FICHAMENTO PEDAGOGIA PROFANA
Larrosa, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução de Alfredo Veiga-
Neto. 4 ed. 3ª imp. Belo Horizonte; Autêntica. 2006
COMO SE CHEGA A SER O QUE SE É
Os paradoxos da autoconsciência – um conto com prólogo,
epílogo e moral, segundo alguns fragmentos das Confissões de
Rousseau
p.22. Desse mesmo modo, que podemos cada um de nós fazer sem transformar nossa inquietude
em uma história? E, para essa transformação, para esse alívio, acaso contamos com outra coisa a
não ser com os restos desordenados das histórias recebidas? E isso a que chamamos de
autoconsciência ou identidade pessoal, isso que, ao que parece tem uma forma essencialmente
narrativa
p.23 – e cada um dispõe, também, de uma série de tramas nas quais as entrelaça de um modo
mais ou menos coerente. E cada um tenta dar um sentido a si mesmo, construindo-se como um
ser de palavras a partir das palavras e dos vínculos narrativos que recebeu (RELAÇÃO DE
IDENTIDADE ENTRE O TEXTO E SUAS HISTÓRIAS COM AS PRÓPRIAS VIVENCIA E
A IDENTIDADE)
P.24 – Confissões de Rousseau – no itinerário das relações entre Rousseau e a própria escrita
autobiográfica, podemos advinhar o paradoxo da consciência de si. O que nosso autor pretende
não é contar uma história externa, a série de feitos que pontuam a sua vida, mas o estado de sua
alma ao longo dessa história: a história interna, complexa e secreta de sua consciência, o que só
ele pode dizer.
A linguagem é a condição necessário do eu (p.25), e não somente a expressão, meio,
instrumento ou veículo de um hipotético eu substancial: o eu não é o que existe por trás da
linguagem, mas o que existe na linguagem.
(Reflexão minha:) a identidade se mostra através do texto, da escrita, da representação das
ideias, da autobiografia, da necessidade de se expor, da necessidade de ser sujeito.. através da
linguagem é que conseguimos nos mostrar, matar a vontade de sermos expostos, de que nos
conheçam e se identifiquem conosco.
“Toda escrita pessoal, enquanto escritura, contém vestígios das palavras e histórias recebidas.”
p.26 – Mas, escrevendo, ele não pode senão emascará-lo e distanciar-se da certeza imedita que
tem de si mesmo. E tem de seguir escrevendo interminavelmente cada vez mais indigente, mais
frágil, mais despossuído de si mesmo.
p.28 – Digressão metanarrativa – Jorge Larrosa usa isto para parar o conto e explicá-lo
Reflexão minha até a pagina 32- Quando Jorge Larrosa explica o conto de Rousseau, e como ele
caiu ele mostra que: através da autoconsciência e autocrítica percebemos que somos o que
achamos que somos. Como Rousseau, caímos em si, enganados de como somos, como vivemos
e como se dá tudo isto. Quando ele cai, literalmente, descobre a si mesmo, toma consciência de
si, viu como realmente era.
p.32 – depois da tomada de consciência, todos querem reescrever a sua própria história. Uma
história que é de engano, alienação e da mentira. Uma contraposição de que Rousseau chamou a
diferença entre ser e parecer.
p.33 – a injustiça revela uma distância entre a verdade e a aparência. A divisão entre ser e
parecer.
p.34 – No entanto, às vezes acontece algo que te faz cair em teu próprio eu, no eu de verdade,
no eu que estava oculto e esquecido. Nos esquecemos e apagamos parte do nosso passado,
esquecendo o esquecimento, fazendo que acreditamos que o deserto é tudo, e a mentira
realmente é verdade. No tombo, Jean Jacques Rousseau, permitiu recuperar o esquecimento do
esquecimento. E iniciou uma viagem até o fundo do eu que era, ao mesmo tempo, uma viagem
para trás na própria biografia. Porque a infância e a natureza não estão apenas no passado, mas
também num lugar escondido no interior de si mesmo, em seu puro centro, no centro mais
central dessa série de camadas de cebola que constituem uma personalidade madura. Agora só é
necessário desvelá-lo completamente, fazê-lo emergir, e construir, com ele, a verdadeira
personalidade o verdadeiro caráter, o verdadeiro Jean Jacques.
Depois da autoconsciência, vem a autenticidade.
p.35 – uma reforma de si mesmo, uma reforma pessoa, uma tomada de consciência na qual ele
percebe sua idade e como viveu, a forma que viveu. Não só tinha de conhecer-se a si mesmo
como conquistar-se a si mesmo, assumir0se a si mesmo, converter-se naquilo que de verdade
ele é.
p.36 – a reforma começa pela aparência, por tudo aquilo que ele não era.
O conto mostra, em 3 partes a posição de Rousseau, enquanto descobre que ele não sabia quem
era, depois relata que algo aconteceu e tudo mudou, e após isso, ele resolve mudar.
p.37 Ao ler o livro que escreveu, nas paginas que mostram a queda, a passagem a
autoconsciência, e a reforma pessoa, ou a passagem à autenticidade, que se seguiu a queda. Ele
percebe a ilusão verdadeira que se punha e enche-se de orgulho, percebendo o quão real se
tornara e busca em seu orgulho, um Rousseau que não era mais ele.. ele, tímido, se torna na sua
escrita, um autor intrépido, orgulhoso, cheio de certezas, um homem provocador e singular, que
brilhava nos melhores sacões e participava, inteligente e mordaz, em todas as discussões sabias.
Tornou-se um mentiroso.
p.38 – 39 – Nessas indas e vindas, nesses seus diferentes eus, todos são os eus do teatro e do
livro, das histórias que leu e releu. Tudo isso influenciou na construção de sua identidade. Tudo
o que ele se tornou, e se redescobriu não passou de ser um delírio literário, e esse delírio, desse
personagem, lido, construído e incorporado, pela atividade de um leitor demasiado sensível,
demasiado apaixonado.
