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Temperamento Musical

O documento discute a evolução histórica da fundamentação matemática da música, desde Pitágoras na Grécia antiga até sistemas de afinação modernos. Ele descreve experiências com o monocórdio, a teoria pitagórica das proporções musicais, o desenvolvimento do ciclo de quintas, e sistemas posteriores como a afinação mesotônica. O documento também discute a relação entre música e física, com conceitos como série harmônica.

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Temperamento Musical

O documento discute a evolução histórica da fundamentação matemática da música, desde Pitágoras na Grécia antiga até sistemas de afinação modernos. Ele descreve experiências com o monocórdio, a teoria pitagórica das proporções musicais, o desenvolvimento do ciclo de quintas, e sistemas posteriores como a afinação mesotônica. O documento também discute a relação entre música e física, com conceitos como série harmônica.

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Temperamento – a música através dos números

A música é a matemática disfarçada de sons.

A música pode ser tão imperfeita quanto a complexidade da matemática permitir.

Ao considerarmos que a física se utiliza da matemática para existir, elevamos potencialmente a


abrangência destes conceitos.

Os primeiros registros da fundamentação da música através da matemática datam do séc. VI a.C., na


Grécia antiga, quando Pitágoras a vislumbrou como o quarto ramo da matemática (6, p. 4). A visão da
música, sob o ponto de vista da física, surge no séc. XVII, quando Galileu percebe a relação direta entre
altura musical e frequência (6, p. 29).

A oitava é o único intervalo reconhecido e compartilhado por todos os povos da terra (2, p. 947).

Na antiguidade, a China já tinha desenvolvido a sequência pentatônica chinesa, que corresponde às 5


primeiras notas do ciclo de quintas. Algumas escalas árabes possuem 17 sons e outras indus, 22
notas (12, p. 514-517).

Textos antigos indicam que o diapasão da França tinha altura diferente de outros países e que o
diapasão da igreja também era mais alto ou mais baixo que o diapasão “de câmara” (onde se praticava a
música profana). As referências baseavam-se, particularmente, na laringe humana e em alguns
instrumentos antigos mas, no geral, sempre eram prejudicadas pela enorme inexatidão sonora (11, p.
75).

MONOCÓRDIO E PRIMEIROS INTERVALOS

O monocórdio, possivelmente inventado por Pitágoras, é um instrumento composto por uma única corda
estendida entre dois cavaletes e um terceiro cavalete móvel, para dividir a corda em duas seções. Este
experimento evidenciou a relação entre o comprimento de corda e a altura do som, resultante deste
comprimento.

01
CICLO DE QUINTAS, TEORIA DAS PROPORÇÕES E SÉRIE HARMÔNICA

Do ponto de vista da época, séc. VI a.C., a qualidade de um intervalo podia ser medida com a
proximidade deste com o som fundamental, aquele que serve de referência para todos os outros
intervalos, o “UM”, que simbolizava a unidade de tudo, Deus. Quanto mais simples a relação numérica ou
quanto mais próximo o intervalo do som fundamental, mais puro, mais leve e até mais sagrado, seria
considerado (11, p. 78). Pitágoras desenvolveu uma divisão de proporção da corda para determinar os 4
primeiros intervalos. O número 4 tinha um valor especial para os pitagóricos: além de não se afastar do
“UM”, o número 4 carregava o significado do mundo material, representando os 4 elementos primordiais:
fogo, ar, terra e água (6, p. 6). Outra importância do número é a simplicidade apresentada nas relações
numéricas de proporções resultantes dos experimentos com o monocórdio. A comprovação da
importância do número 4 é o tetracorde, considerado unidade elementar e fundamental da música grega
(6, p. 7).

Pitágoras observou quequando dividiu a corda ao meio, o som da fundamental se repetia com uma oitava
acima. Ao dividir a corda em 3 partes, 2/3 da corda produziam um intervalo de quinta. Dividindo a corda
em 4 partes, os 3/4 da corda geravam um intervalo de quarta.

Devido a esta experiência, os intervalos de quarta acima, quinta acima e oitava acima ficaram
conhecidos comoconsonâncias pitagóricas (6, p. 5).

A relação numérica mais simples e mais próxima do “UM” é a de 2/3, já que a oitava (1/2) produz a
mesma fundamental, oitava acima. Daí vem a qualificação da relação de proporção dos intervalos, em
ordem de importância:

1 –fundamental,

2/1– oitava,

3/2–quinta,

4/3– quarta.

Assim, foi designada a quinta para a formação das escalas.

