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8345 Livro História Metodologia Do Ensino PDF

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HISTÓRIA:

METODOLOGIA DO ENSINO
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

REITOR: Prof. Dr. Mauro Luciano Baesso

VICE-REITOR: Prof. Dr. Julio César Damasceno

DIRETORA DA EDUEM: Profa. Dra. Terezinha Oliveira


EDUEM - EDITORA DA
UNIV. ESTADUAL DE MARINGÁ EDITORA-CHEFE DA EDUEM: Profa. Dra. Gisella Maria Zanin

Av. Colombo, 5790 - Bloco 40


CONSELHO EDITORIAL
Campus Universitário

87020-900 - Maringá - Paraná

Fone: (0xx44) 3011-4103 PRESIDENTE: Profa. Dra. Terezinha Oliveira


http://www.eduem.uem.br
EDITORES CIENTÍFICOS: Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues
[email protected]
Profa. Dra. Angela Mara de Barros Lara

Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer

Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva

Profa. Dra. Cecília Edna Mareze da Costa

Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik

Profa. Dra. Elaine Rodrigues

Profa. Dra. Larissa Michelle Lara

Prof. Dr. Luiz Roberto Evangelista

Profa. Dra. Luzia Marta Bellini

Prof. Me. Marcelo Soncini Rodrigues

Prof. Dr. Márcio Roberto do Prado

Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo

Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado

Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima

Prof. Dr. Raymundo de Lima

Profa. Dra. Regina Lúcia Mesti

Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias

Prof. Dr. Sezinando Luiz Menezes

Profa. Dra. Valéria Soares de Assis

EQUIPE TÉCNICA

FLUXO EDITORIAL Edneire Franciscon Jacob

Marinalva Spolon Almeida

Mônica Tanamati Hundzinski

Vania Cristina Scomparin

PROJETO GRÁFICO E DESIGN Luciano Wilian da Silva

Marcos Kazuyoshi Sassaka

Marcos Roberto Andreussi

COPYRIGHT © 2016 EDUEM MARKETING Gerson Ribeiro de Andrade

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial,


por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a
COMERCIALIZAÇÃO Paulo Bento da Silva
autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta

edição 2016 para a editora.


Solange Marly Oshima
FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD

Hudson Siqueira Amaro


Isabel Cristina Rodrigues
(ORGANIZADORES)

História:
Metodologia do ensino
2. ed. rev. e ampl.

29
Eduem
Maringá
2012
Coleção Formação de Professores - EAD

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos
Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio
Eliane Arruda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

História: metodologia do ensino / Hudson Siqueira Amaro, Isabel Cristina Rodrigues,


H673 organizadores. – 2. ed. rev. e ampl. Maringá: Eduem, 2012.
142p. : il. fot. 21cm. (Coleção formação de professores – EAD; n.29)

ISBN 978-85-7628-463-5

1. História – Estudo e ensino. 2. História – Métodos de ensino. 3. História-


Metodologia do ensino. I. Amaro, Hudson Siqueira. II. Rodrigues, Isabel Cristina.

CDD 21.ed. 907

Copyright © 2012 para o autor


2a reimpressão 2016 - revisada
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2012 para Eduem.

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


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87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3011-4103
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S umário

Sobre os autores > 7


Apresentação da coleção > 9
Apresentação do livro > 11
CAPÍTULO 1
Introdução: linguagens, fontes e > 13
documentos no ensino de história
Hudson Siqueira Amaro

CAPÍTULO 2
Pensar a História, repensar seu ensino: por que > 19
ensinar o passado à infância brasileira?
Maria Aparecida Leopoldino Tursi Toledo

CAPÍTULO 3
A linguagem televisiva na escola
Geni Rosa Duarte
> 41

CAPÍTULO 4
Jornais e revistas no aprendizado da História
Luis Fernando Cerri
> 51

CAPÍTULO 5
O espaço urbano enquanto > 61
espaço de reflexão histórica
Rosana Steinke

5
HISTÓRIA: CAPÍTULO 6
METODOLOGIA DO
Habitação social:
> 81
ENSINO
um tema para debater em sala de aula
Rosana Steinke / Giuliano Maranho-Jacintho

CAPÍTULO 7
Literatura no ensino de História > 91
Edna Aparecida Ferreira Benedicto / Hudson Siqueira Amaro

CAPÍTULO 8
Jornal na sala de aula > 101
André Freires Alfredo / Hudson Siqueira Amaro

CAPÍTULO 9
O ensino de História através de pinturas > 111
Claudinéa Justino Franchetti / Hudson Siqueira Amaro

CAPÍTULO 10
Fontes orais e História local > 121
Elisangela Volpato / Hudson Siqueira Amaro

CAPÍTULO 11
Ensino de História e cultura material >129
Isabel Cristina Rodrigues / Lúcio Tadeu Mota / Ana Paula Simão

6
S obre os autores

ANA PAULA SIMÃO


Tutora no Curso de EAD História-UEM. Graduada em História (UEM). Mestre em

História (UEM).

ANDRÉ FREIRES ALFREDO


Graduado em História (UEM).

CLAUDINÉIA JUSTINO FRANCHETTI


Graduada em História (UEM).

EDNA APARECIDA FERREIRA BENEDICTO


Graduada em História (UEM).

ELISANGELA VOLPATO
Graduada em História (UEM).

GENI ROSA DUARTE


Professora do Departamento de História da Universidade Estadual do Oeste do

Paraná (Unioeste). Mestre em História (PUC-SP). Doutora em História (PUC-SP).

GIULIANO MARANHO-JACINTHO
Graduado em História (UEM).

HUDSON SIQUEIRA AMARO


Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá

(UEM). Graduado em História (UEM). Mestre em História Social (USP).

7
HISTÓRIA: ISABEL CRISTINA RODRIGUES
METODOLOGIA DO
ENSINO Professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá

(UEM). Graduada em História (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em

Ciências Sociais (PUC/SP).

LÚCIO TADEU MOTA


Professor do Departamento de História da UEM. Mestre em Ciências Sociais

(PUC/SP). Doutor em História (Unesp).

LUIS FERNANDO CERRI


Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta

Grossa (UEPG). Graduado em História (Unicamp). Mestre em História (Unicamp).

Doutor em História (Unicamp).

MARIA APARECIDA LEOPOLDINO TURSI TOLEDO


Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação (UEM). Mestre em

Educação (UEM). Doutora em Educação (PUC/SP).

ROSANA STEINKE
Graduada em História (UEM). Mestre em Teoria e História da Arquitetura e do

Urbanismo (USP).

8
A presentação da Coleção

A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em


2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED)
do Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como
material didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de
Formação de Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de
2500 exemplares.
A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da se-
gunda edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos tra-
balhos deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento
para esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabe-
lecido pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiço-
amento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa
denominado Universidade Aberta do Brasil (UAB).
A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros
da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados
no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Univer-
sidade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB.
Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado
para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados.
O que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da lei-
tura, da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais
para a formação do Pedagogo na atualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade
Estadual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras
nesse processo.

9
HISTÓRIA: Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais ins-
METODOLOGIA DO
ENSINO tituições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros
desta coleção.
Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação
direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba-
lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante
específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financia-
mento desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites bu-
rocráticos e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvol-
vimento da Educação (FNDE).
Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-
partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância,
pudesse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e
uma modificação significativa da sistemática das atividades docentes.
No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela
Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação
a Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior
(IES) conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios
para a liberação dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos compe-
tentes para aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito
pequeno de pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e
a Coordenação Geral de Articulação.
Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD
possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia,
bem como de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas
de ensino superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o
Sistema UAB.

Maria Luisa Furlan Costa


Organizadora da Coleção

10
A presentação do livro

Ensinar História para crianças e adolescentes no atual contexto em que vivemos


é um desafio, tendo em vista que a escola tem que disputar a atenção com outros
mecanismos que, apesar de não substituírem em hipótese alguma as condições de
ensino-aprendizagem que ocorrem na sala de aula, contribuem nesse processo. Des-
se modo, o livro que ora apresentamos destina-se a colaborar para a formação da
consciência histórica de crianças e adolescentes, por meio da apresentação, pro-
blematização e sugestões de encaminhamentos metodológicos relativos ao uso de
fontes, linguagens ou recursos didáticos como televisão, imagens, cultura material,
jornais, revistas e mídias diversas.
Este volume traz textos que oferecem uma reflexão a respeito do ato de ensinar
história. A discussão começa a partir da constatação de que a história é complexa,
mas é possível conhecer algumas de suas partes. A intenção é que, se conhecendo
melhor as partes, conheça-se melhor o todo.
No primeiro capítulo, intitulado Linguagens, fontes e documentos no ensino de
História, o professor Hudson Siqueira Amaro, discorre sobre a contribuição que lin-
guagens alternativas podem oferecer ao processo de ensino-aprendizagem de Histó-
ria, bem como o uso que se pode fazer de documentos e fontes variadas.
O segundo capítulo, da professora Maria Aparecida Toledo, intitulado Pensar a
História, repensar seu ensino: por que ensinar o passado à infância brasileira,
contextualiza a História enquanto disciplina escolar e os seus objetivos no decorrer
dos diferentes contextos históricos.
A professora Geni Rosa Duarte, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
– Unioeste, no capítulo 3, denominado A linguagem televisiva na escola escreve
sobre o papel que a televisão exerce na sociedade e sobre o público escolar e aponta
atividades que os profissionais do ensino podem desenvolver utilizando esse meio
de comunicação.
O professor Luis Fernando Cerri, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no
quarto capítulo, Jornais e revistas no aprendizado da História, conduz uma refle-

11
HISTÓRIA: xão a respeito do potencial que os meios de comunicação impressa detêm, princi-
METODOLOGIA DO
ENSINO palmente sobre a propaganda.
A professora Rosana Steinke, no capítulo 5, sob o título O espaço urbano en-
quanto espaço de reflexão histórica, nos indica outra forma de olhar a cidade, valo-
rizando a historicidade, observando cada detalhe dessa complexa rede de ligações
que os homens criam para si, consubstanciada na distribuição do espaço urbano.
Em parceria com o professor Giuliano Jacynto, a professora Rosana Steinke, no
capítulo 6, denominado Habitação social: um tema para debater em sala de aula,
analisa a questão da moradia na sociedade.
O professor André Freires Alfredo, juntamente com Hudson Siqueira Amaro, no
capítulo 7 com o título Jornal na sala de aula sala de aula, discorre sobre o uso
do jornal no processo de ensino-aprendizagem de História.
A respeito da relação possível entre literatura e ensino de história, Edna Apare-
cida Benedicto e Hudson Siqueira Amaro, no oitavo capítulo, Literatura no ensino
de História considerações procurando contemplar a contribuição que o uso da lite-
ratura pode oferecer ao ensino de história.
O nono capítulo de autoria de Claudinéa Justino Franchetti e Hudson Siqueira
Amaro, com o título de O ensino de História através de pinturas nos convida a
olhar as obras pictóricas com vista a explorar seu potencial para o trabalho de en-
sinar história.
Elisangela Volpato, no capítulo 10 intitulado Fontes orais e História local, em
parceria com Hudson Siqueira Amaro, desenvolve reflexão sobre como pode ser
desenvolvido um trabalho envolvendo a história oral na construção da história local,
com o objetivo de se conhecer melhor a sociedade em que o homem vive.
No capítulo 11, Ensino de História e cultura m aterial, os autores , Isabel Cristi-
na Rodrigues, Lúcio Tadeu Mota e Ana Paula Simão propõem uma reflexão referente
ao conceito de cultura material e apontam como a cultura material de populações
indígenas pode ser utilizada na sala de aula.

Hudson Siqueira Amaro


Isabel Cristina Rodrigues
Organizadores

12
1 Introdução: linguagens,
fontes e documentos no
ensino de História
Hudson Siqueira Amaro

O trabalho de ensinar história requer que o professor pense historicamente as


questões propostas aos alunos porque, sem esse ‘jeito de pensar’, a tarefa de estudar
tal disciplina não terá grande sentido para eles. Além disso, é preciso que efetivamente
leve-os a apreender os conteúdos trabalhados, o que implica a necessidade de dispor
de um arsenal de recursos para incrementar suas aulas e variar um pouco da metodo-
logia de ‘saliva e giz’.

DOMÍNIO DE CONHECIMENTO
O domínio de conhecimentos e a formação profissional compõem a bagagem cul-
tural pessoal do professor e é o primeiro recurso de que dispõe e provavelmente o
único sobre o qual pode ter algum controle.
Antes de qualquer coisa, é necessário tocarmos em uma questão a fim de não ali-
mentarmos algumas ilusões que se arraigaram no meio professoral a respeito de tecno-
logia educacional. A existência de um aparato logístico, sem dúvida nenhuma, permite
que as aulas se tornem momentos de extrema interação entre alunos e o conhecimen-
to que o professor propõe para reflexão. Há três décadas atrás, os professores acredi-
tavam que a falta de mimeógrafos nas escolas impedia que dessem boas aulas. Hoje,
reclamam da falta de aparelhos do tipo data show, e de Internet com banda larga. Nes-
se meio tempo, passamos pela percepção de que o televisor, o videocassete ou DVD,
o computador, o xérox e a impressora faziam falta para que fossem dadas boas aulas.
Entretanto, nada disso ensina por si só. Até pode levar aos alunos um determinado
quantum de informações, e até mesmo de conhecimentos. Mas dificilmente passará
disso. Pode até substituir professores, um determinado tipo de professor, mas não fará
o papel de um professor de carne e osso, aquele que está ali na frente e permite que
as dúvidas sejam trabalhadas até o seu esclarecimento no momento em que surgem,
que sabe para que tipo de público se dirige e adequa sua ação considerando as suas
necessidades e potencialidades.

13
HISTÓRIA: Nesse sentido, afirmamos que do professor é requerido que tenha conhecimentos
METODOLOGIA DO
ENSINO do conteúdo estudado. Se o professor não tiver uma sistematização sobre ele, não ha-
verá parafernália eletrônica capaz de dar sentido ao assunto exposto, pois até mesmo
a escolha do que será utilizado como recurso didático-pedagógico passa pelo domínio
do professor sobre o conteúdo.
É esse conhecimento que lhe permitirá, por exemplo, escolher qual filme passará
para seus alunos e qual parte será destacada para contribuir para a compreensão do
tema em estudo. É esse conhecimento que será sistematizado em uma apresentação
de power point. É esse conhecimento que dará suporte para a forma como ele explo-
rará o que esses recursos propiciam, é a partir desse conhecimento que ele dará suas
explicações para o fato histórico em tela, de maneira a fazer sentido para os alunos, ao
invés de ser apenas um punhado de informações apresentadas, desconexas. Portanto,
é preciso que o professor invista em sua formação profissional adicionando à sua ba-
gagem de conhecimentos o máximo de informações que puder, sempre procurando
fazer com que essas informações estejam relacionadas entre si e não apenas como se
estivessem em um depósito onde estão guardadas, mas não se entrelaçam.
O modo como se faz isso é lendo, conversando com pessoas sobre os temas que fa-
zem parte de seu trabalho, assistindo a filmes, documentários, participando de cursos
e outros eventos que signifiquem formação continuada.

O LIVRO DIDÁTICO
O livro didático é o segundo recurso de que o professor dispõe mais facilmente.
O livro didático, de recurso indispensável ao processo de ensino-aprendizagem
passou a vilão, e ultimamente tem tido seu papel revisto pelos estudiosos do trabalho
do professor. Se ele se torna uma arma contra a possibilidade de expansão das discus-
sões que podem ser realizadas nas aulas de História, por outro lado sem ele alunos e
professores restringem a possibilidade de um ponto comum a partir do qual possam
iniciar essas discussões.
Se o livro didático engessa o trabalho em sala de aula em uma única visão da His-
tória, a do autor, por outro lado a opção de utilizar vários livros requer um domínio,
por parte do professor, do que ele realmente quer com esse trabalho, do que cada
livro contém a fim de saber como ordenar, sistematizar a aquisição de conhecimentos
históricos; senão, corre-se o risco de se fazer um samba do crioulo-doido, além de não
se ter um texto-base comum a todos para início do trabalho, que, dependendo da série
e fase cognitiva dos alunos, pode ser um fator complicador.
Arriscada pode ser a opção de o professor da turma montar seu próprio material
didático, seu ‘livro didático’, sua apostila, como esse tipo de material é comumente

14
chamado. É complicado, não no sentido de que é ruim que os professores montem Introdução: linguagens,
fontes e documentos no
seus trabalhos, porque a pesquisa é indispensável ao trabalho do professor, e sim no ensino de História

sentido de que existe a possibilidade de o professor não ter condições de montar um


material desse porte para o ano todo, mas somente para alguns temas ou bimestres, e
no restante do tempo? Também é ruim porque pode ser que o material que o professor
venha a montar não tenha o mesmo visual que os livros produzidos por editoras, e
assim não cative os alunos. Pode ser ruim também se se levar em consideração aquela
ideia de engessamento em uma única visão, que nesse caso passa a ser a do professor
da turma. Além disso tudo, ainda se tem outra possibilidade, a de que o trabalho que o
professor faça para montar a sua apostila seja apenas o de juntar partes de vários livros
didáticos, sem pagar os direitos autorais para os autores dessas partes.

METODOLOGIAS DE ENSINO
Fala-se muito sobre os professores se valerem das diversas linguagens artísticas
para otimizar o processo de ensino-aprendizagem, inclusive para quebrar a hegemonia
do livro didático como portador de uma verdade inquestionável, como forma de mos-
trar para os alunos que tudo o que é produzido pelo do homem a respeito dos homens
tem o caráter de documento, de fonte de informações sobre a história.
Entretanto, é preciso enfatizar que essa atividade é potencializada quando o pro-
fessor tem familiaridade com a linguagem que pretende utilizar. Essa familiaridade
advém do apreço que o profissional do ensino tenha com tal forma de arte, é o gostar
daquela expressão artística que lhe permitirá o debruçar-se sobre a mesma a fim de,
conhecendo-a melhor, poder avaliar todas as possibilidades que a imbricam e podem
contribuir para seu trabalho, e assim, poder explorar todos os detalhes que a obra
artística ofereça.
É comum observarmos, nas aulas práticas, que alunos dos cursos de graduação ten-
tam se utilizar de determinadas linguagens para avaliar como estas podem dinamizar
o ensino de História, e ao procurarem implementar suas atividades esbarram em difi-
culdades operacionais de utilização do material por não serem íntimos da linguagem
que tentam utilizar em função de não serem consumidores daquela forma de arte, ao
contrário de outros que apresentam trabalhos a partir de manifestações artísticas de
que gostem ou com as quais tenham familiaridade.
Por exemplo, é comum notarmos nos alunos que tentam utilizar História em Qua-
drinhos sem serem leitores de ‘gibis’, mais dificuldades para explorar os recursos que
essa linguagem oferece para o trabalho de ensinar História do que naqueles que regu-
larmente leem obras de arte sequencial. Ou ainda verificarmos tentativas frustradas de
utilização de obras pictóricas sem se ter gosto ou hábito de apreciar essa forma de arte.

15
HISTÓRIA: O mesmo vale para outras expressões artísticas como o cinema, a literatura ou o teatro.
METODOLOGIA DO
ENSINO É, portanto, imprescindível que o ponto de partida para tornar mais proveitosa a
atividade de fugir das aulas unicamente expositivas seja algo de que o professor goste,
uma atividade que lhe propicie prazer. Caso contrário, corre o risco de não conseguir
implementar o que projetara.
O professor de História deve, pois, desenvolver o hábito de consumir (no sentido
de utilizar para seu deleite pessoal) essas manifestações artístico-culturais como requi-
sito para que com elas possa melhor se relacionar no momento de aplicá-las em situa-
ções de aula. Só assim poderá transitar pelo universo em questão com conhecimentos
que extrapolem o mero exemplo que será usado em sua aula.
Por exemplo, alguém que não tenha o hábito de assistir telenovelas, quando ten-
tar usar um episódio a fim de estimular alguma reflexão, pode sentir dificuldades ao
procurar estabelecer relações com o conhecimento histórico partindo do prazer de
assistir à telenovela, porque pode vir a se deparar com situações não previstas em seu
planejamento e que possam aflorar durante a aula.
Como também alguém que não tenha familiaridade com o cinema, no sentido de
assistir a filmes com certa regularidade e não de ser um profundo conhecedor, mas
alguém que tenha o hábito, pode encontrar dificuldades para explorar, no processo
de ensino-aprendizagem, um filme que contenha citações de outros filmes, autores,
roteiristas, atores, etc., ou com simbologia expressa nos jogos de sombras, luzes, co-
res, sons, enquadramentos, etc., que compõem a linguagem cinematográfica, o que vai
além do enredo contado em primeiro plano, ou da estória do filme. Existem aspectos
como estes a que é preciso prestar atenção para melhor aproveitar o que o cinema ofe-
rece, principalmente no que nos interessa aqui, que é a atividade de ensinar História.
As ‘Histórias em Quadrinhos’, muitas vezes, não se limitam à estória que está sendo
narrada. É comum sencontrarmos citações a episódios que os personagens vivencia-
ram em outras estórias e que são feitas para o leitor compreender o que está aconte-
cendo sem ser preciso contar novamente aquele episódio referenciado.
Nas próximas páginas, apresentamos discussões sobre como podemos incremen-
tar o ensino de história com o uso de algumas formas de se buscar construir o co-
nhecimento histórico como com o recurso à História Oral, ou analisando a história a
partir de uma abordagem urbanística ou da habitação. Ainda mais, apontamos sobre
como podemos nos valer de informações veiculadas nos meios de comunicação es-
crita, como jornais, revistas e literatura, ou imagéticas com o uso da programação da
televisão e de pinturas históricas.
Esperamos que o material apresentado neste volume possa contribuir para a forma-
ção de profissionais que ensinam História, uma vez que procuramos apontar opções

16
metodológicas para encaminhar o processo de ensino-aprendizagem acreditando que Introdução: linguagens,
fontes e documentos no
a apropriação dos avanços do conhecimento histórico, por acrescentar informações ensino de História

à bagagem profissional do professor, dota-o de um perfil profissional otimizado. Para


isso, julgamos que o caminho é o profissional do ensino sempre procurar se atualizar
com as discussões a respeito do trabalho que envolve o processo de ensino-aprendiza-
gem, buscando conhecer experiências realizadas por outros profissionais que tenham
surtido efeito positivo, participar de eventos científicos que possam trazer conheci-
mentos novos que otimizem seu perfil profissional, ler o que está sendo produzido na
área de teoria e metodologia, bem como material de divulgação como revistas sobre
História, participar de ações de formação continuada e de pós-graduação.
O que apresentamos neste capítulo é uma pequena mostra do que o profissional
do ensino de História tem à sua disposição para dinamizar suas aulas, utilizando lin-
guagens alternativas e fontes para o ensino.
Afinal, o que buscamos é estimular nos alunos o hábito de pensar historicamente,
isto é, observar em uma perspectiva histórica as situações com que se deparem, ana-
lisando a experiência humana de viver em sociedade à luz das dimensões espaço e
tempo em que essa experiência tenha ocorrido.

Referências

BARROS, José D’ Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 7. ed. São Paulo:


Contexto, 2002.

CARDOSO, Ciro Flamarion; BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da História. 3.


ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de


teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

FERRÉS, Joan. Televisão e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

GUAZZELLI, César Augusto Barcellos et. al. (Org.). Questões de teoria e


Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. UFRG, 2000.

17
HISTÓRIA: HISTÓRIA E ENSINO: REVISTA DO LABORATÓRIO DE ENSINO DE HISTÓRIA/UEL.
METODOLOGIA DO
ENSINO Londrina, v. 6, out. 2000.

HISTÓRIA E ENSINO: REVISTA DO LABORATÓRIO DE ENSINO DE HISTÓRIA/UEL.


Londrina, v. 9, out. 2003.

HISTÓRIA E ENSINO: REVISTA DO LABORATÓRIO DE ENSINO DE HISTÓRIA/UEL.


Londrina, v. 10, out. 2004.

IMAGENS EM MOVIMENTO: o cinema na História. Revista História: Questões e


Debates, Curitiba, ano 20, n. 38, 2003.

KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.


São Paulo: Contexto, 2003.

LÊ GOFF, Jacques. A História nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA CULTURA & LINGUAGENS. São Paulo, v. 7, n. 13,


set. 1986.

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo:


Scipione, 2004.

WORMS, Luciana Salles; COSTA, Wellington Borges. Brasil Século XX: ao pé da letra
da canção popular. Curitiba: Nova Didática, 2002.

Anotações

18
2 Pensar a História,
repensar seu ensino:
por que ensinar o passado à
infância brasileira?
Maria Aparecida Leopoldino Tursi Toledo

Recordá-lo [passado] não significa que a história se repita, e sim destacar que
esta pode buscar conhecimentos e ajudar a compreensão crítica das inovações
do presente, as quais, por sua vez, nos seduzem e nos inquietam (CHARTIER,
2009).

Este capítulo foi pensado com o objetivo de contribuir com a reflexão do professor
que trabalha com conteúdos de História nas séries iniciais do Ensino Fundamental, no
contexto de uma trajetória de grande ausência investigativa nesse domínio no Brasil,
embora possamos observar, atualmente, importantes esforços nesse sentido1. Realizar
essa reflexão no enquadramento de uma problemática que tem permeado as discus-
sões acerca desse objeto no cenário brasileiro desde o século XIX parece-nos um bom
início de conversa.
Isso porque, como sabemos, desde quando a história se tornou uma disciplina
escolar autônoma, ela demarcou uma característica muito mais dada a justificar as
relações sociais vividas no período pós-independência brasileira do que, efetivamente,
a evidenciar sua capacidade reflexiva de processos sociais inaugurados com o país
independente. Por isso, o intento inicial é que o professor repense o ensino da His-
tória por intermédio da própria historicidade da disciplina e da história como área de
conhecimentos para indagar sobre o sentido de se ensinar História nas séries iniciais
do Ensino Fundamental contemporaneamente.

1 MIRANDA, Sonia Regina. Sob o signo da memória: o conhecimento histórico dos pro-
fessores das séries iniciais. 2004. Tese (Doutorado)-Faculdade de Educação. Universidade de
Campinas, Campinas, SP, 2004; OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Educação histórica e
a sala de aula: o processo de aprendizagem em alunos das séries iniciais do ensino fundamental.
2006. Tese (Doutorado)-Faculdade de Educação. Universidade de Campinas, Campinas, SP,
2006; FERNANDES, José Ricardo Oriá. O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a
Literatura escolar para o ensino de História (1934-1961). 2009. Tese (Doutorado)-Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
19
HISTÓRIA: Entendemos que por meio dessa visão de conjunto – das questões que ligam his-
METODOLOGIA DO
ENSINO tória e ensino de História – é que o professor poderá compreender o universo teórico
e prático com o qual se defronta atualmente no momento de tratar pedagogicamente
com conteúdos da história escolar, especificamente nas séries iniciais de escolaridade.
Dizendo mais claramente: essa visão de conjunto possibilitará a compreensão de que a
História como disciplina escolar se relaciona, embora não se confunda, com a história
produzida nas instituições acadêmicas e com a temporalidade vivida cotidianamente
pelos atores sociais, de forma que tecer os fios relacionais entre viver, pensar, fazer e
ensinar história nem sempre é tarefa fácil, apesar de essencial. Daí sua relevância como
parte das estratégias de enfrentamento dos problemas que afetam diretamente o exer-
cício de ensinar o passado na experiência contemporânea brasileira.
O fundamento básico que norteia essa reflexão é, portanto, o entendimento de que
o professor venha a perceber que o ensino é também histórico e que, assim sendo, se
hoje entendemos que desde as séries iniciais é importante construir relacionadamente
conceitos de tempo, espaço, passado e presente, fonte, acontecimento, bem como
reconhecer, comparar, relacionar semelhanças e diferenças, permanências e transfor-
mações nas relações socioculturais de diferentes modos de vida dos homens em so-
ciedade2, as propostas pedagógicas nem sempre se apresentaram nessa configuração.
Por essa perspectiva, pensar ‘como ensinar história?’ é parte indissociável da com-
preensão da própria historicidade do campo disciplinar que a cria, do reconhecimento
de suas finalidades sociais em determinado tempo e lugar e dos objetivos de advogar a
favor de um ensino voltado à produção de conhecimentos por intermédio da pesquisa
histórica.
Em suma, o que significa exatamente esses pressupostos que fundamentam essas
considerações iniciais? Nas palavras de Manoel Luiz Salgado Guimarães encontramos
a justificativa primorosa:

[...] Significa, antes de tudo, que pensar o ensino de História como um dos
usos possíveis que foram formulados para aqueles que se ocuparam de escre-
ver sobre o passado articula-se a um tempo e às formas próprias desse tempo

2 Conforme é indicativo nas propostas curriculares atuais Parâmetros Curriculares Nacionais


e Diretrizes Curriculares para o Estado do Paraná e em boa parte da literatura especializada de
autores nacionais como, por exemplo: PENTEADO, Heloisa Dupas. Metodologia do ensino
de História e Geografia. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010; HIPÓLIDE, Márcia Cristina. O
ensino de História nos anos iniciais do ensino fundamental. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 2010; NEMI, Ana Lucia Lana. Didática de História: o tempo vivido: uma outra his-
tória? São Paulo: FTD, 1996; SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar
História. São Paulo: Scipione, 2004; BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

20
de conceber a escrita da história. Implica, também, pensar o ensino da histó- Pensar a História,
ria em sua dimensão particular e específica de uso do passado, o que implica repensar seu ensino:
por que ensinar o
igualmente pensar a dimensão política subjacente a essa forma de uso social passado à infância
do passado. Finalmente, [...] impõe-nos refletir acerca da memória e dos brasileira?
mecanismos de sua reprodução, muitas vezes a cargo das estratégias pe-
dagógicas do ensino de História (GUIMARÃES, 2009, p. 38, grifos nossos).

Considerando esses aspectos, iniciamos este texto por tentar compreendermos as


marcas de um ensino de História que constituíram um corpo de ensinamentos do e
sobre o passado, reificados por intermédio de conteúdos solidamente estabelecidos –
mas pouco interrogados em sua historicidade na prática do ensino nas séries iniciais
– e que, ao retomá-las, interroga-se certa tradição presente na tarefa de tratar pedago-
gicamente com o passado às crianças em idade escolar, figurada pela apropriação da
língua e escrita nacionais. Em seguida, tecemos considerações relativas às possibilida-
des de se romper com essa tradição – percebida como continuidade da historiografia
didática –, levando-se em consideração a necessidade de interrogar sobre as possibili-
dades de sua superação na atualidade.
O professor das séries iniciais terá, como esperamos, uma visão geral das relações
que historicamente se fizeram entre ensino de História e sociedade brasileira para, por
meio delas e por elas, (re)pensar caminhos teóricos e práticos para o trato dos conteú-
dos escolares de História prescritos atualmente para as séries iniciais.

ENSINO DA NAÇÃO E HISTÓRIA PÁTRIA: UMA TRADIÇÃO NA


HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA

Pátria! – terra de nossos pais, onde viveram nossos avós; onde temos todas
as recordações da nossa vida e da nossa família; onde tudo nos fala á alma –
campos e mares, florestas e montanhas – e onde parece que até as estrelas e os
próprios ares nos alegram mais que os outros céus! (ROCHA POMBO, 1925).

Quem de nós, em alguma aula de História, não se deparou em algum momento


com o ensino da Pátria? Quem não realizou alguma atividade que contivesse o reco-
nhecimento dos símbolos nacionais? Quem não aprendeu que cada uma das quatro
cores da bandeira nacional tem um significado: o verde simboliza nossas matas, o
amarelo é o ouro, representando as riquezas nacionais, e o branco é a paz? Que o
círculo azul representa o céu do Rio de Janeiro com a constelação do Cruzeiro do Sul,

21
HISTÓRIA: às 8h30min de 15 de novembro de 1889, data da Proclamação da República?3 Quem
METODOLOGIA DO
ENSINO não se deparou, algum dia, com um poema que exaltasse o Brasil como ‘Pátria Amada,
Idolatrada...’?
Aprendemos que tanto a bandeira quanto o hino nacional foram criados quando
se formou a ‘nação brasileira’, mas que, mesmo antes da Proclamação da República, o
sentimento nacional já estava presente entre ‘nós’ na imagem desse símbolo no tempo
do Império4 e, igualmente, entre os compatriotas que lutaram pela liberdade da Pátria.

Figura 1 - Bandeira e pavilhão brasileiros (detalhe)Jean-Baptiste Debret (1768-1848)


Viagem pitoresca e histórica ao Brasil – data desconhecida.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jean-Baptiste_Debret_-.jpg.

3 De acordo com Costa Filho (1989), não há consenso sobre o real significado das cores nacio-
nais. Tradicionalmente, as cores da bandeira do Brasil são referidas por meio da representação
acima esboçada. No entanto, essas cores teriam sido escolhidas por D. Pedro I que ‘pensou
dotar o Brasil com a cor verde, cor de sua Casa Real de Bragança; e o amarelo, a cor da Casa
de Habsburgo-Lorena de Áustria, de onde provinha sua primeira esposa, a Arquiduquesa Dona
Leopoldina’. Também para Ribeiro (1909, p.88), a escolha das cores imperiais deveria estar em
acordo com as preferencias pessoais de D. Pedro I. Afirma o autor: ‘no que concerne à emble-
mática, o decreto de 18 de setembro de 1822 fala do verde primavera. Mais recentemente, os
manuais escolares para crianças assinalavam o verde como a evocação das florestas do país e o
amarelo como a lembrança das minas de ouro, ou seja, símbolos das riquezas vegetais e minerais
do Brasil’, e conclui: ‘se pensarmos que, desde o século XVI, os portugueses impressionaram-se
com a densidade das florestas brasileiras – onde buscavam ouro –, tal explicação pode vir a ser
aceita’ (apud FERNANDES, 2009, op.cit.).
4 No tempo do Império, figurava na bandeira o emblema da realeza: uma coroa em cima de
uma cruz, Símbolo que foi substituído quando acabou o período monárquico.