A aventura de Rousseau está baseada na busca de um EU idêntico a si mesmo. Mas essa
aventura conduz até onde não estava previsto, à consciência de que o eu não é somente uma
contínua criação, um perpétuo devenir, uma permanente metamorfose. Essa metamorfose teve
seu arranque e sua força impulsora no processo narrativo e interpretativo da leitura e da escrita.
Só lendo ou escutando como aconteceu com Jean Jacques Rousseau em relação a Plutarco,
alguém se faz consciente de si mesmo. Só escrevendo ou falando, como fez Rousseau nas
Confissões, alguém pode fabricar um eu.
p.40 IMPORTANTE – Nosso personagem aprendeu que ler e escrever, escutar e falar, é
colocar-se em movimento, é sair sempre para além de si mesmo, é manter sempre aberta a
interrogação acerca do que se é. Na leitura e na escrita, o eu não deixa de se faz, de se
desfazer e de se refazer. No final vai existir um conjunto de palavras para compor e decompor
e recompor. Somente o combate das palavras ainda não ditas contra as palavras já ditas
permite a ruptura do horizonte dado, permite o sujeito se invente de outra maneira, que o eu
seja outro.
Uma identidade em movimento assegurada por uma linguagem em movimento, onde a
autoconsciência surge ao se colocar em questão a autoconsciência e onde o que se é só
aparece ao se colocar em questão o que se é: dialética viva e infinita de identificações e
desidentificações.p.41
Moral – aplicar o conto na vida do leitor.
O homem se faz ao se desfazer.. quando perguntamos quem somos nós,. O homem se diz ao se
desdizer: no gesto de apagar o que acaba de ser dito, para que a página continue em branco.
Conta-te a ti mesmo a tua própria história. E queima-a logo que a tenhas escrito. Não sejas
nunca de tal forma que não possa ser também de outra maneira. E não pergunte quem és àquele
que sabe a resposta, nem mesmo a essa parte de ti mesmo que sabe a resposta, porque a resposta
poderia matar a intensidade da pergunta e o que se agita nessa intensidade. Sê tu mesmo a
pergunta.
Do espírito de criança à criança de espírito – A ideia de
p. 45
formação em Peter Handke
Leitor de Nietzsche – não pode intervir com sua pessoa e sua cultura.
Handke – literatura perdendo a forma do silêncio.
p.46 – Diferenciação do silencio – derivado do poder, que oprime e não deixa sombra para
questionamento ou reflexão, ou o efeito terrível da mudez, da confusão, da incapacidade para a
palavra, de acordo com o vocabulário indevido.
p.47 – o silêncio de Handke – trazer não com palavras difíceis, mas com palavras simples,
experiências simples. Reencontrar, repetir e renovar o que todos e cada um já sentimos e
vivemos. Para fazer justiça a isto, é necessário silenciar o convencional e dar a máxima
pureza à linguagem. Manter o ponto justo de vazio e de silêncio em que o leitor possa se
re-orientar. O calar do texto se dá pela atenção tensionada ao máximo, um estar voltado
para si mesmo. O silêncio se dá pelo recolhimento.
p.48 – Todos nós, alguma vez, diante de um poema, ou um filme, ou uma música, ou uma
paisagem, sentimos a força desse calar.Alguma vez foi nos foi dada essa experiência de um
máximo desprendimento de nós mesmos numa atenção retesada quase até o limite, que
paradoxalmente, coincide com uma máxima intimidade com nós mesmos. E todos nós
sentimos contrariados quando alguém começou a falar e rompeu esse silêncio. Como se ao
ser levado a perder o silencio, alguém logo caísse no eu habitual e em suas formas
habituais de experiência da realidade, e, nesse cair, dissolvesse irremediavelmente esse
tipo de intimidar com as coisas e esse tipo de ensimesmamento. E todos nós já
experimentamos com uma ofensa à pureza do instante e como uma violência o fato de que
alguém nos tenha obrigado a falar, de alguém nos tenha dito: “bem, diz alguma coisa; que
te pareceu? Que estás pensando?”
Pois bem, isso que aí estava se exigindo de nós de uma maneira tão agressiva e tão impertinente,
é justamente, aquilo que não queria Nietzche: que envolvêssemos nossa pessoa e nossa cultura.
Porque quando ao ler, ao escutar e ao olhar, estamos constantemente obrigados a envolver nossa
pessoa e nossa cultura, anulamos o silencio, somos levados a nos perder. Envolver sua pessoa é
não poder desprender-se da arrogância dessa instituição social chamada “eu” ou “indivíduo
pessoal”.
Essa forma de anulação do silencio é também um efeito do poder. O poder não funciona apenas
intimidando e fazendo calar. A presença do poder não se mostra apenas no silencio submetido
que ele produz. O poder está também nesse burburinho que não nos deixa respirar.
p.49 – não há uma experiência humana não mediada pela forma e a cultura é, justamente, um
conjunto de esquemas de mediação, um conjunto de formas que delimitam e dão perfis às
coisas, às pessoas e, inclusiva, a nós mesmos.