02
Com o intervalo “puro” em mãos, este foi utilizado como ferramenta para construção de escalas, através
de sua sobreposição sequencial, num processo conhecido como ciclo de quintas. Repare que, na ordem
de importâncias, a fundamental e a oitava são as prioridades, seguidas pela quinta e, depois, pela quarta.
Fazendo o caminho inverso, da menos importante para a mais importante, temos a quarta, a quinta e a
fundamental, ou IV – V – I. Esta pode ser uma das possíveis explicações para a construção da música
tonal.

Tendo a nota DÓ como fundamental, o resultado é:

À sequência de quintas puras(ciclo de quintas), com relação de comprimentos de 3/2, dá-se o nome
de gama pitagórica.

Como vimos, este sistema baseia-se em intervalos justos, comprometendo diretamente os intervalos
maiores e menores, sendo a terça maior o intervalo mais prejudicado. Conhecido como “terça pitagórica”,
este intervalo soa levemente dissonante, maior que a terça natural. Este conceito de construção de
escalas vigora até meados do séc. XII, quando as terças e sextas recebem mais atenção, devido ao
surgimento da polifonia (6, p.44).

Arquitas de Tarento, que viveu por volta do séc. V a.C., vislumbrou uma teoria deproporções.
Associando intervalos distintos, através de proporções de tamanho, Arquitas conseguiu alcançar
intervalos com consonâncias perfeitas, que se fundem exatamente dentro dos harmônicos naturais de
uma nota. Enquanto Pitágorascalcula intervalos utilizando somente o ciclo de quintas, Arquitas vai além,
considerando médias aritméticas e harmônicas, na geração de seu sistema musical. O grande progresso
alcançado foi a melhora da sonoridade da terça maior que, na teoria das proporções de Arquitas, é
representada como 4/5. Esta terça soa mais agradável ao ouvido por ser um intervalo menor do que a
terça pitagórica.

Giuseffo Zarlino, do séc. XVI,intrigado com a inexatidão do sistema pitagórico, concebeu o Senário,
conjunto dos seis primeiros números inteiros, capazes de gerar todas as consonâncias musicais,
incluindo as imperfeitas.Enquanto o limite estabelecido por Pitágoras era o quatro, Zarlino utilizou o 6
para obter as seis primeiras divisões da corda, permitindo a inclusão no quadro de consonâncias os
intervalos de terça maior, 4/5 (o intervalo já era conhecido, mas ainda não era considerado uma
consonância), terça menor, 5/6 e sexta maior, 3/5.

Em sua escala, os intervalos naturais, também conhecidos como puros, existentes nasérie
harmônica, não geram batimentos. Nela, há o tom grande e o tom pequeno, além do semitom, que não
era a metade exata de nenhum dos dois tons inteiros da escala. Devido à existência de intervalos
específicos para cada grau da escala, a modulação ou transposição emum
determinado instrumentosignificaria refazer a afinação para a nova tonalidade, tendo uma nova
sequência de intervalos específicos, resultantes de suas distâncias com a fundamental.
Excepcionalmente, órgãos foram construídos com um sistema complicadíssimo de distribuição e
combinação de notas, que permitiam tocar em diversas tonalidades. Porém, eram necessárias, pelo
menos, 53 teclas por oitava para se conseguir consonância suficiente em todas as tonalidades (2, p. 951-
952).

A quinta natural e a pitagórica são iguais, porém estas têm 2 cents a mais que a quinta temperada. Esta
é uma sutil diferença se compararmos os intervalos de terça maior.

03
A terça maior pitagórica tem 408 cents, a natural tem 386 (não gera batimentos) e a temperada, 400
cents.

A terça pitagórica soava bem convincente para a música da época, que se resumia basicamente em
monodias e polifonias de quartas, quintas e oitavas. Porém, quando a terça maior ganha espaço através
da popularização dos modos gregorianos, a música descobre a identidade única e intransigente da
escala maior: a afinação do SI maior, por exemplo, produz um efeito diferente do DÓ maior. Apesar de
ambos utilizarem a mesma escala, os intervalos entre seus graus são bem distintos, revelando a
necessidade imperativa de uma afinação específica para cada tonalidade. A importância de uma
generalização tonal motivou a busca permanente por novos sistemas de afinação.

