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O Povo e Tudo Clara Nunes (Silvia Brugger)

Clara Nunes construiu sua carreira entre 1960-1980 cantando diversos gêneros musicais brasileiros e buscando se identificar com a cultura popular brasileira. Sua carreira foi direcionada por Adelzon Alves a partir de 1970 para que cantasse diferentes ritmos como samba, frevo e forró e se apresentasse como ligada às raízes culturais do Brasil.

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O Povo e Tudo Clara Nunes (Silvia Brugger)

Clara Nunes construiu sua carreira entre 1960-1980 cantando diversos gêneros musicais brasileiros e buscando se identificar com a cultura popular brasileira. Sua carreira foi direcionada por Adelzon Alves a partir de 1970 para que cantasse diferentes ritmos como samba, frevo e forró e se apresentasse como ligada às raízes culturais do Brasil.

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uma análise da carreira e da obra

da cantora Clara Nunes


“O povo é tudo!”:

Clara Nunes (detalhe).

Silvia Maria Jardim Brügger


Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com pós-
doutorado na mesma instituição. Professora do Departamento de História da Uni-
versidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Co-organizadora do livro O canto
mestiço de Clara Nunes. São João del Rei: UFSJ, 2008. [email protected]
* Esse artigo é resultado do “O povo é tudo!”: uma análise da carreira e
projeto de pesquisa “O canto
do Brasil mestiço: Clara Nu- da obra da cantora Clara Nunes*
nes e o popular na cultura bra- Silvia Maria Jardim Brügger
sileira”, financiado pela FA-
PEMIG.
1
Clara Nunes nasceu em Ce-
dro, distrito de Paraopeba,
que, hoje, é a cidade de Caeta-
nópolis.
2
Apesar de todos os movi-
mentos que vinham modifi-
cando o cenário da música
brasileira, desde o aparecimen- RESUMO ABSTRACT
to da Bossa Nova no final dos
Clara Nunes, mineira de Paraopeba, Clara Nunes, from Paraopeba, Minas Ge-
anos 50, em entrevista para
essa pesquisa, Alaíde Araú- construiu sua carreira, entre as déca- rais, built her career between the 60’s and
jo, divulgadora da Odeon, ex- das de 1960 e 1980, em um contexto 80’s, in a context marked by the brazilian
plica que Altemar Dutra, tam-
bém integrante do cast da gra- marcado, no Brasil, pelo regime mili- military regimen, by the affirmation of the
vadora, estava no auge, daí a tar, pela afirmação da indústria cultu- cultural industry, by the growth of the
intenção de projetar a carreira
ral, pelo crescimento do movimento black movement and by the eclosion/
de Clara nessa linha. Cf. En-
trevista concedida por Alaíde negro e, na música, pela eclosão e/ou expansion of many kind of music, as the
Araújo a Josemir Teixeira e expansão de diversos gêneros/movi- “bossa nova”, the “iê-iê-iê”, the engaged
Silvia Brügger, no Rio de Ja-
neiro, em 06/05/2007. mentos, como a bossa-nova, o iê-iê-iê, music and the “tropicalismo”. In this
3
Segundo depoimento de Cla- a música engajada e o tropicalismo. article, I analyze how she built her pathway
ra Nunes dado por volta de Neste artigo, procuro analisar como a in a look for identification with the brazilian
1973/74 e exibido no especial
“Clara Guerreira”, exibido na
cantora construiu uma trajetória que popular culture, what affected the direction
TV Globo após a sua morte, pretendia uma identificação com a cul- of her career, after 1970, and the process of
em 1983, ela conheceu Ataul- tura popular brasileira, o que passou reappropriation of her own familiar
pho através de um ex-secre-
tário dele, Jorge Santos, e as- pelo direcionamento de sua carreira, a tradition. I show how this notably political
sim se tornaram grandes ami- partir de 1971, e por um processo de propose acquire a sense of religious
go. Ataulpho, então, sempre
lhe dizia: “Clarinha, canta
reapropriação de sua própria tradição mission.
samba! Você tem que cantar familiar. Mostro como essa proposta
música brasileira. Você tem essencialmente política assumiu em
uma voz tão boa!”. Depois
disso, ele a acompanhou em Clara um sentido de missão religiosa.
uma conversar com Milton PALAVRAS - CHAVE: Clara Nunes; cultu- KEYWORDS : Clara Nunes; brazilian popu-
Miranda, diretor artístico da
Gravadora Odeon e diretor de
ra popular brasileira; música popular. lar culture; popular music.
produção dos discos de Cla-
ra. A gravação de “Você pas-
sa, eu acho graça” decorreria,
então, dessa intervenção do
próprio Ataulpho. Outra refe-

rência à interferência de Ataul-
pho aparece na letra da músi-
ca “Mineira”, composta por
Paulo César Pinheiro e João Clara Nunes, mineira de Paraopeba1, construiu sua carreira, entre
Nogueira, em homenagem a as décadas de 1960 e 1980, em um contexto marcado, no Brasil, pelo
Clara, no verso em que o eu
poético diz para a homenage- regime militar, pela afirmação da indústria cultural, pelo crescimento do
ada: “Canta o samba verda- movimento negro e, na música, pela eclosão e/ou expansão de diversos
deiro / Faz o que mandou mi-
neiro / Oh! Mineira!”. Nunca
gêneros/movimentos, como a bossa-nova, o iê-iê-iê, a música engajada e
é demais lembrar que o tropicalismo. Em 1960, Clara ganhou a fase mineira do concurso “A
Ataulpho era mineiro, de Voz de Ouro ABC” e classificou-se em terceiro lugar no certame nacio-
Miraí. A letra dessa música,
gravada por João Nogueira, nal. Com isso, assinou contrato com a Rádio Inconfidência de Belo Hori-
faz parte do encarte do Lp de zonte e conquistou espaço na noite e na mídia da capital mineira, che-
Clara Nunes “Canto das Três
Raças”, de 1976. Por outro
gando a ter, em 1963, um programa próprio na TV Itacolomi.
lado, segundo a divulgadora Em 1965, tendo assinado contrato com a gravadora Odeon, mu-
da Odeon, Alaíde Araújo ela dou-se para o Rio de Janeiro e gravou o seu primeiro LP, “A Voz Adorá-
e seu marido, que era radia-
lista, freqüentavam ambientes vel de Clara Nunes”, lançado em 1966. Neste disco, interpreta, princi-

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palmente, boleros, seguindo a intenção da gravadora Odeon de de samba e Clara esteve com