22
Fazer a Pátria conhecida, seu passado, seu presente e ‘projetar’ seu futuro, esse Pensar a História,
repensar seu ensino:
foi por muito tempo o objetivo que justificou a presença da disciplina de História por que ensinar o
passado à infância
nas séries que hoje conhecemos como iniciais do Ensino Fundamental. Esse projeto brasileira?

educativo tinha um fim: registrar um passado homogeneizado para todos os que eram
considerados ‘brasileiros’. Elemento atuante na invenção do passado, os símbolos na-
cionais tiveram papel influente na constituição de um ensino de História voltado às
crianças, principalmente nas décadas iniciais da vida republicana no Brasil. Projeto que
se firma no tempo da República – talvez por isso mais presente em nossa memória
coletiva –, mas que esteve presente no imaginário das elites brasileiras desde a eman-
cipação política de Portugal (1822).
Por meio do ensinamento da história da nação se pretendia criar o sentimento de
pertença a uma ‘comunidade nacional’. Esse projeto educativo marcou a instituciona-
lização da História e as prescrições pedagógicas elaboradas desde a época imperial,
como pode ser exemplo a proposta de legisladores em 1827 por meio da Lei de 15
de outubro. Por esse documento, no ensino de primeiras letras, além da leitura e es-
crita, rudimentos de aritmética e educação moral e religiosa – segundo os preceitos
da doutrina católica – dever-se-ia também ‘introduzir leituras sobre a Constituição
do Império e a História do Brasil’. E embora não se saiba se tal proposta chegou a se
concretizar na época, a história do passado nacional estava prescrita desde os anos
iniciais da escola de primeiras letras como ‘instrumento de legitimação dos agentes
históricos do poder instituído, situando a Igreja como parceira inseparável do poder
civil’ (BITTENCOURT, 1993, p. 197).
Nesse cenário, momento inicial de construção simbólica e discursiva de uma na-
cionalidade brasileira, o conceito de identidade nacional se vinculou à necessidade
premente das elites, que levaram a cabo o processo de independência de formular
uma interpretação do país que mantivesse sua extensa unidade territorial, fortalecen-
do a centralização político-administrativa do reinado de D. Pedro I (1822-1831). Daí se
compreende porque estava prescrito ensinar a Constituição do Império e a História do
Brasil na legislação de 1827. No entanto, até aquele momento essa história era inexis-
tente e a ideia de um país unificado estava em formação5. Por isso se diz que:

5 O projeto de criar um passado para a Pátria brasileira envolveu a participação de importantes


instituições acadêmicas (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Colégio Pedro II) que
por intermédio de seus intelectuais viam na educação fator decisivo para a inserção do Brasil no
contexto das ‘nações civilizadas’. Ver, entre outros: NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil:
trajetórias e perspectivas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, set. 1992/
ago.1993; BITTENCOURT, Identidade nacional e ensino de História no Brasil. In: KARNAL,
L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Cortez, 2003.

23
HISTÓRIA: A invenção política de uma independência trabalhada a partir do príncipe her-
METODOLOGIA DO deiro português representou um desafio a mais na tarefa de pensar a Nação:
ENSINO
passou a significar pensar a sua história. Novas palavras e conceitos, que de-
ram colorido ao século XIX, foram convocados e ou reconstruídos: Pátria e
Nação, liberdade e patriotismo foram os primeiros. O período inicial do país
independente foi então marcado pela busca de sua história – suas raízes na-
cionais. Estas precisavam ser encontradas no passado colonial (GASPARELLO,
2011, p. 33-34, grifos no original).

Estava, portanto, colocado o problema: como escrever a história de uma nação que
até então tinha sido colônia? Uma história que não poderia ser qualquer uma, mas
uma história ‘que não deslustrasse suas elites ante ao mundo civilizado’. O desafio
estava posto e não era insignificante: conhecer o passado colonial para nele buscar os
elementos que pudessem corresponder a uma identidade brasileira nos marcos de um
processo civilizador6.
De acordo com o estudo de Arlette Medeiros Gasparello (2011), um importante
manual é escrito nesse momento, o Resumo de História do Brasil até 1828, de autoria
de um militar português chamado Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde7, editado em
1831. De inspiração francesa8, tal manuscrito constitui um primeiro modelo de livro
didático de História do Brasil com a clara finalidade de ‘dar a conhecer o Brasil’ aos
‘jovens compatriotas’.
No Resumo, Bellegarde apresenta a história do Brasil em épocas, de forma que o
país aparece assim divido: O Brasil antes da conquista; O Brasil conquistado pelos
portugueses; O Brasil sob o domínio espanhol; O Brasil livre do jugo de Espanha9;
O Brasil como sede da monarquia portuguesa; O Brasil Império Constitucional e
Independente. Na avaliação de Gasparello,

O Resumo apresenta uma narrativa em linguagem simples, sem muitos deta-


lhes de eventos e datas, mas contém as marcas de um nacionalismo romântico
do período inicial da nossa independência, em que o sentimento e a ação
patriótica inspiravam-se na ideia de Nação construída em oposição ao
colonizador português (GASPARELLO, 2011, p. 45, grifos nossos).

6 O conceito de Processo Civilizador está referenciado na obra de Norbert Elias (1993).


7 Nascido em Lisboa (1802), veio para o Brasil na viagem que trouxe a família real portuguesa
(seu pai, também militar, comandou um destacamento de artilharia da nau Príncipe Regente).
Morreu com 37 anos (GASPARELLO, 2011).
8 Gasparello afirma que o resumo de Bellegarde seria uma tradução do Resumé de L´histoire du
Brésil do autor francês Ferdinand Denis que o publicara seis anos antes da versão brasileira e que
teria chamado a atenção dos membros do IHGB.
9 De acordo com Gasparello (2004, p.102), o domínio espanhol ‘torna-se marco referencial de
duas épocas e palco de acontecimentos importantes para a nação, como o despertar do patriotis-
mo. No Brasil livre do jugo espanhol nasce a ideia de liberdade, mas num movimento marcado
pela incúria de seus conjurados mineiros’.
24
A referência à ideia de um nacionalismo romântico relaciona-se à compreensão Pensar a História,
repensar seu ensino:
que Bellegarde deixava transparecer de que no Brasil havia ‘um povo pequeno e sem por que ensinar o
passado à infância
recursos, mas cheio do mais nobre patriotismo’ que o teria levado ao processo de brasileira?

formação de um Estado-nação. Processo que é narrado em ‘tom de exaltação’ à for-


ma pela qual ‘um povo ardente e nobre’ realizou a sua autonomia política em 1822
(GASPARELLO, 2004, p. 102). Considerado um instrumento para atender à ‘Pedagogia
da Nação’10, o Resumo, aprovado por Circular da Câmara Municipal em 1834 como
compêndio escolar, apresentou o conteúdo do passado que serviu para materializar a
imagem de Nação que no momento a elite política brasileira buscava.
Escrito sob o impacto da mudança política e das expectativas que emergem com as
novas experiências de um país livre, o compêndio de Bellegarde – que serviu para o
ensino primário e secundário nas escolas da Corte – é representativo de uma tradição
historiográfica escolar marcada pelos debates políticos dos primeiros tempos do Brasil
independente. Ele foi útil para apresentar uma possibilidade de narrar a história do
Brasil relacionando Pátria com Nação e deixou suas marcas no ensino de História que
se seguiu. É dessa maneira que o ‘mito fundador’11 do país e da nacionalidade brasi-
leira vem acompanhado de um projeto de ensino de História que tinha por finalidade
explicar qual era o caráter nacional e patriótico do ‘povo brasileiro’.
A nação que emerge de sua narrativa fundamenta uma história patriótica – presen-
tificada na memória social que ajudou a construir nos dois últimos séculos –, embora
sem, ainda, o peso de uma história imperial, oficial e pedagógica que marcou o segun-
do momento, a década de 1860. Tal década marcará a criação de um modelo legitima-
do pelo Império de uma História da Nação sob a perspectiva de escritores nacionais.
Apesar de a narrativa continuar a ser de exaltação da Pátria, os tempos eram de
preocupações com a definição da ‘nação brasileira’, e o que se esperava era que os
nacionais se pusessem a escrever sua história. Pensar o que era a nação naquela década
era se defrontar com as questões de diferenças étnicas e culturais enraizadas no pas-
sado colonial. A problemática política central girava em torno de saber como ser uma
nação sem definir claramente o que era o ‘povo’ dessa nação? A elite intelectual deveria
enfrentar as questões pendentes sobre o papel do ‘indígena’, do ‘negro’, do ‘colono
português’ ao tratar da ‘nacionalidade brasileira’, exatamente em um momento em

10 Conceito utilizado por François Furet (s/d) relacionadamente ao de Pedagogia do Cidadão.


11 Termo utilizado por Marilena Chauí (2001) para designar a forte presença de uma represen-
tação homogênea que persiste na memória social dos brasileiros. Representação que ‘permite,
em certos momentos, crer na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e do povo
brasileiro, e, em outros momentos, conceber a divisão social e a divisão política sob a forma dos
amigos da nação e dos inimigos a combater’ (p. 7).

25
HISTÓRIA: que as relações estabelecidas entre esses grupos, no cenário colonial, se apresentavam
METODOLOGIA DO
ENSINO como um ‘problema candente’ para explicar a unidade do país.
Essa temática tornou-se o desafio enfrentado pelo Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro (IHGB) que, em 1845, premiou a monografia do naturalista alemão Karl
Friedrich Philip von Martius, após concurso em que os candidatos deveriam redigir
sobre ‘Como escrever a história do Brasil’, e nove anos depois, quando apoiou a pu-
blicação da obra, de origem nacional, do membro institucional Francisco Adolfo de
Varnhagen, História Geral do Brasil (1854).
Na dissertação de Martius, a escrita da história do Brasil deveria priorizar os seguin-
tes itens: os índios (a raça cor de cobre) e sua história como parte da história do Brasil;
os portugueses e sua parte na história do Brasil; a raça africana em suas relações para
com a história do Brasil. (TOLEDO, 2004). No que se refere ao caminho a ser tomado
para escrever sobre o passado nacional, o naturalista lembra que o historiador deveria
‘traçar um quadro dos costumes do século XV’ para descrever os homens que ‘vieram
para além do oceano fundar um novo Portugal’ (MARTIUS, 1953, p. 43). Varnhagen,
por sua vez, foi mais específico. Em sua obra, anunciou:

Bem meditadas todas as questões acerca dos índios, quer em relação a eles
unicamente, quer com respeito aos colonos, quer à partilha de glória que lhes
deve caber na história de cada uma das nações americanas, podem elas reduzir-
-se nos seguintes pontos:
1. Eram os que percorriam o nosso território, à chegada dos cristãos europeus,
os seus legítimos donos?
2. Viviam, independentemente da falta do ferro e de conhecimento da verdadei-
ra religião, em um estado social invejável?
3. Esse estado melhoraria, sem o influxo externo que mandou a Providencia por
meio do cristianismo?
4. Havia meios de os reduzir e amansar, sem empregar a coação pela força?
5. Houve grandes excessos de abuso nos meios empregados para essas
reduções?
6. Dos três principais elementos de povoação, índio, branco e negro, que con-
correram ao desenvolvimento de quase todos os países da América, qual pre-
domina hoje no nosso?
7. Quando se apresentem discordes ou em travada luta estes três elementos no
passado, qual deles devemos supor representante histórico da nacionali-
dade hoje? ( VARNHAGEN, 1854, p. ix, grifos nossos).

Buscava-se, como vemos, reconhecer o papel de cada grupo social – então enten-
dido como raças – na construção da nacionalidade. O conceito de nação ligava-se,
por conseguinte, a uma concepção de ‘povo’ que precisava ser melhor definida. Era
o momento de determinar também os principais fatos que marcavam a história da
nação, seus agentes e papéis nessa construção. Mas para Varnhagen a questão já estava
definida, sem meias palavras afirma:

26
Quereis saber o que é a nação brasileira? Olhai para o próprio brasão d’armas Pensar a História,
que a simboliza. Nele vereis a esfera armilar, significando a origem da dinastia repensar seu ensino:
por que ensinar o
e a do Estado, e nele vereis também a cruz da ordem de Cristo, que represen- passado à infância
ta por si só a história da civilização do país. E isto não escrito neste ou na- brasileira?
quele idioma, ininteligível aos demais povos; mas apregoado na bela linguagem
heráldica, composta de hieroglíficos, que constituem, nos feitos históricos,
uma espécie de pasigrafia ao alcance de todas as nações civilizadas ( VARNHA-
GEN, 1854, p. xxv, grifos nossos).

Com esses argumentos, conclui que o europeu era o que mais representava a na-
cionalidade brasileira e a Nação estava historicizada nos símbolos nacionais ‘civilizado-
res’ do Estado que se firmaram com a independência em 1822.
Na década de 1860, em manuais voltados ao ensino de História Pátria que circula-
ram pelas escolas brasileiras, verificamos que o espaço no qual a história se dava era
o da nação e seus sujeitos os ilustres homens que contribuíram para sua afirmação.
São exemplares desse período dois manuais: Epitome da história do Brasil (1854),
de José Pedro Xavier Pinheiro (1822-1882), e Episódios da história pátria contada
à infância12 (1859), do cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro (1825-1876). A
composição dos conteúdos de ambos indica o que se ensinava do passado nas aulas
de instrução primária da época.
Nomeados ‘epítomes’, tais manuais tinham por finalidade tornar o conteúdo mais
sintético para as escolas primárias e por isso eram solicitados pelas autoridades que os
aprovavam e os faziam circular entre as casas de escolas do Império, para que se regis-
trassem apenas os acontecimentos ‘mais importantes da história do Brasil’. Daí a forma
de os epítomes ser ‘pautada por uma cronologia: os eventos eram narrados de acordo
com os anos ou, se fosse o caso, através das datas mais importantes’ (MALEVAL, 2010,
p. 52). Seu formato favorecia, portanto, a exposição cronológica que conhecemos até
hoje, baseada em uma temporalidade linear com maiores exortações a respeito de
determinados momentos da história pátria.
No manual de Xavier Pinheiro encontram-se alguns dos elementos que marcaram a
construção didática da nação brasileira no período. Segundo o autor, o ensino de His-
tória deveria ser visto junto com a Geografia, posto que conhecer o território nacional
também era objetivo no ensino da Nação. Em suas palavras:

12 Aprovado pelo Conselho Diretor da Instrução Pública, recebeu apoio em 1859 para sua
primeira edição, mas recebeu 10 reedições, sendo a última de 1892, o que indica sua ampla
aceitação.

27
HISTÓRIA: [...] o ensino da história e da geografia deve ser cuidadosamente compreen-
METODOLOGIA DO dido. É do interesse do Estado que a mocidade conheça quanto se refere ao
ENSINO
seu país, os acontecimentos de que foi teatro, as mudanças que sofreu, sua
organização social no rodear dos séculos, como a civilização começou a ser nele
um fato visível, como cresceu e se acrescentou, que lugar ocupa no mapa das
nações [...]. Desta verdade se hão convencido os povos que hoje em dia podem
ser apresentados como modelo à imitação. Todos têm inserido nos seus pla-
nos de estudos a obrigação de esclarecer o entendimento de juventude
com lições tiradas de seus anais que lhe digam o que há sido e o que é a
sua pátria (PINHEIRO, 1873 apud MALEVAL, 2010, p. 5 grifos nossos).

O manual de Fernandes Pinheiro, com um total de 30 lições, seguindo a mesma


orientação de seu contemporâneo, iniciava-se com o tema ‘Descobrimento do Brasil’ e
chegava até a ‘Proclamação da Independência do Império’, na edição de 1860. Cercan-
do o que deveria ser os fatos mais importantes, ele foi tido à época como ‘a melhor que
possuímos no gênero’. Talvez por isso assinava o senhor Norberto de S.S, na Revista
Popular em 5 de janeiro de 1860: ‘seja bem vindo às escholas brazileiras o novo opús-
culo do ilustre escriptor! Nacionalise-se tudo entre nós sem excepção da própria
leitura’ (apud TEIXEIRA, 2006, p. 6, grifos nossos).
No prólogo do manual de Fernandes Pinheiro encontra-se a compreensão de que
era necessário ‘dar aos meninos noções rudimentares da história nacional, iniciando-
-os nas glórias e também nos revezes pátrios, mas de modo agradável’; apresentando-
-lhes ‘como uma grinalda histórica, ou uma galeria de quadros em que vejão traçados
os mais memorandos sucessos’ (TEIXEIRA, 2006, p. 3).
Em ambos os manuais, e em outros aqui não mencionados13 encontra-se o entendi-
mento de que a história narrada no livro tratava-se da ‘reconstituição fiel’ do passado
do povo a que pertencia o então leitor/aluno. Leitor que, presumia-se, era continuador
da tradição instaurada por aquele momento inaugural da nação, chamado ‘Descobri-
mento do Brasil’. A esse acontecimento atribuía-se o ânimo patriótico à ação dos que
inauguraram a nação e se desejava ver nos alunos a crença de que eles também eram
herdeiros daquele passado memorável. No relato das ‘heróicas agruras’ de um passado
comum se reconhecia o papel de cada um e de todos – que se entregara(m) aos riscos
da formação da Pátria. Encontrava-se a história de um Brasil que se fez livre por meio
de um ‘Império vitorioso’ por se constituir de um ‘povo patriótico’. Esse era o eixo que
os episódios deveriam percorrer para trazerem o reconhecimento e a identificação do
aluno com o passado nacional.

13 Como as Lições de história do Brasil de Joaquim Manoel de Macedo para uso das escolas de
instrução primária (1865). Para mais esclarecimentos, ver: Bittencourt (1993).

28
O final do século XIX marca, portanto, a constituição de uma Pedagogia da Nação Pensar a História,
repensar seu ensino:
que se firmou nas bases da defesa da monarquia e dos homens ilustres descendentes por que ensinar o
passado à infância
da mãe-pátria portuguesa. Uma defesa que implicou, inclusive, em ver os aconteci- brasileira?

mentos que marcavam as iniciativas republicanas no período imperial como ‘Revoltas’,


cuja ‘Conjuração Mineira’ é exemplar.
Com novos acontecimentos vivenciados no cenário político brasileiro com o
acirramento das lutas travadas entre as elites em prol da República, os autores dos
manuais destinados à ‘infância brasileira’ do período chamado final do Império e
Início da República têm agora novas preocupações além daquelas que marcaram os
anos iniciais da Monarquia. Uma dessas preocupações estava em saber como tratar os
movimentos contestatórios da política imperial. Em Pequena história do Brasil por
perguntas e respostas para uso da infância brasileira, de Joaquim Maria de Lacerda
(1838-1886) – publicado pela primeira vez em 1880 – encontra-se exemplo da abor-
dagem dada a esses acontecimentos.
Lacerda não tem dúvidas quanto ao que se deveria ensinar à ‘infância brasileira’
ante aos fortes sinais da crise imperial: existiam os heróis e os traidores da Pátria. É as-
sim que, no lastro de uma tradição da historiografia didática, elenca cronologicamente
os fatos considerados principais, enaltece as ações militares de garantir a ordem, e,
enfim, comemora a destruição de Canudos, ‘onde um fanático conhecido por Antonio
Conselheiro, conseguindo fanatizar grande numero de sertanejos (jagunços), formou
uma povoação, que afinal se tornou perigosa à ordem pública’ (LACERDA, 1918, p. 137
apud OLIVEIRA, 2007, p. 125-126).
Ao anunciar a ‘Conspiração do Tiradentes’ como o fato mais importante do ‘Go-
verno de Luiz de Vasconcelos’, a ‘pequena’ história se preocupa em servir à formação
das crianças por meio de um entendimento nada dado às polêmicas: tratava-se de
pessoas perigosas, contrárias aos benefícios da Pátria. Para Lacerda, não havia meios
termos, o ensino da História da nação deveria, sobretudo, preservar a memória da
Pátria e seus heróis. Resumindo, a narrativa continuava a enaltecer a Pátria, indican-
do como principais acontecimentos o descobrimento – ainda visto como fruto do
acaso –, a civilização iniciada pela ação do europeu no trato com os índios – ainda
compreendidos como selvagens –, os governos das capitanias – com a exaltação de
seus governadores –, o princípio de união e patriotismo presente ao mencionar a luta
contra os holandeses –, a independência – vista como condição para o progresso e
formação da unidade nacional.
A preocupação em endossar a história da nação como um passado homogeinizador
frente às crises do regime monárquico é enfatizada na escrita da história escolar domi-
nante no período final do século XIX de que Lacerda é representativo. O fim do período

29
HISTÓRIA: imperial talvez tenha sido o momento em que mais se pode verificar um discurso acerca
METODOLOGIA DO
ENSINO do ‘caráter nacional’. Diante da necessidade de se ‘regenerar’ os laços patrióticos, não
competia à prática dominante na historiografia tornar-se crítica e a principal função do
ensino de História seria, como parece óbvio, o de transmitir às gerações presentes e
futuras os modelos patrióticos para fonte de inspiração da moralidade nacional.
Mas a República chegou e com ela as dificuldades em redefinir os conceitos de
pátria, liberdade, cidadão e nacionalidade até então construídos para o ensino de His-
tória. A configuração sociocultural do Brasil de fins do século XIX – marcada pela
abolição, pela intensificação do processo imigratório, pela urbanização dos principais
centros do país, entre outros – pareceu, para parte dos intelectuais que se dedicavam a
pensar a brasilidade nos marcos da República constituída – um problema a mais para
as soluções em definir o que era o ‘povo’ brasileiro. A temática da identidade nacional
e da questão da organização do social formulava-se em termos diversos daqueles que
haviam predominado no fim do século.
O passado nacional deveria continuar a ser visto como glorioso, mas os valores de
nacionalidade deveriam percorrer outros eixos. Rever a historiografia instituída no
período monárquico passou a ser a dívida dos republicanos para com a nação e os
nacionais. Porém, a empreitada regeneradora não era fácil. Seria preciso, de imedia-
to, sobrepor a imagem do Império instituindo novos heróis nacionais à medida que
se reescrevesse a história da nação, sem descurar a memória da Pátria. Para tanto, o
balanço de Silvio Romero (1851-1914), no compêndio A história do Brasil ensinada
pela biografia de seus heróis, escrito em 1890, era indicativo das mudanças a serem
realizadas na escrita da História para a infância:

Deixemos as preferências injustificadas, o que não devemos esquecer é a cir-


cunstancia de se acharem representadas nessa luta sagrada pela independência
da pátria todas as classes da população, tendo à sua frente os respectivos che-
fes: os brancos filhos da metrópole representados por Vieira; os brancos filhos
do país representados por Vidal de Negreiros; os índios tendo à frente Filipe
Camarão; os negros capitaneados por Henrique Dias (ROMERO, 1908, p. 68).

Tratava-se, então, de fazer justiça aos heróis negligenciados, pelos monarquistas,


na sua ação patriótica – muitas vezes pago com a morte em combate. Era o caso, por
exemplo, de Tiradentes, cuja memória deveria evocar os outros mártires precursores14,
incluindo nesse novo rol de personalidades ilustres os heróis negros (Zumbi dos Pal-
mares), bem como índios, populares e anônimos.

14 Como, por exemplo, Manuel Bequimão, Bernardo Viera de Mello, Filipe dos Santos, Do-
mingos Martins, Padre Roma.

30
Ao lado dos brancos e dos grandes personagens oficiais já consagrados, deveriam Pensar a História,
repensar seu ensino:
ascender outros nomes, aqueles que lutaram ou que claramente contribuíram para por que ensinar o
passado à infância
com a consolidação da Pátria republicana. Da mesma forma, se esses eram os heróis, brasileira?

nos acontecimentos a serem ensinados aos concidadãos deveriam incluir o glorioso


processo de consolidação da República, não deixando de ‘destacar o território como
fundamento da nacionalidade, já que teria sido nessas lutas que as três raças se irma-
naram, que o sentimento nacional e as aspirações republicanas teriam tomado corpo’
(DANTAS, 2007, p. 237).
O princípio era o de conhecer a história da nação e, a um só tempo, as origens
republicanas – obrigação de todo cidadão brasileiro –, conteúdo que deveria alentar
a ‘alma patriótica’ desde a infância. Mas essa história, nos anos iniciais da República,
estaria ainda por se escrever, uma vez que a história até então escrita era ‘omissa e de-
ficiente na referência às sucessivas e sangrentas guerras que vieram conduzindo a nova
nação sul-americana à posse do governo do povo pelo povo’ (GONZAGA DUQUE,
1898, p. 5).
A história (agora sinônimo de nação republicana) parecia ter atingido a ‘consciên-
cia’ de si mesma. Por isso, verificamos a tentativa de ressaltar a biografia de um dos no-
mes considerados mais importantes da ‘Proclamação’, Deodoro da Fonseca. Admirar
Deodoro passou a ser um projeto republicano para o ensino de História, assim como a
República deveria ser objeto do amor pela Pátria, constante na memória dos escolares
que, por sua vez, deveriam ser a ela eternamente gratos.
Considerando esse trajeto assumido pela história ensinada, o que podemos dizer
acerca dos motivos que historicamente marcaram o porquê de se ensinar História nas
séries iniciais, desde sua afirmação como disciplina escolar no Brasil no século XIX?
No esforço empreendido pelos países da Europa e América na construção de suas
histórias nacionais encontram-se as respostas para tal indagação. Indagação que foi
respondida considerando a formação de identidades nacionais que, como observa-
mos, não correspondeu, no caso brasileiro, ao mesmo princípio no período imperial
e no republicano.
Mergulhados em seu tempo, é importante salientar que, embora obedecendo a
demandas temporais específicas, a nítida continuidade na forma de exaltação de um
passado comum a todos os grupos sociais que compuseram a vida social brasileira

31
HISTÓRIA: tornou-se o eixo de continuidade dessa historiografia até os dias atuais15. E se hoje essa
METODOLOGIA DO
ENSINO continuidade do discurso heroico não é tão admirável e a constatação de sua longa
existência nos livros didáticos, pela diversidade de narrativas, é menos visível, por
outro lado, é flagrante o ideário de uma Pedagogia da Nação subjacente aos elementos
formativos de suas propostas pedagógicas.
Dito de outra forma, embora os livros didáticos destinados aos anos iniciais do
Ensino Fundamental tenham sofrido importantes modificações ao longo do final do
século XX e início do atual, sua perspectiva é o clássico posicionamento de equacionar
polêmicas, negociando posições conflituosas quanto ao entendimento do que se en-
tende por História e seu ensino, enquanto o que verificamos, também na atualidade, é
que não existem posicionamentos teóricos ou metodológicos neutros, e como área de
pesquisa e produção de saberes está longe de apontar para consensos quanto ao que e
como se deve ensinar História, embora não exista posição que negue sua importância
na formação escolar desde a infância.
Considerando, portanto, esses aspectos da problemática – que aqui traçamos em
largos passos – optamos por esboçar uma reflexão sobre ensinar História na atualida-
de que toma um conceito que é central nessa área de conhecimentos: o conceito de
tempo, para relacionar história e ensino.
O esforço vai no sentido de problematizar a compreensão de que a história é a
ciência do passado nacional, uma mestra da vida que nos ensina sobre nossas raízes
identitárias, nossos deveres como cidadãos e uma genealogia do Brasil como Estado-
-nação nascida da harmônica união das três etnias que o compôs socioculturamente.
Tal problematização busca, enfim, ressignificá-la, produzindo uma significação de en-
sino de História como ‘leitura do tempo’16.
Isso porque os paradigmas de nação e pátria que iluminaram o processo de cons-
tituição do Estado nacional brasileiro e que ficaram presentes nos livros didáticos de
História alimentaram uma temporalidade fundamentada nas ideias de ordenação cro-
nológica e progressiva, presentes nas memórias e tradições sociais e no entendimento
da história escolar como mantenedora de uma identidade nacional, apresentada sem
as marcas dos conflitos e contradições de um tempo nacional voltado para um projeto
de brasilidade branca, europeia, cristã e civilizadora.

15 Ver: ABUD. Kátia. Formação da alma e do caráter nacional: ensino de História na Era
Vargas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, 1998; ZAMBONI, Ernesta.
Projeto pedagógico dos parâmetros curriculares nacionais: identidade nacional e consciência
histórica. Caderno CEDES, Campinas, SP, v. 23, n. 61, 2003.
16 Essa reflexão tem como ponto de partida o livro de Roger Chartier: A História ou a leitura
do tempo (2009).

32
HISTÓRIA E LEITURA DO TEMPO: DAS POSSIBILIDADES DE SUPERAR A Pensar a História,
repensar seu ensino:
PEDAGOGIA DA NAÇÃO por que ensinar o
passado à infância
brasileira?
O passado não conhece seu lugar, está sempre presente (Mario Quintana)17.

A produção de conhecimentos em história vem sofrendo modificações significativas


desde os anos iniciais do século XX, quando a chamada ‘geração dos Annales’ buscou,
no cenário francês, renovações metodológicas no ofício do historiador. Rompendo
com as certezas que até então caracterizavam o método de análise histórico oriundo
dos trabalhos pioneiros de Charles Victor Langlois e Charles Seginobos (Introduction
aux études historiques, 1897), esse momento foi considerado pelos historiadores con-
temporâneos como um momento de reconstrução e ‘crise’ do modo de entender a
função do historiador e da história por ele produzida.
A busca por novos caminhos para o desenvolvimento da pesquisa histórica carac-
terizou o universo acadêmico não só francês do século XX, mas também de outros
países da Europa, como a Inglaterra, a Itália, a Alemanha e os Estados Unidos, fazendo
circular entre os historiadores brasileiros – desde a década de 1930 – possibilidades
de renovação na escrita da história acadêmica. A produção institucional dos historiado-
res configurou-se, a partir de então, como um fazer em expansão em busca de diálogo
interdisciplinar, visando a objetos, temáticas, sujeitos e abordagens que pudessem ex-
plicitar diferentes modos de ver e contar o passado.
De acordo com Jacques Revel (1989, p. 15), o fundamental desse movimento de
mudanças é compreender que da ‘[...] própria prática dos historiadores do social, nas-
ceram reflexões e exigências que determinam hoje em dia, um pouco por toda a parte,
uma viragem crítica’. Isso porque, segundo Revel, os historiadores passaram a centrali-
zar melhor suas ambições em objetos restritos e mais fáceis de serem intermediados, a
partir de campos circunscritos, delimitados não mais por hábitos disciplinares ou técni-
cos, mediante conceitos preestabelecidos, mas sim pela própria prática do historiador.
Em decorrência dessas mudanças percebidas nos trabalhos de historiadores brasi-
leiros, particularmente a partir da década de 1980, percebemos, no campo do ensino –
em função da tendência de aproximá-lo de uma História Cultural –, um deslocamento
metodológico para a diversidade de leituras e representações do passado pesquisado/
ensinado, cujo eixo de análise tem sido o tempo vivido e representado individual e
coletivamente.

17 In: ALVES, José H. Pinheiro. A representação do tempo na poesia de Mario Quintana.


2000. Tese. (Doutorado em Literatura Brasileira)-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-
manas. USP, São Paulo, 2000.

33
HISTÓRIA: Por essa perspectiva, a proximidade entre o trabalho do historiador e do professor
METODOLOGIA DO
ENSINO de História ficou mais visível. Reconheceu-se que, embora tenham no passado um de
seus objetivos de estudos, é o trato com o tempo que marca a proximidade metodoló-
gica de ambas as práticas. Exatamente porque, como afirma Chartier (2009, p. 65) re-
cordando Fernand Braudel, ‘a especificidade da história, dentro das ciências humanas
e sociais, é sua capacidade de distinguir e articular os diferentes tempos que se acham
superpostos em cada momento histórico’. E mais:

[...] a leitura das diferentes temporalidades que fazem com que o presente seja
o que é, herança e ruptura, invenção e inércia ao mesmo tempo, continua sen-
do a tarefa singular dos historiadores e sua responsabilidade principal para com
seus contemporâneos (CHARTIER, 2009, p. 68).

