Ana Matos
O CAMINHO PARA O
INEVITÁVEL ENCONTRO
CONSIGO MESMO
© 2015, Ana Matos
M433c Matos, Ana
O caminho para o inevitável encontro consigo mesmo / Ana
Matos. – Florianópolis: Pandion, 2015.
184 p.
Inclui referências
ISBN: 978-85-8475-015-3
1. Autoconhecimento. 2. Conversa consigo mesmo. 3. Corpo
e mente. 4. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.
5. Amor próprio. 6. Relações humanas. 7. Qualidade de vida.
I. Título.
CDU: 159.962.7
Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071
Proibida a reprodução sem autorização, por escrito, da autora.
ISBN: 978-85-8475-015-3
1ª Edição pela Editora Pandion
Impresso no Brasil
2015
Agradecimentos
Meu eterno agradecimento ao meu pai e à minha mãe
por terem me dado a oportunidade de nascer, crescer e me
desenvolver com bases sólidas e valores intocáveis.
Aos meus irmãos, meus melhores amigos, que eu ad-
miro e de quem tenho muito orgulho. Vocês são minha base e
meu norte nesse inevitável encontro comigo mesma.
A toda a minha família, primos, tios e tias. À minha tia
Odaléia, por estar sempre tão presente com toda a sua alma.
Aos meus amigos, que são um dos meus melhores encontros.
À Filó, minha cadelinha linda. Às minhas terapeutas. Aos
meus pacientes. Àquelas pessoas que passaram pela minha
vida e deixaram, sem dúvida, um pouco delas em mim, mes-
mo que de forma breve. Todos vocês fazem parte desse inevi-
tável encontro comigo mesma.
Aos meus avós, que já não estão mais entre nós. E
em especial à minha Vó Clarinha, que sempre me incenti-
vou, de uma forma única, a esse inevitável encontro comigo
mesma.
Ao Núcleo Espírita Nosso Lar, pela oportunidade de
me encontrar por meio do teatro, da música e dos trabalhos
voluntários. Agradeço a descoberta, a certeza da minha mis-
são de vida e, claro, o inevitável encontro comigo mesma.
Ao Júnior, meu cachorro, meu amigo, meu parceiro,
meu companheiro, minha cura, meu pequeno que ocupa um
lugar gigante no meu coração. Um marco nesse inevitável en-
contro comigo mesma.
Agradeço também a todas as pessoas que participa-
ram, direta ou indiretamente, da construção deste livro.
E, por último, eu agradeço a todas as pessoas que pas-
saram pela minha vida, aquelas que permanecem e aquelas
que virão. Aqui tem um pouco de mim, um pouco de ti e mui-
to de nós.
Meu carinho e respeito a cada um!
Ana Matos
Sumário
Prefácio..................................................................................... 9
O inevitável encontro comigo mesma.................................... 11
Dentro de mim: EU.................................................................. 15
O inevitável encontro consigo mesmo................................... 17
A prisão da alma...................................................................... 21
O equilíbrio entre perder e ganhar........................................ 25
Pelo olhar do outro é que eu me vejo..................................... 29
Quem é você amanhã?............................................................ 33
O autoconhecimento baseado em fatos reais........................ 37
Para sofrer basta estar vivo.................................................... 41
Mudar é aceitar que queremos ser quem somos.................. 45
A angústia e o inconsciente determinados pela escolha....... 49
A mudança é um salto no escuro............................................ 53
O olhar do outro como parte da construção do meu ser...... 57
Término: o ponto final no fim................................................. 63
O que temos para hoje pode ser o melhor presente.............. 67
As dores que vêm da alma...................................................... 69
A constante busca pelo equilíbrio profissional..................... 73
Para além do corpo, a cura da alma...................................... 77
Momento e pessoa: encontro perfeito.................................... 81
Qualidade de vida: sonho ou realidade?................................ 83
O que você está dizendo?........................................................ 87
Porque era ele, porque era eu................................................ 91
Eu e o outro: uma relação de eterno aprendizado................ 95
A culpa nossa de cada dia....................................................... 99
A coragem de se encontrar..................................................... 103
Minha culpa, minha tão grande culpa.................................. 109
A compreensão além das palavras......................................... 113
Nos iludimos por que queremos ou por que precisamos?... 117
Relação a dois: a arte de equilibrar amor e ódio................... 119
A sombra nossa de cada dia.................................................... 123
Eu, você e o amor: uma relação a três.................................... 127
No amor, o risco sempre vale mais que a dúvida.................. 131
Você tem medo de quê?........................................................... 133
A verdadeira pergunta é: “quem NÃO sou eu”?.................... 135
A comunicação vai além das palavras................................... 139
Depois de conhecer a si mesmo você pode pensar em
conhecer o outro...................................................................... 143
A diferença dos iguais............................................................. 145
Somos quem queremos ser ou somos quem podemos ser?.. 147
Você é dono do seu destino, mesmo que ainda não
saiba disso................................................................................ 149
Estamos preparados para as coisas inexplicáveis?............... 153
A medida da resignação e da transgressão............................ 157
Seja apenas outra alma humana............................................ 159
Me domine ou te devoro......................................................... 161
O outro como limite ao que queremos ser............................. 163
Afinal, quem somos nós?........................................................ 167
Você é sua maior escolha........................................................ 173
O Inevitável para além das palavras...................................... 175
Referências............................................................................... 179
Prefácio
Lidar com o dia a dia é um processo automático. Até
quando iremos permanecer agindo dessa forma?
O amadurecimento espiritual é inevitável, e essa busca
faz parte de nossa integração corpo/mente. Conquistas pesso-
ais são necessárias, e não é com facilidade que as realizamos.
Encontrar uma forma de trabalhar o ego é o ápice, e
quando disponibilizamos nossos conhecimentos, crescemos e
propiciamos o crescimento.
Tendo liberdade para os passos seguintes, fáceis vão
se tornando as tomadas de decisão e também o assumir de
uma nova postura diante da vida.
Não podemos deixar de mencionar confiança, consci-
ência, crença e fé como palavras de ordem, auxiliadoras no
cumprimento de nossos objetivos.
Sua obra: “O caminho para o inevitável encontro con-
sigo mesmo” dará ao leitor uma, quem sabe antes não visuali-
zada, noção da inter-relação corpo/espírito, a qual estaremos
sujeitos mais cedo ou mais tarde.
O encontro na sua individualidade ocorrerá na pro-
porção de suas descobertas. Leon Denis escreveu: “O homem
é para si mesmo um mistério vivo, do seu ser conhece senão
a superfície”.
9
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Razão pela qual sugerimos também mergulhar no
profundo mar proposto pelo filósofo Sócrates, sintetizado na
frase “Conhece-te a ti mesmo”.
A conquista da maturidade não obedece a uma crono-
logia, pois frequentemente encontramos verdadeiros sábios
na sua mais tenra idade. Há, sim, que haver um esforço pes-
soal de se ver interiormente. E com erros e acertos definir sua
própria vida.
Quando soube, minha filha, do teu interesse em com-
pilar essa riqueza de informações, que durante o tempo foste
armazenando, encheu-me de momentânea felicidade. Então
pensei: Temos alguém com enorme desejo de compartilhar, e
a hora é apropriada.
As bases formadas para teres este impulso foram de
muitas “interrogações”, bem sei, mas o auxílio dos revezes e
do confronto te deram a tenacidade e a incontida persistência.
Seja este o início de muitos projetos, sempre voltados
à evolução e à transcendência do ser.
Jaime Matos
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O inevitável encontro
comigo mesma
O inevitável encontro comigo mesma sempre foi uma
busca constante. Desde muito cedo sentia uma necessidade
de entender meus sentimentos, de entender os sentimentos e,
também, o comportamento dos outros.
Lembro-me, como se fosse hoje, dos questionamen-
tos que norteavam minha cabeça. O mais engraçado é que
se você me perguntar quando isso tudo começou eu não vou
saber dizer. A sensação que eu tenho é de já ter nascido com
essas questões e que, na medida em que eu fui crescendo, elas
foram ficando cada vez mais latentes. Algumas delas ainda
continuam presentes – ainda bem.
Sempre me senti inconformada com atitudes que
para algumas pessoas não faziam diferença. Eu sempre quis
entender o quê?, o por quê?, o quando? e o como?. Essas per-
guntas e questões foram se intensificando com o passar do
tempo, por meio de muita leitura; do trabalho voluntário; do
teatro e do coral no Núcleo Espírita Nosso Lar, em Santa Ca-
tarina, durante a minha adolescência; das aulas de violão; de
morar sozinha; das sessões de terapia; da faculdade de psico-
logia incompleta, porque me mudei para São Paulo, descobri
minha paixão pela psicanálise e fui fazer um curso de For-
11
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
mação Técnica em Psicanálise Integrativa. Enfim, das leituras
e mais leituras que faço até hoje foram me aproximando de
alguém que eu não tinha muita certeza quem era, mas que
tinha a certeza de saber aonde queria chegar.
Durante meus vinte e poucos anos vivi uma das piores
sensações que já havia sentido na minha adolescência, mas
não com a intensidade daquele momento. Vivi a Síndrome
do Pânico, que foi uma experiência de total ausência de mim
mesma, de sentir medo de sentir medo, de sentir medo de
algo que eu não sabia o que era. Hoje, eu vejo o quanto é in-
crível olhar esse momento e entender que nós não podemos
controlar tudo e todos, e que a maior força, o maior porto
seguro que existe está no encontro consigo mesmo. Seja por
caminhos suaves, o que é mais raro, ou seja, pela dor, esse
encontro é inevitável. Por muito tempo, eu criei sintomas, so-
matizei. Todas as “ites” que você imaginar, eu tive.
Quando eu tive a crise de pânico, pude contar com a
ajuda da minha mãe. Submeti-me ao tratamento espiritual
orientado por ela. Foram 30 dias intensivos de terapias al-
ternativas para o meu equilíbrio energético e revitalização.
Eu havia perdido totalmente o brilho, a cor, emagreci muito,
estava completamente fora do centro da minha vida. E, nes-
se momento, eu me questionava, tentava entender como eu
pude chegar a esse ponto. Me cobrava, me punia, mas, ao
mesmo tempo, existia uma força dentro de mim que dizia
que tudo isso me faria mais forte. Então, gradativamente eu
fui recuperando minha autoconfiança, isso porque eu sem-
pre tive a sorte de ter pessoas especiais na minha vida, que
sem saber me ajudavam nesse inevitável encontro comigo
mesma.
12
Ana Matos
Enfim, ter passado por esses momentos e tantos ou-
tros e conseguir, também com a ajuda da terapia, entendê-los,
foi sensacional, foi lindo!
Como me fascina o profundo, fui buscar entender
cada vez mais as coisas, as pessoas, a vida, para conseguir me
entender. Fiz mais alguns pequenos cursos, entre eles: “Como
o cérebro funciona”, “Introdução à terapia cognitiva”, e resol-
vi me aprofundar mais e entender a origem e a essência de
tudo na filosofia. Fiz licenciatura em filosofia, depois, mais
alguns pequenos cursos, e por último, porém não o último, a
Certificação em Professional & Self Coaching.
Uma das coisas que eu vejo que consegui aprender
por meio da busca de respostas – seja na religião, na ciên-
cia ou na filosofia – é entender que as respostas nem sempre
chegam com hora marcada, e que muitas dessas respostas eu
ainda não tenho e nem sei se quero ter agora. E mais, eu nem
sei se existem ou se eu preciso de algumas delas para viver.
Desse contínuo e inevitável encontro, o que fica para
mim, e que faz a diferença, é a forma como levamos a vida, a
maneira que tratamos uns aos outros e a importância que da-
mos para os acontecimentos. Afinal, o que está por trás desse
encontro e como ele vai acontecer dependerá das nossas esco-
lhas e aceitação dos caminhos que percorremos para chegar
aonde chegamos. A aceitação dos nossos limites; a compreen-
são das nossas fragilidades; a valorização e o reconhecimento
do que somos; o honrar e o respeitar a nossa história, mesmo
que ela não tenha sido como gostaríamos que fosse; o honrar
e respeitar as pessoas que estão e que passaram pela nossa
vida; o honrar e respeitar tudo o que está fora do nosso con-
trole, o tempo dos outros, o tempo do mundo e o nosso tempo.
13
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Eu honro e respeito o meu dom, minha vocação em po-
der utilizá-lo para ajudar as pessoas a se ajudarem. E cada vez
que alguém chega até mim, eu agradeço por ter a oportunida-
de de, por meio da minha doação àquele momento, àquela pes-
soa, àquela história de vida, proporcionar a cada um que quei-
ra e que esteja aberto, o inevitável encontro consigo mesmo.
Aqui, em cada texto tem um pouco de mim, das mi-
nhas dores, das minhas dúvidas, dos meus questionamentos,
da minha história e, principalmente, da minha vontade de
ser melhor. Como escrevi estes textos aleatoriamente, ou seja,
não é um livro com uma sequência pré-definida, você pode
abri-lo como uma mensagem para o seu dia.
Por fim, que possamos nos encontrar sempre mais,
nos descobrir, nos permitir. Que esse encontro se perpetue,
assim como a vida. Que seja infinito. E que você possa se per-
mitir esse encontro com você mesmo, diariamente.
Eu honro e respeito minha trajetória tanto quanto eu
respeito a sua.
Eu honro e respeito meus momentos, meus encontros,
minhas dores, minhas conquistas e vitórias tanto quanto eu
respeito as suas.
Que a sua vida seja vivida de uma forma que faça a
diferença na vida de outra vida.
E por último, eu honro e respeito a sua permissão
para que a minha vida possa fazer parte da sua por meio de
cada palavra que faça sentido para você.
15 de outubro de 2012 *
* Escrito no dia dos professores. Como nada nessa vida é por acaso essa é minha
homenagem a todas as pessoas que fizeram parte do meu projeto de ser –
meus eternos professores da escola da vida.
14
Dentro de mim: EU
Você veio chegando assim,
de mansinho,
sem expressar nenhuma palavra,
sem gemidos.
Há quanto tempo você está aqui?
quanto tempo eu permaneci cega,
muda e surda ao teu silêncio.
Há quanto tempo você está comigo
esperando o momento que eu pudesse,
naturalmente, reconhecer você...
Você que eu tanto sufoquei
e ao mesmo tempo desejei.
Ah! quanto tempo eu desejei e
relutei para encontrar você dentro de mim – Eu!
15
O inevitável encontro
consigo mesmo
É difícil assumir que as escolhas são nossas, que o pro-
blema não é o outro, e sim nós mesmos. Temos, de ter em
mente que amar alguém não se aprende nos livros, não exis-
te fórmula, não vem no nosso DNA, não se nasce sabendo,
se aprende no dia a dia, (con)vivendo, errando, acertando e,
principalmente, se amando.
Temos medo de entrar no nosso “Universo Particu-
lar”, temos medo de nos questionarmos, de analisar por que
agimos ou reagimos de uma forma agressiva ou até mesmo
indiferente. E se as perguntas já causam medo, imagine as
respostas. Sendo assim, não fazemos nem uma coisa e nem
outra; e continuamos superficiais e vítimas do mundo. Se não
estivermos dispostos a usar nosso potencial cerebral para
sermos mais do que “papagaios de TV”, nada vai mudar. Mui-
tos problemas que enxergamos nos outros estão na nossa in-
capacidade de reconhecer que também somos assim.
Como disse Cury (2004), se o Eu da própria pessoa não
tiver consciência da necessidade de mudança e não atuar
como autor de sua história, todo esforço do mais hábil psi-
quiatra ou psicólogo, terapeuta ou até das pessoas próximas
será completamente impotente diante de um Eu inativo, que
17
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
não utiliza seu potencial de questionamento, reflexão e de
querer ser mais.
Trabalhamos incansavelmente para criar uma fa-
chada, máscaras, uma persona, para que ninguém descubra
nossos desejos mais obscuros, nossos pensamentos mais som-
brios, impulsos e histórico pessoal. E neste esconde-esconde
nos perdemos na nossa própria escuridão. Só que, ao mesmo
tempo, como disse Debbie Ford no livro “O efeito sombra – en-
contre o poder escondido na sua verdade”, nossa persona nos
convence de que não há nada que desconheçamos a nosso
respeito – de que somos, de fato, a pessoa que vemos no espe-
lho e acreditamos ser. No entanto, uma vez que compramos
a história de “esse é quem sou”, fechamos a porta para qual-
quer outra possibilidade, e negamos a nós mesmos tudo o que
poderíamos ser. Perdemos a liberdade de ser quem, de fato,
queremos ser, porque não conseguimos fazer nada fora do
âmbito da personalidade que estamos encenando. A persona
previsível que construímos agora está no controle. Tornamo-
nos cegos às imensas possibilidades de nossa vida. Somente
quando pararmos de fingir ser o que não somos – quando já
não sentimos a necessidade de esconder ou compensar por
nossa fraqueza ou nossos talentos – conheceremos a liberda-
de de expressar o verdadeiro Eu, tendo habilidade para esco-
lher com base na vida que verdadeiramente desejamos viver.
Quando rompemos esse transe e já não nos preocupamos se
somos adequados, nem tememos o que as pessoas pensam de
nós, podemos nos abrir e aproveitar as oportunidades que
poderiam passar despercebidas quando estamos encurrala-
dos em nossa história, por trás de nossa máscara, em nossa
escuridão.
18
Ana Matos
Debbie Ford disse que, sem perceber, nos posiciona-
mos para provar que somos mais, melhores ou diferentes que
o restante, ou tentamos ficar invisíveis para nos adequar sem
chamar atenção, chegando até à própria anulação. Esforça-
mo-nos para criar a persona que acreditamos que nos trará
a aprovação e o reconhecimento que desesperadamente pre-
cisamos, ou que de modo alternativo, nos dê uma desculpa
para não viver na íntegra uma vida que amamos. E vamos
nos desconfigurando, nos fragmentando, rompendo com nos-
so Eu, até que, um dia, a casa cai.
Para que possamos estar em constante contato conos-
co precisamos exercitar a filosofia – o pensar, o duvidar das
nossas crenças, o criticar de forma construtiva nossos com-
portamentos – e construir uma visão positiva de nós mesmos
e uma vida que esteja pertinente aos nossos desejos, pensa-
mentos e sentimentos. A mudança é uma prova de amor para
o nosso Eu. É o reconhecimento de que podemos mais, de que
somos mais e de que merecemos mais.
19
A prisão da alma
A beleza não está somente nas flores do jardim, mas,
antes de tudo, nos olhos de quem as admira.
(Hammed)
Como disse Jean Paul Sartre, somos seres livres, po-
rém condenados à liberdade. A filosofia de Sartre diz que
somos responsáveis por tudo o que acontece na nossa vida,
seja bom ou ruim, inclusive pelo o que podemos ou não fazer
com o que acontece em nosso “universo particular”. Ou seja,
temos em nossas mãos a escolha de alimentar ou não uma
emoção; e podemos fazer isso por meio do pensamento, de
atitudes. Disciplinar o pensamento é uma tarefa nada fácil.
Exige treino, muito treino.
Lutamos tanto pela liberdade, queremos tanto ser li-
vres e achamos que isso tudo está, exclusivamente, vinculado
ao mundo externo, ou seja, a tudo o que está fora de nós. Doce
e cômoda ilusão.
Só nos sentiremos livres de fato quando conseguir-
mos entender, compreender e conhecer nosso “universo par-
ticular”, quando sairmos de dentro da caverna e, assim, nos
libertarmos do nosso lado mais primitivo e pararmos de viver
apenas com aquele lado do cérebro que nos acompanha há
mais ou menos 250 milhões de anos – o arquicórtex. Em gran-
21
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
des linhas, o arquicórtex dirige o nosso ser antigo, aquele que
se mantém ainda nos moldes do ser irracional, aquele que se
move e age por instintos. Quando usamos o cérebro antigo,
nos colocamos mais próximos dos animais, não pensamos.
Nele estão os sentimentos como o ódio, o rancor, os medos, a
mágoa, a raiva.
Em pleno século 21, continuamos presos ao nosso
animal selvagem, instintivo, irracional. Um exemplo disso é
quando ficamos presos aos medos. O medo é uma emoção
importante sim, para a nossa proteção, no entanto, os medos
que criamos nos mantêm estagnados e prisioneiros. Como
disse Joseph O’Connor, no seu livro “Liberte-se dos medos, su-
perando a ansiedade e vivendo sem preocupação”, todos nós
desejamos a libertação emocional – viver a vida livre dos me-
dos indesejáveis. O medo primário, necessário para a nossa
proteção, sempre estará lá, porém vivemos uma vida dentro
do medo: medo do risco, medo do fracasso, medo da autorida-
de, medo da perda, medo de nos relacionarmos, medo de nos
olharmos e, com isso, vivemos limitados e infelizes.
No seu livro “As dores da alma”, Francisco do Espírito
Santo Neto diz que, por medo de sermos vistos como somos,
ficamos limitados a um nível superficial. Presumimos que o
“não ver” resulta em “não ter”. Em verdade, não nos livramos
da nossa “sombra” simplesmente porque fechamos os olhos
para ela, mesmo assim, ela continuará a existir. A “sombra” é
um conceito junguiano para designar a soma dos lados rejei-
tados da realidade que não queremos admitir ou ver em nós
mesmos, permanecendo, portanto, esquecidos nas profunde-
zas da intimidade. Tudo o que ignoramos gera mais medo do
que aquilo que conhecemos.
22
Ana Matos
Ele ainda diz que as manifestações decorrentes de
nossa “sombra” são projetadas por nós mesmos de forma
anônima no mundo, sob o pretexto de que somos vítimas,
porque temos medo de descobrir em nós a verdadeira fonte
dos males que nos alcançam no nosso dia a dia. Por acreditar
que banimos de nossa intimidade determinado princípio que
nos gerava medo e autoestima baixa, é que fatalmente encon-
traremos, logo em seguida, esse mesmo princípio materiali-
zando-se no mundo exterior, amedrontando-nos e causando-
nos desconforto.
Por exemplo, os chamados tiques nervosos nada mais
são do que impulsos compulsivos de atos ou a contração repe-
titiva de certos músculos, desenvolvidos de forma inconscien-
te para não tomarmos consciência dos conteúdos emocionais
que reprimimos em nossa “sombra”. Criamos esses tiques
para aliviar emoções e para conter sentimentos emergentes.
A técnica funciona assim: enquanto nos distraímos com o ti-
que, não deixamos vir à consciência o que reprimimos, por
considerá-lo “feio ou pecaminoso”. O resultado do medo em
nossas vidas será a perda do nosso poder de pensar e agir
com espontaneidade.
Se focarmos nosso olhar para o que existe de ruim no
mundo, estaremos enfatizando, para nós mesmos, o que que-
remos que a vida nos mostre e nos forneça. É a nossa mente
que comanda. E somos nós que alimentamos nossa alma com
que o que vivemos, pensamos e sentimos. Quanto mais pen-
sarmos e voltarmos nossa atenção para os desastres, calami-
dades, erros que acontecem e que também cometemos, mais
teremos a percepção de que o mundo está limitado à nossa
particular maneira pessimista de ver e sentir.
23
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Presos à desconfiança, ao receio, criamos resistências,
obstáculos e tropeços que nos impedem de avançar. Passa-
mos, então, a não viver, a não pensar, a não refletir, a não
questionar.
Como disse Francisco do Espírito Santo Neto, não se-
ríamos afetados por nenhum acontecimento de maneira des-
gastante se estivéssemos centrados em nós mesmos. Devemos
aprender a focalizar e desfocalizar nossas crises, traumas,
medos, perdas e dificuldades, bem como os acontecimentos
desastrosos do cotidiano, dando-lhes a devida importância e
regulando o tempo necessário a fim de analisá-los proveito-
samente. Assim, teremos metas sempre adequadas e seguras
que favorecerão nosso desenvolvimento espiritual.
Somente quando nos conhecermos e nos libertarmos
dos medos que alimentamos, criamos e guardamos dentro de
nós é que conheceremos nossa alma e voaremos leves, livres
e felizes.
24
O equilíbrio entre perder e ganhar
A vida é feita de escolhas.
Quando você dá um passo à frente,
inevitavelmente alguma coisa fica para trás.
(Caio Fernando de Abreu)
Diante das situações da vida, temos, em grandes li-
nhas, duas alternativas: continuar convivendo com o proble-
ma ou mudar. Embora, teoricamente, seja simples, na prática,
tomar decisões, fazer escolhas, ter de abrir mão de algo se
torna uma atitude complexa, onde temos que medir as conse-
quências e pesar perdas e ganhos.
Mesmo sendo claro que ganharemos ao escolher de-
terminado caminho, ou optar por algo que nos tirará de uma
zona de conforto, nem sempre isso se torna um ponto posi-
tivo, visto que a dor de perder o que conquistamos tem um
peso maior. E, não raro, vemos muitas pessoas infelizes, na
zona de conforto, sem perceberem que estão infelizes, pois
não sabem como é viver de outra maneira. O ponto de refe-
rência é aquele.
É muito comum encontrarmos casais que permane-
cem juntos sem nenhuma troca de carinho, distantes; vivendo
debaixo do mesmo teto, porém em mundos diferentes. Nos
adaptamos às situações – temos essa capacidade; ou nos en-
25
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
ganamos fingindo que está tudo bem porque mudar vai ser
muito trabalhoso e a perda será maior.
Em artigo publicado na Revista Mente & Cérebro
(2007), Barry Schwartz escreve sobre pesquisas feitas por
Daniel Kahneman, professor da universidade de Princeton, e
Amos Tversky (1937-1996) para explicar os aspectos objetivos
e subjetivos relacionados à tomada de decisão. Uma dessas
pesquisas fala sobre a teoria da perspectiva, em que a satisfação
de alguém não aumenta na mesma proporção que a elevação
dos ganhos resultantes de determinada escolha. Por exemplo,
salvar 600 vidas não promove uma sensação três vezes maior
do que salvar 200. Eles defendem que a maioria das pessoas
é avessa a riscos que acarretam ganhos. Quando se trata de
ocorrências negativas, como mortes, as mudanças no estado
emocional das pessoas diminuem de forma similar. Isto é,
não proporcional à piora objetiva das circunstâncias. Sendo
assim, perder 600 vidas também não faz sofrer três vezes mais
que perder 200, de modo que assumir o risco de não perder
ninguém parece uma boa aposta. Este princípio faz com que
as pessoas sintam-se atraídas pelo risco que descreve perdas.
A teoria da perspectiva diz ainda que a intensidade do
sentimento negativo que alguém experimenta quando perde
alguma coisa é maior que a do sentimento positivo gerado em
relação ao ganho de magnitude semelhante. Ou seja, evitar
perdas é mais motivador que conquistar ganhos. Essa pesqui-
sa ajuda a entender muitas das nossas escolhas e a compreen-
der algumas decisões tomadas pelos outros, que, no momen-
to, podem não ser compreensíveis.
