Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
4 DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS
4.1 Introdução
A variabilidade temporal dos escoamentos superficiais, com uma marcada alternância entre
períodos de grandes caudais e períodos de estiagem ao longo do ano, assim como de sequências
de anos húmidos e de anos secos, leva a que se recorra ao armazenamento para adequar os
escoamentos afluentes às necessidades de consumo.
O armazenamento é feito em reservatórios que podem ser naturais ou artificiais. Uma barragem
cria um reservatório artificial que habitualmente se designa por albufeira. Uma albufeira pode
servir diversas finalidades quer através da regularização de caudais (abastecimento urbano e
industrial, irrigação, controlo de cheias, produção de energia hidroeléctrica, navegação, controlo
da poluição por diluição, contenção da intrusão salina) quer através do próprio volume de
armazenamento na albufeira (recreio, piscicultura, retenção de sedimentos). Deve ainda referir-se
que a queda criada pela barragem pode ser importante para a produção de energia hidroeléctrica.
4.2 Elementos de caracterização das albufeiras
A fig. 4.1 representa esquematicamente uma barragem e a respectiva albufeira. Ela permite ilustrar
as seguintes características da albufeira:
Figura 4.1 – Representação esquemática de uma barragem e albufeira
NPA é o nível de pleno armazenamento. É a máxima cota atingida pela água armazenada,
correspondendo à cota das comportas superiores ou à crista do descarregador se este não
tiver comporta.
Dimensionamento de Albufeiras 4-1
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NMC é o volume de máxima cheia. Se ocorrer a “cheia de projecto” o caudal de pico da
cheia é superior à capacidade de vazão do descarregador; como consequência, durante um
certo período de tempo, parte do escoamento afluente acumule-se na albufeira, elevando o
nível da água. O NMC é o nível máximo atingido nessas condições.
Volume morto é a parcela da capacidade da albufeira que vai sendo preenchida com os
sedimentos transportados pelo rio e que, retidos pela barragem, depositam-se. Quando a
barragem acaba de ser construída, o volume depositado é praticamente nulo e vai sempre
crescendo até ao fim da vida útil da albufeira.
NME é o nível mínimo de exploração. Corresponde à cota a que se colocam as entradas
das descargas de fundo. O NME é definido tendo em conta o volume morto no fim da vida
útil da albufeira para garantir que as descargas de fundo não fiquem colmatadas durante
essa vida útil. Por vezes, a parcela da capacidade da albufeira que está abaixo do NME
pode ser considerar como sendo volume morto, dado que aquela parcela de água não têm
a possibilidade de passagem para a jusante da barragem.
Capacidade da albufeira é o volume total de água que ela armazena quando o nível de água
é o NPA.
Capacidade útil é a diferença entre a capacidade e o volume morto, já que qualquer volume
de água armazenado abaixo do NME não é utilizável.
Volume de encaixe de cheias é a diferença entre o volume armazenado quando o nível de
água é o NMC e o volume correspondente ao NPA (capacidade da albufeira). Ele constitui
um elemento importante para o estudo do amortecimento (laminagem) da cheia pela
albufeira.
Quer para o dimensionamento da albufeira quer para a sua exploração é necessário conhecer
algumas curvas características, sendo as principais:
A curva dos volumes armazenados V(h).
A curva das áreas inundadas A(h).
Outra curva necessária para estudos de produção de energia hidroeléctrica e de dissipação de
energia em descarregadores é a curva de vazão a jusante da barragem.
4.3 Curvas de volumes armazenados e das áreas inundadas
A curva dos volumes armazenados estabelece uma relação biunívoca entre a cota da albufeira, h,
e o correspondente volume de armazenamento V. Nos estudos de dimensionamento de albufeiras,
uma vez determinada a capacidade total (soma da capacidade útil e do volume morto) e o
Dimensionamento de Albufeiras 4-2
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necessário volume de encaixe de cheias, a curva permite determinar a cota h que lhe corresponde
e, a partir dai, a altura necessária para a barragem (a que se terá de adicionar a folga, como se verá
mais adiante). A curva V(h) permite ainda determinar a carga sobre o descarregador e as descargas
de fundo e a queda para o cálculo da potência das turbinas.