Entendemos que esse é um primeiro aspecto que marca as ‘questões comuns’ –


embora com enfoques distintos – entre a produção de conhecimentos feita pelo his-
toriador e os saberes produzidos pelos professores de História. Ou seja, história e
ensino de História se aproximam pelo trato com a temporalidade no estudo da relação
passado-presente-futuro.
Por meio de prescrições curriculares, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Na-
cionais (PCNs), podemos perceber que o trabalho pedagógico com conteúdos do pas-
sado tornou-se, pelo desempenho dessas mudanças, mais complexo.
A indicação de uma história social, recortada pela perspectiva cultural, atravessa
a proposta de um novo ensino de História que se deve fazer pelo relacionamento
dos nexos sociais com os modos de organização político, percorrendo dos hábitos
culturais às construções imaginárias; a indicação das diferentes maneiras de produzir,
habitar, festejar, locomover-se, etc., em diferentes tempos e espaços, sublinhando mu-
danças e permanências, reconhecendo singularidades e diferenças de situações histó-
ricas específicas na vivência humana em sociedade.
Por intermédio dessas indicações metodológicas, tem-se sublinhado a importância
de se perceber uma história do presente que pressupõe que não haja apenas história
do passado. Ou seja, uma história que acabe com um corte nítido entre presente e
passado. Aqui, reside uma dificuldade que um novo ensino de História impõe aos pro-
fessores no momento atual, tendo em vista a tradição de uma historiografia didática
que anteriormente já referimos.
A incursão feita sobre os manuais destinados ao ensino de História no Brasil para
as séries iniciais, no século XIX e início do XX, oferece um testemunho sobre como
a relação temporal é significativa na produção de saberes históricos escolares. A pri-
meira constatação é a de que a compreensão de um tempo linear, no sentido de uma

34
continuidade sem rupturas, foi inaugurado, na experiência brasileira, com a institui- Pensar a História,
repensar seu ensino:
ção monárquica. por que ensinar o
passado à infância
Na tarefa de ‘inaugurar a nação’, reforça-se a procura dos primeiros momentos brasileira?

dessa história, localizando a Pátria-mãe (Portugal), mas que, para crescer e tornar-se
ela mesma uma grande nação, teve que se desvincular (presente) dos laços maternais
e conduzir-se (futuro) em prol de uma nova Pátria, para a salvação e glória dos que
haviam chegado à Terra de Santa Cruz em 150018. A consolidação do Império é mo-
vida, na leitura do passado presentificado nos manuais escolares, por um desejo de
‘eternidade’, o gosto romântico pelo passado glorioso da ‘Descoberta do Paraíso’ e da
institucionalização do Império Brasileiro.
O tempo linear continua, agora fortalecido, entre os manuais do período republi-
cano. Entretanto, o presente não é absorvido pelo passado, pois este lhe dá sentido
e significado. Ao tempo presente (republicano) caberia ‘atualizar’ o passado, ‘resga-
tando’ memórias perdidas e organizando a galeria dos heróis que conduziram o Brasil
para a formação de uma nação livre e, sobretudo, republicana.
A releitura do passado, inclusive dos símbolos nacionais, não desvaloriza a cro-
nologia nem seus compatriotas, apenas a complementa, uma vez que a ruptura se
apresenta como um meio de reconduzir a nação para os caminhos do futuro (de pro-
gresso e modernidade). Passado, presente e futuro se relacionam na historiografia
didática republicana para apresentar, entre as origens ‘obscuras’ do passado colonial e
imperial, a ideia de progresso e modernidade, o futuro a ser atingido, já que agora se
reconheciam os erros do passado.
Tal compreensão do tempo histórico atingiu o seu fim na medida em que perpe-
tuou essa compreensão do tempo linear, cronológico e progressivo no ensino escolar
no século que se seguiu. Essa concepção da relação passado-presente-futuro desem-
penhou um enorme papel na formação dos saberes históricos escolares, cuja marca
mais visível é a percepção de que explicar o passado é descrever linearmente seus
acontecimentos em uma periodização (entendida como linha do tempo) que toma o
surgimento e o desenvolvimento da vida política nacional como os ‘marcos fundado-
res’ do progresso do país.
Romper com essa compreensão da temporalidade histórica está no centro das pos-
sibilidades de mudanças para ensinar História na atualidade. Um ensino que ‘se recuse
a demissão perante o conhecimento do presente, no preciso momento em que este
muda de natureza e se enriquece com os elementos de que a ciência se mune para

18 Terra de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz, assim se chamou o Brasil nos primeiros tem-
pos após a chegada dos portugueses em Porto Seguro.

35
HISTÓRIA: conhecer o passado’ (LE GOFF, 1996, p. 224-225). Em poucas palavras: vivemos um
METODOLOGIA DO
ENSINO momento em que se torna possível e útil superar a tradição historiográfica baseada
em uma Pedagogia da Nação, oferecendo às crianças nas séries iniciais uma história
movimento, uma história-problema, em que se possa pensar o presente pelo passado,
mas também o passado pelo presente (BLOCH, 2001, p. 65-68).
Por meio dessa compreensão podemos reconhecer que a história é um campo de
conhecimentos que permite muitas abordagens dos acontecimentos, não havendo,
portanto, uma história a ser resgatada, mas possibilidades diversas de relacionar o
passado com o presente, assim como o presente com o passado, com o fim de com-
preender a complexidade dos movimentos de continuidades e rupturas na vivência so-
cial dos homens em suas diferentes formas de caracterizá-los (grupos, classes, etnias,
indivíduos, gêneros, etc.).
Tal perspectiva põe em evidência a importância de instrumentalizar as crianças, no
processo de alfabetização e letramento, com capacidades para ler e interpretar indí-
cios de marcas deixadas por grupos sociais de diferentes tempos e lugares, o que põe
em foco as fontes utilizadas e a capacidade de suas leituras pelo professor e alunos.
Esse conhecimento é importante para compreender que os textos históricos possuem
organização temporal e contemplam relações (de rupturas e continuidades) entre os
acontecimentos.
Compreendemos, por esses motivos, que a perspectiva de trabalhar com fontes no
ensino desde as séries iniciais colocou em destaque o ensino de História local e do
Cotidiano por possibilitar o acesso a documentos pelos professores e também pelos
alunos. O trabalho com o tempo, por esse eixo de estudos, é pensado em atividades
em que se façam relações entre as atividades locais e os acontecimentos históricos da
cidade.
Ou seja, podemos pensar em atividades que reconheçam as formas pelas quais
ocorreu a preservação do que ficou na memória social – desde a fundação dos núcleos
urbanos até a memória materializada em monumentos, praças, nomes de ruas e edi-
fícios públicos –, com o fim de reconhecer as marcas do passado na paisagem da ci-
dade, suas procedências e seus espaços de memórias. Torna-se significativo, inclusive,
trabalhar com essas memórias, relacionando-as com as representações que diferentes
indivíduos e grupos sociais têm da história da cidade.
Ao trabalhar com a diversidade de enfoques, torna-se possível confrontar informa-
ções colhidas em registros diferentes sobre os mesmos acontecimentos que marcaram
a experiência do tempo que cada aluno tem com o passado- presente vivido, e que,
por meio do ensino, ele é instigado a percebê-lo como presente-passado estudado,
uma vez que as mudanças e permanências, ‘[...] quando não reduzidas ao número,

36
não tem direção dada antecipadamente, e as sociedades se relacionam, diferentemen- Pensar a História,
repensar seu ensino:
te, em cada época, ao seu próprio passado e ao seu futuro’ (REIS, 1994, p. 22). por que ensinar o
passado à infância
Enfim, no desdobramento dessa proposta para as séries iniciais, entendemos que brasileira?

é possível trabalhar com a diversidade de enfoques permitidos pela leitura das fontes
que são levadas para a sala de aula e chegar às percepções da vida sociocultural pelas
quais o passado recebe significados que ajudam a romper com o tempo linear, crono-
lógico e evolutivo.
Destacamos que a percepção da temporalidade histórica é capaz de superar a pers-
pectiva de uma Pedagogia da Nação.

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Proposta de Atividade

1) Considerando a relação História e Ensino de História apresentada no texto, descreva


porque o conceito de tempo histórico é central na tarefa de ensinar História no Ensino
Fundamental.

39
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Anotações

40
3 A linguagem televisiva
na escola
Geni Rosa Duarte

Frequentemente, os professores sentem-se um tanto ‘ultrapassados’ em sua ativi-


dade diária frente a meios como a televisão e, mais recentemente, a Internet. Como
competir, munidos de giz e apagador, com recursos sedutores, que conseguem pren-
der, sem nenhum esforço, a atenção das crianças? A tentação, portanto, é trazer esses
recursos para a sala de aula, para dividir com eles a tarefa de ensinar.
Tal atitude encerra possibilidades, mas também perigos. Substituir a televisão das
casas por um aparelho em sala de aula sem mudar a forma de se colocar frente a esse
meio pode sedimentar atitudes que vão contra os próprios objetivos educacionais for-
mulados pelos professores.
Não basta substituir a palavra escrita por imagens, ou imagens fixas por imagens
em movimento. Certamente, a apresentação de um documentário em cores com in-
formações sobre coisas com as quais a criança não tem contato – por exemplo, sobre
a vida marítima para crianças que vivem no interior, ou sobre a floresta para crianças
que vivem nas cidades – pode ter resultados extremamente positivos. Embora esse seja
um recurso educativo muito interessante, a televisão supera em muito essa situação
de apenas ser um suporte para trazer à sala de aula novas informações. Se pararmos
somente nisso, estaríamos empobrecendo as possibilidades de discutir a televisão em
nossas vidas. E ela, no dia a dia da criança, assume funções que vão muito além desse
potencial informativo.
Tem sido uma preocupação constante dos educadores a discussão em torno do
número de horas que as crianças passam frente à televisão, em uma atitude passiva. A
chamada ‘babá eletrônica’ assume suas funções desde a mais tenra idade. Ao chegar à
escola, aos cinco, seis, sete anos, a criança já traz uma larga experiência televisiva, que
não pode ser ignorada. Isso coloca ao professor um desafio: como lidar com a televisão
– dentro e fora da sala de aula? Como dialogar com ela?
As páginas que seguem têm por objetivos levantar algumas possibilidades, a partir
das quais os professores possam refletir e propor algumas atividades com seus alunos.
As atividades são pensadas para serem desenvolvidas com crianças da 1o ao 5o ano do
Ensino Fundamental.

41
HISTÓRIA: Cremos que a primeira tarefa do professor, nesse ponto, é colocar em questão a
METODOLOGIA DO
ENSINO própria televisão enquanto objeto nas salas de aula, bem como o ‘ver televisão’ en-
quanto componente do cotidiano.
Muitas vezes a criança, especialmente aquela que se inicia no Ensino Fundamental,
não tem ideias claras sobre mudanças que se expressam em seu dia a dia. Não passa de
forma natural por suas mentes que as coisas nem sempre foram assim, que a televisão
nem sempre esteve no espaço central das casas.
Uma das tarefas do ensino de história com crianças, por conseguinte, é mostrar
que no passado existiram modos diferentes de viver daqueles de hoje. Dessa forma,
discutir a televisão nos remete a tempos em que esse meio de comunicação não existia,
e outras formas de lazer eram desenvolvidas nas casas das pessoas.
Ao mesmo tempo, devemos discutir as muitas funções que a televisão tem em nos-
so cotidiano, seus direcionamentos aos diferentes grupos etários, às diferentes classes
sociais. É necessário alertar, portanto, que, embora a Rede Globo tenha, indiscutivel-
mente um papel hegemônico, ela não pode ser um referencial único. Além das outras
emissoras abertas, convivemos com a televisão paga e com outras possibilidades, como
a TV comunitária, de regulamentação mais recente.
A seguir, apresentamos algumas sugestões de atividades que o professor pode com-
por e recompor em conjuntos ao trabalhar com crianças.

Atividade 1: A televisão em casa: nem sempre foi assim...


Pode-se iniciar com um debate entre as crianças sobre o papel que a televisão exer-
ce em nossas vidas. Seria interessante ao professor, nessa fase, conhecer mais pro-
fundamente os ‘hábitos televisivos’ de seus alunos: quantas horas, em média, passam
diante da TV? Em que local da casa fica o aparelho de televisão? Quantos aparelhos há
em casa? Quais as formas de controle – se é que existem – que os pais têm sobre o que
as crianças veem na televisão?
Após esse levantamento, propor aos alunos a questão: será que as coisas sempre
foram assim? Ou seja: houve um tempo em que não se tinha televisão? Como era?
Como se fazia?
A seguir, pode-se estruturar uma pesquisa a esse respeito. Os alunos mais velhos
podem estruturar uma entrevista com os avós, perguntando sobre alguns hábitos de
infância. Ou pode-se convidar alguém para conversar acerca dessa temática com as
crianças em sala de aula – e elas podem, antecipadamente, levantar questões para
fazer ao entrevistado. Às vezes, a televisão entra com tanta naturalidade na vida das
pessoas que é difícil imaginar mesmo a TV em branco e preto...

42
Outra possibilidade seria discutir a questão do rádio como meio de comunicação A linguagem televisiva
na escola
mais presente na vida das pessoas até quatro ou cinco décadas atrás. O aparelho de
rádio, então, ocupava o lugar que hoje, na maior parte das vezes, é ocupado pela TV.
A programação radiofônica era, então, bastante diferente da que é apresentada hoje,
tanto nas rádios AM como nas FM. A investigação, nesse sentido, pode ser feita a partir
de depoimentos orais, mas também por fotografias, e até mesmo através da análise de
alguns programas radiofônicos antigos. Se se dispuser de um aparelho de rádio antigo,
pode-se discutir sobre isso. Pode-se mesmo propor que as crianças, a partir da pesqui-
sa, apresentem um ‘teatrinho’ a respeito. A pesquisa pode ser ampliada para se discutir
a existência de discos, ao invés dos CDs, e abranger tempos mais remotos.

Atividade 2: O que é a televisão? Como funciona?


As crianças são, em geral, bastante curiosas. Sendo assim, despertar sua atenção
para essa questão pode não ser tão difícil como se imagina.
O que é a televisão? Como um aparelho, de dentro de nossas casas, consegue cap-
tar imagens transmitidas do outro lado do mundo?
Muitas vezes, o professor não tem domínio desse assunto. E é ótimo que ele com-
partilhe isso com seus alunos, buscando meios de superar esse fato. A quem se dirigir?
Que material consultar?
Pode-se ter acesso a materiais, às vezes bastante esquematizados, sobre o funciona-
mento da TV. Podem ser livros, enciclopédias, ou até mesmo documentários em vídeo.
Mas pode-se também – e uma coisa não elimina a outra – chamar pessoas que possam
esclarecer isso devidamente. Um pai engenheiro, por exemplo, pode ser convidado a
dar uma aula acerca desse tema – ou o professor de física do curso médio. Os alunos
podem também fazer uma visita a uma fábrica de televisores, caso haja uma em sua
cidade, ou a uma oficina de reparos. Seria interessante que a questão a se conhecer –
como funciona? – fosse colocada para ser discutida, e que as soluções para o problema
fossem sugeridas pelas crianças, a partir das quais se tomariam decisões.
Além do funcionamento do aparelho, existe também a questão de se saber como
são feitos os programas. Existe possibilidade de se visitar um estúdio de televisão? Ou
a pesquisa pode ser feita a partir de revistas, de sites pela Internet, etc. O que interessa
é que a criança entenda que os programas são gerados a partir de objetivos bem espe-
cíficos, que são produzidos para serem consumidos. Ela pode entender isso a partir
da leitura de um conjunto de programas, discutindo qual o objetivo de cada um, para
quem se dirige, etc.
Outra questão importante a ser discutida é relativa aos aspectos financeiros: afinal,
a televisão é um negócio que deve gerar lucros. Quem financia? Importante, então,

43
HISTÓRIA: olhar para as propagandas veiculadas, identificando produtos e as formas usadas para
METODOLOGIA DO
ENSINO que eles se tornem atraentes.

Atividade 3: A programação jornalística


A televisão informa, e essa sua face fica muito evidente nos telejornais. Estes não
são, verdadeiramente, os únicos focos informativos da televisão, mas através deles essa
função fica mais evidente.
As pessoas costumam narrar acontecimentos, dramatizando-os ou não, apresen-
tando provas ou não. Nem todos narram da mesma forma. Os meios de comunicação
narram de formas diferentes. A proposta de trabalho com as crianças é discutir essas
diferentes formas de narrar.
O professor pode trazer para a sala de aula trechos de telejornais e discutir com os
alunos como as notícias são transmitidas. Pode observar que essa transmissão se dá atra-
vés da palavra (ou dos comentários dos jornalistas) e das imagens. Pode experimentar
olhar para o telejornal sem som, apenas com as imagens, ou sem elas. Qual a sensação?
O professor pode, ainda, levar a discussão para as diversas maneiras de apresentar
notícias nos diferentes meios de comunicação. Como isso seria feito no rádio, onde
não há imagens? Os alunos podem experimentar. Um bom exercício seria transformar
uma notícia ‘vista’ na TV para um formato para ser ‘ouvida’ no rádio. Ou então o pro-
fessor pode gravar o noticiário radiofônico sobre um mesmo assunto, apresentando-os
lado a lado.
Ao mesmo tempo, pode-se levar a discussão para a diferença entre a palavra im-
pressa e a falada. Qual a diferença entre o jornal diário e a TV? O professor pode pro-
por que os alunos coletem nos jornais notícias sobre o fato em discussão através dos
telejornais. Como é escrito o texto? Como aparecem as imagens?
Pode-se discutir também, a partir dessas atividades, a questão da veracidade das
informações jornalísticas. Todos esses meios de comunicação apresentam os fatos
da mesma forma? Podem-se identificar maneiras diferentes de falar de um mesmo
acontecimento?
Naturalmente, as crianças não serão capazes de se colocarem de forma crítica fren-
te a essas informações. Mas podem ser enfatizadas as formas diferentes de narrar,
podem ser apontados os silenciamentos, as falhas, as omissões. Em uma fase posterior,
a criança poderá perceber diferenças nas opiniões veiculadas. Mas isso só será possível
com um contato contínuo e constante com essa produção. Entretanto, é importante
frisar: não se deve usar textos sempre dos mesmos jornais, ou dos mesmos telejornais.
Havendo recursos na escola, os alunos podem produzir reportagens, abordoan-
do acontecimentos do cotidiano da escola ou de seu entorno, tanto de forma escrita

44
(publicando-os em um boletim ou em um jornal mural) como de forma radiofônica A linguagem televisiva
na escola
ou televisiva. Nesse último caso, na impossibilidade de se usar uma filmadora, pode-se
fazer uso de uma câmara fotográfica digital, apresentando as sequências de imagens na
TV com narração ‘ao vivo’ pelas crianças.

Atividade 4: A propaganda via TV


Nada é mais sedutor na TV do que a propaganda. No interior dos horários infantis,
no meio dos desenhos, há um investimento muito grande em ‘vender’ produtos para
as crianças, seja através dos anúncios, seja através das inserções das apresentadoras
dos programas. Há um claro direcionamento no sentido de fazer com que a criança
passe a desejar os produtos apresentados, identificados com personagens televisivas
reais ou imaginárias.
Poderíamos ir contra essa sedução? Seria possível simplesmente mostrar à criança a
artificialidade dessa produção, no sentido de torná-la menos vítima?
Dificilmente. Necessariamente o professor deverá abordar indiretamente essa
questão, para então discutir a propaganda televisiva em si.
O professor pode, de início, discutir a multiplicidade de formas de propaganda que
existem. Por exemplo, observar como são anunciados produtos e serviços nas ruas:
através dos nomes de lojas, da exposição de produtos a serem vendidos, de vitrines,
de outdoors, etc. Em seguida, observar a propaganda veiculada nos jornais, revistas e
encartes, bem como nos folhetos distribuídos na cidade. Mesmo a propaganda política
pode ser abordada. Discutir com os alunos quais os objetivos de todo esse conjunto:
por que a propaganda é tão importante? Por que ela é tão presente em nossas vidas?
Seria preferível deixar de lado a propaganda televisiva que estabelece uma relação
muito direta com a criança.
Em seguida, o professor pode discutir os objetivos de toda essa propaganda. Os
alunos devem, olhando os anúncios, definir o que se quer com essa veiculação. Nesse
âmbito, a propaganda pode se direcionar, no mínimo, a:
• apresentar os produtos;
• apresentar dados sobre esses produtos;
• esclarecer formas de usar ou de adquirir esses produtos;
• relacionar esses produtos com atributos que vão além dele: saúde, conforto,
segurança, bem-estar, status, etc.

Em seguida, os alunos podem montar uma agência de propaganda. Cada grupo


receberá um produto novo, que deverá ‘vender’. Cada grupo deve pensar em formas
diferentes de apresentar o produto, da forma mais criativa e sedutora possível, em

45
HISTÓRIA: jornais, revistas e outdoors. Os resultados podem ser organizados em um grande pai-
METODOLOGIA DO
ENSINO nel, na sala de aula ou em outro espaço.
Pode-se trabalhar também com a propaganda sonora, através dos jingles. O profes-
sor pode chamar a atenção para a possibilidade de gravar marcas a partir de pequenas
peças musicais – e os alunos podem fazer um levantamento desses jingles significati-
vos no passado e no presente, perguntando e gravando alguns deles.
Só então seriam analisadas propagandas na TV, primeiro de produtos não direta-
mente relacionados às crianças, depois destes últimos. O objetivo é que a criança se
perceba como interlocutora, e possa dialogar com a mensagem a ela dirigida.

Atividade 5: Filmes e desenhos animados


Cinema é diversão. Cinema é cultura. Cinema é arte.
Se tivéssemos que optar por uma dessas afirmações, provavelmente diríamos que
o cinema é tudo isso.
Pensando no filme veiculado pela televisão, qual dessas definições escolheríamos?
Nossa escolha estaria relacionada à função que atribuímos à televisão, mais do que ao
produto veiculado por ela. Portanto, se consideramos a televisão parte constitutiva do
lazer das pessoas, o filme torna-se diversão, entretenimento. Mesmo que ele veicule
uma carga de informações da qual muitas vezes nem temos consciência.
Trazer o cinema para discussão em sala de aula, portanto, não nos desobriga de
pensar a esse respeito. Por isso, muitas vezes essa atividade, quando vivenciada na
escola, aparece mais como lazer do que como recurso ligado aos conteúdos que o
professor quer trabalhar.
Isso porque o cinema, na TV, constitui lazer para a imensa maioria dos telespecta-
dores. E o professor não pode ignorar isso.
Por isso, sugerimos que o professor inicie a atividade discutindo exatamente essa
dimensão do cinema na TV. E uma das formas para se chegar a isso pode ser a discussão
do universo dos desenhos animados, direcionados em especial para o público infantil.
O professor pode optar por diferentes caminhos. Uma das possibilidades seria dis-
cutir a questão a partir dos desenhos animados, tão presentes na programação infantil.
O professor poderia iniciar o trabalho pela discussão da tecnologia que possibilita
que as imagens fixas, tomadas a intervalos muito pequenos e projetadas a determinada
velocidade, deem a ideia de movimento. Se fosse possível examinar um filme super-8
e vê-lo projetado seria muito interessante, mas nem sempre o professor pode ter tais
recursos a mão.
Seria possível apresentar à classe desenhos feitos em décadas já bem distantes, re-
compondo então o trabalho artesanal de sua produção; compará-los com as histórias
em quadrinhos, desenhadas e legendadas.
46
Em nossos dias, a produção de desenhos animados tornou-se uma atividade in- A linguagem televisiva
na escola
dustrial, com uma divisão de trabalho bastante expressiva. Não deve ser esquecido
o fato de que a produção desse material é feita a partir dos grandes conglomerados
industriais, o que faz com que o cotidiano nelas focalizado seja muito distante do nos-
so. Ou não? Como se dá a produção de gibis, tiras e filmes de Maurício de Souza, por
exemplo? Eles expressam nosso cotidiano?
Não esquecer a relação dos desenhos com a publicidade. Os desenhos são excelen-
tes vendedores de muitos produtos. Que produtos são vendidos pelos personagens
dos desenhos? Como são feitas as campanhas?
Outra possibilidade seria a discussão dos desenhos atuais, especialmente aqueles
que focalizam os super-heróis. O professor pode propor discussões envolvendo a pró-
pria construção dos personagens e dos cenários em que eles atuam: quais são suas ca-
racterísticas? Quais são as possibilidades de atuação? Como se dão as ações individuais
e/ou coletivas? Seria possível fazer aproximações com a realidade vivida hoje?
Nessa última direção, é necessário que o professor tome alguns cuidados. Os perso-
nagens dos desenhos animados geralmente são bastante emblemáticos, e muitas vezes
se utiliza uma linguagem simbólica nem sempre acessível às crianças. Os maus sempre
são excessivamente maus, e os personagens positivos são excessivamente bons. Cha-
mando a atenção das crianças para isso, o professor pode propor atividades em que
essas características possam ser salientadas – e discutidas. Deve ficar bem claro para a
criança que, na vida real, ninguém pode tanto como esses super-heróis, nem tem todas
as características positivas, tampouco as negativas.
As crianças podem realizar um exercício de compor elas mesmas um super-herói:
que características ele teria? Que problemas poderia resolver? Talvez ele refizesse as ruas
do bairro, resolvesse problemas de transporte... O professor poderia mostrar que essa
construção seria apenas ficcional, que as formas para resolver esses problemas pode-
riam ser outras. E como seria se o super-herói criado fosse embora e todos tivessem que
resolver esses problemas? Poderia ser esse o enredo de uma história em quadrinhos...
Muitas vezes, o professor deseja discutir um determinado filme em sala de aula.
Deve, então, deixar claro para os alunos o que quer da atividade, pois isso implicará
em uma mudança de atitude por parte dos alunos. O filme deixará de ser uma ativida-
de de lazer, mas será o ponto de partida para discutir determinadas questões.
Vamos supor que o professor deseja discutir questões a partir do filme Procurando
Nemo, produção resultante da associação entre a Walt Disney e a Pixar Animation,
lançada em 2003 nos Estados Unidos e no Brasil. A escolha do filme pode ser feita a
partir de questões que o professor deseja discutir, mas também pode ser feita entre
produções que façam sucesso entre os alunos.

47
HISTÓRIA: O professor pode iniciar com a discussão de uma proposta de estudo antes mesmo
METODOLOGIA DO
ENSINO de ver (ou rever) o filme. Pode propor questões para que os alunos discutam a cons-
trução dos personagens, suas características físicas e de caráter; o ambiente, com a
competitividade trazida pela presença de predadores e pela interferência do homem;
as situações que apontam para a superproteção paterna sobre Nemo e seu desejo de
autonomia; a necessidade de atuação conjunta de todos os peixes do aquário para
a fuga, entre muitos outros aspectos. O professor deve dizer exatamente o que ele
pretende que os alunos observem no filme, e com crianças pequenas não podem ser
coisas muito complexas. Mas nunca ele pode se furtar de uma discussão posterior, na
qual os alunos possam se posicionar. E a atividade pode dar início a outras pesquisas,
no sentido de aprofundar os conhecimentos trabalhados.
Procuramos indicar algumas possibilidades que o professor pode compor e re-
compor a partir dos objetivos a que se propõe. Na verdade, podemos observar que
a televisão utiliza várias linguagens e as recompõe em um todo que se torna muito
significativo para a vida moderna. Nunca é demais repetir que a televisão é importante
demais para que seja um mero recurso pedagógico. Ela é parte integrante das nossas
vidas, e como tal deve ser trabalhada pelo professor.
Para terminar, deixamos para reflexão as palavras de Chico Buarque de Holanda,
em uma canção do início de sua carreira, em que ele mostra que tinha consciência das
mudanças trazidas pela televisão em uma época em que esse meio de comunicação
não tinha nem de longe a força e o alcance que tem hoje:

O homem da rua / fica só por teimosia / Não encontra companhia /mas pra casa
não vai não /Em casa a roda /já mudou, que a moda muda /A roda é triste, a roda
é muda / em volta lá da televisão /No céu a lua / surge grande e muito prosa / dá
uma volta graciosa / pra chamar as atenções /O homem da rua / que da lua está
distante / por ser nego bem falante / fala só com seus botões / O homem da rua
/ com seu tamborim calado / já pode esperar sentado / sua escola não vem não /
A sua gente / está aprendendo humildemente / um batuque diferente / que vem
lá da televisão / No céu a lua / que não estava no programa / cheia e nua, chega e
chama / pra mostrar evoluções / O homem da rua / não percebe o seu chamego
/ e por falta de outro nego / samba só com seus botões / Os namorados / já dis-
pensam seu namoro / quem quer riso, quem quer choro / não faz mais esforço
não / E a própria vida / ainda vai sentar sentida / vendo a vida mais vivida / que
vem lá da televisão / O homem da rua / por ser nego. conformado / deixa a lua
ali de lado / e vai ligar os seus botões / No céu a lua / encabulada e já minguando
/ numa nuvem se ocultando / vai de volta pros sertões... (A televisão - Chico
Buarque - 1967).

48
Referências

HOLLANDA, Chico Buarque de. A televisão. In: Álbuns Chico Buarque, vol. 2,
faixa 9. RGE/Som Livre, 1967.

Anotações

49
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Anotações

50
4 Jornais e revistas no
aprendizado da História
Luis Fernando Cerri

No mundo atual, ter acesso e ter o hábito de ler jornais e revistas é fundamental
para o exercício da cidadania. É através desses meios que o indivíduo tem acesso a
informações, ideias e debates centrais para que possa agir no mundo de forma cons-
ciente, propositiva e de acordo com os seus interesses. Evidentemente, a leitura dos
jornais e revistas não é condição suficiente para essa qualidade de ação do sujeito,
mas certamente é uma condição necessária na atualidade. Neste capítulo, objetivamos
discutir como a metodologia da história pode contribuir para essa utilização ativa de
jornais e revistas e também o inverso: como os jornais e revistas podem ser apropria-
dos como recursos da metodologia do ensino de História para contribuir na obtenção
de resultados satisfatórios na aprendizagem.

AS CARACTERÍSTICAS DO CONHECIMENTO HISTÓRICO EM JORNAIS E


REVISTAS
Muitos estudiosos apontam que o saber histórico não se resume a um conhecimen-
to produzido por especialistas em instituições acadêmicas, mas trata-se de um saber
produzido em diversos âmbitos, para os mais diversos usos, e que entra em diferentes
relações com o saber erudito (simplificação, oposição, complementaridade, referência,
etc.). Assim ocorreria, por exemplo, com o saber escolar. Cabe aqui uma breve reflexão
sobre o que ocorre com o conhecimento histórico presente em jornais e revistas.
Primeiramente, é preciso considerar as características específicas dessas mídias e
seus objetivos no momento em que produzem o material que será posteriormente
aproveitado na escola para as atividades de ensino da História. Os jornais compõem
uma fonte riquíssima para o ensino da História, desde que sejam tomados alguns cui-
dados. Como toda fonte primária, o texto extraído do jornal não pode ser entendido
como o registro fiel de seu tempo, como se a imagem exata dos acontecimentos pu-
desse ser registrada em letras da mesma forma que os sais de prata registram a luz na
fotografia. Os próprios teóricos da fotografia concordam hoje que a imagem fotográfi-
ca não é a reprodução do real, mas um recorte, um olhar, uma interpretação, embora
criem a ilusão de simular o registro da totalidade do real. Assim, o jornal, embora
produzido quase que ao mesmo tempo em que acontecem os fatos que relata, não
pode ser entendido como registro imediato dos eventos.
51
HISTÓRIA: No tratamento dos jornais em sala de aula, é preciso considerar que o documento
METODOLOGIA DO
ENSINO que está à disposição da turma resulta de uma série de seleções, e a primeira delas é
aquela feita no tempo em que o texto surgiu, na redação do jornal, no momento de
elaborar a pauta, a partir de várias informações e textos à disposição dos jornalistas;
depois, é resultado da seleção dos jornais que sobreviveram ao tempo, preservados
voluntária ou involuntariamente; é resultado ainda da seleção, pelo historiador ou co-
lecionador, entre os milhares de textos disponíveis nos jornais preservados nos arqui-
vos. É preciso que o aluno tenha noção, portanto, de que esse procedimento origina
uma extensa área de silêncios sobre o passado que não podem ser desprezados.
Tomando esses cuidados, o documento jornalístico não pode ser tomado – o que,
de resto, vale para os demais tipos de documento – como expressão pronta e acabada
de uma pretensa verdade histórica. Se mesmo a verdade em história é resultado de
uma construção metódica e submetida ao consenso provisório entre sujeitos pesqui-
sadores, o documento deve ser entendido como uma construção e como um elemento
de outra construção, que é a dos sentidos que atribuímos ao processo histórico.
O texto jornalístico traz várias vantagens, conforme a escolha feita e a utilização
desenvolvida pelo professor: pode, assim, ser capaz de dar visibilidade ao cotidiano,
ao registro contemporâneo do evento estudado, ao tipo de atenção ou análise que tal
evento despertou em sua época. Permite acompanhar dados ausentes na ‘grande his-
tória’, como o acompanhamento do cotidiano, a parcialidade e a velocidade das mu-
danças, o desenrolar das polêmicas. Por ser uma fonte relativamente acessível, o jornal
pode aproximar a história ensinada da história local, ajudando a relativizar a ideia
de processos históricos amplos (nacionais) submetidos a apenas uma lógica. Permite
algum acesso à opinião pública, pois apesar das seleções operadas pela linha editorial
do jornal, o sucesso de vendas está voltado a atender os interesses de informação da
população – seja a polêmica, os crimes ou as mudanças políticas e econômicas.
Além disso, jornais e revistas podem se comportar como suportes informativos.
Instados por datas comemorativas (por exemplo, os 500 anos do Descobrimento ou
os 100 anos da Abolição) ou eventos de grande repercussão com raízes históricas im-
portantes (como a unificação europeia, o 11 de Setembro de 2001 ou a eleição de
Luiz Inácio Lula da Silva à presidência). Nesses momentos, trazem várias informações,
textos, documentos, gráficos, que podem ser utilizados pelo(a) professora(a), desde
que tomando, além do cuidado já mencionado com a intencionalidade e a parcialida-
de possível na seleção e no conteúdo dos materiais disponibilizados, o cuidado com
a linguagem e a complexidade, já que cada publicação tem diferentes públicos, e as
características do material são direcionadas a eles.

52
Outro rico uso dos textos de imprensa em jornais e revistas é a percepção, nas Jornais e revistas no
aprendizado da História
notícias e reportagens referentes ao presente, da História imediata1, dos elementos do
passado que constituem e condicionam os acontecimentos do presente. Esse trabalho
permite aos alunos perceber a integração entre passado, presente e futuro, evitando a
formação de um entendimento fragmentado da história.
O trabalho com séries de documentos de imprensa, por exemplo, através dos re-
cortes de um mesmo jornal ou seção de jornais ao longo de meses ou anos, permite
classificar fatos por ritmos diferentes de desenvolvimento e/ou mudança, possibili-
tando ao (à) professor(a) o trabalho com o conceito de duração e a demonstração/
explicação das diferentes ordens de acontecimentos (políticos, econômicos e sociais)2.
Os exercícios práticos com jornal podem ser desenvolvidos em três níveis. No prin-
cípio, a simples classificação dos acontecimentos tratados e as referências explícitas ou
implícitas aos fatos duradouros. A seguir, para esclarecer a atualidade escolhida, a ela-
boração de um quadro (eventualmente um gráfico) de todos os fatos conjunturais ou
estruturais que possam contribuir para sua explicação, com as conotações de extensão
e de profundidade. Finalmente, para as classes mais avançadas, o artigo de informação
jornalística pode ser substituído por um texto explicativo, isto é, histórico. Em uma
classe, cada aluno trabalhando com uma informação diferente, o texto do jornal po-
derá ser substituído por um novo escrito que poderá ser chamado agradavelmente de
‘histórico’. Eis um caminho para se sair da tradicional dissertação ou da explicação do
documento em ‘vinte minutos’3.
Outro campo de trabalho é o uso de jornais e revistas antigos, que podem ser con-
siderados também como testemunhos históricos, não da história imediata ou dos ele-
mentos do passado no presente, mas representações sobre acontecimentos, costumes,
convivência, etc., em diferentes passados. Assim ocorre com coleções de jornais e re-
vistas preservados por instituições públicas ou privadas ou por indivíduos ou famílias.