Porém, todas as escolhas que fazemos pertencem a
um momento, a um contexto e estão relacionadas ao nosso
26
Ana Matos
nível de amadurecimento. E como disse Chico Xavier, “Embo-
ra ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qual-
quer um pode começar agora e fazer um novo fim”.
27
Pelo olhar do outro é que eu me vejo
O trabalho de autoconhecimento reflete-se no olhar
para nós mesmos e para o mundo.
(Ana Matos)
Existe um longo caminho até a mudança, mesmo por-
que a compreensão racional não é como a compreensão emo-
cional. Não é fácil mudar um comportamento, pois este vem
carregado de sentimentos e emoções, está cheio de passado.
Embora todos os dias, a todo momento, tenhamos a oportuni-
dade de escolher como será nosso agora, não é fácil mudar,
mesmo que esse comportamento nos proporcione sentimen-
tos indesejados.
Theo Roos, no seu livro “Vitaminas filosóficas”, diz
que Nietzsche sempre foi de encontro aos comportamentos
difíceis de ser alterados. Já é complicado reconhecer nossos
comportamentos, imagine mudá-los! É uma ginástica, uma
tensão, uma permanente intranquilidade. Esses comporta-
mentos, por estarem tão entranhados em nós, são difíceis
de mudar, porém isso não é impossível. “O familiar (escreve
Nietzsche em “A Gaia Ciência”) é o habitual; e o habitual é o
mais difícil de conhecer, isto é, de ver como problema, como
alheio, como distante, como exterior a nós”. E é pelo olhar do
outro que eu me reconheço, é pelo outro que eu me vejo. Não
29
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
estamos sozinhos e não conseguiremos sozinhos. Fazemos
parte de um todo, somos o todo.
Segundo Deepak Chopra, no seu livro “O efeito som-
bra – descubra o poder escondido na sua verdade”, pode pa-
recer estranho, mas os sentimentos têm sentimentos. Sendo
parte de nós, eles sabem quando são indesejados. O medo
coopera ao se esconder; a raiva coopera fingindo não existir,
e por aí vai. E como podemos fazer para lidar com sentimen-
tos que permanecem e refletem em nosso comportamento
ainda hoje, como resquícios de uma perda, de um acidente,
de uma ruptura, de uma rejeição amorosa, de um fracasso
escolar?
A agitação, a correria do nosso dia a dia, o crescimen-
to desenfreado da nossa sociedade nos afetam diretamente. É
difícil dar conta desse ritmo. E isso nos distancia mais ainda
de nós mesmos. É até irônico pensar que a pessoa com quem
convivemos todo tempo, com quem acordamos e dormimos,
muitas vezes é nosso maior desconhecido.Queremos ser bem-
sucedidos no mercado de trabalho, queremos ser donos do
nosso nariz, conquistar uma posição de destaque social, fa-
zer e acontecer no mundo, mas mal conseguimos reconhecer
nossos sentimentos, mal sabemos quem somos, por que rea-
gimos de tal forma, por que permitimos que determinadas
situações se repitam.
Investimos nosso tempo e dinheiro em busca de atu-
alizações sobre o mercado, sobre novas e melhores práticas
de negócios, em melhorar nossas competências profissionais,
e não investimos nem 1% de tempo e dinheiro para nos co-
nhecermos, para saber quem é esta pessoa que está comigo
24 horas do dia.
30
Ana Matos
Receber formação e treinamento é algo perfeitamente
normal em outros campos, mas na administração e no conhe-
cimento do próprio Eu, é proibido, é vergonhoso, afinal, ainda
hoje não é difícil ouvir que terapia é coisa para louco, para
quem tem problemas, para quem não consegue se ajudar. O
mundo mudou, pessoal!!! Olhar para si mesmo é para poucos.
Somente os corajosos encaram esse encontro consigo e com o
mundo. Precisamos nos conhecer, conhecer o outro, reconhe-
cer nossos pontos fracos, potencializar nossos pontos fortes e,
para isso, precisamos do olhar do outro – para sermos melho-
res, para nos desenvolvermos, para evoluirmos.
As escolas, assim como as empresas, não se preocupam
em formar pessoas que pensam, mas em formar pessoas que
façam o que tem de ser feito sem questionar, sem muitas análi-
ses. Somos treinados para reproduzir, para replicar o que nos
foi passado. Se pararmos para pensar, o mundo a nossa volta
faz questão de tampar nossos olhos para nós mesmos.
Podemos buscar o olhar do outro em um amigo, em
nossos pais, em nosso parceiro ou num profissional. O tera-
peuta também cumpre esse papel do outro, com suas técnicas,
seus métodos e sua sensibilidade. Ele nos auxilia a enxergar
nossos sentimentos e comportamentos, a articularmos nossa
demanda, a constituirmos, a nos descobrirmos na nossa fala
em relação à nossa história, e a extrairmos, a partir de cer-
ta sequência, uma mensagem em que poderá ser veiculado
um sentido que almejamos encontrar. Por meio da terapia,
podemos encontrar “os porquês” para determinados compor-
tamentos, sentimentos e emoções, e, se for o caso, mudar ou
amenizá-los; aliviar as nossas dores e nos tornarmos pessoas
melhores e orientadas para o nosso projeto de ser no mundo.
31
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Como disse Theo Roos, escavar a si mesmo é um processo de-
morado e nada simples, mas que nos traz o perdão e o alívio
para nossas culpas.
32
Quem é você amanhã?
Quanto aos homens,
não é o que eles são o que me interessa,
mas o que eles podem se tornar.
(Jean Paul Sartre)
As pessoas fogem de si mesmas, perdem-se no meio
da multidão, afundam-se nas preocupações do dia a dia, na
rotina, e quando olham para si não veem nada, não sabem
dizer o que buscam para si mesmas. Desde muito cedo somos
questionados sobre o que queremos ser quando crescermos
e não somos incentivados, estimulados a nos conhecer. Vive-
mos numa sociedade que nos afasta de nós mesmos. Socieda-
de essa criada por nós – homens e mulheres. A luta pela so-
brevivência neste mundo caótico não nos deixa muito tempo
para pararmos para pensar se, de fato, queremos fazer par-
te disso. Simplesmente vamos seguindo conforme o que nos
foi preestabelecido pela cultura, pela religião, pelos padrões,
pela tradição etc.
Em grandes linhas, fomos criados para ter uma pro-
fissão, casar, ter filhos, netos, nos aposentar e esperar a morte
chegar. Porém, há algum tempo essa forma de se construir
vem sendo questionada, quebrada e reconstruída por alguns.
Quebrar paradigmas, destruir para poder reconstruir, faz
33
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
com que o sentimento de “falta de chão”, de desorientação
venha à tona. É natural que neste processo de reconstrução,
principalmente se o caminho for oposto ao “imposto” social-
mente, haja momentos de vazio, de solidão, de angústia, de
querer voltar atrás e se abandonar novamente.
De fato, constatamos diariamente que o homem nasce
livre, e por toda parte encontra-se acorrentado, como disse
Jean Jacques Rousseau. Somos livres para escolher como dar
forma a nós mesmos, embora tenhamos de aceitar algumas
limitações sociais. No entanto, dentro do âmbito das escolhas
realistas, com frequência, descobrimos que quando coagidos,
tomamos decisões baseadas no hábito ou na visão habitual
que temos de nós mesmos. Não nos permitimos “olhar de
cima”, “a pensar fora da caixa”.
Segundo Jean Paul Sartre, filósofo existencialista, a
escolha do que queremos nos tornar está em nossas mãos,
somos seres compelidos a determinar um propósito para as
nossas vidas, seja ele afetivo, social, pessoal... afinal, dentro
da filosofia existencialista, não existe um poder divino que
prescreve esse propósito, devemos definir a nós mesmos.
Definir a nós mesmos não é apenas uma questão de
ser capaz de dizer o que somos como seres humanos. Em vez
disso, é uma questão de assumirmos a forma de qualquer
tipo de ser que escolhemos nos tornar. No entanto, escolher
um caminho para ser o que queremos ser significa abrir mão
de todos os outros caminhos. Qualquer escolha que façamos
vem acompanhada da perda.
A perda faz parte da nossa construção, do nosso pro-
jeto de ser. Essas perdas é que nos tiram da nossa zona de
conforto. Elas nos fazem enxergar além do nosso próprio um-
34
Ana Matos
bigo. A perda nos traz aprendizado. É a oportunidade que te-
mos para ganhar o amadurecimento, para nos descobrirmos,
para nos conhecermos, para encararmos de frente quem so-
mos e projetarmos o que queremos ser amanhã.
35
O autoconhecimento
baseado em fatos reais
Sou parte de tudo o que conheci.
(Ulisses de Tennynson)
Augusto Cury, no seu livro “Mulheres inteligentes, rela-
ções saudáveis”, diz que você pode conviver com milhões de
máquinas, com animais e não sofrer nenhuma frustração, mas
se conviver com um único ser humano, por mais que o ame,
haverá decepções imprevisíveis e frustrações inesperadas.
Mesmo se nos isolarmos das pessoas e nos trancarmos
em nosso mundo, os problemas externos irão ser substituídos
por problemas que a nossa mente, incrivelmente elaborada,
construirá.
Problemas todos têm, o que os diferencia é a forma, o
peso e o valor que nós damos a eles. Embora sejamos consti-
tuídos da mesma forma, corpo, mente e alma, nos desenvol-
vemos de maneiras diferentes. O que nos diferencia são as
nossas escolhas. Podemos apresentar um problema agora, e
cada um de nós o resolverá de forma diferente. As escolhas
podem determinar por que seu vizinho teve sucesso na vida
e você não, ou por que você conseguiu superar aquele desafio
e o seu colega não.
37
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Por mais que, num contexto geral, todos nós passe-
mos pelas mesmas questões e tenhamos problemas muito
semelhantes, como por exemplo, quanto a relacionamentos
afetivos – “Como eu faço para que ele me entenda”, “Por que
estou sozinho?” ou “Por que não me sinto feliz?”, entre outras
inúmeras questões –, o que nos torna complexos são os con-
teúdos que trazemos lá de trás, das nossas relações familia-
res, dos nossos registros de infância, das pessoas que fizeram
parte do nosso desenvolvimento e que são nossas referências.
O que registramos e o que isso tem a ver com “o que
eu quero ser? Vou agir da mesma forma que meu pai porque
ele teve sucesso? Continuarei entregue à depressão porque
foi assim que eu vi minha mãe conseguir as coisas”?
O processo natural é que nos identifiquemos, num
primeiro momento, com o que vimos, mas com o passar do
tempo, essa identificação vai se tornando parcial e seletiva,
pois precisamos nos construir. Para que isso aconteça, serão
necessárias algumas perdas, será necessário deixar para trás
algumas crenças. Assim sendo, não nos tornamos clones, mas
sim quem queremos ser de fato.
Somos parte de tudo o que conhecemos, daqueles que
nos criaram, mas, como disse Judith Viorst, essas partes fo-
ram transformadas. Cada um de nós é o artista do próprio
Eu, criando uma colagem – uma obra de arte nova e original
– com fragmentos e recortes de identificações. Ela diz ainda
que, sem dúvida, nós todos, durante o nosso desenvolvimento
normal, tivemos experiências de um falso Eu, de separação
em duas partes, de narcisismo. Nós todos tivemos experiên-
cias de desligamento do nosso Eu. Nós todos tivemos experi-
ências do tipo: “Por que eu disse aquilo?”, de abrigar “eus”
38
Ana Matos
distintamente contrários, de tentar esconder nossos “eus”
inaceitáveis, de agir como pessoas diferentes com pessoas di-
ferentes.
Um crescimento e relações saudáveis implicam na
capacidade de renunciar à nossa necessidade de aprovação,
quando o preço dessa aprovação é o nosso próprio e verda-
deiro Eu.
A busca por essas duas letrinhas – Eu – nem sempre é
agradável, tranquila e simples. Busca ou fuga do Eu pode nos
trazer decepções, frustrações, incertezas. Assim como pode-
mos também provocar esses sentimentos nos outros. Mesmo
porque, dentro dessas duas letras estão contidos nossos dese-
jos e limites, nosso corpo e nossa mente, nossos sonhos e obje-
tivos, nossos sentimentos e nossas capacidades. Para sermos
quem queremos ser, é imprescindível a relação com o outro.
E esse outro, assim como nós, virá com toda essa complexida-
de, com todos os conteúdos, com todos os registros. Sabemos
que é um desafio e tanto lidar com as pessoas, mas a partir
do momento que sabemos quem somos, que praticamos o
exercício do autoconhecimento, fica mais fácil conhecer e nos
relacionar com o outro e, assim, construir relações transpa-
rentes e baseadas em fatos reais.
39
Para sofrer basta estar vivo
O sofrimento é sempre um encontro consigo mesmo:
sofrer amadurece.
(Clarice Lispector)
Diante da correria do dia a dia, da luta constante pela
sobrevivência neste mundo selvagem, acabamos, na maioria
das vezes, por não prestar atenção aos sinais que nosso cor-
po e nossa alma nos enviam. Conquistamos posições de des-
taque, bens materiais, visibilidade na mídia e, nem sempre,
paramos para nos olhar. Fugimos de nós mesmos por achar-
mos que estamos perdendo tempo com indagações, conflitos,
questionamentos e que isso só nos coloca distantes dos nossos
objetivos – profissionais e sociais.
O momento em que nos decidimos parar e olhar para
nós mesmos nem sempre é um momento agradável, muitas
vezes, é imposto por meio de uma doença que nos acomete
ou que acomete os seres que amamos. E quando isso aconte-
ce, fugir não é o remédio. Fugir é uma solução paliativa para
algo que vem da nossa alma e refletiu em nossa vida. Precisa-
mos reconhecer que somos humanos, feitos de carne e osso,
que não somos perfeitos, que não precisamos dar conta de
tudo e nem entender de tudo, que podemos errar e fraquejar,
que podemos tratar melhor as pessoas, pois nem todos farão
41
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
o mal que um dia nos fizeram. Precisamos reconhecer nosso
sofrimento e buscar ajuda sim. Não estamos sozinhos neste
mundo.
Quando reconhecemos nosso sofrimento, seja ele fí-
sico ou emocional, devemos tratá-lo com bondade, sem vio-
lência, sem culpa, sem autopunição, sem autoflagelo. Neste
momento, é importante abraçar o nosso medo, acalmar a nos-
sa raiva, acariciar o nosso ódio, e aceitar que precisamos nos
olhar no espelho com carinho e colocar no colo essa pessoa,
esse corpo, essa alma que está em lágrimas.
Para sofrer, basta estar vivo, porém a dor é um cami-
nho para o crescimento. E disso ninguém escapa. Ela nos per-
tence, e somos nós quem a criamos. Nem sempre nossas esco-
lhas nos levam para o caminho do amor. No entanto, aceitar
a dor é um meio para nos encontrarmos, para pararmos de
fugir de nós mesmos, para entendermos que algo não está
bem. Ela é um meio para refletirmos sobre nós, sobre a nossa
vida, sobre a maneira que estamos conduzindo nossos dese-
jos, sonhos e expectativas. A dor é uma oportunidade, uma
chance para prestarmos atenção em nós mesmos.
No seu livro “Linguagem do corpo 2”, Cristina Cairo
diz que a física quântica comprova que o pensamento inter-
fere diretamente na trajetória de nosso destino, pois pensa-
mentos são vibrações que se deslocam instantaneamente,
sem depender de tempo ou de espaço. Ou seja, assumem
formas, realizam sonhos, transformam ambientes, fabricam
doenças e geram no corpo o que desejamos ou não, conscien-
te ou inconscientemente. Diz ainda que: compreender que a
doença é o reflexo de seu comportamento, de suas palavras,
de seus pensamentos e sentimentos já será um grande passo
42
Ana Matos
para a sua evolução. Quanto mais formos flexíveis em nossas
opiniões e pensamentos, mantendo o equilíbrio entre o que
sabemos e o que os outros sabem; mais saúde e tranquilidade
teremos para seguir nosso caminho.
O se conhecer e conhecer o outro é fundamental para
a saúde emocional e física. Conhecer nossos mecanismos de
defesa psicológicos e das outras pessoas, tentar entender o
porquê de alguns desentendimentos, de alguns “surtos” que
geram mágoas, ressentimentos, raiva e demais componentes
que só vão nos levar a um lugar – à doença – é crucial para os
relacionamentos saudáveis. É comum usarmos de um meca-
nismo de defesa – o da resistência. Resistência em reconhecer
nossas fragilidades, nossos defeitos, assumir nossos erros, afi-
nal é muito mais fácil achar que o outro é errado ou culpado
pelos nossos sofrimentos. Sigmund Freud dizia que quando
você se irrita profundamente com alguém a ponto de comen-
tar e apontar os defeitos dessa pessoa, está dando um forte
indício de que você se projeta e se identifica com ela.
Podemos, a qualquer momento, parar e começar a re-
fletir como estamos trilhando nosso caminho, como estamos
construindo a nossa história, o que estamos sendo para nós
mesmos e para o mundo. A doença é um sinal de alerta da
nossa alma. É uma forma de comunicação de nossos desejos
frustrados, vontades não expressas e/ou emoções reprimidas.
Não há como separarmos alma, matéria e emoção. A busca
pelo equilíbrio desses três componentes do nosso ser consti-
tui-se num exercício e em uma prática constante, que exige
paciência e persistência e que faz parte do nosso processo
evolutivo. Não desista de você!
43
Mudar é aceitar que queremos
ser quem somos
Somente quando tivermos coragem para encarar as coisas
exatamente como elas são, sem decepção pessoal ou ilusão, uma luz
se desvendará dos acontecimentos, através da qual o caminho para o
sucesso será reconhecido.
(I Ching)
Diante de tanto avanço tecnológico, de conquistas glo-
riosas, de quebras de paradigmas, por que o ser humano ain-
da insiste em padrões que caminham para uma direção con-
trária ao seu desejo, distante de si e da felicidade? A mudança
é provocada pelo homem, mas não acontece no homem. O
receio da mudança chega a ser até algo místico, no sentido de
ser supersticioso. Acreditamos que, se mudarmos determina-
do comportamento, uma catástrofe irá acontecer. Seria algo
comparado, no sentido figurado, ao que ocorre com as pes-
soas que sofrem do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC):
elas desenvolveram algumas manias que, não sendo pratica-
das, causam uma sensação de que algo ruim irá acontecer.
Assim lidamos frente às mudanças que sabemos ser neces-
sário enfrentar para sairmos de um padrão de repetição, por
meio do qual obtemos sempre os mesmos resultados, e que
nos mantém infelizes.
45
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
No entanto, mudar comportamentos, hábitos não é
uma tarefa fácil. Diria até que é uma grande missão, porém
não uma missão impossível. O primeiro ponto é o querer fa-
zer diferente, ter esse desejo, esse objetivo muito forte e certo.
Em segundo lugar, é preciso ter coragem. Coragem
para enfrentar opiniões contrárias, para cair (se necessário)
e, principalmente, para enfrentar sua sombra, suas fragilida-
des e verdades. E em terceiro lugar, muita, mas muita per-
sistência, que deve vir acompanhada de muita disciplina e
determinação.
O que acontece é que nos escondemos atrás de uma
máscara, ou melhor, de infinitas máscaras, e construímos
uma personalidade para ocultar quem realmente somos ou
quem desejamos ser. Gastamos uma energia absurda diaria-
mente para criar uma fachada, para que ninguém descubra
nossos pensamentos sombrios, desejos, impulsos e histórico
pessoal. Na maioria das vezes, estamos correndo na direção
contrária ao que somos por medo de ferir o outro, por medo
de não sermos aceitos, por medo que descubram nossas fa-
lhas mais profundas. Essa personalidade que construímos
está incumbida de esconder todas as partes indesejadas e ina-
ceitáveis de nós mesmos, inclusive aquelas que nós mesmos
não aceitamos.
Segundo Debbie Ford, se fomos magoados por pais
emocionalmente imprevisíveis, talvez tenhamos de trabalhar
muito para transmitir a imagem de uma pessoa calma e equi-
librada; se tivemos dificuldade de aprendizagem enquanto
crescíamos, talvez criemos uma personalidade terna, excessi-
vamente amorosa, para que os outros não percebam a defici-
ência que acreditamos ter; se nos envergonhamos de ser um
46
Ana Matos
filho adotivo, talvez nos tornemos trabalhadores altamente
motivados, que sempre se vestem impecavelmente e são bem
articulados. A imagem que criamos é elaborada pelas nossas
partes feridas, confusas ou repletas de dor. Embora isso possa
enganar aos outros, e até a nós mesmos, por um tempo, aca-
baremos sendo confrontados pelos ferimentos que essa más-
cara destinava esconder. Por isso, a mudança é uma grande
missão, é imprescindível um mergulho profundo em questões
que nem sempre estamos preparados para enfrentar. Caso
contrário, a mudança não será permanente.
É contraditório nosso processo de querer evoluir, pois
caminhamos na direção oposta. Trabalhamos duro, não para
ser quem queremos ser, mas para compensar as partes que
julgamos inaceitáveis, torcendo para ludibriar os outros e
nos livrar dos sentimentos ruins que foram associados a eles.
Se nos sentimos permeados pela insegurança, podemos ter
desenvolvido uma personalidade arrogante, que tudo sabe,
para convencer os outros de que temos uma imensa confian-
ça. Se nos sentimos impotentes, talvez tenhamos escolhido
uma carreira ou um parceiro que nos permita parecer mais
poderosos. E o pior é que nos enganamos achando que não
há nada que não conhecemos a nosso respeito, de que somos,
de fato, a pessoa que vemos no espelho. Será? Tornamo-nos
cegos às imensas possibilidades de nossa vida.
Para Debbie Ford, somente quando pararmos de fin-
gir ser o que não somos – quando já não sentimos mais a ne-
cessidade de nos esconder ou compensar nossa fraqueza ou
nossos talentos – conheceremos a liberdade de expressar o
autêntico “eu”, tendo habilidade para escolher com base na
vida que verdadeiramente desejamos viver. Sem perceber,
47
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
nos posicionamos para provar que somos mais, melhores ou
diferentes que o restante, ou tentamos ficar invisíveis para
nos adequar sem chamar atenção. Esforçamo-nos para criar
justamente a persona que acreditamos que nos trará a apro-
vação e o reconhecimento que desesperadamente precisamos
ou, de modo alternativo, que nos dê uma desculpa para não
vivermos na íntegra uma vida que amamos.
Para não viver dentro dessas máscaras, é preciso ter
coragem para se enfrentar de verdade. É preciso querer fazer
diferente. É preciso aceitar que mudar é fundamental para
que não percamos de vista quem realmente somos e que pos-
samos estar abertos às possibilidades para a nossa vida. Pre-
cisamos abraçar a nossa sombra para que possamos conhecer
a liberdade de viver uma vida transparente, mais próxima
do que somos, para nos sentirmos livres o suficiente e con-
vidarmos os outros a entrar em nossa vida sem que sejamos
tomados pelo medo de ter uma recaída e voltarmos a expor a
pessoa que vínhamos tentando não ser. Somente na presença
do compromisso inabalável de enfrentar nossos demônios é
que a porta para a descoberta pessoal se abre. Afinal, todos
temos dentro de nós um lugarzinho onde secretamente dese-
jamos ser mais, experimentar mais. Mudar é ter a coragem
para aceitar que queremos ser quem somos.
48
A angústia e o inconsciente
determinados pela escolha
Que mentir para si mesmo é sempre a pior mentira [...].
(Legião Urbana)
Freud não estava errado quando dizia que somos fru-
tos da nossa história familiar, do nosso passado, do contexto
em que fomos criados. No entanto, podemos mudar o rumo
da nossa história a qualquer momento. Porém, se optamos
por aceitar o determinismo psíquico ou a própria teoria do
inconsciente de Freud para justificar o que somos e fazemos
hoje, usamos de má-fé.
Má-fé é um conceito criado por Jean Paul Sartre, filó-
sofo existencialista do século 19. O existencialismo considera
cada ser humano como único, e senhor absoluto do seu desti-
no e de suas atitudes. Salienta a subjetividade, a responsabi-
lidade e a liberdade individual do homem, que este só pode
esquecer por má-fé.
No seu artigo Filosofia da liberdade, Sérgio Amaral Sil-
va diz que, para Sartre, a má-fé é um mecanismo pelo qual o
homem procura se defender da angústia que a consciência
da liberdade provoca. Todavia, por meio dessa defesa equivo-
cada, nos distanciamos de nosso projeto pessoal, nosso pro-
49
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
jeto de vida – do que somos e queremos ser –, incorrendo no
equívoco de explicar nossos fracassos pela interferência de
fatores externos, como Deus, o destino, os astros ou a sorte.
Nesse contexto, inclusive a teoria do inconsciente, for-
mulada por Sigmund Freud (1856-1939), era considerada um
exemplo de má-fé. Visto que, de acordo com Freud, as pesso-
as experimentam repetidamente pensamentos e sentimentos
tão dolorosos que não podem suportá-los. Tais pensamentos
e sentimentos (assim como as recordações associadas a eles)
não podem ser expulsos da mente, mas, em troca, são expul-
sos do consciente para formar parte do inconsciente, são re-
primidos.
Freud comparou a mente humana com um iceberg,
um grande bloco de gelo flutuante cuja ponta visível seria a
consciência, enquanto a imensa porção submersa represen-
taria o inconsciente, contendo os traumas, frustrações, von-
tades reprimidas e inconfessos desejos. Esse conteúdo repri-
mido não consegue acessar diretamente o consciente, mas
acaba emergindo pelas manifestações do inconsciente, que
são: sintomas, sonhos, chistes ou atos falhos, presentes no que
ele chamou de psicopatologia da vida cotidiana. Desse modo,
na visão freudiana, o inconsciente é um enorme subterrâneo
de forças vitais invisíveis, motivando a maior parte dos pen-
samentos e ações conscientes do homem, além de ser o res-
ponsável por grande parte dos distúrbios psíquicos. Porém, é
o que nos mantém na “dita normalidade” que a sociedade, ou
seja, nós homens, determinamos.
A questão não é confrontar o existencialismo com a
teoria freudiana, mas entender o homem e suas escolhas por
meio dessas duas correntes representativas. Mesmo o exis-
50
Ana Matos
tencialismo tendo surgido depois de Freud, numa outra épo-
ca, num outro contexto, o fato de o homem ter de assumir
ser o único responsável pelo seu destino, invariavelmente, faz
com que ele passe a viver num estado de angústia, de desam-
paro e desespero.
