Livro Crônicas Ambientais - Ricardo Braga
Livro Crônicas Ambientais - Ricardo Braga
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Irmão
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
Profª. Maria José de Sena — Reitora
Prof. Marcelo Brito Carneiro Leão — Vice-Reitor
Ficha catalográfica
CDD 574.5
ISBN 978-85-7946-136-1
Sumário
5 Apresentação
7 Introdução
As crônicas
13 A convergência dos paralelos
15 Carnaval do caranguejo-uçá
17 Florestas urbanas I: o diálogo com a vizinhança
19 Florestas urbanas II: conhecer para conservar
21 Poluição sonora I: incômodo de vizinhança
23 Poluição sonora II: dá pra acabar com ela
25 Discutindo a biopirataria
27 Dengue: doença socioambiental
29 Alagamentos e inundações
31 Parque dos Manguezais
33 Uma festa para licenciar
35 Vasconcelos Sobrinho: a dimensão de um homem
38 (Re) naturalizar o Recife?
40 Renaturalizando o riacho Parnamirim
42 A árvore de Júlia
44 Biologia, meio ambiente e cidadania
46 A termodinâmica na natureza
48 A termodinâmica na ecologia industrial
50 Está faltando água
52 O ecólogo Darwin
54 Jardins botânicos
57 Cidadania ecológica nas compras
59 Veneno na boca
61 Capibaribe, o rio das capivaras e
da integração pernambucana
63 Capibaribe das águas limpas, por que não?
65 Embates ecológicos sobre Suape
69 O manejo da caatinga
71 Meio ambiente do Nordeste
na visão de Gilberto Freyre
73 O papel das florestas na vazão dos rios
75 Implicações do Novo Código Florestal
para Pernambuco
77 Nascentes de vida
79 Cai, cai, tanajura...
81 Natureza e cultura
84 Não pise nas formigas
86 Esclerose das artérias urbanas
88 Água de comer
90 Gestão ambiental de Aldeia
94 A diversidade é base da estabilidade
96 Capibaribe navegável
99 Água em leito seco do Capibaribe
Sugestão de Atividade
105 Atividade: Nossas Crônicas Ambientais
Apresentação
6
Introdução
8
postas que podem ser criadas por professores e educadores
que queiram incluir no seu repertório de atividades este gê-
nero literário.
Além da interdisciplinaridade e pluralidade semântica
própria da ecologia, as crônicas trazem transversalmente
questões ambientais através de diversos enfoques: social, po-
lítico, econômico e cultural. Eis um exemplo de crônica que
aborda, sob um ponto de vista bem particular, um assunto
comumente tratado em aulas de ecologia: o texto “Carnaval
do caranguejo-uçá” pode complementar o estudo do ecossis-
tema manguezal ao enfocar o caranguejo, seu habitat, nicho e
ciclo reprodutivo, bem como a ameaça que paira sobre este e
outros animais em face da erradicação das áreas de mangue-
zais, um problema real no estado de Pernambuco. A crônica
aborda ainda os conhecimentos populares de pescadores e
apanhadores de caranguejo, muitos dos quais contribuem e
se somam à ecologia científica. E, por fim, a festa do carnaval
aparece como um elemento que motiva e torna lúdico o en-
volvimento do aprendiz com o tema.
Ao lado da diversidade de temáticas, as crônicas aqui reu-
nidas também podem servir à inovação metodológica no en-
sino básico. Além da leitura e interpretação dos textos, os
estudantes podem ser motivados a produzir suas próprias
crônicas e a desenvolver por escrito temáticas ambientais do
seu dia a dia. Uma sugestão de atividade assim foi inserida
no final do livro para o professor interessado em articular
ecologia e produção textual. A partir das crônicas se apos-
ta que muitas práticas educativas são possíveis. Em termos
metodológicos, o mais importante, a nosso ver, é que a ação
educativa promova engajamento, criação e reflexão sobre as-
pectos da ecologia na sua relação com a sociedade e a cultura
contemporâneas.
Espera-se que o livro possa servir como estímulo ao de-
bate, à prática e à vivência dos múltiplos sentidos da ecolo-
gia hoje.
9
Referências
RICOEUR, Paul. Hermenêutica e ideologias. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Em direção ao mundo da vida: inter-
disciplinaridade e educação ambiental / Conceitos para se fazer educa-
ção ambiental. Brasília: IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, 1998.
