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A Política A Prudência

O documento discute a definição e natureza da ideologia. Resume que a ideologia promete uma salvação terrena através da revolução e violência, negando a doutrina cristã da salvação após a morte. A ideologia cria dogmatismos e fanatismos que levam a guerras civis e destruição. Embora em ruína, a ideologia ainda exerce fascínio devido à falta de comunidade e fé para alguns intelectuais.

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A Política A Prudência

O documento discute a definição e natureza da ideologia. Resume que a ideologia promete uma salvação terrena através da revolução e violência, negando a doutrina cristã da salvação após a morte. A ideologia cria dogmatismos e fanatismos que levam a guerras civis e destruição. Embora em ruína, a ideologia ainda exerce fascínio devido à falta de comunidade e fé para alguns intelectuais.

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COLECÉIO

RUSSELL KIRK CULtURflL

A Politica da

PRUDÊNCIA
Ideologia
Política da Prudência I Os Erros da
A

conservadores —dez de cada. Em seguida, nos


conservadores e líderes
7, 8 e 9, descrevo quatro escritores conservadores do sé-
capítulos 6,
XX. Nos capítulos 10, 11, 12 e 13, examino quatro tipos ou
culo
norte-americanos. Depois, nos capítulos
facções dos conservadores
alguns dilemas com os quais os
14, 15, 16 e 17, defronto-me com
conservadores tiveram de se bater —questões
de política externa, da
e a do proletariado
centralizaçãopolítica, dos padrões educacionais
norte-americano.No capítulo de conclusão, fulmino a ideologia do
Democratismo, vox populi vox Dei. Permitam-me iniciar com uma
3
tentativa de definir a ideologia.

O termo ideologia foi cunhado na época de Napoleão Bonaparte


(1769-1821). Antoine-Louis-Claude Destutt de Tracy (1754-1836), o
autor de Les Elements d'ldeologie [Os Elementos da Ideologia], 4 era
um "metafísico abstrato" do tipo que, desde então, se tornou comum
na margem esquerda do Sena, um ponto de encontro para ideólogos
incipientes, entre os quais, em décadas recentes, o famoso libertador
do Kampuchea Democrático, Pol Pot (1928-1998). Destutt de Tracy e
seus discípulos planejavam uma larga reforma educacional, que seria
fundada sobre uma assim chamada ciência de ideias; eles se inspira-
ram fortemente na psicologia de Étienne Bonnot de Condillac (1715-
1780) e, em menor grau, na de John Locke (1632-1704).
Rejeitando a religião e a metafísica, esses primeiros ideólogos
acreditavam que poderiam descobrir um sistema de leis naturais —
sistema que, caso obedecido, poderia tornar-se o fundamento da_har-
moma e do contentamento universais.Doutrinas de autointeresse,
produtividade econômica e liberdade pessoal estavam ligadas a essas
noções. Filhos temporãos de um moribundo
Iluminismo, os ideólogos
pressupunham que o conhecimento derivado
das sensações, sistema-
tizado, poderia aperfeiçoar a sociedade
por meio de métodos éticos e
educacionais e de uma direção política
bem organizada.
92 | 93

Napoleão desprezou os ideólogos ao observar que o mundo não


é governado por ideias abstratas,5 mas pela imaginação.6John Adams
(1735-1826) chamou essa recém-criada ideologia de "ciência da idio-
tice" .7 Mesmo assim, durante o século XIX, ideólogos surgiam como
se alguém, à moda de um Cadmo, semeasse dentes de dragão que se
transmutavam em homens armados. Tais ideólogos eram, em geral,
inimigos da religião, da tradição, dos costumes, das convenções, dos
usos e dos antigos estatutos.
O conceito de ideologia foi consideravelmente transformado em
meados do século XIX, por Karl Marx (1818-1883) e sua escola. As
ideias, Marx argumentou, não são nada além da expressão de interes-
ses de classe, definidos em relação à produção econômica. A ideolo-
gia, a assim chamada ciência das ideias, torna-se, então, uma apologia
sistemática das demandas de uma classe —nada mais.8
Para expressar esse ponto nos termos diretos e maliciosos do
próprio Marx, aquilo que se chama de filosofiapolítica é meramen-
te uma máscara para o egoísmo econômico dos opressores9—assim
declararam os marxistas. Marx escreveu numa carta a Friedrich En-
gels (1820-1895) que as ideias e normas dominantes constituem uma
máscara ilusória sobre a face da classe dominante, revelada aos ex-
plorados como um padrão de conduta, em parte para ocultar, em
parte para prover apoio moral à dominação.
Entretanto, os explorados, como disse Marx, também desenvol-
vem sistemas de ideias para avançar seus projetos revolucionários.
Dessa forma, o que chamamos de marxismo é uma ideologia com
0 objetivo de alcançar a revolução, o triunfo do proletariado e, por
fim,o comunismo. Para o marxista coerente, as ideias não têm ne-
nhum valor em si mesmas: como toda arte, valem apenas como um
meio para alcançar a igualdade de condições e a satisfação econô-
mica. Ao mesmo tempo em que escarnece das ideologias de todas as
outras convicções, o marxista constrói, com astuciosa paciência, a
própria ideologia.
Ideologia
da Prudência I Os Erros da
A Política