No seu livro “O existencialismo é um humanismo”, Jean
Paul Sartre diz que o homem que se engaja e se dá conta de
que não é apenas quem escolheu ser, mas também um legis-
lador que escolhe simultaneamente a si mesmo e à humani-
dade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total
e profunda responsabilidade. Segundo Sérgio Amaral Silva,
enquanto está sozinha, a consciência do homem pode reinar
como senhora absoluta de seu destino e usufruir em plenitu-
de de uma liberdade que desconhece barreiras. Isso se trans-
forma radicalmente na presença do outro, cuja subjetividade
passa a ser mais uma entre as coisas do mundo.
Ao contrário da situação anterior, essa nova coisa
não é apenas mais uma que se oferece passivamente à mi-
nha apreciação, mas ela, ao mesmo tempo, me identifica, não
mais como o sujeito que eu era, mas como objeto de seu mun-
do. Sou, de certo modo, paralisado pelo meu próprio olhar.
Passo a ser observado e julgado com a liberdade do pensa-
mento alheio, sobre o qual não tenho nenhum poder ou influ-
ência. Ou seja, o outro pode pensar o que quiser sobre mim,
independente da minha vontade ou controle, o que represen-
ta uma ameaça permanente. A liberdade alheia é um perigo
para a minha, que também a põe em risco. No entanto, esse é
o preço a pagar pela escolha de ser o senhor de sua liberdade.
A grande questão é: se reprimimos, recalcamos, se uti-
lizamos de mecanismos de defesas ou nossas ações e vontades
51
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
vem à tona por meio das manifestações do inconsciente – atos
falhos, chistes, sonhos ou sintomas –, existe uma razão para
que elas se manifestem dessa forma. Existe uma razão para
agirmos de má-fé. E somos nós que escolhemos. Descobrir os
“porquês” cabe a cada um, se for do seu interesse entender.
Uma das formas de se aprofundar nas suas próprias questões
é pela busca do autoconhecimento, que pode ser feito por
meio da terapia, seja ela individual ou em grupo.
52
A mudança é um salto no escuro
Para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha,
porque alta vive.
(Fernando Pessoa)
Por que muitas vezes preferimos permanecer em si-
tuações ruins, que não são mais satisfatórias ou prazerosas?
O primeiro ponto corresponde àquela velha questão: se você
continuar agindo da mesma forma, continuará tendo os mes-
mos resultados. Se quisermos crescer, se quisermos ser mais,
precisamos fazer diferente, pensar e agir para além do que já
vem sendo feito.
A importância do autoconhecimento está em enten-
der quais foram os inputs, quais foram as questões que nos
levaram a permanecer, a aceitar determinadas situações em
nossa vida que não nos faziam mais felizes, que já estavam
esgotadas. O que mais explica os padrões de comportamento
intrínsecos dos seres é o que podemos observar no compor-
tamento dos sapos em resposta a dois estímulos básicos. Sa-
be-se que, quando um sapo é jogado em uma panela de água
fervente, sua reação é imediata no sentido de saltar para fora.
No entanto, se colocado na panela fria que vai sendo aqueci-
53
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
da lentamente, não é capaz de reagir e saltar para fora quan-
do começar o perigo de morte. Ele perde efetivamente essa
capacidade de reação, permitindo que a situação determine
a sua morte.
Analogamente, é o que ocorre com o ser humano fren-
te a um quadro agudo ou a um choque (em nível físico ou
emocional), e frente a um quadro crônico ou quadros emocio-
nais que estressam progressivamente o indivíduo. A correria
do dia a dia, as loucuras dessa nossa busca desenfreada, en-
fim, são coisas tão sutis que nem nos damos conta do mal que
nos fazem. Vamos agindo e reagindo no automático.
Precisamos saber enxergar o todo e nos enxergar dife-
rente do que estamos sendo. Se nos projetarmos como mais um,
seremos mais um. É fundamental trabalharmos o pensamen-
to, nos projetarmos e criarmos oportunidades para que o que
queremos aconteça. Se determinadas situações não nos fazem
bem, podemos começar nos visualizando fora delas. Como se-
ria se fosse diferente? Se não estivéssemos mais ali? Como po-
demos nos conhecer melhor e não nos permitirmos estar numa
panela de água fria que vai aquecendo aos poucos...
Para mudar qualquer situação precisamos saber per-
der, abrir mão. Precisamos deixar para trás padrões, crenças,
necessidades e até pessoas que não fazem mais parte desse
mundo que construímos ou queremos hoje. Para sermos mais,
para sermos grandes, sejamos inteiros, como disse Fernando
Pessoa. Mas sejamos também conscientes e desapegados.
Preferimos, muitas vezes, permanecer nas situações
ruins ao desconforto da mudança. Pois a mudança é um salto
no escuro. No entanto, a partir do momento que vamos su-
perando os obstáculos do caminho, que vamos solucionando
54
Ana Matos
problemas, as luzes vão se acendendo, e, quando menos es-
peramos, ao olhar para o lado veremos refletidas as várias
facetas do que somos e nem imaginávamos. Veremos aonde
chegamos, e mais: veremos o que nos tornamos.
55
O olhar do outro como parte da
construção do meu ser
O que faz a vida ser vida é a possibilidade que temos
de transformação, de podermos estar sendo a cada dia, nos
construindo. Um dos fundamentos do existencialismo é de
que a “existência precede a essência”. O que significa dizer
que, num primeiro momento, o homem existe, encontra a
si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define.
Seremos aquilo que fizermos de nós mesmos. Segundo Jean
Paul Sartre, o homem é tão somente não apenas como ele
se concebe, mas também como ele se quer; como ele se con-
cebe após a existência, como ele se quer após esse impulso
para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que
ele faz de si mesmo: e esse é o primeiro princípio do exis-
tencialismo. Sendo assim, somos responsáveis pela nossa
existência. Somos frutos das nossas escolhas, conscientes
ou não.
Segundo o existencialismo, dizer que o homem é res-
ponsável por si mesmo é também dizer que ele é responsável
por todos os homens. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar,
concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo. O
meu querer não forma apenas quem eu quero ser, mas reflete
em toda a sociedade, no meio em que eu vivo, nas pessoas que
57
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
eu amo. Iremos sempre procurar escolher o bem para nós
mesmos, e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos.
Sempre que escolho algo, escolho para mim e para os outros,
e isso gera em mim a angústia de saber que sou responsá-
vel também pelos outros. O homem, então, se vê em conflito
com seus sentimentos. Por isso, o existencialismo diz que o
homem é angústia.
Afirma Thana Mara de Souza, professora do Departa-
mento de Filosofia da Universidade Federal do Espírito San-
to (UFES), que além de mostrar tão bem como o homem se
vê perdido em sua época, Sartre revela em seus romances
outra questão essencial: a revolta em relação ao que chama
de “moral burguesa”, que nos obriga a agir de determinado
modo e estabelece o que é certo e o que é errado. Nesta mo-
ral burguesa, tudo se encaixa perfeitamente – somos quem
podemos ser –, somos o que a sociedade nos permite ser.
Dentro dessa moral, qualquer ato serve para nos enquadrar
em estereótipos: esse é inteligente, aquele é rebelde, aquele
outro é normal, aquele outro é louco. Com base nessas clas-
sificações, somos rotulados: se eu sou “rebelde”, tudo o que
eu faço deve ser criticado e condenado pelo fato de eu ser
rebelde; ao contrário, se eu for “inteligente”, todos os meus
atos devem ser inteligentes, e se algum não for, a censura
será imensa.
Sartre critica essa moral que pretende aprisionar o
homem em definições e tirar sua liberdade. Diz que essa li-
berdade implica responsabilidade, pois, se somos livres para
escolher o que queremos ser, devemos assumir essa escolha,
não temos como negar essa liberdade e fingir não sermos
responsáveis, embora seja mais confortável fazer isso.
58
Ana Matos
Se eu utilizo desse pretexto de que a sociedade fun-
ciona dessa forma e não posso querer ser diferente do meu
grupo, segundo Sartre, eu uso de má-fé.
Na sua obra “O ser e o nada”, há alguns trechos em
que Sartre exemplifica o que ele chama de má-fé, por exem-
plo: a história dos dois jovens que caminham pela rua e o ra-
paz paquera a moça, em dado momento ele pega a mão dela e
ela não sabe exatamente o que fazer: se retira a mão e recusa
o rapaz de quem gosta ou deixa a mão e aceita as consequên-
cias desse ato. Ela escolhe fazer os dois e nenhum dos dois:
deixa o rapaz segurar sua mão, como se isso não significasse
nada, como se isso não quisesse dizer que estava interessada.
Desse modo, a moça pensa ter uma desculpa caso o rapaz de-
seje insistir mais: o que ela quer dizer para ele é que permitiu
que ele segurasse sua mão, mas, ao mesmo tempo, não quis
assumir a consequência do seu ato.
Embora o homem não seja um efeito, um resultado,
um produto da história, da política, seja o que for, nada exis-
te pelo e para o homem, nenhum sistema, nenhuma política,
nenhuma história, nada o anula. Claro que Sartre reconhece
que somos seres históricos e que a história nos modela, no
entanto, afirma que nenhum sistema existe por si mesmo.
No livro de Sigmund Freud chamado “Totem e tabu”,
fica clara a questão da formação da sociedade, de suas regras,
proibições, hesitações e delimitações, por conta do Complexo
de Édipo. Os dois tabus fundamentais – não matar o animal
totêmico e não cometer incesto – são a base da sociedade em
que vivemos até os dias de hoje. Segundo Menezes, o horror
ao incesto, por exemplo, tem uma função pedagógica, no sen-
tido em que obrigava o homem primitivo a criar estratégias
59
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
para evitar a violência que a expressão sem barreiras de seus
desejos provocaria, não somente para a própria pessoa como
também para os outros, sendo que a partir do momento em
que escolho para mim escolho para o outro. E lidar com os
nossos desejos mais primitivos, com os limites, e ao mesmo
tempo saber que existe um outro que pode ser atingido pelas
minhas escolhas gera a dolorida angústia de ser livre. Sendo
assim, eu posso escolher não fazer o que eu quero, pois, como
nos diz Freud, existe uma ambivalência na atitude do homem
– ele deseja e detesta aquilo que é proibido. A base do tabu
seria uma ação proibida, embora exista no homem o desejo
de violá-lo. Porém, muitas vezes o medo é mais forte do que o
desejo, ou, na visão sartreana, a escolha pelo medo prevalece
até por ter a consciência de que eu faço parte de um todo e
que irei sofrer as consequências do meu ato.
O homem é responsável pela sua história, pela histó-
ria dos outros, do mundo. Ele é uma singularidade que filtra
as determinações gerais da história, e dessa responsabilidade
ele não pode abdicar, pois isso seria hipotecar a sua liberda-
de, seria agir de má-fé. Apesar de toda a determinação his-
tórica, não há como abdicar da liberdade. Se nós abdicamos
dela, estamos abrindo mão do nosso ser. Isso é uma responsa-
bilidade ética. Quem abre mão da sua liberdade comete uma
traição a si próprio.
Vamos nos construindo, assim como o mundo a nossa
volta, por meio das nossas ações. Elas nos definem. Devemos
nos comprometer com a nossa vida e entender que o que con-
ta é a realidade. Os sonhos, as esperanças, as esperas só per-
mitem que o homem se defina como um sonho malogrado,
como esperanças abortadas, como esperas inúteis. Que ele se
60
Ana Matos
defina como algo no mundo das ideias, que ele se defina em
negativo e não em positivo. Sartre diz que “somos nada mais
do que nossa vida”, isso não implica que o artista seja julgado
unicamente por suas obras de arte; mil outras coisas contri-
buem igualmente para defini-lo, ou seja, somos uma série de
empreendimentos, a soma, a organização, o conjunto das rea-
lizações que constituem esses empreendimentos.
E a partir da nossa construção, da nossa realização do
projeto de ser, vamos também descobrindo os outros como
sendo a própria condição de sua existência. Só podemos ser
alguma coisa, no sentido em que se diz que alguém é alegre,
ciumento, bom ou mau, se os outros nos reconhecerem como
tal. Para obter qualquer verdade sobre mim é necessário que
eu considere o outro. Ele é indispensável à minha existência
tanto quanto, aliás, ao conhecimento que tenho de mim mes-
mo. Minhas escolhas interferem no todo se pensarmos que
estamos conectados, que toda ação tem uma reação, por me-
nor que seja. A nossa responsabilidade como seres humanos
é muito maior do que poderíamos supor, pois minhas esco-
lhas refletem no todo e engajam a humanidade inteira.
61
Término: o ponto final no fim
Eu falo de amor à vida; Você, de medo da morte. Eu falo da
força do acaso; Você, de azar ou sorte.
Eu ando num labirinto; Você, numa estrada em linha reta.
Eu experimento o futuro;
E você só lamenta não ser o que era. Então me diz qual é a
graça de já saber o fim da estrada
quando se parte rumo ao nada.
(A seta e o Alvo de Paulinho Moska)
Por que é tão difícil deixarmos aquela pessoa que não
faz mais parte da nossa vida ir embora?
O fato que negamos é que a pessoa não faz mais parte. E
o que acontece é que insistimos em mantê-la presente em nosso
dia a dia. E mantemos, muitas vezes, por egoísmo, por medo do
que iremos sentir, por medo de não conseguirmos sobreviver
sem a rotina que faz parte, que preenche o nosso vazio. O que
tememos perder não é a pessoa em si, mas tudo o que ela repre-
senta; tudo o que ela proporciona para o nosso ego.
O ponto central que nos impede de romper, de cortar
o cordão, emocional é o Medo. Afinal, se eu cortar esse cor-
dão, o que vai restar? Para onde eu vou? O que eu serei? O
que eu farei?
Por mais que, nos momentos de lucidez, de coragem
de “virar a mesa”, de assumirmos o controle dos nossos de-
63
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
sejos e vontades, racionalmente, tenhamos consciência de
que acabou, de que não há como continuar, ainda assim não
conseguimos colocar um ponto final. Afinal, precisamos con-
tinuar o quê, sendo que não existe mais troca de carinhos,
de olhares, de palavras, de entendimento? Quando qualquer
copo sujo é motivo de brigas, qualquer calcinha pendurada
no banheiro é início da 3ª Guerra Mundial. Sem contar que
o sexo é algo que, quando acontece, é tão automático que o
desejo se resume a terminar logo.
No entanto, optamos por alimentar a ilusão de que
um dia algo possa acontecer e que voltaremos ao que fomos
um dia. Nos apegamos à esperança de que “amanhã vai ser
diferente”. Nada vai mudar, se nós não nos propusermos e
praticarmos a mudança.
Somos dominados pelo medo e ficamos inertes, cegos,
apáticos. No fundo, temos medo de nos arrepender, medo de ser-
mos felizes sem essa pessoa, de assumirmos para nós mesmos
que o sonho acabou, que nossas juras de amor não são eternas.
Nos sabotamos a todo momento, criamos armadilhas,
caminhamos para um lado quando lá no fundo gostaríamos
de estar indo para o outro. O medo nos faz reféns, nos rouba
a vida. Ele é articulado, eloquente, persuasivo. Ele faz surgir
os mais convincentes e lógicos argumentos para não nos de-
sapegarmos de algo ou alguém. Ele ressuscita crenças que,
teoricamente, já havíamos superado, mas que assumem o co-
mando novamente e distorcem a maneira como percebemos
a realidade, ou seja, do jeito que é mais cômodo, que nos colo-
ca “distantes” da dor da perda.
E por mais que as pessoas nos digam que acabou,
que está nítido o distanciamento, que tentem nos mostrar
64
Ana Matos
que estamos investindo nossa energia e tempo em algo que
não existe mais, não adianta. Qualquer mudança só ocorrerá
quando percebermos, genuinamente, que precisamos pensar
diferente, aceitar a situação e assumir nossas escolhas rumo
à felicidade dos dois.
Precisamos nos imaginar fora dessa condição de es-
cravos do que um dia desejamos. Aceitar que é apenas um
momento triste, de frustração, mas que existe vida após o tér-
mino de um relacionamento. Existe a nossa vida.
Se continuarmos a alimentar nossos pensamentos
com lamentações, inseguranças, dúvidas de que sem o outro
não seremos mais nada; ou que, se nós deixarmos a relação, o
outro vai morrer, continuaremos a sentir e a viver como um
nada, como um corpo sem vida, morto. Assim como está ruim
para nós, é muito provável que esteja para a outra pessoa
também. Que ela não esteja feliz, satisfeita, e que não tenha
mais o mesmo brilho no olhar de quando se era inteiro.
Segundo Judith Viorst, autora do best-seller “Perdas
necessárias”, enquanto a pessoa amada simbolizar certos ide-
ais valiosos para nós, continuaremos a vê-la como uma pes-
soa ideal, como sonhamos e desejamos um dia, porém incoe-
rente para o que somos e queremos hoje.
É necessário, para nos sentirmos felizes e satisfeitos
com as nossas escolhas, que aceitemos que essas expectativas
que tínhamos com relação a essa pessoa pertenceram a um
ideal que não faz mais parte da nossa vida. Que precisamos
virar a página para que os dois se sintam livres para seguir
seus caminhos. Que devemos ser gratos por tudo o que vive-
mos e, ao nos libertarmos da cegueira do amor ideal, teremos
que enfrentar a realidade de que outras pessoas podem ocu-
65
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
par esse lugar, que outros relacionamentos podem nos pro-
porcionar momentos de grande aprendizado e autoconheci-
mento.
66
O que temos para hoje pode ser o
melhor presente
É contraditório pensar que somos “donos do agora”,
mas não vivemos nele, não desfrutamos do hoje, (pré)ocu-
pados em como viveremos o amanhã. Não nos damos conta
disso, por mais que os livros, os filmes, as poesias, as músi-
cas nos falem. Por alguma razão, não viver o hoje é a “epi-
demia” que vagueia em nosso inconsciente coletivo. Tanto
faz o lugar em que estejamos, ouviremos as mesmas (pré)
ocupações com o que ainda não aconteceu e que, de repente,
nem acontecerá.
Por conta disso, desenvolvemos sintomas, síndromes,
estresse e uma série de doenças psicossomáticas, e tudo isso
tendo como base a ansiedade. Por medo de não dar conta de
viver, nos lançamos para um lugar onde nos distanciamos
de nós mesmos. Queremos ter tempo para aproveitar a vida,
para fazermos nossas coisas, e não percebemos que todos os
dias “temos todo o tempo do mundo”, como disse Renato Rus-
so. Todos os dias ganhamos esse tempo de Presente.
Precisamos aceitar e entender que nem sempre con-
seguiremos fazer tudo num único dia, e que isso é normal.
Não precisamos nos massacrar com cobranças e críticas, afi-
nal não temos super poderes para estarmos em vários luga-
67
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
res ao mesmo tempo, e, muitas vezes, as coisas não dependem
somente de nós para acontecer.
O que temos como administrar e desfrutar é o hoje.
Temos nas mãos o maior e o melhor dos presentes que a vida
poderia nos dar – O Presente.
Se não conseguimos estar conectados conosco no hoje
e vivemos ansiosos, podemos buscar o equilíbrio e o bem-es-
tar numa meditação, no Pilates, no Yoga, numa ajuda terapêu-
tica, no Life coaching, na natureza, numa caminhada e nas
diversas terapias alternativas que o hoje nos dá de presente.
Aproveite a vida vivendo o Presente! Afinal, o ama-
nhã pode não chegar. Como disse Mahatma Gandhi: “Apren-
da como se você fosse viver para sempre. Viva como se você
fosse morrer amanhã”.
68
As dores que vêm da alma
O corpo humano é a carruagem. Eu, o homem que a conduz. O
pensamento, as rédeas.
Os sentimentos, os cavalos.
(Platão)
Deepak Chopra diz que nós somos as únicas criaturas
do planeta que podem modificar a própria biologia por meio
dos pensamentos, sentimentos e intenções. As nossas células
estão constantemente espionando os nossos pensamentos e
sendo modificadas por eles. Por exemplo, quando nos apai-
xonamos, pensamentos positivos percorrem o nosso corpo e
fortalecem nosso sistema imunológico. Por outro lado, pensa-
mentos sombrios e sentimentos depressivos podem nos dei-
xar vulneráveis a doenças. Ao longo das últimas três décadas,
centenas de estudos mostraram que nada possui mais poder
no corpo do que as crenças da mente. Esta é a visão de mundo
quântica, que nos ensina que todos somos parte de um campo
infinito de inteligência – a fonte dos nossos pensamentos, de
nossa mente, de nosso corpo e de tudo o mais no universo.
No seu livro “A dor física”, J. D. Nasio cita o antropólo-
go David le Breton, que fala que a dor não é apenas um fato
fisiológico, mas, acima de tudo, um fato de existência. Não é o
corpo que sofre, é o indivíduo por inteiro. A dor não é apenas
69
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
a medida de uma lesão ou de uma afecção, mas o encontro
íntimo entre uma situação potencialmente penosa e um ho-
mem imerso numa condição social e cultural, tendo sua his-
tória própria, uma psicologia que só pertence a ele.
De fato, como disse Gérard Ostermann, médico in-
ternista e psicoterapeuta, empenhamos na dor toda a nos-
sa personalidade, todo o nosso ser. E a dor permanece um
mistério atormentador, que despedaça o corpo, que aba-
la nossas referências identitárias e afetivas; e o sujeito, ao
senti-la, não é, simplesmente, o receptáculo passivo de um
órgão especializado que se limitaria a tipos de modulações
neurobiológicas impessoais de que apenas a fisiologia seria
capaz de dar conta.
Pode acontecer de sofrermos dores crônicas, às ve-
zes inexplicáveis, e que duram mais tempo do que deveriam.
Nesse caso, o ideal é analisarmos o que está acontecendo ou
que aconteceu para além do físico. O acompanhamento tera-
pêutico é importante para nos ajudar a buscar em nossa his-
tória, nossas crenças, nossos comportamentos e pensamentos
a origem dessa dor.
Outro ponto a considerarmos em relação à dor, segun-
do Nasio, é que, quando sofremos uma lesão no corpo e essa
lesão provoca uma dor, produz-se uma representação mental
da região dolorida, da região lesada. Essa representação men-
tal seria fortemente investida afetivamente por todo o nosso
ser. Todas as nossas energias seriam focadas nessa represen-
tação mental da região dolorida. E o que acontece é que esse
investimento, um superinvestimento afetivo dessa represen-
tação, viria a aumentar a intensidade da dor, ou seja, quanto
mais investimos na representação, mais sofremos.
70
Ana Matos
No seu livro “Linguagem do corpo”, Cristina Cairo diz
que, enquanto buscarmos a cura para o nosso sofrimento,
para a nossa dor, para as nossas doenças apenas no corpo
físico, continuaremos soterrados sob uma avalanche de per-
guntas sem respostas. Precisamos entender que nosso corpo
é a tela onde se projetam as nossas emoções. Podemos enga-
nar qualquer um, até nós mesmos – nosso ego –, mas nunca
conseguiremos enganar nosso inconsciente. Seja lá o que es-
tivermos pensando neste momento, seja bom ou ruim, nosso
inconsciente registrou. Nosso cérebro tem uma capacidade
de absorver, de captar o que acontece ao nosso redor que
nem nossa vã filosofia imagina.
Tudo o que acontece conosco, nossos sentimentos,
nossas emoções, nossas dores e as nossas doenças são pro-
jeções da nossa mente e são criadas e alimentadas por nós,
pelo nosso pensamento. Salvo algumas doenças específicas,
genéticas.
Como disse Cristina Cairo, todas as emoções negati-
vas são projetadas em forma de doenças, de dores em nosso
corpo, são as doenças psicossomáticas. Ela cita no seu livro
alguns casos de pessoas que conseguiram curar-se pela mu-
dança do pensamento, por meio de uma análise da sua con-
duta, ou mantendo uma atitude positiva em relação à doença
e à vida, trabalhando o autoconhecimento e exercitando a
autoestima. São eles: Louise Hay, autora do livro “Você pode
curar sua vida”; Dr. Joseph Murph, autor do livro “O poder do
subconsciente”; e a atriz Cláudia Gimenez.
Todos nós podemos curar nossa vida, nosso corpo e
nossa alma. A cada novo dia, temos a oportunidade de fazer
diferente, de levar uma vida melhor para nós mesmos e, con-
71
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
sequentemente, para os que convivem conosco. Nosso futuro
próspero e saudável depende do nosso hoje bem-humorado,
positivamente pensado e alimentado. Pequenas atitudes que
sentiremos em nosso corpo e que serão reflexo da nossa alma
bem nutrida.
72
A constante busca pelo
equilíbrio profissional
Cada vez mais pacientes lotam as nossas clínicas e consultó-
rios queixando-se de um vazio interior, da sensação de uma total falta
de sentido de suas vidas. Podemos definir esse vácuo existencial como
a frustração do que podemos considerar a motivação fundamental no
homem, e o que podemos chamar de... a vontade de sentido.
(Victor Frankl)
O mundo mudou, e disso todos nós sabemos. Ao mes-
mo tempo em que ganhamos com novas tecnologias, avanços
científicos, “liberdade de expressão”, perdemos a maior parte
da nossa vida para pagar o preço da evolução. Pagamos esse
preço quando não temos tempo para desfrutar das nossas
conquistas materiais, ou quando não conseguimos participar
do crescimento dos nossos filhos, ou quando nossa saúde está
comprometida, ou quando percebemos que ligamos o “piloto
automático” e nada do que estamos sendo e fazendo faz senti-
do, e que a única coisa que nos acompanha é o vazio.
Dados da International Stress Management Associa-
tion – Brasil (Isma-Brasil) revelaram que 80% dos brasileiros
economicamente ativos sofrem com a sobrecarga profissional
e com os excessos que os cercam. É preciso cumprir prazos
restritos e demandas cada vez mais complexas, acompanhar
73
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
mudanças tecnológicas, enfrentar avaliações de desempenho
e rendimento, e ainda manter um relacionamento razoável
com clientes, chefes, colegas, família e amigos. Isso sem falar
da preocupação em se manter empregado. Segundo a psicó-
loga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-Brasil, no Brasil, es-
tima-se que as organizações poderiam ter uma economia de
até 34% se diminuíssem os índices de estresse ocupacional e
doenças decorrentes dele.
O mundo empresarial convive com a realidade do au-
mento espantoso dos casos de doenças ocupacionais. As esta-
tísticas estão aí para comprovar que estamos sofrendo uma das
piores crises do mundo – a crise existencial. Arrisco dizer até
que nossas crises econômicas são consequência da nossa crise
existencial. Buscamos um sentido para a nossa vida no con-
sumismo, nas relações efêmeras, no excesso de trabalho etc..
