UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Luciane Frosi Piva
TRANSIÇÕES COTIDIANAS NOS MODOS DE SER E DE VIVER DOS
BEBÊS E CRIANÇAS BEM PEQUENAS NA CRECHE
Porto Alegre
2019
Luciane Frosi Piva
TRANSIÇÕES COTIDIANAS NOS MODOS DE SER E DE VIVER DOS
BEBÊS E CRIANÇAS BEM PEQUENAS NA CRECHE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Saballa de
Carvalho
Linha de Pesquisa: Estudos sobre Infâncias
Porto Alegre
2019
CIP - Catalogação na Publicação
Piva, Luciane Frosi
Transições Cotidianas nos modos de ser e de viver
dos bebês e crianças bem pequenas na creche / Luciane
Frosi Piva. -- 2019.
265 f.
Orientador: Rodrigo Saballa de Carvalho.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa de
Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, BR-RS, 2019.
1. Educação Infantil. 2. Creche. 3. Bebês. 4.
Crianças bem pequenas. 5. Transições Cotidianas. I.
Carvalho, Rodrigo Saballa de, orient. II. Título.
Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da UFRGS com os
dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Luciane Frosi Piva
TRANSIÇÕES COTIDIANAS NOS MODOS SER E DE VIVER DOS BEBÊS E
CRIANÇAS BEM PEQUENAS NA CRECHE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Aprovada em 25 jul. de 2019.
___________________________________________________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Saballa de Carvalho – Orientador
___________________________________________________________________________________________
Profa. Dr. Maria Carmen Silveira Barbosa – UFRGS
___________________________________________________________________________________________
Profa. Dr. Bianca Salazar Guizzo – ULBRA
___________________________________________________________________________________________
Profa. Dr. Susana Rangel Vieira da Cunha
Para os bebês e crianças bem pequenas que
merecem, por seus modos de ser, direitos para
viver transições cotidianas exitosas na creche.
Também a todos os profissionais, colegas da
Educação Infantil, para que continuem
dedicando seus estudos e práticas na creche de
modo a torná-la cada vez mais um espaço de
Vida.
AGRADECIMENTOS
Cada agradecimento aqui feito é uma peça do mosaico, assim me constituem e me
tornam melhor nessa vida.
Agradeço às forças do universo por me manter com saúde, firme e confiante; por me
dar energia em sempre querer me aprimorar e me tornar melhor; por reforçar minha
persistência e luta para realizar esse sonho e por permitir que pessoas fantásticas
cruzem meu caminho.
Ao meu amor Rogério Piva, por sempre estar ao meu lado, por me incentivar a nunca
desistir, por me acalmar a cada dia, por ser o socorrista nos tantos momentos em que
precisei e por acreditar que esse sonho fosse possível: uma conquista nossa!
À minha amada filha, Gabriela Frosi Piva, por contribuir com seus conhecimentos em
alguns detalhes, pela paciência e pelo carinho nos muitos momentos em que o cansaço
e o drama se instauram em mim.
À minha grandiosa família, adultos e crianças - a adolescente Fernanda, a bebê afilhada
Laura e ao bebê sobrinho Benício -, por toda energia e amor, mesmo que distante, com
que estiveram ao meu lado.
Ao competente e maravilhoso orientador, professor Rodrigo Saballa de Carvalho, pela
confiança e privilégio de viver comigo esse percurso de estar mestranda e me tornar
mestre, por me emocionar a cada vez que me faz acreditar que sou capaz, pelo grau
com que compartilhou seus conhecimentos e orientou essa pesquisa, principalmente,
nos muitos momentos em que me impulsionou dizendo: “-Vai ficar lindo”! Avante!
Minha eterna gratidão pelo privilégio de ter sido uma das primeiras mestres a formar
em seu longo percurso de orientador.
À sensível e proveitosa contribuição das professoras Bianca Salazar Guizzo, Maria
Carmen Silveira Barbosa e Susana Rangel Vieira da Cunha, que analisaram e avaliaram
o projeto de Qualificação e indicaram ricas possibilidades de diálogo.
À Secretária Municipal de Educação de Novo Hamburgo, Maristela Guasseli, e à
Diretora de Educação, Neide Vargas, pela oportunidade de continuar atuando na
equipe de assessoria pedagógica da Educação Infantil, por todo apoio para que fosse
possível eu cursar o mestrado e realizar essa pesquisa.
Às colegas da Equipe da Educação Infantil na Secretaria Municipal de Educação de
Novo Hamburgo, Coordenadora Pedagógica Luciane V. Focesi e colegas Gilmara de
Campos Goulart, Letícia Caroline da S. Streit e Regina Gabriela Gomes por toda
amizade, colaboração, parceria, apoio, incentivo e carinho de todos os dias.
A todos os colegas da Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo por cada
abraço, cada demonstração de interesse e preocupação comigo e com o andamento
dos meus estudos.
Aos colegas mestrandos da Linha de Pesquisa Estudos sobre Infâncias, amigos que
ganhei nessa caminhada de pesquisadora: Andressa Thais Bertasi, Sandro Machado,
Marcelo da Silva, Lisiane Rossatto Tebaldi e Rafael Kelleter, por todos os dias de
companheirismo, estudos, trocas, diálogos e muitas aprendizagens.
Ao querido amigo e professor Paulo Sergio Fochi, idealizador do OBECI, por permitir
que eu viva tamanhas aprendizagens com todos desse grupo, pelo apoio e por
compartilhar e dividir comigo tantos conhecimentos e a realização desse sonho: minha
imensa admiração e carinho.
Aos colegas do OBECI pelo carinho, amizade e contribuições nessa caminhada e
desafio de me tornar mestre. Aprendi e aprendo muito com todos.
À querida amiga e mosaiscista Giseli Moehlecke, por todo apoio e parceira. Minha
eterna admiração.
À equipe diretiva da escola da investigação, Diretora Luciane e Coordenadora
Pedagógica Alexandra, por permitirem que a pesquisa acontecesse nesse lugar e por
abrirem as portas da creche com toda atenção e cuidado.
Às professoras Isabel e Cláudia, por serem tão receptivas ao aceitarem participar da
pesquisa e por acolherem a proposta com todo respeito e carinho.
Aos pais dos bebês e crianças bem pequenas pela confiança e por autorizarem o uso
de imagem e a participação de seus filhos e filhas na pesquisa.
Aos apaixonantes bebês e crianças bem pequenas que me cativaram e me capturaram
nas lentes de pesquisadora, que tanto me ensinaram com seus olhares e gestos tão
especiais, por aceitarem e autorizarem viver e dividir seus dias tão intensos na creche
comigo.
Aos amigos de muito perto, e aos distantes que acompanharam todo esse processo,
que se interessaram pela pesquisa e que me apoiaram nas suas diversas formas. Meu
eterno agradecimento a todos. Sou muito FELIZ por ter tantas pessoas maravilhosas
do meu lado nesse mosaico da VIDA.
MOSAICISTA DA VIDA
DE TESSELAS FUI
SENDO
DE TRANSIÇÃO
EM TRANSIÇÃO
POR PEÇAS DISFORMES
OU LIXADAS BEM QUADRADAS
FUI SENDO INTEIRA...?
NÃO, SOU PEDAÇOS DE MIM.
OBRA INACABADA.
CONTINUO MOSAICANDO,
MOSAICISTA DA VIDA.
Por Luciane Frosi Piva
RESUMO
A partir das contribuições do campo de estudos da Pedagogia da Infância, esse
trabalho apresenta o resultado da pesquisa referente ao estudo das transições
cotidianas que ocorrem com bebês e crianças bem pequenas na creche. Nesse
contexto, no âmbito da pesquisa proposta, conceitualmente, as transições cotidianas
são entendidas como aprendizagens socioculturais que exigem e/ou geram mudanças
na vida de bebês e crianças bem pequenas no contexto institucional. Isso quer dizer
que são aprendizagens relativas aos modos como as crianças lidam com o tempo,
habitam o espaço, se relacionam com os seus pares e utilizam artefatos partilhados
socialmente durante a jornada na creche. Tendo em vista o exposto, os objetivos da
investigação foram: a) conhecer sobre os modos de ser e de viver dos bebês e crianças
bem pequenas em relação a como a creche organiza os tempos, os espaços, os
materiais e os grupos; b) compreender os processos das transições cotidianas
vivenciadas pelos bebês e crianças bem pequenas na creche; c) mapear quais
transições cotidianas as crianças vivem nesse contexto; d) discutir como podemos, por
meio da participação guiada, estruturar e apoiar as aprendizagens decorrentes das
transições cotidianas. Metodologicamente, foi desenvolvida uma pesquisa com dez
crianças com idades entre 0 e 2 anos, por um período de seis meses, em uma turma
de uma Escola Municipal de Educação Infantil da região metropolitana de Porto Alegre
(RS). Tendo em vista a geração dos dados da pesquisa, foram utilizadas as seguintes
estratégias metodológicas: observação, registro em diário de campo e registro
fotográfico e fílmico. A partir da leitura do material empírico, gerado por meio do
trabalho de campo, foram definidas as seguintes unidades analíticas: a) a
responsividade dos anúncios docentes como estrutura e suporte das transições
cotidianas; b) a transição cotidiana dos deslocamentos dos bebês e crianças bem
pequenas no interior da creche; c) a transição cotidiana dos cuidados pessoais de
bebês e crianças bem pequenas. Em relação aos anúncios docentes do que irá ocorrer
durante o cotidiano na creche, foi possível constatar que tal ação pedagógica respeita
as temporalidades das crianças, gerando bem-estar e segurança nos processos de
transição cotidiana. No que diz respeito à unidade analítica referente aos
deslocamentos das crianças na creche, foi possível evidenciar como o planejamento
dos tempos, espaços e materiais e a organização das crianças em grupos contribuem
para que elas habitem os espaços a partir de ações autônomas. Por sua vez, a partir
das análises empreendidas em relação à unidade dos cuidados pessoais, referentes aos
modos como as crianças aprendem a realizar as ações de lavar as mãos, limpar o nariz,
trocar fralda, escovar os dentes e descansar, foi possível constatar que elas se
constituem em complexas aprendizagens socioculturais na vida das crianças. Por fim,
como decorrências das análises empreendidas na pesquisa, são declarados os direitos
dos bebês e das crianças bem pequenas de viver transições cotidianas exitosas na
creche, a partir de mediações docentes qualificadas.
