APOCALIPSE 517
mercante; Ap 18.9-24). Aqui finalmente vemos o terceiro "ai" (v. 8.12;
11.14), que por sua vez assume a forma de três "ais" (18.10,16,19). Eis
a única passagem em que João, em geral, abandona o modo apocalíp-
tico e adota um estilo profético, denunciando em especial as políti-
cas econômicas de Roma, que enriqueceu enormemente à custa dos
pobres. Observe como a reação imediata à condenação de Roma é o
júbilo no céu (v. 20; cf. 12.12a), enquanto outro anjo anuncia o caráter
definitivo da sua ruína (18.21-23) com ecos de Isaías 25.10, concluin-
do mais uma vez com a razão máxima para a sua condenação - a
matança dos mártires (Ap 18.24).
E agora observe como o triplo "ai" é respondido com um triplo "ale-
luia" no céu (19.1,3,6). E, assim, João volta à cena no céu (do cap. 4),
onde vemos as bodas do Cordeiro e sua noiva, a igreja (19.1-10).
D 19.11-20.15 A última batalha
O interlúdio entre o "destino" das duas cidades conclui o tema da
guerra santa, tanto em Apocalipse quanto na Bíblia como um todo.
Essa descrição forma o pano de fundo final (escatológico) contra o
qual o juízo sobre Roma deve ser compreendido. Cristo é, desse modo,
retratado como o Guerreiro Divino que luta contra a besta, o profeta
e o próprio Satanás (19.11-20.15); observe especialmente como os
membros dessa "trindade profana" são lançados, um por um, no lago
de fogo (19.20; 20.10).
Observe como João vislumbra uma separação entre a destruição
final das duas bestas e a de Satanás (20.7-10). Isso sugere, junto com
a cena nos versículos 1-6, que Satanás ainda tem algum tempo depois
da destruição de Roma. O evento final é o julgamento daqueles que o
seguiram (v. 11-15).
[l 21.1-22.11 A nova Jerusalém: a noiva do Cordeiro
Estruturalmente, 21.1-8 pertence à "última batalhà': observe como a
passagem antevê a cidade de Deus (descrita na visão que começa nos
v. 9,10), mas também conclui (v. 8) com uma observação sobre aqueles
que foram julgados na "segunda morte". Observe especialmente como
518 COMO LER A BÍBLIA LIVRO POR LIVRO
ela começa com a linguagem de Isaías 65.17-19, com seus "novos céus
e nova terra".
Assim, a visão final de João descreve a cidade de Deus, a nova
Jerusalém, descendo à terra, onde ocorrem a restauração do Éden e a
reversão dos efeitos da Qyeda (Ap 21.2-22.6). Observe duas coisas:
(1) a cidade ecoa a linguagem e as ideias da visão de Ezequiel do tem-
plo escatológico, na qual a glória de Javé retoma ao templo (Ez 40.1-
43.12), e (2) a própria cidade é o templo precisamente porque é o
lugar da própria habitação de Deus (Ap 21.3,4,11,22,23; 23.3-5). E
observe, finalmente, o quanto 22.1-5 ecoa o Éden restaurado, usando
inclusive imagens de Ezequiel 4 7.1-12.
D 22.12-21 Epílogo
Essa passagem pode ser considerada um verdadeiro epílogo no senti-
do de que ecoa numerosos temas do prólogo. Assim, como uma con-
clusão apropriada dessa visão que assumiu a forma de carta,João tanto
exorta como convida os leitores originais - e nós - a participar do
grande futuro de Deus por meio da vinda de Cristo.
É quase impossível imaginar a história bíblica concluindo de
maneira mais significativa. Eis o desfecho da história, não apenas
na visão do paraíso restaurado em 22.1-5, mas também como a
culminação da história em que Deus salva o seu povo, que é também
a história do juízo divino contra aqueles que o rejeitam. João reúne
todas as principais linhas temáticas do Antigo Testamento e as situa
no contexto do Novo, com Cristo e a salvação do povo de Deus por ele
efetuada formando o seu elemento central.
Glossário
Os termos a seguir são usados regularmente neste livro. Como alguns
deles refletem uma linguagem técnica (permitindo-nos o uso econô-
mico de uma palavra no lugar de muitas), tentamos isolar a maior
parte desse vocabulário (e mais alguns termos técnicos relacionados a
divindades pagãs) e explicá-lo aqui.
acróstico: Poema em que cada nova seção ou verso começa com uma
letra subsequente do alfabeto.
agonista: Na literatura, o personagem principal de uma trama que está
envolvido em alguma disputa ou luta.
aliança: Um acordo formal, de natureza legal-contratual, em que am-
bas as partes têm obrigações e responsabilidades mútuas. Nas
grandes alianças bíblicas, a obrigação de Deus é de bênção e
misericórdia para com aqueles que guardam a aliança com ele;
a obrigação do seu povo é a obediência, particularmente a obe-
diência exprimida no amor a Deus e pelo próximo.
anátema: Algo ou alguém colocado sob a maldição de Deus - ou a
própria maldição. Assim, anátema pode se referir a algo que deve
ser evitado como sendo especialmente ímpio ou repugnante.