No entanto, há vezes em que um livro, ou um filme, ou uma música nos faz olhar pela
janela e, aí, na paisagem, tudo parece novo; ou nos faz pensar em alguém e, de repente,
sentimos mais nitidamente sua presença, ou simplesmente faz nos determos um momento e
nos sentirmos, a nós mesmos, de uma forma particularmente intensa. E a paisagem, ou a
pessoa evocada, ou nós mesmos, estamos nessa escrita palavra-por-palavra, quase ao pé da
letra. E, todavia, não é que tudo isso esteja aí exatamente descrito. O que ocorre, melhor
dizendo, é que aí está a imagem interior das coisas e das pessoas. E o ponto justo de
silêncio e de vazio para que essa imagem interior possa renovar-se uma-e-outra-vez.
p.50 Isso é exatamente o que significa dizer que a escrita de Peter Handke abre o mundo: que
chama atenção sobre a paisagem, que estimula o olhar, que dá corpo e perfis novos à
experiência, que faz com que as coisas e pessoas intensifiquem suas próprias cores. O leito não
olha o autor, nem sequer o livro, mas a paisagem, o mundo aberto e sempre por ser lido de uma
maneira renovada.
p.51 – uma teria da formação num contexto em que as letras, as humanidades, são o conteúdo
básico do ensino, tem de pensar de que se trata quando falamos de uma relação com a palavra
ou com a matéria de estudo na qual se põe em jogo o próprio eu.
p.52 – a formação, não é a questão de aprender algo. A questão não é que a princípio, não
saibamos algo e ao final já o saibamos. Não se trata de uma relação exterior com aquilo que se
aprende, na qual o aprender deixa o sujeito imodificado. Aí se trata mais de se constituir de uma
determinada maneira. aprender forma ou transforma o sujeito. Na experiência estética, o sujeito
volta para si mesmo.
O processo de formação é uma aventura. E uma aventura é, justamente, uma viagem no não
planejado e no não traçado antecipadamente, uma viagem aberta em que pode acontecer alguma
coisa, e na qual não se sabe onde vai chegar, se chega a algum lugar.
p.53 – uma viagem na qual alguém se deixa influenciar a si próprio, se deixa seduzir e solicitar
por quem vai ao seu encontro, e na qual a questão é esse próprio alguém, a constituição desse
próprio alguém, e a prova e desestabilização e eventual transformação desse próprio alguém.
Por isso, experiência formativa.
Interpretar o mundo através das experiências de uma viagem que, ao se voltar sobre si mesmo,
conforma sua sensibilidade e seu caráter, sua maneira de ser e de interpretar o mundo.
p.54 – Ler o mundo com um olhar inocente; ler de novo o mundo com olhos limpos e lhe dar
um novo sentido.
p.56 – o vazio e a abertura do mundo. Desprender-se dos esquemas de percepção decodificados
que constituem, constituindo-as, tanto a autoconsciência quanto a realidade.
Parei pg. 64
“o vivido só se torna recordação na lei da narração que é, por sua voz, a lei de sua leitura. E aí
se torna outra vez vivo, aberto, produtivo.”
Até pg 72 – O que os personagens de Handke vivem, na verdade é uma experiência através de
lugares desconhecidos, sem domínio da linguagem, e perdidos.. um lugar sem fim.. e é nessa
experiência de leitura do mundo, das coisas ao seu redor e não conseguir estabelecer relação
com o que já conhece, que o deixa mudo.. estonteante.. a observar e explorar por onde passa na
busca do seu irmão. Através da leitura ele descobre um mundo novo, e seu silêncio dá sentido a
tudo que vê, lentamente.
Três imagens do paraíso – ou um convite ao Wilhelm Meister
Habanero
p.74 – articular o Paraíso com a educação: 1) uma preocupação sobre como a literatura pode
continuar sendo um dos modos que temos de compreender aquilo que somos ou, dito de outra
forma, sobre como manter a seção literária da biblioteca como um dos espaços que se engendra
nossa formação e, talvez, nossa transformação. 2) o que é ler? 3) uma preocupação pela
natureza dessa escrita que, atravessando outra escrita, pretenda abri-la a alguns de seus possíveis
sentidos, mesmo sem despojá-la de seu mistério essencial; em outros termos, que é uma lectio
enquanto uma prática de leitura em comum na qual, idealmente, um texto se abre a algumas das
múltiplas leituras que ele encerra? Ou, o que dá no mesmo: que é ensinar a ler?
p.75 – “Toda obra literária cobiça um silêncio, uma obscuridade. E é isso que diferencia
sua linguagem da linguagem não literária, dessa linguagem arrogante e dominadora que
pretende iluminar e esclarecer, explicar, dar conta das coisas, dizer tudo. Frente à
verborréia sistemática dos que sabem, a fábula é uma ocupação poética do indizível, sua
expressão e, ao mesmo tempo, o respeito para o indizível, sua conservação como misterioso
inexprimível. Por isso a literatura não esgota aquilo que poeticamente ocupa, aquilo que
não deixa, ao expressá-lo, exausto e saturado. O misterioso expressado poeticamente, ao
conservar seu mistério, conserva-se como uma fonte infinita de sentido Por isso, a
literatura continua nutrindo-se indefinidamente de seu segredo, de sua obscuridade, de
seu silêncio.”
Nietzsche – como se chega a ser o que se é?
p.76 – “Mas em sua não-resposta, a pergunta pode se manter aberta. Do que se trata, melhor
dizendo, é de uma preocupação no sentido de que a pergunta sobre a formação e mantenha
aberta.”
p.78-79 – “o tempo da formação, portanto, não é um tempo linear e cumulativo. Tampouco é
um movimento pendular de ida e volta, de saída ao estranho e posterior de retorno ao mesmo. O
tempo da formação, como o tempo da novela, é um movimento que conduz à confluência de um
ponto mágico (situado, assim, fora do tempo) de uma sucessão de círculos excêntricos”.
Três círculos: - o da infância, da família e da amizade. O 2º: da amizade, do caos, das
aproximações e repulsões, das tentações, dos sonhos. E o terceiro: o da infinitude do
conhecimento dos mitos, dos arquétipos, do mais afastado.
p.92 “Do mesmo modo que as palavras do mestre só ao se converterem em silêncio deixam um
vazio no qual o discípulo possa criar um lugar ara si, assim a escrita de Licario, somente ao ficar
em branco, pode fecundar.”
“Aí, nesse vazio, é onde Cemí pode se demorar e lentamente embarcar na tarefa de assimilar seu
sentido.”