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, comple-
xidade, poder. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
10
As crônicas
A convergência dos paralelos
14
Carnaval do caranguejo-uçá
16
Florestas urbanas I: o diálogo com a vizinhança
18
Florestas urbanas II: conhecer para conservar
20
Poluição sonora I: incômodo de vizinhança
22
Poluição sonora II: dá pra acabar com ela
24
Discutindo a biopirataria
26
Dengue: doença socioambiental
28
Alagamentos e inundações
30
Parque dos Manguezais
32
Uma festa para licenciar
34
Vasconcelos Sobrinho: a dimensão de um homem
36
Fui testemunha de sua pressa e ansiedade no final da vida,
vendo que tinha o Mal de Parkinson e que iria parar. Parou,
mas nós continuamos.
37
(Re) naturalizar o Recife?
39
Renaturalizando o riacho Parnamirim
41
A árvore de Júlia
43
Biologia, meio ambiente e cidadania
45
A termodinâmica na natureza
Nada é tão prático como uma boa teoria. Pois é, se as coisas
são bem explicadas no campo teórico, fica mais fácil entender
os fenômenos que acontecem à nossa frente. É o caso das leis
da termodinâmica.
Este tema, cuja conexão com os processos ambientais do
dia a dia é muito direta, é geralmente visto como de difícil
entendimento, talvez por se encontrar no limite entre a física
e a biologia. Mas aceite o desafio de entendê-lo nos próximos
parágrafos.
A primeira lei da termodinâmica diz que “matéria e ener-
gia não podem ser criadas ou destruídas, somente trans-
formadas”. Significa que uma substância se transforma em
outra, através de processos físicos, químicos ou biológicos,
assumindo inclusive diferentes funções, mas não pode sim-
plesmente desaparecer. O mesmo é dito para a energia, que
se transforma de uma forma em outra, mas não desaparece,
pelo menos no universo. Esta é também chamada “lei da con-
servação de massa e energia”.
Já a segunda lei da termodinâmica assegura que “a entro-
pia do universo cresce na direção de um máximo”. Entende-
-se aqui como entropia a quantidade de energia que não é
mais capaz de realizar trabalho em um sistema, sendo um
indicativo de desordem da natureza. Também é chamada “lei
da entropia”.
Agora analisemos a primeira lei da termodinâmica em
termos práticos. Na natureza, existem as substâncias simples
como água, gás carbônico e sais minerais, que, se absorvidas
pela planta, transformam-se em matéria orgânica vegetal,
sob a forma de moléculas complexas como açúcares, prote-
ínas e gorduras.
O herbívoro, ao comer folhas e frutos, ingere e digere
esse material, absorvendo-o e metabolizando-o em outras
substâncias, como as proteínas animais. Se um carnívoro
come o herbívoro, ingere seus músculos e demais tecidos,
46
incorporando a proteína e utilizando-a em seu metabolis-
mo. Até que um dia o carnívoro morre e as bactérias se en-
carregarão de transformar matéria em substâncias simples
outra vez, como em água, gás carbônico e sais minerais.
Observe que, no processo, se fechou o ciclo da matéria,
garantindo continuamente a retroalimentação, desde que o
ecossistema permaneça equilibrado. Se fizermos um balanço
de massa, controlando todas as entradas e saídas, ele será zero.
Em relação à energia, há uma diferença. Em cada etapa
desse processo existem saídas do ecossistema quando, por
exemplo, pela respiração, a energia química das ligações de
moléculas orgânicas é transformada em energia calorífica,
dissipando-se o calor na atmosfera. Assim, em termos ener-
géticos, embora não ocorra desaparecimento de energia,
existe dispersão de parte dela, que se dissipa e não volta para
o ciclo da vida.
É aí que entra a segunda lei da termodinâmica. De acor-
do com ela, as transformações de energia se dão em direção
às formas menos concentradas. É o que vemos na cadeia ali-
mentar, em que os fenômenos da respiração bioquímica nas
células e da decomposição microbiana levam a reações exoe-
nergéticas, para disponibilizar a energia de movimento, seja
para transporte da seiva nas plantas, seja para o andar dos
animais. Depois de realizar trabalho, esta energia liberada
desorganiza-se ainda mais, sob a forma de calor. Esta é a for-
ma usual em que é dispersa na atmosfera.
Assim, pode-se dizer que a morte resulta da vitória da en-
tropia. E a vida? Essa busca permanentemente reusar e re-
ciclar a matéria e valorizar a energia que ainda é capaz de
realizar trabalho, buscando o que chamamos de equilíbrio
homeostático, ou seja, fazer com que a variação da energia
interna no ecossistema seja a menor possível. Portanto, a
vida é um eterno desafio à entropia, porque busca a comple-
xidade e a estabilidade, no seu processo de evolução.