TRATAMENTO DO TEXTO JORNALÍSTICO EM SALA DE AULA


Não difere em essência o trabalho do historiador com os documentos daquele tra-
balho desenvolvido em sala de aula junto aos alunos, mesmo os mais novos. Claro que

1 Sobre a História Imediata, ver, por exemplo, SILVA, Marcos A. da. História: o prazer em
ensino e pesquisa. In: SILVA, Marcos A. da. O imediato como referência permanente. 3. ed.
São Paulo: Brasiliense, 2003. cap. 2.
2 Essa possibilidade é trabalhada por SEGAL, André. Pour une didactique de la durée. In: MO-
NIOT, H. (Org.). Enseigner l'histoire - des manuels à la mémoire. Berne: Peter Long Ed.,
1984. Infelizmente a tradução ainda não foi publicada em português.
3 Idem.

53
HISTÓRIA: os objetivos, o grau de complexidade, os procedimentos e os pressupostos informa-
METODOLOGIA DO
ENSINO cionais e cognitivos são distintos, mas ambos começam o trabalho pela seleção da(s)
fonte(s) que julgam mais ricas ou significativas para o estudo em pauta. Para ambos, as
fontes não falarão por si próprias, somente cederão informações relevantes diante de
um olhar crítico e de perguntas instigantes, provocativas.
Antes de tudo, porém, deve estar garantida a compreensão do texto, ou seja, que
os alunos dominem os termos e as ideias registradas. Para isso, as técnicas não dife-
rem das utilizadas na interpretação de textos em geral, tratadas com mais detalhe em
Língua Portuguesa.
Seja qual for a ordem ou a técnica de ensino a ser utilizada, um bom tratamento do
texto escrito em sala não dispensa, em nenhum momento (por exemplo, como ponto
de partida ou ponto de chegada da reflexão/investigação com os alunos), a análise de
contexto. É através dela que se supera um vício de leitura histórica que é a absoluti-
zação das afirmações do texto, na qual o que está escrito aparece como verdade por
si só. A contextualização faz perceber que o texto tem uma origem, aparece em um
determinado momento histórico que lhe impõe determinadas marcas, tem um ou vá-
rios autores que não são ‘narradores de romance’, ou seja, aquelas figuras oniscientes
da literatura de ficção que alinhavam e dão sentido à narrativa, mas personagens reais,
dotados de problemas e interesses que também marcam o texto. A contextualização
relativiza e condiciona as informações que o texto traz, e sua continuidade é funda-
mental para o exercício da cidadania na vida adulta, e item indispensável na trabalhosa
construção educativa do senso crítico.
Outro enfoque importante é o questionamento das fontes, o levantamento de in-
dícios que permitam novas informações, novas perguntas e a elaboração de hipóteses
que deem continuidade aos diálogos entre docente, alunos e documento histórico.
Nesse sentido, a exploração das fontes pode ser comparada ao trabalho do detetive
ou do médico, que buscam nas aparências elementos para recompor as informações
em um quadro coerente que permite afirmar um enunciado válido sobre o que se está
analisando. Com isso, e através de diferentes técnicas que o professor pode ensinar,
aprendem-se os principais rudimentos do raciocínio histórico diante das fontes. Entre
essas técnicas está o cruzamento de informações já consolidadas com as informações
do texto (para confirmar, condicionar ou contradizer as afirmativas do texto), compa-
ração com outros documentos, destaque e interpretação dos termos mais usados, etc.
Além de todos esses usos mais complexos dos textos de jornais e revistas, não
podemos nos esquecer de um uso mais simples, mas nem por isso menos relevante,
sobretudo nas séries iniciais, que é o uso do texto como ilustração, complementação
ou comprovação daquilo que foi ensinado em aula. Todavia, é importante que, ao

54
longo do ano, outros usos dos documentos sejam feitos, de modo a estimular o desen- Jornais e revistas no
aprendizado da História
volvimento de outras capacidades.
Já tratamos acima da abordagem serial, ou seja, de grupos de documentos que
guardam entre si uma determinada lógica. Essa abordagem possibilita o trabalho de
percepção de regularidades ou continuidades, favorecendo o método indutivo pelo
qual o aluno constrói as primeiras noções e conceitos, bem como tem a possibilidade
de perceber, antes mesmo da formulação teórica, os conceitos de tempo, permanên-
cia, duração e mudança, entre outros.

O TRATAMENTO DAS IMAGENS E DA PUBLICIDADE EM JORNAIS E


REVISTAS
Jornais e revistas também oferecem uma ampla oportunidade de trabalhar com ou-
tra categoria de documentos, que são os documentos publicitários. Como no caso dos
textos, o primeiro cuidado é considerar a sua historicidade, que é exatamente o nexo
mais interessante para o professor e o pesquisador que têm como tema determinada
época/espaço no passado. A historicidade da mensagem publicitária, como veremos,
introduz um elemento especial, que é o acesso às configurações do imaginário (ima-
gens de reconhecimento coletivo referentes às expectativas, desejos e concepções do
público ao qual a publicidade se dirige) no passado. A publicidade e seus apelos no
presente (por exemplo, de determinada guloseima como as gomas de mascar ou ba-
las) já constituem uma problemática capaz de mobilizar o trabalho do professor e dos
alunos em busca do conhecimento da realidade passada e de uma melhor compreen-
são do tempo presente, que seja capaz de ajudar a compreender as sociedades que
suscitaram e possibilitaram esses tipos de mensagem publicitária. O professor pode,
por exemplo, propor aos alunos as consequências, em cada época, de uma troca das
peças publicitárias analisadas (como se a do presente fosse feita no início do século
e vice-versa); pode estimular seus alunos a listar todo o quadro que envolve cada um
dos períodos, como os fatores técnicos (jornal feito por linotipia x jornal com impres-
são de alta resolução e colorido, agilidade ou demora na mudança das campanhas
publicitárias, perspectivas de futuro, condições de saúde e ideais de beleza masculina
e feminina, e assim por diante). Pode, enfim, encontrar outras portas de entrada para
o conhecimento histórico nos períodos sugeridos pelos currículos e programas.
Diz-se que não há método desvinculado de uma teoria, sobretudo em História,
e acrescentamos que a cada perspectiva global de abordagem do conhecimento his-
tórico corresponde um determinado critério para o recorte temático e a seleção das
fontes ou materiais de trabalho. Portanto, se o professor pretende trabalhar, por exem-
plo, a Primeira República para além da listagem de presidentes ou para além de uma

55
HISTÓRIA: sequência cronológica, é preciso necessariamente recorrer a determinadas fontes que
METODOLOGIA DO
ENSINO nem sempre estarão disponíveis nos materiais que lhe são fornecidos pelo livro didá-
tico ou outros recursos usuais. Nesse caso, o trabalho de pesquisa é obrigatório, seja
em fontes secundárias ou primárias, para que possa dar acesso a outros temas, como a
relação das pessoas no Brasil do início do século XX com a saúde e com a vida.
Estabelecemos, por conseguinte, um primeiro item de uma breve tipologia (que
não pretende ser exaustiva nem claramente demarcada) sobre o trabalho do ensino
de História e de Humanidades com a propaganda em geral: a propaganda entendida
como expressão do período que desejamos estudar sob outras óticas que não a me-
ramente cronológica, que desfia fatos a partir de um critério de seleção que é o da
concepção burguesa de nação e história nacional.
Outra perspectiva, que já começamos a adiantar neste texto, é a da utilização da
propaganda como reflexão sobre o nosso próprio tempo. Evidentemente, esse uso
não está isolado da prospecção da propaganda do passado, nem deve renegar neces-
sariamente uma abordagem temporal mais extensa: estamos tão somente apontando
a possibilidade de calcar o presente como foco de interesse imediato, que pode (e
deve) inclusive encaminhar para a busca das fontes que informem uma reflexão que
traga o passado representado pela propaganda. Essa trilha pode se iniciar com uma
abordagem sobre os hábitos de consumo dos alunos da turma e suas famílias, trans-
formando em objeto de reflexão um conjunto de atos que geralmente não é notado
de forma consciente, propiciando o questionamento das próprias escolhas. Em geral,
essas escolhas de consumo são irrefletidas em profundidade, ficando na superfície de
tópicos como a relação custo-benefício, a exigência de qualidade, a satisfação de uma
necessidade sem que se pense como ela se estabeleceu de forma tão irrecorrível, etc.
Um cuidado, portanto, a levar em conta nesse trabalho é o de ultrapassar os meros
limites de uma educação para o ‘Trabalho e Consumo’ 4, ou seja, da formação de um
consumidor consciente que zela pelos seus direitos para que o sistema funcione ‘cor-
retamente’. Transcender esse aspecto é ter clareza de que a educação não pode estar
limitada à adaptação do educando ao mundo tal como ele é, mas contribuir para que
as razões profundas das ‘coisas como estão’ sejam vislumbradas e interpretadas, bem
como para que haja possibilidade de pensar alternativas, pensar este que parte da ideia
essencialmente histórica (eis que incorpora a temporalidade no objeto e no sujeito) de
que o pensamento se debruça sobre o mundo tal como está, e não tal como é.

4 Ver, sobre isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais – Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino
Fundamental, volume ‘Introdução’.

56
Sem uma abordagem doutrinária – que no mais é nociva ao processo de desen- Jornais e revistas no
aprendizado da História
volvimento do educando, pois dá as respostas antes das perguntas, das buscas e das
elaborações dos alunos –, é possível estabelecer um diálogo sobre a estruturação do
próprio sujeito a partir do seu querer. Para isso, cada peça publicitária estudada pode
ser pensada a partir da experiência de cada um, observando como a publicidade dispu-
ta as estruturas já existentes de necessidades e como cria outras necessidades; como,
enfim, isso se relaciona com o mundo da produção e da dominação de classes. Não se
trata aqui de propor um arremedo de psicanálise, longe disso: a busca é por refletir
sobre a construção histórica do próprio sujeito e das relações intersubjetivas. Esse tipo
de atividade pode contribuir, enfim, para o processo de retomada do sujeito que se
perdeu em meio à subjetivização dos objetos típica do capitalismo.
Uma nuance desses dois primeiros tipos de trabalho com a propaganda que cita-
mos até aqui é a abordagem dos materiais publicitários buscando a decifração do apelo
à adesão a determinadas ideias e formas de pensar a sociedade, mais que do apelo à
compra de produtos e serviços (ou, ainda, subjacente a esse apelo). Trata-se da pes-
quisa específica das ideias que estabelecem um duplo movimento com a propaganda:
as que, já existindo, são aproveitadas e reforçadas como recurso para a obtenção de
sucesso da mensagem publicitária, e que, portanto, reforçam as relações sociais tais
quais elas são, e as que não existem efetivamente, mas são criadas, disseminadas e
alteram as relações sociais.
Por fim, um último tipo de abordagem possível das mensagens publicitárias no
processo educativo, que é a observação de como estas ensinam a História a partir de
determinados pontos de vista e com determinados objetivos que extrapolam a venda
de produtos e ideias e que entram no campo da representação coletiva sobre o que
seja a sociedade, suas origens, características e comportamentos normatizados. Esse
tipo de abordagem não pode ser pensado isoladamente dos outros já comentados até
aqui porque também é venda de ideias e produtos, mas tem como diferencial a matéria-
-prima do argumento, que é o aproveitamento e a recomposição de um conhecimento
histórico anteriormente estabelecido e difundido.
Esse tipo de trabalho destina-se principalmente aos anos finais do Ensino Funda-
mental e ao Ensino Médio, pois envolve uma abstração dentro da outra: de que a pro-
paganda difunde ideias importantes para a reprodução das relações sociais e de que
o conhecimento histórico veiculado nessa propaganda não é somente o passado e/ou
sua escrita, mas um campo de batalha de definição daquelas tais ideias importantes
para a reprodução das relações sociais, e que, portanto, não se limita a uma narrati-
va, mas significa também um campo do conhecimento que possibilita criar e modifi-
car identidades grupais de uma maneira parecida com que a propaganda o faz. Não

57
HISTÓRIA: pretendemos estender aqui esse tópico, pois o final deste texto é um exemplo sobre
METODOLOGIA DO
ENSINO esse tipo de trabalho possível com a publicidade, que por si explicará melhor o que se
introduzimos em caráter inicial nestes parágrafos. Antes disso, contudo, seguem algu-
mas ferramentas de análise das mensagens publicitárias que municiarão o professor
para um trabalho sistemático com esse tipo de fonte, que supere o impressionismo e
seja capaz de operar a partir de categorias que abrangem da linguagem ao conteúdo
de cada anúncio.
Abaixo, procuramos fornecer elementos para a abordagem e reflexão sobre as pe-
ças publicitárias tomando-as como um conjunto de vários níveis de linguagem e de
significados que é preciso mapear antes de qualquer discussão crítica.
Ferrés, citado por Maria Auxiliadora Schmidt 5, propõe o seguinte esquema para a
leitura e contextualização dos anúncios:
a) definição do produto e dos destinatários;
b) definição do tipo de publicidade (apresentação, qualificação e gênero de
discurso);
c) análise narrativa (quem são os personagens, qual o ambiente e qual a ação
desenvolvida);
d) sistemas de persuasão (que efeito o anúncio pretende obter e como procura
ocasioná-lo);
e) figuras de retórica utilizadas;
f ) os valores que são promovidos.

A própria ação de procurar esses itens já pode constituir, dependendo da peça em


questão, um trabalho de raciocínio e de desencadeamento de insights. Por exemplo,
uma peça publicitária que a princípio parece uma reportagem da revista da qual ela
foi extraída poderá, quando se percebe essa condição, revelar ao aluno que o anun-
ciante procura absorver do conjunto de seu suporte uma impressão de neutralidade
informativa, procura uma espécie de osmose da autoridade informativa da revista ou
do jornal. Não é à toa que muitos programas políticos televisivos adotam o formato de
telejornais, com apresentadores e repórteres, por exemplo. A presença de uma peça
publicitária sem uma definição clara do produto ou da ideia também pode dar margem
a uma série de conjecturas que podem ser tanto mais interessantes quanto melhor
trabalhadas em interação com o professor.

5 SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Publicidade como documento histórico. In: SCHMIDT,


M.A. et al. O uso escolar do documento histórico. Curitiba: PROGRAD / UFPR, 1997.

58
Outra ferramenta de leitura é a obra semiológica de Roland Barthes, que aplica à Jornais e revistas no
aprendizado da História
propaganda um método da Linguística, considerando todos os pontos do percurso
da mensagem publicitária: envolve uma fonte de elocução, que é a empresa da qual o
produto é lançado, um ponto de recepção, que é o público, e um canal de transmis-
são, que é o suporte da propaganda. Concentrando a atenção no nível da mensagem
em si, Barthes propõe analisar semanticamente a constituição do texto publicitário (o
que vale também para a imagem entendida enquanto linguagem): se toda mensagem
é o encontro de um nível de expressão (ou significante) e um nível de conteúdo (ou
significado), uma sentença publicitária contém na verdade duas mensagens, cuja forte
imbricação constitui a especialidade da linguagem publicitária6. A ‘primeira’ mensa-
gem é constituída pela sentença literalmente, simplesmente traduzida dos sinais gráfi-
cos que são as letras, a decifração dos códigos linguísticos. Essa mensagem não inclui
ainda todo o pensamento e a cultura de quem usou esse código, suas metáforas e
significados que se superpõem e se sedimentam sobre os fonemas, palavras e expres-
sões. A ‘segunda’ mensagem é uma mensagem total, e deriva sua totalidade do caráter
singular do seu significado (esse significado é único e sempre o mesmo, em todas as
mensagens publicitárias: a excelência do produto anunciado). Quando esse significa-
do segundo é percebido, a meta publicitária é atingida. Essas mensagens se relacionam
de forma especial: no ato de propaganda, a primeira mensagem torna-se apenas a
significante da segunda mensagem. Nesse contexto, o fenômeno de ‘conotação’ é de
grande importância, indo além do fenômeno da publicidade em si, ligando-se prova-
velmente à própria essência da comunicação de massa, da qual não recebemos nada
além de mensagens conotadas.
Para Barthes, a primeira mensagem serve para naturalizar a segunda, tirando sua
finalidade interessada e instituindo a gratuidade de sua afirmação; o convite banal
(compre) é substituído pelo espetáculo de um mundo no qual é natural comprar tal
ou qual produto. Em uma bela imagem, o autor afirma que a publicidade reintroduz
o sonho e a poesia: o sonho constitui um ambiente de entorpecimento pela alienação
própria da sociedade competitiva, mas a mensagem publicitária também introduz a
verdade da poesia. Longe de demonizar a publicidade, Barthes destaca a responsa-
bilidade humana da publicidade: se é boa, enriquece e é capaz de condensar em si a
retórica mais rica e atingir com precisão os grandes temas oníricos da humanidade, a
grande liberação de imagens (ou por imagens) que define a poesia em si.

6 BARTHES, Roland. The Semiotic Challenge. New York: Hill and Wanf, 1988.

59
HISTÓRIA: O enfoque de Barthes estabelece uma estrutura própria para a leitura das peças
METODOLOGIA DO
ENSINO publicitárias: a identificação da denotação (que já chamamos de mensagem ou sentido
‘primeiro’ do texto, isto é, a sua apreensão literal, linguística, de decodificação pura
e simples do símbolo, seja ele verbal, sonoro ou imagético), da conotação (o sentido
‘segundo’, aquele que é ‘pescado’ pelo espectador a partir do que, segundo as suas
referências culturais, a mensagem ‘quer dizer’) e da referenciação (ou seja, o emissor
ou o produto que está sendo oferecido).
O que é mais importante nesse trabalho de leitura analítica, que pode ser feito
coletivamente no ambiente educacional, é desenvolver um leitor crítico, que deve
substituir o espectador passivo e que acabará depois por surpreender-se defendendo
práticas e portando convicções cuja origem não conhece, não sabe quando, onde e
nem porque estão fazendo parte da sua bagagem. Se isso chega a ocorrer, uma cente-
lha de razão é lançada: o que se fará com ela é uma pergunta cuja resposta se constrói
coletiva e pacientemente.

Referências

BARTHES, Roland. The Semiotic Challenge. New York: Hill and Wanf, 1988.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Publicidade como documento histórico. In: SCHMIDT,


M. A. et al. O uso escolar do documento histórico. Curitiba: PROGRAD / UFPR,
1997.

SEGAL, André. Pour une didactique de la durée. In: MONIOT, H. (Org.). Enseigner
l’histoire: des manuels à la mémoire. Berne: Peter Long Ed., 1984.

SILVA, Marcos A. História: o prazer em ensino e pesquisa. 3. ed. São Paulo:


Brasiliense, 2003. cap. 2.

Anotações

60
5 O espaço urbano
enquanto espaço de
reflexão histórica
Rosana Steinke

O CONTEXTO HISTÓRICO: DO GERAL AO PARTICULAR


Maringá é conhecida como uma cidade planejada e moderna, uma cidade-jardim.
Mas, o que vem a ser exatamente isso, o que esses termos significam? Seria Maringá
uma cidade-jardim por desfrutar de ampla arborização urbana? Seria uma cópia das
originárias cidades-jardins britânicas? O fato de ser uma cidade planejada por si só
permite o substantivo de moderna?
A região na qual se insere Maringá, correspondendo a mais ou menos 36% da su-
perfície total do Estado, carrega também o histórico da expulsão de uma população
de índios e caboclos que já viviam nesse local (NOELLI; MOTA, 1999). Além disso, a
extensa cobertura vegetal de mata atlântica deu lugar a plantações de café e núcleos
urbanos, causando a modificação da paisagem e impacto ambiental cuja importância
não pode ser desprezada (DEAN, 1996).
Nessa verdadeira campanha de ocupação implementada pelo Estado e pela inicia-
tiva privada, a ferrovia exercia um papel fundamental na expansão da ocupação, pois
era através dela que se estabelecia um elo de comunicação com as demais cidades e se
garantia o escoamento da produção. Foi a partir do seu traçado, na maioria das vezes,
que se deu a fundação dessas cidades novas, implantadas com o intuito de ali estabe-
lecer um núcleo urbano que servisse de apoio aos seus habitantes. Pensar no contexto
acima delineado é observar a possibilidade de trabalhar questões como identidade e
processos migratórios, relações sociais e culturais.
Quanto ao planejamento urbano, se é raro encontrar planos mais elaborados para
as cidades do noroeste paulista, podemos observar o mesmo sistema de grelha, a cha-
mada ‘malha xadrez’, em muitas das cidades do norte paranaense (observar figuras).
No entanto, em alguns casos percebemos princípios urbanísticos que diferem do sis-
tema ortogonal, o chamado ‘tabuleiro xadrez’, como nas cidades de Maringá (1945)
e Cianorte (1955), planejadas pelo engenheiro Macedo Vieira. A implantação dessas
cidades novas abrigaria ainda outras concepções na estruturação de sua rede urbana,
como a ideia de cidade-jardim e subúrbio-jardim, conforme veremos adiante.

61
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO

Figura 1 - Planta atual da cidade de Cianorte, elaborada em 1955, na qual observamos um traçado regular –
também chamado clássico – para o centro e um traçado irregular – orgânico – para as áreas residenciais.

Ao elegermos um tema no qual se privilegia a fonte imagética, ainda que aliada


ao texto histórico, procuramos mapear a forma dessas cidades e suas relações com o
ideário urbanístico presente no Brasil nesse período, discutindo como ele foi absor-
vido por profissionais de urbanismo e incorporado dentro do sistema capitalista de
expansão de fronteiras.
Assim, o conteúdo possibilita trabalhar a constituição da identidade social das pro-
postas educacionais para o ensino de história, capaz de situar a relação entre o par-
ticular e o geral, quer se trate do indivíduo, sua ação e seu papel na sua localidade e
cultura, quer se trate das relações entre a localidade específica, a sociedade nacional
e o mundo (PCN, 1997, p. 32). Assim, trabalha a continuidade e a permanência, ou
seja, o passado como possibilidade de conhecer o presente e estabelecer relações com
a região e o país, o que aumenta consideravelmente a oportunidade de relacionar a
construção do pensamento histórico à realidade.

A IDEIA DE CIDADE-JARDIM: FORMULAÇÕES E RESSONÂNCIAS


Tanto a ideia de cidade-jardim como de subúrbio-jardim estão, em sua origem,
imbricadas no mesmo espírito que, ainda que de formas distintas, ilustra a comple-
xa interação entre utopias e práticas comuns ao final do século XIX. Vista no início
como uma resposta ao excesso da ordem capitalista, e em particular à desumanização
do recente sistema fabril, o comunitarismo foi considerado uma alternativa ao rápido
crescimento da cidade industrial (HALL, 1993).
Atraído por tais ideais, o inglês Ebenezer Howard foi o proponente de um mo-
delo que buscava uma alternativa à metrópole, vista por ele como lugar apartado da
natureza, com problemas físicos e sociais incuráveis, que punham em risco os relacio-
namentos simbólicos necessários para a realização individual e o progresso social. A

62
busca de criar um novo tipo de assentamento humano em que o tamanho, a escala e O espaço urbano
enquanto espaço de
a ordem desejada levariam ao desenvolvimento de comunidades bem-sucedidas o im- reflexão histórica

pulsionou a escreveu um livro, em 1896, intitulado Master Key (Chave Mestra). Nessa
primeira edição, explicitava a filosofia que permearia o ideário que originou a cidade-
jardim enquanto movimento utópico. Posteriormente, publicou uma versão ampliada,
To-morrow: a Peaceful Path to Real Reform (Amanhã: um caminho pacífico para uma
verdadeira reforma) (HOWARD, 1996). Com a implantação de Letchworth, em 1903,
e Welwyn, em seguida, foram postas em prática as duas primeiras experiências, pro-
vavelmente com o amargo caminho experimentado entre a teoria e a prática, ao se
consolidarem com a contribuição efetiva de industriais progressistas. Essas cidades te-
riam um traçado considerando o relevo através de um estudo topográfico, mas com o
centro mais formal. A ideia de planejamento em rede de cidades, baseada inicialmente
na ideia de cidade-jardim, permaneceu até os anos 1960 na Inglaterra, principalmente
na reconstrução empreendida pelos britânicos depois da segunda guerra mundial,
quando então foi implantadas mais de uma centena de cidades.
Destarte, podemos assinalar que desde as duas primeiras experiências implanta-
das, as cidades novas que foram criadas já não participavam da concepção original. A
proposta original, grosso modo, era eliminar a dicotomia entre o campo e a cidade,
aproveitando o que cada qual tinha a oferecer de benéfico e eliminando os devidos
problemas de cada um, ou seja, da vida urbana o congestionamento, a poluição, entre
outros malefícios, e da vida rural a dificuldade de acesso a alguns serviços, a monoto-
nia, entre outros. A sugestão era a implantação de uma constelação de cidades, ligadas
pela ferrovia, com alojamento a baixo custo e uma administração comunitária. É pos-
sível reconhecer as dívidas intelectuais de Howard com os utópicos socialistas como
Ruskin, Morris, Kropotkin, Fourier, dentre outros.
Naquela mesma década, é levada a cabo a construção do primeiro subúrbio-jardim,
Hampstead (UNWIN, 1984). O subúrbio-jardim inglês se aproxima do norte-america-
no, como o projeto de Riverside, construído em 1870, com ruas curvas e presença de
áreas verdes (bosques, parques e jardins). No entanto, o universo doméstico do subúr-
bio, no qual os projetos residenciais resumem o essencial das necessidades familiares,
se caracteriza também como uma extensão da própria cidade e faz pensar na negação
da proposta de controle do crescimento da cidade, um dos pontos fundamentais da
teoria howardiana, entre muitas outras questões.
Ainda que se possa mapear a presença de loteamentos com traçado orgânico atra-
vés da disseminação da ideia de cidade-jardim e subúrbio-jardim, temos que conside-
rar alguns pontos. Primeiramente, é necessária a precaução de separar o discurso so-
bre a cidade-jardim, das cidades-jardins construídas. Podemos afirmar que a substância

63
HISTÓRIA: de que está formada a primeira não é a mesma que alimenta o pensamento reformista
METODOLOGIA DO
ENSINO que acabará se apoderando da ideia e de sua materialização (PEÑA, 1998).
As primeiras cidades-jardins implantadas na Inglaterra ainda no começo do sécu-
lo XIX, através do incentivo de industriais progressistas, já não se estabelecem com
alguns critérios como a administração comunitária pregada pelas ideias de Howard,
descaracterizando-as. Vale ainda ressaltar que o livre escrito por Howard, que era ta-
quígrafo do parlamento inglês e não planejador, mostra que este autor estava mais
preocupado com um projeto que congregasse uma comunidade cívica do que com
a forma urbana. O desenho da primeira cidade-jardim ficaria a cargo dos arquitetos
Raymond Unwin e Barry Parker, que projetariam os subúrbios-jardins. Então, questio-
namos, seria a cidade-jardim um modelo de desenho urbano cujo traçado é informal
e privilegia áreas verdes? A quem devemos essa ideia, então? A Ebenezer Howard (que
escreveu os princípios da cidade-jardim) ou aos arquitetos Unwin e Parker, que as de-
senharam, criando um modelo de ‘forma urbana’ difundido para muitos países?
Da mesma maneira, também podemos tecer considerações sobre o fato de que o
subúrbio descaracteriza os princípios howardianos ao oferecer uma alternativa para a
expansão da cidade, se contrapondo a algumas questões que estavam no cerne da ideia
de cidade-jardim, entre elas, uma medular, que propunha a necessidade do controle
do crescimento urbano. O que percebemos é que, no longo caminho percorrido entre
sua formulação e a construção da cidade-jardim, o ideário que a inspirou encontra-se
desvanecido entre a necessidade do desdobramento capitalista e o desenvolvimento dis-
ciplinar da urbanística moderna, que a converte em uma forma trivial de crescimento
(PEÑA, 1998).
O importante é perceber que tais propostas, ainda no século XIX, saem da con-
dição utópica – do papel e dos discursos – e tomam forma nas cidades. A utopia se
transforma então em um mero mecanismo operativo, difundindo um modelo de dese-
nho urbano e não de reforma da sociedade. Esse modelo, privilegiando o traçado or-
gânico, bastante difundido na América do Sul, chegou até o Brasil na implantação dos
primeiros empreendimentos da City of San Paulo Improvements and Freehold Land
Company Limited., a Cia. City, em São Paulo, logo na segunda década do século XX,
através da implantação de um bairro-jardim para classe média alta, o Jardim América,
em São Paulo (ANDRADE, 1998; BACCELI, 1982)1.

1 Sobre a difusão do subúrbio-jardim alguns títulos consultados: EATON, Leonard K. The American
Suburb: dream and nightmare. Landscape, Berkeley, v. 13, n. 2, Winter, 1963-1964; FISHMAN, Rob-
ert. Bourgeois Utopias: The Rise and Fall of Suburbia. New York: Basic Books 1987; FICHER, Irving
D. Frederick Law Olmsted and the City Planning Movement in the United States. Michigan: UMI
Research Press, 1986.

64
Entretanto, antes de passar para o estudo de caso de Maringá, é importante apontar O espaço urbano
enquanto espaço de
ainda mais algumas ponderações relativas ao objeto em questão e as transferências reflexão histórica

culturais no campo da urbanística. Conforme salientou Roncayolo,

não se trata de reduzir a história à história das idéias sobre a cidade, nem de
atribuir todo o poder inovador a essas idéias. Mas as representações não são
passivas, elas são veiculadas por grupos precisos, definidos por uma formação,
uma competência, um modo de intervenção sobre a sociedade (RONCAYOLO,
1990, p.138).

Revel também mostrou como a abordagem da micro-história se propõe a enrique-


cer a análise social tomando suas variáveis mais numerosas, mais complexas e também
mais móveis, ainda que esse individualismo metodológico faça parte de um conjunto
social – a experiência coletiva (REVEL, 1998). Portanto, não há oposição entre a histó-
ria local e a história global, pois uma pode ser considerada ‘modulação particular’ da
outra. Assim, acreditamos que as condições locais de leituras dessas práticas permitem
colocar o plano urbanístico de Maringá não apenas como um reflexo do pensamento
urbanístico europeu, mas no ângulo dinâmico das transferências inscritas em um uni-
verso de trocas.

MARINGÁ CIDADE-JARDIM: A RELAÇÃO ENTRE O PARTICULAR E O


UNIVERSAL
Como sabemos, para o estudo da História a cidade não é apenas um cenário ou
uma moldura, mas um ponto de convergência de enfoques pluridisciplinares (LEPE-
TIT, 2001a). A transferência de discursos e imagens não pode mais ser analisada sob
categorias ultrapassadas como influência, reflexo, derivação. A dimensão histórica e as
condições locais das leituras e práticas permitem-nos colocar as questões sob o ângulo
dinâmico da apropriação de diferentes experiências e competências dos atores sociais
e das condições de possibilidades dos contextos em que atuam.
Procurando elucidar tais questões, optamos pelo caminho sugerido por Lepetit. O
autor enfoca a análise que caracteriza uma dupla aproximação de escala: a primeira –
que pode ser denominada macroscópica – analisa o sistema urbano como um modo
em que um conjunto de cidades se organiza em uma configuração espacial e hierárqui-
ca; a segunda – já em menor escala, ou, se quisermos, microscópica – concebe o siste-
ma urbano como uma formação real dentro de uma topografia particular, impressa em
uma sociedade estruturada, explicável em relação ao aparato institucional do Estado e
traduzível em manifestações culturais diversas. Essa inversão de perspectiva proposta
por Lepetit está imbricada na micro-história italiana (Carlo Guinzburg e Giovani Levi)
e também pode ser mapeada a partir da teoria braudeliana, como a chamada história

65
HISTÓRIA: dos sistemas urbanos (LEPETIT, 2001b)2. Entretanto, conforme apontou Salgueiro,
METODOLOGIA DO
ENSINO considera também a circularidade e ressonância de ideias, que pode estar inserida na
história social e na epistemologia cultural dos profissionais do urbanismo, em que a
história das técnicas, das biografias intelectuais e profissionais, desenvolvidas em ade-
quação às circunstâncias locais, leva em conta as variações temporais, as relações entre
o universal e o singular.
No caso de Maringá – cidade eleita para este estudo – estabelecemos a relação en-
tre o singular e o universal. Em primeiro lugar, quem planejou essa cidade, ainda que
sob encomenda da empresa imobiliária? Formulamos perguntas como: quem foi esse
profissional, quais suas influências? Através da possibilidade de uma história cruzada
buscamos algumas respostas às perguntas formuladas, mais especificamente através de
uma biografia profissional, objetivando a relação entre a história local e as transferên-
cias urbanísticas, em diferentes temporalidades.
Salgueiro chama a atenção para a atualidade da biografia intelectual, em que tal
proposta,
a escolha do individual, não significa pensá-lo contraditório ao social, mas em
vez disso, seguir o fio do itinerário particular de um homem que, por sua vez,
são situados na multiplicidade dos espaços e tempos de trajetórias convergen-
tes. As séries documentais, aparentemente circunscritas a um indivíduo, aca-
bam indicando situações vividas em comum: no tempo curto de uma existência
cujo espaço é mais ou menos restrito, na longa duração de um universo cultural
sem fronteira. Uma experiência social é assim restituída na complexidade dos
seus aspectos mais diversificados. Não há, portanto, oposição entre história lo-
cal e história global. (SALGUEIRO, 1997, p. 13-14).

A autora oportunamente lembra que

fazer bibliografias hoje significa ver não apenas o que essas biografias têm em
comum com os debates correntes, mas também em que elas diferem destes,
já que se inscrevem em regimes de historicidade descontínua, marcados por
temporalidades múltiplas (SALGUEIRO, 1997, p. 19).

