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Coelho OsCiganosDePortugal PDF

Este documento é um resumo em português de um estudo sobre os ciganos de Portugal realizado por F. Adolpho Coelho. O estudo está dividido em três partes: a língua dos ciganos portugueses, o calão ou gíria portuguesa e suas relações com a língua cigana, e a história e aspectos etnográficos dos ciganos de Portugal com dois apêndices sobre documentos e os ciganos no Brasil.
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Este documento é um resumo em português de um estudo sobre os ciganos de Portugal realizado por F. Adolpho Coelho. O estudo está dividido em três partes: a língua dos ciganos portugueses, o calão ou gíria portuguesa e suas relações com a língua cigana, e a história e aspectos etnográficos dos ciganos de Portugal com dois apêndices sobre documentos e os ciganos no Brasil.
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ROBARTS
SOCIEDADE BE GEOGRAPHIA DE LISBOA

OS CIGANOS
DE

COM UM ESTUDO SOBRE O GALAO

MEMORIA DESTINADA A X SESSAO

DO

CONGRESSO INTERNACIONAL DOS ORIENTALISTAS


FOB

F. ADOLPHO COELHO
S. S. G. L.

LISBOA
IMPRENSA NACIONAL

1892
OS CIGANOS DE PORTUGAL

COM DM ESTUDO SOBRE CALAO


SOCIEDADE DE GEOGRAPHIA DE LISBOA

OS CIGANOS
DE

ZFOIR/TTJO-JLL

COM UM ESTUDO SOBRE O GALAO

NEHORIA DESTIMDA A X SESSAO

DO

CONGRESSO INTERNACIONAL DOS ORIENTALISTAS


FOR

F- ADOLPHO COELHO
8. 8. G. L.

LISBOA
IMPRENSA NACIONAL

189?
Nuestra venture, que fue cuntra nuz,
Por tierraz estranaz nuz tiene perdidaz.
G. Vicente, Far$a das Ciganas.

. somos seriores de los campos, de los


. .

sembrados, de las selvas, de los monies,


de las fuentes y de los rios
. . .
por dorados techos y suntuosos pala-
cios estimamos estas barracas y movibles
ranches

Cerrantes, La Jiianilla.
AO SBNHOR

G-ASTOUST
Meu querido amigo:

Encontrei muitas e valiosissimas ligoes e direcgao para


os meus estudos em todos os seus escriptos, e mais de

uma vez, nas horas de desalento, vieram as suas palavras


affectuosas insuflar-me o ammo que me fallecia. Tinha eu,

pois ; razao sobeja para honrar a pagina


de dedicatoria de
um livro meu com o seu nome illustre e venerado, nao

para pagar a divida, que n&o se paga, mas para provar


que a tinha bem presente no meu espirito.

Nao era este volume de modestissimas aspiragoes o que


eu destinava a esse preito, mas obra de mais folego e por
ventura menos imperfeita. Todavia as circumstancias dolo-
rosas da minha patria, resultado previsto de causas contra

as quaes combato ha mais de vinte annos, a incerteza do

futuro, at6 o mais proximo, tiram-me a seguranga da per-

spectiva de levar a cabo os trabalhos a que tenho consa-

grado mais tempo e mais sacrificios.

Agora que se me offerece ensejo de Ihe enviar uma ex-

pressao publica do meu respeito e reconhecimento, apro-


veito-a ; pedindo-lhe que ; como critico a aprecie no pouco

que ella vale, mas como amigo a considere so pelo que

ella quer significar.

Lisboa, 1 de setembro de 1892.

F.^Adolpho Coelho.
O presents trabalho e" o desenvolvimento e complemento
de uma curta noticia que ministrei aos redactores de Con-

gr^s international d'anthropologie et d'archeologie prehistofa


ques, Compte rendu de la neuvieme session a Lisbonne. 1880
(Lisbonne, Typographic de TAcademie Royale des Scien-
ces, 1884, 8. gr.) e que elles quizeram dar-me a honra de
inserir nesse volume, de pag. 667 a 681, e fazer reprodu-
zir numa tiragem a parte de 50 exemplares.
Divide o trabalho em tres partes :

I. A lingua dos ciganos de Portugal.


II. calao ou giria portuguesa e suas redoes com a
lingua dos ciganos.
III. Historia e esbo90 ethnographico dos ciganos de Por-

tugal com dois appendices, um contendo documentos, outro


sobre os ciganos do Brasil.

Cumpre-me dizer que este trabalho teve por ponto de

partida materials reunidos pelo intelligente e infatigavel


folk-lorista de Elvas, o sr. A. Thomaz Pires, que a pedido

meu investigou a lingua e a ethnographia dos ciganos do


Alemtejo, ja directamente, ja com o auxilio de amigos seus

alemtejanos.
Na
Revista Lusitana, I (1887), pag. 3 a 20 publiquei
um primeiro ensaio sobre a lingua dos ciganos do Alem-
tejo, baseado sobre alguns
curtos textos e uma lista de

palavras que aquelle investigador me enviara, contendo ao


todo uns 250 termos.

Depois d'aquella publicagao o sr. Pires enviou-me algu-


mas phrases novas e uma nova collecgao de termos, co-

Ihido tudo da boca de um cigano pelo sr. Francisco Lobao


Rasquilha, lavrador dafreguezia de Santa Eulalia, no conce-
Iho de Elvas. De outro lado o redactor da Revista Lusitana,
sr. Jose Leite de Vasconcellos, teve occasiao de estudar

a lingua de um
grupo de ciganos que encontrou no Cadava]
(Extremadura), naquelle mesmo anno, e enviou-me o resul-
tado d'esse estudo. Um dos ciganos, que Ihe ministrou os
elementos da lingua, disse que elle e a sua gente eram
originarios dos arredores de Lisboa. sr. Leite de Vas-

concellos poude auxiliar-se do meu artigo, publicado na


sua Revista, e como notou algumas differengas entre os
dados alii reunidos e os que elle colheu, suppoz a existencia
de um dialecto particular nesses ciganos que se diziam da
Extremadura. As differengas notadas existem, em parte
pelo menos, tambem entre os ciganos do Alemtejo, como
provam os factos novos que me deu a conhecer o sr.

Pires; assim a forma romano, notada pelo sr. Leite de

Vasconcellos, existe tambem no Alemtejo.


Com os novos subsidies, o vocabulario apresenta agora
cerca do dobro dos termos ou formas differentes que tinha

naquella publicagao ; algumas formas nao sao dadas em ar-

tigos especiaes, mas nos mesmos


artigos que as variantes.
Os termos ou formas novas colhidas na Extremadura pelo
sr. Leite de Vasconcellos levam a abreviatura VASC., que
as distingue das recebidas do Alemtejo.
confronto dos novos materiaes com os anteriores, nova
revisao dos vocabularios gitanos a minha disposi9ao per-
mittiram diversas correcyoes nos textos e vocabulario, em
que supprimi tambem alguns artigos ou por muito duvi-
dosos ou por inuteis.
A investigate do sr. Leite de Vasconcellos confirmou
pela maior parte os dados do vocabulario publicado na
Rvvista Lusitana: ao cigano por elie explorado so eram
desconhecidos os seguintes termos d'aqueile vocabulario :

bocunchas (inas conhecia a forma boque), chasar, chupefio,


chubelar, chorime, chiquel (mas conhecia a forma chuquei),
churon, combisarar, cratid, culrro, dicafii, ernd, gajon, gor-
belar, grupo, gustipeni, istitelar (mas conhecia ustilar),

jucalorrOj lien, milieu, miquelar, olibds, olipando, pandelar,


parnau (mas conhecia parne), patarro, pate, pato, peti,
raisaro, rebrandihi, satalla (mas ministrou o termo asita-
lluna, que e connexo com satalla), sombrime, sonsidelar,
soltar, sorbar (mas conhecia a forma sobar), tardimen, ta-
ribe (mas conhecia a forma estariben), taripenas (cfr. esta-

riberi), trupo. Alguns desses termos


nEo sao do fundo tsi-
gano europeu.
Das formas e vocabulos novos recebidos ultimamente
do Alemtejo vinham os seguintes na lista do sr. Leite de
Vasconcellos: abillar, chor foro, llaque, mol, najar, pa-
}

pires, pallilli (paquilli), quer, romano, tusa.


A reconhecida competencia do sr. Leite de Vasconcel-
los como dialectologo ? a perfeita seriedade do sr. Thomaz
Pires e seus collaboradores, todos os caracteres intrinsecos
do que reuniram ? incluindo os erros que revelam a novi-
dade do assumpto para elles, provam-me a evidencia a
perfeita authenticidade dos textos e do vocabulario. Se
nalguns rarissimos casos houve burla, essa partiu dos ciga-
nos. O sr. Pires conta, por exemplo, que um cigano a

quern perguntou o que era lua na sua lingua, Ihe respondeu


que era balebd, que alias significa toucinho.
As redoes entre o tsigano e as girias justifica a adjunc-
9ao a este trabalho da parte II. Se mais fosse precise para
me justificar, lembraria o exemplo de Pott, que na intro-
ducyao do vol. II dos seus Ziyeuner se occupou das girias
em geral. Em verdade o assumpto tomou aqui maiores di-
mensoes do que era meu intuito primitive dar-lhe e ainda
assim deixei de inserir muitos factos que -determinei.
Os dados do esbo90 ethnograpliico dos ciganos que se
acha na parte III proveem principalmente do sr. Thomaz
Pires, a quern devo tambem o traslado dos documentos que
descobriu no Archivo da Camara municipal de Elvas.
Sem duvida mais largas investigagoes nos archives e nos
escriptores permittiriam alargar essa terceira parte; mas
faltando-me o tempo para essas investigagoes, exprimo o
desejo que outrem as faga.
O fim principal d'este estudo e ministrar a sciencia os
dados essenciaes de que ella carecia para completar com
o conhecimento dos ciganos de Portugal o dos outros
grupos irmaos, ja mais ou menos estudados. O assumpto
era, por assim dizer, virgem, pois apenas aqui e alii se
encontrava alguma rara e accidental noticia dos nossos ci-
ganos e acerca da lingua d'elles nem palavra em os nossos
escriptores, que ate foram sempre escassos no que res-
peita aos ciganos em geral. Permitta-se-me que ponha
em relevo, todavia, que esse mesmo estudo se liga ds
minhas investigagoes geraes sobre as linguas mixtas, de
que os dialectos tsiganos sao tao frisantes exemplos, e sobre
os problemas da ethnologia geral, taes como a persistencia
dos caracteres ethnicos, as migragoes, as formas primitivas
das relagoes internacionaes, problemas para cuja solugao
a tsiganologia ministra dados importantes.

Julguei dever encerrar-me em muito modestos limites.


Os problemas geraes relatives aos tsiganos (designo assim,
com outros investigadores, os ciganos Portugueses e todos
os grupos parentes dos outros paizes)teem sido objecto de
consideraveis trabalhos, a que envio o leitor desejoso de
se informar, porque poderia dar apenas a minha opiniao
e de modo algum materiaes novos para resolver aquelles

problemas ; e essa mesma opiniao nao offereceria nada de


novo, pois eu sigo simplesmente a direcgao em que se col-
locam os espiritos menos phantasistas e que e a que pre-
valecera naturalmente na sciencia.
O presente trabalho demonstra, creio, que os ciganos
de Portugal devem ser considerados conio um simples ramo
dos gitanos de Hispanha; ora a lingua d'estes foi objecto
de diversas publica9oes, conhecidas, dos principaes glotto-
logos que se occuparam da lingua tsigana, Pott, Ascoli e
em geral, a comparar o cigano
Miklosich; por isso limitei-me,
com o gitano, sem ir mais longe ; porque se quizesse pe-
netrar nas fontes remotas do cigano e do gitano pouco mais

poderia fazer que repetir o que escreveram aquelles inves-


tigadores celebres, e esse pouco exigiria longos estudos
para os quaes me
faltam o tempo e os indispensaveis meios.
A quern queira instruir-se sobre os tsiganos em geral
indicarei, alem dos trabalhos de Pott, Ascoli e Miklosich,
cujos titulos transcrevo mais abaixo, as seguintes publica-
9068, em que, como nas d'esses glottologos, se achani abun-
dantissimas mdica9oes bibliographicas, que nao haveria uti-
lidade nenhuma emrepetir aqui:
Origin of Gypsies in Edimburgli Review, n. 303.
Francis H. Groome. Gipsies in The Encylopaedia bri-
tannica, vol. x (1879), pag. 611-618.
Adriano Colocci. Gli Zingari. Storia d'un popolo errante.
Turin, 1889.
Guido Cora. Die Zigeuner in Das Ausland. Jahrgang 63
os
(1890), n. 31, 32, 33, 34, 36.
Pischel. Die Heimat der Zigeuner in Deutsche Rundschau
1883, Sept., pag. 353-375.
Paul Bataillard. Diversas memorias, cujos titulos se
acham em Colocci.
A. Pott in Internationale Zeitschriftfur
allgemeine Sprach-
ivissenschaft, II (1885), pp. 110-115.
'
A LINGUA DOS CIGANOS

a) Textos

1. Ai chai! 6 tu! (?)


2. Gorobon de sanacay. Um cordao de oiro.
3. Currelalo, ustitelalo. Bate-ihe, agarra-o.
4. El jambo se camela ru- homem que quer casar-se.
mandinar.
5. Manguinela el jambo. Pede ao homem.
Ustilela al jambo.
6. Para j alar terela boque. Para comer se temjfome.
7. Parries de sanacay. Moedas de oiro.

8. Non li
pineles. Nao Ihe pegas.
9. Mira que te dica. Repara que te olha.
10. Sonsidela qu'el gajon Repara que o gajo esta

diquela. olhando.
11. Mira ese paio. Olha esse estranho.
12. Por la tasara di calico ! Pela manha.
13. Por la tardimen. Pela tarde.

Como a base principal da lingua dos ciganos de Portugal e o


1

hispanhol, ainda que influenciado pelo portugues, emprego a ortho-


graphia hispanhola. Represento todavia por x o som do port, ch
no Sul. Sigo a disposi9o usual nos vocabularies Portugueses.
8

14. Es di chibe. E de dia.

15. Medio chibe. Meio dia.

16. Media arachi. Meia noite.


17. Plasarela el larnpio. Apaga a candeia.
18. Si chalo. Foi-se embora.
19. Aplasarelate, abaixare- Abaixa-te. (?)
late.

20. S'esta chibando airun. Esta-se abanando (a lettra:


esta-se deitando ar).
21. Non le camelo. Nao o quero.
22. Ni dicalo. Nem ve-lo.
23. Miquela que m'istitelan. Deixa-me que me apanham.
24. Miquela que lo ba ajus- Deixa que o va ajustar.
tisarar.

25. Miquelarne sorbar. Deixa-me dormir.


26. Estoy acharan. Estou zangado.
27. Lo mararon en un casti. Mataram-no nuni poste, na
forca.
28. Beta's niachingarn6. Estas bebado.
29. Por el palono me quie- Querem-me roubar pelo cur-
ren ustabar. ral.

30. Alia chalo. La vou.


31. Ya chaso. Ja venho.
32. Non pmeles eso. Nao digas isso.
33. Te ainarelo con una Mato-te com uma faca.
churi.
34. Manguinela que non e Dize-lhe que nao 6 rouba-
pirabada. da. (?)
35. Pode pillar en todas las Pode beber em todas as

panis. aguas.
36. Manguinela 6 labrao- Pede ao lavrador que te de.
resa (ou Iaboro9al) que
te dinele.

37. Escusas de manguinar Escusas de pedir que nao te


que non te caniela di- quer dar (ou que nao te
nar (ou que non te di- da).

nela).
9

38. Mecles! Non chingare- Alto ! Nao ralhes mais com


les mas con los ga- os collegas!
ches.
39. Ai! mi patarro mar6 a Ai! meu pae morreu, a quern
7

quien me combisarare me encommendarei eu?


yo?
40. Chasa, manu! Ustila la Anda, homem! Toma a es-
pucf y amarila este pingarda e mata esse ho-
jambo que bamos a ni- mem que vamos roubar-
cobar los panics. Ihe o dinheiro.
41. El sacramento Otibe sea sacramento de Deus ve-
el que benga en mi nha em meu auxilio.

bea!
42. Ay! el sacramiento Oti- Ai! o sacramento de Deus
be que nos ba marar! que nos vae matar! Olha
Mira lo que querela o que fazes, Deus !

1
(sic), Otibe!
43. Que chorro esta el chibe Que carregado esta o dia que
que non pueden andar nao podem andar os cSes.
los chiqueles!
44. Del posono si chicubela Da nora se tira a agua.
la pani.

45. Te bas alijerar tanto Vaes abarcando tanto que os


qui a luego los jam- homens vao-nos tirar com
bos nos ban a ustilar o vulto do que abarcas.
con el grupo di lo que
ligarelas.
46. La dicani esta abertisa- A porta esta aberta, a ver se
ra, a ber s'el jambo o homem nos olha, a ver
nos diquela, a ber se se o podemos roubar.
lo podemos ustabar.
47. Entrun la calli a una Entrou a cigana numa loja e
camalli y ustilo dos roubou dois lenos, e os
dicles, y los jambos homens atras d'ella corre-

Exclarna9ao por occasiao das trovoadas.


10

detra si la clialaban y rani e tiraram-lhe os dois


I'ustilaran las dos di- lencos e a cadeia a leva-
cles a la taripenas la
;
ram.
chibaran (ou la liga-

raran).
48. Nonquerela baguin. Nao faga caso.
49. Escusas de manguinar Escusas de pedir que nao te

que non te camela di- quer dar, ou que nao te

nar, ou que non te da.


dinela.
50. Terela alguna guchi. Tern alguma coisa.
51. Terela bute parnes. Tern muito dinheiro.
52. Tu billelas ou te maque- Vens ou deixas-te (fleas)?
las?
53. Finelale que non es ma- Dize-lhe que nao es rouba-
lade. da.
54. Be se te dinela. Ve se te da.
55. Bamos pirabala. Vamos violenta-la (futuere).
56. Bamos? Nanais, que Vamos (roubar)? Nao, que
esta narachichunga. esta a noite feia ; tene-
brosa.
57. Me lo pinaran a mangue. Contaram-m'o a mim.
58. No molachi. (Diz-se de um cobarde ?)

59. Guillemos aracarar. Vamos fallar.

60. Barnos junar Otebel la Vamos ouvir missa?

cangueri ?

61. Tusa chalelas. Tu sabes.


62. Amanga non terelo. Eu nao tenho.
63. Abillela, los jambos d'a- Vem ;
os estranhos (os nao

pale de trds de la ciganos) atras da gente


*
suete. (correm).
64. Abillela 6 coi. Vem ca.

65. Pasa medio chibe. Passa de meio dia (e tarde).

1 Esta phrase trazia a traducQao : olha que correm atras de ti;


mas abillelar significa vir; apald detras ; poz-se, pois, no texto a
traduc9ao d'esse adverbio cigano.
11

66. Posta del can. For do sol.

67. Plajo para las nacle"s. Rape.


68. Plar la chaborilla. Irma.
69. Ron de mi plar. Cunhado (a letra: marido
de men irmao ou irma).

70. A noche estube en chique 1

Dama, para pirabar-te ;

Pe 2 non ha podio se,


Qu'estabas con el arate.

71. Catro cales me dinaste


Hermosisimo chupeno,
Y yo te he dicho trinca el bato
3
Qu'el arachi nos beremos .

72. Por no haberle dinau el mando,


Aora serrana me beo,
4
Castigai-ta de sus manos .

73. Eneruno. Se tu pam fu- Janeiro. Se tu agua (chuva)


rata chicubelas, en fora deltas (?) nos tens
tus mules me jinelo ;
mortos me ca ;
nem
ni el chuquel a la o cao a rua pode sair em
oricha puede sicabar teus dias.
en tus chibes.

74. Ferbriuio. Como came- Fevereiro. Como queres que


las q'ustabele s'eres roube se es um leiteiro, se
un lecher uno, si non nao deixas roubar, porque
miquelas ustabar, as noites sao penosas ;
as

1
Em (tua) casa.
2 Pero.
3 Deste-me um bellissimo beijo por quatro quartos ;
e eu disse-te
desvia (?) que nos veremos a noite.
o pae ;

4
Texto evidentemente incorrecto.
12

porque las arachis niaos nao me deixam, com


son penosas 5
las patis o frio, desamarrar as bes-
non mi miquelon, del tas.

hir ? desamarisar las

petis.

75. Marso. Como camelas, Margo. Como queres, Mar-


Marso, que yo baya 90, que va roubar, se as
a randar, se tus panis tuas aguas sao muitas e eu
son muchas, y yo non nao posso passar? Se rou-
puedo colisarar ? Se bar posso duas eguas, os
ustabar puedo dos ribeiros estao de tras, rou-

granis, los raisaros bal-as pude, e agora pas-


estan di tras, randalas sar?
he podido, y ora el
pasisarar ?

76. Abriluncho. Abela con Abril. Vem com as favas no


las habunchas en el mandil.
mandiluncho.

77. Maio. En las fardisaras Maio. Nas saias de minha


de rni romi mi sorbelo. mulher me durmo.

78. Juiiioluncho.Los sega- Junho. Os segadores vao a


brunchos ban a segui- segar e os ciganos vao^de-
sarar y los cales ban tras e furtam os burros
di tras, y nicobelan quando dormindo s' estao.
los gues, cando sor-
bando s'estan.

79. Juliuncho. Como las Julho. Com as eguas poes a

granis pones a hacer fazer a debulha, sabendo


la mulla, sabiendo que que acabam a debulha,
acaban la mulla, y e e saem os ciga-

ehuga, y salen los ca- nos e as roubam?


les e se las nicobelan?
80. Agustuncho. En la huer- Agosto. Na horta estd o
tisara sina el julay; hortelao; adormeceu ja;
solto se ya ;
los chu- os cSes me ladram, eu po
queles me ladrisare- Ihe dou, ja Ihe furto duas
lan ; yo manro le bestas que grandes sao ja.

chubelo, ya le chicu-
belo dos petis que ba-
rias son ya.

81. Setembrimcho. Como Setembro. Como deixas as

miquelas las clioris mulas em os curraes,


en los palonolares, sendo o mez mais contra-
siendo el mesuncho rio dos roubos ? Deixaste-
mas contrariuncho de las roubar ;
vem um ciga-
los gustipenis ? Dejas- no e t'as rouba.
telas choriar, biene un
calo y te las nicoba.

82. Octubruncko. Esta lo Outubro. Esta o pastor na


pastorchuncho en su sua choga, e os caes la-
chosime, y los chu- dram e os ciganos Ihe rou-

queles ladrisarelan, y bam as burras.


los cales le nicobelan

las ernas.

83. Novembrimcho ? Novembro ?

84. Decembruncho. El me- Dezembro. mez das fomes.


suncho de las bocun- Andam os ciganos de
chas. Andan los cales mohte em monte para
de montuncho en poder comer. Janeiro
montuncho para po- vem, e saimos a roubar,
der jalar. Eneruno para vir bom tempo, para
abela, y sicabamos a os filhos poderem comer
randar ; pa benir bon
tempisaro, pa los cha-
borrillos poder jalar.
14

b) Yocabulario

Incluo neste vocabulario todos os termos proprios da

lingua dos ciganos, ainda quando sao derivados de palavras


hispanholas ou portuguesas, ou quando sao palavras his-
panholas ou portuguesas, sem suffixo novo, mas com si-
gnificagao propria ao cigano, excluindo ou o que e sim-
plesmente hispanhol ou portugues, ou ainda as formas
mixtas hispano-portuguesas.
Em as notas que seguern as defim9oes ? limito as minhas
compara9oes ?
como ja disse, ao tsigano ou gitano da His-

panha. Essa parte comparativa seria talvez mais completa


se eu tivesse a minha disposi9ao as obras seguintes :

R. Campuzano. Origen, usos y costumbres de los gitanos,


a
y diccionario de su dialecto. 2. edicion. Madrid, 1851.
E. Cruzillo. Vocabulario del dialecto gitano. Madrid, 1844.
A. de C. Diccionario del dialecto gitano. Origen y cos-
tumbres de los gitanos. Coritiene mas de 4:500 voces.

Barcelona, 1846.
D. A. Jimenez. Vocabulario del dialecto gitano> con cerca
de 3:000 palabras. l. a ed. 1846. 2. a ed. Sevilla, 1853.
V. de Rochas. Les Parias de France et d'Espagne (Cagots

etBohemiens). Paris, 1876. (Contem palavras do dialecto


dos gitanos do norte de Hispanha.)

A seguinte publicagao e ? segundo Pott ? um extracto da


de Borrow, abaixo citada:

Hudson. Gli Zingari in Spagna. Milano, 1878.

Os trabalhos que possuo sobre a lingua e litteratura dos

tsiganos da Hispanha sao os seguintes:

George Borrow. The Zincali; or an account of the Gy-


psies of Spain. London, 1843. 2 vol. 8., vol. n. Appendix:
The Zincali. Vocabulary of their language, pp. *3 *119.
15

El gitanismo. Historia, costumbres y dialecto de los gitanos,


por D. Francisco de Sales Mayo. Con un epitome de
gramatica gitana, primer estudio filologico publicado
hasta el dia, y un diccionario ca!6-castellano, que con-
tiene, ademas de los significados, muchas frases ilustra-
tivas de acepcion propia de las palabras dudosas.
la

Por D. Francisco Quindale. Novissima edicion. Madrid,


1870. peq. 8. 76-76, pp.

recogidos e anotados por


Colecion de Cantes flamencos,
Demofilo (Antonio Machado y Alvarez). Sevilla. 1881,
peq. 8."
Die Cantes flamencos, von H. Schuchardt. Halle a/S. 1881,
8. (Separatabdruck aus der Zeitschrift fur rom. Philo-
1
logie, v.)

Francisque Michel. Le pays Basque, sa population, sa Ian-


gue, ses mmurs, sa litterature, et sa musique. Paris, 1857,
8. Cap. vii: Les Bohemiens du pays basque. Vocabu-
laire p." 144-146.

Os trabalhos scientificos de que me sirvo para o estudo


dos dialectos tsiganos em geral sao os seguintes :

A. F. Pott. Die Ziyeuner in Europa und Asien. Etlino-


graphisch-linguistiche Untersuchungen, vornehmlicli ihrer
Herkunft und Sprache, nach gedruckten und unge-
druckter Quellen. 2 vol. 8. Halle, 1844-1845.
G. I. Ascoli. Zigeunerisches. Besonders auch als nachtrag
zu dem Pott'schen werke Die Zigeuner in Europa und
Asien.
Halle, 1865, 8.
Dr. Franz Micklosich. Ueber die Mundarten und Wander-
ungen der Zigeuner Europa 's. i-xn in Denkschriften der
kaiserlichen Akademie der Wissenschaften. Philosophisch-

1
Nao esteve d miuha disposi^ao o livro de Balsameda y Gonzalez,
Primer cancione.ro de coplas flamcncas popular es segun el estilo de
Andalucia. Sevilla, 1881. Vid. sobre esse poeta flamenco F. Rodri-

guez Marin, Cantos populares espanoles, vol. in, pp. 230-234.


16

historische Classe. Wien, 1872 ss. Bd. xxi xxn, xxiii,


;

XXV, xxvi, xxvn, xxx, xxxi. Beit-rage zur Kentniss


der Zigeunermundarten. I IV. Sitzungsberichte der kais.
Akad. der Wissenschaften.Wien. Bd. LXXVII, LXXXIII, xc.
Das tres primeiras memorias cito a paginagao da separata,
das outras a paginagao do corpo dos Denkschriften.

abaixarelar, v. a. Abaixar. Vid. abaixisarelar.


abaixisarelar, v. a. Abaixar. Port, abaixar.
abelar, abillar, v. n. Vir, chegar. Git. abillar, abillelar,
v. n. Venir, acudir. MAYO. BORROW.
abertisara, s. e adj. f. Aberta. Port, aberta.

abillelar, v. n. Vir. Git. abillelar, v. n. Venir, llegar.


MAYO. To come. BORROW.
abriluncho, s. f. Abril. Port, e hisp. abril.

acais, s. m. pi. Olhos. VASC. Vid. sacais.

acbaran, adj. Zangado. Git. jaoharar^ v. a. Calentar,


escaldar, abrasar. MAYO. To burn. Quemar. BORROW, ja-
chare, s. m. Quemazon, tormento. MAYO. Esta derivagao
foi-me suggerida por Demofilo, Coledon de cantes flamencos,

p. 43, n. 1, e justifica-se 1. phoneticamente, pela troca de


:

h e j em
gitano e cigano (vid. jambo); 2. morphologica-
mente, porque acharaii por *acharano e uma forma do part,
pret. frequente em tsigano (Miklosich, Abhandl. II, 14),
o que se confirma ainda pela forma achardo, colhida pelo
sr. Leite de Vasconcellos, e que e um participio pret.
em c?o, typo tambem frequente em tsigano (Miklosich,
ibid., p. 8 segg. ;
vid pinodo) 3. ;
semanticamente pelo
facto, entre outros, de que o hisp. quemarse tern os sen-
tidos de
queimar-se, agastar-se, impacientar-se. <tEstar
acharado, diz Demofilo, es otro modismo andaluz que si-
gnifica estar con disgusto, pero disgusto que tiene mas de
17

pena concentrada que de ira; la palabra acharao, acharado,


es el participio del verbo achararse que parece calo, aunque
no lo hallamos en el diccionario de D. Francisco Quindal6.
Este verbo se emplea mucho en Andalucia en sentido de
incomodarse, enojarse, disgustarsea. Demofilo correlacio-
na-o com git. jacharar.
achardo,, adj. Zangado. VASC. Vid. acharan.
achoehmar, v. a. Louvar.
acolistamente, adv. Sem ser presentido. Vid. cotista.

agostuncho, s. m. Agosto. Port, e hisp. agosto.

acjulla, s. Laranja. Vid. gollas.


s. m. Ar. VASC.
airesuuchoj Hisp. aire.
airun, s. m. Ar. Hisp. aire.

ajustisarar, v. a. Ajustar. Hisp. ajustar.


alijerar ? v. a. Vid. ligarar.
almarronas, s. f. pi. Alforges. Git. manrona, s. f.
Alforja.
MAYO, manronas, s.
pi. Bags (for bread). BORROW.
alsiplesis ? s. m. pi. Casas dos botoes.
amanga, (amangues.VASC.), pron. pess. Eu. (N6s, nos?).
Git. amangue, pron. pess. Nosotros, nosotras, nos (en ge-
neral). MAYO. Vid. mangue.
amarelar, v. a. Matar. Vid. marar.
ancia, s. f. T. giria. Agua. VASC. Vid. infra calao ancia.
'

ancian, s. m. Moinho. Git. asid, s. m. Acena, molino.


MAYO, azia, s. f. Mill. BORROW, osian. Schuchardt, p. 12.

andantes, s. f.
pi. T. giria. Meias. VASC. Port, e hisp.
andar.
apale, adv. Detras. Git. apald, adv. Detras. MAYO.
Behind. BORROW.
aparador, s. m. T. giria. Cao. VASC. Port, e hisp. aparador.
apatuscos, pi. s. m. T. giria. Aparelhos de montar. Mis-
tura de port, aparelho ou hisp. aparejo com port, patusco,
associado unicamente pelo som.

aplasarelar, v. a. Pagar. Abaixar? Git. plasarar, v. a.

Pagar, satisfazer, recompensar. MAYO, BORROW.


aracana, s. m.
Guarda, policia. aracate, VASC. Git.
s. 2. Guarda. MAYO. s. m. Guard. BORROW, jaracafiales,
18

s.
pi. Guards, officers of the revenue. Guardas, carabi-
neros. BORROW.
aracarar, v. a. Vid. araquerar.

arai, s. m. Cavalleiro. VASC. Git. eray, s. m. Cabal lero.


MAYO. Gentleman, knight. BORROW.
arachf, s. f. Noite. Git. aracki, s. f. Noche. adv. De
noche, por la noche. MAYO. Last night. Anoche. BORROW.
araquerar, v. a. Fallar. Git. araquerar, v. a. Hablar,

seiialar, proclamar. MAYO. To speek, talk, call. BORROW.


arate ? s. m. Sangue. Git. arate, s. m. Sangre, mens-
truacion. MAYO.
arboleo, s. m. Arvore. VASC. Hisp. arbol, atboledo; port.
arvore, arvoredo.
archi, s. f. Noite. VASC. Vid. arachi.
aricanas ? s. m. pi. Botoes.
ascuno, s. m. Abysmo? (Asco, nojo. VASC. Port, e hisp.
ascO.)
asitalluna, s. f. Azeitona. VASC. Vid. satalla.

atracay, s. f. Uva. Git. traquia, s. f. Uva. MAYO. BOR-


ROW.
B

baguim ? s. m. Caso (importancia, consideragao). Git.


bajin, s. m. Eespeto, atencion. MAYO.
balaba, (balba. VASC.), s. m. Toucinho. Git. baleld, baliM,
s. m. Tocino. MAYO.
s. m. Cabello. Los bales del mm,
bale, bigode. Git. bal,
bale, s. m. Pelo, cabello. MAYO. s. f. Hair. Pelo. Borrow.

baleba, s. m. Vid. balaba.


(balicho. VASC.), balichii, s. m. Porco. Git. baliche, s. m.
Cerdo, puerco. MAYO, balicho s. m. Hog. Marrano. BOR- ',

ROW. Cf. bato 2.


balul ? s. m. Azinheiro.

(balulas. VASC.), balules, s.


pi. Vid. balunes.

balunes, s. m. pi. Ca^as. Git.


balune, s. m. Calson
corto. balunes , s.
pi. Pantaloons. Pantalones. BORROW.
bancuncho, s. m. Banco. VASC. Port, e hisp. banco.
19

1. bar, s. f. Pedra. VASC. Git. bar, s. f. Piedra, roca.


MAYO. Stone. BORROW.
2. bar,Horta. Git. bal, s. f. Garden, kitchengarden.
s.

Jarclin. Huerta. BORROW. Noutros dialectos tsiganos bdri,

bar, sebe, jardim. Miklosich, Abhandl.j vu,


175.

barbalo, adj. Rico. Git. barbalo, i, adj. Eico, exquisite.


MAYO. Rich, strong. Rico, fuerte. BORROW.
barb iina, s. f. Barba. VASC. Port, e-hisp. barba.
baivo, s. in. Carneiro. Vid. harqui e brauquia.

baro, adj. Grande. (Jit. bare, baro, bari, adj. Gran,


grande, superior, excellente. MAYO, Great. BORROW. A
forma barids do texto n. 80 e o feminino plural, em git.

barias, com trans^So do accento.

barqui, Ovelha. Vid. barco e brauquia.


s. f.

barr, s. Horta. Vid. bar 2.


basisaro, s. m. Copo. Hisp. vaso.

basni, basfio, s. Gallinha, gallo. Git. basuo, s. in. Gallo.


MAYO. Cock. BORROW.
baste, s. m. Mao. VASC.
Git. bate, baste, s. f. Mano.

MAYO, bas, s.
f., bastes, pi.
The hand. Mano. BORROW.
bata, s. f. Mae. Git. bata, s. f. Madre. MAYO.
1. bato, s. in. Pae. Git. bato, s. m. Padre. MAYO.

Father. BORROW.
2. bato, s. m. Porco. Bisc. baticho, balicho, cochon. Fr.

Michel, p. 144.
bea, s. m. Auxilio. (Justi9a. VASC.) [Git. bea, s. f. Me-
dida. MAYO].
bibiora, s. f. Abelha. Tsig. bisc. bedeyo, abeille. Fr.
Michel, p. 144.
bicha, s. f. Cobra. Port, bicha.
billelar-se, v. refl. Vir. Vid. abillelar.
binar, v. a. Vender. Git. binar, v. a. Vender. MAYO.
To sell. BORROW.
blaiicaera, s. f. T. giria. Cal. VASC. Hisp. bianco.
bobe, s. f. Fava. Git. bobi, s. f. Haba. MAYO, bobes,
s.
pi. Beans. Habas. BORROW.
bocuncbas, s. f. Fome. Vid. boque.
20

boque, s. f. Fome. Git. boqui, s. f. Hambre. MAYO, bo-

qui, boquisj s. f.
Hunger, famine. BORROW.
brancuncho, adj. Branco. VASC. Port, branco.
branquia, s. m. Carneiro; borrego. s. f. Cabra. Git.
braco, s. m. Carnero. braqui, s. f.
Oveja. braquilo, i, s.

Cordero, a. MAYO, bracuni, s. f. A sheep. Oveja. BORROW.


braqui, Ovelha. VASC. Vid. barqui e branquia.
s. f.

1. s. m. Monte. Git. breji, s. m. Field, moun-


bregue,
tain. Campo, monte. BORROW.
2. bregue, s. m. Anno. Git. breje, s. m. Ano. MAYO.
bucharron, s. m. Tiro. Git. bucharrar, v. a. Echar, arro-
jar, lanzar, etc. MAYO, bucharar, v. a. To shoot. BORROW.
budar ? s. Porta. Git. burda, s. f.
Gate, door. Puerta.
BORROW.
bul, s. m. Membro viril (?). Git. bul, s. m. Orificio, ano.
MAYO. The anus. BORROW.
bute, adv. Muito. Git. but, adv. Muy. MAYO, buter, bur

tre, adv. More. Mas. BORROW.

cabruncha, s. f. Cabra. VASC. Port, e hisp. cobra.

cachas, s. f.
pi. Tesoira. Git. cacha, s. m. Tijera. MAYO.
j pi. Scissors. BORROW.
s. f.

caique, pron. indef. Ninguem. Git. caique, pron. indef.


Nadie. adj. 2. Ninguno, a. MAYO.
cajuqui, s. f. Lua (?). (adj. f. Surda. VASC.) [Git. caju-
quy, s. f. File. Lima. BORROW, cajuqui, adj. f. Surda. MAYO.
A lua seria chamada a surda?]
calduncho, s. m. Pao. Port, e hisp. caldo.
ca!4 9 s. m. Moeda de cobre. Git. cale, s. m. Cuarto de-

nario, moneda. MAYO.


callardi, s. f.
(Preta. VASC.) Lucto. Morcella. Git. ca-
llardi, adj. f.
Negra. Vid. callardo, adj. Black. Negro.
BORROW.
m. Manha. Git. callico, s. m. y adv.
callico, calico, s.

Manana. MAYO, callico, s. m. Dawn. Madrugada. BORROW.


21

calo, cale", adj. e s. in. Cigano. calli, adj. e s. f.


Cigana.
Git. calo, calli, adj. Gitano, a. Atezado, moreno, a. MAYO.
calo, caloro, s. m. A Gypsy, a black, calli, s. f. A Gypsy
woman. BORROW.
carnal]!, (camelii. VASC.), s. f.
Loja, casa de venda. Git.
cameni, s. f.
Shop. Tienda. BORROW.
cambele's, s. m. Camarada (?).

camelar, v. a. Querer, amar. (VASC. da camelo, como s.


a
m. amor, amisade; mas e talvez pess. pres. ind.) Git. l.

camelar, v. a. Querer, consentir, enamorar. MAYO. To love.


BORROW.
carneli, s. Prima (?).
f.

camiiia, Caminho. VASC. Hisp. camino.


s. f.

s. m. Sol. Git. cam, s. m. Sol. MAYO, cam, can,


can,
s. m. Sun. BORROW.
cangre", (cangri. Vase.), cangueri, s. f.
Igreja. Git. can-
gari, cangri, s. f.
Iglesia. MAYO. BORROW.
cani, s. f. Orelha. Git. cane, s. m. Oido. MAYO, cam*,
B. f. Ear. Oreja. BORROW.
carruncho, s. m. Carro. VASC. Port, e Hisp. carro.

cascabes, s. f.
Tigella. Git. cascardbi, s. f. Caldera.
MAYO.
castende, m. Varapau. VASC. Vid. casti.
s.

(caste. VASC.), casti, s. m. Pan, peda90 de lenha. Git.

caste, cate, s. m. Palo, baston; arbol. MAYO.

centenate, s. m. Centeio. VASC. Hisp. centeno.


chadi, s. f. Feira. VASC. Vid. chede.
chaborri, cliaborilla, s. f. Menina. chaborron, s. m. Me-
nino. chaborrillo, s. m. Filho. Git. chabo, i, s. Nino, mu-
chacho, a. chabaro, i, s. Hijo, a. MAYO.
chague, s. f. Couve. Git. chaja, s. f.
Cabbage. Col. BOR-
KOW.
chai. A phrase ai chai ! veiucom a traduc9ao : 6 tu ! Mas
Git. chai, s. f.
(de chabi). Nina, mocita. MAYO, chai, s.
pi.
Children, fellows, Gypsies. Ninos, muchachos. Jitanos.
BORROW.
chai, s. m. Herva. Git. cha, s. m. Yerba. MAYO.
22

chalar, v. n. Ir, andar, caminhar, correr. ckalar se, v.


refl. Fugir. Git. chalar, v. Ir ; andar, caminar, marcharj
meter; pasar. MAYO. To walk,, to go. BOKROW.
ckalelar, v. a. Saber. Git. -chanar, v. a. Saber. MAYO.
chanelar, v. a. Entender, saber, conocer. MAYO. To know.
BORROW.
chardo, m. Cobertor.
s.

ekaribeo, m. Cama. VASC. Grit, cheripen, s. f. Lecho,


s.

cama. MAYO, charipe, s. f. Bed, bedstead. BORROW.


charo, s. m. Prato. Git. chard, s. m. Plato. MAYO.
ckasar, v. n. Vir, andar. Git. chasar, v. a. Pasar, tras-
Iadar 7 conducir. MAYO.

chechipen, adv. Sim. Git. chachipe, chachipen, s. m.


Verdad, realidad. MAYO. Truth. BORROW.
chede ? s. f. Feira. Git. chardi, s. f. A fair, a market.
Feria. cliati, s. f. fair. Feria. BORROW.
chi,, pron. indef. Nada. Git. chi, s. f.
y adv. Nada. MAYO.
chibar, v. a. P6r 7 deitar. Git. chibar, v. a. Poner, po-
sar; echar, tender, postrar; csconder, sembrar. MAYO.
To cast, shoot. BORROW.
chibe, s. in. Dia. Git. chibe, s. m. Dia. MAYO. BORROW.

chickobo, s. m. Gato. Git. chichoji, s. Cat. Gato. BOR-


ROW.
ckicubelar, v. a. Tirar, furtar. Git. sicobar, sicobdar, v. a.

Sacar; repartir; saltar. MAYO, sicobar, v. a. To extract,


pull out. BORROW.
ckindos, s. m. pi. (Cegos. VASC.) Oculos. Git. chiwlo, i,

adj. Ciego, a. MAYO. BORROW.


ckingarar, v. a. Ralhar. (Bri^ar. VASC.) Git. chmgarar>
v. a. Disputar, renir; reprender; guerrear. MAYO. To
fight. BORROW.
ekingarelar, v. n. Vid. ckingarar.
ckingle, s. m. Cabrao. Chavelho. Git. jinctale, s. m. Ca-
bron, cornudo. MAYO. sungaM, s. m. Traitor, he goat. Trai-

dor, cabron. BORROW.


ckinutra, s. f. Estrella. Git. chimutri, s. f. Lua. MAYO.
chimutra, s. f. Moon. BORROW.
23

chique. Esta palavra occorre numa quadra cigana


(n. 70). O sr. Pires traduz tua casa.
: sr. Leite de

Vasconcellos verificou o sentido : casa. Pelo som so acho

para comparar gitano ckiqu-e, s. m. Lodo, fango. MAYO.


s. f.
Earth, ground. Tierra, suelo. BORROW.
chiquel, s. m. vid. chuquel.

choi, ehol, s. m. Cevada. Git. chor, s. m. Cebada.


MAYO.
chor, s. m. Ladrao. Git. chor, s. in. Pecador. MAYO.
Tliief. Ladron. BORROW. Vid. choriar.
1. chori, s. f. Mula. Fcniea (em geral). Git. chore, i, s.

Mulo, a. MAYO. BORROW.


'2.
chorij s. f. Xavalha. Git. chum, s. f.
Cuchillo, punal.
cliuri, s. f. Knife. Cuchillo, navaja. BORROW.
choriar, v. a. Roubar. Git. chorar, v. a. Robar. MAYO.
choi'o, s. m. Macho. Vid. chori.
chororo, adj. Pobre. VASC. Git. chor or, chororo, i, adj.
Pobre ; indigente. MAYO, chororo, adj. Poor. BORROW.
chorres, s. m. pi. Policias. Git. chorre, adj. Feo, de-
forme, malo, preverso, pecador. MAYO.
chorro, adj. Frio, carregado, fallando do dia. (Zangado.
VASC.). Git. chorre, i; adj. Feo, a, deforme. Malo, perverse,
pecador, a. MAYO, choro; s. f.
adj. Thief, thievish, evil. La-
dron, malo. BORROW.
chosime ? s. f.
Cho9a. Der. de port, choga, com o suffixo

tsig. men (==


me).
clmbelar, v. a. Dar? [Git. chobelar, v. a. Rociar, mojar,
lavar. MAYO, chobar, chobelar, v. a. To wash. Lavar. BOR-
ROW].
chucMs, s. f.
pi. Seios de mulher. Git. chuchai, s. f.

Teta, pecho. MAYO, chucha, s. f.


Breast, pap. Pecho.
BORROW.
clmga? Significagao incerta. Textos, n. 79.
s. f. Mulher feia. Vid. o
chunga, seguinte.
chuii go, Feio. Git.
adj.chungalo, clmnyo, adj. Ugly,
heavy. Feo, pesado. A palavra falta em MAYO,
BORROW.
que traz todavia os derivados chungalipen, chungalo, s. m.
24

Tentacion, maldad de pensamiento ; significa tambem :

malo.
Como rebienta un canon,
A fuersa e chungas partias
Tengo e rebenta yo.

Demofilo, Cantes flamencos, p. 13, n. 63.

Yo no se porque motibo
Tan chungamente me pagas,
Jasiendolo bien contigo.
Ibid., p. 74, n. 389.

chupa, s. f.
Jaqueta. VASC.
chupeno ? s. m. Beijo. Git. chuinendo, chupendo, s. f.

Beso. MAYO. BORROW.


chuquel, s. m. Cao. Git. chuquel, s. m. Perro. MAYO.

chuque, chuquel, s. m. Dog. Perro. BORROW.


chuquela, s. f.
(Cadella. VASC.) Ralhona. Vid. chuquel.
cburdini, s. f. Facada. Git. churdina, s. f. Dagger-blow.
Punalada. BORROW.
churi, s. f. Navalha. Git. churi, s. f.
Cuchillo, punal.
MAYO. Vid. chori 2.

churon, s. Arvore. Provavelmente do portuguez chorao,


especie de salgueiro.
chute, s. m. Leite. Git. chuti, s. f. Leche. MAYO. Milk.
BORROW.
cicubar-se ? v. refl. Vid. cicubelar-se.

cicubelar-se, v. refl. Retirar-se, ir-se embora. Cf. chi-


cubelar.

clalles, s. m. Rei. VASC. Git. crally, s. m. Rey. MAYO.


crallis, s. m. King. BORROW.
clallesa,, s. f. Rainha. VASC. Vid. dalles. Git. crallisa.
s. f. Reina. MAYO. Queen. BORROW.
clechl, s. f. Bolsa (?). VASC. [Git. clichi, s. f. Llave,
clave. MAYO. Key. BORROW.]
coi ? adv. Ca, aqui. Git. acoi> adv. Aqui, acd. MAYO.
Here. Aqui. BORROW.
colcorro, adj. Sosinho. Git. colcore, colcoro, i, adj. Solo,
unico. MAYO, colcoro, adj. Alone, BORROW.
25

colisarar, v. a. Passar (o rio) (?)


colpiche, s. m. Arroz. Git. corpiche, s. ni. Arroz. MAYO.

corpichi, s. f. Rice. Arroz. BORROW.


combisarar, v. a. Encommendar (?)
contrariuncho, adj. Contrario.
coro ? s. m. Cantaro. Git. coro, s. m. Cantaro. MAYO.
Pitcher. BORROW.
correllar, currelar, v. a. Bater, trabalhar. Git. curelar,
v. a. Castigar, penar; trabajar. MAYO, curelo, s. m. Trouble,
pain. Trabajo, pena. curarar, v. a. Ultrajar, golpear, pegar.
MAYO, curar, v. a. To strike, do, work. Pegar, hacer, tra-
bajar. BORROW.
costiuar, v. a. Montar. Git. costunar, v. a. Levantar,
alzar, colmar. MAYO. v. n. To mount. Montar. BORROW.

costiiielar, v. a. Vid. costiiiar.


cotista (a) ? loc. adv. Sem ser presentido. Cf. acotista-
mente.
cotobillo,, s. m. Cotovello. VASC. Port, cotovello, com
troca de suffixo port, etto por hisp. illo.

cratia, s. f.
Laranja. O cigano do Brasil tern gerta, la-

ranja; o gitano tern gerta, orelha (MAYO), que e propria-


mente um termo de germania. hisp. naranja ter-se-ha
tornado oranja (cf. fr. orange} e oranja assimilado a oreja
e esta substituida por gerta, synonymo, pelos processes da
forma9ao das girias. endurecimento da pronuncia do g
(cf . git. gi e gui, etc.) poderia ser o ponto de partida de uma
forma gretd, cretd. Mas dou isto como simples hypothese.

cribo, s. m. Compadre. Git. quiribo, s. m. Compadre.


MAYO. Godfather. BORROW.
culebra, s. f. Cinta. Germania: culebra, s. f.
Faja, ce-
nidor. MAYO.

curajaiii, s. f. Abbadessa. (Ama de padre. VASC). Vid.


o seguinte.

curajay, s. m. Padre (cura). [Git. corajai, s.


pi. The
Moors. Los Moros. BORROW. Melhor git. arajay, s. m. Friar.
Frayle. BORROW. MAYO. Houve talvez confusao das duas
palavras.]
26

curchelo, s. m. Bra90. VASC.


culrro, s. m. Abeg&o. Git. curaro, i, s. Obrero, traba-
jador, ejecutor, a. MAYO.
cuirar, v. a. A9outar. Git. curarar, v. a. Ultrajar,
golpear, pegar. MAYO. curar, v. a. To strike, do ?
work.
Pegar, hacer, trabajar. BORROW. Vid. correllar.

dai, s. f. Mae. Git. dai, Madre


s. f.
(en general). MAYO.
Mother (properly,, Nurse). BORROW.
danes. s. m. pi. Alhos. Sem duvida = daiiesj cf. port.-
dentes d'alho.

daiies, (dalle's. VASC.), s. m. pi. Dentes. Git. dani, s. f.

Diente. MAYO. BORROW.


debel, s. m. Deus. Grit, debel, s. m. Dios (en general).
MAYO. God. BORROW.
desamarisar, v. a. Desamarrar. Port, e hisp. desamarrar.
decembruncho, s. m. Dezembro. Port, dezembro, hisp.
deciembre.

deuncho, s. m. Dedo. Hisp. dialectal deo por dedo.


VASC.
dicaiii, s. f. Porta, janella. Git. dicahi, s. f. Mirada.
MAYO, dicani, s. f. Window. Ventana. BORROW.
dicar, v. a. Ver. Git. dicar, v. a. Ver, percibir, acechar.
MAYO. To see. BORROW.
dicle, s. in. Lengo. Git. dido, s. m. Lienzo, panal.
MAYO. Handkerchief, clout. Panuelo, panal. BORROW.
diclo, s. m. LeiiQO. Vid. o anterior.
dinelo, i,
s. Peru, a (?).
Git. dineld, Hi, adj. Necio, louco,

desatinado, disoluto, a.
MAYO, dinelo, s. e adj. Fool. Tonto.
BORROW. No argot dinde significa tolo.
diiiar, v. a. Dar. Git. dinar, v. a. Dar, entregar. MAYO.
To give. BORROW.
diiielar, v. a. Dar. Git. dinelar, v. a. Dar, conceder,
ofrecer. MAYO. To give. BORROW.
27

diqiielar, v.
a. Ver. Git. diquelar, v. a. Attender, mirar.
MAYO.
donures, s. m. Soldado. Git. jundunar^ s. m. Soldado.
MAYO. Soldier. BORROW. Cf. hiiiidunal.

dondescaro, s. m. Candieiro. dundisquertf, s. m.


Git.

Candilon, velon. MAYO, dandesquero, s. m. Lamp, candle.


Candil. BORROW.
di'on, s. m. Caininho. Git. drun, drune, s. m. Camino,
viaje. MAYO. Road. BORROW.

ejero, s. m. Cabca. Git. s. m. Cabeza, cumbre,


jcwo,
etc. MAYO. Head. BORROW.
tMierimo,m. Janeiro. Git. iiwrin,
s. s. m. Enero. MAYO.
BORROW. Hisp. emro.
eragar, s. m. Padre. Git. erajay,, i, s.
Sacerdote, isa.

Fraile. MAYO, arajay, s. m. Fraile. MAYO. Friar. BORROW.


Cf. cur a gay.
eresi, s. f. Eira (?). Git. eresi, s. f. Vina. MAYO, eresia,
s. f.
Vine, vineyard. BORROW.
erua, s. f. Burra.
[Gitr erifie, s. m. Cerdo. MAYO, eri-

fies, B. pi. Hogs. BORROW.]


estache ? s. m. Chapeu. Git. estache, s. m. Sombrero
(hongo, chambergo). MAYO. Hat. BORROW.
estaiia, s. f. Estrebaria. Git. estana, s. f.
Tienda, co-
vacha, puesto de vender. MAYO.
(estai'iben. VASC.), esteribin, s. m. Cadeia, prisao. Git.
estaribel, estaripel, s. m. Carcel, prision. MAYO, estaripel,
s. f. Prison. BORROW.
estripamules, s. in. Coveiro. Palavra composta, eujo pri-
meiro elemento e sem duvida o port, estripa, v. a. estripar,,
e segundo o git. mulo, Hi, adj. Muerto, defunto, a. MAYO.

mulo, s. m. A dead man. BORROW. Vid. mule.


28

fajuna, s. f. Faixa. Hisp. /a/a.

fardisara, s. f. Saia. Git. fardi, s. m. Ropa, ropage. Cf.


port, farda.
ferbruiio ? s. m. Fevereiro. Hisp. febrero.
floruncha, s. Flor. Port, e hisp. flor.
f.

foro, s. m. Cidade. Git. foro, s. m. Ciudad. MAYO. City.


BORROW.
frumachosj s. m. pi. Cabellos. De port, pluma, plumacho.
Vase.
furata, adv. Fora. Port, fora, hisp. fuera.
fusca, s. f. Espingarda. Git. pusca, s. f. Escopeta, MAYO.
BORROW. Vid. puca.

gache", s. m. Collega. (Um quidam. VASC.). Git. gache,


gacho, s. m. Varon, mancebo. MAYO, gacho, s. m. A gentle-
man. Caballero. Properly, Any kind of person who
is not a Gypsy. Cualquier hombre que no sea Jitdno.
BORROW.
gajon ? s. m. Gajo. Git. gacho. Vid. gach^.

gallardij s. f. Polvora (a negra). Git. gallardo, i, s.

Negro, a. MAYO.
galler, m. Figo. VASC.
s.

gallimcho, s. m. Gallo. Hisp. gallo.


gani, s. f. Burra. Git. grefii, s. f. Burra. MAYO, grafti,
s. f.Mare. legua. BORROW.
garabar, v. a. Guardar. Git. garabar, v. a. Enterrar,
sepultar, guardar. MAYO, garabelar, v. To be on one's guard,
to guard. BORROW.
garb 6 ? s. m. Eelogio. Git. pajardo, s. m. Watch. Re-
loj. BORROW.
gate, s. m. Camisa. Git. gate, s. m. Tunica, camisa.
MAYO. Shirt. BORROW.
gatuncbo, s. m. Gato. (Cao. VASC.). Port, e hisp. gato.
29

gau ? s. m. Aldeia. Git. gau, s. m. Logar, pueblo, aldea,


granja. MAYO, gao, s. m. Town, village. Pueblo. BORROW.
gaubari, s. Cidade: gau -- baro.
goi, s. f. Morcella. Git. goji, s. f. Salchicba. MAYO.
gollas, s. f.
pi. Laranjas. VASC. Propriamente : doces. Git.

gulo, Hi, adj. Dulce. MAYO. Em


tsig. bohemio gudlo, caf6.

gorbelar, v. a. Apanbar. Git. golberi, s. f. Crop, harvest.


Cosecha. BORROW.
.

gorobo, gorobon, s. in. Cordao.


goroes, s. pi. Pernas. Git. goro, s. m. Potro. MAYO.
grai ? s. m. Cavallo. Git. gra, s. m. Bestia. Caballeria.
MAYO. Horse. Caballo. BORROW.
grani, (gresni. Vase.). Egua. Git. grctfdy s. f. Mare,
legua. BORROW, gras^i, s. f.
Yegua. MAYO.
grupo, s. m. Vulto. Comp. trupo.
guchi, s. f. Coisa. Git. buchi, s. f.
Cosa, vision. MAYO.
Anything, etc., BORROW.
gue, s. m. Vid. guer.
guenassuertes, s. f.
pi. Fortuna. Hisp. dialectal gueno,
por bueno, e suerte.
guer, s. m. Burro. Git. gel, grel, s. m. Asno, burro.
MAYO, guelj s. m.
Donkey, ass. Borrico, asno. BORROW.
guerini, Burra. Vid. guer.
s. f.

v. a. Cantar. Git. guillabar, v. a. To


guillabar, sing.
BORROW, guiyalar, guiyabelar, v. a. Cantar. MAYO.
guillar, v. n. Ir. Git. guillar, v. n. Ir aprisa 6 de re-

pente, echar a andar. MAYO.


s. m.
guil, guir, Trigo. Git. gi, gui, s. f. Trigo. MAYO.
gi, jil, s. m. Wheat. BORROW. Esta palavra foi dada na Ee-
vista lusitana, I, 12, com a significa9ao de
toucinho, que
supprimo por duvidosa.
gurui, s. m. ou f. Boi, vacca. Git. goruy, gruy, s. m.
Buey. MAYO. Ox. BORROW.
gustipeni, s. m. Koubo.
30

If

s. f. Fava.
habimcha, Hesp. haba.
hacais, s. m. pi. Vid. sacais.
haller, s. m. Vid. galler.
harame, s. Jaqueta.
harou (h aspirado), s. m. Pe. Cp. goroes. VASC.
her (h aspirado), s. m. Burro. VASC. Vid. guer.
(Ml. VASC.), hir, s. ra. Frio. Git. jil, s. in. Cold. Frio.

BORROW, adj. 2. Fresco, a. MAYO, jir, s. m. Cold. Frio.


BORROW.
horobar, s. Trovoada grande (?).
Vid. orobelar.

huertisara, Horta. Hesp. huerta.


s. f.

huudunal (h aspirado), s. m. Soldado. VASC. Git. jundo,


jundunar, jundune, s. m. Soldado. MAYO, jundunar, s. m.
Soldier. BORROW.

istitelar, v. a.
Apanhar. E talvez erro por
vid. ustilar.

jalar, v. a. Comer. Git. jalar, v. a. coiner, absorber;

disipar. MAYO. To eat. Comer. BORROW.


jamar ? v. a. Comer. Git. jamar, v. a. Comer. MAYO.
To eat. BORROW.
jamba, s. f. Mulher estranha, que nao pertence a tribu.

Vid. jambo.

jambo, s. m. Homem
estranho, que nao pertence d tribu.
Git. hambe, m. Gente, muchedumbre. MAYO, kamlo,
s.

s. m. One who is not a Gypsy. El que no es Jitano. BORROW.


jambobaro, s. m. Auctoridade superior, juiz. jambo -[-
bar 6.
jinelar, v. a. Cacare. Git. jifiar, v. n. To exonerate the

belly. Descargar el vientre. BORROW.


jocar, adj. Bonito. Vid. jucalorro e ojaca.
31

jojoy, s. ni. Lebre. Git. jojoy, s. m. Conejo. MAYO.


A hare. BORROW.
jucalorro, adj. Bonito. git. jucal, f, adj. Lovely, gene-
rous. Hermoso, goniToso. BORROW, jucal, juncal, adj. 2.
Generoso, liberal, esplendido, a. MAYO.
julay, s. m. (Dono. VASC.) Hortelao. Git. julay, s. m.
Amo, dueno, mesonero. MAYO. Master. BORROW.
juliuncho, s. m. Julho. Hisp. julio.

juimr, v. a. Escutar. Git. juna)- f v. a. Oir, escuchar.


M.vvo. To hear, listen. BORROW. Vid. junelar.

junolar, v. a. Escutar, ouvir, saber. Git. junelar, v. a.


Oir, percibir, atender. MAYO.
juiiiolunclio, s. m. Jimho. Hisp. junto.

labiuneho, m. Labio. VASC. Port, e hisp. labio.


s.

laborosal, labrosal, s. m. Lavrador. Vid. labraoresa.


labraoresa, s. m. Lavrador. Hisp. labmdor.
ladrisarelar, v. n. Ladrar. Port, e Hisp. ladrar.
lampio, s. m. Azeite. Candeia. Candieiro. Git. lampio,
s. m. Olco. MAYO.
? las dos pimbres. Meias. Vid. pimbre.

lecheruno, s.m. Leiteiro. Hisp. lechero.


lechute, s. m. Leite. Hisp. leche.
lias, s. f. Carta. Git. lia, s. f.
Carta; credencial, pa-
tente. MAYO, li, s. f.
Paper, a letter. BORROW.

libano, s. m. Administrador (auctoridade). Git. libano,


s. m. Escribano, MAYO. Notary public. BORROW.
escriba.

ligarar, v. a. (Levar. VASC.) Prender. Git. liguerdr. v. a.


To carry. Llevar. BORROW, legerar, liquerar, v. a. Llevar,
MAYO, ou de port. hisp. ligar? Vid. os seguintes.
ligarelar, v. a. Vid. ligarar.
ligerar, v. a. (Levar, agarrar. VASC.) Abarcar. Vid. o
precedente e conf. as significances do git. liquerar, v. a.
Llevar, conducir, cargar. MAYO.
32

liles,
s. Carta de jogar. Git. Id, s. m. Librito, cartera.
MAYO, li, s.f.
Paper, a letter. BORROW.
linguncha, s. f.
Lingua. VASC. Port, lingua.
livruncho, s. m. Livro. VASC. Port, livro.

llaque, s. m. (Lume. VASC.) Phosphoro. Git. yaque,


s. m. Fuego, lumbre, etc. MAYO. Fire. BORROW.
llen ? s. m. Rio, ribeira. Git. len, leste, s. m. Rio, cor-

riente, inundacion. MAYO, len, s. f. River. Rio. BORROW.


llierbisa ? s. f. Herva. Hisp. dialectal llierba por yerba.
VASC.
lole",
s. m. Pimentao. Git. lole. s. m. Tomate, MAYO.
Love apple. BORROW.
Ion, s. m. Sal. Git. Ion, s. m. Sal, MAYO. Salt. BORROW.
lumi, s. f. Prostituta. Git. himi, lumica, s. f. Muchacha,
querida, manceba. MAYO, lumi, lumia, lumiaca. Harlot.
Ramera. BORROW.
M
machingarno, adj. e s. Borracho, bebado. Git. mata-
garno, mato, i, adj. Borracho, a. MAYO, machingano, ma-
chargarno, s. m. A drunkard. Borracho. BORROW.
macho, s. m. Bacalhau. Git. mache, macho, s. m. Pez,
pescado. MAYO, macho, s. m. Fish. BORROW.
s. f.
Egua.
magrena,
majari, s. f. Santa. Virgem. Git. majaro, adj. Holy.
Santo, majari, s. f. The beatic one ? i. e., The Virgen. La

Virgen. BOKROW.
s. m. Santo. Vid. majari.
majaro, adj. e
malade, adj. Roubado? Antes assassinado. Cp. git. mu-
Idbar, v. a. Matar, exterminar, ahorcar, ajusticiar. MAYO.
No cigano do Brasil, muladar, assassinar.
mandiluncho,, s. m. Mandil. Port, e hisp. mandil.
mangar, v. a. Pedir. Git. mangar, v. a. Pedir, rogar,
mendigar. MAYO.
mangue, (mangues. VASC.), pron. pess. Me, mim. Git.
mangue pron. pes. Me, mi. MAYO. The accusative of the
f

pron. pers. man. BORROW. Cf. araanga.


33

naanguinar, v. a. Pedir. (Vid. mangar). Git. manguelar,


v. a. Orar, suplicar, pedir. MAYO. To entreat, beg. BORROW.
maiiguinelar,, v. a. Pedir. Dizer. Vid. manguinar.

maniscobar, v. a. Descontar. Parece composto com


sicubar.
manro maorron s. m. Pao.
? ?
Git. manro, s. in. Pan.
MAYO. Bread. BORROW.
manu, s. m. Homem da tribu. Git. mann, s. m. Hom-
bre, varon. MAYO. Man. BORROW.
maquelar, v. a. Vid. miquelar.

marar ? v. a. Matar, assassinar. v. n. Morrer. Git. ma-


rar, v. a. Matar, destruir. MAYO. To kill. BORROW.
marelar, v. a. Matar. Vid. marar.
mas s. m. Carne. Git. madsy s. m. Carne, vianda.
?

MAYO. Meat, flesh. BORROW.


mas a mine ha, s. f. Maga. VASC. Port, magan, hisp. man-
zana.

matagaiianes,, s. f. Estrella d'alva.

mecar, Deixar. Abandonar. Git. mecar, v.


v. a. a. De-
jar, permitir. MAYO. Conf. miquelar.

mecles,, interj. Para, alto la! Git. mecli, inter] .


Calle,
vaya, en paz.
mesuncho, s. m. Mes. Port, mes; hesp. mes.
milla,, s. f.
Legua. Git. mitta, s. f. League. Legua.
BORROW. Hisp. milla, port, milha.
millen ? s. m. Laranja (?)

minche, Pudendum muliebre. Git. minchi, s. f.


s. f.

Pudendum feminae. BORROW, minchabar, v. a. Parir,


MAYO.
mindai, s. f. Mae (propriamente, minha mae). Git. dai,
s. f. Madre. MAYO, min,
por git. minri, minha.
miquelar, v. a. Deixar. Git. mequelar^ v. a.
Dejar, sol-

tar, despedir. MAYO.


misto, adv. e s. m. Bern. VASC. Git. misto, s. m. Bien,
beneficio, conveniencia. adv. Bien, bueno, conveniente-
mente. MAYO, mistos, adv. Well. BORROW.
mistos, s. m. pi. Phosphoros (?).
molinuncho, s. m. Moinho. VASC. Hisp. molino.
molachi, adj. Significa9ao incerta. Vid. Textos, n. 58.

mol, mon ? s. m. Vinho. Vid. moro.


montanls, s. m. Monte. VASC. Hisp. montanes, adj.
montimcho, s.m. Monte. Port. hisp. monte.
morchada, s. f. Burra (Burra fraca. VASC.). Pelo som so
acho que comparar git. morchds, s. Skin, hide. Pellejo.
BORROW. No calao ha pileca, cavallo magro, de^eZZe (vid.

parte que
II), permitte ligar o termo cigano ao gitano.
s. m. Vinho. Git. mol, s. m. Vino. MAYO.
moro, Wine,
BORROW.
mui, s. f.
Cara, Git. mui, s. f.
Boca, MAYO. Mouth,
face. Boca, cara. BORROW.
mule, adj. e s. Morto. Git. mulo, mulli, adj. Muerto,
difunto, a. MAYO. mulo, s. m. A dead man. Muerto. BOR-
ROW.
mulla, s. f. Debulha. E sem duvida a palavra portu-
gueza debulha,, a que se tirou o prefixo, raudando o b em
m, som muito proximo d'aquelle cp. port. pop. belancia ;

por melancia, baraqo de arabe maras, comquanto aqui a


modifica9ao seja inversa.

nacles, (nacles. VASC.), s. m. Nariz. Git. nacri, naqui,


s. f. Nariz. MAYO,
naqui., s. f. Nostril. BORROW.
najar, v. n. Fugir. Git. najar, v. n. Marchar, parar,
correr llejar, desaparecer; huir, evitar. MAYO. To flee,
;

BORROW. Vid. najelar.

najelar, v. n. Fugir. Git. najar, najarar, v. n. Marchar,


pasar, correr; alejar, desaparecer; huir, evitar. najalelar,
v. n. Huir, fugar, escapar. MAYO.

nanais, adv. Nao. Git. Nanai, adv. No, de ningun modo.


MAYO. No. BORROW.
narachichunga, s. f. Noite escura, tenebrosa. Sera erro

por rachichunga ? rachi, git. radii, s. f.


Noche, tiniebla
(vid. arachi) e chuiigo (vid. este). No git. ne e prefixo
35

negative: nabelar, carecer, de abdar, poseer, nebaro, pe-


queuo, dc baro, grande.
No cigano do Brasil na apparece
conic prefixo indifferente nabasnao, gallo vid. basni.
:
;

nirobar, v. a. Roubar. Git.- nicobelar, nicabar, v. a.

disi-
Apartar, desembarayur ; destruir, invalidar; vcdar;
par. MAYO, nicabar, v. a. To take away, steal. Quitar,
robar. BORROW.
nicobelar, v. a. Vid. nicobar.
nasalo, adj. Enfermo. nasalo si ya, esta enfermo. Git.
nasald, Hi, adj. Male, enfermo, adj. MAYO.

ojaca, ojoca, adj. Bonito.


For jocar = git. jucal; vid.
jucalorro. oUmprosthetico tambem em git. oclaye
=
*ddlis, crallis, rei. BORROW; vid. clalles.

olibas, s.
pi. Meias. Git. olibias, s.
pi. Stockings. M6-
dias. BORROW. Falta em MAYO.

olicba, s. f. Rua. VASC. Vid. oricha.


orejunclia, s. f. Orelha. Hisp. oreja.
? olipand<5, s. m. Sol.

oricha, s. f. Rua. Git. olicha, s. f. Street. Calle. BOR-


ROW. ulicha, s. f. Calle. MAYO. BORROW.
orobar, v. a. Chorar. Git. orobar., orobiar, v. a. Llorar,
lamentar, gemir. MAYO. To weep. BORROW.
oi'obelar, v. impess. Chover. Conf. o precedente.
orocal, s. m. Oliveira. Git. ernle, eruque, s. m. Arbol.

oruccdj urucal; m. Olivar. MAYO, eru, eruquel, s. m.


s.

Olive-tree. Olivo. erucar, s. m. Olive-ground. Olivar.


BORROW.
otebel, otibe, s. m. Deus. Git. ostebe, s. in.
Dios, MAYO.
ostebel, s. m. God. Dios. BORROW. Parece baver aqui fusao
de git. oste
=
hisp. listed, pi. ostelende (BORROW) e git.
debel, s. m. Dios. MAYO, ondebel, undebel, s. m. Dios,
nnico ser supremo. MAYO, un-debel, s. m. God. Dios. BOR-
ROW. Fr. Micbel, pag. 145. Cf. Pott, Die Zigeuner, II, 40.
octubruncho, s. m. Outubro. Port, outubro, bisp. octubre.
36

paguillij s. f. Dinheiro em prata. Git. paquilli; s. f.

Silver. Plata. BORROW.


paio ? s. m. Homem
extranho, que nao pertence a tribu.
Companheiro. Git. paillo, s. m. One who is not a Gypsy.
El que no es Jitano. BORROW, paillo, s. m. Individuo,
sujeito, hombre, jornalero. MAYO.

paje, s. f. Sorte. Git. pajin, s. f. Part. Parte. BORROW.


pajo, s. m. Cigarro. Vid. plajo.
s. f. Prata. VASC. Vid. paguilli.
paUilli,
palono, s. m. Curral. (Palheiro. VASC.). Git. paluno,

s. m. Corral. MAYO. A wood, farm-house. Bosque, tambien

cortijo. BORROW.
palonolare, s. m. Curral. Vid. o precedente.
pandelar, v. a. Amarrar. Git. pandar, v. a. Atar, liar ;

arrollar, estrechar ;
cerrar ;
encubrir pandelar, v.
;
a. Opri-
mir, apretar, sujetar. MAYO, pandar, pandelar, v. a. To
inclose, to tie, to shut. Atar, cerrar. BORROW.
s. f. Agua. Git. paM, s. f. Agua. MAYO, pani,
pani,
s. f. Water. Agua. BORROW.

papires, s. m. Papel. Git. papiri, s. m. Paper. Papel.


BORROW, papira, s. f.
Carta, naipe. papiri, s. f.
Vale,
bono. MAYO.

pareau, s. f. Parede. VASC. Port, parede, hisp. pared.


s. f.
parga, Cho9a.
parnau, m. Dinheiro. Vid. o seguinte.
s.

parne ? s. m. Dinheiro, moeda. Git. parne, s. m. Dinero


(haber). MAYO. White or silver money. Dineros blancos.
BORROW.
Trocar. Git. parugar, v. a. To exchange,
parrogar, v. a.

barter. Cambiar, trocar. BORROW, paruguelar, v. a. Traii-


car, negociar. MAYO.
pasabelar, v. a. Enterrar.

pasono, s. m. Palheiro. Vid. posono ? pusoiiou.

pasisarar, v. a. Passar. Port, passar, hisp. pasar.


37

pastorchuucho, s. in. Pastor. Port. hisp. pastor.

patarro, s. m. Pae. Git. bato, batu, s. m. Padre, batorre,


s. m. Padrino. MAYO.
pate, pati, s. f. Mao. Git. bato, baste, s. f. Mano. MAYO.
pato, s. m. Pae. Vid. patarro.
patuque, (patusco. VASC.), s. m. Albarda. Vid. apa-
tuscos.

peliche, s. m. Velho da tribu que tira a prova da vir-

gindade (entre os gitanos). [Git. pelicho, i, s. Huevero, a.

MAYO, pele, s.
pi. Eggs, the genitals. Huevos, los jenita-

les. BORROW].
s. m. Vid. pimbre.
penre",

peperes, s. m. pi. Tomate. Git. peperes^ s. m. Pepper.


Pimento. BORROW.
peruna ? s. f. Pera. VASC. Port, e hisp. pera.

peti, s. f. Besta.

petuno, s. m. Peito. VASC. Port, peito.

pillar, v. a. Beber. Git. piyar, v. a. Beber. MAYO.


BORROW.
pinar, piiiar, v. a. Dizer. Pedir. Vid. pinelar.
pinelar, v. a. Dizer, pedir. Git. penar, v. a. Decir ;
ha-

blar; contar, mandar. MAYO. To say. BORROW, penelar,


v. a. Referir, decir, narrar. MAYO.
pimbre", s. m. Pe. Git. pindro, pinro, s. m. Foot. Pi6.

pi. pinres. BORROW.


pinodo, adj. Contado. Vid. pinar, de que pindo e um
participio regular tsigano (Miklosich, AbhandL, n, 8).
piiion, s. m. Pinheiro. VASC. Hisp. pino.
pinre, s. m. Pe. VASC. Vid. pimbre.
a. Andar. Git.
pirar, v. pirar, pirelar, v. n. Andar,
caminar, pisar. MAYO. To walk. Andar. BORROW.
pirabar, v. *n. Futuere. Git. pirabar, v. n. Cooperar,
cohabitar. MAYO. To copulate, to heat. BORROW,
pira-
belar, v. n. Fornicar. MAYO.
pirabaor, s. m. Ladrao (?). Talvez violentador. Vid. pi-
rabar.

pisquesuno, s. m. Pesco90. VASC. Port, pescoqo.


38

piticar, s. f. Piteira. VASC. Port, pita, piteira.


plajo, s. m. Tabaco, cigarro. Git. placo, s. m. Tobacco.
Tabaco. BORROW, plojorro, s. m. Tabaco. MAYO.
plar, s. in. Irmao. Git. plal, s. m. Hennano, confrade.
MAYO. Brother. BORROW.
plasarar, v. a. Apagar. Git. plasarar, v. a. Pagar, sa
tisfacer, recompensar. MAYO. BORROW.
plasarelar, v. a. Vid. plasarar.
plasta, (plata. VASC.), s. f.
Capa. (Lencol. VASC.) Git.
plasta, plastami, plata, s. f.
Capa corta, talma, esclavina.
MAYO, plata, platamugion, s. Cloak. Capa. BORROW.

pocachinij s. f. Pistola. Git. prucatini, s. f.


Escopeta.
pol, s. f.
Barriga. VASC. Git. poria, s. f. Entrana. jporta,
8. f.Barriga, vientre, panza. MAYO, porias, s.
pi. Bowels.
Entranas. BORROW.

posabar, v. a. Enterrar. Cf. pasabelar.


s. m. Nora. Cf.
posono, pusunon.
pu ? s. m. Palha. Git. pus, s. m. Paja. MAYO, BORROW.
puy, s. m. Straw. Paja. BORROW.
puca, s. f.
Espingarda. Q\i. pusca. s. f.
Escopeta. MAYO.
Musket. BORROW.
pus, s. m. Vid. pu.
pusca ? s. f. Vid. puca.

pusno, s. o mesmo que git. busne,


m. Kapazinho. Sera
busno, s. m. Extrario, barbaro gentil? MAYO, busno, s. m.
;

A gentil ; a savage, every person who is not of the Gypsy


sect. BORROW.
pusuiion, s. m. Abegoaria. Git. pusano, s. m. Cortijo,
MAYO, posuno, s. m.
Court, yard. Corral. BORROW.

que, quer, s. m. Casa. Git. quer, s. m. Casa. MAYO.


House. BORROW.
quehonche (h aspirado), s. m. Odio. VASC.
quehucar, adj. Bonito. VASC. Sera que hucar, que bonito?
hucar, pode estar por jucar, jucal; vid. jucalorro.
39

querelar, v. a. Fazer. Git. aquerar, v. a. Hacer, ejecu-


tar. querar f
v. a. liacer. querelar, v. a. Ejercer, hacer, etc.

MAYO, querar, querelar, v. a. To do, to make. BORROW.


quiiiH'ra, s. f. Desordem. VASC.
qiiiiitalzuncho, s. m. Quintal. VASC. Port, quintal.
quiral, s. m. Queijo. Git. quira, quirdlis, s. f. Cheese.

Queso. BORROW, quird, s. m. Queso. MAYO.

raisaro, s. m. Rio ;
ribeira. Port, e hisp. rio.

ran, s. m. Bordao ;
vara. Git. ran,, s. m. Vara. MAYO.
ran, s. f. Rod. Vara. BORROW.
raiular, v. a. Furtar. Git. randar, v. a. To rob. Robar.
BORROW, randelar, v. a. Hurtar, robar, arrebatar. MAYO.

rebrandiiii, s. m. Licor. Proveniente talvez do ingl.


brandy , com o prefixo re e terminagao gitana.
reduudes, randundes, s. m. pi. Graos. Git. redundi, re-

jundi, s. f. Garbanzo. MAYO, redundis, s.


pi. Chick-peas.
BORROW.
remendinar, remondinar, v. n. Casar. Vid. ruraandiiiar.
rendundes, s. m. pi. Graos. (Feijoes. VASC.) Vid. redun-
des.

repaui, s. f.
Aguardente. Git. repani, s. f.
Brandy.
Aguardiente. BORROW. Bebida (espirituosa). MAYO.
rilaora,, s. f. Batata.

rile, s. m. Flatus ventris. Git. rilo, s. m. Pedo. MAYO.


