UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
ICA – INSTITUTO DE CULTURA E ARTE
CURSO DE BACHARELADO EM FILOSOFIA
FELIPE LIMA MONTEIRO
A RELAÇÃO ENTRE A SOCIOLOGIA E A EDUCAÇÃO COMO PLATAFORMA
DE ATUAÇÃO VISANDO A SUPERAÇÃO DE CONTRADIÇÕES SOCIAIS E
ECONÔMICAS
Professor: Dr. Valmir Lopes de Lima
FORTALEZA-CEARÁ
2020
Introdução
Neste texto refletimos sobre a relação entre filosofia, sociologia e a
educação. Acreditamos que a relação entre estes saberes é fundamental pois
permite uma abordagem que alcance a práxis. É certo que filosofar requer um
olhar por vezes afastado buscando refletir sobre diferentes prismas, mas para
evitar um campo puramente teórico a sociologia colabora relacionando fatos
sociais com suas diferentes variáveis. E, em síntese a educação pode, e deve
ser um lócus operandi. Se por um lado, refletir com dados nos liberta do senso
comum, por outro lado, é no campo prático que as verdadeiras mudanças
serão aplicadas com intencionalidade.
Para fins didáticos, vemos como necessário situar os diferentes
autores que colaboram com suas teorias e reflexões. São eles: No campo
filosófico e econômico: Marx. No campo sociológico: Durkheim. E, no campo
Educacional: Gramsci, Saviani e Paulo Freire. Entre outros.
Não objetivamos no texto esgotar esta discussão, mas colaborar:
Primeiro, refletindo sobre o aspecto socializador da educação. Segundo,
denunciando a influência social econômica do capitalismo na educação.
Terceiro, refletir sobre uma ação pedagógica desalienante.
1. Sociologia e Educação
Sociabilizar é um desafio educacional. Ou seja, precisamos preparar
os indivíduos para viverem em sociedade. O espaço social escolar é
caracterizado por um ambiente de diversidade e normas, é nesse ambiente que
precisamos orientar para um convívio respeitoso.
Num mundo globalizado, transnacional, nossos alunos precisam
estar preparados para uma leitura crítica das transformações que ocorrem em
escala mundial. Num mundo de intensas transformações científicas e
tecnológicas, precisam de uma formação geral sólida, capaz de ajudá-los na
sua capacidade de pensar cientificamente, de colocar cientificamente os
problemas humanos. Por outro lado, diante da crise de princípios e valores,
resultantes da deificação do mercado e da tecnologia, do pragmatismo moral
ou relativismo ético, é preciso que a escola contribua para uma nova postura
ético-valorativa de recolocar valores humanos fundamentais como a justiça, a
solidariedade, o reconhecimento da diversidade e da diferença, o respeito à
vida e aos direitos humanos básicos, como suportes de convicções
democráticas. (LIBÂNEO, 2003, p. 8)
A educação deve, portanto, procurar oferecer opções variadas que
se adapte às características e necessidades de uma comunidade educativa
cada vez mais heterogenia. Isso implica em uma educação democrática com o
desenvolvimento de tolerância e respeito às diferenças. É a partir de uma
educação que se preocupe em transmitir valores que garantiremos a luta por
igualdade em meio à diversidade.
Sobre isso, Saviani (1984), explica que a função de uma educação
escolar democratizante implica na conscientização de valores, quando diz:
“[...] a compreensão da natureza da educação enquanto um
trabalho não-material cujo produto não se separa do ato de
produção nos permite situar a especificidade da educação
como referida aos conhecimentos, idéias, conceitos, valores,
atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de elementos
necessários à formação da humanidade em cada indivíduo
singular...” (SAVIANI, 1984, p. 14)
Fica claro que, inerente ao ato de educar, dentro de uma perspectiva
de educação integral e democratizante é necessário que a escola também
promova valores que venham a colaborar na formação de cidadãos
conscientes que possam agir como sujeitos que ora preservam as conquistas
morais históricas evitando que erros anteriores não se repitam e ora
transformam a sociedade colaborando democraticamente como sujeitos
políticos ativos.