Artigos
eles em rodas, ensaios de es-
transformá-la em um “Altemar Dutra de saias”2. Em seu segundo LP, de colas, como a Mangueira,
1968, passa a gravar sambas, a partir de sugestão de Ataulpho Alves3, e além de ouvir o gênero em sua
casa. A partir daí, Alaíde te-
emplaca seu primeiro sucesso com a música “Você passa, eu acho gra- ria percebido que Clara se
ça”, que dá título ao disco. No entanto, ainda assim, sua carreira não adequaria muito mais a esse
atinge maior projeção. Ela iria deslanchar de fato a partir de 1970, quan- estilo musical, passando a in-
terceder dentro da Gravadora
do a gravadora convida para produzi-la o radialista Adelzon Alves. pela mudança de seu reper-
Apresentador de um programa na Rádio Globo, “O Amigo da Madru- tório. Cf. Entrevista concedi-
da por Alaíde Araújo a
gada”, dedicado, principalmente, ao samba, ele condiciona a aceitação Josemir Teixeira e Silvia
do convite à total liberdade para dirigir a carreira de Clara. Daí em dian- Brügger, no Rio de Janeiro, em
te, passa a conferir um direcionamento, uma linha de atuação para a 06/05/2007.

cantora. Não bastava, para ele, que ela gravasse sambas4. Era preciso
4
O que, diga-se de passagem,
Clara já fazia desde, pelo
que construísse uma imagem de cantora ligada às raízes da cultura bra- menos, o carnaval de 1967,
sileira. Assim, não apenas ela passa a gravar diferentes gêneros da tradi- quando fez sucesso com a
marcha “Carnaval na Onda”,
ção musical brasileira, como sambas, frevos, forrós e jongos, mas sua de José Messias e com o sam-
forma de interpretar as músicas vai se modificando, deixando de lado ba “Porta Aberta”, de Jair
impostações e vibratos presentes em suas primeiras gravações. Os arran- Amorim e Benedito Reis. Cf. ,
entre outras matérias jornalís-
jos também sofrem alterações, incorporando progressivamente os ins- ticas, “Vida de Clara Nunes é
trumentos de percussão típicos dos ritmos populares. Adelzon produz um Carnaval”. Revista Inter-
valo, no. 204, 1966, p. 48; “Cla-
seus LPs de 1971, 1972, 1973 e 1974, deixando de fazê-lo por ocasião do ra Nunes: Chega de Marme-
rompimento do relacionamento afetivo que também os unia. Clara se lada”. Revista Intervalo, no.
casa, em 1975, com o poeta e compositor Paulo César Pinheiro, que pas- 256, 1968.
5
O Lp “Claridade”, de 1975,
sa, a partir de 19765, a produzir seus discos. A marca fundamental de que quebrou a marca de 500
sua carreira estava construída: a relação com os gêneros populares e a mil cópias vendidas foi pro-
busca de ser uma “cantora popular brasileira”. duzido pelo violonista Hélio
Delmiro, que trabalhava com
O objetivo deste artigo é o de procurar entender como se deu a Clara e Adelzon nos discos
construção desta carreira vinculada ao popular. Clara afirmava que não anteriores.
queria ser reconhecida como uma sambista, mas sim como uma “canto- 6
Mesmo antes da gravação de
seu primeiro LP, sob a pro-
ra popular brasileira”6. Por isso, cabe perguntar: o que ela entendia por dução de Adelzon Alves, Cla-
popular? Como este popular aparece em sua obra? São estas questões ra já afirmava que não queria
ser rotulada de sambista. Em
que procurarei abordar neste texto.
suas palavras: “Eu não tenho
nada contra o samba, pelo
Clara Nunes e a cultura popular contrário, gosto muito. Mas
detesto ser rotulada e é preci-
so que entendam que sou ca-
Adelzon Alves, em entrevista concedida para esta pesquisa, afir- paz de cantar tudo, do soul
ao baião.” Cf. “Após dez anos
ma que sua intenção ao planejar a produção da carreira de Clara foi a
de luta e muito sucesso na vi-
de construir uma “imagem audio-visual afro-brasileira”, que, segundo da, surge uma nova Clara Nu-
ele, nenhuma cantora havia assumido depois de Carmem Miranda7. A nes”. Reportagem de Léa Pen-
teado. Revista Amiga, 8/12/
vinculação com a cultura popular brasileira é explicitada também no 1970. Essa idéia reaparece em
encarte do primeiro disco de Clara produzido por ele, em 1971: outras matérias jornalísticas,
entre elas, “Clara Nunes: -
Não sou uma sambista. Can-
(...) Clara Nunes toma uma posição bem definida dentro das raízes da cultura popu- to músicas brasileiras de to-
lar brasileira. dos os gêneros”. Jornal Cinco
de Março, Goiânia, 07 a 13/
Neste LP o Sabiá num “brinca em serviço”. Dá seu recado com músicas, sons e os 08/1972. Entrevista concedi-
refrões do candomblé e da “Puxada de Rede do Xaréu”, estes últimos ligados à vida da a Anatole Ramos.
econômica, religiosa e artística da Bahia (folclore), que fazem parte da nova imagem 7
Entrevista concedida por
Adelzon Alves a Josemir Tei-
que a cantora vem mostrando ao público nos seus shows, apresentações de televisão xeira e Silvia Brügger, na Rá-
etc. Essa imagem é o aproveitamento das formas, cores, sons, ritmos etc. e tal da dio MEC-RJ, em 16/04/2004.
cultura popular brasileira.8 8
Texto de Adelzon Alves,
publicado no encarte do LP
“Clara Nunes”, de 1971, lan-
A busca de aproximação com o universo popular fica explicita in- çado pela gravadora Odeon.

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008 193


9
Esta música antes de ser gra- clusive na linguagem coloquial e cheia de oralidade utilizada no texto. A
vada no LP “Clara Nunes”,
de 1971, foi gravada, no mes- primeira música de trabalho de Clara, nesta nova fase, foi “Misticismo
mo ano, em um compacto da África ao Brasil”, composição de Mário Pereira, Vilmar Costa e João
simples (Odeon – 7B-488),
tendo do outro lado a música
Galvão, samba-enredo da Escola de Samba Império da Tijuca9. A letra
“Festa para um Rei Negro”, da música compõe a busca de uma filiação com o universo afro-brasi-
de Zuzuca. leiro:
10
“Misticismo da África ao
Brasil” (BREMI0301245), Má-
rio Pereira, Vilmar Costa e
Eu venho de Angola
João Galvão, gravada no LP Sou rei da magia
“Clara Nunes”, gravadora Minha terra é muito longe
Odeon, 1971.
Meu gongá é na Bahia
Agô ô ô ô...

Lua alta som constante


Ressoam os atabaques
Lembrando a África distante
E o rufar dos tambores
Lá no alto da serra
Personificando o misticismo
Que aqui se encerra

Saravá pai Oxalá que meu samba inspirou


Saravá todo povo de Angola agô
Agô ô ô ô...