A curva das áreas inundadas estabelece uma relação biunívoca entre a cota da água, h, e a
correspondente área da superfície da albufeira, A. Nos estudos de dimensionamento e exploração
de albufeiras, a curva permite conhecer a máxima área inundável pela albufeira, bem com a área
inundada em cada instante (o volume armazenado V determina a cota h e esta a área inundada A).
A área inundada permite calcular o volume de água evaporado no período de tempo
correspondente.
As curvas A(h) e V(h) são obtidas a partir dum mapa com curvas de nível, abrangendo o local da
barragem e a zona da albufeira (fig. 4.2).
Figura 4.2 – Mapa da zona da albufeira com curvas de nível
Determina-se normalmente por planimetria, a área de inundação que resultaria da água à cota duma
dada curva de nível. Obtêm-se assim uma série de valores de A (A100, A120, A140, A160, A180 – no
caso da figura 4.2) que permite traçar a curva A(h) passando pelos vários pontos Ai(hi), fig. 4.3.
Por exemplo, A120 é a área sombreada na fig. 4.2.
Dimensionamento de Albufeiras 4-3
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Figura 4.3 – Curva das áreas inundadas
Para o traçado da curva V(h), basta atender a que o volume elementar de água contido entre as
cotas + e − é dado por:
= (4.1)
O volume total V(h) contido à cota h será então dado por:
= (4.2)
Então, para qualquer valor de h, o volume V(h) é igual à área entre a curva A e o eixo h e entre os
limites hnim e h. A área pode ser obtida por planimetria sobre a figura da curva A(h) ou fazendo, a
partir da curva A(h), uma tabela de valores de A e h e calcular a área por integração numérica.
Na fase de dimensionamento das albufeiras, as curvas A(h) e V(h) são estendidas até valores de h
que estejam claramente acima daquilo que se pensa venha a ser a cota máxima da albufeira.
Exercício 4.1
Para um dado local de barragem, mediram-se sobre uma carta as áreas inundadas para várias cotas,
tendo-se obtido os seguintes valores:
h (m) 90 100 120 140 160 180
A (Km2) 0 5 20 45 90 150
Dimensionamento de Albufeiras 4-4
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a) Trace em papel milimétrico a curva das áreas inundadas.
b) A partir dela, elabore uma nova tabela de valores de h e A, com h em intervalos de 5 m.
c) Utilizando a nova tabela, elabore uma tabela de valores de V para os correspondentes
valores de h (de 5 em 5 m). Obtenha os valores de V por integração numérica.
Exercício 4.2
A curva das áreas inundadas da albufeira de Massingir entre as cotas 106,00 m e 125,00 m é dada
por = 43,665 − 101,50 ,
e = 0,0253 − 82 ,
para 84 106,00.
Obtenha uma expressão para curva dos volumes armazenados, entre as cotas limite.
4.4 Determinação do volume morto
Um rio transporta não apenas água, mas também sedimentos de maiores ou menores dimensões.
Com excepção de sedimentos muito finos (“wash load”) que se mantem em suspensão mesmo em
águas praticamente paradas, duma maneira geral a capacidade dum escoamento transportar
sedimentos aumenta com a velocidade.
O barramento dum rio numa dada secção e a criação duma albufeira originam uma curva de
regolfo, com alturas superiores, levando à deposição dos sedimentos. Esta deposição inicia-se com
os materiais mais grosseiros; à medida que o rio entra pela albufeira, as velocidades vão sendo
mais baixas e vão-se depositando materiais mais finos (fig. 4.4).
Figura 4.4 – Deposição de sedimentos numa albufeira
A deposição de sedimentos originada pela albufeira tem numerosos inconvenientes:
Dimensionamento de Albufeiras 4-5
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a) Provoca a diminuição da capacidade útil.
b) Eleva os níveis de cheia a montante da albufeira.
c) Provoca erosões no leito e margens a jusante da barragem.
d) Diminui a qualidade de água na albufeira.
e) Reduz, a jusante, os materiais transportados pelos sedimentos finos.