Segundo Habermas (2008), a educação deve resgatar, as noções de
ação política, a busca da cidadania e da construção de um mundo mais
eqüitativo. Portanto, a educação deve visar não apenas a apreensão de
conteúdo, mas ir além, buscando a formação de um cidadão inserido, crítico e
agente de transformação, já que é um espaço privilegiado para o
desenvolvimento das idéias, ideais, crenças e valores. A educação também
tem sua parcela de contribuição no desenvolvimento do indivíduo, mais
especificamente na aquisição do saber organizado e em suas áreas distintas
de conhecimento.
Se o conjunto de conhecimentos necessários à existência do
indivíduo e à reprodução social como um todo, não é dado biologicamente,
então o homem deve produzi-los e transmiti-los, de tal modo que a educação é
puramente social. Isto significa que tanto a educação em sentido lato quanto
em sentido estrito são práxis sociais. Ambas as modalidades são postas por
intermédio da consciência, (ainda que não seja a consciência de ter
consciência), e por isso estão situadas no campo denominado por Lukács de
teleologia secundária (MACENO, 2011, p. 24).
Neste sentido é claro perceber que ambas perspectivas de
educação, seja ela a transmissão de conteúdos ou a transmissão de valores
são atingidas por uma educação socializadora. Essa socialização possui uma
visão de passado, presente e futuro. Passado quando nos remetemos à
história de um povo para compreender essa construção de valores; presente
quando educamos o aluno a observar a realidade procurando averiguar as
contradições sociais; e futuro quando planejamos que tipo de sociedade
queremos construir.
Para efeitos de preservação da dignidade humana, em 1948 a ONU
(Organização das Nações Unidas), delineou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH), sendo um documento que apresenta direitos
básicos para a preservação da vida humana para efeito de evitar equívocos
que outrora foram cometidos, tais como escravidão, tortura entre outros.
Vemos, portanto, um documento que expressa valores universais e que têm
guiado uma agenda de desenvolvimento mundial. A exemplo disto a agenda
2030, que estabeleceu em 2015, 17 objetivos de desenvolvimento sustentável.
É nesse sentido que a educação deve promover valores que
colaborem na transformação social. Isso não significa que a educação deve
esquecer dos aspectos plurais que envolvem uma comunidade heterogênea,
pelo contrário. Para Libâneo (2001), em sentido amplo a educação engloba os
processos formativos que acontecem no meio social, de forma intencional ou
não.
2. A influência social econômica do capitalismo na educação
No nosso modo de vida, as relações de trabalho e os modos de
produção tem sido submetidos a lógica capitalista. A educação estando
vinculada ao tipo de sociedade que se deseja construir, tem servido como
instrumento para mediação e reprodução social, ou seja, a reprodução do
capitalismo.
Se toda a esfera econômica, social e política visa atender os
interesses do capitalismo como podemos atingir a emancipação da
humanidade? Segundo Tonet (2007, p.25) “é impossível impor ao capital uma
lógica que não seja a sua, a da própria reprodução. Por exemplo: obrigá-lo
primeiro a ter uma produção voltada para o atendimento das necessidades
humanas.”
Muitas ideias que compõe o corpo dos documentos das nossas
políticas educacionais como conceitos de eficiência, qualidade, produtividade e
flexibilidade de caráter empresarial foram retiradas diante das tentativas na
reestruturação produtiva, como por exemplo o toyotismo que deu a educação
um caráter excludente, onde o melhor profissional é aquele que mais se
qualifica afim de se tornar um empregado pró-ativo, capacitado e produtivo afim
de inserir no mercado como sujeito competitivo. Não é à toa que vemos a cada
dia a valorização do capital frente a desumanização do homem e a
precarização do trabalhador e a mediocridade da vida, que não a vive, mas
sobrevive a ela.
O toyotismo surgiu após a crise da sociedade capitalista na década
de 1970, no período econômico do Keynesianismo, na política de Estado de
bem estar social, em lugar do fordismo, modelo de produção em série e em
larga escala com maquinário pesado, onde métodos tayloristas eram utilizados
para reduzir o tempo e aumentar a o ritmo de trabalho visando a intensificação
das formas de exploração pela sistemática baseada na acumulação intensiva
por meio de operários semiqualificados. Segundo Saviani (2011, p.429):
Diversamente, o modelo toyotista apoia-se em tecnologia leve, de
base microeletrônica flexível, e opera com trabalhadores polivalentes
usando a produção de objetos diversificados, em pequena escala
para atender a demanda de nicho específico de mercado
incorporando métodos como just in time que dispensam a formação
de estoques, requer trabalhadores que em lugar da estabilidade no
emprego, disputem cada posição conquistada, vestindo a camisa da
empresa e elevando constantemente sua produtividade.
