31/10/2018 Afinal, o nazismo foi de direita ou de esquerda?
– Prolegômenos a um debate menos chinfrim (parte 5) - Flavio Gordon
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Flavio Gordon
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Afinal, o nazismo foi de direita ou de esquerda? –
Prolegômenos a um debate menos chinfrim (parte 5)
por Flávio Gordon [ 24/10/2018 ] [ 19:08 ] Atualizado em [ 25/10/2018 ] [ 5:27 ]
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“Se alguém, depois de ter reconhecido publicamente os
[1227] dogmas da religião civil, se conduz como se não acreditasse
neles, que seja punido com a morte”
(Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato Social, 1762)
Como vimos no último artigo da série, a Segunda Guerra
[0] Mundial exerceu forte impacto na interpretação do fascismo,
tanto para leigos quanto para especialistas. Ao fim da guerra, a
circunstância empírica de que as potências do Eixo (Alemanha,
Itália e Japão) houvessem se aliado militarmente acabou
influenciando a linguagem da teoria política, dando origem à
[35] tendência (péssima para fins científicos) de agrupar
indistintamente, sob o rótulo genérico fascismo, três regimes
tão distintos quanto os de Mussolini, Hitler e Hirohito. No lado
vitorioso, como corolário, democracias paradigmáticas como a
dos EUA e a da Inglaterra acabaram abrigadas junto com a
ditadura soviética sob o guarda-chuva virtuoso do
antifascismo. Como se vê, a ideia de adotar alianças militares
contingenciais como critério de classificação política só
poderia ter gerado, como de fato gerou, uma confusão
conceitual dos diabos.
Depois da Segunda Guerra, portanto, e obviamente por conta
dos horrores do Holocausto nazista, o fascismo genérico
passou a ser caracterizado como uma patologia política, objeto
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de um repúdio generalizado sem precedentes na história. A
CO ser
barbárie e a desumanidade pareciam LU aNsua
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essência
A
mesma, e simplesmente apontá-las passou a ser quase
sinônimo de compreender o fenômeno. O governo de Mussolini
(violento, sim, mas decerto não genocida) recebeu o mesmo
tratamento do nacional-socialismo de Hitler, ao passo que o
regime de Stalin (esse sim, mais genocida que o próprio
nacional-socialismo) não recebeu condenação moral
equivalente. Muito pelo contrário, para grande parte da
intelligentsia progressista do Ocidente, a URSS continuava
sendo “um santuário moral, onde a luz nunca para de brilhar”
– como a descreveu certa vez o escritor americano Edmund
Wilson.
Como mostrei no artigo anterior, o livro A Natureza do Fascismo
(1991) – no qual o autor, Roger Gri in, define o fascismo como
“um gênero de ideologia política cujo núcleo mítico, em suas
variadas permutações, consiste numa forma palingenética de
ultranacionalismo populista” – é um caso representativo, e
relativamente tardio, de patologização teórica do fascismo
genérico, que outros estudiosos contemporâneos consideram
uma falha metodológica grave, sobretudo pela tendência de
tratá-lo de maneira excepcional e à parte de outros regimes
políticos tão ou mais bárbaros, notadamente os comunistas.
Como bem nota Alain Besançon em A Infelicidade do Século
(1998), enquanto os crimes contra a humanidade cometidos
pelo fascismo (e ele se referia particularmente ao nacional-
socialismo) têm sido objeto de uma hipermnésia histórica, o
comunismo, ao contrário, tem se beneficiado de uma
confortável amnésia. Escreve o autor:
“O nazismo, apesar de completamente extinto há mais de meio
século, segue sendo, com razão, objeto de uma execração que
não diminui com o tempo. A reflexão horrorizada sobre ele
parece até aumentar a cada ano em profundidade e extensão.
O comunismo, em compensação, apesar de sua memória mais
recente, e apesar inclusive de sua dissolução, beneficiou-se de
uma amnésia e de uma anistia que colhem o consentimento
quase unânime, não apenas de seus partidários, pois eles
ainda existem, como também de seus mais determinados
inimigos e até mesmo de suas vítimas. Nem uns nem outros se
sentem confortáveis para tirá-lo do esquecimento”.
Problemática o quanto seja, o fato é que a obra de Gri in tem
papel de destaque numa longa tradição intelectual de
controvérsia acerca da definição de fascismo, considerada por
dez entre dez especialistas como pré-requisito inescapável a
qualquer esforço de compreensão e classificação. Há, nessa
controvérsia, espaço para todo tipo de abordagem, que varia
num gradiente entre concepções particularistas como as de
um Renzo De Felice – que, em Le Interpretazioni del Fascismo
(1982), rejeita a noção de fascismo genérico, preferindo
reservar o termo única e exclusivamente para o regime de
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Mussolini – e posições generalistas como as de Stanley Payne,
COGri
Robert O. Paxton e, claro, do próprio LUin.
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Muitas tentativas de definir e tipificar o fascismo genérico tanto
antecederam quanto sucederam a de Gri in. Em 1968, o
historiador alemão Ernst Nolte estabelecera uma espécie de
mínimo denominador do fascismo. Esse “mínimo” consistia
em seis pontos definidores: antimarxismo, antiliberalismo,
anticonservadorismo, valorização da autoridade, uma milícia
partidária e o totalitarismo como meta (o famoso “Tudo no
Estado. Nada contra o Estado. Nada fora do Estado”). Em 1992,
o historiador italiano Emilio Gentile escreveu um consagrado
verbete sobre o fascismo na Enciclopédia Italiana, no qual se
complexificava os “seis pontos” de Nolte, e se propunha uma
densa e sofisticada lista de dez pontos. Na definição de Gentile,
o fascismo é:
1. Um movimento de massa cujos membros provêm das
mais variadas classes sociais.