ideologias mais poderosas, o marxismo


Apesar de ser uma das
perdido força —possui competidores: várias
que recentementetem
ideologia da negritude, o feminismo, o fas-
formas de nacionalismo, a
que nunca se concretizou por completo
cismo —uma quase-ideologia
em embrião, como escreveu
na Itália —,o nazismo —uma ideologia
Hannah Arendt (1906-1975)10—,o sindicalismo, o anarquismo, a so-
ciãl-democraciae Deus sabe quais mais. Sem dúvida, outras formas
de ideologia ainda serão criadas durante o século XXI.
Kenneth Minogue, no livro Alien Powers: The Pure Theory of
Ideologyll [Poderes Estrangeiros: A Teoria Pura da Ideologia], utiliza
o termo "ideologia" para "denotar qualquer doutrina que apresente a
verdade salvíficae oculta do mundo sob a forma de análise social. É
característicade todas essas doutrinas a incorporação de uma teoria
geral dos erros de todas as outras." Essa "verdade salvífica e oculta"
é uma fraude —um complexo de "mitos" artificiais e falsos, disfarça-
do de história, sobre a sociedade por nós herdada. Raymond Aron
(1905-1983),no livro L'Opium des Intellectuels [O Ópio dos Intelec-
tuaisl,12analisa os três mitos que seduziram os intelectuais parisien-
ses: os mitos da esquerda, da revolução e do proletariado.
Para resumira análise da ideologia levada a cabo por estudio-
sos tais como os já citados Kenneth Minogue e Raymond Aron, bem
como por Jacob Talmon Thomas Molnar (1921-
Lewis Feuer (1912-2002)15e Hans Barth (1904-1965)/6 esta
palavra —ideologia —significa, desde a Segunda Guerra Mundial,
qualquer teoria política dogmática que consista
no esforço de colo-
car objetivose doutrinas seculares
no lugar de objetivos e doutrinas
religiosas;e que prometa derrubar
dominações presentes para que os
oprimidos possam ser libertados.
As promessas da ideologia são o que
Jacob Talmon chama de
"messianismo político". O ideólogo promete
a salvaçãoneste mundo,
declarando, ardentemente, que não existe
outro tipo de realidade.
Eric Voegelin Gerhart Nie-
meyer (1907-1997)18
e outros escritores enfatizaram que os ideólogos
"imanentizam os símbolos da transcendência" —isto é, corrompem a
visãoda salvação pela graça após a morte, com falsas promessas de
completa felicidade neste reino terreno.19
A ideologia, em suma, é uma fórmula política que promete um
paraísoterreno à humanidade; mas, de fato, o que a ideologia criou
foi uma série de infernos na Terra. Abaixo listamos alguns dos vícios
da ideologia:
I. A ideologia é uma religião invertida, negando a doutrina cristã de
salvação pela graça, após a morte, e pondo em seu lugar a salva-
ção coletiva, aqui na Terra, por meio da revolução e da violência.
A ideologia herda o fanatismo que, algumas vezes, afetou a fé reli-
giosa e aplica essa crença intolerante a preocupações seculares.

2. A ideologia faz do entendimento político algo impossível: o ideólo-


go não aceitará nenhum desvio da verdade absoluta de sua revela-
ção secular.Essa visão limitada ocasiona guerras civis, a extirpação
dos "reacionários", e a destruição de instituições sociais benéficas e
em funcionamento.

3. Ideólogos competem entre si, em uma imaginada fidelidade à sua


verdade absoluta; e são rápidos em denunciar os desviantes ou
traidores de sua ortodoxia partidária. Dessa forma, facções pro-
nunciadas se criam entre os próprios ideólogos, e fazem guer-
ra sem piedade e sem fim, uns com os outros, como fizeram os
trotskistas e stalinistas.

Os sinais da ruína ideológica se encontram à nossa volta. Como a


ideologiaainda pode exercer tanto fascínio na maior parte do mundo?