As tentativas que têm sido feitas até agora para evitar a retenção de sedimentos na albufeira,
principalmente através de operações de “flushing”, têm revelado um sucesso limitado. A medida
que se tem revelado mais efectiva é a prevenção da erosão nos solos da bacia drenante através de
medidas de conservação do solo como reflorestamento, terraços em zonas de grandes declives,
manutenção da cobertura vegetal, etc.
A deposição de sedimentos acontece em toda a albufeira mas na maior parte dos casos ocorre nas
zonas mais profundas da albufeira, junto a barragem (fig. 4.5). Assim, em primeira aproximação
pode desprezar-se a deposição em cotas mais elevadas e admitir que ela se efectua apenas nas cotas
mais baixas.
Figura 4.5 – Evolução da curva dos volumes armazenados
Com base nesta aproximação, o volume morto pode então ser determinado obedecendo os
seguintes passos:
1. Estimação do volume anual médio de sedimentos transportados pelo rio na secção da
barragem. Esta estimação pode fazer-se pelos seguintes passos:
a) Medição de caudal sólido, num número suficiente para se estabelecer uma
correlação com o caudal líquido.
Dimensionamento de Albufeiras 4-6
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b) Utilização de fórmulas semi-empíricas que relacionam o caudal sólido com
características do escoamento e do próprio sedimento (essencialmente curva
granulométrica).
c) Utilização de fórmulas de cálculo de erosão do solo na bacia drenante.
2. Estimação do coeficiente de retenção definido como a razão entre o volume de sedimentos
retido na albufeira e o volume de sedimentos afluente. Como era previsível e se tem
verificado experimentalmente, o coeficiente de retenção cresce com a regularização
específica, aproximando-se a 100% para o caso de grandes barragens. O gráfico
apresentado por Brune em 1953 (fig. 3.1, capítulo anterior) relaciona o coeficiente de
retenção com a regularização específica. Multiplicando o volume anual médio de
sedimento transportado e o coeficiente de retenção, obtêm-se o volume anual de sedimento
que se deposita na albufeira.
3. Definição da “vida útil” da albufeira – deve-se considerar para vida útil da albufeira um
valor entre 50 e 200 anos. Como indicação, sugere-se a adopção duma vida útil de 100
anos.
O volume morto será então igual ao produto do volume anual de sedimentos que se deposita na
albufeira pela “vida útil”.
Exercício 4.3
O escoamento anual médio que aflui a uma albufeira é de 900x106 m3, tendo uma concentração
média de sedimentos de 800 ppm*. A capacidade total da albufeira é 100x106 m3. A porosidade
média do sedimento depositado é 0,4 e a densidade do sedimento é rs = 2.650 Kg/m3. Determine
a capacidade útil e volume morto para uma vida útil de 100 anos.
* - em peso.
Observação – O gráfico de Brune deve ser aplicado em períodos curtos (10 anos) já que a
regularização específica vai diminuindo com o tempo.
4.5 Determinação da capacidade útil da albufeira pelo método de Rippl
A capacidade útil de uma albufeira permite-lhe exercer a função de regularização dos escoamentos,
armazenando parte do escoamento afluente durante a época húmida para reforçar os caudais
descarregados durante a época de estiagem.
Dimensionamento de Albufeiras 4-7
Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
A capacidade útil que é necessária para garantir determinados consumos a jusante depende das
características desses consumos, das características dos escoamentos afluentes (valores médios e
variabilidade) e da fiabilidade exigida pelo consumo.
Para se compreender o conceito de fiabilidade, considere-se uma albufeira que efectua descargas
em N períodos de tempo para satisfazer um dado consumo. A meta do consumo não é satisfeita
em Nf desses períodos, situações em que se considera haver falhas; a meta é satisfeita em N – Nf
períodos.