Lá na mata tem mironga


Eu quero ver
Lá na mata tem um coco
Nesse coco tem dendê

Das planícies as cochilhas


O misticismo se alastrou
No torvelhinho de magia
Que preto velho ditou
E o fetiche e o quebranto
Ele nos legou

Eu venho de Angola
Sou rei da magia
Minha terra é muito longe
Meu gongá é na Bahia

Tem areia ô tem areia


Tem areia no fundo do mar tem areia10

A evocação à vinda da África, especificamente, de Angola, a cons-


trução do gongá (altar) na Bahia, a vinculação com a magia e com as
entidades do candomblé e da umbanda, tudo contribui não só para afir-
mar a relação da cultura brasileira com a África, mas a da própria can-
tora com esse universo místico. A forma como ela inicia a música lembra
uma declaração, o primeiro verso é mais declamado do que cantado,

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sendo seguido pelo coro que a introduz propriamente na música, numa

Artigos
estrutura semelhante à responsorial típica do universo musical afro-bra-
sileiro11. No entanto, apesar do ritmo do samba enredo e dos instrumen-
tos percussivos, como o tamborim, o repinique e o agogô, presentes no
arranjo, fica nítida a busca de uma harmonia com violão, contrabaixo e
a presença de naipes de cordas e metais, dando um efeito menos marcante
à força da percussão 12. Por exemplo, a letra evoca os tambores e os
atabaques, mas eles não se fazem presentes no arranjo. Coincidentemente
ou não, no início deste ano de 1971, Clara havia viajado à África, pas-
sando pela África do Sul, Moçambique e Angola, onde juntamente com
Ivon Cury, participou do primeiro concurso de Miss desse país. Nesta
viagem, segundo afirmou, em uma matéria publicada na Revista Ro- 11
O responsório caracteriza-
mântica, assistiu danças populares de Angola, em uma quadra seme- se pelo diálogo e, muitas ve-
zes, o desafio entre os canta-
lhante à da Escola de Samba Mangueira. Além disso, declarou ter trazi- dores. Não é o que se observa
do de lá não só souvenirs, mas roupas, colares e peças de artesanato13. na gravação de Clara. Mas ela
inicia o samba-enredo com
Iniciava, portanto, o seu conhecimento daquela cultura, bem como a uma introdução declamada,
perceber sua relação com o universo popular brasileiro, que passaria a parecendo dialogar com o
entoar em suas gravações e performances. coro que a chama para a mú-
sica. A estrutura responsorial
A música de sucesso desse LP é “Ê Baiana”, composição de Fabrí- está presente, por exemplo, no
cio da Silva, Baianinho, Ênio dos Santos Ribeiro e Miguel Pancrácio, que jongo e no partido-alto. Segun-
do Robert Farris Thompson,
consolida a imagem de Clara Nunes ligada ao universo afro-brasileiro, “o canto responsório imbrica-
em especial, à Bahia, que parece sintetizar aquela cultura e aproximar a do [overlapping] fornece a es-
imagem de Clara a de Carmem, com suas roupas de baiana, seus tur- trutura formal das canções
centro-africanas”. THOMP-
bantes e seus balangandãs. Aliás, neste disco, são três as músicas com SON, Robert Farris. Tango: the
referência explícita a Bahia: além das duas já citadas, Aruandê... art history of love. New York:
Pantheon Books, 2005 Apud
aruandá14. Alessander Kerber, analisando as representações da identi- SLENES, Robert W. “Eu ve-
dade nacional e de identidades regionais em Carmem Miranda, apre- nho de muito longe, eu venho
senta a construção da imagem da baiana como uma alternativa à figura cavando”: Jongueiros Cumba
na Senzala Centro-Africana”
do malandro carioca, enquanto símbolo da nacionalidade. Segundo o In: LARA, Silvia H. e PACHE-
autor, a baiana representaria uma síntese do Brasil associada ao elogio CO, Gustavo (org.). Memórias
do Jongo: as gravações histó-
da miscigenação. Além disso, lembra que “foi em terras do atual estado ricas de Stanley Stein. Vas-
da Bahia que chegaram os primeiros portugueses ao Brasil. A Bahia já souras, 1949 (no prelo).
fazia parte do imaginário de amplos segmentos da população brasileira 12
A análise dos parâmetros
dos anos 30 como local da origem do Brasil, o mito fundador da nacio- musicais foi feita pelo músi-
co Edimar Ubirajara da Silva.
nalidade”15. Por fim, destaca que Salvador foi capital do Brasil durante a
maior parte do período colonial e, assim, enquanto o Rio de Janeiro re-
13
MARTIN, Paulo. “Clara
Nunes acha que apanhando é
presentaria o Brasil moderno, a Bahia seria associada ao passado históri- que se aprende”. Revista Ro-
co brasileiro16. mântica, no. 125.
Clara Nunes evoca esses elementos presentes em Carmem Miranda, 14
“Auandê... aruandá” (BRE-
MI0301242), Zé da Bahia, gra-
inclusive vestindo-se como baiana, mas parece revesti-la com uma busca
vada no LP “Clara Nunes”,
de autenticidade. A baiana de Carmem foi construída como uma gravadora Odeon, 1971.
estilização, a partir de seu gosto pessoal e das orientações passadas por Além disso, as duas faixas da
“Puxada de Rede do Xaréu”
Dorival Caymmi. Kerber entende que Carmem “abrasileirou” a imagem referem-se a um canto de tra-
da baiana. Para ele, balho de pescadores baianos.
15
KERBER, Alessander. Car-
Com uma natureza tão punjantemente colorida, não se deveria representar o Brasil mem Miranda entre represen-
tações da identidade nacional
com vestes brancas, como as baianas originais faziam. O colorido, associado às nos- e de identidades regionais.
sas belezas naturais, ao carnaval e a todas as nuances da diversidade étnica da nação, ArtCultura, v. 7, n. 10, Uberlân-
dia, jan.-jun., 2005, p. 130.
representava muito melhor o Brasil do que o branco. (...) O mesmo ocorre com as duas
cestinhas de frutas que Carmem colocou na cabeça, também associadas às riquezas
16
idem, ibidem.

naturais do Brasil.17 17
Idem, ibidem, p. 132.

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18
COSTA, Neyde. A Nova Já a baiana de Clara, embora evoque a inspiração de Carmem,
Imagem de Clara Nunes. Re-
vista Destino, nº Extra, 1971. aproxima-se das “baianas originais”, ao manter o branco como sua cor.
19
O Tom Novo de Clara Nu-
Aliás, Clara passa a partir dessa época a privilegiar, de forma quase
nes. Jornal do Brasil, 11/07/ exclusiva, o branco em suas indumentárias. Essa escolha está ligada à
1971. experiência religiosa da cantora, mas pode ser associada também à bus-
20
Acervo em fase de organi- ca de uma autenticidade da cultura popular brasileira. Essa postura que,
zação, pertencente ao Institu-
to Clara Nunes, localizado na
a partir de 1970, marca a sua carreira, desdobra-se em uma atividade de
cidade mineira de Caetanó- pesquisa do popular, entendido também como folclórico.
polis.
21
Toninho Nascimento, junta- Clara folclorista
mente com seu parceiro Ro-
mildo, compôs o principal su-
cesso de Clara Nunes, a mú- É interessante notar como, a partir dessa época, o termo pesquisa
sica “Conto de Areia”, grava- passa a estar presente em matérias jornalísticas sobre Clara. Isto se deve
da no LP “Alvorecer”, de
1974, que, aliás, apresenta, na exatamente a um trabalho de investigação de ritmos e músicas típicos da
capa, uma foto de Clara Nu- cultura popular, feito por ela e por seu produtor Adelzon Alves, visando
nes, vestida de baiana, duran-
te show realizado no MIDEM,
à gravação ou à busca de elementos para a escolha de músicas inspira-
em Paris. Ambos compuse- das nestas manifestações ou ainda para a montagem de espetáculos a
ram diversas músicas grava- partir deste universo.
das pela cantora, a ponto de
serem considerados “compo-
sitores de Clara”. Clara passou a estudar profundamente. Recorreu aos livros de autores brasileiros.
22
Entrevista concedida por Pesquisou o nosso folclore. Aproximou-se das pessoas ligadas ao samba. Visitou a
Toninho Nascimento a Jose-
Bahia. Conheceu o candomblé e todas as novidades da Cidade do Senhor do Bonfim.
mir Teixeira e Silvia Brügger,
no Rio de Janeiro, em 16/05/ Aprendeu muito. (...)
2007. Clara hoje se apresenta toda vestida de branco, lembrando as senhoras do candomblé.
No pescoço, mil colares típicos.18