Esse modelo de produção tem influenciado a educação. Nossa
política nacional bem como o atual sistemas de ensino tem seguido princípios
de administração empresarial e concebido a produtividade como elemento
fundamental. Com o objetivo de formar mão-de-obra qualificada para atuar num
mercado competitivo.
Ele exige a multifuncionalidade do trabalhador e este precisa ter uma
formação polivalente, saber atuar em várias áreas do sistema produtivo.
Precisa ser qualificado e flexível, pronto a fazer qualquer tarefa do processo
produtivo. Deve deixar de fazer somente uma única função alienante e passa a
ter um conhecimento maior de todo o processo produtivo. Se antes ele só era
encarregado por exemplo de encaixar peças ou de acochar parafusos, agora
ele deve saber fazer os dois e mais, ele agora é um profissional “competente”
do tipo “faz tudo”.
Por isso observamos que as pessoas que buscam uma posição no
mercado de trabalho têm de empenhar-se em melhor preparo, para vencer a
concorrência e conquistar o seu status de empregabilidade. Segundo Saviani
(2011 p. 430) “A educação passa a ser entendida como um investimento em
capital humano individual que habilita as pessoas para a competição aos
empregos disponíveis”.
Ou seja, o toyotismo prega a “pedagogia da exclusão” já que não há
para todos, de acordo com a economia atual para se incluir o indivíduo precisa
enriquecer seu currículo para se tornar mais competitivo. Em contrapartida o
toyotismo produz a desregulamentação das condições dos direitos trabalhistas
e a precarização do trabalho.
Estimulando a competição e buscando maximizar a
produtividade, isto é o incremento do lucro,a extração da mais
valia, ela rege-se por um a lógica que estabelece o predomínio
do trabalho morto (capital) sobre o trabalho vivo, conduzindo a
exclusão deliberada de trabalhadores. (SAVIANI, 2011, p. 431)
Eles exerceram forte influência na prática docente. Diante dessa
realidade fez-se necessário que os professores utilizassem novos métodos
didáticos de ensino. Ideias pedagógicas do aprender a aprender foram
difundidas pelas ideias neoescolanovistas, neoconstrutivistas, das pedagogias
das competências e da pedagogia corporativa. Princípios de autonomia, de
espontaneidade são incluídos no processo de aprendizagem possibilitando aos
alunos posicionar-se diante de diversas situações, tendo o professor somente
como um mediador nesse processo.
Esses métodos visam a adaptação da educação as exigências da
sociedade e do mercado formando alunos com melhor qualidade de
comunicação, que vivenciam diferentes ambientes e assim se tornam flexíveis
para aprender a aprender e reaprender. Assim capacitam alunos com perfis de
eficiência e qualidade para torná-los mais competitivos para a inserção no
mercado bem como na sociedade.
Marx apresentou sua teoria de organização social a partir da luta de
classes, além de prever como o capitalismo se comportaria e como a
sociedade poderia chegar ao socialismo, mostrou como se dá a alienação e
trouxe a definição de materialismo dialético.
Se Marx contribuiu para reflexões de caráter principalmente
econômico, Durkheim contribuiu para educação. Ele acreditava que a
educação é baseada na socialização do jovem pelos adultos. Ou seja, o
homem é um produto do meio social, assim a educação existe para formar um
cidadão, suscitando o desenvolvimento físico e moral para a ação política. O
pensamento dele hoje colabora na promoção de uma educação que se
preocupa com o fator político.
3. Reflexão sobre uma ação pedagógica desalienante em Paulo Freire
Diferente de Marx, que acreditava que o capitalismo só seria
superado através de uma revolução violenta do proletariado, Gramsci
acreditava ser possível atingir o mesmo objetivo através da cultura. A arte tem
um alto poder educativo e iria contribuir no processo desalienante do sujeito.