A resposta a essa questão é dada, em parte, na seguinte observa-


çãode Raymond
Aron:
Quando o intelectual não se sente mais ligado nem à comunidade nem
à religião de seus antepassados, pede às ideologias progressivas toma-
rem conta da alma inteira. A diferença maior entre o progressismo do
A Política da Prudência I Os Erros da Ideologia

discípulo de Harold Laski (1893-1950) ou de Bertrand Russell (1872-


1970) e o comunismo do discípulo de Vladimir Lênin (1870-1924)
relaciona-semenos com o conteúdo do que com o estilo das ideologias
e da adesão. São dogmatismos da doutrina e a adesão incondicional dos
militantes que constituem a originalidade do comunismo, inferior, no
plano intelectual, às versões abertas e liberais das ideologias progressi-
vas e talvez superior para quem está à procura de uma fé. O intelectual,
que não se sente mais ligado a nada, não se contenta com opiniões, quer
uma certeza, um sistema. A revolução traz-lhe seu ópio. 20

A ideologia oferece uma imitação de religião e uma filosofia frau-


dulenta, confortando, dessa forma, aqueles que perderam, ou que
nunca tiveram, uma fé religiosa genuína e aqueles que não possuem
inteligência suficiente para aprender filosofia de verdade. 21A razão
fundamental por que devemos francamente nos opôr à ideologia —
assim escreveu o sábio editor suíço Hans Barth —é que a ideologia é
contrária à verdade: nega a possibilidade da verdade na política ou
em qualquer outro campo, pondo motivos econômicos e interesses
de classe no lugar de normas permanentes. A ideologia nega até a
consciência e o poder de decisão dos seres humanos. Nas palavras de
Barth: "O efeito desastroso do pensamento ideológico em sua forma
radical não é apenas lançar dúvidas a respeito da qualidade e da es-
trutura da mente humana, características distintivas do ser humano,
mas também enfraquecer as bases da vida social" .22
A ideologia pode atrair os entediados da classe culta, que se des-
ligaram da religião e da comunidade, e que desejam exercer o poder.
A ideologia pode encantar os jovens, parcamente educados, que,
em sua
solidão, se mostram prontos a projetar um entusiasmo latente em
qual-
quer causa excitante e violenta. E as promessas dos ideólogos
podem
arregimentar seguidores dentre os grupos sociais postos contra
a parede —
ainda que tais recrutas possam não entender quase nada das
doutrinas
dos ideólogos. A composição inicial do partido nazista ilustra,
suficien-
temente, o poder de uma ideologia para atrair elementos tão
diversos.
96 | 97

Na primeira página deste ensaio, sugeri que alguns norte-ameri-


canos, dentre eles alguns com inclinações conservadoras, poderiam vir
a abraçar uma ideologia do capitalismo democrático,23ou da Nova
Ordem Mundial, 24ou de um democratismo internacional. Entretanto,
a maioria dos norte-americanos, com um afeto dissimulado pela pala-
vra ideologia, não busca varrer violentamente todas as dominações e
todos os poderes existentes. O que essas pessoas, de fato, demandam
quando exigem uma "ideologia democrática" é uma fórmula para a
religião civil, uma ideologia do americanismo ou, talvez, do mundo
livre. O problema com essa noção de religião civil reside no fato de
que a grande maioria dos norte-americanos acredita que já tenha uma
religião própria, e não uma fé preparada por algum departamento
governamental em Washington, D.C. Se tal religião civil oficial, ou
essa suave ideologia, viesse a ser projetada para, por meio de algum
processo insidioso, suplantar as miríades de credos que, atualmente,
florescem nesta Terra —ora, a hostilidade para com a crença no trans-
ii cendente seria enorme, bem como seria tamanho o desprezo pelas "al-
tas religiões". Eis precisamente o artigo mais amargo do credo dessas
ideologias, que têm castigado o mundo pelas últimas oito décadas.
Provavelmente, tudo o que pretendem os entusiastas dessa nova
proposta de ideologia anticomunista é uma declaração de princípios
e conceitos econômicos, amplamente promulgados, aprovados legis-
lativamente como um guia para políticas públicas, e ensinados em
escolas públicas. Se isso é tudo o que se espera por que insistir em
rotular tal noção como uma ideologia? Uma ideologia inocente é tão
improvável quanto seria o "diabolismo cristão"; aplicar à alguma
ideia o sinistro rótulo de "ideologia" seria como convidar os amigos
para uma inocente fogueira de Halloween, anunciando, porém, a fes-
ta como o "novo Holocausto".
Caso essa "ideologia democrática" acabasse por se revelar, na
prática, como nada além de um programa nacional de civismo para
escolas, ainda assim mereceria ser vigiada com muito cuidado. Exaltar
A Políticada Prudência I Os Errosda Ideologia