Palavras-Chave: Educação Infantil. Creche. Bebês. Crianças bem pequenas.
Transições cotidianas. Cotidiano. Aprendizagens socioculturais.
Participação guiada.
ABSTRACT
From the contributions coming from the Childhood Pedagogy field, this paper presents
the results of the research concerning the study of daily transitions which occur with
babies and infants in the day care center. In this context, within the scope of the
proposed research, conceptually, daily transitions are understood as sociocultural
learnings that demand and/or bear changes in the lives of babies and very small
children in this institutional context. This means that these are learnings on the ways
children deal with time, how they inhabit space, how they relate to their pears and how
they use socially shared artifacts during day care journey. In the view of the proposed
ideas, the objectives of the investigation were: a) knowing about the ways of being and
living of babies and infants in relation to how the day care center organizes time,
spaces, materials and groups; b) understanding the processes of the daily transitions
experienced by babies and infants in the day care center; c) mapping which daily
transitions children live in this context; d) discussing how we can, through guided
participation, structure and support learnings resulting from daily transitions.
Methodologically, a research with ten children aged 0 to 2 years old was developed,
during a period of six months, in a class of a Municipal School of Early Childhood
Education in the metropolitan region of Porto Alegre (RS). In order to generate the
research data, the following methodological strategies were used: observation,
recording in field journal, photographic register and film recording. From the reading
of the empirical material, generated through the field work, the following analytical
units were defined: a) the responsiveness of teaching announcements as a structure
and as support of daily transitions; b) the daily transition of the shifts of babies and
infants inside the day care center; c) the daily transition of the personal care of babies
and infants. Regarding the teaching announcements of what would happen during the
daily life in the day care center, it was possible to verify that such pedagogical action
respects the children’s temporalities, generating well-being and security in the process
of daily transition. Concerning the analytical unit referent to the displacements of
children in the day care center, it was possible to foreground how the planning of time,
spaces and materials and the organization of the children within groups contribute for
them to inhabit the spaces from autonomous actions. Whereas, from the analyses
carried out in relation to the personal care unit, referring to the ways children learn to
perform the actions of washing their hands, cleaning their nose, changing their diapers,
brushing their teeth and resting, it was possible to verify that they happen in complex
sociocultural learning in children’s life. At last, as a result of the analyses undertaken in
the research, the rights of babies and infants to live successful day-to-day transitions
in the day care center are declared, based on qualified teacher mediations.
Keywords: Child education. Day care center. Babies. Infants. Daily transitions.
Day-to-day. Sociocultural learning. Guided participation.
LISTA DE IMAGENS
Foto mosaico 1 - Bebês e Crianças bem pequenas em Transições Cotidianas.
Composta por 4 fotografias digitais da autora. ........................................ 16
Foto mosaico 2 - Tempos e temporalidades na creche. Composta por 7 fotografias
digitais da autora. ................................................................................................. 64
Foto mosaico 3 - Transições Cotidianas na creche. Composta por 5 fotografias
digitais da autora. ................................................................................................. 79
Foto mosaico 4 - A creche e seus espaços. Composta por 14 fotografias digitais da
autora. ....................................................................................................................... 94
Foto mosaico 5 - Sala referência do grupo de crianças da pesquisa. Composta por 07
fotografias digitais da autora. .................................................................... 109
Foto mosaico 6 - Os materiais. Composta por 10 fotografias digitais da autora........ 118
Foto mosaico 7 - Olhares e gestos com a pesquisadora. Composta por 6 fotografias
digitais da autora. .............................................................................................. 160
Foto mosaico 8 - Anúncios: e o que vem agora? Composta por 7 fotografias digitais
da autora. .............................................................................................................. 177
Foto mosaico 9 - Deslocamentos e o conhecer a creche. Composta por 6 fotografias
digitais da autora. .............................................................................................. 195
Foto mosaico 10 - A troca de fralda. Composta por 7 fotografias digitais da
autora. .................................................................................................................... 203
Foto mosaico 11 - O limpar o nariz. Composta por 6 fotografias digitais da autora. 210
Foto mosaico 12 - O dormir e o despertar na creche. Composta por 8 fotografias
digitais da autora. .............................................................................................. 220
Foto mosaico 13 - Transições cotidianas inesperadas na pesquisa. Composta por 08
fotografias digitais da autora. ....................................................................... 231
Foto sequência 1 - Composta de 4 fotografias digitais da autora ....................................... 33
Foto sequência 2 - Composta de 3 fotografias digitais da autora ....................................... 91
Foto sequência 3 - Composta de 3 fotografias digitais da autora .................................... 125
Foto sequência 4 - Composta de 3 fotografias digitais da autora .................................... 165
Foto sequência 5 - Composta de 3 fotografias digitais da autora .................................... 233
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Espiral de mosaico dos conceitos da pesquisa........................................................ 46
Figura 2 - Espaços da creche em que as crianças vivem deslocamentos no
cotidiano. ............................................................................................................................ 145
Figura 3 - Grupo de crianças da pesquisa ................................................................................... 147
Figura 4 - Transições Cotidianas de deslocamentos pelos espaços da creche ............ 168
Figura 5 - Transições Cotidianas das crianças no viver cuidados pessoais .................... 169
Figura 6 - Princípios da Pedagogia das Transições Cotidianas ........................................... 235
Quadro 1 - Cronograma da entrada em campo ....................................................................... 149
Quadro 2 - Pauta de Observação ................................................................................................... 151
Quadro 3 - Os direitos dos bebês e das crianças bem pequenas para viver transições
cotidianas exitosas na creche .................................................................................. 239
LISTA DE SIGLAS
BDTD - Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
BNCC - Base Nacional Comum Curricular
DCNEI - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
EMEF - Escola Municipal de Ensino Fundamental
EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LUME - Repositório Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
OBECI- Observatório da Cultura Infantil
PPGEDU - Programa de Pós-Graduação em Educação
PPP - Projeto Político Pedagógico
RMENH - Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo
SciELO - Scientific Electronic Library Online
SMEDNH - Secretaria Municipal de Ensino de Novo Hamburgo
UAB - Universidade Aberta do Brasil
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos
SUMÁRIO
1 OS INÍCIOS DO GRANDE MOSAICO: os porquês de investigar as transições
dos bebês e crianças bem pequenas na creche .............................................17
1.1 O MOSAICO QUE CONSTITUI A PESSOA E A PROFISSIONAL PESQUISADORA 19
1.2 OS PORQUÊS E O COMO INVESTIGAR AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS DOS
BEBÊS E DAS CRIANÇAS BEM PEQUENAS NA CRECHE ............................................... 24
2 COMPONDO CONCEITOS: a potência das transições cotidianas na
creche ..................................................................................................................34
2.1 NOTAS SOBRE O TEMPO DO CAPITAL: reverberações na educação infantil ..... 47
2.2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E O TEMPO DO CAPITAL: cotidiano e temporalidades
em discussão ................................................................................................................................ 56
2.3 BEBÊS, CRIANÇAS BEM PEQUENAS E O TEMPO: notas sobre o tempo como
narrativa ......................................................................................................................................... 61
2.4 TRANSIÇÕES E TEMPORALIDADES NA CRECHE ............................................................ 69
2.5 O QUE SÃO AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS NO CONTEXTO DE VIDA COLETIVA