47
A termodinâmica na ecologia industrial
49
Está faltando água
51
O ecólogo Darwin
53
Jardins botânicos
55
Porém na grande lista de jardins falta o Horto Del Rey,
considerado o primeiro jardim botânico do Brasil, tendo
sido criado no fim do século 18. Também conhecido como
Jardim Botânico de Olinda, situa-se próximo ao Alto da Sé,
tendo aclimatado espécies exóticas que chegavam ao Brasil
pelas mãos dos colonizadores. Foi assim com espécies asiáti-
cas como as árvores de fruta-pão, jaca e manga, hoje frutas
tão nossas, que muitos pensam ser nativas. Mas lá também
encontram-se espécies originárias da Mata Atlântica, que
parecem ser tão cosmopolitas quanto as anteriores, como os
pés de pitanga e de cajá.
56
Cidadania ecológica nas compras
58
Veneno na boca
60
Capibaribe, o rio das capivaras e
da integração pernambucana
62
Capibaribe das águas limpas, por que não?
64
Embates ecológicos sobre Suape
66
No entanto, entendo que a conjuntura hoje é outra. Não se
trata de negar o Complexo Industrial Portuário, mas de fazê-lo
em bases legais e ambientais corretas, mesmo reconhecendo
que porto e indústrias possuem intrinsecamente grande po-
tencial de impacto ambiental.
Nesse processo, é necessário, antes de tudo, garantir a trans-
parência do que está acontecendo naquele território, sobretu-
do por meio do acesso às informações sobre o cumprimento
dos licenciamentos e dos termos de compromisso, assim como
sobre os monitoramentos existentes e a situação real das com-
pensações ambientais dos empreendimentos aprovados. Ainda
é pouco, é preciso também que a sociedade organizada tenha o
direito de acompanhar de perto o passo a passo dessa delicada
engenharia da gestão ambiental no Complexo de Suape e, com
isso, possa influenciá-la positivamente.
Nisso o Consema pode contribuir muito. Aliás, foi o que
fez quando incluiu na Resolução 03/2010 (aprovada no dia 28
de maio), entre outras deliberações, a decisão de: determinar
a atualização do Estudo de Impacto Ambiental do Plano Di-
retor de Suape, considerando que o anterior já tem dez anos;
exigir a elaboração de levantamento com mapeamento de to-
das as áreas de manguezal inseridas nos estuários dos rios
Jaboatão, Pirapama, Massangana, Ipojuca, Merepe e Maracaí-
pe, levando em conta o estágio atual de conservação, a situa-
ção fundiária e as áreas degradadas passíveis de recuperação
ambiental; condicionar as emissões das Autorizações de Su-
pressão da Vegetação pela CPRH, à anuência dos projetos de
compensação ambiental pelo Ibama, contendo alternativas
de recomposição florestal e de monitoramento da fauna que
incluam a recuperação de ambientes degradados e represen-
tem novas áreas dos ecossistemas e não apenas a conserva-
ção daqueles existentes.
Ficou também definido na mesma Resolução o acompa-
nhamento semestral pelo Consema do cumprimento dos ter-
mos de compromisso firmados por Suape quanto às autori-
zações de supressão de vegetação já concedidas e das novas,
67
decorrentes da recente lei; e a exigência de que as empresas
que venham a ocupar as áreas sejam corresponsáveis pelo
cumprimento da compensação ambiental. Além disso, a em-
presa deverá implantar e dar sustentação a uma nova Unida-
de de Conservação, que deve incluir o manguezal não afetado
no Rio Ipojuca, assim com o manguezal e matas de restinga
dos estuários dos rios Merepe e Maracaípe, incluindo toda a
lagoa de Porto de Galinhas.
Essas exigências não substituem as que deverão ser fei-
tas quando do licenciamento de cada empreendimento es-
pecífico, como estaleiro ou outro tipo de indústria, devendo
ser regidas por outra resolução do Consema, já discutida e
aguardando ser aprovada, que define os procedimentos para
cálculo do montante financeiro a ser desembolsado pelas
empresas para atender às compensações ambientais.
Finalmente, para monitorar essas deliberações, o Conse-
ma criou uma Comissão Técnica de Acompanhamento, que
deve ter composição paritária e que, depois de nomeada, de-
verá relatar periodicamente as suas informações e análises,
em reuniões específicas e abertas do Conselho, para discus-
são e deliberação.
Estamos, portanto, em uma fase importante no processo
democrático de discutir Suape, com a participação mais ativa
do Consema, esperando que ele consiga imprimir qualidade
no monitoramento das decisões agora tomadas. Para isso, o
ressurgimento das forças ambientalistas ajuda nesse proces-
so, questionando, acompanhando e contribuindo para seu
avanço e efetividade.