Afinação mesotônica

Mediante ao prejuízo que o sistema baseado no ciclo de quintas causou às terças maiores, surgiu um
novo modelo que privilegia este intervalo (e devolve o problema às quintas). O sistema mesotônico foi
descrito por teóricos italianos no séc. XVI e surgiu numa época em que os instrumentos de tecla
começaram a ganhar mais importância. Neste sistema, todas as terças devem ser puras e sem
batimentos, com 386 cents. As quintas são diminuídas em ¼ de coma e, de uma maneira geral, são mais
aceitáveis do que as terças do ciclo de quintas, com exceção de uma quinta do lobo, considerada
abominável, com seus 738 cents (uma quinta natural tem 701,96 cents e uma temperada, 700 ¢). A maior
característica desta escala é a ausência da enarmonia, pois para que todas as terças soem perfeitas, o
LÁ sustenido, por exemplo, que é a terça maior do FÁ sustenido, tem uma frequência diferente do SI
bemol, terça maior do SOL bemol. Uma curiosidade é que a sequência das notas é LÁ, SI b, LÁ # e SI,
pois a sensível de SI é LÁ # e não SI bemol.

Cabe salientar que somente no séc. XVIII, surgiria o conceito de série harmônica. Estudando o
comportamento de cordas vibrantes, D’alembert sugere que um som natural não era puro e único, mas
com grande complexidade e obtido através da superposição de diversos harmônicos de uma série
resultante do som principal (6, p. 35).

Além de Pitágoras, Arquitas, Zarlino e D’alembert, gênios da humanidade como Filolaus, Eratóstenes,
Aristoxeno, Aristóteles, Mersenne, Galileu, Darezzo, Descartes e tantos outros, ainda fizeram muitas
descobertas importantes sobre a música, que colaboraram para a formação de escalas, divisão de
intervalos utilizando cálculos aritméticos ou de razão, intervalos melódicos e harmônicos, relação de som
com frequência, Série harmônica, Séries de Fourier, etc.

O sistema de cents

O sistema de cents surgiu por volta de 1880, desenvolvido por Alexander J. Ellis, como uma forma de
quantificar intervalos do sistema temperado igual. Ganhou adeptos rapidamente graças à sua
simplicidade e objetividade.

No sistema temperado igual, a oitava é dividida em 1200 partes iguais, chamadas de Cents, ou ¢. Os
semitons simétricos possuem 100 ¢ cada

Este sistema facilitou as pesquisas e a comparação de outros sistemas tonais com o temperado igual.

04
Coma pitagórica ou Quinta do lobo

Desde a Grécia antiga, a construção de escalas procurou respeitar a afinidade harmônica, que resulta
em escalas assimétricas.

As escalas desenvolvidas desde então possuem, em algum momento, um ou mais intervalos que soam
diferentes dos demais. Uma característica comum para todas estas escalas é que, como são
essencialmente assimétricas, a sucessão de 12 quintas formam uma oitava nunca se encontra com a
fundamental, fazendo com que as notas, dispostas num desenho circular, formem uma espiral que se
desenvolve infinitamente de dentro para fora.

Por exemplo, 12 quintas naturais empilhadas (ciclo de quintas) excedem o intervalo da oitava.

Um intervalo de quinta possui a relação de frequência 3/2 = 1,5.

A visão matemática para o empilhamento de 12 quintas é (3/2)¹² ou (1,5)¹² = 129,746.

O intervalo de oitava possui a relação de frequência 2/1 = 2.

7 7 05
O ciclo de 12 quintas abrange 7 oitavas, portanto (2/1)7 ou 27= 128.

No quadro abaixo, um gráfico comparativo alimentado com os dados acima. As colunas vermelhas
representam o empilhamento de quintas. As colunas azuis, os empilhamentos de oitavas. É nítida a
diferença que torna a oitava gerada pelo do ciclo de 12 quintas um intervalo maior do que o
empilhamento de 7 oitavas.

Do ponto de vista da relação de proporções, a diferença entre os 2 ciclos pode ser expressa como

129,746 / 128 = 1,013640625.

Em uma outra visão, um intervalo de quinta natural possui 702 ¢. A sobreposição de 12 quintas resulta
em 8424 ¢.

Cada oitava possui 1200 ¢.

A sobreposição de 7 oitavas totaliza 8400 ¢, 24 ¢ a menos que o empilhamento das 12 quintas naturais.

06
Novamente, no quadro abaixo, as colunas vermelhas representam o empilhamento de quintas com 702
¢, cada uma. As colunas azuis, o empilhamento de oitavas com 1200 ¢, cada.

A diferença que impede o “encontro” das oitavas de uma escala é conhecida como “Coma pitagórico” ou
“Quinta do lobo” e equivale a um intervalo entre 1/8 e 1/9 de tom (2, p. 949).