DA CRECHE ................................................................................................................................... 73
2.6 TRANSIÇÕES COTIDIANAS: como o olhar do adulto sustenta as aprendizagens
das crianças................................................................................................................................... 81
3 POR ESPAÇOS DE VIDA NA CRECHE ...............................................................92
3.1 DA SELEÇÃO DAS PEÇAS A COMPOSIÇÃO DO MOSAICO DOS ESPAÇOS DA
CRECHE ........................................................................................................................................... 93
3.2 SALA REFERÊNCIA COMO PORTO SEGURO DOS BEBÊS E CRIANÇAS BEM
PEQUENAS ................................................................................................................................. 105
3.3 OS MATERIAIS E AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS ......................................................... 115
4 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA DAS TRANSIÇÕES
COTIDIANAS .................................................................................................... 126
4.1 PARTICULARIDADES DA PESQUISA COM BEBÊS E CRIANÇAS BEM
PEQUENAS ................................................................................................................................. 128
4.1.1 Mapeamento do conceito de transições cotidianas: constituindo um
mosaico ....................................................................................................................................... 130
4.2 APRESENTANDO O CAMPO DE PESQUISA ................................................................... 139
4.2.1 Percurso da escola escolhida no Observatório da Cultura Infantil (OBECI) ..... 141
4.3 APRESENTANDO O GRUPO INVESTIGADO .................................................................. 144
4.4 A INSPIRAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA ........................................................ 148
4.5 ASPECTOS ÉTICOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA COM CRIANÇAS...................... 157
5 REVELAÇÕES DOS MODOS DE VIVER TRANSIÇÕES COTIDIANAS NA
CRECHE ............................................................................................................. 166
5.1 RELEVÂNCIA DOS ANÚNCIOS: o que vai acontecer? ............................................... 172
5.2 DESLOCAMENTOS PELA CRECHE: transição cotidiana recorrente ...................... 185
5.3 OS CUIDADOS PESSOAIS E AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS ENVOLVIDAS ....... 198
5.3.1 A troca de fralda: transição cotidiana temporal, íntima e singular ...................... 200
5.3.2 O limpar o nariz: transição cotidiana autônoma e sensível .................................... 208
5.3.3 O descanso: transição cotidiana ritualizada .................................................................. 212
5.3.4 Transições Cotidianas inesperadas na pesquisa: o lavar as mãos, o uso do bico
e o escovar os dentes ............................................................................................................ 223
6 PELO DIREITO DAS CRIANÇAS A TRANSIÇÕES COTIDIANAS EXITOSAS:
notas para seguir pensando .......................................................................... 234
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 241
APÊNDICES ....................................................................................................... 255
APÊNDICE A: Termo de Concordância da Mantenedora ......................................... 255
APÊNDICE B: Termo de Concordância da Instituição ................................................ 257
APÊNDICE C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos Professores .. 259
APÊNDICE D: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos Responsáveis
pelas Crianças ........................................................................................................................... 261
APÊNDICE E: Termo de Autorização de uso de imagem e dados digitais ........ 263
16
Foto mosaico 1 - Bebês e Crianças bem pequenas em Transições Cotidianas. Composta por 4
fotografias digitais da autora.
17
1 OS INÍCIOS DO GRANDE MOSAICO: os porquês de investigar as
transições dos bebês e crianças bem pequenas na creche
Quais são as transições cotidianas1 (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
ALVÃO; CAVALCANTE, 2015)2 que os bebês e as crianças bem pequenas vivem na
jornada3 na creche4? De que modo as crianças agem e reagem a elas no cotidiano da
instituição? Quais aspectos as tornam mais ou menos sucedidas, prazerosas e
respeitosas? Como e quais aprendizagens estão envolvidas nesses processos? Como
desnaturalizar as práticas cotidianas automatizadas no contexto da creche?
Exatamente quando e como estas perguntas começaram a me inquietar, torna-se difícil
temporalizar, mas, com certeza, estão carregadas de significados e totalmente
relacionadas ao meu processo de transformação como profissional da Educação
Infantil e à minha trajetória.
Nesse sentido, posso afirmar que tais inquietações estão relacionadas à
professora e à profissional que me tornei e à, atual, pesquisadora, da Linha de Pesquisa
Estudos sobre Infâncias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); um
encontro, um sonho, que exigiu estudo e dedicação. Esse sonho não se restringe a
apenas buscar receber o título de mestre, mas carrega a minha vontade de viver o lugar
de pesquisadora, abre possibilidades de contribuição nas discussões do campo da
Educação Infantil e no olhar para a criança como criança, de aprender sobre a
Pedagogia através da perspectiva dos bebês e crianças bem pequenas 5, de conhecê-
1
Esse termo foi utilizado e discutido por esses autores. Ao longo da pesquisa, delinearei em que sentido
o termo se diferencia do conceito que elaborei, pois situo essa pesquisa no contexto da creche.
2
Para evitar repetições, o conceito de transições cotidianas, ao longo do trabalho, será colocado em
itálico e estará embasado na perspectiva de Vogler, Crivello e Woodhead (2008) e de Alvão e
Cavalcante (2015).
3
Utilizo o termo jornada entendendo-a como a organização da instituição que “decide condições de
trabalho”, “as possibilidades e as realidades” (FILIPPINI, 2014, p. 55) e as “práticas pedagógicas” (DCNEI,
art. 09) (BRASIL, 2009b) do cotidiano da instituição, a partir de suas concepções de crianças, tempos,
espaços, materiais, relações, dentre outros princípios do trabalho na Educação Infantil.
4
Utilizo o termo creche para me referir à etapa da Educação Infantil que atende crianças de 0 a 3 anos
de idade em escolas.
5
Utilizo os termos bebês e crianças bem pequenas para me referir aos sujeitos da pesquisa por serem
os termos utilizados no Parecer Nº 20 (2009a) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL,
18
los nos seus modos de viver cada situação nova que o mundo apresenta no espaço e
no cotidiano da creche. Almejar e aprender a ser pesquisadora, na UFRGS, significou
viver o próprio objeto de pesquisa, o das transições cotidianas de outros modos.
De modo a encontrar respostas a minhas inquietações, conecto o tema dessas
transições à metáfora do mosaico. Trata-se de uma escolha que está ligada à minha
experiência com essa técnica e que se justifica pelo fato dessa arte ser minuciosa, ter
uma linguagem particular e milenar, que vai do mosaico bizantino, ao modernista e ao
contemporâneo, feito com pastilhas de vidro, quebras de azulejos, lixados ou rústicos,
ou materiais inusitados, chamados tesselas, além de necessitar de ferramentas
específicas. Nesse sentido, fazer mosaico, assim como realizar uma pesquisa, estética
e processualmente, exige um tempo próprio de cada artista, que envolve o vislumbrar
da obra final - aqui, a dissertação-, que depende dos detalhes na escolha dos materiais
que a comporão ou do contexto em que será aplicada ou construída, que pode ser:
uma talagarça, uma madeira, um painel, uma obra urbana e/ou uma obra
tridimensional. A partir dessa metáfora, importa dizer que essa pesquisa, assim como
a criação através da arte do mosaico, exigiu escolhas minuciosas, de elementos
metodológicos, de contexto e de conceitos.
Nas obras em mosaico, a maioria dos artistas acrescenta, ao final, o rejunte,
que dá o acabamento. Esse ato, torna as obras mais claras, mesmo que, algumas delas,
pela composição de peças tão pequenas, apenas possam ser vistas, no seu todo, pelo
distanciamento do apreciador. Penso que, no papel de pesquisadora, vivi nesse
processo do início de obra do artista, das escolhas de cada peça e apresento a obra
com rejunte, mesmo que reparos sempre possam ser notados, principalmente por um
artista, e aqui pesquisadora, exigente que sempre se coloca nesse lugar de encontrar
uma maneira de distanciar-se de suas próprias inquietudes.
2017a). Esses definem, como bebês, as crianças de 0 meses a 1 ano e 6 meses e, como crianças bem
pequenas crianças as crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses. Além disso, na escola em que
realizarei a pesquisa, a turma escolhida atende a faixa etária 1, nomenclatura utilizada para esse
agrupamento e que ingressam crianças com um ano completo até 31 de março de cada ano, ou seja,
nessa turma, durante o ano letivo, frequentaram bebês e crianças bem pequenas.
19
Apresento, com esse olhar de mosaicista, que me aventuro a ser e que
vislumbrou a obra de investigação, alguns dos caminhos e escolhas de tesselas, que
me trouxeram a esse tema e que delinearam os rumos e as possibilidades de análise
do tema da pesquisa.