68
O manejo da caatinga
70
Meio ambiente do Nordeste
na visão de Gilberto Freyre
72
O papel das florestas na vazão dos rios
Geralmente, no período chuvoso, as pessoas ficam temero-
sas com inundações provocadas pela grande vazão dos rios. Já
durante a estiagem, a preocupação é com a escassez de água,
que reduz a disponibilidade de captação para abastecimento
doméstico e industrial e para irrigação. Nessas ocasiões costu-
ma-se lembrar a importância das florestas e dos riscos gerados
pelo desmatamento.
Embora a principal responsável pela presença ou ausên-
cia de água nos rios seja a própria chuva, pela sua precipi-
tação ou não, as florestas desempenham importante papel
no regime de vazão, tanto nos pequenos riachos, quanto nos
grandes rios.
Isto se deve a vários fatores, mas, principalmente, a dois:
infiltração e escoamento superficial da água. A formação
arbórea recebe a água das chuvas e facilita a sua infiltra-
ção no solo, que a armazena no lençol freático, para depois
liberá-la lentamente nas nascentes e margens dos cursos
d’água. Sem a floresta, a água cai diretamente no solo e es-
coa pela superfície, em enxurrada, arrastando terra e pro-
vocando enchentes.
Esta é a regra, embora não possa se aplicar inteiramente
em eventos climáticos extremos, como no caso de chuvas in-
tensas por vários dias ou secas prolongadas.
Assim, a relação floresta/infiltração reduz as enxurradas
nos períodos chuvosos e possibilita disponibilidade hídrica
durante as estiagens. Já a relação desmatamento/escoamento
superficial provoca, respectivamente, picos de cheias e fal-
ta de água. Em outras palavras, a floresta é uma reguladora
do regime de vazões, amortecendo os picos para cima e para
baixo, e, em consequência, reduzindo os riscos de inundação
e de escassez de água.
Um estudo hidrológico realizado de junho a outubro de
2010, na bacia hidrográfica do rio Natuba, afluente do rio
Tapacurá, comparou a vazão de três riachos (convertida em
73
vazão específica, correspondente a litros/segundo/km²) sob
o mesmo regime de chuvas, e cujas microbacias de drenagem
apresentam distintos usos de solo.
Durante as chuvas, a vazão do riacho que possui a sua área
de drenagem usada integralmente para agricultura de ci-
clo curto e pasto foi até sete vezes superior à do riacho
cuja microbacia é coberta por floresta nativa. Intermedia-
riamente se comportou a microbacia de uso misto, com ca-
poeiras em regeneração e agricultura.
Por outro lado, quando da suspensão das chuvas, a vazão
do riacho com cobertura florestal manteve-se sempre supe-
rior à do riacho com agricultura, atenuando assim os picos
de baixa vazão.
Isto significa que a floresta e o seu solo funcionaram como
uma esponja, retendo a água durante os picos de precipita-
ção, para liberá-la em seguida, cumprindo um importante
papel de regularização de vazões.
O trabalho de pesquisa, orientado por mim, foi desenvol-
vido por Felipe Alcântara para a conclusão do Mestrado em
Engenharia Civil, na área de Tecnologia Ambiental e Recur-
sos Hídricos da UFPE.
Esta reflexão é particularmente oportuna quando se têm
em pauta as alterações no Código Florestal, sendo importante
garantir as áreas de recarga de aquíferos e de proteção das
margens de cursos de água e nascentes com a presença de for-
mações florestais.
74
Implicações do Novo Código Florestal
para Pernambuco
76
Nascentes de vida
Em decorrência da água que produzem, as nascentes po-
dem ser consideradas símbolo de esperança e de possibili-
dades de vida, sendo a origem dos pequenos e grandes rios
que conhecemos.
Os também chamados olhos-d´água são locais onde a água
surge do solo, passando a contribuir para os pequenos ria-
chos, e esses para os maiores, até formarem o rio principal de
uma bacia hidrográfica. Para que haja uma nascente, é pre-
ciso que, em algum momento e lugar, a água da chuva tenha
se infiltrado no solo, em vez de escorrer livremente sobre ele.
Essa água vai sendo acumulada e transportada por pequenas
ou longas extensões, formando o chamado lençol freático,
até que aflora na superfície.
O solo mantém a água por um tempo e a libera aos poucos,
mesmo depois de passada a chuva. Se ele está protegido por
vegetação, a chance de infiltração aumenta e as nascentes
são melhor alimentadas. Isso significa que, protegido, o solo
funciona como um reservatório de água, liberando-a de ma-
neira contínua e regular, controlando os picos de vazão, seja
para mais ou para menos. Ao mesmo tempo, funciona como
um filtro da água de superfície que penetra no solo, liberan-
do-a com boa qualidade para ser usada. Assim, facilitando a
infiltração, é possível obter água boa por mais tempo e redu-
zir as enchentes.