CONCEITO DE TEMPERAMENTO

Genericamente, temperar significa fazer ajustes nos intervalos, desviando-os dos intervalos naturais. A
aplicação do temperamento como sistema é uma medida que visa suprir necessidades ou resolver
problemas apontados em um sistema entendido como deficiente (realidade de todo sistema tonal
temperado, pois um intervalo sempre se beneficia em detrimento do prejuízo de outro ou outros).

Diferentes temperamentos surgiram com o passar do tempo, quase todos buscando uma solução para o
mais conhecido enigma musical: a transposição e modulação.

Até antes do advento do temperamento igual, as escalas eram assimétricas, baseadas em referências
harmônicas, aritméticas ou geométricas. Por mais que um sistema fosse dividido em quintas, terças ou
semitons, seus intervalos possuíam uma relação de frequência desigual. Porém, a noção de sonoridade
que se tinha há até 4 séculos atrás era diferente do que estamos acostumados a ouvir atualmente e
aceitar como correto.

Não há um sistema de afinação que seja válido universalmente. A educação e a cultura dos povos é que
lhes familiariza com determinado sistema sonoro.

É importante salientar que, sob certos aspectos, aquilo que parece puro e correto aos nossos ouvidos
pode não ter o mesmo significado para outros povos e vice-versa, pois sempre há a dependência do
momento cultural ao qual determinada população se encontra e de quão difundido foi determinado
sistema para promovê-lo à principal importância da época e do local.

07
Por exemplo, em muitos países, a música folclórica utiliza instrumentos que só tocam os harmônicos
naturais. A trompa é um destes instrumentos, onde a quarta soa impura, pois o décimo primeiro
harmônico está entre o FÁ e o FÁ#. Nas regiões onde estes instrumentos são tocados, as pessoas estão
habituadas a cantar este intervalo “impuro”, que pode soar muito estranho para nós, ocidentais. Ainda, se
ouvíssemos uma música com a afinação do séc. XVII, executada por Monteverdi, teríamos a sensação
de que tudo está soando terrivelmente desafinado (11, p. 77).

Correto, do ponto de vista quase absoluto, é corresponder às exigências do sistema tonal vigente. Quase
absoluto porque, em se tratando de música, as maiores transgressões, quando bem utilizadas, podem se
tornar fundamentais para a beleza de determinada obra musical. Sobre esse assunto, não há uma
verdade única. Só podemos discutir afinação se estivermos conscientes do contexto e dos limites de
determinado sistema.

TEMPERAMENTO IGUAL

Após tantos séculos e tantos cérebros dedicados às escalas musicais, um problema fundamental (muitos
autores não concordam com o termo “problema”, além de sugerirem várias alternativas para o assunto)
ainda não tinha sido resolvido: a transposição e modulação num instrumento.

O estudo que obteve maior aceitação sugere distribuir a diferença da Quinta do lobo entre todos os
intervalos, numa relação logaritmicamente equivalente. Este estudo foi apresentado em 1686, quando o
organista alemão Andreas Werckmeister publicou seu “Musikalische Temperatur”, com a teoria do
temperamento igual.

A afinação temperada foi desenvolvida, inicialmente, para instrumentos de tecla.

O processo conhecido como temperamento igual consiste dividir a oitava em 12 semitons rigorosamente
iguais, impondo sempre o mesmo intervalo de frequência entre dois sons vizinhos quaisquer.

Nesta construção totalmente simétrica, todos os intervalos, com exceção da oitava, são um pouco
impuros (11, p. 84.).

Cada semitom possui 100 ¢. A soma dos 12 semitons resulta em 1200 ¢, que equivale a uma oitava.

A simetria absoluta em uma escala gera relações de frequências formadas por números irracionais,
consequência de acertos nas frequências, deslocando a afinação das notas da escala. A simetria escalar
permite que qualquer ciclo que seja aplicado em uma escala promova o encontro da fundamental com
sua oitava.

Ciclo de quintas:

O ciclo de 12 quintas abrange 7 oitavas. Dividindo-se 8400 ¢ por 7, obtém-se 1200 ¢ por oitava.

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Nesta afinação, todas as tonalidades soam idênticas,
diferenciando-se apenas na altura (11, p. 84).

É indiscutível a quantidade de benefícios que a afinação


temperada trouxe: facilidade de afinação, a ideia de
inversões de acordes, surgimento de novas linguagens
musicais, etc., no entanto, existe um preço a ser pago:
abrir mão da afinação específica e perfeita (do ponto de
vista acústico) de cada tonalidade em troca da facilidade,
assim como, analogamente na luthieria, um instrumento
perde nuances e sutilezas de timbre e dinâmica em troca
de maior projeção sonora.