Reflexão minha depois da leitura do capítulo:
Nesse texto, mostra como as experiências e as dinâmicas dos círculos concêntricos (família,
infância, amigos, conhecimento, caos, mitos, tentações, sonhos) nos moldam e nos fazem
sujeitos. Sempre vivendo no risco, no perigo, no novo.. não que o novo nos transforme
radicalmente, mas que o novo nos influencia e aos poucos nos coage, mudando nosso jeito de
pensar e de viver. É através de pequenas experiências que ao longo do tempo as coisas vão
ganhando significaão.
A EXPERIÊNCIA DA LEITURA
Leitura e metamorfose – em torno de um poema de Rilke
p.98 – “O poema deve ser algo indiferente e passivo, como uma coisa da natureza, repousando
em si mesmo e mantendo-se impermeável a qualquer projeção subjetiva. A leitura deve ser
contemplação à distancia daquilo que o poema leva até a verdade de seu ser.”
p. 101 – “a relação entre o prsente e o ausente (...) pode se relacionar com a ideia da obra de arte
como um diálogo permanente entre o des-ocultado e o ocultado ou entre o aberto e o fechado;
um diálogo em que é o oculto e o fechado aquilo de que precede toda dês-ocultação e toda
abertura. Desse ponto de vista, a leitura é um diálogo entre o dito e o não dito do texto, entre o
que a palavra entre e o que retém, mas sendo o não dito o lugar essencial de onde ressoa o
sentido.”
“Por isso, ler (e comentar) um texto é, fundamentalmente, escutar a interpelação que nos dirige
e fazer-se responsável por ela.”
p.106 “A experiência da leitura é, no poema, uma conversão do olhar que tem a capacidade de
ensinar a ver as coisas de outra maneira. A experiência da leitura converte o olhar ordinário
sobre o mundo num olhar poético, poetiza o mundo, faz com que o mundo seja vivido
poeticamente, torna realidade a expressão heideggeriana: ‘poeticamente habita o homem nesta
terra’.”
p.110 “Haveria, portanto, toda uma economia para a leitura que seria, em último caso,
alimentícia: toda leitura seria um incorporar (um fazer tomar parte do próprio corpo) o que está
fora e somos capazes de pôr ao nosso alcance.”
p.111 “Em Rilke, como também em Heidegger, não existe um ser fora da linguagem ou, o que
dá no mesmo, não há mundo fora da maneira pela qual a linguagem o abre e o determina. É
como se a leitura fosse a que dá os ‘olhos dadivosos’ ao leitor, isso é, uma relação com ‘o
existente’ em que o existente está aí, pleno e pronto, oferecido ao olhar, para que o olhar lhe dê
seu próprio ser. O livro é aquilo que ensinou o leitor a ler o mundo poeticamente. ”
A NOVELA PEDAGÓGICA E A PEDAGOGIZAÇÃO DA NOVELA
p.117. “O texto pedagógico, diz Bernstein, configura-se mediante a apropriação de outros textos
que foram selecionados, descontextualizados, transformados e recontextualizados: a literatura
escolar não é a Literatura, do mesmo modo que a física escolar não é a Física e a história escolar
não é a História. Quando um texto passa a fazer parte do discurso pedagógico, esse texto fica
como que submetido a outras regras, como que incorporado a outra gramática. E essa gramática
é, naturalmente, uma gramática didática, dado que todo texto escolariza-se do ponto de vista da
transmissão-aquisição; mas é, também, uma gramática ideológica.”
O que acontece com a novela quando ela é convertida em texto pedagógico e submetida às
regras didáticas e ideológicas do discurso pedagógico oficial e dominante.
p.118 “Poderíamos começar dizendo que há um fio ininterrupto em nossa cultura, em que aquilo
que nós chamamos de literatura foi concebido como um veículo fácil, agradável e indireto para
a transmissão de alguma verdade.”
p.119 – “O que Nietzsche parece indicar aqui não é apenas que a poesia é capaz de transmitir
verdades e máximas morais formuladas fora dela, na filosofia, mas que a poesia, em sua forma
de novela, compartilha com a dialética, ainda que de modo inferior e como que subordinado, a
pretensão de conhecer o mundo e modificá-lo.”
“Tal desígnio não é outra coisa senão um impulso baseado na crença de que o pensar ‘é capaz
não apenas de conhecer, mas, inclusiva, de corrigir o ser’ e na convicção de que o conhecimento
tem ‘a força de uma medicina universal’”.
p.120 “(...) e considerarmos a forma dialogo e a sua necessidade interna como a forma
privilegiada da investigação e do ensino, como a forma do logos pedagógico enfim, logo nos
daremos conta de que não é possível separar sua dimensão poética de sua dimensão filosófico-
científica e, muito menos, subordinar a primar à segunda.”
“A estrutura do logos pedagógico que aparece na forma diálogo conte um núcleo filosófico
doutrinário (o conteúdo a transmitir) que se apresentaria no marco concreto de uma cena que
reproduziria as características de uma conversação entre diferentes interlocutores (o contexto
empírico da transmissão) e que incluiria, apenas para efeitos expositivos e didáticos, ilustrações
literárias (o método da transmissão)”.
Até a pg. 121 – O questão que se coloca é a seguinte: a desvalorização da literatura,
especialmente a poesia, e a pedagogização da novela, onde os textos literários são moldados a
ensinar um conteúdo específico.. conteúdo que pode ser ensinado implicitamente no texto,
porque a poesia também carrega filosofia, e toda uma doutrinação. O que os autores, como
Nietzsche quer dizer que, a filosofia e a ciência não podem predominar sobre a novela, porque
ela também ensina.
p.122 – diálogo como forma de logos pedagógico.. virou gênero da literatura grega
p.123 – “o logos pedagógico seria o que funciona através do jogo aberto e excêntrico, nunca
fechado e nunca centrado, de três elementos que constantemente interferem entre si. Em
primeiro lugar, a vida concreta, espacial e temporalmente determinada, sempre plural e
complexa, m que se desenvolvem os protagonistas. Em segundo lugar, um tecido dialógico
híbrido, ou um jogo excêntrico entre discursos heterogêneos. Em terceiro lugar, um impulso na
direção da verdade e da justiça, ou uma suscetibilidade compartilhada pelo conhecimento e pela
melhoria do humano.”