Sofremos pelo excesso, na agonia de preencher nossa falta.
Segundo Hilsa Flávia A. Coutinho, no seu artigo Saúde
e profissão: uma nova forma de vida, a presença de profissio-
nais da área da saúde, como psicoterapeutas, fisioterapeutas,
nutricionistas, educadores físicos ou terapeutas holísticos, nas
empresas, facilitaria as ações preventivas e curativas das mes-
mas, sendo aplicadas medidas cabíveis de prevenção e cura.
O trabalhador opera em média 70% de
seu potencial. Se uma empresa investe no
desenvolvimento da promoção da saúde,
atendendo às necessidades e aos interes-
ses de seus trabalhadores, o potencial
para aumento na produtividade é signifi-
cativo (MENDES; DIAS, 1991).
Sabemos que as empresas vivem tempos cada vez
mais competitivos e velozes. Porém, algumas medidas pre-
74
Ana Matos
ventivas, como parcerias ou contratações de profissionais da
área da saúde, podem ajudar as empresas no que diz respeito
à redução do número de licenças de funcionários por doen-
ças, dos gastos com o tratamento da saúde do trabalhador,
das reclamações na Justiça devido a acidentes do trabalho,
sem contar que o bem-estar e a qualidade de vida propor-
cionados pela empresa refletirão na produtividade e, conse-
quentemente, nos resultados e objetivos a serem cumpridos.
Dedicamos a maior parte da nossa vida ao trabalho.
Numa empresa, trabalhamos mesmo não estando dentro do
escritório: compramos roupa para trabalhar, cuidamos da
nossa estética para o trabalho, e assim por diante. A conse-
quência disso é a falta de tempo livre para cuidar de si, para
estar com a família, para estar com os amigos, para desfrutar
da vida. A busca do equilíbrio entre vida profissional e pes-
soal continua sendo um dos maiores desafios do ser humano.
Por isso, o ideal, embora não seja realidade para to-
dos, seria seguir aquele provérbio italiano que diz: “quem faz
o que gosta nunca vai trabalhar na vida!”. Uma relação sa-
tisfatória com a atividade de trabalho é fundamental para o
desenvolvimento nas diferentes áreas da vida, e esta relação
depende, em grande escala, dos suportes que os indivíduos
recebem durante seu percurso profissional.
75
Para além do corpo,
a cura da alma
Mens sana in corpore sano (“uma mente sã num corpo são”).
(Juvenal -Poeta romano)
Em seu livro “Anatomia Emocional”, Stanley Keleman
diz que a existência é um tributo à vida organizada em for-
mas vivas. Ser um indivíduo é seguir os impulsos da própria
forma e aprender suas regras únicas de organização. Em to-
dos os níveis, a vida é um processo – uma cadeia interligando
fatos isolados de vida diferenciados em formas específicas de
existência. Tudo está interligado, e, para isso, não precisamos
ter doutorado em Harvard para perceber. Se prestarmos o mí-
nimo de atenção em nós mesmos, perceberemos como as nos-
sas emoções e os nossos pensamentos afetam nosso estado de
espírito e nosso comportamento. E, ainda, como as emoções
podem influenciar o nosso comportamento, as nossas condi-
ções afetivas, e transformarem-se em distúrbios somáticos.
Visto que somos seres humanos com preocupações,
temores, esperanças e desesperos, como um todo indivisível,
e não apenas como portadores de um estômago, de um fíga-
do, de uma coluna, é incongruente pensar que as doenças não
venham, também, de uma causa emocional.
77
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Segundo Cristina Cairo, em seu livro a “Linguagem do
Corpo”, a mente humana foi arquitetada pela natureza, com
equilíbrio e perfeição, para que pudéssemos usufruir dos be-
nefícios das leis físicas e naturais do universo, mas a consci-
ência materialista pensa existir somente o que se pode provar
aos olhos, e não o que se pode provar por meio da sensibili-
dade.
Afinal, está provada pela física a existência de cores,
sons e aromas, além da nossa limitada percepção sensorial.
Somos limitados por ignorância e falta de treino, e preferimos
chamar isso de misticismo. O que pouco importa é o nome
que nós seres humanos damos às coisas que não conseguimos
entender, provar ou aceitar, se no final o resultado é o alívio
da nossa dor.
Segundo os estudos das terapias holísticas, o desequi-
líbrio é sempre assinalado, primeiramente, nos campos su-
tis do indivíduo, refletindo-se em uma mudança inicial nos
padrões de pensamentos, sentimentos e emoções. E esses
padrões também são os pontos centrais da Terapia Cognitiva
criada por Aaron Beck. A terapia cognitiva parte do princípio
de que a maneira como pensamos determina o modo como
nos sentimos, nos comportamos e nossas reações corporais.
Assim, podemos perceber que tudo está conectado e que as
respostas nos são dadas de diferentes formas.
Segundo Rupert Sheldrake, biólogo inglês, conhecido
por sua teoria da morfogênese, da qual faz parte a teoria dos
campos morfogenéticos, a informação é aquilo que imprime
forma dentro das coisas, ela INFORMA. Sendo assim, torna-
se evidente a constatação de que a vida opera através de pa-
drões de informação. Ou seja, cada doença representa um
78
Ana Matos
padrão, assim como cada situação que nos acontece na vida
constituem padrões formando campos determinados e espe-
cíficos que experimentamos ao longo da nossa existência. Se
esses padrões não estão em harmonia com o que queremos
ser, com o todo, vamos nos distanciando mais e mais de nós
mesmos, abrindo espaço para as doenças em nosso corpo e
em nossa alma.
A doença é uma informação negativa, apresentando
cada uma um padrão específico, e nos alerta de que algo não
está conectado.
A arte de se curar é, antes de tudo, a arte de se per-
ceber além do corpo, além do que se está vendo ou do que
está sendo dito verbalmente. Precisamos, antes de tudo, saber
ouvir nossa alma e enxergar o todo. A cura não depende da
capacidade intelectual do indivíduo, mas sim da percepção
do seu sistema interior, ou seja, do autoconhecimento. A do-
ença, muitas vezes, se comunica por meio do nosso corpo, nos
dizendo que existe algo que não está muito adequado com o
que somos de fato, que os caminhos que estamos escolhendo
se distanciam do que queremos ser.
As terapias holísticas e as psicoterapias são um cami-
nho para a elaboração do processo de individuação do nosso
ser rumo à nossa plenitude, e não servem, unicamente, com
o intuito de resgatar o nosso inferno interior e nossas suces-
sivas supressões e encargos impostos ao longo da nossa vida.
Curar é dar condições ao alquimista interno de cada um, no
sentido de encontrar as ferramentas e as energias necessá-
rias para compor sua autotransformação e cura. É libertação
e transcendência.
79
Momento e pessoa:
encontro perfeito
Um dia, alguém entrará em sua vida e te fará entender por que
nunca deu certo com ninguém antes.
(Autor desconhecido)
Você já reparou que atraímos pessoas conforme o nos-
so momento, as nossas necessidades? Nós encontramos fora
o que, na verdade, mora dentro, como disse Fernanda Mello,
escritora e compositora. E quando você acha que está prepa-
rado, pronto para ter algo... encontra a pessoa e, depois de
um tempo, tudo desmorona. E lá se foram suas expectativas,
planos, sonhos para a gaveta das frustrações.
Muitas vezes, nós é que estamos atraindo relações que
não dão certo. Será que estamos abertos para ter algo sério?
Será que era para não acontecer? Será que realmente aquela
pessoa iria fazê-lo feliz?
Por mais que nosso consciente esteja certo e claro de
que queremos alguém, que queremos viver uma relação... po-
demos ter arquivado em nosso inconsciente um desejo oposto
ao consciente. Isso faz com que escolhamos ou nos sintamos
atraídos pela “pessoa errada”. E então surge a pergunta: Por
que deu certo com ele(a) e não comigo?
81
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
O que acontece é que a pessoa errada para um pode
não ser para outro. O que caracteriza a pessoa errada são as
incompatibilidades. Incompatibilidades do momento de cada
um, de prioridades, de personalidade etc. Sendo assim, ela
pode dar certo com outra pessoa. Como disse, as pessoas po-
dem estar em momentos diferentes, podem ter prioridades
que não se cruzam, que não se encaixam naquela fase das
suas vidas. É simples e ao mesmo tempo complexo, afinal,
aparentemente tinha tudo para dar certo.
Para passar das primeiras noites, semanas, meses,
precisa haver o encaixe das peças prioritárias e importantes
para ambas as partes. E isso só iremos descobrir vivendo, ex-
perimentando, nos permitindo e nos abrindo às oportunida-
des e pessoas que aparecem em nossa vida.
Se apareceu a pessoa errada para o momento certo,
ou se apareceu a pessoa certa, mas no momento errado, tal-
vez não seja a pessoa adequada para o momento que estamos
vivendo. As pessoas não surgem em nossa vida por acaso. Al-
gum aprendizado sempre deixamos ou recebemos.
Muitas vezes, as pessoas aparecem em nossa vida
como uma ponte para nos levar a outra. Afinal, tudo está co-
nectado, e como disse William Shakespeare: “Há mais mis-
térios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”.
O importante é nunca deixar de acreditar que seu encontro
perfeito vai acontecer.
82
Qualidade de vida:
sonho ou realidade?
Há duas tragédias na vida: uma a de não satisfazermos os nos-
sos desejos, a outra, a de os satisfazermos.
(Oscar Wilde)
O termo qualidade de vida foi utilizado, pela primeira
vez, por Lyndon Johnson, então presidente dos Estados Uni-
dos, em 1964, que declarou: “[...] os objetivos não podem ser
medidos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser
medidos através da qualidade de vida que proporcionam às
pessoas” (SALUS, 2007). Hoje, temos muitas definições sobre
qualidade de vida, pois é algo extremamente subjetivo e indi-
vidual. Porém, ela envolve o bem físico, mental, psicológico e
emocional, além de relacionamentos sociais, como família e
amigos e, também, saúde, educação, poder de compra e ou-
tras circunstâncias da vida.
Sendo a qualidade de vida também um conceito indivi-
dual, ela pode ter um significado em um determinado momento
da sua vida e depois, num outro momento, passar a ter outro sig-
nificado. Pode ser estar com sua família em casa todas as noites
e curtir momentos de lazer, ou pode ser jogar bola com os seus
amigos, se dedicar ao trabalho ou até mesmo não fazer nada.
83
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Assim como cada indivíduo tem um perfil compor-
tamental, funciona e (re)age de determinada forma, cada
indivíduo também escolhe como viver e aproveitar melhor
a sua vida.
Independente disso, não podemos nos esquecer de que
precisamos estar equilibrados em todos os aspectos que fazem
parte de ser humano – familiar, social, afetivo e profissional.
Segundo Fritjof Capra, em seu livro “O ponto de mu-
tação”, para ser saudável, estar em equilíbrio, um organismo
tem de preservar sua autonomia individual, mas, ao mesmo
tempo, estar apto a integrar-se harmoniosamente em siste-
mas mais vastos. A doença é, portanto, uma consequência de
desequilíbrio e desarmonia, e pode, com muita frequência,
ser vista como decorrente de uma falta de integração com
o sistema, o meio. Ser saudável significa, portanto, estar em
sincronia consigo mesmo – física e mentalmente – e também
com o mundo circundante. Quando não existe essa sincronia,
o mais provável é que ocorra uma doença.
Numa pesquisa recente sobre estresse e qualidade de
vida, foram ouvidos 480 executivos entre 28 e 52 anos, de 328
empresas, em nove estados, e o resultado é de ficar perple-
xo. “As pessoas estão muito doentes”. Nada menos que 95%
dos pesquisados declararam não ter visto os filhos crescerem,
89% disseram ter insônia, e um percentual idêntico está frus-
trado com a carreira. A maioria toma calmante e a maioria
teme perder o emprego. E mais: 75% sentem falta de lazer
e 85% não tiram férias regulares. Apenas 10% se disseram
bem-casados, e 66% admitiram ter aventuras extraconjugais.
Outro dado estarrecedor: 22% disseram que seus filhos usam
drogas.
84
Ana Matos
Outro dado importante é que problemas causados
pelo estresse – depressão, alcoolismo, hipertensão, dor de ca-
beça e outros – levaram 1,3 milhão de brasileiros a se afasta-
rem do trabalho e receberem auxílio-doença, segundo uma
pesquisa recente da Universidade de Brasília (UnB), divulga-
da no começo de abril de 2011. E o pior é que o estresse ainda
é tratado como bobagem ou frescura por muitas pessoas.
Hoje temos todo recurso de mobilidade, mas temos de
estar na empresa cumprindo horário das 8h às18h, por exem-
plo. Isso quando, para garantir uma boa imagem e mostrar
que “vestimos a camisa”, esse horário não é extrapolado.
Até que ponto é incentivado o uso dos programas de
qualidade de vida que as empresas, na sua maioria, adotam,
para sair nos rankings das melhores, maiores etc.? Se as em-
presas têm programas de qualidade de vida, considerando o
bem-estar físico, mental e emocional dos seus colaboradores,
por que as pessoas estão tão estressadas, tão insatisfeitas, e o
índice de afastamento só aumenta?
Tenho minhas dúvidas se cabe esperar algo que ve-
nha das empresas. Talvez ainda demore um tempo para que
“as empresas” entendam que estão lidando com pessoas, e
que cada uma delas tem suas particularidades. Esperar pela
empresa é se eximir da nossa responsabilidade por nós mes-
mos. Podemos, sim, proporcionar a nós mesmos umas boas
férias, um bom jantar, um bom final de semana. A busca pelo
equilíbrio deve ser constante. O parar e refletir para que ca-
minho estamos indo é fundamental para que não nos distan-
ciemos das pessoas que nos cercam e, principalmente, de nós
mesmos. Que essa busca seja de uma forma saudável e não
quando a doença se instaurar.
85
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
O engajamento profissional tem a finalidade de fazer
o homem progredir em todos os aspectos. Afinal, se nos sen-
timos felizes no trabalho somente em véspera de feriado ou
numa sexta-feira, certamente algo não está indo bem. Permi-
ta-se viver de forma equilibrada, e que seu trabalho seja um
meio para a realização do seu projeto de vida, seus objetivos
pessoais e uma oportunidade de evolução como ser humano.
Afinal, nas palavras de Mahatma Gandhi: “Um ho-
mem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto
está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo
indivisível”.
86
O que você está dizendo?
As pessoas não são perturbadas pelas coisas,
mas pelo modo como as veem.
(Epicteto)
Quando expressamos nossas necessidades de forma clara para
o outro,
temos mais chances de vê-las satisfeitas.
(Marshall B. Rosenberg)
No seu livro “Comunicação não-violenta”, Marshall B.
Rosenberg diz que nossos sentimentos resultam de como es-
colhemos receber o que os outros dizem e fazem, bem como
de nossas necessidades e expectativas específicas naquele
momento. Temos de aceitar a responsabilidade pelo que fa-
zemos para gerar os nossos próprios sentimentos. Estamos
acostumados a pensar no que há de errado com as outras
pessoas sempre que nossas necessidades não são satisfeitas.
No entanto, quando começamos a conversar sobre o que pre-
cisamos, em vez de falarmos sobre o que está errado com o
outro, a possibilidade de encontrar maneiras de atender às
necessidades de todos, tanto a minha como a do outro, au-
menta consideravelmente.
O sucesso numa comunicação e, consequentemente,
nos nossos relacionamentos, pode depender muito de dizer
87
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
a coisa certa no momento certo. James Borg, no seu livro “A
arte da persuasão”, diz que a linguagem pode influenciar os
pensamentos, e as palavras são as ferramentas que podemos
usar para criar imagens mentais. As palavras podem ser
usadas para moldar e, muitas vezes, distorcer a forma como
pensamos. Elas podem comunicar muito mais do que fato e
ideias. Cuidadosamente escolhidas, as palavras podem pintar
quadros mentais que emergem sentimentos e emoções. Como
escreveu Mark Twain: “A diferença entre a palavra certa e a
palavra quase certa é a diferença entre o raio e o vagalume”.
A Psicolinguística, que estuda as conexões entre a lin-
guagem e a mente, analisa qualquer processo que diz respeito
à comunicação humana mediante o uso da linguagem (seja
ela de forma oral, escrita, gestual etc.). Essa ciência também
estuda os fatores que afetam a decodificação, ou seja, as es-
truturas psicológicas que nos capacitam a entender expres-
sões, palavras, orações, textos. A comunicação humana pode
ser considerada uma contínua percepção-compreensão-pro-
dução. Pesquisadores dessa área observam como as palavras
afetam nossas mentes e emoções.
Quando queremos transmitir uma mensagem, cria-
mos em nossa mente uma imagem que é traduzida em pala-
vras. Então, no papel de emissor (codificador), transmitimos
essa mensagem ao receptor (decodificador). Ele, por sua vez,
absorve as palavras e as traduz em uma imagem – a própria
imagem dele do que foi dito. Ele é quem decide o que essa
imagem quer dizer. A interpretação acontece na mente dele,
de acordo com as suas emoções do momento, contexto, histó-
ria etc. Se o que dissemos não foi absorvido pelo receptor da
mesma forma como construímos a imagem mental, a comu-
88
Ana Matos
nicação não foi eficaz. É importante que utilizemos a lingua-
gem do outro para obtermos sucesso na comunicação. E para
isso, perceber, observar, conhecer o outro é fator fundamen-
tal para uma comunicação de sucesso.
É claro que, com o fato de a natureza humana ser algo
tão complexo, é impossível saber como as palavras serão in-
terpretadas e, portanto, recebidas. Mas, se formos capazes
de entrar na mente da pessoa, podemos escolher as palavras
com as melhores chances de produzir o efeito desejado.
A questão, nesse caso, é que temos dificuldade em
comunicar o que queremos. Devemos expressar o que es-
tamos pedindo, e não o que não estamos pedindo. Marshall
Rosenberg dá um exemplo claro dessa dificuldade de comu-
nicação:
Num seminário, uma mulher, frustrada
porque o marido estava passando tempo
demais no trabalho, descreveu como seu
pedido tinha se voltado contra ela: “Pedi
que ele não passasse tanto tempo no tra-
balho. Três semanas depois, ele reagiu
anunciando que havia se inscrito num
torneio de golfe!”. Ela havia comunicado
a ele com sucesso o que ela NÃO queria –
que ele passasse tanto tempo no trabalho
–, mas tinha deixado de pedir o que ela
realmente queria. Solicitada a reformular
seu pedido, ela pensou por um minuto e
disse: “Eu queria ter-lhe dito que deseja-
va que ele passasse pelo menos uma noi-
te por semana em casa comigo e com as
crianças”.
Além de utilizarmos uma linguagem positiva, deve-
mos evitar frases vagas, abstratas ou ambíguas, e formular
nossas solicitações na forma de ações concretas para que
89
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
os outros possam entender e realizar. É sempre importante
estar atento às palavras, assim evitamos inconvenientes e o
esforço de desfazer deslizes verbais. Claro que não devemos
perder a naturalidade, a espontaneidade e a emoção na co-
municação. Portanto, garanta que a mensagem pretendida
seja transmitida com as palavras certas e no momento certo.
Certas palavras podem ser adequadas em uma ocasião, e não
em outra. Para tanto, o cuidado e a empatia com o outro são
fundamentais, caso contrário, as palavras podem virar contra
você mesmo.
90
Porque era ele, porque era eu...
Se insistem para que eu diga por que eu o amava, sinto que isso
só pode exprimir-se respondendo: “Porque era ele; porque era eu.
(Montaigne)
Quem é aquela pessoa que eu amo e considero única e
insubstituível? Essa pessoa que nos seduz, isto é, que desperta
e atiça nosso desejo nos fará progressivamente nos apegar-
mos a ela, até incorporá-la e fazer dela uma parte de nós mes-
mos. Nós a envolvemos com os nossos conteúdos. Segundo J.
D. Nasio, nós a envolvemos com uma multidão de imagens su-
perpostas, cada uma delas carregada de amor, de ódio ou de
angústia, e a fixamos inconscientemente através de uma mul-
tidão de representações simbólicas, cada uma delas ligadas
a um aspecto do seu eu que nos marcou. Todo esse universo
que criamos faz parte da “fantasia”. Psicanaliticamente essa
fantasia é o nome que damos à sutura inconsciente do sujeito
com a pessoa eleita. Essa sutura operada no meu inconscien-
te é uma liga de imagens e significantes vivificada pela força
real do desejo que o amado suscita em mim, e que eu suscito
nele, e que nos une.
Nasio diz que a pessoa deixa de ser uma instância ex-
terior para viver também em nosso interior, como um objeto
fantasiado que recentra nosso desejo, tornando-o insatisfeito
91
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
no limite do tolerável. O ser que mais amamos continua sendo,
inevitavelmente, o ser que mais nos insatisfaz. A insatisfação
do desejo traduz-se na realidade cotidiana do casal pela atração
pelo outro, mas também pelo descontentamento em relação
a ele. Isso porque a fantasia predomina nas nossas relações:
todos os nossos comportamentos, a maioria dos nossos julga-
mentos e o conjunto dos sentimentos que experimentamos em
relação ao amado são rigorosamente determinados por ela. Só
captamos a realidade do outro através da lente deformante da
fantasia. Só o olhamos, sentimos, escutamos ou tocamos envol-
vido no véu tecido pelas imagens nascidas da fusão complexa
entre a sua imagem e a imagem de nós mesmos.
Essa insatisfação que sentimos é decorrente de um
deslocamento do passado para o presente e de objetos anti-
gos para o atual. De alguma forma, o presente está unido ao
passado, e o parceiro atual representa uma ou mais pessoas
importantes dos tempos mais remotos, ainda que tais lem-
branças tenham sido inteiramente banidas da consciência.
Segundo Judith Viorst, nossas primeiras lições de amor e a
história do nosso desenvolvimento moldam as expectativas
que temos em nossos relacionamentos. Geralmente, esta-
mos conscientes de esperanças não realizadas, mas levamos
também os desejos inconscientes e os sentimentos mal resol-
vidos da infância, e, orientados pelo nosso passado, fazemos
exigências em nossos relacionamentos sem perceber que es-
tamos fazendo. Qualquer relacionamento significativo, por
mais realista que seja, implica essa mistura entre passado e
presente, realidade e fantasia.
E é nos braços do nosso verdadeiro amor que pro-
curamos unir os anseios e objetivos do desejo do passado.
92
Ana Matos
Muitas vezes, odiamos nosso companheiro ou companheira
por não satisfazer esses desejos antigos e impossíveis. Po-
rém, segundo Freud, nossas motivações inconscientes para
as atrações amorosas e sexuais parte dessa ideia de que
repetimos determinados estereótipos, padrões, clichês con-
forme nossa bagagem de modelos que tivemos na formação
infantil.
Segundo estudos do neurocientista Joseph Ledoux
(1998) sobre a amígdala – o nosso repositório de memória
emocional que examina a experiência, comparando o que
acontece com aquilo que se viveu no passado –, confirma-se
o pensamento psicanalítico na medida em que “as interações
dos primeiros anos de vida estabelecem um conjunto de li-
ções elementares, baseadas na sintonia e nas perturbações
nos contatos entre criança e os que cuidam dela”.
Esses aprendizados estão armazenados na amígdala
e, do ponto de vista da vida adulta, são tão difíceis de enten-
der. Segundo Iara Camaratta Anton (1998), psicóloga e espe-
cialista em terapia de casal, essas memórias, essas “marcas
mnêmicas” contêm experiências vitais, anteriores à compre-
ensão e à expressão verbal. São experiências referentes a
questões de sobrevivência, a sensações de segurança e pra-
zer. No futuro, ao serem estimulados, esses registros reapa-
recem acompanhados por intensas cargas de sentimento, ple-
nos de significados muito primitivos e inconscientes. Objetos
atuais evocam memórias e disparam sentimentos, criando
cenários e distribuindo papéis em histórias de amor e paixão.
As atrações e os encontros são, portanto, resultado de um jogo
de projeções: vemos naquele que nos chama a atenção o que
está em nós, o que faz parte de nossa história.
93
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
É preciso saber que quando amamos alguém, ama-
mos um ser híbrido, constituído ao mesmo tempo pela pessoa
exterior e pela sua presença fantasiada e inconscientemente
em nós. E reciprocamente, diz Nasio, somos para ele o mesmo
ser misto feito de carne e inconsciente, uma parte de nós mes-
mos, que chamamos de “fantasia inconsciente”. No entanto,
essa parte não está confinada no interior da nossa individua-
lidade, ela se estende no espaço intermediário e nos liga inti-
mamente ao seu ser, e ele se liga da mesma forma.
Podemos aprender, por meio das relações, a nos co-
nhecer mais, a entrar em contato com a nossa sombra, com
o nosso passado, e fazer do nosso presente com o outro um
pouco mais real, dentro das nossas possibilidades e limites.
E com o tempo enfrentaremos a certeza daquilo que nunca
poderemos esperar um do outro. Podemos, embora com me-
nos frequência, caminhar sob as estrelas e viajar pela lua,
curvando-nos aos limites e às fragilidades do amor. E sermos
gratos por encontrar no relacionamento amoroso, daquele
momento, um pouco das pessoas amadas do nosso passado;
gratidão por receber um pouco do que jamais tivemos no pas-
sado, e gratidão pela sensação de ser conhecido e compreen-
dido pela pessoa amada.
94
Eu e o outro: uma relação
de eterno aprendizado
Como se relacionar com o outro de uma forma que as
duas partes sintam-se atendidas em suas necessidades? Como
manter relacionamentos diante das constantes mudanças e
oportunidades que temos em nosso dia a dia? Embora seja-
mos seres pertencentes a uma sociedade, o relacionamento
com o outro acompanha essas mudanças? E mesmo que a for-
ma de relacionamento tenha sofrido algumas modificações,
por conta das redes sociais, da globalização, do celular, de
aplicativos, entre outros meios, a essência do relacionamen-
to, o travar conhecimento com pessoas, fazer amizades, conti-
nua sendo o nosso desafio de sucesso.
Quantas pessoas conhecemos que são bem sucedidas,
que bateram suas metas profissionais, que possuem mestra-
do, doutorado, e não conseguem ter sucesso nos seus rela-
cionamentos. Sejam relacionamentos de amizade, profissio-
nais ou afetivos. Construir relacionamentos, manter relações
pode ser, para muitas pessoas, algo distante. Afinal, podemos
aprender todas as outras coisas na vida: ciência, matemáti-
ca, português, música, artes, trocar uma lâmpada, cozinhar,
mas não aprendemos a matéria mais importante para a vida
humana: como nos relacionarmos. Essa é uma matéria que
95
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
cada um aprende por conta própria, com erros e acertos,
simplesmente como uma consequência do crescimento, e é
fato que não estamos fazendo um trabalho nada bom, visto a
quantidade de pessoas insatisfeitas, infelizes e perdidas neste
aspecto.