sobejamente as belezas do capitalismo democrático em todas as salas


de aula entediaria a maioria dos alunos e provocaria repulsa nos mais
inteligentes. E não são aulas de educação cívica que formam, prima-
riamente, as mentes e a consciência das novas gerações: esse é, sobre-
tudo, o papel do ensino das humanidades. Não gostaria de ver o que
resta dos estudos literários na escola pública típica sendo suplantado
por uma propaganda oficial sobre a santidade do American Way of
Life, do mundo livre ou do capitalismo democrático. 25
Não compartilho da opinião de que seria bom jogar o inebriante
vinho de uma nova ideologia goela abaixo dos jovens norte-ameri-
canos. Se invocarmos os espíritos das profundezas abissais, será que
poderemos esconjurá-los? O que precisamos transmitir é prudência
política, não beligerância política. A ideologia é a doença, não a cura.
Todas as ideologias, incluindo a ideologia da vox populi vox-fi$são
hostis à permanência da ordem, da liberdade e da justiça.)6 A ideolo-
gia é a política da irracionalidade apaixonada.

Permiti-me, portanto, tecer aqui, em uns poucos parágrafos, al-


gumas reflexões sobre a prudência política, em oposição à ideologia.
Ser "prudente" significa ser judicioso, cauto, sagaz. Platão (427-
347 e mais tarde Edmund Burke (1729-1797),28ensinaram-
-nos que, no estadista, a prudência é a primeira das virtudes. Um
estadista prudente é aquele que olha antes de se lançar; que tem visão
de longo alcance, que sabe que a política é a arte do possível.
Algumas páginas atrás especifiquei três erros profundos (vícios)
do político ideológico. Agora, contrasto-os com certos princípios da
política da prudência:
1. Conforme dito antes, a ideologia é uma religião invertida. No
entanto, o político prudente sabe que "utopia" significa "lugar
nenhum .29que não se pode marchar em direção a uma Sião terre-
que a natureza e as instituiçõeshumanas são imperfeitas; que
98 | 99

a "justiça" agressiva na política acaba em massacre.A verdadeira


religião é uma disciplina para a alma, não para o Estado.

2. A ideologia torna impossívelo compromisso político, como fiz


notar. O político prudente, au contraire, tem plena consciência de
que o propósito original do Estado é manter a paz. Isso só pode
ser alcançado via a manutenção de um equilíbrio tolerável entre
os grandes interesses da sociedade. Partidos, interesses, grupos e
classes sociais devem realizar acordos, caso queiram manter as fa-
cas longes dos pescoços. Quando o fanatismo ideológico rejeita
qualquer solução conciliatória,os fracos vão para o paredão. As
atrocidades ideológicas do "TerceiroMundo", nas últimas déca-
das, ilustram o ponto: os massacrespolíticos no Congo, Timor,
Guiné Equatorial, Chade, Camboja, Uganda, lêmen, El Salvador,
Afeganistão e Somália.A política prudencialbusca a reconcilia-
ção, não o extermínio.

3. As ideologias são acometidas de um feroz facciosismo,na base do


princípio da fraternidade —ou morte. As revoluções devoram os
seus filhos. Por outro lado, os políticos prudentes, rejeitando a ilu-
são de uma verdade política absoluta, diante da qual todo cidadão
deve se curvar, entendem que as estruturas políticas e econômicas
não são meros produtos de uma teoria, a serem erigidos num dia e
demolidos noutro; pelo contrário, instituiçõessociais se desenvol-
vem ao longo dos séculos, como se fossem orgânicas. O reformador
radical, proclamando-se onisciente, derruba todos os rivais para
chegar mais rapidamente ao Paraíso terreno. Conservadores, em ní-
tido contraste, têm o hábito de jantar com a oposição.