“Desse ponto de vista, a novela, essa forma de arte que Platão legou à posteridade como a
encarnação do logos pedagógico, tem a ver com o próprio jogo da verdade e da justiça e não
com a transmissão não-problemática de um corpus doutrinário ou de uma série de lemas morais.
A novela é a problematização incessante do que contar e como como contá-lo, quando aaquele
que conta atenta para essa vida concreta que por um lado, tem de ser transformada e que, por
outro lado, constitui o elemento vivo do discurso; também quando atenta para que o discurso
não permaneça jamais fossilizado em doutrina e mantenha sempre a liberdade de seu jogo; e
quando atenta, por último, para a responsabilidade teórica e moral que está implícita em todo
ato de fala e que obriga a falar e a escrever justamente ou seja, com o olhar posto tanto na
verdade quanto na justiça. E aqui faz sentido, me parece, deixar suspensa no ar a pergunta com
que Nietzsche conclui a seção que estou comentando, depois que, sob a aparência de um
Sócrates anti-artista, intui uma arte socrática cujas possibilidades ainda teria de compreender:
‘por acaso a arte é um correlato e um suplemento necessário da ciência?’”
A novela pedagógica – Julia Kristeva – a novela pedagógica aquela que se deixa ler
principalmente como portadora de um ensinamento. “antes de ser uma história, a novela é uma
instrução, um ensinamento, um saber”. A novela surge “do ensino, ao mesmo tempo que do
relato épico e da poesia cortesã.”
p.124 – função comunicativa e didática da linguagem, como para sua função poética.
“A novela pedagógica não seria outra coisa que um instrumento poeticamente sofisticado para
persuadir ou convencer o leitor da verdade de alguma coisa e, se essa verdade for do tipo moral,
para exortá-lo a atuar de determinada maneira.”
Basicamente comunicativa. Crítica ao pedagógico da novela. Crítica para com toda novela que
queira dizer alguma coisa e para com toda forma de ler literatura que preste atenção privilegiada
a esse querer dizer;
p.126 – a literatura que tem o poder de mudar não é aquela que se dirige diretamente ao
leitor, dizendo-lhe como ele tem de ver o mundo e o que deverá fazer, não é aquela que lhe
oferece uma imagem do mundo nem a que lhe dita como deve interpretar-se a si mesmo e
às suas próprias ações; mas, se tampouco, é a que renuncia ao mundo e à vida dos homens
e se dobra sobre si mesma. A função da literatura consiste em violentar e questionar a
linguagem trivial e fossilizada, violentando e questionando, ao mesmo tempo, as
convenções que nos dão o mundo como algo já pensado e já dito, como algo evidente, como
algo que se nos impõe sem reflexão.
p.127 a literatura que muda o leitor, tal como a entende Handke, é aquela que afugenta a
“linguagem do tipo tu-já-sabes-o-que-quero-dizer” e, ao afugentá-la, dês-realiza também o
mundo do tipo todos-já-sabemos-como-são-as-coisas, Desse ponto de vista, e na medida em
que está contra todo esse “realismo” explícito tão caro aos “readófilos”, nem por isso
renunca a entrar em relação com a realidade e com a autenticidade e, portanto, com a
verdade e com o pensamento. Mas com uma verdade que não existe a não er enquanto
vontade de verdade e com um pensamento que não é outra coisa senão resistência aos
conceitos que nos dão as coisas já pensadas e, portanto, impensadas.
Trecho do livro de Peter Handke:
... não tenho temas favoritos de escritura, não tenho mais do que apenas um tema ver claro, mais claro em
mim mesmo, aprender a me conhecer ou a não me conhecer, aprender o que faço sem me dar conta, o que
sem me dar conta, o que penso sem refletir, o que digo sem refletir, o que digo por automatismo, o que os
outros também fazem, pensam e dizem sem refletir: chegar a ser atento e provocar atenção, provocar
sensibilidade e chegar a ser mais sensível, mais receptivo, mais preciso, para que eu e os outros possamos
também existir de maneira mais precisa e mais sensível, para que eu possa me entender melhor com os
outros e ter melhores relações com eles.
Duas formas de pensar o logos pedagógico: o que faz pensar e o que transmite o já pensado, em
ambas formas incluindo a literatura.
p.129 – novela pedagógica – todo relato que se deixa ler enquanto que inclui a possibilidade de
que se derive um ensinamento de sua leitura.
O caráter pedagógico de uma novela é um efeito de leitura, dado que todo relato, toda ficção,
pode-se ler a partir do pressuposto de que contém um ensinamento, ainda que todo ensinamento
que supostamente se derive de sua leitura não esgote todas as dimensões da obra.
130 – o efeito pedagógico de um texto é a leitura. Para a imposição de uma regra, é importante
programar a leitura. Ou o texto já tem características que fazem esta imposição, ou o professor
tutela a leitura, tomando para si a tarefa de imposição e no controle do sentido “correto”.
Literatura e história – p 133
O que está em jogo não é tanto a verdade, mas o que poderíamos chamar de valor de verdade.
“E creio que Focault e García Marquez conhecem algo que também conhecia Nietzsche: que há
‘verdades’ da estupidez, do servilismo e da baixeza; que a verdade comporta-se, demasiadas
vezes, como uma senhora discreta, sociável e piedosa, cheia de boa vontade, a serviço da
cultura, da moral ou do Estado; que a verdade não pode se separar da ‘política da verdade’, ou
seja, das lutas para impor as regras do ‘jogo da verdade’, para mantê-las se submetendo a elas
ou para pervertê-las e utilizá-las ao arrepio, para inventá-las e mudá-las. ”
p.134 nem a história nem a literatura que nos dão uma experiência do passado completamente
inofensiva.