Segundo Subhash Puri, no seu livro “Separações silen-
ciosas”, as relações humanas, certamente, estão uma confu-
são, sejam faladas ou silenciosas, mudas ou verbalizadas, e
todos nós o sabemos. Todos nós podemos vê-las, senti-las e
captá-las no ar; elas nos rodeiam. Existe uma profunda sensa-
ção de desarmonia e infelicidade reinando em nossos relacio-
namentos. Um irmão está magoado com o outro, as madras-
tas estão constantemente discordando de suas enteadas, os
casais vivem implicando um com o outro, os amigos sentem
raiva um do outro e não se entendem, o filho não quer ouvir o
pai, e por aí vai. E isso ocorre mesmo sendo os relacionamen-
tos uma parte essencial e irrevogável da vida.
E por que, sendo os relacionamentos fundamentais
para nossa sobrevivência e bem-estar, não conseguimos al-
cançar o sucesso? A questão é que os relacionamentos são
feitos por pessoas. Constituem as interações entre essas duas
pessoas, e não entre duas bocas ou duas ações. Sendo assim,
a questão está em se perceber e perceber o outro como uma
pessoa orientada por seus sentimentos, sua mente, suas emo-
ções e um conjunto de características da personalidade, algu-
mas herdadas e outras adquiridas ao longo de interações com
a sociedade em que vivemos.
Como disse, um relacionamento é simplesmente uma
questão entre duas pessoas: você e o outro. A saúde desse
relacionamento depende muito de como nos ligamos ao ou-
96
Ana Matos
tro, como nos tratamos, como entendemos os sentimentos
um do outro, o quanto somos sensíveis às necessidades dele
e assim por diante. Segundo Puri, a harmonia dos nossos
relacionamentos é medida pela distância entre nós – a “dis-
tância mental”.
Quanto maior a distância, mais infeliz será o seu rela-
cionamento, mesmo quando ele está fisicamente intacto. Essa
distância nas relações é criada pelas nossas ideias, pelos nos-
sos sentimentos e pelas nossas percepções acerca do “outro”.
A partir do momento em que entendemos e aceitamos que o
outro não é simplesmente o “outro”, mas alguém como nós,
reduziremos essa distância.
Para tanto, antes de tentar entender o outro, preci-
samos nos conhecer, nos olhar. O autoconhecimento é, sem
dúvida, um caminho para a melhora nos relacionamentos.
Precisamos estar conscientes de que uma pessoa não pode
existir sem a outra, não somos autossuficientes e de que so-
mos nós os responsáveis pelos caminhos que nossas relações
vão tomar, sem culpar o outro pela desarmonia ou fracasso
da relação. A relação é a interação. Não existe um culpado.
Existem os responsáveis por essa “terceira pessoa”, por essa
“construção” onde colocamos o que somos.
Se quisermos ser mais do que somos, se quisermos uti-
lizar o máximo do nosso potencial, se quisermos evoluir nas
nossas relações, precisamos estar em constante treinamento.
O se conhecer precisa ser o exercício diário da observação
dos nossos sentimentos, pensamentos e comportamentos. É
como praticar um esporte ou exercer qualquer atividade que
não dominamos. É importante a prática, a dedicação e saber
aonde queremos chegar. Cometeremos muitos erros conosco
97
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
e com os outros. No entanto, errar na busca pelo acerto é mé-
rito de quem quer evoluir, crescer e alcançar um dos mais
difíceis lugares no pódio: o topo nas relações com os outros.
98
A culpa nossa de cada dia
No seu livro “A alma imoral”, Nilton Bonder diz que o
ser humano é talvez a maior metáfora da própria evolução,
cuja tarefa é transgredir algo estabelecido. Antes mesmo de
conhecer a consciência e de se perceber nu, ou seja, um ani-
mal moral, o ser humano se deparou com uma dimensão de
si capaz de transgredir e, provavelmente, projetada para si.
Toda moral, toda tradição, toda religião e toda lei são produ-
tos do corpo moral, de um animal moral. E toda sociedade
está voltada para “vestir” a nudez do ser humano.
Segundo Aura Lago Lopes, psicanalista, membro do
Colégio de Psicanálise da Bahia, na origem do sentimento de
culpa, estaria presente uma renúncia ao instinto, por medo
de perder o amor ou o seu equivalente, o medo da agressão
por parte de uma autoridade externa. Em um segundo mo-
mento, organizar-se-ia uma autoridade interna, a consciência
e, por medo dela, outras renúncias se dariam. O desejo indes-
trutível persiste e, não podendo ser escondido do superego,
exige punição.
De certa forma, a consciência moral coloca-se como
um impedimento na realização do desejo. O sujeito recua do
seu desejo diante da maldade de si mesmo e do próximo, e
é nessa recusa que surge a culpa. Lacan diz que “a análise é
99
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
importante, além de outras razões, para que os homens com-
preendam que os seus desejos não são a mesma coisa que
suas necessidades”.
O desejo é o que dá suporte ao inconsciente. O incons-
ciente é o que faz enveredar por uma trilha particular, exi-
gindo que a dívida seja paga, e o inconsciente está sempre
retornando e nos fazendo dar um sentido a nossa ação. Ceder
ao desejo acompanha-se sempre no destino do sujeito de uma
traição, ou ele trai a sua vida, ou ele é traído por alguém de
quem tinha expectativas. Segundo Aura Lago Lopes, paga-se
um preço pelo acesso ao desejo, paga-se com o corpo, com a
carne, com o gozo. Da infelicidade e do mal-estar não pode-
mos escapar. Estamos fadados e marcados pela culpa. Porém,
essa é uma descoberta que se faz ao se enveredar por uma
via, via esta que se trilha e se trama numa experiência indivi-
dual e singular do sujeito.
Muitos sintomas que se manifestam em nosso corpo,
desde uma dor nas mãos, um inchaço nas articulações, até
uma dor insuportável nas costas, são sinais de um mal-estar
que extrapola os limites do suportável. O corpo paga o preço
pelo conflito do desejo e do socialmente aceito. Muitas vezes,
está presente na dor física a dor de existir. Freud fala da satis-
fação que a doença pode propiciar na medida em que implica
o castigo para um sentimento de culpa que permanece des-
conhecido para o sujeito. Ele afirma que mais além ou mais
aquém da doença existe uma culpa que a alimenta:
[...] este sentimento de culpa permanece
mudo para o enfermo. Não lhe diz que
seja culpável, e desse modo o sujeito não
se sente culpável, senão doente. Esse sen-
timento de culpa não se manifesta senão
100
Ana Matos
como resistência dificilmente redutível,
contra a cura (FREUD, 1923).
A culpa pode cobrar preços muitos mais altos do que
dores no corpo. Ela pode insistir numa vida inteira de peni-
tência e de dor.
Essa culpa pode ter origem num ato de omissão, num
pensamento, que nossa consciência, com sua infinita sabe-
doria, considera pecaminoso. Sendo assim, como diz Judith
Viorst, a doença da nossa mãe, o divórcio ou a morte dos nos-
sos pais, nossas invejas e nossos ódios secretos, nossas grati-
ficações sexuais solitárias – qualquer uma dessas coisas, ou
todas – podem vir a ser nossa culpa e nossa vergonha. E se o
novo irmão ou a nova irmã que não queríamos e que dese-
jávamos que desaparecesse vem a morrer – por doença ou
acidente – podemos nos julgar responsáveis, e – sem saber o
que estamos pensando – dizer para nós mesmos: “Por que eu
o matei? Por que não o salvei? Por quê?”. E nossa vida pode
se chocar nas rochas dessa culpa inconsciente.
Segundo Freud, muitos pacientes que resistem feroz-
mente a qualquer alívio dos próprios sintomas, que parecem
se agarrar à dor emocional, prendem-se a ela porque ela
significa a punição que eles próprios não sabem que dese-
jam, por crimes que nem sabem que cometeram. Entretanto,
Freud faz notar que uma neurose resistente a todos os esfor-
ços do analista pode desaparecer de repente se o paciente faz
o casamento infeliz, perde todo o dinheiro ou fica gravemente
doente. “Nesses casos, (escreve Freud) uma forma de sofri-
mento é substituída por outra, e vemos que tudo o que impor-
tava era a possibilidade de manter uma certa quantidade de
sofrimento”.
101
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Sendo sujeitos “normais”, a questão culpa sempre nos
acompanhará, cedendo ou não cedendo ao desejo. Consciente
ou inconscientemente, manifestaremos sinais de que ela está
conosco. Ela é incurável, insubordinável e intransferível. Ela
é fruto das nossas escolhas. E, como veremos mais adiante,
no capítulo “Minha culpa, minha tão grande culpa”, algumas
vezes ela é apropriada e boa. Imprescindível para uma vida
em sociedade. No entanto, a grande questão é admitirmos sua
presença, porém sem torná-la a razão da nossa existência. É
seguir buscando o bem-estar, com o desejo de entregar-se ao
prazer de ser e ao de estar sendo, conscientes e realizados
com nosso caminho.
102
A coragem de se encontrar
Quando Moisés se aproxima do faraó para pedir-lhe que liberte
seu povo, o faraó do Egito faz-lhe um desafio: “Mostre-me algo que TE
surpreenda”. Os rabinos logo perguntaram:
Não deveria ser: “Mostre-me algo com que EU me surpreenda?”
E logo respondem, esclarecendo que o faraó era homem muito esperto e
vivido e que sua pergunta era correta. Se Moisés é alguém que deve ser
respeitado, tem de mostrar que é alguém que se surpreende,
e não alguém que surpreende os outros.
(A alma imoral, Nilton Bonder)
Vivemos num século onde muitas mudanças acontece-
ram, desde os avanços na tecnologia até a forma de nos rela-
cionarmos. Mas será que a nossa forma de ver e viver o mun-
do acompanha as mudanças? É pertinente e coerente com
nossas conquistas? Ainda hoje nos vemos tendo de escolher
entre ser e ter. Questão tão discutida que se tornou cansativa,
uma batalha sem fim. Não seria muito mais prazeroso aceitar
que podemos ser e ter, sem culpas homéricas? Afinal, o “ter”
faz parte da constituição do ser humano, e não significa ser
pobre de espírito, de valores, de cuidado e preocupação com
os outros e com o mundo. Aceitar essa dualidade, que somos
corpo e alma, que temos infinitas possibilidades, vai nos levar
à tão desejada liberdade. Romper esses preconceitos, permi-
tir-se trair a tradição em prol de uma fidelidade para consigo
103
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
mesmo. Por mais que tenhamos mais liberdade de expressão
hoje do que antigamente, ainda nos preocupamos muito com
o que o outro vai pensar. Sem dúvida, “o traidor”, a pessoa
que rompe, muitas vezes é tido como “fraco”, quando o que a
sua atitude menos representa é a “fraqueza”. É preciso muita
coragem para trair, para romper. Porque quem o faz se expõe
e causa indignação nas pessoas que não possuem essa mesma
coragem. O que afeta essas pessoas é o fato de serem condu-
zidas a profundezas da intimidade que desejam evitar, ques-
tões próprias que são, durante boa parte da vida, escanteadas
e colocadas embaixo do tapete.
Deixar suas crenças e seu passado em nome de um fu-
turo é para poucos. Tendemos a repetir e a seguir os padrões
que nos foram transmitidos. Nossos pais, nossas experiên-
cias, tudo o que nos oferece “certeza”, além do medo do des-
conhecido, apontam o que é “correto” como sendo o “bom”
por definição, nos determinando um destino. A proposta da
imutabilidade é mais do que indecorosa, nos diz o Rabino
Nilton Bonder, ela violenta o indivíduo. Ela nos propõe que
continuemos fazendo o que já foi feito no passado. Quantas
vezes ouvimos ou sofremos ao ouvir nossos pais dizerem: “Eu
tive de viver tal e tal condição... por que você não pode passar
por isso?”. Isso é expresso como um conceito educacional em
que, com certeza, o passado é determinador do que é certo e
bom. Um filho que rompe, que não tem a profissão do pai, que
não segue as expectativas e a cartilha definida pela tradição
familiar, é visto como um “sem juízo”, como alguém que está
perdido e fora do prumo, a “ovelha negra”.
Nem sempre é fácil aceitar, admitir e, principalmen-
te, ter coragem para sair do lugar-comum que um dia ser-
104
Ana Matos
viu para o nosso desenvolvimento e crescimento, mas que se
tornou ultrapassado, distante do que almejamos para nossa
vida. Quando decidimos sair desse lugar com o qual não nos
identificamos mais, aparecem centenas de dúvidas, os medos
florescem, a culpa vem à tona. E para onde ir se conhecemos
apenas aquele lugar? Aparentemente, isso parece tão difícil e
intransponível. E, então, experimentamos a mais temida das
sensações – o pânico de se extinguir. Nesse momento pensa-
mos em voltar, nos autossabotamos. Mas, como disse Albert
Einsten: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta-
rá ao seu tamanho original”.
Por isso, se escolhermos seguir em frente, esse pro-
fundo ato de confiança em nós mesmos e no processo da vida
garante a passagem pelo vazio que magicamente se concreti-
za em chão sob os nossos pés. O que não existia passa a exis-
tir, e um novo lugar se faz acessível. Passar por um proces-
so de mutação é permitir-se surpreender. É se descobrir. E,
nessa trajetória, a “mesmice” muitas vezes é o caminho mais
curto, o mais simples, mas também o que tem os custos mais
elevados. Ir pelo caminho mais simples e mais curto é uma lei
evolucionista. Automaticamente, pelo hábito, nos movemos
na direção mais imediata e curta. Em nosso dia a dia, sabe-
mos muito bem quais são os caminhos mais curtos e quais são
os mais longos. Fazemos também nossas opções por padrões
que optam pelo curto. Mas nossos mecanismos de detectar
se são “curtos longos” ou “longos curtos” existem, e sempre
estão aí para apontar novos inícios, por exemplo, de relações
de trabalho, amor e amizade.
Segundo Nilton Bonder, aquele que engana a si mesmo
é mais perverso do que o que engana os outros. Isso porque
105
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
aquele que engana os outros está muito mais próximo de cair
em si do que aquele que engana a si mesmo. Pense em quan-
tas vezes você se sabotou hoje em prol de padrões, da tradi-
ção e do seu medo? É difícil aceitar o encontro consigo. Nem
todos estão preparados para se ver e para conviver com uma
nova maneira de ser para si mesmo. Quantas vezes você se
permitiu “horrorizar”? O rabi Nahum declarou: “Temo muito
mais as boas ações que me acomodam do que as más ações
que me horrorizam!”. A experiência humana é marcada pela
alternância de estados despertos e de torpor. Se “horrorizar”
é um dos sinais de percepção do lugar-comum. Quem não se
horroriza perde a capacidade de detectar algo além. Nossa
insensibilidade se beneficia daquilo que não rompe, das ditas
“boas ações” que não ferem os códigos morais. Cada vez que
fazemos o esperado, reforçamos um padrão automático de
torpor. Isso porque existe em nós uma tendência de querer
agradar aos outros e à moral da nossa cultura. Despertamos
quando conseguimos enxergar situações horríveis em nossa
vida, tanto no plano particular como no social e cultural. Do
horror surge uma nova forma de ser, de existir, uma nova for-
ma de família, de tradição etc.
Aqueles que se permitem sair do lugar-comum, que
quando se sentem distantes do que são, mudam de emprego,
refazem relações amorosas, abandonam os vícios, perdem
os medos, libertam-se, encontram sempre alguém com quem
compartilhar esse novo local. Já o acomodado terá para sem-
pre o pânico da solidão.
Um ser humano sente-se plenamente satisfeito quan-
do consegue ser honesto consigo e com o outro. Quando con-
segue estar em dia com o que lhe é correto, com o que lhe
106
Ana Matos
é bom. Porém esse correto e esse bom precisam sempre ser
revistos. Somos seres mutáveis e em busca de algo que não
vamos encontrar se permanecermos agindo e conduzindo as
coisas da mesma forma.
Nós somos capazes de construir e reconstruir, a cada
instante, em busca do que é melhor. Todos os dias, temos a
oportunidade para mudar o curso da nossa vida. Dar a volta
e encontrar novas possibilidades, novos lugares, novos amo-
res, novos “bons”. Surpreenda-se! Surpreender-se é a maior
prova de poder de um ser humano. Surpreender os outros é
fazer uso dos nossos truques já dominados; surpreender a si
mesmo é ser um mago diante daquilo que nós julgávamos ser.
O herói de hoje é aquele que consegue sentir e seguir
sua alma. É aquele que surpreende a si mesmo, e seus pode-
res são tudo aquilo que ainda não foi feito, dito, visto, falado
ou escutado. O futuro e a não-convencionalidade são os ins-
trumentos de poder desse herói. Trair a nós mesmos e nos
surpreender conosco é algo único e de grande força. As sur-
presas do relativo, das misturas, dos erros, das espontaneida-
des fortalecem a alma e lhe fornecem seus nutrientes mais
importantes: a evolução e a libertação.
107
Minha culpa,
minha tão grande culpa
Sem culpa
O que é o homem? Um animal, não é mesmo?
Um lobo perdoado em sua carne,
Uma abelha inocente em sua copulação.
(Archibald Macleish)
Muitos de nós aprendemos, não somente dentro de
casa, mas até por meio da religião, que somos responsáveis
pela felicidade dos outros, usando uma postura de “tomar
conta”, superproteger e até mesmo de se anular. Por conta
disso, ao longo do tempo, vamos desenvolvendo relaciona-
mentos nada saudáveis – nunca nos preocupando com o que
queremos, com a nossa vontade, nossos desejos, mas somente
nos interessando por aquilo que os outros estão sentindo e
pensando.
Algumas pessoas carregam consigo lemas como “sua
vontade é minha vontade”, “não permitirei jamais que você
sofra”, “sua dificuldade é meu problema”, assumindo obri-
gações pelo bem-estar, pelo comportamento, pelas decisões,
pelas emoções, pelos pensamentos ou mesmo pelo destino da
outra pessoa. Esse ato de “tomar conta” traz consigo a ilusão
de que as pessoas são “vítimas do mundo”, incapazes de cui-
109
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
dar de si mesmas, e de que se é possível ter o controle da vida
de quem amamos. Assim, se elas sofrem, fracassam ou ficam
doentes física ou mentalmente, temos certeza de que é nossa
culpa, de que, se tivéssemos agido de modo diferente, ou me-
lhor, sem dúvida teríamos evitado o sofrimento que ela está
passando.
Essas atitudes são ditas salvacionistas, que podemos
traduzir como uma maneira de agir subestimando a capa-
cidade dos indivíduos de crescer, resolver seus problemas e
evoluir. Isso por conta do sentimento de culpa que, segundo
Freud, “é o maior problema do desenvolvimento cultural”. O
homem paga o progresso da cultura com a perda da felicida-
de que decorre desse sentimento. Ainda para Freud, toda vez
que o homem tem de enfrentar os problemas de convivência,
tendo a família como a célula matricial, os conflitos decor-
rentes irão se expressar através do que se denomina “com-
plexo de Édipo”, pelo qual se introduz a consciência moral,
e surge o primeiro sentimento de culpa. Sabemos que, para
ele, o nascimento da cultura vincula-se a um ato agressivo de
morte ao pai primitivo, que, uma vez consumado, satisfaz o
ódio presente na ambivalência, e o amor parece sob forma de
arrependimento.
No entanto, resolvemos nossos conflitos edipianos
adquirindo uma consciência que, como nossos pais, limita
e restringe. Essa consciência representa o pai e a mãe ins-
talados em nossa mente. Com o passar do tempo, vamos nos
identificando com outras figuras, como professores, amigos,
superstars e heróis, e nossos valores e tabus vão se modifican-
do. No seu livro “Perdas necessárias”, Judith Viorst diz que, ao
longo dos anos, o aparecimento de habilidades cada vez mais
110
Ana Matos
complexas prepara o caminho para ideias morais mais com-
plexas. Acredita-se, hoje, que os estágios do nosso raciocínio
moral desenvolvem-se paralelamente ao do nosso processo
de pensamento. Embora a consciência seja baseada em emo-
ção e pensamento, embora sofra evolução e mudanças com o
tempo, seja formada de sentimentos dos primeiros estágios e
tenha uma expansão que ultrapassa os problemas de Édipo,
envolvendo- se em todo tipo de conflitos e preocupações, esse
superego, essa parte do nosso eu que contém nossas restri-
ções morais e nossos ideais, nasce das primeiras lutas contra
paixões sem lei, da nossa submissão às leis humanas.
E se violamos essas restrições morais ou abandona-
mos esses ideais, nossa consciência observa, censura, conde-
na e se encarrega de nos fazer sentir culpa.
Segundo Judith Viorst, não somos seres sem limites, e
jamais nos livraremos das barreiras impostas pelo proibido
e pelo impossível, incluindo os limites impostos pela culpa.
Pois, sejamos ou não as únicas criaturas capazes de sentir cul-
pa, sem dúvida, fazemos isso melhor do que as abelhas ou
os lobos. E embora nossos sentimentos de culpa não tenham
eliminado os Sete Pecados Mortais, ou nos convencido a obe-
decer aos Dez Mandamentos, certamente têm diminuído bas-
tante nossa coragem de tomar algumas atitudes e decisões
que nos aproximariam mais do nosso Self, da nossa verdade.
Por outro lado, embora a culpa nos prive de muitas
sensações e experiências gratificantes, o mundo seria um
caos total sem esse sentimento. Pois as liberdades tolhidas, as
restrições e tabus hospedados em nosso superego são perdas
necessárias, ou seja, o preço que pagamos pela civilização. A
culpa saudável é adequada para vivermos em harmonia com
111
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
o interno e o externo. Ela é adequada em quantidade e quali-
dade ao ato. Essa culpa leva ao remorso, mas não ao ódio por
si mesmo. Evita a repetição do ato culposo sem isolar um vas-
to campo de nossas paixões ou prazeres. Precisamos reconhe-
cer nossos atos moralmente errados. E precisamos conhecer
e aceitar nossa culpa, mas jamais nos tornarmos prisioneiros
dela.
112
A compreensão além das palavras
Existe algo imprescindível para uma boa comunica-
ção – ESCUTAR. Mais do que falar, do que saber colocar as
palavras, saber escutar é algo raro. Uma qualidade de poucos.
Mesmo porque, na maioria das vezes, ouvimos o outro e não
o escutamos. Ouvir é uma atividade sensorial, um processo
fisiológico, no qual conexões auditivas transmitem informa-
ções para o cérebro por meio, é claro, dos ouvidos. Escutar é
um processo psicológico que denota um procedimento de in-
terpretação e compreensão. Significa derivar sentido do que
está sendo ouvido. Além do mais, escutar requer empatia, ou
seja, estar livre de julgamentos. É estar conectado com o ou-
tro, estar presente no momento.
A habilidade de escutar talvez seja a mais importante
para a construção de relacionamentos bem sucedidos, e está
muito ligada a ter uma inteligência emocional desenvolvida.
Carl Rogers, psicólogo humanista, disse que “a inabilidade do
homem para se comunicar é resultado de sua falha para escu-
tar de forma eficaz, com habilidade e compreensão do outro”.
Para construir relacionamentos bem sucedidos são
necessárias algumas competências, porém, antes de mais
nada, precisamos estar dispostos a enfrentar questões dos
outros que nem sempre nos agradarão. No entanto, quando
113
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
vamos entendendo os sinais, o que o outro quer mas não diz,
fica mais amena a convivência.
Quando vamos aprendendo a escutar o outro de for-
ma integral e integrada. É importante escutar o todo, não so-
mente ouvir palavras.
Escutar é ouvir com a alma. É muito mais do que fi-
car em silêncio quando alguém está falando. É entender os
pensamentos, os sentimentos e as ações de outras pessoas. É
perceber o não dito.
Esses versos estão no livro de James Borg, A arte da
persuasão:
Seus pensamentos eram lentos
Suas palavras, poucas
E nunca chegavam a brilhar
Mas ele levava a alegria
Onde quer que estivesse
Você precisava ouvi-lo escutar.
Segundo James Borg, quando escutamos atentamente
detectamos todo tipo de informação sobre as idiossincrasias
das pessoas com quem lidamos. Para isso, é necessário remo-
ver todas as distrações da mente para que nos concentremos
em quem fala. Essas distrações podem acontecer em forma
de pensamentos, julgamentos e emoções.
A comunicação entre as pessoas move e sustenta os
relacionamentos. A forma como escutamos e reagimos às
outras pessoas é determinante para promover os nossos re-
lacionamentos. Ao escutar de forma empática, transmitimos
ao outro o sinal de que estamos interessados em tudo o que
114
Ana Matos
ele está dizendo, e que estamos abertos para entender o seu
ponto de vista.
Uma técnica de comunicação muito interessante e que
pode ajudar na busca por uma comunicação mais efetiva é a
desenvolvida por Marshall B. Rosenberg, chamada Comunica-
ção não-violenta (CNV). Numa das passagens do seu livro “Co-
municação Não-Violenta”, ele fala sobre escutar sentimentos e
necessidades, e diz que mais do que as palavras que as pessoas
usam para se expressar, procuramos escutar suas observações
e o que elas estão pedindo para enriquecer suas vidas.
No livro, ele conta que em um dos seus seminários
ele tem um diálogo com uma mulher que queria aprender
a ouvir os sentimentos e necessidades por trás de algumas
afirmações do marido. Ele sugeriu que ela adivinhasse seus
sentimentos e depois os confirmasse com ele.
Declaração do marido: De que adianta
conversar com você? Você nunca escuta.
Mulher: Você está insatisfeito comigo?
Marshall Rosenberg: quando você diz
“comigo”, está implicando que os senti-
mentos dele são resultado do que você
fez. Eu preferiria que você perguntasse:
“Você está insatisfeito porque está preci-
sando de...?”, e não “Você está insatisfeito
comigo?”. Isso concentraria sua atenção
no que está acontecendo dentro dele e di-
minuiria a probabilidade de você tomar a
mensagem como pessoal.
Mulher: Mas o que eu poderia dizer?
“Você está insatisfeito por que você...?”
Porque você o que?
Marshall Rosenberg: Pegue sua pista a
partir da mensagem do conteúdo do mari-
do: “De que adianta conversar com você?
Você nunca escuta”. Do que é que ele está
115
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
precisando e não está conseguindo quan-
do diz isso?