Da mesma maneira, este ensaio faz uso de vários dados que associam, conforme
sugeriu Salgueiro, a história da engenharia à história das ciências, das técnicas e da
educação profissional, não mais como disciplinas separadas, mas ligadas entre si e
inscritas em uma história cultural mais ampla. Ou seja, a redução da escala de análise,
mas aliada a uma pluralidade geográfica.

2 Uma influência importante de Lepetit é a obra de: LEVI, Giovani. Le pouvoir au village: Histoire d´un
exorciste dans le Piémont du XVII siècle. Paris: Gallimard, 1989.

66
Conforme apontamos anteriormente, a cidade de Maringá tem a sua criação associada O espaço urbano
enquanto espaço de
à ideia de cidade nova, cidade planejada e cidade-jardim. Desde sua fundação (1945) reflexão histórica

que se faz alusão a tais termos. Em um primeiro momento, divulgado através da publici-
dade veiculada pela empresa imobiliária, e posteriormente pelo imaginário que se criou
em volta desse discurso. Pois bem, por que essa cidade se diferenciou das demais cidades
implantadas pela Companhia que loteou a região? A hipótese para algumas respostas
repousa na contratação do profissional que elaborou o plano de Maringá, o engenheiro
Jorge de Macedo Vieira. Provavelmente a concepção de um plano diferente das outras
cidades se deva mais à trajetória desse profissional do que à atuação da loteadora. Por-
tanto, pensar em Maringá enquanto cidade-jardim é pensar na ‘dilatação’ desse termo.
Portanto, entender Maringá enquanto cidade moderna e planejada, uma cidade-jar-
dim, é pensar também na dinâmica de transferências dessas ideias e na formação dos
profissionais aqui no Brasil. Assim, poderíamos dizer que Maringá absorveu tendências
de um traçado orgânico, difundido através da implantação dos primeiros subúrbios e
bairros-jardins estrangeiros. Essa influência está explícita na obra do engenheiro que
desenhou o plano, o que pôde ser mapeado na sua obra profissional. No entanto, essa
é apenas uma tendência formal do desenho, em outra temporalidade e espacialidade.
Formado em 1917 pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, profissional
de longa experiência com urbanismo, Vieira planejou cerca de dezenove bairros na ca-
pital paulista e inúmeros projetos para outras cidades (STEINKE, 2002). Foi contratado
para fazer o plano urbanístico de Maringá em 1943.

Figura 2 - Bairro paulistano Vila Maria, planejada por Vieira. Observe o traçado orgânico em comparação
com a malha ortogonal já existente no lado esquerdo.

67
HISTÓRIA: O urbanista Jorge de Macedo Vieira (1894-1978) é fruto de uma época em que
METODOLOGIA DO
ENSINO os profissionais recebiam uma formação voltada para a atuação na escala da cidade,
segundo o modelo adotado na estrutura curricular da referida escola, aproximando-se
do modelo alemão, que unificava o ensino do curso fundamental e dos cursos espe-
ciais em uma única escola e a arquitetura era uma especialização da engenharia. Essa
ênfase vem da necessidade de formar profissionais em consonância com o processo de
modernização tecnológica que começava a se destacar no país. Em termos práticos, sig-
nificava formar profissionais que atuassem na cidade através de grandes intervenções,
envolvendo saneamento, circulação e desenho urbano, com uma visão de totalidade,
que englobasse o conjunto da área urbana da época (LEME, 1999; FICHER, 1989).
Em 1917, Vieira estagiou na City of San Paulo Improvements and Freehold Land
Company Limited, empresa imobiliária cuja atuação na urbanização da cidade de São
Paulo é bem conhecida, na qual também trabalharia durante os dois anos seguintes
como engenheiro. Nesse mesmo período, a Cia. City contrataria os serviços do escri-
tório dos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker, expoentes do movimento pela
cidade-jardim na Inglaterra (ANDRADE, 1998; KAWAI, 2000). Esses loteamentos resi-
denciais com traçado orgânico (bairro-jardim) de alto padrão imprimiriam profunda
influência na obra do profissional Jorge de Macedo Vieira.
Nas linhas acima, vale assinalar a aproximação com o traço de Macedo Vieira clara-
mente identificável na adoção de ruas curvas e ruas retas, conforme o uso e necessida-
de, sempre atentando para a topografia. Os dezenove bairros-jardins paulistanos pro-
jetados por Vieira na cidade de São Paulo têm a característica de abrigar, em sua grande
maioria, loteamentos de padrão popular, diferentemente da Cia. City, preenchendo
vazios intersticiais, ou então bairros mais afastados da então região central. Enlaçar a
questão da interdisciplinaridade com as referências da produção do conhecimento e o
modo em que se realiza a comunicação em um determinado meio social – nesse caso,
a obra do urbanista Macedo Vieira, a formação na Escola Politécnica e a experiência
profissional na City – permite refletir sobre a importância de reconhecer a existência
e a troca de um conhecimento específico (STEINKE, 2002).
Com uma pequena incursão em algumas das obras, talvez as mais significativas,
do profissional Jorge de Macedo Vieira, podemos perceber que este atuou por pra-
ticamente meia década, na maioria das vezes elaborando projetos urbanísticos para
empresas imobiliárias, ainda que seu escritório tenha, segundo pudemos levantar
através da documentação, feito inúmeros projetos de arruamentos, casas residenciais,
estradas, entre outros.
Essas mesmas preocupações estariam presentes na criação dos planos para as ci-
dades novas. No caso de Maringá, o urbanista faz um esboço inicial do plano, não

68
desenhando toda a área da cidade, mas em uma sugestão sobre como deveria ser a O espaço urbano
enquanto espaço de
expansão da malha urbana a partir de uma ideia inicial. reflexão histórica

Observando a planta da cidade de Maringá, podemos afirmar que esta recebeu


um traçado que mescla linhas dispostas ortogonal e radialmente. No plano original, a
zona plana é destinada ao comércio, com arruamentos ortogonais que dão origem às
quadras em xadrez. A zona industrial se estende pela linha da ferrovia e, próximo a ela,
se localiza o bairro operário e a zona dos armazéns. Tudo isto associado a um rígido
zoneamento das funções urbanas. Essa funcionalidade colocada através da legislação
é uma característica constante nos projetos urbanos a partir dos anos 1940, isto é, as
funções da área industrial, comercial e residencial são previstas e controladas através
do zoneamento.
Prevista inicialmente para suportar uma população de duzentos mil habitantes, a
cidade foi projetada com seu traçado adaptando-se às curvas de nível do terreno. Uma
grande avenida, com refúgios centrais, destinados ao ajardinamento e arborização, faz
a ligação da estação ferroviária ao centro cívico, o qual se destaca pela peculiaridade
de sua forma. Os elementos do centro cívico são importantes para a constituição do
espaço enquanto simbologia. A praça, a catedral, a prefeitura, o fórum, a agência dos
correios, a biblioteca municipal formam um conjunto. O eixo monumental, organi-
zado através da continuidade entre a praça da catedral, a Avenida Getúlio Vargas e
o terminal rodoferroviário (hoje modificados) e a vila olímpica formam uma síntese
(STEINKE, 2002).
As avenidas de acesso rápido, por sua vez, além de fazer a conexão entre os bair-
ros e o centro, são aproveitadas para contornar parques urbanos, se transformando
em amplas avenidas, as chamadas parkways (avenidas-parque). São criadas áreas de
preservação nas cabeceiras dos córregos, que deveriam funcionar como áreas de lazer.
A regularidade clássica vista no centro cívico dá lugar ao traçado irregular na área
residencial. Nos bairros, as ruas seguem a declividade natural, na busca de acompa-
nhar o terreno ao máximo em sua topografia, sempre caindo em um raio concêntrico.
Essas radiais, chamadas redondos, se transformam em praças. Os anéis – as radiais
– a encontram-se distribuídos por toda a malha urbana, sempre servindo à função de
deslocamento, seja na área central, seja entre esta e os bairros, permitindo o perpetuu
móbile. Tal opção permitiu a adoção de uma leve sinuosidade no traçado dos bair-
ros residenciais, reservando para algumas artérias principais o trânsito mais intenso,
privilegiando, assim, as vias secundárias para o trânsito doméstico e quadras irregu-
lares (STEINKE, 2002). Podemos introduzir o assunto e estabelecer uma discussão,
perguntando aos alunos: como eles veem a diferença entre o centro cívico e as áreas
comerciais? Como percebem a monumentalidade do eixo central? Como é apreendida

69
HISTÓRIA: por eles a diferença entre as ruas sinuosas dos bairros residenciais do plano inicial e as
METODOLOGIA DO
ENSINO ruas retangulares do centro comercial?

Figura 3 - Fotografia aérea da implantação do projeto de Maringá, em 1950. Ao fundo, avista-se um dos parques
e a avenida que o contorna. Em primeiro plano, as radiais (raios concêntricos) ainda em fase de implantação.

A praça é como um símbolo histórico, demarcado geograficamente dentro da cida-


de. Apresenta-se como gênese do lugar. Em uma malha urbana quadriculada, temos a
figura da praça em um traçado regulador, onde estas admitem uma figura definida: é a
praça da igreja matriz, a praça do coreto, entre outras. Essa ortogonalidade evidencia a
praça também como desenho ortogonal, na maioria das vezes, da mesma maneira que
o espaço circundante. No traçado a que nos propusemos olhar com mais atenção, há a
presença também de algumas praças retangulares. No entanto, nas radiais se configura
de outra forma: esse espaço público, considerado como ‘coração’ da cidade, adquire
outras formas, transformando tais características. Seja pela repetição, seja pela sua
extensão, seja pela sua circunferência, esses raios concêntricos se tornam mais um lu-
gar de circulação do que um local pra se ficar sentado. Sua localização e contiguidade
física (a fluidez de carros em torno de si) parecem dar a impressão de velocidade e não
de contemplação, que é o que geralmente se espera de um local como uma praça. Essa
é uma questão que se apresenta como via de reflexão e debate em sala de aula.
Além da área reservada ao centro cívico, observa-se a previsão de equipamentos
urbanos como escolas, colégios, creches, asilos, hospitais, campos de esporte, parques
infantis e estádio, distribuídos de forma a estarem situados em todas as regiões do
perímetro urbano para que a população pudesse usufruir com certa facilidade desses
equipamentos, sem se deslocar muito. A presença desses equipamentos urbanos tam-
bém pode mostra a possibilidade de levar os alunos a se remeterem ao seu bairro, à
sua rua, ponderando sobre a existência – ou não – de equipamentos urbanos.
Do ponto de vista urbanístico, o traçado traz referências clássicas como o boulevar

70
e o centro cívico marcados pela monumentalidade. Já nos bairros residenciais, a es- O espaço urbano
enquanto espaço de
colha recai para o traçado informal do subúrbio-jardim, ou então a proposta da ideia reflexão histórica

de cidade-jardim. Essas características ilustram bem a adoção de dois modelos – até


antagônicos – que formam uma amálgama de estilos e nos remetem a adequações lo-
cais e variações temporais através das transferências culturais da urbanística moderna
presente em nosso país no começo do século XX3.
Com tais considerações, queremos chamar a atenção para estudos de caso localiza-
dos. Para entendê-los, é preciso buscar a abordagem da micro-história, na qual:

a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de conheci-


mento e pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimentos. Variar a
objetiva não significa apenas aumentar (ou diminuir) o tamanho do objeto no
visor, significa modificar sua forma e sua trama. Ou, para recorrer a um outro
sistema de referências, mudar as escalas de representação em cartografia não
consiste apenas em representar uma realidade constante em tamanho maior ou
menor, e sim em transformar o conteúdo da representação (ou seja, a escolha
daquilo que é representável). Notemos desde já que a dimensão ‘micro’ não
goza, nesse sentido, de nenhum privilégio especial. É o princípio da variação
que conta, não a escolha de uma escala particular (REVEL, 1998, p. 20).

Essa transferência de modelos pressupõe a cidade que pode ser regida por uma ló-
gica abstrata, ou seja, universal. Do ponto de vista cultural, há distâncias consideráveis
entre a cidade-jardim inglesa e as cidades contemporâneas, ainda mais as sul-america-
nas. Poderíamos questionar, então, qual a atualidade de aprofundar um estudo sobre
a problemática de modelos urbanos europeus, criados e exportados?
Para compreender Maringá enquanto cidade-jardim, é necessário entendermos a
obra do profissional Jorge de Macedo Vieira. Para isso, temos que pensar nos ritmos
diacrônicos do tempo e do espaço na história local. A ação individual do planejador
Vieira deve ser por nós reconhecida nos sistemas coletivos – a cultura urbanística pre-
sente no começo do século XX –, fazendo com que as práticas sejam da mesma ordem
da representação, ainda que inscritas em eventos históricos particulares. Conforme
salientou Lepetit, a acolhida da inovação depende da inovação do meio receptor
(LEPETIT, 2001b, p. 36).
De acordo com Duby (1998), a cultura nunca é recebida uniformemente pelo
conjunto de uma sociedade, pois esta se decompõe em meios culturais distintos, por
vezes antagônicos, e a transmissão da herança cultural se encontra governada pela

3 Mais informações sobre o assunto em: STEINKE, R.; MARANHO, J. G. Um olhar sobre a forma ur-
bana. (Passagens Urbanas). In: ENCONTRO NACIONAL DA Anpuh/SC, 10., Florianópolis. Anais...
Florianópolis: UFSC, 2004.

71
HISTÓRIA: disposição das relações sociais4. A singular forma de organização familiar de seu escri-
METODOLOGIA DO
ENSINO tório, o ambiente cultural em que o engenheiro viveu no primeiro quartel do século
XX na capital paulista, a formação na Escola Politécnica, o contato com os profissio-
nais da área, associado à experiência na Cia. City formam elementos que, agregados,
ajudam a elaborar o pensamento do urbanista Jorge de Macedo Vieira. Ainda assim,
tal quadro não basta para formarmos sua concepção de planejador se não pensarmos
também nas transferências culturais.
O estudo das transferências culturais no campo da urbanística mostra a fecundi-
dade da articulação dos diferentes níveis, do cruzamento de fontes, das múltiplas e
complementares escalas de observação. Da mesma forma, a dinâmica experimental
dos atores sociais e de suas trajetórias torna-se importante para o estudo dessas trans-
ferências. Nelas, vemos a diferenciação das temporalidades, os processos de mudanças
e as reutilizações das formas passadas, os desníveis que ocorrem entre as dimensões
econômicas, sociais e culturais.

A RELEVÂNCIA DO TEMA ENQUANTO MATERIAL PEDAGÓGICO


Segundo as novas diretrizes curriculares, a escolha metodológica representa a
possibilidade de orientar trabalhos com a realidade presente, relacionando-a e com-
parando-a com momentos significativos do passado. Didaticamente, as relações e as
comparações entre o presente e o passado permitem uma compreensão da realidade
em uma dimensão histórica que extrapola as explicações sustentadas no passado ou
apenas no presente imediato (BRASIL, 1997, p. 39).
Priorizar o uso da linguagem fluente, com conteúdo dinâmico e alçando uso de
recursos visuais como mapas, fotos e plantas é o caminho sugerido. Ou seja, através
da escolha dos documentos e dos conteúdos devemos levar o aluno a desenvolver
noções de diferença e de semelhança, de continuidade e de permanência no tempo
e no espaço. Assim, pensamos estar contribuindo ao compartilhar com as novas gera-
ções que estão hoje nas cadeiras escolares, um assunto instigante e ao mesmo tempo
particularmente interessante por fazer parte da vida de cada um de nós, como é o caso
do planejamento da cidade de Maringá.
Nosso objetivo foi usar a linguagem da transversalidade, ao tratarmos de urbanis-
mo, mas também abordar questões que levam a refletir sobre o meio ambiente, a for-
mação de nossas cidades, a segregação espacial, entre muitos outros temas. Para tanto,
valorizar a iconografia, utilizando mapas, fotografias, peças gráficas para uma melhor

4 DUBY, Georges. A história cultural. In: RIOUX, Jean; SIRINELLI, Jean (Dir.). Para uma História
cultural. Lisboa: Estampa, 1998. p. 407.

72
elucidação do assunto é de fundamental importância na abordagem de tais temas, to- O espaço urbano
enquanto espaço de
mando como ponto de partida o próprio entorno em que vivemos, o que pode levar o reflexão histórica

interlocutor a ser surpreendido ao lançar um olhar inesperado para as ruas pelas quais
passa todos os dias, o bairro em que mora, percebendo como este se caracteriza. Co-
nhecer a história regional e local é uma forma de levar o aluno a ter mais consciência
das questões ambientais e sociais. Tomar consciência da paisagem urbana que muitas
vezes passa despercebida: a igreja, a prefeitura, a câmara municipal, a biblioteca e o
fórum, formando uma síntese, um conjunto, chamado de centro cívico; ou então,
compreender melhor as diferenças entre os bairros centrais e periféricos. Trabalhando
os significados de exemplos como estes, buscamos levar o aluno a compreender a
história do local onde mora.
Ao pensarmos em um material que sirva de apoio didático, pensamos no diálogo
da História com as demais Ciências Humanas, o que podemos observar nas recentes
discussões relativas ao assunto e que têm favorecido estudos das diferentes problemá-
ticas contemporâneas em suas dimensões temporais, ou seja, por meio de trabalhos
interdisciplinares, novos conteúdos podem ser considerados em perspectiva histórica,
como no caso da apropriação, atuação, transformação e representação da natureza
pelas culturas, da relação entre trabalho e tecnologia [...] (BRASIL, 1998, p. 33).
Assim, na elaboração deste capítulo preocupamo-nos em destinar tal exercício não
especificamente para a área de História, e sim trabalhar interdisciplinarmente, dispo-
nibilizando um texto de história urbana que poderá ser utilizado em disciplinas de
História, Geografia e Ciências, entre outras, além de trabalharmos com um tema de
história local e regional, mas nem por isso podemos perder a universalidade do tema.
Da mesma forma, as pesquisas históricas desenvolvidas a partir de diversidade de
documentos e da multiplicidade de linguagem têm aberto portas para o educador ex-
plorar diferentes fontes de informação como material didático e desenvolver métodos
de ensino que, no tocante ao aluno, favorecem a aprendizagem de procedimentos de
pesquisa, análise, confrontação, interpretação e organização do conhecimento históri-
co escolar (BRASIL, 1998, p. 33).
Por fim, cabe aqui registrar que o atual quadro delineado pela situação de nossas ci-
dades e sua ocupação indiscriminada exige que disseminemos e discutamos a questão
dos problemas urbanos. Faz-nos lembrar também das palavras do historiador Jacques
le Goff em sua obra ‘Por Amor às Cidades’, ao mencionar a nostalgia com que o século
XIX observaria o fenômeno urbano quando postula que é preciso esperar nossa época,
que se inquieta com o futuro das cidades, para que elas soem como sinais de alarme
(LE GOFF, 1988).

73
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Proposta de Atividades

CONTEXTO HISTÓRICO
Objeto: mapa da ocupação do norte paranaense, mostrando a implantação da rede
de cidades, a ferrovia e as estradas.

Figura 4 - Imagem mostrando a ocupação da região norte paranaense, com destaque para a área
comercializada pela C.T.N.P./C.M.N.P.

Possibilidades de exercício/reflexão
• Perceber o histórico da gradual ocupação regional do norte e noroeste paranaen-
se no período de 1930-1960; a dinâmica da ocupação dentro do sistema de implanta-
ção capitalista, com a venda de lotes e a implantação de estradas e ferrovias, bem como
a escala do território ocupado pela companhia imobiliária em relação ao território
total do Estado. Também é possível refletir sobre a cobertura florestal e a devastação
da área, percebendo a importância dos meios de transporte, como a ferrovia enquanto
meio de comunicação e escoamento de produção e a relevância das imagens publici-
tárias na venda das terras.

74
CIDADE PLANEJADA O espaço urbano
enquanto espaço de
Objeto: planta atual da cidade de Maringá. reflexão histórica

Figura 5 - Planta da cidade de Maringá; PMM, 2005.

Possibilidade de reflexão: análise do Projeto Urbanístico de Maringá


• Como se constituem os bairros residenciais, os espaços públicos (parques, pra-
ças e jardins);
• Perceber a presença do eixo monumental a partir do centro cívico até a Avenida
Colombo;
• Observar a presença de radiais (as praças redondas), das artérias (as ruas curvas
e as ruas retas, as principais e as secundárias);
• Comparação entre o traçado ortogonal (malha xadrez) e o informal (traçado
orgânico) dentro desse projeto.

75
HISTÓRIA: REDE URBANA
METODOLOGIA DO
ENSINO Objeto: planta de uma cidade de malha ortogonal implantada pela Cia.

Figura 6 - Cruzeiro do Sul. Exemplo de uma planta ortogonal – a


chamada ‘malha xadrez’ – implantada no norte do Paraná.

• Perceber visualmente como se organiza o chamado traçado xadrez;


• Comparação entre as duas cidades: a ortogonal e a orgânica.

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79
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Anotações

80
6 Habitação social:
um tema para debater
em sala de aula
Rosana Steinke / Giuliano Maranho-Jacintho

HABITAÇÃO SOCIAL ENQUANTO TEMA: UM BREVE HISTÓRICO


Levar até a sala de aula um tema que trata da presença dos conjuntos habitacio-
nais populares em Maringá mostra a possibilidade de introduzir debates e exercícios
sobre a configuração espacial e a evolução da malha urbana dessa cidade usando o
referencial do cotidiano dos estudantes. Representando um importante espaço para a
memória urbana e para o imaginário da comunidade maringaense, destacamos a rele-
vância de um tema que junte, em uma mesma discussão, um estudo de história social
e história local na possibilidade de um frutífero diálogo.
Como sabemos, em 1964, com a implantação do regime militar em nosso país, foi
criado o BNH (Banco Nacional da Habitação), cuja atuação iria até 1986. A ação do go-
verno no campo da habitação passa então à construção intensiva de casas para venda,
articulando a questão habitacional com a problemática urbana e estimulando o setor
da construção civil (BONDUKI, 1998). Centralizando praticamente todos os recursos
disponíveis para o investimento em habitação e grande parte dos recursos destinados
ao saneamento urbano, o BNH difundiu um tipo de intervenção adotada em quase
todas as cidades do país, independentemente de suas especificidades urbanas, sociais
e culturais, caracterizando-se pela gestão centralizada e ausência da participação co-
munitária (BONDUKI, 1998, p. 319).
Como demonstram alguns estudos, com o fim do BNH, a partir de 1986, deses-
trutura-se a política habitacional em nosso país e o Estado deixa de ter a responsabi-
lidade de financiar diretamente programas habitacionais para a população de baixa
renda, sendo apenas implantados alguns programas pontuais a partir desse momento
(SAMPAIO, 2002; BONDUKI, 1998). Percebemos, ao longo da história, que diferentes
períodos mostram as diferentes iniciativas para se enfrentar o problema da habitação
em massa em nosso país. Ainda assim, podemos dizer que, apesar das inúmeras tenta-
tivas, o cortiço – ou a favela – continua sendo uma solução para parte da população.

81
HISTÓRIA: HISTÓRIA LOCAL E HISTÓRIA DA CIDADE: POSSIBILIDADE DE ABORDAGEM
METODOLOGIA DO
ENSINO Fonseca (1993) assevera que na relação orgânica entre educação, cultura, memória
e ensino de história estas se complementam. Foi assim que pensamos na presença dos
conjuntos habitacionais populares em uma cidade brasileira de porte médio. No texto
dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de História reforça-se a preocu-
pação com a inclusão da diversidade cultural em alguns de seus objetivos gerais, como
ao valorizar o patrimônio sociocultural. Nossa intenção foi avançar nesse sentido, mos-
trando a importância histórica da criação de novos espaços de habitar, configurados
através de conjuntos habitacionais destinados às classes populares.
A região na qual se insere Maringá, no norte do Paraná, até meados da primeira
metade do século XX era habitada por índios e caboclos que há muito tempo aqui
viviam e que, nesse processo de ocupação, na sua maioria, foram extintos ou expul-
sos (NOELLI; MOTA, 1999). A partir dos anos 1930, foi gradativamente povoada por
colonos – os chamados pioneiros – que vinham dos mais diversos lugares. A partir
de relatos dos pioneiros e da história oficial, entre outros discursos, criou-se a ideia
de uma área ‘despovoada’, constituindo um imenso ‘vazio demográfico’ pronto a ser
ocupada pela expansão capitalista (TOMAZI, 1999).
Ainda que tenha recebido um planejamento a priori, a expansão da malha urba-
na dessa cidade não seguiu o conceito inicial, havendo mesmo um distanciamento
da ideia original (que pode ser observado na planta). Hoje, com praticamente 300
mil habitantes, Maringá é constituída, na sua grande maioria, de bairros com traçado
ortogonal, a chamada ‘malha xadrez’, comum na maioria das cidades brasileiras. Se
a irregularidade sugerida pelo desenho original, implantado apenas na área central,
reservava às ruas residenciais um traçado curvo, já aos conjuntos habitacionais popu-
lares, implantados posteriormente, seriam destinadas quadras regulares.
Historicamente, podemos recuperar as décadas de 1930-1960 como de intensa
migração para a região e, a partir dos anos 1940 e 1950, especificamente para o cha-
mado Norte Novo, para a região que abrange Maringá. Os dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) informam que, na década de 1950, a população
urbana de Maringá era constituída de 18,84% da população do município e, na década
seguinte, esse índice subiu para 45,70%. Já na década de 1970, os números do censo
mostram 82,47% da população já morando na cidade. Nos anos 1980, o IBGE aponta
95,51% da população vivendo na zona urbana, e na década de 1990, os números regis-
tram apenas 4% vivendo no campo.
Com a crescente substituição dos cafezais pelas novas culturas mecanizadas, ve-
rifica-se uma expressiva migração do campo e das pequenas cidades para cidades
médias nessa região. Com o aumento da população urbana, nota-se a carência na

82
infraestrutura urbana, principalmente a falta de moradias nessa cidade. Para atendê-la, Habitação social:
um tema para debater
surgem os primeiros conjuntos habitacionais promovidos pelo governo ainda na dé- em sala de aula

cada de 1960.
A partir desse histórico, é possível abordar a questão da devastação da natureza, em
larga e rápida escala, trabalhando ainda questões como os mitos do pioneiro, da terra
da promissão, do el dorado, do vazio demográfico. Com tal perspectiva, podemos
estimular a compreensão e a sensibilidade dos alunos para compreender a história
regional, bem como a história de vida dos pais, avós e deles mesmos, buscando uma
postura reflexiva. Nas palavras de Fonseca:

[...] ensinar e aprender história requer de nós, professores de história, a reto-


mada de uma velha questão: o papel formativo do ensino de história. Deve-
mos pensar sobre a possibilidade educativa da história, ou seja, a história como
saber disciplinar que tem um papel fundamental na formação da consciência
histórica do homem, sujeito de uma sociedade marcada por diferenças e desi-
gualdades múltiplas (FONSECA, 2003, p. 38).

A partir de tais reflexões, buscamos inspiração para cruzar ou mesmo subverter


as fronteiras impostas entre as diferentes culturas e grupos sociais, entre a teoria e a
prática, a política e o cotidiano.

A IMPORTÂNCIA DA PRESENÇA DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS


POPULARES EM MARINGÁ
Temos por objetivo chamar a atenção para a importância da existência de conjuntos
habitacionais populares em nossas cidades, na perspectiva de resgatar o contexto his-
tórico-social de seu crescimento, identificando as transformações ocorridas na malha
urbana. Como objetivos específicos, podemos pensar na história de vida da comuni-
dade, na identificação que certamente esta tem com esses espaços, muitas vezes local
de residência de alunos e professores. Como se deu a mudança do mundo rural para
o urbano e a apropriação desse espaço, enquanto novo modo de habitar, pode repre-
sentar um interessante olhar de investigação, pois possibilita revelar uma face ainda
pouco explorada da história social dessa cidade.
Recuperando o histórico de implantação dos conjuntos habitacionais no perímetro
urbano de Maringá, podemos apontar, ainda nos anos 1960, na região da Vila Moran-
gueira, a criação de nove conjuntos habitacionais populares, todos horizontais (SILVA,
2002). Já nos anos de 1970, observamos o aumento na produção de conjuntos habita-
cionais em Maringá, sendo construídas quase cinco mil unidades, entre casas e apar-
tamentos. Nessa década, soma-se um total de doze conjuntos habitacionais populares
novos, e três deles formam os primeiros conjuntos verticais implantados nessa cidade.
Os edifícios se caracterizam, nos anos 1970, por introduzir um elemento novo no

83
HISTÓRIA: modo de morar, o apartamento. Tais projetos, em muitos aspectos, se assemelham ao
METODOLOGIA DO
ENSINO modelo básico do padrão BNH, com blocos repetitivos de apartamentos, identificados
numericamente, com no máximo quatro pavimentos, sem elevadores, equipamentos
recreativos e/ou assistenciais constituindo construções térreas isoladas, entre outros.

Figura 1 - Conjunto Residencial Martin Afonso em Maringá, construído em 1977 (160 unidades).

A produção habitacional econômica em Maringá, realizada até a década de 1970,


principalmente os conjuntos verticais, revela uma conformação espacial diferente dos
conjuntos construídos posteriormente, em que aquelas unidades apresentam, tanto
no espaço interno quanto no espaço externo, áreas mais amplas e com localização
mais próxima às áreas centrais. Chamam a atenção por inaugurar, de certa forma, um
novo modo de habitar, revelando um momento de transição entre o rural e o urbano
em um período em que começa a aparecer a verticalização da paisagem nessa cidade.
Fazendo parte da paisagem urbana maringaense nas últimas décadas, tais conjun-
tos fazem parte igualmente do imaginário urbano de seus habitantes. Cercando toda
a periferia, e por vezes pulverizados em alguns lugares centrais, foi através deles que
se desenvolveu a malha urbana dessa cidade. Ainda que, talvez pela monotonia de sua
arquitetura, muitas vezes nos passem despercebidos e não notemos neles um aspecto
da história regional a ser tratado em sala de aula, fazem parte da memória urbana e da
identidade de nossa comunidade.
O texto aponta a possibilidade de recuperar vários aspectos do cotidiano e da vida
material da comunidade maringaense, ainda pouco explorados. Com isso, esse exer-
cício contribuirá em muitos aspectos para a preservação da memória da história urba-
na de Maringá, aumentando a percepção dos alunos para a constituição do espaço e

84
possibilitando reflexões futuras sobre a problemática urbana atual. Busca-se o resgate Habitação social:
um tema para debater
da memória popular, em contraste com a memória oficial, em que muitas vezes uni- em sala de aula

versos inteiros são colocados em segundo plano. Tais testemunhos são registros da di-
versidade das experiências sociais e dos valores culturais, coletivamente significativos.
Outro elemento a ser ressaltado, como possibilidade de reflexão, está no fato de
que a maioria dos conjuntos habitacionais populares na cidade de Maringá foi promo-
vida pelo setor público, através do BNH, e este, enquanto estruturador de uma política
habitacional nacional, tenha exercido uma ação fundamental para o modelo central-
desenvolvimentista. Como via de futura reflexão, o professor pode pensar em que
medida tais fundamentos estão presentes na história local, no período de 1964-1986,
fazendo uma ligação entre a história nacional e a história local.
Por fim, cabe ressaltar que ainda hoje o déficit habitacional é um grave problema
em nosso país, e um trabalho que recupere a memória de um período da produção
habitacional econômica pode servir como instrumento para compreendermos melhor
nossa história e, assim, contribuir para a reflexão sobre novas formulações. Isso nos
leva a ponderar sobre o aluno, enquanto sujeito social, com capacidade de análise e
intervenção crítica na realidade, que pressupõe a compreensão da história política do
país, dos embates, projetos, problemas e dificuldades nas relações entre Estado, socie-
dade e na construção da democracia (FONSECA, 2003, p. 136).

Proposta de Atividades

Tendo em vista vários aspectos da urbanização e da produção habitacional em Ma-


ringá, sugerimos alguns exercícios que poderiam ser feitos em sala de aula articulando
a temática urbana às aulas de História.

ÍNDICES DE MOBILIDADE POPULACIONAL

ANO 1950 1960 1970 1980 1990


POP. URBANA 18,84% 45,70% 82,47% 95,51% 96%

Tabela 1 - Dados do recenseamento do IBGE na cidade de Maringá - 1950-1990

Objeto: dados dos recenseamentos da mobilidade populacional de Maringá. Suges-


tão: trabalhar com a relação do espaço campo/cidade e o número de habitantes a partir
dos dados do censo demográfico, mostrando o expressivo crescimento da população
urbana maringaense.

85
HISTÓRIA: LOCALIZAÇÃO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
METODOLOGIA DO
ENSINO Objeto: Atual planta da cidade de Maringá sobre uma placa de isopord

Figura 2 – Planta atual da cidade de Maringá com a localização dos conjuntos habitacionais.
Fonte: Prefeitura Municipal de Maringá.

Sugestão: com a planta da cidade de Maringá, trabalhar a expansão da malha urba-


na através das décadas. Para tanto, os alunos poderão fazer exercícios localizando os
conjuntos habitacionais populares com alfinetes coloridos (uma cor definida para cada
década, conforme data de implantação).
Outro exercício interessante que pode ser realizado é solicitar aos alunos que lo-
calizem a sua residência sobre o mapa, marcando-a com um alfinete. Com isso, se
estará mapeando o entorno do estabelecimento de ensino e delimitando uma área
comum aos envolvidos com o exercício. Essa atividade poderá despertar o interes-
se dos estudantes e inevitavelmente trará comparações entre distâncias (vistas mais
dentro da escala do homem e não do automóvel), entre outras, ajudando na percep-
ção do espaço e da inserção do seu bairro, da sua escola, dentro do projeto da cida-
de. Conforme aponta o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre o ensino
de História, o espaço reservado ao estudo dos chamados aspectos políticos, quando
tratam da origem e evolução da cidade, geralmente exaltam figuras empíricas indivi-
duais que contribuíram para o seu progresso, ou então traçam uma leitura linear ou
evolutiva de seu crescimento. Procuramos, com tal exercício, romper com rigidez do
espaço, mostrando o bairro não como uma unidade estanque, dissociada do resto,
mas como fruto de uma relação entre diferentes temporalidades e espacialidades.