Na frase anterior, utilizei, deliberadamente, a palavra conserva-


dor, na realidade, como sinônimo da expressão "político prudente".
as ideolo-
É o líder conservador que, determinado a resistir a todas
chamou dg "o
gias, é guiado pelo que Patrick Henry-(1736-1799)
opiniões
lume da experiência" .31No século XX, foi o conjunto das
geralmente denominado de "conservador" que defendeu as "coisas
permanentes 32contra os assaltos dos ideólogos.
A Política da Prudência I Os Errosda Ideologia

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o público norte-ame-


ricano tem visto, de modo cada vez mais favorável, o termo conser-
vador. 33Pesquisas de opinião sugerem que, em política, a maioria dos
eleitores se considera conservadora. Se eles entendem bem os princí-
pios políticos conservadores, isso é outra questão.
No meio da segunda administração do presidente Ronald Reagan
(1911-2004), um estudante universitário de minhas relações conver-
sava, em Washington, D.C., com um jovem que havia conseguido um
cargo político na administração federal. Aquele jovem e inexperiente
homem público começou a falar de uma "ideologia conservadora".
O universitário recordou-lhe, de modo algo ríspido, o significado ma-
léfico da palavra "ideologia". "Bem, você sabe o que quero dizer",
respondeu-lhe o jovem político, meio sem jeito.
De toda forma, não é certo que aquele recém-empossado funcio-
nário público soubesse, ele mesmo, o que verdadeiramente significava
aquilo. Será tinha em mente ideologia como um corpo de princípios
políticos bem estruturados? Queria ele talvez descobrir um conjunto
de fórmulas simplistas, pelas quais o capitalismo pudesse se estender
a todo o mundo? Ou desejava, de fato, derrubar, por meio de ações
violentas, nossa ordem social vigente e substituí-la por uma sociedade
artificial mais próxima de seus ideais?
Vivemos numa época em que o significado de antigas palavras,
como tantas outras coisas, se tornou inseguro. "As palavras se disten-
34como T. S.
dem, / Estalam e muitas vezes se quebram, sob a carga
Eliot (1888-1965) o diz. "No princípio era o Verbo" (Jo 1,1). Hoje em
dia, porém, o Verbo está sendo confrontado pela ideologia gigante,
que perverte a palavra falada e escrita.
Não são apenas os talentos políticos emergentes de nosso tempo
que não conseguem apreender o uso apropriado de certas palavras
importantes —e que, particularmente, entendem mal o emprego de
ideologia. Uma senhora idosa me escreve em defesa do antigo mo-
vimento chamado "Rearmamento Moral" 35que, há três décadas,
100 | 101

afirmava oferecer uma ideologia aos Estados Unidos. "Talvez eu me


engane, mas sempre me pareceu que ideologia significa o poder das
ideias", diz essa correspondente. "O mundo é governado por ideias,
boas e más. Precisamos de uma grande ideia ou de um ideal para
substituir as falsas ideias, hoje dominantes. Quanto tempo podemos
sobreviver como uma nação livre, uma vez que a palavra liberdade
foi corrompida?"
A conclusão dessa senhora é perspicaz. Contudo, tenho de acres-
centar, "Por quanto tempo podemos sobreviver como uma nação li-
vre, uma vez que a palavra ideologia, com seu poder corruptor, foi
confundida como a guardiã da liberdade ordenada?"
Não tenho a intenção de escarnecer, pois encontro essa confusão
em pessoas que conheço bem e respeito profundamente. Uma dessas
pessoas, uma escritora capaz e de espírito arrojado retruca possuir
dicionários —Webster e Oxford —que discordam da definição mais
extensa de ideologia proposta por Russell Kirk. "Se o Oxford está
certo e ideologia significa 'a ciência das ideias', não poderiam ser boas
ideias? Concordo plenamente que muitas ideologias causam grande
mal, mas certamente não são todas, não é? De qualquer maneira, sou
uma pragmatista inata", conclui a senhora, "e a semântica não é o
meu ponto forte".
Não, senhora, todas as ideologias causam confusão. Fico mais
animado pela carta escrita por um publicista conservador influen-
te e experiente, que aplaude a minha crítica aos jovens ideólogos
que se imaginam conservadores, e aos jovens conservadores espe-
rando apaixonadamente se converterem em ideólogos. Esse último
correspondente concorda comigo que a ideologia está fundamenta-
da meramente sobre "ideias" —isto é, sobre abstrações, sonhos, sem
relação, na maior parte das vezes, com a realidade pessoal e social;
enquanto as visões conservadoras estão fundadas sobre costumes,
convenções, na longa experiência da espécie humana. Ele se vê con-
frontado, de tempos em tempos, por jovens, que se autodenominam
102 | 103