BORROW.
rois, s. m. Colher. Git. roin, s. m. Cuchara. MAYO.
Spoon. BORROW.
romano, s. m. Lingua dos ciganos. Vid. rumaiio.
romi, s. f. Mulher da tribu cigana. Git. romi, s.
?
f. A
married woman, a female Gypsy. Mujer casada. Jitana.
BORROW. Esposa, mujer (casada). MAYO.
ron, s. m. Marido. Git. rom, romd, s. m. Marido, hom-
bre, varon (casado). MAYO, row, s. m. A husband, a mar-
40

ried man, a Gypsy, roma, s. m. pi. The Husbands; the

generic name of the nation or sect of the Gypsies. BOR-


ROW.
ruco, s. m. Burro. VASC. [Cf. tsigano grego riikono, ri-
kono, cao ;
rumeno rikono, hungaro rikono, polaco rykonon.
Miklosich, AbhandL, vm, 58.]
rumi ? s. f. Vid. romi. VASC.
rumandinar, v. a. Casar. Git. romandinar, romandinelar,
v. a. Casar, desposar, enlazar. MAYO, romandiftar, v. n.
To marry. BORROW.
rumaiio, m. Lingua dos ciganos. Git. rom, s. m. A
s.

husband, a married man, a Gypsy. BORROW, romano, ni>


adj. Familiar, domestico, proprio, de casta gitana. MAYO.
romani, The Rommany
s. f. or Gypsy language. Lengua
de los Jitanos. BORROW.

sacais ? s. m. pi. Olhos. Git. sacais, s. m. pi. Ojos. MAYO.


Cf. acais.

salbana, s. f. Sardinha.
sanacay ? s. m. Ouro. (Libras. VASC.) Git. sonacai, s.

Gold. Oro. BORROW. MAYO.


sanou, s. m. Chouriyo. Git. sane, s. m. Sausage. Cho-
rizo. BORROW.
sapuua, s. f. Videira. VASC.

sapimes 7 s. m. Sabao. Git. sampuni, s. f. Jabon. MAYO.


Soap. BORROW.
satalha, s. f. Azeitona. Git. chetallij s. f. Olive. Oliva.
BORROW. Cf. letaya, s. f. Aceituna. MAYO.

se ? pron. relat. Que. Git. sos, pron. rel. 2. Que, cual,


cuales. MAYO. Who, that. BORROW.
segabruncho, s. m. Segador. Port, e hisp. segar.

seguisarar, v. a. Segar. Port, e hisp. segar.


senelar ? senelar, sinelar, sinelar, v. Ser. Do sr. Pires
recebi a phrase: 1. no senela caique, com a traduc9ao
um cobarde ;
do sr. Leite de Vasconcellos a phrase : 2. si-
41

nela damangues, com a traduc9ao pertence-me ; do sr.


Pires ainda a phrase quasi identica a essa: 3. senela la

mangue com a traduc9ao primo. sr. Vasconcellos da


tambem sinel com a significa9ao elle, ella; o sr. Pires
enviou-me demais a traduc9ao de uma phrase em que esse
sentido 6 dado a sefiela 4. sefiela terela callardo, elle esta
:

de luto. De
outro lado tern o git. sinar, sinelar, v. aux. Ser,
estar. MAYO, sinar, v. n. To be. BORROW. esse verbo que E
temos na phrase l. que deve traduzir-se;
nao e ninguem
(= nao e um homem, e um cobarde; vid. caique)} na
phrase: 2., que deve traduzir-se e de nos ou de mim

(sinelade amanges; vid. umancja, mangue)} a phrase: 3.


parece uma altera9ao de 2. ou estar por senela a
ser

mangue e a mim (= e dos meus, e meu parente). Nao


acho no gitano nada que justifique o sentido attribuido. a
sinelj sinela ? como pronome ha aqui sem duvida erro de
;

interpreta9ao. Em senela terela juntaram-se ao que ; parece,


dois verbos que separadamente se ligam a callardo ? na lin-
guagem corrente. O texto n. 80 trazia sin na com a tra-
duc9ao sosinho, por sina, esta, o que corrigi por nao me
parecer exacto.
seresi ? s. f. Vinha. Vid. eresi.

setembruncho, s. m. Setembro. Port, setembro, hisp. se-


tiembre.

sicabar, v. a. Sair. Git. sicabar, v. n. Salir. MAYO.


sicubar, v. a. Furtar. Vid. chicubelar.
sicubelar-se, v. refl. Ketirar-se, ir-se embora. Vid. sicabar.
sila, s. f. For9a: a silas, a for9a. Git. sila, s. f. Virtud,

facultad, potencia, impeto, porfia. MAYO.


silbar, s. m. Freio.

sinar, v. Vid. senelar.


sobar, v. n. Vid. sorbar.
sombrime', s. f. Arvore. Port, e hisp. sombra.
sonacay, s. m. Vid. sanacay.
sonsidelar, v. a. Olhar, reparar? [Git. sonsibelar, v. Cal-
lar, enmudecer. MAYO. BORROW].
soltar, v. n. Adormecer.
42

sorbar, v. n. Dormir. Git. sornibar^ v. a. Adonnecer,


MAYO, somar, v. n. To sleep. Dormir. BORROW.
sorbelar, v. n. Vid. sorbar.
suiigoli ? s. f. Melancia. Git. sungli, s. f. Sandia. MAYO.
suete ? s. f. Gente. Git. sueti, s. f.
Gente, faniilia 7 genera-
cion, universe. MAYO. World, people. BORROW.
simglo, s. m. Melao. Git. sunglo, s. m. Melon. MAYO.
BORROW. Cf. sungoli.

tallardi, s. Morcella. mesnio que callardi: nos dia-


f.

lectos tsiganos ha outros exemplos de substituiyao de c


por t; vid. Ascoli, Zigeunerisclies, index.

tardimen, adv. Tarde. Port, e hisp. tarde.


tarelar, v. a. Vid. terelar.
taribe,, s. f. Cadeia. Vid. o seguinte.
taripeuas, Cadeia, carcere. Git. taripen nao teni ana-
s.

logia de significa9ao MAYO tradtiz por astrologia; vid.


;

estariben.

tarni, s. f. Burrinha. Falta em MAYO e BORROW; mas


parece ligar-se as formats ciganas tyrnoj novo, joven (Mi-
klosich, Abhandl.,, n, 26), ternipe, mocidade (n, 58), etc.,
cornp. novilhoj anejo.
tarrosa, s. f. Batata. VASC. Talvez por terrosa, do por-

tuguez .

tasalda ? s. f.
Madrugada. Vid. tasara.
tasara di calico. Manha. A. TH. PIRES. Mas calico signi-

fica manha (vid. calico) e git. tasala significa tarde (MAYO,


BORROW). Zingaro laci tosdra, bnona mattina. (Miklosich,
Abhandl., II, 81), tosdra, mattina, (pag. 82).
tejauncho, s. in.Telhado. VASC. Hisp. teja.

tempisaro, s. m. Tempo. Port, tempo.


tPrelar, v. a. Ter. Git. terelar, v. aux. Haber. v. a.

tener, poseer, existir. MAYO. To hold, have, possess.


BORROW.
43

ternegal, adj. Valente. Git. ternejal, adj. 2. Valiente.

restielto. MAYO, ternejd, adj. Valiant. BORROW.


f. Testa. VASC. Port, e
testuncha, s.
hisp. testa.
liracjais, s. m. pi. Sapatos. Git. tirajay, s. m. Zapato.
MAYO, tirajai, s. pi. Shoes. Zapatos. BORROW.
tremucho, s. f. Lua. Git. tremucha^ s. f. Moon. Luna.
BORROW. E, ao que parcce nma simples alt(Taao de chi-
mutra (vid. cliiiiutra) por troca de logar de consoantes,
process* vulgar nas girias. Vid. Pott, n 104-5.
>
?

tri<fiiisat<', s. m. Trigo. VASC. Port, e hisp. trigo.


triiicar, v. a.
Apanhar (?). Git. trinqudar> v. a. Apre-
tar, comprimir; apurar. MAYO.
trupo, s. in. Corpu. Git. tnipo, s. m. Body. Cuerpo.
BORROW. Vientre, cuerpo. MAYO.
tusa, pron. pess. Tu. Cf. git. twi, contr. de tucue, tute,

pron. pess. Tu 7 te, ti. MAYO.

II

ua, adv. Sim. Git. unga, conj. Si. MAYO. adv. Yea,

truly, yes. BORROW.


ustabar, v. a. Furtar, roubar. Git. ustiba.r, ustibelar, v.
a. Tomar. MAYO.
ustabelar, v. a. Vid. ustabar.
ustilar, v. a. Tomar; furtar. Git. ustilar, mtitelar, v. a.

Coger, llevar, prender; tomar ? percibir, cobrar, exigir,


grangear, hospedar, acoger; alzar, arrebatar. MAYO.
ustitelar, v. a. Vid. ustilar.

viiiagnmcbo, s. m. Vinagre.
44

c) Considera?6es geraes

Os ciganos do Alemtejo, segundo os dados precedentes


e os que me communicou o sr. Pires ? fallam o portugues,
o hispanhol, e esse fallar a que elles chamam rumano, ro-
mano ou ainda romano, de que pode fazer-se ideia pelos
textos e vocabulario acima iinpressos. Como se ve, o ru-
manho nao 6 mais do que o hispanhol influenciado pelo por-
tugues e semeado de palavras particulares, a maior parte
das quaes se encontram tambeni no gitano ou linguagem dos

ciganos de Hispanha. Noutros paizes da Europa os tsiganos


fallam verdadeiros dialectos ou antes sub-dialectos particu-
lares aparentados com os dialectos neo-hindus, saidos da
mesma base popular de que o sanskrito se elevou a cate-

goria de lingua litteraria. Esses dialectos tsiganos apresen-


tam algumas peculiaridades phoneticas archaicas que os
approximam especialmente de linguas ainda pouco conhe-
cidas do noroeste da India, do Kafiristao e do Dardistao *.
Miklosich enumera treze dialectos ou fallas tsiganas na
Europa: grego, na Turquia da Europa; rumeno, na
Rumenia, Siebenbiirgen, Bucovina, Serbia e Russia hun- ;

garo, na Hungria e Sirmia; bohemio, na Bohemia e Mo-


ravia ; allemao, na Alleinanha na Polonia e Litua-
; polaco,
nia; russo, na Russia septentrional; finno, na Finlandia;
escandinavo, italiano, basco, inglez e hispanhol. Miklosich
nao teve conhecimento do iinportante dialecto tsigano do
paiz de Galles (tsigano welsh), o qual, nesse meio de lin-
gua celtica, conserva muitas particularidades perdidas
noutros seus co-irmaos.
O gitano conserva ainda particulas, pronomes, nume-
raes, a mo9ao ; certos processes de deriva9^o e outras for-
mas grammaticaes da lingua tsigana, representada por os
mencionados dialectos ou sub-dialectos extra-hispanicos ;

1
Miklosich, Btitrage, iv, p. 287 segs.
45

mas doutro lado perdeu quasi por complete a antiga de-

clinagao, adoptou a conjugagao hispanhola em -ar, conser-


vando algumas formas tsiganas do verbo sinar ser (sis,
sisle, sin, sou, es ; e). Alguns numeraes gitanos mostram ja
influencia das formas hispanholas (jobenta sessenta, oto-
renta oitenta, junto de otorde; comp. ostardi quarenta,
panchardi cincoenta, ester di setenta). Ao lado de amaro,
nosso, de origem tsigana, apresenta o gitano nonrio deri-
vado do hisp. no(s) 1 .

O
rumanho, a julgar pelos documentos que publico, per-
deu quasi todas as particulas e pronomes (vid. no vocabu-
amangue, mangue, mindai, se) e outras formas
lario apale, ?

2
grammaticaes que ainda conserva o gitano representa pois ;

um estadio mais adeantado na ruina da lingua tsigana pri-


mitiva que o gitano, e offerece por esse lado interesse
particular para o estudo de um dos processes de substi-
tuigao da lingua de um povo por outra. Nos dialectos tsi-

ganos europeus extra-hispanicos conserva-se em geral a base


indica primitiva do vocabulario e da grammatica no gitano ;

os elementos tsiganos da grammatica reduzem-se considera-

velmente, perdendo-se quasi por complete a antiga decli-


nagao e conjugagao, apenas representada por tenues ves-
tigios no rumanho os vestigios tsiganos reduzem-se quasi
;

unicamente a vocabulos feitos e alguns processes de deri-


vagao o hispanhol e ainda o o logar
:
portugues occupam
abandonado pela grammatica tsigana. Assim por misturas
successivas o elemento romanico foi eliminando o
tsigano.
Se tivessemos documentos da linguagem dos gitanos pro-
venientes dos seculos xvi e xvn, ainda mais de
perto
poderiamos seguir esse processo, que ? como mostrarei

Schuchardt, Slawo-dentsches und


'

Slawo-italien., Graz, 1885,


4.o, p. 8-9.
2
Todavia achamos ainda no cigano w, e, estd (vid.
nasalo). E
possivel que ulteriores investiga9oes descubram mais uma ou outra
forma verbal tsigana no cigano. Notem-se ainda as formas femini-
nas e do plural como calo m., calli f., cales pi. Vid. p. 53.
46

noutra parte, esta longe de ser o unico pelo qual um povo


perde a sua propria lingua para adoptar a alheia.
Os 484 termos ou formas do rumanho reunidos em o
nosso Vocabulario classificam-se, em quanto a sua origem
proxima do modo seguinte
;
:

353 encontram-se tanibem no gitano, em geral sem dif-


ferenga consideravel de sentido ou de forma;
3 nSo se encontram nos vocabularios gitanos que tenios
a mSo, mas occorrem noutros dialectos tsiganos (bato, bi-

biora, tami);
63 sao derivados de palavras hispanholas ou portu-
guesas ;

8 sao palavras portuguesas ou hispanholas de significa-

9ao alterada ou especialisada (andantes, aparador, arboleo,


bicha, churon (?), frumachos (?J, guenassuertes, tarrosa).
Vid. tambeni apatuscos, patuque (Q patusco).
1 (culebra) proveni da germania.
(anda) pro vein da germania ou do calao.
1
1 e uma forma portuguesa muito alterada phonetica-
mente mulla.
:

47 sao de origem para naim incerta ou desconhecida.


Talvez que nova investigagao do gitano e dos outros dia-
lectos tsiganos prove a origem tsigana de alguns desses

termos, parte dos quaes tern aspecto que a faz suspeitar.

Palavras do rumanho derivadas de palavras


hispanbolas ou portuguesas

1. Derivados com o suffixo -sar *


:

a) verbos.
abaixisarelar (* abaixisar),, port, abaixar.

ajustisarar, port, e hisp. ajustar.


desaniarisar., por *desamarrisar, port, e hisp. desamarrar,

Sobre esse suffixo tsigano, vid. Miklosich, Abhand., x, p. 480-481


47

seguisarar, port, e hisp. segar.


ladrisarelar (*ladrisarar), port, e hisp. ladrar.
l
pasisarar, port, passar, hisp. pasar .

b) substantives :

abertwara, port, aberta, hisp. abierta.


basisarOj hisp. vaso.
huertisara, hisp. huerta, port, horta.
labrosal (por *labrosaro) , hisp. labraor, labrador, port <

lavrador.
llierbisd (por *llierbisar), hisp. dialect, llierba por yerba.

raisaro (por *riisaroj port, e hisp. rio.

tempisaro, port, tempo, hisp. tiempo. Vid.


disara, no Vocabulario.

2. Derivado com o suffixo -e?a:

abaixarelar, port, abaixar.

3. Derivados com o suffixo -me?z -me 2 :

chosime, port, choga, hisp. chosa.


sombrime, port, e hisp. sombra.
tardimeiij port, e hisp.

4. Derivados com o suffixo -uncho*:

bancuncliOf port, e hisp. banco,


brancuncho, port, bronco, hisp. bianco,
cabruncha, port, e hisp. cobra,
calduncho, port, e hisp. caldo.
carruncho, port, e hisp. carro.

1
As formas abaixisarelar, ladrisarelar, teem o duplo suffixo
-5m* -) e^a.
2
Sobre o suffixo -mew, vid.
idem, i&uZ., p. 445.
3
suffixo -uncho 6 de origem romanica ; acha-se tambem no gi-
tano : ex. gostuncho. MAYO. Nas formas pastorchuncho, quintaleuncho,
segabruncho complica-se com outros elementos.
48

contrariuncho, port, e hisp. contrario.


deuncho, hisp. deo, dedo, port. dedo.
floruncha, port, e hisp. Jtor.
galluncho, port, e hisp. gallo.
gatunoho, port, e hisp. gato.
habuncha, hisp. haba, port. fava.
labiuncho, port, e hisp. labio.
linguncha, port, lingua, hisp. lengua.
livruncho, port, livro, hisp. libro.
mandilunchoj port, e hisp. mandil.
mesuncho, port, wes, hisp. mes.
molinuncho, hisp. molino, port, moinho.
montuncho, port, e hisp. monte.
orejuncha, hisp. ore/a^, port, orelha.

pastor chunclio, port, e hisp. pastor,


quintalzuncho, port, quintal,
segabrundio, port, e hisp.
tejauncho, hisp. fe/a^ port.
testuncha, port, e hisp.

vinagruncho, s. m. port, e hisp. vinagre.


abriluncho, port, e hisp. &ri7.

juniluncho, hisip.junio, port, junho.


juliuncho, hisp. julio, port, julho.
agostunchoj port, e hisp. agosto.
setembruncho , port, setembro, hisp. septiembre.
octubrunchoj hisp. octubre, port, outubro.
novembruncho, port, novembro, hisp. noviembre.
decembruncho, port, dezembro, hisp. deciembre.

5. Derivados com o suffixo -w?io^ -w?!


1
:

barbuna, port, e hisp. barba.


enerunO; hisp. enero, port. Janeiro,
fajuna^ hisp. faja, port, faixa.

1 Esse suffixo e de origem tsigana. Pott, i, p. 123-124.


{
(troca de suffixo), port. fevereiro
.

/rc/n'runo (suffixo leite.


composto ~er-uno), liisp. leche, port,

peruna, port, e hisp. pera.


petuno, port, peito, hisp. pecho.
f port, pescoco, hisp. pescvezo.

6. Derivados com o suffixo -esa:

labraoresa, hisp. dialectal labraor por Itibrador, port.

7. Derivados com o suffixo -ata

furata, port, /bra adv., hisp.

8. Derivados com o suffixo -afe :

<-entenate, hisp. centeno, port, centeio.

trigwsate, port, e hisp. #n#o.

9. Derivados com o suffixo -wte:

lechute^ hisp. leche, port. ZeiVe.

10. Derivados diversos:

llancaera, hisp. bianco, port, branco.


pareau f port, parede, hisp. pared.
pinon, hisp. pino, port, pinko .

cotovillo, port, cotovello (troca da forma port, do suffixo


-eWo pelo hisp. -^Zoj.

piticar^ port. />i7a^, piteira.

Os nomes de mes mar$o e mm'o do rumanho (do port, margo e


1

maio, hisp. marzo e rnayc^ completam a lista acima. Como se v^, os


ciganos perderam inteiramente os nomes particulares de meses tsi-
ganos, que os gitanos conservam ainda pela maior parte como quir-
dar6, mareo, alpandy e qnigU, abril, qvindaU, maio.
50

Palavras do rumanho de proveniencia incerta

Keferindo-nos so a proveniencia immediata (gitano, his-

panhol e portugues), e nao a proveniencia remota dos termos


do gitano do hispanhol e do portugues, que se encontram
;

no rurnanho ou de que derivam termos que neste se en-


contram, reduz-se a lista aos seguintes, no estado actual
da minha investigagSo :

achochinar.
51

chimutri= chinutra
chindes = chindos
chupendd = chupeno
chuti = chute

corpichi
= corpiche
gate
= gate
jingale
= chingle
minchi = minche
paillo
= pajo
porid = pol
sueti = suete

O part. pass. cig. acharan esta por acharano.


Inversamente temos cig. churdini
= git. churdina; cig.
bate = git. bato, baste.
Em gitano ha tambem essas varia9oes de accento : assim
temos nelle corpiche ao lado de corpichi; poria, entranha,
ao lado de porid, barriga.

Algumas formas femininas do plural que em gitano ter-


minam em ias apparecem em cigano com a desinencia ids
ou as: barids = git. barias; gollds = git. gullias, oli-

bds = git. olibias.

Vogaes accentuadas. Um cig. e


corresponde a git. d
em chague =
chajd; apale apald.
= Tambem e alterna
com 6: gache e gackd, cale e calo, cig. patarro = git.
batorre. Em
sanou, ou corresponde a e de git. sane.
Vogaes atonas. 1. Modifica9oes: sonacay ao lado de sa-
vwicay; balabd
== git. balebd. 2. Suppressao: archi ao lado
de arachi; cribo =
git. quiribo; balbd ao lado de balabd;

chingle
= git. jingale; gollds = git. gullias; olibds
= git.
olibias;pol = porid.
git.
Consoantes. por &:
1. t tallardi = callardi; 2. p por 5:
pati = git. 5a^o^ 5as^e ; patarro == git. batorre. 3.

por J: Jm/we = git. 5re/i; 5re^we = git. breje;


garbo = pajardo
git. ; tiragais = git. tirajay. Mayo es-
creve 0i' A
substitui9ao da continua palatal
e ^wi, trigo.
castelhana j pela momentanea guttural g da-se em
regra
52

na boca dos Portugueses e gallegos que fallam hispanhol,

sem reflexao previa sobre a difference dos sons. E possi-


vel que a substituigao nas palavras ciganas provenha dos
colleccionadores. 4. b por d: garbo git. pajardo. 5. or')
=
A aspira^ao forte h substitue o j gitano (pronunciado como

j castelhano) nalgumas palavras her ao lado de guer : =


git. gel) hil, hir
=
git. jil, jir ; hundunal git. jundu-
=
nar j aracand por *haracanal. Inversamente apparece em
gitano hambo =
cig. jambo. (3) mesma aspiragao substi- A
tue s: hacais ao lado de sacais; nohotros hisp. nosotros
=
(VASC.). Por fim perde-se a aspm\9ao: acais hacais. =
6. som representado no Vocabulario por j e o inesmo do
hispanhol e gitano j. Esse som esta por ill em pajo git.

paillo. 7. som representado por ch e o mesmo que em


hispanhol se representa por esse signal (tch) apparece
por j gitano em chingle
= jingale e por s em chicube-
git.
lar = git. sicobelar. Inversamente * por ch gitano em
satalla= git. chetalli. 8. r paragogico (ou substituindo i

finalno dipthongo aij :


eragar =
git. eragay. rr git.
r: =
currelar= git. curelar. Metathese de r: barqui e braqui;
budar = burda.
git. Suppressao de r chadi, chede =-. git. :

chardif chati; gani ao lado de grani; cascabes git. cas-


=
carabi; gue ao lado de guer, git. gel, grel. 9. a) I
por r:
chol = git. chor; dalles = git. crally ; colpiche
= git.

corpichej pol git.


= porid; moro = git. mol'} hundunal

(ao lado de donares)


= git.jundunar. Inversamente bar
(horta)
= git. bal. (3)
I
por II : calico ao lado de callico. y)
Z
por w: chalelar de git. chanar, influindo talvez chalar, ir).
5) Suppressao de
I final: aracaftd =
git. jaracanal; ojacd
= git. yucoZ. 10. a) por ^: pillar =
Z
git. piyar; Hague
= yaque.
git. (B)
/Z
por = Z: Z/ew git. len. y) II por
w:
camalli = git. cameni. = paguilli
d) II por </&, qu: pallili
= git. paquilli. por m: chinutra
11. a) =?i chimu- git.
tri.
[3)
n por Z: estariben= mon = git. estaripel; git.
12. w por ?icZ: chupeno =
git. chupendo.
Suppressao de syllaba. donares == git. jundunar ;

= git. pajardo.
53

Varia. almarronas = git. manrona; ansian = git. asid,

azid, osianj rois = git.


=
roin; charibeo git. cheripen ;
1

ua = git. unga; atracai = traquia; git. choi ao lado de


=
chol git. chor] = pocachini =
seresi eresi; git. pruscatifii.

Fonnagao do feminino e do plural

As formas em i apparecem ainda no cigano,


femininas
como no gitano chinutra e satalla apresentam uma ada-
;

ptaySo ao typo feminino hispanhol e portugues.


Em gitano as palavras femininas em i teem o plural em
ias; IncM, coisa, buchias; tati, febre, tatias. Mas el uso

admite que, para evitar la cacofonia, de muchos a a se-


guidas, sobre todo em poesia, el plural de i se forme tam-
bien con s solo: Puhi, pena, punis^v. Os nossos textos

apresentam-nos as formas femininas do plural pafiis, ara- :

chis, granisj petis. Houve translaao do accento em barids,

guilds e olibds (nas duas ultimas com perda do i).


Em gitano chibc tern o plural chibeses; os textos dao-nos
no cigano chibe, chibes.

1
E possivel que'seja antes chariben, que, mal escripto, fosse lido
ckaribeu e reproduzido charifa*.
2
Mayo, p. 52.
II

'
CALAO E A LINGUA DOS CIGANOS
/

Tem-se confundido muitas vezes a linguagem dos tsiga-


nos em geral com o calao. Sabemos jd o que 6 a primeira;

vejamos o que e o segundo e se entre uma e outro exis


tern quaesquer rela^oes.
Calao, giro,, giria on geringonga sao os termos com que
em portugues se designa o vocabulario especial dos crimi-
nosos de profissao, fadistas, contrabandistas, garotos e
outra gente de habitos duvidosos, que por aquelle meio
buscarn nao ser entendidos da sociedade geral. Por exten-
sao dao-se ainda aquelles mesmos nomes d terminologia
especial de uma classe, de uma profissao licita, e sobretudo
ao conjuncto de termos particulars, muitas vezes de cara-
cter comico ; que usam certos grupos sociaes, como os estu-

dantes, os actores ; os pintores, os pedreiros, os typogra


phos, os soldados.
calao ou giria nao e um dialecto: tern palavras alte-
radas phoneticamente, sem duvida, mas por processes
geralmente distinctos dos que caracterisam a altera9ao
phonetica dialectal nao tern em regra nem morphologia
;

1 Esta parte, que foi prommettida em 1887 na Revista Lusi-


tana, i, 3, nao pretende de modo nenhum ser um estudo complete

sobre o calao, o qual exigiria um volume, para cuja elabora^-ao me


faltam tempo e alguns subsidies.
5(3

nem syntaxe que o separem da lingua geral eni que por


assim dizer se encrava. Uma outra differenca fundamental
separa demais o calao dos dialectos; naquelle as transfor-
ma90es proprias sao geralmente queridas, intencionaes ;

nestes as transfonnacoes sao geralmente espontaneas, inin-


tencionaes.
Ha duas especies de giria nunia as alteraoes sao pura-
:

rnente phoneticas so a materia da palavra se modifica;


noutras accrescem as transforinacoes dessa especie, que
entao se tornam menos numerosas, modifica9oes morpho-
logicas e semanticas (de significance).
Da primeira especie e uma giria usada entre nos pelas
crean9as nos collegios, que consiste em accrescentar a cada
syllaba de uma palavra uma outra constituida por um g
(g) ou p segmdo da vogal daquella syllaba assim tu qu<>-
;

res ir a casa torna-se tu-pu que-pe-res-pes ir-pir a-pa cd-


pd-za-pa.
Os caixeiros da Baixa,em Lisboa, usavam e usam ainda
provavelmente uma giria do mesmo genero, mas mais per-
feita, que consistia numa inversao de consoantes nao quero
:

ir passear hoje tornava-se aon' reco ri sapear johe. Essa


giria era fallada e entendida com muita facilidade pel<>>
iniciados.
Os
principaes processos das girias do segundo genero
serao estudados abaixo. Essas girias podem ser denomi-
nadas de vocabulario particular.
Tendo definido o que deve entender-se por calao on
giria, examinemos agora a origem d'estas palavras.
Os hispanhoes denominam as mesnias linguagens artifi-
ciaes com o termo germania^ e tinham o synonymo anti-

quado gerigonza, giringonza, xeringonga; os francezes com


os termos jargon e argot; os italianos com os termos gergo
e lingua furbesca; os inglezes com o termo cant; os alle-
maes com o termo Rothwelsh (a lettra italiano vermelli").
os hollandezes com a expressao baTtjoensch ou dieventatl

(a lettra lingua de ladroes), os russos com o vocabulo


afinskoe, os tcheques com a palavra hantyrka.
termo calao coinu synonymo de giria parece nao ter
correspondente phonetico fora de Portugal; a sua etymo-
l<gia todavia muito transparente calao, propriamente,
(' :

pier dizer cigano, lingua de cigano e um termo com que ;

08 ciganos do nosso pais ainda hoje se designam (vid. Voca-


bulariO; s. v.).
A palavra <y/Vo, giria liga-*e ? ao que parece, a yerigonqa,
giringonqa, (pie como vimos se encontrava tambem em
hispanhol, ao irancez jargon, provengal gergonz, e ao ita-
liano gcrgOj gergone. A
etymologia desses termos offerece
bastantes difficuldades. A hypothese mais favorecida 6 a
que considera o francez jargon como derivado de uina
forma jergue, de * gergo, de * gargo, thema de que deri-
vain tr. gargatte, port, garganta, gargalo. Effectivamente
em antigo fr. dizia-se gargonner por jargonner, gargonn
em antigo inglez
1
. A forma girigonca parece ter resultado
de uma * *
girgonca, geryonga, derivado de gergo (inter-
calacao swarabactica de i)* giringonca e uma forma em

que a nasal do suffixo produziu a nasalisa9ao do i pre-


cedente, phenomeno nao raro (ex. fanjoes por feijoes). :

A forma gira teria nascido de *girion$a pela suppressao do


suffixo -onga.
Os termos estrarigeiros actma transcriptos revelam ja
por a existencia
si de girias nos principaes paises da Eu-
ropa. Mas em verdade a existencia de giria, de uma ou
de outra natureza, e um phenomeno asshn dizer uni- por
versal e por toda a parte os processes
applicados sao muito
Bimilares. Assim os tsiganos espalhados nos
Pyrineus bas-
cos, que adoptaram a lingua do pais, empregam a alteragao
com as syllabas principiando
por p, como na giria das
nossas creangas e fazera, por
exemplo, de jauna, senhor,
jau-pau-na-pa^.

1
Diez, Elymologisches WSrterbuch, i, s. v. gergo. Littre e Scheler,
s. v.
jargon.
2
Francisque Michel, Etudes dc philologie comparee sur V argot.
(Paris, 185G), p. xxvin.
58

Os theg (thugs) ou phdnsigdr da India teem uma giria


em que se notam mudar^as de significagao, ao lado de
modificagoes phoneticas e morphologicas assim os nume- ;

raes hindustanicos pane cinco, ceh seis, sat sete, des dez,
o persa jek um (= hind, ck) ; tornam-se nessa giria respe-
ctivamente :
pancuru, serlu ou ceru, saturn, desru, jelu.
Os theg adoptam ainda palavras de linguas estranhas 1 .-
Ascoli repete de uma noticia de Klaproth, citada por

Pott, o factoda existencia de uma giria dos salteadores


circassios,chamada farsipe e cujo artificio consiste eni in-
troduzir ri ou fe depois de cada syllaba 2 O mesmo emi- .

nente glottologo italiano extracta de uma memoria de Ri-


chardson sobre os Bazigar, gente nomada da India, uma
passagem relativa a duas girias por elles empregadas, uma
pelos chefes, a outra commum a homens, mulheres e
creanas. O hindustani 6 a base de ambas; a primeira
resulta^ em geral, da mera transposi9ao ou inversao de
syllabas, e a segunda e patentemente uma conversao syste-
matica de algumas poucas lettras. Eis um especimen:

Hindustani Bazigar I Bazigar II

ag ga kag fogo
bans suban nans bambii
dum mudu num folego
lumba balum kumba longo
mas samu nas mes
omr muroo komr edade
peer reepu cheer santo

qeella laqeh rulla um forte

rooburoo buroo roo kooburoo opposto


3
sona na-so nona oiro

1 G. I. Ascoli, Studj critici (Milano, 1861), p. 384, n. 1.

2
Idem, ibidem, p. 385.
3
Idem, ibidem, p. 3856.
59

Gr. W.
Leitner estudou a giria dos ladroes dos paises
do noroeste da lingua numa publicayao inacessivel para
mim 4 Francisque Michel fez referenda a uma lingua
.

que fora objecto de inves-


artificial asiatica, o l>a!dibalan f
2
tigagoes da parte de Silvestre de Sacy .

As fontes do calao

O calao ou giria portuguesa, propriamente dita, per-


tcnce a segunda das especies acima referidas, isto e, a
das girias de vocabulario proprio, que tambem podem
chainar-se complexas, por apresentarem um conjuncto de

processes varies. Essa giria tern sido muito pouca estudada,


e a sua historia anterior ao seculo xvn e, por assim dizer,
inteiramente desconhecida.
No seculo xvi Jorge Ferreira de Vasconcellos fez uma
referenda a germania: Quando elles querem falao Ger-
mania. Eufrosina, acto V, scena n. mesmo auctor em-
pregou tambem a palavra geringonga, mas nao no sentido
de giria: os honradoa sao pobres, os ricos vilaos sao roins,
concertai-me esta geringon9a. Ibid., acto in, scena n.
No seculo xvin D. Jeronymo de Argote nas Rcgras de
a
lingua portugueza (p. 300, 2. ed. 1725) disse: Tambemem
Lisboa entre os homens, a que chamao de ganhar, ha um
genero de Dialecto a que chamao Giria, de que os taes
usao algumas vezes entre si. E assim tambem os Siganos
tern outra especie de Giria, por que se entendem huns com
us outros.

1
Apud Pott in Internationale Zeitschrift fur allgcmeine Sprach-

wissenschaft, n, 110.
2 Fr. 1

Michel, Etudes de phil. comp. *wr I argot


p. 487. Pott in In-
ternat. Zeitschrift f. allgemein. Sprachwissensehaft, r, 60, n. 2, repro-
duz os titulos de dois estudos, um sobre termos de giria no Minahassa,
outro sobre um calao malaio e allude a uma nota de Crowther, Yo-
ruba Vocab., sobre uma giria africana, consistindo em inversao de
lettras, syllabas, palavras ou proposi9oes.
Uma inve8tiga9ao bastante extensa no theatre portuguez
dos seculos xvi e xvn nao rue deu elementos seguros para
o estudo da historia do calao. Outros talvez sejam mais
felizes do que eu. Gil Vicente e J. Ferreira de Vascon-

cellos offerecera grande numero de termos populares, mas


nao me atrevi a considerar iienhum como de calao.
E numa obra do notavel escriptor do seculo xvn D.
Francisco Manuel de Mello (fallecido em 1666) que encoii-
tramos talvez os mais antigos termos indisputavelmente
de giria 4 alguns dos quaes sao dados como taes por aucto-
,

res do seculo seguinte.


Nessa obra acha-se a palavra giria,, como adjectivo, mini
sentido que parece ser proprio da giria: Bemencaixava
sobre as ordens aqui agora o bispar; que e palavra giria
a respeito do ver (p. 70) Noutro logar tjirio significa as-
.

tucioso: Como voces sao girios! (p. 155) Nesse mesmo .

sentido occorre a palavra noutros auctores e na boca do

povo, assim como substantivamente com a significagao d<*

astucia. Giria, como substantivo, significando forma par-


ticular de linguagem, vem numa passagem abaixo citada.
s. v. calcorrear.
Os termos de giria contidos na Feira dos Anexins sao
os seguintes :

arames, armas. Pois parece bein um honiem com os


arames atravessados mui direito (pag. 117), Vid. infra
?

Giria do seculo xviii.


bispar, ver. Vid. acirna.
cachucho, annel de oiro. Nao me aponte com o dedo, ja
Ih'o disse ;
bem sabemos que tern annel, e eu ca-chmho no
dedo (p. 179).
calcorrear, correr. Emquanto nao recorrerem
a pulhas,

que e quern melhor os soccorre, porque concorre com o

Feira dos Anexins. Obra posthimia de D. Francisco Manuel de


1

Mello. Agora dada d luz pela primeira vez. EdiQao revista e diri-
gida por Innocencio Francisco da Silva. Lisboa, 1875. Ha varias
copias manuscriptas dos seculos xvn e xvm.
e -ni s- llics acabando,
botam a corrcr a outra materia, ou metaphora, e vao cal-

correando com a giria que trazcm estudada (p. 95).

gabeo, chapeo. Elle e anexirista de arromba traz cha- ;

p<-u d'abalroar. Girio equivoco tic gabeo esteve aquellc


(

(p. 11 .0.
lanterna, garrafa dc vinho. Da adega gosta voce, que
o vi est'outro dia todo arrodellado com a lanterna feito

.Marcos, juiz da taverna (p. 1 17). ja o Joanico (que


. . .

ainda nao perdeu a confraria da camaldola) estard coin as


lantemas. Tambem voce Ihe resa pela conta benta? Nunca
esse bebedo me enclieu as mcdidas (p. 176).
marabuto, marinheiro, homem do mar. Antes e rapa-
zio, e bom para marabutos (p. 117). Olhem os poias

(tornaram os marabutos) com que nos apoiam? (p. 205) .

Basta serein do mar para nao serein gente; e senao olhe:


os homens do mar como se chamam ? Marabutos, que vale
o mesmo que mar e brutos (p. 217).
monteira, como adjectivo, nias evidentemente em jogo
de palavra com allusao a monteira, carapucA (vid. Giria do
seculo xvin) Tambem para Turquia se vae de barrete
:

vennelho : mas ella em campo com chapeu de sol, vae mais


a proposito para a sua belleza. Indo de monte a inonte, a
formosura monteira nao Ihe ha via de estar mal (p. 118).
moscar-se, safar-se, ir-se embora. Se Ihe deu a mosca,
va-se moscando (p. 175).
moscovia? Ao cheiro da moscovia? (p. 176).
rostir, mascar, comer. Vosse teni trazido nella os equi-
vocos de rastos. Isso ? e i-los assim rostindo as marchadel-
las (p. 9)>. Tenha inao: vosse suppunha, que sou bocado
mal mastigado, que o atravesso? Que arenga 4 essa,
que
(p. 88: Em metaphora de comer).
vosse vai rostindo?
sorna, somno. Metaphora dc dormir, e boa para os sete
dormentes. Quern duvida que havia de ser uma sorna?
(p. 100).
A mais antiga lista de termos de calao conhecida 6 a

que deu o padre D. Raphael Bluteau no seu Vocabulario


62

e latino
portuguez (Coimbra, 1712-1721, 8 vols. fol.) e
no Supplemento a mesma obra (Lisboa Occidental, 1727,
2 vols. fol.) 7 respectivamente s. vv. gira e giria ou gira.
Gird, diz o erudito theatino, que tomou em consideragSo
a linguagem viva, he o mesmo, que a linguagem dos ma-
rotos.
Fr. Luiz do Monte Carmelo, no seu Compendia de Ortho-

graphia (Lisboa, 1767), pp. 613-614, reproduziu parte


dos termos reunidos por Bluteau (os dados no corpo do

Vocabulario) e juntou apenas uns quatro novos.


A litteratura do seculo xvin parece dar tambem poucos
elementos para a historia do calao. Sao bem conhecidos
dois romances de Alexandre Antonio de Lima, publicados
nos sens Rasgos metricos (Lisboa, 1742), em que se encon-
tram muitas alteragoes populares de vocabulos, e algumas
talvez apenas pretendidas populares e fabricadas simples-
men te pelo auctor, junto com uns 17 termos de calao, dos
quaes somente 4 nao se encontram em Bluteau. A leitura de
varias comedias do seculo xvin ministrou-me apenas alguns
termos de giria, quasi todos ja conhecidos desses dois au-
ctores citados. Por exemplo, na Piquena pega intitulada o

alfaiate e Adella ou o Careca e Carcunda na Praga (1792)


e noutras da mesma epocha occorrem os termos gimbo, di-

nheiro, e gebo, velho. A


expressao china que e empregada
na mesma pega no sentido de dinheiro (A mim china nao
me falta) era talvez do calao, e ginja velho (na mesma
pega) saiu tambem talvez do calao.
Nas Injtrmidades da lingua e arte que a ensina a emmu-
decerpara melhorar. Author Sylvestre Silverio da Silveira
e Silva. Invoca-se a protecgam do glorioso Santo Antonio
de Lisboa, por Manuel Joseph de Paiva, Lisboa 1759, 4.,
ha de pp. 104 a 153 uma collecgao de palavras e phra-
ses da linguagem popular, que o auctor condemna, e entre
as quaes surgem alguns termos de calSo, em parte repro-
duzidos, ao que parece, de A. Antonio de Lima, como se
conclue, por exemplo, da expressao cloris de cachimbo (me-
retriz), commum aos dois e que 6 provavelmente da fabrica
63

de Lima *.Infelizmente Paiva n&o dcu a significa9ao dos


termos e phrases que colligiu, o que torna em grande

parte inutil a sua lista. O


termo china, ja mencionado,
occorro tambem nessa lista na phrase tern muita china.
Joao Baptista da Silva Lopes, Historia do cativeiro dos
presos d'estado na Torre de S. Juliao da Barra de Lisboa
(4 vols. Lisboa, 1833-34) deu uma lista de termos do calao
ou algaravia dos malandros, colhidos por elle na prisao.
Depois da publicac.&o dos Mysterios de Paris, de Eug.
Sue, e da sua traducgao portuguesa publicada no Porto
(18431846, 8 vols.) ; comegaram a introduzir-se em roman-
ces, em quefiguravam individuos das classes anti-sociaes,
termos de calao, verdadeiros on fabricados pelos auctores
e traduc tores. Ja o traductor dos Mysterios de Paris (o fal-
lecido dr. Jose* Pereira Reis, faculta i: -o distincto) dizia:
A linguagem dos nossos ladroes nSu e tao rica como a
dos francezes; e por isso em alguns logares teremos de
aportuguezar certos vocabulos. As
aportuguesacjoes do
dr. Pereira Reis e de outros traductores foram repetidas
posteriormente como productos insuspeitos do calao, e o que
e mais curioso e
que pode admittir-se que alguns d'esses
termos mal adaptados tenham entrado por fim no calao,
por influencia das traducgoes, sendo todavia difficil deter-
minar ao certo quaes elles sSo.
No romance Fr. Paulo ou os doze misterios (Lisboa
1844, 8., tomo I e unico), colheu Francisque Michel os
38 termos ou phrases do calao que inseriu a p. 441 dos
seus Etudes de philologie compares sur I'argot, e os
quaes
devem ser considerados como genuinos.
Alguns jornaes teem publicado listas, geralmente muito

curtas, de termos de calao. Extractei duas d'essas listas


publicadas uma no Jornal da Manha, do Porto, ahi por
1886, outra num periodico de Lisboa, mas infelizmente
extraviou-se-me o extracto.

Clori no sentido de amante vein jd na Feira dos Anexins.


>4

Xa Revista do Minho, 1. anno (1875, Barcellos), eneon-


tram-se os dois seguintes artigos que interessam ao nosso

assumpto :

Candido A. Landolt. Vocdbulario popular de alguns ter-


mos especiaes usados pelos fadistas do Porto (pp. 5455).
Contem 53 termos dos quaes lazeira, piugas e versas sao

populares e nao do calao.


J. Leite de Vasconcellos. Giria portuguesa (pp. 62-64).
a lista de Monte Carmelo, que suppoz ser o col-
Reproduz
lector de todos os termos, e da 18 novos ouvidos aos garo-
tos do Porto. De um philologo, como e o auctor, havia que

esperar mais.
A mais extensa, muito mais extensa que todas as
lista

anteriores, dos termos de calao acha-se no artigo seguinte:


J. M. de Queiroz Velloso. A giria (vocabulario, ety mo-
log ia e historia) in Revista de Portugal, novembro de 1890
(pp. 153-183), Porto.
Alem de varias consideragoes geraes e de indicagoes
sobre as fontes do calao, contem uma lista com 1337 arti-

gos (contei-os rapidamente, mas nao pode ter havido senao


muito pequeno erro) todavia o numero de termos distinctos
;

6 menor, porque o auctor, seguindo o exemplo, a meu ver,


criticavel de varios collectores de girias, separa em artigos
diversos as differentes accepgoes de uma mesma palavra:
e assim que o termo macaco tern quatro artigos, o termo

pae tres, rale tres. O auctor serviu-se de Bluteau, A. An-


tonio de Lima, Silva Lopes; examinou varios romances,
traduzidos e originaes, e outras fontes que nao indica mas ;

a maior parte dos termos que publica foratn colligidos da


traducgao viva ou directamente por elle ou por outras
pessoas, o que da a lista valor particular, sem comtudo
ser possivel para nos a absoluta certeza de que nao se
tenham introduzido nella alguns productos espurios, apesar
da critica que o sr. Queiroz Velloso se exforgou por exer-
cer sobre os materiaes a sua disposigSo. Ha outra ordem
de termos que nao por serem espurios, de falsa giria, mas
sim por serem genuinamente populares, da linguagem geral
65

do povo nao deviam figurar, como figuram na lista. Taes


sao:

Alapar-se, esconder-se, muito usado nas provincias, deri-


vado apparentemente de lapay mas muito mais provavel-
mente modificado por diinissila9So de * alaparar-se (cf. pela
forma coltar vb. por coaltarar, do s. coaltar, do inglez, e
pelo sentido agachado, propriamente escondido, de cacha,
fr. cacher, e acagapado, acachapado, abaixado, encolhido

como o ca9apo na toca).Temos tambem a forma alapar-


dado, com um d epenthetico, tambem de laparo.
Alhada, compromettimento, etc. Vem ja em Bluteau no
sentido de embrulhada. E perfeitamente popular.

Almiscarado, janota, como o antigo alfeninado, adj. e s.,

e" termo familiar (um almiscarado).


Asophisma e um
arranjo popular de sophisma.
Badejo, bacalhau, propriamente bacalhau vivo ou fresco,
e termo perfeitamente geral, do hisp. dbadejo, de abbad,
abbade, como bacattao de baccalario, segundo D. Carolina
{
Michaelis de Vasconcellos .

Baralha, tumulto, desordem, etc., e um velho termo ;


sempre vivo na boca do povo. Nos antigos documentos era
principalmente usado na forma tautologica a volta e ba-
ralha: Quern com alguem baralha e depos a baralha a sa
cassa entrar e hy auudo conselho fuste pera ele firir peyte
XXX. a Foral de Santarem in Portugal, mon. hist.
soldos.

Leges, i, 408. Cp. Foral de Lisboa, pag. 413, Foral de


Almada, p. 476, Foral d'Aguiar, p. 714^, Foral de, Extre-
titioz, p. 681. ((Alcaldes 6 iurados que a bolta 6 baralla
sobreueneren e uiren ferir 6 mesar e lo uire alkalde 6 iurado
firme fasta en v morabitinos. Costumes e foros de Castel-
Rodrigo, ibid. p. 888. Ningud ome que fugir de bolta 6

Certas Agulhas ferrugcntas, tinliam entre o Badejo e Bacalhao


1

mettido tal enredo que dizia o Bacalhao Ha quern fa$a melhor


:

cozimento ao estomago que eu? Arre com o Badejo, que a puro


azeite e que vai escorregando. Feira dos Anexins, p. 215.
66

de rebata tresquilenlo e pierda el quinon. Costumes eforos


de Castel Melhor, ibid. p. 932. Em aquelles dias crecia

muyto o conto dos dicipulos, e levantouse muy gram volta


e muy gram baralha antre os diciplos Judeus. Actos dos

Apostolos (in Imditos d'Alcobagaj vi, 1. +


Encontramo-lo ainda nos proverbios colligidos por Blu-
teau:

Boca fechada,
Tira-me da baralha.

Nao bulas baralhas velhas ;

Nao mettas maos entre pedras.

Estilha, bocado, po^ao, propriamente lasca, e popular.


Fallar d'otivo, fallar sein saber de que, propriamente
fallar do que nao se conhece directamente, mas so por ou-
vir fallar os outros, d'ahi fallard toa, e alteracjio de fallar
d'outivo ou antes fallar d'outiva (outiva = auditiva); e po-
pular e foi classico na ultima forma, como pode ver-se dos

exemplos reunidos por Moraes, Dice.


Maochas era simplesmente um velho plebeismo, conser-
vado ate ao seculo xvm, como se ve de A. Antonio de
Lima, que anteriormente se encontra, por exemplo, no
e
seculo xvi em Jorge Ferreira de Vasconcellos, Comedia

Ulysippo, acto in, scena vi: Ai maockas,


todo vos estais
cortado.
De modo nenhum podem ser considerados como termos
de giria os seguintes tambem popularissimos panga, bar- :

riga; copasio, copo (grande) cimeirO; que esta no cimo,


7

e outros que figuram na lista refer ida.


Sem duvida ha, nas girias dos diversos paises, velhos
termos que pertenceram a lingua geral, mas que esta
abandonou (matelote, p. ex., na Queiroz Velloso
lista do sr.

parece estar nesse caso; a palavra signitica marinheiro


como o fr. matelot, de que provem, e foi empregada pelos
escriptores do seculo xvi no sentido de companheiro nas
67

lides do mar: (quem nao sabe que Diogo do Couto cha-


raava a Luiz de Camoes sen matalote!); em muitas partes,
como tern sido observado, os limites entre a linguagem
popular e as girias sao indefinidos; todavia isso im- no
pede que a historia e o uso actual das palavras nos per-
mittam separar nitidamente em muitos casos o que e da
linguagem popular geral e o que e das girias.
O sr. Queiroz Yelloso introduziu com razao na sua lista
os termos antiquados ou que tendem a se-lo das listas de
Bluteau e Silva Lopes e dos romances de A. A. de Lima,
unicas fontes que cita anteriores a 1830; deveria ter
notado todavia todos os termos que se acham nessas fon-
tes,para assim apresentar no seu trabalho os poucos
dados que possuhnos para a historia do calao. Igual-
mente teria feito bem o auctor do trabalho a que me
refiro dando indica9oes rapidas (por meio de abrevia-
turas) das fontes litterarias que examinou, alem das ja
indicadas.Apesar de todos esses reparos, deve-se reco-
nhecer que elle prestou um apreciavel servio que natu- 7

ralmente sera conipletado com a segunda parte promettida


do seu trabalho.
Da minha parte tinha eu ja ha annos formado uma lista
de termos de giria contemporanea, acrescentada depois e
que continha 695 artigos. Tendo comparado essa lista com
a do sr. Queiroz Yelloso, eliminei della tudo o que era corn-
mum e ficou assim um residue que abaixo publico. A maior

parte d' esses termos que faltam na collec9ao "do referido


escriptor tern ainda emprego e nao foram puros caprichos
do momento, o que prova que o sr. Queiroz Velloso foi
demasiado longe na seguinte asseveraao E possivel, e
:

mesmo mais que provavel sobretudo para o sul do paiz

que ainda existem outros termos de giria, alem dos aqui


incluidos nem nos temos a estulta preten9ao de exgotar
:

completamente o assumpto. Poucos serao, no entanto, em


absolute: e rarissimos os que passarem d'uma
d'estes,
extravagancia ephemera da moda que as tern tambem
e consideraveis o caLao criminal)).
68

Observarei que muitos dos termos da lista do sr. Quei-


roz Velloso como da minha, teem adquirido certa genera-
lisaao na linguagem do povo, alguns ate na litteratura,
phenomeno que se da noutros paizes relativamente as gi-
rias. As duas listas comteem tambem termos de girias de
classes nao criminosas.
Ha pois que distinguir, o que muitas vezes 6 difficil :

1. Termos antigos populares que se reduziram a termos


de giria (ex. matelote); 2. Termos primitivamente de giria

que tornaram termos populares, familiares (ex. gajo);


se
3. TermoB populares geraes que, por serem empregados
pelos que fallam o calao, podem ser erroneamente consi-
derados como proprios do calao (ex. baralha); 4. Termos
das diversas girias.
As fontes da minha lista sao :

1. Uma lista manuscripta que me ministrou ha annos


o fallecido escriptor Leite Bastos; os termos aproveitados
d'esta lista nao levam nota particular.
2. Os termos da lista de Landolt (abreviatura LAND.).
3. Os termos da lista de Leite de Vasconcellos (abre-
viatura VASC.).
4. romance Eduardo ou os mysterios do Limoeiro,
pelo padre Joao Candido de Carvalho (Lisboa, 1865-1866.
4 vols.); indicado pela abreviatura M. L.
5. A minha audigao casual nas ruas de Lisboa e Porto
;

os termos colhidos por mim proprio levarn a nota C.


Da lista de Leite Bastos tive que excluir muitos termos
de genuidade suspeita mas e possivel que algum me esca-
;

passe que devesse ser tambem riscado.


padre Carvalho (conhecido popularmente pela alcu-
nha de padre Rabecao) colheu sem duvida da tradicao
viva alguns termos, mas outros revelaram-me que nao me-
recia sempre confianga. Assim encontrei nelle, alem de
alguns termos repetidos da traducgao dos Mysterios de Pa-
ris, a palavra ancia no sentido de egua, o que parece de-
vido a um apontamento mal tornado, pois ancia significa,
nao egua, mas sim ayua (M. L., I, 139).
69

abaiicado, adj. Preso. C. apertante,, s. f. Corda.

abucar, v. a. Cercar. ar, s. m. Falta d'ar. Falta

abridor, s. m. Alyapao. de dinheiro, C.


aeanhotado, adj. Triste. C. a rani iota, s. f. Sardinlia. C.
? acha-clmmbada, s. f. Phos- archeiro, s. m. Homem
phor o. ebrio. C.

aguaruca, s. f.
Fim, extre- ? arifes, s. f.
pi. Tesouras.

midade; rol do esqueci- Cf. drifes.


QuEiKOZ.
mento. armar, v. n. a raposa.
1. alar, v. n. Ir. C. Evacuar. C.
2. alar, v. n. Viver. arrezinar-se, v. refl. Hor-
alcide ? s. m. Pao. rorisar-se.

alcilante, s. m. Relogio de arrombada, s. f. Meretriz


senhora. LAND. vilisshna. PORTO.
algodao-em-rama ? s. m. PSo asas ? s. f.
pi. Bragos. C.
alvo. C. Porto. asca ? s. f.
Quisilia, zanga.
assentar ? v. a. - - a mesa.
alko, adj. e s.
Espertalhao.
C. Denunciar.
alisar, v. a. Furtar. assoprar, v. a. Denunciar.
altar,, s. m. Mesa de jan- C.
tar. assorda, s. f. Bebedeira. C.

alumiada, s. f.
Fogueira. ?
aticar, v. a. Picar (o ca-
ambria, s. f. Fome. vallo).
amoinar,, v. n. Pedir es- ? atrimar, v. a. Vender.
mola. C. moinar. QUEI- atrocos, adv. Atrds.
ROZ. az-de-copas. Nadegas, po-
amostradora ? s. f. Lanter- dex.
na. com antrolhos. hadejo, s. m. Pudendum
Lanterna de furta fogo. mulieris. C. (Bacalhau.
aparar ? v. a. Acceitar, re- QUEIROZ, VASC. Vide
ceber. C. Tern tambem p. 65).
o sentido de ser sodo- badona, s. Cavallo.
mita passive. batata, s. f. Bruxaria. C.
aparelho, s. m. Morda9a. baguines, s. m. Dinheiro.
M. L., i., 134. Estar a trocos de . Es-
aparelhado, adj. Preso. M. tar sem real. C.

L., i., 143. bailharote, s. m. Feijao. C.


bailique, s. m. Quarto de buldra, s. f. Podex rnulie-

prisao. M. L., i, 400. ris. LAND. Cf. tundra,


Presentemente significa barriga. QUEIROZ.
tarimba. C. busilhao, s. m. Thesouro,
balharote, s. m. Vid. bai- dinheirama. C.
Iharote. M. L., i., 129. butes ? s. m. pi. Botas. C.
baldo, adj. ao naipe. (Pes. QUEIROZ.)
Que nao tern vintem. C. cabeca ? s. f. de preto.
balsamo ? s. m. Vinho. Queijo. VASC.
balsar, v. n. Ladrar. FR. cabo, s. m. Quatro soldados
PAULO. e um .A mao ;
os cin-

banano, s. m. Bofetada. C. co dedos. Fazer quatro


bater ? v. n. certo. Estar soldados e um . Ron-
de accordo. bar. C.

benzer, v. a. Pedir. cackorros, s. m. pi. --de


besugo ? s. m. Pudendum proa. Seios de mulher.
nmlieris. C. C.

bicudo, s. m. Alfmete de cachucho ? s. m. Annel de


peito. oiro.

bilontra, s. m. Maroto, bil- caganefa, s. f.


Espingarda.
tre. C. M. L., i,
142. Cf. cagar-

bogalhao., s. m. Valentao. rufa. QUEIROZ (de SILVA


C. LOPES.)
bola ? s. f. Melancia. VASC. cagarrao ? s. m. Pris&o. C.
bomb a, s. f. Podex. C. caido, adj. Que nao tern

borga, s. f.
Pandega, orgia. real. C.

VASC. Passeio nocturne. cair,, v. n. -- no pau. Re-


LAND. velar urn segredo. C.

borla, s. f. De . Gratis. eaixilhosj s. m.


pi. Olhos.
C. caldaca, s. f. Vinho.

bote, s. m. Podex. C. caleco, s. m. Quartilho.


botica, s. f. Cara. C. ealmeirao, adj. Pregiu'9oso.
brechar r v. n. Pagar a pa- C.
tente. calona, s. f. Mulher despre-
broi, broia ? adj. Bom ;
boa. zivel.

C. cambao, s. m. Ir no . Ir

bufo, s. m. Policia secreta. preso.


71

camelote, s. m. Espolio. Chao-grande, s. m. Ter-

cantar, v. n. Padecer, sof- reiro do Pa90 (praga de

frer. Lisbon).
capito, s. m. Capitao do la- chapar, v. a. Futuere. C.
drftes. chato, adj. Que nao tern

cara, s. f. Moeda de oiro do vintein. C.


valor de 2$000 reis. C. chavelho, s. m. Copo.
LAND. chegadinlia, s. f. Bofetada.

cardar, v. a. Furtar. M. L., cheira, adj. e s. 2 gen. Met-

I,
120. (Of. carderiko, tediyo, a.
roubo. QUEIROZ). chelra, s. f. Pakvra.
car eta, s. f. Moeda de 500 cliibo, s. m. Alavanca.
reis. "Of. carinlia. QUEI- chimpar, v. a. o olho.

ROZ). C. Bater de chapa.

carocha, s. f. Ponta de ci- chinfrim, adj. Que tern pou-


garro. eo valor, que e de quali-

carunfeiro, s. m. Fadista dade ordinaria. C. Como


traidor, em que nao ha s. m. em QUEIROZ.
que fiar. C. chinoca, adj. f. Muito boa.
casca, s. f.
Japona. cifra, s. f. Podex.

catraio, s. m. Criana. Ra- clisar, v. a. Ver. - - a pal-

paz. (Cf. catraia, egua. ma. Ver a geito, a von-


QUEIROZ). C. LAND. tade. C.

cavallinho, s. m. Libra es- cocar, v. a. Vid. cucar.


terlina (especialmente as cochicho, s. m. Moeda de
que teem cunhado um 50 reis, de prata. Chapeu
cavallo). C. LAND. de amolgar. Casa peque-
cavallo, s. m. Vid. cavalli- na. C.
nho. C. coco, s. m. Copo. C.
chaleira, s. f. Podex. C. coUa, s. f. Fechadura.
chalrear, v. a. Cantar. collegio, s. m. Prisao, ca-
Cf. chalradoTj fallador. deia.

QUEIROZ. Vid. chelra. contado, s. m. Anno.


chaluj)as, s. f.
pi. Botas. C. copadas, s. m. Ir as . Ir

chamborgas, que s. m. O ao cafe. LAND.


quer passar por valentao ; coragem, s. f. Dinheiro.
fanfarrao. Sem . Sem vintem. C.
cordaiite ? s. f. Forca. embeicar, v. a. Atracar. C.
corrida,, s. f. Mes. empandeirado, adj. Preeo.
eorte, s. m. Roubo. Cf. cor- C. Cp. empandeirar , ma-
tar-se, furtar. QUEIROZ. tar, assassinar. QUEIROZ.
C. encabrestar ? v. n. Apresen-
cortesao ? s. m. Chapeu fino. tar a ceia.

corveta, s. f.Cachimbo. encaixotar, v. a. Enterrar.


coveiro, s. m. -- altanado. encalhar, v. n. Parar; en-
Procurador regio. trar.

cozinha, s. f.
Esquadra de eucanar ? v. n. Mandriar,
policia.
cucar v.?
a. Ver. C. entrames, s. m. Entrada. C.
eulatra, s. f. Pedex. envergadura, s. f. Vestua-
culatroiia, s. f. Meretriz rio.

vilissima. C. envergar-se ? v. refl. Ves-


cunha, s. m. Empregado tir-se.

que verifica passaportes. escaniliida ? s. f. Excre-


darona, s. f. MSe. la de mento. C.
eima. Mae de Deus. escovadiiiho, s.m. Chapeu.
derrubador, s. m. Faca. esfolado, adj. Zangado.
descarregar ? v. a. o esgaiiador, s. m. Gravata.
madeiramento. Andar li-
esganar, v. a. Esconder.
geiro. espantar-se, v. refl. Zan-
desconfiar, v. n. Ir-se em- gar-se. C.
bora. espinheira ? s. f.
Mata, bos-
?deza ? s. f. Moeda. que.
dia, s. in. Fazer . Andar esquilha, s. f. Sardinha.
toda a noite em folgan9a. esteira, s. f. Estrada.
C. Fabiano, s. m. Nome va-
doente, adj. Compromet- lendo como fulano que
tido. se dao os fadistas para

dor, s. m. Chime. Fami- nSo enipregarem o nome


liarmente a expressao verdadeiro. LAND.
dor de cotovello tem o faia ? m. Fadista. C.
s.

mesmo sentido. C. faiante, s. m. Fadista. C.


dorminhoco, s. m. Opio. falso, s. m. Buraco
da fe-
doutora, s. f.
Cabeya. chadura.
73

iarar, v. a. Apanhar. gadachim, s. m. Unha. M.


faxar, v. a. Abrir. L., i,
129.

ferramental, s. m. Ferros gaio, s. in. Cavallo.

para arrombamento. galdrana, s. f. Meretriz vi-

ferro, s. m. Dinheiro. lissima.

fila, s. m. Official de jus- galdrapinha, s. f. Meretriz.

tiya. C. Cp.Jttante, agen- galdropar, v. n. --da cor-


te de
policia, guarda ci- da. Comer da ceia d'ou-
vil.QUEIROZ. Uma quadra trem.
do tempo da guerra libe- gandaiar, v. n. Vadiar.
ral allusiva a um certo Diz-se tambem no mesmo
meirinho de Coimbra di- sentido andar a gandaia.
zia: C. Vid. infra, na Giria

Morreu Custodio, do seculo xvm ? p. 81.


Meirinho fino, gandaieiro, s. m. que an-
Filante mor, da a gandaia.
Desde menino. s. m. Piolho. Cp.
gando,
file*,
s. m. Palpite; espe- gao. BLUTEAU. ganau.
ran9a num ganho. C. VASC. QUEIROZ.
s. f. Astucia. a. Vender,
ganfar, v.
tina,

finfar, v. a. Applicar, dar. gangarina, s. f.


Igreja. Cp.
Bater. Futuere. C. cangarina. SILVA LOPES.
fofa, s. f. Mentira. garganta, s. f. Grarrafa. M.
forty-two, num. Quarenta e L. i,
136. Cp. gargan-
dois. C. tosa, garrafa. QUEIROZ.
francisquinho, s. m. Copo garnella, s. f. A . A von-
de vinho. M. L., i, 6. tade.

fundo, s. m. Prisao. Cp. garulla, s. f. Perua.


fundo, soldado, sentinel- gateira, s. f. Bebedeira. Vid.
la. QUEIROZ. gata. QUEIROZ.
funeral, s. rn. Elogio. gauderio, s. m. Vadio. Pa-
fun gaga, s. m. Philarino- tusco. Malandro.
nica. C.
gaudinar, v. n. Andar na
furacao, s. m. Morte d'ho- pandega, a boa vida, fol-
mem. gar. C.
gabinardo, s. m. Gabao. gelfa, s. f. Velha. Cp. gelfo
Capote. C. (= belfo}, cao. QUEIROZ .
gesso, s. m. Vinho. VASC. guibo, s. in. Artolho.
Ja nas cortes de Almei- horapj v. n. Fazcr horas. C.
rim de 1544 foi prohibi- ilhoz, B. m. Podex. 0.
do deitar gesso no viiiho. inglez, s. in. Percevejo. C.
Dessa falsificagao vem a irmo ? s. in. Irmao. C.
significagao da palavra. kioske, s. m. Podex. C.
gimbolinha, s. f.
Aguar- labita, s. f. Casaca.
dente. lamira, s. f. Libra. VASC.
gingao, s. m. Coxo. C. Cf. lamiro. QUEIROZ.

giraldinha, s. f. Patuscada. lanterna, s. f. Sapato. Gar-


giribato, s. ui. Yinho. LAND. rafa de vinho.

giripiti, s. m. Aguardente. largar, v. n. Mentir.


C. geripiti; cacharolete : larias ? s. f.
Laranja. VASC.
bebida composta de diffe- lascar, v. n. Evacuar. C.
rentes licores. QUEIROZ. latingar, v. a. Comer,
girote, s. m. Vadio. C. lavado, s. in. Quartilho de
grane, s. m. Cavallo. grane, vinho.

grani. QUEIROZ. linguado, s. in. Lettra com-


grao, m. Arroz. VASC.
s. mercial. C.

gregorio, s. m. Penis. C. lire, s. m. Vinho.


grelha, s. f. Peru. lirias, s. f. Vid. larias.

griso, s. m. Frio. gris, BLU- VASC.


TEAU. livraria, s. f.
Repertorio
grossa-casca, s. f. Caixa de grande de cantigas.
prata. lixar-se, v. Futuere.
grosso, s. m. Bebado. C. lofo, adj. Pateta.

grossura, s. f. Bebedeira. lostra, s. f. Escarro. Bofe-

grudar, v. n. Convir. Ad- tada. C.

aptar-se, accomodar-se. lupa, s. f. Cantar a . Vo-


Estar de accordo. C. mitar.

grulha, s. m. Porco. Nos luzeiite, s. m. Pedra pre-


M. L., i, 135, peru. Em ciosa.

QUEIROZ, com outras si- luzida, s. f. Festa.

gnificagoes. lyra, s. f. Guitarra. LAND.


giielar, v. n. Gritar, palrar. maeote, s. m. Sacola. M.
guesso, adj. Caricato, desa- L., I,
143. Cf. maco.

jeitado. C. QUEIROZ.
75

ma cote, s. m. Podex liomi- mascovia, s. f. Casaca. Vid.


nis. LAND. macoma. QUEIROZ.
madrinha, s. f. Testemu- masquir, v. a. Mastigar.
nha. LAND.
maduro, adj. Tolo, de- mala, s. f. Logar onde se

ment e. C. vende fato velho.


magal, s. m. Soldado. matar, v. a. Prender.

major, s. m. Pae. Ir para meio-bordo, s. m. Facada.


o . Nao prestar, nao melcatrefe, s. m. Sujeito de
servir. profissao duvidosa. Ter-
malafaia, s. m. SigniHcacao mo vago de desprezo com
analoga A de melcatrefe. que se designa um rapaz,
malva, s. f.
Chapeu (de um horn em.

amolgar). menesa, s. f. Concubimi.


Maiidamentos, s. m. pi. LAND. Cf. manesa, mu-
Dez . Os dedos da Iher. QUEIROZ. Menesa,
mao. C. abbadessa. Id.

mandigula, s. f. Bebida nar- miar, v. n. Gritar.


cotica. midea, s. f. Cabeca.
mandil, adj. Preguiyoso. milhafre, s. m. Mil reis.

mangalhado, adj. Pregui- Consultei apera e achei

9030. so um milhafre abri a

mangalho, s. m. Penis. bolsa e achei so mil reis.

maquineta, s. f. Cabeya. mimoso, m. Chapeu fino.


s.

Ter macacos na Ter .


minhocas, s. f. pi. Sopa de
mania, loucura. macarrao. LAND.
mariuheiro, s. m. que mistico, adj. Acordado. M.
traz dinheiro comsigo e L. ? i, 134. alto. Homem
diz que nao o tern. LAND. mitra, s. Na giria, dos pe-
marosca, s. f.
Ardil, logro. dreiros, coelho. VASC.
marrao, adj. Apanhado, A evoluga.o da linguagem,
descoberto (num crime). p. 53.
marreta, s. f.
Sapato. moca, s. f. Tolice. Traiyao.

marteliiiho, s. m. Copo de mocar, v. a. Enganar. Tra-


nieio quartilho. Penis. C. hir.
?
martyrios, s. m. pi. Fer- moco, s. m. Tolo, pedayo
ramentas. de asno.
76

mofo ? s. in. De . Gratis. paiol, s. m. Estomago. C.


C. palito, s. in. Punhal. LAND.
moina, s. f. Andar a .
(Cigarro. QUEIROZ). pi.
Andar a pedir esmola. Pontas de boi.
Vid. amoiiiar. C. s. m. nocturno.
pandego,
moleque, s. m. Bofetao. C. Guarda nocturno, sereno.
moncosoj s. m. Len9<) de panella, s. f.
Carruagem.
assoar. Podex. C.
money (pron. moni), s. m. pantufo, adj. Gordo. C.
Dinheiro. parelhar, v. a. Divertir.
inonte, s. m. de pedras. pardal, s. m. Espiao poli-
Edificio da prisao. cial.

monteira, s. f. Prisao. parrameiro, s. in. Puden-


morder, v. a. Fazer mal a. dum mulieris.

moscardo, s. m. Bofetao. C. parrancar ? v. n. Mandriar.


moscar-se ? v. refl. Fugir C.
com roubo. C. patrona, s. f. Pudendum
moscOj m. Roubo. C.
s. mulieris.

mosqueiro, s. m. Casa. patao ? s. m. Tolo. Asno. Nos


moxingueiro, s. m. Juiz da diccionarios como popu-
prisao. M. L., i, 40, etc. lar.

nada r, v. n. Justificar-se. patrajona, s. f. Meretriz de

narro, s. m. Gato. soldados, que segue um


nasio, s. m. Nariz. C. reginiento de terra em
iiiear, v. n. Futuere. C. terra. C.

nicola, s. f. Acgao de nicar. patrazana, m. Soldado da


s.

C. guarda municipal. VASC.


noscar, v. a. Quebrar. patuno, s. m. Pudendum
noz, s. f.
Cabe9a. mulieris.

official, s. m. - -
de boea pega ? s. f. Verdade.
aberta. Cantor. peixe-na-costa, s. m. Gente
olho ? s. m. Na giria dos suspeita.
pedreiros, tostao. VASC. peneira,, s. f. Fome (Lis-
A evoluqcio da linguagem^ boa). C. Sede (Porto).
p. 53. de boi. Cruzado pente, s. m. Amasia. Mere-
novo. triz. C.

padrinho, s. m. Testemunha. pevide, s. m. Podex.


77

philarmonica, s. f. A poli- reguJado, s. m. Relogio.


cia apitando. C. reraedio, s. m. Explicagao.
piegas, s. m. Penis. C. reminicar, v. n. Queixar-se.
s. f. Cama. replicar, v. n. Voltar.
pilula, Cp. pil-
tra. QUEIROZ. respo, s. m. Excremento
pinto, m. Crianga. C.
s. humano. C.
pirata, s. m. Cabo de poli- risca, s. f. Desordem. C.
cia. C. riscar ? v. n. Manobrar com

pire ? s. in. Prato. VASC. a navalha antes de dar a

pitada, s. f. Prostituta. facada. C.


LAND. roca, s. f. Bengala.
placa, s. f. Moeda de prata rocar-se ? v. refl. Rir-se. C.
de 500 (Moeda de reis. rodellinha, s. f. Annel.

prata de 240 reis. QUEI- rodilLa, s. f. Gravata. C.

ROZ). roedura, s. f. Pesar ? tris-

ponis, s. f. Mulher. teza. C.

presimto, s. m. Pessoa rola ? s. f. Caldo. Criada de


morta. LAND. servir chegada da pro-
quebrado, s. in. Copinho. vincia.

queijo,, s. m. Negocio. rolha ? s. f.


Juizo, bom senso.
querer, v. a. meca. Por ruiva, s. f. Policia.
duvida. rustideira, s. f.
Acgao de
quilhar, v. n. Futuere. C. comer. Coisa que se come.
quinhames, s. m. Sapato saltante-picado, s. m. Dado
grosso. Pe. C. Cp. ca- chumbado.
nhantes, botas. SILVA Lo- samatra ? s. f. Penis. (Bebe-
PES. deira. QUEIROZ).
quiuta, s. f. Enfermaria de sarambia, s. f.
Masturbagao.
meretrizes. sebastiao, s. in. Tolo. C.

rabao,, s. m. Diabo. sem-luzios, adj. Cego.


rale",
s. f.
Genio, indole. servido ? adj. Preso. C.
Pouco difFerente do uso servir, v. a. Espancar. C.
cominum da palavra. sinhamn, s. f. Senhora. Cf.
rapiaca, s. f. Patuscada. sinhd. QUEIROZ.
ratoeira, s. f. Casa onde se sobremoscovia, s. f. Sobre-
reunem ladroes. casaca. Cf. sobre-maco-
refeita ? s. f. Ceia. via. SILVA LOPES.
78

soldados, s. m. pi. Vid. cabo. torcida, s. f. grossa. Pe-


soiia ? adj. Preguioso. chincha. M. L., i, 120.
sondar, v. n. Morrer. tosse, s. f. Fome. C. Falta
sondeque, s. m. Bofetada. de dinheiro. LAND.
C. traidor, s. m. Sapato.
sonhar, v. n. com o pae. triques, adj. Todo a bei-

Embriagar-se. rinlia. Todo liro. C. (Todo


soriia, s. f. Cama. triques a marinha. QUEI-
sovelao, s. m. Avaro, pou- ROZ).
pado. C. tronco, s. m. Homem.
subideira, s. f. Escada. uga, s. Fazer
f. Conti- .

sulipa, s. f. Jogo de algape. nuar. M. L. ? I, 135.

tacho, s. m. Cara. C. ugar, v. n. Gritar, dar alar-


tapor, s. f. Na giria dos me.
pedreiros, porta. VASC. um-sete ? s. m. Navalhada.
A evolugao da linguagem, LAND.
p. 53. vegete ? s. m. Aniante ve-
tardos, s. m. Podex. Iho. C. Este termo e

tefe, s. m. Podex. Puden- muito usado no theatro.


dum mulieris. C. verde, s. m. Frio.
temposa, s. f. Caixa. M. veronica, s. f. Cara. C.
L., I
7
135. Vid. tamposa, xarifa, s. f. Pudendum mu-
QUEIROZ. lieris. C.
tento ? s. m. Bofetada. zachael, s. m. Burro.
teuene, pron. pess. Na zarear, v. n. a mona.

giria dos pedreiros, teu. Zangar-se.


VASC. A
evolugao da lin- zojia, s. f. Noite.

, guagem,, p. 53. zouca, s. f. Na giria dos


tocador,, s. m. Bebedor. pedreiros, coisa. VASC.
tocar ? v. a. trombeta ou A evolugao da Unguagem,
simplesm. tocar, beber. p. 53.
todas, s. f.
pi. Umas . zuncho ? adj. Que esta d'ac-
Uma bofetada, C. cordo. C.
79

Tcm sido notado noutros paises que, apesar das modi-


fica9oes que as girias experimental!!, as vezes num curto

espa90 de tempo no sen material de termos e ainda nal-


#uns processes secundarios, ha nellas uma unidade funda-
mental que nao se perde, um certo fundo de termos e de

processes que escapa a todas as innova9oes. Aqui, como


em toda a linguagem, observa-se o que nota Horacio :

Multa renascentnr qnae tarn ceciderc, cadntt^ue


<
IIHIC nunc sunt in honore vocabula, si volet usus.

A comparagao das duas listas seguintes, uma de termos


do seculo xviii, a outra de termos em uso no calao na epo-
cha da guerra constitucional (Silva Lopes) com a minha
lista e a do sr. Queiroz Velloso mostra a persistencia de
boa parte d'esses termos. E possivel ate que alguns ter-
mos indicados como antiquados persistam ainda nas girias

provinciaes.

Giria do seculo XYIII

Os termos colhidos por Bluteau nao levam indica9ao


de fonte ;
os de Monte Carmelo vao indicados pela abre-
viatura M. C. ;
os de A. A. de Lima com o appellido
Lima, os das Infermidades da lingua com o appellido do
auctor, Paiva. A significa9ao attribuida aos ultimos 6

conjectural.

alfarreca. Cabelleira. avesar, avesar-se. Estar


altenado. Amo. presente. Antiquado.
alvada. Carapi^a. bagulho. Dinheiro. PAIVA.
arame. Espada, adaga. Usa- Estao em -uso as formas
se ainda no sentido de bago e no
lagalhoca,
navalha. mesmo sentido.
artife. Pao. bnnza. Guitarra. PAIVA.
asca. Quisilia. Zanga. PAI- bastos. Dedos.
VA. E antes um termo bayuca. Taverna. Termo
popular. popular.
80

bayuqueiro. Taverneiro. casebre. Casa. E propria-


Termo popular. mente termo popular,
basaruco. Moeda de cobre empregado ainda hoje no
ou bronze? PAIVA. Usado sentido de casa pequena
no sentido de pataco. e velha.

beque (dar ao ).
Fallar? eatropeo. Cavallo. E mais
PAIVA. Beque significa- usada hoje a forma catra-
ria aqui boca, como hoje pos.
1
significa nariz; cf. argot chelpa, s. f. Dinheiro .

fr. bee, boca. cheta. Vintem.

bico, s. m. Bebedeira. Fa- cbiiia. Dinheiro. PAIVA.


2
zer o bico ao faxo ? embe- Antiquado .

bedar-se. Vid. a passa- cosque morrosque? PAIVA.


gem citada s. v. faxo. Cosque no calao moderno
bola. Cabe9a. e casa.
bolonio. Simples, pobrete. cria. Carne de vacca. Anti-
E antes unv termo popu- quado.
lar, ainda vivo. criar. Ter
alguma coisa.
cachimbos. PCS. Antiquado. - - minas de
Antiquado.
cachucho. Annel de oiro. carocoj ter ou possuir
PAIVA. muito. Minas de caroco
calcorrear. Correr. usa-se ainda no sentido
calcos. Sapatos. de fortuna, riqueza.
calmar. Dar (bater, espan- crivantes. Dentes.

car).Antiquado. dez-bofas. Dez reis. Anti-


cascunhar. Ver. Antiquado. quado.

1
Tern grande chelpa escondida,
e de tudo quanto tern,
he herdeira sua filha.

O damno dos miseraveis (entremez). Lisboa, 1784.

... o noivo era fama que media


aos alqueires a clidpa. . .

Segunda parte da viagem sonhada, que fez hum


homem dormindo. Lisboa, 1785.

2
Oh ! tomara-lhe eu a china !

damno dos miseraveis (entreinez). Lisboa, 1784.