Aserá: Deusa mãe da fertilidade entre os cananeus, frequentemente
adorada pelos israelitas quando caíam em idolatria. Era con-
siderada a parceira sexual de Baal, e adorada por seu suposto
520 COMO LER A BÍBLIA LIVRO POR LIVRO
poder de tornar férteis os animais e favorecer as colheitas. A
maioria das menções ao seu nome no AT refere-se ao seu ídolo,
um grande poste ou coluna que presumivelmente representa-
va sua aparência. Aserá e Astarote (v. adiante) eram tão seme-
lhantes entre si no sistema de crenças cananeus que às vezes
são citadas de forma intercambiável (Jz 2.13: "cultuando Baal e
Astarote";Jz 3.7: "cultuando os baalins e Aserâ').
Astarote: Deusa mãe da fertilidade dos cananeus, semelhante a Aserá,
e às vezes considerada a mesma deusa (v. acima). Visto que em
grego seu nome eraAstarte, geralmente se presume que a forma
hebraica do nome resulte do emprego, por parte dos escribas
hebreus, das vogais (o e e) da palavra hebraica "vergonha'', vi-
sando dar ao nome um som distorcido no texto bíblico. Em
algumas regiões, fazia-se distinção entre Astarote e Aserá; já
em outras, evidentemente, não havia essa distinção, visto que
era comum, no sincretismo politeísta, embaralhar ou permutar
as distinções entre os deuses, cada região sendo livre para fazer
como bem quisesse com respeito à adoração e teologia.
Baal: Principal divindade da fertilidade entre os cananeus - ou o
ídolo que o representava. Baal era às vezes chamado de "caval-
gador das nuvens" pelos cananeus, pois consideravam que ele
controlava o clima, especialmente a chuva, fundamental para a
produtividade agrícola.
cânon (canônico}: A coletânea oficial dos livros que constituem a
Bíblia (ou um dos seus Testamentos). Escrito canônico é um
escrito que integra a Bíblia. As obras julgadas não canônicas
eram aquelas consideradas não adequadas para fazer parte da
Bíblia. "Canônico", às vezes, é usado para se referir à ordem dos
livros dentro desse cânon.
ciclo: Um padrão ou tema narrativo que é repetido com o propósito de
ênfase ou de algum efeito em particular.
concêntrico: Ver quiástico (em quiasmo).
deus da fertilidade: Qyalquer um dos muitos deuses e deusas do pan-
teão cananeu, todos supostamente tendo o poder de beneficiar
as colheitas e tornar o gado mais fértil em troca de ofertas de
GLOSSÁRIO 521
alimento. (Segundo as antigas crenças pagãs, a única coisa que
os deuses não conseguiam fazer era alimentar-se a si mesmos!)
V. também Aserá; Astarote; Baal.
deuteronômico: Em notável consistência com, ou mesmo baseado na
teologia ou no vocabulário contidos no livro de Deuteronômio.
Diáspora: Termo grego usado no NT para descrever os judeus cren-
tes vivendo fora da Palestina em tempos antigos - especial-
mente nos tempos do NT, embora seus inícios remontem ao
Exílio babilônico (quando a maioria dos exilados não retor-
nou aJudá), e ao exílio autoimposto no Egito, registrado em
Jeremias 41.16-45.5. Também recebe o nome de Dispersão.
Em Atos 15.21, Tiago se refere à importância da Diáspora para
a difusão do evangelho quando diz: "Porque, desde tempos an-
tigos, em cada cidade, Moisés tem homens que o preguem, e é
lido a cada sábado nas sinagogas".
discurso: Fala ou comunicação escrita, relativamente longa e formal,
sobre algum tema ou conjunto de temas relacionados.
doxologia: Uma declaração de louvor a Deus, ou acerca dele, em ge-
ral perto ou no fim de um livro bíblico ou de uma das suas
seções principais.
encarnação (encarnado): O tornar-se humano de Deus na pessoa de
Jesus de Nazaré.
escatológico: Qye trata do fim dos tempos ou dos últimos dias, deri-
vado da palavra grega eschaton, que significa "fim".
excomungar/desligar (desligamento): Retirar alguém do rol de mem-
bros, da participação e do contato social com os outros crentes
de uma igreja, a fim de corrigir algum pecado sério e restaurar o
pecador. Tal ato severo era realizado porque o pecado colocava
em risco a própria vida da igreja, bem como seu testemunho
na comunidade.