Capítulo 2 | Dez Princípios Conservadores

Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto


de opiniões chamado de conservadorismo não possui Sagradas Es-
crituras, nem um Das Kapital, como fonte dos dogmas. Até onde é
possível determinar o objeto das crenças conservadoras, os primeiros
princípios do pensamento conservador derivam do que os mais ilus-
tres escritores e homens públicos conservadores professaram ao lon-
go dos últimos dois séculos. Após alguns comentários introdutórios
sobre esse tema geral, procederei a uma lista de dez desses princípios.
O sr. Eugene McCarthy (1916-2005), um espirituoso candidato
à presidência em uma eleição recente,39disse publicamente, em 1985,
que, hoje em dia, emprega a palavra "liberal"40meramente como ad-
jetivo. Essa renúncia ao uso do termo "liberal" como substantivo da
política, um rótulo partidário ou ideológico,dá alguma medida do
triunfo da mentalidade conservadora durante a década de 1980 —
incluindo-se o triunfo do lado conservador na própria mentalidade e
caráter do sr. McCarthy.
Talvez fosse adequado, na maioria das vezes, utilizar a palavra
'conservador"" mormente como um adjetivo. Não existe um modelo
conservador, e o conservadorismo é a negação da ideologia: é um estado
de espírito, um tipo de caráter, um modo de ver a ordem civil e social.
A posição chamada conservadora se sustenta em um conjunto
de sentimentos, e não em um sistema de dogmas ideológicos. É quase
A Políticada Prudência I Dez PrincípiosConservadores

verdade que um conservador pode ser definido como alguém que pen-
sa em si mesmo como tal. O movimento ou o conjunto de opiniões
conservador é capaz de acomodar uma diversidade considerávelde
pontos de vista sobre um bom número de assuntos,não exisitindo
"Atos de Prova "42ou "Trinta e Nove Artigos "43da fé conservadora.
Em essência, o conservador é simplesmentealguém que acha as
coisas permanentes mais agradáveis que "o Caos e a Noite Antiga 44
No entanto, os conservadores sabem, com Edmund Burke (1729-
1797), que uma saudável mudança é o meio de nossa preservação."
A continuidade histórica da experiência de um povo, diz o conser-
vador, oferece um guia político muito melhor do que os projetos
abstratos dos filosófos dos cafés; mas é claro que há mais na crença
conservadora que esse propósito genérico.
Não é possível esboçar um catálogo sistemático das convicções
dos conservadores; mesmo assim, ofereço, sumariamente, dez prin-
cípios gerais. Não seria temerário afirmar que grande parte dos con-
servadores aceitaria a maioria dessas máximas. Em várias edições de
meu livro The Conservative Mind [A Mentalidade Conservadora], 46
enumerei certos cânones do pensamento conservador—a lista varia
um pouco de edição para edição; em minha antologia The Portable
Conservative Reader [O Guia de Bolso de Textos Conservadores],47
ofereço variações sobre o tema. Agora, apresento um resumo dos
pressupostos conservadores que difere um pouco dos meus cânones
daqueles meus dois outros livros. A rigor, a existência de diversos
modos pelos quais os pontos de vista conservadorespodem ser ex-
pressos é, em si mesma, uma prova de que o conservadorismonão
é uma ideologia fixa. Quais princípios específicosserão enfatizados
pelos conservadores, em cada época, dependerá das circunstâncias
e necessidades daquele determinado período. Os dez "artigos de fé"
seguintes refletem aquilo que os conservadores, nos Estados Unidos
de hoje, põem em relevo.
104 | 105

Prilneiro, o conservador acredita que há uma ordem moral duradou-


ra. Essa ordem é feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natu-
reza humana é uma constante, e as verdades morais são permanentes.48
A palavra ordem significa harmonia. Há dois aspectos ou tipos de
ordem: a ordem interna da alma e a ordem externa da comunidade po-
lítica.49Platão (427-347 a.C.) ensinou tal doutrina há vinte e cinco sécu-
10s,mas hoje em dia até mesmo pessoas instruídas têm dificuldade para
entendê-la. O problema da ordem é uma preocupação primária dos con-
so
servadores desde que conservador se tornou um conceito em política.
Nosso mundo do século XX experimentou as terríveis conse-
quências do colapso da crença em uma ordem moral. Tal como as
atrocidades e os desastres ocorridos na Grécia do século V antes de
Cristo, a ruína de grandes nações no nosso século mostra o abismo no
qual caem as sociedades que confundem o autointeresse inteligente
ou controles sociais engenhosos com alternativas agradáveis a uma
ordem moral ultrapassada.
Já foi dito por alguns intelectuais de esquerda que o conservador
acredita que todas as questões sociais são, no fundo, questões de mo-
ralidade privada. Entendida corretamente, essa afirmação é bastante
verdadeira. Uma sociedade em que os homens e as mulheres são go-
vernados pela crença em uma ordem moral duradoura, por um forte
senso de certo e errado, por convicções pessoais de justiça e de honra,
será uma sociedade boa —seja qual for o mecanismo político utiliza-
do; enquanto, na sociedade, homens e mulheres estiverem moralmen-
te à deriva, ignorantes das normas e voltados principalmente para a
gratificação dos apetites, essa será uma sociedade ruim —não importa
quantas pessoas votem, ou quão liberal seja a ordem constitucional
formal. Para corroborar o último argumento, basta apenas olhar para
o triste Distrito de Colúmbia."