A fiabilidade F é então definida como a probabilidade da meta de consumo ser satisfeita,
calculando-se pela expressão:
= (4.3)
Embora não existam normas rígidas sobre os valores a adoptar para a fiabilidade em função dos
vários tipos de consumos, a prática internacional indica os valores apresentados no quadro 4.1.
Quadro 4.1
Fiabilidade de diversos consumos de água
Consumo Fiabilidade (%)
Valores limites Valor usual
Abastecimento doméstico urbano 90 – 97 95
Abastecimento rural 80 – 90 85
Abastecimento industrial 75 – 97 90
Energia 75 – 99 95
Irrigação 75 – 85 80
Se, ao dimensionar uma albufeira, se considerar o aumento da fiabilidade, mantendo o volume de
água a fornecer anualmente, há necessidade de maior capacidade útil da albufeira, o que implica
o acréscimo do custo unitário da água; simultaneamente, reduzem-se os prejuízos resultantes da
insuficiência da água fornecida. Deste modo, a fixação da fiabilidade pode basear-se num estudo
económico que atenda aos custos e prejuízos mencionados.
Dimensionamento de Albufeiras 4-8
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O método de Rippl ou método da curva de volumes acumulados é o método mais antigo que se
conhece para determinar a capacidade útil necessária para satisfazer, sem falhas, uma dada meta
constante de consumo, tendo sido proposto por Rippl em 1883. A meta pode corresponder a um
escoamento mínimo pretendido (por exemplo para garantir a irrigação ou o abastecimento urbano)
ou a um máximo (por exemplo o controlo de cheias). Trata-se de um método gráfico e, como tal,
é actualmente pouco utilizado na prática. O procedimento é o seguinte:
1. Utilizando uma série longa (20 anos ou mais) de escoamentos no local onde se pretende
construir a barragem, constrói-se a curva dos volumes acumulados. Normalmente,
utilizam-se séries de escoamentos mensais (fig. 4.7). A tangente à curva em cada ponto dá
o caudal nesse instante; nos meses de estiagem a curva aproxima-se da horizontal ao passo
que nos meses húmidos tem uma grande inclinação.
Figura 4.7 – Curva dos escoamentos acumulados
2. Traçam-se paralelas às rectas dos consumos acumulados, tangentes à curva no início de
cada período de estiagem (situação em que a albufeira estará cheia). Cada paralela vai do
ponto de tangência ao ponto em que volta a intersectar a curva dos volumes acumulados.
A maior das distâncias, na vertical, entre qualquer uma das rectas paralelas e a curva é a
capacidade útil necessária. A fig. 4.8 ilustra este passo.
Dimensionamento de Albufeiras 4-9
Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
Figura 4.8 – Determinação da capacidade útil pelo método de Rippl
Se em A a albufeira estiver cheia, ela vai-se esvaziando até B, voltando a encher a partir daí. Em
C a albufeira está novamente cheia visto que os volumes acumulados entre A e C, afluente e
descarregado, são iguais. Entre D e H a situação é similar, apenas diferindo pelo facto de que a
albufeira não chega a ficar cheia no fim da primeira época húmida que termina em F.
Se a maior das distâncias for, por exemplo, d3, então é claro que a albufeira não chega a ficar vazia
nos pontos B e E, mas apenas no ponto G. Com efeito, entre D e G o escoamento afluente
acumulado é inferior em d3 ao escoamento descarregado acumulado, ou seja, é preciso que exista
um volume d3 armazenado para se satisfazer a meta do consumo.
Note-se que, estando a albufeira cheia em H, ela irá descarregar um escoamento superior à meta
do consumo nos períodos de tempo imediatamente a seguir. Situação idêntica ocorre em C.
O segundo passo foi descrito na hipótese de que a meta do consumo se refere a um escoamento
mínimo a garantir. Se esta meta for a de garantir que um escoamento máximo não é ultrapassado
(controlo de cheias), as paralelas à recta do escoamento máximo acumulado devem ser tangentes
à curva dos escoamentos acumulados no início de cada período húmido (situação em que a
albufeira estará vazia).