86
HISTÓRIA ORAL/DOCUMENTOS (FOTOGRAFIAS) Habitação social:
um tema para debater
A história oral constitui uma importante fonte de documentação e exercício para em sala de aula

os alunos. Eles podem formular perguntas sobre a origem de vizinhos e parentes, caso
tenham vindo do campo, o que cultivavam, quais os motivos e em que época migraram
para a cidade, procurando entender o processo dessa mudança. Nesse aspecto, tais
relatos também oferecem dados diversos e visões diferenciadas sobre a implantação e
ocupação dos conjuntos. Entrevistas com parentes ou amigos que moram ou já mora-
ram em conjuntos habitacionais podem ser realizadas como atividades extraclasses. Os
resultados podem ser debatidos em sala de aula.
Outra sugestão é pedir aos alunos que tragam de casa fotografias que mostrem a
sua infância e que sejam tiradas no bairro onde moram ou moraram. Com isso, po-
de-se fazer uma discussão das formas de apropriação e transformações espaciais das
unidades habitacionais, como os espaços comuns são percebidos, como a praça, os
equipamentos de lazer, entre outras áreas livres, são apreendidos.

Indicação de Leitura

• O Cortiço. Autor: Aluízio Azevedo.

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89
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Anotações

90
7 Literatura no ensino
de História
Edna Aparecida Ferreira Benedicto / Hudson Siqueira Amaro

LITERATURA E HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS


No estudo da História, o aluno se depara com documentação histórica diversificada
e determinados documentos exigem cuidados específicos na leitura. Neste capítulo,
vamos refletir sobre a literatura e sua utilização como documento histórico, apon-
tando suas possibilidades e potencialidades enquanto fonte histórica no processo de
ensino-aprendizagem de História.
Os avanços do conhecimento histórico como área científica têm influenciado o
ensino, afetando os conteúdos e os métodos tradicionais de ensino-aprendizagem. A
metodologia da produção do conhecimento histórico no cotidiano escolar tem sido
um dos problemas mais debatidos na área do Ensino de História. Esses debates são in-
fluenciados pelas transformações sociais, políticas e educacionais no interior dos espa-
ços acadêmicos, escolares e na indústria cultural. Tais debates podem ser encontrados,
por exemplo, nas novas propostas curriculares, nos cursos de formação continuada
oferecidos pelo Estado e principalmente na pesquisa educacional.
Muitas são as propostas de ensino de Historia. Variam desde as que propõem o
estudo das formações sociais em uma perspectiva marxista até aquelas com uma abor-
dagem a partir do cotidiano e da micro-história.
A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) considera que o en-
sino de História, os cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, envolve relações
e compromissos com o conhecimento histórico, de caráter cientifico, com reflexões
que se processam no nível pedagógico e com a construção de uma identidade social
pelo estudante, relacionada às complexidades inerentes a realidade com que convive
(BRASIL, 1997, p. 27).
Reforçando o já citado, a orientação é a de reconhecer que ensinar Historia é tam-
bém ensinar o seu método tomando como ponto de partida a realidade social ime-
diata, problematizando e questionando, para que o aluno consiga recuperar a relação
da história da humanidade com a vida particular de cada um e com a sociedade em
movimento.

91
HISTÓRIA: Articular as novas concepções de História com as novas necessidades imediatas de
METODOLOGIA DO
ENSINO conhecimento e as novas metodologias, com a incorporação da pesquisa no ensino,
com as condições tais como estão dadas é o grande desafio dos professores. Nesse
contexto, ensinar História requer um diálogo permanente com diferentes saberes,
produzidos em diferente níveis e espaços: saberes da própria disciplina, curriculares,
profissionais, os saberes da experiência de vida dos alunos e professores, da mídia, do
trabalho, da religião, da política, entre outros.
O objeto da História é o real em movimento. Seu objetivo é reconstruir, compreen-
der e explicar a história real, que é estudada a partir de evidências que possam descor-
tinar aspectos novos no conhecimento histórico, seja no campo de temas já conheci-
dos, acrescentando olhares novos, seja abrindo campos novos na seara da existência
dos homens em sociedade que venham acrescentar sempre mais informações sobre
estes. Nesse sentido, o objetivo de se ensinar história é formar, educar, explicando,
reconstruindo, buscando e levando os alunos a compreender o real e suas relações
com esse real. Logo, a lógica da prática docente é construtiva, o que implica uma
busca permanente de superação do mero reprodutivismo, refletindo e questionando
os conhecimentos historicamente produzidos, garantindo que alunos e professores
sejam sujeitos da ação pedagógica, criando oportunidades de investigar e produzir
conhecimento relativos à realidade, estabelecendo relações críticas, expressando-se
como sujeitos produtores de história e de saber.
Para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que os sujeitos do conheci-
mento histórico estabeleçam contato com diferentes produções de épocas passadas e
presentes. As crianças, desde que nascem, são bombardeadas com um grande numero
de informações, difundidas no senso comum, sobre relações interpessoais e coletivas.
Nesse contexto, cabe a instituição de ensino interferir em suas concepções de mundo,
levando-as a desenvolver uma observação mais atenta ao que acontece ao seu redor,
identificando as relações sociais em suas múltiplas e diferenciadas dimensões.
Dessa forma, é pertinente que a criança seja iniciada no universo da ciência, sen-
do-lhes apresentados os procedimentos da pesquisa escolar para que aprendam como
manusear livros, revistas, jornais, localizar informações, estabelecer relações entre elas
e compará-las, familiarizando-se, desenvolvendo domínios linguísticos, identificando as
ideias dos autores, percebendo contradições e complementariedades entre elas, obser-
vando e identificando informações em imagens, textos, mapas, fotografias, objetos, etc.
Intervenções pedagógicas específicas, baseadas no trabalho de pesquisa histórica,
provocam significativas mudanças na compreensão das crianças pequenas sobre quem
escreve a História. Por exemplo: passam a considerar a diversidade de fontes para a ob-
tenção de informações referentes ao passado, discernindo sobre o fato de que épocas

92
procedentes deixaram, intencionalmente ou não, indícios de sua passagem que foram Literatura no ensino
de História
descobertos e conservados pelas coletividades. Podem compreender que os diferentes
registros são fontes de informações para se conhecer o passado (BRASIL, 1997, p. 39).
Vivemos em mundo em que o avanço tecnológico e a indústria cultural nos apre-
senta as mais diversas formas de linguagem. É prática recorrente na educação, no
ensino e na pesquisa, a utilização dessas linguagens. Para Selva Fonseca,

trata-se de uma opção metodológica para ampliar o olhar do historiador, o


campo de estudo, tornando o processo de transmissão e produção de conheci-
mento interdisciplinar, dinâmico e flexível. As fronteiras disciplinares são ques-
tionadas, os saberes são religados e rearticulados em busca da inteligibilidade
do real histórico (FONSECA, 2003, p. 163).

As linguagens utilizadas são as mais diversas: imagens, obras de ficção, artigos de


jornais e revistas, programas de TV etc. para desenvolver os mais variados temas. A
proposta é pensar a linguagem como forma e expressão de luta, força, dinâmica e
experiência histórica.
Alguns cuidados se fazem necessários para se trabalhar com os documentos em
sala de aula: a escolha do momento adequado, a clara definição das intenções didá-
ticas a serem atingidas e a consideração da especificidade da temática histórica a ser
estudada e da fonte a ser utilizada. O professor precisa definir critérios de escolha do
documento que vai usar como suporte didático. Para tanto, deve estar preparado para
considerar se ele é acessível à faixa etária dos alunos e se é capaz de motivar interesses
pelo tema estudado, além de estar em condições de observar e identificar nas primei-
ras impressões de quem lê um documento ou uma gravura as ideias, os valores e as
informações difundidas no senso comum.
O professor deve estar em condições de orientar a análise do documento em seus
detalhes, na confrontação com outras fontes e sua inserção nos contextos de época, os
questionamentos quanto às condições e coerências internas para permitir ao estudante
dominar procedimentos para pensar, refletir historicamente e construir conhecimen-
tos de natureza científica de forma a compreender a época que vive ou está estudando
e elaborar relações de diferenças e semelhanças, de transformação e permanência dos
saberes humanos ao longo do tempo.

LITERATURA
A Literatura, antes de qualquer coisa, é um texto, um conjunto de palavras que
formam um sentido, uma significação. Em geral, entende-se a literatura como a arte
da palavra escrita, mas nem tudo o que é escrito é literatura. Há uma preocupação
importante na linguagem literária, que é a elaboração especial das palavras no texto.

93
HISTÓRIA: A literatura é linguagem carregada de significados, é o resultado de uma intenção, por
METODOLOGIA DO
ENSINO isso a palavra literária é aquela que vem da experiência pessoal, subjetiva, cheia de
emoção, resultado de associações que representam algo mais do que está explícito.
A obra literária necessariamente não tem nenhum compromisso com o ‘real’, com
a comprovação dos fatos, mas mesmo assim pode ser uma importante fonte de da-
dos para a História, pois possui raízes no cotidiano das relações sociais, retratando
momentos desse cotidiano, sendo útil ao historiador em sua busca por compreender
o homem em sociedade com suas características próprias em diferentes épocas. Lem-
brando que a ficção pode se constituir tanto em crítica como em adesão à realidade
(ELEUTÉRIO, 2000, p. 96).
Mariza Lajolo (1983) nos fala da necessidade de estabelecer conexões entre a ficção,
o real e o cotidiano. Para a autora, é importante ter em mente que a literatura deve ser
vista como um mundo possível, pois o passado só sobrevive em forma de linguagem.
A História e a Literatura utilizam o discurso narrativo; entretanto, a preocupação
discursiva é diferente. O discurso histórico tem por objetivo explicar o real por meio
de um diálogo que se dá entre o historiador e os documentos que evidenciam o acon-
tecimento. Dessa forma, o pesquisador explica o real em movimento, a dinâmica, as
contradições, as mudanças e as permanências.
Acreditamos que a literatura contribui para a investigação de novos problemas e
objetos e se apresenta como instrumento para auxiliar no trabalho com diferentes
temáticas históricas. Essa documentação detém a capacidade de abarcar condições ma-
teriais e espirituais dos homens como sonhos, frustrações, angústias, utopias, lutas
cotidianas e sociais.
Para Bronislaw Geremek (1995), além de narrar, as obras literárias constroem certa
tipificação da realidade social apresentada. Para este autor, alguns conceitos podem
penetrar nas divisões e ligações estruturais da sociedade analisada.

As obras literárias permitem confrontar essas construções históricas com o qua-


dro que funcionava na consciência social da época examinada. A tipologização
usada como um procedimento literário, mesmo sendo o resultado de uma sim-
plificação excessiva, ou talvez, precisamente por isso, fornece imagens sociais
estereotipadas, que surgem do concreto da realidade pesquisada pelo historia-
dor (GEREMEK, 1995, p. 16).

Nessa mesma direção, Valcir Rezende Borges aponta que:

A literatura tomada como documento é fonte... para o estudo dos imaginários


sociais a medida em que é um produto social, e enquanto tal revela as condi-
ções da sociedade em que ocorre, expressando tanto a realidade profundamen-
te radicada em que se inspira, como também transmitindo e instituindo novos
valores e noções, modificando nos indivíduos suas condutas e concepções de

94
mundo, ou ainda, reforçando os valores sociais existentes, isto é, ao mesmo Literatura no ensino
tempo em que representa a sociedade contribui para moldá-la e constituí-la de História
para o seu devir (BORGES, 1993, p. 33).

Assim, a literatura, enquanto instituição social viva, tem que ser entendida em seus
aspectos históricos, político, filosófico, linguístico, individual e social ao mesmo tem-
po. Sua realidade transcende o texto para assumir o discurso que conta, minimante,
com as dimensões do escritor, da mensagem e do leitor.
A produção literária tem sido amplamente utilizada pela historiografia cultural que
a liga de dois modos ao contexto social. Primeiro, estabelece um confronto com a
realidade, buscando a comprovação dos elementos presentes na obra literária. Em
segundo lugar, a literatura é avaliada à luz da Teoria Literária e da Análise Literária,
pois é preciso lembrar que não há texto fora do suporte que lhe permita ser lido e
ambas possuem elementos que permitem alcançar o significado da obra tanto para os
contemporâneos da produção quanto para interpretações posteriores.
Uma contribuição prática para o entendimento metodológico de como tratar o
documento literário vem de Robert Darton, que ao analisar a narrativa de Contat em O
grande Massacre de Gatos e Outros Episódios da Historia Cultural Francesa acredita
que apesar de toda a riqueza de detalhes que possa conter, uma obra não deve ser
encarada como reflexo exato do que realmente aconteceu, deve ser lida como uma
versão de um acontecimento, com uma tentativa de contar uma história (DARNTON,
1985, p. 107).
Para este autor, todas as narrativas colocam a ação em uma ‘estrutura referencial’, o
que supõe certo repertório de associações e respostas para o seu receptor direto, além
de proporcionar uma forma significativa de experiência, pois o texto, antes de tudo,
é um produto nascido do trabalho humano e dele testemunho material. Testemunha
a criação individual, os acontecimentos sociais, as dimensões culturais, as condições
econômicas, os conflitos éticos e as contradições políticas que configuram o espaço
em que foi gerado e publicado. Assim sendo, a leitura e a compreensão do texto lite-
rário demandam que se desentranhe o conjunto simbólico, os indícios da totalidade
cultural, buscando na tradição, nos usos e costumes a afirmação dos fatos apontados
na obra cultural, bem como nas estruturas econômica, política e institucional.
Desse modo, a literatura não está apenas no texto, está nos autores, no leitor e vai
além. Ela constitui-se em uma dinâmica que a todos envolve e compromete, é uma
unidade de movimentos intensos. O real da literatura é, portanto, um processo que
envolve autores em contextos sociais historicamente definidos.
Bronislaw Geremek, em Os Filhos de Caim, ao trabalhar com textos literários, ins-
creve a literatura no tempo e na conjuntura social, apontando que é necessário levar

95
HISTÓRIA: em conta os instrumentos utilizados para a apresentação da realidade na literatura.
METODOLOGIA DO
ENSINO Esse é um fator a ser levado em consideração no exame do grau de fidedignidade dos
fatos e situações apresentados, mas isso não nega nem a proposta realista da literatura,
nem o seu valor epistemológico (GEREMEK, 1995, p. 17).
O pressuposto essencial para a análise de textos em pesquisa histórica é o de que o
documento é sempre portador de um discurso que, assim considerado, não pode ser
visto como algo transparente. Ao estudar um documento, o historiador deve sempre
atentar, portanto, para o modo através do qual se apresenta o conteúdo histórico que
pretende examinar, quer se trate de uma simples informação, quer se trate de ideias.
Especialmente no caso de pesquisas voltadas para a história das ideias, do pensamento
político, das mentalidades e da cultura, o conteúdo histórico que se pretende resgatar
depende muito da forma do texto: vocabulário, os tempos verbais, etc.
Nessa perspectiva, a literatura e a História englobam um vasto sistema de influên-
cias sociais recíprocas. Ambas constituem-se em representações significativas do real,
abordando temas, ampliando as possibilidades de compreensão dos problemas e ana-
lisando a sociedade e seus movimentos, cada qual na linguagem que o seu ofício exige,
respeitando os limites disciplinares de seu campo de pesquisa, bem como observando
os métodos e técnicas próprias da profissão.

Aplicação didática da Literatura no ensino de História


A partir das considerações apresentadas até este momento, procuramos sistemati-
zar uma metodologia para aplicação da Literatura no ensino de História utilizando os
procedimentos de tratamento do texto literário como fonte histórica que sugerimos a
seguir.
O primeiro passo é definir o documento a ser trabalhado, ou seja, com qual obra
trabalhar. O professor deverá proceder à sua leitura e levantar as possibilidades temá-
ticas e os conteúdos que a obra oferece. Nesse momento, é necessário discutir com os
alunos a literatura dentro das diversas dimensões em que se enquadra, fazendo uma
mediação com a Teoria Literária e a Análise Literária para estabelecer um diálogo com a
preocupação de que alguns conhecimentos sejam dominados para distinguir algumas
especificidades de linguagem, das formas de se comunicar e construir discursos. Esse
procedimento consiste em compreender o que é o documento, definir o tipo de tex-
to, se é prosa, conto, fábula, paródia, parlenda, etc., situando-o no período ou estilo
literário em que se enquadra.
Um segundo passo é pedir para que os alunos descrevam o texto, oralmente ou
escrito, de acordo com o nível de alfabetização de cada turma a ser trabalhada. Essa
primeira descrição tem por objetivo levantar as reflexões do senso comum que os

96
alunos fazem de conceitos, de valores e para perceber seu grau de entendimento sobre Literatura no ensino
de História
os temas debatidos na obra literária. Em suma, é fazer com que os alunos exponham
suas primeiras impressões, ideias, valores e informações difundidos no senso comum
sobre o texto em si, sobre os temas e conteúdos e sobre a posição do autor.
O terceiro passo é a descrição do conjunto da fonte. Essa fase tem por objetivo
compreender a obra escolhida a partir do contexto de produção, buscando assinalar a
origem, a função do documento e seus determinantes diretos e indiretos. Esse proces-
so consiste em identificar o autor: quem foi, sua ideia, estilo literário, o que escreve de
modo geral, onde escreveu a obra, para quem, com que objetivo, em que condições
a sua obra foi publicada, como foi entendida e recebida pelos seus contemporâneos,
qual era a posição social do autor na sociedade em que viveu e a que público foram
destinados seus escritos.
Na sequência, procede-se a uma análise interna do documento, que consiste em
uma descrição minuciosa de toda a obra na tentativa de desmontar e perceber os
conceitos e os discursos dos personagens e suas contradições, objetivando levantar as
características e as ideias principais de cada um e a tese do autor sobre determinados
assuntos ou temas. Uma observação importante é que todos participem dos processos
para que percebam as construções e as desconstruções dos discursos.
Outro procedimento é a análise externa do documento. Nessa fase, a proposta é
buscar, na Análise Literária e na Teoria Literária, elementos que permitam mapear a
estrutura do texto procurando uma compreensão maior do contexto de produção da
obra, com vistas a captar o sistema de significação e decifrá-lo. Para isso, coloca-se o
texto dentro de uma estrutura referencial que possibilita entendimento aprimorado
do significado da obra escolhida a partir de elementos como o estudo de espaços,
tempos, foco narrativo, cenário, clímax, discurso, linguagem, etc.
Depois de encontrados os elementos de análise, se faz necessário situar a obra den-
tro de um contexto mais abrangente, para melhor visualização do todo que a compõe,
buscando as formas da obra como um todo, relacionando-a com as maneiras de orga-
nização política, econômica, social, ideológica e histórica em que a obra se enquadra.
Feito isso, define-se a temática a ser estudada, problematizando-a, com o objetivo
de instigar os alunos a buscar o conhecimento e estimular o raciocínio. O tema pode
ser discutido a partir da interdisciplinaridade para que se tenha uma melhor definição
da dimensão que se deseja centrar o estudo do tema e dos pressupostos teóricos que
permearão a análise.
Daqui por diante, o estudo centra-se nos elementos historiográficos definidos a
partir da obra literária: o objeto a ser estudado, os fatos históricos, a temporalidade, os
sujeitos e os conceitos. Dessa forma, parte-se da análise da conjuntura para a análise

97
HISTÓRIA: estrutural, para que se possam visualizar as rupturas e as continuidades nas vivências
METODOLOGIA DO
ENSINO do passado e do presente. Deve-se procurar confrontar os elementos visíveis na obra
literária, os discursos dos personagens com as próprias opiniões anteriores dos alunos
com as reflexões do senso comum e com o saber histórico produzido pelos próprios
alunos.
Ao final, deve-se sintetizar as conclusões em forma de textos produzidos pelos pró-
prios alunos, coletiva ou individualmente, para que possam compreender que tanto
a história quanto a sua interpretação são construções que os homens fazem ao longo
de sua existência coletiva e que possuI varias formas de interpretá-la, mostrando que o
que fizeram contribui para o processo de produção da reflexão histórica e que existem
várias formas de interpretá-la.
Dessa forma, compreendemos que cabe ao professor, por meio de seu fazer coti-
diano, orientar os alunos para que dominem os procedimentos que envolvam as refle-
xões, os questionamentos, as análises, os confrontos, as comparações e a organização
dos conteúdos históricos.
Claro está que este é só um dos muitos procedimentos metodológicos de aplica-
ção desse tipo documental. O que procuramos foi mostrar um caminho que pode
ou não se adaptar à prática docente. O ideal é que o professor, entre erros e acertos,
desde que seguindo as orientações de tratamento da fonte literária, sistematize uma
metodologia de aplicação da Literatura no ensino de História que atenda melhor aos
requisitos e necessidades de cada realidade.

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ENSINO Célia et al. (Org.). Questões de teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed.
UFRGS, 2000.

SOUZA, Jésus; CAMPEDELLI, Samira. Produção de textos e usos da linguagem.


São Paulo: Saraiva, 1998.

VASCONCELOS, Maura M. Ensino de História: concepção e prática no ensino médio.


In: BERBEL, Neusi A. Nacas. Metodologia da problematização: fundamentos e
aplicações. Londrina: Editora UEL, 1999.

Proposta de Atividades

1) Utilizando a obra clássica da literatura infantil Cinderela, faça uma leitura silenciosa e em
seguida proceda à leitura em voz alta para que possa melhor sentir a forma como os dis-
cursos foram montados.
2) Após, descreva a história por escrito. Procure perceber a carga valorativa e os conceitos de
príncipe, princesa, rainha, madrasta, castelo, etc. presentes no texto.
3) Pergunte a si mesmo em que período histórico se passou a estória, quem a escreveu, por-
que a escreveu, como foi produzida, etc.
4) Relacione a estória com os elementos da teoria literária: tempo, espaço, foco narrativo, etc.
5) Relacione o texto com o período histórico em que se passa a história.

Agindo assim, procuramos encaminhar as atividades em sala de aula de forma que


os alunos possam perceber como os discursos presentes nas reflexões do senso
comum não se sustentam, que é necessário sair do mundo das aparências para
refletir profundamente e cientificamente sobre determinados temas e concei-
tos, pois só assim chegaremos mais perto da complexidade que as relações
sociais produzem.

100
8 Jornal na
sala de aula

André Freires Alfredo / Hudson Siqueira Amaro

INTRODUÇÃO
Os meios de comunicação, hoje mais do que nunca, fazem parte da vida de profes-
sores e estudantes e acabam por influenciar na aprendizagem. Já que não podemos,
e nem devemos, colocá-los para fora da sala de aula, o melhor é aproveitá-los ao
máximo, dando aos alunos condições de interpretar as informações contidas nesses
meios de comunicação. A televisão, o rádio, a Internet, as revistas e os jornais estão
ao alcance da grande maioria da população e podem vir a colaborar em muito para
o aprendizado do aluno dentro do ambiente escolar. Temos aqui, então, lugar para
a fala de Sampaio e Leite quando se refere ao acesso às tecnologias afirmando que
‘[...] precisamos pensar em uma escola que forme cidadãos capazes de lidar com o
avanço tecnológico, participando dele e de suas conseqüências’ (SAMPAIO; LEITE,
2000, p. 15).
O reconhecimento de que não somente através de livros didáticos se constrói o
conhecimento do aluno trouxe a necessidade de se inserir os meios de comunicação
de massa nos projetos pedagógicos das escolas em função do papel que desempe-
nham na formação das pessoas. O jornal encontra-se entre os meios de comunicação
com mais facilidade de acesso, tanto que muitos educadores salientam a necessidade
e as vantagens de seu uso, não somente como objeto de informação, mas também de
formação do aluno.
A divulgação dos acontecimentos com uma linguagem simples e de fácil entendi-
mento e assimilação das informações por pessoas dos mais diversos níveis socioeco-
nômicos faz do jornal um veículo de comunicação com grande inserção na sociedade.
Essa característica de facilitar o acesso à informação garante a possibilidade de sua
utilização em sala de aula.
O jornal é uma fonte de informação que agrega a potencialidade de promover inte-
ração entre diversas áreas do conhecimento, proporcionando ao leitor a possibilidade
de discutir o assunto enfocado, estabelecer relações entre sua leitura e seu cotidiano e

101
HISTÓRIA: pensar sobre a realidade em que está inserido. Assim, abre um leque de possibilidades
METODOLOGIA DO
ENSINO que podem ser exploradas em sala de aula, inclusive a divisão de seu conteúdo em se-
ções, cadernos e suplementos contribui para o planejamento de atividades escolares.
Lembramos que os educadores devem buscar uma prática pedagógica que se aproxime
do mundo do educando a fim de explicitar o sentido do conhecimento escolar.
O uso de jornais na educação vem desde os anos 1920, quando o pedagogo fran-
cês Celestin Freinet1 desenvolvia com seus alunos um jornal escolar para a divulga-
ção dos textos produzidos. Atualmente, segundo dados da Associação Nacional dos
Jornais, 35 jornais participam de projetos educacionais espalhados por 16 Estados
brasileiros. Esses programas atendem a 8,5 mil escolas e cerca de 2,5 milhões de
estudantes. Projetos de utilização de jornais na educação existem em pelo menos 52
países, reunindo cerca de 18 mil empresas de comunicação2.

GOSTAR DE LER JORNAL


O hábito da leitura de jornais é o primeiro passo para a utilização desse periódico
em sala de aula. O professor deve ter essa prática para poder aproveitar as oportu-
nidades que os jornais trazem para a otimização das atividades em sala de aula. É
necessário que ele seja um leitor de jornais antes de cobrar isso de seus alunos.
Para despertar no aluno o interesse pela leitura do jornal, o professor pode pro-
por algumas atividades que contribuam para superar dificuldades e resistências ini-
ciais. Algumas dessas iniciativas podem ser: levar os alunos a uma banca de jornal a
fim de conhecerem a diversidade de material existente; dedicar aulas para as leituras
de jornais; discutir informalmente os temas lidos pelos alunos, os assuntos principais
do dia; ou criar um jornal com os alunos. É necessário que o professor tenha sempre
vários exemplares de jornais à disposição dos alunos.
E sempre que possível, o professor deve providenciar a separação de notícias
relacionadas às suas áreas de atuação e interesse, criando um arquivo pessoal para
utilização futura.
Não devemos deixar de ressaltar também a importância do acompanhamento diá-
rio das notícias, porque assim o professor poderá interpretar os fatos cotidianos,
construindo uma compreensão do que é discutido naquele momento pela sociedade,
podendo planejar melhor as atividades com os alunos.

1 Pedagogo francês que viveu nos anos 1920 e defendia o projeto de um jornal escolar. Obser-
vava em seus alunos, através desse trabalho, a maneira como construíam seus conhecimentos,
pois segundo ele isso facilitava a identificação da hora certa de intervir.
2 Dados retirados da página oficial na Internet da Associação Nacional dos Jornais – www.anj.org.br.

102
Outro diferencial do jornal é a possibilidade de se trabalhar com os mais diversos Jornal na sala de aula

conteúdos e disciplinas, bastando ao professor adaptá-lo à realidade da escola e do


aluno para conseguir bons resultados. Podemos perceber em alguns exemplos essa
diversidade: pesquisando bairros e demais localizações em sua cidade, forma-se um
jornal de Geografia; se a disciplina for de História, pode-se fazer um jornal com fatos
que marcaram o país ou o mundo; um jornal formado por operações matemáticas e
histórias sobre a matemática é uma forma criativa de estudar a mais exata das maté-
rias; no caso de outras línguas, pode se escrever um jornal em inglês ou espanhol.
O jornal pode, então, ser para o aluno um mediador entre a escola e o resto do
mundo. Aliado a conhecimentos prévios, o gosto pela leitura de notícias pode levá-lo
a formar novos conceitos e a partir daí adquirir novos conhecimentos.
O fato de o jornal não trazer atividades didático-pedagógicas prontas não deve ser
tomado como argumento para a não utilização desse material na atividade educacio-
nal, mas pode sim ser posto como um dos objetos do trabalho na educação escolar.
Entretanto, o acesso à noticia que o jornal promove tem de encontrar um leitor
atento e preparado para poder utilizar bem essa informação. A escola deve preparar
o aluno para ser um leitor, e o uso do jornal pode ser uma das portas pelo qual ela
providencia a sua introdução no mundo dos que sentem prazer na leitura e a aprovei-
tam para ampliarem seus conhecimentos sobre a sociedade, sobre o homem e sobre
si mesmo, e, assim, se movimentarem melhor na sociedade.

O JORNAL E A HISTÓRIA
A História apresenta peculiaridades em relação às outras ciências, como o fato de
que o próprio significado de seus caminhos sofre um constante repensar.
Uma das preocupações com que a História se debateu por certo tempo foi com
o que se pode aceitar como documento histórico, quais suas conexões com a reali-
dade e com o conhecimento histórico que ele propicia. A discussão em torno dessa
questão foi realizada por diversas ‘escolas teóricas’3, de modo que temos, hoje, uma
ampliação do que pode ser considerado documento para pesquisas em História em
decorrência da revisão do seu conceito. Em termos de documento histórico, deixam
de ser considerados como tais apenas os documentos oficiais (diplomáticos, milita-
res, administrativos, legislativos e outros com o mesmo caráter), passando a figurar
naquele rol uma diversidade de fontes.

3 Principalmente a partir da Escola dos Annales.

103
HISTÓRIA: Como assinala Rosangela Vieira: ‘Dessa forma, inaugura-se a era da documentação
METODOLOGIA DO
ENSINO de massa, altera-se o estatuto do documento, valoriza-se a memória coletiva’ ( VIEIRA,
2009, p. 152).
E a autora complementa: ‘Ora, se todos os documentos estão vestidos de intencio-
nalidade, aquela postura equivocada de usarmos somente documentos oficiais como
fontes fidedignas anula-se, esvazia-se [...]’ ( VIEIRA, 1999, p. 153).
Nesse âmbito, tornam-se aceitáveis, então, as mais diversas fontes, cada uma guar-
dando sua especificidade e exigindo a necessária verificação; e é a partir desse mo-
mento que o jornal se coloca como importante fonte documental de grande valia no
estudo da história.
Como os acontecimentos noticiados nos jornais estão temporalmente próximos
do professor, isto influencia seus estudos e não pode ser deixado distante do aluno,
que precisa ser bem orientado para ter a capacidade de entendimento necessária à
construção de seu conhecimento. O jornal é capaz, portanto, de construir relações no
processo de ensino/aprendizagem da história, tornando-se necessário, contudo, como
em qualquer outra fonte, tomar alguns cuidados em seu trato. Uma vez que o historia-
dor escolhe este ou aquele documento para a construção do conhecimento histórico,
essa primeira escolha já é em si tendenciosa. O cuidado4 a ser tomado é o da busca
pela imparcialidade quando da verificação do documento estudado e na apresentação
dos dados após o estudo. A dificuldade se apresenta, pois a busca pelo passado está
colocada no presente do historiador, a tentativa de escrever a história tem sempre um
contato direto com o viver de quem a escreve.
Diante da evolução nos meios de comunicação, e considerando que estes são utili-
zados como fontes para estudos históricos, apontamos uma questão importantíssima,
no caso da História, para a utilização do jornal como instrumento para o ensino.

À medida que a sociedade consumista tem se estruturado sob a égide do mun-


do tecnológico, responsável por ritmos de mudanças acelerados, fazendo com
que tudo rapidamente se transforme em passado [...] (FERREIRA, 1999, p. 126).

O professor de História deve apresentar o jornal com muito cuidado para que não
seja tomado como produtor de uma história imediatista e sem valor. O ponto crucial
reside na capacidade do professor de

4 ‘[...] nenhum jornal é neutro e as informações que nos passam sobre o mundo são fragmen-
tarias e pontuais. Por isso, o jornal deve ser lido com muita cautela e muito espírito critico’
(FARIA 1994, p. 125).
104
[...] transmitir aos alunos a compreensão da relação existente entre fatos pas- Jornal na sala de aula
sados e momentos presentes e suas implicações socioculturais, para que esses
alunos possam, no mínimo, ter elementos para, enquanto cidadãos, poderem
atuar de forma mais consciente na sociedade’ (FERREIRA, 1999, 127).

A partir dessas constatações, observamos a utilidade do jornal no processo de esti-


mular no aluno o hábito de pensar historicamente a sociedade em que está inserido.
Devemos destacar, entretanto, que a ação do professor tem que propiciar ao aluno a
possibilidade de traduzir uma linguagem com muitos particulares e entender que tan-
to ele (aluno) quanto ela (fonte) estão inseridos em um momento histórico e guardam
intencionalidades.
Enfim, nas últimas décadas o jornal teve consolidada sua condição de documento
histórico, com grande utilização pelos historiadores na produção do conhecimento,
e tem sido reiterada a necessidade de os professores dele fazerem uso nas atividades
pedagógicas. A importância atribuída ao relacionamento da teoria com a realidade é
hoje muito marcante no processo de pesquisa dessa disciplina, porque o conhecimen-
to se estabelece a partir do confronto entre a teoria e a realidade. Podemos utilizar,
aqui, com relação ao uso do jornal, as palavras de E. P. Thompson quando propala
que o historiador necessita ter consciência de que o texto não é ‘[...] morto e inerte
de evidencia, não é de modo algum inaudível; tem uma clamorosa vitalidade própria;
vozes clamam afirmando seus significados próprios [...]’ (THOMPSON, 1981, p. 27).

O JORNAL EM SALA DE AULA E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO


É importante destacar que a utilização do jornal como instrumento pedagógico
pode começar já no Ensino Fundamental, mesmo que através da observação de ima-
gens e fotografias que constituem um atrativo aos que ainda não são letrados.
Com a utilização de jornais, temos uma possibilidade de tornar as aulas mais sig-
nificativas e interessantes aos alunos, isso porque esse veículo pode desencadear re-
flexões diversas, seja no campo da política, do meio ambiente, economia, história,
geografia ou ainda da ética. O conteúdo do jornal vem, então, dentro das atividades
escolares, colaborar na formação de um cidadão crítico e consciente do meio que o
rodeia. Porém, ‘em termos pedagógicos é importante para o professor investigar e
fazer com que os alunos tomem cuidado com a informação recebida’5 (FARIA, 2002, p.
70). Deve-se oferecer preparo para que, a partir de reflexões, o aluno, além de tomar
consciência quanto à realidade em que está inserido, possa com ela interagir.