Duas formas de apresentar a história inofensiva: ler o passado como passado, ou de ler o
passado com uma grande distancia histórica
p.135 – podemos considerar o passado como um texto que lemos em relação ao modo como
lemos, o presente.
Observar o “jogo de reconhecimentos” , não para confirmar e consolidar a imagem
convencional e auto-satisfeita que os discursos produzem em nós, mas para criticar e questionar.
“(... p.136 ) a história deve tentar, em primeiro lugar, salvar o esquecido e o reprimido na
história monumental do reconhecimento, na história dos vencedores, e constituir-se num
tipo de contra-memória. Em segundo lugar, deve insistir na diferença entre o passado e o
presente com vistas a produzir um efeito de desfamilizarização em relação a nós mesmos e
ao nosso mundo. A critica ao presente só pode ser feita a partir do presente, numa história
que se sabe apaixonadamente perspectivista, mas tomando o passado em sua diferença e
destacando, nele, os elementos esquecidos e reprimidos.”
Sobre a lição – ou do ensinar e do aprender na amizade e
na liberdade
FIGURAS DO PORVIR
Agamenon e seu porqueiro
p.150 – expressão “verdade é verdade”. (a força de que quando dizemos que algo é verdade, e o
poder que faz com que aceitamos as coisas porque são ditas verdadeiras. Assim como a
realidade é realidade, a dura realidade, que assume um realismo grandioso por parte da
realidade que precisa ser aceita, mesmo sendo dura, porque ela é porque é.)
p.152 – regras do jogo da verdade, da força e da verdade. Um jogo no qual o poder da verdade
está a serviço da verdade do poder.
Discussão: verdade do poder e o poder da verdade.
p.153 – Filósofo Gianni Vattimo. Sua tese: interpretação da sociedade – uma sociedade da
comunicação generalizada, ou, mais concretamente, na medida em que ela pode ser definida
como uma sociedade na qual os aparatos de comunicação de massa são determinantes para a
produção, reprodução e dissolução do que chamamos de realidade.
Talvez, no nosso tempo, como em todos os tempos, a tarefa consista em educar um ser que não
se deixe enganar.
p.154 – Adorno (autor), considera a indústria cultural como um gigantesco aparto de
homogeneização e padronização das consciências e das visões de mundo, através da produção
de uma realidade única.
Para Nietzsche, o mundo verdadeiro converteu-se em fábula. A realidade que conhecemos é o
resultado do entrecruzar-se, do contaminar-se das múltiplas imagens, interpretações e
reconstruções que competem entre si ou que, de qualquer maneira, sem coordenação central
alguma, são distribuídas pela mídia.
Vattimo fala sobre o efeito-realidade, dos meio de comunicação que afirma a pluralização da
realidade e, como correlato, a erosão do princípio da realidade, isto é, a dissolução da realidade
como princípio.
p.155 a realidade e a verdade não é dita por apenas uma pessoa, mas hoje tem uma característica
plural, onde as minorias tem o direito de opinar e de dizer o que é verdade e realidade (no caso
de Agamenon e seu porqueiro). O mundo virou fábula.
Multiplicidade de interpretações.
Multiplicam-se as formas do engano e da falsificação, permitem-se formas inéditas de
manipulação, favorecem-se a trivialização e o vazio de sentido, apresentam-se novos perigos,
mas, ao mesmo tempo, temos a possibilidade de nos libertarmos da tirania do principio de
realidade e da ditadura do mundo verdadeiro.
p.156 – “Para a hermenêutica entendida ontologicamente, a linguagem não é apenas um sistema
convencional de signos para a representação da realidade ou para a expressão da subjetividade,
mas constitui o modo primário e original de experimentar o mundo”
é um lugar de aparição do ser, portando, o lugar da verdade.
É nesse contexto no qual se podem situar as afirmações nietzschianas sobre a verdade como a
ficção que se impõe como verdadeira ou sobre a realidade como a interpretação dominante. E é
a partir dessas posições que se pode falar, por exemplo, de jogos de verdade, de poética da
verdade, de política da verdade, de história da verdade, de história do realismo, de história da
realidade, etc.
p.157 – a realidade se dissolve em interpretações.
p. 161 “– A práxis, por exemplo, consiste para nós em transformar a realidade. Mas para
transformar a realidade é necessário primeiro crer nela, é necessário conhecer primeiro a
realidade e é necessário adaptar-se, depois, de forma realidade, a seus imperativos. O principio
de realidade funciona, então, como um potente princípio de controle da práxis.”
p.162 – “E, certamente, vocês terão também ouvido falar dessa coisa de que ‘é necessário
sermos realistas’, isto é, ‘é necessário que ajamos como mandam os que têm a realidade
em seus punhos’. A palavra ‘realista’ é uma palavra que tem hoje raro prestígio e um
funcionamento bastante perverso. É curioso que a palavra ‘realista’ se oponha hoje a
outra palavra que antes tinha prestígio, a palavra ‘idealistas’, como se nós tivéssemos
aprendido a confiar no realista, o que sabe fazer as coisas, o homem prático e eficaz, o
homem modesto em suas aspirações mas preciso em suas ações, o homem que sabe ‘do que
se trata a realidade’ e que age adaptando-se a ela. Por outro lado, a palavra ‘realista’ se
opõe também a ‘livresco’, como Sancho Pança se opõe a Dom Quixote, como o homem que
‘vive na realidade’ se opõe ao que vive nos livros e, portanto, em uma realidade falsa, em
uma ‘realidade teórica’. E, por último, o homem realista é também o homem objetivo,
como e a palavra ‘realista’, opondo-se à palavra ‘subjetivo’, indicasse as qualidades do
homem comum, do homem que renunciou à sua singularidade para constituir-se como
objetivo, isto é como um qualquer. E Deus me livre de defender aqui os idealistas, os
teóricos ou quaisquer outros. Do que se trata aqui, parece-me, é de denunciar o realista
como o que representa as coisas tais, como são na realidade, o que representa a própria
realidade, como se fosse a realidade mesma que falasse por sua boca.”