Segundo o produtor Adelzon Alves que orientou essa nova fase da


carreira de Clara,

– Clara Nunes quer deixar bem claro que tem a intenção de se fixar na imagem de
cantora brasileira. É também intenção de Clara acentuar a posição de pesquisa de
coisas brasileiras. Gravar Sabiá, de Zé Dantas, é importantíssimo, pois foi ele quem
desencadeou toda a evolução de Luiz Gonzaga. Para provar como este disco foi traba-
lhado, pesquisamos exaustivamente os cantos de trabalhos e descobrimos a beleza nos
cantos usados na pesca do xaréu na Bahia. No disco, são duas faixinhas de alguns
segundos apenas. É quase um ponto de ligação. A Odeon sugeriu que, pela beleza,
essas faixas poderiam ser ampliadas. Mostramos que sua beleza estava justamente na
inserção pura e simples entre as faixas maiores19.

No acervo pessoal da cantora20, há, por exemplo, uma fita cassete,


na qual ela e Adelzon registraram, em Caetanópolis, cantos e declama-
ções das pastorinhas, visando utilizá-los como fonte para um espetácu-
lo, que, no entanto, não chegou a ocorrer. O importante é, porém, a
atitude de busca por estas tradições, num espírito que a aproximava dos
folcloristas.
Aliás, essa atitude de pesquisa influenciava inclusive os que com-
punham para Clara. Toninho Nascimento21 afirma que “tinha um livro
(...) ‘Folclore de Januária’ e eu, quando eu ia fazer músicas para Clara,
normalmente, eu, ia procurar temas ali.”22 Nesse livro, Toninho, segun-
do seu depoimento, teria encontrado, por exemplo, o seguinte ponto de
Congado: “Que santo é aquele que vem no andor/ É São Benedito enfei-

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tado de flor”, presente na música “Congada”23. Consultando o livro, de

Artigos
autoria do folclorista Joaquim Ribeiro24, não localizei esta referência,
embora aborde, entre outros, o tema dos reisados. Provavelmente o com-
positor confundiu o livro com outro semelhante, que também utilizasse
em suas pesquisas para composição de músicas. Vale destacar, porém,
que este ponto continua a estar presente em festas de Nossa Senhora do
Rosário, no interior das Gerais, como tive oportunidade de constatar
pessoalmente na realizada no Bairro de São Geraldo, na cidade de São
João del Rei, no ano de 2004. Importa, porém, para o argumento que
venho desenvolvendo o fato dessa pesquisa sobre a cultura popular bra-
sileira ter envolvido não só a cantora e seu produtor, mas também aque-
les que compunham para ela e sabiam dos objetivos de seu trabalho.
Nos quatro LPs de Clara produzidos por Adelzon Alves, encon-
tram-se as seguintes músicas inspiradas nas ou que retratam tradições
populares, como: “Puxada da rede do xaréu (1ª. e 2ª. partes)”,
“Aruandê... aruandá”, “Ilu ayê (Terra da Vida)”, “Tributo aos Orixás”,
“Vendedor de Caranguejo”, “Homenagem a Olinda, Recife e Pai Edu”,
“Sindorere”, “O que é que a baiana tem”, “Nanaê, Nana Naiana” e
“Conto de Areia”. Depois de 1974: “A deusa dos orixás”, “Canto das
três raças”, “Fuzuê”, “Sagarana”, “Senhora das Candeias”, “Guerrei-
ra”, “Candongueiro”, “Jogo de Angola”, “Banho de Manjericão”, “Fei-
ra de Mangaio”, “Viola de Penedo”, “Brasil mestiço, santuário da fé”,
“Congada”, “Coroa de areia”, “Nação”, “Menino Velho”, “Ijexá”,
“Afoxé pra Logun”, “Mãe-África”.
Feita esta constatação da construção de uma carreira identificada
com a cultura popular e com o universo afro, cabe perguntar por que
este foi o caminho escolhido. Adelzon Alves, ao afirmar a construção de
uma carreira ligada ao samba de morro carioca, indica que se trata de
um direcionamento ideológico. Em suas palavras,

Bom, então esse grupo [sambistas de morro carioca] nunca tinha tido uma grande
cantora voltada para ele, para o trabalho desse grupo. Os sambas-enredo aconteciam,
Elizeth chegou a gravar Cartola, gravou Candeia, Elza chegou a gravar, Elza Soa-
res. Mas não era uma coisa ideologicamente dirigida no sentido de trazer a obra desse
núcleo, exclusivamente, entendeu? Trazer a obra desse grupo. Esse grupo, eu estou
dizendo a vocês, era meio mantido à parte, embora já fizesse, cantando, o maior
desfile audiovisual do mundo, embora alguns artistas esporadicamente os gravas-
sem. Mas alguém gravá-los sistematicamente...
23
Congada. Composição de
Romildo e Toninho, gravada
(...) O trabalho que eu fazia na rádio era dirigido nesse sentido porque eu fui, filoso- por Clara Nunes no disco Cla-
ficamente, socialista e com a visão artístico-cultural voltada para o cara que tem ra Nunes, de 1981.
valor, não é porque ele é negro, pequeno e marginalizado. É porque tem valor. O 24
RIBEIRO, Joaquim. Folclore
de Januária.RJ: Campanha de
problema é isso: é não reconhecerem o valor dele porque ele não faz parte do núcleo
Defesa do Folclore Brasileiro,
social e econômico que o cara pertence. E, nesse núcleo, já era a música do maior Ministério de Educação e Cul-
espetáculo audiovisual do mundo, como é que ela não tinha espaço no rádio? Poucas tura, 1970.

vezes, relativamente, em disco.25 25


Entrevista concedida por
Adelzon Alves a Josemir Tei-
xeira e Silvia Brügger, na Rá-
Nesta fala, Adelzon indica o fundamento de sua escolha: sua for- dio MEC-RJ, em 16/04/2004.
mação socialista. Ora, segundo Marcelo Ridenti, “nos anos 60 e início 26
RIDENTI, Marcelo. Em bus-
dos 70, nos meios artísticos e intelectualizados de esquerda, era central o ca do povo brasileiro: artistas da
revolução, do CPC à era da TV.
problema da identidade nacional e política do povo brasileiro (...)”26. A RJ/SP: Ed. Record, 2000, p.
produção de uma música engajada – com suas diversas matizes - insere- 11.