5 ‘Na verdade, por neutro que se apresente, qualquer texto noticioso é uma versão interessada
de um acontecimento. São vários os agentes que podem interferir na composição do texto da
noticia inviabilizando a sua neutralidade’ (FARIA, 2002, p. 69).
105
HISTÓRIA: A contemporaneidade do conhecimento histórico que o uso do jornal em sala pro-
METODOLOGIA DO
ENSINO picia é outro aspecto importante a ser ressaltado, pois o que já é história escrita, lida
e discutida a partir dos jornais pode ainda não estar nos livros. Além do mais, a leitura
do jornal em sala de aula permite atividades dinâmicas e interessantes, dado que uma
série de contrastes pode surgir impulsionada pela curiosidade e busca de informação.
O professor pode utilizar o jornal como material didático para introduzir, desenvol-
ver e concluir conteúdos, porque o fato de o jornal trazer notícias esportivas, religio-
sas, políticas e científicas favorece a conquista da atenção do aluno.
Outro destaque diz respeito à estrutura organizacional do jornal. Os textos jorna-
lísticos têm características peculiares: no caso dos artigos, por exemplo, as ideias são
defendidas com argumentos, enquanto que nas notícias procura-se uma imparcialida-
de na apresentação do fato. Dessa maneira toda particular, o jornal pode trazer infor-
mações do que ocorre no mundo para dentro da sala de aula, auxiliando o professor
na promoção do entendimento do que acontece fora da escola.
O trabalho com jornal dá ao aluno a possibilidade de interpretar fatos e a partir de
relações que ele venha a estabelecer, desenvolver processos mentais que possam concor-
rer na construção de sua concepção de mundo, podendo o jornal se transformar em elo
entre o que é teoria nos currículos escolares e o que é realidade no dia-a-dia do aluno.
O uso desse tipo de documento em sala de aula ajuda a preencher uma lacuna exis-
tente entre o que o estudante vivencia em seu cotidiano6 e a história relatada no livro
didático, principalmente quando o professor usa o conteúdo dos jornais para preparar
atividades que possam ajudar o estudante a desenvolver uma visão consciente da so-
ciedade. Essa consciência crítica é formada pelo aluno ao longo de um processo, em
que o professor vai lhe proporcionando situações em que o gosto pela leitura informa-
tiva se consolide, decorrente do prazer que possa proporcionar na compreensão de as-
suntos que lhe digam respeito, e, com isso, o aluno passe a se interessar por conhecer
melhor o meio em que está inserido, lendo, interpretando e refletindo sobre o que é
retratado pelo jornal, com vistas a interagir melhor em seu meio social.
O fato de o jornal se apresentar como instrumento pedagógico de ação multidis-
ciplinar colabora para que seja viável sua utilização em um plano pedagógico siste-
matizado por professores das mais diversas disciplinas. Dependendo do projeto que
a escola pretende desenvolver com os alunos, a utilização do jornal em sala de aula

6 Faria (1994) aponta para a importância do jornal como mediador na relação aluno/sociedade.
Para ela, a partir da utilização de jornais em sala de aula pode-se colocar o mundo diante do
aluno, e com isto o professor pode levá-lo a estabelecer pontos de ligação entre o que foi lido e
a sociedade.

106
pode certamente apresentar bons resultados em quaisquer áreas de conhecimento. Jornal na sala de aula

Vale lembrar que para serem obtidos bons resultados com o uso do jornal em sala de
aula o professor deve ter clareza de seus objetivos, visto que é necessária intencionali-
dade em qualquer trabalho.
Deve ficar claro para o aluno e professor que o jornal não é produzido com inten-
ções pedagógicas, e que são os educadores que apontam essa potencialidade. Embora
seja muito útil, deve (assim como todos os materiais e práticas pedagógicas da escola)
ser alvo de avaliação. O acompanhamento dos resultados do uso do jornal como ma-
terial pedagógico na escola deve ser observado de forma constante.
Para finalizar, não podemos permitir que o jornal continue sendo usado apenas
para desenvolver atividades que necessitam de papel velho para recortar figuras, ou
ainda como matéria-prima para obras artísticas de dobraduras.

Referências

FARIA, Maria Alice de Oliveira. O Jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1994.

FARIA, Maria Alice; ZANCHETTA JÚNIOR, Juvenal. Para ler e fazer o jornal na sala
de aula. São Paulo: Contexto, 2002.

FERREIRA, Carlos Augusto Lima. A importância das novas tecnologias para o ensino
de Historia. Universa, Brasília, DF, v. 7, n. 1, fev. 1999.

SAMPAIO, M. N.; LEITE, L. S. Alfabetização tecnológica do professor. Petrópolis,


RJ: Vozes, 2000.

THOMPSOM, E. P. A miséria da teoria: ou um planetário de erros. Rio de Janeiro.


Zahar, 1981.

VIEIRA, Rosangela L. A relação entre o documento e o conhecimento histórico.


Mimesis: Revista da Área de Ciências Humanas, Bauru, SP, v. 20, n. 1, 1999.

107
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Indicações de Leitura

ASSUNÇÃO, Paulinho. Escola, jornal e cidadania. Presença Pedagógica, Belo


Horizonte, ano iv, 1998. Dimensão.

FARIA, Maria Alice. A importância da imprensa escrita na sala de aula. Presença


Pedagógica, Belo Horizonte, v. 4, n. 19, jan./fev. 1998. Comunicação.

MELO, J. Marques. Presença do jornal na Escola: iniciação ao exercício de cidadania.


In: MELO, J. Marques. Comunicação & libertação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1971.

SANTOS, A.; PINTO, M. I. O jornal escolar, porque e como faze-lo. Porto: ASA,
1992.

YAMASAKI, Sergio. Extra! Extra! Como ensinar com jornais. Nova Escola, São Paulo,
ano xii, n. 101, 1997.

Proposta de Atividades

A utilização do jornal deve ser proposta, primeiramente, como projeto a ser avaliado quan-
to ao que pode proporcionar para otimizar o processo de ensino-aprendizagem. Nesse
sentido, sugerimos:
1) Levar os alunos para conhecer bancas de jornais e revistas. Isso vai permitir a estes per-
ceberem a diversidade de publicações existentes, servindo para o professor explorar as
diferenças entre as revistas e os jornais, entre os diferentes tipos de jornais e de revistas, as
finalidades com que são produzidos, o público a que se destinam, etc.
2) Em datas cívicas, o professor pode explorar como os jornais apresentam determinado fato
e como o livro didático o trata. Exemplo: a data 13 de maio, como os livros didáticos tratam
a questão da abolição da escravidão no Brasil, o que os jornais abordam sobre a escravidão,
se trazem matérias que mencionam a existência de trabalho escravo ainda hoje. O mesmo
procedimento pode ser realizado para todas as datas comemoradas pela escola, como o
descobrimento do Brasil, a proclamação da Independência, a proclamação da República.
3) Fazer o diagnóstico de alguma questão importante para a cidade. Exemplo: como está o
asfaltamento das ruas, o que cada jornal da cidade fala a respeito da mesma coisa, porque
será que se referindo ao mesmo fato os jornais podem apresentar opiniões diferentes.
Outros objetos de pesquisa nos jornais podem ser a situação da saúde pública, a situação
da rede de ensino, a oferta de moradia suficiente para a demanda da população.

108
4) O que os jornais falam a respeito de questões importantes para a humanidade, como, por Jornal na sala de aula
exemplo, o uso da água. Pode-se verificar o que dizem a respeito das fontes de energia e
sua renovação. As pesquisas de ponta, como a engenharia genética, também podem ser
tópicos a serem explorados com os alunos quanto aos riscos e vantagens que oferecem.

Anotações

109
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Anotações

110
9 O ensino de História
através de pinturas
Claudinéa Justino Franchetti / Hudson Siqueira Amaro

INTRODUÇÃO
Neste capítulo, discutimos o potencial didático-pedagógico implícito em obras pic-
tóricas, com o intuito de utilizá-las em atividades do processo de ensino-aprendizagem
em História. A discussão dessas possibilidades é realizada com a intenção de trazer o
seu uso para o cotidiano do professor, como mais uma forma de propiciar aos alunos
a aquisição de conhecimentos a respeito do homem em sociedade ao longo do tempo.
Nesse sentido, pretendemos chamar a atenção para o fato de que é fundamental o
entendimento do objeto iconográfico, nesse caso, a pintura, como uma fonte histórica.
Um documento que pode ser instigador de reflexões relativas ao período histórico em
que foi produzido e também sobre a própria representação que o artista faz na obra,
ou seja, da obra de arte em si.
Em outras palavras, a pintura deve observada como uma especificidade em si,
como produto e produtor de seus próprios significados, e a partir desse entendimen-
to torna-se possível inter-relacionar texto e imagem para um melhor aprendizado dos
conteúdos históricos.

LINGUAGEM
Quando pensamos em linguagem, lembramos em primeiro lugar de fala e escrita.
Porém, linguagem é um sistema simbólico e toda linguagem faz parte de um sistema
de signos. Estamos rodeados por ruidosas linguagens verbais e não-verbais que ser-
vem de meio de expressão e comunicação entre nós, humanos, e podem ser perce-
bidas pelos diversos órgãos dos sentidos, o que nos permite identificar e diferenciar
diversos tipos de linguagens.
Percebemos, pois, que a nossa penetração na realidade é sempre mediada por
linguagens, ou seja, sistemas simbólicos, nos quais o mundo tem o significado que
construímos para ele. Em virtude disso, toda linguagem passa a ser um sistema de
representação pelo qual olhamos, agimos e nos conscientizamos acerca da realidade.
Como toda linguagem, a arte tem códigos, os quais fazem parte de um sistema
estruturado de signos. Assim, o artista, em seu fazer artístico, opera com elementos da
gramática da linguagem da arte, mesmo mantendo a liberdade de criação.

111
HISTÓRIA: Nesse contexto, pensar sobre o trabalho artístico, assim como sobre a arte e sua
METODOLOGIA DO
ENSINO concretização na história, pode proporcionar ao aluno uma situação de aprendizagem
conectada com os valores e os modos de produção artística nos meios socioculturais,
além de aprendizagem do conteúdo histórico.
Acrescentamos que, de alguma forma, as crianças se deparam com a necessidade
de apreensão de significados e códigos desde o início das suas vidas, algo que também
se traduz em seu contato com as mais variadas formas de arte. Essa necessidade de
apreensão cresce quando há o ingresso da criança na escola. Assim, se o escritor se
comunica com palavras e o matemático com números, e as crianças aprendem a ler,
escrever, adicionar e a subtrair, o interesse infantil também se manifesta para com-
preender as estruturas imagéticas, estruturas criadas com a intenção de comunicar
significados sobre a maneira pessoal do artista se referir ao mundo e aos homens.
O prazer proporcionado pela iconografia, especialmente a pintura, pode despertar
em quem a contempla, tanto o professor quanto o aluno, um fascínio tal pela produ-
ção pictórica que, a partir desse fascínio, pode surgir o interesse pelos significados das
obras e, a partir destes, a probabilidade de penetrar nos universos pessoais, sociais,
políticos e culturais dos criadores. Mesmo não conhecendo a biografia dos artistas
que viveram em outros tempos e lugares, suas obras de arte podem ter a força de nos
encantar no presente com seus recursos pictóricos. Podemos utilizar essa sensação
produzida pela obra pictórica para estimular os alunos a conhecerem um pouco mais
do seu autor, a época em que viveu, qual o contexto histórico em que a obra foi pro-
duzida, e assim descortinar um pouco mais da História.

CRIAÇÃO IMAGÉTICA
A criação imagética depende de um contexto sociocultural para dar forma a alguma
ideia, o que envolve, inclusive, o desencadeamento de processos criativos inerentes
ao homem para estruturar a linguagem utilizada para se expressar. Assim, ter noções
dos conhecimentos que dão sustentação teórica à construção de imagens, bem como
utilizar-se da própria simbologia é uma forma de se apropriar de aspectos expressivos
da obra pictórica, cuja leitura será realizada pelo espectador. Nessa reflexão, artista e
público são elementos indissociáveis para a fruição da imagem criada, pois as imagens
estabelecem um diálogo entre criador e receptor.
Se a criação pictórica significa uma forma de comunicar uma ideia, o artista precisa
se servir de referências, ou alusões a elas, que os outros possam reconhecer. Dessa
forma, enquanto a linguagem oral ou escrita busca comunicação nas palavras, a fala da
imagem vai buscar gráfica ou plasticamente os recursos para se comunicar.

112
Nessa perspectiva, a linguagem das imagens tem como base a experiência visual da O ensino de História
através de pinturas
realidade, uma alusão, uma lembrança, uma estrutura que pode criar a beleza harmô-
nica e que se submete a uma função essencial, que é a de estabelecer comunicação
entre os homens. Com isso, a imagem pode ser considerada uma visualização que foi
recriada ou reproduzida, sendo a aparência de uma figuração ou configuração de for-
mas e/ou cores, corporizando um modo de ver, de observar.
Destarte, a percepção do espectador e a apreciação de uma imagem dependem da
interpretação, ou seja, do próprio modo de ver de cada pessoa, seja do criador da ima-
gem, seja daquele que aprecia a sua representação. Assim, a percepção do significado
da imagem repousa sobre um processo de reconhecimento, compreensão e interpre-
tação de determinada linguagem.

ENSINO DE HISTÓRIA E OBRAS PICTÓRICAS


O trabalho nessa perspectiva deve incentivar o aluno a refletir sobre o fazer artísti-
co, iniciando pela identificação da obra, pelo processo de criação e desenvolvimento
da temática, e passar pela compreensão e experimentação do procedimento de cria-
ção até à releitura da pintura. O encaminhamento desse trabalho deve se adequar ao
estágio de desenvolvimento cognitivo do aluno. A linguagem e o aprofundamento das
questões propostas para reflexão devem ser planejados e desenvolvidos lembrando
que se destinam a alunos dos primeiros anos.
Vejamos agora uma possibilidade de como desenvolver a reflexão histórica com os
alunos a partir do contato com as artes visuais. Pode-se estimulá-los a conhecer o ‘por
que’ do artista ter criado a obra. Um interesse seguido da curiosidade em saber o que
teria inspirado o artista, qual o contexto cultural que influenciou suas escolhas e em
qual momento da História a obra foi criada, o que ele teria querido retratar, o que ele
apresenta na obra.
Dessa forma, identificado o tema, o que se encontra representado na obra, os alu-
nos também podem procurar saber a respeito da metodologia, do planejamento da
composição e de sua elaboração, refletidas para que o quadro tenha uma aparência
própria. Ao mesmo tempo, há chance de surgir ainda outro interesse, o de saber o que
teria influenciado o artista, porque ele pintou de determinada forma e qual seria o
significado da obra em questão.
Esclarecido isto, podemos reafirmar que o contato do aluno com as obras de arte
imagéticas (pinturas), a partir de reproduções em livros, cópias em xerox, transparên-
cias ou slides projetados durante a aula, além de propiciar o conhecimento de obras
que tiveram um impacto marcante sobre a nossa identidade cultural, possibilita e faci-
lita uma reflexão sobre o próprio fazer artístico.

113
HISTÓRIA: Os professores devem estar preocupados em apontar para os alunos os elementos
METODOLOGIA DO
ENSINO essenciais para serem observados no estudo de uma obra pictórica, como os elemen-
tos estruturais da linguagem plástica que se referem à cor, linha, forma, ritmo, volume,
etc; as relações históricas e sociais da época em questão; as formas de representação:
desenho, pintura, aquarela, mosaico, instalações e outros; em suma, os diferentes su-
portes e os meios com que são realizadas as obras.
É importante lembrar que cada professor deve desenvolver a sua metodologia didá-
tica conforme a sua experiência e o universo social e cultural da classe em que atua, de
maneira que o conceito de imagem desenvolvido pelos alunos possa ser enriquecido
com elementos inerentes aos seus próprios universos.
Aqui, tocamos no ponto central do trabalho, que é a intenção de iniciar o aluno das
primeiras séries do Ensino Fundamental no trato dado a documentos históricos em
sala de aula, nesse caso, as imagens pictóricas. Isso porque os documentos são funda-
mentais como fontes de informações a serem interpretadas, analisadas e comparadas,
pois eles não contam, simplesmente, como aconteceu a vida no passado, uma vez que
a grande maioria não foi produzida com o objetivo de registrar para o futuro como era
a vida em sociedade na época em que foram produzidos; e os que foram produzidos
com esse objetivo geralmente tendem a contar uma versão da História comprometida
com visões de mundo de indivíduos ou grupos sociais.
Nesse sentido, os documentos são entendidos como obras humanas que registram,
de modo fragmentado, pequenas parcelas das complexas relações coletivas. São in-
terpretados, então, como exemplos do modo de viver, de visões de mundo, de pos-
sibilidades construtivas, específicas de contextos e épocas, estudados tanto em sua
dimensão material como em sua dimensão abstrata e simbólica.
Esse trabalho requer do professor conhecimento para distinguir pelo menos algumas
das abordagens e tratamentos dados às fontes pelos historiadores. Exige dele a preocu-
pação em avaliar, recriar, definir metodologias adequadas para a construção do saber
histórico em situações de ensino e aprendizagem, tendo os documentos como elemen-
tos fundamentais no trabalho de produção do conhecimento histórico. A forma como
eles são abordados tem sofrido várias transformações ao longo do tempo, e ao professor
torna-se imprescindível que conheça pelo menos os elementos principais de algumas
dessas concepções com o intuito de correlacionar teoria e prática no processo de ensino-
-aprendizagem. Tal processo prescinde de estudo que supra o profissional do ensino de
história de conhecimentos sobre o que os historiadores dizem sobre o assunto.
É importante realizar uma discussão teórica sobre a pintura. Com uma construção
básica do próprio conceito de pintura, em linguagem e aprofundamento adequado
à capacidade cognitiva dos alunos, mas que aponte a existência de algumas escolas

114
artísticas e seu desenvolvimento (época, em que país ou região, principais expoentes), O ensino de História
através de pinturas
assim como as tendências que prevalecem hoje.
Um passo seguinte consistiria em estabelecer um diálogo com os alunos objeti-
vando realizar uma crítica interna da obra, ou seja, uma descrição primária da fonte
desvinculada de seu contexto histórico sem qualquer ajuda bibliográfica, como o que
os alunos veem à primeira vista na imagem, procurando apanhar informações que a
fonte apresenta e dissertando sobre ela.
Trabalhada a crítica interna, na sequência é essencial partir para uma análise exter-
na da obra (quadro). É recomendado que, previamente, ao aluno seja solicitado reali-
zar pesquisas foras da sala de aula sobre o contexto histórico do documento, levando
em consideração a biografia do pintor e as fases pelas quais passou sua obra.
Após essa atividade, desenvolve-se a crítica externa, que é o momento da junção
dos fatores mencionados até agora, como o contexto histórico da obra, a biografia do
autor, a pesquisa extra sala de aula e uma análise da obra a partir do contexto histórico
que ela pode representar, com a intenção de que o aluno possa compreendê-la melhor
e perceber o que ela pode oferecer como elemento para pensar a história.
Vale lembrar que é indispensável a elaboração de um plano de aula, a critério do
professor, visando ao melhor aproveitamento do tempo bem como a permitir ao pro-
fessor direcionar, passo a passo, seu objetivo e atingi-lo com sucesso.
O material que o professor pode utilizar para a realização de atividades com ima-
gens pictóricas no estudo da História pode ser aquele contido nos livros didáticos.
Afinal, esse elemento do processo de ensino-aprendizagem ultimamente tem apresen-
tado boa quantidade de imagens, as quais os professores podem, ou talvez seja melhor
dizer, devem, aproveitar para variar um pouco suas aulas.
A seguir, apresentamos um quadro com algumas questões que devem nortear a
prática didático-pedagógica dos professores que se dispõem a trabalhar com imagens
de pinturas históricas que os livros didáticos veiculam. São preocupações básicas, mas
que em conjunto oferecem uma ampla visão da obra. Algumas das respostas podem
ser buscadas nas próprias obras, outras podem requerer uma pesquisa mais cuidadosa
em manuais de pintura, em enciclopédias de artes plásticas, na Internet. Questões que
o professor de História não se sinta preparado para trabalhar, como, por exemplo,
questões mais técnicas, podem ser analisadas juntamente com o professor de Educa-
ção Artística.
Essas indicações têm a intenção de ajudar o professor de História a utilizar obras
pictóricas no processo de ensino-aprendizagem e podem se constituir em um roteiro
para o desenvolvimento de seu trabalho. Contudo, o professor pode fazer alterações
de acordo com sua proposta de trabalho, de acordo com a faixa etária dos alunos e com

115
HISTÓRIA: a série, pois não é intenção que essas sugestões sejam vistas como uma camisa-de-força
METODOLOGIA DO
ENSINO que obrigue o professor trabalhar de uma só forma, engessando seu procedimento.
Existem alguns quadros que se prestam bem para a atividade de estudar a História,
uma vez que foram produzidos com essa intenção, os quais o professor poderia levar
para seu trabalho com crianças. Por exemplo, ‘A Primeira Missa’, ‘Proclamação da In-
dependência’, ‘para pensar a História do Brasil’, ‘Guernica’, ‘para História Geral’, são
obras que podem ser utilizadas. No entanto, é muito grande a quantidade de obras
que podem ser exploradas a fim de estimular os alunos a aprender a pensar historica-
mente, tanto das chamadas pinturas históricas que foram produzidas com o objetivo
de retratar um momento específico da História, como de outras que não foram criadas
com tal finalidade, mas que igualmente podem oferecer elementos para se refletir
sobre momentos da vivência dos homens em sociedade através do tempo. Desde cria-
ções muito antigas, que remontam a tempos imemoriais como as pinturas rupestres,
até fases mais recentes da pintura, como a pop-art dos anos 1960 e tendências ainda
mais contemporâneas, se constituem em um material riquíssimo para o trabalho de
analisar a experiência humana de que o professor de História pode se valer para oti-
mizar seu trabalho.

Roteiro de questões para análise de pinturas

Quem fez?
Quando?
Para quem?
Onde está guardada?
Houve alguma forma de exposição pública?
Como foi sua recepção?
Origem da pintura
Como foi sua conservação?
Qual era a posição do(s) autor(es)da imagem na sociedade?
E do(s) seu(s) destinatário(s)?
É assinada?
É dedicada a alguém?
Há alguma inscrição no corpo da imagem ou no verso?

Por que foi feita?


Para quem?
Sua finalidade foi bem sucedida?
Finalidade da Seguiu um padrão anterior ou foi original?
pintura Qual sua importância para a sociedade em que se originou?
Sua conservação atendeu aos desígnios de sua elaboração e
confecção?
Houve alteração posterior em sua forma e/ou conteúdo?

116
O ensino de História
Qual o título? através de pinturas
É um tema original ou seguiu um modelo anterior?
Existem temáticas secundárias?
Como se articula(m) com a principal?
Existem pessoas retratadas?
Quem são?
Quais são seus atributos?
Que estão fazendo?
Como se vestem?
Existe alguma hierarquização no(s) tema(s)?
Identificação do tema
Quais são os objetos retratados?
Como eles aparecem?
Qual sua função dentro do tema?
Pertencem às pessoas retratadas?
Quais são os atributos da paisagem?
Relacionam-se com as pessoas retratadas?
Relacionam-se com os objetos retratados?
Qual é o período retratado (dia/noite; calor/frio; estação do
ano; sol/claridade/chuva)?
Que práticas sociais a pintura é capaz de abordar?

Qual é o suporte (tela, parede, cartão, madeira, pedra,


fotografia, etc.)?
Quais foram as técnicas e os materiais utilizados?
Houve inovação ou utilizou-se de técnicas e/ou materiais
conhecidos?
Como se estrutura sua composição?
Qual o papel da distribuição das cores, dos tons e das
Estrutura técnica e
luminosidades?
formal
Existe alguma hierarquização formal?
O aspecto formal intensifica ou enfraquece o entendimento
temático?
Qual o estilo adotado? Houve intenção de aproximação com
a realidade?
Existe alguma articulação entre o estilo e a sociedade
retratada ou de procedência do autor?

Existem simbolismos identificáveis?


Quais são?
Permitem várias interpretações?
Aspectos simbólicos
O(s) autor(es) escreveu(eram) algo a respeito de possíveis
interpretações de imagens?
Como se articulam os simbolismos com o tema?

Esperamos que as sugestões acima apresentadas contribuam para o enriquecimen-


to do trabalho dos professores de História no processo de ensino-aprendizagem com
crianças nas primeiras séries do Ensino Fundamental.

117
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO

Referências

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BERBEL, Neusi Aparecida Navas (Org.). Metodologia da problematização:


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BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 2002.

BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da


arte. São Paulo: Cortez, 2002.

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Terra, 1996.

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Ática, 1996. p. 98-99.

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SP: Papirus, 2003.

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Arte. São Paulo: Perspectiva, 1973.

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SP: Autores Associados, 2002.

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DP&A, 2000.

GINSBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. Tradução de Frederico Carottti. São


Paulo: Companhia das Letras, 1986.

118
GOMBRICH, Ernest. A História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: O ensino de História
através de pinturas
L. T. C., 1995.

HALLAWELL, Philip. À mão livre: técnicas de desenho. São Paulo: Melhoramentos,


1996.

JANSON, H. W. História de Arte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução de Marina Appenzeller.


São Paulo: Papirus, 2003.

NEIVA JÚNIOR, Eduardo. A imagem. São Paulo: Ática, 1986.

OLIVEIRA, Jô; GARCEZ, Lucília. Explicando a arte: uma iniciação para entender e
apreciar as Artes visuais. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

PERRENOUD, Philippe. Novas competências para ensinar: convite à viagem.


Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000.

VOVELLE, Michel. Imagens e imaginário na História. São Paulo: Ática, 1997.

Anotações

119
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Anotações

120
10 Fontes orais e
História local
Elisangela Volpato / Hudson Siqueira Amaro

FONTE ORAL: A MEMÓRIA COMO OBJETO DE ESTUDO


O uso da história oral para a construção do conhecimento histórico é relativamente
recente se comparado com o uso de fontes escritas, embora seja tão antiga quanto a
própria história se considerarmos que no passado era comum ouvir e aprender com
os mais velhos a respeito de assuntos importantes para a comunidade. A necessidade
de encontrar novas fontes para responder a novos problemas e novos temas visando
a uma compreensão mais abrangente da experiência humana, influência também dos
Annales1, fez aflorar o potencial desse recurso como metodologia no campo da histó-
ria, viabilizada com o avanço tecnológico do século XX, que contribuiu com inovações
como cinema, televisão, gravador, vídeo e informática que possibilitam a reprodução
maciça de depoimentos que se constituem como possibilidades documentais, facilitan-
do o trabalho com as evidências orais.
No Brasil, a partir dos anos 1990 a história oral teve uma significativa expansão, re-
fletida principalmente no aumento do número de seminários referentes ao tema. En-
tretanto, a literatura existente sobre o assunto ainda é um tanto escassa, e as existentes
dificilmente problematizam as questões metodológicas, práticas e teóricas. A produção
acadêmica se manifesta na publicação de muitos artigos, sendo ainda reduzidos os
números de obras mais consistentes.
Os resultados obtidos com o uso da história oral não devem ser considerados como
verdades absolutas, mas outro olhar para o fato histórico. Isto se deve principalmente
por ter como objeto de estudo a memória, sendo esta seletiva e variável em cada indiví-
duo. O registro da memória nos remete a tudo aquilo que o indivíduo guarda em suas
lembranças, e muitas vezes o que é significativo para uns pode não ser para outros.

1 Movimento surgido na França a partir de 1929, liderado por Marc Bloh e Lucien Febvre, com
o intuito de combater o tipo de história dominante no século XIX e primeiras décadas do XX,
que priorizava o estudo de fatos socioeconômicos através da análise de documentos autênticos.
Bloch e Febvre destacavam a importância de problematizar a história social, dando vez para o
modo de viver, sentir e pensar das massas que ficavam à margem da história documentada.

121
HISTÓRIA: O processo de construção da história oral parte da realidade vivida, presente na
METODOLOGIA DO
ENSINO memória, que passa por processos de mudança ou de conservação. Desta forma, a
memória resulta do impacto da realidade sobre o indivíduo. A memória se constrói na
medida em que os fatos e acontecimentos relevantes no campo individual e coletivo
(meio no qual o indivíduo está inserido) são rememorados. Nesse contexto, a história
trabalha com o que se torna público no ato de rememorar, atentando para o enfoque
que o trabalho do historiador dá ao recorte cultural, temático e metodológico.
Os indivíduos diferem entre si quanto à capacidade de rememorar, especialmente
quando as lembranças remontam a um período muito anterior. Corre-se o risco de o
depoimento apresentar distorções provocadas pela mudança de valores.
Uma coisa é saber da formação de um determinado local ou região através da frie-
za da documentação oficial, e bem diferente é ter conhecimento desse passado pelo
colorido dos sentimentos impressos nas lembranças dos mais velhos, daqueles que o
vivenciaram e que guardam vivas na memória as recordações de sua história de vida.
Nesse âmbito, a memória constitui o sentimento de identidade, tanto individual
quanto coletivo, pois é ela que situa o indivíduo dentro de um contexto. Essa cons-
trução de identidade está sujeita a transformações de acordo com a interação entre
os indivíduos, ou seja, tanto a memória como a identidade são frutos de um trabalho
de construção, constantemente mutável. Entretanto, embora representem fenômenos
sociais, não devem ser compreendidos como manifestação pessoal ou de grupo, pois
dependem do contexto ao qual o indivíduo está inserido.

CUIDADOS AO TRABALHAR COM FONTES ORAIS


Para iniciar uma discussão acerca do trabalho com fontes orais, se faz necessário
distinguir fonte oral de arquivo oral, sendo o primeiro ‘material recolhido por um his-
toriador para as necessidades de sua pesquisa, em função de suas hipóteses e do tipo
de informações que lhe pareça necessário possuir’, e o segundo

[...] um documento sonoro, gravado por um pesquisador, arquivista, histo-


riador, etnólogo ou sociólogo, sem dúvida em função de um assunto preciso,
mas cuja guarda numa instituição destinada a preservar os vestígios dos tempos
passados para os historiadores do futuro tenha sido, logo de início, seu destino
natural ( VOLDMAN, 1998, p. 36).

Uma questão importante quando se usam fontes orais refere-se à sua credibilidade,
pois é condenável que se forje documentação para atender às necessidades do pesqui-
sador. Dificilmente as gravações sonoras necessárias a algum trabalho específico que se
esteja realizando estão prontas e disponibilizadas em locais públicos para acesso dos
interessados, implicando que o professor-historiador tenha que, por vezes, construir

122
essas fontes, o que exige um cuidado especial e bom senso desde a elaboração das Fontes orais e História
local
questões que serão abordadas na entrevista ou no depoimento até a fase da trans-
crição do documento, porque não se deve forjar uma fala do entrevistado que não
tenha ocorrido. A transcrição deve respeitar e ser fiel a tudo o que esteja contido no
documento sonoro.
Na construção de um documento oral, alguns procedimentos são necessários. Para
que a coleta de dados seja pertinente à pesquisa, deve-se ter um roteiro de perguntas
(curtas e objetivas) ou relação de temas sobre os quais o entrevistado deve responder
ou comentar; toda entrevista requer metodologia. Após ter o roteiro da entrevista, é a
vez da escolha dos entrevistados, e é interessante traçar um perfil que se enquadre ao
tipo de informações que se deseja obter na entrevista. Antes do início da entrevista, é
preciso deixar claro o porque, para que e para quem o entrevistado está expondo suas
memórias. É necessário também que seja preenchida uma ficha com seus dados: nome
completo, idade, data e local de nascimento, endereço, e data da entrevista.
Para evitar eventuais transtornos, é interessante obter por escrito a autorização
para divulgar a entrevista. Entretanto, cabe ao entrevistado decidir se assina a autoriza-
ção no fim da entrevista ou somente depois de ler a sua transcrição. O consentimento
em dar a entrevista já é um indício de que não terá nenhum transtorno em assinar
a autorização, mas por questões éticas é interessante pedir para que o entrevistado
assine mesmo assim.
O entrevistador deve propiciar ao entrevistado um diálogo que favoreça a exposi-
ção de suas memórias, respeitando sua fala, e intervindo sempre que as informações
não lhe parecerem claras. Muitos fatos podem parecer sem importância, mas se com-
parados com os de outras entrevistas podem ser bem significativos.