Mulher: (procurando demonstrar empatia
com as necessidades que estão sendo ex-
pressas através da mensagem do marido)
Você está se sentindo infeliz porque acha
que eu não o compreendo?
Marshall Rosenberg: Observe que você
está se concentrando no que ele está sen-
tindo e não no que está precisando. Acre-
dito que você achará as pessoas menos
ameaçadoras se escutar o que elas pre-
cisam e não o que elas estão pensando a
seu respeito. Em vez de ouvir que ele está
infeliz porque acha que você não o escuta,
concentre-se no que ele está precisando,
dizendo: “Você está infeliz porque sente
necessidade de...”.
Mulher: (tentado de novo) Você está infe-
liz porque sente necessidade de ser escu-
tado?
Marshall Rosenberg: Era isso o que eu
estava pensando. Faz alguma diferença
para você ouvi-lo dessa maneira?
Mulher: Definitivamente, sim – uma gran-
de diferença. Vejo o que está acontecendo
com ele sem ouvir que eu fiz qualquer coi-
sa errada.
O diálogo mostra como temos dificuldade em nos con-
centrarmos nos sentimentos e necessidades dos outros quan-
do estamos acostumados a assumir a responsabilidade por
seus sentimentos e a tomar as mensagens como pessoais.
Será que não chegou a hora de você tentar se concen-
trar na necessidade do outro e exercer a empatia? Quando
escutamos com empatia fazemos com que o outro se sinta à
vontade para se conectar conosco desprovidos de defesas.
Assim teremos mais sucesso na comunicação e, consequente-
mente, em nossos relacionamentos.
116
Nos iludimos por que
queremos ou por que
precisamos?
Somos nós mesmos que nos iludimos, por querer que os outros
deem o que não podem e ajam como imaginamos que devam agir.
(Francisco E. S. Neto)
Nossas experiências são únicas, são o que temos, o
que levamos conosco, como também são únicas nossas re-
ações. Constantemente criamos fantasias em nossa mente,
bloqueamos nossa consciência e nos recusamos a aceitar a
verdade, nossas próprias verdades. Não queremos enxergar
o que está na nossa frente.
Para não enxergar determinadas verdades usamos os
mais variados mecanismos de defesa, seja de forma conscien-
te, seja de forma inconsciente. Isso tudo para evitar ou redu-
zir os eventos, os fatos, os acontecimentos da nossa vida que
nos são inadmissíveis por questões nossas, pelo contexto que
vivemos ou mesmo por medo.
A sensação de que podemos controlar a nossa vida,
a vida dos outros e o mundo a nossa volta é uma das mais
frequentes ilusões. Nem sempre é fácil diferenciar a ilusão de
controlar e a realidade de amar e de compreender.
117
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
A consciência humana está quase sempre envolvida
por ilusões que impossibilitam, por um lado, a capacidade de
autopercepção; por outro, dificultam o contato com a realida-
de das coisas e pessoas. Uma amiga uma vez disse que “tem
pessoas que precisam de menos para controlar mais”. Essa
frase ficou martelando na minha cabeça. De fato, quanto me-
nor a intensidade do que sentimos, quanto menos sentimos,
mais fácil o controle da situação e mais sob controle estamos
no sentido das nossas expectativas. Temos a falsa ilusão de
que podemos controlar ou que o mundo externo está sob o
nosso controle, mesmo nesse caso.
É claro que, quanto menos sentimos, mais estamos
conscientes do que acontece, tanto conosco como com o ou-
tro. Estamos mais atentos e conectados com o mundo ao nos-
so redor. No entanto, quanto menos se sente, menos se espera,
menos se quer e, em contrapartida, menos se vive no sentido
de experimentar sensações, de se surpreender e de se permi-
tir a entrega.
Existem pessoas que escolhem viver com menos e
se sentem bem, tranquilas, seguras e prezam a zona de con-
forto. Não existe certo e errado nas escolhas. O importante é
estarmos felizes e satisfeitos com elas, e que não culpemos
ninguém pelos nossos desacertos, pelas nossas ilusões, pelos
caminhos que escolhemos seguir, pois são nossos. E os únicos
responsáveis pela vida que temos e pelas experiências que
vivemos somos nós mesmos, sejam elas mornas, quentes ou
frias, conscientes ou não, reais ou ilusórias.
118
Relação a dois:
a arte de equilibrar amor e ódio
Nossas expectativas não atendidas pelo outro são perdas
necessárias para o amadurecimento como ser humano.
(Ana Matos)
Às vezes você perdoa as pessoas simplesmente por-
que você ainda as quer na sua vida. Outras pessoas perdoam,
mas não querem a pessoa como parte da sua vida. Muitas ve-
zes, é difícil entender como cada um segue a sua vida como se
o outro não existisse e nunca tivesse existido. Salvo os casos
em que o término foi traumático, onde houve agressões ver-
bais ou físicas, mágoas etc. Afinal, convivemos com aquela
pessoa durante meses, anos, compartilhamos dores, alegrias,
vitórias, derrotas, estivemos juntos na saúde e na doença, e
quando se termina é como se fossem dois estranhos.
O que acontece é que cada parte sai da relação com
sua percepção, sua verdade e frustrações, pois criamos ex-
pectativas quando nos relacionamos. No seu livro “Perdas
necessárias”, Judith Viorst diz que Freud, tratando o amor,
distingue o amor sensual, que procura a gratificação física, e
o amor caracterizado pela ternura. Freud descreve, também,
a superestimação – ou idealização – da pessoa amada. Além
119
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
disso, Freud nos lembra que nem mesmo o relacionamento
amoroso mais profundo pode evitar a ambivalência, e nem
o relacionamento mais feliz pode evitar uma certa porção de
sentimentos hostis. Depois de certo tempo de convivência, sa-
bemos muito bem como e em que “calos pisar” para ofender
o outro. Sabemos também como acalmar, alisar e fazer coisas
agradáveis.
A tensão e os conflitos de um relacionamento podem
começar com a morte das expectativas românticas. Levamos
para os nossos relacionamentos uma infinidade de expecta-
tivas românticas e visões de míticos êxtases sexuais. Ainda
impomos à nossa vida sexual muitas outras expectativas,
muitos outros “devia ser assim”, que o ato cotidiano do amor
não consegue realizar. Agora, cabe uma reflexão: essas são
expectativas que nós temos; então, por que determinamos
que o outro deva suprir?
Judith Viorst coloca que nossas primeiras lições de
amor e a história do desenvolvimento moldam as expecta-
tivas que temos num relacionamento. Geralmente estamos
conscientes de esperanças não realizadas. Mas levamos tam-
bém os desejos inconscientes e os sentimentos mal-resolvidos
da infância, e, orientados pelo nosso passado, fazemos exi-
gências em nosso relacionamento sem perceber que estamos
fazendo. É por meio do relacionamento que procuramos re-
cuperar os amores dos nossos primeiros desejos, encontrar
no presente figuras amadas do passado – figuras paternas
ou outras referências importantes em nossa formação. Nos
braços do outro, procuramos unir os anseios e objetivos do
desejo do passado. E, muitas vezes, odiamos o outro por não
satisfazer esses desejos antigos e impossíveis. Odiamos por-
120
Ana Matos
que ele não preencheu nosso vazio, porque ele não entendeu
o que eu queria sem precisar dizer, odiamos porque ele não
correspondeu aos nossos pedidos de socorro, ao nosso lamen-
to, porque ele não foi uma mãe ou um pai.
Nossos desejos incompatíveis, nossos conflitos, nossos
desapontamentos confirmam a existência do ódio na relação.
Esse ódio pode ser consciente ou inconsciente. Ele
pode ser contínuo, tornando-se um martelar de raiva, amar-
gura e dor, ou passageiro tornando a relação sólida. O ódio
nem sempre precisa ser uma explosão, mas pode ser uma la-
múria em silêncio. Como a relação é feita de momentos de
amor e ódio, é no caminhar e na maneira como lidamos com
nossas expectativas e as expectativas do outro que vamos
construindo algo ou seguindo em direção ao abismo, ao fim
e ao distanciamento para sempre, como se fossem os dois es-
tranhos.
No entanto, se no decorrer da relação vamos cami-
nhando para um amadurecimento, enxergando o outro com
suas qualidades e defeitos, de uma forma real, trazemos para
o relacionamento a capacidade de sentir empatia e carinho,
de sentir culpa quando provocamos dor, de sentir vontade de
reparar o dano causado e oferecer consolo, acolher.
Enquanto o outro simbolizar certos ideais com valo-
res para nós, continuamos a vê-lo como uma pessoa ideal,
mas essa idealização convive com o conhecimento real de
quem amamos. A tendência é que esse conhecimento nos co-
loque frente a frente com nossos desapontamentos, nossos
sentimentos de amargura, nosso ódio. Mas também abrirá es-
paço para a gratidão. Segundo Judith Viorst, é a gratidão por
encontrar no relacionamento amoroso daquele momento um
121
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
pouco das pessoas amadas do nosso passado, por receber o
que jamais tivemos no passado, e mais, a gratidão pela sensa-
ção de ser (re)conhecido, compreendido pela pessoa amada.
E então, estaremos livres da cegueira de nossas expectativas
idealizadas, projetadas.
Com o tempo, tomamos consciência de que não pode-
mos esperar do outro a “missão impossível” de suprir nossas
carências, nosso vazio, do jeito, da forma que queremos, que
idealizamos.
Essas expectativas perdidas são perdas necessárias
para o amadurecimento do ser humano. E com o equilíbrio
do amor e do ódio podemos preservar a conexão do relacio-
namento “um e outro”, pois a ambivalência sempre existirá
– somos dualidade, somos o todo. E assim, podemos sair de
um relacionamento com lembranças de bons momentos, com
a certeza de que hoje somos melhores do que ontem, e com
a sensação de ter vivido, crescido, com uma pessoa que hoje
não é mais nosso amor sensual, mas um amigo que fez e fará
parte da nossa vida.
122
A sombra nossa de cada dia
Os tempos mudaram, mas nossos olhos e a maneira como
nosso cérebro processa informações não mudam.
(Lung e Prowant)
Embora tenham se passado mais de dois milênios, os
desejos, os objetivos e a ingenuidade dos homens mudaram
muito pouco. Nicolau Maquiavel escreveu: “Os homens têm
e sempre tiveram as mesmas paixões”. E acrescento: as mes-
mas necessidades, os mesmos medos. Por mais que tenhamos
evoluído, não crescemos nada emocionalmente. Continua-
mos os mesmos, repetindo, muitas vezes, os mesmos compor-
tamentos.
Agora você já parou para pensar que nossa vida, e a
de todos, seria bem melhor se as pessoas assumissem quem
são – sua dualidade, sua luz e sua sombra, o bom e o ruim,
o bem e o mal? A questão é que projetamos no outro nossos
desejos obscuros, nossa sombra – o que não admitimos em
nós mesmos. Devemos ter a consciência de que ter um lado
sombrio não é possuir uma falha, mas ser completo. A som-
bra nos pertence e podemos conviver muito bem com ela. É
a existência da sombra que nos faz querer ser melhores, evo-
luir emocionalmente. Afinal, nada pode acabar com a som-
bra, pois não podemos nos separar da dualidade. Precisamos
123
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
reprimir nossos instintos selvagens, porém, apesar de nossos
esforços, haverá muitas derrotas. O caminho ideal para con-
viver bem com a sombra é ter consciência de que ela existe,
afinal, não é a resposta, os caminhos, que nos faltam – é sua
aplicação. Segundo Deepak Chopra, há incontáveis caminhos
para a cura da alma. Mas ninguém tem tempo, energia, nem
coragem para experimentar todos eles.
Com isso, o caminho que escolhemos é projetar nos
outros nossa sombra. Muitas vezes, nem nos damos conta de
que temos o mesmo comportamento, a mesma forma de lidar
com a situação. Não reconhecemos, não temos consciência
dessa nossa faceta. Por isso, o processo de autoconhecimento
deveria ser uma prática constante de todo ser humano. Deve-
ria ser algo estimulado dentro de casa, nas escolas, nas em-
presas, nas universidades etc.
Entrar em contato conosco, termos a coragem de nos
encarar no espelho de forma a enxergar nossos mais diver-
sos ângulos é para poucos. Mas, hoje em dia, no mundo que
construímos e continuamos construindo, se não soubermos
lidar com as nossas emoções, com as nossas fragilidades, re-
conhecermos nossos pontos fortes e a nossa sombra, não so-
breviveremos por muito tempo. Se sobrevivermos será por
meio de medicamentos, drogas e outros meios de fuga de si
mesmo. Reavaliar nossa vida, fazer um balanço de tudo o que
fizemos, tem de ser uma prática constante e não apenas na
virada de cada ano.
Nos preocupamos em dominar as pessoas, conquistar
as coisas e, nesta batalha externa, nos perdemos. Nos perde-
mos na nossa sombra. Quem sabe, um dia, nos daremos conta
de que a maior conquista de um homem é o conhecimento
124
Ana Matos
de si mesmo. O que lá nos primórdios foi dito por Sócrates –
“Conheça-te a ti mesmo”. O maior domínio que podemos ter
é das nossas emoções. Conhecê-las para usar a nosso favor e
bem de todos.
O homem evoluiu. A pressão que vivemos hoje não
vai diminuir. A competitividade só tende a aumentar. O caos,
o estresse já está instaurado. No entanto, o contato consigo
mesmo é imprescindível para a conquista da paz tão deseja-
da, mesmo dentro do caos. Como disse Chopra, a alma huma-
na é um lugar de ambiguidade, contradição e paradoxo. E é
assim que deve ser, porque toda experiência da vida, que é
manifestação da alma, é resultado de contraste. E não esque-
ça que o seu mundo é reflexo da sua alma, das suas escolhas.
125
Eu, você e o amor:
uma relação a três
Dê a quem você ama: asas para voar,
raízes para voltar e motivos para ficar.
(Dalai Lama)
Somos seres desejantes, já nos disse Freud. Um dos
nossos desejos é o de encontrar aquela pessoa que vai fazer
nosso estômago borbulhar, nossa mão suar, as palavras sumi-
rem e nada mais ao redor existir.
Quando isso acontece, enquanto vamos conhecendo
o outro, desejamos que seja para sempre de tão especial, má-
gico e único. Muitas são as sensações despertadas por esse
encontro.
Porém, existe um grande desafio nas relações a dois:
o de não se perder, mais do que a possibilidade de perder o
outro. Como manter sua individualidade e sua identidade?
É como se a relação fosse uma terceira pessoa, fruto de
duas outras, que possuem suas características, qualidades, de-
feitos, sonhos e expectativas, e que serão, igualmente, respon-
sáveis pelo desenvolvimento e pela construção dessa terceira.
A outra questão é: como manter vivo esse sentimento
despertado naquele primeiro encontro de olhares?
127
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Seguindo a ideia de que o relacionamento é uma ter-
ceira pessoa, uma analogia para entendermos que é preciso
ter certos cuidados e atenção é pensar nas fases de desenvol-
vimento de um indivíduo/pessoa.
Quando bebê, ele precisa de todo cuidado. É totalmen-
te dependente dos pais. Precisa ser alimentado, principal-
mente de muito afeto. A libido (energia) dos pais está focada
e concentrada nele. Assim acontece no início das relações.
Estamos com a nossa libido totalmente voltada para o outro.
Com o passar do tempo, essa criança precisa entender que os
pais têm outras ocupações, interesses e preocupações. Os pais
não vivem em função dela e para ela. Existem momentos de
lazer, trabalho, estar com amigos. Isso não quer dizer que os
pais não amem essa criança, mas é necessário que ela enten-
da os limites da individualidade. Abrir mão da sua vida não
significa amar.
Com o entendimento das outras necessidades dos pais,
a criança vai amadurecendo e descobrindo novas formas de
demonstrações de afeto. Além do quê, vai ficando mais segu-
ra e confiante, afinal, amar não significa estar presente fisica-
mente em cada passo do outro, a toda hora, a todo instante,
mas se fazer presente mesmo quando ausente. É querer estar
junto, não por insegurança, possessividade ou, até mesmo,
medo de perder, mas por querer genuinamente, e pelo prazer
em estar junto.
E, assim como no desenvolvimento do indivíduo, o re-
lacionamento também passa por algumas crises, ou seja, pas-
sa pela adolescência, que é uma fase onde estamos sujeitos
a revoltas, rebeldias, confrontos e atitudes impulsivas. Passa
pela crise dos 30, 40, e assim por diante. Momentos em que é
128
Ana Matos
necessário muito cuidado. E se nas fases anteriores o respeito,
a compreensão e o carinho foram sedimentados, essa fase,
por mais turbulenta que seja, vai passar com os dois de mãos
dadas, lado a lado.
A maturidade chega, escolhas são feitas, novas des-
cobertas revelam sensações que você nunca imaginou sentir
com a mesma pessoa. O tempo passa, e quando você olhar
para essa terceira pessoa – o relacionamento –, saberá que
ali tem um pouco de você e do outro. Ele foi construído por
vocês, é o reflexo de cada um.
Cuide do seu relacionamento como se fosse um filho.
Alimente, escute, brinque, discorde, transe, ame. Não é sufo-
cando, nem impondo e prendendo que você terá a garantia
de ter a pessoa com você. Relacionamentos são construídos e
solidificados com base em valores, não em regras impostas.
Se o seu relacionamento está fundamentado em valo-
res como respeito, cuidado com o próximo, amor e admira-
ção, ele vai refletir e se comportar como deve ser – leve, livre
e entregue a você. Nas palavras de Clarice Lispector: “Amar é
deixar ser”.
129
No amor, o risco sempre vale
mais que a dúvida
No amor, o risco sempre vale mais que a dúvida.
A gente ri, a gente chora e joga fora o que passou. A gente ri, a
gente chora e comemora o novo amor.
(Edu Krieger)
É natural, depois de ter vivido uma experiência nega-
tiva, que tenhamos medo, receio de nos entregarmos. Porém,
aos poucos vamos substituindo expressões fatais como “não
resistirei a esse sofrimento”, “não quero saber de mais nin-
guém”, por outras mais mansas, como “sei que essa dor vai
passar”, “quem sabe exista alguém interessante”.
As pessoas que entraram e fizeram parte da nossa
vida só permanecem porque nós permitimos. A sensação que
temos no término, quando ele é traumático, é de que “não va-
leu a pena”, “que era a pessoa errada”, “que perdemos nosso
tempo”; chegamos a pensar: “como conseguimos ficar tanto
tempo juntos?”.
Esses sentimentos vêm carregados de dor, de sofri-
mento e, principalmente, de falta de chão. Afinal, era alguém
que construiu conosco uma rotina. E não significa que não
teve importância. Se agora é difícil perceber o sentido que
essa pessoa teve, podemos ter certeza de que, no momento
131
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
oportuno, teremos o insight. Nossas escolhas podem não fa-
zer sentido quando o mundo está desabando, mas tudo está
conectado.
E, geralmente quando menos esperamos, aparece al-
guém que mexe com a gente. Que aos poucos vai nos conquis-
tando. E então aqueles medos vêm com tudo – as dúvidas, a
sensação de que podemos sofrer mais uma vez. No entanto,
se queremos ser felizes, corremos o risco de sofrer. Mais vale
o risco de sofrer do que a sensação de que poderíamos ter
sido felizes, de que poderia ter dado certo. Mas e se não der?
Se não der, simplesmente fizemos uma escolha: escolhemos
viver.
132
Você tem medo de quê?
O Universo ao seu redor é uma indicação do seu foco.
(What Your Face Reveals, Lin)
Desde o dia em que nascemos, estamos “aprisionados
ao medo”. Como acontece com toda herança, os medos são ao
mesmo tempo uma coisa boa, útil para a nossa sobrevivên-
cia, e um peso, afetando nossa qualidade de vida. Com o pas-
sar do tempo, de acordo com a nossa educação e o ambiente
em que vivemos, os traumas, nossos medos, podem se tornar
excessivos, sob controle ou desaparecer. Cada medo tem sua
história relativamente conhecida ou que permanece, muitas
vezes, misteriosa. Uma questão que devemos pensar em rela-
ção ao medo é “Por que meu medo persiste, apesar de todos
os meus esforços, já que eu sei perfeitamente que é um medo
exagerado?”.
Depois de refletir sobre a causa, de onde vem esse
medo, é importante entender o porquê desse comportamento
diante de determinadas situações. Independente da resposta,
sabemos ou devemos ter a consciência de que nossos medos
permanecem porque nós os obedecemos. Obedecemo-lhes
em nossos comportamentos, com fugas e evitamentos. Obe-
decemo-lhes em nossos pensamentos, não vendo outra coisa
133
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
ao nosso redor além de perigos e ameaças. O medo submete,
dessa forma, nossa inteligência.
No livro “Psicologia do medo”, Christophe André fala
sobre os dez mandamentos da luta antimedo: 1) desobedeça
seus medos; 2) informe-se sobre o que realmente lhe causa
medo; 3) deixe de ter medo do medo; 4) modifique sua visão
de mundo; 5) confronte o medo seguindo certas regras; 6) res-
peite-se e faça com que os outros respeitem seu medo; 7) refli-
ta sobre seu medo, sua história e sua função; 8) cuide de você;
9) aprenda a relaxar e meditar; 10) mantenha seus esforços
por muito tempo.
Todos eles são fundamentais como exercício constan-
te, porém, se o medo for algo antigo, instalado e muito sério,
é importante o acompanhamento terapêutico. O medo deve
estar dentro de um limite normal e aceitável. O objetivo não é
se tornar uma pessoa sem medo, mas uma pessoa que não se
deixa dirigir e nem sufocar pelos seus medos.
Felizmente sabemos que somos capazes de colocar o
medo novamente em seu lugar. É somente quando nos con-
frontamos com o medo que podemos dar provas de coragem.
Essa coragem nos permite viver os momentos de uma forma
plena e seguir em frente. Um medo específico pode sempre
nos acompanhar, mas saberemos como lidar com ele e, então,
não deixaremos que ele determine a direção do nosso cami-
nho. Podemos fazer as pazes com ele, viver inteligentemente,
escutá-lo inclusive, por que não? Pois já não é preciso obe-
decê-lo... Afinal, lutar contra seus medos é lutar, na verdade,
por sua liberdade.
134
A verdadeira pergunta é:
“quem NÃO sou eu”?
Em algum lugar de todos nós vive ainda aquele piloto, aquele
explorador da África, aquele navegador de mares nunca antes navega-
dos. Em algum lugar dentro de nós vive aquele destemido aventureiro.
Em algum lugar dentro de nós, se nos foi permitido executar as explora-
ções do estágio de aprendizado, vive um ser exultante que, no passado,
foi capaz de encontrar maravilhas por toda parte.
Hoje está disciplinado e controlado, mas se tiver sorte, uma vez
ou outra entrará em contato com aquela autoembriaguês, com aquela
sensação de maravilha. Quando o poeta Walt Whitman ruge: “Canto
a mim mesmo, e a mim mesmo celebro... Divino sou por dentro e por
fora...”, ouvimos o brado bárbaro da criança que começa a aprender, a
ser. [...] E enquanto ela anda, corre, sobe, salta, cai e fica de pé outra vez,
sente-se tão à vontade neste mundo, tão alegremente confiante,
tão indiferente ao perigo, que parece até ter esquecido da mãe.
(Perdas necessárias, Judith Viorst)
Por que optamos sempre pelos caminhos conhecidos
ou já percorridos? Por que optamos por manter os mesmos
padrões se existem diversas formas de se solucionar um pro-
blema?
O que geralmente acontece é uma repetição dos mo-
delos da nossa formação, normalmente, mas não somente,
das figuras paternais. Quando somos pequenos, as referên-
cias que temos são nossos pais, parentes, professores, e nos
identificamos com eles. A identificação é um dos processos
135
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
centrais para a formação do “eu”. Essa identificação pode ser
cautelosa, autoritária, amante dos livros, dos esportes etc., o
importante é que nos afirme aquela frase já proferida um dia
por quase todas as pessoas: “como minha mãe ou meu pai”.
Esse processo de identificação no começo tende a ser global
e de abrangência total. Na medida em que vamos crescendo,
nos identificamos parcial ou seletivamente. Dizemos: “Serei
como esta faceta de você, e não como aquela”. Nos tornamos
não uma cópia fiel das figuras importantes da nossa vida, mas
algo personalizado com um pouco do jeito de ser de cada um,
se assim escolhermos, se assim quisermos.
Segundo Judith Viorst, no seu livro Perdas necessá-
rias, embora nos identifiquemos permanente ou provisoria-
mente com aqueles que amamos, invejamos, admiramos,
podemos também nos identificar com aqueles que provocam
nossa zanga ou dos quais temos medo. Tentamos parecer com
as pessoas que tememos ou odiamos, na esperança de assim
ganhar o mesmo poder e nos defender contra o perigo que
representam.
Através dos anos, enquanto modificamos e harmo-
nizamos essas diferentes identificações – religião, profissão,
gênero, qualidades e defeitos, classe social, emoções, compor-
tamentos, habilidades, valores etc. – possivelmente teremos
de nos descartar de outros “eus”. Essa renúncia é uma perda
necessária para a construção do seu “eu”. Afinal, entre tantas
identificações, quem é você? Que comportamentos lhe per-
tencem? Que caminhos você escolhe seguir por conta e risco?
Embora, vez ou outra, brinquemos com nossa imagem
pública, e hoje as redes sociais são mais uma ferramenta para
suprir nossa fantasia – fantasia necessária se for utilizada de
136
Ana Matos
uma forma saudável –, queremos impressionar, agradar, apa-
ziguar, conquistar. E, com certeza, não raras vezes usamos
certa dose de engano, dando a nós mesmos um “curtir” para
aquilo que um observador justo não daria.
O importante é manter uma conexão razoável entre
o “eu” que somos e o “eu” que mostramos. Pois quando essa
conexão se desfaz, podemos, quem sabe, descobrir que o “eu”
antes apresentado ao mundo era um falso eu, e é aí que, de
repente, você se dá conta de que vive em Neverland ou qual-
quer “land” que não é você. O que acontece é que muitas ve-
zes assumimos uma imagem para não assumir de fato quem
somos, com receio da dor que podemos sentir ao ter de deixar
de lado um mundo idealizado.
Quando assumimos nosso “eu” temos de renunciar à
feliz ilusão de estarmos intocavelmente seguros e abrir mão
das simplicidades reconfortantes de um universo protetor.
Assumindo nosso “eu” entramos, a princípio, num mundo de
solidão, impotência e ambivalência. Porém, conscientes do
nosso terror e da nossa glória, podemos dizer, sem ilusões e
assumindo nossas escolhas, que “este sou eu”. Nos entrega-
mos ao nosso desejo mais profundo de ser e estar sendo o
capitão do nosso destino.