81

eucanhas. Meias. Antiqua- galfarro. Vadio. Beleguim?


do? PAIVA. termo galfarro
eiitrujir. Entender. Anti- e dado por Bluteau como

quado. chulo no sentido de gi-

espigas. Bigodes. gantao, soberbo, valente.


estardato. Estoque. Anti- galga. Fome. M. C. Anti-
quado. quado.
falso. Len90. Antiquado. galradeira. Lingua.
fantar. Fallar? PAIVA. galrar. Fallar.
faxo. Pau. Antiquado. No gambias. Pernas.
sentido de cara, num es- ganchorra. Mao. Antiquado?
cripto jocoso, (hoje faxa gandaia (andar a ).
Va-
no mesmo sentido). Vid. diar, viver ao Deus dara.
bico *. Em Lisboa andar a gan-
fume'lio. Tabaco para fu- daia e propriamente re-
niar. LIMA. Antiquado. volver os lodos do Tejo
gabio. Chapeu. Antiquado. na baixa-mar para apa-
gabrinaldo. Gabinardo, ga- nhar algum objecto apro-
bao. PAIVA. Usa-se a veitavel que por Id haja.
forma gdbinardo. PAIVA. Vid. gandaeiro.
gadanhos. Dedos, gandaeiro, s. m. que an-
PAIVA. da d gandaia 2 .

1
... tendo de dia feito ao faxo
bico muito bem, ficando hum caxo.
Raio poetico de Matusio Mattoso Matos
das Matas. Ltsboa, 1786.

2 Deste cano real hoje te saco,


Qual saca o gandaeiro um prego torto
Dentre os chichelos velhos da enxurrada.
Correia Garjao, Theatro novo, seen. 5.

. .e estes peraltas,
.

tristissimos gandaeiros,
e outros ejusdem furfuris,

pobretoes jd ex professo,
nao veem junto um so tostao.
Incis&o anatomica ao corpo da Peraltice.

Lisboa, 1771.
82

ganicos. Dados. Antiquado. golpe. Algibeira.


gao. Piolho. Usam-se as grao. Cruzado novo.
formas ganau, gando. gris. Frio. Parece estar

garrocha. Unha, mao. An- ainda em uso a forma


tiquado. griso.
gateira. Bebedeira. PAIVA. janisaro. Tunante, maga-
gaudiperio, s. m. Injuria nao. M. C. (BLUTEAU es-
que se faz tendo relaoes creve ganisaro.) Anti-
amorosas com a mulher quado.
ou amante de outrem 1 .
jorna. Vagar. Antiquado.
geba. Mae velha. jornando. Estou Nao
.

gebo. Velho. Em varias quero sair. BLUTEAU.


comedias 2 . M. C. Antiquado.

gimbo. Dinheiro. LIMA. justa. Casaca. Usa-se no


3
Antiquado . sentido de jaqueta.

gisar. Furtar. M. C. Anti- laneho. Penedo. Antiqua-

quado. do.

1
Assirn como no leito foi pilhado (Marte)
Fazendo gaudiperios ao coitado
Do ferreiro Vulcano, a que a mulher
Armas contra seu gosto faz trazer.
Raio poetico de M. M. Matos das Matas.

Toda essa gritaria, e apupada,


Que te fere os ouvidos, he causada
Do feio gandiperio, que pregou
A hum Ginja, que ha pouco se casou
Sua mulher. . .

Segunda parte da viagem sorihada, que ft


urn homem dormindo. Lisboa. 1785.

2 .. .mal pilhou
seu Gebo a dormir . . .

Segunda parte da viagem sonhada, que fez


urn homem dormindo. Lisboa, 1785.

3 Eu Ihe buscarei idea

para Ihe sacar o gimbo.


damno dos miseraveis (entremez). Lis-
boa. 1784.
83

lima. Camisa. Usa-se a for- piJra. Cama. Usam-se as


ma limosa no mesmo sen- formas peltra e piltra, no
tido. mesmo sentido.
lostra. Bofetada. PAIVA. pio. Yinho.
luzios. Olhos. LIMA. purrio. Bebado. Usa-se no
marea. Puta. Antiquado. sentido de reles, vil.

niairo. Homem. Antiquado. rafa. Fome. Antiquado?


marimbar, v. n. Os diccio- rafar. Sumir. Furtar. M.
narios trazem este termo C. Antiquado.
no sentido chulo de en- rata. Fome. Usa-se a ex-
ganar, lograr. Colligi al- pressao ter urn rato no
gumas passagens em quo estomago, na barriga, no
equivale a rir-se de, sentido de ter foine.
nao fazer caso de 1
. raso. Frade.

meco, s. m. Homem, esper- rede. Capa. Usa-se no sen-


talhao, finorio, libertino ; tido de roupa.
etc. 2Vid. p. 100-101. rifar. Furtar. M. C.
monteira. Carapuga. Anti- roda. Tostao.

quado ? rustir. Comer.


moquideira. Boca. sonar. Dormir.
nantesnem. Parece ser iden- soquir 7 suquir. Comer.
tica no sentido a niente. sorna. Cama? Preguica^?
Antiquado. PAIYA.
niente. Nao sabes (sic). sornar. Dormir? PAIVA.
Usa-se a forma nente, tardar. Yestido de mulher.

j
nada. Antiquado.

1
Entao no tal casamento
Descle ja estou maribando.
damno dos miseraveis (entreme/). Lis-
boa, 1784.

Ora eu estou maribando em vossa alteza.


Novo entremez das regateiras bravas.
Lisboa, 1786.

2 Nesta certeza os mecos conloiados


A seu salvo as saudes repetiao.
Raio poetico de M. M. Matos das Matas.
Lisboa. 17-Si;.
84

terne. Costas. Antiquado. iinhante, s. 2 gen. ?


a que
Terragosa. Lisboa. Anti- delta a unha as coisas,

quado. rouba *.
tirautes. Canoes. veronica. Rosto. PAIVA.

ugar. Andar, continuar? vinorica (= veronica).


PAIVA. Vid. p. 86 uga, Rosto. LIMA.
continuar. vulto. Corpo. LIMA. Ant.

Calao do primeiro ter?o do seculo XIX

Jose Daniel Rodrigues Costa, na Camara optica, folheto


ill(Lisboa, 1807) traz uma lista de termos que pretende
terem sido entao introduzidos na linguagem dos tafues:
pizorga, embriaguez, bebedeira ; pechincha, lucro, ganho;
cuquenha, acerto, felicidade; chalaga, zombaria, escarneo;
moafa, perturba9ao de sentidos, impertinencia embofea, ;

logro ? altivez caurim, logro, calote grifaria, exotico (sic),


; ;

ridicularia; pimpao f destemido; maluco, tonto


valente, ?

doudo; piteo, quinhao, interesse; petisco, ninharia, boca-


dinho matuto, teimoso, parvo vispere, desapparecer, fugir,
; ;

(diz-se propriamente : fazer vispere) ; pinto, cruzado novo ;

cagoquim, meio tostao grazinador, loquaz ; espelunca,


5

ganho de jogo embaqar, engano, trama (sic).


;

Alguns dresses termos nao eram por certo novos ;


outros
sairam talvez da giria, como pizorga, cuquenha^ caurim,
pinto (cp. ganso, cruzado novo).
Cuguenha e provavelmente o mes.mo que cucanha, do
fr. cocagne: pays de cocagne, pays imaginaire ou tout
abonde, oil Ton trouve tout a souhait. LITTRE.

E por isso nao pdra em parte alguma


Nem com ella tambem coisa nenhuma,
Por ser dotada de tal ar ftunkante,

Que excede a qualquer rapinante.


J?aio poetico de M. M. Matos das Matas.
Lisboa. 1786.
85

Caurim. vein de cauri, nome das conchas que na costa


de Africa servem de moeda. A palavra parece ter tornado
o sentido de moeda falsa; d'ahi impingir um cawim, passar
uma moeda falsa, e, por extensao, pregar um logro.

Calao ou algaravia dos malandros '.

adica, ao pe. bramar, queixar.


afiancar, pegar. cabra ?
denunciante.

amurra, cadeia de relogio. cagarrufa, espingarda.


amarra de lodo, cordao de caleantes ? sapatos.
oiro. calcos, sapatos.
altanado, juiz.- canhantes, botins.
ardose, aguardente. cantante, gallo.
archote, quartilho de vi- cangarina, igreja.
nho. cheta ? vintem.

archote, meio quartilho de chona ? noite.


vinho. clizes, olhos.

artao, pao. cornantej boi.


avela, tern. cuelle 7 casa.

avesa, tern. diluvio, caldo.


avoador, pombo. entrujao, comprador de rou-
balda, algibeira de mulher. bos.

baquesira bolsa.
? entrujar, perceber.
barra, garrafa de vinho. espaldar, lengol.
barraca, chapeu de sol. espinha, punhal.
batas, maos. escamar ?
sentir.

berrar, denunciar. escamou-se ? sentiu.


belfo, cao. estarim, cadeia.
l)ocanhira ?
clavina. faca ? cinta.

bocanhim, trabuco. falhas 7


cartas de jogar.

boia, toucinho. farpela, manta.


botelha, garrafa. femea, fechadura.

Modifiquei a orthographia de Silva Lopes.


si.

filho do golpe 7
ladrao de maracao, morte.
lenos. Malta, Lisboa.
foi feito ? foi ronbado. maxa, fechadura.
fimdanarios, soldados da medunha, dedos.
policia. inenina, chave.

fimdos, soldados. mimosa, camisa.


fusca, justi9a. misto, bom.
gade, dinheiro. nentes, nao.
gage, mulher. nuvem, capote.
gajoj homem. pae, capitao de ladroes.
gamar, furtar com subtileza. paivo, cigarro.
gansos, cruzados novos. parne, dinheiro.
g a nan, piolho. pasiua, sentinella.
geba, velha. penante, chapeu.
gebo, velho. penduras de uvas ferraes,
gomarra, gallinha. lampadas de prata.
golpe, bolso. piar, beber.
grane, cavallo. pirar, fugir.
grani, egua. ratanhi, gazua.
grego, peru. respalde, len
grillo, relogio. roda, tostao.
guineSj cinco reis. ruco, burro.
ir na pireza, safar-se.

justo, collete. sarda, faca.


laia, prata. senhor, dono de alguma
laivo, Ien9o, coisa.

legante, pistola. serralhaSj pe9as de 7$500.


lepes, dez reis. sobre-macovia, sobre-ca-
Iodo 7
oiro. saca.

lumia, meretriz. sornar, dormir.


macanjo, falso. tamposa, caixa.
maco,, saco. tinente, esperto.
macovia, casaca. tralha, capote.
niagano, relogio. troses, calsas.
malandro, ladrao de casas. 11
ga, continuar (sic).
mao, chave. ventana, janella.
j
ladrao de estrada. xelro, gale (prisao).
87

Junto o seguinte exercicio do piulho, colhido da tradi-


c.ao, mas conhecido nessa forma no tempo a que remonta

a lista supra: Matter a beta (mSo); tirar o gao (piolho);


- levar as entaladeiras
(os pollegares apertados pelo lado
das unhas); as oompetentes cuspideiras (cuspir-lhe) ;

limpar aos tirantes (calas)j


-- dar passagem aos que
ficam.

A identidade dos elementos fundamentaes do calao no

tempo, junta-se a sua identidade no espa90 assim a maio- :

ria dostermos do calao do norte de Portugal encontram-se


ao sul. mesmo facto repete-se com as diversas girias
nos outros paises. Tandis que chaque region de FItalie,
diz Lombroso, a tin dialecte propre, et qu'il serait impos-
sible a un calabrais de comprendre tin lombard, les voleurs

de Calabre ont le meme lexique que ceux de Lombardie.


Dans les deux pays, on appelle chiaro le vin, arton le

pain, lensa Feau, crea la viande. L'argot de Marseille


1
n'est pas autre que celui de Paris ;).

Calao dos contrabandistas de Albergaria-a-Yelha

Para confirmar essa observagao darei uma lista, infeliz-


mente muito curta, de termos usados numa giria de gente
de Albergaria-a-Velha, districto de Aveiro ;
a qual nego-
ceia em cavalgaduras, faz contrabando, e tern contracto
com ciganos, sendo ate conhecida pela denomina9ao im-
propria de ciganos. Devo o conhecimento d'esses termos
aos srs. coronel Brito Rebello e medico Lemos (de Alque-

rubim). A
maior parte de taes termos e-nos conhecida de
outros pontos do paiz (especialmente de Lisboa e Porto);

alguns que parecem especiaes ao calao de Albergaria de-


vem ter tido maior extensao no tiso: so" assim se explica

como pioves (do argot francez pivois), stockfish (do inglez,

1
Cesare Lombroso, L'homme crimind, trad. fr. Paris, 1887, p. 465.
em que a palavra significa bacalhau secco) chegarani ate
essa gente de Albergaria. lista faz crer
que o estudo A
das girias semelhantes das nossas provincias teria muito
interesse.

arames, s. in. pi. Esporas. lupar, v. a. Ver.


artife, s. m. Pao. malurdia, s. Mae. f.

befe, s. m. Podex. manez, s. m. Homeni.


broi, broia, adj. Bom, boa. maneza, s. f. Mulher.
cachilras, s. m. pi. Seios. moiiiar 7 v. n. Dormir.

calique, s. m. Dinheiro. moletos, s. m. pi. P6s ou


catroio, s. m. Cavalgadura. dedos.

catruchas, s. f.
pi. Botas monteira, s. f.
Cabega.
de agua. moquideira, s. f.Boca,
chavelho, s. m. Copo de mosquir, v. n. Comer.
vinho. mosco, s. m. Roubo.
choina, s. f. Cama. o-da-eira. Padre.

choinar, v. n. Dormir. palurdio, s. m. Pae.


coco, m. Copo.
s. piar, v. a. Beber.
s. m. Casa. piar-do-ventre. Flatus ven-
cosque,
croia, s. f. Dona da casa. tris.

desconfiar, v. n. Retirar-se. pioves, s. m. Vinho.


duque, m. Cao.
s.
porco, s. m. Porco.
escarnhida, s. f. Excremen- quilhar, v. a. Futuere.
to bumano. raso, m. Padre,
s.

esquilha, s. f. Sardinba. reco, m.


s. Porco.
s. m. Cavalgadura. s. m. Porco.
estoio, reichelo,
fanfar, v. a. Apanhar, rou- respo, s. m. Excremento
bar. bumano.
fardelhas, s. f.
pi.
- -
de stockfish, s. m. Presunto.
trigo. Pao de trigo. suquidora, s. f. Boca,
froina, s. f. Broa. suquir, v. a. Comer,
gadanhos, m. pi. Dedos.
s. telo, s. m. Jumento.
gelfo, s. m. Cao. to, s. m. Porco.
s. f. Gallinha. s. m. Pao.
gomarra, trigo,
irmo, B. m. Irrnao. vezer, v. a. Ver.
lupante, s. m. Olho. zagrao, zagre, s. m. Vinho.
89

Fado do calao

Nos Romances de germania de Juan Hidalgo (vid. infra)


ha um em que uma serie de termos da giria hispanhola e
dada com a traducyao :

habla nueva Germania


porque no sea descornado,
que la otra era muy vieja
y la entrevan los villanos.
A la Cama llama Blanda,
donde sornan en poblado.
A la Fresada Vellosa,
que mucho vello ha criado.
Dice d la Sabana Alba
porque es alba en sumo grado.
A Camisa Carona,
la
Al Jubon llaman Apretado :
dice el Sayo Tapador,
porque le lleva tapado.
etc., etc.

seguinte fado e no genero do referido romance

Ao fadista chamam /aia


Ao agiota intrujdo,
Ao corcovado golfinho,
Ao valente bogalhao.

Entre o povo portuguez


Ha caloes tao revesados
Que deixam muitos pintados
Por mais de cento e uma vez.
La vao alguns trinta e tres

(Nao sei se nelles dou raia)


A prata chamam-lhe laia,
As nos&as cabeas pinhas :
Aos porcos chamam sardinhas,
Ao fadista chamam faia.
90

As nossas maos chamam batas;


Ao genio chamam raU;
A esperanc.a chamam fiU,
As bruxarias bagatas ;
As velhas chamam cascatas
Ao poupado sorelao,
Um gabinardo ao gabao ;

Ao caldo chamam-lhe rola;


A um relogio cebola,
Ao agiota intrujao.

Ao fugir chamam raspar ;


Chamam a casa mosqueiro ;
Ao ebrio chamam-lhe archeiro,
Ao comprehender toscar ;
Ao roubo chamam cortar,
A guitarra pianwlto,
Ao chapeo escovadinho ;
Ao jogo chamam batota,
A uma sardinha aranhota,
Ao corcovado golfinho.

A fome chamam peneira;


Tambem Ihe chamam larica ;

Chamam a cara botica,


A agiiardente piteira;
Chamam bico a bebedeira;
A uma mentira palao ;
E tambem e de calao
Chamar-se ao vinho briol,
Ao nosso bucho paiol,
Ao valente bogalhao.

Historia do calao

Em o nosso pais o interesse, quer de simples curiosi-

dade, quer de caracter scientifico, porum grande nuinero


de objectos, nao se despertou se nao mais tarde e em geral
de modo menos complete que noutros paises. Nao admira
portanto que so possamos seguir directamente a historia
do calao ate ao seculo xvn, a nao ser que alguns proces-
91

sos judiciacs venham a existencia de mina, ate


re velar

hoje desconhecida, de termos de antigo calao. Noutros pai-


ses o investigador acha-se em melhores condigoes. Na

Frana, graga as celebres Ballades de Jargon ou Jobe-


lin de Fran9ois Villon ; esse escroc genial do seculo xv, do
processo da confraria anti-social dos Coquillars em 1455
e outras fontes, pode seguir-se ate aquelle seculo, com suffi-
ciente seguranga de dados, a historia do argot ou jargon.

jargon do seculo xv foi objecto, entre outros, dos


seguintes trabalhos, dos quaes so tenho presentes os dois
primeiroB :

e
Auguste Vitu. Le Jargon au xv siecle. Etude philologi-
que. Paris, 1884.
Marcel Schwob. Le Jargon des Coquillars en 1455, in
Memoires dela Societe de Linguistique de Paris, tome VII,
fasc.2 e , 3 e (a suivre).
Lucien Schone. Le Jargon et Jobelin de Francois Villon,
suivi du jargon au theatre. Paris, 1888.
Pierre d'Alheim. Le Jargon jobelin de maistre Francois
Villon. Paris, 1892. (Ignoro inteiramente que valor tenha
este ultimo).
Ao fim do seculo xvi (1596) remonta a mais antiga

edigao conhecida de um livro attribuido a um Pechon de


Ruby (nome argotico) em
que se acha uni dictionnaire en
langage blesquin (argot), avec 1'explication en vulgaire))
1
.

Na Italia, no seculo xv, ja Luigi Pulci, o auctor do


poema II Morgante maggiore, introduziu nas suas obras

poeticas alguns termos furbescos, assim como numa carta

dirigida a Lorenzo il
Magnifico pelo anno de 1472, e fez
uma pequena lista de termos furbescos, que se acha pu-
blicada com aquella carta em Nuove lettere di Luigi Pulci

a Lorenzo il
Magnifico., messe fuori da Salv. Bonge e Leone
Prete (Lucca, 1882), e reproduzida in Archivioper lo studio

delle tradizione popolari, I, (1882), pp. 295-296.

Francisque Michel, Etudes sur Varyot, p. XLVI.


Ha tres vocabularies do gergo ou furbesco do seculo xvi,
nenhum dos quaes consegui ver *.

A Inglaterra apresenta ja no seculo xvi o vocabulario


de Rogues Words de Harman (1556), reimpresso moder-
namente em The Slang Dictionary, Etymological, Historical
and Anecdotal. A New Edition, revised and corrected
with many London, 1873.
additions.
Na Hispanha publicaram-se no comego do seculo xvn
(1609) os Romances de germania de varios autores com um

vocabulario, por Juan Hidalgo, de que temos presente a


edigao mais vulgar, com o seguinte titulo Romances de
:

Germania de varios autores, con el vocabulario por la orden


del a. b. para declaracion de sus terminos y lengua. Com-
c.

puesto por Juan Hidalgo : El discurso de la expulsion de los


Gitanos, que escribio el Doctor Don Sancho de Moncada,
Catedratico de Sagrada Escritura en la Universidad de
Toledo, y romances de la Germania que escribio Don
los

Francisco de Quevedo. Con licencia. En Madrid, 1779.


A comparaao docalao com as outras girias europeas,

especialmente das dos paises de linguas romanicas, prova


que nellas ha um fundo commum antigo, a par de empres-
timos mais recentes d'este modo colhern-se para a historia
:

do calao preciosos dados indirectos. Nao procederei aqui


a uma comparagao completa d'essas girias, pelos motivos
ja apontados, contentando-me com indicar o caminho que
deve ser seguido. Comegarei pela germania, mais proxima
geographicamente do calao e com a qual este tern real-
mente numerosos elementos communs.

calao e a germania

Os termos de germania apontados sSo os do vocabulario


de Juan Hidalgo. Os termos de calao que nao levam indi-
cagao de facto acham-se na minha lista acima estampada.

1
Ascoli, Studj critici, p. 380.
93

germ, alar, ir. cal. alar, ir. germ, alon, es irse. Propria-

mente vamos, sem duvida do fr. allons. Na linguagem popu-


lar portuguesa reproduz-se ainda allon, sobretudo na locu-

980 allon, allon, que e terra de gaiteiros, que significa


vamo-nos que aqui nao temos que fazer, que aproveitar.
Urna alteraga'o d'essa phrase por etymologia popular deu
a Londres, que e terra de gatteiros.

germ, ansia, agua. cal. ancia, agua. QUEIROZ. Termo

muito espalhado nas girias, como veremos abaixo.


germ, anublar, cobrir; nube, capa. cal. anubo, capa,
capote. QUEIROZ.
germ, artife, artifara, harton, pan. cal. artao, artife.

Termo muito espalhado.


germ, banco, carcel. cal. abancado, preso.
germ, port, balhestros, termo popu-
ballestas, alforjas.

lar, nao colligido nos diccionarios, que significa os haveres


(roupas, etc.) que cada um pode levar comsigo, pequena
somma de dinheiro ;
diz-se assim elle foi-se com os sens
:

tristes balhestros, isto e, com o pouco que tinha. Em hisp.

alforja significa alforge, provis&o de viagem. Balhestros


acha-se em PAIVA, Infirmidades da lingua, p. 109 ?
e foi
talvez um termo de giria.
germ, bola, feria. cal. bola, feira. QUEIROZ.
germ, buho, es descobridor, 6 soplon. cal. bufo,
policia.

germ, bianco, bobo 6 necio. ?


cal. branco, estupido, im-
QUEIROZ.
becil, lorpa.

germ, brechar, meter um dado falso. cal. brechar, pa-


gar a patente. Os sentidos sao muito diversos para que os
dois termos se liguem.

germ, cachucho, oro. cal. cachucho, annel de oiro. Ja em

PAIVA, Infirmidades da lingua: tern hum bom caxucho no


dedo, p. 149; ainda no uso popular.
germ, calcorrear, correr. cal. calcorrear, correr, ir.

QUEIROZ. Jd em BLUTEAU.
germ, calcorros, zapatos. cal. calcos, sapatos. QUEIROZ.
Ja em BLUTEAU.
94

germ, carduzador, el que desea


ropa qui hurtan los
la
ladrones. Comp. cardanho, furto, roubo. QUEIROZ.
cal.

termo do calao liga-se evidentemente a cardar, que


significa pentear com carda e tirar, ganhar a alguem uma
coisa por fraude, astucia. Em
hisp. ant. carduzador, car-
du9ador. Emprega-se em portugues a expressao cardar a
la no sentido de obter astuciosamente dinheiro do alguem :

Mas com labia


Tudo se vence, tudo se consegue;

Porque a gente ordinaria agasalhada


Com uma tal lhaneza, facilmente
Deixa cardar a la.
Correia Gai^ao, Asiembleia, sccua m.

germ, chilrar, hablar. cal. chelra, palavra.

germ, cerda, cuchillo. cal. sarda, faca; sardinha, pu-


nhal, faca. QUEIROZ. Em hisp. cerda
=port, cerda, seda
do javali; cp. cal. espinha, faca, navalha, punhal. QUEIROZ.
Os termos do cal. sarda, sardinha teem talvez o mesmo
ponto de partida que germ, cerda, mas foram influencia-
dos por 08 nomes de peixe portuguez sarda, sardinha.
Lembremos a anecdota do homem que na obscuridade
nocturna se defendeu de um assaltante, empunhando uma
sardinha, que o meliante julgou ser um punhal.
cica, bolsa. cal. sica, bolsa. QUEIROZ.
germ,
germ, crioja, carne. cal. cria, carne. BLUTEAU.

germ, despalmar, quitar por fuerza; palmar, dar por


fuerza. cal. palmar, furtar, roubar. Q.UEIROZ.
germ, enrexado, preso. cal. enreixadu, preso. QUEIROZ.
germ, entruchar, entender. cal. entrujir, entendcr.

BLUTEAU. intrujar, entender, perceber. QUEIROZ.


germ, esclisiado, herido en el rostro.---cp. cal. cllses,
olhos. QUEIROZ.

germ, espia, el que atalaya. Ligeira modificacao do


sentido de espia no hispanhol geral. cal. espia, agente

de policia. QUEIROZ.

germ, fazo, panuelo de narices. c&l.falsOj lenco. BLU-


TEAU.
95

g<Tiu. gamba, pierna. cal. ganibia, pcrna. BLUTEM.


QUEIROZ.
germ, gao, piojo. cal. gao, piolho. BLUTEAU. ganau.

SILVA LOPES, gando. C.

germ, garlar, hablar. cal. garlar, fallar. BLUTEAU.


QUEIROZ.
germ. g*'lfa, esclavo negro. cp. (?) cal. gelfo f belfo, cao.
germ, gomarra, gallina. cal. gomarra, gallinha. SiLVA
LOPES.
germ, grano, es ducado de once reales. cal. grao, cru-
zado novo. BLUTEAU.
germ, gruncnte, puerco. cal. grunhidor, porco. QUEI-
ROZ.
germ, guido, bueno. cal. gidio f bello, bom. QUEIROZ.
germ, justo, jubon. cal. justa, casaca. BLUTEAU. ja-
queta. QUEIROZ. justo, collete. QUEIROZ.
germ, lima, camisa. cal. lima, camisa. BLUTEAU. li-

mosa, camisa. QUEIROZ.


germ, maco, vellaco. cal. macanjo, falso fingido, pa- 7

taco falso. QUEIROZ. macareno, falso. QUEIROZ. ordinario,


vil. C.

germ, maleante, burlador. port, meliante, sujeito sem


credito, de mas obras, maroto; palavra que comeou tal-
vez por ser um termo de giria.
germ, mandamentos, dedos de la mano. cal. os dez

mandamentos, os dedos da mao. C.


germ, mandil, criado de Rufion, 6 de muger publica.
cp. cal. mandil, pregui9oso.
germ, marquida, marca, marquisa, muger publica,
cal. marca, meretriz. BLUTEAU. marco, homem. Idem.
germ, mechosa, cabeza. cal. michosa, cabeya. QUEI-
ROZ.

germ, moa, moneda. cal. moia, moeda. QUEIROZ.


germ, mocante, lienzo de narices. cal. moncoso, len-
90. C.

germ, muquir, comer. cal.moquir, comer. QUEIROZ.


germ, piur, beber. cal. piar, beber. QUEIROZ.
96

germ, picar, es irse a priesa. cp. cal. picar, furtar,


roubar. QUEIROZ.

germ, piltra, cama. cal. pilra


(BLUTEAU), pildra, pel-
tra, perola, cama. QUEIROZ.
germ, pio, vino. cal. pio, viriho. BLUTEAU.
germ, quatropeo, quartago. cal. catropeo, cavallo. BLU-
TEAU.
germ, raso, abad. cal. raso, padre, abbade, frade.

QUEIROZ.
germ, rede, capa. cal. rede, capa. BLUTEAU. roupa.
QUEIROZ.
germ, redonda, basquina de muger. cal. redonda,
saia. QUEIROZ.

germ, rufon, eslabon com que sacan fuego. cal. rufo,

fogo. QUEIROZ.
germ, safarse, escaparse, librarse. port, safar-se.
termo da germania nao veiu do francez se sauver, como se
pretendeu, mas sim do port, safar-se, de safo, do lat.

salvus.

germ, sombra, justicia. cp. cal. sombra, prisao. QUEI-


ROZ.
germ, somar, dormir. cal. sornar, dormir. QUEIROZ.
germ, taragoza, pueblo. cal. Tewagoza, Lisboa. BLU-
TEAU.
germ, tirantes, calzos. cal. tirantes,, calgoes. BLUTEAU.
germ, turco, vino. cal. turca, bebedeira.

germ, trdbajar, hurtar. cal. trdbalhar, furtar, roubar

QUEIROZ.

argot e o calao

Para o conhecimento do argot moderno tenho a minha


disposigao, alem da obra ja citada de Francisque Michel,
Etudes de philologie comparee sur I'argot, as seguintes :

Lor^dan Larchey. Dictionnaire historique d'argot. Se-


ptieme edition des Excentricites du langage. Paris, 1878.
Lucien Rigaud. Dictionnaire d'argot moderne. Paris, 1881.
Marcel Schwob et Georges Guieysse. .Etude sur Pargot

franqais in Memoires de la Societe de linguistique de Pa-


ris, vol. vii (1889), 33-56.
Nao vi de Loredan Larchey. /Supplement au Diction-
naire d' argot. Paris, 1882 *.

Na lista seguinte, por simplifica9ao, indico ordinaria-


mente so um dos autores, que traz os termos referidos,
geralmente Larchey.

arg. aile, aileron, bras. LARCHEY. cp. cal. asa,


port, asa, com a mesma significagao que lat. ala, fr. aile.

arg. once, lance, eau. MICHEL. cal. ancia, agua.


arg. artie, artif, artiffe, arton, lartie, lartif, larton, pain.
LARCHEY. BLUTEAU. QDEIROZ.
cal. artao, artife, pao.

arg. attrimer, prendre; expression du jargon. MICHEL.


cp. (?)
cal. atrimar, vender, na minha lista, termo cuja

genuidade nao posso affirmar.


arg. ble (du), de Fargent. LARCHEY. cp. cal. milho,
dinheiro. QUEIROZ.
arg. boche (tete de), tete dure, individu dont 1'intelli-

gence est obtuse, c'est-a-dire, tete de bois, dans le jargon


du peuple. Dans le patois de Marseille une boule a jouer
est une boche. EIGAULT. cp. cal. mocha, cabega. QUEI-
ROZ. A cabega humana poderia ser chamada mocha (o fe-

chado), isto 6 sem pontas ;


mas mocha tern, segundo a gra-
pliia transcripta, o aberto.

1
Na historia do argot marcam-se os seguintes periodos : 1. le

jargon, do seculo xv ao xvi 2. le langage blesquien, de que o livro


;

de Pechou de Ruby conte"m o repertorio, e le langage narquois, do


seculo xvi ao xvn; 3. Vargot, propriamente dito, de 1617 ate hoje.
Vid. A. Vitu, Le Jargon du xv e siecle, p. 52. Essas divisoes nao tern
nada de essencial referem-se principalmente aos nomes, em vigor,
;

da giria franceza, coincidindo em parte com modificaQoes mais ou


menos numerosas no vocabulario do argot, que continuou a expe-
rimentar mudan^as, sem mudar de nome, desde* o fim do primeiro
quartel do seculo xvn.
7
arg. bougre: mot a noter comme ayant perdu sa portee
antiphysique. Ce n'est plus qu'un synonyme de garon.
LARCHEY. bougre a polls, homme determine, solide, cou-
rageux. RiGAULT. Bougre. Nom de certains heretiques que
Ton assimilait aux Albigeois. Terme de mepris et d'injure,
usite dans le plus trivial et le plus
langage populaire le

grossier, etc. Etym. Bulgarus, habitant de la Bulgarie.


Dans le nioyen-age, des doctrines religieuses seniblables
regnaient parmi les Bulgares et les Albigeois. LITTRE,
Diet, de la langue francaise, s. v. cal. bogre, inglez (QuEi-

ROz) parece ligar-se a bougre.


arg. boule, foire. LARCHEY. cal. bola, feira. QUEIROZ.
arg. boule, tete. LARCHEY. cal. bola, cabe9a.
arg. camelotte, marchandise volee. LARCHEY. cp. cal.
camelote, espolio.
chantage, extorsion d'argent sous menace de re-
arg.
velations scandaleuses chanter, etre victime d'un chan-
;

tage; faire chanter, rendre quelqu'un victime d'un chan-


tage.LARCHEY. cal./azer cantar, obrigar a dar dinheiro,
sob ameaca de fazer revelagoes. QUEIROZ. E phrase intro-
duzida talvez no calao por influencia de traduc9oes. No
calao jornalistico usa-se ja chantagem =
arg. chantage.
chenoc, mauvais, avarie et par extension vieil in-
arg.
firme. C'est 1'antithese de chenu, excellent. LAUCHEY.-
cal. chinoca, muito boa.
arg. donner des coups de couteau: chounn
chouriner,
couteau. Forme des mots mrin et suriner, usites dans
le meme sens. LARCHEY. cal. churinar, esfaquear ?
dar
facadas. QUEIROZ.

arg. cigale, cigue, piece d'or. LARCHEY. FR. MICHEL.


bolsa; germ, cica, cigarra, bolsa.
cal. sica,

arg. clou, Mont-de-Piete. Mot-a-mot: prison d'objets


engages (clou, prison). LARCHEY. cal. prego, casa de

penhores ;
termo muito popularisado, que e sem duvida
uma simples traduc9ao do francez.
arg. cornant, connante, boeuf, vache. LARCHEY. cal.

cornante, boi. QUEIROZ.


arg. crie, crignolle, viande. FR. MICHEL. cal. cria,
carne de vacca. BLUTEAU.

arg. dabe, Dieu, pere, maitre. LARCHEY. Au xvi e et


e
au xvii siecle,employe dans le langage popu-
dabo etait

laire avec la signification de maitre du logis Dans le . . .

cant anglais, dabe a le sens d' expert, de consomme dans


I' art de mal
faire. Fu. MICHEL. cal. dabo, pae.

arg. daron, daronne, patron, patronne, pere, mere.


LARCHEY. darona, mae, na lista manuscripta de que
cal.

me servi, termo que reproduzi na impressa acima, apesar


de suspeitar d'elle ; comquanto nao haja que admirar se
realmente e empregado no calao, como dabo, etc.
arg. enquiller, entrer. Mot-a-mot :
jouer des quilles dans.
Cacher entre ses jambes un objet vole. LARCHEY. Do arg.
quille, jambe cp. cal. quilhar, futuere (Albergaria-a-Ve-

Iha).

arg. fassolette, mouchoir de poche. LARCHEY. Ital. faz-

zolo, fazzoletto; germ. fazo. cal. falso, lenyo. BLUTEAU.


arg. filer la carte. Les joueurs honnetes du baccarat se
servent de Fexpression fler la carte, filer pour designer
Faction de decouvrir par degres, tres lentement, une des
deux cartes qu'ils out en main c'est un moyen comme un;

autre de se procurer une emotion, et Ton sait que le joueur


vit d'emotions. RIGAULT. cal. file, palpite,
esperana.
Os jogadores do monte (os banqueiros) descobrem tambem
as vezes lentaniente a carta para terem e fazerem ter
aos pontos palpites ;
a palavra file liga-se pois a referida
expressao francesa.
arg. foutriquet, homnie nul. Tous les foutriquets a cu-
lottes serrees et aux habits carres (1793, LAR- Hebert).
CHEY. aPetit foutriquetv, sobriquet donne par le marechal
Soult en pleine Chambre a un de nos plus petits homines

d'Etat, sous le rapport de la taille. KIGAULT. Cp. port,


pop. futre, homeni desprezivel, jutrica, s. m., paisano, o
que nao e estudante (na giria dos estudantes de Coimbra),
e s. f., loja pequena, baiuca.
arg. yabelou, employe des contributions indirectes.
100

LARCHEY. Lembra pelo gabiru, fanfarrao sem


soni cal.

dinheiro, parasita, jogador, rapaz vadio. LAND, e QUEI-


ROZ. (Porto).

arg. gambille, diminutif du vieux gambe. LARCHEY.


cal. gambia, perna.
arg. gau, got, pou. FR. MICHEL. cal. gao, ganao,
gando.
arg. gaudineur, decorateur. Du vieux inot gaudiner,
s'amuser. LARCHEY. cal. gaudinar, divertir-se
; vadiar;
gauderio, patusco (sujeito que se diverts), vadio, malandro.
arg. gaudier chanter. FR. MICHEL.
',
cal. giielar, gritar,

palrar. goualer nao deriva provavelmente de lat. gula,


fr. gueule; emquanto guelar deriva por certo de guela; o
parentesco 6 pois so apparente.
arg. grain, ecu (GRAND VAL). C'est un vieux mot qu'on
rencontre souvent. LARCHEY. cal. grao, cruzado novo.

BLUTEAU.
arg. guibe, guibolle, guibon, jambe. Vieux mot, car on
disait jadis guiber pour se debattre des pieds. LARCHEY.
cal. guibo, artelho (se 6 genuino).
arg. latin, argot, dans le jargon des voleurs. RiGAULT-.
cal. latim, giria, calao. Na litteratura encontrei bigorm no
mesmo mas creio que
sentido ;
e uma simples transla9ao
do argot bigorne, sem raizes no calao.

arg. limace, limasse, lime, chemise (ViDOCQ, GRAND-


VAL). LARCHEY. cal. lima. BLUTEAU. limosa. QUEIROZ.

arg. malade, arrete, inculpe. RIGAULT. cal. doente,

compromettido.
arg. marque, prostituee (HALBERT). LARCHEY. cal.

marca, meretriz marco, homem. BLUTEAU.


;

arg. mec, maitre ? chef, patron, souteneur; mecque,


homme. LARCHEY. cal. meco, homem, espertalhao. QUEI-

ROZ. Os diccionarios portuguezes dao todavia o termo como


da lingua geral: Adultero, dissoluto devasso. Diz-se: ;

perdoaste ao meco? phrase plebea por injuria aos gallegos.


Na Ulissipo, f. 108 v., fallando dos boticarios vem: a esses
mecos conjurados contra o mundo?, e a f. 236 v.: esse
101

meco nao he de bons porretos, que grosao: retrahida esta


la infante.MORAES. Os sentidos em uso na boca do povo
sao: ahomem de maus costumes; atrevido, maganao, e o

apessoa, individuo, com inten9ao mais


mais vago de : ou
menos pejorativa. Considera-se como reproduc9ao do lat.
moechus. A seinelhan9a com o arg. mec e talvez casual;
FR. MICHEL da-lhe a significa9ao de maitre, roi.

arg. menesse, prostituee, maitresse. LARCHEY. cal. me'

neza, mulher, meretriz; abbadessa.


arg. michaud, la tete . . .
Quelle peut-etre Forigine de
cette expression? Je n'en trouve pas d'autre qu'une allu-
sion aux balles ou boulets, que Ton appellait autrefois,

par plaisanterie, miches du convent militaire : or, le peuple


de nos jours ne dit-il pas, en parlant d'une tete: Quelle
balle! void une bonne balle? FR. MICHEL. cal. michosa,

cabe9a. QUEIROZ. Se FR. MICHEL, que foi muitas vezes


infeliznas suas etymologias, acertou nessa de michaud,

palavra que occorre ja no seculo xvn, o termo do calSo e


o correspondente da germ, mechosa devem ser separados,

porque 6 mais natural liga-los a mecha (de cabellos): me-


chosa designaria a cabe9a como a que teni mechas. Em
verdade midland poderia do sen lado derivar de meche.
arg. nase, naze, nez. Vieux mot. LARCHEY. cal. nasio,

nariz ;
lat. nasus.

arg. niente, rien. Italianisme. LARCHEY. cal. niente,


nao sabes (?) BLUTEAU; nentes, nada. QUEIROZ.
arg. paumer, perdre. LARCHEY. cal. palmar, morrer."

lit. FR.
arg. piau pieu, } MICHEL, que liga o termo ao
fr.
peautre, segundo Littre vieux mot signifiant lit, mau-
vais lit, grabat ; inusit^, sauf dans cette locution populaire,
qui tombe elle meme en desuetude: envoyer quelqu'un
au peautre ou aux peautres, le brusquer, pour le conge-
dier, pour le chasser. cal. peltra, pildra, perola, cama.
BLUTEAU, QUEIROZ. Colhi a forma pihda.
arg. pie, vin. FR. MICHEL. cal. pio, vinho. BLUTEAU.

arg. pier, boire. FR. MICHEL. cal. piar, beber. QUEI-

ROZ.
10-J

arg. pivois, vin. FR. MICHEL. cal. piovez (Albergaria-


*.
a-Velha)
arg. plamer, depouiller un hoinme dans rintimite. Ga-
gner au jeu Targent d'un imbecile. LARCHEY. cal. de-

pennado, que nao tern vintem. A phrase argotica plumer


la poule tinha o sentido de roubar (FR. MICHEL, Etudes,

p. 131). No calao dos nossos jogadores gallinha e o joga-


dor pechote, a quern se ganha facilmente.
arg. rase, pretre, cure. FR. MICHEL. cal. raso, padre,

abbade. QUEIROZ. encontro e talvez casual; vid. infra


p. 160.
arg. rousse, roussin, agent de police. LARCHEY. cal.

ruiva, a policia (se o termo e genuine).


arg. rif, rifle, feu. FR. MICHEL. De rif ... est venu
riffauder ou riffoder, que Bombet traduit par se chauffer . . .

On trouve dans le Jargon un article consacre aux ruffez ou


riffodez, classe de gueux feignans d'avoir eu de la peine
a sauver leurs mions (enfants, mioches) du riffe qui riffoit

leur creux (logis). cal. rufo, fogo. QUEIROZ.

arg. roust ir, escroquer. LARCHEY. tromper, filouter.

RIGAULT. cal. rustir, comer. Na linguagem popular portu-


guesa emprega-se comer no sentido de enganar e de roubar
ardilosamente.

arg. rup, rupart, rupin, rupine, elegant, homme riche.


LARCHEY. cal. rupim, rupino, rico.
arg. some, noir. LARCHEY. nuit. RIGAULT. cal. sor-

nar, sornir, sonar, dormir; sorna, cama.


arg. tirant, bas. On pour le mettre. LARCHEY.
le tire

tirantes, chausses. FR. MICHEL. cal. tirantes, calgoes.

BLUTEAU.
arg. trefle, anus. LARCHEY, que o deriva de trou. cp.
cal. tefe, mesma significa9ao.

1
termo pioves esta por * pivots. A palavra devia ter chegado
"

a Portugal quando em frances a graphia oi representava ainda o


diphthongo oe, isto e, antes do seculo xvm. mesmo se deu com
framboesa de fr. framboise, oboe de fr. Itaut-bois, toesa de fr. toise.
.
travailler, tuT, volcr. LARCHEY. cal. trabalhar^
fur tar, roubar. QUEIROZ.
arg. tuer le ver, boire do l'eau-dc-vie ou du viu blanc ;

libation matinale designee par ces mots. LARCHEY; port,


pop. matar o biclw, mesmo sentido da phrase fr. 0n
s'imagine que, pris a cctte licure (le matin a jeun), diz
Littre a respeito da phrase, le vin ou l'eau-de-vie tuent
les vers intestinaux* .

arg. zona, fille


publique, dans le jargon des marchands
juif's.
KIGAULT. cal. zoina, meretriz. QUEIROZ. uma E
palavra puramente hebraica: njlT, que se encontra na Bi-
blia, p. ex. : Genesis. 38, 15. Deuter. 23, 19. Levit. 21, 7.

furbesco e o calao

Os subsidies que tenho a mao para o conhecimento do


furbesco reduzem-se as palavras avulsas dadas por diver-
sos auctores e a lista inserida por Fr. Michel nos seus

Etudes, p. 425-434. A
Bibliotheca Nacional de Lisboa nao

possue nenhum dos vocabularios furbescos do seculo xvi.


furb. ala (asa), bra90. cal. asa, brayo.
Segundo Fr. Michel nom d'une
furb. ancroia, rainha.
reine amazone, dont on a fait un poeme g^neralement inti-
tule : Libra della regina Ancrojav. cp. cal. croia, patroa,
dona da casa (Albergaria-a-Velha). Cp. arg. dabe, p. 99,
roi, pere, maitre.
furb. artone, artibrio, pao. cp. cal. artao, artife.
furb. bolla, cidade cp. cal. bold, feira.
furb. bolfo, cao. cp. cal. kelfo, cSo. Ascoli observa com
razao (Studj critici, p. 408, n. 1): I1 belfo del gergo porto-

ghese, die si trova presso Francisque-Michel (p. 441: o


belfo balsa (?), il cane abbaja), sard tutt'altro che il nostro

bolfo. Belfo,, aggettivo, mi dice il- Vieyra (Diet. port, and


angl. }, e uno che ha il labbro infcriore pendente, alia guisa

per cui si
distingue Casa d' Austria)).
furb. calcioso, pe. cal. calcante, pe.

furb. calcosa, sapato. cal. calcos, sapatos. QUEIROZ.


104

furb. cornante, boi, vacca. cal. cornante, boi.

furb. coscOf casa. cal. cosque, casa.


(Alberg.)
furb. crea, creata, creatura, came. cal. cna,
criulfa,
came de vacca. BLUTEAU.
furb. gielfo, gato. cp. cal. gelfo, cao. QUEIROZ. Cf.
bolfo, acima.
furb. grugnante, porco. cal. grunhidor, grunho, porco.
QUEIROZ.
furb. guallinO; piolho. cal. gao, ganao, gando.

furb. lampante, luzente, olho, na expressao lampante di

civetta, escudo (moeda), a lettra, olho de coruja. cp. cal.


lupante, olho lupar,
;
ver (Alberg.), que fazem pensar tam-
bem no fr.
loupe, lente convergente.
furb. lenza, agua. cal. ancia, agua.
furb. lima, camisa. cal. lima, limosa, camisa.
furb. marcona, mulher. cal. marca, meretriz; marco,
homem.
furb. nicolo, nHo (alargamento da nega9ao por assimi-
Ia9ao ao nome proprio Nicolas). cal. nicies, nada.
furb. poltro, cama. cal. peltra, pilra, perola, pilula.
furb. ruffo, fogo. cal. rufo, fogo. QUEIROZ.

furb. tasca, estalajem. cp. port, tasca, taberna, que se


suppoz connexo com tascar, tasquinhar, morder, roer (hisp.
tascar), propriamente separar o tascoou tomentos do linho
com a espadella ou tasquinha. Em
ital. tasca significa pro-

priamente bolsa ? alforge. Em


portugues a palavra come-
9aria por ser um termo da giria. (Vid. infra Relagoes do

cigano com o calao, p. 161).


furb. tascosa, estalajadeira ; tascheroso, estalajadeiro.

cp. cal. tascante, taberneiro. MYST. PARIS. QUEIROZ.


furb. tirante, canoes. cal. tirantes, calgoes. BLUTEAU.

Observacoes sobre as tres listas precedentes

Nao ficam notadas, por certo, todas as relates existen-


tes entre os termos das quatro girias calao, germania,

argot e furbesco ;
mas os exemplos dados bastam para ver
105

qual a natureza d'essas redoes. Na maior parte dos


ca-

sos estainos em presen9a de verdadeiras identidades de


vocabulos ;
noutros casos os vocabulos podem ter-se pro-
duzido independentemente sobre uma base commum, por
um mesmo processo semantico, por ex. calco, cornante.
:

Nos casos em que um termo do calao parece traduc9ao de


um termo de outra giria pode ter havido realmente traduc-
980 ou simplesmente coincidencia de modifica9ao semantica
nas palavras correspondentes. Assim ha por certo simples
coincidencia entre cal. milho e arg. ble, dinheiro, cal. bola
e arg. boule, cabe9a ; port. pop. matar o bicho e arg. tuer le

ver, que proveem de uma mesma cren9a; cal. asa e arg.


aile, furb. ala, bra90. Mas parece ja haver tradiu^ao em
cal.prego relativamente a arg. clou, casa de penhores. Os
termos grao (grano), uma moeda, e tirantes, canoes, po-
diam ter passado de giria em giria ou ter-se produzido nas
quatro girias on em algumas d'ellas independentemente.
Rigault traz o seguinte artigo: Sixet trois font
neuf.
Boiteux. Allusion a Failure in6gale des boiteux dont les

pas semblent marquer des nombres differents. Coim- Em


bra os gaiatos designavam tambem os coxos pela expres-
sao cento e dez (110 r6is) 7 quatromeio (90 reis ou quatro
e

vintens e meio). Os hispanhoes dizem: Uno ; dos, tres,


cogito de un pi^.
Coincidencias de desenvolvimento semantico notam-se
entre todas as girias e entre todas as linguas geraes do
mundo. Assim no calao queijo significa lua, como na han-
tyrka (giria da Bohemia) o mesmo planeta 6 designado
pela palavra tcheque beldk, queijo (Pott, Zig., n> 8) lem- :

bre-se a fabula da raposa que tomou por um


queijo a ima-
gem da lua num po90. No Rothwelsch weisshulm, gente
tola, e formado de weiss branco e hulm f que parece ser o
all. holm, outeiro, cabe9o (Pott, n, 8); do mesmo modo no
cal., etc., branco significa estupido, imbecil, ingenuo. Na
mesma giria allema krunickel, kronickel (o grunhidor) si-
gnifica porco, exactamente como grunhidor, grunho no
calao, grunente na germania, etc. (Pott, II,
11).
KM;

quadro seguinte comprehende uma serie de termos


que se encontram em mais de duas das girias romanicas
comparadas :

calao
107

parte, de um vocabulario estampado


em 1549, e nas Recher-
ches italiennes et frangoises de Oudin
*
; alguns remontam,
com certeza, ate ao seculo xv, como se mostrara.
Os seguintes termos do jargon francez do seculo XV
correlacionam-se real ou apparent emente com termos do

calao; de quasi todos elles dei ja os correspondentes no


argot mais recente.

avion, pain.

Taut qu'il n'y cust de Yarton sur les cars.


Ballade xi, A. Vitu, p. 163-4.

Barton, c'est pain. Processo dos Coquillars. M. Schwob,


Mem. de la Soc. de ling., vn, 180. 301. cal. artao.

bee, nez, figure.

Luez au bee que ne sois greffis.

Ballade i, A. Vitu, p. 180. Schwob, p. 30o.

cp. cal. beque, bique, nariz.

belistre, mediant, gueux qui vit d'aumone et de rapine.


A. VITU, p. 183. germ, belitre, picaro port, biltre; cal. ;

bilontra.

Mane, sot, niais. Ung liomme simple qui ne se congnoit


en leurs sciences c'est ung sire ou une duppeouimgblanc.
Processo dos Coquillars. SCHWOB, p. 179. 310. Blanc coulon

\colomb, pombo] parait au contraire etre pris en sens in-


verse : dans le jargon de la Coquille, c'est celui qui joue
le niais. Ibid. Ung blanc coulon c'est celluy qui se couche
avec le marchant ou aultre, etc., [et luy desrobe son argent,
ses robes et tout ce qu'il a et les gette par une fenestre
a son compaignon qui 1'attent hors de la chambre]. Proc.
dos Coquillars. SCHWOB, p. 179. cal. branco, estupido,

ingenuo .

Vid. Fr. Michel, Etudes dephilologie comparee sur Vargot, p. 425


108

gaudins, brigands ou petit-maitres.

C'est tout son fait d'engandrer les gaudins


A hornangier
Ballade ix. A. Vitu, p. 326-8.

Vid. acima p. 100 arg. gaudineur e cal. gaudinar, gauderio.

grain, 6cu, monnaie.

Et n' abater de ces grains neufs et vieulx


Ballade vn. A. Vitu, p. 344.

cal. grao, cruzado novo. BLUTEAU.

gris, froid.

Et vous gardez bien de la roe

Qui aux sires plante du gris,


En leur faisant faire la moe.
Ballade vi. A. Vitu, 347-8.

cal. gris, frio. BLUTEAU; mod. griso.

marque, fille, ribaude.

Marques de plant, dames et audinas


Ballade xi, etc. A. Vitu, p. 405-408.

cal. marca, meretriz. BLUTEAU.

paulmer, voler.

Puis, dist ung gueulx, j'ay paulmS deux florins


Ballade is. A. Vitu, p. 434-6.
cal. palmar, roubar.

pye, boisson, vin.


Pour avancer au polliceur de pye.
Ballade ix. A. Vitu, p. 467-470.
cal. pio, vinho. BLUTEAU.

pyer, boire.

Babille en gier en pyant & la fye


Ballade, ix. A 1
.
Vitu, p. 470-471.

cal. piar, beber.


109

quille, jambe. Les jainbes ce sont les quilles.y* Proc.


dos Coquillars. SCHWOB, p. 180.
Poussez de la quille et brouez.

Ballade v. A. Vitu, p. 472-3.

cp. cal. quilhar.

rouhe, justice, alls appellent la justice de quelque lieu


que ce soit la marine 6u la rouhe.v Proc. dos Coquillars.
SCHWOB, p. 179. Cp. acima arg. rousse, cal. ruiva.

ruffle, feu. arufle c'est le feu Saint- Antoine. Proc. dos

Coquillars. SCHWOB, p. 180. Cp. acima arg. rif. cal. rufo.

some, la nuit, la brune.

Sur la some que sires sont rassis.

Ballade vn. Vitu, p. 503-505.

cal. sornar, sonar, sornir, dormir.

Na carta de Luigi Pulci 1


le-se: dove si petino quello
lustro la brigata sopra la lenzaj em que lenza parece ser
o termo furbesco da lista acima. Na curta lista do mesmo
Pulci noto :
cosco, casa (cal. cosque, casa) ;
caccose (leia-se

calcose), le scarpette (cal. calcos, sapatos) ; gualdi, i


pidocchi
(furb. guallino; cal. gao).
Assim pela compara9ao com as girias extrangeiras, estu-
dadas nos seus mais antigos documentos, pode alargar-se
a historia do calSo al^m dos limites que os documentos
proprios nos impoem todavia nao e possivel dizer quando
;

e que em
Portugal se congou a usar esse calao de que
acabamos de passar em revista alguns dos elementos mais
antigos.
Emquanto as origens mesmas d' esses mais antigos ele-
mentos das girias farei ainda as observances seguintes.

1
Vid. acima pag. 91.
110

Alguns cVesses termos sao ja producyoes proprias das


girias, feitas a custa dos materiaes das linguas geraes;
taes sao asa (dla), branco (bianco), calcos (calcose), cor-

nante, gunhidor (grunente), palmar, rufo (ital. ruffo, ruivo,


fulvo), tirantes (de tirar, ital. tirare, fr. tirer), trabalhar
e talvez mechosa.

Outros dos referidos ternios sao palavras tornadas ar-


chaicas nas linguas geraes, ou vindas de outras linguas

vivas, on de origem incerta.

ancia, agua, e considerada por Pott, Zig., II, 4, como


identico a hisp. ansia Da ansia in Span, nicht bloss
:

Schmerz, sondern auch ein heftiges Verlangen bezeichnet,


f iihrt letztere leicht auf den Durst und das, womit er am

gewohnlichsten geloscht wird, oder Wasser; eine Qual,


die man in heissen Klimaten noch mehr zu wiirdigen weiss,
als anderswo. Mas a existencia da palavra no argot e no
furbesco fazem duvidar d'essa explicaao.
artona, pao, occorre num texto latino medieval cit.
por
Ducange, s. v., mas como
Schwob, p. 301, trata-se de
diz
urn otexte qui n'a rien de populaire, un texte ecclesiasti-

que oil artona semble une mauvaise transcription grecque.


Fr. Diez, Etymologisches Worterbuch, II 3 208, diz: Ar- ,

toun neupr. brot, ein it. artone kennt Veneroni; dazu


kommt noch oder artalete pastetchen, und ar-
sp. artalejo
tesa, pg. artega backtrog. Man vermuttet darin das gr.

apTO?, aber nahere anspriiche


hat wohl das bask, artoa
maisbrot Larramendi, Diccion., I, p. XVI, nach Hum-
s.

boldt, Urbew. Hisp. p. 155, urspr. eichelbrot, von artea


art eichen. P. Monti rechnet auch das comask adro-basto

(brot) hieher. Se a palavra e realmente de origem basca,


fica, todavia, incerto.O gitano tern harton, pao, em que
Miklosich (Abhandl.,, II, 42J nao hesita em ver reflexo do

gr. apTcc;
a palavra podia ter passado do hisp. para o

gitano; mas este tern tambem artifero, padeiro, em que


nao podemos deixar de ver com Miklosich, 1. c., reflexo do
Ill

a forma
gr. apTcpf tov (Ducange), e do qual e difficil separar
4
artife das girias, acima raencionada .

Mitre (fr.,port, biltre) nao e nestas duas linguas termo


de girl a ; figura coino tal na lista de Hidalgo e a elle se liga
o mod. cal. bUontra, que foi talvez importado do Brasil,
onde ha urn calao que, ao lado de elementos que se encon-
tram em Portugal, possue muitos proprios. Talvez que a
forma italiana belitrone nao seja estranha 4 producyao
de bilontra (no Brasil ha muitos italianos). A origem de
belitre 6 incerta. Vid. Diez, Scheler e Littre, s. v.

bola, feira, parece ligar-se a um ant. fr. boule, baule, no


sentido de companhia que se diverte, pandiga, em diver-
sos textos reunidos por Fr. Michel, s. v.
cosco (furb., cal. cosque) e considerado por Pott, Zig. II,

25, como tendo sido talvez modificado do italiano easco,


caduco, velho, para nao lembrar facilrnente casa; a forma
da germ, cuexca (cuesca) mostra, porem, ao que parece,
que a palavra e velha na Hispanha; cp. port, cosco, cos-
corrao, e hisp. cuesco, que o sentido nao permitte ligar a
cal. cosqttc.

Sao 48 as palavras do grego (moderno), incluindo quatro nu-


1

meraes, que Miklosich, Abhandl. n, 42-3, aclia no gitano. Com rela9&o


a quarenta e cinco d'essas palavras parece-me que nao pode duvidar-
se de que sejam um testemunho da residencia dos antepassados

europeus dos gitanos na Grecia ,


sobre harton e as duas seguintes
e que podem levantar-se duvidas. gitano caico, Calcorro (com o
suffixo iberico -orro] difficilmente pode separar- se dos termos de
cal. calcos egerm, cafcorros, para o ligar ao gr. jcaXrfo, apesar da
observacao de Miklosich: Die Oxytonirung weiset auf nicht- span.
Ursprungo. Nessa accentua9ao pode ter havido uma influencia analo-
gica. git.fumia, cueva,nao veiu talvez da Grecia (gr. cpojpvo;) com
os tsiganos que se acham em a nossa peninsula, poisja cahaviaem

hisp. furnia, usado ainda hoje em Cuba, e em port ///ma, ainda vivo
no continente, e transplantado logo depois da colonisac.ao da ilha
de S. Miguel (Acores) para essa ilha, onde e celebre o Valle das
Furnas. termo git. drun, camino, viaje, e tainbem prudencia, cor-
dura, juicio (MAYO), do gr. po'ao$, caminho, faz lembrar o termo pop.
port., talvez primeiramente termo de giria, endromina, ardil, meutira
para defraudar.
112

cria foi ligada ao gr. *peas por Fr. Michel. A' palavra
encontra-se em Vulcanius l na forma creu (caro), na giria
dinamarqueza kraeges, e lembra., segundo Pott, Zig., H,
16, o tsigano karialo. A origem grega da palavra esta
muito longe de se achar liquidada.
gambia, perna, e uma velha palavra, que na forma gamba
se acha como termo da linguagem geral em hisp., catal&o,
provengal, no h.jambe, no ant. fr., picardo e w&llongambe.
Ao lado d'essas formas ha o ant. hisp. camba (poema de

Alexandre), sard, churwelsh comba; no ant. hisp. tanibem


cama. A origeni parece estar num. radical camb ou cam, ser
curvo cp. port, camba, cambaio; lat. camurus, earner us,
;

etc. Vid. Diez ; Scheler e Littre, s. v. gamba e jambe.

lima, camisa, parece ser tanibem uma velha palavra,


como mostram os textos :

Alii fontemque ignemque ferebant


Velati limo et verbena tempora vincti,
Vergilio, Aeneid., xa, 120.

aLimus autem est vestis, qua ab umbilico usque ad pe-


des teguntur pudenda poparum. Haec autem vestis in ex-
tremo sui purpuram limam, i. e. flexuosam habet. Unde
et nomen Nam limum obliquum dicimus. Servio
accepit.
ad AEn., 1.Sed Tiro Tullius M. Ciceronis Iibertus
c. 7

lictorem vel a limo vel a licio dictum scripsit Licio enim :

transverse, quod limum appellatur, qui magistratibus, in-


quit, praeministrabant, cincti erant. Aulu Gellio, xii, 3, 3.
Vid. ainda Isidoro, Etymol., lib. XV, 14. xix, 22, e as pas-

sagens de Joannis de Janua e do Gloss. Lat. Gall. San-


germ citadas em Ducange-Henschel, s. v. limas.
Sem duvida Uma n&o designa a inesma pega de vestuario
que limuSf mas a mudanga de significagao nao teni aqui
nada de extraordinario. Basta lembrar as variadas signi-

Professor hollandez, fallecido em 1614, que colligiu terrnos


i

tsiganos e do Rothwelsch. Vid. Miklosich, Beitr., i, pp. 765-771.


113

fica^oes dos representantes do lat. mantellum, mantelum e


seus derivados nas linguas romanicas. S6 o port, manteo
tern significado: 1) capa; 2) pe9a de vestuario, especie
de Baia curta, para cobrir o corpo da cintura para baixo ;

3) peya para ornar o pesco90, especie de largo collarinho


com roscas, etc. *.

marca, tern resistido a todas as tentativas etymologicas ;

foi-se ate a deriva-la do ccltico marka, egua. Em verdade

ha no cal. ponis, mulher, que parece vir do inglez pony,

e justificar essa etymologia.

gao e de origem incerta, comquanto o furb. grisaldo ao


lado de gualdo, guallino, o arg. bande grise, com a mesma

significa9^o possa fazer suppor uma connexao com griso,


pardo, d'onde port, grisalho.
peltra nao pode separar-se realmente de fr.
peautre, que
Scheler liga ao ant. alto allemao polstar, bolstar, allemao
mod. polster, enxergao, almofada.
some, noite, a que ligo cal. e germ, sornar, e derivada

por Fr. Michel, do proven9al sorn, sombre, obscur


2
O cal. .

sorna, cama, nao vem directamente de arg. some, mas de


sornar; cp. choina de choinar, (p. 88), de hisp. noche.

Pott, Zig. 9 II, 340, translada de Dorph, auctor de um trabalho


1

sobre a giria dinamarquesa, limes, teia, e limsk, camisa; a relaQao


com as girias romanicas pode ser apenas apparente, como suggere
Ascoli, Studjt p. 419.
2 No ant. francez havia some crepusculo
a germania tinha sorna,
:

noite ;
esta provem d'aquella que Storm (Romania, v, 184, 184) de-
riva de Saturnus, comme representant le planete d'influence funeste,
et oppose a Jupiter, d'ou jovial, comme me fait observer M. Bugge.
Angl. saturnine, sombre, morne, fr. du xvi e siecle saturnien
(Littr6)*
Segundo o mesmo philologo o ant. fr. some esta por *soorne, *sa-
dorne, e, por causa da raridade da queda do t em provencal, a forma
d'este, sorn,deve provir*da lingua d'o'il, em que por certo existiu um
adj. *sorne,de que deriva sournois, e a que se liga port, sorna. D. Ca-
rolina Michaelis de Vasconcellos (Studien zur hispanischen Wortdeu-

tung. Firense, 1885, p. 157) deriva port, soturno de Saturnus, sem


referencia ao artigo citado de Storm.
114

Termos do calao provenientes das linguas modernas estranjeiras

Alguns d'esses termos experimentaram modifica9oes ?

scgundo os processes de formayao do calao abaixoexpostos.


Do hispanhol: baguinos, baixo, de bajo; chastre, alfaiate,
de sastre; chona, noite, choinar, dormir, de noche; costilhas,
costas, de costillas ; cuncharra, colher e gazua, de cucharra,
collier; galheta, bofetada, de galleta, bolacha (biscoito cha-
miquei, agente de policia, de
4
to) ; legos, afastado, de lejos;
montanha na Catalunha, soldado da
miquelete, fusileiro de
antiga guarda dos capitaes generaes?; ventana, janella,
de ventana.
Do gall ego :
naya, mae de nay.
;

Do francez : cal. alar, ir; de aller, ir 5


chena cadeia, de
chame, cadeia; labita, casaca, de I'habit, veste, casaca; moa
e moiene, eu, de moi, me mim, ? eu; toiene, tu, de toi, te,

ti ? tu ; pistao, guarda-sol ? de piston, embolo ; porte-borne,


de porte-monnaie ; trompar de tromper; lofo de fol (com
inversao).
Do italiano :
nantes, nentes, niente, nao, nada de ; nientv,
nada.
Do inglez: bute, bota, pe, de boot; chumeco, sapateiro,
de shoemaker, sapateiro chuzes, sapatos, de shoes, sapatos
; ;

cute, casa, de cottage, cabana, choupana dogue, cao, de dog, ;

cao; fiche, bacalhao, de stockfish, bacalhao, fish, peixe;


stockfish no calHo de Albergaria-a-Velha no sentido de
presunto fortytwo, quarenta e dois guines, guine, dinheiro
; ;

de guinea, nome de uma moeda; naifa, faca, de knife,


faca; semoque, tabaco de fumar, simoco, rape, de smoke,
fumo; trauses, trozes, calyas, de trowsers, ca^as; tudles,
doze vintens, de twelve, doze.
Do allemSo: gute, bom, de gut.

1 A palavra port, bolacha (biscoito chato) toma familiarmente o


sentido de bofetada.
115

Os processes de forma^ao do calao

Sr separarmos do calao tudo que Ihe tonha vindo for-

mado, prompto para ser empregado sem modificagao es-

sencial, ja das girias estrangeiras, ja das linguas dos ou-


tros povos (separagao que so parcialmente e possivel),
ficar-nos ha ainda uma maioria de termos em que distin-
guimos duas cainadas 1) uma que immediatamente, on
:

depois de mais ou menos detido exame, se nos apresenta


como constituida por termos da lingua geral portuguesa,

junto com alguns termos pouco


nuraerosos d'outras linguas,
os quaes experimentaram modificaQoes mais ou menos con-

sideraveis, quer nos sons, quer na forma, quer na significa-


9ao, ou em mais de um d'csses aspectos ao mesmo tempo ;

2) outra camada constituida por termos que se nos afigu-


ram irreductiveis, mas de que provavelmente uma parte
entrara na outra categoria depois de novos estudos.
Passaremos agora a estudar os processes pelos quaes
dos termos da lingua geral se formam termos do calao e
se neste ha verdadeiras creacoes novas.

I. Deformagoes phoneticas. E
preferivel empregar esta
expressSo para distinguir o processo consciente da modi-
fica9ao phonetica no calao das altera9oes phoneticas da
lingua geral e dos dialectos, apesar dos pontos de contacto
que se notam entre essas duas ordens de phenomenos. Um
exemplo fara comprehender bem a disthicgSo estabele-
cida. Quando o povo diz inselencia por excellenda, a forma
culta da palavra nao esta no seu espirito, elle nSo a co-

nhece; diz inselencia porque apercebeu sempre a palavra


com esse aspecto phonetico. Quando um creador do calao
modificou almocreve em almuque, fe-lo
conscientemente,
tendo bem presente no espirito a forma perfeita da lingua
geral, e fe-lo no intuito apenas de
disfa^ar, de enigmati-
sar, segundo a feliz expressao de Pott, o termo da lingua
corrente. E evidente que os termos enigmatisados
(quer
116

no som, quer na forma, quer na significa9ao) podem ser


repetidos depois por outros individuos, sem que seja co-
nhecida a sua rela9ao para com os terinos correntes de
que sairam mas esses termos correntes serao empregados
;

pelos mesmos individuos quando nao fallam o calao, caso


que nao se da (salvo circumstancias especiaes, a que terei
ainda de me referir em parte 1) com os termos da lingua
culta na boca do povo que emprega em vez d'elles as suas

formas proprias.
Vejamos as principaes especies de deforma9ao phonetica
do calao.
a) Mudangas de accento. Na linguagem familiar modi-
fica-se as vezes por gracejo a accentuaIo das palavras,
por ex.: diz-se tisoras por tesouras. No processo evolu-
tivo inconsciente da lingua deram-se tambem d'essas mu-

danyas, como mostram, por ex. acebo do lat. aquifolium,


:

trevode trifolium; suta, de fr. sautoir. Essa mudan9a de


accentua9ao coincide nos exemplos dados, como noutros
mais, com urna reduc9ao de syllabas.
No calao s&o raras as mudan9as de accentua9,o que nSo
coincidem com suppressao de syllabas, e aquellas mesmas
sSo acompanhadas geralmente de modifica9oes nos sons.
Ex. : cerulas de port, ceroulas,
pdpulo (todo escripto, ex-
cepto carta) de port, papelj irmo de port, irmao; capita
de port, capitao.
b) Suppressao de syllabas (abrevia9So das palavras). Na
linguagem familiar da-se essa abrevia9ao nos termos de ca-
rinho, especialmente nas formas hypocoristicas dos nomes
proprios, como pode ver-se nas observa9oes que noutra
2
parte consagrei a esse ponto Essa suppressao e geral-
.

mente acompanhada de outras modifica9oeB phoneticas.


mesmo se dd no calao, a que pertencem os seguintes exem-

1
Vid. p. 141 e n.
2 Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, 2.* serie, n. 3,

p. 142-149.
117

2
plos :
alcofa*, de port, alcaiota on alcov iteira ; aljaba (al-
gibeira de mulher), de port, algibtira; almugue,
de port.

almocreve; brasil, de port, brasileiro; fabrico, de port, fa-


bricante; rijo, dc port, regedor; tisas, de port, tesourasj
trio, de port, theatro ; sinhd, de port, senhora (sinhd e tarn-
bem forma crioula do Brasil) restolho (barulho, algazarra),
;

de port, restolhada (que e propriamente o


ruido produzido

pelo vento no restolho) ; estola, de port, estalajem.


Como ve ; na maior parte d'esses exemplos a palavra
se
modiiicada vein a tomar a forma de outra que nalguns
casos nSo tern com ella a menor relaao de significa9ao, e
noutras so pela interpretaySo secundaria pode te-la. Se
brasil e restolho se reduzem apparentemente a substitui^ao
de derivados por primitivos, alcofa, trio, rijo, aljaba exis-
tem na lingua como palavras distinctas e sem relayao de
radical com alcov iteira, theatro, regedor, algibeira; todavia
urn regedor pode ser denominado o rijo pelos meliantes e
entre uma algibeira e uma aljaba concebe-se uma longiqua
3

Nos exemplos citados, as syllabas supprimidas sao fi-

naes ;
mais rara e a suppressao das syllabas iniciaes, ex. :

taco, de port, pataco ; maraf a de port, camarada; croia

1
forma alcofa acha-se no Elucidario das palavras, termos e
A.

frases que em Portugal antigamenle. se usdrao, de Santa Rosa de Vi-


terbo, mas sem texto que prove a sua antiguidade. E um dos varies
termos populares que o auctor inseriu entre os archaismos ; figura
na lista de Queiroz Velloso, a que pertencem todos os de calao ci-
tados neste estudo que uao se encontram nas nossas listas acima.
Feruao Lopes empregou a forma alcouvetas: <-Queria gram mal a
alcouvetas e feiticeiras. Chron. D. Pedro I, c. 10.
2
Pela abreviacjao port, indicamos o portugu^s geral so indi- ;

camos a significa9ao dos termos que nella experimentaram modi-

3
Sobre factos analogos e o que os distingue da etymologia popu-
lar, vid. o meu artigo A etymologia popular, in Eevista lusitana, i

(1887), pp. 133-142.


118

de furbesco ancroja (?). Talvez reco juinento esteja por


burrecO; forma popular depreciativa, por burrico.
O
argot apresenta numerosos exemplos de suppressao de
syllabas; taes sao: a) autor (autorite), achar (acharnement),
can (canon), from (fromage), occas (occasion), comme (com-

merce), diam (diamant) ; magne (maniere), pardesse (pardes-


sus), poche (pochard), sap (sapin) condice (condition) b) ; ;

chand (marchand), cipal (municipal), troquet (matroquet),


croc (escroc) c) lubre (lugubre) d) zouzou (zouave), nounou
; ;

(nourrice), e Bibi (Bicetre),


que apresentam suppressao e
reduplicagao. O argot apresenta sobretudo exemplos da
primeira especie (suppressao de finaes); os das outras
sao raros *.

c) Inversoes de sons e syllabas. Vimos ja que este pro-


cesso basta para a formagao de certa ordem de girias. Nas
linguas geraes portuguesa e hispanhola ou nas suas for-
mas populares ha assas numerosos exemplos d'esse pro-
cesso; no seu bello trabalho sobre a lingua portuguesa,
reuniu Julio Cornu 2 boa collec9ao d'elles, d'entre os quaes
escolhemos alguns: agamo por amago, atolar por *alotar
de lat. lutum, carrascao por cascarrao de cascarra, champa
por prancha, manica por maquina, pouchana por clwupana.
Alexandre Antonio de Lima, Rasgos metricos, p. 211, traz
quesposso por pescoco, que nao sei se devo considerar como
termo do calSo, se como termo popular.
No calao as inversoes podem ser simples ou acornpa-
nhadas de outras modificagoes ;
da primeira especie sao
as
raras. Exemplos d'inversao simples: safo (lengo) por *fasso

(d'onde falgo, Bluteau), como vimos, de origem italiana;


zouca por cousa; tapor por porta.
Nos seguintes exemplos houve mais ou menos conside-
raveis modificagoes dos sons invertidos ou outras modifi-

1
Vid. Larchey, p. ix, Schwob et Guieysse, p. 46.
2 Die portugiesische Sprache in Grober's Grvndriss der romanischeu
Philologie, i, 776-77.
119

concomitantes soyuinha por *zoquinha, de port.


:

cozinha; lofo por *folo, de fr.fol; macallo por *vacallo, de


port, cavallo (b por m, na lingua geral em busaranha de
musaranha, e m por b, talvez em alamo, de lat. albus
etc. ;

(etymologia de Cornu) chona, choina, de hisp. noche; drepa


;

*
por *drespa, *trespa, de port, presta ; dropa por drepa, de
port, pedra; drofa por *trofa, *tropa, de port, porta; Drofo
*
por *Trofo, Tropo, de Porto (cidade).
calao drope, adj.,

abjecto, pobre; s.
f., adversidade, desventura; pode
estar

portanto por *trope, de port, torjpe ou port, podre, e talvez


nrlle se fundisse ainda *brope, de port, pobre.
Em portugues desenvolveu-se espontaneamente dr de <r
latino medial; por exemplo, em pedra de lat. petra, vidro
de lat. vitrum, adro de lat. atrium. Houve altera9ao de p
em v nas palavras lat. scopa, stivare, populus, port, escova,

estivar,povo; de j? em /em lat. vopore port. &a/o (segundo


Cornu 4).
A
germania antiga apresenta-nos ja varies exemplos de
inversao de consoantes chepo por pecho, greno por negro,
:

grito por trigo, lepar por pelar, taplo por plato, tisvar
* vistar de
(mirar) por visto, toba de io^a. (Hidalgo, Pott,

Zig., n, 18).
Noargot sao raras essas inversoes, excepto em liga^ao
com outros processos. Ja em Pechon de Ruby se encontra
zerver, server (pleurer, crier), de verser, e urn ao lado do
outro: limogere, chambriere, e miloger, valet (Schwob et

Guieysse, p. 38-39) e remontando ate mais alto, a Ballade


v, de Villon,encontramos Ostac por Costa, nome de um
chefe de policia (Ibidem). Frequente no argot moderno 6
o processo chamado loucherbeme, que consiste numa inver-
sao da consoante inicial, que se substitue por um I, e, posta
no fim da palavra, se faz seguir de um suffixo (particular-
mente de ique, oque, uche, atte, on ewe), assim loucherbeme

Ibid, p. 769.
120

e forinado de boucher oucherb-j l-oucherb-eme ; lemmefoque


:

defemme: emmef-j l-emmef-oque. Esse processo e caracte-


ristico do argot dos Vouchers (carniceiros), e ja antigo no

argot das classes criminosas, de onde passou em menor


grau para o argot geral.
d) Alguns termos apresentam outras deforma9oes pho-
neticas, tendendo em regra a approxima-los ou confundi-los
no som com termos da lingua geral. Exemplos: mostro,
vinho, de mosto; perola e pilula, cama, de cal. peltra,
chimpar de chapar; porte-borne de porte-monnaie ; mamao
de melao; elimo de animo (cf. port, alma de lat. anima)]
chiloras de ceroulas; falso, lengo, por *fasso, germ, fazo,
do italiano fazzolo, fazzoletto (vid. acima safo, leno ; por
*fasso).

II. Deformapoes morphologicas. A deriva9ao propria-


mente dita consiste na formaao de uma palavra nova,
tendo por base urna raiz ou thema ja existente ? a que se
juntam um ou mais suffixos, palavra que exprime uma re-
presentaQao ou conceito mais ou menos distincto do ex-
presso por aquelle thema assim ama-r exprime uma ac9ao
:

verbal, ama-dor o agente, ama-vel a qualidade do que me-


rece que aquella accao o tenha por objecto, ama-torio, que

respeita ao amor, etc. Cada uma d'essas palavras tern pois


emprego especial, nao sao synonymos. Ha, porem, muitos
derivados que sao mais ou menos synonymos com rela9ao
a outros da mesina raiz p. ex. ama-nte e amador. Muitas
;
:

vezes um derivado fez desapparecer o seu synonymo da


mesma raiz assim em portugues altivez, calgado, calva,
:

carribista,conhecimento , embrulhada (emborilhada), falsi-


dade, lastimoso, perdao, tizeram cair em desuso altividade,
calgamentO; calveira, cambador, conhecenga, emborilho,fal-
4
sura, lastimeiro, perdoanga .

Vid. Questoes da lingua portuguesa, pp. 44-50.


121

Nalguus casos houve, pelo menos apparentemente, troca


do suffixes * :

-ez \-enca , (-do


altiv conhecl . calcal
-idade (-imtnto \-mento

-idade j ., i-voiy
\-oso 7 .
\-edo
fak -ura lastiml ol IV
i eiro l-al

Nao deve esquecer-se, diz Diez, que muitas vezes a


derivagao nas linguas roraanicas tern apenas em vista
refor9ar a forma ordinaria da palavra sem fazer caso do

sentido, quer, como


e mais frequente, para dar mais peso
a urna palavra curta, quer para distinguir formas identicas
ou semelhantes. Visto que se expulsaram da lingua, como
muito breves, numerosas palavras simples para as substi-
tuirpor outras de mais corpo, porque nSo se salvariam
tambem essas mesmas palavras allongando-as ? Mas s6
podiam ser empregados com esse fim suffixes de significa-
9lo incerta, obscurecida ;
outros teriam influido muito cla-
ramente no sentido. fr. menton ou rognon, p. ex., nslo
diz mais que o simples latino mentum ou ren. Empregaram-
se, sobretudo para esse fim, antigas formas deminutivas cujo
sentido ja nao era sensivel. Assim como se preferiram aos
simples apis, auris, oms, por causa de sua pequenissima
dimensao ;
os diminutivos apicula, auricula, ovicula, pa-
rece ter o francez allongado tambem sol, taurus em soleil

(==. soliculus), tau-reau (=^ taurellus), sem pensar em


ver nelles deminutivos, como petit soleil, petit taureau, por-
que culus e ellus Ihe eram conhecidos por numerosos exem-
plos como simples formulas de

Digo pelo menos apparentemente, porque as formas podiam ter-


1

se produzido independentemente, isto 6, lastimoso podia nao ter


sido derivado de lastimeiro, ou vice-versa, mas sim qualquer d'elles
de lastima.
2 Grammatik der romanischen Sprachen, II 2 , 262-3; trad. fr. da 3.*

ed., II, 260-261.