A afinação temperada é conseguida com médias


puramente aritméticas não harmônicas, sem
considerações físicas ou fisiológicas. A imperfeição da
escala temperada gera um consumo de energia cerebral
para ajustar os intervalos impuros. Isso inibe a atividade
emocional para que o cérebro possa assimilar e absorver a arte (4, p. 521). As consonâncias perdem seu
caráter individual com o aparecimento de batimentos entre harmônicos comuns.

Intervalos mais consonantes correspondem à relações de frequência mais simples, que são os intervalos
justos: 2/1: oitava, 3/2: quinta e 4/3: quarta.

Com essa distribuição matemática, as quintas ficaram menores e as quartas maiores, gerando
batimentos de harmônicos que, na maioria das vezes, passam despercebidos pelos nossos ouvidos (mas
não pelo cérebro). Os intervalos de terça maior e sexta maior ficaram maiores que seus equivalentes
naturais, gerando batimentos fortes.

Quadro comparativo:

O problema de entonação do sistema temperado igual é tão crítico que autores como Hermann
Helmholtz sugerem estratégias para afinar um piano. Nelas, os intervalos de quinta são ajustados com
um certo número de batimentos, dentro de um período de 10 segundos (12, p. 489):

Com relação a isso, cabem 2 observações:

1- Se levarmos em conta que temperamento igual é a distribuição de intervalos com comprimentos


idênticos entre os graus da escala, então Helmoltz, com sua estratégia, descaracterizou a escala
temperada, aplicando intervalos com comprimentos exclusivos.

2- A ideia não é julgar o pensamento de Helmholtz e sim constatar a preocupação do autor em tentar
solucionar um problema contundente do sistema de temperamento igual.

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TEMPERAMENTO NO INSTRUMENTO

O arco musical, primeiro instrumento musical de corda, datado de aproximadamente 13.000 a. C., é um
instrumento puro, pois sua única corda não gera intervalos.

A flauta de Divje Babe, de 43.000 anos a. C., possui orifícios que, pela distância e diâmetro, sugerem que
tenha sido construída para soar uma escala pentatônica. Porém, é improvável que seus intervalos sejam
naturais. Estes são mistérios difíceis de ser desvendados.

A afinação temperada, aplicada em instrumentos, se torna mais usual a partir do séc. XVI, devido à
crescente popularidade dos cravos e clavicórdios e à evidente dificuldade de transposição nestes
instrumentos.

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https://laboratoriodeluthieria.wordpress.com/2015/07/02/temperamento-a-musica-atraves-dos-numeros/11/11

Apesar de ter sido um processo de transição lento, hoje sabemos que foi irreversível, a despeito da
quantidade de pensadores e músicos que criticavam duramente tal sistema. Mesmo nos dias de hoje,
muitos profissionais da música lamentam a forma como o sistema temperado igual foi amplamente
disseminado e tomado como sistema perfeito.

Não é raro encontrar pessoas que se deparam com as imperfeições deste sistema e atribuem a causa do
problema ao que imaginam ser a baixa qualidade de seus instrumentos.

Ao que parece, a quantidade de benefícios não supera a quantidade de deficiências oferecidas por este
sistema. Mas por outro lado, esta parece ser a única solução (a mais simples e acessível) para o dilema
da modulação. Seguindo por essa linha de pensamento, o temperamento igual se torna imbatível.

O sistema temperado, por si só, atraiu muitos simpatizantes, que buscavam a modulação e que, graças
ao novo sistema, finalmente conseguiram realizar maravilhosos trabalhos musicais e escritos. Talvez, o
mais célebre de todos tenha sido Johann Sebastian Bach (1685-1750). Este esplêndido compositor e
instrumentista compôs a obra “O cravo bem temperado” ou “Das Wohltemperierte Klavier”.

Esta é a primeira obra que compreende as 24 tonalidades, mas trabalhos menos abrangentes já haviam
sido realizados antes, que também serviram de inspiração para Bach. É, originalmente, uma coleção de
48 prelúdios e fugas, divididos em 2 livros: o primeiro, composto em 1722 e o segundo em 1744. Hoje,
são obras conhecidas como “Livro 1” e “Livro 2” de “O cravo bem temperado”.

O sistema tonal vigente na época de Bach era o mesotônico. Ainda há uma dúvida se Bach buscava
realmente um sistema temperado igual ou apenas um sistema menos complicado (bem temperado), que
lhe permitisse compor e tocar suas ideias musicais com maior fluidez.
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