“(...) para combater a realidade do poder é necessário colocar em dúvida o poder da realidade.”
p.163 – como educadores, movemo-nos constantemente nesta tensão entre a produção e a
imposição de uma verdade única e o surgimento de múltiplas verdades. Nas escolas, às vezes,
oferecemos como realidade as interpretações dominantes. Nós mesmos falamos em nome da
verdade ou em nome da realidade e enunciados imperativos como “a verdade é a verdade’ ou “a
realidade é a realidade.”
“os aparatos educacionais e culturais nos quais trabalhamos são também, juntamente com os
meios de comunicação de massa, lugares de produção, de reprodução, de crítica e de dissolução
disse que chamamos verdade e disso que chamamos de realidade.”
p.164 “depende de que pensemos que nos submetemos ao poder da realidade quando nos
inclinamos diante da realidade do poder, quando acreditamos que ela é a única realidade e a
realidade de real.”
Suspeitar da suposta verdade dita verdadeira...Questionar e duvidar a realidade..
Talvez a realidade não é outra coisa que o assunto da discussão; ou o que está em questão; p.165
– ou que a realidade é um problema, precisa ser problematizado. E desse ponto de vista a
verdade não é já a verdade, mas um dos modos possíveis de determinar o assunto, de encarar a
questão, de dar conta do problema.
p.165 “E se a realidade não é a realidade, mas a questão; se a verdade não é a verdade, mas o
problema; se perdemos já o sentido da realidade e se, como o porqueiro, desconfiamos da
verdade, teremos, talvez, que aprender a viver de outro modo, a ensinar de outro modo.
PRONUNCIAR PALAVRAS HUMANAS E NÃO AUTORITÁRIAS. ” Palavras humanas que
são inseguras, que não se solidifiquem na verdade. Redescobrir o segredo de uma prática
pedagógica humana, fragil e atenta.
ELOGIO DO RISO – OU DE COMO O PENSAMENTO POE
PARA DANÇAR, UM CHAPÉU DE GUIZOS.
Reflexão inicial: sobre a capa e a roupa: o professor, tem sua identidade definida, sabe como se
impor, como falar e como vestir. Existe um estereótipo de professor. Ou seja, a figura do
professor e seu modo de falar tem de estar próximas. Pensando assim, um professor não pode se
vestir como um aluno.
p.169 – um riso sério. Um riso e uma seriedade que possuem relações. Ou melhor, desse riso
que faz dialogar o sério.
p.171 – o autor fala do riso porque o riso está proibido, ou pelo menos bastante ignorado, no
campo pedagógico. Na pedagogia se ri pouco por dois motivos: moralizamos demasiadamente:
o discurso moral tem um tom grave, sério, petético. O segundo motivo é que no campo
pedagógico está envolvido por otimismo, e o riso sempre está associado a certa tristeza.
Precisamos estabelecer uma distancia irônica sobre nos mesmos.
Os livros não falam de riso, nem fazem rir. Não se ri nas instituições. Rir não é rir das piadas do
professor, programadas, nem nos intervalos, mas o riso do não risível. Do riso daquilo que é
sério, irônico, malvado.
p.172 – a intenção do livro é pensamos o que aconteceria se tivesse o riso na escola e nos livros
de pedagogia.
Até p.175 – o autor, traz a ironia, como o riso que é auto-ironia. É olharmos para nos mesmos, e
invés de desprezarmos o que era, fazer relações com o que somos, sermos irônicos e
percebemos que no fim da formação somos piores do que éramos, ou valorizarmos como
éramos antes, isto é ironia. Isso é auto-consciência também.
p.179 – quando entra o riso, o diálogo é diferente. Quando aparece o riso, objetiva-se o universo
ideológico, a linguagem, a situação comunicativa, o plano ideológico, lingüístico social em que
o dialogo sério é possível. Se isola e esvazia de sentido o conjunto de convenções que amarram
e imobilizam o dialogo, sua gramática.
p.180 - a distancia que o riso estabelece é agora, entre o sujeito e si mesmo. É, portanto, uma
distância reflexiva em cujo vazio instala-se o poder subversivo do riso. O riso, quando é
entendido como auto-ironia, como um componente irônico da própria consciência, supõe
sempre um olhar cético sobre si mesmo. Funciona como um tipo de corretivo frente a uma
consciência que tende a fixação, a limitação, a sentir-se demasiadamente crente de si mesma.
O ENIGMA DA INFANCIA – OU QUE VAI DO IMPOSSÍVEL
AO VERDADEIRO
p.183 - Existem inúmeras instituições e estudos sobre a criança e a infância.
p.184 – A infância, é algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições já
capturaram: algo que podemos explicar e nomear, algo sobre o qual podemos internvir, algo que
podemos acolher. A infância, desse ponto de vista, não é outra coisa senão o objeto de estudo de
um conjunto de saberes mais ou menos científicos, a coisa apreendida por um conjunto de ações
mais ou menos tecnicamente controladas e eficazes, ou a usuário de um conjunto de instituições
mais ou menos adaptadas às suas necessidades, às suas características e demandas.
Mas existe uma infância que não conhecemos, que nos desperta curiosidade, que nos faz pensar
sobre, que nos faz questionar, que nos dá insegurança. Não sabemos quem são s crianças e o
que pensam.
A infância não é aquilo que sabemos, mas é justamente o que não está presente em nossas
instituições, que permanece ausente, sempre brilhando fora dos limites.
A infância possui um enigma. P.186 Precisamos estar abertos para descobri-la.