1.1 O MOSAICO QUE CONSTITUI A PESSOA E A PROFISSIONAL PESQUISADORA
Todo sonho é feito de estilhaços
Do que o olho crê
Que a imagem
Faz no espaço,
E o tempo encontra
No ar que passa
Invisível
Peso e cor
E o que estava longe está aqui
dentro e tão perto
De um jeito tão certo que só cabe mesmo em mim
beijo e abraço
No tempo que passa lento e a jato
No gesto que toca a gente na alma
No modo, dos jeitos
mais diferentes
É que somos iguais
Música: Mosaico abstrato de Nando Reis
Iniciar contextualizando meu processo de identidade pessoal e profissional a
partir de situações que vivi toma sentido nesse cenário. Tal ideia é posta especialmente
pelo fato de que a forma com que vivi meu desenvolvimento está diretamente ligada
à forma como vejo a vida e com as defesas que faço enquanto profissional da
educação, que refletem, com certeza, na escolha do tema que investiguei.
No meu processo de estudante, destaco o quanto minha infância foi rica de
possibilidades no interior do Estado do Rio Grande do Sul, e o quão rico foi o episódio
de ter tido uma professora estagiária, na 4ª série, que me apresentou a poesia e o
prazer de viver como protagonista. Imagino que, dessa experiência, venha o mérito das
próximas escolhas profissionais. Além disso, assim como muitas pessoas, na minha
trajetória pessoal, vivi muitas transições, ou transição “vertical” (FORMOSINHO;
20
MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016), ou, ainda, “transição ecológica”
(BRONFENBRENNER, 1996). Aos catorze anos, precisei sair de casa para cursar
Magistério e aos dezenove fui mãe, casei e me mudei para a região metropolitana.
Iniciei a faculdade de Pedagogia tão logo foi possível e, no ano de 2000, tive a primeira
experiência como docente. Nesse percurso de nomeações, após concursos públicos
em dois municípios, ao tornar-me professora e me identificar cada vez mais com a
especificidade da Educação Infantil, tive a oportunidade de assumir a coordenação
pedagógica de uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), em Novo Hamburgo.
Nessa função, aprendi muito, fui me constituindo como coordenadora pedagógica e
encontrando estratégias para que os processos avançassem, com conquista do grupo,
formação, estudo e discussões constantes sobre o cotidiano.
Nesse contexto, busquei atualização diante das muitas mudanças que vivia
profissionalmente e das inúmeras novas publicações referentes à Educação Infantil.
Além disso, concomitantemente ao exercício da função, eu estava à frente da revisão
do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, tarefa complexa e desafiadora. Durante
sua construção, instiguei a equipe, junto à assessoria do colega professor Dr. Paulo
Sergio Fochi, a deter-se no estudo do conceito de experiência (BENJAMIN, 1986;
BONDÍA, 2002; DEWEY, 1959), além de discussões a partir do Parecer Nº20 (BRASIL,
2009a), Práticas cotidianas na Educação Infantil (BRASIL, 2009c) e da Resolução Nº 5,
que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL,
2009b). Esses textos e legislações abriram caminhos para refletir sobre o planejamento
de experiências que reconheçam a criança como competente, através de práticas que
proponham experiências intencionais e de possibilidades de torná-las visíveis,
desnaturalizando pedagogias transmissivas. Com a participação no Observatório da
Cultura Infantil (OBECI)6, desde 2013, tive o privilégio de aprender muito e construir,
6
O OBECI é coordenado e idealizado pelo Professor Dr. Paulo Sergio Fochi e “envolve cinco escolas de
Educação Infantil, três públicas e duas privadas, da região metropolitana de Porto Alegre”. “O OBECI
nasceu de forma independente a instituições universitárias, a fim de criar um grupo de profissionais da
Educação Infantil que estivessem interessados em refletir as dinâmicas do cotidiano e da formação dos
professores das suas instituições, a partir dos princípios da documentação pedagógica (FOCHI, 2017).
O nome deste grupo, Observatório da Cultura Infantil, está diretamente ligado às crenças conceituais
21
com a equipe da EMEI da época, postulados do trabalho pedagógico, os referencias
de tempos, espaços e materiais e os campos de experiências que constituíram os
planos de estudos da instituição.
Na oportunidade da função de coordenadora pedagógica, tive o primeiro
contato com o assunto que investigo nessa pesquisa, pois envolvi a equipe em práticas
que pudessem minimizar o impacto/ruptura das crianças ao chegarem e se despedirem
da escola. Ainda em 2011, participei de comissão na Secretaria Municipal de Educação
de Novo Hamburgo (SMEDNH) na elaboração do projeto de Rede Municipal de Ensino
(RMENH) Ritos de Passagem: Transições dentro da escola, entre as escolas municipais e
demais redes de ensino. Nele, como ponto inicial, percebeu-se a necessidade de haver
uma articulação entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. O projeto partiu das
demandas e das indicações das DCNEI, pela Resolução Nº 5 (BRASIL, 2009b, art. 10 §
III) e pela Resolução Nº 7 (BRASIL, 2010, art. 29 e § 1º), e tinha como foco dar
continuidade às aprendizagens das crianças na perspectiva do cuidado, das interações
e da brincadeira, realizando ações que viabilizassem o sucesso deste processo e
oportunizando um espaço de socialização das expectativas, dúvidas, angústias, desejos
e ansiedades causados pelos desafios diante do novo em se tratando dos processos
de transição.
Por promover, na escola, ações voltadas às transições das crianças em parceria
com a SMEDNH e acreditar na necessidade de olhar para as continuidades e transições,
em 2014, produzi, com uma colega, um curta metragem para a III Mostra Experimental
de Curtas-Metragens: Inclusão e Diversidade, que intitulamos de Transições:
Continuidade da Vida na Escola da Infância, contando um pouco dessa experiência na
RMENH.
No mesmo ano, no segundo semestre, recebi o convite para fazer parte, como
assessora pedagógica, da Equipe da Educação Infantil da SMEDNH. No decorrer do
de pesquisa e a um dos pilares da documentação pedagógica: o da escuta. As ações do observatório
desdobram-se em atividades com periodicidades distintas, envolvendo públicos diferentes e
realizando micro intervenções (com as professoras especificamente, em suas turmas) e macro
intervenções (com a gestão da escola, em questões institucionais)” (FOCHI; PIVA; FOCESI, 2016, p. 166).
22
trabalho, nessa função, em 2015, conheci o livro Diário do acolhimento na escola da
infância, de Gianfranco Staccioli (2013), e o mesmo projeto mencionado acima foi
ganhando novos significados. Dessa forma, ele passou a se chamar Projeto de
acolhimento permanente na escola, no sentido de entender a RMENH como uma Rede
que escuta às crianças. Staccioli (2013, p. 138) afirma que essa escuta é mais do que
uma “técnica didática”, ou seja, precisa que quem ouve se coloque “na pele do outro”,
crie uma sintonia com o outro e transforme “seu modo de ver e de sentir para tentar
captar o de seu interlocutor”. Assim sendo, o projeto avançou na busca de garantir que
a escola se torne acolhedora em todos seus espaços e relações, considerando que “[...]
a qualidade das transições depende dos contextos e dos processos de acolhimento”
(FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016, p.08).
Em 2015, tive a oportunidade, em uma parceria da Prefeitura Municipal com o
Polo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e com a UFRGS, de ingressar no curso de
Especialização em Coordenação Pedagógica. Na ocasião, realizei a pesquisa com
coordenadores pedagógicos. O trabalho teve como título Transições, rupturas e
continuidades na Educação Infantil. A proposta foi investigar e analisar aspectos das
transições, rupturas e (des)continuidades dos processos vividos pelas crianças que
frequentam a Educação Infantil nas Escolas Municipais de Novo Hamburgo: processos
que se iniciam na EMEI e continuam, na etapa da pré-escola, nos prédios da Escola
Municipal de Ensino Fundamental (EMEF). A pesquisa justificou-se pela importância de
refletir sobre as ações que tratam dessas passagens, em uma escola da infância que
precisa ver as crianças como criança que é, além de possibilitar que elas sejam
compreendidas por suas especificidades, pois possuem esses direitos assegurados nas
normatizações. Ademais, o trabalho se mostra significativo como forma de pensarmos
juntos sobre os processos de aprendizagem das crianças de uma etapa para outra ou
de um espaço para outro. Dentre as possíveis conclusões, comunguei com o que
Rinaldi (2012) nos pergunta: Então, qual é o segredo? O segredo, talvez, seja o de abrir
espaços formativos para estranhamentos das práticas consolidadas e para inauguração
de novas possibilidades, fortalecendo a continuidade dos processos de aprendizagem
23
das crianças: uma escola como espaço da pesquisa, em que todos refletem a cada dia
sobre as maneiras por meio das quais aprendem e constroem o conhecimento.
Acompanhando o projeto de Acolhimento na SMEDNH e nas escolas que
assessoro, analisando registros que coletamos de momentos vividos pelas crianças
junto às equipes da EMEI e de estudos e discussões do OBECI, do qual ainda participo
como representante da SMEDNH, e tendo realizado a pesquisa da última
Especialização sobre esse assunto, pude perceber o quanto precisamos avançar em
práticas dessas “macrotransições” (termo que conheci no OBECI) ou transições
“verticais” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016). Porém, mais do que
isso, precisamos olhar para as “micro” ou “mini” transições (termo que conheci no
OBECI) ou para as transições “horizontais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016), que têm sido “muito menos
investigadas” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016, p. 36). Ou seja, o
tema das transições cotidianas despertou ainda mais meu interesse em pesquisá-lo.