Por isso, para conservar as nascentes é preciso proteger as
áreas de infiltração da água, que fazem a recarga do lençol
freático, o que significa manter o solo coberto com vegetação
permanente, preferencialmente com mata.
Mas, é lógico, só isso não é suficiente. É preciso também
proteger a própria nascente, onde a água surge em baixios,
formando brejos ou charcos que contribuem para a forma-
ção dos riachos; ou em encostas de morros, situação em que
a água mina e escorre diretamente pela força da gravidade,
para formar um pequeno veio.
77
Nesse sentido, considero sagrados esses pontos de nasci-
mento da água, porque alimentam os cursos hídricos e possi-
bilitam os usos múltiplos da água pelo homem. Por isso, deve-
-se evitar o uso direto da nascente, sendo necessário criar
condições para aproveitar a água que escoa delas, prevenin-
do assim a contaminação com fezes de animais ou humanas,
ou mesmo a poluição por sabões, agrotóxicos ou sedimentos
erodidos do solo.
Sabendo usá-las adequadamente, é possível ter água po-
tável para beber, fazer comida e para os demais usos domés-
ticos. E, em muitos casos, para a criação de animais e para a
agricultura.
Portanto, conservar as nascentes significa a chance de vida
para as nossas bacias hidrográficas e para as pessoas que vi-
vem nelas.
78
Cai, cai, tanajura...
80
Natureza e cultura
Sempre vi tucano em zoológico, comendo elegantemente
frutas. Com a ponta do bico amplo e levemente arqueado, se-
gura o pedaço de mamão e joga-o para o ar, apanhando-o à
descida, com o bico já aberto. Simpático e bonito, este bicho,
apesar de um pouco desengonçado, talvez pelo bico tão gran-
de em relação ao corpo.
Porém, recentemente, observando tucanos livres na copa do
pinheiro araucária em um parque estadual do sul do Brasil, des-
cobri que eles também comem carne, quando vi um deles com
um filhote de passarinho no bico.
Compartilhando com a bióloga do parque a minha estra-
nheza, ela informou que bandos de tucanos costumam es-
pantar os pais de pássaros que alimentam os filhotes em seus
ninhos para atacar os recém-nascidos indefesos. Segundo dis-
se-me, ao assistir esta cena, os tucanos a constrangeram tanto
que passou a gostar menos deles, em seu sentimento de defen-
sora da natureza, dos bichinhos indefesos e dos oprimidos.
Neste sentimento um componente cultural se interpôs ao
natural, que é naturalmente o tucano fazer parte de uma cadeia
alimentar em que, na condição de onívoro, ocupa as posições de
herbívoro e carnívoro, sendo, portanto, consumidor primário
e secundário. Mas o nosso olhar ético, e até estético, gostaria
de não enxergar animal tão simpático e bonito, invadindo lares
alheios, roubando o que mais é valioso aos pais e dilacerando
presas que nem sequer compreendem o que está acontecendo.
Já em relação a nós humanos civilizados, damos um descon-
to, aceitando mais facilmente comer um churrasco de boi, mes-
mo suspeitando que ele tenha sido sangrado vivo para não coa-
gular o sangue em sua carne saborosa, ou que, dias antes de ser
morto, fez jejum forçado, já que as últimas ingestões de capim e
farelo não mais se transformam em carne, para venda.
Mas, voltando ao ambiente que chamamos de natural, me
vem a pergunta: onde está a harmonia da natureza, na qual re-
conhecemos o equilíbrio e a justeza da vida, onde cada espécie
81
tem um lugar nobre e deve ser defendida em seu direito
intrínseco de existência? Com certeza está na relação das
abelhas com as flores, que trocam néctar por polinização,
mas também dentro da colmeia, quando todas as larvas
de pré-rainhas (inicialmente bem alimentadas no favo
com geleia real na potencialidade de vir a ser rainha) são
mortas após a primeira virar adulta, para substituir uma
rainha moribunda ou fundar uma nova colmeia. Está tam-
bém na relação entre o carcará e o mocó na Caatinga, apa-
rentemente negativa para a presa mocó e positiva para o
carcará predador.
Isso porque a simbiose, o comensalismo, o parasitismo e
o predatismo são faces do mesmo equilíbrio, em que a evo-
lução de uma espécie não se dá sozinha, mas na relação com
as outras. Em que os fluxos materiais e energéticos acon-
tecem por múltiplos caminhos, mesmo que um indivíduo
coma o outro, garantindo assim, o equilíbrio das popula-
ções e o ciclo biogeoquímico.
A natureza em si é desprovida de ética - porque esta é
cultural, humana -, mas se aperfeiçoa na evolução darwi-
niana, tendendo a formar sistemas naturais mais comple-
xos e estáveis, à medida que coevoluem.