Quando uma criança nasce, de forma tão habitual como sempre, nós nos projetamos nela,
vestimos ela com as nossas cores, com nossas palavras, com os nossos lugares, com tudo que é
nosso. Na verdade o recém nascido é aquilo que colocamos nele. O processo de estar no mundo
é de virar nós, começa a ser um de nós, é introduzida para se transformar em um de nós.
Uma criança, ao mesmo tempo, é um algo novo, que independente de nossas projeções, se
firmará de um jeito. Ela dissolve a solidez do nosso mundo e suspenda a certeza que nós temos
de nós próprios. É um instante de absoluta descontinuidade, da possibilidade enigmática de que
algo que não sabemos e que não nos pertence inaugure um novo inicio. (p 187)
p.188 – a educação é o modo como as pessoas, as instituições respondem à chegada daqueles
que nascem. A educação é a forma com que o mundo recebe os que nascem. Responder é abrir-
se à interpelação de uma chamada e aceitar uma responsabilidade. Receber é criar um lugar:
abrir um espaço em que aquele que vem possa habitar; por-se à disposição daquele que vem, em
pretender reduzi-lo á lógica que impera em nossa casa.
Considerar o nascimento como se fosse o ponto inicial de um desenvolvimento previsto ou, de
outra perspectiva, como se fosse o aparecimento de uma matéria prima que vamos tomar como
ponto de partida para influir na história, com vistas a uma nova ordem social sobre a qual nós
tenhamos planejado suas ordens diretivas, não é receber os que nascem em sua alteridade mas
simplesmente tomá-los como uma expressão de nós mesmos: do que nós somos ou do que nós
quiséssemos ser.
p.189 O nascimento não é algo totalmente normal. É o aparecimento de algo radical.
Assim como foi o nascimento de Jesus, que, através dele marcou a mudança na geração,
ou seja, cada nascimento pode se resultar em uma grande mudança. A infância, para
Hannah Arendt, é entendida como o que nasce é a salvaguarda da renovação do mundo e
da descontinuidade de um tempo.
O mundo está sempre aberto a um novo começo, através dos nascimentos, para que
através destes, o mundo se renove, receba, a vinda de algo novo, que para responder, deve
ser colocado em questão.
p.190 – totalitarismo – o terror totalitário – a necessidade do terror nasce do medo de que, como
nascimento de cada ser humano, um novo começo se eleve e faça ouvir sua voz, no mundo.
(Hannah Arendt). Daí, fica a historia de Herodes, tentando matar todas crianças para controlar a
situação, e eliminar o que pode vir ameaçá-lo.
No sistema totalitário, se repugna as incertezas.
Devíamos nos perguntar, então, até que ponto toda educação, entendida como a realização de
um projeto, reduz a novidade da infância no sentido em que a reconduz às condições existentes
e a faz dedutível daquilo que já existia.
p.191 Totalitarismo – nazismo e stalinismo.
Previsão do futuro, para não fugir das mãos de quem controla.
E ambas pretensões, igualmente totalitárias, exigem também a destruição da novidade da
infância, porque a ambas repugna a idéia de um provir virgem, incerto e desconhecido.
Mas as crianças são também sacrificadas a esse ídolo ávido de sangue infantil, cujos nos são
Progresso, Desenvolvimento, Futuro ou competitividade.
p.193 – parece indiscutível que a ação pedagógica consiste num “fazer” o real a partir do
possível. A ação pedagógica depende de como nossos saberes determinam o possível e de como
nossas práticas produzem o real. A assim a educação não seria outra coisa senão a realização do
possível. A educação moderna é a tarefa do homem que faz, que projeta, que intervém, que
toma a iniciativa, que encontra seu destino na fabricação de um produto, na realização de uma
obra.
p.195 - Se o possível é determinado pelo cálculo de nosso saber e pela eficácia de nosso poder,
o impossível é aquilo frente ao qual desfalece todo saber e todo poder. Somente nos despojando
de todo saber e de todo poder nos abrimos ao impossível. O impossível é o outro de nosso saber
e de nosso poder, aquilo que não se pode determinar como resultado de um cálculo e aquilo que
não se pode definir como um ponto de ancoragem de uma ação técnica. O impossível, portanto,
é aquilo que exige uma relação constituída segundo uma medida diferente à do saber e à do
poder.
Dizer que aquele que nasce tem, como ponto de partida, o impossível significa, então, que o
nascimento constitui a possibilidade de tudo o que escapa ao possível, ou, dito de outra maneira,
do que não está determinado pelo que sabemos ou podemos.
“No nosso mundo configurado pela razão tecno-científica, converteu-se em dominante um
modelo positivo de verdade entendida como adequação ou correspondência entre as
proposições e os fatos. A verdade positiva não é outra coisa senão o modo como nossos
saberes determinam o que são as cosias que eles converteram em seu objeto de
conhecimento. Desse ponto de vista, a verdade da infância é o modo de como nossos
saberes a dizem e, portanto, a própria infância fica reduzida aquilo que nossos saberes
podem objetivar e abarcar e aquilo que nossas práticas podem submeter, dominar,
produzir. A verdade positiva mostra assim sua dependência em relação a esse processo de
fabricação que consiste em passar do possível ao real, mediante a intervenção calculada
em um processo.”
IMAGENS DO ESTUDAR – E DUAS HISTÓRIAS
JASSÍDICAS SOBRE A TRANSFORMAÇÃO E A
RENOVAÇÃO
Ponto importante: todo livro para ser lido precisa ser queimado. Por que queimado?
Porque precisa de um espaço para pensarmos. Um livro bom é aquele que tem espaço
para que podemos pensar, por isso precisamos “queima-lo” e sua fumaça e o vazio que
se dará, nos permitirá estudá-lo. Assim, como todo texto precisa de um silêncio.
Obs: este trecho vem antes do último capítulo.