exílico: Qye se refere ao período do Exílio babilônico, que começou
em 586 a.C. e se encerrou oficialmente com o decreto de Ciro,
em 539 a.C.
farisaísmo (farisaico): A atitude segundo a qual a justiça diante de
Deus estava associada à obediência literal à Lei do AT, incluindo
522 COMO LER A BÍBLIA LIVRO POR LIVRO
as ampliações e extrapolações (frequentemente legalistas) que
os próprios fariseus faziam dessas leis; e a atitude de que so-
mente as pessoas que fizessem isso poderiam ser aceitas como
bons judeus.
gregos: Em algumas ocorrências do NT, esse termo é usado para se
referir a judeus que não falavam hebraico (ou aramaico). Às ve-
zes, nos textos de Paulo, também se torna um termo substituto
para "gentios".
guerra santa: A batalha especial de Deus contra aqueles que manifes-
tam o mal (frequentemente na forma de idolatria)- uma ba-
talha que Deus trava em favor dos justos, mas na qual permite
que o seu povo participe. Em virtude da onipotência de Deus,
não há dúvidas sobre quem, no fim, vencerá essa batalha, mas
graças à sua grande paciência em esperar que os maus se voltem
para ele, a batalha ainda não está concluída.
Guerreiro Divino: Descrição de Deus no seu papel de líder da guerra
santa (v. adiante), um grande guerreiro a favor de seu povo (v.,
p. ex., Êx 15.3; Is 42.13;Jr 20.11).
helenistas (helenístico): Povo que falava grego, ou seguia os costumes
gregos em certa medida, embora de outra forma fosse judeu.
hermenêutica: Princípios de interpretação, frequentemente usados
em referência à forma como os trechos bíblicos se aplicam a
épocas posteriores e em novas circunstâncias.
histórias de conflito: Histórias, nos Evangelhos, em que alguma pes-
soa apresenta um desafio a Jesus, ou faz uma crítica a ele, e ele
faz da ocasião um momento de instrução.
horizontal: Na lei do AT, termo que descreve os relacionamentos e
as obrigações dos seres humanos uns para com os outros;
v. vertical.
idolatria (idólatra): Sistema que era inerentemente politeísta, sincre-
tista e (geralmente) panteísta, e que estava presente em pratica-
mente todas as religiões não bíblicas antigas. A prática idólatra
dependia da crença de que os deuses podiam ser influenciados
pelas ofertas feitas na presença dos seus ídolos, visto que estes
constituíam uma "manifestação" visível dos deuses, incluindo
GLOSSÁRIO 523
sua natureza e poder; tanto no AT quanto no NT, o ídolo era às
vezes considerado o foco de demônios ou poderes demoníacos.
messianismo (messiânico): Posição e/ou ação de cumprimento das
expectativas do Antigo Testamento quanto ao servo-líder de
Israel especialmente ungido por Deus.
metanarrativa: A grande história da Bíblia como um todo, abarcando
todas as suas histórias menores; a grande narrativa da redenção
que Deus realizou de um povo para si, contada progressivamen-
te ao longo de toda a Bíblia.
monarquia: O período em que Israel e/ou Judá tiveram reis, i. e., cerca
de 1050 a.C. a 586 a.C.
oráculo: Revelação particular de Deus; frequentemente usado como
sinônimo de "profecia" ou "revelação", quando estas se referem a
uma mensagem especifica de Deus a um profeta.
Paixão: ~ando empregado com respeito a Jesus, o termo se refere
especificamente a seu sofrimento e morte.
Pentateuco: Os primeiros cinco livros do AT; também conhecido
como "Os (cinco) livros de Moisés".
politeísmo (politeísta): A crença de que há numerosos deuses e deu-
sas, cada qual com sua própria especialidade, e potencialmente
digno de adoração por aquilo que pode realizar melhor que os
demais. Todo o mundo antigo era politeísta, exceto o povo que
mantinha uma aliança com o Deus de Israel.
pós-exílico: O período após 539 a.C., i.e., depois do Exílio babilônico,
que começou em 586 a.C. e que se encerrou oficialmente com
o decreto de Ciro, em 539 a.C.
pré-exílico: O período antes do começo do Exílio babilônico, i.e., an-
tes de 586 a.C.
Presença: A manifestação especial e capacitadora de Deus entre os
seres humanos, pela qual ele transmite um senso perceptível
da sua presença, santidade, apoio, proximidade etc. Nos tempos
do AT, o tabernáculo, e depois o templo de Jerusalém, foram
frequentemente o foco da sua Presença; no tempo do NT, essa
presença consiste principalmente no Espírito Santo na igreja,
bem como na sua presença no próprio indivíduo.