137
A comunicação
vai além das palavras
Empatizar com uma pessoa envolve se abster de qualquer
julgamento pessoal da situação, deixar de lado a
memória pessoal dos eventos e a reação emocional particular a
eles, da concepção pessoal das características e objetivos da pessoa e até
da concepção pessoal a seu próprio respeito.
(Sarah Hodges e Daniel Wagner-psicólogos)
Em fevereiro de 2011, saiu na revista Galileu1 uma
matéria falando sobre os cachorros e a empatia. Segundo a
matéria, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas
Abel Salazr, em Portugal, constataram que os cachorros pare-
cem sentir empatia pelas emoções humanas, afirmando que
os animais usados em terapias poderiam até adquirir as emo-
ções de seus donos. Segue um trecho:
De acordo com o estudo, os animais não
copiam simplesmente as emoções que es-
tão ao seu redor. Cães podem ficar chatea-
dos como uma criança quando criados em
um ambiente familiar com brigas. E po-
dem pedir por ajuda no caso de emergên-
cias, o que sugere certo grau de percepção
e empatia. [...] A evolução e a domesti-
cação teriam feito com que os cachorros
conseguissem sincronizar suas emoções
1 revistagalileu.globo.com/Revista/.../0,,EMI212919-17770,00-CAES+SE...
139
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
às humanas. Outro motivo seria a seleção
artificial, que buscou animais cada vez
mais inteligentes – e provavelmente capa-
zes de “entender” melhor as pessoas.
Será que você já reparou como os cachorros têm a
capacidade de persuasão sem emitir uma única palavra? Eles
não falam, mas se comunicam conosco o tempo todo. E acre-
dito que, na maioria das vezes, senão em 100% delas, eles são
entendidos. Impressionante isso, não?
E você já se deu conta de como os animais conseguem
perceber o que estamos sentindo? Quantas vezes, quando
nos sentimos um pouco tristes ou melancólicos, eles se apro-
ximam e deitam-se ao nosso lado? A sensação é como se eles
conseguissem entrar na nossa alma, e conseguem, pois os
cães são empáticos nesse sentido. Embora somente o homem
tenha realmente a capacidade de entender o processo empáti-
co de perceber o outro, de se colocar no lugar dele e ajudá-lo,
como somos seres racionais, utilizamos a racionalidade para
impedir que esse processo aconteça naturalmente, da forma
como está escrito. Pois nesse processo, que escrito parece sim-
ples, colocamos nossos preconceitos, julgamentos, emoções.
Segundo Arthur P. Ciaramicoli e Katherine Ketcham,
autores do livro “O poder da empatia”, toda experiência ins-
pirada pela empatia começa, necessariamente, com a lem-
brança de que nossas percepções são limitadas por nossas
experiências e nossas interpretações dessas experiências. Por
termos essa capacidade de qualificar o que sentimos, criamos
amarras e nos aprisionamos nas nossas próprias emoções.
Logo, se a empatia pressupõe o não julgamento, os
cachorros estão mais avançados do que nós, seres humanos.
140
Ana Matos
A empatia acontece sem palavras, por meio do olhar, de um
movimento, de um latido, de uma lambida.
Segundo Daniel Goleman (1995), a empatia requer,
no mínimo, a capacidade de ler as emoções de outra pessoa.
Num nível mais elevado, implica em aperceber-se, reagir às
preocupações e sentimentos não-verbalizados de alguém.
No nível mais alto, ter empatia é compreender as
questões e preocupações que ficam por detrás do sentimento
de alguém. E uma dica valiosa para conseguirmos nos conec-
tar com o sentimento do outro, nada melhor que primeiro nos
conectarmos com nós mesmos, através do autoconhecimento.
Esta é a chave para conhecer o terreno emocional do outro e
nos tornarmos verdadeiramente empáticos.
No momento em que você está conectado com o outro,
de fato, acontece algo interessante em termos fisiológicos –
seu próprio corpo imita o outro quando se sintonizam com os
sentimentos dele –, sintonia empática. Pode ocorrer também
uma sintonia nos batimentos cardíacos. Essa interação deno-
mina-se “entrosamento”. Essa sintonia intensa exige que dei-
xemos de lado nossa própria programação emocional para
podermos receber claramente os sinais da outra pessoa, para
que possamos fazer um Rapport. Segundo Anthony Robbins:
Rapport é a capacidade de entrar no mun-
do de alguém, fazê-lo sentir que você o
entende e que vocês têm um forte laço em
comum. É a capacidade de ir totalmente
do seu mapa do mundo para o mapa do
mundo dele. É a essência da comunicação
bem-sucedida.
Esse entrosamento espontâneo ocorre também quan-
do duas pessoas começam a conversar e seus movimentos e
141
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
posturas, tonalidade vocal, velocidade da fala e até mesmo a
duração das pausas entre a fala de uma e de outra estão em
sintonia, em harmonia.
Quando assumimos o ritmo, a postura, a expressão
facial do outro, começamos a nos situar em seu espaço emo-
cional.
Sentimos também uma sintonia emocional. Nosso
sistema nervoso fica preparado automaticamente para en-
trar nessa empatia emocional. No entanto, a maneira como
utilizamos essa capacidade é, em grande parte, uma aptidão
adquirida, que depende da motivação. Nunca podemos dizer
que “a temos” em todos os nossos relacionamentos, pois sem-
pre precisamos buscá-la. Por isso, a observação de como os
cachorros se comunicam e o que eles conseguem com isso é
um bom exercício para desenvolver a capacidade de ter em-
patia, que está presente na arte de influenciar, na comuni-
cação, na liderança, na persuasão, na inteligência emocional
e social, resumindo, nos relacionamentos. Lembrando, claro,
que cada interação é diferente, cada momento é um novo mo-
mento, todo relacionamento é único. Afinal, a empatia é um
processo interativo, que exige de você muito mais do que téc-
nicas, exige estar presente, exige alma.
142
Depois de conhecer a si mesmo
você pode pensar em
conhecer o outro
A vida não examinada não merece ser vivida.
(Sócrates)
Um ponto importante sobre a capacidade de desen-
volver a empatia é que requer um investimento de longo pra-
zo. Não é aplicação esporádica. Exige prática, querer e alma.
Saiba: é quase impossível fingir ter empatia.
Segundo Kurt W. Mortensen, no seu livro “Q.I. de per-
suasão”, vivemos em um mundo autoabsorvido, e ser empá-
tico contraria quase tudo o que você aprendeu com o mun-
do. Aprendemos desde pequenos a ser exigentes, egoístas e
egocêntricos. O mundo exige cada vez mais e mais de todos,
e num curto espaço de tempo. Não podemos ser mais um. Te-
mos de ser o melhor, custe o que custar, pagando o preço que
for. Nos perdemos nessa busca e nos afastamos de nós mes-
mos. Nos tornamos vazios com inúmeros sintomas e patolo-
gias, carentes de alma, de afeto, de atenção e de amor.
Por termos de, a toda hora, tomar decisões rápidas
pela pressão não só profissional, mas do próprio meio, não
paramos para pensar no que estamos vivendo, no que esta-
143
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
mos sentindo. Sendo assim, para desenvolver a capacidade
de ter empatia precisamos parar e simplesmente nos des-
conectar do mundo lá fora, reavaliar tudo o que ouvimos e
deixarmos de lado os preconceitos, julgamentos, estereótipos,
e estar presente neste momento, no agora, no hoje. Vamos
transformar nossos olhos em janelas da alma e sentir o que
estamos vendo. Olhar para dentro e sentir o que está aconte-
cendo conosco, sem julgamentos. Entrar em contato conosco
é o início do desenvolvimento da empatia. Entrar na sua alma
e se conhecer. Se conectar com você mesmo.
O autoconhecimento é o primeiro exercício na busca
pelo desenvolvimento da empatia. Segundo Daniel Goleman
(2008), sem a capacidade de captar nossos próprios sentimen-
tos, ou impedir que eles se apossem de nós, ficaremos irre-
mediavelmente desconectados dos estados de ânimo das ou-
tras pessoas. Para Goleman, a empatia é o nosso radar social.
Quando estamos desconectados, sofremos de surdez emocio-
nal, que conduz à falta de jeito social, à falta de conhecimento
de nós mesmos, o que nos leva a interpretar os sentimentos
de uma forma errada ou ser rude e frio com os outros e, prin-
cipalmente, conosco.
Infelizmente, a loucura da vida moderna não parece
cultivar a mentalidade de encontrar tempo para ajudar os ou-
tros, quiçá a nós mesmos. Porém somos responsáveis pelas
nossas escolhas, e a determinação de qual caminho seguir é
sempre uma decisão pessoal e não uma obrigação social.
144
A diferença dos iguais
Evoluímos muito nas questões tecnológicas, médicas,
sociais, mas permanecemos estagnados e diria que até, em
muitos aspectos, regredimos nas questões humanas. É preci-
so campanhas e mais campanhas, ou seja, dinheiro e mais
dinheiro para tentar conscientizar as pessoas sobre o respeito
à escolha sexual de cada um, sobre irmandade com o negro,
sobre a aceitação dos menos favorecidos.
Atualmente, fala-se tanto na questão da diversidade
– racial, sexual, cultural, social – discussão saudável e impor-
tante, mas que considero algo que já deveria ser sabido e in-
ternalizado por todos: o fato de aceitarmos essas diferenças.
Como já disse em textos anteriores, fazemos parte
de um todo. E uma bomba lançada no Japão afeta o mundo.
Mundo esse em que vivemos. Não estamos imunes a nada.
Somos um todo e podemos contribuir para a evolução do ser
humano fazendo a nossa parte, transmitindo valores, deixan-
do de herança para as novas gerações não somente bens ma-
teriais, porém, sobretudo bens espirituais.
Segundo Marilu Martinelli, no seu livro “Aulas de
transformação”, valores humanos são fundamentos morais
e espirituais da consciência humana. Todos os seres huma-
nos podem e devem tomar conhecimento dos valores a eles
145
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
inerentes. A causa dos conflitos que afligem a humanidade
está na negação dos valores como suporte e inspiração para
o desenvolvimento integral do potencial individual, e conse-
quentemente do potencial social.
Acredito que precisamos, urgentemente, resgatar e
solidificar esses valores, por meio da vivência que alicerça
o caráter e reflete-se na conduta como uma conquista espi-
ritual da personalidade. Vivemos tempos críticos, em que a
violência é vista como normalidade (ah! É só mais um assalto,
é só mais um sequestro etc.). O mundo está desesperado e, o
que é pior, doente de alma. Isso tudo acontece à nossa volta,
devido ao fato de grande parte da humanidade ter se esqueci-
do de seus valores e, até mesmo, por considerá-los ultrapassa-
dos e desinteressantes. O medo, a falta de amor e de confian-
ça têm qualificado nossos relacionamentos com o outro e com
o mundo. Por isso, a necessidade de campanhas nos dizendo
“que é bonito, que é legal” você aceitar o outro com as suas
diferenças. É tão óbvio o respeito pelo outro. Talvez possa ser
para mim, possa ser para você. Mas, se continuarmos nessa
toada, daqui a pouco teremos campanhas ou programas den-
tro das empresas explicando como ser humano.
Como disse Marilu Martinelli, especialista na forma-
ção do educador em valores humanos, o resgate dos valores
humanos é o nosso grande desafio, mas o ser humano tem
reservas inesgotáveis de transformação. Temos, nos valores
morais e espirituais, o grande instrumento de aprimoramen-
to e o traço de união dos povos, sem distinção. Os valores pro-
movem a verdadeira prosperidade do homem, da nação e do
mundo. E é a partir deles que podemos entender e aceitar as
diferenças dos nossos iguais.
146
Somos quem queremos ser ou
somos quem podemos ser?
A necessidade de conhecer-se sempre foi uma das
angústias inerentes ao ser humano. Já nascemos e somos al-
guém, no sentido social, ou seja, já temos um nome e sobreno-
me. Essa é uma das etapas da construção do ser alguém, de se
conhecer. E, nessa construção, nos deparamos com padrões e
valores sociais com os quais nem sempre nos identificamos,
mas que optamos seguir. E pelas nossas escolhas vamos nos
construindo, dando forma a algo idealizado. Mas, idealizado
por quem? Por nós mesmos? Pelos nossos pais? Pela socie-
dade? Será que somos quem queremos ser ou somos quem
podemos ser? É fato, vivemos numa época de valores e senti-
mentos fugazes. Temos mais ofertas, mais opções, e na socie-
dade de hoje temos a liberdade de escolher o que queremos,
com quem queremos e como queremos. E ter a responsabili-
dade de escolher nos gera uma angústia que Sartre chamou
de náusea, que nos faz ter de encarar, muitas vezes, a falta
de sentido das escolhas que formam o nosso existir, que dará
sentido, ou não, a nossa existência.
Segundo o existencialismo sartreano, não há deter-
minações sobre o que devemos ser e fazer de nós mesmos.
Não há uma natureza humana que defina o que todos os seres
147
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
humanos devem ser, e nada que defina o que seja ser huma-
no. Para Sartre, somos as escolhas que fazemos, vamos cons-
truindo nosso ser no caminhar de nossa existência – somos
donos do nosso destino.
A pessoa deve produzir sua própria essência, porque
nenhum Deus criou seres humanos de acordo com um projeto
divino definido. Somos o que fazemos de nós mesmos, sendo
assim, somos quem queremos ser, de acordo com o contexto
em que vivemos. Quando diz “a existência do homem prece-
de sua essência”, ou “no homem, a existência precede a es-
sência”, ele quer dizer que o homem se apresentou no mundo
sem qualquer projeto concebido previamente por um Cria-
dor. Não havendo tal essência, todos são iguais e igualmente
livres para se fazerem. Quando dizemos que “somos quem
podemos ser”, cremos que existe “algo” maior do que nós
mesmos que decide nossa existência. Acreditamos que somos
predestinados a ser o que somos; que tudo está determinado
e, por conseguinte, não somos responsáveis pelas nossas es-
colhas, somos vítimas do nosso destino e das mãos de algum
“deus”. E segundo a visão sartreana, essas pessoas agem de
má-fé, não admitem que sejam responsáveis pelas suas esco-
lhas. Enquanto o homem usar como pretexto entidades, não
vai conseguir construir uma autonomia e entender que ele
pode ser o que ele quer ser, pois quando você não tem essa
“Divindade” como subterfúgio, você se obriga a ser o dono de
suas escolhas, do seu caminho, da sua existência.
148
Você é dono do seu destino, mesmo
que ainda não saiba disso
Nenhuma dor é tão mortal quanto a da luta
para sermos nós mesmos.
(Ievguêni Vinokurov)
Tememos a liberdade. Lutamos e fugimos dela. Ser o
dono do seu destino, carregar o peso das suas escolhas, “dar
a cara para bater”, ser julgado, não ser o filho perfeito, traz
à tona aquele sentimento temido por todos: o do desamparo.
A questão é que pensamos que teremos mais ganhos
se mantivermos o status quo do que se partirmos para o que
de fato queremos. Sabemos que podemos e desejamos mudar.
Não gostamos do modo como as coisas são, mas a perspectiva
de causar transtorno em nossa estabilidade e no que nos é fa-
miliar é assustadora. Se obtemos “ganhos secundários” com o
nosso sofrimento, não podemos arriscar ficar sem nada.
Muitos utilizam da enfermidade, de um mal físico ou
emocional, para perpetuar relacionamentos, mesmo à custa
da liberdade e da autonomia. O que acontece é que dentro
de nós existe a necessidade de segurança, proteção, amparo,
estabilidade que vamos buscar no outro.
Os relacionamentos, na sua grande maioria, são
constituídos da expectativa inconsciente de que a outra pes-
149
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
soa poderá suprir nossas necessidades não atendidas, nos-
sas carências.
Como eu disse, são expectativas inconscientes. Não
nos damos conta do que queremos de fato. Só sentimos a ne-
cessidade de suprir uma falta que não é, e nem nunca será, de
responsabilidade do outro.
Se essas expectativas são conscientes, se conseguimos
verbalizar e sinalizar, a tendência é que o relacionamento se
desenvolva e prospere, pois temos clareza do que queremos e
de como esperamos atingir o que queremos. Não existe uma
ilusão e nem uma sobrecarga de responsabilidades em cima
do outro. Trazer para a consciência essas necessidades, essas
expectativas, significa correr o risco da frustração. Significa
estar consciente de quem você é, do que você quer.
No entanto, para esse encontro consigo mesmo, para
seguir nesse processo de autoconhecimento, de querer ser
melhor, de querer ser mais você, é necessário não somente
o reconhecimento, a conscientização das necessidades, mas
também a consternação. Segundo Stanley Rosner e Patrícia
Hemes, no seu livro “O ciclo da autossabotagem”, a conster-
nação significa admitir o próprio comportamento, admitir
o que poderia ter sido, mas nunca foi. Significa vivenciar a
mágoa e a dor da decepção, da desconsideração, o medo da
perda, e enxergar o crescimento como libertação da dor, en-
carando isso não como um fracasso, mas como um movimen-
to em direção ao futuro. Significa deixar para trás a bagagem
do passado, mas não ignorá-lo. Entendê-lo como experiência,
aprendizado e impulso para o futuro.
Compreender o que estamos fazendo, ter consciência
do que estivemos fazendo por muito tempo, estar conectado
150
Ana Matos
com os nossos sentimentos e encará-los faz parte do processo
de se sentir livre. É necessário entender e admitir que nossa
maneira de viver não se deve a uma casualidade, destino ou a
um acidente de percurso. Nossa vida é constituída pelas esco-
lhas que fazemos a cada minuto. É difícil encarar que somos
nós quem boicota nossos relacionamentos, que somos nós os
responsáveis pelas dificuldades enfrentadas etc.
Com frequência, sabemos o que nos espera quando
tomamos determinada atitude. Lá no fundo pode haver dú-
vidas e incertezas, mas prosseguimos. Só depois vamos ter
certeza de que nossas dúvidas eram bem fundamentadas, e
teremos que aceitar a escolha daquela decisão. Independente
de qual seja nossa escolha, consciente ou inconsciente, ela é
nossa. E somente nós poderemos dizer e assumir a dor e a
delícia de ser quem somos e o que queremos ser.
151
Estamos preparados para as coisas
inexplicáveis?
O acaso só favorece a mente preparada.
(Louis Pasteur)
Para entender um pouco mais a questão do acaso, es-
colhi duas palavras que explicam o que, talvez, não tenha ex-
plicação. Essas palavras são serendipismo e sincronicidade.
A palavra Serendipismo origina-se da palavra ingle-
sa Serendipity, criada pelo escritor britânico Horace Walpole
em 1754, a partir do conto persa infantil Os três príncipes de
Serendip. Essa história de Walpole conta as aventuras de três
príncipes do Ceilão, atual Sri Lanka, que viviam fazendo des-
cobertas inesperadas, cujos resultados eles não estavam pro-
curando realmente. Graças à capacidade deles de observação
e sagacidade, descobriam “acidentalmente” a solução para
dilemas impensados. Essa característica tornava-os especiais
e importantes, não apenas por terem um dom especial, mas
por terem a mente aberta para as múltiplas possibilidades.
Conta-se, também, que Newton foi levado a descobrir
a lei da Gravitação universal por uma queda fortuita de uma
maçã que se teria registrado mesmo à sua frente, numa tarde
em que tomava chá no jardim. Pensando no motivo que leva-
153
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
ria a maçã e ser atraída para a Terra, o físico inglês pensou
que essa força de atração poderia ser a mesma que mantinha
os planetas em órbitas estáveis. Alexander Fleming foi levado
a descobrir a penicilina ao verificar que algumas culturas de
bactérias que estudava morriam quando certo tipo de bolor
se desenvolvia nessas culturas. Estudando os constituintes
desse bolor, veio a isolar o primeiro antibiótico. Foi assim que
o médico escocês fez uma das descobertas mais importantes
dos tempos modernos.
Em todos esses casos, tais como em centenas ou mi-
lhares de outros, houve cientistas que foram levados a desco-
bertas fundamentais por acontecimentos fortuitos que soube-
ram aproveitar habilmente. O acaso teria desempenhado um
papel fundamental em todos esses acontecimentos felizes,
mas é evidente que foi preciso o gênio e a perspicácia dos in-
vestigadores para que esses acasos tivessem se transformado
em descobertas.
Sincronicidade é um conceito desenvolvido por Carl
Gustav Jung (2000) para definir acontecimentos que se encon-
tram não por relação causal e sim por relação de significado.
Certo dia, Carl Gustav Jung ouvia uma paciente em seu con-
sultório na Suíça. Tratava-se de uma mulher hiper-racional
que resistia às técnicas de Jung para melhorar seus relaciona-
mentos. Enquanto a paciente descrevia um sonho em que ela
recebia um escaravelho dourado, Jung ouviu um som vindo
da janela. Ao aproximar-se, ele viu um besouro Cetonia au-
rata – o mais próximo de um escaravelho dourado naquela
região – tentando entrar no consultório. Jung abriu a jane-
la, pegou o besouro na mão e o mostrou à paciente, dizendo:
“Aqui está seu escaravelho”. Sabendo que aquele besouro era
154
Ana Matos
um símbolo de renascimento no antigo Egito, a paciente ficou
tão emocionada com a coincidência que se pôs a chorar ali
mesmo. Sua carapaça racional havia se quebrado, e ela logo
receberia alta. Jung, por sua vez, criaria a tese da Sincronici-
dade a partir desse incidente.
Acredita-se que a sincronicidade é reveladora e neces-
sita de uma compreensão. Essa compreensão poderia surgir
espontaneamente, sem nenhum raciocínio lógico, que Jung
denominou de insight.
Dessa forma, é necessário que consideremos os even-
tos sincronísticos, não os relacionando com o princípio da
causalidade, mas por terem um significado igual ou seme-
lhante. A sincronicidade é também referida por Jung como
“coincidência significativa” de dois ou mais fatos. Foi um
princípio que Jung sentiu abrangido por seus conceitos de Ar-
quétipo e Inconsciente coletivo.
A sincronicidade pode ser uma crença do que no fundo
nós gostaríamos que acontecesse? O materialista, sem dúvida,
dirá que não passam de disposições fortuitas de acontecimen-
tos, de “caprichos do destino”. O crédulo aceitará como “vonta-
de de Deus”. O cientista a verá no contexto das leis de causa e
efeito. O filósofo, de acordo com a sua visão de mundo.
A física nos diz que existe a lei da atração, ou seja, nos-
sos pensamentos, nossa vibração e nosso querer atraem o que
desejamos – magnetismo. No fundo, atraímos o que queremos.
E enxergamos o mundo e o que acontece conosco da forma
como queremos e muitas, e não raras vezes, de uma forma limi-
tada. Por isso, o acaso só favorece a mente preparada e ampla.
A sincronicidade também acontece conforme a nossa
forma de ver o mundo, de pensar, de desejar. É uma escolha
155
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
nossa acreditar ou não no acaso. Agora, se você observar o
mundo ao seu redor, verá que as pessoas que você atraiu du-
rante a sua vida, ou mesmo nesse momento, geralmente, são
pessoas com situações, problemas, contextos e formas de ver
o mundo muito semelhantes ao seu, ou se são pessoas que,
aparentemente, não fazem sentido, você acaba percebendo
(se estiver preparado para isso) que elas são a resposta às
suas questões.
Será que podemos interpretar a sincronicidade como
validação de que estamos no caminho certo? Talvez. Porém,
mais do que isso, ela nos mostra que estamos conectados não
apenas nas redes sociais. Nossas almas estão conectadas pe-
las vibrações que emanamos por meio dos nossos pensamen-
tos e das nossas atitudes.
Mais do que nos trazer respostas, a sincronicidade
nos faz entender que fazemos parte de um todo. Que uma
mudança na nossa forma de pensar não muda apenas o nosso
mundo, mas o universo ao nosso redor. Somos mais do que
os nossos olhos podem ver, e podemos ter um alcance maior
do que a nossa vã filosofia, um dia, quem sabe, poderá supor.
156
A medida da resignação e
da transgressão
Resignação é uma qualidade ou defeito? – perguntou-
me, certo dia, uma amiga. Não soube responder no momento
e resolvi mergulhar nessa questão. Durante minha pesquisa,
entre Google e livros, releio um trecho de “A alma imoral”, de
Nilton Bonder: “O verdadeiro grande crime do ser humano é
que ele pode dar-se ‘uma simples volta’ a qualquer momento
e não o faz”.
A resignação pode ser, sim, uma excelente qualidade
e exemplo de evolução em face a situações dolorosas e inal-
teráveis ou frente a um infortúnio inevitável. Muitas vezes, é
necessário, sim, acomodar a própria vontade e resignar-se.
Ser resignado frente a uma situação ou transgressão é uma
escolha de cada um.
Porém, ser resignado frente a todas as situações da
vida é colocar sua vida na mão do destino, é ser figurante
na sua própria história. Já transgredir é um processo, e o
momento em que nos voltamos para outra direção marca
um novo segmento de nossas histórias individuais e cole-
tivas. Transgredir é necessário. O momento de agora pode
ser uma oportunidade para mudar o curso da sua vida, para
fazer diferente e não mais atrair os mesmos resultados. É
157
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
assumir a direção do seu caminhar. É dar espaço para todo
o seu potencial.
Resignação e transgressão podem ser tidas como um
conflito entre o ir e o vir, voltar e ficar, permitido e proibido.
Mas somos potencialidades, possibilidades, e pode-
mos usar as ferramentas que temos mediante nosso momen-
to, vontade e contexto. Qualquer característica, quando usada
com medida, sem excesso, pode ser uma qualidade.
Transgredir foi e é fundamental para a evolução in-
dividual e do coletivo. Podemos, sim, transgredir e evoluir de
uma forma ética, ou seja, sem fazer mal a outrem. Muitos são
os exemplos de grandes nomes que foram transgressores na
sua época e que marcaram a história, como Sócrates, Buda,
Gandhi, Martin Luther King, entre outros. Segundo Nilton
Bonder, nossa insensibilidade se beneficia daquilo que não
rompe, das ditas “boas ações” que não ferem os códigos da
moral animal. Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos
um padrão humano automático de torpor. Existe uma ten-
dência em nós de querer agradar aos outros e à moral de nos-
sa cultura, e com isso vamos, gradativamente, nos perdendo
de nós mesmos.
A alma se faz perceptível no despertar e no horror.
Se lhe faz bem, se não prejudica o outro, transgrida suas pró-
prias regras, normas e leis. Permita-se espantar-se.
Pela busca da certeza
me envolvi tantas vezes na incerteza
e mesmo assim entreguei minha alma
para ver meu corpo fortalecido no desconhecido.
