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Filosofia e Psicopatologia

Este documento discute como a filosofia influencia o estudo das psicopatologias de três maneiras: (1) fornecendo valores de referência para os pacientes, (2) guiando os processos clínicos de diagnóstico e intervenção, e (3) influenciando como os pacientes interpretam e lidam com seus sintomas.

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Filosofia e Psicopatologia

Este documento discute como a filosofia influencia o estudo das psicopatologias de três maneiras: (1) fornecendo valores de referência para os pacientes, (2) guiando os processos clínicos de diagnóstico e intervenção, e (3) influenciando como os pacientes interpretam e lidam com seus sintomas.

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A Influência dos Fatores Filosóficos no Estudo das Psicopatologias

GVSchlatter

Neste ensaio se faz uma breve análise de como a filosofia pode desempenhar um papel

relevante, tanto no estudo das psicopatologias quanto nos processos de diagnóstico e

intervenção clínica. Após uma definição formal do aspecto filosófico que se deseja explorar,

duas áreas de influência da filosofia são analisadas: o seu papel como referência de valor para

os pacientes, assim como a base para os processos clínicos de análise e intervenção

conduzidos pelo psicólogo.

Introdução

A história da psicologia e dos seus principais autores detalha amplamente a influência

da filosofia nas concepções das escolas de pensamento, englobando tanto os modelos que

descrevem a psique humana quanto as formas de agir para reduzir o seu desconforto mental.

Fulgencio (2001), por exemplo, sugere uma relação direta entre Kant e Freud,

propondo que "o paradigma freudiano seria devedor do sistema kantiano, inclusive no que se

refere aos elementos metafísicos de sua base disciplinar, tal qual acontece noutros ramos das

ciências naturais". Para exemplificar, o autor compara diretamente as "formulações kantianas

(lei moral, ação moral, faculdade de julgar, formas a priori, coisa em si, etc.)" com as

"formulações da psicologia freudiana (super-eu e complexo de Édipo, desenvolvimento

infantil, inconsciente)" (Fulgêncio, 2001).

Entretanto, o que se deseja destacar aqui trata do papel da filosofia como referência de

valor para os indivíduos, em particular no que diz respeito à moral e à felicidade. Deseja-se

usar o conceito primordial da filosofia quanto a sua finalidade, isto é, aquela proposta por

Sócrates e pelos que o sucederam que sugerem que "as investigações éticas de Sócrates
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levaram diversas escolas filosóficas da antiguidade a compreender a filosofia como um

caminho para a felicidade" (Marcondes e Franco, 2011, p.9). Ou seja, valer-se da filosofia

como guia para a concretização das aspirações pessoais e, consequentemente, o atingir da

felicidade. Em outras palavras, "a felicidade seria, assim, consequência da tranquilidade que

provém de uma realização pessoal, e esse seria o objetivo último da filosofia" (Marcondes e

Franco, 2011, p.10).

A filosofia, uma vez reconhecida como caminho para a felicidade, deve prover então

um conjunto de valores que, se respeitados, permitirão ao indivíduo a tranquilidade da sua

existência. Assim sendo, se uma corrente filosófica passa a afirmar que determinado valor

deve ser praticado, a eventual incapacidade de um indivíduo em fazer cumprir essa meta

acaba por lhe trazer infelicidade, a qual poderá ser reconhecida como um transtorno mental.

Os valores filosóficos como referência para o indivíduo

Compreender como uma dada corrente filosófica, aceita e adotada pelo indivíduo,

torna-se sua referência de valor permite ao clínico uma interpretação de como o paciente se

define e se autorregula. Isto é, a base de valores filosóficos é que definirá como o paciente

difere o bem do mal e define sua completude enquanto sujeito. Suas condutas perante esses

valores, portanto, é que irão fazer surgir os sentimentos de culpa, euforia ou depressão.

Filosofias existencialistas, como aquelas ensaiadas por Kierkegaard, Husserls,

Heidegger e Sartre, por exemplo, "compartilham a ideia central da análise do modo de ser do

homem no mundo, em determinada situação" e o avaliam "em termos de possibilidades"

(Hutz, Bandeira & Trentini, 2016, p.191). Portanto, a abordagem existencialista acaba por

elaborar possíveis aspectos traumáticos da experiência humana, tais como a dor, o fracasso, a

doença ou a morte.
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Uma intervenção com base nas concepções da filosofia seria, então, "uma via de

acesso para chegar ao mundo vivido por cada indivíduo, compreendendo homem e mundo

sempre a partir de sua facticidade" (Moreira, 2010). Em termos psicanalíticos, a filosofia

serviria como base moral de referência para o superego, sendo que a compreensão dos seus

princípios – ou uma releitura dos mesmos, no caso das terapias cognitivas - , permite lidar

melhor com o sofrimento ou transtorno mental.