Por sua vez, corroborando essa constatação, o mapeamento de pesquisas dos últimos
dez anos que apresento no capítulo metodológico reforça essa prerrogativa.
Dessa forma, foi possível perceber, também, que necessitamos dar atenção às
transições cotidianas que ocorrem dentro do mesmo contexto educativo, pois “os
processos de transição que as crianças vivenciam têm muita influência no seu
crescimento e aprendizagem” (FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO,
2016, p.09), como: trocar a mamadeira por copos, os copos com tampa por canecas;
comer com colher para comer com garfo e faca; usar e se separar do bico; servir-se;
ser trocado e deixar fraldas; passar a dormir do berço para o colchão; deslocar-se pelos
espaços da escola; estar brincando e parar de brincar; vivenciar o antes e o depois de
atividades de cuidado pessoal; chegar e sair da escola e iniciar e terminar uma proposta
(FOCHI; PIVA; FOCESI, 2016). Além disso, mesmo que não tenha sido o foco principal
da pesquisa, foi possível, na imersão em campo, acompanhar algumas transições
“verticais” de adaptação das crianças à escola, aos professores, às chegadas e às
despedidas diárias à mudança do espaço casa para escola, que, assim como as
24
transições cotidianas, envolvem ações de continuidade e descontinuidade (VOGLER;
CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015; MONGE; FORMOSINHO,
2016) que se manifestam no tempo que as mudanças exigem.
Por se tratar de um “campo tanto descritivo ou especulativo quanto de
intervenção social, de ação transformativa da realidade” (BRASIL, 2009c, p. 41), a
Pedagogia “precisa atentar para as escolhas éticas, as decisões políticas e as ações
práticas” (BRASIL, 2009c, p. 41), assim como dialogar com diferentes áreas do
conhecimento, disciplinas e “outros campos do saber e do conhecimento científico”.
Nesse contexto, pesquisar é colocar-se em uma “situação de produção de
conhecimento” (BRASIL, 2009c, p. 42) e, nisso, está presente uma Pedagogia em que
defendo, ainda, os direitos de participação e de respeito das crianças para aprender e
se desenvolver.
Desse modo, a partir da exposição realizada, a próxima seção apresenta os
intuitos e a organização do ir a campo de modo a captar ações dos bebês e crianças
bem pequenas nesses momentos de transições, pois acredito que esse parar frente a
essas cenas contribuiu para extrair indícios importantes que ajudem a “planejar esses
momentos de forma a respeitá-las” (FOCHI; PIVA; FOCESI, 2016, p. 173), por mim, no
decorrer da pesquisa, e para outros profissionais, ao contribuir no traçar de caminhos
para uma Pedagogia das Transições.
1.2 OS PORQUÊS E O COMO INVESTIGAR AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS DOS BEBÊS
E DAS CRIANÇAS BEM PEQUENAS NA CRECHE
A história da Educação Infantil é recente em nosso país. Apenas em 1988,
através da Constituição, o atendimento em creches e pré-escolas se concretiza como
direito das crianças, e a Educação Infantil é reconhecida como dever do Estado com a
Educação. Esse ordenamento exigiu a participação de diferentes movimentos sociais e
a luta dos profissionais da área para garantir essa condição de educação. Por esse
histórico e pelo fato de, por muito tempo, essa etapa ter tido o caráter assistencialista,
25
higienista ou preparatório, o que próprio termo creche carrega, ocorreram práticas
automatizadas nas escolas. Muitos dos locais de cuidado com bebês e crianças
pequenas se restringiam às mães crecheiras e começaram a ser realizados por
profissionais desabilitados para o exercício da profissão. Em contraponto, as DCNEI
(BRASIL, 2009b) apontam para a necessidade da Educação Infantil assumir sua função
social, política e pedagógica. Além disso, o mesmo documento, de caráter mandatório,
destaca que a Educação Infantil deve ser ofertada em estabelecimentos educacionais
e por profissionais com habilitação para o magistério, ensino superior ou médio.
Nessa perspectiva, seja pela demanda de que as crianças passassem a ter a
vaga na escola de Educação Infantil como direito, seja pelo aumento das mulheres
trabalhadoras ou, ainda, pelo outro viés tomado pelo assistencialismo, das legislações
atuais - ou seja, o da educação -, faz-se necessário construir uma nova identidade
dessa etapa que supere posições “antagônicas e fragmentadas” (BRASIL, 2009a, p. 01).
Sendo assim, o objetivo dessa pesquisa foi observar e estar com bebês como
possibilidade de aprender sobre seus modos de viver as transições cotidianas na creche,
por compreender que as transições que as crianças vivem “não são um acontecimento
esporádico, antes um modo corrente de viver” (OLIVEIRA-FORMOSINHO;
FORMOSINHO; MONGE, 2016, p. 200). Além disso, através dessa investigação, pretendi
compreender os processos dessas transições, para avançar na concepção de uma
Pedagogia das Transições.
Nesse sentido, para Oliveira-Formosinho, Passos e Machado (2016, p. 36), as
transições educativas podem ser “generativas ou degenerativas” e vão depender da
forma como são vividas e/ou apoiadas, além disso, “podem constituir uma ocasião de
crescimento e aprendizagem ou uma ocasião de paragem, regressão, insucesso”.
Acrescento a essa posição que, com essa pesquisa, suscito o quanto as crianças
merecem viver aprendizagens7 (ROGGOF, 1993; 1998; 2005) em transições cotidianas
7
Para evitar repetições, o conceito de aprendizagem, aprendizagens e aprendizagens socioculturais, ao
longo do trabalho, serão colocados em itálico e estarão embasados na perspectiva de Rogoff (1993;
1998; 2005).
26
prazerosas e respeitosas a seus tempos, temporalidades e cuidados pessoais a suas
necessidades físico, emocional e social.
Por essa razão, para que as crianças mostrem “os seus mundos”, fazer pesquisa
exige um trabalho complexo e envolve perspicácia do investigador para que ele dê
“atenção às circunstâncias especiais”. Segundo essa premissa, foi possível gerar dados
valiosos não como “tarefa do acaso”, mas, pelo contrário, como processo que iniciou-
se com perguntas - “motor da investigação” (GRAUE; WALSH, 2003). Com essa
prerrogativa, apresento questões que me auxiliaram na compreensão das ações dos
bebês e crianças bem pequenas ao viver transições cotidianas, no contexto da creche,
e que foram importantes para o processo de geração de dados e para direcionar meu
olhar de pesquisadora interessada a aprender com os principais sujeitos que vivem as
transições. São elas:
i. Como os bebês e as crianças bem pequenas vivem e comunicam seus
modos de viver as transições no cotidiano da creche?
ii. Como os bebês e crianças bem pequenas comunicam seus modos de viver
e se relacionar com as transições nesse cotidiano?
iii. Os bebês e crianças bem pequenas demonstram, no seu agir, se as
mudanças estão “bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD,
2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016)?
iv. Como esses meninos e meninas demonstram, pelas suas ações e modos
de agir, suas aprendizagens nos processos das transições cotidianas?
v. Como os bebês e as crianças bem pequenas recebem ou reagem frente
às mudanças de espaço e de ações enfrentadas no dia a dia?
vi. Os bebês e crianças bem pequenas, pelas suas ações, demonstram
relações com suas temporalidades?
vii. Os bebês e as crianças bem pequenas agem de acordo com o que
percebem como sendo o esperado pelo adulto?
Entendo por transições cotidianas como aprendizagens socioculturais que
exigem ou geram mudanças nas ações dos bebês e das crianças bem pequenas, sejam
27
mudanças de um espaço para outro e de uma relação de cuidado pessoal a outra.
Ainda, entendo tratar-se por transições cotidianas “práticas sociais que envolvem
transições complexas para as crianças e que muitas vezes passam despercebidas nas
rotinas automatizadas da jornada da escola” (FOCHI; PIVA; FOCESI, 2016, p. 173).