(Ana Matos)
158
Seja apenas outra alma humana
A empatia é a compreensão respeitosa do que os ou-
tros estão vivendo. O filósofo chinês Chuang-Tzu afirmou que
a verdadeira empatia requer que se escute com todo o ser:
Ouvir somente com os ouvidos é uma coi-
sa. Ouvir com o intelecto é outra. Mas ou-
vir com a alma não se limita a um único
sentido – o ouvido ou a mente, por exem-
plo. Portanto, ele exige o esvaziamento de
todos os sentidos. E, quando os sentidos
estão vazios, então todo o ser escuta. En-
tão, ocorre uma compreensão direta do
que está ali mesmo, diante de você, que
não pode nunca ser ouvida com os ouvi-
dos ou compreendida com a mente.
Ao nos relacionarmos com os outros, a empatia ocorre
somente quando conseguimos nos livrar de todas as ideias
preconcebidas e julgamentos a respeito deles. Martin Buber,
filósofo israelense nascido na Áustria, descreve essa qualida-
de de presença que a vida exige de nós:
Apesar de todas as semelhanças, cada si-
tuação da vida tem, tal como uma criança
recém-nascida, um novo rosto, que nunca
foi visto antes e nunca será visto nova-
mente. Ela exige de você uma reação que
não pode ser preparada de antemão. Ela
não requer nada do que já passou; ela re-
quer presença, ela requer responsabilida-
de; ela requer você.
159
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
A presença que a empatia requer não é fácil de man-
ter. “A capacidade de dar atenção a alguém que sofre é uma
coisa muito rara e difícil; é quase um milagre; é um milagre”,
afirma a escritora francesa Simone Weil. Ainda segundo ela:
“quase todos os que pensam ter essa capacidade não a pos-
suem”. Em vez de empatia tendemos a ter uma forte premên-
cia de dar conselhos ou encorajamento, e de explicar nossa
própria posição ou sentimento. A empatia, por outro lado, re-
quer que se concentre plenamente a atenção na mensagem
da outra pessoa. Damos aos outros o tempo e espaço de que
precisam para se expressarem completamente e sentirem-se
compreendidos. Há um ditado budista que descreve apropria-
damente essa capacidade: “Não faça nada, só fique sentado”.
Acreditar que temos de “consertar” situações e fazer
os outros sentirem-se melhor impede que estejamos presen-
tes. Todos nós, nos papéis de conselheiros, terapeutas, psi-
canalistas, somos especialmente suscetíveis a essa crença.
Outro ponto importante é que a compreensão intelectual
de um problema bloqueia o tipo de presença que a empatia
requer. Quando estamos pensando a respeito das palavras
de alguém, escutando como elas se relacionam com nossas
teorias, estamos olhando para as pessoas, mas não estamos
com elas. O ingrediente-chave da empatia é a presença: es-
tamos totalmente presentes com a outra parte e com aquilo
pelo que ela está passando. Essa qualidade de presença dis-
tingue a empatia da compreensão mental ou da solidarie-
dade. Por isso, gosto muito daquela frase de Jung: “Conheça
todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma
alma humana, seja apenas outra alma humana”.
160
Me domine ou te devoro
Não raras vezes, ouço as pessoas se definindo como
“eu sou muito racional” ou “eu sou muito emoção”. Eu acre-
dito, sim, que existam pessoas que conseguem lidar com as
emoções ou com a razão de uma forma melhor. Porém, por
meio do desenvolvimento da inteligência emocional, pode-
mos deixar de ser “ou uma ou outra”, acabar com essa guerra
e selar a paz – a sua paz! Sempre penso que a maior guerra
que temos que enfrentar em nosso dia a dia é a guerra contra
nós mesmos – “malditos desejos!”, como dizia Freud.
Dominar as emoções não é descartá-las, jogá-las no
“lixo”, ou seja, mandá-las para o seu inconsciente e tudo es-
tará resolvido. Um exemplo muito prático de como isso não
resolve é: você termina um relacionamento (de uma forma
não muito amigável), passa-se um tempo e, como você não
elaborou aquelas emoções, quando você encontra aquele
ser... boom!!! Seu coração só falta sair pela boca. Trabalhar
essas emoções, entender o porquê daqueles sentimentos e
compreender que isso faz parte de você é um processo racio-
nal fundamental para se ter algo resolvido emocionalmente.
A emoção está para a razão tanto quanto a razão está para a
emoção. E a inteligência emocional define bem isso. Segundo
Salovey e Mayer (1995), “inteligência emocional é a capaci-
161
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
dade de perceber e exprimir a emoção, assimilá-la ao pensa-
mento, compreender e raciocinar com ela, e saber regulá-la
em si próprio e nos outros”.
A filosofia, na sua busca de entender o homem – quem
somos? –, já nos mostrou que separar emoção e razão não é
o caminho para o encontro da sua paz. A razão, muitas vezes
até criticada, é essencial, diria até que vital, para o entendi-
mento das emoções. Sentir e não elaborar é não atravessar o
rio, ou seja, é não se permitir mergulhar em você. A emoção
nos permite sentir e a razão nos permite entender o que es-
tamos sentindo. Excluir, separar, bloquear, optar entre uma
e outra é abrir mão de todo o potencial que temos, de toda
a racionalidade que nossa mente nos permite usar. Querer
separá-la é arrancar um pedaço de você. Permita-se navegar
entre razão e emoção sem medo de se conhecer. Dessa forma,
você não será devorado nem por um e nem pelo outro.
162
O outro como limite
ao que queremos ser
No seu livro “O ser e o nada”, Sartre dedica um capí-
tulo à “existência do outro”. Ele diz que nossas escolhas refle-
tem no todo, ou seja, no momento em que faço uma escolha
estou fazendo por todos os outros, e mais, o outro valida mi-
nha existência, como, por exemplo, o fato de sentirmos vergo-
nha, essa vergonha é concretizada pela existência do outro. É
a vergonha diante de alguém. Como diz Sartre (2008, p. 290),
“é a vergonha de si diante do outro. A vergonha é, por nature-
za, reconhecimento, ou seja, reconheço que sou como o outro
me vê”. Porém, este ser que aparece para o outro não reside
no outro: eu sou responsável por ele, sendo assim, a vergonha
é vergonha de si diante do outro; essas duas estruturas são
inseparáveis. Mas, ao mesmo tempo, necessito do outro para
captar plenamente todas as estruturas do meu ser.
Segundo Franklin Leopoldo e Silva, professor titular
de história da filosofia contemporânea da USP, ao olhar o
outro, fixo seu processo de existir no momento do olhar, e
o identifico graças a essa cristalização da sua existência. O
outro não é para mim um processo de constituição subjetiva,
mas um objeto dado e uma identidade objetivamente consti-
tuída por mim. E isso é tão forte que o próprio sujeito que se
163
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
sujeita ao meu olhar pode assimilar como sua essa imagem
fixa e essencialista que dele faço.
A má-fé, espécie de reificação de si mesmo, consis-
te, precisamente, em projetar uma imagem identitária de
si, algo fixo que tenho de ser, apesar de minha liberdade. É
importante ressaltar novamente que o homem faz parte de
um contexto, que ele está sempre situado numa época, e essa
situação, tal como Satre entende, possui dois componentes: a
facticidade e a alteridade. Sendo a facticidade o conjunto de
fatos em que o homem existe e exerce sua liberdade, esses
fatos podem ser sociais, históricos, o lugar onde ele nasceu,
políticos etc. Ele nasce e tudo está pronto, e diante disso, ele
tem a liberdade de escolher o que quer e que significado vai
dar para cada um desses fatos, desse contexto. Não podemos
mudar a facticidade, mas podemos ressignificá-la conforme
nosso projeto de ser. Sendo assim, constatamos que há muitas
coisas que nos determinam a partir do que vem de fora, mas
somos nós os responsáveis pelo significado que eles terão em
nossa existência.
Outro componente são os outros. Estamos situados
entre outros, outros sujeitos e outras liberdades. Sartre diz
que “o inferno são os outros”, pois ao existir esse outro, o ho-
mem que tem a liberdade de escolher o que ele quer, vê no
outro o limite para sua liberdade. Ele nos impede de fazer o
que queremos. Somos tão responsáveis pelos outros como so-
mos por nós mesmos. Sartre destaca a importância do outro
quando diz que ele é indispensável para a nossa existência
tanto quanto ao conhecimento que tenho de mim mesmo. A
minha descoberta desvenda-me, também, na existência do
outro como uma liberdade colocada na minha frente, que só
164
Ana Matos
pensa e só quer ou a favor ou contra mim. Assim sendo, des-
cobrimos um mundo que chamaremos de intersubjetividade,
em que o homem decide o que ele é e o que são os outros.
Assim posto, facticidade e alteridade, segundo
Franklin Leopoldo e Silva, terão profundas ressonâncias na
consideração do caráter histórico da existência.
O sujeito é o que ele faz, o que faz de si e o que faz
com o que fazem dele. Isso significa ação histórica (social e
política) sempre situada, sempre sujeita a determinações de
várias ordens, mas, também, sempre livre. Sem dúvida, é um
paradoxo, porém Sartre dedica-se a estabelecer os parâme-
tros de uma racionalidade efetivamente dialética, capaz de
compreender, em todo o alcance de suas relações complexas,
o processo do sujeito em situação, aquele que se constitui e é
constituído e que constrói sua existência no contexto contra-
ditório da liberdade e da determinação. Podemos dizer que a
filosofia da existência é também uma filosofia da história, do
contexto em que vivemos.
Isaque José Bueno (2007), na sua dissertação sobre
liberdade e Ética em Jean Paul Sartre, fala sobre a questão
situacional e o determinismo:
São os homens de nosso tempo que dizem
quem somos, eles nos olham e nos julgam,
nos classificam e, diante disso, nada pode-
mos fazer, pois ao revelar a novidade que
somos, esta se apresenta com um lado de
fora, que é vista pelos outros. Estes jul-
gam o que estão vendo e, desta forma, nos
fazem existir de uma maneira que não
escolhemos e que, de certa forma, tam-
bém ignoramos. Portanto, é a partir do
julgamento dos outros que descobrimos
que existimos de maneira determinada,
165
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
já que não somos apenas humanos, mas
sendo humanos, também somos alemães
ou portugueses, bonitos ou feios e são es-
tas significações dadas pelos outros que
fazem com que a nossa escolha e a nossa
liberdade se perceba alienada e limitada.
Não podemos colocar o outro como limite da nossa
liberdade, pois mesmo sendo essa liberdade limitada pelo ou-
tro, temos a possibilidade de escolha, somos nós que decidi-
mos de acordo com o que iremos agir.
166
Afinal, quem somos nós?
Ainda na sociedade de hoje, uma questão que nos
acompanha desde 530 a.C., com Parmênides, é a que gera a
corrosiva angústia do ser ou não ser, e suscita o questiona-
mento fundamental: afinal, quem somos nós?
No fim do século 19, o existencialismo tenta responder
a essa questão, quando grande parte do pensamento intelec-
tual estava ruindo. Muita gente pensou que os seres humanos
estivessem prestes a adquirir todo o conhecimento, predomi-
nando a ideia de que restavam apenas alguns problemas de
física e matemática e que, uma vez resolvidos, nosso conheci-
mento do mundo teórico e natural estaria completo.
Evidentemente, logo que pareceu que estávamos nos
aproximando das respostas, surgiram novas questões “irres-
pondíveis”: (a) A teoria da relatividade de Einstein nos mos-
trou que a extensão, a massa e o tempo não eram absolutos,
mas sim que as coisas são medidas em relação às outras coi-
sas – somente a velocidade da luz parece invariável; (b) A te-
oria quântica (e o princípio da incerteza de Heisenberg) de-
monstrou que, apesar do equipamento sofisticado, o material
da natureza submicroscópica contém pares de coisas que não
podemos medir com precisão em um determinado momen-
to; (c) O teorema da não-completude de Gödels demonstrou
167
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
que há teoremas que nunca seremos capazes de confirmar ou
refutar – por conseguinte, algumas questões em matemática
nunca serão respondidas.
Com essa perda súbita do absoluto – isto é, ao sermos
condenados ao conhecimento imperfeito em lógica, matemá-
tica e física –, nos deparamos com lacunas de conhecimento
ainda maiores nas esferas biológica, psicológica e social. Não
podíamos mais recorrer à soma total de conhecimento para
nos tornarmos mais sábios, logo, o progresso científico e tec-
nológico teve de ser moderado pelos novos insights filosóficos.
Os existencialistas intervieram direto nessa lacuna.
Rejeitaram o essencialismo platônico (e a ideia do conheci-
mento perfeito) que havia dominado a filosofia até então.
Acreditavam que não existia nenhuma essência inicial, so-
mente o ser.
Pensar em um universo imprevisível e indiferente
leva muitos ao desespero. É uma visão de mundo alienada,
isolada e sem atrativos à primeira vista, onde o sentimento
por trás disso tudo é: “Por que então se levantar de manhã?”.
Soren Kierkegaard – geralmente considerado o primeiro exis-
tencialista, apesar de sua inclinação cristã, em nítido contras-
te com o ateísmo da maioria dos existencialistas – chamou de
“pavor” a reação que se tem ao encarar essa visão de nossa
vida.
A essa visão Sartre chamou de “náusea”: Tudo é gra-
tuito, este jardim, esta cidade, eu mesmo. Quando você de
repente percebe isso, sente-se enjoado e tudo começa a ser
carregado pelo ar... é a náusea.
Na verdade, alguns consideram o existencialismo
mais uma disposição do que uma filosofia, e alguns de seus
168
Ana Matos
textos principais são de fato romances (sobretudo os escritos
por Sartre e Camus) e não tratados filosóficos.
Mas o ponto fundamental, muitas vezes, é negligen-
ciado: os existencialistas estavam empenhados em uma busca
moral para fazer a coisa certa na ausência de uma ideia essen-
cial de bondade e privados da autoridade divina. Argumenta-
vam que devíamos fazer a coisa certa mesmo quando não há
razão para isso, e que coragem e integridade verdadeira sig-
nificavam fazer a coisa certa para o seu próprio bem. É uma
lufada de ar fresco: fazer a coisa certa não por temer o castigo,
ou desejar honrarias, ou achar vantajoso, ou pelo desejo de evi-
tar pecar – mas simplesmente porque é a coisa certa a fazer. As
más ações, então, acontecem simplesmente porque acontecem,
não necessariamente como uma espécie de punição, libertan-
do-nos da culpa. Precisamos continuar reconhecendo o certo e
o errado; de fato, temos mais razões do que nunca para desco-
brir a maneira ética. Esse é o núcleo de esperança e bondade
no cerne do existencialismo, quase sempre tão encoberto na
retórica depressiva que é fácil lhe fazer vista grossa. Os exis-
tencialistas redescobriram, de fato, a moralidade.
Kierkegaard percebeu a dificuldade em encarar a
existência pura – sem essência, sem mistério, sem nada intan-
gível, sem significado, sem propósito, sem valor. Um abismo
assoma onde esperança, progresso e ideais parecem ilusões.
As convicções religiosas podem ser muito confortan-
tes, sejam verdadeiras ou não, e quando o existencialismo,
ou qualquer outra coisa, as elimina, isso pode provocar an-
siedade.
Jean Paul Sartre explorou outra extensão lógica do
existencialismo: se o universo não é determinado, somos com-
169
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
pletamente livres para escolher nosso próprio rumo. Embora
a possibilidade permanente – com a responsabilidade da ação
caindo sempre sobre o indivíduo – possa parecer uma propos-
ta desanimadora, também é liberadora. Independentemente
de nossa experiência passada, nós controlamos o rumo do nos-
so futuro. Sartre denominou “má-fé” qualquer tentativa de ne-
gar que somos responsáveis por nossas ações, e viu a religião,
ou a fé religiosa, como um dos principais culpados.
Fundamenta-se então a tese emblemática do existen-
cialismo, “a existência precede a essência”, quer dizer exa-
tamente que a realidade humana não é determinada por
qualquer fato extrínseco a ela mesma, que somos livres e os
únicos responsáveis por nossas escolhas. Mas, para Sartre,
não basta apenas dizer que o sujeito é livre; devemos dizer
que a subjetividade é liberdade, com isso, fica mais claro o
que se deve entender por processo de existir: com efeito, não
sendo o sujeito uma coisa ou uma forma, ele está continua-
mente em vias de se constituir, e o faz com liberdade, isto é,
sem nada que determine esse processo pelo qual se constitui
a si mesmo. O sujeito nunca é (uma coisa ou algo já constitu-
ído essencialmente), mas a cada momento vem-a-ser aquilo
que ele se torna, na dinâmica de uma trajetória que nunca há
de atingir seu ponto final. É esse caráter processual da subje-
tividade que nos ajuda a entender outras noções que decor-
rem da liberdade radical: a escolha, que está sempre presente
em todos os momentos desse fazer-se contínuo do sujeito, já
que se trata de um processo livre, e o projeto, a maneira pela
qual cada sujeito, não estando nunca consolidado em seu ser,
se projeta adiante de si por via de suas escolhas, na intenção
de constituir-se como tal.
170
Ana Matos
Sabendo que a liberdade é originária e radical, essas
escolhas e essa sucessão de projetos não poderiam ocorrer
por via de critérios previamente estabelecidos, aos quais o
sujeito recorreria para optar e projetar-se. A indeterminação
da subjetividade faz com que o sujeito, a cada escolha, a cada
projeto, invente também o critério da opção que pretende se-
guir. O sujeito, por ser livre, está só e desamparado, por isso
há uma relação tão íntima entre liberdade e angústia. Ao cha-
mar a angústia existencial de náusea, Sartre também ligou,
em certo nível, a mente ao corpo, reconhecendo que os efei-
tos desorientadores do existencialismo podem ser fisicamen-
te desconfortáveis e que podem gerar uma atitude de má-fé,
colocando no externo a responsabilidade por quem somos.
Segundo Jean Paul Sartre, somos responsáveis por
nossas escolhas, e estas determinam nossa existência. Assim
sendo, assumimos ser quem queremos ser ou escolhemos se-
guir os caminhos preestabelecidos que nos foram impostos
pela sociedade e pela cultura ou fazemos escolhas fundamen-
tadas em nosso querer ou baseadas no que recebemos do
meio em que vivemos, respectivamente?
Sartre (1978, p. 13) afirma que “o homem é angústia”
em razão da responsabilidade por suas escolhas. Tais esco-
lhas afetam não só o indivíduo, mas também a humanidade
inteira. Ainda que possa ser disfarçada por outros modos de
ver, acreditando-se que “ao agirem só se implicam nisso a si
próprias”, a angústia se manifesta, não sendo possível fugir-
se dela a não ser por uma atitude de má-fé, ou seja, escapan-
do da angústia provocada pela liberdade de escolha, fugindo
à responsabilidade de assumir a sua própria escolha, deixar
que o Outro decida por ele. E a má-fé tem suas consequências.
171
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
Nossa maior angústia é a de saber que somos nós que
escolhemos o nosso destino, que tudo está em nossas mãos. A
angústia é gerada por não sabermos aonde nossas escolhas
estão nos levando. Se nós estamos correspondendo ao que se
espera de nós. Se nós estamos caminhando contra ou a favor
do que queremos ser. Será que estamos? Afinal, quem somos
nós hoje?
172
Você é sua maior escolha
Há muitas coisas que um guerreiro pode fazer, em determinado
momento, que não poderia ter feito anos antes. Essas coisas não
mudaram; o que mudou foi a ideia do guerreiro sobre si mesmo.
(Porta para o infinito, Carlos Castañeda)
Nada é por acaso, principalmente porque somos nós
que escolhemos o caminho que queremos seguir. E se nós es-
colhemos nossos caminhos, por que, muitas vezes, não nos
sentimos felizes, satisfeitos, radiantes? Talvez porque nos
boicotemos. Inconscientemente, fazemos escolhas que nos
distanciam de quem somos, de quem queremos ser. Além dis-
so, nos deixamos levar pelo “calor do momento”, pelas nossas
emoções, e acabamos indo por um caminho que não necessa-
riamente seria o escolhido por nós racionalmente. Isso não
quer dizer que não possamos nos deixar levar pela emoção.
No entanto, devemos perceber quando essa emoção vem do
coração e quando ela vem carregada de ressentimentos, rai-
va, orgulho etc.
Em um trecho do livro “A erva-do-diabo”, Don Juan
explica a Castañeda a importância de encontrar um caminho
de vida que seja o verdadeiro para você. Somente para você.
Independente de quantas vezes seja preciso experimentá-lo
ou mudar de ideia. Esqueça o que os outros acham que você
173
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
deveria fazer ou ser. É para você que sua vida deve ter signi-
ficado. Nas palavras do sábio índio:
[…] Tudo é um entre um milhão de cami-
nhos. Portanto, você deve sempre manter
em mente que um caminho não é mais do
que um caminho; se achar que não deve
segui-lo, não deve permanecer nele, sob
nenhuma circunstância. Para ter uma cla-
reza dessas, é preciso levar uma vida dis-
ciplinada. Só então você saberá que qual-
quer caminho não passa de um caminho, e
não há afronta, para si nem para os outros,
em largá-lo se é isso que o seu coração lhe
manda fazer. Mas sua decisão de continu-
ar no caminho ou largá-lo deve ser isenta
de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe
bem para cada caminho, e com propósito.
Experimente-o tantas vezes quanto achar
necessário. Depois, pergunte-se, e só a si,
uma coisa. Essa pergunta é uma que só os
muito velhos fazem. Dir-lhe-ei qual é: esse
caminho tem coração? Todos os caminhos
são os mesmos; não conduzem a lugar
algum. São caminhos que atravessam o
mato, ou que entram no mato. Em minha
vida posso dizer que já passei por cami-
nhos compridos, mas não estou em lugar
algum. A pergunta de meu benfeitor agora
tem um significado. Esse caminho tem um
coração? Se tiver, o caminho é bom; se não
tiver, não presta. Ambos os caminhos não
conduzem a parte alguma; mas um tem co-
ração e o outro não. Um torna a viagem ale-
gre; enquanto você o seguir, será um com
ele. O outro o fará maldizer a sua vida. Um
o torna forte, o outro o enfraquece.
Se as suas escolhas estiverem conectadas com o seu co-
ração, por mais que esse caminho não lhe traga o retorno que
você gostaria materialmente ou afetivamente, ele lhe trará a
pessoa mais importante neste mundo para você – Você mesmo!
174
O Inevitável para além das palavras
Na realidade mais profunda, talvez sejamos,
todos, membros de um só corpo.
(Sir James Jeans)
Eu cheguei neste mundo por ela, os braços dela me re-
ceberam e me acolheram para mais uma missão do meu ser
neste mundo. Ironia ou destino foi nos meus braços seu último
suspiro. Uma lembrança que, às vezes, insiste em voltar.
Não que eu queira negar o ocorrido, mesmo por que
com algumas sessões de terapia e autoanálise essa experiên-
cia vem tomando um novo significado. Ressignificar esse tipo
de experiência - a morte – ainda mais sendo com a sua pró-
pria mãe, não é uma tarefa tão simples assim. E foi assistindo
o filme “Boa Sorte2” , que fala sobre excessos, amor e morte,
que me deu esse insight de escrever sobre essa minha experi-
ência. Numa das cenas do filme, a Judite (personagem vivida
por Deborah Secco) pergunta para o João (personagem vivido
por João Pedro Zappa), se ele já havia visto alguma pessoa que
2 Filme Boa Sorte - O adolescente João (João Pedro Zappa) tem uma série de pro-
blemas comportamentais: ele é ignorado pelos pais e se torna agressivo com
os amigos de escola. Quando é diagnosticado com depressão, seus familiares
decidem interná-lo em uma clínica psiquiátrica. No local, ele conhece Judite
(Deborah Secco), paciente HIV positivo e dependente química, em fase termi-
nal. Apesar do ambiente hostil, os dois se apaixonam e iniciam um romance.
Mas Judite tem medo que a sua morte abale a saúde de João.
175
O CAMINHO PARA O INEVITÁVEL ENCONTRO CONSIGO MESMO
ele amasse morrer. Essa fala me tocou e passei alguns dias
pensando nisso.
Ver qualquer pessoa morrer já é impactante, sendo a
pessoa que te deu a vida... o peso dessa bagagem é infinita-
mente maior. No entanto, com todo esse trabalho terapêutico
e de entendimento, comecei a tarefa de ressignificar e trans-
formar meu olhar para o fato.
Começou a nascer em mim um olhar de agradecimen-
to e de aceitação desse destino – que talvez, não seja destino, e
sim, uma escolha pré-encarnação. Não importa a explicação
e sim o fato da transformação desse olhar que veio com uma
avalanche de emoções e sentimentos, dúvidas, conflitos, rai-
va, indignação, revolta. Eu me via absorta nessas emoções.
Elas tomaram boa parte dos meus dias. E pensava que a mor-
te é algo muito estranho, meio surreal.
Já perdi outras pessoas importantes na minha vida. Já
sabia que a morte existia, pois já havia perdido pessoas que-
ridas. No entanto, ver uma pessoa morrendo e essa pessoa ser
a sua mãe – é ver a morte de perto.
Como assim? Há um minuto ela estava respirando e
agora não está mais? O corpo que estava quente, esfria. O co-
ração que pulsava, para. Os olhos que me veem, fecham para
sempre. O calor das mãos, a pele, a cor, a alma não está mais
ali. O abraço não está mais ali.
No seu último suspiro, no afã de salvá-la tive uma for-
ça para levanta-la que jamais pensei que existisse. No entan-
to, a morte foi mais rápida e ali se deu o momento do meu
último abraço nela, no corpo dela. Porém, a certeza de que
a alma dela sentiu a minha dor de vê-la partir e, ao mesmo
tempo, sentir o tamanho da minha gratidão por ser nos meus
176
Ana Matos
braços e abraço seu último suspiro só reforça o quanto o nos-
so amor é maior que os limites do corpo e das palavras que
nunca conseguiriam alcançar a grandiosidade desse momen-
to, embora inicialmente conflitante como já disse antes.
Quando aceito a morte, e entendo que o que morre
é o corpo, pois vejo minha mãe viva em mim, nos meus ir-
mãos, assim como na obra que ela construiu... ressignifico a
experiência, pois ela está viva na nossa memória, nos nossos
corações. E, embora para nós humanos limitados a morte seja
um mistério, tenho aceitado a cada dia a ideia de que a morte
é uma libertação para o nosso ser e que a nossa hora vai che-
gar. E que apesar de assustadora, a morte é um aprendizado.
É libertação para quem vai e exercício do desapego e do não
-egoísmo para quem fica.
Para minha mãe, meu Kajadão - Kátia Matos - meu in-
finito amor.
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