Quanto a nós humanos, a questão se diferencia. Nós
quebramos o paradigma da evolução darwiniana, na qual
a domesticação das plantas e animais, o desenvolvimento
da medicina e o caráter preditivo dos eventos extremos nos
dão a oportunidade de não mais seguirmos os caminhos da
seleção natural.
Isto em consequência da cultura, entendida como
apropriação dos elementos naturais pelo poder da aná-
lise e da tecnologia, que nos situa como manipuladores
da natureza como um todo. O que nos coloca em outra
condição, reconhecidamente antropocêntrica, que nos
conduz a exigências éticas (individuais) e nos impõe re-
gras morais (pela sociedade). Sem falar nas implicações
estéticas e sentimentais.
82
Temos, portanto, a responsabilidade ética, moral, estética e
sentimental de respeitar os processos naturais como garanti-
dores da evolução dos outros seres vivos, e, ao mesmo tempo,
respeitar e valorizar a diversidade cultural, de pensamento e de
criação, desde que esta não implique em perdas dos valores an-
teriores.
83
Não pise nas formigas
85
Esclerose das artérias urbanas
87
Água de comer
89
Gestão ambiental de Aldeia
91
mudança do perfil da área. Já os de baixa renda buscam Al-
deia como chance de emprego e de ocupação de pequenos
terrenos para moradia, escassos onde moravam, não enxer-
gando as matas com interesse, a não ser como oportunidade
de lenha e madeira.
E os ambientalistas, o que esperam de Aldeia? Conside-
ram-na o seu ponto de fuga, a possibilidade de viver os pró-
prios conceitos. Ainda encontram belos espaços de floresta
e água, esconderijos do silêncio e oportunidades de se man-
ter em uma economia paralela à de consumo, a da arte, da
formação pessoal e do exercício espiritual. Mas, aos poucos,
se sentem encurralados pelos sons eletrônicos das multipli-
cadas casas de festejos, pelos novos parcelamentos do solo e
eventuais assaltos.
Ainda bem que Aldeia não é o lugar ideal para a crimina-
lidade, personificada naqueles a quem chamei na ocasião de
almas sebosas. Embora existam algumas oportunidades, ainda
é mais fácil atuar em áreas urbanas, usando essa região mais
como rota de fuga.
Nas múltiplas visões, sente-se claramente uma diferença
entre a dos governos e a da sociedade. Em princípio, isso não
deveria acontecer, uma vez que, em uma democracia, os gover-
nos foram feitos para o povo e pelo povo, portanto com inte-
resses coincidentes. Porém é possível entender a discrepância
de olhares em relação à gestão ambiental do território.
O cidadão enxerga primeiramente os problemas ambien-
tais locais, à sua porta ou no seu entorno. Só quando busca
solucionar esses conflitos e se associa a vizinhos, descobre
que a questão é mais ampla e reconhece que a problemática
é, no mínimo, regional, o que lhe exige se associar em gru-
pos organizados e buscar influenciar as políticas públicas.
Ou seja, o olhar pela sociedade é do micro para o macro, na
perspectiva de se atingir uma gestão ambiental que atenda à
coletividade.
Já os governos enxergam as mesmas questões a partir do
macro, reconhecendo que é preciso compreender as grandes
92
questões para então formular políticas públicas, que depois
permitam a definição de diretrizes governamentais e a ela-
boração de programas (incluindo orçamento), que possam
viabilizar projetos locais. Esses, sim, de interesse final do ci-
dadão. Mas é certo que, muitas vezes, esse laborioso e longo
processo se perde no meio do caminho e o discurso das au-
toridades se dissolve nas entranhas da máquina pública ou
desaparece quando acabam os seus mandatos.
Portanto, o grande desafio da gestão do interesse público,
e nele se inclui a gestão ambiental, é de os governos enxerga-
rem no seu fazer a necessidade local e os grupos sociais or-
ganizados enxergarem a política pública como essencial para
gerar mudanças locais permanentes e sustentáveis.
Nesse contexto, se apresenta a Área de Proteção Ambien-
tal (APA) de Aldeia, recém-criada pelo Governo do Estado por
demanda do Fórum Socioambiental de Aldeia, como excelen-
te oportunidade da gestão ambiental compartilhada. Mas
esse assunto fica para outra crônica.
93
A diversidade é base da estabilidade
Se toda unanimidade é burra, como na expressão plas-
mada por Nelson Rodrigues, é de se supor que a diversidade
é inteligente.
Podemos concordar, então, que toda tentativa de unani-
midade é perigosa, porque dispensa o contraditório, ou a se-
gunda via. Sabemos disso no campo político, quando as di-
taduras levaram a brutalidades descomunais, pelas mãos de
sanguinários como Mobutu, Hitler, Pinochet e Suharto, para
só ficar no século 20. Sabemos disso também no plano econô-
mico, quando os oligopólios controlam os mercados e depois
ditam os preços. Entendemos ainda no campo social, quando
a manipulação do povo vem pela concentração da informa-
ção nas mãos de poucos.
