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Ary Dos Santos

O poema descreve a cidade como um lugar onde as palavras são pisadas e paradas, respirando e transpirado através de palavras como água, brisa, sangue e ira. Não há céu de palavras que a cidade não cubra, nem rua de sons que a palavra não corra à procura de significado.
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O poema descreve a cidade como um lugar onde as palavras são pisadas e paradas, respirando e transpirado através de palavras como água, brisa, sangue e ira. Não há céu de palavras que a cidade não cubra, nem rua de sons que a palavra não corra à procura de significado.
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Ary dos Santos

A
A Cidade É Um Chão De Palavras Pisadas
.

A cidade é um chão de palavras pisadas


a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.
.
A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.
.
A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.
.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.


A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não

(Ary dos Santos)

C
Redondo_vocabul> -

<Redondo_vocabul> Minha laranja amarga e doce


meu poema

feito de gomos de saudade

minha pena

pesada e leve

secreta e pura

minha passagem para o breve, breve

Minha ousadia

meu galope

minha rédea

meu potro doido

minha chama

minha réstia

de luz intensa

de voz aberta

minha denúncia do que pensa

do que sente a gente certa

Em ti respiro

em ti eu provo

por ti consigo

esta força que de novo

em ti persigo

em ti percorro

cavalo à solta

pela margem do teu corpo

minha amargura

> minha coragem de correr contra a ternura.


Por isso digo

canção castigo

amêndoa travo corpo alma amante amigo

por isso canto

<Redondo_vocabul> por isso digo

<Redondo_vocabul> alpendre casa cama arca do meu trigo

<Redondo_vocabul> Meu desafio

Redondo_vocabul> minha coragem de correr contra a ternura

<Redondo_vocabul> .

<Redondo_vocabul> .

<Redondo_vocabul> Ary dos Santos

D
Desespero
.
Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.
.
Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.
.
Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
.
A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.
.

José Carlos Ary dos Santos

E
Epígrafe
(Insofrimento in Sofrimento, 1969 )
.
De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.
.
De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.
.
De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.
.
Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
- expressão da multidão que está

(Ary dos Santos)

Ecce Homo
.
Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.
.
Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.
.
Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,
.
Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.
.
José Carlos Ary dos Santos
F

Meu Amor
.

Meu amor meu amor


meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.
.
Meu limão de amargura meu punhal a escrever
nós parámos o tempo não sabemos morrer
e nascemos nascemos
do nosso entristecer.
.
Meu amor meu amor
meu nó e sofrimento
minha mó de ternura
minha nau de tormento
.
este mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.

(Ary dos Santos)

Os Putos
.

Uma bola de pano, num charco


Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.
.
Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
.
As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo
.
Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.

(Ary dos Santos)

P
Poeta Castrado, Não!
.
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
.
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
.
Da fome já não se fala
--- é tão vulgar que nos cansa ---
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
.
Do frio não reza a história
--- a morte é branda e letal ---
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
.
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
--- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
--- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
.
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
.

José Carlos Ary dos Santos

Poesia-Orgasmo
.
.
De silabas de letras de fonemas
se faz a escrita. Não se faz um verso.
Tem de correr no corpo dos poemas
o sangue das artérias do universo.
Cada palavra há-de ser um grito.
Um murmurio um gemido uma erecção
que transporte do humano ao infinito
a dor o fogo a flor a vibração.
A poesia é de mel ou de cicuta?
Quando um poeta se interroga e escuta
ouve ternura luta espanto ou espasmo?
Ouve como quiser seja o que for
fazer poemas é escrever amor
a poesia o que tem de ser é orgasmo.

José Carlos Ary Santos

Q
R

S
Soneto de Inês
.
Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.
.
Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.
.
Os teus gestos são verdes os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.
.
As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.
.
José Carlos Ary dos Santos

Soneto
.
Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?
.
Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.
.
Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.
.
Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.
.
José Carlos Ary dos Santos
T
Talhem-se as palavras justas

[03:13:50] x7x da_fish [[email protected]] foi expulso por ChanServ [Nao pode estar
neste canal sem se identificar]

[03:13:50] <@scottie> ao corpo do sofrimento

[03:13:52] <@scottie> as imagens serão curtas

[03:13:54] <@scottie> amplos os ombros do tempo

[03:13:57] <@scottie> soltos os panos dos olhos

[03:13:59] <@scottie> bordados os do talento

[03:14:01] <@scottie> cosidos os dos ouvidos

[03:14:03] <@scottie> ao forro do pensamento.

[03:14:04] <@scottie> .

[03:14:05] <@scottie> Tome-se o têxtil do tema

[03:14:07] <@scottie> e corte-se o que é preciso

[03:14:09] <@scottie> com a tesoura do riso.

[03:14:12] <@scottie> Mas na orla do poema

[03:14:13] <@scottie> depois da obra acabada

[03:14:15] <@scottie> deixe-se ao menos um dedo

[03:14:17] <@scottie> de tristeza embainhada.

[03:14:18] <@scottie> .

[03:14:19] <@scottie> .

[03:14:21] <@scottie> .

[03:14:22] <@scottie> ARY DOS SANTOS

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