Essa ação pode ser vista aqui no Brasil, pelo trabalho de Paulo Freire.
Freire colabora por pensar uma educação emancipadora, onde o
aluno é um sujeito e não um simples depósito de conhecimento. Ele utiliza do
diálogo, e não da autoridade, para instigar a reflexão sobre o caráter social das
palavras e dos símbolos. Ele demonstra em suas obras, como a opressão
desumaniza o oprimido ao ponto de levar este a precisar do seu opressor. É
importante perceber o caráter revolucionário que fundamenta. Uma revolução
que se dá cuidadosamente para não gerar no opressor um novo oprimido e
legitimar uma nova consciência de liberdade que deve ser experimentada por
ambas as partes. A libertação da opressão é uma ação coletiva e social, ou
seja, a tomada de consciência deve acontecer em sociedade. A falta da
libertação só legitima a desigualdade, a marginalização e a miséria. Assim a
falta da educação que emancipa ou conscientiza é uma estratégia do opressor
para escravizar o oprimido, logo Freire busca conscientizar o docente de seu
papel de problematizar a realidade do educando.
Logo, é necessário criticar a educação bancária, ou seja, concepção
que reduz o discente a um objeto onde o docente deposita o conhecimento,
pois este aluno não é capaz de produzir conhecimento. Para o autor, ensinar a
pensar e problematizar a realidade é a forma correta de se produzir o
conhecimento, pois este passa a ser relevante e transformacional. Uma vez
conscientizado da realidade o aluno militará pela igualdade. A educação
bancaria reduz a consciência a mecânica da repetição e memorização. É com
a superação do paradigma da dialogicidade entre educando e educador que a
problematização reflexiva gerará aprendizado para ambos.
Sua metodologia é a dialogicidade, que seria a essência de uma
educação libertadora. Ele fala sobre a importância do diálogo no processo
educativo e apresenta a comunicação como as palavras em harmonia com as
ações. Freire nos ensina que o diálogo deve iniciar no planejamento do
conteúdo programático, quando questiona o que devem refletir de sua
realidade cotidiana, ou seja, é necessário que haja essa relação com o
contexto em que o educando vive, assim a educação passa a ser uma
investigação da realidade, sem perder sua humanidade.
Assim, Freire nos ensina a importância de o homem como ser
pensante de práxis sobre o mundo. A ação que transforma é uma atitude
reflexiva. Sobre a liderança revolucionária Freire mostra que não se pode
inclusive impor sua visão pessoal na representatividade dos diálogos em
defesa do oprimido. A ação pedagógica é então uma aliada da ação
transformadora, pois em sua rotina deve celebrar a implantação de uma
educação que conscientiza para emancipar, libertando o homem de seu estado
de opressão.
Em sua descrição sobre o sistema de opressão antidialógico, Paulo
Freire descreve que são quatro os elementos utilizados para a realização da
dominação. A primeira delas é a conquista, método pelo qual o opressor impõe
“jeitosamente” sua cultura sobre o opressor; A divisão das massas para poder
dominá-las, pois, povo unido é sinal de perigo de desordem social, esse é o
discurso de quem oprime, por isso, evita-se trabalhar conceitos como lutas,
revoltas, união, etc. É pela manipulação que os opressores controlam e
conquistam as massas oprimidas para a realização de seus objetivos. Também
a invasão cultural é um instrumento da conquista opressora. A minoria
dominante impõe sua visão de mundo e todos se guiam por ele.
Conclusão
A educação já tem sido usada pelos opressores para alienar
reproduzindo a opressão capitalista. Contudo, é possível usarmos a mesma
plataforma educativa para promover a libertação do oprimido. Pois a educação
não é apenas a transmissão dos conteúdos, mas também socialização, ou
seja, ensinar o indivíduo a viver em sociedade. E dentro deste aspecto, uma
educação democrática gerará cidadania, ao ensinar o aluno a refletir sobre as
contradições sociais.
Se Marx contribuiu apresentando o panorama sócio econômico
desta opressão e Durkheim contribuiu trazendo acusações disto no âmbito
social educacional, Freire concluí nossa reflexão apresentando caminhos
político educacionais.
A relação entre filosofia, sociologia e educação são deverás
importante para transformação social.
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