122

Proponho chamar indifFerentes esses suffixos que nao


dao origem a uma palavra de significaao nova.
Ha certos suffixos que podem chamar-se falsos, porque
se formaram a custa de um buffixo corn a parte thematica
de uma
palavra e depois ganharam independencia como
verdadeiros suffixos. Em
latim, por exemplo, o suf. -lo
(-la), juntando-se a themas em -r, -n ou -ro (-fa), -no (-na),
deu logar a formayao de derivados em -ettum, -ilium,
-ullum, pela assimilacao (depois da syncope de o, a, termi-
nal), em que -ellum, -ilium, -ullum forain tornados como
suffixos independentes, que depois serviram para deriva-
9068 novas : assim de puero- derivou-se puerulo-, d'onde
puel-lo-; de vino-, vinulo-, d'onde villo-; de hom-en- (horn-
*
in-) homon-lo-, homul-lo- *. Visto que havia outros deri-
vados semelhantes, sentiam-se em formas como pu-ella,
v-illum, hom-ullus, pu, v, horn como radicaes.
No calao encontramos factos das mesmas ou semelhantes
categorias dos que acabamos de examinar com referencia
a linguagem geral, ainda que se apresentem por vezes com

aspecto proprio.
No calao ha alguns verdadeiros derivados, isto e, termos
forniados de outros por meio de um suffixo (real ou appa-
ou composto, com significa^ao distincta da
rente), simples
dos themas de que sao formados. Taes sao :

alampar, ver, de *lampo ou *lampio, olho port.


cal. ?

lampada, lampiao; cp. cal. luzio, olho, de port. luz.

arcoso, annel; a lettra: o que tern forma d'arco, de port.


arco, com o suffixo -oso, muito frequente em portugues.
ardina, aguardente ;
a lettra : a que arde, de port, arder,
com o suffixo -ina, frequente em portugues, mas que nSo
se applica em a nossa lingua directamente a themas ver-

baes, caso que alias se dava em latim ? como mostram ? por


exemplo, ruina de rue-re, sentina de senti-re.

1
W. Corssfen, Ueber Ausspraclie, Vokalismus und Betonung der
lateinischen Sprache, II 2 , 149. 527-530. Cf. H. Paul, Principien der
a
Sprachgeschiclite, 2. eel., p. 203-204.
123

ardosa, aguardente, de port, arder, com o suffixo -oso,


que e muito frequente em derivados da lingua geral,
mas
nao se applica nella directamente a themas verbaes, mas
sini a themas nominaes.

bagaceira, aguardente; a lettra: a que se extrahe


do

baga90, de port, bagago com o suffixo -eira.

ralmeirao, mandriao, de port, calma, com o suffixo

composto -eirtio, como


port, espadeirao de espada, lar-
gueirao de largo, lingueirao de lingua, regueirao de rego,
toleirao de tolo; cp. trigueircio de trigueiro, de trigo. Em-

quanto ao sentido, cp. hisp. calmoso na significayao de


pregui9oso, indolente.
canlmntes, botas, de port, cano ou canna (da perna)? o
suffixo -ante servena lingua geral para formayoes de ca-
mas tendo sempre por base
racter participal enfraquecido,
themas verbaes. Cp. encanhas, meias*. BLUTEAU.
chapeca, moeda de dez reis, que tambem se encontra
com a forma sapeca, naquelle mesmo sentido e no de
pancada de chapa com a mao, bofetada; de chapa., com
o suffixo -eca,
que se encontra, por exemplo, em port, cueca
de cu, folheca de folha, sonneca de somno.
embromar-se, irritar-se a lettra
;
: fazer-se grosseiro ;
com
posto e derivado de port, broma, homem grosseiro.
escamanta, pescada (peixe), de escamar, com o suffixo
frequente -nte, que se encontra na forma feminina -nta em
port, governanta; mas emquanto nas palavras da lingua
?

geral esse suffixo indica um agente, aqui significa: que


tern (escamas).

faveco (feijSo), de/aua^ com o suffixo -eco; cp. chapeca.

gargantosa, garrafa ;
a lettra : a que tern garganta, gar-
galo ? de garganta, com o suffixo frequente -osa.
gatasios (maos, dedos) de yato; cp. balasio de bala,
copasio de copo, durasio de duro ; gatasio e antes termo
popular.
gereiro, a9ougue, de cal. gera, carne.
grunhideira, lingua, de grunhir, com o suffixo frequente
-deira.
124

piadoiro, calix de igreja, de piar, beber, com o suffixo


-doiro; cp. bebedoiro de beber, comedoiro de comer.
pileca, cavallo magro, por *pelleca, de port, pelle.
Nalguns derivados apparecem-nos suffixos estranhos a
lingua geral e que sao devidos apenas a mas analogias ;

isto da-se por exemplo em:


loduso, ourives, de cal. lodo y oiro; pela analogia das
terminagoes de port, abuso, infuso, parafuso, etc.
dentremeS; bolso interior do casaco ou collete, pela ana-
logia das terminagoes de creme, estreme, leme, etc. A forma,
apparentemente do plural, encontra-se expressoes po- em
pulares como um bigorrilhas, um bolas. calao junta
noutros casos ainda um s a certos derivados seus, como
se vera mais abaixo.
moiene do fr. moi, toiene do fr. toi, teuene do port, teu,

apresentam um suffixo -ene nao usado em portugues. Cp.


{
mitene (do fr.
mitaine).
Em administrantej por port, admmistrador, temos a
cal.

substitui9ao de um derivado da lingua geral por outro tam-


bem da lingua geral e do mesmo thema, mas de sentido
um pouco diverso.
Em muitos casos, no calao, a adjunc9ao de um suffixo
ou elemento com aspecto de suffixo, a um thema da lingua

geral, tern apenas por fim o disfarce da palavra, nao ha-


vendo differenga de significagao entre o primitivo e o deri-

vado 2 taes sao


;
:

cal.pipuncha, de port, pipa; chegaduncho, de chegadof


faduncho, de fado; tarduncho, de tarde; seduncha, de seda;

1
No argot e frequente a adjunc^ao de suffixos deformatiyos aos
pronomes nouzaille por nous, vouzaille, vouzigaud, vozikre t vozigue
:

por vous. RIGAULT. mezigue, mdzigo, loimique pour moi; teziere, tezin-
gaud, loitmque, loitreme por toi ; sfaigne, seiziere, sezingaud por lid
pornous. Schwob et Guieysse, Mem. Sec. ling., vn, 46.
(soi); noziere
2 Nas linguas romanicas, como vimos acima, a adjuncQao de um
suffixo sem valor derivative ou indifferente tern um fim diverso a
conservac.ao de uma palavra de pouco corpo.
125

mesuncha, de mesa; todos com o suffixo -uncho, t&o fre-


quente no cigano (vid. p. 47-48) e que se cncontra na lin-
gua geral em caruncho, zarg uncho.
de port, nota (de banco) alforjante, de al-
cal. notante, ;

forje; caixeirante, de caixeiro; paivantc, de cal. paivo; Ion-


jantes, de longe; horante, de hora; todos com o suffixo -ante,
applicado poreni a nomes, emquanto na lingua geral so
serve para derivados de themas verbaes.
de maca; branquioso, de branco ; paivote, de
cal. rnaciosa,

cal. paivo; sedaite, de seda; baguines, de cal. bago (dinhei-


ro); parrelo, de cal. parne (dinheiro), com assimilacfio de
m em rr; tolineiro, de tolo ; perunca, de cal. perua (bebe-
deira); baguinos, de hisp. bajo; vintangos; de vinte; sinhama,
de sinhd (cal. e creoulo por senhora); chibeco, de cal. chibo
(espiao, denunciante; cp. cal. cobra, espiao, denunciante) ;

briolj de cal. breu ; patego, patola, patdo, todos de cal. pato


no sentido de tolo, ingenuo (cp. cair como urn pato, na

lingua geral); sSo outros exemplos do emprego de proces-


sos de derivagao da lingua geral sem haver forma9ao de
palavras de sentido novo.
Nos seguintes exemplos os processes de derivagao adver-
bial apparente sao mais irregulares.
cal. acache, de port, aqidj allache, de alii;
aquera, de
aqui; allimes, de alii; antrel (adeante) de ante; arribatis,
de arriba; cimantes (acima) de cima; dentrdvias (dentro
7

de casa), de dentro ; for antes, de/ora; lonjantes, de longe.


Cp., por causa do s final de algumas d'essas forinas, os
adverbios port, antes, algures, nenhures, etc.
cal. agadancanhir por port, agadanhar, cal. agadanchar,
e uma formagao sem analogia na lingua geral, e que lem-
bra certas accumula9oes de suffixos noutras girias, como
no argot chiquoquandard de chic, rupiquandard de rupin,
no slang slandingcular (pela analogia de perpendicular) *.

1
Schwob et Guieysse, Mtm. Soc. Ling., vn, 43 ;
J. Storm, Englischt
Philoloffie, i, 156-157.
126

Um suffixo, real on apparente, e substituido por um


outro suffixo, real ou apparente. Exemplos :

cal. catr-aia, egua, por cal. *eatr-opia,


catropea; cp.
arraia, atalaia, cabaia, lacaia, mala/aid; zumbaia, etc., de
um lado, e de outro copia, Procopia.
cal. carol por *carrol, de port, carrasco ; cp. de um lado
os nomes em -ol, como anzol, cal. briol, crisol, paiol, rei-
nol, rouxinol, e de outro os nomes em -asco, como pe-
nhasco, varrasco, Velasco.
cal. rabeco, nome dado aos barqueiros de cima do Douro,

que veem ao Porto, pelo pop. rabello; cp. de um lado os


nomes em como chaveco, faneco, jalcco, marreco,
-eco, ta-

reco, do outro os nomes em -do, -ello> como cabedello, ca-

~bello, cadello, capello, -moddo, novello, roddo, sarampelo.


almazio; alimazio, por port, armazem, com influen-
cal.

cia, ao que parece, de pop. *alimal,, alimaria.


cal. armango, por cal. armaddla> dinheiro para jogar, de

port, ai-mar; cp. de um lado os nomes em -ango, como


avangoj bcdango, picango,, e do outro os nomes em -addla
como apalpadella fartadella.
',,

cal. enframes, por port, entrada; cp. de um lado os no-


mes em -ame, como arame, velame, e do outro os nomes
em -ada, como estrada, camada, pancada.
marigoto, por port, marinheiro, pelo typo de per-
cal.

digoto, sendo -igoto, sentido como suffixo


substituido a
-inheiro {
,
influindo tambem maragota, nome de peixe.
Muitas vezes uma
palavra toma inteiramente a forma de
outra ou antes funde-se com outra com que tern apenas
de commum alguns sons iniciaes ou ate um so som inicial,
conservando-se em regra a significagao d'aquellas primei-

1
E menos certo se cal. cachilras, seios de mulher, se liga a cal.

cachorroSj com a mesma significagao, influindo chilra (cp. ainda


bttroj pela terrmna^ao) ;
e se cal. carraspana, bebedeira, esta por
* carrascana, de carrascdo, vinho ordinario, forte e aspero ao pala-

dar, influindo raspar.


127

ras palavras on experimentando apenas alguma ligeira

modificagao. Exemplos:
cal. palurdio, por port, pae, por fusSo
com palurdio,
estupido, parvo. Por analogia
formou-se cal. malurdia,
mae 1
.

cal. mandil, preguigoso, por port, mandriao, por fusao


coin mandil, panno grosso de esfregar.
cal. maribundo, brasileiro, por port, marinheiro, pela
fusao com pop. maribundo por moribundo (maribundio
em
A. Antonio de Lima, Rasgos metricos, p. 209).
marabuto (p. 61) parece ser uma fonnac.ao do mesnio
genero, um resultado da fusao de marinheiro com mara-
buto, nome de religiosos musulmanos da Africa septentrio-

nal, o qual em os nossos escriptores quinhentistas


apparece
e de que por certo os nossos marinheiros tiveram conhe-
cimento. Em
francez marabout tomou o sentido pejorativo
de homem feio, mal feito.

cal. milkafre> por mil (reis), pela fusao com milhafre,


nome de ave.
cal. pontifice, por ponta (de cigarro), pela fusao compon-
tifice, papa, etc.
cal. lojibeira, loja, apresenta uma fusao incom-
por port,
pleta com algibeira, tendo-se essas palavras associado pelas
consoantes iniciaes l-j.
cal. atrogos, por port, atrds, como so fosse uma expres-
sS,o adverbial a tro^os.
Nos exemplos seguintes honve fusao de palavras que so
teem de commum uma consoante ou grupo de consoantes
inicial :

cal. baia, por cal. bata, mao, fusao com baia, trave que

separa as cavalgaduras na cavallariga.


cal. faia, por fadista, fusao com faia, nome de uma
arvore.

Cal. polaco, por pae, e sem duvida devido ao mesmo processo


1
;

mas aqui em vez de * malaca, por mae, temos simplesmente polaca.


128

cal. beta, por cal. bata, mao, fusao com beta, lista num
vestido, etc.
cal. buco, por port, burro, fusao com buco,bojo do navio?
cal. bufo, por port, buraco, fusao com bufo, nome de ave.
cal. chita, por cal. cheta, vintem, fusao com chita, nome
de estofo.
cal. grelha, por cal. grulha, peru, fusao com grelha,
instrumento, em forma de grade, para assar ou torrar
comestiveis.

peru 7 de cal. gndha ou grelha, mesma signi-


cal. grego,

ficagao, pelo fusao com grego, nome ethnico.


cal. beu por * veu, por port, vinho, fusao com veu, pec,a

de tecido para cobrir um objecto, etc. Poder-se-hia tambem


pensar em que beu fosse uma modificaao de breuj mas
o termo e do Porto e tern e aberto.

por port, laranja, fusao com leria, palavriado


cal. leria,

ustucioso; modificado depois em larias e lirias.


cal. duque, por cal. dogue (do ingl. dog), fusao com duque,

titulo nobiliarchico.

cal. golfo, por port, gordo, pela fusao com golfo, bra^o

de mar, sargaQO ? No sentido de afidalgado, por germ.


godoj rico 6 principal (Hidalgo), pela fusao com a mesma
l
palavra golfo f
cal. laivo, por port, lengo, fusao com laivo, mancha.
cal. laia, dinheiro, por cal. *lata, por port, prata, fusao
com laia, casta?
cal. osga por port, odio, fusao com osga, nome de um
saurio.
Vimos jd que numa palavra como v ilium, ilium podia
ser tomada como suffixo, ficando assim o conceito do radi-
cal ligado unicamente ao som v. Pode dar-se facto seme-
Ihante em muitas palavras: assim em tosa, rosa, ao lado
de mimosa, religiosa, etc. I e r podem ser respectivamente

golfas significa lisonjear, e 6 sem duvida originado


1 Cal. metier

da Iocu9ao popular mttte-las gordas, mentir, dizer grandes mentiras.


129

sentidos como constituindo a parte radical. conceito do


radical nao existe so no espirito dos grammaticos : actua

tambem, comquanto obscuramente, como categoria psycho-


logica, no espirito de todos OB que fallani uma lingua
em que
ha distincg&o entre raiz e elementos de dcrivagao. No espi-
rito as palavras associam-se pelos sons, pela significagSo,

pelas formas de derivagao, pelos radicaes, pelas categorias


grainmaticaes, etc.
Muitos individuos associani com facilidade as palavras
pelas rimas, outros pelas syllabas iniciaes. Eu associo os
nonies proprios pela sua inicial nao me lembrando muitas
:

vezes de um d'esses nomes por inteiro, lembro-me todavia


do seu soin inicial e por ensaios successivos chego a res-
titui-lo na memoria.
A uma palavra a uma consoante
reclucgao do radical de
ou um
grupo de consoantes inicial, a que se ligam diver-
sos suffixos, 6 um processo conhecido do argot; ex.: tran-

che, tranche, trogne (d'ahi trognasse e gnasse), todos com


a de cabega; *
significagao fr.
froc, frogue (defroquer),
arg. frusguin, habit, fringue, fripe (fripler) ', chaper, pren-
{
dre, ao lado de choper, chiper .

cal. beto por port, botcio explica-se, nao por uma fusSo
de palavras, mas por uma troca de suffixos, pois n&o ha
uma palavra beto, em portuguez: -otao, sentido como suf-
fixo (cp. borbotao, marotao, pdotao, paparrotao); foi substi-

tuido pelo suffixo -eto, que se encontra por exemplo, em


carreto, coreto, folheto.
Poderiamos ver analogamente nas palavras acima, que
se empregam no sentido de outras que com ellas so teem
de commum uma syllaba ou um som inicial, o resultado de
uin processo semelhante de substituigao de suffixos ou
sons tornados por suffixos; p. ex. em baia por bata, troca
:

de -ata por -aia (cp. de um lado camarata, cantata, no-


vata, etc., e de outro cabaia, lacaia, mala aia, zumbaia, f

1
Schwob et Guieysse, Mem. Soc. ling., VH, 40-42.
130

etc.); em buco por burro troca de -urro por -uco (cp. de


um lado esturro, susurro, zaburro e de outro abelharuco,

caduco, maluco, etc.); mas a explica9ao dada acima pare-


ce-me preferivel. Essa explicayao pode enunciar-se tam-
bem nos seguintes termos: uma palavra suggere outra

(geralmente do mesmo nuniero de syllabas) que tern com


ella de commum um ou mais sons iniciaes e a ultima passa

a ser empregada no sentido da primeira. Nas linguas ge-


raes ha factos analogos. Em portugues, p. ex., punar
(== lat.pugnare), tomar a defesa de alguem, chama por
punir (= lat. punire\ e esta toma o
associac,ao phonetica
sentido de aquella, que desapparece (punir por alguem).
Em frances souffreteux, do ant. fr. souffraite (disette, man-

que), toma o sentido um pouco modificado de soujf'rant, pela


influencia da associagao dos sons communs souffr l
.

O termo de calao archeiro, bebado, o que tern o habito


de beber vinho, apresenta-nos o resultado de um processo
complicado :
archote, copo de vinho, lembra pelos sons
iniciaes archeiro; mas este pelo seu suffixo -eiro da ideia de
um derivado; d'ahi o seu emprego como se fosse um ver-
dadeiro derivado de archote, o qua! seria archoteiro.
E rara a fusao de palavras deter minada por uma ternii-

nagao commum; um exemplo e cal. presunto por pessoa

morta> defunto. Uma historieta popular serve de commen-


tario a esse termo. Conta-se que uma velha snrda teve o

seguinte dialogo com uns forasteiros:

Donde vindes vos, metis filhos?


De Salvaterra, minha avo.
Ai! de debaixo da lerra, louvado seja Deus !

Que trazeis vos nesses sacos, meus filhos?


Presuntos, minha avo.
Ai !
defuntos, louvado seja Deu.s !

1
Arsene Darmestcter, La vie, des mots, 2. a ed., p. l.-jl. Littre, s. v.

sou/reteux.
131

malaco, por pataco, parece ser devido a um processo


cal.

similar; todavia malaco na,o se encontra como termo da


*.
lingua geral

Concluirei a exposiyao d'esses curiosos processes de for-

mayao, cujos productos apresentain a primeira vista eni-


gmas indecifraveis ou podem ser tornados como metaphoras
atrevidas, invencSes extraordinariamente burlescas, etc.
com as seguintes observayoes de Ascoli:
Piii volte, nello svisare la terminazione d'un vocabulo,

i
gerghi riescono a transformarlo in uno di senso affato
diverse cosi I'aryot dice arsenal per arsenic, batelier per
;

lattoir, propliete per profonde, ossia, secondo la metafora


di quel grego, cantina o tasca. Questo propliete potrebbe
dirse voce gergale innalzata alia seconda potenza; e Fim-

portanza furbesca degli oggetti ch'essa accenna, ben ci da


il
perche della squisita elaborazione Da orfevre si fece .

orphelin, da Gutbray : Giberne, da poisson: poivre; Jllou


s'e amplificato a Ph&libertj nez a Nazareth, e navet a Na-

varin. Nella germania, per catenaccio si dira cerron in luogo


di cerrojo, mentre
vero valor di cerron e tela grossolana.
il

L'alterazione fonetica involve spesso del significative, sia


col ricordare un sinonimo, sia col ritrarre qualche attinenza
della persona o della cosa che e nominata, sia coll' offerire
allusioni o travestimenti burleschi, sarcastici 2 .

1
Ter-se-ha produzido malaco primeiro por maluco e depois sub-
A ideia de mau, falso, pode ter influido (cp. macanjo
stituido zpataco.

pag. 95) ha tambem cal. maluco por pataco. Doutro lado parece que
;

tabaco foi egualmente assiinilado a malaco, em seguida mudado em


maloque e maleque para evitar a confusao com malaco = pataco.
Temos assim uma serie de
forma9oes mal-aco } mal-eque, mal-oque,
mal-uco para substituirem os usaes pataco e tabaco.
Cal. medulla, seda, estara por um sedulla nao documentado V Cp.
cal. seduncha, seda.
Cal. medunlta, dedos (sic.), SILVA LOPES, estard por dedunho?
2
Studj critici, p. 388.
132

os effeitos burlescos existem, o que como se ve


Quando
dos nossos exeraplos e raro, sao em geral um resultado
secundario, na minha opiniao.

III. Modificapoes de significagao *.


processo pelo qual
uma palavra como palurdio vem a significar pae no calao
nao pode de forma nenhuma ser considerado como o resul-
tado do que ordinariamente se cliama modificaQao seman-

tica, pois que o ponto de partida e uma associaao pura-


mente phonetica, e uma palavra se substitue por outra,
segundo esse processo, sem a minima considera9ao pela
significa9ao d'aquella por isso foram examinados na secyao
;

anterior os exemplos d'esse genero. Passemos agora ao


estudo das modificagoes semanticas no calao, que explicam
a maior par to talvez do seu vocabulario.

a) Todo o substantive, diz Darmesteter, designa na


origem um objecto por uma qualidade particular que o
determina. Assim, a coisa que o latim chama fluvius, rio,

apresenta diversos caracteristicos aspecto das margens,


:

movimento da agua, etc., cada um dos quaes poderia ser-


vir para a denominar o movimento da agua foi escolhido,
;

e essa qualidade de agua corrente, quod fluit, deu o seu


nome a coisa. Assim tambem o que francez chama vaisseau,
por assimilagao de forma a um grande vaso, ou bdtiment
por allusao ao trabalho de construcgao, chama-o o lathn

1
Sobre as mudanQas de significaQao em geral, vid. Ludwig
Tobler, Versuch eines Systems d. Etymologic, in Zeitschrift f. Volker-
psychologie und Spracliwissenschaft, i (1860), 349-387 ; Herman Paul,
Principien der Sprachgeschichte, 2. ed., Halle, 1886; W. Wundt,
a

Logik i, 34-36. Stuttgart, 1881 ;


A. Eosenstein, Die psychologischen
Bedingungen des Bedeutungswechsels derWorter. Danzig, 1884; Ar-
sene Darmesteter, La vie des mots etudiee dans leurs significations-
2." 1887; Kurt Bruchmann, Psychologische Studien zur
ed. Paris,

Sprachgeschichte, (Leipzig, 1886), p.


306 e segs. Para o meu fim res-
tricto nao care^o de um schema complete de mudanc^as de signi-
133

navio (namgium), isto e ; o que nada, fluctua ao cimo da

agua (natat). Esses exemplos podem multiplicar-se indefi-


nidaiuente ;
assim em latiin serpente c o que se arrasta

(serpere), cp. reptil; aurora e a brilhante (raiz us, brilhar) ;


nubes, nuvern, 6 a que vela, cobre (cp. nubere, velar, cobrir).
No
calao e muito frequente o processo que consiste em
substituirum nome usual por um adjective (ou participle),
designando um caracteristico, que muitas vezes esta longe
de ser o essencial 5 exemplos : altanado (o que esta, se
senta alto, no tribunal), por juiz j
amarella (da cor do oiro),
por libra; andante, por carteiro, comboio, cavallo; apalpa-
dor, por guarda-barreira (apalpadeira e a denominayao
officialde mulheres que nas barreiras apalpam as forastei-
ras, para ver se trazem contrabando sob os vestidos) ;

apertante, por corda .(da forca) chiante, por carro de bois ;


;

cantante, por gallo; crivantes, por denies > dentosa, por serra;

espumante, por sabao; ferrugenta, por espada (velha) \filante,


por agente depolicia; luzente, por pedra preciosa; massudo,
por jpao ^Ze fr/^o ; passante (a que passa de um lado a outro
do serve para se passar sobre ella), por ponte; preta,
rio ;

por garrafa (de vidro preto) rasteiros, por chinelos ; ras-


;

tantes,por sapatos ; piolhosa, por cabega; palmilhante, por


viandante, passageiro ; redonda, por saia; roncante, porj?or-
co; tamposa, por caixa; sonante, por dinheiro (cf. a expres-
sao metal sonante) 5 moncoso, por Zenyo (cp. fr. mouchoir).
Emtodos esses exemplos a denominayao 6 perfeita-
mente simples e natural; noutros casos intervem um certo

espiritocomico ou depreciativo, ou estabelece-se uma cor-


rela^So metaphorica por vezes pouco natural assim o advo- ;

gado e chamado nao o discursante ou o defensor ou mesmo


o fallante, mas o pairante, com um termo depreciativo o
;

vinagre e o raivoso, o que tern raiva, por uma especie de


person ifica9ao determinada pelo seu effeito adstringente,
quando e forte o momho, por isso que agita os seus bra9os
;

como em furor, quando o vento o move, e chamado o


doidoj a espingarda 6 chamada a, fungante, assimilada a
sua explosao ao ruido de um nariz que/im^a; o chapeu
134

da cabeya, sujeito a muitos accidentes, e denominado o


penante, o que pena, padece a camisa que, lavada e en-
;

gommada, exige cuidados para nao se sujar de prompto,


e a mimosa.

Porque raza'o a sardinha e chamada tirihosa nao e facil


de dizer; talvez porque a tinha foi comparada a escamas.
O calao legante, pistola, e, segundo se me affigura, urn
derivado de cal. lejos, longe (do hisp.), a que se deu o sen-
tido dea que atira de longe.
Os adjectives podem ser modificados na significa9LO que
rigorosainente resulta da sua forma, ao serein convertidos
em substantives; assim vagaroso significa que precede
com vagar, vae de vagar vagarosa, significando
;
em que
ha vagar designa a prisao.
b) A metaphora, e muito frequence nos desvios de si-

gnifica9ao do calao; ja varies dos exemplos dados acima


entram nesta categoria. A
metaphora do calao diverge em
muitos casos da metaphora da linguagcm geral em nao
ser espontanea e transparente, o que resulta do caracter

geral das girias, que ja indiquei. Eis uma serie de exem-


plos: alfarreca (alforreca, medusa), cabelleira, pela com-
paragao dos cabellos com os tentaculos do animal ameixa, ;

bala, pela semelhanya de forma


apagar-se a lamparina,
;

morrer (a vida e frequentemente comparada pelo povo a uma


luz ha um conto popular em que velas acccesas repre-
;

sentam vidas de pessoas) archote, copo, quartilho de vinho,


;

(a mesa diz-se comicamente estou as escuras, accende-me


:

a luz, quando nao se tern ainda vinho no copo) ; barraca,

guarda-sol (por causa da forma e dcstino); cesto da gavia,


forca (por causa da forma e altura cortigo, carne de )
;

porco, propriamente a carne coberta immediatamente pelo


coiro, que se compara a cortiga (o povo chama encortiqada
d carne dura); cortigos, botas; gattinkeiro, varanda, cata-
falso gata, meretriz (por causa da lubricidade do animal)
; ;

breu.,vinho (por causa do aspecto) lastro, comida (sobre


;

a qua! se bebe, como no navio sobre lastro se poe a carga ) ;

cabelleira., tonca, penacho, bebedeira (diz-se que o vinho


135

sobe a cabea, que os fumos do alcool sobem a cabe^a:

compara-se o que se suppoe haver dentro ao que cobre


u cabe9a) ; lingua, bolsa de prata (por causa da forma) ;

linguado, lettra, (na giria dos typographos: tira de manu-


scripto) massa, milho, dinheiro pianinho, guitarra rama,
; ; ;

cadeia de relogio algodao em rama, p&o alvo (por causa


;

do aspecto) rede, capa, roupa ripa, espada rouxinol,


5 ; 5

apito saca, prisao, cadeia esponja, bebado rufar, bater


; ; ;

(como se bate rufando tambor) chaleira, panella, podex ; ;

cttchimbo, pe ; panclla, capoeira, carmagem 5 cebola, relogio

d'algibeira, pessoa com muitas vestes sobrepostas.


No calao dos criminosos occorrem expressoes que teem

por fim ado9ar, attenuar, por assim dizer, o que significam


os correspondentes usuaes: assim porfurtar_, roubar, diz-se

picar, abafar, abotoar-se com uma coisa; por sova, pan-


cada,; diz-se color / porpr^sao^ diz-se collegia, gaveta; por
afogar, diz-se fazer aboiar; pormatar,, diz-se estafar, virar,
vindimar; por morrer, diz-se sondar ; por espancar, diz-se
escovar, ensinar; negar-se, diz-se por fu gir.
c) Algumas mudanyas de significacao que nos apresenta
o calao resultam de simplifica9oes de phrases ; assim falho,

que nao tern dinheiro ? provem de falho ao naipe, que de


termo de jogo passou a ter aquella significayao esticar e ;

espichar, no sentido de morrer, proveem das phrases esticar


ou espichar a canella (a perna; isto e, entrar na rigidez

cadaverica) ; espirrar, insultar, provem da phrase espirrar


canivetes que se diz de quern se encolerisa facilmente ;

lagosta, bofetada, provem da expressao^>or a cara vermelha


como uma lagosta { ; mao por chave foi suggerido pela ex-
pressao chave da mao, palma da mao, espa90 entre o pol-
legar e o index.
d) Alguns nomes ethnicos ou proprios de pessoas, experi-
mentaram modifica9oes de sentido ou applica9oes as vezes

1
Se lostra, no mesmo sentido, 6 alterac.ao de lagosta fica no do-
minio da pura hypothese. Na significagao de escarro, lostra 6 sem
duvida la oslra.
136

curiosas; assim ingles significa percevejo, por causa da cor


do insecto ser semelhante d das fardas dos soldados da
marijiha inglesa; chamborgas (p. 71) parece provir do
nome do marechal conde de Schomberg 4
; mala/aia, sujeito
de profissao duvidosa, 6 uma adapta9ao do nome de familia
Malafaia, determinada sem duvida pelas syllabas mala,
que Ihe fizeram attribuir o valor pejorative. No termo
gallo, significando frances, ha um vestigio que nao e o
unico da antiga denomina9ao dos habitantes da Frar^a.
Eu colligi da tradi9ao popular o seguinte enigma do gallo
(ave).
t

A meia noite
Se levauta o frances;
So sabe d'horas,
Nao sabe de rnes.

Tern esporas,
Nao e cavalleiro ;

Tern serra,
Nao e carpinteiro-,
Tern picao,
Nao e pedreiro;
Cava no cbao,
Nao acha dinheiro.

Como janisaro (sem duvida o nome dos soldados da


guarda do sultao) vein a significar tunante na giria do seculo
xvui nao deve causar estranheza, quando se note de que
maneira o povo se appropria de palavras novas, imprimin-
do-lhes sentidos que nem de longe se correlacionam com os

que ellas teem, isto independentemente dos processes do


calao que acima ficaram estudados 2 .

1
Cf. a seguinte passagem de Monte Carmelo, p. 505: d chomberga,

pela calada, occultamente, etc. Chomberga foi certa moda de bigodeg,


que trazia o marechal Conde de Schcmberg ; mas a Plebe e os Co-
rnices trocarao a significacao deste vocabulo.
2 A ouvida ja no send do de estranho, censuravel
palavra obvio foi ;

plantaforma, por plataforma, e empregada pelo povo correntemente


no sentido de apparato para illudir por exemplo se antes de umas
;
:
137

Nocalao o noine vicente designa o gato, emquanto na

linguagem popular designa o corvo, por allusao a lenda


dos corvos de S. Vicente.
E incerto se cal. narro, cao, provem de navarro; este

nome significa na germania antiga ansaron (ganso).


Lembremos que o povo chama tambem ao macaco Simao
(suggerido sem duvida por simio); a burra Joanna; d cocci-
nella septerapimctata Joanninha *.

e) Um outro processo que podemos chamar da substitui-

ao synonymica (falsa ou verdadeira) da logar tambem a


mudanya de significance.
No calao, p. ex., havia cria, carne de vacca, cuja ori-
gem, como vimos, e incerta; suppoz-se derivado de criar e
como gerar e synonymo de criar, produziu-se o derivado sem
suffixo gem, carne de vacca.
Desde o momento em que uma pancada na mao, cara ou
cabe9a foi assimilada ironicamente a um bolo (bola ou bolo,

palmatoada), desenvolveu-se a serie synonymica de bolacha

eleicoes se emprega o conhecido processo de mandar proceder ao


estudo de uma
estrada para uma localidade descontente, applica-se
ao caso o terino, que (quem sabe ?) talvez fosse suggerido por esses
levantamentos illusorios de plantas. A
palavra parodia designa na
boca do povo innumeras coisas variadas, a come9ar pel as dancas e
mascaradas carnavalescas e a acabar numa figura qualquer caricata;
um d'estes dias ouvi um cocheifo dizer para um sujeito que estava
parado a urna esquina observando o quer que fosse nao estejas
:

ahi de parodia. Ouvi j a empregar laudemio no sentido de


presum-
p$ao} vaidade. Num annuncio d'um agougue li: responsavel d'este
talho tern que ser licito nas traiisac^oes que fa$a com o
publico;
aqui licito, o que e permittido, adquiriu o sentido de probo, honrado,
por um processo facil de comprehender. Fallar ou ser pespauterio,
fallar senhor de si, com
importancia, bacharelar, e vem sem duvida
de *fallar pelo Despauterio ; isto e, conforms a
grammatica de Des-
pauterio ; emquanto d'outro lado despauterio veiu a siguificar dispa-
rate, tolice. termo badameco, rapazote atrevido, originou-se de
lademeco =
vade-mecum.
1
Encontram-se factos similhantes noutros paises; vid., por ex.,
os nomes da pega em
Rolland, Faune pop. de la France, u, 132, seg.
138

(bofetada) ou galheta (do hisp.) biscoito (pancada com as


1
,

costas dos dedos na cabega), talefe (pancada ligeira de-


baixo do queixo, proprianaente leite cozido com ovos e
assucar). Este processo e tanto das girias como da lingua-
gem popular. Ha pouco deram-me a conhecer uma locu-
gao usada no Algarve que talvez se explique por elle:
e estar em cagao por estar nu. Diz-se no mesmo sentido:
estar em coiro j ora coiro e cagao empregam-se no sentido de
rameira sordida, que jd nao e nova, e como se comprehende
mais facilmente que a pelle dura do cacao motivasse a ultima
designagao do que a que se nos offerece naquella locugao,
pode pensar-se que no espirito do povo coiro e cagao se
associassem como se fossem perfeitos synonymos 2 .

No argot encontram-se exemplos d'esse processo. Assim


produziu-se urn termo marmite no sentido d.efemme, talvez,
como creem Schwob e Guieysse, nao por metaphora, mas

por derivagao de mar, como supposto radical de mar-qve


(vid. p. 100), mar-quise, mar-Ion, mar-paut. Marmitte da

logar a duas series synonymicas: d'um lado temos poelon :

e casserole, femme; d'outro marmitte, mudado em mar*

motte, chama taupe 3 Concebe-se


. ate onde pode levar esse

processo e quao difficil deve ser descobrir muitos dos seus


productos, principalmente nas girias, que como a portu-
guesa teem poucos documentos historicos.
?

1
Como galheta significa, no sentido portugues proprio, garrafinha
para azeite, vinho ou vinagre e que na igreja se usa um par de ga-
Ihetas, para o vinho e agua do sacrificio, e nas mesas o vinagre e o
azeite se apresentam num par de galhetas, diz-se um par de galhetas

por duas bofetadas, uma do lado direito, outra do lado esquerdo-


A que sentido da palavra se liga a expressao burlesca volaverunt
galhetas, expressiva do estado colerico de alguem, e difficil de
determinar.
2 hebreu de que provem
Cp. lat. scortum, coiro e meretriz. pj^^y,

cal. zoina (vid. p. 103) tern a significa9ao fundamental de


tambem
scortum. Na pbrase estar em cagao, alludir-se-ha antes ao caQao a

que se tirou a pelle ?


3
Schwob et Guieysse, Mem. Soc. ling., vn, 50.
139

Attendendo as difficuldades que levantam a etyinologia


essc e outros processes das girias, ve-se com que inteira
razao Ascoli escreveu: Chi pcnsiagli innumerevoli enimmi
che in sc racchiude il favellio d'una intera nazione, ogni
citta, ogni borgata, ogni contrada starei per dire, avendo
in ogni epoca le sue peculiarita idiomatiche, ingenerate da
mille specie d'accidenti assai spesso imperscrntabili non ;

maravigliera per certo allo scorgere ne varj gerghi un


buon contingente di dizioni che sembrano voler perennc-
mente rcstare quesiti etymologici insoluti. La quintes-
senza della parte parte piu recondita dei vernacoli, messa
in serbo, chi sa da quanta generazioni, dalla societa fur-

fantina, e sottoposta per soprassello ad artificj gergali,

quanto mai di stravagante e d'impenetrabile non potra


*
offerire?
Relativainente ao calao ou giria portuguesa, o meu es-
tudo creio que me permitte affirinar todavia que dos ter-
mos de mim conhecidos apenas cerca de um sexto nao e
2
susceptivel de explicagao ou de etymologia immediata ;
geralmente certa ; no menor numero de casos apenas vero-
simil; e naturalmente a lista dos probleinas, agora insolu-
tos, diminuira com novas investigacoes.
IV. Creagao original. Em todos os processes anterior-
mente examinados, vemos o calao, como as outras girias ?

partir dos termos existentes e ligar a elles os seus produ-


ctos por um nexo phonetico, morphologico ou semantico.
Dir-se-hia que os creadores das girias ou nao teeoi facul-
dade ou nao se sentem impellidos de necessidade para fa-
zcr uma linguagem de sua inteira inven5ao. Examinemos
succintamente esse problema.
Nada nos impede de crer na possibilidade da creaQao
de novas linguas, ja por processes espontaneos como os ;

1
Studj critici, p. 396.
Chamo aqui etymologia immediata a que liga um ternio de giria
2

a um terrno da lingua geral, ou do pais a que perteuce essa giria on


de outro.
140

que produziram as creagoes primitivas, eni grupos de indi-


viduos que nao tenham adquirido ou so tenharn adquirido
muito imperfeitamente unaa lingua tradicional, ja reflecti-
damente por individuos senhores de unia ou mais linguas
tradicionaes.
Do ultimo caso temos uin exemplo no projecto de lingua

philosophica do bispo inglez Wilkins, no seculo XVII *. Os


projectos diversos de lingua universal, que nestes ultimos
tempos teem apparecido, como o Volapiik, soccorrem-se do
material das linguas existentes, modificando-o segundo prin-

cipios convencionaes, porque se tern em vista partir d'ele-


mentos ja conhecidos por um nuniero mais ou menos con-
sideravel d'individuos, afim de facilitar a acquisiyao do
novo idioma 2 .

Concebe-se a formaao de uma lingua artificial 1) pelo :

processo de Wilkins, inventando combinagoes phoneticas


novas (raizes e suffixos) para exprimir as representagoes
mentaes, quer segundo uma classificagao scientifica d'estas,
quer sem essa classificagao; 2) pelo systema do Volapiik, em
que a rela9ao entre o som e a significacao se baseia sobre
a ja existente 3) por um processo em que o mais arbi-
;

trariamente possivel se enipreguem palavras ja existentes,


mas com significaoes que nao tenham relayao nenhuma
com a usual como se faria, por exemplo, dizendo mar por
;

pao, gritar por fugir, etc.


Como vemos nao e assiin que se formam as girias.
Os dois primeiros processes
exigem um
grau adeantado
de reflexao, de que nao sao capazes os individuos que con-
stituem os grupos creadores das girias. Apesar das produc-

1
An Essay towards a Peal Character and a Philosophical Lan-
guage (London, 1668); Max Muller, Lectures on the Science of Lan-
guage. Second Series. II Lect. Sobre outras tentativas semelhantes,
vid. alem d'essa 119210 de M. Muller, Techmer in Internationale Zeil-

schriftfur allgemeine Spraclmissenschaft, iv, 339-340.


legitimidade das tentativas volapiikistas, vid. H. Schu-
2 Sobre a

chardt, Aus Anlass des Volaptiks (Berlin, 1888).


141

9oes d'estas serem, como ja vimos, intencionaes, nao se


afastam essencialmente na sua marcha dos processes d'evo-
Iu9ao espontanea da linguagem a nossa investiga9ao
:

assentou com evidencia esse facto importante. Isto signi-


fica que aquellas produc9oes sao intencionaes , nias nao re-

flectidas. O individuo que primeiro disse almuque por al-


mocreve fez uma moditica9ao intencional mas era por certo
;

incapaz de explicar a si
proprio por que processo o fizera,
que praticara uma desloca9< io de accento, que supprirnira
?

um r na syllaba ere e eliminara por complete a syllaba


final ve da forma usual, ainda menos que outros ternios de

giria eram assim formados ;


ella fazia tao pouca ideia d'isso

como nos fazemos, por exemplo, sein estudos, das trans-


forma9oes que os alimentos, que intencionalmente ingeri-
mos ; experimentam em o nosso organismo dos movimentos ;

complicados que sao necessaries para pronunciar uma pa-


lavra qualquer, apesar de ser a nossa actividade voluntaria

que esta em jogo. Vimos ja em que


cOnsiste a differen9a
entre a produc9ao propria da giria e a da linguagem es-

pontanea (vid. p. 115-116): o povo que diz photogro por


photograpJio nao tern consciencia de que fez uma alterac3t0?
porque nao sabe da existencia da forma photogr apho j o fa-
bricante de giria que primeiro disse almuque sabia porem

perfeitamente que a forma corrente era almocreve e a sua


uma alterag&o voluntaria *.

1
Pode objectar-se que ate pessoas cultas que conhecem bem a
forma das palavras as alteram por vezes, jafallando, jd escrevendo.
Supponhamos que eu vou para dizer ataraxia e digo ataxia. Que se
deu neste caso? Em vez de me surgir no espirito a forma verdadeira
que eu tinha inten9ao de produzir surgiu outra, o que equivale a
uma ignorancia, que so se distingue da que o povo tern das formas
cultas, que modifica, em ser momeutanea nao ha no processo diffe-
:

renc^a essencial. S. A. Guastella no livrinho Vestni, scene del popolo


Siciliano (Ragusa, 1882) da noticia de uma triplice forma de lin-

guagem no povo de Chiaramonte uma a colloquial, cheia de sup-


:

pressoes de consoaiites e contracQoes de vogaes 5


outra menos con-
142

A substitui9ao de palavras da lingua geral per outras


da mesma que nao tiveram com aquellas nenhuma rela-
93,0 de som forma ou significa9ao exigiria uma quebra
;

inuito violenta corn o uso tradicional, que de um lado sup-

poria umespirito assas reflectido, no auctor; de outro, nos


imitadores, uma facilidade de acceitar um emprego tao ar-
a qual realmente nao existe: era precise que num
bitrario,
e noutros se perturbassem muito fundamente os nexos
associativos existentes. Per mais arbitrario que pare9a o
emprego de grelha, por exemplo, por peru, o termo gru-
Iha estabelece entre elles urn nexo semantico, de um lado,

phonetico, do outro, que basta para a facilidade da pro-


duc9ao e da propaga9ao. Mais tarde o nexo pode esque-
cer-se, como se esqueceu na linguagem geral porque tal

animal se chama burro, tal outro serpente, etc.

tracta, a linguagem do canto e por fim uma ainda mais perfeita que
e a linguagem da poesia, e apresenta os seguintes exemplos :

Linguagem colloquial : Uzzumab.


Cappicciavi lammassciara.

Linguagem do canto : 'u zzu mbnucu 'a vo\


C" 'a za Vita I' ha massdu Ara.

Linguagem da poesia : Lu zu mbnucu la voli.


Ccu la za Vita mastr' Araziu I'havi.

Destroe esse facto interessante o meu modo de ver? Creio que


nao. Essas tres formas de linguagem correlacionam-se como diale-
ctos diflferentes numa mesma boca e o seu emprego e determinado

por necessidades diversas, de modo que em cada caso ha uma orien-


tacao particular das representaQoes, que as mantem ate certo ponto
isoladas. Em
cada caso surgem no espirito do que falla as represen-
ta9oes das formas respectivas e ficam latentes na consciencia as
outras. Noutra parte voltarei a este assumpto. As formas eruditas
ao lado das populares na boca do povo, como piano e ckao, nao po-
dem tambem constituir objec9ao ao que exponho no texto essas :

formas duplas ou divergentes apresentam-se estranhas umas as


outras no espirito popular.
143

A nao podia escapar a ac9ao da lei


forimu-rio das girias

do menor esforyo, quo acha luminosa applicaaa no domi-


nio do espirito 1 , e da qual e uma consequencia a lei das

1
Como Maupertuis quern primeiro enunciou, com
e sabido, foi

:ipplicacao a mechanica, o principle da menor ac^ao, ligado no


espirito d'elle a concepc,oes teleo-theologicas, que modernamente
foram postas de lado. Vid. Wundt, Logik, i, 579, n, 262-264 e o escri-
pto por elle citado de A. Mayer, Geschichte des Princips der kleinsten
Action (Leipzig, 1877). Foi sobretudo Richard Avenarius quern
applicou o principle ao dominio do espirito no seu opusculo Philo-
sophic, alsDenken der Wdt gcmtiss dem Princip des kleinsten kraft-
masses. Prolegomena zu einer Kritik der reinen Erfahrung (Leipzig,

1876.) Todo organismo que trabalha adequadamente para um fim


deve realisar a sua tarefa com os meios relativamente menores. No
pensamento deve-se por tanto trabalhar com a possivel economia
de forca. Com rela9ao ao trabalho humano em geralum economista
formula o principle da seguinte forma: The fundamental principle
of human action the law that is to political economy what the

law of gravitation to physics is that men seek to gratify their

desires with the least exertion.') Henry George, Progress and Poverty
(London, 1882), p. 184.
O principle foi applicado a linguagem em differentes direcc,oes.
Max Miiller nas suas Lectures on the Science of Language. Second
Series (1864), explica a alteracao phonetica (phonetic decay) por
want of muscular energy* (p. 176), muscular relaxation)) (p. 177),
muscular effeminacy (p. 185), relaxation of muscular energy
(p. 197),tendence of language to facilitate pronunciation)) (p. 186).
Whitney falla de uma tendencia para a economia dos meios, para a

commodidade, no dominio phonetico, nas suas obras de linguistica


geral, p. ex. La vie du langage (trad, fr.), cap. iv, e consagrou a
:

questao um estudo especial The principle of Economy as a Phonetic


:

Force. Boston, 1877. Supplement. 1882. (From Transactions of the


American Philological Association.)
modo ordinario de considerar essa manifesta9ao da tendencia
para a economia na substituicao de sons que exigem maior esfoi^o
por sons que exigem menor esforc,o e refutado por Sievers, Grund-
der Lautphysiologie, (Leipzig, 1876), pp. 125-127, com quern con-
ziige
cordam os neo-physiologos da linguagem, nao admittindo esse prin-
cipio como exclusivo. Ja Steinthal em 1860 (Zeitschrift fur Volkerpsy-
chologiei, 119-120) fizera
as seguintes observa9oes Como notamos
:

nas melodias populares que um povo ora carece d'estes ora d'aquelles
144

tran^oes lentas: e com o menor esforgo, dentro das ten-


dencias geraes da linguagem e nao contra ellas, que as
girias se formam.

accordes perfeitamente harmonicos, assim se nega elle a admittir


na sua lingua determinados grupos de sons em virtude de certa idio-
syncracia. Acceitando isso completamente, sou todavia da opiniao
que os processes phoneticos, ate a altera^ao phonettca sob a influen-
cia reeiproca dos sons, dependent! em pequeno grau de condi^oes

puramente somaticas, organico-mechanicas, e sao produzidas menos


do que geralmente se julga pela forma de actividade e respectiva
posi9ao dos orgaos da linguagem. Essas relates somaticas parecem-
me ter ac9ao secundaria, emquanto reconhe90 a causa primaria da
altera9ao phonetica num
processo psychico. Se a altera^ao pho-
. .

netica resultasse somente de tendencia para a commodidade e eu-

phonia, comprehender-se-hia bem a influencia progressiva dos sons


(na assimila9ao), mas nao a opposta, a regressiva ; e todavia e esta
a mais frequente, a mais regular. Paul diz (Prindpien der Sprach-
geschichle, 1886, p. 54): E
de grande importancia ter sempre pre-
sente que a commodidade representa o papel de causa muito secun-
daria, emquanto o sentimento do movimento (bewegung <gefuhl) e sem-
pre o principio propriamente determinante. Kruszewski mantein
maior generalidade do principio da economia nos seus Prindpien der
Spracltentwickdung in Internal. Zeitschrift f. allgem. Sprachwissen-
scliaft (vol. i-v, vid. p. ex. i, 301-302). Cf. ainda Misteli, Lautgesetze und

Analogic mZeilschriftf. VdlkerpsycJiologiefXi, 370-1. 437. A tendencia


economica na linguagem e representada por alguns como vis iner-
tiae, applicando ao dominio psychico
a expressao allema Tragheit e
sua correspondente latina inertia, que na historia da meclianica nos
apparecem pela primeira vez com Kepler, a allema na sua Antwort
an Helisaus Roslin e a latina no quarto livro do Epitome Astrono-
miae Coper uicae, para exprimirem a incapacidade de se mover por
si que o grande astronomo attribue a materia. Elle que nos diz :

Soll nun diese proprietas iibei*wunden werden, so gehort ein Bewe-

ger dazu, in des Menschen Leib ein Seel, in der grossen weiten Welt
ein species immateriata, versans in actu motus, elle nao admittiria
essa transla9ao do conceito da inercia ao dominio psychico. Vid-
Emil Wohlwill, Die Entstelmng des Beharrungsgesetzes in Zeit. f
Volkerpsych. vol. xiv e xv (xv, 370-371). Nessa transla9ao, o conceito
experimenta todavia grande modifica9ao ou antes recorre-se aquella
expressao em psychologia para designar alguma coisa que se sabe
ser muito diversa do que ella designou em mechanica, por falta de
145

Nao se sente necessidade de crear um instrumento para


um fim a que pode adaptar-se com ou sem modificayao
um instrumento ja existente. A
conserva9ao das acquisi-
9oes humanas, modificando-se, accumulando-se e substi-
tuindo-se parcialmente, por trabalho lento, e a condiyao fun-
damental da historia. Para que o que surge de novo seja
recebido facilmente e preciso que se ligue por nexo claro ao

ja existente esse nexo pode ser externo (de forma) ou in-


;

terno (de materia). E assim que no dominio das institui9oes

politicas o partido liberal buscava mostrar no passado pre-


cedentes, como as antigas cortes, para o systema parla-

mentar, e conservava a realeza, ainda que reduzida a uma


sombra; e assim que na substituiao das antigas medidas
e pesos pelas medidas e pesos do systema decimal, o povo

come9ou por designar o metro como vara nova, o meio


kilogramma como arratel novo. No dominio da moda nao
se precede por saltos, mas por transi9oes insensiveis que le-
vam, por exemplo, dos vestidos de mulher cingidos a pelle,
do come90 do seculo, as monstruosas crinolines, que pouco e
pouco se foram reduzindo ate surgirem de novo os vestidos
cingidos a pelle e assim que os espiritos que se emancipam
;

do seu meio, tanto quanto e possivel essa emancipa9ao, levan-


tando-se acima dos preconceitos d'esse meio e descobrindo
novos horisontes ao pensamento, sao geralmente mal recebi-
dos no come90 ; sendo necessaria uma infiltra9ao lenta das

melhor termo, como faz Steintlial, Abriss der Sprachwissenschaft, i,

| 43, 59, 102, 117, (cujas observa9oes se modificam no seguinte).


Com razao diz Misteli (art cit. p. 437): Uma inercia do espirito,
tal como ha uma inercia da materia, e coisa que nao existe e contemn
uma contradictio in adjecto. Em vez de fallar de uma tal leide iner-
cia no dominio psychico e muito preferivel fallar de uma lei de
economia ou do menor esforqo. Karl Bruchmann occupa-se da lei
da menor ac9ao no dominio da linguagem, com referencia a parte dos
auctores citados nesta nota, no seu livro Psychologische Studien zur
Sprachffcschichte (Leipzig, 1888) pp. 177-185. 248-293 ;
as suas obser-

va^oes estendem-se ainda a rethorica e a esthetica.


10
146

suas ideias para que emfim elles cheguem a ser compre-


hendidos. Todavia se o habito tern uma importancia capital
nas coisas humanas, nao e de modo algum uma barreira
invencivel opposta a innova9ao *. Opera-se uma adaptayao
do nao habitual, do novo, ao habitual, segundo as leis da
appercepgao (no sentido da escola de Herbart) e nessa ada-
ptayao e que Avenarius ve a manifestayao da lei do menor
esforyo no dominio psychico.
E evidente que os formadores das girias nao procederu

consciente, reflectidamente, de modo que tenham em vista


a facilidade da propaga9ao dos seus productos entre os
outrosmembros dos grupos a que pertencem; elles obe-
decem aquella lei inconscientemente, de sorte que ella
domina nao so a propaga9ao, mas ainda a produc9ao.
Considerando as coisas superficialmente poder-se-hia ver
na abundancia de synonymos das girias um facto contra

Sobre o habito vid. P. Radestock, Die Gewohnung und Hire


1

Wichtigkeit fiir der Erziehung (Berlin, 1884), onde se acham reuni-


das interessantes observa9<3es de diversos auctores. C. Lombroso
leva ao exagero o conceito do habito na vida social no sen artigo :

Le crime politique et le misoneisme ou la loi do Vinertie dans le monrfe


moral in Nouvdle revue (fevrier et mars 1890) e depois no seu livro
sobre o crime politico, que nao tenho a mao. Como se ve do titulo
repete-se aqui o conceito da inercia com appHcaciio ao dominio
psychico, como nos psychologos citados em a uota precedente. S.
Merlino combateu as ideias de Lombroso num artigo La Neophobie
in Revue scienfifique (avril 26, 1890). Note-se todavia que Lombroso
escrevera Le misoneisme n'est pas loi de nature que quand Tin-
:

novation est trop radicale. Merlino da sua parte pensa que La


:

somme des sentiments philoneiques est toujours superieure a la som-


me des sentiments misoneiques. A
verdade e que o amor do novo
6 um movel iinportante
que as contradicc.oes apparentes se expli-
e
cam perfeitamente pela lei do menor esfor90. Esse amor, indepcn-
dentemente da necessidade, tern papel assas consideravel na forma-
9ao das girias.
Em toda a questao do philoneismo e do misoneismo nao se tern
tido em couta um lado importante: a fadiga que causa a monotonia
e que suscita a tendencia para a evitar pela variedade, pela inno-
vacao.
147

a theoria apresentada; para que produzir termos coin o valor


dos jd existentes ? Mas observa-se que esta em a natureza
mesmo das girias serem constantemente neologicas, pois
desdo o momento em que um termo se propagou alem dos
grupos para que foi produzido, deixou de ter valor. D'ac-
cordo com o que fica exposto devc, pois, dizer-se que nas

girias a manifestable do principio do menor esforyo nao


esta pois em a nao producga'o do novo. mas sim no modo
d'essa producgao, na ligagao do novo para com o existeiite.
H. Lotze dirigiu algumas objec9oesao principio da menor
acQao. Nas investigacoes, diz elle, que teem por objecto
os grandes habitos que caracterisam a acgao da Natureza,
trata-se muitas vezes de principios de economia que ella
observaria; e uma muito
ideia vaga que, ate no princi-
pio da menor acyao, nao obteve formulayao exempta de
equivoco. Ella nao come9a a tornar-se clara senao quando
se trata de fins para a realisagao dos quaes, em circum-
stancias dadas, diversos meios sao egualmente praticaveis,
de modo conduzam ao mesmo fim com maior
todavia que
ou menor despesa. Mas entao a medida a que se compara
essa despesa depende ainda de circumstancias que tornani
mais importante para nos a economia, quer de tempo,
quer
de massa, ou nos fazem proferir um modo de operar, de
que temos o habito, ao emprego de um novo procesto que
nos fatigaria. Pois, para re solver seguramente a questao
do principio da menor despesa, e preciso primeiramentc
fazer,na definiyao do fim, a indica5ao da direc^ao em que
a economia tern maior valor. E o que faz ver ja a ambi-
guidade da applica9ao d'essas ideias as acgoes naturaes.

Supposto que a Natureza mire a fins, a verdade e que nSo


os conhecemos e nao podemos indicar essa
direcgao da sua
economia necessaria; tudo o que affirmariamos talvez e
que ella nao e avara nem de massas, nem de for9as, nem
de tempo, nem de caminho e de velocidade, coisas todas
que nada Ihe custam, mas que ella e sobria de principios.
Tal e, com efFeito, a economia de que julgamos achar o tes-
temunho principalmente no mundo organico; pelas varia-
148

yoes de umpequeno numero de typos de conforma9ao, por


inexgotaveis modifica9oes do mesmo orgao, a natureza pro-
duz a diversidade das creaturas, e preve as suas diversas
necessidades aqui ella parece-nos, se e permittido a nossa
;

sabedoria limitada empregar essa linguagem, ser prodiga


de massas e de tempo e recorrer a longos rodeios para
realisar operagoes que pareceriam poder ser executadas
com maior promptidao, desviando-se da via typica costu-
mada. Essas ideias nao comportam applicagSo a mechanica,
cujas leis tern que cuidar nao de urn typo determinado de
effeito, mas da realisagao de todo phenomeno qualquer*.
E claro, em virtude mesmo d'essa exposigao, que no
dominio do espirito, onde ha finalidade real, que se torna
o typo de todas as outras fmalidades pensadas, onde se
tern indica9ao da direc9ao em que a economia tern mais
da menor acgao acha applicagao irrecusavel
valor, o conceito
na sua generalidade e nao menos se manifesta naquelle
;

dominio essa economia de principios de que falla Lotze e


da qual e um
exemplo mesmo a formagao das girias por
processes que nao divergent essencialmente dos que se
encontram na evolu9ao das linguas geraes.

O facto das girias serem construidas, no todo, com ma-


teriaes das linguas tradicionaes nao exclue por certo a

possibilidade de haver nellas alguns productos de crea9^o


original. A opiniao de que so no periodo primitivo da hu-
manidade fosse possivel a crea9ao de elementos da lingua-

gem tern sido enunciada por alguns auctores, mas carece


de fundamento. E sem duvida muito difficil de determmar
que palavras haja nas linguas modernas que nao prove-
nham por simples modificagao phonetica ou por derivagao

1
Hermann Lotze, Metaphysique, trad. fr. de Duval, revue par
1'auteur (Paris, 1884), 216.
149

de palavras de linguas antigas, porque embora achemos


nas primeiras um consideravel numero de termos irredu-
ctiveis a termos das ultimas, apesar de todos os esfoi^os
da sciencia etymologica, pode-se ser inclinado a crer que
nesses termos irreductiveis haja restos de antigas linguas

perdidas, ou ainda representantes de termos nao docu-


mentados das linguas antigas conhecidas ou por ventura
vocabulos modificados de tal modo que escondam a sua

origem a pericia dos investigadores. Todos os annos, de-


mais, se vae resolvendoum numero maior ou menor desses
enigmas. Todavia ha sempre um certo numero de palavras
que parecem de inteira creacao moderna, quer espontanea,
quer reflectida
1
.E bem conhecido o caso da palavra gaz,
inventada por Van Helmont, mas a que ainda assim os

esfo^am por achar uma etymologia Ha


2
etymologistas se .

termos populares ou de giria como especlonderifico, esta-


pafurdio, que parecem perfeitas invenyoes sem apoio, senao
muito vago ; no existente na lingua usual.
Na linguagem das creanas podemos achar tambem
crea9oes originaes, ainda que mais raras do que se poderia
3
suppor, muitas de caracter onomatopaico ).
Ha tambem observados casos de creaQao de linguas por
crean9as ;
ainda que nao exclusivamente com elementos
originaes
4
).
Deve ter-se em vista que as crean9as transfor-

1
Sobre a creaQao original moderna nas linguas usuaes, vid. Paul T

Prindpim der Sprachgeschichte, 2. a ed., cap. ix.


2 Vid. Scheler e Littre, s. v.
3 Vid. W.
Preyer, Die Seele des Kindes (Leipzig, 1882), pp. 277-
278; Steinthal, Abriss, 510, 532.
4 Ha
sobre linguas d'esse genera um trabalho de Horatio Hale
in Proceedings of the American Association for the Advancement
of
Learning, vol. xxxv, 1886, que so conhe9O pelos extractos dados por
Gr. J. Romanes, Mental Evolution in Man
(London 1888) pp. 138-143,
junto com uma um amigo do auctor d'esse
observacjio semelhante de
livro. Steinthal, Der Ursprung der Sprache, 4. a ed., dd noticia de
casos do mesmo genera, segundo leio numa noticia d'cssa
edi^ao,
que aindo nao vi.
150

inam as vezes singularmente as palavras da lingua ma-


terna, no sen som ou na sua signinca9ao. Uma que eu co-
nhe90 transform ava cafe em pavd, lenco em jusoj outra
applicava a expressao pipes que Ihe ensinavam por pio-
Ihos junto com a expressao meninao, que tinha primeiro
conhecido para designar um certo rapaz antipathico, isto e,
o composto pipes-meninao
para designar uma immundicie.
Entre outras creaoes originaes indubitaveis de crean-
gas, escolho a seguinte de observa9ao minha. Duas crean-
as, que fallavam ja correctamente a lingua materna, e

produziam frequentes vezes derivados para substituirem


as palavras correntes (p. ex. moscata por mosca) designa-

yam uns bonecos figurando soldados da armada ingleza


pelo termo falofa, que depois foi applicado por elles para
designar os recrutas, soldados novos (gaUuchos, na desi-
gna9ao popular) de carne e osso.
No calao, ou antes nos limites do calao e da linguagem
popular, sao raros todavia os termos que se possam consi-
derar innegavelmente como crea9oes originaes. Tal e fun-

fjdgd por philarmonica.


Na lista de Queiroz Velloso encontramos : cal.
fazer tefe-
tefe, fugir correndo. Tefe-tefe e uma expressao imitativa
que parece ter designado primeiramente, na boca popular,
as palpita9oes do cora9ao, agitado por um sentimento ou
por uma corrida.
Nas forma9oes imitativas referidas nota-se a reduplica-
yao syllabica, como em muitas outras populares do mesmo
genero; taes sao zum-zum; tris-tris; tlim-tlim; cu-cu, o canto
do cuco, o proprio cuco* pim-pam-pum (com varia9ao vo-
calica), jogo nas feiras que consiste em atirar bolas a uns
bonecos fixados pelo meio do corpo num arame, de modo
que ganha o que os faz volver sobre esse eixo tim-tim por
;

tim-tim (con tar), contar miudamente, ponto por ponto. Na

linguagem das amas e crean9as: tutu, corneta; bubu, agua;


pipi, gallinha; chichi, urina; beu-beu ou bau-bau, o ladrar
do cao, o proprio cao; me-me, o balar da ovelha, a propria
ovelha.
151

Algumas expressoes das girias ligani-se a antigas ono-


reuniao
matopeas, como fanfarra, lingua, na lingua geral,
de musicos que tocam instrumentos de cobre, verbo fan-
ant.
far basofiar, gabar-se, ostcntar valentia, fanfarrao,
hisp. fan/a, bazofia (vanterie). variante Uma
de fanfar e
fin far, dirigir a alguem urn remoque, etc. Com Littre creio
que farfante (do ital. furfante) deve considerar-se como
nuo tendo rela^ao etymologica com fanfarrao.

Relates do cigano com o calao

Como vemos de p. 46-49, a linguagem dos ciganos de


Portugal contem uin certo numero de termos formados pelos

processes que encontramos tambem no calao, e dos quaes


o mais frequente no cigano e o emprego de suffixos desfi-

gurantes. Entre os termos dos ciganos da Extremadura


colhidos pelo sr. Leite de Vasconcellos ha uma parte con-
sideravel que apresentam o suffixo -unclio. E de crer que,
ao passo que se va perdendo a memoria dos termos tsiga-

nos, a linguagem dos ciganos tome de cada vez mais o as-


pecto de uma giria.
A
separayao da lingua dos tsiganos das girias nao e
sempre facil. Assim o que neste artigo se designa como
giria dinamarqueza (mais exactamente jutica) pode tam-
bem considerada como tsigana. Distingue-se notavel-
ser
mente da giria allema 1 .))
Pott notou ja no gitano alguns termos da germania e
varias formagoes analogas as das girias, alem de certos
productos muito artificiaes, como ondinamo por hisp.
alamo, de ondila por hisp. ala, com troca do suffixo -ila por
-amo (de alamo), sendo ondila a sen turno derivado de hisp.

1
Miklosich, Bfitrfige zur Kenntiiixs der /Z/f/eintermundarlen, in.

Zigeiinerische. Elements in den Gaunerepracke Europa's in Sifzber.


LXXXIII, pag. 538.
152

onda, pela comparagao do voo da ave com o movimento


de nadar 4 .

Dasrelagoes dos ciganos com outros vagabundos, pedin-


tes, ladroes, resultou a introducgao no calao de urn certo
numero de termos de origem tsigana e especialmente cigana
ou gitana. A lista seguinte comprehende termos em que
essa origem e em geral certa, nalguns casos simplesmente
provavel. O uso de alguns d'esses termos acha-se bastante

generalisado.
Seguindo o exemplo de Miklosich, considero como tsiga-
nos nao s6 os elementos dos dialectos tsiganos, e em espe-
cial do cigano e do gitano, que sao de origem indica, mas
em geral todas as palavras que temos razao para julgar
trazidas pelos ciganos ate Portugal.
A primeira palavra de cada artigo e o termo do calao.
A abreviatura Voc. indica o nosso Vocabulario cigano 2 .

adtcar, ver. Cig. dicar, diquelar. Voc. Kothwelsch dicken,


ver. Miklosich, Beitr. ni, 541. Origem Indiana: sanskrito
drs, prakrito dzkkhami. Pott, Die Zig., n, 305. Miklosich,
Abhandl., VII, 201.
aguaruga, fim, extremidade, rol do esquecimento. Lembra
tsigano grego agor ponta, agore, na orla; tsig. rumeno agor,
fim ; tsig. hungaro jagor, fim tsig. bohemio agor, fim. Mas
;

o git. offerece formas mais afastadas gresiton, o ultimo


:
;

gresite, fim. Essas formas tsiganas ligam-se talvez ao


sanskrito agra. Pott., n, 45. Miklosich, Abhandl.^ vn, 163.

artao, artife, vid. pp. 110-111.


avelar, avezar, ter. Git. abelar, tener, poseer. [Cp. cig.
dbelar. Voc. Tsig. grego avdva, vir, tsig. rumeno av, vir;

1
Pott, Die Zigeuner, u, 38-43; cf. i, 64. Maio traz no seu voca-
bulario gitano alguns termos expressamente indicados como de
germania.
2 Nao
apresento as formas de todos os dialectos tsiganos, ligadas
as do calao, as quaes se encontrarao nas obras citadas.
153

bohemio avav, vir Origem Indiana : sanskrito ap,


tsig. ;

alcan9ar. Pott, n, 52. Miklosich, Abhandl., vn, 170-171.]


bagata, bruxaria. [Cp. git. baji, fortuna; penar baji,
to tell fortune; decir la buena aventura. BORROW. Tsig.

grego bacht (ch


=j hisp.), acaso, sorte, felicidade ; tsig.
rumeno bacht, felicidade. Pott, n, 398-9, que liga aquella

palavra ao persa bakht, fortune, luck, prosperity, feli-


git.

city, emquanto o persa


fora do seu lado ligado por Vul-
lers ao sanskrito bhang, frangere, dividere. Miklosich,

Abhandl., vn, 172.]


balsar, ladrar.Pode estar por bassar e ligar-se ao se-

guinte banza, pois no tsig. russo ha te bases, ladrar.


banza, guitarra. Git. bachani, guitarra; basno, gallo
(= cig. basno. Voc.). Tsig. grego basdva, gritar tsig. ru- ;

meno bos, soar, gralhar ; tsig. bohemio basavav, tocar, basno,

gallo ; tsig. russo te bases, ladrar ;


etc. Origem Indiana :

sanskrito bhas, pali bhas, fallar. Pott, II, 426. Miklosich,


Abhandl, vn, 176.
banze, gritaria, tumulto, algazarra. Parece ligar-se a
banza; vid. este.

basta, bata, mao. Cig. baste. Voc. Git. baste, bate, mano
Tsig. grego, rum., hung., bohem., escandinavo vast; tsig.
italiano vast; tsig. basco basta. Origem Indiana: sans-
krito hasta, pali, prakrito hattha, hindustani hath. Pott, n,
86. Miklosich, Abhandl., vin, 92.

bocachim, bocanhim, clavina, trabuco. Vid. pocachim.


brejina, cereja. [Ligar-se-ha a git. berji, bella? Git.
berjiviaj bellota (bolota), e uma ma traduc9ao do termo
hisp., que vem do arabe bellota, mas que foi interpretado
como se derivasse de bello.]

buldra, pudendum mulieris. [Ligar-se-ha a git. but, ano?


Pott, II, 422. QUEIROZ traz bunda, barriga; no Brasil bunda
signitica nadegas, podex; e talvez um termo de origem

africana].
calao, giria. Vid. p. 57 Em hisp. calo, lingua dos gita-
nos. De um dos nomes nacionaes dos tsiganos kalo, que
significa propriamente negro. Origem indiana: sanskrito
e pali kola,hindustani kola, sindhi karo. Pott, II, 106.

Miklosich, AbhandL, vm, 229.


calcorrear, correr. Vid. p. Ill n.
caleqo, quartilho. Cp. git. cale, cuarto, denario, moeda.
Pude ter influido no som port, calega.
calona, mulher desprezivel; propriamente cigana. De
calao, cigano. Vid. calao.

cangarina, cangra, gangarina, igreja. Cig. cangre, can-


ijueri, cangri, igreja. Voc. A
palavra encontra-se noutros
dialectos tsiganos. Miklosich,
AlhandL, vn, 231, compara
lembra que os
tsig. asiatico kangri, git. kangalla, carro, e

godos no seculo iv transportavam em carros imagens a


que prestavam culto. Cf. Pott, II, 150-151.
canguello, acanhamento, timidez. Git. canguelo, miedo,
recelo, temor; canguelar, temer, tarbar, recelar. MAYO.
-

Origem incerta. Pott, n, 125.

cardina, bebedeira. Git. curdd, embriaguez; curdo,, curdi,


ebrio. MAYO. Origem incerta, talvez persa. Pott, n, 128.
absolvi9ao; por na chala, afugentar; chalar-se,
chalet;

fugir; chaladoj amalucado, idiota (litteralmente a que se :

foi o juizo). QUEIROZ. Cig. chalar. Voc. Git. chalar, ir,

andar, caminar, marcbar; meter; pasar. [Cp. git. chala-

bvar; mover, inenear, agitar. Tsig. grego calavdva, ba-


ter. Origem indiana: sanskrito cat (causativo), mover,
bater contra, hindustani calna, bater. Miklosich, AbhandL,

vii, 185].

chibcde, adversario. [Cp. tsig. bohemio cibalo, juiz; tsig.

grego cibald, adj. fallador, palrador: tibano, s. albanez;


essas palavras proveem de tsig. Zip, cib, lingua. Origem
indiana: sanskrito gihva, pali givha^ hindustani dmbh.

]\Iiklosich, AbhandL, vii, 189-190. Com


relayao a forma
em e, cp. cig. dicle ao lado de dido, lenco; git. bare ao
lado de bard, grande banjole, bandido, ao lado de banjuU,
;

fonfarrao, etc.; busne ao lado de busno, estranho, etc.].


churre, joven. Git. surre, adj., anterior, antigo? A oppo-
sicao no sentido esta longe de ser um phenonemo raro.

Meu velho! diz-se por carinho a um rapaz.


155

<:hurinar, csfaqiu-ar. Git. churinar, acuchillar; churi, cu-

chillo,pimal. Cig. chori.Voc. Argot chouriner. Tsig. grego,


hung., bohem., eseand., basco curi, faca. Origem Indiana:
sanskrito: vhuri, churika, pali churika, prakrito Zhuri,
hind, churi, chura. Pott, II,
210. Miklosich, Abhandl, vil,
197.

cliseSf olhos. Git. clise, ojo, agujeru. O clise ya pandu-


reri, el ojo de la cerradura; eclisar, ojetear, ajujerear,
hcrir los ojos. MAYO. Tsig. grego klidt, kilitlf, chave; tsig.
luingaro kliil.in, fechadura. Do grego mod. gfctdt. Miklo-
sich, AbhanJl., vil, 242.
(corripio on corrupio propriamente, movimento rapido
giratorio grande actividade, lida. Esta palavra que nao e
;

termo de giria, mas sim um termo popular muito generali-


sado e talvez derivado do compere; mas lembra o git.
lat.

curripen, ejercicio, trabajo. MAYO. BORROW. Pott, II, 115).


casque, casa. Git. cosque, granja, cortijo. possivel que E
o termo tenlia vindo de Italia por intermedio dos ciganos.
Vid. p. 111.
dabo f pae. Suppuz primeiramente que fosse raodificayao
do tsig. grego dad, pae, git. dadd, tsig. rumenp dad, avo ;

todavia as formas do argot (p. 99) fazem-me hesitar.


Dad e de origem Indiana hindustani dada, avo, cp. sans-
:

krito tata. Pott, II, 308-309. Miklosich, Abhandl. vil, 198.


dica (a), perto, isto e, em logar de que se ve bem. De
adicar, vid. este.
empandeirado, preso, apanhado, agarrado. Fomos todos

impandeirados pela policia. Jornal SecuLo, n. 3:731


(19 junho 1892). Queiroz da a empandeirar o sentido de
matar. Git. oprimir, apremar, sujetar. MAYO. To inclose,
to tie, to shut. BORROW. Tsig. grego panddva, fazer ligar,
encarcerar, atar. Tsig. hungaro ^xifufeZ, ligar, fechar. Ori-

gem indiana sanskrito, pali bhand, armenio band., carcere.


:

Houve nietathese da aspiraao phand, pandh, Pott, II,


:

124. Miklosich, Abhandl. viii, 37-38. A raiz bhand esta

representada nas linguas germanicas por band, de que vein


port, banda.
156

endinhar, abonar. Gig. difiar. Voc. Git. diftar, dar, de-


riva do part. pass, dino da raiz da. Tsig. grego dava, part.
dino. Origem Indiana: sanskrito da, pali dZmi, dadami,
part, dinno. Pott, n, 300. Miklosich, Abhandl., vn, 199.
endromina. Vid. p. 111.
estache, chapeu.Gig. estache. Voc. Tsig. grego stadik,
fez, barrete dos turcos. Do grego mod. <ma<5i. Pott, II,
243. Miklosich, AbhandL, vm, 66.
estarinij prisao, cadeia. Gig. estariben, estaribin. Voc.
Alem das formas alii citadas, cp. git. estardar, estardelar,
encerrar, encarcerelar ; estardo, i, adj. preso, a. MAYO.
Germania mod. estaro, prison. BORROW, n, 148. Pott, 11,
246 que apresenta formas correspondentes de outros dia-
;

lectos tsiganos.

estribelho, tribunal. Git. estaribel, estaripel. Vid. cig.


estariben (Voc.) e o precedente estarim.

fela, cara. Nas phrases mostrar a fela, apparecer, e


:

mudar de fela, mudar de cara. QUEIROZ. Git. Jtlaj face,


cara. BORROW, que da tambem como da germ. mod.
no-lo

n, 148. MAYO nota-o como termo de germ. Etwa als Ge-

gentheii von: Profil? Pott, n, 394.


gandaiar, vadiar, etc. Vid. p. 73-81. Cp. git. garandar,
vagabundear. MAYO.
gajo, homem, que anda d boa vida libertino
sujeito, o ; ;

espertalhSo. Cig. gache. Voc. Tsig. grego gadzo, estra-


nho, nao cigano, pessoa, homem; tsig. rumeno gazo, ho-
mem, hospede, etc. Origem Indiana: sanskrito gaya, casa,
a gente de casa, etc. gadzo e propriamente um homem da
casa. Pott, u, 129. Miklosich, Abhandl., vn, 211-212.

gamar, furtar com


subtileza. Cig.jamar. Voc. Git.jamar,

jalar, comer. Tsig. grego chdva, comer. Ficou ja estabe-


lecida p. 102 a relagao semantica entre comer e furtar.
A gamar liga-se talvez port. pop. gramar, comer, engulir,
que deveria separar-se portanto de gramar, trilhar o linho;
mas cp. os sentidos de tascar. A palavra tsigana e de
origem indiana: sanskrito, pali khad, prakrito kha, etc*

Pott, n, 157-9. Miklosich, AbhandL, vn, 217-218.


157

ganiqos, dados. Bluteau. Cp. git. ganid, juego de dados.


Mayo, ganisardar, to gain. Ganar. BORROW. As palavras
git. proveem por certo do hisp. ganar. Pott, n, 145,
re-

produz ganisardar sem indicayao etymologica.


grane, grane, graste, cavallo, grani, egua ; grenhi, burro.
Cig. gani, grai, grani. Voc. Git. graste, cavallo; graf
besta, cavalgadura, cavallo; grasti, faca; grasni, egua. Tsig.
grego grast, gras, gra, gray, cavallo grastni, grasni, egua ; ;

etc. Origem armenia: grast, besta de carga. Miklosich,


Abhandl., vii, 216. Cf. Pott, n, 143-4.
gris, griso, frio. Cp. cig. hil, hir, frio. Git. jil, frio,
fresco. Mas gris, froid, ja no jargon do sec. xv (vid. p. 108).
Tsig. grego sil, frio. termo tsig. e de origem indiana:
sanskrito sita, sitala; pali sita, sitala. Miklosich, Abhandl.,

vm, 70. Pott, n, 231-232.


