weber eo pensamento socioldgico
© individuo eas instituigdessocais
Desencantar 0 mundo
Treinar, em vez de cultivar o intelecto
cartruto v.Trés visdes sobre o proceso educacional no século XX
Bourilew eos esquemas reprodutores
Gramsci ¢ a reforma intelectual e moral
Mannheim ea luz no fim do tine
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a‘cariruto vt A anélise sociol6gica da educacio contemporanea 85
struturas, sweltoseprocessos 86
Capitalism, Estado e sociologia 88
Sociedade, economia, politica e educago ot
‘cavtruto vi A edueagao e os novos blocos hegembnicos
(Por Micheel Apple) 3
Introdugto 93
Neolberais 96
Neoconservadorismo 105
Populisas autoritérios 12
A nove classe média profisional 6
Conclusao 28
Referencias bibliogréfcas do Capitulo VII 0
Epilogo By
‘Como ampliar sua caixa de ferramentas ay
INTRODUGAO,
‘A educacgo 6 o elemento da vida social responsavel pela organiza-
io da experiéncia dos individuos na vida cotidiana, pelo desenvol-
vimento de sua personalidade e pela garantia da sobrevivencia e do
funcionamento das préprias coletividades humanas.
Este é, a0 menos, o modo como a sociologia a vé, segundo 0
sociélogo brasileiro lorestan Fernandes.
Para ele, as praticas educacionais — quer dizer, as ages empre-
endidas com a finalidade de educar ~ esto diretamente relacio:
nadas com as técnicas aplicadas, com as normas vigentes e com
‘0s valores compartilhados pelos individuos. no contexto de uma
determinada sociedade, de uma determinada cultura e de um.
determinado tempo historico. Para a sociologia, nao ha técnica
pedagégica neutra: todas sio construfdas e utilizadas em meio a
valores e normas.
Por “técnicas” aplicadas 4 educacZo Florestan nao entendia
simplesmente os recursos formais utilizados para transmitir con-
tetidos, mas sim a prépria pedagogia, compreendida também em
suas dimensdes filoséfica e sociologica. £ nesta medida que as
‘técnicas (as pedagogias) embutidas nas priticas educacionais se
‘vinculam as normas e aos valores sociais, As “normas", por sua
vez, so tanto as leis regulamentos inscritos na estrutura juridica
‘quanto as convengoes estabelecidas no seio dos grupos sociais. E
1s “valores” sao as escalas de aprovacio e reprovacio, de concordan-
cia ou discordancia, de critérios de julgamento de si e dos outros,
{que no entanto nunca so individuais, ¢ sim compartilhados pelos,
individuos na vida social.
‘Olhar a educacao do ponto de vista da sociologia ¢ compreen-
der que se a pedagogia é 0 fundamento das praticas educacionais,
as trencas, os valores e as normas sociais sdo os fundamentos da
pedagogia.sociolocta Da eDUcAcko
(O que tenho a Ihe dizer neste pequeno livro introdutério, meu
caro leitor, é justamente que a sociologia da educagao é aquela
disciplina académica que se preocupa em reconstruit sistemati-
camente as relacdes, que existem na pritica cotidiana, entre as
agBes que objetivam educar e as estruturas da vida social, quer
dizer: a economia, a cultura, o arcabougo juridico, as concepgdes
de mundo, os conflitos politicos.