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008 197


27
NAPOLITANO, Marcos. se neste contexto. Se antes de 1964 havia setores artísticos ligados a uma
“Seguindo a canção”: engaja-
mento político e indústria cultu- “bossa nova nacionalista” e mesmo posturas como as do Manifesto do
ral na MPB (1959-1969). SP: CPC da UNE, de 1962, que insistia no comprometimento dos artistas
Annablume, 2001.
com os segmentos populares, foi a partir do Golpe que, para esses gru-
28
RIDENTI, Marcelo. Em bus- pos, a necessidade da aliança entre esses setores aflorou com mais inten-
ca do povo brasileiro: artistas da
revolução, do CPC à era da TV. sidade. Com o fechamento de espaços de ligação entre os artistas
RJ/SP: Ed. Record, 2000. engajados e o público, como entidades sindicais e estudantis, entre elas,
29
Entrevista concedida por o próprio CPC, foi no mercado de bens culturais que essa comunicação
Adelzon Alves a Josemir Tei- foi buscada. Programas de televisão, peças de teatro e shows se torna-
xeira e Silvia Brügger, na Rá-
dio MEC-RJ, em 16/04/2004. ram locais não apenas de fruição artística, mas de construção de emba-
30
Entrevista concedida por
tes políticos, coincidindo com um período de afirmação de uma verda-
Jadir Ambrósio a Josemir deira indústria cultural no país. Assim, temos, no período, espetáculos
Teixeira e Silvia Brügger, no como Opinião, Arena conta Zumbi, Rosa de Ouro, que, com suas singulari-
Palácio das Artes, Belo Hori-
zonte, em 14/03/2006. Jadir, dades, têm em comum a busca por trazer à tona o “popular”27. É neste
músico e compositor de Belo cenário que Adelzon forma sua consciência socialista e, de certa forma,
Horizonte, foi quem impulsi-
onou o início da carreira de
o que ele projetará como carreira para Clara traz a marca desta perspec-
Clara na capital mineira. tiva dos anos 60, da busca de uma autenticidade do “povo brasileiro”,
Quando a ouviu cantando na capaz de inspirar um Brasil novo, sem as mazelas da sociedade urbana
Quermesse do bairro da Re-
nascença, convidou-a para capitalista28.
participar de programas de Pode-se perguntar, porém, pela participação de Clara neste proje-
rádio e estimulou-a cantar na
noite.
to. Ou seja, poderia o projeto de Adelzon ser aplicado a outros artistas?
O que em Clara favoreceu o desenvolvimento desta linha de trabalho?
31
Mané Serrador, homem pro-
fundamente católico, come- Adelzon responde a essa pergunta afirmando que Clara era uma pessoa
çou a organizar uma folia de que precisava apenas de uma direção, pois tinha talento, voz e humilda-
reis, em virtude de promessa
feita pela recuperação da saú- de para receber orientações29. Característica esta também apontada por
de de sua esposa, Dona Jadir Ambrósio, que foi o responsável pelo início de sua carreira em Belo
Amélia. Entrevista concedida
Horizonte30. Parece-me, porém, que outros elementos, além destas ca-
por Maria Gonçalves da Silva
a Josemir Teixeira e Silvia racterísticas pessoais, são importantes para entender a forma pela qual
Brügger, na cidade de Caeta- Clara abraça este projeto.
nópolis, em 04/04/2003.
A relação de Clara com a cultura popular é anterior a seu contato
32
Entrevista concedida por
com Adelzon. Pode-se dizer que ela vem de berço. Seu pai, conhecido
Maria Gonçalves da Silva a
Josemir Teixeira e Silvia Brü- como Mané Serrador, além de violeiro, comandava uma folia de reis, em
gger, na cidade de Caetanó- Paraopeba, interior de Minas Gerais31. Segundo Maria Gonçalves da Sil-
polis, em 04/04/2003.
va, irmã mais velha de Clara,

a cidade toda aguardava o fim de ano para esse acontecimento, porque ele iniciava no
dia primeiro de janeiro e terminava no dia seis de janeiro. Então, no dia primeiro de
janeiro, meu pai já pedia licença lá no trabalho dele para ele e... Fora os ensaios que
aconteciam antes, não é? Já tinha a turma que participava. E eles... No dia primeiro,
ele já saía religiosamente para cumprir o dever dele. Ele tinha uma fé profunda. E
tudo... Esse trabalho que ele fazia durante seis dias, ele levava tudo para Igreja.
Entregava tudo para o padre como esmola. Era um compromisso dele. Então, no dia
seis, todo mundo já sabia que tinha uma festa na casa do Manoel Serrador que é o
arremate da folia de reis. E esse arremate da folia de reis, o importante dele era trazer
todo mundo. Ele sentia assim muito honrado, muito feliz de dar alimentação para
todo mundo que chegava lá. Ninguém pagava nada. Todo mundo comia aquelas
comidas bem gostosas, bem caipiras. E ficava... Minha mãe criava frango, seis meses
antes já estava o terreiro cheio de frango começando já a crescer para matar tudo em
janeiro, porque era a festa dele, não é?32

A família toda participava deste momento de festa organizado

198 ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008


por Mané Serrador, o que, com certeza, permitiu a Clara, desde criança,

Artigos
uma familiaridade com estas manifestações populares. Em suas pala-
vras,

– A música que a gente ouvia era a das folias de reis e minha família, principalmente,
meu pai, participava tradicionalmente dessas festas. Desde cedo tomei conhecimento
de uma coisa que, mesmo depois de viver no Rio e em São Paulo, não abandonei mais:
o amor pelo popular, pela arte um tanto esquecida que vem realmente do povo. Esque-
cida porque, a não ser por uma minoria de intérpretes e músicos, ela não chega aos
veículos de divulgação. Ao invés de procurar um estilo como cantora, pretendo ligar
meu nome a essa busca pelas raízes de nossa música popular33.