Iir6, janota. Cp. git. Zi7o, loco, extravagante. Miklosich,
Abhandl., vni, 1, liga-o a git. lillar tomar (litteralmente,
lilo, inderdicto), tsig. grego lava, part, lino, tomar. Cf. Pott,
n, 327. 340.
lodo, dinheiro, oiro. Tsig. grego lovo, moeda; love di-
nheiro ; tsig. alleniao lovo, tsig. inglez lovo, etc. A palavra
penetrou noutras girias, p. ex. Rothwelsch lowi, geld.
Origem incerta. Pott, n, 335. Miklosich, Abhandl., vm, 7 ;

Beitr., in,546; Abhandl., IX, 187, em que compara sans-


krito dopa, Abtrennung, etwa Abschnitt. No calao a pa-
lavra assimilou-se a port, lodo lat. lutum, no =
qual toda-
via alguem poderia ter visto a verdadeira origem do termo
do calao, por uma metaphora exprimindo
o desprezo pelo
tSo desejado objecto. verdadeEmo git. lama, plata, em

MAYO, parece confirmar essa interpreta9ao ; mas afigura-


se-me que ao gitano nao seria extranha a forma lodo,
cornquanto nao figure nos vocabularies que tenho presen-
tes, e que lama teria sido produzido como pendant a lodo,
erubora este se originasse de tsig. lovo.

Ligar-se-ha pelos processes examinados a


luca, carta.

p. 126 segg. a cig. lids (Voc.), git. lid? forma funda- A


mental tsigana parece ser liel. Pott, II, 339-340.
158

lumia, meretriz. Gig. lumi. Voc. Git. lumi, lumica, mu-


chacha, querida, manceba. MAYO. Tsig. grego liibni. Huro;
tsig. allemao liibni} etc. A palavra penetrou no Rothwelsch

lupni. Miklosich, Beitr. m, 546. Origem Indiana: sans-


krito lubh, desejar, lobha, cubiya, lobhin, desejoso ; avido;

pali lobha, avido, hindustani lubhna, ser ctibi9oso, amo-


roso. Pott, n, 334. Miklosich, AbhandL, vm, 7.

manes, homeiu; manesa, mulher; menesa, abbadessa:


prostituta (arg. menesse, p. 101). Cig. manu. Voc. Git. manu,
hombre, varon. Tsig. grego maniiS, homera, etc. A forma
do calao parece provir de uma cigana manus, que sugge-
riu a troca de us em es. Origem Indiana sanskrito ma-
:

nma, hindustani manus. Pott, n, 446-447. Aliklosich,


Abhandl., vni, 10.
mangue, eu. Cig. amanga, arnangues, mangue, mangues.
Git. mangue, me, mi. Tsig. grego amen] etc. Origem
indiana: sanskrito asman, pali amhe, hindustani ham, nos.

Miklosich, Abhandl., vn, 164-165.


marar, matar. Cig. marar,, mardar. Voc. Git. marar,
matar. Reflexos nos diversos dialectos. Origem indiana :

sanskrito marayati, elle mata, hindustani mama, ferir.

Pott, n, 450. Miklosich, Abhandl., vm, 11.

marrella, pao. Der. de cig. manro. Voc. Git. manro,


pan. Tsig. grego manro, etc. Cp., por causa da forma, cal.
parrella de parne (vid. infra). Origem indiana: sanskrito
manda, a camada superior saborosa de comidas liquidas e
de bebidas, mandha, uma especie de biscoito, pali marx/a.
Pott, 11, 440-442. Miklosich, Abhandl., vm, 10.
misto, bom. Cig. misto. Voc. Git. misto, bien, bueno.

Tsig. grego misto, born, etc. Origem indiana: sanskrito


mista, saboroso, doce; hindustani mitha, sindhi mitho,
doce. Pott, II, 459-461. Miklosich, Abhandl., vm, 15.
Pott nao considerou sufficiente essa etymologia que foi

primeiro apontada por Diefenbach e que Mikl. acceita.


mistico, bom, bello, janota; mistanyueiro, janota; mis-
tayo, acreditado. Ligam-se todos a misto ; vid. o art. ante-
rior. Cp. litterario mystico.
159

nanai, nada. Cig. nanais. Voc. Gil. nanai, no, de nin-


gun modo. Tsig. grego na, nao; duplicado ndna; nanay
=
nana isi, nao 6. No git. ha tambem a forma nasti, adv.
Origem Indiana: sanskrito na -\- dsti. Pott, I, 318. 322.
vm, 19.
Miklosich, Abhandl.,
pachacha, pudendum mulieris. Git. pachi, virgindad,
virgo ; pachibar, honrar ; espachilar, desflorar.MAYO.
Tsig. grego pakydva, crer, confiar, tsig. rumeno paid,
crer, patii, casamento tsig. bohem. patav, crer,
; git. pan-
chabar, pachabelar, crer. Miklosich, Abhandl., vm, 33
34, attribue-lhe origem Indiana: Aind. vergl. pratyayd,
Glaube, Vertrauen. sindh. pati, avg pat, Ehre; mas
Abhandl. vi, 66, da aquellas formas tsiganas entre as de
origem armenia: aarm. pativ, Ebre; patvel, ehren. As
formas armenias sao aparentadas com as indianas citadas.
Pott, n, 346-347.
paivO; cigarro. Cig. pajo por plajo. Voc. Git. placo,
plajorro, tabaco pracos (Pott, I, 106), praco (MAYO), p6.
;

Origem slava: mod. serbo, bulgaro, etc. prah, po.


slov.,

Pott, n, 361. Miklosich, Abhandl. , I, 32, vm, 51.


parnau, parne, parne^ parni; parneque, dinheiro. Cig.
parnau, parne. Voc. Git. parm, prata. dinheiro. Tsig.
grego pamd, branco; reflexos noutros dialectos tsiganos.

Origem indiana: sanskrito pandu, pallido, branco ama-


rellado. Pott, n, 359. Miklosich^ Abhandl., vm, 31.

piar, beber ; piela, bebedeira pielar-se, embriagar-se


; ;

pio, s. vinho; adj. embriagado. Cp. argot. pie, etc. p. 201, etc.
Cig. pillar por piyar. Voc. Git. piyar, beber; pile, pilli,

adj. ebrio. Tsig. grego pidva, beber; reflexos nos outros


dialectos. Origem indiana sanskrito pi, pali pi (pibati,
:

pivati), hindustair pma, beber, sindhi pianu. Pott, II, 342.


Miklosich, Abhandl., vm, 44-45. Da mesma ralz^i vem o
lat. bibere, d'onde port, beber. A forma pielar, d'onde piela,
e derivagao tsigana :
hungaro piyel.
peltra, pildra, cama. Git. piltra, cama. MAYO. BORROW;
o primeiro indica o termo expressamente como de germania ;

encontramo-lojanoutras girias (vid. p. 106); e possivel que


160

os ciganos o trouxessem para Portugal. Pott, n, 371, men-


ciona-o.

pirar-se, por-se na pireza, por-se no piro, fugir. Gig.


pirar. Voc. Git. pirar, pirelar, andar. Tsig. grego pirdva,
ir, tsig. rumen, pher, ir; etc. Origem Indiana: Hindus-
ir, viajar; phiranu, girar. Pott, n, 382.
tani: phirna,
Ascoli, Zig., 33. Miklosich, Abhandl., vm, 40-41.
plaustra, capa, capote. Gig. plasta, plata. Git. plasta,
plastami, plata, capa corta, talma. Tsig. inglez plasta,
plochta; tsig. allem. blasda, tsig. polaco plastos, etc.

Origem slava antigo sloveno


:
plasfo, polaco plaszczy, etc.
Pott, n, 368. Miklosich, Abhandl., vm, 46.

pocachim, clavina, trabuco. Gig. puca, pusca. Voc. Git.


puska, pruska, pruskatifte, pistola, cachorillo. MAYO. Tsig.
grego piiski; tsig. rum.pws&a; Origem etc. slava: serbo

puska, que a sen turno provem do allemao Buchse, ant.


alto allem. buhsa,puhsa. Pott, IT, 365. Miklosich, AbhandL,

vm, 51-52.
punida, palha. E por certo um alargamento do cig. pu.
Voc. Git. pus, paja, a que se liga pusano, cortigo (= cig.

pusofion). Tsig. grego pus, bus,, Stroh; etc. Origem in-


diana sanskrito busa, busa, palha ; pali bhusa, Hindustani
:

bhusl. Pott, II, 388. Miklosich, AbhandL, vui, 43.


raso, padre. Nao e inteiramente certo se a palavra se

liga realmente ao tsigano (vid. argot rase, p. 102). Cp.


cig. eragar. arajay, erajay. MAYO. BORROW. Tsig.
Git.

grego rasdy, sacerdote christao, mestre-escola, tsig. ru-


meno rasdy; tsig. hung., bohem., allem. e russo rdsay ;
tsig. escand. raso, etc. A forma do calao ligar-se-hia as-

sim a formas mais distantes geographicamente que as do


gitano, caso que todavia nao e unico. O termo tsigano e
de origem indiana duvidosa: cp. sanskrito rsi, pali isi.

Pott, n, 278-279. Miklosich, Abhandl., vm, 54.


ratanhi, retanhi, chave falsa, gazua. Git. rotuni, boca,
abertura, agujero. MAYO. Tsig. grego rutuni, nariz. Gr.
mod. oou9ouvt, gr. ant. cwScov, nariz. Miklosich, in, 43.

Pott, n, 281.
161

rupim, rico. Encontra-se tambem no argot (vid. p. 102).


Tsig. grego rup, prata; tsig. rum. rap, rupuno, adj. de

prata; tsig. bohem. rup, rupino, adj.; tsig. allem. rupp,


prata, Thaler. Falta no cigano e no gitano de mini conhe-
cidos. Origem indiana: sanskrito rupa, forma; rupin,
que tern uma forma, belloj rupya, adj. que tern uma for-

ma, s. ou prata amoedada, rupia pali rupa, Hindus-


oiro ;

tani rupa. Pott, n, 274-275. Miklosich, AbhandL, vm, 58.

rustir, comer. Argot roustir (pag. 102). Sera connexo


com as formas tsig. rum. ruS, ser mau; tsig. hung. ruSd,
encolerisar-se, rust'i, encolerisado ; tsig. bohem. rusav ;
rust' as, elle fez-se mau; tsig. escand. rosto, colerico?

Origem indiana: sanskrito rus, ruSta. Pott, II, 279. Miklo-

sich, AWiandl., vm, 58.


sarda, faca; sardinha, punhal, faca. Cp. git. serdafti, e
vid. p. 94.

tasca, taberna. Furb. tasca (vid. p.104). Talvez por


intermedio dos ciganos :
git. tasca., tasquera, taberna. MAYO.
telo, jumento (Albergaria-a-Velha). Cig. guer. Voc. Git.

gel, grel, asno, burro. MAYO, guel, ass. BORROW. Tsig.


grego kher, kfer, ftr, burro; tsig. asiatico kar. Origem
eranica kurdo ker. Miklosich, Abhandl., vn, 237. Sobre
:

a tr'oca de k e t, vid. Ascoli, Zig., index, p. 169. Miklo-

sich, Abhandl., IX, 186. 189.


tronga, prostituta. Git. tronga, barragana, manceba.
MAYO. A origem do termo 6-me desconhecida, mas e pos-
sivel que viesse pelos ciganos.

Como se ve da lista anterior alguns dos termos notados


do calao parecem provir, nao directamente de formas ciga-
nas ou gitanas, mas de formas tsiganas extrapeninsulares ;
o que pode ser devido a transmissao por tsiganos de outros

paises, que teem cruzado ou ate se teem estabelecido em


o nosso.

Alguns dos termos dados aqui como de origem tsigana


foram ja considerados como derivados de outras fontes;
11
162

assim banza foi considerado como de origeni africana, com-

quanto nao se provasse essa etymologia.


Schwob e Guyesse apresentam a conjectura de que a
inversao phonetica na germania (a que se deve juntar a
observada no calao) seja devida a influencia gitana. Como
vimos (p. 58), encontra-se na India esse processo; mas
como elle e muito frequente no hispanhol e no portugues,

nao precisamos para o explicar de recorrer a intervenyao


gitana ou cigana.
Ill

ESB(p HISTORICO E ETHNOGRAPHICO

Cancioneiro geral, colligido por Garcia de Resende,

come9ou a imprimir-se em Almeirim em 1515 e acabou de


o ser emLisboa Aos xxviij dias de setebro da era denosso
senhor Jesu Cristo de mil e quynhentos e xvi annos.
Uma das peas mais curiosas d'esse famoso livro e a
longa serie de apodos dirigidos ao proprio collector, a pro-
posito da sua proverbial rotundidade, por Affonso Valente,
pega que se encontra a p. 641 e segs. do tomo in da edigao
de Stuttgart, e a folhas 224 e segs. da priineira edicfio.
humor comico de Valente parece inexgotavel os termos :

de comparaao que Ihe surgem no espirito lembram a ma-


neira de Rabelais.
Entre outras coisas bastante difficeis de entender, le-se
na composigao mencionada:

Pare^eys hum pouco o frato,


preguador da vyda eterna,
Grega bebada, de parto,
antre cubas em tauerna.

Assim se acha exactamente, e com a mesma poutuayao,


na edigao de Stuttgart, o que prova que o sabio editor
164

Kausler nao comprehendeu ; pelo menos, os dois primeiroa


d'aquelles versos. Pelo systema das estrophes da satira de
Valeute, o priraeiro verso deve rimar com o terceiro; cor-

rige-se pois:

Pereceis uni pouco o farto


pregador da vida eterna,

o que e perfeitamente intelligivel. Valente coinpara Garcia


de Resende a um d'esses fartos e rotundos ecclesiasticos,
que pregam aos outros que cuidem das suas almas para
evitar as penas eternas e ganhar a gloria, emquanto elles

nSo se descuidam do corpo.


Resta saber o que e aquella grega bebada de parto,
antre cubas em tauerna aqui nao ha, ao que parece, in-
;

correcao de texto de outro lado nao e possivel admittir


;

que Valente empregasse ao acaso a palavra grega, visto


que elle se rnostra forte nos recursos da lingua, bom co-
nhecedor dos termos apropriados.
Diversas noticias mostram-nos que os tsiganos e em espe-
cial os gitanos e ciganos, isto e", os tsiganos de Hispanha

e Portugal, foram considerados originarios da Grecia. E


por essa razao que elles sao chamados gregos nas Consti-
tui9oes da Catalunha 1
Gil Vicente, na sua interessante
.

Farga das Ciganas representada ao muy to alto e poderoso


Rey D. Joao, o terceiro deste nome, em a sua cidade
d'Evora era do Redemptor 1521 a qual os meus leitores
,

encontrarao mais abaixo transcripta por complete, poe na


boca de uma das personagens as palavras :

Mantenga senhuraz y rozaz y ricaz.


De Grecia sumuz hidalgaz por Diuz.
Nuestra ventura que fue cuntra nuz.
Por tierraz estraiiaz nuz tiene[n] perdidas.

1
Jaubert de Passa, Essai Malorique sur les Gitanos in
les Annales des Voyages, t. xxxm (Paris. 1827), p. 337.
165

<
>s
tsiganos em geral diziarn-se vindos do Egypto o d'ahi

os nomes de gitano *, que teem na Hispanha, de Gipsies,

que Ihes dao os inglezes, de Tvycoi (Afyuwrtdi), usado pelos


gregos modernos, conjunctamente com T^tyyavot; mas 6
possivel que algnns bandos se
dissessem de origem grega.
Num livro muito curioso do seculo xvi, especie de pequena
encyclopedia ou cartilha, como as que alguns dos eruditos
mais distinctos de entao nao desdenhavam de escrever (lem-
bremo-nos da Cartilha do nosso Jo&o de Barros), intitulado
El Estudioso Cortesano de Lorencio Palmireno 2 ,
encon-
tra-se a seguinte passagem, em que se ve que havia fun-
damento para chamar gregos aos ciganos :

Que son Gitanos? Responde Esta ruyn gete, ano 1517,:

comengo en Alemana, adonde les Hainan Tartaros, o Gen-


tiles : en Italia Cianos. Fingem que salieron de Egypto
menor, y que tienen su perigrinacion por penitecia y para :

prouar esto muestra cartas del rey de Polonia. Pero mien-


ten, porque su vida no es de penitencia, sino de perros y
ladrones. Vn hombre docto, ano 1540, co muitos halagos
recabo dellos, mostrassen la carta del rey, y vio con ella
ser ya acabado el tiempo de su penitencia. Hablo con elles
en lengua de Egypto, dezian, que como auia mucho tiempo
que eran salidos de alia, no lo entendian. Habloles en
Griego vulgar, como hablan hoy en la Morea y Arcipelago,
vnos entendian, otros no ansi, que pues todos no entien-
:

den, senales, que la lengua que traen es fingida, y de la-

1
Em hispanhol empregou-se gitano no sentido geral de egypcio,
como, p. ex., na seguinte passagem do nosso Francisco Manuel de
Mello:
Que cerastes aleue, 6 aspid Gitano,
Desde mi halago, amene9o a tu vida?
Obras metricas, tomo n, p. 143 (Leon de Francia, 16(?5).

2 A um exemplar da edi^ao
Bibliotheca Nacional de Lisboa tern
feita En Alcala de Henares, en casa de Juan Iniguez de Lequerica.
Ano 1587. Nao 6 a primeira, que 6 nma raridade bibliographica.
166

drones para encobrir sus hurtos, como la girigonca de los


d
ciegos .

Palraireno um
respeitavel e eruditissimo humanista,
foi

professor de grego na Universidade de Saragossa, e as suas


palavras merecem todo o credito. Suppoz-se com razSo que
o hombre docto de que falla fosse elle proprio.

Significara, pois, a palavra grega dos versos de Valente


o mesmo que cigana?
Sabendo que os tsiganos teem fama de se darem a em-
briaguez nao restara muita duvida de que essa interpre-
tafio seja exacta 2 .

L' argent, diz, entre outros, Francisque Michel, sert


a

aux Bohemiens a satisfaire leur gout prononce pour 1'ivro-


gnerie homines, femmes, enfants, s'y livrent publiqueruent
:

en toute occasion ; ils en trouvent les moyens dans le gain


3
qu'ils font a tondre les mulcts, etc.
Uma quadra hispanhola diz:

Un gitano se murio
Y dejo en el testamento
Que le enterrasen en vina
Para chupar los sarmientos 4 .

El estudioso cortesano, fol. 35-36. No seculo xvir, Miguel Leitao


1

d'Andrada escrevia a respeito dos ciganos sendo Gregos que se


:

vieram fugindo dos Turcos se fazem jBJgipcios ou Gitanos. Vid. o


trecho inteiro d'esse auctor no fim dos Documentos do presente es-
tudo. Segundo uma communicacao particular de M. Paul Bataillard,
a mesma denomina^ao de gregos, dada aos tsiganos, encontra-se em
documentos hollandezes.
2 Esta
interpreta9ao da passagem de Affonso Valente foi publi-
cada por mim no jornal A Borboleta (Braga, typographia Lusitana)
de 1877. Num
artigo Origem dos ciganos, publicado in Posilivismo, i,
(Porto, 1879) 269-278, foi repetida essa minha interpreta^ao sem
indica^ao de fonte. Aproveito a occasiao para dizer que o auctor
d'esse artigo nada da de novo para a questao dos tsiganos, excepto
a invenQao absurda de que elles descendem dos Hyksos.
3 Le
pays Basque, cap. vii, p. 139.
4
Apud Colocci, Gli Zingari, p. 232. Vid. todavia o que se diz
mais abaixo com referenda aos eiganos de Portugal.
Se a minha conjectura e exacta, ternos na passagem de
Affonso Valente o mais antigo testemunho portugues, de
mim conhecido, acerca dos ciganos. A
ease segue-se o de
Gil Vicente na fai'9a alludida, que e o primeiro monumento
da litteratura propriamente dita em que figuram tsiganos.
Cerca de ura seculo havia de passar ate apparecer a Jita-
nilla de Cervantes (1G12), que e geralmente conhecido, com

esquecimento do nosso escriptor, como o primeiro que fez


4
emprego artistico de typos d'esse povo errante .

A
Farga dos ciganos e um documento precioso, traQado
coin evidente fidelidade, abstraindo da invenyao comica que
introduz aqui e alii no quadro alguns desenvolvimentos.
Entram quatro ciganas, Martina, Cassandra, Lucrecia,
Giralda, que manifestam logo o caracter importunamente
pedinchao das mulheres e creanas da sua racji. Fallam
um hispanhol modificado na pronuncia.

MART. Mantenga, fidalguz senurez hermuzuz.


CAS. Dadnuz limuzna pur la amur de Diuz;
Christianuz sumuz, veiz aqui la cruz.
Luc. La Virgen Maria uz haga dichuzuz,
Dadnuz limuzna, senuruz pudruzuz,
Tantico de pan, hare la mezura.
MART. preciuza rozica
2
seiiura,
,

El cielo vuz cumpla luz deseuz vuestruz.


CAS. Dadme una camiza, azucal colado,
Nieve de cira, firmal preciuzo.
Luc. Dadme una saya, senur graciuzo,
Lirio de Grecia, mi cielo estrellado 3.

GIR. Senura, sefmra, dadme un toe ado,


Antucha del cielo, sin cera y pavilo.
ruza nacida en ribera del Nilo,
La Virgen te traya buen sino y buen hado.

1 A Italia offerece jd no seculo xvi uma comedia, La ctngana,


de Gigio Arthemio Giancarli Rhodigino.Yid. Ascoli, Zigeunerisches,
pag. 122.
2 Na ed. de Hamburgo: rozua; na ed. de 1586 rozica.
3 Mi cielo estrellado & um cumprimento a pessoa a quern se dirige
a cigana e nao um apposto de Grecia, como ja se quiz ver.
168

Preparam-se para dizer a buena dicha :

Luc. Andad aca, hermanaz, y vamuz


A estas senuraz de granhermuzura ;

Diremuz el siiio, la buena ventura,


Daran sus mercedes para que comamuz.
CAS. Llamemuz a Claudio antes que nuz vamuz,
Carmelio, Auricio j haremuz fiesta,
Como hecimuz ayer por la siesta :

V6 a llamarluz y nuz esperamuz.

Veem os quatro ciganos, Liberto, Claudio, Carmelio, Au-


ricio e tractam de fazer trocas de cavalgaduras, querendo

receber, alem de animaes, algum dinheiro.

CLAUD. Cual de vuz otroz, seiiurez,


Trocara un rocin mio,
Rocin que bubo de un judio,
Ahora en pascoa de florez?
Y tengo dos especialez
Caballoz, buenoz que talez.
AUR. Senurez, yo trocare un potro
Que tengo, por cualquier otro,
Si mi volveiz mil realez.
CAR. Que dos burricos compr,
Moriscoz prietos garridoz ;

Ya loz hubiera vendidoz,


Mas antes loz trocare.
CLA. 6 senurez caballeroz,
Mi rocin tuerto os alabo,

Porque es calzado nel rabo,


Zambro de los piez trazeroz ;

Tiene el pecho muy hidalgo,


Y cocea al cabalgar.
AUR. Senurez, quereiz trocar
Mi burra vieja a un galgo?

As ciganas can tarn e danam.

MAR. No nuz curemuz desaz faranduraz.


CLA. Puez que quereiz, Martina, que hagamoz ?

MAR. Cantemos la fiesta antez que noz vamoz


A buscar luz sinuz a estas senuraz.
169

Cantiga

En la cosina estaba el asno


Bailando,
Y dijeronme, don asno,
-Que voz traen casamiento
Y os daban en axuar
<-Una manta y un paramiento,
Hilando.

Cantando e bailando ao som desta cantiga vao ds daraas

e pedem de novo esmola.

MART. Mantenga senuraz y rozas y ricaz.


Grecia sumuz hidalgaz por Diuz
1
De .

Nuestra ventura que fue cuntra nuz,


Por tierraz estranaz nuz tiene[n] perdidaz.
Dadnuz esmula, esmeraldaz polidaz,
Que Diuz vuz defienda del amur de engano,
Que muztra una mueztra y vende otro paiio,
Y pone en peligro laz almaz y vidaz.

Propoem-se a ensinar feitigos :

Luc. Senuraz, quereiz aprender a hechizo,


Que sepais hacer para muchaz cosaz ?
GIH. Ezcuchad aquello, senuraz hermuzaz,
Por la vida mia qu'ez vuestro servizo.
Luc. Si vuz, ruza mia, holgades con izo,
Hechizos sabreiz para que sepaiz
Los pensamientoz de cuantoz miraiz,
Que dicen, que encubren, para vueztro avizo.
MART. Otro hechizo, que pozaiz mudar
La voluntad de hombre cualquiera,
Por firme que este con fe verdadera,
Y vuz lo mudeiz a vuestro mandar.
GIR. Otro hechizo os puedo yo dar
Con que pudaiz, senuraz, saber
Cual es marido que habeiz de tener
el

Y el dia y la hora que habeiz de cazar.

*
Na ed. de Hamburgo Duz; na ed. de 1856 Diuz, como noutros
logares.
170

Dizem a buena dicha as damas :

CAS. Mustra la mano, senura.


Xon hayas ningun recelo.

Bendigate Diuz del cielo,


Tu tienez buena ventura,
Muy buena veutura tienez,
Muchuz bienez, muchuz bienez,
Un hombre te quiere mueho.
Otroz te hablan de amurez ;

Tu, seiiura, no te curez


De dar a muchuz escuto.
MAB. Dadnuz algo, preciuza,
CAS. Dadnuz algo, preciuza.
Puez que te digo tu sino,
Alguna poquita cuza.
Luc. Muztra la mano, ruciua.
Lirio de hermozura,
Dirte he la buena ventura.
Mustra ca, seiiura mia,
Ora mustra acina acifia.
Que mano, que sino, que flurez !

Que dama, que ruza, que perla !

For mi vida que por verla


Olvide loz miz amurez,
Veamuz que dice el siuo,
El recado que te vino
No lo creas, alma mia.
Que otra mas alegria
Te viene ya per camino.
Durmiendo tu, fresca ruza,
Te viene el bien por la mar.
Luego tienez el mirar
De doncella muy dichuza.
GIR. Diuz te guarde hermozura
Mustra la mano senura ;

Porne ciento contra treinta


Que de los piez a la cinta
Tienez la buena ventura.
Tu haz de ser despozada
En Alcazar de Zal :

Con hombre bien principal


Te vernas bien empleada.
171

MAK. Pintura de Policena,


Dame aca, dulce serena,
Esa mano cristalina.
Bueua diclia, perla fina,
Tienez la ventura buena ;

Tu has de ser alcaideza


Cierto tiempo en Monternor;
Tn marido y tu amor
Sera bien celoza pieza.
CAS. Nueva ruza, nueva estrella.
brancaz manoz de Izeu,
Tu cazaras em Viseu
Y ternaz hornoz de tella.
Alii haz de edificar
Un muy rico palomar,
Y doz parez de rnolinoz,
Porque todoz loz camiiioz
A la puente van a dar.
Luc. Diuz te guarde linda flor,
Bendito sea el senor
Que tal hermosura cria.
Mueztra la mano, alma mia,
Por vida del servidor.
Fiosanda cazaraz
Aqueste aiio que vem

En Santiago de Caeem
Mucho rica, mucho bein.
Buena ventura hallaraz,
Buena dicha, buena estrena,
Buena suerte, mucho buena,
Muchas carretas, senura,
Y mucha buena ventura,
Placiendo a la Madaleua
Que guarde tu hermozura.
GIR. Muestra la mano, mi vida,
Aguela en tierraz desiertaz ;

Dos personaz traez muertaz,

Porque erez desgradecida.


Tu casaras en Alvlto.
Senura, marido rico,
Muchuz hijos, muchos bienez.
Mucho luenga vida tienez,
Buen sino, bueno, bendito.
MAR. Mis ojos d'azor mudado,
Muestrame la mano, hermana :

mi senura Sant'Anna,
Que sino, que suerte, que hado !

Que ventura tan dichuza !

Tu, sefmra graciuza,


Teruaz tierras y ganadoz,
Cuatro hijos mucho honrados,
Mucho oro y mucha coza.
CAS. mi ave fenix linda,
Mi sibila, mi senura,
Dame aca la mano ahura.
Hermozura de Esmerinda
Tu tienez muchos cuidados,
Y algunoB desviados
De tu provecho, alma mi a.
Tienez alta fantasia,
E los mundos son mundados.
Un travesero que tienez,
De dentro del hallaraz
Un espejo en que veraz
Muy claroz todoz tuz bienez.
Luc. Dad acji, garza real,
Gridonia natural,
Dire la buena ventura.
Viva tu gran hermozura,
Que esta mano ez divinal
Unaz personaz te ayudan
A una coza que quierez ;

Estas son dambas mugerez


Y otraz dos te desayudan.
Date uu poquito a vagar,
Que aun estd por comenzar
Lo bueno de tu ventura :

Confia en tu hermuzura
Que ella te ha de descanzar.
Gm. Dad aca, Mayo florido,
Eza mano, Melibea 1
.

Por bien, senura, te sea

1
Na ed. de Hamburgo Eza mano melibea, como se melibea fosse
:

um adjectivo; e evidente que Melibea e um nome proprio, empre-


gado aqui como epitheto. e reminiscencia da Tragicomedia de Calisto
y Meliboea ou Celestina.
173

Buen marido, buen marido.


Na Laiidera cazaraz.
Nunca te arrepentiraz,
Y iraz morar a Pombal,
Y dentro on tu naranjal.
Un gran tesoro hallaraz.
El que ha de ser tu marido
Anda ahora trasquilado.
Mucho honrado, mucho honrado,
En muy buen sino nacido.
Naciste en bucna veiitura.
MAR. Huerta de la hermozura,
Cirne de la mar salada,
Diuz te tenga bien guardada
Y muy segura.
. CAS. Seiiuraz, con beuedicion
Oz quedad, puez no dais nada.
Luc. No vi gente tan honrada
Dar tan poco galardon.

Tornarao-se a ordeuar cm sua danca, e com ella se forao !


.

Nas pegas de Gil Vicente fallam castelhano personagens


muito diversas todavia aqui nao pode deixar de admittir-
;

se que essa lingua, com as suas deformagoes em verdade


nao generalisadas e uma particularidade interessante do
;

quadro. Os ciganos teriam vindo de Hispanha em tempos


recentes la ainda nSo tinham aprondido a pronunciar bem a
;

lingua do pais e nao teriam chegado a fallar a portuguesa.

1 A
Bibliotheca Nacional de Lisboa nao tern a primeira
das obras de Gil Vicente, a qual num exemplar da Bibliotheca
de Goettingen serviu de base a. edicao de Hamburgo, de que por
isso me servi, confrontando-a com a segunda edi9ao (Lisboa, 1586).
A orthographia em extreme caprichosa d'esta e o nao poder deter-
ininar ate que ponto essa orthographia reproduz a da primeira edicao,
levou-me a reproduzir com pequenas modifica^oes a licao de Ham-
burgo. E muito pouco provavel que Gil Vicente tentasse represen-
tar fielmente a pronuncia cigana. Na edi9ao de 1586 o s hispa-

nhol, nao final de syllaba, acha-se representado muitas vezes por


c (e, i) ou .
174

De facto as noticias historicas ate hoje conhecidas estao


de accordo com esta interpreta9ao.
Um dos melhores conhecedores da litteratura relativa
aos tsiganos, Paul Bataillard, citou um documento que se

julga ser o mais antigo com respeito aos tsiganos na His-


panha, e no qual se refere a chegada a Barcelona, a 11
de junho de 1847, de uma multitud de Egypcios, que
d'alli Be espalharam, segundo a mesma fonte, pelo reino
4
vizinho .

Foi muito provavelmente no Alemtejo que Gil Vicente


estudou os ciganos a far9a transcripta foi representada
;

em Evora, como viinos. Tendo penetrado em Portugal, sem


da Extremadura hispanhola, os ci-
duvida, pela fronteira
ganos achavam a provincia do Alemtejo excellentemente
adaptada ao seu modo de vida, para centro de irradia9a"o
de suas excursoes. Os grandes espayos despovoados d'essa
provincia, os seus matagaes, protegiam-nos contra as per-
segui9oes de que em breve se tornaram objecto.
Kas
cortes de 1525 ou 1535 ou nas duas (os documentos
nSo nos permittem resolver ao certo este ponto) pediram-
se ao rei providencias contra os ciganos, o que motivou a
2
lei de 1538, precedida do alvara de 1526 . Por essas dis-

posi9oes legislativas vemos feita distinc9LO entre ciganos


e pessoas que viviam a maneira dos ciganos, algumas
das quaes eram naturaes do reino; por certo vagabundos
estranhos aquella ra9a e nao representantes de uma velha
camada tsigana do nosso pais, porque nao ha nenhum dado
historico ou supposi9LO bem fundada que nos auctorise

1
P. Bataillard, De Vapparition. et de la dispersion des Bohtmiens en
Europe in Bibliotheque de VEcole des Charles, 1844, p. 529. Idem,
Les Gitanos d'Espagne et les Ciganos de Portugal in Compte-rendu
de la 9* Session da Congres international d'anthropologie et d'archeo-
logie prehistoriqucs en 1880. (Lisbonne, 1884), p.
501. J& anterior-
mente Henry se servira d'esse documento in Mem. de la Soc. des an-
tiquaires de France t. x (1834), apud G. Lagneau, num artigo abaixo
citado (p. 184, nota 1).
2 Vid. Documentos n. os 1 e 2.
175

a pensar que a primeira vinda de ciganus para Portugal


fosse anterior do muitos annos ao fim do seculo XV.
Em Gil Vicente e nos mais antigos documentos legisla-
tives por mini reunidos em appendix a esta parte, acha-se
fixado o nome de ciganoSj facto curioso, pois em Hispanha

gitanos e o nome preferido. Nem urn nem outro 6 nome


nacional dos ciganos, que entre no's se chamam cales (sing.
cold, fern, calli / vid. Voc.) 7
talvez rons on rones (vid. ron

Voc., e romi).
A forma portuguosa cigano correspondem as seguintes
estranjeiras rumeno cigan; bohemio (tcheque) cigdn, cin-
:

gdn, cikdnj magyar cigany, bulgaro acigann'b^ aciganinb,


cigawb; grego medio araiyjiavcc, To-iyyavoc; em documentos
latinos da Grecia acinganus ; italiano zingano,
zingaro,
allemao zigeuner. No
hispanhol occorrem raramente as
formas cingalo, zingaro, por imitayao directa do italiano.
Como a forma portuguesa se approxima particularmente
das formas da Europa oriental e central, e um problema

por que caminho ella ca chegou. rnais natural era que


imitassemos ou os hispanhoes ou os italianos.
As denominayoes de gitano * e de egypcio 2 forarn sempre
entre nos puramente eruditas.
Nenhum documento legislativo attribue aos ciganos de
Portugal industries de metaes, ou outra qualquer licita,
excepto a de contratadores e tratadores de cavalgaduras.
Se os bandos que se estabeleceram em o nosso pais conhe-
ciam a industria de caldeireiro, cedo a perderam. Miguel
Leitao d'Andrada exprime a respeito d'elles o desejo:
que nao fossem ferreiros, que so vsao a fim de fazer ga-
zuas e instrumentos de roubar 3 .

1
Empregada, por exemplo, no Doc. n. 16. Outros traslados do
mesmo doc. teem sempre ciganos.
2
Usada por exemplo nas Constituigoes synodaes do Arcebispado
de Braga de 1639, XLIX, 1: E declaramos que os que
pedem aos
Egypcios Ihes digam sua boa, ou ma fortuna, peccao gravemente.
3 Vid. o extracto da Miscellanea d'esse auctornofim do
Appendix I.
170

Da organisa9ao social dos ciganos nada nos dizem tam-


bein esses documentos. A
julgar por uma passagem de Joao
de Barros, que todavia falla de modo muito geral, elles
teriam condes 4
.

Pouco nos dizem as disposi9oes legislativas dos seculos


xvi a xvni sobre a vida dos ciganos.
Nas cortes de 1525 ou 1535 accusaram-nos de muytos
furtos que fazem e feytiyarias que fingem saber 2 Do al- .

vara de 1579 se deprehende que elles procuravam viver


juntos em certos bairros e tinham vestuario particular, a que
se allude tambem noutros documentos posteriores 3
. A lei

de 1592 prohibe-os de andaram vagabundos e de viverem


em ranches ou quadrilhas *. A provisao de 1573 mencionava
como crimes dos ciganos amuitos furtos e outros insultos
e delitos, de que o povo recebe grande oppressao, perda
e trabalho 5 No alvara de 1606 esses crimes sao roubos
.

e damnos que fazem aos vassalos com geral escandaloS.

1
A
proposito dos costumes dos calandares da India, diz o nosso
liistoriador como homes santos nao sao buscados, ne os tocao. Nos
:

tepos das guerras elles sao os que de Reino a Reino levao todas as
cartas, e avisos, e os que passao pedraria furtada aos direitos dos
portos. E posto que estas cousas, e outras peores se saibao delles,
tern para si, fizer mal, que fica escomugado, e perdido do
que Ihes
corpo, e da alma. A
parte onde se acha mais numero destes he no
Reino de Delij, porque he como hum centro daquellas Provincias
de Asia, aonde concorre de todas as iiasoes, e muitas vezes andao
em hua copanhia mais de dous mil, os quaes posto que sejao de
differentes linguas, co a conversacao que hus co outros tern nestas
suas peregrinacoes, que he hum dos votos de sua regra, todos se
entedem. Nao entrao nas cidades, mas ao modo dos Cyganos que
andao nesta parte de Europa, pousa fora do povoado, e alii Ihe traz
a gente do povo sua esmola. E quando assi anda grande numero
delles elegem hum a que obedecem a maneira que os Cyganos fazem
a seu Conde. Decada iv, 5, 5, ed. Lavanha, 1615.
2 Doc. n. 2.

3 Doc. n. 6.
4 Doc. n. 7.
5 Doc. n. 6.
6 Doc. n. 12.
177

O alvara de 24 de outubro de 1647 e o documento le-

gislative que contem mais particularidades que nos intc-

ressam 1
. Nelle se faz referenda ao vestuario, aos habi-
tos de mendicidade, a lingua (gerego^a), a buena dicha,
as trocas de cavalgaduras, e aos jogos de corriola. Segundo
Moraes e Silva, o jogo de corriola faz-se enrolando uma
nta larga dobrada e mettendo nas suas voltas um ponteiro,

que, para se ganhar, deve ficar preso ao desenvolver a fita.


Este jogo permittia fraudes e deu logar por isso a phrase
cair na corriola, que significa acair nuni logro, deixar-se
enganar .

As penas comminadas aos ciganos vao num crescendo


desde o primeiro documento legislative conhecido ate 1592.
alvara de 1526 ordena simplesmente que saiam do reino ;
a lei de 1538 ordena a expulsao, depois de terem sido

ayoutados, com bara9O e pregao; as leis de 1557 e 1573


accrescentam as penas com gales; emfim a lei de 1592
mandou applicar a pena capital aos que nSo saissein do
reino dentro de quatro meses, ou nao se avizinhassem nos

logares. Nas leis posteriores desapparece, porem, a pena


de morte, ate 1694, para desapparecer de novo.
As feiti9arias, a buena dicha, a cartomancia, a irreli-
giosidade dos ciganos, deveriam apparentemente ser mo-
tivos para que a Inquisi9ao nao Ihes poupasse persegui9oes.
Nas minhas investiga9oes nao consegui todavia encontrar
mais que um processo inquisitorial em que seja re uma
mulher d'essa ra9a e nenhum em que seja reu um calo.
Esse processo 2 nao tern outro interesse alem do que resulta
de nos mostrar em ac9ao a pequena feiti9aria das ciganas
para burlar um pobre homem, que, receoso, a vae denun-
ciar. Garcia de Mira, a cigana processada pela Inquisi9ao

em 1582, fez entre outras coisas, apparecer a figura de


um defunto num papel posto em agua. Segundo a sua

1
Doc. n.o 16.
2 Doc. n. 21.

12
178

confissao servira-se para isso dc pedra hume, com que


bruuira o papel. Os inquisidores, nao achando no caso a
unha de Satanaz e interessando-os pouco os segredos da

chimica cigaua, contentaram-se com reprehender a malher,


fazer-lhe restituir o dinheiro que recebera e pagar as
custas do processo. A
cigana todavia burlou sem duvida
o santo tribunal; se de facto as testemunhas viram o que

disseram, Garcia de Mira serviu-se de alguma tinta sym-


patbica, cujo segredo nao quiz re velar.
Esse processo e por ventura o primeiro no genero que
se faz conbecer das Inquisiyoes de Portugal e Hispanba.
Borrow diz nao ter encontrado nenhum exemplo de inter-
ferencia da Inquisiyao de Hispanba com OB gitanos e bugca

explicar esse facto, a primeira vista singular, com uma


gente, cujos costumes causavam por certo horror aos bons
catbolicos peninsulares, que nao podiam ver nelles se nSo

atheus, vivendo em peccaminosa concubinagem, encanta-


dores e adivinbos 1 . auctor inglez communica uma con-

versayao com um velbo ecclesiastico, que fora inquisidor,

personagem talvez de inven9ao do auctor, que Ihe da as se-


guintes razoes da tolerancia inquisitorial para com os gita-
nos, que, saidas ou nao da boca de um verdadeiro ex-qui si-
dor, me parecem corresponder a realidade dosfactos: In- A
quisi9ao olhou sempre para elles com muito desprezo para
que se desse ao mais leve trabalbo por sua causa; porque
como nenbum perigo podia derivar dos gitanos, quer para
o estado, quer para a igreja romana, era materia de per-
feita indifferenga para o santo officio, se elles viviam sem

religiao ou nao. O santo officio reservou sempre a sua co-


lera para gente muito differente: os GiUnos foram sem-
pre gente barata y depreciable*^. Borrow accrescenta por

1
Vid. p. ex. Discurso del Dr. Sancho de Moncada, cit. a p. 92,
Quiikmes, Discurso contra los gitanos (Madrid, 1631), apud Bor-
row, i, 158-160 e o extracto da Misc^Uanea de M. Leitao d'Andrada,
no fim do Appendix I.
2
Borrow, i, 163-164.
179

sua propria conta que a religiao foi apenas mascara com

que sc cobriam os verdadeiros motives das perseguicoes


religiosas, motives que eram a cubiQa e a avareza. Nao
hvi trio
longe; sem negar esses motives, nao posso todavia
deixar <leroconhecer que outros existiam muitas vezes. O
caractor accommodativo dos ciganos, que ?
em caso de ne-

cessidade, sc casariam catholicamente, baptisariam osfilhos,


iriam a missa e a confissao, e confessariam, como Garcia
de Mira, que as suns leiticarias eram apenas embustes, em
que o principe das trevas nao tinha a minima intervencao,
contrilyiiam, com a miseria d'essa gente, para que o famoso
tribunal ecclesiastico nao cuidasse d'elles. Os atheus, os
sectaries professes, os feiticeiros e feiticeiras que confes-
Bavam ter feito pacto com o diabo eram muito mais inte-
ressantes para os inquisidores.
O docurnento mais antigo conhecido em que figura urn
cigano com nome portuguez (Joao de Torres) e a provisao
de D. Sebastiao de 1574 .

Ja no seculo XVI alguns ciganos tinham passado ao que


parece a vida seder,taria; a lei de 1592 falla-nos de ciga-
N
nos avizinhados 2 . O alvara de 1606 prohibe que se Ihes

passem cartas de vizinhan9a, como faziam os corregedores


de Lisboa 3 Outros documentos mencionam provisoes que
.

eram dadas a alguns para andarem ou estarem nestes rei-


4
nos, taes sao a provisao de 1573 7
e a carta de Andre de
5
Albuquerque de 1655 .

A
julgar por esse ultimo documento, eram naquella epo-
cha muito poucos os ciganos que havia no Alemtejo e esses
nao andavam em vida errante, em quadrilhas mas e de 5

crer que muitos escapassem ainda as investigaQoes poli-

ciaes, grayas as condi9oes particulares da provincia. Ou

iDoc. n.5.
2 Doc. n. 7. Vid. tambem os docs. n. 8 e 9.
3
Doc. n." 11.
4 Doc. n. 6.
5 Doc. n. 20.
esses ou novos bandos vindos de Hisp.anha davam depois
logar a publica9ao de outras leis, que evidentemente nao
tiveram a efficacia que pretendiani, porque elles reappa-
recem serapre de novo onde se julgava te-los extinguido.
Nern tudo nos documentos que reuni colloca os ciganos
a uma luz desfavoravel. A carta do original e energico

procurador da cbroa, no tempo de D. Joao IV, Thome Pi-


nheiro da Veiga, de 1646 1 e o alvara d'esse rei de 1649 2
,

revelam-nos um
facto esquecido, embora do maior interesse

para a historia q caracteristica dos ciganos.


Mais de 250 horuens d'essa ra9a se acharam alistados
no exercito portugues, desde a restauragao do reino, ser-
vindo nas fronteiras com zelo e valor com que ja forao
muitos apremeados.
Thome Pinheiro da Veiga, com a superioridade do seu
espirito, livre de preoccupa9oes de ra9as, castas, classes
e fidalguias de sangue, aproveita o caso d'aquelle pobre

cigano que serviu a sua patria adoptiva tres annos con-


tinuos com suas arinas e cavallo a sua custa, sem soldo ,

combateu valerosamente no campo, ate deixar a vida para 7

o antepor ao d'aquelles, nao poucos, que d'esse mesmo

campo ainfamemente fugiram, a vista dos que exfor9ada-


mente morreram ou pelejaram e ao dos que vao as fron-
teiras, como a Ormuz, Malaca e Sofala, a veneer soldos e

riquezas, com muitas condi9oes, pedindo soldos atrasados,


devidos ou nao devidos, sem servir a sua custa.
Esse facto basta para resgatar a ra9a cigana do opprobio
de mais de quatro seculos e para nos fazer pensar em
chamar os seus actuaes descendentes, por uma politica mais
racional e humana que a dos nossos antepassados, ao con-
vivio da civilisa9ao. Os tempos novos trouxeram umagrande
tolerancia sem duvida mas essa nao basta.
; cigano outlaw
subsiste ainda subsiste ainda o seu modo de encarar o es-
;

i
Doc. n. 15.
^ Doc. n.o 18.
181

tranho corao uma presa. E precise que elle ven9a o espao


das
que o separa da sua concep9ao primitiva das relayoes
gentes para desapparecer com a sua individualidade
ethnica
em o nosso meio. A
boa politica nSo pode deixar existir,
a titulo de curiosidade ethnologica para o estudo dos es-

pecialistas, um punhadode individuos que nao se subor-


dinani a organisagao social do pais em que vivem, obe-
decendo a habitos tradicionaes, mas que de nenhum modo
sao absolutamente refractarios ao progresso e teem dotes
naturaes que os podem tornar proveitosos.

estudo anthropologico e ethnographico dos ciganos


offerece grandes difficuldades, em consequencia do cara-
cter desconfiado e supersticioso d'essa gente. Pires affir-
ma-me que elles nao se deixariam medir e
foi por via

indirecta que elle obteve


pouco um
de cabello de um.
Todavia se eu pudesse viajar algum tempo no Alemtejo
alguma coisa conseguiria, recorrendo ao auxilio de um
d' esses proprietaries a quern os ciganos sao gratos pela

protec9ao que d'elles recebem. Mas sem um subsidio do


estado ser-me-ha impossivel proceder as investiga9oes que
tenho em vista. Pelo momento tenho que me contentar no

que respeita ao typo physico, com os dados obtidos pela


simples vista, ja por mim, ja pelos meus collaboradores ?
e no que respeita aos caracteres psychicos e aos costumes

principalmente com as observaQoes que me ministraram.

Typo physico. A estatura dos ciganos e" varia, como


tenho verificado nos exemplares que por acaso tenho en-
contrado. L. de Vasconcellos acha-os muito altos, alguns
at6 agigantados. Pires, que primeiro me indicara essa
estatura como mais que regular, modificou a sua observa-

yao numa feira de Villa Vi9osa, onde viu grande numero de


ciganos, e classilicou a maioria d'elles como de estatura
regular. Mas o que entende elle por estatura regular?
182

A experiencia tem-me mostrado que o que entrc nos se


chama estatura regular se approxima ou coincide
(sobre"
tudo de cima para baixo) com o que os anthropologos
admittem como a estatura media, e que vein a ser l m ,B5 1 .

1
Vid. P. Topinard, Elements d'anthropologie gfnerale (Paris,

1885), p. 463. Como e que se estabelece o typo mental da estatura


media ou estatura regular dos observadores a simples vista? Pa-
rece que esse typo deve variar segundo os paises e depender da
estatura mais frequente de cada povo. Qual e essa estatura no povo
portugues? Faltam-nos dados de investiga9ao para poder respon-
der a essa intermga^ao. Segundo o art. 69. de lei do recrutamento
de 12 de setembro de 1887, sao iscntos do serviso militar os que
tiverem menos de 1"',54 de altura para o exercito ou l m ,50 para a
armada a mas trata-se aqui de um minimo, nao de uma media. Pelos
;

Mappas do servigo do recrutamento de 1888 e 1889, publicados no


Appendice ao Diario do Governo, i890, n. 21 e 1891, n. 10, vemos
que foram inspeccionados no primeiro d'aquelles annos, no continente
e ilhas. 63:074 mancebos, dos quaes 1:436 tinham menos de l m ,50
de altura, 2:902 de l m ,50 a l m ,53 e 59:336 l m ,54 ou mais; no segundo
d'aquelles annos foram inspeccionados 45:535, dos quaes 2:259
tinham de altura menos de I 01 ,50, 2413 de l m ,50 a l m ,53 e 41:867
l w ,54 ou mais. Estes dados sao insufficientes para resolver a nossa

questao. Bom fora que o servi90 da inspecQao organisasse tabellas


contendo o numero dos inspeccionados repartidos pelas cifras de
estatura, de centimetre em centimetro.
Conclue-se, pois, facilmente a difficuldade de interpretar as noti-
cias dos auctores, que, sem mediQoes exactas, nos fallam de homens

altos, de estatura media, etc. A. Hovelacque et Herve, Precis d'an-

thropologie (apud G. Cora in Das Ausland, 1890, nr. 31) consideram


os tsiganos como pertencendo aos povos de estatura elevada, pois

alguns attingem lm
,74; outros observadores attribuem-lhes esta-
tura media (Cora 1. c.): de que proveem essas differenQas de esti-
mativa? Dos observados ou dos observadores? As conduces de
vida podem influir para a differencia9ao das estaturas. A miseria
tern ac9o depressiva sobre a estatura. Uma mudanca de regimen
alimentar basta para produzir num curto espa^o de tempo o abai-
xamento do nivel da estatura geral de um grupo ethnico sujeito
a essa mudan9a; vid. os exemplos notaveis dados por Kostlin in
Das Konigreich Wurttemberg. Zweiter Band. I. Abtheil. Das Volk,

p. 59-60.
Kin genii o cigano nao 6 inferior a essa estatura e excede-a
rnuitas vezes. E magro, comquanto de apparencia robusta,

quando novo de raovimentos faceis, ageis. Nas nmlheres,


;

inaisbaixas, a raagreza e maior; a cintura delgada, os


movimentos ainda mais ageis que os dos honiens.
A cabe9a e geralmente caracterisiica nas principaes par-
ticular idades. Cobre-a um cabello, na mocidade, farto, ne-
gro como azeviche oji, se se prefere uraa
comparagao jd
usada, como as pennas do eorvo,
caindo direito, isto e,
nao ondulado, perfeitamente scmelhante ao dos canarins
e que elle usa bastante comprido. A
forma da cabeca nao
dd inspecoes rapidas e pouco numerosas) a
(a julgar por
impressao da franca dolichocephalia, nem da franca bra-
chycephalia, o que nSo destoa da ob&ervacao dos anthropo-
logos que poem o craneo tsigano nos limites da mesati-

cephalia e da sub-dolichocephalia. Apesar do cabello, n&o


se apresenta essa cabega em geral como grande, antes

produz a impressao contraria.


O rosto e comprido, de macas geralmente um tanto salien-
tes ; enquadrado nos homens por uma barba cerrada ou
em patilhas, negra como o cabello e as sobrancelhas, que
sao bem accentuadas o mento em geral arredondado mas
; ;

nalguns exemplares um tanto agudo.


Os olhos sao niuito negros ? nmito vivos; nas ciganas
justificam ds vezes o que se diz do torn rnysterioso, alter-
nativamente melancholico e alegre dos olhos das mulheres
de outros ramos do povo tsigano.
nariz e aquilino ou recto, nao muito saliente, de dorso
ora agudo, ora um pouco achatado.
A
boca, pouco rasgada, deixa ver duas fileiras de den-
ies bem conforniados e dispostos, de grande brancura.
A tez e trigueiro-pallida nuns, quasi negra noutros, ja

por ser a cor natural, ja pelo eiFeito do ardor do sol.

A pelle e aspera. Excepcionahnente apparecem ciganos


mais claros.
Os pes e as niaos sao pequenos segundo alguns obser-
vadores. Pires na resposta a esse j)onto do questionario
184

que Ihe dirigi escreve grandes, o que concorda em parte


com as minhas observaoes pessoaes *.
Segundo Pires, o typo dos gitanos e o mesmo dos ciga-
nos. typo de uns ciganos hungaros, caldeireiros, vistos
pelo mesmo observador, em maio de 1883, perto de Borba,
era mais fino que o dos ciganos e gitanos 4 .

L. de Vasconcellos diz com referencia as mulheres ci-

ganas que viu no Cadaval em 1887.e


as que viu na feira
de S. Joao em Evora em 1888 que sao feissimas. As que
eu tenho visto eram feias, mas a immundicie e os farrapos
que as cobriam contribuiam sem duvida para augmentar
essa impressao. Mas outros observadores, entre os quaes

algumas damas, dizem-me terem visto algumas (nas Caldas


da Rainha no Algarve, etc.) bom'tas, uma ou outra ate digna
;

de ser chamada bella 3 . A belleza da cigana e porem de


curta duragao pouco depois dos vinte annos des'apparece-
:

Ihe o vi9O da mocidade. D'ahi em parte a causa da ma

impressao de outros observadores, como L. de Vasconcellos-


Nos homens tambem se da, comquanto talvez em menor
grau, a perda precoce do vigo da mocidade. Todavia Pires
diz-me que os ciganos gozam da reputacao de longevos.
E certo que a perda do vio nao 6 acompanhada de perda
de for9as. Ciganos e ciganas7
de apparencia juyenil ou de-

crepita, resistem a grandes marchas, deitam-se e dormem


na terra muitas vezes humida, lamacenta, sem tecto.

Sobre o typo physico dos tsiganos, vid. P. Topinard, L'anthro-


1

pologie (Paris, 1877), pp. 471-2 G. Lagneau, art. France


,
Anthro-

pologie. Race tsigane in Dictionnaire encydopedique des sciences medi-


cales de A. Dechambre, 5 e serie,t. v.
(Paris, 1879), pp. 15-22 ;
G.
Cora, I.e os auctores por esses citados.
c. }

2 au visage
Hovelacque distinguiu dois typos tsiganos l'un fin,
plus allonge, plus ovale, aux traits plus concentres, au nez plus aqui-
lin ;
1'autre grossier, aux traits plus ramasses, au regard moins per-
cant. cigano representa talvez esse segundo typo.
3 Na resposta ao questionario que Ihe dirigi escreve Pires a res-
peito das ciganas : Ha verdadeiras bellezas. Extremamente formosas
algumas.
185

Alguns dao saltos e pulos prodigiosos. Um correspon


dente de Barbacena conta que um, chamado Joaquim Ca-
nhoto, com dois pulos fez cair de um telhado uma navalha
que la tinham posto.
Dormem pouco. Deitam-se, de ordinario, as 11 horas
da noite e em rompendo o sol estao a p6.

Alimentacao. Nao parece haver nenhuma particulari-


dade nas suas comidas, que sao as usuaes no Alemtejo.
Um observador diz-me que comem pedagos de toucinho
cru com pao, o que eu ja vi fazer a hispanhoes da Extre-
madura (nao ciganos). Comemtoda a carne de porco,
deitando-a, quando a teem na sua caldeira onde (pelo
menos certos bandos) lanam carne e peixe, tudo mistu-
rado, com alguma ave morta que encontram pelo caminho,
ainda que em decomposigao, e que suspendem a tres va-
ras ensarilhadas. Refere-me o sr. Ferreira Deusdado que,
em Tras-os-montes, os ciganos, numa epocha de fome, che-
garam a desenterrar porcos, que tinham succumbido a uma
epizotia, para os comerem
1
.

Comem bem quando teem dinheiro, como se ve pelas


compras que fazem quando atravessam as povoa9oes.
Relativamente a bebidas as testemunhas sao divergentes.
Um observador nao os ere bebedos habituaes, comquanto
bebam bem por occasiao da feira de S. Joao em Evora.
Uma observadora julga-os amigos do vinho (cf. p. 166).
Pires diz que sao amigos de bebidas, principalmente de
2
licores, mas que raras vezes se cmbriagam .

1
Di versos auctores fallam da nenhuma repugnancia dos tsiganos
por animaes mortos de doen9a. Vid. Colocci, Gli Zingari, p. 189, n. 1
e F. Michel, Le pays basque, p. 138: d'autres fois ils ramassent les
animaux morts de maladie, n'importe laquelle, les desinfectent au
moyen d'herbes a eux seuls connues, et s'en repaissent impunement.
2 Amano poco il vino, preferiscono la birra e sopratutto gli spi-
riti. Uno del piu gran
regali, che lor si possa fare, e di offrire ad
essi mastic,vodka, rak, un alcool qualunque ne sapprebero senza
:

acquavite celebrare alcima cerimonia o festa. Colocci, p. 189.


186

Gostam muito de doces de que fazera grande con


summo na feira do S. Joao em Evora 1
(Communicayao do
.

sr. Gabriel Pereira, director da Bibliotheca


Nacional).
1

Fumam muito, homens e mulheres. Eu tenho ja encon-


trado ciganas de cachimbo na boca.

Caracteres psychicos. O espirito do cigano e vivo,


per-
spicaz relativamente ao circulo estreito de relacoes em que
vive, Busceptivel talvez de o ser num circulo niais complexo
de relagoes. (Pires acha-os muito intelligentes.)
Sao analphabetos. Esta qualidade todavia nao significa
por si, 'como se figura a muitos, um estado de profunda
miseria intellectual. A
leitura e a escripta por si sos sao

apenas instrumentos de cultura, nao a cultura mesma, in-


strumentos indubitavelmente necessaries para uma verda-
mas que podem tanibem exercer uma ac9ao
deira cultura,

puramente negativa quando nao se ligam a um bem enten-


dido systema de educa9ao. Faltam-nos infelizmente dados

para apreciar bem o intellecto do cigano 2


. Tern elle uma

1
Esse gosto pelos doces parece ser geral DOS fcigauos. Vid. Co-
locci, p. 188.
2 Nao se faz ordinariamente ideia do desenvolvimento intellectual

possivel sem o conhecimento da leitura e da escripta, tao costuma-


dos estamos o considera-lo como condicao de toda cultura. Citemos
alguns factos que provam o que ha de illusorio nesse modo de ver.
Os esquimos, analphabetos, sem terem recebido nenhum ensino de
desenho, sao notaveis cartographos (Francis Galton, Inquiry into the
human Faculty. Londres, 1883, p. 103-104). Grande numero de ho-
mens analphabetos fazem calculos mentaes prodigiosos. A esse
proposito le-se no periodico La Nature, 1891, juin 20, extrahido de
um artigo de Pincott in Knowledge:, I1 est parfaitement vrai que
les Indiens coinptent plus sur leur memoire que sur les precedes

artificiels, et personne ne pent se mettre en rapport avec ce pcuple


sans etre etonne de ses facultcs prodigieuses a ce point de vue. II
est de notoriete que la plupart des hommes les plus habiles de ce

pays etaient incapables de lire et d'ecrire, mais ces connaissances


leur faisaient generalement pen defaut, car leur mernoire etait

chargle de plus de connaissance toujours a leur disposition, que


187

boa memorial Quaes as representa9oes particulares que


mais facilmentc rcproduz? As visuaes? As auditivas? Tern
a memoria nmnerica que permitte o calculo mental? Sem
duvida elle tern a memoria topographica, condi9ao sine qua
non das suas translagoes constantes. Tambem possuem boa
memoria para os cantos (lettra e musica). Falla o sen ru-
manho ;
o liispanhol e o portuguez. Tern nm certo numero
de conliecimentos tradicionaes, que aproveita nas suas in-

dustrias.Conhece ainda, como sens irma'os doutros paises,


as propriedades medicinaes, os effeitos narcoticos de certas

plantas? Tern alguns conheci,mcntos astronomicos ?


Pouco pudemos apurar da sua capacidade para conser-
var tradi9oes. Poude-se affirniar, que nao ha tradiyao his-
torica oral todavia a assei^ao e talvez um pouco abso-
*,

luta .)2
Em
verdade os ciganos nada contain hoje do sen
passado aos cstranhos quando esmolam dizem somos do
;

eelles que possedent ceux qui etudient dans des livres. On salt que
Rangit Singh ne pouvait ni lire ni ecrire, mais il savait tout ce
qui se passait dans un royaume aussi grand que la France. C'etait
un linanier fort capable, qui connaissait a cliaque instant 1'etat de
ses ricliesses, les ressources de ses provinces variees, la nature de
leurs revenus, la puissance de ses voisins, les points forts et faibles
de PAngleterre, et, en un mot, a tous les points de vue, un parfait
administrateur. Nous commettons 1'erreur de croire que les moyens
de connaitre constituent la connaissance clle meme. Cela nous con-
duit a attribuer le plus grand prix a la lecture, et a Tecriture, et
& traiter avec quelque mepris les peuples qui n'ont pas pris la rou-
tine de coucher leurs idees sur le papier. Nous devrons modifier
notre opinion sur ce point en nous rappelant que les mer\7 eilles
de 1'architecture indienne sont dues a des hommes qui ne savaient
ni lire ni ecrire .
Seguem outros factos interessantes.
1
Gaston Paris in Kevue critique, 1882, 2 e serie, p. 257.
2
Os tsiganos chegados a Forli no sec. xv conservavam a tradi-
9.Ao da sua origern Indiana, como se acha consignado no Chronicon
Fratris Hieronymi Froliviensis em Muratori, Scripfores Her. Italic.
t. xix, col. 890: Et, ut audivi, aliqui dicebant, quod erant de India.
Os ciganos do Brasil conservam a tradi^ao de uma emigra^ao de Por-
tugal em 1718 e dos nomes de alguns emigrantes (Mello Moraes Fi-
Iho. Os ciffcmos no Brazil, p. 25).
188

Egypto, da terra do Menino Deus. Convem insistir na


investigaao do que os ciganos possam conservar de tradi-
9068 do seu passado, principalmente de lembrangas das

persegui9oes de que nos seculos anteriores foram objecto.


resultado, ainda quando seja puramente negative, tera
por certo interesse.
cigano tern a paixao do sen modo de vida, em que nao
sente outras obrigayoes alem da de acudir a sua sustenta9ao
immediata e a da sua familia, pode dizer-se sobretudo a
sua sustenta9ao, pois a mulher e a principalmente encar-

regada do cuidado dos filhos. (As nossas noticias sobre


essas redoes familiares nao sao em verdade sufficientes.)
A imprevidencia e a aversSo a todo o trabalho regular resul-
tam d'aquella paixao e da sua falta de amt^ao, no sentido

em que ordinariamente se entende essa palavra, porque


elle tambeni tern uma ambi9ao a d'essa vida livre.
Concebe-se facilmente como essas tendencias dos ciga-
nos os tornem improprios para a vida militar, apesar dos
factos contraries que ja foram notados
(p. 180). Pelas in-

forma9oes que obtive, que urn


sei cigano compellido em
Elvas ao servi90 militar desertou ao segundo dia e que os
domiciliados em Elvas que sao recrutados desertam tam-
bem em regra.
Parece que nao sao muito vaidosos. gosto da oma-
menta9So no vestuario liga-se, nao a um sentimento de en-
grandecimento pessoal, mas sim a sentimentos estheticos.
Todavia a humildade que o cigano tantas vezes manifesta
ante os estranhos nao e expressSo de um sentimento espon-

taneo, mas de um habito de precat^ao. A


hypocrisia e
arma de defesa para elle; e ella e nada mais em geral
que o faz adaptar, ainda que incompletamente, as praticas
religiosas do povo em que vive. Veja-se o que abaixo dize-
mos dos baptisados, casanientos e enterramentos.
E muito nervoso e einocionavel mas as suas emocoes
;

sao pouco persistentes.


E absolutamente irreligioso o cigano, como muitas vezes
se tern asseverado dos sens irniaos extra-peninsulares e
189

dos gitanos Como um povo originario da India, d'essa


? *

terra onde quasi tudo tem impresso o cunho religiose, pode-


ria chegar a ser irreligioso? A
primeira vista a asse^ao afi-
gura-se absurda e esta-se no direito de pedir d'ella uma
2
rigorosa demonstracao .

Os ciganos teem, como vimos no Vocabulario, os terraos


debel e otebel ou otibe, que designain Deus. Nos
textos ha
os
algumas phrases (n. 41, 49 e 60, p. 9, 10) em que figura
a palavra otibe. Mas o termo basta para que julguemos
demonstrada a existencia de concep9oes religiosas a elle
ligadas? Toda religiao se manifesta principalmente em
ritos.Teem-nos OB ciganos? Sao pagaos ou christa'os?
De culto pagao nao se indicam entre elles nenhuns cla-
ros vestigios. L. de Vasconcellos dizia em 1887, numa carta,

que adoram os mortos, isto e, teem o culto dos antepas-


sados; mas, consultado, nao me deu razoes para poder-se
como averiguado 3 Da seriedade das crei^as
acceitar isso .

dos ciganos como christaos temos motives para, duvidar.

1
Num artigo do periodic Das Ausland, XLIX Jahrg., p. 838 e seg.,
busca-se refutar a these da irreligiosidade dos tsiganos. auctor
funda-se principalmente na existencia, na lingua dos tsiganos, da
palavra devel, que Leland e Breitmann supposeram identica ao
inglez devil aquella palavra tsigana significa realmente deus. Os
:

tsiganos possuem uma palavra particular para diabo, beng, que nao
occorre no que reuni do Vocabulario dos ciganos. demonstracao A
dada no artigo nao e sufficiente.
2 Na India ha
todavia grupos humanos, como os tchangar do
Panjab, os quaes teem sido comparados aos ciganos e parecem estra-
nhos a quaesquer usos religiosos. Vid. Trumpp apud Miklosich,
Abhandl, in, 2.
3
Em verdade Colocci diz p. 230: ... certo e che essi (os tsiga-
nos) hanno per morti lo stesso superstizioso rispetto, che
i si riscon-
tra in tutti i
popoli primitivi, come dimostra lo Spencer. mesmo
auctor italiano cita (ibid.) as palavras de Leland : The real religion
of the Gipsies, as I have already observed, consists like that of the
Comteists, in devotion of the dead. Mas do simples temor supersti-
cioso e do respeito dos mortos a um verdadeiro culto dos antepas-

sados, como o encontramos em diversos povos, a distancia e ainda


grande.
190

Os ciganos nao sedentarios nao se casam catholicamen^e


e se baptisam os filhos (varias vezes) e por motives de inte-
resse. Segundo uma informayao dada a Pires Nao consta :

ver-se um cigano na missa. (Mas vid. o texto n. 60 que se


refere precisamente a ouvir ofabel, isto e, o padre a dizer

missa.) Frequentam, por em, as igrejas ruraes, fazem ora^ao


e deitara esmolas nas caixas. Das antigas disposi^-oes eccle-
siasticas 'parece resultar que algims se confessavam, com
vontade ou sem ella 4
.

Dos factos referidos parece concluir-se que os ciganos


nao sao absolutamente irreligiosos, mas que nelles o sen-
timento e o conceito religioso se reduzem a muito pouco 2 .

Sao supersticiosos, como se indica abaixo mas a super- ;

sticao e distincta da religiao. Crer, por exemplo, que duas

1 Primeiras ccnstituigoes Sinodaes do Bispado de Elvas. Feitas e


ordenadas pello Illustrissimo e Rcverendissimo Senhor Dom Sebas-
tiao de Matos de Noronha, etc. (Feitas em 1633. As licer^as sao de
1634 e 1635). Tit. xxxxi: Dos vagabundos, comediantcs eSiganos. Os
vagabundos aqui declarados sejao assentados'no rol dos confessa-
dos, na freguezia em que se acharem ao tempo da Quaresma.
2 Borrow diz com referenda aos
gitanos A11, therefore, which
:

relates to their original religion is shrouded in mystery, and is likely


so to remain. They may have been idolaters, or atheists, or what they
now are, totally neglectful of worship of any kind and though not ;

exactly prepared to deny the existence of a Supreme Being, as


regardless of him as if he existed not, and never mentioning his
name, save in oaths and blasphemy, or in moments of pain or sudden
surprise, as they have heard other people do, but always without
any fixed belief, trust, or hope. The Zincali, i, 150-151. Nos os
Portugueses empregamos a expressao oxald como uma interjei-
93,0,sem sabermos (salvo os eruditos) que ella significa queira :

Allah; mas aqui o termo e estranho a lingua, emquanto debel per-


tence ao nucleo primitive do vocabulario tsigano, em que necessa-
riamente significou o conceito de uma divindade.
Que o tsigano nao tern incapacidade absoluta para a religiao
prova-se pelo facto de que em varios paises do Oriente o vemos
mussulmano ou christao. Essa adop9ao de cren9a religiosa coincide
com uma mais ou menos adeantada assimilaQao ao povo de que a
receberam e em geral com o sedentarismo. Vid. Miklosich, Ahhamdl.,
in, 10-1 1 e Das Ausland., t. XLVIII (1875), p. 282.
191

]'.ssoas quo lavam as maos na mesma agua terao rixa


iicsso din nao se ncnhum e-onceito religiose, mas
liga a
resulta domechanismo psychologico, que aproxima as duas
representagoes de maos que agitam a agua maos que se <'

attain em lucta umas contra as outras, e admitte soin refle-


xao urn nexo causal entre os dois casos 1
.

A chiromancia, a cartomancia e outros processos divi-


natorios podem ser tambem independentes de toda crenc.a

religiosa.
E difficil ou antes impossivel resolver a questao se o
indifferentismo ou quasi indifferentismo religioso dos tsiga-
nos os caracterisava ja ao sairem da India ou se elles che-
garain a esse estado ?
atravessando povos com crenyas e
ritos a que parcialmente pelo menos
religiosos diversos,
tiveram que adaptar-se, para escaparem a perseguicoes.
Onde se revela por completo o estadio primitive de cul-
tura do cigano e na difFeren9a profunda dos seus senti-
mentos e modo de accao, de urn lado para com os da sua
ra9a, os coles, de outro paracom os estranhos, os jambos
ou paios (paillos) .

Para com os da sua raya reconhece o cigano direitos


e deveres; para com elles tern ate virtudes;
para com os
estranhos nao reconhece, em geral, nem direitos nem
deveres: o estranho para elle e apenas uma presa, que
trata de aproveitar o melhor que pode, com a condiyao
de o fazer o mais possivel a seu salvo 2 .

1
Sobre o que separa a superstiyao da religiao, vid. H. Stcinthal,
Ueber den Aberglauben \nZeitschriftfur Volkerpsychologie, n, (1862),
pp. 83-101.
2
Quando se diz que o tsigano nao conhece auctoridade, regra,
principio, preceito, dever (Colocci, p. 155) esquece-se que tal asser-
ao so vale respectivamente ds rela9oes externas da gente d'essa ra^a.
Sem auctoridade, sem regra, sem principio, sem preceito, sem dever
nao e possivel a existencia de qualquer sociedade humana por mais
rudimentar que seja, Os tsiganos em geral reconhecem chefes isso ;

basta para fazer ver que Ihes nao e estranho o principio da aucto-
ridade. I)iz-se que desconhecem um verbo significando
dever; mas
192

Quatro sao os sentimentos principaes dos ciganos para


com os da sua raga: o amor extremoso dos filhos, a fide-
lidade conjugal, a fraternidade, o respeito dos velhos.
Os cuidados que principalmente as maes teem pela prole
sao numerosos, comquanto a educa9ao physica que Ihes
dSo com o fim de os endurecer, de os habituar aos inci-
dentes de uma
vida dura e aventureira, pare9am a pri-
nieira vistaexcluir o carinho. Mas ve-se, por exemplo,
o cuidado que teem em evitar que, quando as suas forgas
n&o se acham desenvolvidas, elles se fatiguein nas longas
marchas a mae transporta as vezes tres lillios ao mesmo
:

tempo, dois as costas, mettidos numa especie de saco, e


um nos bra9os. Quando e possivel levam-nos num burro,

emquanto elles vao a pe. melhor que arranjam de ali-


4
mentos e para os filhos .

A fidelidade reciproca dos conjuges era lei firme nou-


tros tempos, segundo a tradi9ao. proprietario e cea- Um
reiro de Barbacena diz A cigana casada com um cigano
:

2
que 6 infiel a este e abandonada de todos .

A fraternidade e ainda hoje bastante notavel. Sao raras


as rixas entre os ciganos, que se encontram bem unidos

teem uma palavra que significa honra (pati, pachi, etc.). palavra A
terar, possuir, diz Colocci, p. 156
estd quasi esquecida dos tsiga-
n.,
nos da Asia. Os ciganos e os gitanos teem nesse sentido terelar,
que se liga a terar ; mas por certo nenhum tsigano ignora a distinc-
cao do ineu e do teu, expressa nos seus pronomes possessivos. E
mister nao confundir a no9ao reflectida e abstracta do direito e do
dever com as formas concretas e espontaneas com que surgem nas
sociedades primitivas.
!
Cf. Colocci, p. 229, que diz : Gli Zingari hanno uno sviscerato
amore per la loro prole .

2 Cf. Colocci, p. 227 : Per solito Padulterio e rarofrale Zingare,


tan to piu che la loro belt& sparisce presto, non si tosto divengono
madri. .
,
e p. 228
. Secondo il dott. Solf gli Zingari tedeschi pu-
:

niscono Padulterio col taglio del naso alia donna e colle battiture
sui gomiti o sui ginocchi per l'uomo. que Francisque Michel, Le
pays basque, p. 140-141, diz das relates conjugates dos tsiganos
d'esse pais 6 muito desfavoravel.
em muitas occasioes *.
Pires, protegem-se reci-
Segundo
procamente e, em caso de prisao, ministram os meios de
subsistencia aos que estao prisioneiros, fazendo para isso
ate uso dos vales do correio.
Em verdade um cigario velho queixou-se na feira de Villa
ViQOsa (maio de 1883) a Pires da mudar^a dos costu-
mes. Antigamente, disse elle, quando algum cigano era
preso iam os amigos mais intimos pedir a todos os outros
ciganos soccorros para o desgragado e obtinham de 15 a
16 libras que Ihe entregavam hoje e raro que o pedi- ;

torio chegue a render 2 libras. As mulheres ja nao sao


tao rigor osas na fidelidade.

proprietario de Barbacena da noticia de ter sido assas-


sinado numa feira por trinta ciganos um da sua ra9a.
Os ciganos do Alemtejo parece nao reconhecerem chefes 2 .

Para com os estranhos os ciganos sao apparentemente


muito corteses, respeitosos e nao poupain lisonjas; mas a
falta de veracidade, o intento de os lograr sao a regra.
A espoliagao do estranho faz-se por uma serie de pro-
cessos, que vao num crescendo ate ao attentado grave.
O meio mais suave e mais frequente e o peditorio. Sao
sobretudo as mulheres e as creancas que pedem. A arte
das ciganas no peditorio e perfeita. Ellas sabem commo-
ver principalmente com o espectaculo dos seus filhos nus ?
ou semi-nus a descripgao da sua vida de miseria, as maes
?

portuguesas. Alcan9ando um primeiro objecto, pedem se-


gundo, e
depois terceiro, ate que a caridade se cance.
E n&o esquecerao jamais a casa das bemfeitoras.
Nos casaes isolados (montes, no Alemtejo), o peditorio
adquire ja o caracter de uma imposiyao. Aqui nao pedem
so as mulheres e as crean9as; os homens pedem tambem,
geralmente pao, carne, lenha e principalmente palha para

1
Cf. Colocci, p. 154 : Una fratellanza sincera regna fra tutti

gli Zingari e unisce. In nessun altro popolo anzi il vincolo di


li

razza 6 piu intense e piu rispettato. Vid. Borrow, i, 263-266, etc.


2 Um informador falla todavia de chefes. Vid. p. 216.
is
194

sustento das suas cavalgaduras *. E precise satisfaze-los

para que elles nao recorram a outros processes mais vio-


lentos de espolia9ao.
immediato na escala d'esses processes e o roubo. Os
ciganos roubam principalmente aves, animaes domesticos,
entre os quaes cavalgaduras, e sustento para estas. roubo
a mao armada e muito raro, senao sem exemplo.
O tambem perfeitamente exeepcional, quer
assassinio e
feito no do roubo, quer de defesa ou por vingana.
intuito
Ha pouco os jornaes deram noticia de um assassinio pra-
ticado por ciganos em Chacim, comarca de Macedo de
Cavalleiros (Tras-os-Montes) por um futilissimo motivo. Os

ciganos andavara com as suas cavalgaduras numa proprie-


dade do parocho, cujo creado os intimou a sairem de la.
Entao elles enfureceram-se e crivaram de facadas o rapaz 2 .

Mas de todos os processes o mais frequente que o cigano


dos dois sexos emprega para arrancar dinheiro ou algum

objecto de valor ao estranho, e o logro, a burla, que se


opera por modos muito variados e para que elle revela um
talento especial, como se mostrara mais abaixo.

Independentemente da necessidade que o impelle, junto


com o seu desamor ao trabalho legitimo, a lograr o es-

tranho, nao pode deixar de reconhecer-se um espirito de


mystifica^ao, que o leva a coinprazer-se nao so no fructo
do logro, mas ate no proprio logro.
Diversos factos provam que o cigano e susceptivel do
sentimento de gratidao para com o estranho que o protege,

respeitando-lhe a propriedade e servindo-lhe ate d'inter-


medio fiel em negocios, principalmente na compra e venda
3
de cavalgaduras .

1
Em gcral nao pedem dinheiro. Nas feiras, communica-me Pires,
so os ciganos mais mo^os pedem apenas cigarros.
2 Vid. O Dia, n. 1511, 21 de julho de 1892.
3 modo por que o cigano considera o estranho e perfeitamente

proprio de um povo que se conserva num estadio primitivo. Nao sao


realmente OB seus caracteres psychologicos e especialmente a natu-
11)5

Parecem ser muito limitadas as aptidoes estheticas dos


ciganos. Gostam de vestuarios ornados, (inas essa orna-
mentayao e muito rudimentar), de collares de contas (as

mulheres), de abotoaduras metallicas inas deixam cair;


em
farrapos com facilidade esses vestuarios que trazem at6 a
ultima. Fallece-lhes o instincto do asseio.
Nao teem musica instrumental propriamente dita Quando 1
.

cantam acompanham-se de castanholas e pandeiretas. Os


seus cantos parecem nao ter originalidade, ser apenas os
cantos populares do pais ou cantos hispanhoes 2 .

reza das suas relacoes com os estranhos que o distinguem verdadei-


ramente, mas sim a persistencia d'esses caracteres no meio da civi-
Iisa9ao europea, atraves de alguns seculos. Considerar o roubo exer-
cido na propriedade dos estranhos a raca ou a tribu como um acto

perfeitamente permittido e" um conceito corrente nos povos primiti-


ves. O roubo a descoberto estava longe de ser considerado entre os
barbaros como deshonroso, ao contrario do furto a occultas. (Vid.
J. Grimm, Deutsche Rechtsalterthiimer, 2te Ausg. 634-635). Strabao
(m, 3, 5) descreve-nos os lusitanos como ladroes. Dos germanos diz
Tacito : materia munificentiae per bella et raptus (Germ. 14) Ja .