Em corolário, podemos dizer que a diversidade aumenta
as chances do acerto e reduz os riscos de fracasso. Basta ver a
criatividade multicultural no exercício das artes em Pernam-
buco. Ou os caminhos alternativos criados pela informalida-
de nas relações econômico-sociais, para enfrentar as ainda
reduzidas oportunidades no campo formal.
É assim na sociedade humana e é assim na natureza. Até
porque este homem social-econômico-cultural, também é
natureza. Com a espécie humana ou sem ela, os processos na-
turais em ambientes com ampla biodiversidade possibilitam
a multiplicidade de expressões de vida, nas formas de inte-
ração com o solo, o ar e a água, ou nas relações das espécies
entre si, seja em competição ou em cooperação. Ao olharmos
atentamente para esta natureza, veremos que é tanto mais
estável quanto mais diversificada.
Os ciclos biogeoquímicos dos gases, da água e dos sais mine-
rais evidenciam a necessidade desses múltiplos caminhos para
não se inviabilizarem. Mais ainda, as cadeias alimentares line-
ares não se sustentam facilmente na natureza. Por isso, uma
mesma espécie compartilha diferentes cadeias, formando as
teias alimentares, que permitem que a falta de um alimento
possa ser compensada por outro. Isso traz estabilidade.
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No entanto, esta estabilidade na diversidade não significa
imobilismo ou equilíbrio estático. Pelo contrário, reflete uma
dialética permanente, já explicada por Darwin há 150 anos e
corroborada com maiores requintes teóricos e experimentais
pelos ecólogos de hoje. Nesta visão, diversidade implica com-
plexidade e esta, sustentabilidade. Ou seja, sistemas comple-
xos são mais estáveis, por serem menos lineares, baseando-se
em redes de relações. Na linearidade, quando algo não fun-
ciona interrompe-se o fluxo, e as coisas não mais acontecem.
Em rede, quando o fluxo é dificultado em uma linha, surgem
caminhos alternativos.
Mais ainda, nos ecossistemas complexos existem sistemas
menores aninhados em outros maiores, como se fossem re-
des dentro de redes, aumentando a capacidade de resistir a
eventuais adversidades. É o que chamamos de resiliência. Em
florestas tropicais úmidas, por exemplo, um mesmo ecossis-
tema comporta múltiplos habitats, cada um com sua flora e
fauna próprias e suas teias alimentares.
Como diz Fritjof Capra, quanto mais complexos forem os pa-
drões de interconexão da rede, mais rapidamente os sistemas
poderão se recuperar. Ele acrescenta que nas comunidades hu-
manas a diversidade étnica e cultural pode exercer o mesmo
papel que a biodiversidade exerce num ecossistema.
É fácil compreender esta lógica mesmo em ambientes alte-
rados pelo homem, como quando comparamos a monocultura
agrícola com o policultivo ou o cultivo agroflorestal. No pri-
meiro, uma só espécie é valorizada e tudo converge para que
ela cresça e produza. Porém, a eventual deficiência de um ele-
mento nutricional no solo ou a ocorrência de uma praga ani-
quila com o esperado sucesso do plantio.
Por outro lado, no cultivo diversificado, outras espécies po-
dem incorporar ao solo o nutriente necessário, enquanto sa-
pos e pássaros combatem a praga de insetos que por ventura
queira se instalar. Ou seja, a diversidade é base da estabilidade.
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Capibaribe navegável
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as implicações ambientais na deposição e transporte do ma-
terial dragado, seja no mar ou em aterro. Além disso, é in-
dispensável projetar as estações de atracação de maneira a
retirar o mínimo da vegetação de mangue, que em si compõe
a própria paisagem estuarina.
Ah, não vejo como os passageiros com música ambiente e
fechados em ar condicionado vão monitorar a qualidade da
água do rio. Por isso, sugiro se buscar o resgate dos pequenos
barcos a remo, não motorizados, estimulando o lazer de es-
porte náutico e pequenos deslocamentos. Esses navegantes,
sim, poderão cheirar e tocar as águas do rio, utilizando seus
sensores biológicos para o monitoramento da saúde do nosso
Capibaribe. Com certeza, a marola criada pelos barcos maio-
res não os inviabilizarão desde que regras claras de trânsito
nas águas sejam respeitadas.
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Água em leito seco do Capibaribe
100
dras aparecem e funcionam como impedimento à passagem
da água rio abaixo, ficando acumulada nos poros do solo are-
noso.