Segundo, o conservador adere aos costunges,à convenção e à con-


tinuidade. S2São os antigos costumes que permitem que as pessoas
A Políticada Prudência I Dez PrincípiosConservadores

vivam juntas e em paz; os destruidores dos costumes demolem mais do


que suspeitam, ou desejam.É por meio da convenção —uma palavra
excessivamente utilizada em nossos dias —que conseguimos evitar per-
pétuas disputas sobre direitos e deveres: a lei é basicamente um corpo
de convenções.A continuidadeé o meio de unir geração a geração;
importa tanto para a sociedade quanto para o indivíduo; sem ela, a
vida não faz sentido. Quando revolucionários alcançam o poder tendo
apagado velhos costumes, escarnecido de antigas convenções, e inter-
rompido a continuidade das instituições sociais —ora, logo descobrem
a necessidade de estabelecerem novos costumes, novas convenções, e
continuidade; mas o processo é lento e doloroso e a renovada ordem
social que finalmente emerge pode ser muito inferior à antiga ordem
derrubada pelos radicais, zelosos na busca do paraíso terreno.
Os conservadores são defensores dos costumes, da convenção e
da continuidade, porque preferem o mal que conhecem ao mal que
não conhecem. Ordem, liberdade e justiça, acreditam, são os produ-
tos artificiais de uma longa experiência social, o resultado de séculos
de experimento, reflexão e sacrifício. O corpo social é, dessa forma,
um tipo de corporação espiritual, comparávelà Igreja; pode até ser
chamado de uma comunidade de almas. A sociedade humana não é
uma máquina, para ser tratada de modo mecânico. A continuidade,
o fluido vital de uma sociedade, não pode ser interrompida. A lem-
brança, feita por Burke, da necessidadede uma mudança prudente
está sempre na mente dos conservadores; mas a necessária mudança,
argumentam, deve ser gradual e judiciosa, nunca desenraizando anti-
gos interesses de um só golpe.

Terceiro,os conservadores acreditam no que se pode chamar de


princípio da consagração pelo uso.53Os conservadores percebem que
as pessoas da era moderna são anões nos ombros de gigantes, capazes
de enxergar muito além dos antepassados apenas por causa da gran-
de estatura daqueles que os precederam. Portanto, os conservadores
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frequentemente enfatizam a importância da "consagração pelo uso"


isto é, da fruição das coisas estabelecidas pelo uso imemorial, de modo
que a memória humana não corra às avessas.54Há direitos cuja prin-
cipal sanção é a antiguidade —e abrangem, muitas vezes, os direitos de
propriedade. De modo similar, nossa moralidade é, em grande parte,
consagrada pelo uso. Conservadores afirmam ser improvável que nós,
modernos, façamos qualquer descoberta nova e extraordinária em
moral, política ou gosto. É arriscado ponderar cada fato ocorrido ten-
do por base o julgamento e a racionalidade privados. "O indivíduo é
tolo [...l mas a espécie é sábia" 55declarou Burke. Na política, faremos
bem se permanecermos fiéis a preceitos e precognições, e até inferên-
cias, já que o grande e misterioso grêmio da raça humana obtém, pelo
uso consagrado, uma sabedoria muito maior do que qualquer mesqui-
nho raciocínio privado de um ser humano individual.

Quarto, os conservadores são guiados pelo princípio da prudên-


cia. Burke está de acordo com Platão acerca da proposição de que,
no estadista, a prudência é a maior das virtudes.56Qualquer medida
pública deve ser julgada pelas suas consequências de longo prazo, não
apenas por vantagens ou popularidade temporárias. Os esquerdis-
tas e os radicais, diz o conservador, são imprudentes, pois se lançam
impetuosamente em direção aos próprios objetivos, sem dar muita
atenção ao risco de novos abusos, ainda piores que os males que es-
peram debelar. Como dizia John Randolph of Roanoke (1773-1833),
a "Providência anda devagar, mas o diabo sempre urge" .57Complexa
como é a sociedade humana, as soluções não podem ser simples, se
têm de ser eficazes. O conservador declara agir somente após sufi-
ciente reflexão, tendo sopesado as consequências. Reformas rápidas
e agressivas são tão perigosas quanto cirurgias rápidas e agressivas.