2. Uma ideologia “anti-ideológica” e pragmática, que se
proclama antimaterialista, anti-individualista, antiliberal,
antidemocrática, antimarxista e anticapitalista, e que se
manifesta mais estética do que teoricamente, mediante
um novo estilo político que cria mitos, ritos e símbolos,
como uma espécie de religião secular voltada à criação
de um “novo homem”.
3. Uma cultura fundada num pensamento místico, que
valoriza a vontade de poder e a juventude como o motor
da história, e no ideal de militarização da política e da
sociedade.
4. Uma concepção totalitária do primado da política
sobre todas as demais esferas da vida social.
5. Uma ética civil fundada na devoção à unidade
nacional, na disciplina, na virilidade e no
companheirismo.
6. Um partido único responsável por defender o regime,
organizar as massas e mantê-las num permanente estado
e emoção e fé política.
7. Um aparato policial voltado à repressão da
dissidência.
8. Um sistema político organizado numa hierarquia
funcional coroada pela figura de um “líder máximo”
carismático e cultuado.
9. Uma organização corporativista da economia que
suprime a espontaneidade da organização sindical,
amplia a esfera de intervenção estatal e busca manter os
setores produtivos sob o controle do regime,
submetendo-os às necessidades da Realpolitik, mas
mantendo em alguma medida a propriedade privada e as
distinções de classe.
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10. Uma política externa inspirada pelo mito da grandeza
CO LU Nimperialista.
nacional, com objetivos de expansão I S TA S A
Em 1995, dando continuidade a essa tradição tipológica, o
historiador Stanley Payne inspirou-se em modelo tripartite
proposto pelo grande cientista político espanhol Juan J. Linz
para chegar a uma definição criterial aplicável a todos os
movimentos fascistas do entreguerras, definição que consiste
na identificação de a) pontos comuns em ideologia e metas; b)
um conjunto de negações; e c) traços compartilhados de estilo
e organização. Payne organizou essa tipologia descritiva numa
tabela:
1. Ideologia e metas:
Defesa de uma filosofia idealista, vitalista e voluntarista,
envolvendo a tentativa de criar uma nova cultura moderna,
autoconfiante e secular.
2. Negações:
Antiliberalismo;
Anticomunismo;
Anticonservadorismo.
3. Estilo e organização:
Mobilização das massas mediante a militarização das relações
sociais, tendo em vista a organização de uma milícia partidária.
Ênfase na estética das manifestações públicas, por meio de
símbolos e de uma liturgia política que reforcem as paixões
populares.
Ênfase numa ética da masculinidade e numa visão orgânica da
sociedade.
Exaltação da juventude, com estímulo ao conflito de gerações
como gatilho para grandes transformações políticas.
Valorização de uma liderança autoritária, carismática e
personalista, quer tenha sido conduzida ao poder mediante
eleição, quer mediante golpe de estado.
Nessas e em outras tipologias, percebe-se que o fascismo
genérico apresenta elementos capazes de situá-lo tanto na
direita quanto na esquerda, conforme o entendimento usual
desses termos. Os estudiosos citados são praticamente
unânimes em apontar, por exemplo, o caráter eminentemente
revolucionário, anticonservador e anticapitalista do fascismo.
Sendo que, numa tradição que começa com Edmund Burke e
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passa por líderes políticos como Churchill, Thatcher e Reagan,
a direita tem sido associada, entreCO LU N I S TAao
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outras coisas,
conservadorismo, à contrarrevolução e à defesa do capitalismo
liberal, fica difícil compreender a sua identificação imediata e
inequívoca com o fascismo. Ela só faria algum sentido sob o
critério único e restrito do anticomunismo.
Se, de outra parte, e como de hábito, se opte por caracterizar o
pensamento de direita como uma defesa da tradição religiosa
cristã contra os avanços do secularismo iluminista, sua relação
com o fascismo genérico torna-se ainda menos nítida. Como
explica Payne: “A ideologia fascista, diferentemente da
ideologia de direita, é na maior parte dos casos secular”. Antes
que contrárias ao Iluminismo, as ideias fascistas são “produto
de aspectos do Iluminismo derivado especificamente dos
conceitos modernos, seculares e prometeicos típicos do século
18”. O autor nota ainda que “o esforço para criar uma nova
religião civil era fundamental ao fascismo”. E a proposta de
uma “religião civil”, convém lembrar, foi inaugurada por
ninguém menos que Jean-Jacques Rousseau, patriarca
espiritual da esquerda contemporânea.
Em seu Interpretações do Fascismo (1974), A. James Gregor
demonstra o quanto a dicotomia direita-esquerda foi
prejudicial para a compreensão do fascismo, e do quão
ideologicamente contaminada é essa chave interpretativa. Em
suas palavras: “Durante grande parte do século 20, analistas
dos eventos políticos mundiais têm lidado com os sistemas
revolucionários modernos em termos de uma dicotomia
esquerda-direita na qual a ‘esquerda’ permanece de algum
modo ligada à tradição do Iluminismo, e a ‘direita’ é
identificada com uma bestialidade primordial. Quase sempre,
o fascismo é descrito como ‘irracional’ e ‘psicopatológico’.
Essas caracterizações raramente são empregadas na análise
dos regimes marxistas-leninistas, não importa o quão bestiais
tenham sido”.
Foi para escapar desse problema que, na segunda metade do
século 20, muitos intelectuais (com destaque, evidentemente,
para a filósofa Hannah Arendt) começaram a insistir no
emprego do termo totalitarismo, entendido como um tipo
ideal, para se referir aos movimentos políticos de massa do
período. Mas este é tema para o nosso próximo artigo.
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