A cantora estabelece assim uma relação entre sua postura de valo-


rização do popular e sua vivência familiar. Sua irmã, Maria Gonçalves
da Silva, narra uma passagem em que Clara teria feito referência a esta
herança cultural recebida do pai34:

Uma vez que ela deu uma entrevista [RISO] falou que ela herdou do meu pai... que
tudo que ela fez na vida foi herança do meu pai, que meu pai era realmente uma pessoa
muito especial, gostava muito da música. Ele era uma pessoa... Era repentista, gosta-
va de Folia de Reis, quer dizer, ele era tudo isso, de folclore, estava no sangue dele. E
a gente sente pela lei natural da vida que ela foi a que mais herdou todo esse potencial
dele. Então, uma vez ela deu uma entrevista e falou que ela... aliás, contou coisas dele
(...). Um dia a Clara veio passar o natal: “Clara você... porque que você mentiu? (...)
Por que você foi lá mentir?” Ela era muito certinha, então eu falei com ela. (...) “Ah,
Dindinha, imagina se eu menti! Claro que eu conheci meu pai através de vocês!”
[Você vê] ela tinha (...) nenhuma lembrança, quando ele morreu ela tinha dois anos,
mas ela sabia de toda a vida dele através da gente, não é? E ela sentiu no sangue [o que
ele fez]. Então ela se sentia a dona, realmente a herdeira dele, não é? Aí ela falava,
“Oh! Dindinha, conheci, sim! Imagina se eu não conheci através de vocês?!(...)35

Ou seja, apesar do pouco convívio direto com a folia do pai, em


33
Clara – O caminho mais cer-
to: aquilo que o povo canta.
função de ter ficado órfã aos dois anos de idade, Clara recebeu essa tra- Jornal O Globo, Rio de Janeiro,
dição a partir dos relatos familiares e pela própria continuidade das fes- 09(14)/03/1972.
tas que se realizavam na região durante sua infância. O significado que 34
Não sei se se trata da pró-
esta história familiar adquiriu para Clara pode ser medido pelo fato de pria matéria citada acima.

ter, anos mais tarde, já no auge da fama, procurado recuperar a bandei- 35


Entrevista concedida por
Maria Gonçalves da Silva a
ra carregada pela folia do pai, junto a antigos participantes do grupo, Josemir Teixeira e Silvia Brü-
em sua cidade natal36. gger, na cidade de Caetanó-
polis, em 04/04/2003.
Além disso, no ano de 1972, chegou a ser elaborado um show,
escrito e dirigido por Hermínio Bello de Carvalho, no qual Clara indica- 36
Essa bandeira, hoje, integra
o acervo da cantora pertencen-
va a importância do pai em sua trajetória. Em um momento do espetá- te ao Instituto Clara Nunes.
culo, deveria afirmar: 37
“Clara é Sabiá na Noite”.
Jornal Última Hora, Rio de Ja-
Meu pai era violeiro, a voz dele sobressaía no meio de todas; me lembro dele cantando: neiro, 19/05/1972.

“Manuel fogueteiro é o rei das crianças!” De 24 de dezembro a 6 de janeiro nós 38


O espetáculo não chegou a
ocorrer por desavenças entre
praticamente não víamos. No dia 6 de janeiro o meu pai chegava da Folia de Reis – o diretor e o elenco de músi-
eu então não o recebia como pai e sim como um folião, com todo o ritual; quando cos, durante os ensaios. Cf.
entrava em nossa casa ela cantava e depois rezava.37 PAVAN, Alexandre. Timonei-
ro: perfil biográfico de Hermínio
Bello de Carvalho. RJ: Casa da
O espetáculo “Sabiá, Sabiou” não chegou a entrar em cartaz38, Palavra, 2006, p. 125.

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008 199


39
“Clara é Sabiá na Noite”. mas foi escrito por Hermínio Bello de Carvalho, que chegou a ir a
Jornal Última Hora, Rio de
Janeiro, 19/05/1972. Paraopeba conhecer pessoalmente as festas da região, a partir de depo-
40
Entrevista concedida por
imentos da própria Clara. A matéria afirma ainda que, segundo a canto-
Jadir Ambrósio a Josemir ra, ela iria falar de sua infância, do pai e de como ele influenciou na sua
Teixeira e Silvia Brügger, no opção pela música39.
Palácio das Artes, Belo Hori-
zonte, em 14/03/2006. A partir desses elementos, entendo que a orientação proposta por
41
Informação prestada em
Adelzon à carreira de Clara permitiu-lhe uma reapropriação de sua pró-
entrevista concedida por pria tradição familiar.
Adevanir dos Santos Romero, Também em termos religiosos, apesar de ser a partir de 1970, que
amigo e cabelereiro de Clara
Nunes, que a conheceu logo suas músicas assumem efetivamente um compromisso com a umbanda
que chegou ao Rio, em 1966, e o candomblé, seu contato com essas religiões parecem anteceder este
a Josemir Teixeira e Silvia
Brügger, no Rio de Janeiro, em
momento. Segundo Jadir Ambrósio, em Belo Horizonte, em fins da déca-
10/09/2004. Em matérias da de 1950 e início da de 1960, Clara o acompanhava em centros e ter-
jornalísticas sobre a iniciação reiros de diferentes religiões40. No Rio de Janeiro, mesmo antes de conhe-
de Clara com Pai Edu, em
Recife, em 1972, há a referên- cer Adelzon, já freqüentava as religiões afro-brasileiras41. Aliás, a pri-
cia de que ela seria da umbanda, meira música gravada por Clara Nunes que faz alguma menção a enti-
há seis anos. Entre outras, cf.
SILVA, Geraldo. Clara é filha
dades destas religiões é “Guerreiro de Oxalá”, registrada em seu terceiro
de Oxum desde o berço. Diá- LP, “A beleza que canta”, de 1969, produzido por Carlos Imperial, que
rio da Noite, Recife, 27/09/ também é o compositor da canção. No entanto, nesta música, a referên-
1972. Em entrevista concedi-
da a Edson Guerra da Rádio cia à umbanda de Oxalá insere-se em um contexto musical (arranjo, gê-
Bandeirantes, em dezembro nero, forma de interpretação) distante da musicalidade afro-brasileira,
de 1981, Clara afirma que,
sendo de família kardecista,
marcada sobretudo pela força da percussão. Ou seja, também no aspec-
ao vir para o Rio tomou con- to de aproximação com estas religiões, a produção de Adelzon parece
tato mais de perto com a conferir consistência a uma tendência que aparecia de forma fluida e
umbanda e que, ao retornar
de uma viagem à África, se tímida na carreira de Clara. Como ele mesmo afirma, em sua entrevista,
encontrou nessa religião, des- ele passa a freqüentar com ela ambientes de samba de morro carioca,
de 1969. Na verdade, Clara
deve estar se referindo à via-
como, por exemplo, a Serrinha, onde a presença da umbanda e do can-
gem feita no início do ano de domblé são marcantes.
1971 a Moçambique, África Entendo, portanto, que o sucesso da construção deste projeto de
do sul e Angola. De qualquer
forma, suas palavras deixam carreira associada a uma imagem afro-brasileira se deve ao encontro da
claro que,antes de assumir formação socialista de Adelzon com uma bagagem cultural popular de
efetivamente a religião um-
bandista, Clara já a conhecia
Clara. De tal forma, esta proposta foi apropriada por Clara que se man-
e freqüentava. Cf. Entrevista teve mesmo depois que o radialista deixou de produzi-la. Assim, ela pôde
concedida a Edson Guerra, da afirmar que os critérios que orientavam a escolha de seu repertório não
Rádio Bandeirantes, em de-
zembro de 1981, arquivada eram meramente os de mercado:
no Centro de Documentação
e Memória da Rádio Bandei-
rantes.
Eu não gravo música para vender. Eu gravo músicas maravilhosas dos compositores
excepcionais que nós temos, com mensagens também extraordinárias, procurando
42
Entrevista apresentada em
especial exibido pela Rede levar para o público que ainda, sabe, não está bem entrosado com a música popular
Manchete, após a morte da brasileira, que está acostumado, devido a mil coisas, a ouvir rock, coisas estrangeiras,
cantora, em abril de 1983.
pra ele se voltar mais para a música popular brasileira, para a raiz da música popular
brasileira.42