Quinto, os conservadores prestam atenção ao princípio da varie-


dade.58Sentem afeição pela complexidade prolífera das instituições
A Políticada Prudência I Dez PrincípiosConservadores

sociais há muito estabelecidas e seus modos de vida, em contraposi-


ção à uniformidade estreita e ao igualitarismo sufocante dos sistemas
radicais. Para a preservação de uma diversidade saudável em qual-
quer civilização, devem remanescer ordens e classes, diferenças na
condição material, e muitos tipos de desigualdade. As únicas formas
reais de igualdade são a do Juízo Final e a perante uma corte de jus-
tiça; todas as outras tentativas de nivelamento levam, na melhor das
hipóteses, à estagnação social. A sociedade almeja por uma liderança
honesta e capaz; se as diferenças naturais e institucionais entre as
pessoas forem destruídas, em breve algum tirano ou alguma sórdida
oligarquia criarão novas formas de desigualdade.

Sexto, os conservadoressão disciplinadospelo princípio de im-


perfectibilidade." A natureza humana sofre irremediavelmentecom
certas falhas, sabem os conservadores.Por ser o homem imperfei-
to, uma ordem social perfeita jamais pode ser criada. Por conta do
desassossegohumano, a humanidadepode se rebelar caso sujeita a
qualquer dominação utópica, e vir a explodir novamente em um des-
contentamento violento —ou terminar enfadada. Objetivar a utopia é
terminar em desastre, dizem os conservadores:não fomos feitos para
perfeição. Tudo o que razoavelmente podemos esperar é uma socieda-
de tolerantemente ordenada, justa e livre, na qual alguns males, desa-
justes e sofrimentos continuam à espreita. Ao dar a devida atenção à
reforma prudente, podemos preservar e melhorar essa ordem tolerá-
vel. Se as antigas defesas morais e institucionais de uma nação forem
esquecidas, irrompe o impulso anárquico no homem: "a cerimônia
da inocência é afogada". 60Os ideólogos que prometiam a perfeição
do homem e da sociedadeconverteramgrande parte do mundo no
século XX em um inferno terreno.

Sétimo, os conservadoresestão convencidosde que a liberdade


e a propriedade estão intimamenteligadas.61Separai a propriedade
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da posse privada, e o Leviatã se transformará no senhor absoluto.


Sobre o fundamento da propriedade privada grandes civilizações são
erigidas. Quanto mais difundida for a propriedade privada, tanto
mais estável e produtiva será uma comunidade__política. A igualdade
econômica, assim afirmam os conservadores, não é progresso econô-
mico. Adquirir e gastar não são os principais objetivos da existência
humana; mas uma base econômica sólida para a pessoa, a família e a
comunidade política é o que se deve dessjar.
Sir Henry Maine (1822-1888),na obra Village-Communitiesin
the East and West [Comunidades de Aldeias no Oriente e no Ociden-
tel,62articula com vigor a defesa da propriedade privada, em oposição
à propriedade comunal: "Ninguém tem a liberdade de atacar as diver-
sas propriedades e dizer, ao mesmo tempo, que valoriza a civilização.
A história dessas duas coisas não pode ser desvinculada".A insti-
tuição das diversas propriedades —isto é, da propriedade privada —
é até hoje um poderoso instrumento para ensinar responsabilidade a
homens e mulheres, para dar incentivosà integridade,apoiar a cul-
tura geral, elevar a humanidade acima do nível de uma mera lida
repetitiva e opressora e proporcionar as horas vagas para pensar e a
liberdade para agir. Poder conservar os frutos do próprio trabalho;
poder ver que o próprio trabalho é duradouro; poder deixar as pró-
prias posses aos descendentes; poder elevar-se da condição natural
de uma pobreza opressora à segurança das conquistas permanentes;
possuir algo que é realmente seu —são vantagens inegáveis. O con-
servador reconhece que a propriedade estabelece certos deveres aos
possuidores; aceita com satisfação tais obrigações morais e legais.

Oitavo, os conservadores defendem comunidades voluntárias, da


mesma forma que se opõem a um coletivismo involuntário.63Embora
o povo norte-americano tenha sido sempre muito afeito à privacidade
e aos direitos individuais, também sempre foi um povo notável pelo
sucesso de seu espírito comunitário. Em uma verdadeira comunidade,

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