O método de Rippl é um método simples que pode ser utilizado em análises preliminares ou
estudos de pequenas albufeiras. Ele tem algumas limitações importantes:
Não considera a precipitação nem a evaporação na albufeira.
Dimensionamento de Albufeiras 4-10
Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
Não permite a introdução do conceito de fiabilidade uma vez que considera o cumprimento
da meta de consumo sem falhas.
Exige uma meta constante.
Exercício 4.4
São dados 10 anos de escoamentos trimestrais numa secção de um rio que se pretende criar uma
albufeira de regularização. Determine, pelo método de Rippl, a capacidade útil necessária para
fornecer um caudal constante de:
a) 5 m3/s, b) 10 m3/s, c) 15 m3/s, d) 20 m3/s,
e) A partir dos resultados das alíneas anteriores, construa a curva de capacidade útil vs. caudal
garantido semelhante a curva da fig. 4.9.
Série de escoamentos (Mm3)
Trimestre Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Ano 6 Ano 7 Ano 8 Ano 9 Ano 10
1 100.3 80.2 127.7 33.0 30.5 129.0 94.5 92.4 44.7 107.6
2 482.3 495.0 490.0 235.4 485.7 538.0 638.0 297.3 668.0 415.0
3 337.7 130.2 193.1 150.2 316.1 331.2 250.3 84.3 304.8 169.4
4 77.9 210.1 67.3 72.1 104.7 73.7 41.4 58.0 55.7 49.3
Figura 4.9 – Curva de capacidade útil vs. Caudal garantido
Dimensionamento de Albufeiras 4-11
Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
Na curva apresentada na fig. 4.9, nota-se que pequenos armazenamentos conduzem a acréscimos
significativos do caudal garantido Q, mas que, à medida que este se aproxima do caudal médio ,
a capacidade útil necessária cresce muito rapidamente.
O método de Rippl permite também resolver o problema inverso: dada a capacidade útil da
albufeira, determinar o máximo caudal garantido, isto é, caudal que é sempre igualado ou
excedido. Para a resolução deste problema, o procedimento é o seguinte:
1. Constrói-se uma curva dos escoamentos afluentes acumulados, tal como no caso anterior.
2. Desenha-se a mesma curva deslocada para cima na vertical duma distância igual à
capacidade útil da albufeira. A curva superior representa as situações da albufeira vazia
enquanto a curva inferior representa as situações de albufeira cheia (fig. 4.10).
3. A partir dos vários pontos de início da estiagem na curva inferior procura-se a recta de
maior declive possível (que corresponde, portanto, ao maior caudal) a qual pode ser
tangente à curva superior (a albufeira fica vazia) mas não pode intersecta-lo.
Figura 4.10 – Determinação do máximo caudal garantido pelo método de Rippl
Exercício 4.5
Com os dados do exercício anterior, determine o máximo caudal garantido se a capacidade útil da
albufeira for 140 Mm3. Compare o resultado obtido com o que obteria com a curva da alínea e) do
exercício anterior.
Dimensionamento de Albufeiras 4-12
Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
4.6 Determinação da capacidade útil da albufeira pelo método dos picos consecutivos
O método dos picos consecutivos (na expressão inglesa “sequent peak algorithm”) foi proposto
por Thomas Burden em 1963. Este método permite determinar a capacidade útil necessária para
uma albufeira de regularização, oferecendo algumas vantagens sobre o método de Rippl,
nomeadamente:
É um método analítico, podendo ser facilmente programado para computadores.
Permite considerar uma meta que é variável ao longo do tempo.
Tal como o método de Rippl, o método dos picos consecutivos não considera a precipitação e a
evaporação na albufeira nem permite introduzir o conceito de fiabilidade uma vez que considera
o cumprimento da meta de consumo sem quais quer falhas. O algoritmo tem os seguintes passos,
inclusos em dois ciclos:
1. Considerando a série de escoamentos (normalmente mensais) afluentes, determina-se em
cada período de tempo t o valor de St dado por:
= − +
ou (4.4)
=
Em que:
Rt – Meta de consumo no período t.