Os valores filosóficos como referência para o terapeuta

A compreensão dos princípios e crenças filosóficas do paciente é determinante para a

definição da forma e extensão da intervenção clínica. Dalgalarrondo (2019, p.76) destaca que

"a prática em saúde geral e mental, assim como nossas teorias, dialogam, dependem ou são

consideravelmente influenciadas por valores básicos e profundamente arraigados".

O autor também destaca a importância desse conhecimento pelo terapeuta desde as

fases iniciais de diagnóstico: "de modo geral, questões de valores se intensificam quando

relacionadas às intervenções médicas e psicológicas, mas estão profundamente presentes

também em relação às fases diagnósticas e de avaliação em saúde mental" (Dalgalarrondo,

2019, p.77).

Além disso, os referenciais filosóficos do paciente poderão determinar, por exemplo, o

sucesso de terapias cognitivas em que o grau de responsabilidade pelo sucesso do tratamento

é compartilhado entre terapeuta e paciente. Destaca-se aqui que é a contraposição das crenças

filosóficas do terapeuta com as do paciente que permitirá os ajustes nas autopercepções de

valor, capacidade e aceitação deste último.

As bases filosóficas do indivíduo acabam por ter o mesmo efeito que as diferenças

culturais exercem no que diz respeito à aceitação ou rejeição de um diagnóstico, à adesão ao

tratamento, à recuperação ou à conduta durante a consulta clínica, conforme proposto no


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DSM-5 (APA, 2014, p.14). Em particular, isto pode ocorrer no que diz respeito à explicação

cultural ou causa percebida como "...um modelo explanatório que fornece uma etiologia ou

causa concebida culturalmente para sintomas, doenças ou sofrimento" (APA, 2014, p.15).

Conclusão

Faz parte da entrevista de formulação cultural (EFC) a compreensão "dos valores que

os indivíduos obtêm da afiliação a grupos sociais diversos" (APA, 2014, p.750). Assim

sendo, muitos dos itens do DSM-5 referentes à entrevista têm ligação com aspectos

filosóficos, tais como a definição cultural do problema, estressores, apoio, self-coping e busca

de ajuda.

Da mesma forma, transtornos específicos podem ser diretamente influenciados pelas

concepções filosóficas do paciente como, por exemplo, os transtornos de adaptação, cujo

critério B1 avalia se há "sofrimento intenso desproporcional à gravidade ou intensidade do

estressor, considerando-se o contexto cultural e os fatores culturais..." (APA, 2014, p.287).

Por fim, todas as condições que podem ser foco da atenção clínica (APA, 2014, p.715)

podem ser influenciadas pelos aspectos filosóficos, incluindo-se aqui a educação familiar e os

problemas relacionados a grupo de apoio primário (p.716).

Propõe-se que a filosofia, em particular nos adultos, é uma dos componentes da

identidade cultural do indivíduo e, por esse caráter, influencia diretamente na interpretação e

análise das psicopatologias.


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Referências

American Psychiatric Association. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de

transtornos mentais. Artmed Editora.

Dalgalarrondo, P. (2019). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais (3ª Ed.). Porto

Alegre, RS: Artmed Editora Ltda.

Fulgencio, Leopoldo. (2001). Comentários críticos das referências textuais de Freud a

Kant. Psicologia USP, 12(1), 49-87. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-

65642001000100004

Hutz, C. S., Bandeira, D. R., Trentini, C. M., & Krug, J. S. (2016). Psicodiagnostico:

Avaliacao Psicologica. Artmed Editora.

Marcondes, D., & Franco, I. (2011). A filosofia: O que é? Para que serve? Rio de Janeiro, RJ:

PUC Rio / Zahar.

Moreira, Virginia. (2010). Possíveis contribuições de Husserl e Heidegger para a clínica

fenomenológica. Psicologia em Estudo, 15(4), 723-731.

https://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722010000400008

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