A escavação e a retirada da areia na mineração descobrem
a água, deixando-a exposta à evaporação, que na região é
de aproximadamente 2.500 mm/ano. Ou seja, um espelho de
água com 1m2 perde 2.500 litros de água para a atmosfera em
um ano. E se isso ocorrer em 1 km de rio com seus 80 m de
largura? Significam 200 milhões l/ano, o que corresponde ao
consumo doméstico anual de uma população rural de 8 mil
moradores.
Mas não é só isso. O espelho d´água, exposto ao sol, favo-
rece a reprodução de microalgas, algumas tóxicas, que, ao
morrerem por falta de oxigênio durante a noite, terminam
por estragar a água e inviabilizá-la para consumo. Por isso é
que a sabedoria popular diz que água parada por muito tem-
po não é boa.
Sem água, sem rio, sem pássaros, sem o verde sobre a areia.
Destruída a grande cisterna natural, a razão de permanência
no campo se esvai. E a cidade espera novos migrantes para
consumir mais água, de onde?
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Sugestão de Atividade
Atividade: Nossas Crônicas Ambientais
Esta é uma proposta de atividade para introduzir o uso de
crônicas no processo formativo e a criar oportunidades de
relacionar temáticas ambientais à vida cotidiana.
Por ocasião do planejamento, os professores podem esta-
belecer parcerias e desenvolver um trabalho integrado e in-
terdisciplinar, envolvendo diferentes disciplinas, com intuito
de potencializar a ação educativa. Uma ação bem planejada e
coordenada por várias disciplinas resulta em melhor apren-
dizado para o aluno, experiência para o professor e ressoa
positivamente na organização da própria escola. Chama-se
sinergia o efeito resultante da ação de vários agentes que
atuam de forma coordenada para um objetivo comum. E é a
sinergia da interdisciplinaridade que se espera obter com o
desenvolvimento de ações de educação ambiental na escola.
Vale sublinhar que a experiência do professor e o conhe-
cimento que ele tem de seus alunos, deverão orientar a adap-
tação da atividade sugerida para as condições reais de cada
escola, nível e modalidade de ensino, disciplina e objetivos de
aprendizagem. Podem ser realizadas boas experiências com o
uso de crônicas ambientais no ensino fundamental, no ensino
médio, na educação de jovens, adultos e idosos, na educação
superior e na formação continuada. E por que não pensar tam-
bém em outros espaços-tempos educativos?
Em contextos não formais de educação, é perfeitamente
possível sua adaptação para atender ao público em seu espa-
ço-tempo de aprendizagem. Este pode ser o caso da educação
popular que acontece em uma associação de moradores ou
na formação de lideranças por uma comunidade ribeirinha.
O uso da palavra e do cotidiano é a matéria prima para inter-
pretar o mundo e buscar sua transformação.
Então, que tal propor uma atividade que envolva leitura,
interpretação e escrita de textos, produções artísticas, tais
como desenhos e pinturas, e a socialização do conhecimento
por meio da produção coletiva de um livro?
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Uma atividade assim pode: despertar o interesse do alu-
no por questões ambientais do cotidiano; interpretar am-
biente através de uma leitura interdisciplinar da realidade;
produzir conhecimentos ecológicos e relacionais por meio
de crônicas; aprimorar o hábito da leitura e da escrita; e
produzir uma obra coletiva.
Alguns materiais que podem ser necessários: revistas,
jornais ou livros com crônicas com temáticas ambientais,
papel, caneta, papelão, tesoura, guache, pincel, linha grossa
e agulha grande.
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Para o momento seguinte, encomende a produção de uma
crônica com tema ambiental, usando os textos estudados
como referência. Peça que cada grupo escolha um tema am-
biental relacionado com seu cotidiano e construa um texto
coletivo. É adequado que cada crônica seja ilustrada com uma
fotografia ou um desenho escolhido pelo grupo.
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são um ótimo instrumento a ser usado para estimular a lei-
tura de textos e a escrita, assim como a interpretação da re-
alidade socioambiental.
Avaliação
A avaliação deve ser qualitativa e visar o aperfeiçoa-
mento da ação educativa por meio da compreensão de seus
processos e resultados. É essencial que seja participativa e
incentive os participantes a compartilharem suas opiniões
e juízos. Alguns critérios podem ajudar a avaliar a ativida-
de, tais como: as relações entre professores, estudantes e
comunidade escolar; as atitudes e valores desenvolvidos no
processo; as estratégias educacionais empregadas. Destaca-
-se que avaliar uma ação de educação ambiental requer su-
perar visões quantitativas da aprendizagem, mas propor
formas criativas e dialógicas de melhorar nossas relações
sociais com as pessoas e os ambientes.
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