It – Escoamento afluente no período t.
St – Armazenamento necessário no período t.
St-1 – Armazenamento no período anterior t-1.
No início do cálculo, toma-se St-1 = 0
2. Repete-se o passo anterior, tomando agora para St-1 o valor de St obtido no passo anterior.
3. A capacidade útil necessária é o máximo valor de St obtido nos dois ciclos.
A aplicação do algoritmo duas vezes à série de escoamentos permite tomar em consideração a
possibilidade do período crítico em termos de carência de água se situar nos extremos da série.
Esta repetição só é necessária se, no 1º ciclo, o valor de St do último período for nulo.
Chama-se atenção que não se deve confundir a equação do algoritmo dos picos consecutivos
= − + (4.5)
Com a equação do balanço hídrico na albufeira que seria
= + − (4.6)
Dimensionamento de Albufeiras 4-13
Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
Com efeito, no método dos picos consecutivos, Rt – It representa, no caso de ser positivo, o
excedente do consumo em relação ao escoamento afluente. Esse excedente tem de ser fornecido
pela albufeira e, para isso, esta tem de dispor dum armazenamento St = Rt – It.
Se no período anterior já a albufeira tivesse também de repor o excedente, através do valor St-1,
então a necessidade total de armazenamento seria,
= − + (4.7)
Exercício 4.6
Utilizando a série de escoamentos trimestrais apresentada no exercício 4.4, determine:
a) As capacidades úteis necessárias para garantir um caudal mínimo de 5, 10, 15 ou 20 m 3/s
e compare os resultados com os obtidos pelo método de Rippl.
b) A capacidade útil necessária se a meta do consumo for variável ao longo do ano, sendo nos
trimestres sucessivos de 20, 5, 10 e 25 m3/s. Compare o resultado com o obtido para uma
meta constante de 15 m3/s e tire conclusões.
A possibilidade de se considerar uma meta de consumo variável ao longo do ano é uma grande
vantagem do método dos picos consecutivos sobre o método de Rippl, visto que alguns dos
consumos, principalmente a irrigação, tem uma marcada variação ao longo do ano.
O método dos picos consecutivos não permite a resolução directa do problema inverso, isto é, a
determinação do máximo caudal garantido para uma dada capacidade útil da albufeira. O problema
inverso pode ser resolvido por via indirecta:
Arbitrando vários caudais garantidos, determina-se pelo método dos picos consecutivos as
correspondentes capacidades úteis necessárias e, a partir dai, constrói-se a curva da
capacidade versus caudal garantido (ver figura 4.9) e dela obtêm-se o caudal que
corresponde à capacidade dada.
Ou, no caso de o algoritmo estar programado para computador, pode-se utilizar um
processo de pesquisa unidimensional como o algoritmo de Coggins ou o algoritmo de
Fibonacci. Estes algoritmos não são aqui abordados porque alastram-se para a área
informática, afastando-se dos objectivos desta memória, ou seja, noções básicas sobre
barragens.
Dimensionamento de Albufeiras 4-14
Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens
4.7 Notas finais
Os dois métodos anteriormente apresentados (Rippl e Picos Consecutivos) são simples e têm
algumas limitações sérias pelo que devem ser utilizados apenas em estudos preliminares ou para
pequenas albufeiras. Para grandes albufeiras ou quando há que considerar um sistema de várias
albufeiras, é necessário utilizar modelos mais complexos baseados na Análise de Sistemas. Para
os problemas de dimensionamento de albufeiras, os modelos mais utilizados são os de
Programação Linear, Programação Dinâmica e Simulação. Estes métodos também não são aqui
abordados pelas razões acima apresentadas.
Fontes bibliográficas
Carmo Vaz, A (1993) – Textos das Lições da Cadeira de Hidrologia. Universidade
Eduardo Mondlane (UEM), Maputo
Tomaz, P., Assoreamento de Reservatórios, Capítulo 112 – Método de Brune; Extraído
da internet a 30 de Maio de 2013 (Engenheiro Tomaz Plínio,
[email protected] )
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