Nesse sentido, € preciso explicitar logo de inicio um dado
basico: a sociologia ¢ uma ciéncia que surge e se desenvolve com
© advento do capitalismo. Quer dizer que a natureza da reflexao
sociol6gica, que aparece na sistematizacao intelectual de seus fun-
dadores mais importantes, esti marcada, j em seu nascedouro,
pela seguinte pergunta fundamental: como compreender as mara-
vilhas e atrocidades sociais deste novo mundo que se abriu com 0
desenvolvimento da grande indiistria moderna e da sociedade divi
dida em classes? Espero ser capaz de Ihe contar, nas paginas que
se seguem, qual o novo significado que a educagao sistemitica
ou seja, a educacto programada para a transmissao de “pacotes
de contetidos intelectuais através de um sistema de ensino orga
nizado ~ assumiu nesta nova otdem econémica. politica e sacial
Deinicio, apontarei alguns problemas que me parecem impor-
{antes sobre as relagdes educacionais nos dias que corre, chamando
‘a atengao para a possibilidade de nos valermos da contribuicao da
sociologia para enfrentar esses problemas. A seguir, procurarei
recuperar trés pontos de vista clissicos da sociologia e os significa-
dos desses pontos de vista em termos educacionais: a} a concepgio
a sociedade enquanto vinculo moral entre os homens; b) a concep-
sao da sociedade como espago de exploragao e da eduicacio como
possibilidade de emancipacio; e c) a concepsio da educagio como
vefculo da racionalizacao da vida. Minha intengao é dupla: gostaria
de familiarizar 0 leitor com os instrumentos de trabalho, com as
ferramentas especfficas da sociologia e, ao mesmo tempo, indicar a
visio que cada uma dessas posturas sociologicas classicas permit
construit em torno do processo educacional, concebido sempre, é
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nenhum desses quem decidiu demitir milhdes de trabalhadores
= muitos dos quais estariam melhor na escola — devido a fuses e
incorporagées.
Com sua énfase no consumidor, em vez de no produtor, as
politicas neoliberais devem também ser vistas como parte de um
ataque mais geral aos fuuncionarios piblicos. Em educago, par-
ticularmente, elas constituem uma ofensiva contra os sindicatos
de professores, vistos como excessivamente poderosos € custosos.
Embora talvez no seja consciente, isso deve ser interpretado como
parte de uma longa historia de ataques ao trabalho feminino, uma
ver que a esmagadora maioria dos professores nos Estados Uni-
dos — como em muitas outras nagoes ~ é constitufda de mulheres
(Apple, 1988)
Ha variadas iniciativas de politicas que tém emergido dos seg-
‘mentos neoliberais da nova alianga hegeménica, A maior parte est
voltada ou para criar vinculos estreitos entre educagdo e economia
ou para colocar as proprias escolas no mercado, A primeira érepre-
sentada pelas frequentes propostas de programas de “escola pata
© trabalho’, ou “educacao para o emprego”, e por vigorosas inves-
tidas, no sentido do corte de despesas, contra 0 "Estadn inchado",
A segunda ndo & menos frequente e esti se tornando cada vez
‘mais poderosa. Ela ¢ representada pelas propostas, tanto nacionais
quanto interestaduais, dos vouchere dos choice plans (Chubb e Moe,
1990). Elas incluem a aplicagao de dinheiro publico para escolas
rivadas e religiosas (apesar de serem proposigoes fortemente con-
testadas), Por trés disso, trata-se de umn plano para submeter as
escolas 8 disciplina da competicéo no mercado, Estas “solucdes
quase de mercado” estio entre as questoes de politica mais poléini-
cas e mais acaloradamente debatidas em toda a nagio, com impor.
tantes casos de pendéncias judiciais no que se refere a recursos
para escolas privadas e/ou religiosas através destes mecanismos
de crédito, que agora estao sendo observados com atencao (Wells,
1993: Henig, 1994; Smith e Meier, 1995)
Alguns proponentes dos choice plans argumentam que so-
‘mente a ampliacio da “voz” e da escolha dos pais proporcionaria
uma chance de “salvagao educacional” para pais e criancas das
minorias (Whitty, 1997, p. 173 ver também Chubb e Moe, 1990).