EVIDÊNCIA ORAL
A evidência oral é nada menos que o produto de uma interação entre entrevistado
e entrevistador. O pesquisador, ao estabelecer contato com o entrevistado (sua fonte
oral), deve apresentar interrogações como se estivesse diante de um documento desco-
nhecido. O ato de escutar o outro é a entrada em um universo a ser revelado. Depen-
dendo do envolvimento entre o entrevistador e entrevistado, a evidência oral pode ser
afetada, porque se o entrevistado conhecer bem o entrevistador pode ceder à tentação
de causar-lhe impacto, falando do que o entrevistador gosta, procurando apresentar
uma argumentação que ele julgue que o entrevistador gostaria de ouvir, ou ao contrá-
rio, mesmo que isso implique em fazer alteração naquilo que lhe vem à memória.
O trabalho com depoimentos orais apresenta algumas problemáticas, como a rela-
cionada à fidedignidade das informações, e isto se deve ao fato de que o rememorar a
história de vida, embora carregue a possibilidade de que a lembrança seja mais realista,
123
HISTÓRIA: também a torna mais parcial. Como a memória é seletiva, mesmo que o entrevistado
METODOLOGIA DO
ENSINO tenha vivido uma série de experiências importantes ao participar de acontecimentos
significativos, pode acontecer de seu depoimento em nada ou muito pouco ajudar na
recuperação do passado que interessa à pesquisa, em função da escolha que tenha fei-
to quanto a como oralizaria suas lembranças, porque o entrevistado pode relatar tudo
o que lhe vem à memória, ou escolher, dentre aquilo de que se lembra, o que contará
para o entrevistado, e também o como falará, pois ao narrar o que lembra sobre deter-
minada questão, o entrevistado, no mais das vezes, já tem uma opinião formada sobre
ela e se expressará de forma a tornar convincente sua narração.
Com relação à avaliação do material coletado nas entrevistas, é preciso observar a
coerência interna, para que se possa comprovar a fidedignidade do testemunho. Essa
comprovação pode ser feita colocando a evidência dentro de um contexto mais amplo
e procedendo à conferência de vários itens em outros tipos de outras fontes. As fontes
documentais escritas podem ser utilizadas como suporte à compreensão do passado;
entretanto, cada uma requer técnicas e metodologias específicas.
A evidência oral em alguns contextos pode trazer bons resultados; em outros, pode
ser utilizada para completar outras fontes. Podemos citar como exemplo a história fa-
miliar, que sem a evidência oral na maioria dos casos torna inacessíveis as informações
do tipo documental e de relações, e o mesmo acontece ao estudar uma greve e ou de-
terminados movimentos sociais. Em alguns casos, ela ‘é complementar e suplementar
na reinterpretação de documentos e no preenchimento de suas lacunas e fraquezas’, é
o caso de alguns sensos de ocupações profissionais (THOMPSON, 2002, p. 176-177).

A HISTÓRIA ORAL NA SALA DE AULA


Se comparada aos variados tipos de história, a história oral implica uma mudança
de enfoque, uma abertura para novas áreas de investigação. Ao trabalhar com a expe-
riência de vida de pessoas de todo tipo como matéria-prima, a história passa a ter uma
nova dimensão.
Na sala de aula, é viável o trabalho com história oral por projeto. Os alunos, após
um suporte teórico, poderão construir suas próprias fontes, ajudando o professor na
organização e no trabalho de campo, estando diretamente envolvidos na coleta de
dados. Além de promover o debate e a cooperação no registro da história local, os
alunos ‘vivenciam a história, em nível prático, como processo de recriação do passado’
(THOMPSON, 2002, p. 218).
A pesquisa oral é um meio pedagógico para motivar os alunos de história a ter cons-
ciência das relações que o passado mantém com o presente. E o trabalho de campo
permite que a educação saia dos ‘seus refúgios institucionais para o mundo’ (THOMP-
SON, 2002, p. 31).

124
Os alunos podem mostrar para as demais pessoas que as suas histórias de vida Fontes orais e História
local
também são importantes, que elas são sujeitos da história. A história oral é uma his-
tória construída a partir de memórias de alguém que viveu aquele momento, é essa
construção que ‘lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo
de ação’ (THOMPSON, 2002, p. 31).
O trabalho com história oral é uma maneira de não se prender tanto à história
oficial e dar voz às memórias de quem vivenciou no seu dia-a-dia e normalmente ficam
esquecidos, essa experiência de vida é veículo concreto da experiência histórica, e só
podem ser compreendida como parte de um todo.
Principalmente quando se trata de história local, onde as fontes são mínimas, a
escolha da fonte oral pode enriquecer a apreensão do conteúdo pelos alunos.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES COM ALUNOS DO 1º E 2º CICLO DO


ENSINO FUNDAMENTAL

a) História do Bairro
Propor aos alunos o registro da história de seu bairro.
Em sala, o professor, juntamente com os alunos, deverá definir o perfil (idade, sexo, ocupa-
ção profissional, tempo em que mora no bairro) e o questionário a ser aplicado para cada
entrevistado.
Os alunos, que aplicarão o questionário, podem ser distribuídos em grupos ou individual-
mente; as entrevistas podem ser gravadas e transcritas, ou simplesmente anotadas as res-
postas, tendo a ética de anotar exatamente como o entrevistado respondeu às perguntas.
Em sala, os alunos deverão expor as informações obtidas, confrontá-las e em seguida deve-
rão construir um texto coletivo acerca do bairro através mediante o que foi pesquisado.

b) História da Cidade
Recomendamos seguir a mesma estrutura da história do bairro, priorizando os antigos
moradores da cidade.

Referências

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oral. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998.

CALDEIRA, Teresa. Memória e relato: a escuta do outro. Revista do Arquivo


Municipal, São Paulo, v. 200, p. 65-75, 1992.

125
HISTÓRIA: MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História oral. 1. ed. São Paulo:
METODOLOGIA DO
ENSINO Loyola,1996. p. 51-61.

MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular


revisitada. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: História oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2002.

VOLDMAN, Daniele. Definições e usos. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de


Moraes (Coord.). Usos & abusos da História oral. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998.

Indicações de Leitura

ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em História oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). Usos & abusos da história
oral. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001.

BENCINI, Roberta. O passado que não está nos livros de história. Revista Nova
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CALDEIRA, Teresa. Memória e relato: a escuta do outro. Revista do Arquivo


Municipal, São Paulo, v. 200, p. 65-75, 1992.

FELIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo:


Ediupf, 1998. p. 35-61.

FELIX, Loiva Otero. Forma e significado da História oral: a pesquisa como um


experimento de igualdade. Projeto História, São Paulo, n. 14, p. 7-27, fev. 1997.

IGLESIAS, Esther. Reflexões sobre o que fazer da história oral no mundo rural. In:
BOSI, Alfredo (Org.). Cultura Brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, [19--?].

MACCARI, Neiva Salete. Fontes orais: sugestões metodológicas. In: LOPES, Marcos A.
(Org.). Espaços da memória: fronteira. Cascavel: Edunioeste, 2000.

126
MAUAD, Ana Maria. Fragmentos de memória: oralidade e visualidade na construção Fontes orais e História
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MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História oral. 1. ed. São Paulo: Loyola,
1996. p. 51-61.

MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular


revisitada. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução de Yara
Aun Khoury. Projeto História, São Paulo, p. 7-28, dez. 1993.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: História oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2002.

VOLPATO, Elisangela. Monografia de conclusão do Curso de Especialização (ainda


sem título). Maringá: Uem, 2005. (inédito)

INTERNET
<www.museudapessoa.com.br>.
<www.fflch.usp.br/dh/neho>.

Proposta de Atividades

1) Em sua opinião, como a história oral pode contribuir para o estudo de um bairro ou de
uma cidade?
2) Através das informações presentes no capítulo, destaque algumas dificuldades no trabalho
com fonte oral.
3) Descreva os passos a serem seguidos para um trabalho com história oral.
4) Entreviste um antigo morador do bairro ou da cidade; crie um questionário por meio do
qual sua entrevista seja guiada, tente priorizar questões referentes à trajetória de vida do
entrevistado nas quais estejam expostas, entre outros dados, a chegada no bairro ou cida-
de, sua descrição, onde foi morar, qual o motivo da vinda, as dificuldades encontradas, de
modo que a entrevista possa ser, depois de transcrita, utilizada como fonte para um texto
dissertativo referente à história do bairro ou da cidade. Determine um número de entrevis-
tados para que possa enriquecer o trabalho com as informações obtidas.

127
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO
Anotações

128
11 Ensino de História e
cultura material
Isabel Cristina Rodrigues / Ana Paula Simão / Lucio Tadeu Mota

Utilizando como mote o projeto de extensão itinerante Exposição Arqueológica


e Iconográfica das Populações Indígenas no Paraná, desenvolvido no período de
1995 a 2003, apresentamos, a seguir, uma discussão sobre a utilização da cultura mate-
rial de populações indígenas como fonte e recurso didático para o ensino de História.

Figura 1 - Cartaz da exposição realizada no Colégio Intentus – Paranavaí/PR

EXPOSIÇÃO ARQUEOLÓGICA E ICONOGRÁFICA VERSUS O ÍNDIO


GENÉRICO
O projeto de extensão itinerante Exposição Arqueológica e Iconográfica das
Populações Indígenas no Paraná1 foi a maneira de divulgar para o público escolar e
em geral os resultados do trabalho de pesquisa realizado por docentes do Laboratório

1 A itinerância foi a maneira encontrada para possibilitar maior abrangência de público.

129
HISTÓRIA: de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM (LAEE)2.
METODOLOGIA DO
ENSINO O acervo da exposição, que foi ampliado no decorrer do período em que esteve em
atividade, era composto por cinco seções:
1) populações caçadoras-coletoras-agricultoras – viveram em solo, hoje denomi-
nado paranaense, desde aproximadamente 8.000 anos a.p. (antes do presente).
A Arqueologia as classifica em tradições: Umbu, Humaitá, Sambaquiana, Itararé
e Casa de Pedra. Esta seção foi constituída por materiais líticos: pontas de
flecha e de lança, machados, pilões e mão-de-pilão.

Figura 2 - Artefatos líticos e fragmentos de vasilha cerâmica.


Acervo da exposição/LAEE.

2) Utensílios de cerâmica pertencentes – às populações Guarani, no período


aproximado de 200 a 1100 anos a.p.: materiais cerâmicos – yapepó, cambuchí,
cambuchí-caguabã, ñaembé, ñaetá, fragmentos diversos de vasilhas.

2 Desde 1995, o Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História (LAEE), além de ativi-


dades de pesquisa, realiza ações educacionais em prol da Pré-História Brasileira e da preservação
do patrimônio Arqueológico e da História das Populações Indígenas no Paraná. Em paralelo
com as pesquisas, são realizados projetos de ensino e extensão junto às comunidades indígenas
do Paraná e comunidades não-indígenas da região noroeste do Paraná.

130
Ensino de História e
cultura material

Figura 3 - Cambuchi – (jarro) pertencente às populações guarani.


Vasilha encontrada na região noroeste do Paraná.
Acervo do LAEE.

3) Um arco e duas flechas Xetá – oriundos da região da Serra dos Dourados,


próximo ao município de Umuarama, PR, que datam da década de 50 do século
XX, período de expansão da colonização na região noroeste do Estado3.

Figura 4 - Hacuakán – último chefe dos Xetá.


Aquarela de Vladimir Kòzak – 1955 – acervo Museu Paranaense.

3 Período em que os Xetá praticamente desapareceram do território que habitavam. Para maio-
res informações, ver: KOZAK, Vladimir. Os índios Hetá: peixe em lagoa seca. Boletim do
Instituto Histórico e Geográfico Paranaense. Curitiba, vol. 38, p. 11-120. 1981; SILVA,
Carmen Lúcia da. Sobreviventes do Extermínio: uma etnografia das narrativas e lembranças
da sociedade Xetá. Florianópolis, UFSC, 1998 (Dissertação de Mestrado).

131
HISTÓRIA: 4) Três coleções iconográficas – sendo quinze quadros, tamanho 40x60cm, relativos
METODOLOGIA DO
ENSINO à reprodução de pinturas e de gravuras retratadas por viajantes e cronistas dos
séculos XVIII, XIX e XX; quatorze quadros, tamanho 25x35cm, com fotografias
de populações indígenas a partir dos anos de 1930 até o presente.

Figura 5 - Reprodução pintura Cacique Libaneo dos Guarani Kayová.


Reprodução de Aquarela de Franz Keller – 1865.
Acervo da exposição/LAEE.

5) Objetos do artesanato Kaingang – cestarias (balaios) de vários tamanhos,


cores e formas; chocalhos e chapéus.

Figura 6 - Artesanato Kaingang e professores Kaingang que ministraram Curso de Artesanato Kaingang
para os alunos do C.E. Duque de Caxias – Maringá, realizado junto com a Exposição – 2002.
Foto: Dulce Elena Canieli.

132
Ao público visitante era oferecido um trabalho de monitoria realizado pelos alunos Ensino de História e
cultura material
estagiários – indígenas e não indígenas – do LAEE. Os alunos monitores estiveram
presentes em todas as exposições. À medida que apresentavam a exposição, os alunos
explicavam a história dessas etnias no território e respondiam aos questionamentos
do público. Os estudantes indígenas, além de participarem da atividade de monitoria,
também atuavam como palestrantes.
Enquanto esteve em atividade, o projeto, além de contribuir para a formação aca-
dêmica de estudantes – indígenas e não-indígenas – de graduação e de pós-gradua-
ção, também possibilitou ao público visitante – alunos, professores e comunidade
em geral – a oportunidade, através da interação com os objetos e utensílios, de co-
nhecer, de aprofundar conhecimentos e formar uma nova opinião sobre a história e a
situação atual dos povos indígenas Kaingang, Guarani e Xetá que habitam territórios
paranaenses.
A justificativa para a proposição e realização do projeto deu-se a partir da consta-
tação de que a ideia de um índio genérico é o que foi sendo construído pela cultura
escolar, disseminada, sobretudo, com o auxílio dos livros didáticos, os quais, por lon-
go tempo, ignoraram o fato de que os povos indígenas atuais são os remanescentes
de um grande contingente populacional que habitava o Brasil quando os portugueses
aqui chegaram em 1500 (SILVA; GRUPIONI, 1995).
O tratamento que é dado às populações indígenas consiste em fazer comparações,
julgamentos dos comportamentos e das formas de ver o mundo desses povos a partir
dos padrões culturais da sociedade a que pertencemos – brancos versus índios.
Consiste em abordagens etnocêntricas, segundo as quais o menor dos males e pre-
conceitos se manifesta na rotulação dos povos diferentes como sendo seres exóticos.
Apesar de toda a caminhada da ciência histórica, ainda permanece uma longa dis-
tância entre o que se produz nas universidades e institutos de pesquisa e o conteúdo
ensinado na Educação Básica.
Em termos de produção e divulgação de conhecimentos específicos, ainda nos depa-
ramos, nas salas de aula, com abordagens da história que omitem a contradição, o conflito,
a diferença, a diversidade cultural e a intolerância política, ideológica, cultural e religiosa.
Na abordagem sobre as populações indígenas, se projeta para essas comunidades
o sonho de um comunismo primitivo utópico, o que justifica, muitas vezes, a ideia de
índio pelado, paramentado, vivendo em harmonia na floresta.
Nos estudos que tratam sobre questões indígenas no Brasil, a situação começou a
mudar há cerca de trinta anos, podendo contar, hoje, com uma vasta bibliografia.
No exercício de transposição didática, os conteúdos relativos aos povos indígenas
são simplificados em demasia, resultando na generalização e na banalização de modos

133
HISTÓRIA: de vida e de organização social, política, econômica e cosmológica. Tais abordagens
METODOLOGIA DO
ENSINO não contribuem para que os diferentes indígenas sejam vistos como pertencentes a
sociedades diferentes e complexas.
Ensinar conteúdos relativos a populações indígenas significa atravessar o universo
de populações das quais sabemos muito pouco. E, às vezes, o único material de que
dispõe os professores da Educação Básica para lidar com esse conteúdo é o livro didá-
tico. É relevante salientar que o livro didático se constitui, ainda, em um mecanismo
formador de opinião de longo alcance, a ponto de regular, inclusive, o conhecimento
histórico dos professores (ABUD, 1984).
Por essas razões é que o trabalho de extensão realizado por nós foi um importante
contributo, porque demonstrou, através da interação do público com os objetos e
artefatos, que é possível trabalhar o conteúdo referente à temática indígena sob uma
perspectiva diferente, que foge à fórmula corriqueira e desgastada de uso exclusivo do
livro didático.
Trabalhar com objetos e artefatos da cultura material ganha sentido quando nos
damos conta de que grande parte do território que compõe as terras do Estado do
Paraná está repleta de material lítico e cerâmico sob o solo, formando os sítios arqueo-
lógicos. No LAEE da UEM, é comum chegarem notícias da existência de cemitérios de
índios encontrados nas propriedades rurais. Esses cemitérios são, na verdade, sítios
arqueológicos que acabam sendo revolvidos no trabalho de preparação do solo para
o plantio, e muitos deles já nem existem mais. Um exemplo da grande quantidade de
sítios arqueológicos pode ser visto no livro Os Kaingang do Vale do rio Ivaí (MOTA;
NOVAK, 2008, p. 24-35), no qual os autores, utilizando informações da dissertação de
mestrado de Oliveira (2002), mostram que na Bacia do Rio Ivaí existem 27 sítios pré-
cerâmicos e 94 cerâmicos localizados.
Ter levado à comunidade um trabalho dessa natureza significou possibilitar ao pú-
blico um conhecimento novo sobre a história das populações indígenas e a formação
e ocupação do território paranaense, uma vez que apresentamos uma abordagem dife-
renciada e desconhecida por muitos, oriunda dos resultados das pesquisas realizadas
pelos professores e pesquisadores do LAEE.
A exposição procurou romper com os conhecimentos generalizantes ensinados nas
escolas acerca das populações indígenas que ainda se apresentam carregados de uma
visão etnocêntrica e preconceituosa e ilustrados com imagens desvinculadas do con-
texto histórico de tais populações. Todas as seções da exposição eram acompanhadas
por banners explicativos, legendas nas peças apresentadas e monitores, teórica e me-
todologicamente preparados, que expunham sinteticamente o conteúdo abordado e
respondiam às questões formuladas pelo público.

134
O LUGAR DA CULTURA MATERIAL NA ARQUEOLOGIA E NA HISTÓRIA Ensino de História e
cultura material
Partindo da premissa proposta por Sahlins (1994, p. 7) de que a história é orde-
nada culturalmente de acordo com os esquemas de significação das coisas e de que
a cultura é historicamente reproduzida na ação, vemos que a cultura material é de
grande importância no estudo das sociedades. Isso se dá porque a cultura material,
nos diferentes grupos humanos, possui uma importância fundamental no que diz res-
peito à transmissão e preservação de conhecimentos e orientação das pessoas em seu
ambiente natural e social. Porém antes (e ao mesmo tempo), é a forma encontrada
pelas sociedades históricas de assegurar a sua sobrevivência. Com isso, ela assume um
papel ativo e preponderante nas relações dos homens entre si e com o meio natural,
atuando como uma forma de construção e facilitação no ato de perceber e adquirir um
conhecimento do mundo (SHANKS; TILLEY, 1987, p. 96).
Ao mesmo tempo, a cultura material torna-se um veículo a partir do qual os grupos
sociais constroem sua alteridade e expressam mensagens sobre o seu modo de pensar
e de viver, ou seja, exteriorizam materialmente ideias e conceitos que podem ser de-
codificados, ou melhor, interpretados segundo o contexto cultural em que se inserem
(RIBEIRO, 1987, p. 15).
Dessa forma, a cultura material delineou-se não só enquanto um campo de estudo,
mas também como uma forma de conhecimento e entendimento da evolução das
sociedades humanas. Embora a cultura material faça parte da História e do próprio
processo evolutivo das sociedades, ela se tornou, cada vez mais, um campo de do-
mínio dos arqueólogos. Isso ocorre, em boa parte, porque a História a viu, durante
muito tempo, como parte constituinte da história das técnicas e a relegou a estudos
de ordem secundária. Na Arqueologia, esse campo foi explorado sem maiores dificul-
dades pela própria natureza de suas fontes, utilizadas pelos arqueólogos no processo
de abordagem das sociedades do passado e no estudo de suas representações e mani-
festações culturais.
No que se refere à História, esse quadro só sofreu mudanças quando a Escola dos
Annales introduziu, ainda que de maneira tímida, mas significativa, a cultura material
no campo do historiador. Ainda que isso tenha ocorrido, o novo campo de estudo apa-
receu subordinado ao fenômeno do capitalismo, em um momento em que a história
econômica assumia papel principal e primordial nos estudos históricos. Para Fernand
Braudel (apud PESEZ, 1998, p. 184):

a vida majoritária é constituída pelos objetos, as ferramentas, os gestos do ho-


mem comum; só essa vida lhes diz respeito na cotidianidade; ela absorve seus
pensamentos e seus atos. Por outro lado, ela estabelece as condições da vida
econômica ‘o possível e o impossível’.

135
HISTÓRIA: Nesse sentido, o papel que lhe coube, primeiramente, foi o de campo subordinado,
METODOLOGIA DO
ENSINO sem conceitos e implicações totalmente desenvolvidos.
Se com a Escola dos Annales seu papel foi subordinado, com o marxismo o quadro
não foi muito diferenciado, levantando uma série de problemas teóricos. A hesitação
em atribuir à cultura material sua devida importância se deu, principalmente, pelo ma-
terialismo histórico. De acordo com Pesez,

atribuir à história da cultura material um estatuto independente comporta um


risco, o de emprestar aos fatos que estuda um peso igual ao do fenômeno social:
ou, o que seria ainda mais grave, admitir que possa haver fatos históricos que
não sejam sociais e explicar os fenômenos sociais por fenômenos extra-sociais
(PESEZ, 1998, p. 186).

Com isso, o novo campo manteve-se externo às pesquisas desenvolvidas pelos his-
toriadores marxistas.
O que podemos observar no desenvolvimento do quadro da cultura material é que
sua falta de conceituação própria e bem definida, aliada às pesquisas prioritárias das
escolas em que foi inserida no campo da História, designou-lhe basicamente um papel
secundário. Por um lado, rejeitou-se seu estudo no campo da história das técnicas, uma
vez que a evolução das técnicas não se dá exclusivamente por leis internas, mas também
por condições externas, que no caso são provenientes da economia. Por outro, limitou
e reduziu seu estudo à história das técnicas, considerando-se que o conceito de progres-
so é, por vezes, mais aceito nessa área (SIMÃO, 2002).
Além dos problemas teóricos que levanta, existe ainda a questão da natureza das fon-
tes, que no caso da cultura material, como o próprio nome diz, são materiais, concretos.
Isso nos remete novamente à questão do conceito de cultura material. A definição de tal
conceito é uma tarefa um tanto quanto difícil. Isso ocorre, por vezes, pelo fato de que
quem mais utiliza essa expressão se limita a defini-la pelos termos que a designam, sem
uma explicação mais aprofundada. Tais definições relativamente simplistas tornam-se
frequentemente insuficientes, uma vez que a ideia de cultura material não pode ser
definida simplesmente pela noção dos termos que a compõem por um valor próprio:
a ideia tem um sentido e esse sentido só pode ser descoberto se a cultura material se
tornar útil. Segundo Jean-Marie Pesez, ‘a cultura material tem uma relação evidente com
as injunções materiais que pesam sobre a vida do homem e às quais o homem opõe
uma resposta que é precisamente a cultura’ (PESEZ, 1998, p. 180).
Dessa forma, a cultura material encontrou sua expressão no concreto, ou seja, na
relação direta entre o homem e os objetos, e estes, por sua vez, são caracterizadores
e designadores de uma sociedade. Foi a partir dessa relação produzida pelo concreto
que a Arqueologia encontrou sua base de estudos no que tange ao conhecimento na

136
escala do passado, visto que quando remontamos no tempo os vestígios materiais são Ensino de História e
cultura material
os únicos indícios que permanecem.

A Arqueologia desvenda vestígios relacionados a outros elementos, associações


de fatos, os mesmos que a cultura material estrutura. Além disso, através dos
objetos é do homem que ela trata (PESEZ, 1998, p. 204).

A cultura material insere-se em uma problemática que envolve mais que a discussão de
sua conceituação teórica e da natureza de suas fontes. Ela está inserida nas transformações
da prática dos historiadores, tornadas possíveis nas últimas seis décadas por uma abertura
à possibilidade de se considerar outras fontes. A partir dessa abertura, a cultura material
enquanto fonte pode ser empregada para estudar as transformações ocorridas nas socie-
dades, no decorrer do tempo, ou seja, os acontecimentos. Mais do que isso, ela torna-se,
por vezes, uma fonte que simboliza materialmente os eventos históricos e a partir da qual
podem ser observados e analisados. Na perspectiva de Burguière (1998, p. 131),

como o etnólogo – que utiliza a distância que percebe entre sua própria cultura
e a de seu terreno de observação para se desembaraçar de suas próprias catego-
rias e reconstituir o sistema lógico da sociedade que estuda – o historiador pode
explorar o caráter parcelar, não construído, dessas fontes brutas, para encontrar,
para lá da realidade manifesta, os mecanismos e a lógica que explicam determi-
nada conjuntura – o que se chama uma época – ou determinada evolução.

O objetivo principal que a cultura material apresenta é o de introduzir novamente


o homem na história através de ideias, conceitos e práticas, manifestações e represen-
tações materialmente exteriorizadas, revelando as relações formadoras das estruturas
sociais que regem indistintamente todos os povos.
Como constataram Vidal e Silva (1995, p. 381):

o importante, nestes estudos, é ter em mente que, por detrás do isolamento da


cultura material para fins analíticos (ou seja: do fato de tomarem-se objetos da
cultura material como objetos de pesquisa em si mesmos), há um objetivo maior,
que é de identificar as relações entre os domínios material e não-material de cada
cultura e, indo mais além, perceber a criatividade e a originalidade das respostas
culturais, específicas, a problemas e questionamentos que são gerais, comuns
a todos os grupos sociais e a todos os povos, já que dizem respeito a aspectos
básicos da existência humana no mundo.

CULTURA MATERIAL: FONTE E RECURSO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE


HISTÓRIA
Entendemos que o estudo da história deve trabalhar a dimensão social da
temporalidade; não somente a sua apreensão, mas a sua própria construção social.
Aprender história deve possibilitar ao aluno superar uma dimensão meramente

137
HISTÓRIA: individual do mundo, inserindo-se em uma perspectiva coletiva e universal. Para tanto‚
METODOLOGIA DO
ENSINO é necessário que professores e alunos observem, trabalhem com os dados da observa-
ção, sistematizem esses dados, indo além da mera constatação, apreendendo as con-
dições objetivas de vida, utilizando os dados teóricos de situações vividas por outros
homens, em outros tempos e em outros lugares, ou seja, problematizem a situação
que está sendo estudada.
O estudo da história deve procurar desenvolver a noção de tempo histórico e deve
incorporar a ele relações sociais, políticas, econômicas, culturais, religiosas e cosmo-
lógicas de diferentes sociedades, permitindo aos alunos e professores questionarem
seu presente, relativizando acontecimentos e valores e compreendendo a existência
de múltiplas histórias. Entendemos que o estudo da História só fará sentido para os
estudantes se encarado como um processo de investigação histórica, pois como assi-
nala Zaslavsky,

o conhecimento se constrói na ação e na interação entre os sujeitos e o objeto


de conhecimento, o que pressupõe uma participação ativa do aluno com os
conteúdos históricos escolares, com o professor e os colegas, em trocas cogni-
tivas e afetivas (2006, p. 7).

Não se trata de usar o estudo do passado simplesmente para compreender o pre-


sente, mas a capacidade de ampliar a experiência vivida, elaborando e desenvolvendo
questionamentos sobre ela, de problematizá-la e de ampliar essa discussão pela incor-
poração de outros questionamentos sobre outras temporalidades, o que nos leva a
compreender o conhecimento histórico como um campo sempre aberto, seja porque
o processo histórico nunca cessa de agregar novos acontecimentos, seja porque existe
uma constante releitura do acontecimento (CIAMPI, 1992).
Nas aulas de História, o professor deve ensinar seus alunos a pensar historicamen-
te. Na visão de Siman,

pensar historicamente supõe a capacidade de identificar e explicar permanên-


cias e rupturas entre o presente/passado e futuro, a capacidade de relacionar
os acontecimentos e seus estruturantes de longa e média duração em seus
ritmos diferenciados de mudança; capacidade de identificar simultaneidade
de acontecimentos no tempo cronológico; capacidade de relacionar diferentes
dimensões da vida social em contextos sociais diferentes. Supõe identificar,
no próprio cotidiano, nas relações sociais, nas ações políticas da atualidade, a
continuidade de elementos do passado, reforçando o diálogo passado/presen-
te (SIMAN apud CAINELLI; TUMA, 2003, p. 119).

Nesse sentido, o uso da cultura material, com seus objetos, utensílios ou artefatos,
além de desempenhar o papel de fonte para a investigação histórica, torna-se também
um valioso recurso didático que passa a atuar na formação do pensamento histórico

138
como mediador da interação passado-presente. Ensino de História e
cultura material
A esse respeito, Vidal e Silva (1995, p. 371) afirmam que:

o sistema de objetos e as artes são produtos de uma história: remetem-se às tra-


dições identificadas pelo grupo como suas marcas distintivas, específicas de sua
identidade; falam dos modos de viver e de pensar compartilhados no momento
da confecção do produto material ou artístico ou da vivência da dramaturgia
dos rituais, indicando uma situação no presente; em suas inovações, no esmero
de suas produções e no uso que dela faz, indicam as relações entre o indivíduo
e o patrimônio cultural do grupo a que pertence e apontam para canais de
comunicação com o exterior e para projetos de futuro.

Dutra (2001, p. 6) registra que, além de buscar nos objetos referências de identi-
dades de determinados grupos, é preciso ‘apreender nesses objetos as interpenetra-
ções de diferentes culturas ou grupos. Ou seja, os objetos da cultura material podem
revelar a transculturalidade, as múltiplas identidades formadoras de uma determinada
cultura, bem como suas múltiplas temporalidades’.
Esta mesma autora propõe que os objetos da cultura material possam ser tomados

tanto como instrumentos mediadores de memórias e significados históricos de


grupos e suas relações culturais, quanto como ferramentas psicológicas media-
cionais que podem promover transformações fundamentais na estrutura cogni-
tiva da criança [e dos estudantes] (DUTRA, 2001, p. 6).

Assim, o professor, ao usar os objetos ou utensílios da cultura material, deve provo-


car situações que possibilitem questionamentos e problematização em relação ao con-
teúdo e ao material que está sendo estudado, encorajando os estudantes a investigar o
processo de produção de tais objetos e artefatos, o que os levará a realizar uma investi-
gação sobre o modo de vida do grupo ou sociedade que fabricou tais objetos, partindo
de perguntas, como, por exemplo: desde quando se tem notícias desse grupo, onde
vivia, como era sua organização social, política e cosmológica, como era a economia
praticada pelo grupo, de que matérias-primas os objetos foram confeccionados, que
ferramentas foram utilizadas na fabricação do objeto, qual o tempo gasto na fabricação
do objeto, que utilidade os objetos tinham etc.

139
HISTÓRIA:
METODOLOGIA DO
ENSINO Referências

ABUD, Kátia. O livro didático e a popularização do saber histórico. In: SILVA, Marcos
A. Repensando a História. São Paulo : Marco Zero, 1984.

BURGUIÈRE, André. A Antropologia histórica. In: LE GOFF, Jacques. A História


nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 125-153.

CAINELLI, Marlene; TUMA, Magda M. P. História e memória na construção do


pensamento histórico: uma investigação em Educação histórica. Revista HISTEDBR
On-line, Campinas, SP, n. 34, p. 211-222, jun. 2009. ISSN: 1676-2584.

CIAMPI, Helenice. Poder, cidadania e formação do profissional de história. In:


BRESCIANNI, Maria Stela M. Jogos do poder, imagens, representações e práticas.
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DUTRA, S. F. Objetos da cultura material como mediadores no desenvolvimento


do raciocínio histórico em crianças. Ouro Preto:UFOP, [200-]. Disponível em:
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KOZAK, Vladimir. Os índios Hetá: peixe em lagoa seca. Boletim do Instituto


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MOTA, Lúcio T.; NOVAK, Éder da Silva. Os Kaingang do Vale do Rio Ivaí –Pr:
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um balanço da produção arqueológica no Paraná no período de 1876-2001. 2002.
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nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 180-215.

RIBEIRO, B. G. A linguagem simbólica da cultura material. In: RIBEIRO, B. G.


(Coord.). Suma etnológica brasileira: (Arte Índia). 3:15-27. Petrópolis, RJ: Vozes,
1987. v. 3, p. 15-27.

140
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Tradução de Bárbara Sette. Rio de Janeiro: Ensino de História e
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SHANKS, M. B.; TILLEY, C. Social theory and Archaeolog y. Albuquerque:


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novos subsídios para professores de 1o e 2o graus. Brasília, DF: MEC; MARI; Unesco,
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narrativas e lembranças da sociedade Xetá. 1998. Dissertação (Mestrado)-UFSC,
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Programa Associado de Pós-Graduação em História, UEM/UEL, [S. l.], 2002.

VIDAL, Lux B.; SILVA, Aracy Lopes da. O sistema de objetos nas sociedades indígenas:
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<http://www.unirevista.unisinos.br/UNIrev_Zaslavski.pdf>. Acesso em: 2 nov. 2011.

Proposta de Atividades

1) Leia o trecho abaixo e a seguir realize a atividade solicitada.

O tratamento que é dado às populações indígenas consiste em fazer comparações, julgamentos


dos comportamentos e das formas de ver o mundo desses povos a partir dos padrões culturais
da sociedade a que pertencemos – brancos versus índios. Consiste em abordagens etnocên-
tricas, segundo as quais o menor dos males e preconceitos se manifesta na rotulação dos povos
diferentes como sendo seres exóticos.

141
HISTÓRIA: O texto afirma que as populações indígenas sofrem preconceitos e são discriminadas de-
METODOLOGIA DO
ENSINO
vido às abordagens etnocêntricas nas quais se baseiam os conteúdos a serem ensinados
na escola. Recorra aos livros didáticos utilizados para ensinar conteúdos sobre populações
indígenas, selecione um texto e procure identificar três características que demonstrem tal
etnocentrismo.
2) Utilizando o mesmo livro didático e o mesmo texto que você selecionou para realizar a
atividade anterior, procure observar, para depois descrever, como o(s) autor(es) utilizam
as ilustrações pertinentes à cultura material dos povos indígenas no decorrer do texto (as
imagens correspondem aos povos indígenas tratados no texto?; como são apresentadas ao
leitor: possuem relação direta com os conteúdos abordados?; de que forma são anuncia-
das no decorrer do texto?; exercem uma função específica para o conjunto do conteúdo
abordado ou são apenas ilustrativas para preencher espaço ocioso?; são utilizadas para
realização de alguma atividade de reflexão?
3) Utilizando as imagens referentes à cultura material presentes neste capítulo, texto, elabore
uma atividade como se fosse executá-la numa sala de aula.

Anotações

142

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