Polybio (in,98) e Tito Livio (xxn, 22) notaram que a perfidia era
caracteristico de todos os barbaros. meio em que vivem os ciga-
nos nao Ihes permitte hoje o roubo a mao armada, as grandes vio-
lencias, os attaques das aldeias, de que na historia de outros ramos
da sua ra9a ha alguns exemplos ; por isso elles se limitam ao furto,
ao logro.
A
preguiQa para o trabalho regular, junto com a mobilidade
constante, o odio ao repouso caracterisam tanto os ciganos como os
povos barbaros em geral. Tacito refere dos germanos Fortissimus
:

quisque ac bellicosissimus nihil agens, delegata domus et penatium


et agrorum cura feminis senibusque et infirmissimo cuique ex fami-
lia :
ipsi hebent, mira diversitate naturae, quum idem homines sic
ament inertiam et oderintquietem (Germ. 15) .

Poder-se-hiam multiplicar os parallelos ministrados pela ethno-


graphia antiga e moderna.
1
Outros ramos da raca tsigana revelam consideravel talento
musical, principalmente os da Hungria. Vid. Colocci, p. 279 e seg.
2 Ora
teem attribuido aos tsiganos talento poetico ora se Ih'o
se
A verdade parece-me ter si do de pcrto attingida por
tern negado.
Schuchardt no seu interessante estudo Die Canles flamencos. Os
196

Os sous ballades sao tambem reproduzidos dos populares


do pais ou da Hispanha, principalmente dos ultimos 4 .

Teem os ciganos contos tradicionaes e


proverbios ?
Quandojuntos, segundo um informador de Pires, fallam
em valentias e negocios de cavallos. Sao ; em geral, muito
falladores. Uma pequena discussao torna-se entre elles fa-
cilmente verdadeira algazarra.

tsiganos, diz elle, sao certamente um povo de muito poucos dotes


poeticos e os rudes vestigios de poesia que entre elles colhemos
revelam a influencia dos povos entre os quaes vivem. Frederico
Miiller dissera que o valor artistico das poesias dos tsiganos hunga-
ros, que elle colligiu, era nullo ou menos que nullo; a rima e o
rythmo que apresentam proveem de modelos magyares. Nas poe-
sias dos tsiganos da Bucovina publicadas por Miklosich ha influen-
cia manifesta da poesia popular dos rumenos e pequenos russos.
Esses factos tornam pouco crivel que a poesia dos gitanos, os can-
tos flamencos, sejaum producto original d'elles, conservado ou nas-
cido no meio de um povo tao felizmente dotado com rela9ao a poesia
como o sao os habitantes do sul da Hispanha, aos que os gitanos se

assimilaram, principalmente na lingua, mais que os outros ramos


tsiganos aos povos com que se achavam em contacto fora da penin-
sula. Infelizmente a nrnsica gitana esta mal estudada e falta assim
o conhecimento de um importante dado da questao ;
todavia a expo-
si9ao de Schuchardt leva a convic9ao de que os cantos flamencos
nao sao de modo algum modificac.ao de uma antiga, genuina poesia
dos gitanos, mas na essencia poesia andaluza, que em primeiro
logar experimentou uma certa gitanisa9ao na linguagem. Vid. no
Appendix II algumas rapidas considera9oes sobre a poesia dos ciga-
nos do Brasil.
1
Um versejador do sec. xvn allude as dan9as das cigauas, as
quaes ja vimos figurar em Gil Vicente :

Como se viu aqui nesta pendencia,


Que se acendeo nas damas Toledanas,
Sobre huma curiosa impertinencia,
Acodirao da Se com partazanas
Seis conegos mancebos, e em chegando
Fizerao nas dai^ar como ciganas.

Diogo Camacho, Jornada ao Parnaso in Phenix renascida, v, 12.


Vid. outra allusao no extracto da Miscellanea de Miguel Leitao d'An-
drada, no fim do Appendix i.
197

As
aptidoes industriaes dos ciganos sao menores que as
de outros rainos da sua raga, visto terem perdido a indus-
tria As ciganas quando querem bordam com
dos metaes.
alguma perfeigao. Os homens manifestam a sua habilidade
sobretudo em encobrir as mazellas do gado que querem
vender por bom, e noutras artimanhas de que abaixo se
encontrara noticia. De todo o trabalho aquelle pelo qual
teem maior negagao a lavoura. Referiu-me o sr. Ferreira
Deusdado, que e transmontano, que ciganos esfaimados,
aos quaes se offerecia em razoaveis condigoes trabalho

agricola, tentaram manejar a enchada, mas vendo em breve


as maos callejadas, largaram-na dizendo preferirem morrer
?

de fome a tal trabalho.

A historia mostra-nos que o caracter dos povos se mo-


difica sob a acgao de diversos agentes. Os allemaes, os
Franceses de hoje conservam, por certo, peculiaridades que
nos fazem ver nelles os descendentes dos germanos de
Tacito e dos celtas de Cesar; mas que modificagoes pro-
fundas ao lado d'essa limitada persistencia de velhos ca-
racteres gitano, o cigano experimentaram ja, nos quatro
!

ou cinco seculos que passaram immergidos no meio penin-


sular, grandes modificagoes, algumas das quaes pouco pro-
prias para os fazer seguir no caminho do progresso. Na
Hispanha, a obra da assimilagao tern progredido muito mais
que em Portugal, para o que contribuiu sem duvida o inte-
resse que la tern inspirado o gitano e por ventura certos
caracteristicos communs ao andaluz e ao cigario emquanto ;

n6s, povo de indifferentes, nada queremos saber do cigano


e s6 sabemos o que o acaso nos obriga a aprender.
Em diversos paises grupos tsiganos, alguns dos quaes
numericamente consideraveis, teem abandonado a vida no-
made, o latrocinio, para se tornarem sedentarios e se en-
tregarem a misteres licitos *.

1
La Ungheria, che li sa piu artigiani che agricoltori, non li
obbliga al lavoro della terra che per quel tanto, che giudica conve-
198

Completarei este esboO psychologico com algumas noti-


cias relativas a lingua, industrias, costumes.

Lingua. Como ja se disse os ciganos de Portugal fallam


o portugues e hispanhol, alem do rumanho ou roman6. No

Alemtejo fallam o portugues com a prommcia alemtejana.


rumanho e so fallado entre elles, especialmente quando
bebem.
Affirma-se que todos fizeram o juramento de o nao ensi-
narem a ninguem estranho a ra9a, e que e mais facii um
cigano deixar-se matar que descobrir o segredo da sua
lingua. Communicou-me o sr. conde de Ficalho que, tendo
interrogado um cigano alemtejano acerca da sua lingua
particular, este Ihe dissera que hoje quasi nin^Uem a sabia,
buscando assim desviar o interrogatorio sobre um assum-
pto para elle melindroso.
Uma senhora, mulher de um lavrador alemtejano, con-
seguiu saber de creanas ciganas, a quern dava esmolas,
alguns termos que communicou a Pires e formaram o ponto
de partida de suas investiga9oes. As creanyas tinham reve-
lado os termos a medo e pedido a dama que as nao denun-

ciasse,porque seus paes as matariam se o soubessem. Essa


senhora habitava em 1883 em Penna Clara, mas havia jd
quarenta aimos que tinha aprendido os termos em o monte
(casal) da Defesa, perto de Villa Fernando.
Pires encontrou em dezembro de 1883 um cigano, me-
nos escrupuloso, que Ihe disse que o rumanho que fallam
os ciganos alemtejanos 6 o mesmo que o dos hispanhoes,

niente ai lori bisogni e non vi costringe generalemente altro che


coloro, i quali non hanno stato fisso, professione o mestiere. Con-
tinuano dunque ad esser cio che sempre furono :
calderaj e vete-
rinarj, musicisti e ballerini, artigiani e cantori. I battesimi sifanno
regolarmente ;
i fanciulli frequentano la scuola e la chiesa. S'inci-

viliscono, taluni si arricchiscono e la loro natura, abitualmente dolce,


lascia sperare all'Ungheria i
piu felici risultati della sua iniciativa
filantropica. Colocci, p. 121; vid. todo o capitulo iv da sua obra.
199

e pretendeu quo os hungaros (tsiganos caldeireiros, que


teem vindo ao Alemtejo) fallam a mesma lingua. Esse
cigano dictou o calendario impresso nos textos, mas nao
deu a sentenea relativa a novembro, por mais que Pires
teimasse com elle, declarando que muito tinha elle ja dito,
e que se os sens soubessem Ihc cortavam a cabega.
Todavia, os que conhecem alguma coisa do rumanho
conseguem mais facilmente obter informa^oes sobre elle
dos ciganos. Foi o que aconteceu a L. de Vasconcellos.
0s ciganos em estando juntos, so se entende o que
elles querem ;
os cordoeiros da Galliza, que nao
sa"o como
se entende o que dizem em estando juntos e fallam em por-

tugues. Informayao do proprietario de Barbacena


1
.

Parece que os ciganos sedentarios de Lisboa conhecem


em geral pouco do rumanho, on romano, corno elles dizem.
Os de Evora nao conservam vestigios d'essa linguagem,
segundo informagao do sr. Antonio Francisco Barata, co-
nhecido escriptor e bibliothecario da Bibliotheca publica
d'aquella cidade.

Vestuario. Armas. Pires enviou-me a seguinte descrip9ao


do vestuario dos ciganos alemtejanos.
Os homens usam jaqueta, usualmente de astracan ou fa-

zenda semelhante, curta, muito justa ao corpo, com refego


nos hombros, canhoes com botoes de alamares, que sao de
prata no vestuario dos ricos, de cordao entran9ado ou de
fita no dos pobres.

O collete e aberto, de tres ou quatro botoes, com a golla


voltada.

segredo da lingua e geral nos diversos ramos da raa tsigana


1
:

non deve credersi che il raccogliere dalla viva voce di quei


nomadi le parole del loro idioma sia cosa spicciativa ed agevole.
Anzi ciascun sa come essi siano tanto generalmente e stranamente

gelosi custodi del segreto della loro lingua che di rado 1'un d'essi
voile iniziare lo straniero nei misteri della propriafavella. Colocci,

p. 247. Vid. a passagem de Paspati por elle citada.


200

As calgas, de casimira ou de cotim, alargam para baixo,


tomando sobre o sapato essa forma de polaina a que se
da o nome de boca de sino, exactamente como as calyas
do fadista. E a forma preferida pelos ciganos abastados;
os pobres usam calgas direitas.
Os sapatos ou botas sao brancas. O chapeu e de aba larga,
preto ou cor de cafe com leite. A camisa e de tecido branco
ou chita estampada; as meias brancas.
Os ciganos abastados usam Ien90 de seda ao pescogo,
grandes botoes de oiro na camisa e relogio com grossa cor-
rente. Tanto esses como os pobres trazem sempre esporas.
Os pobres apparecem nas feiras com o vestuario roto,

esfarrapado, sem meias, com o calgado arruinado e alguns


com grandes tesouras de tosquia de gado, mettidas nos
coses das calgas, apparecendo as asas por cima das cintas.
Usam todos um varapau curto e poucos trazem navalha.
Se sao atacados, defendem-se ou com as tesouras ou com
o varapau. Alguns teem espingardas de caga.
As mulheres abastadas usam vestido de chita de cores
vivas ou azul com pintas brancas, um pouco curto, com
quatro ou cinco ordens de folhos, a partir da cintura;
o corpete e justo e afogado ;
a manga curta, com franzidos
ou lisa.

Trazem muitas saias (como as ovarinas), de modo que


formam grandes ancas. Pende-lhe de uma fita, em regra de
seda ; que poem ao pescogo, uma cruz de oiro.
Da cintura desce-lhe um avental de chita com grandes
enfeites de fitas.
As costas langam um pequeno chaile de cor (azul, verde,

etc.), com largas franjas.


Das orelhas pendem-lhes grandes brincos de oiro. A ca-

be9a e coberta com lengo de seda ou algodao, de cores


vivas.

'Usam, emfim, sapatos ou botas brancas ou pretas.


As ciganas pobres usam vestido de cores vivas, mas
ordinariamente sem folhos e um co'rpete largo; nao usam
collar ao pesco90 e muitas andam desca^as.
201

As ciganas, em geral, apartam o cabelio ao meio e di-


videm-no aos lados. Atras fazem um grande periquito;
pregarn-no com ganchos e atam-no com fitas de cores, e aos
lados arranjam grandes caracoes sobre as orelhas com o
cabelio entrai^ado, pregando o com ganchos. Outras tra-
zem o cabelio entranado e caido pelas costas abaixo, com
laos de fita nas pontas. Untam-no com azeite d'oliveira *.
Ha uma quadra popular alerntejana, colhida por Pi res,
relativa ao cabelio das ciganas :

Pentig o mS cabelio
P'ra trds com'as ciganas !

Agora poss' e" dezer


Qu'os trajos fazem as damas.

As crean9as dos dois sexos nao teem pela maior parte,


ate aos 7 ou 8 annos, outro vestuario alem da camisa,

1
Sobre o vestuario dos tsiganos em geral, vid. Colocci, p. 190-
194. vestuario dos ciganos deriva sem duvida, com modifica-
coes, do dos gitanos, que Mayo descreve, p. 41 :
Cuando disfrutan de algunas comodidades, los hombres tienen
especial aficion d la ropa blanca, d la camisia limpia y bien almi-
donada, d la chorrera vistosa, a la pechera bordada.
E1 traje en rigor es el mismo que gasta el pueblo bajo en An-
dalucia, mas 6 menos rico, de pana 6 terciopelo, de pafio 6 algodon ;

chaqueta 6 zamarra bordada, com alamares 6 botonadura de plata-,


alpargatas 6 zapatos, botines 6 borceguies, todo de colores chillones,
celeste 6 encarnado; sombrero calanes, ancho en general, 6 gorro
encarnado en la costa de Cataluna.
De las mujeres puede decirse otro tanto. Su traje es el que las
andalusas ban llevado hasta hace pocos anos, y que los gitanos non
ban cambiado. Asi se las ve con su saya corta y de poco vuelo,
adornada de randas volantes, su manton mas 6 menos grande sobre
los hombros, su paiiuelo de puntas la cabeza, hecho un nudo a la

garganta, echado sobre la frente 6 caido sobre la nuca d voluntad,


flores y cintas por adornos, colores tambien chillones en todas sus

prendas.
Como nota Mayo, nao pode saber-se qual era o antigo trajo dos
gitanos, prohibido pelas leis hispanholas, e que era sem duvida o
mesmo dos antigos ciganos, prohibido pelas leis portuguesas.
202

muitas vezes esfarrapada, e trazem o cabello sujo e emma-


ranhado *. Os adolescentes solteiros, pobres, andam em
geral descalgos.
Todavia, segundo uma outra informacao, algumas ci-

ganas vestem os filhos, se por ventura obtem da caridade


alguma roupa de creanca.

Domicilio. Estancias. Viajens. Muitos ciganos abastados


ou remediados acham-se domiciliados em Evora, Portel,
Moura, Estremoz, Vidigueira, Villa Vicosa, em diversas
terras da Extremadura e ate alguns em Lisboa; d'ahi

partem para as feiras e diversas excursoes, como os que


teem vida errante. Estes, no Alemtejo, estanceiam nos
arredores dos montes (casaes) e ao ar livre. De inverno
fazem grandes fogueiras com lenha dada pelos lavradores,
ou que apanharn, e construem alguns abrigos com
elles

piorno e tudo o que podem encontrar que Ihes sirva para


esse fim. Outros dormem junto das paredes, cobertos com
mantas e cobertores seus, ou nos fornos e cabanas das
herdades, ou em casas meio arruinadas e abandonadas.
Teem enxergas em que se deitam e que nas jornadas
servem de apparelho as cavalgaduras.
Vagueiam de monte em monte (casaes, no Alemtejo),
estacionando junto de cada um algumas semanas seguidas.
As comidas, durante essas estagoes, sao feitas pelas mu-
Iheres e ao ar livre ; e de ordinario pedem ao lavrador ou
lavradora tudo o que precisam para sen sustento, de modo

que os ciganos constituem, como observa Pires, uma ver-


dadeira praga do lavrador alemtejano.
Com os seus habitos de cortesia, pedem previa licenga
ao lavrador, que nao Ih'a recusa de ordinario, porque os
teme como roubadores de gado.

1 I fanciulli non ricevr ono fino a dieci anni il vestito. Orapero


in quasi tutti i paesi sono stati costretti a smettere tale indecenza.

Colocci, p. 194.
203

Na de Barbacena, logar pobre, habitaram ha alguns


villa

annos, durante um inverno, umas casas derrubadas na rua


do Forno uns ciganos, que, segundo o informador, jd mais
vezes referido, d'essa localidade, parecia que estavam bem,
pelo luxo que rompiam.
Ninguem Hies pedia renda d'essas casas arruinadas.
Os ciganos do Alemtejo, segundo as informagdes de Pires,
n&o teem tendas neni carros. Segundo uma informa9ao do
sr. Antonio Francisco Barata, os ciganos que vao a feira

do S. Joao naquella cidade nao levam carros, mas levan-


tam pobres tendas fora da muralha, se nao teem casa na
cidade.
Na Extremadura improvisam muitas vezes uma tenda
com uma pe9a de linhagem ou outro tecido que fixam
de um lado a uma parede a certa altura, de outro no chao
e que assim Ihes serve de abrigo.
Fazem longas marchas a pe, mas transportam-se tarnbem
a cavallo, indo as vezes dois e tres no mesmo animal. Pelo
caminho alguns vao ca9ando, para o que teem galgos. Os
pobres nomades vao as feiras com todos os individuos da
familia.
Por occasiao das feiras, pobres e abastados estacionam
num campo ou outro logar proximo, ao ar livre, debaixo
das arvores, se as ha.

Chegados a um logar novo para elles, tratam de se orien-


tarem conhecerem bem os arredores, percorrendo-os, sob
e

pretexto de ca9a, para saberem onde poderSo ir roubar.


Para onde vao levam os seus gados, que deixam pastar
em volta do seu acampamento, presos pelo pesco9o uns
aos outros ou peados. Quando nao ha pasto, poem-lhes em
frente golpelhas com palha.
Em Lisboa residem algumas familia s ciganas, no bairro
oriental, ha muitos annos outras vieram-se fixar aqui,
;

recentemente, de diversos pontos da Extremadura.


Communica-me o sr. Antonio Francisco Barata que em
Evora vivem pousam ciganos no bairro de Cogulos, na
e
rua de Santa Maria e travessas proximas d'essa rua; mas
so 4 familias teem residencia fixa alii; os demais ciganoa
teem casas arrendadas para residencia temporaria, entrando
e saindo. Arraiolos (e Torrao, como me diz o sr. Gabriel

Pereira) no admittem os ciganos, repellirido-os a for9a.

Occupapoes, industrias. Essas occupaoes e industrias


reduzem-se quasi exclusivamente para os homens a venda,
troca e prepara9ao para a venda e troca de gado muar,
cavallar e asinino, a venda de fazendas (principalmente
na Extremadura), contrabando, a tosquia de gado, e ao
roubo.
Nao sao creadores de gado, mas passam por bons conhe-
cedores. Sao em geral bons cavalleiros. Alguns teem sido
toureiros.

Algumas ciganas (e mais raramente ciganos) residentes


em Lisboa sao negociantes ambulantes de pannos.
Concorrem as feiras (nao ha nenhuma no Alemtejo e na
Extremadura em que nao appare9am) com sens gados e
outras mercadorias. Nos negocios de troca de cavalga-
duras querem sempre receber dinheiro alem de animaes.
Enganam com grande astucia os compradores e trocado-

res, ate os que se julgam muito finorios.

Um lavrador do Crato contou-me que um vizinho d'elle


vendera uma burra viciosa aos ciganos; foi a uma feira
e comprou-lhes uma burra que julgou ser bem differente
da sua. De volta a casa, um vizinho disse-lhe que a burra
parecia a mesma que vendera aos ciganos. comprador
em breve verificou que assim era, porque apenas o ani-
mal transpoz uma cancella, deitou a correr como era seu
costume.
Pintam os animaes e disfai^am por todos os modos os
seus defeitos.
Fazem crer que um animal velho e cangado e vivo e
bravo, pondo-lhes em cima a palnia da mao em que escon-
?

dem uma agulha, com que


o picam, para que pinoteie.
Um sportman desejava um cavallo de determinada cor;
um dia appareceu-lhe um a medida dos seus desejos, que
205

comprou; mas pouco depois reconheceu que fora burlado


1
por ciganos que tinham pintado o animal .

Nao consta que os ciganos se occupem nas industrias


dos metaes 2
. informador de Barbacena diz: S6 me lem-
bro de apparecer aqui urn que trabalhava de ferreiro e fez
uma safra ao Joao Ferreiro, que e onde malha o ferro.
No Alemtejo e talvez nas outras provincias nSo ha diffe-
renga de occupayoes entre os ciganos abastados e os po-
bres; mas os prinieiros n&o esmolam e s6 vao aos monies
para negocio ;
vivem nas povoagoes e trajam melhor.

Occupapoes das ciganas. Nenhumas ciganas em Portu-


gal teem por profissflo o canto e a dansa. Alem dos cui-
dados familiares, vemo-las commerciarem em fazendas,
como homens, lerem a buena dicha, serem curandeiras
os

(o que parece raro), mendigarem com maior ou menor

frequencia, sem viverem exclusivamente da mendicidade,


fazerem bruxarias e sobretudo roubarem e burlarem os
estranhos por di versos meios.
A buena dicha nao gosa hoje entre o povo de tanto cre-
dito como noutros tempos; todavia nas terras de provin-

cias, e principalmente para as raparigas, um divertimento,

negocio de cavalgaduras pertence ao numero das mais anti-


1

gas occupaQoes dos ciganos. Virno-lo ja figurar na Farga das ciga-


nas. Muitas das burlas que elles fazem nesse negocio sao mais ou
menos typicas. Per far poi apparire il cavallo vivace e ardente, lo
frustano terribilmente, gridando alcune parole di eccitamento cosi, :

quando si tratta di venderlo, basta ripetere queste parole che la


povera bestia, memore delle frustate, si anima, solta e caracolla ,

onde compratore e persuaso che il cavallo e sensibile alia voce


il

e di carattere vivacissimo. Piu forte sarebbe 1'ingano che riferisce


il Franz e cioe che introducano un' anguilla viva sotto la coda dei
;

cavalli onde con sifatto stimolo acquistono maggior alacrita. Co-

locci, p. 200.
2 Os ciganos perderam cedo, ao que parece, a industria dos me-
taes (vid. p. 175), que conservam noutros paises. Vid. Colocci,
p. 195-
200. Na Hispanha ha ainda gitanos ferreiros. Borrow, i,
64-65;
Mayo, p. 37.
206

que se paga a troco de alguns viutens, chamar uma cigana


(mais rararnente urn cigano os homens tambem as vezes :

leein a buena dicha) e ouvir d'ellas a sina. A buena dicha


nas linhas da palma da mao 4
le-se .

As ciganas tambem deitam cartas ; modo de divina9So


em que teem muitas rivaes portuguesas, algumas das

1
Sobre a chiromancia dos tsiganos em geral, vid. Colocci, p. 208-
211 ;
sobre a buenaventura dos gitanos, Borrow, i, p. 167 e segs. Nao
tendo colligido nenhuma buena dicha, reproduzo aqui as seguintes
buenaventuras de um artigo de Demofilo (Machado y Alvarez), pu-
blicado em La Enciciopedia, auo v, n. 31 (Sevilla, 1885), as quaes
servirao de commentario d Farqa das Ciganas, de Gil Vicente, na

parte respectiva.
1. En
nombre sea de Dios, que tu ventura sea buena, resala.
el

Eres hija buenos pares y e buena mare y tierresita buena e por


e
si: jase pocos dia q'has tenio un disgustiyo con una presona que

tu quieres en este mundo tu me quieres d dos presonas una para


;

pasd tiempo y otra para tu gose, que vas a se mare e cuatro chu-
rumbeliyos :
pos jase dias que te presiguen males lenguas tan sola-
mentc per conversasiones que tu tienes con ciertas presonas.
Trin pa aea, trin pa aya, catrafun catrafun y la santisima Tri-
nia.
2. En el nombre sea Dios, que tu ventura sea buena. Tu tienes
los ojiyos de enamorao que tu me
matas las piya d tiento y me las

cayando : un poquito de mar genio pero te se pasa al in-


tu tienes
stante eres hombre e secretes y hombre que nunca miras los inte-
;

reses pa nd tu eres una presona que has querio d dos, a una ha sio
:

lealmente y d otra pa gana e conversasion y d una le igiste, que


ibas d gorve y le gorviste las espardas tienes que se pare e
. , . :

cuatro churumbeles tu has estao criando una cachigordita artita e


:

pecho cumple tu con la gitana de buena gana que te voy a esi lo


:

mejo e la buena ventura.


3. En el nombve sea de Dios, que tu ventura sea buena, grasiosa.
Tu tienes un disgusto con una presona que bien quieres y no es
per comia ni per bebia que es per una presona que tu quieres que
la tienes en tierra estrana, pues tu tas escubierto d una presona

que ta pagao malamente pues tu tienes que recibi una carta de


una presona que bien quieres y tiene que ser en un un dia seiialao :

tu tienes que ser en este mundo mare e cinco hijos y tienes que ser
casa con un Jose; cumple tu con la gitana morena que t' ha dicho
la buenaventura, grasiosa.
207

quaes teem feito fortuna. Uma cigana, segundo a informa-


yao de uma senhora que residiu no Algarve, onde a encon-
trou, fazia uso na cartomancia de um baralho de cartas
muito pequeno e com desenhos nao vulgares.
As bruxarias das ciganas teem por fim burlar os pobres
de espirito, arrancando-lhes dinheiro e objectos de valor,
ja em paga dos seus services, j subrcpticiamente. Sa"o
sobretudo victimas as esposas que desejam reconciliar o
amor do marido infiel, os namorados e particularmente as
namoradas que aspiram a ter firme a affeiyao do objecto
amado, os ambiciosos que cubiam thesouros escondidos ou a
prompta muitiplica^ao dos seus haveres. Referi-me ja ao
processo inquisitorial de Garcia de Mira, que no seculo XVII
nos apresenta exemplos das artes magicas das ciganas.
Darei noticia de alguns casos modernos do mesmo genero,
a que em Lisboa e proximidades se da o nome de bagatas
(vid. p. 153).
Ha annos em uma cidade do norte de Portugal uma
esposa hospedara em casa umas ciganas que nao tardaram
em descobrir que o marido d'ella nao era fiel aos deveres

conjugaes; e, como se tivessem por effeito de suas artes


mysteriosas penetrado no segredo, se proposeram que-
brar o encanto que prendia o adultero a mulher illegi-
tima. A pobre esposa, dominada pelas feiticeiras, pres-
tou-se a ministrar os meios de fa/.er o grande feiti9o,

cujo resultado era asseverado infallivel. Era preciso pas-


sar as maos das ciganas o melhbr objecto de oiro que
houvesse em casa a esposa eritregou-lhes um valioso cor-
:

dao de oiro, que nao correria perigo, porque tudo seria


feito a vista d'ella. O cordao
pelas ciganas envolvido
foi

em panno com um pouco de cabello loiro, da cor do da bella,


causa do ciume o panno foi cosido a linha, e no enibrulho,
;

formando como uma almofada, espetaram-se muitas agu-


Ihas. O fei%o devia ser posto durante oito noites debaixo
do travesseiro do infiel, sem elle saber nem suspeitar tal
coisa,porque se o soubesse ou se alguem Ihe tocasse antes
de findo o prazo, nao so se teria mallogrado o feiti90, mas
208

ainda resultariam grandes males. Fez-se tudo como as

ciganas indicaram. Ellas disseram que iriam dar umas


voltas e viriam ao fim dos oito dias para desfazerem o
feitiyo. Mas os dias passaram e as feiticeiras nao volta-
ram. A esposa afflicta resolveu-se a abrir o embrulho
enfeitiado mas o cordao nao estava la.
;

Com o titulo de Bruxarias da actualidade, le-se no Dia-


rio de Noticias, de 31 de maio de 1884 (n. 6:591) :

Deve ser julgado hoje, no 1. districto criminal, umpro-


cesso a respeito de crime cuja historia nos parece interes-

sante, e que se revela astucia da parte dos auctores, nao


;

e decerto um grande elogio a esperteza dos queixosos.


Nao antecipemos juizos, vamos aos factos.

Ern principios de abril do anno passado apresentou-se


no commissariado da l. a divisao Gon9alo Antonio Rodri-
gues, morador na quinta Pequena do Valle Escuro, quei-
xando-se de terem ido a sua casa duas ciganas, dizendo
uma d'ellas a mulher do queixoso que a outra.adivinhava,
e por isso soubera que naquella casa havia um bahu escon-

dido, desde o tempo dos francezes, completamente cheio


de dobroes em ouro de cinco moedas cada um, e offereoen-
do-se para attrahirem o referido bahu. queixoso e a mu-
lher nao acreditaram nem deixaram de acreditar, ficaram
em duvida; mas, apesar d'isso, auctorisaram as mulheres a
fazerem o que entendessem necessario para descobrir o
appetecido bahu. No dia seguinte appareceram novamente
as duas ciganas e pediram uma bacia de maos com agua
e cinco pedras de sal, recommendando as ladras ao inge-
nue queixoso que' deitasse na bacia to do a dinheiro e ouro
que tivesse. Tudo Ihes foi satisfeito. As milagreiras deita-
ram fogo ao sal e este ardeu!!! De roda da bacia estavam
as duas ciganas, o queixoso e a mulher, cada um com
cinco fosforos accesos na mao e rezando uma esta9ao ao

Santissimo, estando na casa, sobre uma mesa, um Santo


Christo, tendo de cada lado uma vela accesa. O queixoso
e a mulher vendo arder o sal acreditaram no poder das
matronas. O caso era simples, o que ardia eram umas
209

pedras de camphora, porque as de sal tinhain sido substi-

tuidas por estas. Acabada a 01^19210, pediram um ovo fresco


quc deitaram em uma talha juntamente com o ouro quo
cstava na bacia, affirmando que, so o ovo apparecesse

cozido, era signal ccrto de que o balm queria quc o tiras-


sem do csconderijo. D'esta vez ainda se foram embora,
pedindo duas garrafas para no dia seguinte levarem, unia
chcia de agua de sete fontes e outra com agua benta de
sete pias.
aVoltaram no dia seguinte, com as garrafas cheias; veiu
novamente a bacia em que ellas deitaram o conteiido das
garrafas, juntando-lhe o ouro e dinheiro do queixoso ;
em
seguida tiraram o ovo que realmente estava cozido (pudera,
cozido estava elle antes de entrar na talha) e disseram ao

queixoso que o picasse, e deitasse por sua mao na agua


da bacia. A
milagreira entao esborrachou o ovo, misturou
tudo e extraindo a agua, deitou-a em um quarto aonde,

diziam, deveria estar o bahu. Embrulhando o ouro em uma


toalha, guardaram-na em uma commoda. Dois dias depois,
ainda voltaram, tirando outra vez o ouro, mettendo-o em uma
pucara de barro, que fecharam num
bahu, cuja chave
deram ao queixoso para que este a deitasse no pogo afim
de attrahir outro thesouro, recommendando-lhe que nao
tocasse no bahu, nem mesmo o fizesse estremecer, pois

que observadas estas prescripgoes o bahu apparecia na


noite de S. Joao ao cimo da agua do pOQO e ellas o pu-
chariam com uma fita. Assim que o queixoso deitou a chave
no po9o, as santas mulheres despediram-se, dizendo que
iam muito longe, buscar terra de sete cemiterios que era
so o que faltava para os queixosos ficarem ricos, porque
ellaspor sua parte so acceitariam o que elles dessem,
porque nao podiam pedir nada.
0s objectos de valor que serviram a este estupido ma-
nejo, foram cinco cordoes, uma corrente coin uma medalha,
dois anneis, dois pares de botoes, dois corayoes, uma me-

dalha, um crucifixo, tudo de ouro, duas moedas de dez


mil reis, duas de cinco mil reis ; dez libras, e dinheiro em
14
210

prata quarenta mil e quinhentos, fazendo o total de reis


356$000.
Como era de esperar, os queixosos passaram o mes de
maio a espreitar a borda do pogo a chegada do bahu, po-
rem, o teimoso nao apparecia. Afinal, coin a chegada de
junho, os calores proprios da epocha, aqueceram-lhe o
animo resolveram arrombar o bahu. Encontrarani a pu-
e
cara tapada com a toalha que Ihe tinham posto.
01haram um para o outro ainda na duvida de a destapar,
porem, o queixoso, mais audaz, levantou um pedacinho
e . . .
grande foi a decep9ao !
mysterioso cofre nao tinha
dentro um so dos valores que la deviam estar!
Correram a policia, deram parte do facto e corno con-
sequencia instaurou-se o processo. Foram quatro as res
pronunciadas duas, as ciganas, auctoras principaes do
;

crime, ainda nao foi possivel prende-las ha uma afiancada


;

e a quarta que deve ser julgada hoje, chama-se Maria da

Concei9ao, tambem cigana, e accusada como cumplice ; por


ser em sua casa que se concertou o piano do crime, e por
se ter aproveitado de parte do furto, pois recebeu uma
libra, apesar de Ihe terem promettido quatro para se calar.
No periodico Dia, de 6 de junho de 1892 (n. 1:498),
le-se com o titulo de A buena dicha:
Havera uns dez nieses appareceram em Mafra duas
ciganas, que se entregavam ao patusco mister de ler a
buena dicha a quern quer que se Ihes explicasse com dois
vintens.
Uma
rapariga do sitio parece que declarou as ciganas
que vivia desgostosa e contrariada por Cupido a todo o
transe.
As
ciganas, aproveitando a credulidade da pacovia amo-
rosa manquee, disseram-lhe que no seu futuro haviam de
dar-se factos de alta magnitude. Ellas encarregavam-se de
Ihe ler a buena dicha, mas em casa da rapariga e sem tes-
temunhas, porque a mais ligeira indiscrip9ao tiraria toda
a virtude a
Concedido.
211

As ciganas uma vez a sos com a rapariga, pediram-llie


oito libras cm ouro, rnas como el lanao tinha aquelle di-
nheiro, contentaram-se com urn bello cordao de ouro e tres
moedas de 500 reis em prata.
Esses objectos foram mettidos num peda90 de ramagem,
o qual foi cosido em presenca da rapariga e de urn Christo
(!)

que as ciganas levavam. Depois foi tudo mettido dentro


<lc um cofre, que foi fechado a chavc.
As
ciganas voltaram no dia seguinte, repetiram a ope-
ragao e disserani a rapariga que voltariam oito dias depois,
afiinde dizerem definitivamente o que o future me reser-
vava; mas recommendaram-lhe que nao abrisse o cofre
nem pessoa extranha o visse sequer, pois em caso de in-
fidelidade nao respondiam pela sua vida.
A rapariga esteve ate agora esperando as ciganas, mas
como ellas. se demorassem resolveu-se a abrir o cofre
. .

e a descoser a
ramagem.
Encontrou uma cadeia de ferro e tres botoes de latao.
Os processos, como se ve d' esses e de outros casos,
repetem-se como provas de um mesmo cliche. Os cordoes
de oiro, as moedas de oiro, os travesseiros e os embrulhos
representam o papel principal. A impiedade dos ciganos
nao os faz hesitar em acondimentarem os manejos com
ora9oes christas e em acondimentarem a credulidade com a
presenca de um Christo
4
.

Nos estabelecimentos commerciaes exercem muitas vezes


as ciganas os seus instinctos de gazze ladre. Para
comprarem

jonjano baro (Mayo Borrow escreve hokkano baro), gran soca-


1
;

lina, grande furto ardiloso, pertence as velhas artes gitanas. Na


novella de Geronimo d'Alcala, Historia de Alonso, mozo de muchos
amos, escripta no sec. xvn e citada por Borrow, refere-se uma his-
toriamuito semelhante d reproduzida do Diario de Noticias e em
que uma viuva cubicosa junta joias de oiro e prata para attrahir,
segundo os preceitos de uma gitana, um grande thesouro escondido
na adega; mas o dinheiro que serve de isca e escamoteado pela
enganadora gitana. Borrow, i, 133-137. Vid. ainda o mesmo auctor,
i, 310-315.
212

os prepares de uma refeigao, por exemplo, toucinho, feijao,


cafe, assucar, farinha em vez numa so mer-
de entrarem
ccaria, dirigem-se a muitas, onde compram uma so coisa,
para assiin ter maior numero de occasioes de tentarem
furtos. Nas lojas de fazendas, cujos donos ou oaixeiros
ainda nao conhecem as suas artes, fazem vir para cima do
balcao muitas peyas para escolherem, a fim de mellior po-
derem escamotear algunia ou algumas. Sao realmente emi-
nentes na escamoteayao.
Quando giravam libras esterlinas nos negocios, as ci-
ganas costumavam dirigir-se aos cominerciantes que acha-
vam com cara de pobres de espirito e propunham-lhes
trocar libras da rainha Victoria por libras de Jorge III,

que teem cunhado um cavallo e a que o povo chama libras


de eavallinho, dando um cambio e allegando fazerem ne-
gocio essas libras por serem muito procuradas. Se um
com
commerciante Ihe apresentava um punhado d'essas libras,
tratavam de escamotear alguma com a maxima perfeiyao
e de convence-lo de que se tinha enganado em o numero 1
.

Uma quadra alemtejana (canto de natal), colhida por


Pires, allude aos habitos de ladroagem das ciganas :

So cigana do Egypto
Minha sina 6 robar,
H6-de furtar o Des-menino
P'ra minha alma se salvar.

Superstipoes. Pouquissimo pude collier acerca das su-


perstiyoes ciganas. certo, no poder de alguns
Creem, por
feitiyos. Uma cigana recusou a Pires terminantemente dar-
Ihe um bocado do seu cabello, sem duvida com receio de

1
Cada dia van siendo menos frecuentes las antigas practicas de

las gitanas, quienes, mientres sus hombres chalaneaban en las ferias

y mercados, ellas tenian especial liabilidad de manos para hacer


desaparecer las monedas en los cambios, ustilar d baste, coger a la
mano. Mayo, p. 40. Vid. Borrow, i,
315-317.
213

quc fosse applicado a algum feitigo. Uma outra,


observada
no Algarve, parecia perfeitamente convencida da verdade
da cartomancia quo praticava, e dizia que ai d'ella, se o
signal da morte Ihe appareccsse naquellas cartas, porque
infalltvelmente morreria.

Segundo Pires, os ciganos alcmtejanos consideram como


mau agoiro :

1. Verier azeitq ;

2. Quebrar vidros;
3. Espalhar sal;
4. Jogar as cartas. cigano jogador tern mala paje,
ma sorte; e infeliz nas troeas.
As tres primeiras superstigoes encontram-se
no povo
*.
portugues

Jogos. Festas. A
inaptidao para o trabalho regular junto
com o amor do movimento levam os ciganos naturalmente
aos jogos ; como uma occupagao sem finalidade. Parece
que no Alemtejo e Tras-os-montes os jogos preferidos sao
o salto, o pulo e o jogo da barra. Vid. pp.- 216 e 217.
Das pouco pude colher. No Alemtejo a
festas ciganas

principal, senao a imica, de epocha fixa e a do S. Joao.


Mas essa festa nao tern para elles nenhum caracter reli-
gioso, embora represente talvez uma muito obliterada tra-

digSo adaptada,
nacional, exteriormente a uma festa

christa. E
entao que se faz a maior feira do Alemtejo,
em Evora, a 24 de junho. Alii concorrem numerosos ci-
ganos (ha quern diga que todos os da provincia e ainda
alguns de outras partes do pais) e alguns gitanos, c durante
tres diascantam, dangam, comem, bebem, celebram casa-
mentos, fazem negocios.

1
Sobre as superstigoes dos tsiganos em geral, vid. Colocci, p.
1(5-1, 215. 138-139, menciona o mau olhado como cren$a
Borrow i,

gitana, a qual existe talvez tambem entre os ciganos, como o uso


dos amuletos, de que ouvi fallar, mas a pessoa que nao estava muito
certa a esse respeito. Colocci, p. 213-214.
214

Segundo me informa o sr. G. Pereira, lavam a cara


em a noite de S. Joao a meia noite 1 E essa a unica par- .

ticularidade notavel da festa, que chegou ao men conhe-


cimento.

Baptismo. E
voz constante no Alemtejo e Tras-os-montes
(provavelmente tambem nas outras provincias em que ha
ciganos) que as ciganas quando teem um filho o baptisam,
isto e,mergulham-no no primeiro ribeiro que encontram
e dizem:

Eu te baptise neste ribeiro


P'ra que saias um ladrao bem ligeiro

ou:

Eu te baptise neste ribeiro


Para que sejas valente de pe leve e unha ligeiro.

Depois d'isso as creanas sao baptisadas catholicamente,


e tantas vezes quantas os paes podera arranjar para pa-

1
Os tsiganos de outros paizes teem tambem festas de epocha
fixa. Os da Turquia celebram a kakkavd ou festa das caldeiras, a
come-9ar no dia de S. Jorge, 23 abril (est. v.) nos paizes meridionaes
da Rumelia e ma is tarde no norte. A
festa por vezes 6 collectiva,
reunindo-se centenares de tendas. Durante tres dias os tchingianes
entregam-se a festas, a dansas e a jogos.
A festa de 28 de agosto (est. v.) 6 especial aos atsincani de Volo
As comidas, as bebidas, a gritaria, a musica, a dansa, formam a
base do divertimento. Colocci, p. 169-170. Na Hispanlia celebram
tambem os gitanos uma festa pelo S. Joao.
A lavagem da cara dos ciganos do Alemtejo, em a noite de
S. Joao, corresponde o costume de banhar tres vezes as fontes da
cabea a beira do mar ou de um rio, no 1. de rnaio, referido por
Colocci, 164. Essa coincidencia inclina-me a pensar, ao contrario
d'esse escriptor italiano, que em taes festas ha vestigio muito obli-
terado da tradi^ao das festas naturalisticas dos aryas da Asia, rea-
nimado pelas festas dos aryas europeus, que fundiram com dados
christaos as velhas tradicoes naturalisticas do 00111090 da primavera,
do outomno, do solsticio de verao,
215

drinhos lavradores ricos, em cada freguezia que percorrem,


afim de se relacionarem com elles c receberem as baetas,

(presentes de baptismo, Alemtejo) e mais tarde prote 09310.


Parece, por6m, que os ciganos abastados e sedentarios
so baptisam os iilhos uma vez *.

Casamento. Uma senhora que residiu no Algarve obser-


vou alii um casamento de ciganos que me descreveu da
seguinte maneira.
Havia a pequena distancia dois acampamentos ao ar
livre. Num d'elles estava a noiva, noutro o noivo. noiva A
vestia saia cor de rosa com tiras escarlates e pretas, ca-

misa de linho grosso branco, fazendo bolso, isto e, saindo


para fora acima da cintura, por debaixo de um jaleco de
cores vivas, bordado. Ao pescoco tinha niuitos collares de
contas do cores, e das orelhas pendiam-lhe grandes arre-
cadas de latao. noivo bem vestido foi correndo do seu

campo para o d'ella, tomou-a nos brayos e levou-a para o


seu campo. Alii a noiva tomou um pequeno cantaro de
barro, levantou-o e deixou-o cair; reuniram cuidadosa-
mente os cacos, e guardaram-nos depois de os ter con-
tado. Segundo a minha informadora elles tiravam agoiro,
ja do ruido produzido pela quebra do cantaro, ja do nu-
niero dos cacos, que, talvez significasse o numero de an-
nos que viveriam casados.
Os ciganos, escreve L. de Vasconcellos, segundo a infor-
maao que um Ihe deu, casam so entre si. Quando um
casamento esta justo, celebra-se um grande banquete.
Nessa occasiao vae o noivo saber se e da vontade da
noiva o casamento: no caso affirmative, pagam as duas
familias a meias as despesasno caso negative estas sao
;

1
Cf. Colocci, p. 166. Si lasciano battezare fra i
cristiani, si las-
ciano circoncidere fra i turchi. Dos tsiganos bascos diz Prancisque
Michel, Le pays basque, p. 141 : ... ils sont tous baptises, et meme

plus dunefois; mais c'est calcul de leur part etun nouveau moyen
de vivre au depens d'autrui, ete.'>
216

a custa do noivo. No dia do casamento ha uma corrida de

gallos (vid. infra).


A informaao e talvez inexacta trata-se provavelmente,
:

nao da vontade da noiva, mas da da familia d'ella.


informador de Barbacena diz Sendo eu pequeno, :

houve aqui um casamento de ciganos. Arrearam elles uns


cavallos muito enfeitados; montaram os homens e algu-
mas mulheres e depois foram correndo. cigano que era
o noivo corria atras da noiva e os outros gritavam: Pilha

que e tua*; e depois furtaram-lh'a, sempre a cavallo, ate


que recolheram para a casa onde habitavam no logar, por
aquelle tempo, e fizeram um grande banquete, comendo,
bebendo e bailando, e fazendo outros divertimentos. Nao
tornei a ver casamento de ciganos. Dizem que todos se
casam assim que nao se recebem de matrimonio (isto e,
e

catholicamente) masparece-me que um Vicente, de um filho


;

do qual F. foi ser padrinho, e casado (catholicamente) 2 *.


Um informador de Villa Vigosa escreve: Para attestar
a virgindade da noiva, tres ciganos dos mais velhos. che-
fes da tribu, estendem sobre a cama um 161190! muito

arrendado, fazem entrar os noivos no quarto e esperam


na casa contigua. Consummado o acto, vao os chefes bus-
car o lenyol e mostram-no aos demais ciganos. Esse len-

yol e denominado lengol de honra-s).


Uma cigana velha ministrou os seguintes dados acerca
do casamento dos ciganos vagabundos.
A
noiva e pedida pelos paes do noivo. Ajustam entao
o dia do casamento. Nesse dia estendem no campo em

que est&o acantoados um saco feito de estopa a noiva des- ?

pe-se ficando apenas com a camisa, e deita-se de


;
costas
sobre o saco. Reune-se em volta toda a tribu. noivo, com
um pequeno lengo branco de algodao enrolado na mao di-

Variante, segundo outro informador Pilhd-ld qu & tula


1 : ! PilliCi-

Id qu' e tula !

2 Esta informa^ao como as duas seguintes foram obtidas por A,


Thomaz Pires.
217

reita c no dcdo indicador, precede de joelhos c com essc


dodo, ao rompiuiento do veo da que ha de ser sua compa-
nheira. Em seguida mostra o lenyo ;
se esta manchado do
sangue, ha grande contentamento e vivorio em toda a tribu,
ficam desde logo casados, a noiva 6 abrayada por todos,
o come9am os divertimentos. divertimento favorito c o

jogo dos gnllos. Correndo em cavallos a toda a brida, com


as mulhercs a garupa e com Ian9as (sic) na mao, csfor-

cain-se por espetar os gallos que estao dependurados de


uma corda ligada adifferentesarvores. Hadescantes, bailes,

jantar da boda, etc.


Se o lengo nao apresenta vestigio algum de sangue, a
noiva 6 estrangulada pelos paes do noivo (sic).
E costume haver muitos casamentos no mesmo dia.
As raparigas casam entre os 16 e 18 annos.
1
lenQO e guardado pelos paes do noivo .))

1A mesma cigana deu ainda a informacao seguinte :

Em Hespanha, entre os ciganos abastados, o hymen e rasgado pelo


Peliche 'Velho da tribu a que as rnocas solteiras teem grande ivs-

que usa a unha do indicador da man direita muito crescida.


peito, e
Recebe de ordinario meia ona (8 duros) pela operacao, que e feita
a occultas, vindo elle depois mostrar o lenco a gente dos noivos e
aos convidados.
A existencia da prova da virgindade na Hispanha, entre os gita-

nos, era ja conhecida. Eis o que a esse respeito diz P. Bataillard na


sua nota Les Gitanos d'Espagm et les Ciganos de Portugal (Extrait
du Compie Rendu de la 9* Session du Congres intern, d'anthropol. et
d'archeol. prehist.), p. 21 (501) :

I1 existe parmi les Gitanos une coutume qui, autant que j'ai pu
le savoir,ne se retrouve point parmi les autres Tsiganes d'Europe,
parmi ceux, du moins, qui n'ont pas eu des relations particulieres
avec leurs freres d'Espagne Immediatement avant sa premiere
:

nuit de noces, la jeune fille est d6floree par des matroues qui attes-
tcnt sa virginite, etc. C'est une coutume d'ailleurs repandue chez
les Musulmans, mais qui est entour6e chez les Gitanos de beau coup
de solemnite le mouchoir sanglant qui a servi a 1'operation mys-
:

terieuse est montre a tous les gens de la noce et pr6cieusement


conserv6 dans la famille. Borrow, qui n'a guere pu ignorer cette
coutume, mais qui, ecrivant pour le grand public anglais, a evidem*
218

E rarissimo, mas nao sem exemplo, casarem ciganos


com mulheres estranhas a raya. sr. Deusdado refe-
riu-me o casamento catholico de um ciganu trasmontano
com a filha de um lavrador que delle se agradou e se dei-
xou rap tar por elle. cigano nao renunciou a sua vida
pelas feiras, einquanto a mulher permanecia em casa.

raent craint de blesser sa pudeur, ne fait qu'une allusion obscure

(p. 239) a la defloration par les matrones, et supprime consequem-


ment les marques de sang sur le fameux mouchoir, qu'il mentionne
pourtant en le distinguant de la ceinture de chastete (dont je par-
lerai tout a 1'heure). Ainsi Borrow ne nous renseigne pas sur le

point essentiel decrivant une noce gitana a laquelle il avait assiste,


:

il
parle meme (p. 240) d'un mouchoir sans tache sans lequel il n'y
aurait pas eu de noce, et qu'on avait arbore, ainsi que la ceinture
de chastete elle-meme, comme drapeau de la fete : ce qui serait
tout a fait de nature a induire en erreur. Mais queje puis affirmer
la coutume que j'ai tout d'abord indiquee est certaine bien avant :

Borrow, un autre Anglais 1'avait decrite avec des details accessoires


qui ont leur interet; et moi, j'ai rencontre bien des fois en France
des Bohemiens plus ou moins affilies a ceux d'Espagne, pres des-
quels j'ai pu m'assurer de sa realite; plusieurs me 1'ont decrite en
que cette coutume, naturellement pratiqu6e
detail. J'ai appris ainsi

aussi par la plupart des Bohemiens du sud-est de la France qui se


rattachent etroitement a ceux d'Espagne, avait en quelque facon
penetre chez les Bohemiens du Piemont et meme de la Suisse, mais
avec des modifications importantes et qui lui otent une partie de
son cachet oriental."
Machado y Alvarez da nos Cantes flamencos, p. 107 e 117, as
seguintes seguidilhas gitanas :

Bendita la mare
Que tieue que da
Como dinaba rosita y mosquetas
Po la madruga.

En un praito berde
Tendi mi panuelo ;

Como salieron mare tres rositas


Como tres luseros.

E diz em Esta copla, como la que lleva el num. 20 de las


nota:

seguidillas gitanas de esta Coleccion, alude a la costumbre que tie-


219

Ha tambem casos de ciganas casadas com estranhos a

Segundo informa9ao do sr. A. F. Barata, os ciganos


domiciliados em Evora casam catholicamente. mesmo se
dd, segundo apurei, com relagao aos ciganos domiciliados
em Lisboa.
Relativamente a divorcio nada pude apurar.

Prostituigao. Como vimos as ciganas gosam de reputa-


ao de fidelidade, e os costumes dessa gente provam o

apreyo dado d honra feminina, a virgindade que se en-

ncn los gitanos, de presentar, al dia seguiente de la boda, la camisa


de la desposada para que las familias conocidas puedan cerciorar-se
de la virginidad de la doncella de la vispera.
A Iacera9ao do hymen anterior ao coito apparece em varios povos.
As raparigas sakkalavas de Madagascar praticam em si proprias
essa operaQao. Na Australia ella e brutalmente realisada pelos
velhos, numlogar solitario, logo que os seios da virgem come^am a
dilatar-se. H. Ploss, Das Weib in der Natur-und Volkerkunde, i 2 301.,

Mas nesses povos tal opera9ao nao tern por fim verificar o estado
de virgindade, como succede no continente africano e na Asia. Na
maior parte dos paises d'essas duas partes do-mundo, o homem
deseja convencer se que a mulher com quern vae casar esta virgem.
No Egypto a prova e tirada com um lenco de musselina, o qual se
mostra ensaguentado aos parentes. Na Nubia a ope^ao faz-se sim-
plesmente com o dedo e ante testemunhas. Uma matrona e quem
entre os arabes e coptas precede a prova com um lenQO de linho

que Ihe envolve o index. Na Russia meridional mostram-se as man-


chas sanguineas, se as ha, da camisa da noiva, as quaes sao rece-
bidas com tanta alegria quanto e o desprezo que ella merece, se a
prova falhou. Costume semelhante se encontra entre muitos povos
orientaes. Os bulgaros exigem do noivo a prova de que a noiva
estava virgem. Ob. cit., p. 303 e seg. A
prova da virgindade appa-
race ja na Biblia. Se o noivo punha em duvida calumniosamente a
virgindade da noiva, o pae d'esta extendia o Ien9ol com a prova a
face dos anciaos da cidade. Deuteronomio, xxn, 13-21.
Machado y Alvarez, ob. cit, p. 117 n., traslada a respeito do
mesmo costume no povo da Sicilia a seguinte passagem da obra de
Gr. Pitre, Usi Natalizi, Nuziali e Funebri del Popolo siciliano (Pa-
lermo, 1879): La dimane delle nozze, si mettea in mostra la cami-
220

trega ao esposo. Todavia corno nao ha regra sem excepgao,


algumas ciganas, ou solteiras ou casadas com ciganos,
teem convivido com estranhos.
Pires colligiu a seguinte informagao rarissimo en- : E
tregar-se uma cigana, e a que se entrega e desprezada,
e expulsa da tribu. Um
exemplo: Numa das ultimas fei-
ras de Villa Vigosa, em um botequim, havia uma cigana

prostituta (caso rarissimo); pois os ciganos solteiros, que


costumam entrar a miudo em todos os botequins das fei-

ras, nem
ao pe d'esse botequiui chegavam. Esse caso de-
via ter-se dado antes de 1879, pois por essa epocha appro-

cia della sposa, perche i parent! e i vicini potessero scorgervi i segni


suddetti. A
questo fato pare che allude la frase popolare La me
cammisa 'un arristau bbianca, che nelle loro zuffe le donne si riman-
dano per ventare 1'onor loro. Outra variante siciliana do costume
consiste em a mae fazer a cama no dia seguinte ao da boda, quando
estao presentes os parentes do marido, as vizinhas e comadres do
bairro, a fim de yerem as provas da recente perda da virgindade
da noiva e poderem attesta-la.

Mayo diz, p. 42: Todavia se conserva entre muchas familias


gitanas la costumbre antigua espanola que desaparecio con la accc-
sion de la casa de Austria al trono de Espaua y a la que se sujeto
Isabel de Castilla cuando se caso em Valladolid con Fernando de
Aragon, esto es, la de mostrar a los convidados el dia de tornaboda
el cendal de la desposada, la prueba justificativa. . .

Referem-me que na corte portuguesa existia ainda neste seculo

egual costume : a prova da virgindade de uma rainha e da consum-


macao do casamento era apresentada aos ministros e grandes da
corte.

Adoptaram gitanos e ciganos esse costume na Hispanha? Trou-


xeram-no de outra parte? E um problema que so pode ser discu-
tido num estudo geral sobrc as migra9oes dos tsiganos.
A simula^ao do rapto da noiva, ultimo vestigio do verdadeiro
rap to primitive, encontra-se entre tsiganos de outros paises, assim
como em muitos outros povos, e e ate bem conhecida em diversos
logares dc Portugal.
Fra gli Zingari turchi, diz Colocci, p. 226, la cerimonia (do ma-
trimonio) consiste talvotta nel simulare una zufFa, durante la quale
il
giovane rapisce la sposa. Un viaggiatore cosi narra un matri-
monio zingaro a Costantinopoli I1
y avait foule nombreuse a
:
221

ximadamente prohibido o estacionamento de prostitutas


foi

nos botequins das feiras de Villa Vi9osa.


Segundo uma informac.rio recebida de Evora, ainda alii
vive uma cigana afamada, que foi auiante do ultimo conde
do Vimioso. Esta na companhia de um filho que e alfaiate,
mas que tern nonic fidalgo, assim como outro que reside
em Lisboa e dizem scr rico. Esta cigana, diz o meu infoiv

madofj como as deniais que aberram dos principios da


desprezada de todos e vive isolada com o filho
seita, foi
. . .

Esta cigana e a cantada nos acompanharnentos de viola


com o noine de Severa.

1'entree de la prairie deBoyuk-Dere, ou Ton celebrait un mariage


bohomicn. Les tentes des families des future conjoin ts etaient a une
distance d'une vingtaine de metres environ, et Ton voyait aller et
venir d'une tente a 1'autre les parents des futurs epoux ainsi que
Ics invites, armes de batons et simulant une lutte, pendant laquelle
les fiances s'etaient rencontres pres d'une des tentes. Lejeunehom-
me s'empara de sa future et 1'ayant embrasse"e rentra avec elle dans
sa tente. Apres quoi ils partirent ensemble pour aller feter la dive
bouteille, accompagnes de leurs parents, suivant 1'usage. Et ainsi
iiiiit cette noce patriarcale.
Sobre a simulacao do rapto nos casamentos populares em Portu-
gal, vid. Z. Consiglieri Pedroso in Compte rendu de la neuvieme ses-
sion du, Congres d'antropol. et d'archeol. pre"h., pp. 628 segs.
Relativamente a cerimonia do cantaro quebrado, vejamos Colocci,
p. 225-226 In Ispagna e in Moldavia (secondo Borrow e Cogal-
:

niceano) la cerimonia delle nozze consiste ancora nel rompere die


fa la sposa di un vaso di terra davanti all'uomo del qual e per farsi

compagna; ed cssi son fatti legittimi coningi, come Gringoire ed


Esmeralda. Ciascuna delle parti raccoglie alcuni frammenti del vaso
e li conserva presso di se con molta cura. La convivenza loro e
considerata obbligatoria, finche sussiste presso di essi alcuni di
quei frammenti. Questi smarriti, per qualunque causa, accidentale
o voluntaria, i coningi divengono perfettamente liberi, ne ponno piu
rinnovare la loro unione, se non colla rottura d'un secondo vaso, e
poi d'un terzo, ecc.
Essa explicacao permitte-nos interpretar a informacao incompleta
reproduzida acima todavia o sentido da cerimonia pode ter-se al-
;

terado entre os ciganos.


222

O Fado da Severa foi colligido em Coimbra pelo sr.


*
Theophilo Braga e come9a pelas quadras seguintes :

Chorac, fadistas, chorae,


Que uma fadista morreu ;

Hoje mesmo faz urn anno,


Que a Severa falleceu.

Conde de Vimioso
Um duro golpe soffreu,
Quando Ihe foram dizer
A tua Severa morreu.

Por porque o nome da cigana de Evora nao e


isso e

Severa, parece-me que esta seria amante de urn conde de


Vimioso mais antigo que o ultimo, que eu me lembro de
na pra9a do Campo de Sant'Anna, em
ter visto tourear
Lisboa. Era considerado nesse tempo como o primeiro
cavalleiro e negociava em cavallos como os ciganos.
Os fidalgos foram muito aficionados as ciganas, e d'ahi
resultou mais que uma linha de bastardia. Hoje ellas estao
evidentemente decahidas d'esse antigo favor.
As ciganas sao muito livres de lingua, nao se pejando
de dizerem as maiores obscenidades. Isso, junto com os
seus modos facilmente provocadores, attrahiu-lhes por vezes
uma reputaQao que geralmente nao merecem, gra9as a sua
obediencia aos costumes tradicionaes da

Costumes funebres. Segundo uma informa9ao de Pires,


quando morre um cigano e enterrado pelos da tribu em
pleno campo e sem mais formalidades, al6m do grande

1
Cancioneiro popular (Porto, 1867), pp. 140-141.
2 Sobre as desencontradas opinioes relativamente a prostituicao
ou castidade das tsiganas, vid. Colocci, p. 220-224 e 227. Cf. supra
p. 192. No que respeita as gitanas, nesse ponto de vista, vid. Bor-
row, i, 323-337 e Mayo, p. 39, que exaggeram sem duvida a virtude
da gitana e das tsiganas em geral. ultimo chega a dizer : En
niugun lupanar de Europa se encuentra una prostituta gitana.
223

choro das mulheres e das creangas. Nao mettem na sepul-


tura nenhuns utensilios ou armas, mas siniplesmente o
corpo.Diversas pessoas diziam que os ciganos enterra-
vam a occultas os cadaveres dos adultos, fora de sagrado.
As creangas (pelo menos algumas) sSo enterradas nos
cemiterios christaos. cadaver 6 acompanhado de homens
e mulheres, soltando estas grandes alaridos. MaB nao bai-
lain nem cantam por essa occasiao.
Nalguns pontos do Alemtejo, segundo outras informa-
goes, diz-se que se ignora onde os ciganos enterram os ca-
daveres dos adultos. Em Cuba pensava-se que eram enter-
rados nas propriedades de um lavrador rico e titular,

protector d'elles.
Segundo urua informagao, em tempo um cigano foi em
Villa- Vigosa fallar ao parocho para Ihe enterrar o pae,

e como o padre Ihe pedisse 2$400 reis, aquelle cigano


disse-lheque vivo nao valia o pae esse dinheiro, que nao
dava mais de 500 reis; e como o padre nao se quiz satis-
fazer com tal offerta, o cigano marchou de noite com os

sens, abandonando o cadaver insepulto na casa onde es-

tavam.
Os ciganos deitam luto pelos mortos que e de cor preta
(collar do).
As viuvas cortam o trogo do cabello e nao o deixam
crescer emquanto viuvas, usando entao de lengo amarrado
d cabega.

Relagoes com os tsiganos dos outros paises. Os ciganos


acham-se muitas vezes em contacto com os gitanos, quer
sejam que atravessem a fronteira para irem a His-
elles

panha, quer sejam os gitanos que venham a Portugal. Ja


vimos que vinham alguns dos ultimos a feira de Evora.
Nas terras portuguesas proximas da fronteira sao vistos
muitas vezes; parece que se entendem bem com os ci-
ganos.
Portugal e por vezes percorrido por bandos de tsiganos
d'alem dos Pyrineus, principalmente por tsiganos caldei-
224

reiros da Hungria e tsiganos conductores de ursos e ma-


cacos da Bucovina, os quaes, sem duvida, tern contacto
com os ciganos ; todavia parece que as relagoes nao sao
miiito intimas, para que se produza entre elles qualquer
influencia nos costumes, lingua, etc.
Informa-me o meu amigo sr. Augusto Neuparlh de que
cm Santa Combadao, estagao do caminho de ferro da
Bcira-Alta, esta estabelecido um individuo chamado Jose
Duarte, que apresenta typo tsigano, mais fino que o dos
ciganos, e a quern chamam o hungaro. Tern uma taberna
e trens de aluguer. E, ao que parece, um tsigano hungaro
ou filho de tsiganos hungaros a quern o pais agradou.
Duarte e casado com uma portuguesa.
Nestes ultimos annos vieram ate as proximidades de
Lisboa dois bandos de tsiganos hungaros, parte dos quaes
entraram varias vezes na cidade. Infelizmente foi-me im-
possivel entao ir examina-los de perto.
Reproduzo uma noticia acerca de um d'esses bandos,
vistoha annos em Elvas.
Acamparam ha dias no rocio da Fonte Nova e levan-
taram hontem, quinta-feira, pelas 3 horas da tarde, suas
tendas, uma caravana de ciganos hungaros que se com-
punha de uns 50 entre mulheres e creangas. Armaram as
tendas, servindo-se, como e de uso entre elles, de seus

carromatos, toldos, etc.


Exerciam o mister de caldeireiros e com tal proficiencia

que deixaram pasmados os artistas nopolitanos de egual

profissao, estabelecidos nesta cidade.


aLevantaram o campo em consequencia de cento e tantos
mil reis que a alfandega Ihes exigia como fianga a 17 ca-
vallos que traziam e puxavam os carros.

aspecto d'esta gente e hediondo tez morena e afeiada


:

pela habitual falta de limpeza, e barba longa e esqualida,


cabellos compridos e immundos, o corpo mal coberto de

farrapos e esses sordidos e fetidos. Entre a caravana vinham


dois duques, miseraveis como os restantes; apenas os dis-

tinguiam os bastoes com ponteira e maceta de metal branco,


225

e uns botoes no collete do mesmo metal, em forma e ta-


manho de urn ovo de gallinha. As mulheres nao sabemos
se usavam arrecadas, porque tinham a cabe9a atada com

farrapos, mas viam-se-lhes ao pescogo collares de pre90 e


contas de oiro, e algumas usavam de botas encarnadas.
As crean9as usavmii igualmente botas ate ao joelho, mas
pretas, e quasi todas fumavam de cachimbo. Ha via algu-
mas com feioes regularissimas, e os olhos de todas, ne-
gros e rasgados, faiscavam de brilhantes.
Apesar de sabermos que a caravana trazia objectos pre-
ciosos de prata e oiro, quando algum estranho se appro-

ximava, as creangas acercavam-se e, beijando-lhe as maos,


pes, etc., pediam-lhe de maos postas alguns francos.
Quando tizemos visita ao campo, tivemos occasiao de
ver como esta gente se alimenta: couve verde fervida

simplesmente em agua, nabos crus salgados, sardinha feita


em pedagos com as maos e langada numa certa de ferro
immunda, e, mal cozida, tirada d'alli com as maos e comida
com uma voracidade canina.
Soubemos agora por uns amigos que chegaram de Bada-
joz, que se acha alii acampada (a caravana) as margens do
Guadiana. Como em Elvas, e alii a spectactio gentium. E a
caravana nao pasma de curiosidade, antes se ri surrateira
ou se torna indifferente * !

Em maio de 1883 viu Thomaz Pires na alameda de


Borba, a entrada da villa, uina caravana dc ciganos hun-
garos, que tinham armado alii tres grandes barracas. Os
rapazes sairam d estrada a pedir esmola. Dois d'esses
ciganos disscram que eram caldeireiros, traziam objectos
para vender e concertavam os que Ihes confiassem. Vinhain
da Hispanha e dirigiam-se a Evora. Queixavam-se de ter
feitopouco negocio em Portugal e tencionavam voltar para
Hispanha, se nao fossem mais felizes em Evora. Diziam-se

1
A Democracia padfica, 22 de outubro de 1869. Elvas, in anno.
n. 127.

15
226

natnraes da Hungria. Traziam cavallos so para seu serviQO,

pois nao faziam negocio de gado. Fallavam, diziam, uma


lingua especial, que nao era a dos ciganos hispanhoes. Nao
gostavam de ser comparados com estes. Os dois fallavam
perfeitamente hispanhol e eram muito attenciosos e sym-
pathicos. typo era mais fino, como ja foi referido, que o
dos ciganos alemtejanos usavam o cabello muito comprido.
;

O seu vestuario era como o da caravana descripta no artigo


anteriormente transcripto.
Os ciganos a que se refere esse artigo pediam que,
nas transacgoes feitas com elles, Ihes pagassem em pintos

(moeda portuguesa de 480 reis, hoje fora do curso legal).


Parecia que conheciam bem essa moeda.
Pires encontrou mais tarde, como ja viruos, um cigano

alemtejano que Ihe affirmou que os ciganos hungaros fal-


lavam o rumanho, como Talvez esses tsiganos fallas-
elle.

sem o hispanhol misturado com termos da sua lingua e


ainda com termos gitanos, dando assim ao cigano alemte-
jano a impressao de que fallavam a linguagem peculiar
deste, que nao poderia entender o dialecto tsigano hungaro,
com a sua grammatica distincta.

Estatistica. E impossivel saber, sequer approximativa-


mente, qual o numero de ciganos que ha em Portugal ou
em qualquer das suas provincias.
No Alemtejo ha quern calcule existirem ali 2:000 a 3:000.
informador de Barbacena, assim como o sr. Gabriel
Pereira, acham muito exaggerado esse numero, concor-
dando ambos em que naquella provincia nao havera mais
ou muito mais de 400 a 500. segundo informador ba-
seia-se na estimativa a olho (sem contar) dos que concor-
rem a feira de S. Joao em Evora, onde como se disse ja,
se julga reunirem-Be todos os ciganos alemtejanos, ainda
com alguns de outras provincias.
Pires diz que a feira de Villa Vi9osa de 30 de maio de
1883 concorreram mais de 500 ciganos alemtejanos, ho-
mens, mulheres e creangas.
227

A uma feira das Caldas da Rainha ha quatro ou cinco


annos nao concorreram mais de 50 da Extremadura to- ;

davia informam-me de que a fcira annual de Sacavem,

perto de Lisboa veem muitos centos d'elles. Nesta pro-


vincia, diz-se, tainbem deve haver alguns milhares de ciga-
nos. Esses doisultimos computes sao talvez exaggerados.

Conclusao. Os factos glottologicos, a historia e os cos-


tumes mostram que os ciganos de Portugal nSo se distin-

guem por nenhuma particularidade importante dos gitanos


de Hispanha, abstrahindo das differenyas resultantes de
influencias locaes, que principalmente se fazem sentir nos

gitanos andaluzes.
APPEND1CE I

DOCUMENTOS

Nao me foi possivel encontrar as integras dalguns docu-


racntos dados em extracto, nem os originaes -ou copias
coevas d'outros reproduzidos de collec9oes impressas, por
faltarem os respectivos registos ou diplomas no Archivo
Nacional.
os
Devo a copia dos documentos n. 5 e 6 ao sr. P. Bar-
tholomeu de Azevedo.
sr. Antonio Francisco Barata, da Bibliotheca publica

de Evora, communica-me o seguinte :

Existem na Camara (de Evora) documentos acerca de


ciganos desde 1549, nos Livros dos originaes a fl. 137
do II ;
fl. 285 do xii; fl. 315 do vi; fl. 314 do Livro de
Jose Lopes de Mira e a fl. 100 v., fl. 174 v., 175 e 176
do Livro vi de Registo, com datas de 8 de outubro de

1549; 17 de agosto de 1557; 16 de setembro de 1566;


20 de maio de 1587; 15 de julho de 1686; 15 de maio
do 1694 (diversos); 22 de maio de 1694 e 23 de Janeiro
de 1699.
estranjeiros e da prolii-
Tratam da expulsao dos ciganos
bi9ao aos nacionaes de trajarem a seu uso e de nao traba-
Iharem; ordenam que os fa9am trabalhar e aprender offi-
cios. Citam o art. '24. das cortes de Evora de 1535, fei-

tas por D. Joao III.


230

Reproduzo a orthographia dos documentos consoante se


encontram nos originaes, registos ou collecoes impressas,
resolvendo em geral as abreviaturas ;
introduzo todavia
alguns signaes de pontuaao e fa9o algumas correc9oes.

3ST. 1
1526
Alvara de 13 de Maro de 1526, para que nao entrem Ciganos
no Reino, e se saiao os que nelle estiverem e diz quasi o mesmo ;

que a lei 24. das chamadas das Cortes, e de 26 de Novembro de 1538,


e a Ord. nov. (philippina), liv. v. tit. 69. no pr..

[Jose Anastacio de Figuciredo, Synopsis chronologica, Lisboa, 1790, i, 321, que cita
o Liv. roxo ou 3. da Supplicagao, fl. 244.]

3sr. &
1538
No volume intitulado Capitulos de cortes e leys que se sobre algiws
delles fezeram. Com priuilegio real. (74 fol. ; tern no fim Fora impres- :

ses estes Capitolos e leys per mandado del rey nosso senhor na ci-
dade de Lixboa per Germa: Galharde empremidor. E acabara se aos
iij
dias do mes de Marco. Anno de M. D. do qual tive pre- xxxix.),
sente urn bello exemplar em pergaminho do Archive
Nacional,
acham-se; Capitolos geraes: que foram apresentados a el Rey do
Joha nosso senhor terceiro deste nome xv Rey de Portugal nas
: : :

cortes de Torres nouas do anno de mil e quinhetos e vinte e cinco.


:

E nas Deuora : do anno de mil e quinhetos e trinta e cinco com :

suas respostas. Eleys que ho dito senhor fez sobre alguus dos ditos
capitolos. As quaes fora publicadas na Cidade de Lixboa no ano :

xvn. de seu Reynado e xxxvn de sua idade xxix dias do mes de


: :

Nouembro. Anno do nacimeto de nosso senhor Jesu christo. De mil


e quinhetos e trinta e oyto anos e entre eles se le a fol. xxxvi:

Capitolo CXXXV1II
Item, senhor, pedem a vossa alteza aja por bem que nunca em
alguii entre 9iganos em vossos reynos; porque delles
tempo nao
resulta outro proueito se nao nmytos furtos que fazem e muy tas :

fey tyc. arias que finge saber: em que o pouo re9cbe muyta perda e

fadiga.
231

Reposta

Ey por bem que nao entrem ciganos em meus reynos daqui por
diante como neste capitolo me pedis e disso farey ley.
E a fol. LXVII :

Ley XXI11I. Que os ciganos nao entrem no reyno.

Vendo eu o prejuizo que se segue de virem a meus reynos e se-


nhorios ciganos e neles andarem vagando pelos furtos c outros
:

maleficios que cometem e fazem em muyto dano dos moradores de


meus reynos e senhorios. Mando que daqui em diante nenhufis ci-
ganos assi homes como molheres entrem em meus reynos e senho-
rios e eutrando sejam presos e pubricamete a9outados com bara9o e
:

pregarn e despoys de feita nelles a dita execu9am Ihe sera assinado


:

termo conveniente em que se saya dos ditos reynos e senhorios. E


se despoys de passado o dito termo for mais achada algua das ditas

pessoas por nao se sayr dentro no dito termo ou posto que se saisse ;

tornar outra vez a entrar nos ditos reynos e senhorios sera outra :

vez a9outado pubricamente com barac.o e pregam : e perdera todo


o mouel que achado a metade pera quern o accu-
teticr e Ihe for :

sar: e a outra metade pera a misericordia do lugar onde for preso.


que auera lugar assi nos ciganos como em quaesquer outras pes-
soas de qualquer na9am que forem que andarem como 9iganos posto :

que ho nao sejam. Porem sendo algufi natural de meus reynos nao
sera Ian9ado fora delles e sera degradado dous annos pera cada
:

him dos lugares dafrica: alem das sobreditas penas.

3ST. 3
1557
Lei de 17 de Agosto de 1557, que nao entrem os Ciganos nestes
Reinos, em que alem do que he mandado no Cap. 138. das Cortes de
1525, e 1535, se accrescentao as penas ate gales, a cuja execu9ao se
procedera, como for de justi9a, dando appella9ao, e aggrayo.

[Figneiredo, Synopsis chronologica , n, 22.]

3ST. -3=

1573
Alvara de 14 de Marco de 1573, publicado na Chancellaria mor
em Evora a 28 do mesmo mes e anno. (Vid. o alvard de 11 de . .

abril de 1579, abaixo reproduzido doc. n. 6).


232

Na Apostilla de 15 de Abril do mesmo anno se declarou, que


como nas mulhcres nao podia ter lugar a pena das gales, ficassem
sugeitas as penas da dita Lei 24. das (chamadas das) Cortes e que ;

tanto estas, como as mais impostas aos Ciganos fossem executadas

pelos Corregedores e Juizes de Fora dos Lugares, e Comarcas, onde


fossem achados sem appella^ao nem aggravo, e pelos Ouvidores nas
Terras, onde nao entrao os Corregedores por via de Correi9ao.
[Figueircdo, Synopsis chronologica, 11, 168-1G9.]

3ST- 5
1574
Dom sebastiam etc. fa^o saber que Johao de torres, ciguano preso
no lymoeyro, me eujou diser per sua peti^ao que estamdo na villa
de momtalluao morador e jmdo e vjmdo a castella fora preso he acu-
sado pela justi9a, dinzemdo que semdo ley deste Reyno que toda gera-
9ao de ^iguanos nao vjuesem neste Reyno e delle se sahysem em c.erto
tempo nao ser sabedor da tall ley por jr he vyr ha cas-
e por elle

preso he acusado pela justi9a, elle he sua molher amgy-


tella, fora

lyna e condenado per senten9a da mor al^ada, elle em 9i'mquo anos


de degredo pera as gualles e a^outados publicamente, co bara^o e
preguao, e a dita sua molher se sahyrya do Reyno em dez dias,
visto como se nao mostraua certjdao de quamdo hally fora pobrj-
cada em momtalluao, homde forao presos, como todo se mostraua da
senten9a que oferecia. he por que dos ha9outes, bara90 he preguao
hera feita execu9am e a dita sua molher hera fora do Reyno e elle
ser presente, estaua no lymoeiro, homde perecia ha mjmgoa, e hera

fraquo he quebrado, e nao hera pera serujr em cousa de mar e muito


pobre, que nao tjnha nada de seu, me pedya que ouuese por bem
que se sahyse loguo do Reyno ou que fose pera o brasyll pera semprc
e podese leuar sua molher avemdo respeito a pena que ja tinha

Recebyda etc. e eu vemdo o que me asy dise he pedir emvyou, quc-


,

remdo Ihe fazer merce visto hu parece com o meu pase (?), ey por bem
e me praz se assy he como dis, de Ihe curnutar os cimquo anos em
que foy condenado pera as gualles, pelo caso de que faz men9ao,
visto ho que halegua c declara, em outros cimquo anos pera o bra-

syll, homde leuara sua molher e filhos, visto outrosy como he feyta

execii9am dos ha9outes por tamto vos mando etc. na forma dada em
;

allineyrim a vij dias dabrill. el Rey noso snr ho mamdou pelos dou-
tores paullo affonso e amtonjo vaaz castello etc. dioguo fernandez a

fez, ano do na9imento de noso snr Jhu xpo de v c Ixxiiij anos. m


Roque vieira a fex escreuer.

[Archivo Nacional, Liv. 16 de Legitim. D. Sel. e D. Ilenr., fl.