Em razão dessas questões, os conceitos8 de transições (VOGLER; CRIVELLO;
WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALANTE, 2015; FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2016), aprendizagem, participação guiada e apropriação participatória9
(ROGOFF, 1993; 1998; 2005), desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER, 1996;
GOTTLIEB, 2012; ROGOFF, 1993; 1998; 2005), tempo (MARQUES; MONTEIRO; OLIVEIRA;
2012; OLIVEIRA, 2012a; HOYUELOS, 2004; 2015; SACRISTÁN, 2008; BONDIOLI, 2004;
BARBOSA, 2013; ELIAS, 1998), temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA,
2012b), ritmos infantis (POST; HOHMANN, 2003; CABANELLAS; ESLAVA; ESLAVA;
POLONIO, 2007; OLIVEIRA, 2012a; FALK, 2016c), espaços (FORNEIRO, 1998; HORN,
2003; 2017; GARIBOLDI, 2011; GOBATTO, 2011; HOYUELOS, 2014; OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2018; PAGANO, 2017; BRASIL, 2009c; STACCIOLI, 2013) e materiais
(CEPPI; ZINI, 2013; FOLQUE; BETTENCOURT, 2018; HORN, 2017; HOYUELOS, 2014;
OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2018; REDIN; FOCHI, 2014; SCHWALL, 2012) são
fundamentais para a elaboração, análise e discussão do conceito de transições
cotidianas (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015).
O tema das transições aparece nas DCNEI pela Resolução Nº 5 (2009b, p. 22),
quando o documento salienta a importância das instituições planejarem ações que
sejam capazes de avaliar e acompanhar o desenvolvimento das crianças, bem como de
garantir a continuidade dos processos de aprendizagem através de estratégias
adequadas às diferentes situações de transição vividas pela criança como: “transição
casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição
creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental”.
8
Todos esses conceitos serão devidamente apresentados e discutidos no segundo e terceiro capítulo
da pesquisa.
9
Para evitar repetições, os conceitos de participação guiada e apropriação participatória, ao longo do
trabalho, serão colocados em itálico e estarão embasados na perspectiva de Rogoff (1993; 1998; 2005).
28
Importa salientar que o termo transições cotidianas, foi discutido por Alvão e
Cavalcante (2015) e por Pia Vogler, Gina Crivello e Martin Woodhead (2008). Alvão e
Cavalcante (2015) pesquisaram o tema no escopo da Psicologia do Desenvolvimento
e com o objetivo de “compreender as mudanças de ambiente, atividades, relações e
papéis que marcam o início da vida escolar do ponto de vista da criança”. Ainda, as
autoras investigaram a transição ecológica da família para a escola, tendo a família
como um “potente e universal ambiente primário gerador de desenvolvimento”,
conceito de Bronfenbrenner (1996) (ALVÃO; CAVALCANTE, 2015, p. 631). Já os autores
Pia Vogler, Gina Crivello e Martin Woodhead (2008) utilizam o conceito das transições
cotidianas ou “diárias”, inspirando-se na teoria ecológica de Bronfenbrenner (1996) e
teorizam as transições como: as articuladas a idade cronológica; as sociais, como rito
de passagem de um status para outro ou ao como as crianças agregam suas
experiências em diferentes ambientes cotidianos como escola e casa.
Em vista disso, mesmo que, nessa pesquisa também, como os autores citados,
busquei compreender as aprendizagens socioculturais e modos de viver as transições
cotidianas pela perspectiva das crianças e no contexto da creche como ambiente
ecológico (BRONFENBRENNER, 1996), investigo as aprendizagens provenientes nas
transições cotidianas que acontecem no interior da instituição creche. Isso porque,
nesse estudo, compreendo que nesse contexto elas acontecem decorrentes de
aprendizagens socioculturais durante a jornada educativa no coletivo, nas relações com
a cultura que se estabelece e se constrói nesse lugar, tanto as que incidem nas
mudanças de um espaço para outro como nas que envolvem cuidados pessoais.
Desse modo, por essa compreensão das transições cotidianas, importa em
minha pesquisa os conceitos de Rogoff (1998, p. 126) sobre como acontecem as
aprendizagens pela criança no processo de participação guiada e apropriação
participatória. Nesse sentido, Rogoff (2005), ao discutir o desenvolvimento humano,
atribui a ele as práticas e tradições da comunidade em que vivemos, dizendo se referir
a processos humanos com o “enfoque que cada comunidade dá à vida” e às formas de
fazer as coisas cotidianamente, ou seja, “é um processo cultural”. Ratificando o
29
argumento, Gottlieb (2012) contribui com essa ideia, adotando a perspectiva do povo
Beng, do Oeste da África, de que os bebês são vistos como surgidos de “um espaço
culturalmente construído”. Além disso, com seu olhar de antropóloga, em seus escritos,
essa autora busca contribuir com a problemática de se acreditar em um padrão de
desenvolvimento dos bebês.
A partir do exposto, esse estar no espaço para entender as “transições
ecológicas”, “processo vital de crescimento” que acontece durante todo espaço de
vida, “[...] exige situar as pessoas e os processos nos contextos e as suas interações que
decorrem do tempo” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016, p. 58). Desse
modo, corroboro que contexto educativo, além do ambiente físico para “predispor
comportamentos e formas de aprendizagens”, significa a “consciência de sua
interdependência com outros componentes do contexto educativo (organização das
atividades, qualidade das relações, etc.)” (GARIBOLDI, 2011, p. 108, tradução nossa).
Em tal perspectiva, importa, também, como importante conceito analítico das
transições cotidianas, o de temporalidades (NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) a partir da
defesa de ”uma pedagogia da temporalidade”. Nele, a escola infantil, como um espaço
social onde as crianças se encontram, constitui-se de um “contexto de aprendizagem
e socialização na passagem de um sentido do próprio tempo, marcado pelo relógio
interno e pelas próprias experiências afetivas” das crianças, além de pela progressão
de um “senso de tempo compartilhado” construído por elas (NIGITO, 2011, p. 91,
tradução nossa). Somado a isso, importa esse conceito por se referir “às múltiplas
formas de lidar, de relacionar, de organizar o tempo, ou seja, a experiência no e com o
tempo” e, ainda, pelo fato de considerar que as temporalidades das crianças
“constituem aspectos que envolvem também o tempo na/da Educação Infantil”
(OLIVEIRA, 2012b, p. 111). Nessa perspectiva, Eslava (2007) destaca sua constatação de
que as experiências dos bebês mantêm suas intenções em tempos muito variáveis. Por
conseguinte, eles podem viver tempos curtos ou longos em uma mesma ação, ou seja,
esse processo temporal das ações infantis pode se constituir, em ambas situações,
como uma “experiência plena com princípio intencional”. E, desse modo, “o espaço e
30
o tempo vividos durante o processo aparece como uma das condições “necessárias”
para construir conhecimento” (ESLAVA, 2007, p. 162, grifo do autor - tradução nossa)
porque entende-se que a “temporalidade, como duração interior, subjetiva, não como
um tempo métrico, do relógio”, demonstra que os tempos das crianças “não parecem
que podem ser incluídos em formas preestabelecidas” (ESLAVA, 2007, p. 161, tradução
nossa).
Dessa forma, realizei pesquisa com bebês (CRUZ, 2008; GRAUE; WALSH, 2003;
VASCONCELOS, 2016; FERNANDES, 2016; FRANCISCHINI; FERNANDES, 2016;
FRANCISCHINI; CAMPOS, 2008; BARBOSA, 2014) com intuito de ser uma “investigação
relacionada com a prática”. Isso quer dizer que, como pesquisadora, busquei sair do
óbvio na busca por compreender o que se “passa entre as crianças, no modo como as
crianças funcionam em grupo, negociam e interagem” (GRAUE; WALSH, 2003, p. 13).
O contexto10 escolhido para a investigação desse tema foi uma EMEI, localizada
na Região Metropolitana de Porto Alegre, que participa do OBECI desde 2014 e onde,
assim como as demais quatro escolas, “a temática relativa ao cotidiano tem gerado
profundas reflexões na tentativa de desnaturalizar o modo modus operandi da
instituição” (FOCHI; PIVA; FOCESI, 2016, p. 171).
A EMEI atende a etapa creche - termo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB, 1996a) - e realiza o atendimento de crianças de 0 a 3 anos de idade.
Além disso, a escolha da creche, especificamente de uma turma de crianças da faixa
etária 1 ano, como campo de geração de dados, justificou-se pela complexidade que
esse tema abrange e pela intenção de conhecer as ações e relações dos bebês e
crianças bem pequenas nas situações em que precisam viver transições nesse espaço
de vida coletiva. Bronfenbrenner (1996) utiliza o termo “transições ecológicas”, ligadas
às mudanças de papéis e expectativas de comportamento relacionado a posições na
10
O termo contexto se refere ao microssistema escolhido, ou seja, apenas o espaço da creche e o
cotidiano ou o “ambiente ecológico” (BRONFENBRENNER, 1996) de uma turma de bebês e crianças
bem pequenas, com idades entre 11 meses e 1 ano e 11 meses (23 meses).
31
sociedade, e as traduz como aquelas que nos constituem e que ocorrem em diferentes
contextos da nossa vida, identificados pelo autor como “ambientes ecológicos”.
