Quem tem medo de arte
contemporânea?
Fernando Cocchiarale
O que é entender uma obra de arte?
- A “mediação pela palavra”; “a explicação assassina a fruição estética,
já que ao reduzir a obra a uma explicação mata sua riqueza
polissêmica e ambígua, direcionando-a para um sentido unívoco”. p.
14;
- Arte moderna: especializada na exploração e pesquisa da linguagem
visual, buscava evitar elementos literários ou narrativos; formalista;
- Arte contemporânea: expandiu-se para outras linguagens e para a
vida, extrapolando a visualidade; conteudista; multidisciplinaridade;
O problema da identidade
Modernidade:
- Indivíduo: indivisível, único, coerente; dotado de estilo e
personalidade; Renascimento => a mente do artista “autor” X artesão
(coletivo);
- Sujeito (Kant: conhecedor; Descartes: natureza pensante do humano);
Contemporaneidade:
- Crise das noções de: sujeito; identidade; unidade; raiz; homem => o
humano fragmentário, plural, cambiante;
- O mundo em rede: dinamismo e múltiplas interconexões dos sujeitos;
Autoria, produção, criação e trabalho
- Artesanato: autoria coletiva; produção individual; trabalho manual;
- Indústria e construção civil; produção coletiva (montagem); criação
individual;
- Arte renascentista (representação) e moderna (invenção e
racionalização): autoria individual; fazer individual; trabalho mental;
- Arte contemporânea: criação individual; produção individual ou
coletiva; exemplo: vídeo (edição); unidade da obra como resultado,
não como princípio;
- Montagem: modernidade X Edição: contemporaneidade;
Arte e vida
p. 39: Do Renascimento à modernidade industrial => separação entre
massa e volume:
- Torre de Pisa: massa e volume integrados: todos os espaços do objeto
são preenchidos; processo de construção;
- Torre Eiffel: volume sem massa: estrutura em espaço vazado;
processo de montagem => transformação da escultura
- Contemporaneidade: mundo em rede => arte em rede: desestetização
da arte, cada vez mais próxima da vida, da experiência, dos sentidos;
O mundo em rede
p. 39: “O mundo contemporâneo permite pela primeira vez que o
ocidente possa pensar a complexidade da superfície (rede), em lugar
da superação da opacidade do mundo real pelo aprofundamento do
conhecimento de suas causas profundas (raiz)”.
[O mundo em rede:
- Fragmentação; flexibilidade; instabilidade; performances;
segmentação;
- Conectividade; interatividade; instantaneidade;
- Dispersão; imediatismo; superficialidade; manipulação;
despersonalização?]
Do Renascimento à contemporaneidade
- Arte pré-Renascentista: função ritual, religiosa, mítica, devocional;
expressão coletiva;
- Arte Renascentista: contemplação estética; expressão individual;
- Arte moderna: arte como linguagem; forma; experimentação;
- Arte contemporânea (1960 em diante): reação contra a arte abstrata,
apenas formal e desprovida de conteúdo, como uma “linguagem
estruturada num sistema de signos” (p. 61);
- novo ethos da arte; “uma empreitada de ordem teleológica é
praticamente impossível”; teoria e prática interlaçados: o artista é
também um teórico da arte;
A iconologia (Erwin Panofsky)
- Arte moderna: atenção do mundo das formas, não das imagens;
busca da racionalidade e da funcionalidade, desprovidas de
elementos simbólicos;
- Alternativa teórica para o estudo da arte contemporânea, que voltou
a ser imagem: iconologia como busca de superação do formalismo da
crítica;
- Iconologia: estudo do significado da imagem (o que se vê), de seu
conceito (o que quer dizer); “aprofundar a significação convencional
das imagens para a apreensão de traços profundos de uma época,
condensados nas obras” p. 55);
A gênese da arte contemporânea
“O modernismo do pós-guerra tornou-se uma espécie de fórum da alta
especulação a respeito da produção formal, por exemplo, a gente sabe
que, no momento em que a arte volta à figuração, com a Pop, entre a
velha academia figurativa pré-moderna e as imagens técnicas da
fotografia, da publicidade e do cinema, os primeiros artistas
contemporâneos não tiveram dúvidas. Apropriaram-se das conquistas
icônicas das tecnologias da imagem que a cultura moderna havia
desprezado.” p. 60
O mundo contemporâneo e a arte contemporânea
“O que está em questão agora não é simplesmente o fim da unidade - o
mundo contemporâneo não propõe o fim da unidade - mas uma outra
noção na qual a unidade resultaria não de um núcleo interior profundo,
mas da montagem, colagem ou edição de partes e fragmentos, análoga à
unidade montada de um produto industrial, de um filme ou de uma ponte
de ferro, ou à edição de um vídeo ou de um texto”. p. 64;
“a contaminação em rede (Drácula), a divisão da alma (O médico e o
monstro) e o homem editado (Frankenstein) são possibilidades
absolutamente cotidianas e até desejáveis, para nós contemporâneos, mas,
no entanto, no século XIX, só podiam encaradas sob a rubricado horror”. p.