189.]
233

3sr. e
1579

Alluara sobre os giganoe

Eu el Rej 13,90 saber aos que este alluara uiiT [que hoj quo el Rey

IIKMI sobrinho que deus tern pasou Ima proujsao feita a catorze dins
do mez dc rnar^o do ano de v c seteta e tres, da que o terllado he o
se- uinte. Eu el Rey fac.o saber que eu sao jnformado que, posto que

polla ley vinte e quatro dos capitollos das cortes que se fezerao no
ano de trjnta e ojto e pello capitollo vinte e cinquo do Regimento
que mandey dar aos presjdentes das all^adas que forao visitar meus
Rejuos, estd bastantemente proujdo pera que hos ^iganos, ne has
pessoas que amdao e sua companhia amdem, no estem nos lugares
dos ditos meus Rej nos, os ditos 9iganos e pessoas nao deixao por jsso
de estar e andar nelles e fazer rnuitos fui tos e outros insultos e del-
litosde que ho pouo Recebe grande opressao, perda e trabalho. E
querendo nisso prouer ey por bem e mando que e todos hos lugares
de meus Reynos se lantern loguo pregoes pubricos, nas pra9as e
lugares acostumados, que os cjganos e ^iganas e quaes quer outras
pessoas que em sua companhia andare se sayao dos ditos meus Rey-
nos dentro de trjnta dias, que comecarao do dia e que se dere os
taes pregoes, se embarguo de allgus delles tere proujsoes del Hej
meu senhor e avo, que santa gloria aja, ou minhas pera podere estar
nestes Rejnos, e acabados os ditos trjnta dias qualquer cjgano que
for achado nos ditos meus Reynos por esse mesmo feito sera loguo
preso e a9outado publicamente no lugar omde for achado e degra-
dado pera sempre pera as gallees posto que tenha proujsao do dito
senhor Rej meu avo ou minha pera poder estar ou andar nestes
Rejnos, como acjma he dito e mando a todos meus desembargado-
;

rcs, corregedores, ouujdores, juizes de fora e ordjnarios e quaes-


qucr outras justi9as, hofficiaes e pessoas dos djtos meus Rejnos que
cada hu e sua jurdi9am cumprao, guardem e fa9am asj jnteiramente
comprir e guardar semdo os ditos corregedores, ouujdores, juizes de
fora, 9crtos que sc ha de preguntar por este caso e suas Resjdencias,
e que achandose que nao teuera diso o cujdado que deujao se ha
de,pro9eder cotra elles como ouuer por meu serui9o; e asj maudo
ao chanccler mor que pobrique esta proujsao na chancelaria e euie
loguo cartas co ho treslado della sob meu sello e seu sjnal aos ditos
corregedores e asj aos ouujdores das terras e que elles nao estao per
uia de corei9am aos quaes corregedores e ouujdores mando que ha
;

pobriquein loguo nos luguares homde estjuere e fa9ao pobricar e


todos os outros lugares de suas comarquas e ouujdorias e Registar
nos liuros das camaras delles pera quo a todos seja notorio e se
234

cumpra e de jnteiramente ha execuam como nella se cothem; e esta


se Registara no Livro da mesa do despacho dos meus desembargos
do pa$o e no das Rella9ois das casas de suplica9ao e do 9iuel e que
se Registarao as semelhantes proujsoes ; e ey por bem que valha e
tenha forca e vigore como se fose carta feita e meu nome por mj
asjnada e passada por minha chancelaria, se embargo da ordena9am
do segundo livro, que diz que has cousas cujo efeito ouuer
titulo xx,
de durar mais de hfi ano passem per cartas e passando per alluaras

nao ualhao. Gaspar de sousa a fiz em Evora a xiiij de mai^o de


Jorge da costa a fiz escreuer. E ora ey per bem e mando
mv c lxxiij.
quo ha proujsao do dito senhor Rej meu sobrinho, que deus tern, a9ima
tresladada se cumpra e guarde jnteiramente como se nella con them,
com tal declara9am que hos 9iganos que teuere Ie9em9as del Rej
do Joao, meu jrmao, que samta gloria aja, e do dito Rey meu sobri-
nho, as examine perante hu dos Corregedores de minha corte dos
feitos ciuis, o qual se jnformara de como uiue e de que mesteres usao
e se sam casados e o modo e meneo de suas vjdas e costumes e pa-
recedo Ihe que uiue bem e que trabalhao e nao saoprejiidiciais,lhe
podera dar Iicen9a, nao permitindo que uiuao juntamente e hum
bairro, senao e bairros apartados, e que amdem vestidos ao modo
portugues, e mando ao meu chanceler mor que pobrique este alluara
na chancelaria e euie o trelado delle sob meu sello e seu sinal aos
corregedores e ouujdores das comarquas de meus Rejnos, aos quais
corregedores e ouujdores mando que ho pobriquem nos loguares omde
estiuere e o fa9ao pobricar e todos os lugares de suas comarquas e

ouuidorias, para que a todos seja notorio, e este se Registara na


mesa do despacho dos meus desembargadores do pa90 e nos livros
das Rella9oes das casas de supliea9am e do ciuel e que se Regista-
rao as semelhantes proujsoes. pedro de sousa ha fiz e Lixboa a xi
dabril de mv c setenta e noue. Johao de sousa o fiz escreuer.
p
[Archive Nacional, Liv. 1. de Leis, fl. 57 v. ]

1592
Lei de 28 de Agosto de 1592, em que se exasperao mais as pe-
nas contra os Ciganos, que dentro de quatro meses nao sahissem de
Portugal, ou se nao avizinhassem nos Lugares sem andarem vaga-
bundos, nao podendo andar, nern estar, ou viver mais em ranches,
ou Quadrilhas ;
tudo sob pena de morte natural, que se faria execu-
tar, fazendo-os para isso prender os Ministros das terras,
e proce-

dendo contra elles ate a execu9ao sem appella9ao, nem aggravo.

[Figueiredo, Synopsis chronologica, u, 261.]


235

1ST. 8
1597

Aos dezasete dias do mes de junho (de mil e quinhemtos no-


uemta e sete annos) fisera Camara de veraca os sennores Juiz e
Veradores e procurador do concellio abaixo asinados. eu Joao Sir-
ueira que ho escreui.
Llogo nesta Camara pello Juiz e Veradores e procurador do con-
celho foi acordado que comvinha ao bem pubrico e quieta^a desta
cidade na se comsemtirem nella os siganos que os dias pasados se
vieril avisinar com precatorio do corregedor do crime da Sidade de

Lisboa, por quanto desdo dito tempo pera ca se tinha feito muitos
furtos de bestas e outras coizas e amdaua a gente da sidade ta es-
camdalizada que se temia hu mutim comtra elles, maiormente depois
que ouve algfis furtos que conhesidamente se soube serem feitos per
elles; posto que as testemunhas na sabem expesificaidamente quais
dos ditos siganos o fizesse (sic) e alem diso por esta cidade ser de
;

gemte belicoza e da raia e acim de comtino acomtesem muitos cri-


mes de diverts maneiras, os quais se emcobrem dibaicho desta
capa de diserem que os fisera os siganos, pello que detreminara que
fossem noteficados que demtro em tres dias se saicem desta cidade
e seu termo para o que se Ihe pasaria carta pera lugar serto, que-

remdoa, e semdo achados pasado o dito termo se prosedera comtra


elles com todo o rigor e de tudo mandara fazer este termo que to-
5

dos asinara. eu Joao Sirueira que ho escreui, e amtes de se asinar o


dito termo mandara requado ao sor amdre gon^alvez de Carnide

Corregedor desta Comarca para Ihe darem comta deste negosio am-
tes de se dar execuca o qual dise que dipois de pasada a llei nas

partes ornde resedira nunqua comsemtira avesinarem-se siganos


dipois de serem escolhidos lugares na forma da lei e que Ihe pare-
sia muito bem na se ametirem os ditos siganos nesta cidade pellos

granules emcomvenientes que quada dia pode soseder por ser tera
belicoza e da raia; por Ihe asim pareser se asinaram todos. eu Joao
Sirueira que ho escreui.
a
(a) Siqr. Carnjde. N. de Carualjall. Joam -f- Soarez. Luiz Ferz.
Por aqui ouuerao a Camara de Verasa por feita e acabada e se
asinaram. eu Joao Sirueira que ho escreui. (a) Siqr." N. de Car-
ualjall. Joam -f- Soarez.

[Lirro das verea$oes da Camara Municipal de Elvas , do anno de 1597, fl. 54 a 55.
Archive da Camara de Elvas, armario n. 21, ma^o n. 1.]
236

1ST.

1597

Aos tres dias do mes de junho de mil e quinhemtos e novemta


e sete anos fisera Camara deureacao os sennores Juiz e Veredores
e procurador do Concelho e se asinara. eu Joao Sirueira que ho
escreui.

llogo nesta Camara foi praticado dos muitos furtus que os siga-
nos fazia nesta cidade e mandara os sennores Veradores e procura-
dor do concelho apregoar que todo o sigano, tirado dois que estJl
avesinhados nesta cidade, que fosem achados nesta cidade e seu
termo que fosem presos e que se prosedera comtra elles comforme
a llei oje tres de iunho de mil e quinhemto e novemta e sete anos.
;

eu Joao Sirueira que ho escreui (a) J. alluez de Lemos. N. de Car-


ualjall. Luis Ferz.

por aqui ouvera a Camara de uerasa por feita e acabada e se asi-

narao. eu Joao Sirueira que ho escreui.

(a) N
de Carualjall. J. alluez de Lemos. Joam -j- Soarez. Luis
Ferz.

[Livro das rereaqoes da Camara Municipal de Elvas, do anno de 1597, fl. 50. Ar-
chivo da Camara de Elvas, armario n. 21, ma$o n. 1.]

3ST. 1O
1603

Mandamos, que os ciganos, assi homens, como mulhcrcs, nem ou-


tras pessoas, de qualquer Naao que sejao, que coin elles andarem,
nao entrem em nossos Reinos e Senhorios. E entrando, sejao presos
e ac.outados com bara^o e pregao. E feita nelles a dita execuQao,
Ihes seja assinado termo conveniente, em que se saiao fora delles.
E nao se saindo dentro do dito termo, on tornando outra vez entrar
uelles, sejam outra vez a^outados, e percao o movel, que tiverem,
e Ihes for achado, ametade para quern os accusar, e a outra para a
Misericordia do lugar, onde forem presos; e sendo algumas da ditas
pessoas, que com os Ciganos andarem, naturaes destes Keinos, nao
serao lancados delles, mas serao alem das sobreditas penas degra-
dados dous annos para Africa.

[Ordenaqoes philipinas, liv. v, tit. 69. Que nao entrem no Reino Ciganos, Armenios,
Arabics, Persas, nem Mouriscos de Granada.
As Ordenafoes philippmas foram concluidas cm 1595 e publicadas em 1603, data que
foi posta no alto do extracto.]
237

1606
Alvara de 7 de Janeiro de 1606, reproduzido na lei de 13 de se-
tembro de 1613, em seguimento imprcssa.

3ST. 1J3

1613

Dom Philippe per graga de Deos, Rey de Portugal, e dos Algar-


ucs, d'aquem e d'alem Mar em Africa, Senhor de Guine, e da con-

quista, nauegasao, comercio de Ethiopia, Arabia, Persia, e da In-

dia, etc. Fa0 saber aos que esta minha Ley virem, que eu mandei
passar hum Aluara feito em sete de Janeiro de mil seiscentos e seis,
sobre os ciganos, que fossem achados neste Reyno vagando em qna-
drilhas, e nelle residissem, do qual o treslado he o seguinte.
Ev El Rey fac.o saber aos que este Aluara virem, que eu sou in-
formado, que a Ley que fiz sobre os ciganos declarada na Ordena-
c,ao do liuro 5 titulo 69 imprincipio, se nao cumpre, e contra forma
del la os Corregedores do crime desta cidade de Lisboa, e outros

julgadores Ihes passao cartas de vizinhanc,a, e os fauorecem per ou-


tros modos, que nao couem : e porque tambem tiue informac, ao, que
as Ordenacoes, que tratao dos ditos ciganos se nao guardao tao in-

teiramente, nem as penas que nellas se declarao sao bastantes para


elles se sahirem fora do Reyno, antes continuao emroubos, e danos,

que fazem a meus vassallos com geral escandalo, sendo tudo em


grande perjuizo seu, e dano do Reyno, queredo nisso prouer. Ey
por bem, que todos os ditos julgadores tenhao grande vigilancia em
comprir inteiramente a dita Ordenac,ao do livro 5. e nao passem as
ditas cartas de vizinhaQa, nem vsem de outros modos e fazendo o :

contrario se Ihes dara em culpa, e eu mandarey perguntar por isso


nas residencias. E assi ey por bem, que posto que pellas ditas Or-
dena9oes senao dee aos ditos ciganos mais penas que acoutes pella
primeira vez que forem achados sejao degradados alem da dita pena.
em tres annos para gales, e pella segunda vcz scjao outra vez acou-
tados, e nas mais penas das ditas Ordenac.oes, e no dito degredo de
gales em dobro e pella terceira vez serao a^outados, e encorrerao
:

mais nas ditas penas, e em dez annos para gales e em todas estas
:

penas os poderao condenar os Corregedores, e Ouuidores das comar-


cas, e os Ouuidores das terras dos donatarios em que elles nao en-
trao per via de correi9ao : e as justicas Ihes darao tepo conueniente
(que nao passara de hum mes) para que se sayao do Reyno : e pas-
238

sado o dito termo tornando a entrar no Reyno se fara nelles a exe-


cu^ao pcllas ditas penas na forma deste Aluara. E por quanto a
dita exec^ao lie de grande importancia, para bem, e quietaao
dc meus vassallos, e do Reyno. Mando aos ditos julgadores e justi-
9as, que assi o cumprao, e fa^ao em todo cumprir e ao Chaceller
:

mor, que o publique na Chancellaria, e para vir a noticia de todos


enuie logo cartas co o treslado delle sob meu sello e seu sinal aos
Corregedores e Ouuidores das comarcas: e assi aos Ouuidores das
terras em que os ditos Corregedores nao entrao per via de correi-

93,0. Aos quaes mado que logo o publiquem rias cabe9as das cor-
rei9oes : Aluara sera registado nos liuros da Mesa do Desem-
e este

bargo do Pa^o, e das casas da Supplica9ao, e do Porto e quero que:

valha, tenha for9a e vigor, como se fosse carta come9ada em meu


nome por mi assinada, e asellada com o meu sello pendente, sem
embargo da Ordena9ao do liuro 2. titul. 40. em cotrario. Pero de
Seixas o fez em Lisboa a sete de Janeiro de mil seiscentos e seis.
E porque sou informado, que o dito Aluara se nao cumpre e exe-
cuta, e que andao muitos ciganos por este Reyno vagando em qua-
drilhas cometedo muitos excessos e desordes, e quao perjudiciaes

sao, aos que viuem e residem nas cidades, villas e lugares delle e :

querendo prouer de maneira, que de todo os nao aja, ne residao


neste Reyno. Ey por bem, e mado per esta Ley que o Aluara nesta
incorporado se cumpra e execute com todo o rigor delle, sem demi-
nui9ao das penas que nelle se declarao. E mando aos Corregedores
do crime em minha Corte, e casa da Supplica9ao, e aos Corregedo-
res do crime desta cidade de Lisboa, e aos das comarcas deste
Reyno, e aos Ouuidores dos mestrados, e aos das terras dos dona-
tarios, em que os Corregedores nao podem entrar per correic.ao. E
a todos os juizes de fora, que tanto que esta Ley chegar a sua noti-
cia a fa9ao logo publicar em todos os lugares de suas jurisdi9oes,
limitando aos ciganos, que neste Reyno residem assi homes, como
rnolheres, que detro em quinze dias depois de esta publicada se
sayao deste Reyno sem embargo de quaesquer liceg-as, que tenhao
para nelle residirem, posto que sejao por mi assinadas, ou que Ihes
fossem passadas cartas de vizinhan9a: as quaes todas annullo, c as
ey por de nenhum effecto. E passado o dito termo de quinze dias
se executara em quaesquer ciganos, que forem achados a pena de

a9outes e gales, pella maneira que no dito Aluara se declara e nas :

molheres a pena de a9outes somete. E mando ao Doctor Damiam


d'Aguiar do meu conselho Chanceller mor destes Reynos, que fa9a
publicar esta Ley em minha Chancellaria, e enuiara logo o treslado
della sob meu sello, e seu sinal, a todos os Corregedores, Ouuidores
dos mestrados e aos dos Donatarios das terras em que os Correge-
:

dores nao entrao per correi9ao para a fazerem logo publicar nos lu-
gares publicos de suas carnarcas e jurisdi9oes, e se executar como
239

nclla se contem : sendo certos os ditos Corregcdores, Ouuidoros. e

mais justices a que a execu9ao, c comprimento desta Ley pertencer,


que se a dc perguntar em suas residencias se a cumprirao, e exccu-
tarao, como nelle se declara, e que achandose, que se descuidarao
na rxr.cucao dclla, alcm de me auer d'elles por mal seruido, man-
daivi pnuvdrr contra Ley se regis-
elles corn todo o rigor: e esta
tara no liuro do registo da Mesa dos meus Desembargadores do
nos das casas da Supplica^ao, e Relacuo do Porto, e a pro-
1'ac.o, c

j)ria selancara na Torre do Tombo. Dada nesta cidade de Lisboa,


aos treze dias do mes de Septebro. Francisco Ferreira a fez. Anno
do Nascimento do Senhor lesu Christo de mil seiscentos e treze.
loao Pereira de Castelbranco a fez escreuer. = REY. = Damiam
d'Agniar.
Foy publicada na Chancellaria a Ley delRey N. Senhor atras es-
crita por mi Miguel Maldonado, que ora siruo de eseriuao da dita
Chacellaria, perate os officiaes dell a, e de outra muyta gente que
vinha requerer seu despacho. Eui Lisboa, a 10. de Ouctubro de 1613
Annos. =
Miguel. Maldonado.
Taxada a oyto reis.

[Reproduzido de uma folha imprcssa avulsa no Correio Elvense, aim. i, n. 4 1, 9 do


inar^o de 1890. Nas Ordenaqoes e leys, confirmadas e estabelecidas pelo Senhor D. Joao IV.
Lisboa, 1717. in, 1G6-168. Collecqao chronologica de leis extravagantes. Coimbra, 1819.
I, 62-64. 217-218.]

3ST- IS
1614
Carta regia de 3 de dezembro de 1614, sobre urn requerimento
de G. Fernandes, C. Cortez e outros ciganos que pretendiam se dis-
pensasse com elles a lei pela qual se mandavam sair do reino;
porque importa que ella se guarde cumpridamente, se excusara a
sua

[G. Pereira de Castro, De manu regia (Ludguni, 1673), i, 10. Joao Pedro Ribeiro,
Indice chronologico remissive da legislaqao portttgttesa i ! 41. J. J. de Andrade e Silva,
,

Collecqao chronologica da legisla<;ao portugueza (Lisboa 1854 e segs.), t. II, p. 105-10G.


O doc. achava-se no Liv. iv do Desembargo do Pa^o.]

3ST.

1639

Capitulo de huma Carta regia de 30 de Junho de 1639, man-


dando condemnar para Gales os Ciganos, que se acharem, dando-se-
Ihe conta dos que ja estavao nellas, e dos que se achavao presos.
240

Participada em portaria da princeza Margarida de 8 de Agosto do


mesmo anno, para execucao d'essa carta, devendo estar chusmadas
as Gales ate 17 d'este mez, e declarando que a qualidade de Cigano
nao he de natureza; mas do seu modo de vida, quanto a se con-
demnarem, segundo a Lei do Reino.
[J. P. Ribeiro, Indice chronologico n, 360-361; do Liv. ix da Supplicacao, fl.
249.]

ITST. 16
1646
Senbor :Vi o Alvara da Suplicante, que me deixou em grande
admiracao; porque nelle, (que lie assinado pela mam de V. Mages-
tade), se relata, que Jeronimo da Costa, seu Marido, servio a V. Ma-
gestade tres annos continues nas Fronteiras do Alemtejo, com suas
armas, e cavullo, tudo a sua custa, sem levar soldo algum, franca,
e fidalgamente e relata-se mais em nome de V. Magestade, o valor
:

e esforso, com que em tempo se houve, relatando suas proezas,


o dito
ate que na Batalha do foi morto com muitas fe-
Campo de Montijo
ridas, pelejando sempre mui esfoi^adamente. E quando eu estava
com alvoroco para ler o grande premio e remuneracao, que tiveruo
estes services, em sua mullier e filhos, senao quando eu leio, que se
Hie faz merce, que sejao havidos por naturaes do Reino, e que o fillio

macho, herdeiro dos services, e grandeza do animo de seu Pay em


despender a fazenda, sangue, e vida pela sua terra, sem ser sua
Patria, o pozessem a um officio macanico. Ao officio macanico man-
dara eu por o Ministro que tal Despacho deu e sem V. Magestade
o ver despachos com tao humildes espiritos. Mande V. Ma-
gestade recolher este Alvara, ou tirar delle a narragao de services,
valor, e espiritos generosos deste homem, e proezas, e morte hon-
rroza, que nelle se relatao ; porque se servio tres annos continues
com suas armas um pobre Sigano
e cavalo a sua custa, sendo ;

porque Ihe nao hade V. Magestade pagar seus soldos devidos a sua
mulher e filhos? E mande V. Magestade passar-lhe Alvara de natural
e Cavaleiro Fidalgo, que he o menos Foro, que merece, e que nurica

tenha, nem seus descendentes officio macanico, e sirvao sempre iia


guerra e milicia nos postos de Soldados e Presidios E que se nao :

leia, que em Alvara de V. Magestade filho de tal homem o pozerao


a officio macanico, por Ihe nao pagar seus soldos de hum esfo^ado
Cavaleiro, que com seu cavallo e armas a sua custa, sem soldo, servio
valerozamente no Campo, athe deixar a vida, aonde tantos infame-
mente fugirao, a vista dos que esfoi^adamente morrerao, ou pele-
jarao. E se nesta forma deste homem, que sem obriga9ao de sangue
e natureza servio por honrra, o fizessem os Grandes e Capitaens
241

Generaes, Fronteiros e Governadores, servindo d sua custa em sua


Patria e sem outro soldo, gastando o que tern em sua defenQao, e de
sua Patria, como elles rnesmos, e seus famozos Pays e Avos fizerao
em Armadas, com cavallos, e criados esfor^ada e
Africa, e India, e
generozamente, como quern sao, bastara ametade das decimas, e de-
pois de quieto o Reiuo, partira V. Magestade com elles o defendido, e
conquistado, e as Comendas e copiosos bens do Reino que para si o
defendem, e devem defender, imitando este Sigano humilde no nasci-
mento, e nobre, e generozo no procedimento; porque hir as Frontei-
ras, como a Ormuz, Malaca, e Qofala a veneer soldos, e riquezas, e
com tantas condic.oes, ecom pedir soldos atrazados, devidos, ou nao
devidos, neste tempo sem servir a sua custa, nao lie o Portugal para
isso, que se nao sustenta, nem com thesouros nem cavallos, nem gente
cm numero, em que nunca podem igualar as dilatadas terras e Reinos
de Castella, e thesouros do Payz se nao no natural valor, e amor
;

da Patria E isto nao he hir enrriquecer,


e Reys, e ponto de honrra.
e ganhar dinheiro, em que alguns podem degenerar, nao havendo
rezao particular, que muntos terao, falo em geral. A esta mulher
mande V. Magestade despachar, e seus filhos, nao so no que pede,
de fazer natural seu genrro que por seus serviQos pessoaes taobem
o merece mas mande-lhe V. Magestade deferir a seus services em
;

forma, como pe0, ou ella, na Peticao que Ihe mando fazer a V. Ma-
gestade, que vae junta para provocar os meios. que requeiro como
Procurador da Coroa, pelo que cumpre ao Reino; pois merece a Firma
e Signal de V. Magestade, em verificasao do seu procedimento. Isto
se offerece e que vao a V. Magestade. &c. Lisboa 28 de
julho
de 1646. =
Thome Pinheiro da Veyga.
[Arch. R. Corpo Chron., P. 1., maso 118. Docum 131. Joao Pedro Ribeiro, Disser-
ta$oes chronologicas, iv, pp. 215, 217.]

3ST. 10
1647

Tresllado da ordem dos siguanos


Dom Joam per grasa de Deus Rej de Portugual e dos algarues,
da quern e dallem mar em afrjqua, snor de guine" e da conquista,
navegasao, comersio, detiopia, arabia, persja e da indja etc., fa$o
saber a uos corgedor da comarqua de eluas que eu passej ora hum
aluara per mim asjnado e pasado per minha chanchellaria, do
qual
o tresllado he o seguinte
Eu ell Rej faso saber aos que este aluara de lej virem que per
quanto dos gitanos que mandej prender pello Rejno e se embarqua-
rao pera as conquistas delle, fiquarao ainda na cadeja do
limoejro
des velhos e emcapazes de poderem seruir, com molheres e
filhos,
16
242

de pouqua idade, e conuir a meu servisso que elles uiuao co suas


familjas em luguares afastados de esta corte e das frontejras, hej
per bem e me pras de lies senallar pera este efeito os luguares

seguintes tores uedras, lleirja, ourem, tomar, allanquer, monte mor


o uello e coimbra; dos quais nao poderao sahir sern licen^a dos

juizes delles a qual se lies nao consedera per tempo llargo e se lies
poreboira juntamente que nao fallem geregonsa, nem a ensinem a
seus fillos, nem andem em
traje de sjganos e serao obreguados a
traballo em
quanto puderem, como fazem os naturaes do Rejno, e
estando empesebeljtados por doensa ou muita idade se lies perme-
tira poderem pedir esmolla nos mesmos luguares em quo uiuerem,
sem que fasao de suas trasas e embustes, a que chamao buenas dj-
chas, e jogos de eorjolla nem partidas de cavalgaduras antes se
;

lies poreboira com todo o rjgor comprar a troquados


(sic), com decla-
rasao que quern o coutrario fizer pella primeira ves sera logo conde-
nado em asoites e toda a ujda pera galles, e sendo moller, da pri-
zao ira pera angolla degradada, ou Cabo uerde, per toda a ujda sem
leuar consigo fillo ou filla: e mando que na essicu9ao desta lei se pro-
seda sumariamente e com seis testemunhas que perguntera o juiz
do loguar, onde o siguano for morador, e os autos que sobre a ma-
teria se fizerem serao logo remetidos a hum dos corgedores do crime
da minha corte ou ministro a quern eu cometer a jurisdisao e superten-
dencia dos siguanos, os quaes os remeterao pelos loguares nomeados
e nao lies sera a nenhum dos condenados adinetjda petjsao para per-

dao; antes se devasara pelos corgedores das comarquas dos juizes


dos loguares de seus destritos se observao esta Hej e o que fiquar
comprehendido paguara duzentos cruzados para as despezas da
guera ou justia; e os quais juizes nao consentirao que os siguanos
crjem seus fillos ou fillas pasando de noue anos de idade, e sendo ca-
pazes de seruir os porao a soldada na forma que se uza com os orfaos ;

e mando ao regedor da casa da


sopljqua^ao gouernador da rellasao
do porto e aos dezembarguadores das ditas rellasois e aos corge-
dores do crime de minha corte e aos de esta cidade e a todos os
meus corgedores das comarquas, ouuidores, juizes de fora das cida-
des, villas e luguaresonde os ditos siguanos uiuerem, que cumpram
e guardem e fasao enteiramente cumprir e guardar todo conteudo
neste aluara, como se nelle contem e o chaneeller mor destes Renos
o fara publiquar na Chanch ell aria e envjar com meu sello e seu
senal aos ditos corgedores das comarquas, ouuidores, juizes de fora,

pera que a todos seja notorio o que per este ordeno e o fasao dar
a esecusao, sem contradisao alguma, e da mesma manejra as con
quistas de este Rejno, onde se pobliquara pera que senao consinta
aos siguanos que fore degradados o elles uzarem desonestos tratos
e embustes, de que de antes ueuiao; e se rezestara nos Liuros do

dezembarguo do pa$o, caza de sopliquasao, rellasao, do porto onde


243

scmelliantes leis se costumao rczistar. Antonio de Moraes o fes em


Lisboa aos uinte quatro dc outubro de mil e seis semtos e quarenta
e scte. Pedro digenes (?) revello o fes escreuer. Conde de Santa
Crus. Rej. aluara de llei quo se hade ter com os siguanos e
fillos nelle declarados, Para Vossa Magestade uer. Estevao llei-

tao de revellos Foi publjquado na Chanchelleria nior o aluara de


ell Rej nosso snor atras escrito por Miguel maldonado escrjuao da

dita chauchelleria perante os ofisiais della e de outra muita gente

que uinha requerer seu despacho Lixboa de outubro de 047 . . .

Miguel maldonado. Co a qual llei mandej passar esta carta para vos,
pclla qual vos mando que tanto que vos for mostrada a fasais poblj-
quar e rezistar na cabesa de vosa comarqua e pobljquar brevemente
nos inais luguares della pera vir a notisia de todos e se comprir e
guardar como nelle se contem, e a despeza que se fizer em se poblj-
quar nos mais loguares de vosa comarqua sera, a custa das despezas
dos auizos
(?) e quaudo
nao ouuer sera a custa das rendas da Ca-
mara da cabesa de vosa comarqua. dada na sidade de Lixboa aos
trese dias de novembro. el-rej noso Snor pelo doutor estevao lleitao
de revellos do seu conselho e chancheller mor destes Reynos e
senhorios de Portugal Manoel antunes de sapaio o fez. Ano do nas-
cimento de noso snor Jesus Xro de mil e sessentos e quarenta e
sete eu Miguel maldonado o fis escreuer, estevao lleitao de revel-
los. E
nao dis mais a dita prouizao que bem e fielmente treslla-
dei e rezistei do proprio que entreguei ao escriuao da coreisao que
ora serue. Ao qual em todo me reporto e consertei bem e fiel-
mente com otro ofisial abaxo asjnado e eu Baptista fang. da fon-
seca escriuao da camara o escrevi. Baptista fangr. ro da fonseca e
comigo taballiain Gomes Gallvam.
[Archive da camara municipal de Elvas, t. I,velho, do Eegisto, p. n, fl. 552 v. Or-
denaqoes e leys confirmadas e, eslabelecidas pelo ScnhorD. Jodo IV. Lisboa, 1747. in, 168-
169. Collec$ao chronologica de leis extravagantes. Coimbra, 1819. i, 515-517.]

3ST. 17
1648

Dccrcto, em que se prohibio darem-se, ou alugarem-se casas a Ciganos

Ao Desembargo do hey por muy encarregado fac.a com po-


Pac,o
tnalidade cxecutar a Ley dos Ciganos, accrescentando a ella, que
as pcssoas, que Ihes derem, ou alugarem casas incorrerao nas penas,

que mandarei declarar. Lisboa, 30 de Julho de 1648.


Com Rubrica de Sua Magestade.
[Liv. Idos Decretos do Desembargo do Pago, fol. 215, in Ordenaqoes e leys confrma-
das e estabelec'ulas pelo Senhor D. Joao IV, etc. Lisboa, 1747, vol. in Collec9ao n :

dos Decretos e Cartas, p. 273.]


244

3ST. 18
1649

Eu EIRey fao saber aos que este Alvara virem que por se ter
entendido o grande prejuizo e inquieta9ao que se padece no Reino
com huma gente uagamunda que co o noine de siganos andam em
quadrilhas vivendo de roubos enganos e imbustes contra o servi^o
de Deus e meu, Demais das ordenac.oes do Reino, por muitas leis e
prouisoes se precurou extingir este nome e modo de gente uadia de
siganos com prizoens e penas de asoutes, degredos e gales, sem
acabar de conseguir ;
e ultimamente querendo Eu desterrar de todo
o modo de uida e memoria desta gente uadia, sem asento, nem foro
nem Parochia, sem uiuenda propria, nem officio mais que os latro-
cinios de que uiuem, mandey que em todo Reino fossem prezos e
trazidos a esta cidade, onde seriao embarcados e leuados para ser-
uirem nas comquistas diuididos ;
e porquanto ficarao ainda na cadea
alguns velhos incapazes e outros escondidos neste Reino, co o mesmo
intento rnandey passar hum Alvara em vinte e quatro de outubro de
seiscentos e quarenta e sete de que o treslado e o seguinte. . . .
[Vid.
Doc. n. 16.]
E porque no dito Aluara se trata somente dos ditos siganos prezos
uelhos e incapazes sem se declarar outra parte de minha ordem
e deereto que passey sobre os mais que ficarao ainda no Regno

capazes de serui90 nas conquistas, exceptuando os que assistem nas


fronteiras e nao andassem em companhia de outros, mandando que
com os que fossem inhabeis se pro9edesse na forma do Aluara refe-
rido e nesta Corte se nao consentissem em nenhum cazo uem sinco

leguas ao redor sigano nenhum nem sigana, sou informado que


nesta parte se nao passou nem publicou em muitas partes como or-

deney ;
e que pelos que estauao servindo uas fronteiras se me fes

queixa que estando mais de duzentos e cincoenta em meu servio


desde o tempo de minha filice aclamaQao alistados com zelo e valor,
com que ja forao muitos apremeados ; e que a dita Ley geral da
prizao se nao podia emtender nelles ; e sem embargo disso se exe-
cutava lancando-os fora da fronteira e sem paga de seus soldos,
mandando os prezos ou que fossem uiuer as ditas vilas do sertao.
E querendo eu em tudo prover, Hey por bem e mando que os ditos
Corregedores das Comarcas executem com muita diligencia a dita
primeira Ley da prizao, prendendo logo todos os siganos que acha-
rem capazes de seruir excepto aqueles que actualmente assistem
nas fronteiras e nao andarem na companhia de outros e os remetao
a esta Corte ao Corregedor della a que esta cornetida a supriten-
(sic) deste negocio, e dos que forem vellios
dencia e inhabeis se pro-

9eda na forma de dito Aluara e os juizes das terras onde os mando


245

recolher c abitar os obriguem a uzar como os mais uezinhos natu-


rals. E mando que nesta corte e sinco legoas ao rodor della se nao con-

shita sigauo nem sigana algfia com comina^iio que o quc nclla se adiar

passado o tempo da publica^ao desta seja sem mais proiui in-ni d<>,-
ligencia condenado >m asoutes c toda a vida para gale's a sigana c.

degradada para Angola ou cabo Verde o as pessoas quc UK; derem ;

on aluguarcm casas e os recolherem sendo piaes encorrerao em pena


de tres annos de degredo para Castro Marim e trinta cruzados pcra
captiuos e accusador; e sendo de mayor calidade em dois annos para
Africa e sincocnta cruzados. E os fklaJgos fora da Corto. E hey por
bem declarar que esta ley da prizao senao emtende nos siganos alis-
tados que scrucm nas fronteiras actualmente nas companhias on lu-
gar^s em que por seus superiores seruirem, procedendo na forma
trage e lugar dos naturais e onde com licenca dos Governadores
;

das Armas a negocio e tempo limitado forem e porque alguns por ;

serui9os e rezoes particulares estao naturalizados com cartas dena-


turaes e vezinhos de lugares e vilas do Reino se nao entenda nelos
a dita Ley guardando elles em tudo as condicoes de suas cartas.
Pello que mando ao dito meu chanc.arel mor fa^a publicar na Chan-
cellaria esta Ley e declara9ao e della enuiar copias sob meo selo
e sen sinal aos ditos corregedores das Comarcas e mais justi9as
destes Reinos para terem entendido o que ultimamente tenlio re-
soluto sobre os ditos ciganos. E o executarem inteiramente scm
duuida nem contradiejao algiia e se registara de nouo nas partos
costumadas em semelhantes leis. Andr6 de Moraes o fez em Lixboa
a sinco de fevereiro de mil e seis centos e quarenta e nove. Luiz
de abreu de Freitas a fez escreuer. Rey.
[Archivo Nacional. Leis, liv. v, fl. 1. Ordena$oes e leys confirm&das e estalelecidas

pelo SenhorD JoSo IV, etc. Lisboa, 1747. in, 169-170.)

3ST. 10
1619
Decreto em que se mand&rao avisar os Corregedores
do Crime da Corte, para que fizessem despejar os Ciganos

Fa$a o Conde Regedor advertir da minha parte aos Corregedores


do Crime da Corte, como nella me dizem andao actualmente algu-
mas Ciganas ;
as quaes, posto que digao vem seguindo seus maridos,
visto nao terem ellas licencas para usarem do traje, lingoa, ou gi-

ringon9a, seria conveniente a meu service, e bem da Republica


lan^a-las deltas, e alimpar a Terra. Lisboa em 20 dc Septembro
de 1649. Com Rubrica de Sua Megestade.
[Liv. x da SuppUca^do^ fl. 23 in Ordena$5es e leys confirmation e estabelecidas pelo

Senhor D. Joao IV, etc. Lisboa, 1747, vol. in Collec^o


: n <ios Decretos e Cartat, p. 273.1
246

3sr.

1655

Carta de Andre d' Albuquerque

ftSiior A ordem, que Vossa Magestade foi servido rnandar-me


em carta de 12 de Septembro do anno passado para se prenderein
os siganos, que se achassem nesta Provincia, encarreguei aos go-
vernadores e Capitaes Mores das fronteiras, e Governadores, Cor-
regedores e Ouvidores das Comarcas, para que a executassem em
25 do ditto, como Vossa Magestade o ordenava.; e havendo concorrido
todos nesta diligencia, se acharam somente alguns homens, que por
me presentarem Provisoes de Vossa Magestade, pelas quaes Vossa
Magestade os ha por naturaes, e Ihes da permissao para viverem
no Eeino e me constar nao andavao em quadrilhas daquella gente,
nem tratavao com ella, os tornei a mandar soltar, e tambem algu-
mas mulheres, que por velhas e miseraveis se nao devia intender a
ordem com ellas. Nesta forma se procedeu neste particular, e ao
diante se prenderao os siganos, que apparecerem, como Vossa Ma-
gestade tern mandado. Deus Guarde a muito alta e poderosa pes-
soa de Vossa Magestade Elvas, 2 de Fevereiro de 1655. Andre,
d'Albuquerque .

[Esta carta foi copiada pclo dr. Francisco de Santa Clara dc inn livro pertencente
ao Archive do governo militar de Elvas intitulado Livro II do Hegisto, que os Senhores
Governadores das Armas escrevem a Sua Magestade que Deus guarde.]

^T. SI
1682

Processo inquisitorial da cigana Garcia de Mira

Aos sette dias do mez de Dezembro de mil seiscentos e oitenta


e dous annos em Lisboa nos Estaos e caza do despacho da Santa
Inquisi9ao, estando a re em audiencia de manhaa, o Senhor Inquisidor
Pedro de Atayde de Castro mandou vir perante si da salla a hum
homem por pedir audiencia, e sendo presents disse a pedira para
denunciar nesta meza couza a ella pertencente e logo Ihe foi dado
juramento dos Santos Evangelhos, em que pos a mao sob cargo do
que Ihe foi mandado dizer uerdade e ter segredo, o que prometteo
cumprir. e disse chamar-se Manoel Alvares da Nobrega official de
brincos de cera, natural do Lugar do Cabo Villa, freguezia de
S. Saluador do Taboado, termo da Villa de Amarante, e morador

nesta cidade, e ser de trinta annos de idade. E logo denunciando


247

Disse que havera tres semanas pouco mais ou menos, nao se


lembra do dia ao certo, estando elle Denunciante em sua casa
na rua de Quebra Costas, detraz da Igreja de Nossa Senhora da
Palma, chegou a sua porta hua Sigana, e Ihe disse chamar-se
Catherina, representa ter sessenta annos de idade, e anda em
trage de viuva com sua saya de estamenha parda e mantilha do
baeta negra com capello cozido debaixo da barba, e nao tern
partc notauel por que mais a haja de confrontar, e so que traz hiias
contas brancas aconfeitadas, e mora nesta cidade em companhia de
Siganos junto as cazas do Enviado de Castella, e Ihe disse ter hua
Innaa chamada Antonia Ramalha, a qual, fallando-lhe, Ihe disse,
que elle tinha sua molher auzente, e inuitos perigos que passar, se
queria que Ihes atalhasse, e dizendo-lhe elle Denunciante em que
forma o havia de fazer, respondeo ella que por meyo dos fieis de
Deos, e que por todo este mez saberia que sua molher era morta,
para cujo eft'eito Ihe pedio Ihe havia de dar algum dinheiro que para
os ingredientes Ihe era necessario, e necessitaria de hum cruzado

que elle Ihe deu, c pelo premio do que nisso obrasse Ihe hauia de
dar duas moedas de ouro, que o Denunciante prometteo assim fazer,
obrando ella por meyos licitos, e sem ofenya de Deos, e tornando
por outra uez a dita Sigana a sua caza, nao se lembra do dia ao
certo, mas havera quinze, diante delle testemunha, e de Catherina
da Costa, que uiue em sua companhia, Ihe pegou na mao esquerda
delle Denunciante na qual pos hum alfinete ou arame com duas
bolinhas de cera em cada ponta sua, e dous allinetes mais, pre-
gado hum com o bico em hiia das dittas bolas, e o outro com a ca-
beca pregada na ditta bola, com as extremidades uiradas para o
pulso sem estarem juntas, e logo o obrigou a que cuspisse por tres
uezes na ditta mao, na parte que ficaua cercada dos alfinetes, di-
zendo as palavras seguintes em nome de Deos Padre, Deos filho,
:

Deos Spirito Santo, tres Pessoas e hum so Deos verdadeiro, que


reynou e reynara para sempre jamais. Amen Jesus. == Santos Fieis
de Deos, obrigando-o a quo repetisse estas, e as palavras se-
guintes e a ditta Catherina da Costa. os daquem e os dalem e
|

os da nauegasao, vos fostes como nos, nos seremos como vos, todos
uos ajuntareis, e neste caso nos ajudareis. E logo os dous alfinetes
das extremidades que estauao pregados nas bolas do arame ou alfi-
netes se uirarao, hum duas uezes e outro hua, ficando sempre pre-
gados nas dittas bolas com os bicos, com as cabe^as para as pontas
dos dedos formando hua forca, tendo elle Denunciante sempre a mao
sem a mouer, hauendo-lhe a ditta Sigana primeiro
quieta, e direita
ditto, que aquella sorte fazia para saber se sua molher era morta
ou viua, e que se os alfinetes se mouessem, era sem duuida ser
morta, e logo tomou os dittos alfinetes, c os guardou, fazendo-lhe
alimpar a mao dos cuspos com hum papel e que o deitasse na rua.
248

Disse mais que passados tres ou quatro dias, nao se lembra tam-
bem de qual ao certo, tornou a mesma Sigana a sua caza, e dizen-
do-lhe se queria uer a certeza de sua molher ser morta, Ih'a mos-
traria facilmente, e para isso pedio hum alguidar com agoa e

Ian9ando nella meia folha de papel, que Ihe pedio mandasse com-
prar, hauendo-o passado tres uezes por baixo do trauesseiro da
cama, Ihe pos a mao para que se molhasse, dizendo huas palauras
que elle nao percebeo, e repetio tambem as palauras que atraz
ncao dittas da Santissima Trindade e Fieis de Deos, obrigando-o
a que rezasse o que quizesse pela alma que estiuesse mais uezinha
a uer a Deos Senhor Nosso, que Ihe mostrou no ditto papel, e era
a figura de hum defunto com quatro castic.aes v dous a cabeceira,
e, dous aos pees, o que tudo se figuraua na parte do papel que ficou

enxuto, perfilado tudo como em debuxo, em premio do que Ihe pedio


cinco tostoes, sendo que Ihe havia dado mais meya moeda, e com
outros tostoes que Ihe deu para a mortalha fez tudo soma de cinco
mil reis, pouco mais ou menos. Do que tudo uem dar conta nesta Mezai
entendendo que as obras da dita Sigana nao sao naturaes, como
elle pretendia, e sem offen9a de Deos, e o faz por descargo de sua

consciencia, e entender que he a isso obrigado. E mais nao disse


e ao costume disse nada. E sendo-lhe lida esta sua denunciaQao, e

por elle ouuida, e entenclida, disse estar escritta na uerdade e nella


se affirmaua, ratificaua e tornaua a dizer de nouo sendo necessario,
e nella nao tinha que acrescentar, diminuir, mudar ou einmendar,
nem ao costume ter que dizer de nouo, sob cargo do juramento dos
Santos Evangelhos que outra uez Ihe foi dado. Ao que estiuerao

presentes por honestas e religiosas pessoas os Licenciados Joao


Cardoso de Andrade e Joseph Coelho, notaries desta Inquisi9ao que
tudo uirao e ouuirao, e prometterao dizer uerdade e ter segredo no
que Ihes fosse perguntado sob cargo do juramento dos Santos Evan-
gelhos que Ihes foi dado, e assinarao com elle Denunciante, e com
o ditto Senhor Inquisidor. Manoel Martins Cerqueira o escreui.
Pedro de Atlaide de Castro. Manoel Aluares Nobrega. =
Joao Car-
doso. Joseph Coelho.
E ido o ditto Denunciante para fora, forao perguntados os dittos
Licenciados se Ihes parecia que elle fallaua uerdade, e merecia cre-
dito, e por elles foi ditto que sim Ihes parecia que elle fallaua uer-
dade e merecia credito, e tornarao a assinar com o ditto Senhor
Inquisidor. Manoel Martins Cerqueira o escreui. Pedro de Attaide
de Castro. Joao Cardoso. Joseph Coelho.
Seguem:
1. O depoimento de Catherina da Costa, solteira, de 30 annos de
idade, em tudo conforme ao de Manoel Alvares, com a particulari-
dade a mais de que a cigana mandou comprar o papel dizendo que
era necessario nao fosse a marca da que tivesse Crus,
249

2. requerimento do promoter para que a cigana seja presa


c processada na forma do regimento, em o qual, tendo summariado os
dcpoimcntos, concluc: do que tudo se colhe usar a delata do pala-
vras diviuas para couzas illicitas e ter pacto com o diabo para advi-
nhar futuros.
3. Despacho.
4. A confissaoda re.
Aos quinze dias do mez de Dezembro de mil seiscentos e oitenta
e dous annos em Lisboanos Estaos, estando alii em audiencia de
inanha o Senhor Inquisidor Pedro de Attayde de Castro, mandou vir
perante si a hua molher que em onze deste presente mez foi preza
nesta cidade, e recolhida nos carceres de penitencia, por pedir au-
dieucia, e sendo prezente disse a pedira para confessar nesta ineza
o que entendia podia conuir ao descargo de sua consciencia, pelo

que Ihe foi dado juramento dos Santos Euangelhos, em que pos a
mao, sob cargo do que Ihe foi mandado dizer uerdade, e ter segredo,
o que prometteo cumprir. E disse chamar-se Garcia de Mira, molher,

digo, viuua de Antonio Scares, que foi Sigano, natural de Monte-


mor o Novo, e moradora nesta cidade junto ao Enviado de Castella
e ser de cincoenta annos de idade. E logo foi admoestada que, pois
toinaua tao bom consellio como era confessar uoluntariamente nesta
meza suas culpas Ihe conuinha muito dizer toda a uerdade dellas,
nao impondo sobre si, nem sobre outrem falco testemunho, porque
fazendo assim pora sua alma em estado de salua^ao, e alcanc.ara
a mizericordia que pretende. E promettendo de assim o fazer
Disse que havera tres semanas nesta cidade foi ella confitente

a rua do Quebra-Costas a caza de Manoel Alvares de Nobrega,


official de brincos de cera, e fallando com elle Ihe dissera que Ihe

mostrasse a mao para Ihe dizer a buena dicha, e que mostrando-lh'a


o ditto Manoel Alvares, Ihe dissera que tinha muitos trabalhos que

passar; e que respondendo o ditto Manoel Alvares que ja os tinha


passado, Ihe tornou ella confitente a dizer que nao erao esses, senao
outros que de nouo hauia de passar; e que entrando neste tempo
hum Clerigo a fallar com o ditto Manoel Alvares, hua molher moc.a
que estaua no quintal das mesmas cazas a chamou com as maos, c
indo ella confitente a fallar com a ditta moe.a, que Ihe disse chamar-se
Catherina da Sylva, esta Ihe disse que o ditto Manoel Alvares nao
era seu marido, mas era casado com hua molher que hauia fugido,
e tinha illicita amizade com ella ditta Catherina da Sylua, que quizessc
fazer-lhe alguas deuoc.oes ou feitic.os que o obrigassem a recebella

por molher, e ella confitente Ihe respi-ndeo que sim faria, e porqne
a ditta Catherina da Sylua dezejasse fallar com ella mais deuagar,
e neste tempo se despedio o Clerigo que estaua fallando com o ditto
Manoel Aluares, disse ella confitente a ditta Catherina da Sylua
que tornaria a uer-se com ella, c sahio a fallar-lhe na mesma caza
250

o ditto Manoel Aluares de Nobrega, ao qual disse que o tornaria a


buscar e Ihe faria huas sortes para saber se sua molher era uiua,
ou morta, em premio do que Ihe deu hum cruzado.
Disse mais que no dia seguinte, do qual nao esta lembrada ao certo,
tornou a caza do ditto Manoel Aluares da Nobrega, ao qual disse
que queria lan$ar as sortes que Ihe promettera para saber se a ditta
sua molher, que estava auzente sem Ihe dizer aonde, era uiua ou morta,
e que para isso abrisse a mao direita, o que elle fez, e pondo-lhe no
alvo della hua palhinha de balance torsida e seca ao fogo, e em
cada ponta da mesma palhinha hfia bolinha de cera, e em cada bo-
linha pregado hum alfmete com as cabeas para o pulso, dizendo-
Ihe que cuspisse na mesma mao para que recebendo humidadc a
ditta pallinha destorcesse para a banda dos dedos, e trouxesse uira-
dos os dittos alfinetes que com effeito uirarao com a palhinha, c
ficarao fazendo a forma de hua forca, hauendo-lhe tambem ditto

que se os dittos alfinetes uoltassem era sinal de ser morta a ditta sua
molher, e nao uoltando a ser uiua, sendo que nao tinha duuida o
hauer de destorcer a ditta palhinha, e em quanto fes as sobredittas
couzas dizia as palavras seguintes: Em nome do Padre, Filho c

Spirito Santo, que reynou e reynara para sempre jamais, amen. E


em premio do que Ihe deu o ditto Manoel Aluares meya moeda de
ouro, e Ihe prometteo fazer segunda sorte: a qual foi no (ao?) dia
seguinte, mandando-lhe comprar hua folha de papel, e que a met-
tesse debaixo da cabeceira, rezando cinco credos a honra das cinco

Chagas de Christo Senhor Nosso, e tornando no dia seguinte tomou


meya folha do ditto papel e a dobrou em muitas dobras asemelhando
a outra meya folha que leuaua debuxada com pedra hume, em forma
que fizesse a figura de hua pessoa morta com dous casti^aes a cabe-
cira e dous aos pes, e tendo-a na mao debaixo da, mantilha, tomou na
outra mao a meya folha que se hauia comprado, e fazendo alguas

ligeirezas de maos as troucou, e lancou com a agoa que tinha prepa-


rada em hum 'alguidar a meya folha que hauia trazido, a qual bur-
iiida com a pedra hume molhou so aquella parte que nao estaua
burnida em
a ditta pedra hume, e ficou enxuta e figurada a estampa
de um corpo morto, e dos quatro casticaes que ficao dittos, e tornou
a dizer que toda a meya folha de papel se ensopou na agoa, e que
assim mostraua a figura sobreditta, do que os dittos Manoel Alua-
res e Catherina da Sylua ficarao admirados e entendendo que erao
feiticeirias o que uiam nesta sorte, como na que fes dos alfinetes; e

pedindo-lhe dinheiro para hua offerta, Ihe dera o mesmo Manoel


Aluares dez tostoes e que as sobredittas couzas fez obrigada da
;

sua muita pobreza por ser viuua, e ter filhos que alimentar, uzando
de cousas naturaes, que os mesmos Manoel Aluares e Catherina da
Sylua poderao conhecer se forao aduertidos, dizendo as palauras
sobredittas e mandando dizer as ora?oes que a Igreja approva, sem
251

animo nenhum de offender a Decs Senhor a Nosso; mas de ainda


assirn nao Ihe ser licito estd muito arrependida; pede perdao e que
se uze com ella de mizericordia.
Foi-lhe ditto que tomou bom conselho em declarar nesta meza as
couzas de que tern dado conta nella, que se abstenha de as tornar a
commetter, nem outras semelhantes que possao introduzir erros, e
abuzos no povo Christao, porque tornando a reincidir nellas serd
castigada com todo o rigor. E por dizer que nem por pensamento
tornara a commetter semelhantes culpas, e engano, foi outra uez
admoestada em forma, e mandada a seu carcere, sendo-lhe primeiro
lida esta sua confissao, que por ella ouuida e entendida, disse
estar escritta na uerdade e assinei eu Notario por ella nao saber
escreuer de seu consentimento com o ditto Senhor Inquisidor. Ma-
noel Martins Cerqueira o escreui. =
Pedro de Attaide de Castro.
Manuel Martins Cerqueira.
%

Aos vinte e dous dias do mez de dezembro de mil seiscentos e


oitenta dous annos em Lisboa nos Estaos, e caza de Despacho da
Santa Inquisiao estando aly em audiencia da manham senhores
inquisidores, mandarao uir perante si a Gracia de Myra Sigana, Re
preza conhecida neste processo, e sendo prezente foi reprelien-
dida asperamente e aduertida que se tornar a cahir nas culpas porque
foi preza sera castigada com todo o rigor de justi9a. E outro sy sera

condemnada em penas pecuniarias, e que restitua o dinheiro


e pes-
sas que acceitou a alguas pessoas por meyo de
seus embustes, o que
tudo prometteo cumprir sob cargo de juramento dos Santos Euan-
gelhos, que pera este effeito Ihe foi dado e que Ihe he dada licensa
pera se poder hir para onde bem Ihe estiuesse e que goarde segredo
em tudo o que vio, ouuiu e com ella nesta Meza se passou, o que
tambem promette comprir; de que fiz este termo de mandado dos

Senhores Inquizidores que aqui assinarao e eu Notario, de consen-


timento da Ree por nao saber escreuer. Joao de Mesquita que o
escreui. =
Pedro de Attaide de Castro. Joao de Mesquita de Macedo.
[Archive Nacional. Processes inquisitor iaes, n. 1236.]

isr_

1686

Registo de hua Provisdo de Sua Magestade sobre os Siganos

T)om Pedro, por gra$a de Deos Rey de Portugal e dos Algarves,


daquem e dalem mar em Africa, Senhor de Guine &. Faco saber a
vos corregedor da comarca da cidade de Elvas que, por ser infor-
mado de que de Castella se expulsavao os siganos e estes se passa-
vao a este Reyno em tanta quantidade que aos POVOB pequenos seria
252

muito deficultoso o poderem seportar esta quasi inundacao de gente


tao osioza e prejudicial por sua vida e costumes, andando armados

para melhor cometerem seus asaltos, como a experiencia te mostrado


com as universaes quexas o que tudo se seguia de senao conservarem
as Leis estabelecidas contra elles e se omittiao por respeitos que a
sua industria adqueria. E convir ao servico de Decs e meo que de
todo se extremine, sem que se Ihes premita habita9ao neste Reyno
nem trato qualquer que seya. Hey por bem e vos mando nao pre-
mitaes entrem neste Eeyno nenhum destes siganos e os que de facto
tiverem entrado os prendereis logo nas cadeas publicas e me dareis
conta. E quanto aos que ja sao naturaes, filhos e netos de Portu-

guezes (porem com habito genero e vida de siganos), os obrigareis


a tomarem domisilio serto, donde nao poderao sahir nem mudar sem
minha especial licensa, nem possao andar vagabundos em quadrilhas
pelo Reyno e achando-os nesta forma (?) os prendereis e Ihe nao
consentireis uzem de trage particular, mas que se vistao do costume
do Reyno e em aquelles que encontrarem a Ley sobre elles estabe-
lecida a fareis executar na forma que nella se con tern, com declara-

9ao que os annos que a dita Ley da para Africa seyao para o Ma-
ranhao. E logo que esta receberdes mandareis por editaes publicos
em que tempo para Ihes ir a noticia esta minha re-
Ihes assinareis

solu^ao, e asestindo no nosso destrito os mandareis notificar e fareis


trasladar esta ordem nas camaras dessa comarca para que os juizes
dellas a fac.ao executar, como nella se contem, de que remetereis as

que serao entregues a Francisco Pereyra de Castello branco,


certidoes,
escrivSo da minha camara, advertindo que toda a omissao com que
vos e os ditos Juizes vos ouverdes neste particular, nao dando a
execussao esta ordem, se vos hade dar em culpa que para este effeito
mandey acrescentar este capitulo aos mais do Regimento das rezi-
dencias. EIRey nosso Senhor o mandou por seu especial man dado

pelos Dezembargadores Diogo Marchao Themudo e Bras Ribeiro


da fonseca, ambos do seu Conselho e seus Dezembargadores do Paco-
Miguel vieyra a fez em Lixboa aos 15 de julho de 1686. Francisco
Pereyra de Castello branco a fez escrever. Bras ribeiro da Fonseca.
Diogo Marchao Themudo. Por resolu^ao de Sua Magestade de 10
de junho de 1686 em consul ta do dezembargo do Passo. E nao con-
tinha mais a dita provizao que eu Manoel da Silveyra de Azevedo
escrivao da camara fiz tresladar neste tombo e a propia me reporto
e por verdade me asiney do meu sinal de que uzo e a propia en-

treguey ao Corregedor da Comarca. Elvas aos vinte dias do mes


de julho de mil seiscentos e outenta e seis annos. Manoel da Silveira
de Azevedo, escrivao da Camara, o fis escrever e asinei. Manuel da
Silveira de Azevedo.

[Tombo II do Regislo dos Alvards, Provisoes, Carlos e mais ordens de Sua Magestade ,
a fl. 12. Archive da Camara de Elvas, armario n. 8].
253

isr.

1686

DccretOj cm que se mandou commutar o degredo


de Africa para o Maranhao

Tenho resolute quc com os Cigarios e Ciganas se pratique a Ley,


assi nesta Corte,como nas mais Terras do Reyno; com declaracao,
que os annos que a mesma Ley Ihes impoem para Africa, sejao para
o Maranhao; e que os Ministros que assi o nao executarem, Ihes

seja dado em culpa para serein castigados, conforme ao dolo, e


omissao, que sobre este particular tiverem; para o que ordenei ao
Desembargo do Pa90 se accrescentasse este Capitulo aos mais do
Regimento das Residencias. Regcdor da Casa da Supplicate o
tenha assi entendido, e nesta forma o fa^a executar pela parte, que
Ihe toca, enoarregando-o aos Ministros de Justi9a, e que com todo
o cuidado se empreguem nesta diligencia. Lisboa 27 de Agosto de
1686. Com Rubrica de Sua Magestade.

[Liv. x do Supplicaqao, fl. 276, in Ordena$des e leys, etc. Lisboa, 1747, vol. in: Col-
loc^ao n dos Deeretos e Carlos, p. 273].

1694

Registo de huma Prouizao de Sua Magestade pelo Dezernbargo do


Pu$o ao Correge/lor desta Comarca para que os siganos nascidos
neste Rcyno tomem genero de vida ou o despejem dentro em dois
mezes.

Dom Pedro por gra$a de Deus Rey de Portugal e dos Algarues,


daquem e dalem mar em Africa, senhor de Guine &. Fac,o saber a
vos Corregedor da Comarca de Elvas, que por quanto sou infor-
mado que os siganos' uascidos neste Reyno conthinuam em seus
excesses e delitos, sem tomarem genero de vida nem officio de que
possam susteutarse, vivendo arranchados e juntosem quadrilhas,
trazendo os mesmos habittos e trages de ciganos, sem terem dome-
tudo contra a minha rezoluc,ao que sobre esta materi.i
cilio certo,

mandey publicar no anno de 1689 (sic), e porque tern mostrado a

experiencia que nao seruio thegora de remedio bastante e convem


muito tratar da quietaQao e soccgo de meus vassalos, euitandose
todos os dias os delitos que se podem temer de gente tarn licencioza
na vida e costumes. Hey por bem e vos mando que tanto que esta
receberdes mandeis logo por em todas as Villas e lugares dessa
254

Comarca cdictais publicos que todos os ciganos nascidos neste Reyno


que logo nao tomarem genero de vida, de que possam sustentarse
na forma da dita minha rezolucam do anno de 1689. sayam deste
Reyno dentro em dois mezes com pena de morte e passado o ditto
termo serao hauidos por banidos, e se praticara com elles a pena do
banimento na forma da ley. assi e do mesmo modo que tenho rezo-
lutocom os siganos castelhanos que entrarao neste Reyno; e na
exec^ao desta deligencia que vos hey por muito recomendada poreis
todo o cuidado advertindovos sereis seueramente castigado por qual-
quer descuido que nisto tiuerdes e para que os vossos sucessores
;

nao possao alegar ignorancia, mandareis registar esta minha rezolu-


cao nos Livros da Correicao e nos das Cameras de cada hua das
Villas dessa Comarca, de que me dareis conta, remetendo certidao
de como assy o tendes executado; e nas terras aonde nao entrardes
enviareis a coppia desta Ordem ao Provedor dessa Comarca e da
mesma sorte aos Juizes de fora e ordinario della para que cada
hum em sua jurisdicjio a execute e a obserue assy como avosvolla
encarrego, porque da mesma sorte mandarei proceder contra elles
pelo descuido que nisso tiuerem. El Rey Nosso Senhor o mandou por
seu especial mandado pelos Doutores Diogo Marchao Themudo e
Bras Ribeiro da Fonceca ambos do seu concelho e seus Dezembar-
gadores do Paco. Thomas da Sylva a fes em Lixboa a 15 de Mayo
de 1694. Diogo Marchao Themudo. Braz Ribeiro de Affonseca. E
nao continha mais a dita Prouizao que bem e na verdade tresladey
e a propria entreguey ao dito Corregedor e por verdade assiney cm
Elvas aos 17 de junho de 1694. Joao Bressa^ne Leite escrivao da
Camara o escrevi. Joao Bressane Leite.*
iTombo ii do Eegisto dos Alvards, etc., fl. 63 v. Archive da Camara do Elvas, arma-
rio n. 8.]

1ST. SB
1694

Registo de Imma Prouizao de Sua Magestade pelo Dezeiiibargo do Pago


para que o Corregedor desla Comarca faqa despejar deste Reino
dentro em dois meses os siganos castelhanos intruzos ncllc.

DomPedro por graca de Deus Rey de Portugal e dos Algarues,


daquem e dalem mar em Africa, Senhor de Guine &. Fa^o saber
a vos Corregedor da Comarca de Elvas que, por quanto sou infor-
mado que pejas rayas deste Reino tern entrado muitos siganos cas-
telhanos, os quais haviao cometido muitos e varios crimes, e porque
convem evitar o grande prejuizo que de homens tarn licenciozos e
criminozos se pode seguir aos meus vassalos. Hey por bem e vos
255

mando que tanto que esta receberdes mandeis logo por em todas as
Villas e lugares dessa Com area edictais publicos em que se declare

que todos os que tiuerem entrado neste Keino sayao delle em tmn<>
de dois mezes, com pena de morte, c passado o dito terrno serao ha-
vidos e bamnidos e se praticara com elles a pena de bamniiuento
na forma da ley e na execuQao desta deligencia que vos hey por
;

muito recommendada poreis todo o cuidado, advertindovos sereis


seueramente castigado por qualquer descuido que nisso tiuerdes ;

e para que vossos sucessores nao popsao alegar ignorancia, manda-


reis registar esta minha rezolu^ao nos livros da correi^ao e nos das
camaras de cada hua das villas dessa comarca, de que me dareis

conta, remetendo certidao de como assi o tendeis executado, e nas


terras aonde nao entrardeis, inviareis a coppia desta ordem ao Pro-
vedor dessa comarca e da mesma sorte a todos os Juizes de fora
e ordinaries d'ella. E que cada hum em sua jurisdic.ao a execute
e observe e assim como a vos vollo encarrego porque do mesmo
modo mandarey proceder contra elles pelo descuido que nisto tiue-
rem. El Key Nosso Senhor o mandou por seu especial mandado plos
Doutores Diogo Marchao Themudo e Bras Ribeiro da Affonceca
ambos do seu concelho e seus Dezembargadores do Pa90. Thomas
da Sj'lva a fez em Lixboa a 15 de Mayo 694. Francisco Pereira
Castello branco a fes escreuer. Diogo Marchao Themudo. Bras =
Ribeiro de Affonseca. E nao continha mais a dita Prouizao que eu
brm e na verdade tresladey e a propria entreguei ao dito Corre-
gedor em Elvas aos 17 de Junho de 1694. Joao Brcssanc Leite es-
crivao da Camara escrevi. Joao Bressane Leite.

[Tombo cit., fl. 64 v].

1696?

Registo da carta do officib de Thezoureiro da Camara por que Sua ma-


gestade que Deus guarde fes merce da propriedade delle a Antonio
Rois de Pinna.

Dom Pedro por gra^a de Deus Rey de Portugal e dos Algarves


daquem e dalem mar em Africa snor de Gruine e da conquista &
nauegacam comercio de Ethiopia Arabia Persia e da India &. Faco
saber aos que esta minha carta uirem que por parte de Antonio Roiz
de Pinna me foy aprezentado hum meu Aluara passado pla minha
Chansellaria do theor seguinte & Eu El Rey faco saber aos que
este Aluara uirem que Antonio Roiz de Pinna escriuao serventuario
do officio das execu9oes da cidade de Elvas me representou que eu
fui seruido ordenar a Lopo Tavares de Araujo estando seruindo de
256

Corregedor daquella Comarca em Abril de 694 quc prendesse a hum


cigano chamado Manuel Roiz Roza e hauendolhe por mi reconien-
dado a dita prizao, a qual o dito Corregedor encarregou ao meirinho
da correicao e a elle, que hindo ambos a villa de Oliuenca, aonde
viuia o sigano, Ihe entrarao em caza na noite de 26 do dito mes,

requerendolhe da minha parte por muitas vezes se desse a prizao,


o que nao quizera fazer, antes os envestira com estoque de seis
pal-
mos e hiia rodella, tirando-lhe muitas estocadas e pancadas, com hua
das quais Ihe quebrara a espada ao meirinho e ficara brigando com
elle somente . .

[Nao esta concluido estc rcgisto, que se acha a fl. 80 do Tombo n do Begiato dos
Alvardt, Provisoes, Cartas e mais ordens de Sua Magestade. Archive da Camara dp
Elvas, armario n. 8].

1ST.

1699
Provisao Regia de 9 de julho de 1699 para serem remettidos
presos ao Limoeiro os Ciganos.

(J. P. Ribeiro, Indice chronologico, I s , 275.]

3ST. SS
1708
Eu EIRei fa$o saber aos que esta minha Lei virem, que, por ter
mostrado a experiencia nao haverem sido bastantes as disposi9oes
da Ordenacao do Reino e outras Leis posteriores, e varias ordens,
que em diversos tempos se passarao para os Ciganos nao entrarem
no Reyno, e se conservarem nas Terras delle, nem para que estes,
e outros homens, e mulheres de ruim vida, que se Ihes agregao,
fa<jao com escandalosa vida, que os Povos sentem, e commettao,
elles
como frequentemente commettem, furtos, enganos, e outros muitos
delictos e enormidades ,
mandando considerar esta materia com
e
toda a ponderaQao, por convir muito a Justica e bem do Reyno dar-
se Ihe remedio :
Hey por bem, e mando que nao haja neste Reyno
pessoa alguma de um, ou de outro sexo, que use de trage, lingua, on
Giringon9a de Ciganos, nem de impostura das suas chamadas. buenas
dichas: e outro-si, que os chamados Ciganos, ou pessoas, que como
taes se tratarem, nao morem juntos mais, que ate dous casaes em
cada rua, nem andarao juntos pelas estradas, nem pousarao juntos
por ellas, ou pelos campos, nem tratardo em vendas, e compras, ou
257

trocas de bestas, senao que no trage, lingua, c modo de viver usem


do costume da outra gontc das Terras e o que o contrario ; fizer,

por este incsmo facto, aiiida que outro delicto nao tenha, incorrera
na pena de a^outes, e sera degradado por tempo de dez annos :

o qual degredo para os homens sera de gales, e para as mulheres,

para o Brasil. E para que pontualmente S3 cumpra esta minha Ley,


mando aos Corregedores das Comarcas, e aos Juizes de Fora, e Or-
dinarios, a executem em suas Jurisdiccoes, e contra os transgres-
sores procedao a prisao, e a devassa, com a noticia, que dos casos
tivercm a qual devassa bastard ser de ate oito testemunhas e ti-
; ;

radas que forem, se por ellas tanto se provar, que contra os culpados
se deve proceder, maiidarao logo que os Reos summariamente res-

pondao e com suas respostas enviarao os autos ao Regedor da casa


;

da Supplicaao, ainda que seja de Terras do districto da Rela9ao


do Porto e ao dito Regedor mando que com toda a brevidade, com
;

os Desembargadores, que Ihe parecer, fa9a em sua presem^a deferir,


como parecer justica, ou seja para sentencear definitivamente, ou
seja para interlocutorias, e sempre com inuita brevidade. Nao he
porem minha ten9ao, que se os ditos homens, ou mulheres tiverem
outros delictos de maior pena, deixe de se proceder a execucao
della e nenhum outro Tribunal, ou Ministro se intromettera nesta
;

materia; porque toda a superintendencia della commetto ao dito


Regedor, para proceder na forma desta Ley o qual para este effeito ;

podera escrever e pedir conta aos Julgadores, e elles lha darao,


e todas as informacoes necessarias, e elle ma dara, quando convenha.
etc. Alvara de 10 de novembro de 1708.

[Ordenaqoes e leys, etc. Lisboa, 1747. in, 170-171. Collecgao chronologica de leis extra-

vaguntes. Coiiabra, 1819, t. n, pp. 3G4-366.]

3ST.

1718

Deere to , para que se passe ordem aos Governadores das Ai*mas das
Fronteiras, para que mandassem prender todos os Ciganos.

Por convir a boa administracao da Justica extermiuar destc


Reyno todos os Ciganos pelos furtos, delictos graves, e excesses,
que
frequcntemente commettem Fui servido ordenar aos Governadores
;

das Armas dasFronteiras, que pelos seus Officiaes os mandassem


prender, para serein repartidos por diversas Conquistas; a saber,
da India, Angola, S. Thome, Ilha d6 Princepe, Benguella, e Cabo
Verde. E porque se me fez presente que em execucao desta Ordem
se achavao nas cadeas do Limoeiro muitos Ciganos, e Ciganas prc-
sos; Hey por bem que o Chancellor da Casa da Supplicacao que
17
258

serve de Regedor ordene se embarquem para as ditas Conquistas os


que se acharem presos, na forma, que tenho resoluto. Lisboa Occi-
dental 28 de Fevereiro de 1718.
Com Rubrica de Sua Magestade.

[Liv. xn da Supplica$ao, fol. 14, in Ordenaqoes e leys, etc. Lisboa, 1747, vol. in:
Colleccao ii dos Decrelos e Cartas, p. 273.]

1ST. SO
1745

Decreto, em que se mandarao por em observancia as Leys da cxpulsdo


dos Ciganos.

Por quanto tern mostrado a experiencia o grande prejuizo, que


resulta aosPovos destes Reynos da assistencia dos Ciganos, nao
tendo produzido o seu devido effeito as Leys promulgadas para
a expulsao delles, pelo descuido, que tern havido na sua execu9ao ;

Sou servido que a Mesa do Desembargo do Pa$o faQa repetir com


mayor aperto as ordens necessarias, dando providencia efficaz, para
que inviolavelmente se executem as referidas Leys, e nao admitta
requerimento algum contrario a ellas. A mesma Mesa o teuha assi
entendido, e o faca executar. Lisboa 17 de Julho de 1745. Com Ru-
brica de Sua Magestade.

[Livro in dos Registos do Desembargo do Pa$o, fl. 131, in Ordenaqoes e leys, etc.

Lisboa, 1747, vol. in: Collcc9ao 11 dos Decrelos e- Cartas, p. 274.]

3ST. SI
1751

Copia de huma ordem que manou do Scnhor Conde da Atalaja para


o juizo da ovidoria e do ditto se envioupara o desta villa e se manda

registar.

Sendo apresentada a Sua Magestade que esta provincia se aclia


infestada de siganos, havendo-se introduzido nella contra asleiisdo

Reyno e hordens reais expedidas sobre esta materia, e que nos giros
que fazem tern cometido varies roubos e escandelosos insultos, foi
servido ordenar-me que procurase que fosem presos todos os que se
achasem e remetidos as cadeias das cabe^as das comarcas, de sorte
que em toda estta Provincia se nao tornem a ver hum so individuo
daquella prejudicial gente, e para que possa ter a devida execusam,
o que o ditto Senhor detremina logo que vosa merce reseber estta

pasara as ordens nesesarias sem demora alguma aos menistros das


259

terras da sua comarca para [o] que constando-lhes que nos seos des-
tritos se achao alguns siganos sajao logo com os mesmos povos a
prendellos, de modo que possa ter effeito huma delegcncia tarn re-
coniinendada por Sua Magestade; e se para seguramja della for ne-
sesario que concorrao as tropas pagas, aonde as houver, poderao as

justicas rcquerer aos comandantes dellas o aucilio que nesesitarem


que pronptamcnte se Ihes dara tudo o que for precise, e das ordens
que vosa merce expedir aos menistros da sua comarca mandara vosa
ncrce pedir recibos da sua entrega, que me remetera todos junttos,
sem dilasam alguma, para que constando-me que algum delles, depois
de as reseber, as nao observao com a devida exatidao, ofareipresente
a Sua Magestade para que o mesmo Senhor possa ter com os trans -
gressores da sua Real ordem a severa demonstraQam que mereserem.
Deos Guarde a vosa merce munttos annos. Estremos catorze de Ju-
llio de mil settecentos e sincoentta e hum. Conde da Atalaija. Cum-

pra e pase ordem geral na forma que se ordena. Villa Visosa quinze
de Julho de mil sette centos e sincoentta e hum. Oliveira. E nao
continha mais em a dita ordem, que bem e fielmente na verdade fis
tresladar e tresladei, a qual me reporto, em fe do que me asignei em
raso. Villa Boim de agosto onto de mil settecentos e sincoenta e hum
annos. Sobreditto o escrevi. Manoel Rodrigues Figueira*.
[Livro ii do Copiador de alvardt e provisoes da Camara (extincta) Municipal do Villa
Boim, a fl. 1*33 v. Archive da Camara Municipal de Elvas].

3ST. SJ3
1753

Registo de huma carta precatoria de deligenda

Doutor Joaquim Antonio de Azevedo Soares, Cavalleiro pro-


fesso na ordem de Christo, do Desenbargo de El-Rey nosso Senhor
e seu Corregedor com alssada em esta munto nobre e sempre leal
sidade de Elvas e sua comarca pello dito Senhor que Deos gvarde,
que de presente na mesma sirvo de Provedor & Fa9O saber ao se-
nhor Doutor Juis de fora desta cidade, ou a quern em sua abzen-
cia ou impedimento seu nobillissimo cargo tiver e servir, em como
a mini hora me foy remetida huma ordem pello Tribunal do De-
zenbargo do Passo, feyta em nome de El-Rey noso Senhor, que
Deus guarde, e asinada pellos Doutores Dezembargadores Joze
Pedro Emaus e Antonio Velho da Costa, de cuja ordem o seu theor
e forma de verbo ad verbum he o seguinte Dom Joz6 por Grac.a
de Deos Rey de Portugal daquem e dalem mar
e dos Alguarves,
em Africa, Senhor de Guine &
Fasso saber a vos corregedor da
comarca de Elvas que Reprezentando-me os Juizes de fora das
260

Villas de Souzel e Mertola a duvida que tiverao ao cumprimento


das ordens que por ineu servisso Hie remetera o Sargento mor de
Batalha, que gouverna as Armas dessa Provincia, para effeito de
tirar devasa exacta contra os sigauos e quem os protegese por ser
o meio mais conveniente do socego dos Povos e Bern comum, e con-
tra os que extrahirem trigo para o Reino de Castella e lavradores

que o vendem aos Castelhanos e Portuguezes que o conduzirem


ou em suas cazas o deicharem albergar, dando-se-lhe parte do que
resultace desta diligencia para assim mo fazer prezente, e sendo
tudo visto na meza do Dezembargo do Passo, em que foi ouvido o
procurador da minha Coroa, ele me fez prezente em consulta da
mesma meza, fuy servido rezolver e declarar que os ditos Juizes de
fora fizerao o que deviao em nao executar as ordens do que governa
as Armas, porque Devasas so por cazos de ley, rezolu9oes e decretos
meos he que devem ser tiradas quanto a extraccao do trigo, tenho
;

dado a providencia nesesaria, e pello que respeita aos siganos hey


por bem e vos mando
que, constando-vos por qualquer modo que
algumas pessoas do voso destricto, de qualquer qualidade ou condi-
ao que sejao, acoutao protegem ou recolhem siganos, os autoeis e
prendais debacho da chave na cadeya da Cabesa da Comarca, de
que me dareis conta pella meza do mesmo Dezembargo do Paso,
tendo entendido que na vosa rezidencia se perguntara se cumpris-
teis com esta obrigaQao, ficando assim adisionado este capitulo aos
da rezidencia. E esta minha rezolucao que mando participar a todos
os corregedores ouvidores e provedores deste Reyno e do alguarve
fareis "tambem participar as justicas subalternas de vosso destricto.

Cumprio asim. El-Rey noso Senhor o mandou por seu especial man-
dado pellos menistros abaixo asinados de seo conselho e seus De-
zembargadores. do Paco. Francisco Varella de Asis a fez em Lisboa
a tres de Novembro de mil setecentos e sincoenta e tres. Antonio
Luis Signet de Cordes a fez escrever. Jos6 Pedro Emaos. Antonio
Velho da Costa. Por rezolucao do Dezembargo do Paso, digo por
rezolucao de Sua Magestade de dois de outubro de mil setecentos
e sincoenta e tres e despacho do dezembargo do Paso de doze do
dito mez e anno. Por El-Rey noso Senhor ao Corregedor da Comarca
de Elvas. E nao se contem mais a dita em a dita prouizao por vir-
tude da qual mandey pasar a presente para a vos ella ser dirigida
dito Senhor Doutor Juiz de fora desta cidade de Elvas ou a quem
em sua auzencia ou impedimento seu nobilisimo cargo tiver e servir
a qual sendo-lhe apresentada indo primeiro por mim asinada e selada
com sello deste dito meu Juizo(?) que ante mim serve ou com a mi-
nha rubrica, de que valha sem sello ex cauza, que tambem em seme-
Ihantes uzo e costuma servir, a cumpra e guarde, fasa munto intei-
ramente cumprir e guardar asim e da maneyra que em ella se
conthem e declara, e em seu cumprimento e por virtude della, sa-
261

bendo Vossa merse que alguma pesoa, de qualquer qualidade que


seja, desta ditacidade e seu termo, por algum modo acouta, protege
ou recolhe siganos, os actue e prenda logo na cadeya publica desta
cidade, executando tudo na forma da Provizao de Sua Magestade,
nesta incerta, que vosa merse mandara cumprir tarn inteiramente
como nella se conthem, e vosa merse me mandara pasar certidam de
como esta Ihe foi entregue e a cumprio; como tambcm mandara dar
e pagar o feitio e asynatura e sello desta, que no fim hira declarado,
sendo feita esta despeza a custa dos bens do Conselho desta dita
cidade e de vosa merse asim o cumprir e mandar se cumpra eguarde,
;

fara em
tudo a justi9a que costuma e he obrigado em rezao de seu
nobelisimo cargo que ocupa e admenistra, serviso a Sua Magestade
que Deus guarde e a mini merse, o que eu nao mcnos farey por outras
suas semelhantes, sendo-me aprezentado da sua parte pedido e de-
precado mediante Justia etc. Dada e pasada em esta dita cidade
de Elvas, feita em ella ao primeiro dia do mes de Dezenbro do Anno
do Nascimento de Noso Senhor Jezus Christo de mil e seteceutos e
sincoenta e tres annos etc. Esta vai subescripta por Joze Bernardes
escrivao proprietario do otficio da correiQao em esta cidade de Elvas
e sua Comarca etc. Paguarse-ha de feitio desta ao todo contado na
forma do Regimento duzentos e setenta reis e de asynar e sello
noventa reis. E eu Joze Bernardes escrivao da Correicao o sobes-
crevy. Joachim Antonio de Azevedo Scares. Ao sello valha sem sello
ex causa trinta reis. Jose Bernardes. Cumprace. Elvas sinco de de-
zembro de mil e setesentos e sincoenta e tres. Falcato. E nao se
continha mais em
a dita precatoria que fiz regystar bem e na ver-
dade e nao leva cousa que duvida fasa, em fee do que a fiz escrever

subescrevy e asynei de meus sinais costumado. Elvas dois de marc.o


de mil e setecentos e sincoenta e quatro annos. E eu Joao Pereyra
Coelho, escrivam das e^ecu^oes, que hora siruo de escrivam da
Camara o subescrevi. Joao Pereira Coelho.