Moe, por exemplo, afirma que a maior esperanga dos pobres de ga
nharem o direito “de abandonarem as escolas ruins ¢ irem para as
boas" est numa “alianga heterodoxa’ (Whitty, 1997, p. 17). Apenas
8
|» EDUCAGAO 0S KOWOS RLOCOS HEGENONICOS
sliando-se aos republicans e ao empresariado ~ os mais podero-
Ee ened dispostos a transformar o sistema ~ os
cl im ter sucesso.
Gree eee
vimento dessas solugdes “quase de mercado” em educacio tem
levado a exacerbacio das divisoes sociais existentes que envolvemn
classe e raga (Whit etal, 1998). Hé agora mas mais argue
mentos convincentes de que, embera o suposto objetivo explicito
dos voucher e dos choice plans seja 0 de proporcionar aos pobres
o diet de deta as esos plas, entre os efits times a
longo prauo tale esto de aumentar 2 “migaso banca ds
cccols pia para as privadas eebgosas era as cones
para que os pais brancos beneficirios possam recusarse a pag
posts pra sustentar a xo pleas, que eto maise mais
softendo com os efeitos debiltadores da crise fiscal do Estado.
resultado é um apartheid educacional cada vez maior, eno menor
be ali Se Gist ape ah
Unidos, Whit afta que embora os defensores da esol supe
ham que comers surseataré fin ine sponse
das escoas, e dard as criangas em desvantagem oportunidades qu
cl normalmente no teria, ss pode ser uma as espeania
(Whit 997.38) Esa experanss no eta se elzando no
Inoment en é ase supr que seam realzadas no futuro
‘no contexto de politcas genéricas que nao encaram o desafio das
profundas desigualdades sociais e culturais” E, continua cle:
Uma tomada de decsto atomizada numa socedadefrterente
estraticada pode aparecer como algo que ofereceoportunidades
uals ods, as mudara esponsabildade pela tomnada de deck
i ; onto reduzir 0
Sto da esferapiblica para a prada pode no momento
tspago para que a 350 coletva melhor a qualidade da educosto
para todos (Whitty, 1997, p. 58),
Essa posigio ¢ ratificada por Henig, Este diz que:
reforma da educagio é
triste ironia do atual movimento pela refo
Que por mete da superidetfeasto com a propestas de eclha
da escola, o saudével impulso de levar em consideragao reformas,
radicais voltadas para problemas sociais pode ser canalizado para
99Socto10cia a soveAcko
iniciativas que mais adiante venham a corroer o potencial de delibe-
ago coletiva e de responsabilidade coetiva (Henig, 1994, p. 222.
Se acrescentarmos 0 fato de que tais politcas neoliberal
Pra podem repre tradiclonais hicrarguas de lone ea
géntero, isso deveria nos colocar em sétia
en em séria divida (Apple, 1996:
Hj uma segunda variante do neoliberaismo. Ela aceitagastar
ais dinheizo piblico e/ou privado com as escolas se. e somente
Se, as escolas forem ao encontro das necessidades expressas pelo
capital. Assim, os recursos s40 postos a disposilo para “reorenas”
€ politicas que favorecam a conexdo do sistema educacional so
Ptojeto de tomar nossa economia mais competitiva. Dois exmplon
dem oferecer um retrato aproximado desta posicao, Em ecrto
niimero de estados, a legislagio permite que as escolas ¢ univers
ddades estabelegam vinculos estreitos entre a educaga
nidade dos negécios. No estado do Wisconsin, por exemplo, todos
6s programas de preparagio de professores devem inclu expe-
rincias idemtificiveis de “educaglo para 0 emprego” para todos
93 seus futuros professores; e todo o ensina nav excolae pibliess
elementares, médias e secundarias deve inclur elementos de edi
casio para o emprego em seus curriculos formals
© segundo exemplo é aparentemente menos consequente
mas na reatidade é uma poderosa descricao da reintegracto de,
Politica e da pratica educacionais 4 agenda ideolégica de neolibe:
talismo, Refiro-me aqui 0 Channel One, uma rede de televisao