Nessa perspectiva, nesse percurso foi possível organizar conceitos e análises a
partir da geração de dados sobre os modos de ser e de viver as transições cotidianas
pelos bebês e crianças bem pequenas de forma consciente e não automatizadas. Além
disso, penso que essa escolha de pesquisa me reposicionou em uma “imagem do
adulto que se interroga de que forma pode valorizar as peculiaridades da ação
pedagógica com os meninos e meninas em seus percursos na vida coletiva” (FOCHI;
PIVA; FOCESI, 2016, p. 176).
Desse modo, a presente dissertação está organizada em sete seções. Na
primeira, são apresentadas estas considerações iniciais, em que mostrei a origem e
como ocorreram os desdobramentos desse estudo investigativo. Na segunda parte
dessa dissertação, apresento a introdução do capítulo conceitual, em que trato dos
referenciais de aprendizagens, transições, tempo, temporalidades, participação guiada
e apoio na relação adultos e crianças, como concepções importantes para
compreender os processos vividos pelas crianças na creche ao se depararem com
aprendizagens de transições cotidianas tema central dessa pesquisa. No terceiro
capítulo, apresento os conceitos de espaços e materiais, e como esses conceitos
conversam com o objetivo de proporcionar aos bebês e crianças bem pequenas, na
creche, aprendizagens significativas nas diferentes transições cotidianas.
Na quarta parte, discuto a pesquisa com bebês e crianças bem pequenas e os
procedimentos metodológicos e éticos que constituíram esse processo. Além disso,
nessa mesma seção, apresento o mapeamento das relações estabelecidas com o
conceito de transições cotidianas em pesquisas na última década, em uma linha
temporal de 2007 a 2017, em dois sites - o da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD) e o do Scientific Electronic Library Online (SciELO) -, com o objetivo
de conhecer como o assunto é tratado e de compor as possibilidades da pesquisa.
Na quinta seção, por sua vez, como ponto central desse estudo, apresento as
revelações e interpretações que foram possíveis realizar de todo o percurso da
32
pesquisa, as transições mapeadas e o que as crianças dizem de como precisam e
merecem viver esses momentos na jornada da creche e, principalmente, de como os
adultos podem apoiar essas aprendizagens de modo a torná-las prazerosas e
respeitosas com o menor grau de rupturas.
Em seguida, na sexta seção, exponho as considerações finais dessa pesquisa,
Princípios da Pedagogia das Transições Cotidianas e Os direitos dos bebês e das
crianças bem pequenas para viver transições cotidianas exitosas na creche.
Nos apêndices, apresento os termos de concordância da Secretaria de Educação
do município da pesquisa e da instituição de investigação. Além disso, acrescento os
termos de consentimento livre e esclarecido dos professores da turma participante da
pesquisa e dos respectivos responsáveis pelas crianças, acrescido de autorização de
uso de imagem e dados digitais das crianças, também, pelos responsáveis. Por fim,
anexo o cronograma efetivado na pesquisa.
33
34
2 COMPONDO CONCEITOS: a potência das transições cotidianas na
creche
Após a turma ter ido para quadra coberta e lá ter permanecido por um bom
tempo até que estagiária organizasse sessão 11 de jogo heurístico12, que
aconteceria em pequenos grupos, professoras perceberam o quanto as
crianças haviam saturado das propostas com giz, bolas e brincadeiras (vamos
passear na floresta enquanto seu lobo não vem, por exemplo). Sendo assim,
convidaram as crianças para irem para o solário ao lado da sala para brincar
na caixa de areia (Nota do diário de campo – 07 de maio de 2018).
Investigar as transições cotidianas no contexto da creche significa adentrar nas
aprendizagens e mudanças pelas quais as crianças são expostas nesse lugar, com a
clareza de que, pela ausência de estudos sobre o assunto, torna-se necessário compor
conceitos que contribuam nesse olhar crítico e construtivo para uma Pedagogia das
Transições. Isso significa buscar, com essa pesquisa, compreender que existem muitas
aprendizagens pelas crianças, nas tantas transições cotidianas que vivem no contexto
da creche, e que esses atos necessitam de intencionalidade pedagógica, que envolve
escolhas de percursos e práticas que expressam tal intencionalidade e seu
compromisso educacional. Isso, porém, “não significa formatar as pessoas, mas agir
com elas no mundo” (BRASIL, 2009c, p. 41 - 42).
Na sequência de imagens que abre esse capítulo, é possível perceber a relação
de Bernardo (1 ano e 6 meses) 13 com o tempo de investigar as possibilidades de uso
do pegador e conseguir se servir, tendo oportunidade de viver a experiência a seu
modo e seu ritmo. Respeitar o ritmo de desenvolvimento das crianças significa
11
O termo sessão será utilizado a partir da compreensão de que “Sessão não é sinônimo de atividade.
A ideia de sessão está voltada para um espaço de tempo em que um grupo de crianças está em
atividades. Trata-se de um conjunto aberto de possibilidades que a proposição do adulto pode
favorecer aos pequenos” (FOCHI, 2017, p. 93).
12
Trata-se de uma abordagem para a aprendizagem das crianças de 0 a 3 anos, com objetos e
receptáculos, desenvolvida e colocada em prática por Elinor Goldschmied. De maneira ordenada,
aproveita-se a atividade espontânea das crianças entre o cesto de tesouros e o jogo heurístico,
conforme a idade das crianças, tendo como denominador comum a exploração e o descobrimento
de objetos, sem intervenção do adulto. (MAJEM; ÒDENA, 2010; GOLDSCHMIED; JACKSON, 2006).
13
As crianças que participaram da pesquisa serão apresentadas com nomes fictícios, escolhidos por
mim, além disso, também serão trazidas informações sobre as suas idades.
35
transmitir a ela a mensagem de ser aceita e valorizada e mostrar que “pode viver
segundo seu próprio ritmo” (FALK, 2016c, p. 46). Ainda, isso elucida o quanto o tempo
para as crianças é vivido de forma diferente e singular, no contexto da creche, e merece
a atenção dos adultos. Dessa forma, observar as crianças nesse ambiente ecológico
(BRONFENBRENNER, 1996) e de desenvolvimento humano, como processo cultural
(ROGOFF, 2005), sem padrões definidos, teve como objetivos aprender sobre os modos
de viver esses momentos pelos bebês e crianças bem pequenas e mapear as suas ações
para construir elementos que sustentem e apoiem transições cotidianas “generativas”
(OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016).
Enquanto humanos que somos, não vivemos somente as que envolvem a
relação com o contexto escolar, mas muitas transições, mudanças, passagens na nossa
vida, como: nascer, casar, separar, mudar de cidade ou país e, a última, morrer. Muitos
autores se debruçaram ao estudo das transições, porém, como é possível perceber no
mapeamento que realizo e apresento no capítulo metodológico, as pesquisas
encontradas se detiveram a compreender as transições que poderíamos identificar
como as maiores na nossa vida escolar, de adaptação, trocas de turmas ou trocas de
níveis escolares e pouco definem o conceito de transições. Ao que compreendo, viver
transições significa mudar, enfrentar uma situação que te coloca em outro estado, que
exige viver uma descontinuidade (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO;
CAVALCANTE, 2015; MONGE; FORMOSINHO, 2016) necessária para a continuidade da
vida ou do desenvolvimento, como é possível compreender nos estudos de
Bronfenbrenner (1996).
De acordo com Oliveira-Formosinho, Passos e Machado (2016, p. 37), muitos
são os fatores que influenciam as transições – idade e maturidade, por exemplo-, mas
eles enfatizam o quanto “a experiência e as consequências da transição são complexas”
e dependem não só das crianças, mas das famílias, dos contextos educativos e das
relações estabelecidas entre eles e a casa, a sala que frequentam as crianças e a família.
Nesse ponto, destacam que “as interações, a comunicação, as relações entre contextos
de vida da criança são uma construção progressiva”. Desse modo, defendem a
36
perspectiva bioecológica de Bronfenbrenner, como muito útil para estudar
experiências das pessoas em “diferentes tempos cruciais de transição” (OLIVEIRA-
FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016, p. 37-38). Da mesma forma, Vogler, Crivello
e Woodhead (2008, p. 27, tradução nossa) citam a “teoria ecológica” de
Bronfenbrenner como um dos importantes “modelos conceituais nos quais se baseiam
numerosas investigações empíricas e práticas aplicadas às transições infantis dentro de
contexto social externo” e “servem como um complemento às abordagens
socioculturais, que estão mais interessadas no ambiente imediato das crianças”.
De modo a contextualizar a compreensão de transições e suas implicações
nessa pesquisa, acrescento a pesquisa de Bronfenbrenner (1996, p. 05) sobre o
desenvolvimento humano e a forma como ele se dá no ambiente ecológico. Mesmo
que minha pesquisa não trate desses temas nem dê maior aprofundamento nesses
pontos, eles importam para compreender minha escolha de estar na creche com as
crianças. Isso se justifica porque observar os “modos de experienciar” as transições
cotidianas pelas crianças na creche “depende de apoios e recursos disponíveis, o que
constitui um grande desafio quer para quem educa crianças muito pequenas quer para
quem investiga transições” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016, p.