[Tombo in do Registo da Camara Municipal de Elvas, a fl. 203. Archive Muni-


cipal.]

1ST. 33
1756

Aviso para o Duque Rtgedor, em que se Ihe ordena, que os Siganos,


que inquietavao os moradores do Termo desta Cidade, sejao appli-
cados a servirem nas obras publicas da mesma Cidade.

Ill.
mo e Ex. mo Sr. Fazendo presente a Sua Magestade o Aviso,
que V. Excellencia me dirigio na data de 13 do corrente sobre os
Siganos, que inquietao os moradores do Termo desta Cidade :
Foy
262

o mesmo Senhor servido mandar declarar a V. Excelleucia, que nao


havendo presentemente navio para Angola, em que possao ser trans-
portados os Siganos, que se condemnarem, sejao applicados a servi-
rem nas obras publicas da Cidade. Deos guarde a V. Excellencia
Pa$o de Belem, a 15 de Mayo de 1756. = Sebastido Joseph de Car-
vallio e Mello.

[Memorias das principaes providendas que se derdo no terremoto, que padeceu a Corte
de Lisboa no anno de 1756. Lisboa, 1758, pag. 106.]

KT_
1760
Eu EIRey fac.o saber aos que este Alvara de Ley virem que
sendome presente que os Siganos, que deste Reino tern sido degra-
dados para o Estado do Brazil vivem tanto a disposi9ao da sua vou-
tade que uzando dos seus prejudiciaes costumes com total infracc,ao
das minhas Leis, causao intoleravel incomodo aos moradores, come-
tendo continuados furtos de cavalos, e Escravos, e fasendo-se formi-
daveis por andarem sempre encorporados, e carregados de annas de
fogo pellas estradas, onde com declarada violencia praticao mais a
seo salvo os seus perniciozissimos procedimentos ; considerando que
asim para socego publico, como para correc9ao de gente tao inutil e
mal educada se faz precrso obriga-los pellos termos mais fortes e
eficazes a tomar a vida civil sou servido ordenar que os rapazes
:

de pequena idade filhos dos ditos siganos se entreguem judicial -


mente a Mestres, que Ihes ensinem os officios e artes mecanicas, aos
adultos se Ihes assente prac,a de soldados, e por algum tempo se

repartao pellos Prezidios, de sorte que nunca estejao muitos juntos


em hum mesmo Prezidio, ou se fa$ao trabalhar nas obras publicas
pagando-lhes o seo justo salario; prohibindo-se a todos poderem
comerciar em bestas e Escravos e andarem em ranchos Que nao :

vivao em bairros separados, nem todos juntos, e Ihes nao seja per-
mittido trazerem armas, nao so as que pellas minhas Leis sao pro-
hibidas, que de nenhuma maneira se Ihes consentirao, nem ainda
nas viagens, mas taobem aquellas, que Ihes poderiao servir de
adorno E que as mulheres vivao recolhidas e se ocupem naquelles
:

mesmos exercicios de que uzao as do Pais e Hey por bem que pella
;

mais leve transgressao do que neste Alvara Ordeno, o que for com-
prehendido nella seja degradado poj toda a vida para a Ilha de
S. Thome, ou do Princepe sem mais ordem e figura de juizo, nem

per meyo de Apellacao, ou Aggravo do que o conhecimento sumario


que resultar do juramento de tres testemunhas, que deponhao pe-
rante quaesquer dos Ministros criminaes respectivos aos destrictos,
263

onde fizerem a transgressao, e provada quanto baste se execute


logo a senten^a do exterminio, sem que della possa ter mais recurso.
Pelo que Mando ao Presidente e Concelheiros do meo Concelho
Ultrainarino, ao Vice-Rey e Cappitao General de mar e terra do
Kstado do Brazil, e a todos os Governadores, e Cappitaes mores
delle, aos Governadores das Rellacoes da Bahia e Rio de Janeiro,
Dezembargadores dellas, e a todos os Ouvidores e mais Ministros,
e Officiaes de Justica do dito Estado executem e facao observar scm
duvida este meo Alvara, como nelle se contem, o qual sepublicara,
c registara na minha Chancelaria mor do Reino, e para que vcnha
a noticia de todos, e se nao possa alegar ignorancia sera taobem

publicado nos Cappitanias do Estado do Brazil e em cada huma das


suas Camaras e se registard nas ditas Rellacoes, e nas mais paries,
onde scmelhantes se costumao registar, Ian9ando-se este proprio na
Torre do Tombo. Lisboa vinte de Setembro de mil, setecentos e
'

secenta. Rcy etc.

[Ri'k'istado a fol. 351 d< L. p x do Regis to do Heal Archive). Antonio Dclgado da


Silva, Collecrf ao da legislagao porlugueza, 1750-17!2, pp.' 749-750.]

]ST_ S5
1761
Provisao de 8 de Fevereiro, relativa a lei de 20 de Setembro de
1760, a qualnada accrescenta de interesse.
[Antonio Delgado da Silva, Supplemenlo d Collecqao de legisla$do portugueza, 1750-
1762, p. 786.]

3sr. se
1800

Rezisto de huma ordem do Entendente Garal (sic) da Policia da Corte,


e Reino para o Doutor Corregedor desta Comarqua a qual Remeteo
ao Doutor Juis de Fora desta Cidade na forma seguinte.

Vou munto Seriamente Recomendar a Vossa merce que espe^a


as ordens mais percizas a todos os magistrados da sua respect! va
Comarca asim de vara Branca como ordinarios avivandos da exzc-
cucao da Lei de vinte e sinco de junho de mil e setesentos e secenta
e com particolaridade o paragrafo doze dela e a de vinte e sinco dc
Dezembro de mil e seissentos e oito que fas parte da mesma Lei
e a de quinze de Janeiro de mil e setesentos e oitenta; pois os Re-

petidos fatos dos trangresores das edicadas Leis teem feito ver que
os soberditos magistrados nao cumprem o que nelas Ihes he ordenado
o que obrigou ao Genaral Dom Simmao Trazer a Reprezentar ao
264

Principe Nosso Senhor a grande dezer^ao das Tropas auseliares


que estao debaxo do seo comando neste Reino, que os masgestrados
nao cumprem as Leis e os dexao tranzitar para a Espanha, e neste
Reino teem entrado outros muntos estrangeiros sem se legetimarem
como ordenao as soberditas Leis que se citoaram; sempre foi nes-
ceQariio huma grande circonspec.ao a vegilancia de tao emportantes
obgetos, mas munto mais, esincialrnente em huma congetura que
ofresem as critiquas sirconstancias e que sao bcm manifestas nao se
contentando Vossa merce em recomendar a exzecuQao destas deli-
gencias aos soberditos magistrados mas vegiando se cumprem estes
as uas obrigacoins e asim continuar Vossa merce, emquanto estiver

regendo essa correi9ao, e Igualmente na confermidade da ordena9ao


do Livro quinto Titolo secenta e nove e dos decretos e Alvaras que
vao nas coleQoins numaro primeiro e segundo ao dito Titolo e dese-
sete de Janeiro de mil e seissentos e seis e de treze de setembro de
mil seiscentos e treze de vinte e quatro de outubro de mil seiscentos
e quarenta e sete do decreto de vinte oito de Fevereiro de mil e
seteeentos e dezoito prendao todos os siganos de um e outro seco
que vivao sem domecilio e andem vagos no Reino, e os filhos destes
de que falo de um e outro sesso remetermos vossa merce con toda a
caridade e comedamente nao Ihes faltando ao nescec,ario alimento
conduzindos em carros e cavalgaduras aos portos do Mar mais pro-
chimos para delles virem para a Rial Gaza pia desta Corte e nela
serem instruidos na moral Christa e nas obrigac,oins suciais e apren-
derem as Artes e manefaturas e aqueles que pelos seos talentos se
recomendarem as mesmas siencias pedindo Vossa merce ao Illustris-
simo Ex. mo Governador das Armas dessa Provincia que o ausseli na
prizao dos referidos siganos que por ela andarem vagando e nesta
regra entrarao alguns engeitados e filhos familias que andao fugi-
dos girando de terra em terra sem se asoldadarem nem procorarem
em que se ocopar vivendo de furtos que fazem e da mendacidade
a que o osio os condus em que depois ficao servindo de grave
pezo ao estado consta finalmente nesta entendencia que muitos dos
Ladroins que de novo teem aparesido sao, huma especia de contra-
bandistas que andao vendendo pelas cazas e mascarandose e por
este modo nao so exzeminao as entradas e saidas delas mas tambem
costumao ganhar alguns dos domesticos que sara mais a seo salvo
porpetrarem os robos e furtos que intentao fazer, pois que digo os
que tiverem pois nestas sirconstancias devem ser logo prezos e
apreendidas tambem as fazendas que se Ihe encontrarem sejam o
nao de contrabando e as aloard formando-lhes os seos porsecos ven-

dendo-lhes, se as fazendas forem de Lei o como contrabandistas se


elas forem de contrabando e nestes casos Lembro a Vossa merce o
:

capitolo vinte sete da prematica de mil e setesentos e quarenta e


nove como tambem a Lei de quatorze de Novembro de mil e sete
265

sentos e sincoenta c scte mas previno a Vossa mercc que deve ese-
toar desta regra as fazendas que vao endiretura para espanba pois
o que acabo de ordenar entendese a respeito das fazendas que se
andao vendendo pelo entrior do Reino cstas delegencias devera
Vossa merce ter sempre em vista e nao so contentarsse em dar as
c,uas ordens mas vegiar cuidadosamente nas ezecu^oins delas como

j;i refer! a Vossa merce, e munto particolarmente estando Vossa merce

adetrito como meo comicario a comprir e fazer e exzecutar o que


ordcno etambem para de future recomendo a Vossa merce que leia
huma e muntas vezes o seo Regimento de Corregedores que litaral-
mente deve observar em toda a sua Comarqua e que deve praticar
como Corregedor e Prezidente dela e munto principalmente sobre as
planta^oins e rezalvas dos chaparros enxertos dos zambogeiros e
abreturas de algumas terras proprias para as semanteiras dos pains
de toda a especia sogundo a qualidade do terreno o pedir e lembro
a exzecucao dos officios que deregi a esse lugar nas datas de vinte
sete de Maio e de treze de Julho de mil e sete sentos e oitenta
exzecutando o que dis respeito a este officio nas terras de donatarios
adonde nao entrar a correicao para nas mesmas terras fazer Vossa
merce observar o que neste Ihes ordeno e o que ultimamente ordenei
no officio que deregi a essa Provedoria em sinco do presente mes
relative aos engeitados nas correiQoins que fizer proguntara Vossa
v

merce se tern litaralmente exzicutado o ordenado no dito officio para


Vossa merce me dar conta da sua observancia e se hover alguma
oiniao, da parte dos exzecutores, espero da atividade e luzes de
Vossa merce cumpra e fa$a exzecutar o que tenho ordenado nos res-
pectivos officios que estes fins tenho espedido a esse Lugar e avivar

egualmente a exzecuQao das indicadas Leis para que de foturo os


secores desse Lugar asim o cumprao enteiramente e facao exzecu-
tar.Vossa merce far& rezistar o presente officio nos Livros dessa
Correisao, remetendo-me certidao de asim se ter exzecutado. Deos
Guarde a Vossa merce. Lisboa doze de Julho de mil oito sentos. Diogo
Ignacio de Pina Manique. E nao continha mais no dito inserto em
huma depercada que veio do Juizo da Correicao, para o Doutor
Juis de Fora a quern entreguei e a mesma me reporto e eu Antonio
Joaquim Pereira escrivao da camara a fiz escrever. Antonio Joa-
quim Pereira.
[Livro vi do Tombo do Registo da Camara Municipal de Elvas, a fl. 85 v.]

JST. S7
1848
Deve cuidadosamente exigir-se passaporte aos bandos de ciga-
uos que transitarem pelo reino, afim de se exercer contra os que o
266

nao trouxerem a correcQao e repressao ordenadas na Lei de 20 de


sotembro de 1760. Portaria circular 18 abril 1848. Ined. (Codigo
administrative, 18 Marco 1842, e de 1854, p. 181.)

[Henrique da Gama Barros, Eepe.rtorio admii,is(ratiro. Li.sboa, I860. Tomo i, 151.]

JST_ ss
Miguel Leildo d'Andrada sobre os
1
cifjanos

Crisp. Rezao tiuerao esses senhores, e os muytos que dizeis aqui


se acharao nestas festas, porque forao ellas muito pera se ver. Porem
ainda me parece vos ficou por contar, hua dana de Ciganas que eu
encontrei no caminho.
Gal. Outras cousas fora dessa, deixei eu por serem miudas, como
him fonte de vinho, que o senhor deuoto mandou por a nossa porta,
que de cima corria em hua bacia por hua pena, onde estaua hua
taca de prata com guarda, e bebiao quantos queriao. E quanto as
cigauas nao as quis acceitar nesta festa o senhor deuoto antes as
dcspedio, e elle dira o porque.
Deuot. Tenho tamanho aborrecimento a essa gente, que ncm
esmolla a porta quero se Ihes de, por os ter por indinos della.
Crisp. Disso me marauilho eu muito, porque a esmola dada por
amor de Deos ainda que seja a indino nao deixara de ter o sen
merecimento, por donde se deue dar a todo o necessitado, ou quo
mostrar selo. E ainda que o nao seja basta ser por amor de I><>s.
Deuot. Bern sei que a esmola conforme nellafoy o intento, e cha-
ridade tera o sen merecimento. E quern a pudesse dar a todos por
amor de Deos faria bem. quando isso nao fosse occasiao de pecar
ou de nao deixar o peccado, que o sol a todos allumia, porem quern
nao pode se nao limitadamente, parece a deue antes de dar ao dino?
que ao indigno, quais sao quasi todos estes Ciganos, ladroes, saltca-
dores, matadores, sem ley, nem temor della, e ellns ladras, feiticei-
ras inquietadoras da honestidade das molheres, e fazendoas mal

parir. Embaidoras que por dous vinteis, ou dois pais, nao duuidarao
trazer a vossa escraua, ou criada a peconha, e o mesmo solimao pera
matar seus senhores, e enganar a simplez donzella co nome de mc-
sinha pera o outro casar com ella. E ainda a casada a titulo de
omarido Ihe querer bem, Hie dao com que os coitados vao ao outro
mimdo fazer experiencia da mesinha, ou ficao pera minca mais

Trocho da descrip^ao dumas festas na villa de Pedrogao grande (Beira-Baixa)


1

na obra de Miguel Leitao d'Andrada, Miscellanea do sitio de Nossa Senhora da Litz


do Pedrogao grande, etc. Lisboa, 1629. (O prologo foi escrito em 1G22.) Dial, xn,
pg. 335-310.
267

Entao a descarga disto he, que digao que o marido era hum
prestar.
amancebado, e andaua toda a noite, e que dissojnorreo assi mal.
E sabe Deos, e suas proprias mulheres, o como, e aozadas, a
quantos isto cada dia acontece. E seja verdade que todos somos pec-
cadores, estes o sao por officio, e por carta, e delle se mantem. E
os que introduzirao em Portugal mil feitigarias, e males que nelle nao
se sabiao.Por onde eu aconcelharia a todo o home que euitasse
com esta gente, nem ainda zombando ou
o fallar qualquer cousa sua
com achaque de bona dicha, muito mais cautelosamente, e com mais
rigor que com hum ferido de peste, e falo de sciencia certa. E he de

notar, que se hum nosso Portugues vai ser morador em outro


Reyno, em poucos annos logo falla a lingoa desse Reyno, e seus
filhos ja nella e em tudo o mais como naturais mesmos da terra. E
esta gente com auer tantos centos de annos que ^spanha os agasa-
Ihou, que quasi elles mesmos nao sabem de que na9ao ou Reyno
procedem, porque sendo Gregos que se vierao fugindo dos Turcos,
se fazem jEJgipcios, ou Gitanos. E pello contrario, e sendo Chaldeos,
como diz lacobo Philipo Bergamate no seu livro, Supplementurn
chronicarum que de certos pouos chamados Zigaros, se sahirao a
encher toda Europa porem que nenhures os consentem mais de tres
dias, pola sutileza de seus furtos, e que por essa causa os Venezea-
nos, e os terem por sospeitos os lancarao de todas suas terras, e que
niica deixarao a sua lingua Chaldea, que deue ser a que Ihe ouimos

falar, eparece sao estes de Portugal. Os quais de Zigaros se cha-


mao ciganos, que he o mesmo. E
o nao perderem nunca a sua lingua
nao foy por certo, pera nella se lerem e vsarem de liuros Catholicos,
ou de sciencias e artes que troxessem boas, senao pera milhor inte-
ligencia de suas malas artes, latrocinios, e embelecos, ou enganos,
porque vzando tudo isto como vzao por officio os nao possamos en-
tender. E
nos tao cegos, e descuidados, que ninguem attenta nisto,
falo dos que gouernao, que o puderao remedial*, e vendoo, e palpan-
doo cada dia e cada hora a nossas portas, e dentro de nossas proprias
casas passao por isso. E nao sei como os conselheiros dos Reys, e os
:

que gouernao as Republicas desuelando-se tanto em novas premati-


cas sobre ninh arias, nao buscao remedio a cousa tao important^ como
fora nao estar Portugal e Espanha toda criando em suas entranhas,
estas lombrigas ou digo Biboras que o estao roendo de continue por
todas as partes de seu todo. Agasalhadoos Portugal vindo perse-
guidos dos Turcos vzao tao mal desse gasalhado, e beneficio.
E pudera isso ter muyto bom remedio, embarcandoos diuididos
pera o Brazil e Angola e outras nossas conquistas, e agora pera a
noua pouoaQao do Maranhao poucos a poucos em cada nauio que
fosse, e se hiriao acabando de sair do Reyno, ou delles estes maos
costumes, e quando isso nao parecesse, fazendoos viuer dentro no
meyo das eidades repartidos pello Reyno, vedandolhes o vzo do trajo,
268

e da lingoagem, e o sair fora das Cidades e villas. que he muito


importante, e mais essencial, e obrigandoos a officios com tenda sua,
on obreiros nas alheas. E que nao fossem ferreiros, que so vzao a
fim de fazer gazuas, e instrumentos de roubar. E a ellas o mesmo
a officios, ou vender em tendas, ou pollas ruas e outros exercicios,
com o que ou outros remedies se Ihes atalhasse o furtar, e outros
maleficios. E o pedir esmola que aos pobres se deue necessitados
(que ha muitos nossos naturais) e nao a elles que podem bem com
trabalhar remediar sua vida. Pois a verdadeira charidade deue
comear por nos mesmos, e pelos mais chegados nossos.
Crisp. Nem por isso deixaria de auer outros ciganos, como ha
naturais que por se darem a boa vida se la^ao a pedir.
Deuot. Tambem esse he hum grande descuido dos que gouernao
nao atalharem a essa desordem com algum remedio.
Crisp. Nao deue de o ter pois que tee gora se Ihe nao deu.
Deuot. Nao he essa boa consequecia que cada dia vemos darse,
e acharse remedio a cousas que a nossos mayores nao passou por

pensamento. Quanto mais que leys ouue, e ordena^oes excelentes


sobre isso, que ja nao se praticao nem se goardao. E puderao as
Republicas ou os Keys criar Magistrado, ou tribunal so pera isso,
dandolhe leys, e regimento. Pondo se os coxos a officios que nao hao
mister pernas, como 9apateiros, alfayates, ouriues, e outros, e os
cegos nas casas dos ferreiros, tanger os folles, rodas de esparteiros,
Cordoeiros, cirgueiros, lapidarios, e outras rodas, e na ribeira das
naos a puxar por cordas, e o mais que aly ha. E os aleijados de
maos, conforme o aleijao, porteiros de concelhos, e em portas de
fidalgos, pastores, egoarizos e caminheiros. Aplicando a todos o
exercicio, e trabalho de que se manter conforme sua sufficiencia,
tirandoos das tauernas que destes de continue *estao cheas, obrigando
alternadamente aos officiaes siruirense delles, e pagarlhes ou man-
telos (como dizem o fazem na China, e mandando vir de la essas
leys que dizem sao excelentissimas em muitas cousas) que as leys
em todas as idades se buscarao e passarao de huns Reynos a outros
pera tomar dellas o mais conueniente). E goardandose co rigor nao
se cortariao muitos os bra9os a si mesmos co a cobi9a de pedir, e
nem cegariao muitos pays os filhos minimos acinte pelos Ian9ar a
pedir (como se diz por cousa certa o fazem em certos lugares) nem
se fariao outros a si mesmos outros aleijoes, e chagas com este
intento. Nem andariao tantas mulheres pera sustentarem o mao
estado em que viuem, de dia, e de noite pedindo e lamentando-se
com hua voz muito lastimosa, e toada muito prolongada, como tudo,
e outros mil excesses cada dia vemos. E passao com toda a liber-
dade, e a seu aluedrio de cada hum.
E da mesma maneira se puderao poer as mulheres a officios e
exercicios conuenientes, e acomodandoas por casas a seruir onde
269

estiuessem recolhidas, que he vergonha ver isto, e ellas logo se


darem a esta vida calaceira de pedir com seus capelos, e bordao,
sem auer quern acuda a esta cala^aria, se quer por rezao de estado.
E desta ou de outras maneiras mandandose o primeiro coin todo
o rigor que ninguem pudesse pedir sem expressa Iicen9a do tal tri-
bunal ou magistrado. E com trazer essa tal licence ao colo escrita
em taboas, e com letras muyto grossas e de forma. Nao aueria tau-
tas desordens, e peccados mortals, como La nem tantos males, e
aueria bastante esmola pera quern direitamete pertence e nao
padeceriao os necessitados nobres, e enuergonhados tantas neces-
sidades. E muytas vezes extremas, por estes velhacos lha vsurpa-
rem, e tyranizarem e nas Igrejas mais quieta9ao pera as pessoas sc
poderem encomendar a Deos, vedandolhes o pedir deritro e o dar
a esmolla dentro, pois basta pediremna a porta.
Crisp, Deixemos os pobres Ciganos, e yr as cousas por ondc vao,
que uos nao auemos de goucrnar, nem emmendar o mundo. E pois
o senhor Galaclo me fes merce festejarme tanto esta tarde, e vos
de me aueres de dar algumas, juntemonos aqui a manham, donde
poderemos yr dar quatro passeyos por recrea^ao refrescandonos por
essas fontes, e sombras.
Deuot. Assim seja; e a Deos.
APPENDICE II

OS CIGANOS DO BRASIL

4
Entre os documentos que reuni ha urn que nos mostra
ja em 1574 a pena de gales, imposta a um cigano, com-
mutada em desterro para o Brasil. Nao seria naquelle
seculo tal caso o unico do genero ;
mas 6 s6 no fim do
seculo seguinte, em 1686
que vemos generalisado o desterro
para uma parte do Brasil, o Maranhao
2
conforme ao de-
,

sejo que fora expresso, mais de meio seculo, antes por


Miguel Leitao d'Andrada 3
Emfim o
. Alvara de 1760 4
mostra-iios que no Brasit persistia o modo particular de
vida dos ciganos e que, grayas as condi9oes particulars

d'aquella nossa antiga colonia, elles se atreviam a praticar


violencias, reunindo-se em numero e com armas.
No Brasil, como em Portugal, como nos outros paises
europeus ou de civilisagao de origem europea, as medidas
legislativas nao conseguiram fazer desapparecer os ciganos
nem sequer os seus costumes inveterados.

1
Doc. n. 5.
2 n. os '22 e 23.
Docs.
3
Doc. n. 38, p. 267.
4
Doc. n. 34.
272

Um viajante inglez que percorreu uma parte do Brasil,


no comedo d'este seculo, deu-nos a seguinte noticia que
nos mostra bem a persistencia d'aquella gente:
otResta-me ainda fallar de uma raa de homens; mas os
individuos que a compoem nao sao em numero bastante
grande para que a classifiquemos entre as grandes divisoes
da especie humana que formam a popuk^ao do Brasil;
esses homens excitaru alem d'isso menos interesse que os.
outros: todavia nao se pode passar em silencio os ciganos,

(porque e assim que os chaniam). Ouvi muitas vezes fallar


d'elles, mas nunca tive occasiao de ver um so. Bandos de
ciganos tinham por costume mostrar-se noutros tempos,
uma vez por anno, na aldeia de Pasmado e noutros sitios
da provincia (de Pernambuco); mas o governador era ini-
migo d'elles, e como fossem feitas tentativas para prender
alguns, as visitas acabaram. Pintam-nos como homens altos
e bem fcitos, de cor acastanhada com fei9oes semelhantes
as dos brancos. Vagueiam em bando, homens, mulheres,
crean9as trocando, comprando, vendendo cavallos e joias
;

de oiro e de prata. As mulheres jornadeiam assentadas


entre os cestos, em cavallos albardados; mettem os filhos
nos cestos misturados com a bagagem. Os homens sao
excellentes cavalleiros; quando os seus cavallos de carga
estao ajoujados sob o peso, contentam-se com abrandar o

passo das cavalgaduras, sem pensar em se apearem e repar-


tirem as cargas por todos os animaes. Diz-se que nao obser-
vam nenhuma pratica religiosa, que nao vao nunca a missa
nem ao confesso; accrescenta-se que se casam so com
1
pessoas da sua raya. ))

Ao queacabo de indicar se resumia o que apurara dos

ciganos do Brasil quando me chegou a mao por obsequio ;

1
Henri Koster, Voyages dans la partie septentrionale du Bresil
depuis 1809 jusqu'en 1815, trad, de 1'anglais par M. A. Jay. Paris,
1818, vol. ir. Da curta noticia de Koster e extrahida a que corn
o titulo de Zingaris au Bresil se le in Nouvelles annales des voyages,
t. iv (Paris, 1820), p. 474.
273

do L. de Vasconcellos, urn volume que se occupa do


sr.

assumpto, mas com referenda quasi exclusiva aos ciganos


4
do Rio de Janeiro .

O
auctor dessa obra comeQa por considera9oes de se-

gunda mao sobre as primitivas migra9oes dos ciganos (tsi-


ganos), com varias inexactidoes ; falla-nos depois da legls-
lacao portuguesa acerca d'esse povo e cita um decreto de
11 de abril de 1718 segundo o qual foram degradados os

ciganos do reino para a praya da cidade da Bahia, orde-


nando-se ao governador que ponha cobro e cuidado na
prohibiyao do uso de sua lingua e giria, nao permittindo
que se ensine a seus filhos, a fun de obter-se a sua extin-
9ao. Nao encontrei esse decreto, nas minhas investiga-

9oes. Foi por essa data, segundo o sr. Pinto Noites, esti-
mavel e venerando colon (calo) de 89 annos, que chegaram
ao Rio de Janeiro os seus avos e parentes nove familias
para aqui degradadas, em razao de um roubo de quintos de
ouro attribuido aos ciganos. Segundo o auctor, esse velho,
de prodigiosa memoria, deu-lhe noticia de familias impor-
tantes brasileiras cruzadas com os ciganos, e de outras

particularidades muito interessantes. Os degredados de


1818 entregar-se-hiam as industrias dos metaes seriam :

caldeireiros, ferreiros, latoeiros e ourives; as mulheres


rezariam de quebranto e leriam a buena dicha.
auctor pretende que: A reproducyao entre si (entre

os ciganos) deu-se em grande escala o cruzamento com as


;

tres ra9as existentes effectuou-se, sendo o cigano a solda

que uniu as tres pe9as de fundi9ao da mesti9agem actual


do Brazil)). Aqui ha um exaggero evidente. De um lado,
suppondo rigorosamente historica a noticia da migra9ao das

1
Mello de Moraes Filho, Os Ciganos no Brazil. Rio de Janeiro,
1886. 18. 204 pp. mesmo auctor publicou um Canciomiro dos
Ciganos, que nao vi. volume que examine! contem de pp. 113 a
155 Trouas ciganas e Novo Cancioneiro. Ha excerptos de uma e
:

outra colleccjao no Parnaso brazileiro (Rio de Janeiro, 1885) do


mesmo auctor, o qual tenho a mao, t.
u, de p. 609 a 624.

18
274

nove familias, nao pode admittir-se que tenhara sido as


imicas desterradas para o Brasil no seculo xvm, para onde

ja anteriormente teriam ido algumas; de outro lado nao e


facil de admittir, sem outras provas, que no brasileiro haja
tanto sangue cigano como o auctor parece estar disposto a
acceitar.
sr.Mello Moraes pretende, sem citar documento, que
em 1808, com a traslagao da corte portuguesa para o Rio
de Janeiro, passassem para alii mais ciganos, e falla-nos de
um calo rico, Joaquim Antonio Rabello, sargento-mor do
3. regirnento de milicias da corte a quern a historia nacio-
nal talvez um dia considere como urna forga nas agitagoes

politicasda independencia.
alvara de 1760 prohibia aos ciganos do Brasil com-
merciarem em escravos. sr. Mello Moraes falla-nos
d'essa lucrativa occupagao dos ciganos e allude a um M. ,
. .

calo de raga, que alcangou imniensa fortuna como media-


neiro na compra de escravos e veiu a ser marquez de B . . .

Adaptando-se assim, pelos peores lados, d civilisagao bra-


sileira, os ciganos nao perdiam algumas das peculiariadadcs
da sua raga. Elle elevava-se em verdade facilmente ao
nivel do brasileiro, porque o nivel do brasileiro era geral-
mente baixo. Esse phenomeno e apenas mais uma exem-
plificagao da virtude da qual um povo de civilisagao
lei em
rudimentar se adapta tanto mais rapidamente a civilisagao
de outro, quanto ella e menos adeantada.
Num capitulo em que ha
outras muitas coisas inconsi-

deradas, attribue o auctor grande papel ao cigano como


fonte de supersticoes brasiieiras. Mas as superstigoes e os
ensalmos que nos apresenta divergem muito pouco de super-
e
stigoes e ensalmos vulgarissimos entre o povo portugues
aos quaes me e impossivel attribuir origem cigana, primeiro

porque umas e outras sao communs nos diversos povos da

Europa, e segundo porque podemos seguir a sua historia,


alguns seculos ati'cas em o nosso pais e por mais largo
espago de tempo noutros paises. Os ensalmos e pragas dos
ciganos, demais, estao por tal forma cheios de
elementos
275

christaos que logo a primeira vista se desconfia da sua ori-


ginaliiade. Scm duvida na India, de onde veiu esse povo,
encontraraos coisas do mcsmo genero desde remota antigui-
dade, ja no Rig- Veda, e sobretudo no Atharvaveda ; encon-
1

tramo las tambem nos documentos de outras velhas civili-


sagoes, por exemplo nos textos cuneiformes de Babylonia,
vulgarisados ate nas obras de Fr. Lenormant mas a com- ;

parayao revela que o que dos ciganos do Brasil nos com-


rnunica o sr. Mello Moraes se parece muito mais com os
ensalmos das benzedeiras e feiticeiras portuguesas que com
os exemplares indianos, assimcomo os ensalmos portugue-
ses se parecem mais com os dos outros povos europeus que
com A minha conclus&o e que os ciganos se
os asiaticos.

apropriaram Portugal em
dos forniularios das nossas benze-
deiras e feiticeiras. A
demonstragao dessa these exige
2
tempo e espago de que agora nao posso dispor .

As praticas de feiticeria, os ensalmos das ciganas, como


os das suas collegas portuguesas, sao, por via de regra,
em extreme prosaicas j
todavia concebe-se que nao deixe

1 A. Weber, Indische Studien, t. iv (1858), pp. 393-430.


2 Contento-me com indicar alguns elementos para o estudo da
questito J. Grimm, Deutsche Mythologie, cap. xxxvi, xxxvn e xxxviu;
:

idem, Ueber Marcellus Burdigalensis in Kleinere Schrlften, n, 114-151;


Idem, Ueber zwei entdeckte gediclite aus der Ze.it des deutschen hei-
denthums, ibidem, n, 1-29; A. Kuhn und W. Schwartz, Norddeutsclie
Sage, etc. p. 431-444 A. Kuhn, Sagen, Mdrchen und Gebrauche aus
;

Westfalen, ir, 119-215; Idem, Indische und germanische Segempruche


fur Vergleichende Sprachforschung, xm (1864), 49-74.
in Zeitschrift
113-157 John Brand, Observations on popular Antiquities, ed. 1877,
;

in, 255-319; William Henderson, Notes on the F<.lk Lore of the


Northern countries of England and the Borders. London, 1866, pp.
108-142; L. F. Sauve in Eevue celtique, vi, 67-85; Fr. R. Marin,
Cantos populares espanoles, i, n. os 1054-1072; Mclusine; A. Birliii-
ger, Aus Schwaben, i, 377, 4',
4, 405, 441-463 etc. F. Adolpho Coelho,
;

Romances, oragoes e ensalmos do Minho in Romania, in (1874), pp.


269-278 Idem, Costumes e crengas populares in Boletim da Socie-
;

dade de geographia de Lisboa, 2. a eerie, pp. 633-668 ; Idem, As su-

perstigoes portuguesas in Revista scicntifica, (Porto, 1882), pp. 512-

528, 560-578 ; e os outros trabalhos dos folkloristas Portugueses.


276

de produzir 'certo efteito a phrase seguinte do nosso auctor :

A cigana e a sacerdotiza da nossa theurgia popular!


Na
colonia cigana da Cidade Nova, diz o auctor, nao

podera haver menos de quinhentos habitantes. Os hornens


empregam-se geralmente no foro e sao honestos. Nenhum
foiate ao presente processado por ladrao nos dois ultimos
;

decennios de sessao de jury apenas dois foram condenmados


e por ferimentos leves.
Numa nota lemos que dois ciganos de Minas, alcunhado
um o Beijo, parente de Pinto Noites, e outro o Rola,
foram notaveis nos annaes do crime; o primeiro contava
mais de vinte mortes.
As mulheres nao dao a mao a apertar aos homens, e
este.s, quando se encontram, trocam entre si como saudaQao
as palavras: 01e! old! olo! Os filhos nao beijam as
maos aos pais, estendem o bra90, e com um torn de voz
plangente e vagaroso, dizem: Abenga. .? Esse costume
.

imitaram-no as crean9as ciganas das portuguesas.


Tratam-se por alcunhas, como os fadistas taes sao, o :

Bdjo, o Rola,j& referidos, o Catu, o Come-polvora (ciganos


de Minas), o Migim-Migim, o Papagaio, o Pernas finas
(ciganos da Cidade Nova).
Apesar dos casamentos consanguineos, sao raros os casos

pathologicos congenitos, excepto os frequentes de surdi-


mudez.
Os casamentos dos ciganos do Rio de Janeiro, informa-
nos ainda o Mello Moraes, ate 1850, nao tinham passado
sr.

da phase primitiva, assim como ainda hoje nas partidas


de Minas, Bahia e Maranhao, segundo o ja referido Pinto
Noites. O casamento era por via de regra o resultado de
uma combinayao dos paes e nao a almejada consequencia
do amor. Se a um pae cuja filha nao soubera conservar-se
pura esta era pedida para noiva, elle nao hesitava em re-
velar o segredo e tratava-se de a casar com um qiierdapa-
nin (a letra: faz agua, marinheiro, portugues, colono);
e esse consorcio com o estranho iinportava a exclusao igno-
miniosa da tribu. Mas se a tilha era virgem havia grande
277

satisfa9ao c preparava-se a festa da boda, para que eram


convidados ate os inimigos e em que havia danas, .des-
cantes, banquete.
A meia noite retiravam-se todos para um lado da sala,
adiantando-se os noivos e as duas madrinhas . . .

Sobre um movel, cinco lei^oes, alvos como uma hostia,


aromatisados com alfazema e salpicados de flores, acha-
vam-se superpostos.
aQuatro tochas accesas, encostadas a uma mesa, derra-
mavam sobre o linho uma luz de ambar e ouro. As janellas
fechavam-se, a inquietayao transparecia em todos os sem-
blantes o rito sagrado do Gade ia cumprir-se."
:

Eos padrinhos, que tambem eram quatro, desdobravam


os len6es, os suspendiam da cabe9a, juntaudo as extre-

midades, passando um ao outro os cirios que sustinham,

alongando o brago opposto e formavam o quarto onde o


sacrificio incruento (?) deveria celebrar-se.

otEntao nelle entravam os desposados e as duas sacerdo-


tizas. . .

Uma das matronas despia a noiva, deitava-a sobre um

leito, introduzia-lhe o dedo indicador no vestibulo da va-

gina, despedagava a membrana hymen, enxugando na ca-


misa de cambraia as gottas de sangue da virgindade.
Vestida novamente, a um signal ajustado, os padrinhos

largavam os Ien9oes e o marido mostrava no Gade as rosas


?

da pureza aos alaridos do festim . . .

aO Gade, solemnemente acondicionado numa caixinha de


prego, embebido de aromas suaves, coberto de folhas de
alecrim, ficava pertencendo ao esposo, que o guardava
para sempre como penhor de sua allianya.))
O auctor do livro nao consagra nenhumas observagoes
particulares a religiao dos ciganos; mas do que diz con-
clue- se que os do Rio de Janeiro adoptaram por completo
o catholicismo na sua forma popular, de envolta com as
supersti9oes tradicionaes portuguesas.
Logo que uma mulher gravida estava a termo, e que
as dores preparantes a arrojavam na cama, assistiam no
278

quarto a parturiente tres parentas mais chegadas e na sala


cantavam os visitantes cantos sagrados a Duvel (== git.
Debel), para suavisar os soffrimentos da enferma e dar boa
sorte ao anjinho que ia nascer.
As comadres e tias, com talismans milagrosos, com rezas
com figas e bentinhos que Ihe deitavam ao pes-
infalliveis,

0090, apoiavam nos bragos a doente, encorajando-a, so-


prando-lhe no rosto, fazendo-a recordar do quanto padecera
a Virgem por seu bemdito Filho, quando viera ao mundo . . .

A creanga era lavada com agua e vinho, numa bacia do


prata; dentro deitavam collares e moedas de ouro, para que
tivesse fortuna.

Depois da ligadura e corte do cordao, enxuto emriquis-


sima toalha de linho e crivo, defumada de alfazema, o pai
a tomava no collo e a beijava com transporte.
As parteiras faziam a toilette da parida, botavam junti-
nho o recem-nascido, o quarto se abria a meia porta, e os
parentes entravam para ve-lo.
Para que os visitantes nao trouxessem maus ares e nao
levassem a felicidade que tivesse trazido o pequeno, defu-
mavain-se antes e depois de penetrarem no aposento.
Joias e objectos de valor cada um Ihe offertava, presen.-
tes estesque Vendiam, servindo o dinheiro para a compra
do enxoval.
nome que Jhe punham era do santo do dia ; dos pa-

drinhos, e ? no caso de divergencias, langavam sortes, sanc-


cionando-se religiosamente a decisao do acaso.
Na mesma noite ou na immediata havia cantoria e
bailado.

baptisado nao difFeria dos nossos.


Quando morria algum cigano havia lamentagoes (em
prosa) ;
se era um marido o fallecido, a viuva cortava os
cabellos, deitava metade sobre a regiao precordial do finado
e envolvia o rosto no vestido com que estava ao expirar
o marido. Proferindo palavras cabalisticas, atirava tudo
numa fogueira lustral preparada para este fim.
sahimento dirigia-se a igreja. . .
279

O esquife, carregado pelos Tercciros, ia cobcrto dc


flores c borrifado de lagrimas.
A infeliz do pes descalgos, vestida de cterno Into, os
filhos e os parentes, acompanhavam-no. . .

Sigo a ordern adoptada pelo auctor na sna exposigao c


nao a quc dei atras ao meu estudo por isso so agora chego
;

a dois pontos que ? segundo a minha disposigao, devcriam


tor precedido as observagoes sobre os costumes : os cara-
cteres physicos e os psychicos.
Sobre o typo physico apenas nos diz o auctor que pre-
sentemente o colorido da pelle varia e com elle a nuanga
dos cabellos e dos olhos. Numa familia ha mulheres de
adoravel belleza. A
media da idade d'esse povo e de
quarenta a cincoenta annos. Muito poucos chegam alem,
excepto na familia dos Cantanhedes, em que os fallecimen-
tos n^o sao vulgares antes dos setenta annos, tendo o auctor
vcriticado no obituario urn de cem.
Alein do que a proposito dos costumes se colhe rclativa-
mente aos caracteres psychicos dos ciganos do Kia dc Ja-
neiro, eis o que de mais precise nos diz o sr. Mello Monies
no cap. vn :

0s desclassificados habitadores da Cidade Nova sao na

fogem dos outros


totalidade supersticiosos e desconfiados ;

homens, mas nao Ihe votam rancor, sentimentos hostis.

Com o desalento aninhado na resignagao, attribuem os


acontecimentos mais comezinhos a um destino de influencias
inevitaveis e a cujos effeitos o individuo tern de ceder ou
succumbir na luta.

Qualqiier lance menos bondoso da sorte os abate, con-


siderando-os desde logo irremediavelmente perdidos, des-

grayados. Dahi a sua pusilanimidade, o abandono em


que teem cahido, a embriaguez a que se entregam para
adoraiecer-lhes pesadumes innatos.
As mulheres calins, no infortunio, sao sublimes. . .

Ligando-se em
matrimonio com corpo estranho sao infe-
lizes, vivem descontentes, uma ou outra se prostitue, veri-
iicando-se que sempre com pessoa da mesma casta.
280

0s ciganos nao se separam, unem-se nao se divertem,


;

aborrecem-se ;
nao discutem, resmungam; queixam-se e
monologam comsigo.
Suas phrases sao severas e concisas, os seus pensamentos
melancolicos e aphorismaticos, a sua voz azaphica, desigual.
Reconhecidos aomais futil beneficio, as suas demonstra-
goes revestem-se de apparato declamatorio, de expansoes
largas.
Entre si nao se exploram, protegem-se nao se diffamam,
;

exaltam-se; sao francos, bem intencionados, carinhosos.


Se morre algum, as despesas do enterro e missa correm
por conta dos parentes, que, como uma divida contrahida
para com o morto, incumbem-se de soccorrer a viuva e
encarregam-se dos orphaos.
As ciganas nunca separam-se de seus filhos pequenos,
nem se descuidam dos desvalidos, aos quaes abrem coragao
materno. Conhecemos uma que e a Providencia de duas
criancinhas a quern estremece e ensina todas as noites a
orar por aquelle que ja esta no ceo.
Os ciganos da familia dos Costas sao notaveis como can-
tadores e tocadores de viola, francos e generosos.
velho tronco (cigano) Luiz Rabello de Aragao per-

petuou-se nos Rabellos poetas e litteratos, e entrelayou-se


com a familia Cabral (tambem cigana), que nos tern dado
oradores parlamentares ; officiaes do exercito, homens con-
ceituados no magisterio, no foro, nos cargos de secretaria
e na tribuna sagrada.
Dos Catanas, que nos persuadimos serem oriundos dos
Lagos, Antonio Curto e Fragas, ciganos destemidos e das
tropilhasnomades, ha um medico que foi jornalista e a
quern consideramos como collega distincto e intelligencia
de relevo.
Emquanto uma camada cigana se funde assim na nacio-
nalidade brasileira, outra extingue-se lentamente na mise-

ria, ao passo que uma terceira se mantem na vida errante.


281

A poesia dos ciganos do Brasil, a julgar pelas amostras


que tenho presentes, e apenas poesia popular, semi-culta
em boca cigana; nao porque ella seja
ou culta brasileira
uma reproduc9ao servil, uma pura repetigao, mas porque
e uma produc9ao em moldes e em materia simple smente

apropriada pelos ciganos, cuja espirito se manifesta aqui


apenas no caracter doloroso e pessimista predominante das
composigoes, mas nao de modo que ; se a proveniencia
d'ellasnao nos fosse indicada, se nalgumas quadras nao
houvesse palavras ciganas, pudessemos suspeitar tal ori-
geni. Dolorosa, pessimista, e muitas vezcs a poesia popular ;

e-o muitas vezes a poesia culta brasileira. Eis urn exemplo


cigano :

Eu sou estatua quebrada,


Sou um quadro sem ter luz ;

Sou um phantasma que vaga


Entre o cypreste e a cruz.

Nao sou estatua nem quadro,


At6 nao tenho figura ;

Sou espectro que vagueia


Que ate nem tern sepultura.

A seguinte composigao, entre outras, nao tern o menor


caracteristico cigano :

DESESPERANQA E FE
Ah! meu ! filho os c^os me parecem mais
altos, pois ja nao chegam a elles as minhas
preces.
ma Mae do Dr. M. Moraes
(Da Ex. Filho.)

Meu filho, ou os ceos sao outros,


On tomaram mais alturas ;

Pois jd nao chegam a elles


Os rogos das creaturas !

Ja minhas preces nao valem


Como valeram outr'ora ;

Ate do amor de Deus


Pareco privada agora. >j
282

Ali Mac nao tcmais que urn Deus


! !

Prive assim de sua grac.a


A quein como vos o ama,
A quern sua fe

Leis immutaveis, eternas !

Nao penseis que um dia mude


A face dos ceos. . . e dcixe
Deus de amparar a virtude.

Como o sol que as solidoes


Manda seus raios, e aqucce
Ate a florinha, humilde,
Que nos abysmos floresce,

Assim Deus Sol de grandeza,


Pae de todos, Creador,
Faz reflectir sobre tudo
Os raios do seu amor.

Nao pode negar-se que em geral nessas producyoes dos


ciganos brasileiros haja sopro poetico: como se concilia
este facto com a opiniao dos que negam dotes poeticos a

raga tsigana? Essa falta de dotes poeticos nao e absoluta


(e nisto modifico eu o modo de ver de Schuchardt, refe-
rido em a minha n. 2 a p. 195) : os tsiganos teem talento
poetico secundario, nao primario isto e por si s6s nao sao
; ?

capazes de produzir uma poesia sua; mas teem a capaci-


dade de apropriagao da technica poetica ja desenvolvida
por outro povo (e por technica nao entendo aqui so o que
respeita a metrificagao propriamente dita, mas todos os
processes poeticos) e de produzir com esses elementos es-
tranhos combina9oes novas e de valor. historia littera- A
ria apresenta-nos exemplos muito consideraveis do mesrno
genero, e a ethnographia da-no-los similares noutros domi-
mos da actividade humana 4 .

Vide, por exemplo, o que da capacidade de apropriacao e


1

incapacidade invcntiva do negro diz 0. Peschel, Volkerkunde ,


1

p. 515-516. Cf. Fr. Ratzel, VolkcrLiindc, i, 14G, 219-220; etc.


283

sr. Mello Moraes falla-nos de uma giria dos ciganos


de que coramunica os termos cabe<;a, maldade, ruindade,
imprestabilidade ; amaro, covardia, fraqueza, impostura,
mentira; tope, riqueza, luxo, asseio, felicidade caconda, ;

longitude, afastamento, escuro, deserto batuesa, tudo que ;

pobre e da-nos no fim um voca-


e triste, afflictive, infeliz, ;

bulario de 253 termos ciganos, que correspondent quasi


todos a termos dos ciganos de Portugal ou dos gitanos dc

Hispanha; mas nao nos diz como colheu esse vocabulario,


de cuja authenticidade nao ha alias razao para duvidar.
As palavras tsiganas experimentaram no Brasil novas
modifica9oes, das quaes a mais geral e a nasalisa5ao das
vogaes accentuadas (e ainda dos diphthongos) finaes; exem-
plos: aranin, rainha, git. eraiii; acans, olhos, git. acais,
sacais; aron, farinha, git. roi; Irichindin^ chuva^ git. Iri-
jindia; buchardin, espingarda, git. bruchardij pieza de ar-
tilleria; busnon, negro, preto, escuro, git. busno, extrano,
barbaro, gentil ; colon, cigana ; calin, cigano ; churin, pu-
nlial, etc., git. churi, cuchillo. Os sons hispanhoes parecem
ter desapparecido por completo. A base do fallar nrio e ja
o hispanhol, como em Portugal, mas sim o portugues.

livro do dr. Mello Moraes tern por objecto quasi ex-


clusivo, como ja disse, os ciganos sedentarios, especial-
mente os do Rio de Janeiro ; apenas de passagem allude
no texto as partidas ciganas, errantes pelos sertoes, que
tcriam para nos muito mais interesse. Mas em as notas
transcreve a seguinte noticia de um periodico (1885):
Esteve acampado em Cayapava um bando de cento e
tantos ciganos, que vinham de Minas e seguiam para o
norte.
A proposito escrevem d'aquella cidade ao Pyrilampo de
Jacarehy :

Essa gente, cujos costumes sao bem differentes dos nos-


sos acampou-se a margom do Parahyba, onde assent ou sua
;
284

morada, levantando 26 barracas de panno, um dos miste-


res de sua provisao de viagem.
a Era um
acampamento de paz, para onde affluiu esta
populaQao, movida da mais justa curiosidade. E, realmente,
era de ver tudo a aquillo.
Dividida a comitiva em familias, cada uma d'estas occu-

pava uma barraca. Ahi utensilios domesticos, ate alguns


moveis e roupa, mostravam o capricho dos exquisites via-

j antes.
Uma
tropa cercava a (cpovoagaow dos ciganos, que pa-
rece, teem enriquecido com o negocio dos animaes.
Vinte e tantos captivos da comitiva lavavam, lenhavam
e coziam.
0s ciganitos e ciganitas crean9as ; em brinquedos, as
vezes, reflectiam-se nos raios do sol, porque collares, bi-
chas e anneis de ouro eram em abundancia nos sens corpos.
Tambern nem um dos ciganos, de ambos os sexos, dei-
xava de cobrir-se de ouro. Cordoes antigos, de enorme
grossura e em enorme quantidade, brincos e medalhas de
tamanhos despropositaes, uma verdadeira riqueza embel-
lezava aquella gente inysteriosa ; de barba e cabellos
demasiadamente compridos.
A usura de certo e que tern feito aquella riqueza ambu
lante ;
nem por isso, porem, alguns deixavam de mandar
tirar os respectivos retratos que parecem gente e dei-
xam de passar bem. A sua mesa e appetitosa, sendo

exquisita.
Naquellas moradias tudo e ordern, alegrias, ouro.
Mas. .cousa notavel. Entre esses ciganos ha uma
.

mo9a de uma formosura admiravel e -uma velha essencial-


mente feia, que perscrutam o futuro. Conhecem e con-
tain a sina boa ou ma dos que Ihes fizerem um pre-
sente uma bicha de ouro, prata, um bordado, 5^000,
2^000, IjJOOO reis, conforme dizem.

aAqui deixa-se ver que muitas pessoas de Cayapava sa-


bem o que hao de soffrer, sua felicidade postera e ate

quando passarao d'esta para melhor.


285

Para finalisar: a comitiva vai de terra em terra nego-


ciando com animaes, escravos e com o futuro dos que
nao sao ciganos, mas sao incautos.^
Nao podemos, sem mais, julgar que essas quadrilhas
errantes sejam sempre formadas, ou no todo ou em parte,
de ciganos originarios de Portugal, porque para o Brasil
emigram, desde alguns annos pelo menos, grupos de tsiga-
nos europeus de diversas proveniencias, parte dos quaes
tern ate vindo embarcar ao Tejo. Na destrin9a d' esses
elementos teem os ethnographos brasileiros materia para
estudo.
Ultimamente os periodicos portugueses transcreveram
dos brasileiros noticias acerca d'uma quadrilha de tsiganos
ladroes e narcotizadores. Eis duas d 'essas noticias, cuja

perfeita veracidade nao discutirei :

Em
Nitheroy, Rio de Janeiro, acaba de ser presa uma
quadrilha de bohemios que se dedicavam a pilhagem por
um processo deveras curioso e cheio de novidade.
Homens mulheres e creangas, sabendo todos manejar
habilmente varios narcoticos, utilisavam-se delles paraador-
mecer as pessoas a quern queriam roubar.
Uma das queixosas chama-se Gustava Maria da Conceigao
e conta que a sua porta foi bater uma mulher, acompa-
nhada por uma creanga, pedindo esmola. Gustava ia dar-
Ihe 100 reis em nickel, mas, subitaraente, sentiu fugir-lhe
a vista e caiu desmaiada. Quando tornou a si,
a turca
a
tinha desapparecido e com ella uma caixinha que a sr. Gus-
tava tinha sobre uma mesa contendo 84$000 reis em di-

nheiro, um alfinete com tres brilhantes, etc.

1
Como se ve dos dados que d'elle extrahimos, 6 interessante o
livro do Mello Moraes, e mais o fora, se o auctor nao preferisse
dr.
os effeitos litterarios ao rigor scientifico e conhecesse um pouco mais
de perto a litteratura ethnographica europea ou, na falta desse
conliecimeuto, nao se perdesse em theorias, contentando-se com um
esbo^o puramente descriptive. E de lastimar que, sendo elle me-
dico, nao aproveitasse os scus conhecimentos especiaes para nos dar
um estudo anthropologico dos ciganos brasileiros.
286

Outra queixosa 6 Maria Jose Nunes. Sentindo-se doente,


alguem Ihe inculcou uma curandeira, para a tratar. A
mulher, para fazer os sens exorcismos, pediu a nota de
maior valor que a sr. a Maria Jose Nunes tivesse em casa.
Foi-lhe apresentada uma de 500$000 reis, que a curan-
deira metteu dentro de um copo. Depois, a cigana deu-lhe
a
a cheirar umas essencias e a sr. Maria Jose adormeceu
profundamente. Quando accordou, ja nao viu a cigana nem
os 500^000 reis.

Ha tambem uma outra queixosa, Arcelina Maria da

Concei9?io, rapariga pernambucana. Foi adormecida e le-

vada em seguida pelos bohemios, sendo obrigada a casar


com um dos chefes da troupe.
E enorme o nuinero de crimes praticados pela quadri-

Iha, que alem de ciganos tern tambem individuos gregos,


turcos, etc. Esta associa^ao, porque o e, tern ramificayoes
em todos os estados do Brazil, obedecendo a um chefe

que recebe 40$000 reis por mez. producto dos roubos


e reunido em um cofre e distribuido 20 p. c. pela quadri-
Ihe e o resto para os chefes.
oOs ciganos empregam-se durante o dia em varies mis-
teres ambulantes, concertando louyas, etc. ;
as niulheres
fazem sortilegios, magias, etc.
Assimconsegueminsinuar-se
no espirito das pessoas que se aproveitarn do seu mister
para as roubar. Alem de objectos de valor e dinheiro, rou-
barn tambem creanyas e adultos, se isso Ihes apraz.
A policia prendeu em Nitheroy 10 homens, 10 mullie-
res e 17 creangas de ambos os sexos foram todos photo-
;

grapliados e os retratos expostos no salao do Paiz, onde


muita gente tern ido ve-los.
A policia apprehendeu muitos valores, pedrarias, ador-
l
nos de mulher, etc.
Acerca da quadrilha de bohemios que roubava as pes-
soas por meio de narcoticos, temos a accrescentar que che-

garam ao Rio de Janeiro as bagagens dos larapios.

Dia, n. 1489, 25 de junto de 1892.


1
287

Diz o Paizf referindo-se-lhes :

Entre o acervo do trouxas fedorentas, cestos c amarra-


dos de todas as formas e volumes, em que repugna ate pur
as maos, ha duas malas, que vieram lacradas e foram abertas
na secretaria da policia, a vista do agente que as acompa-
nhou ;
do thesoureiro da repartiyao e outros funccionarios.
ffDentro d'essas malas foram encontrados 3:945$500 reib
cm papel; 1:540 moedas de ouro, sendo libras esterlinas
e de outros typos de diversos valores e nacionalidades ;

939 moedas de prata, umas perfeitas, outras inutilisadas ;

um saco pequeno contendo po amarello um pequeno en- ;

volucro lacrado, com a declaragao este cordao pertence


ao negociante Lazaro, 140 facas, garfos e colheres, gran-
de quantidade de collares de coral com contas de metal
amarello e cordoes da mesma substancia dois relogios e ;

correntes de metal branco ;


tres grandes cachimbos, sendo
dois de metal branco ;
um par de esporas de metal branco ;

2$ 100 reis em nickels ;


um pequeno embrulho lacrado, com
a declaracao pertence ao marido da pernambucana 3 ;

carteiras com papeis, 1 livro e muitas outras bugigangas.


na mesma reparti9ao ; na mao do
ccFicou tudo depositado

respective thesoureiro.
Antes d'essa remessa, ja havia a repartigao de policia
d'esta capital recebido, de egual procedencia, uma letra
aos mesmos gregos tomada e no valor de 12:000 drachmas,
a vencer-se em 8 de fevereiro de 1895 ? quantia essa que
fora depositada em um banco da Grecia a 8 de fevereiro
de 1889 e vencia o juro de 3 d /2 ao anno 1 .)) %
Sendo possivel que o auctor do presente livro venha a
completa-lo mais tarde com um supplemento, agradecera
muito todas as noticias que Ihe sejam enviadas accrca dos
tsiganos do Brasil, tanto os de origem portuguesa, como os
de outras proveniencias.

Ibidem, n. 1394, 1 dc julho de 1892.


APPENDICE II!

TYPO PHYSICO DOS CIGANOS

Desejoso de tornar menos imperfeitos, na medida de


minhas foi^as, os dados sobre o typo physico dos ciganos,
procurci e tive ultimamente occasiao de examinar, ainda
que em mas condi9oes e muito rapidamente, alguns ciga-
nos domiciliados em Lisboa e de tomar ate algumas medi-
das em seis d'elles duas mulheres e quatro homens.
A mulher n. 1 tern 38 annos; e regularmente nutrida,
assim como outras sedentarias, no que se distinguem das
nomades bem conservada, de feigoes bastante grosseiras
; ;

a n. 2, representada em as nossas estampas n. 03 2 e 3,


tern 47 annos, 6 magra, mas bem conservada apesar de ;

ter sido mae aos 14 annos.


s
Os homens n. 1 e 4 sao bastante nutridos, ao contra-
os
rio dos n. 2 e
3, principalmente d'este ultimo, que e
muito magro. n. 1 tern 22 annos, o n. 2 ; represen-

tado nas estampas 4 e 5, tern 23 annos; o n. 3 tern 28

annos; o n. 4 representado nas estampas G e 7, tern 40


;

annos.
Esses individuos sao considerados como ciganos no bairro
em que habitam. As mulheres e os homens n. os 2 a 4 nas-
ceram em Lisboa; o n. 1 vein com gente sua de Alhan-
19
290

dra para aqui, assim como outros ciganos domiciliados no


mesmo bairro. Reconhecem-se a si
proprios como ciganos,
excepto o n. que se diz portugues puro; todavia, apesar
3,
da Colorado da pelle e do cabello La caractcres que per- ;

mittcm considcra-lo de sanguc cigano.


A mulhcr 2 parccou-me de animo rcsoluto e firme.
n.

03 homcns mais tiraoratos, com excepgao do n. 4, apcsar


d'cste como os outros c a mulhcr n. 1 serem muito ncr-
vosos. A mulher n. nome dc ciganos cm-
2 maldizia do ;

quanto o homem 4, seu n.


irmao, a reprehendia, e pare-
cia ter certa vangloria de ser cigano.
A coloragao da pelle e trigueiro-pallida nas mulheres
(manchada na n. 2) ;
mais carregada nos hoinens, excepto
em o n. 3, em que e bastante clara.

O cabello e castanho escuro na mulher n. 1, castanho


claro no hornem n. 3 ; preto nos outros. homem n. 3
tern o bigode aloirado.

Os olhos castanhos em todos, excepto na mulher n. 2


em que sao esverdeados.
nariz e em todos moderadamente saliente; o dorso
do nariz de perfil e convexo no homem n. 2, recto ou

quasi recto nos outros homens e nas mulheres; mas em


todos mais ou menos achatado, quasi nada na mulher n. 1 *.

piano inferior do nariz e horisontal (olha ligeiramente


para deante em o homem
Os nossos exemplares nao
n. 4).

apresentam, por tanto, apesar da convexidade do nariz do


homem n. 2, nariz do typo aquilino (n. 2 do quadro de
Topinard ), em que o piano inferior olha para baixo; toda-
2

via nao se hesitaria em classificar vulgarmente o nariz do


honiein n. 2 como aquilino.
rosto nos 6 individuos e moderadamente comprido,
mais coinprido em a mulher n. 2 que nos outros nao ;

1
Nao temos por tanto aqui o nariz de dorso agudo, nunca aclia-
tado, dos tsiganos de Blumcnbaeli.
2
Elements, etc., p. 298.
291

apertado a altura das macas, ao contrario bastante sa-


os
lientes em os homens n. 1 e 3 *.

Os homens apresentam todos degenerayftes somaticas.


Um tern um olho arruinado e padece talvez de lepra mu-
tilante. A lepra tern um foco consideravel nas immedia9oes
da Alhandra. Outro um
bra90 ankylosado e atrophiado
tern

(conscquencia de tumor branco?) e ulceras nas pernas,


tendo sido obrigado a deixar o officio de caldeireiro, a que
se destinava, para se entregar a venda ambulante ;
outro

padece do peito e e evidentemente muito fraco. No dyna-


mometro de Collin marcou apenas a pressao de 30 kilo-
grammas com a mao direita e de 23 com a esquerda.
mais forte de todos (n. 4) marcou a pressao de 64 com a
mao direita e de 34 com a esquerda, differenca explicada
pelo facto de .que padece de rheurnatismo, que Ihe tern
accommettido as articula9oes do bra90 esquerdo.
O homem n. uma notavel depressao ou
3 apresenta

obliquidade da fronte.
As gravuras 2 a 7 representam approximadaniente um
quarto do tamanho natural. Deve ter-se em vista que foram
feitas sobre photographia em madeira, a que serviu de base
um positive sobre pape), apresentando as deforma9oes irrc-
gularcs desses positives.
Eis agora os resultados das medi9oes:

1. Altura total (estatura):

Mulheres Homeus
l. l m ,62 1. 1,73
'

.' media l m ,7152

4.. l m ,70

tsiganos como cstreito a altura das


1 Blumcnbacli da o rosto dos

arcadas zygomaticas ao contrario, G. Lagncau,fallandodebolicmios


;

dos Vosgcs, diz figure reguliere maigrc, mais assez courtc, et


:

large au nivcau des pommcttcs. Art. cit, p. 21.


tsiganos em geral, vid. p. 182 n. Os ciga-
2 Sobre a estatura dos

nos observados siic de elevada estatura, assim como as mulhcres.


292

2. Indice cephalometrico :

Diam. ant.-post. max. Diam. trans, max. Jndico

l.
a
mulher 180 ram 144mm 80
2. a mulher 191 145 75,91
1. homem 194 147 75,77
2.homem 189 148 78,30
3. homem 186 150 80,65
4. homem 201 150 74,62

Media dos indices cephalometricos :


77,54
l

Eis a nomenclatura da estatura segundo Topinard (Elements,


p. 463-464) :

Ilomens Mulheres

Estaturas clcvadas l'",70 e mais l m ,58 e mais


Estaturas acima da media l m ,G9 a l
in
,G5 l m ,57 tv l
m
,53 incl.
Estaturas abaixo da media l
m a l
m l m ,f>2 a l
m
,Go ,GO ,40
Estaturas baixas l m ,GO e meuos l
m
,39 c menos.

Tendo-me rcferido a p. 182, n. 1, as variances da estatura sob


de vida, mencionarei um artigo recente, sobrc o
acc,ao das condic,oes

assumpto, de Zaborowski, Les chemins de fer et V accroisscmcnt de


la faille inRecue scientifique, t. L, pp. 302-306, 3 septembre 1892.
1
A
media dos indices cephalometricos (ou indice das medias ce-
plialometricas?) de 13 tsiganos, dada por Topinard, Elements, p. 409,
e dc 79,7.
Dois tsignnos da Alsacia medidos por Broca dcram as soguintes
cifras :

Diam. ant.-post. max. Diam. trans, max. Indice

1 homem 191 mm H7 min


78, 9G
1 mulher 177 146 82,48.

Segundo a nomenclatura dada por Topinard, ob. cit., p. 371, o


indice da dolichocephalia vae ate 69, o da sub-dolichocephalia de
70 ate 74, o da mesaticephalia de 75 a 79, o da brachycephalia dc
80 a 90 e mais.
Os nossos 6 ciganos apresentam indices cephalometricos do limitc
da sub-dolichocephalia e mesaticephalia ate ao minimo da brachy-
cephalia.
Kopernicki achou o indice medio 77,40 em craneos tsiganos e de
80 em craneos de tsiganas. indice cephalico medio de 10 craneos,
medidos por Welcker, foi de 76,4; o de 9 craneos, medidos por
A. Hovel acque, foi de 77,45.
293

3. Lidice nasal. A altura do nariz 6 medida da cspinha


nasal a raiz do miriz. A largitra 6 a maxima na base.
294

5. Distancia dos olhos. Abertara palpebral.

Distancia entrc os an- Distancia cntrc os an-


N. 5
N.6
N. 7
295

Eis ainda outros csclarccimcntos do men infatigavel


collaborador.
Ha excepcionalinentc ciganos de cabellos loiros, sobran-
cclhas c barbas da mcsma colorayao. men amigo sr. Au-
gusto Ncuparth collicu tambem a noticia do (er sido vista
no Alcmtejo uma rapariga de cabcllo loiro e olhos azues,
que fazia parte dc urn bando de ciganos, e nota-me quo o
adolcscentc do grupo de ciganos da nossa estampa n. 1
tern olhos esverdeados.
Em muitos ciganos nota-se certo prognathismo on salien-
cia do queixo inferior (vid. na estampa n. 1 as raparigas

tcrceira e quarta a direita).


Ncao se encontram ciganos de cabello naturalmente enca-
racolado on frisado. Apenas as ciganas solteiras usani de
caracoes artificiaes feitos a mao na testa. Nunca o cabello
1
do cigano e encarapinhado .

Os dados, por certo insufficientissimos, que reuni, per-


mittem affirmar que os ciganos Portugueses nao apresentam
um typo perfeitamente unitario mas nao deixam por isso
;

de offcrecer dentro de certos limites de variag&o cara-


cteres raciaes importantes quo se reproduzem noutros gru-

pos tsiganos. Naturalmente os ciganos sedentarios, mais


sujeitos a mcsti9agem ou modifica9oes resultantes do modo
diverso de vida, sobretudo da influencia das cidades, nao
sao os melhores exemplares para estudo, ainda que o proprio
cstudo d'essas modificaQoes interesse. exame dos ciganos
nomades recommenda-se muito e a existencia de individuos
loiros e de olhos azues entre elles excita deveras a nossa
curiosidade. Trata-se do resultado de cruzamentos recentes
ou ha aqui um phenomeno
atavico cujas causas remontam
muito a cruzamentos ja no proprio solo indico?
alto, isto c,
Todas as informayoes que sirvam para o cstudo d'esse
problema serao bcmvindas.

1
Alguns auctorcs attribuoin aos tsiganos cabello frisado ; p. ex.
Groom in The Encyclopaedia Itritannica, t. x (1879), p. G17.
ADDUCES E COKEECQOES

Pag. 3, lin. 31. Em vez de justifica leia-sc justificam.

Pag. 4, lin. 15 e 16. Em verdade alem das referencias nos docu-


mcntos legislatives acerca da geringong a dos ciganos, ha uma allusao
a lingua dos mesmos na passagem que transcrevi de Leitao de An-
drada; mas nenlmm auctor portugues que eu conhe^a colligiu ante-
riormente ao mcu collaborador sr. Thomaz Pires termos d'essa lin-
gua. sr. P. Bartholomeu de Azevedo achou no cod. 840 do Archivo
Nacional, do seculo xvn, a fl. 28, numa serie de anecdotas insulsas,
uma seccao com o titulo : Parvoisses Deluas tiradas por Ant.
Demendon9a C. or nos 3 ou 4 annos que esteve cm Eluas tomou por
lembransa estas E da sua letra as terey, e cntre ellas o seguinte :

Avon de fernao Roiz do amaral semdo Vreador foi hu Condc


dos siguanos a Cam." Dar As gramas aos Vreadores pelo auere dei-
xado Estar na cidade e despedrise e o tal Vreador Ihe falou por
scnhoria e Ihe pedio que se detiuesse para se achar em hfias festas
que a cidade fazia e Ihe quis falar em siguano dizendo-lhe nao :

saia V. S. que temos huas festas em que hade auer muito mufo Mufo
lililao bandeira no grimpo pape amarela. Convem a saber: touros
gente de cavalo com guioes e hu comer que chamao entricla.
Tanto quanto posso julgar, nenhum d'esses termos singulares mufo,
lililao, entricla, e cigano ou gitano. Ou a anecdota e pura inven9ao
ou o vereador se serviu de termos de alguma giria ou os forjou por
,sua conta e riseo; sendo historica, tern a anedocta o merecimento

de nos dar a conhecer um aficionado dos ciganos no seculo xvn.


298

Pag. 60, lin. 6. Uma nova leitura do Gil Vicente e Jorge Fcrrcira

permit tir -me -bia


talvez ligar alguns dos termos populares d'esses
auctorcs aos da giria posterior, sem todavia se poder affirmar a
existencia, alias muito provavel, de uma giria portugucsa no seculo
xvi. Assim o termo gcdga, dado como de giria por Monte Carmelo
no sentido dc fome, encontra-se ja em Jorge Ferreira:
(vid. pag. 81)

Porque? tamanlia galga trazeis vos? nao ha tanto daqui a cca.


Ulysippo, act. 1, sc. 3.

Pag. 61, lin. 27. Moscouia (coiro da Russia) nao e termo de giria.

Pag. 73, col. 1, lin. 36. GaUnardo, termo antigo na lingua, nao
esta talvez reduzido a novo termo de giria, apcsar de gabao scr
mais usado pelo povo.

Pag. 75, col. 2, lin. 28. Leia-se s. m. antes de Homcm alto.

Pag. 80, col. 1, lin. 3. 13asai*uco e, como se sabe, o nomc de uma


moeda asiatica de cobre ;
no seculo xvm era provavelmcute ja em-

pregado como termo de giria, como hoj'e o e, e por isso incluido na


lista dc Paiva.

Pag. 80, cjl. 2, linha 9. Clielpa occorre ja no seculo xvn :

Hora veja se presta;


Os capotes de gra bcin guanieddos,
Os rendados vestidos,
Carapu9as dc felpa,
Que custao bem de chdpa.

Academia dos Singulares, n, (1698), p. 41?.

Pag. 82, col. 2, lin. 1. Galfarro encontra-sc com a significacao de


rapacissimus no Thcsouro, junto a Prosodia de Bento Pereira, p. 93
a
(3. ed. 1061).

a
Pag. 81, col. 2. lin. 9. verbo derivado galrejar, de galrar, eii-
,

contra-se no Dictionnarium latino -lusitanum de Jcronymo Cardoso.

Pag. 83, lin. 28 e 31. Em A'cz de maribando leia-se marim-


bando.

Pag. 84, col. 1, lin. 5. Uyar encontra-se como altcraQao popular


dc egualar. povo diz Nao e da minlia itgualha, para significar
:

nao c da minha condi9ao social, men egual. E provavel quo cm


Paiva vgar seja essa altera9ao popular c nao termo de giria.
299

Pag. 105, liu. 21. Em vcz de cogito leia-se cojito.

Pag. 116, lin. 17. Ern vcz de sautoir leia-se sauterelle (faussc
equerre).

Pag. 132, lin. 35 (nota). Sobrc a mudan^a dc significacao, vid.


tanibem G. von dcr Gabelentz, Die Sprach idssenschaft, ihre Avf-
gabcn, Mcthoden und bisherigen Ergelnisse (Leipzig, 1891), p. 225-247.

Pag. 136,lin. 23. enigma do gallo encontra-se na traduc-


c,aofrancesa das Piacevole notte de Straparole (ed. Jannet, t. i,
p. 292 scg.) Aqui o jogo de palavras da versiio portuguesa era

impossivel mas clle falta tambem na versao napolitana publicada


;

no periodico Giambattitsta Basile, iv, 21, apesar das formas napoli-


tanas o gallo tornarem aqui possivel esse jogo de palavras, que
falta ainda noutras versoes italianas citadas no mesmo periodico.

Pag. 140, lin. 34 (nota). Chegou-me recentemente as maos o es-


cripto de Raoul dc la Grasscrie, De la possibility et des conditions
d'uue langue Internationale. Paris, 1892. auctor critica o Volapiik
e o systema proposto pelo hispanhol Bonifacio Sotos Ochando no
seu Diccionario de lengua universal, Madrid, 1860; a lingua que
elle proprio propoe e fundada lexicologicamente sobre o grcgo.

Pag. 145, lin. 36 (nota). Sobrc a vis minima na linguagcm,


vcjam-se tambenj as valiosas obscrva9oes de G. Grober, Grundriss
der romanischen Philolf>f/ie, i, 231 e segs. e de G. von der Gabelentz,
Die Spraclnnxsenschaft, p. 191-105.

Pag. 157, lin. 1. Ganigos liga-se talvez a ganize.s, pccas (ordiua-


riarncnte ossos, astragalos) de quo se faz ueo no jogo do cucaruc.

Pag. 167, lin. 10, em vez de dos dganos leia-se das Ciganas.

Pag. 190, lin. 12. Em


o~ n. 1213 do Elvense (20 de setembro dc
18i)2), fallando-se dos quadros (ex-votos), representando suppostos
milagres, que sc ac-ham na igreja da Piedade em Elvas, diz-se :

Alli se ve a cigana que passa por nao ter religitio acurvada


e de maos postas ante o Senlior Jesus, agradecendo-lhe o tc-la
livrado, e a uma sua irma, de umas sezoes, que as assaltaram por
occasiao de virem de Evora assistir as 'festas da Piedade. La csta

rcpresentada com o scu vestido de folhos, o sou cbaile de cadilhos


300

c o seu cabcllo negro como asa de corvo ; vcndo-se, a distancia, a


arvorc, sob a qual, cm pleno campo, a irma dcitada sobrc mantas
listadas, curte as maleitas.
Este facto mostra, assim como outros, quc nao podc negar-se
absolutamente a religiosidade aos ciganos, comquanto sejam natu-
ralmcnte as formas inferiores da religiao que elles attingem. Para
o nosso povo, como para as ciganas que offerecem os seus ex votos,
a Virgem e os santos sao pouco mais de fetiches.
So no momento em que mando para a imprensa a ultima prova
desta folha e que me chega as maos a publicac.ao do dr. H. von
Wlislocki, Volksglaube und religioser Branch der Zigeuner (Minister,
1891), que sinto nao poder ja aproveitar.

Pag. 193, lin. 15. No Alemtejo diz-se que o rei (o chefe superior)
dos ciganos reside em Evora^mas nesta cidade mesma parece nada
correr a tal respeito.

Pag. 223, lin. 26. Le-se no Diario de Noticias de hoje, 8 de outu-


bro de 1892 (n. 9:619):
Enterrou-se hontcm no ccmiterio dos Remedios, em Evora, o
corpo de uma formosa cigana que falleceu naquella cidade.
cadaver foi conduzido e acompanhado por numeroso cortcjo
de ciganos.
Antes de sair de casa houve as despedidas do costume cntre
aquclla colonia, abra^anclo todos o cadaver e beijando-o, com uma
musica de gemidos e gritos de dor. Depois as mulheres da tribu
ficaram saudando com os lenos ate o cortejo desapparecer.

Pag. 287,lin. 28. Chegou ha alguns dias a Lisboa, vinda do I>r;i-

sil, uma
quadrilha de tsiganos, gregos ou tu'-cos, que parece scrcm
parte dos pretcndidos narcotisadorcs, e terem sido expulsos d'aquella
republica. Eram treze mulheres, scte homens e vinte crean^as. J)ois
dos homens traziam assas consideraveis quantias em oiro. Acampa-
ram ua Porcalhota, a alguus kilometros de Lisboa, onde, diz-se, nao <

commcttcram nenhiun roubo. Parece ser a mesma quadrilha que


depois appareceu no Estoril, proximo dc Cascacs, com mais uns dez
individuos e que, mal reccbida alii, sc internou na dirccc.no de
Cintra.
POST-SCRIPTUM

In der Bescharkung zeigt sich der Meister. Nao foi


na pretenc.ao de ser mestre, ma's no desejo de imitar os
mestres no que esteja ao meu alcance, que tentei confor-
mar-me ao apliorismo de Goethe.
Alguns leitores portugueses (se os tiver) acharao no meu
livro uma lacuna, de que alias os prevent logo no come9o :

nao me occupo do problema da migragao ou migraoes dos


tsiganos. Apenas por um erro de methodo c que eu poderia
num livro que tern apenas por objecto um ramo minimo
d'essa raya occupar-me de semelhante problema, que so
deve ser cstudado a luz dos documentos que respeitam a
todos os ramos d'ella c para que falta um elcmcnto capi-
tal o conliecimento da historia dos dialectos neo-hindus.
Ante os liomens da sciencia n?io care9o dc me desculpar
d'essa lacuna; careceria ao contrario de faze-lo, se por ven-
tura me abalangasse ao exame d'aquelle problema. Tenho,

porem, de pedir indulgencia para a imperfeigao da obra,


em primeiro logar da difficuldade das investiga-
j-esultantc

yoes d'este genero em toda a parte e em especial ncste


pais, em segundo da rapidez com que fui obrigado a prc-
par<i-lapara a impressao e rever as provas, a fini de
aproveitar uma occasiao que nao voltara provavelmente tao
breve de a dar a lumc, gramas a auctorisayao do estado para
que a expensas suas fosscm publicados os trabalhos desti-

nados a X
Sesstio do Congrcsso dos Orientalistas.
302

Agrade90 a todo3 os mcus collaboradorcs ja referidos o


auxilioque tornou possivel o men estudo aos srs. directo- ;

rcs da Bibliotheca Nacional e do Archive Nacional facili-


tarcm-mc as invest; gaQocs nesses dois estabelecimentos por
elles com rara boa vontade e ao ineu amigo
administrados ;

sr. A. Ncuparth as suas excellentes photographias dcs ci-


ganos, que tornaram possivel adornar o meu livro com uma
parte graphica, que por certo honra os artistas a que foi

confiada.
Nao me despego dos ciganos. Espero poder cedo ou
tarde publicar urn. supplements que preencha pelo menos

partc das lacunas da prcsente obra, ao fechar a qual me


ncodein ao espirito, como ao abrir este post-scriptum,. pala-
vras do grande poeta philosopho:

Sell' ich die Werkc dcr Meister an,


Se ich das, was sie getlian
sell' ;

Betracht' ich mcinc Sicbensachen,


So seh' ich, was ich ha'tt' sollcn machcn.
IN DICE

Iiitroduc^ao 1
I. A lingua dos ciganos 7
II. calao e a lingua dos ciganos f>f>

III. Esboc.o bistorico e ethnographico ... . 1G3


Appeudice I. Documcutos 229
Appcndice II. Os ciganos do Brasil 271
Appendice III. Typo physico dos ciganos 289
Addi^ocs e correccoes -. 297
Post-scriptum 301
f/p
-ilho, ?rf>ncisco
'olpho. 19
Os cigrnos de
Portugal: com nm estudo
"bre Cc^l~o.
d^stin-r-da \ 10sessao do
Congresso internacio
dos orient is.
Lis"boa,, Imprensa.

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