Nesta passagem, aparece o antagonismo entre a música autêntica


brasileira e aquela de matriz externa, como o rock. Em outra entrevista,
a intérprete indica como procurava cumprir este projeto de defesa das
raízes da cultura brasileira:

O que eu acho que há de verdadeiro, o que há de mais puro, o que há de mais sincero
e mais espontâneo, sabe, que é a força, realmente, é o povo. Então, não adianta você
querer ir contra o povo, você tem que chegar a ele sabe, você tem que trazer o povo até

200 ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008


você. Então, para mim, Clara Nunes, o povo é tudo.

Artigos
Assim, explicita-se a realização do projeto de carreira: “o povo é
tudo”. Ou seja, é a fonte a partir da qual seu repertório é construído e é
para ele que se destina prioritariamente a sua mensagem. Esta idéia apa-
rece também no texto escrito por Paulo César Pinheiro para o LP “Canto
das Três Raças”:

Esta é a sua história. A história da música de um país feita pela união das três raças
que o constituíram. E, tendo sido feita pelo povo, só o próprio povo tem o direito de
julgar e consagrar a música popular, porque somente ele sabe os que melhor interpre-
tam seus sentimentos. Os grandes mestres saíram sempre do povo. Os grandes intér-
pretes foram, antes de ser grandes, anônimas criaturas do povo.
O bom intérprete sente um estranho afeto pela composição que interpreta. E, neste
instante, letra e melodia são suas. O autor é ele. Por isso, Clara Nunes tem o quilate de
uma grande intérprete. Porque, quando canta, se une ao povo num sentimento co-
mum. E o povo sente e gosta e canta com ela. Porque também do povo é o compositor
que ainda está por surgir, o mestre que ainda não apareceu.
O povo é simples nas suas origens. E entende melhor as coisas simples. Por isso,
Clara, porque também veio do povo e tem a mesma simplicidade, porque traz dentro
de si a força do talento, porque dedicou-se completamente à música de sua terra e ao
canto de seu povo que ela tanto ama, pode ser chamada por nós de Cantora das Três
Raças.
A brasileira Clara Nunes43.

Ser brasileiro, portanto, na obra de Clara Nunes é ser popular, é


buscar a identificação com o povo. Por isso, “o povo é tudo”. Mas, este
povo não é uno. É ele que produz as riquezas da cultura e da música
popular. Mas também é ele quem desconhece esta mesma riqueza e con-
some música estrangeira. Claro está que se trata de parcelas diferentes
deste povo e que cabe ao artista, no caso a Clara, tentar estabelecer a
ligação entre estas partes.

O Canto como Missão

Por fim, para concluir, entendo que cabe perguntar: se esta pro-
posta de aproximação com a cultura popular não era exclusiva de Clara
Nunes, mas esteve presente também em carreiras como, por exemplo, as
de Nara Leão e Elis Regina, o que diferenciava a primeira? Em primeiro
lugar, é preciso indicar que Clara manteve esta proposta em sua obra até
o final de sua carreira, em 1983. Não ficando, portanto, esta idéia restri- 43
Texto escrito por Paulo Cé-
ta a fins dos anos 60 e inícios dos 70. Mais do que isso, porém, entendo sar Pinheiro para o encarte do
que o que era, na proposta de Adelzon, um ideal político - e que desta LP “Canto das Três Raças”,
gravadora Odeon, 1976.
forma aparecia também em vozes como as de Nara e Elis - assumiu para
Clara um caráter de missão religiosa. 44
NAPOLITANO, Marcos.
“Seguindo a canção”: engaja-
Clara não foi a única nem a primeira a gravar músicas com evoca- mento político e indústria cultu-
ções da umbanda ou do candomblé. Segundo dados apresentados por ral na MPB (1959-1969). SP:
Annablume, 2001, p. 218.
Marcos Napolitano, em um temário geral das canções inscritas no III
Festival de MPB da Record, em 1967, 191 músicas traziam referência à
45
PRANDI, Reginaldo. Segre-
dos Guardados: Orixás na Alma
umbanda ou a Iemanjá44. Reginaldo Prandi lista cerca de mil músicas Brasileira. SP: Cia. das Letras,
com referências às religiões afro-brasileiras, gravadas no século XX45. Os 2005.

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008 201


46
Mercedes Batista foi a pri- afro-sambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell foram gravados em
meira bailarina negra do Tea-
tro Municipal e responsável 1966. Músicas com essas evocações são entoadas por vozes como as de
pela introdução de elementos Nara Leão, Elis Regina, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, entre
da dança afro na dança mo-
derna brasileira. Foi a coreó-
muitas outras. No entanto, quando se pensa na associação entre as reli-
grafa responsável pela intro- giões afro-brasileiras e música popular, o nome de Clara Nunes se desta-
dução de alas de passo mar- ca. E, por que isto ocorre? Por um lado, há um deliberado direcionamento
cado no desfile das escolas de
samba, a partir da apresenta- da carreira e a construção de uma imagem “áudio e visual” neste senti-
ção de uma ala que dançava do. Clara não apenas cantava músicas com essas invocações, mas se
o minueto, no desfile da Es-
cola de Samba Acadêmicos do
vestia de acordo com os preceitos e adotava uma performance típica das
Salgueiro, campeã do carna- religiões dos orixás. Com esse fim, inclusive recorreu a aulas de dança.
val carioca de 1963, com o Segundo Paulo César Pinheiro,
enredo “Chica da Silva”. Cf.
CABRAL, Sérgio. As Escolas de
Samba do Rio de Janeiro. RJ: E para isso ela também se preparou, porque ela fez, ela se envolveu com os rituais de
Lumiar Editora, 1996.
Umbanda e Candomblé. Aprendeu muito essa cultura negra e paralelamente come-
47
Entrevista concedida por çou a fazer dança. Ela fez por um grande tempo as danças afro-brasileiras no balé da
Paulo César Pinheiro a Josemir
Teixeira e Silvia Brügger, no Mercedes Batista46, que era uma bailarina e professora de dança que só ensinava isso.
Rio de Janeiro, em 22/03/ Então, quando ela começou a se apresentar do jeito que a marcou futuramente, (...) ela
2005.
já tinha um fundamento, ela já tinha aprendido. Ela começa... Ela começou a usar
48
Entrevista concedida por roupas já mais parecidas com as roupas dos cerimoniais. E quando cantava músicas
Martinho da Vila a Josemir
Teixeira e Silvia Brügger, em desse tipo, tinham danças características de orixás e tal, que ela já tinha aprendido
São João del Rei, em 28/07/ com a Mercedes nessa época47.
2007.
49
Paulo César Pinheiro era Por outro lado, porém, é forçoso reconhecer que Clara não canta-
marido de Clara e João No-
gueira, seu compadre, tido va essas músicas com um objetivo apenas de entretenimento ou de
por ela como um irmão. militância política. Clara assumiu a religião dos orixás e fez dos palcos e
50
“Minha Missão” (BREM dos discos templos. Aliás, segundo Martinho da Vila, Clara foi uma das
I8100950), Paulo César Pi-
primeiras pessoas a declarar publicamente sua vinculação com as religi-
nheiro e João Nogueira, gra-
vada no LP “Clara Nunes”, ões afro-brasileiras48. Pai Edu, que foi seu pai-de-santo, afirmou que ela
gravadora Odeon, 1981. era uma mãe-de-santo no palco. Ora, o que significa isso? Significa que
51
Clara Nunes era conhecida, ela assumiu em sua carreira uma função religiosa, que extrapola a mera
publicamente, como Guerrei-
divulgação. Pais e mães de santo são aqueles que decifram os oragos das
ra, Sabiá e Claridade.
religiões afro, que decodificam as mensagens dos orixás para os homens.
Talvez fosse esse o sentido que Clara impunha ao seu canto, o que pode
ser notado na música “Minha Missão”, composição de João Nogueira e
Paulo César Pinheiro – ambos extremamente próximos pessoalmente dela
e que parecem ter composto a música a partir dos pensamentos e senti-
mentos da intérprete49 -, gravada no LP “Clara Nunes”, de 1981:

Quando eu canto
É para aliviar meu pranto
E o pranto de quem já tanto sofreu

Quando eu canto
Estou sentindo a luz de um santo
Estou ajoelhando aos pés de Deus

Canto para anunciar o dia


Canto para amenizar a noite
Canto pra denunciar o açoite
Canto também contra a tirania

202 ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008


Canto porque numa melodia
52
Ela assim se identificava, por

Artigos
exemplo, com as amigas Dôia
Acendo no coração do povo e Elza Alabarce Gonçalves. A
A esperança de um mundo novo primeira trabalhou durante 11
anos na casa de Clara, era sua
E a luta para se viver em paz
comadre e amiga. A segunda
era amiga íntima de Clara,
Do poder da criação considerando-se como irmãs.
Segundo depoimento de Dôia,
Sou continuação ela escrevia bilhetes a Clara
E quero agradecer tratando-a por “Dona Cigar-
ra”. Em sua entrevista, Elza
Foi ouvida a minha súplica
Alabarce informou que Clara
Mensageiro sou da música se designava como cigarra,
O meu canto é uma missão citando, por exemplo, o mo-
mento em que esta adquiriu o
Tem força de oração teatro que leva seu nome e lhe
E eu cumpro o meu dever telefonou, um pouco insegu-
ra com a negociação, afirman-
do que “essa cigarra vai ter
Aos que vivem a chorar que cantar muito”, para hon-
Eu vivo pra cantar rar o compromisso assumido.
Cf. Entrevista concedida por
E canto pra viver Maria Dorvalina Teixeira da
Costa a Josemir Teixeira e Sil-
via Brügger, em Caetanópolis,
Quando eu canto
em 04/09/2004; entrevista
A morte me percorre concedida por Elza Alabarce
E eu solto um canto da garganta Gonçalves a Josemir Teixeira
e Silvia Brügger, em Brasília,
Que a cigarra quando canta morre em 30/09/2007.
E a madeira quando morre canta [grifos meus]50 53
Em linhas gerais, pode-se
dizer que Krishnamurti criti-
O canto é uma arma na luta contra o açoite e a tirania. É uma ca, em seus escritos, as religi-
ões institucionalizadas e de-
fonte de alento e esperança para aliviar a dor da intérprete e do povo. fende o auto-conhecimento. A
Sentimentos que não devem, no entanto, levá-lo a uma atitude de con- referência à leitura de suas
obras por Clara foi feita, em
formismo. Antes pelo contrário, ele é impelido a lutar por um mundo entrevista, por Paulo César
novo e pela paz. O sentido político da letra da música é explícito. Mas Pinheiro. Cf. Entrevista con-
esta não é vista, apenas, como uma mensagem produzida pelos compo- cedida por Paulo César Pi-
nheiro a Josemir Teixeira e Sil-
sitores e pela intérprete. Ao invés disso, estes é que são mensageiros da via Brügger, no Rio de Janei-
música, pois cantar é uma missão. ro, em 22/03/2005.
A referência à cigarra identifica a cantora, para aqueles que lhe 54
Entre outras, entrevista con-
eram íntimos. Clara, de tantos codinomes públicos51, se auto-designava cedida por Maria Dorvalina
Teixeira da Costa a Josemir
como cigarra para amigos próximos52. Entendo, portanto, que a citação Teixeira e Silvia Brügger, em
reforça a intenção de uma letra composta a partir dos princípios e idéias Caetanópolis, em 04/09/
2004.
da própria intérprete. O inseto, conhecido por seu canto, é citado na
música como aquele que, ao realizar sua missão, – cantar – morre. Mor-
55
Várias de suas imagens reli-
giosas integram, hoje, o acer-
re porque cumpriu aquilo que lhe cabia como missão: foi mensageiro da vo do Instituto Clara Nunes,
música. que se encontra em fase de
organização, em Caetanó-
Clara era uma pessoa extremamente religiosa. Cresceu em uma polis.
família católica, juntamente com seus irmãos se converteu ao kardecismo, 56
Clara afirmou isso em vári-
aderiu posteriormente à umbanda e ao candomblé. Simultaneamente, os momentos. Em um deles,
lia obras kardecistas e do indiano Krishnamurti53, comungava esporadi- reproduzido no especial “Cla-
ra Guerreira”, exibido pela
camente54 e mantinha um gongá em casa55. Isso ajuda a entender por- Rede Globo, após sua morte
que o seu canto é entendido por ela como uma oração. Cantar é a sua em 1983, afirma sua convic-
ção de que ninguém “veio a
missão56. Mas não cantar qualquer coisa, cantar músicas ligadas às tra-
esse mundo a passeio”. To-
dições da cultura brasileira. Isto distingue as evocações da cultura popu- dos, para ela, tinham uma
lar e das religiões afro-brasileiras na interpretação de Clara, das de ou- missão. A sua, cantar. Nessa
postura, nota-se a influência
tros cantores. Isso confere à sua carreira um significado de sacerdócio, da doutrina kardecista em
que extrapola o sentido meramente político, embora ambos estejam in- sua formação.

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008 203


trinsecamente relacionados. Isto talvez ajude a explicar o vigor e a per-
manência da imagem construída em sua carreira.


Artigo recebido em setembro de 2007. Aprovado em fevereiro de 2008.

204 ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 191-204, jul.-dez. 2008

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