66
A arte contemporânea
- Diferentes funções da arte, que fazem o público estabelecer com ela
diferentes tipos de relação;
- Não ao sujeito epistemológico (cognitivo) kantiano, mas híbrido de
contradições; positivação das contradições;
- A arte confunde-se com a vida, em todos os campos da cultura e da ação;
- Constelação ao invés de estrutura;
- Construção de sentido via intepretações múltiplas (hermenêutica);
- Ausência de campo especializado: materiais, linguagens, linguagens,
conhecimentos => ecletismo, diversidade, contaminação ; ausência de
objetivo ou utopia, de ismos;
Tendências da arte
contemporânea
Expressionismo abstrato
- Ou Escola de Nova York, Estados Unidos, pós-II Guerra;
- Exílio de artistas e intelectuais europeus nos EUA desde a década de
1930;
- Influência do expressionismo europeu, do cubismo, futurismo e
Bauhaus;
- Produto da formação de um mercado de arte e de um sistema de
museus de arte contemporânea em N.Y.
- Action Painting: Jackson Pollok, Franz Kline, Willem deKooning;
- Colour Field: Mark Rothko, Adolph Gottlieb;
Jackson Pollock, Convergence, 1952
Willem
deKooning,
Excavation,
1950
Franz Kline,
Painting number
2, 1954
Adolph Gottlieb, Burst, 1973
Mark Rothko, No. 3/No. 13
(Magenta, Black, Green on
Orange), 1949
Arte cinética
- Obras de arte distribuídas entre diferentes gerações;
- Estruturação da obra com base no movimento ou na criação de
efeitos óticos que o simulam;
- Móbiles, máquinas, motores, arte gráfica, ready-mades;
Alexander Calder,
Antena com
pontos vermelhos
e azuis, 1953
Marcel
Duchamps,
Hemisfério
rotativo, 1925,
Pratos de vidro
giratórios,
(Ótica de
precisão), 1920
Jean Tinguely, Homenagem a Nova York, 1960
Arte pop
- Arte popular em diálogo com os signos e o imaginário, relacionados a
objetos e personagens do cotidiano da sociedade de consumo;
- Contra o elitismo da arte moderna, defende a integração da arte na
vida;
- This is tomorrow (1956), Londres: exposição de arte colaborativa
criada por arquitetos, músicos, artistas visuais, designers gráficos;
elogio do componente lúdico da arte;
Richard
Hamilton, O
que faz as
casas de hoje
tão
diferentes e
atraentes?,
1956
Pop art nos EUA – Roy Lichtenstein,
Masterpiece, 1962, The Melody
haunts my reverie, 1965
Pop arte nos EUA: Andy Warhol, Latas de sopa Campbell, 1962
Pop art
nos
EUA –
Tom
Wessel
mann,
Still life
n. 35,
1963
Earth-work, Land-art
- Natureza como cenário e material para a criação artística;
- Intervenções do artista no cenário físico;
- Convite à inserção do observador-sujeito no interior da obra de arte,
para a criação de uma experiência vital;
- Ênfase na percepção;
- Busca de uma consciência geológica voltada para longos períodos de
tempo, para os monumentos pré-históricos e a arqueologia;
- Questionamento do espaço asséptico de museus e galerias;
Michael
Heizer, Duplo
negativo,
1970, Moapa
Valley, Nevada
(EUA)
Michael Heizer, Duplo
negativo, 1970,
Moapa Valley, Nevada
(EUA)
Robert Smithson, Spiral Jetty, 1970, Salt Lake City, Utah, EUA
Robert
Smithson,
Broken
Circle and
Spiral
Hill,1971,
Emmen,
Holanda
Arte conceitual
- A partir do final dos anos 1960 até o final dos anos 1970;
- Arte corporal, arte performática, arte narrativa;
- Ênfase nas ideias, inscritas em mais de um objeto e transmitidas por
fotografia, vídeo, mapas, filme, documentos;
- Participação ativa do observador;
- Inspiração: Marcel Duchamp e seu questionamento da ideia de arte;
- Arte fora dos veículos convencionais: “a arte pode ser feita de
qualquer coisa”;
Robert Rauschenberg,
Desenho apagado de
deKonning, 1953
Happening
do grupo
Fluxus,
década de
1960
Marina Abramovic Rhythm 0 (1974)
“Marina transformou seu corpo em um objeto passivo,
sem qualquer impulso reativo. Colocou sobre uma mesa de
72 objetos de prazer e de dor e escreveu em uma placa:
‘Há 72 objetos sobre a mesa, que você pode usar como
quiser’. Inicialmente, os membros da plateia reagiram com
cautela e modéstia, mas com o passar do tempo as
pessoas começaram a agir de forma mais agressiva. Eles
cortaram suas roupas, eles tocaram seus lugares mais
íntimos e uma pessoa chegou à colocar uma bala na arma
e como numa roleta russa, apontar a arma para a cabeça
dela e forçar sua mão a puxar o gatilho e ela não resistiu.
O galerista foi quem interviu retirando a arma.
Durante 6 horas, ela esteve passiva às ações. Esta
performance mostrou os limites da relação entre artista e
público e a necessidade iminente de brutalização da
humanidade.”
Marina
Abramovic,
A artista
está
presente,
2010