36).
Desse modo, a intenção de Bronfenbrenner (1996), ao realizar sua pesquisa,
foi motivada pela “convicção de que um avanço maior no entendimento científico dos
processos intrapsíquicos e interpessoais básicos do desenvolvimento humano exige
sua investigação nos ambientes concretos” em que vivem as pessoas. Nesse sentido,
Bronfenbrenner (1996, p. 05) define o desenvolvimento como “uma mudança
duradoura na maneira pela qual uma pessoa percebe e lida com o seu ambiente” e,
desse modo, apresenta o conceito de ambiente ecológico entendido como “estruturas
encaixadas” em que, em seu nível mais interno, está o “ambiente imediato contendo a
pessoa em desenvolvimento”, podendo ser “a casa, a sala de aula”. No entanto, o autor
chama a atenção para que olhemos além: para o ambiente e para as relações entre
eles, porque compreende que essas “interconexões podem ser decisivas para o
37
desenvolvimento quanto os eventos que ocorrem num determinado ambiente”. Além
disso, para Bronfenbrenner (1996, p. 07), importa considerar “a natureza e os laços”
com os outros ambientes de vida dos seres humanos, “da participação conjunta, a
comunicação e a existência de informações em cada ambiente a respeito do outro”.
Por sua vez, o autor (1996, p. 07) apresenta a concepção de “transições ecológicas”, e
as compreende como as “mudanças de papel ou ambiente, que ocorrem durante toda
a vida”, como os exemplos que citei e que interessa para compreender essa pesquisa.
Além disso, para ele, esses papéis “tem o poder mágico de alterar a maneira pela qual
a pessoa é tratada, como ela age, o que ela faz, e inclusive o que ela pensa e sente”
(BRONFENBRENNER, 1996, p. 07), o que se aplica a todas as pessoas em
desenvolvimento e as em seu mundo.
Desse modo, ir a campo no ambiente ecológico da creche das crianças se
justifica para que, vendo suas interações com os lugares, as coisas e as pessoas e
respeitando suas histórias, seja possível traçar - mesmo que nunca se possa afirmar
que tenha sido fielmente, como bem sinaliza Bronfenbrenner (1996) -, as transições
acontecendo nos modos de vivê-las pelos bebês e crianças bem pequenas. Nesse
contexto de “transições ecológicas”, de relações e desenvolvimento em diferentes
ambientes, Bronfenbrenner (1996, p. 18) ainda destaca que o estudo do
desenvolvimento humano, que não é o objetivo desse pesquisa, “requer o exame de
sistemas de interação”. Esse envolve uma perspectiva científica evolutiva, como a
“ecologia do desenvolvimento humano”, baseada em uma concepção mais ampliada
e diferenciada, e, dentro do ambiente ecológico, propõe investigar “estruturas
concêntricas” chamadas de “micro-, meso-, exo- e macrossistema”.
Nessa perspectiva, Bronfenbrenner (1996, p. 18) compreende o
“microssistema” como “um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais
experenciados pela pessoa em desenvolvimento num dado ambiente com
características físicas e materiais específicas”, que pode ser a casa ou creche. O
“mesossistema inclui as inter-relações entre dois ou mais ambientes”, “um sistema de
microssistemas”, em que a pessoa “participa ativamente”, como: “relações em casa,
38
amigos, vizinhos”, ao exemplo de ser uma criança, e “relações na família, no trabalho e
na vida social”, no caso de ser um adulto. Por “exossistema”, o autor “se refere a um
ou mais ambientes que não envolvem a pessoa em desenvolvimento como um
participante ativo”, mas em que “eventos” afetam-na, ou “são afetados”, “por aquilo
que acontece no ambiente contendo a pessoa em desenvolvimento”. No caso de ser
uma criança, poderíamos supor esse como sendo o local do trabalho dos pais, uma
sala de aula de um irmão ou a rede de amigos da família. A última estrutura do
ambiente ecológico é o macrossistema que “se refere a consistências, na forma e
conteúdo de sistemas de ordem inferior (micro-, meso- e exo-) que existem, ou podem
existir, no nível da subcultura e da cultura como um todo”, ou seja, junto a qualquer
“sistema de crença ou ideologia subjacentes a essas consistências”. Por fim, o autor
enfatiza que “ocorre uma transição ecológica sempre que a posição da pessoa no meio
ambiente ecológico é alterada em resultado de uma mudança de papel, ambiente, ou
ambos”, dessa forma, podemos ter exemplos delas e de como ocorrem, “durante todo
o período de vida”, transições que “são uma função conjunta de mudanças biológicas
e circunstâncias no meio ambiente”, em um processo de “acomodação entre o
organismo e seus arredores” ao que chamou de “ecologia do desenvolvimento
humano” (BRONFENBRENNER, 1996, p. 21-22).
Neste contexto, olhar para as transições cotidianas, no contexto micro, carrega
o mesmo grau de complexidade que refletir sobre as transições de que conhecemos,
que são mais discutidas por pesquisadores e, que, no caso dessa pesquisa, estão
atentas aos pontos de vista das crianças. Além disso, pelo status efêmero que essas
transições ganham no ritmo da coletividade do cotidiano da creche, elas merecem
atenção, de forma que possamos sair do óbvio e do banal em que atuamos durante as
aprendizagens envolvidas nas mudanças de um espaço para outro no cotidiano da
creche e nas transições cotidianas que envolvem cuidados pessoais.
Por sua vez, importa salientar em que sentido Alvão e Cavalcante (2015)
utilizam o termo transições cotidianas, com uma pesquisa que investiga transição
família-escola e que se situa na concepção de transição vertical, que difere do que
39
investigo. As autoras (2015, p. 631) realizaram sua pesquisa com o objetivo de
“compreender as mudanças de ambiente, atividades, relações e papéis que marcam o
início da vida escolar do ponto de vista da criança”, sendo que entendem que o estudo
contribui “para ampliar o conhecimento sobre esta e outras transições ecológicas
vividas na infância, com destaque para o processo de adaptação da criança no início
da vida escolar” (ALVÃO; CAVALCANTE, 2015, p. 631). Foram realizadas entrevistas com
crianças por elas, na sua maioria com 4 anos de idade, para compreender a rotina antes
de ir para escola, o que faziam e sentiam no trajeto família-escola e o que faziam no
retorno da escola. Foi possível “verificar aspectos da vivência cotidiana dessa transição
ecológica por 46 crianças de uma instituição de educação infantil localizada em Belém”,
pública (ALVÃO; CAVALCANTE, 2015, p. 649). Dentre os resultados da pesquisa, foi
possível entender que “as relações familiares, como por exemplo, a relação com a mãe,
pode influenciar o emocional das crianças no período de inserção delas na escola”
(ALVÃO; CAVALCANTE, 2011, p. 648), mas que isso depende “da forma como tais
experiências forem vivenciadas e assimiladas pela criança como pessoa em
desenvolvimento e a forma como a família e a escola irão agir em relação às suas
demandas nesse momento” (ALVÃO; CAVALCANTE, 2011, p. 648). Dessa forma, fica
evidente a contribuição desse estudo ao ouvir as crianças, levando em conta que
existem poucos estudos que investigam essa forma particular de transição ecológica e
de adaptação das crianças na escola e que a literatura sobre o tema é restrita.
Importa salientar, também, as concepções de Vogler, Crivello e Woodhead
(2008, p. 03, tradução nossa) para transições, por as compreenderem, depois de
mudanças de concepção, “como processos que atravessam várias camadas e durar
vários anos, envolvendo várias continuidades e descontinuidades de experiências”. Em
relação ao termo transições cotidianas, o conceito se situa ao campo dessa pesquisa
pelo fato de as compreenderem como ritos de passagem que podem ser transições
“verticais ou horizontais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-
FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016). Essas últimas, para os autores, mesmo que
não as considerem apenas como as que ocorrem em um mesmo contexto, são
40
entendidas como as “que se repetem diariamente ou podem ocorrer de um momento
para o outro” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008, p. 24, tradução nossa). Ainda,
para os autores (2008, p.24), as transições “horizontais” têm relação “com os
movimentos que a criança (ou qualquer ser humano) fazem rotineiramente entre várias
esferas ou domínios da vida”, que podem ser “transferências diárias a partir de casa
para a escola ou um ambiente de cuidado para outro”, o que, também, difere da
concepção que compreendo nessa pesquisa para esse termo. No entanto, é possível
ver aproximações quando destacam que “essas transições estruturam o deslocamento
de crianças através do tempo e do espaço, dentro e fora das instituições que exercem
impacto no seu bem-estar” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008, p. 03, tradução
nossa).
Além disso, os autores enfatizam que por meio das transições “bem-
sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA;
SOUSA, 2016), pretendem “ajudar as crianças pequenas no processo de transição de
sua casa, para o centro de atendimento infantil e para a escola” e, ainda, defendem,
assim como essa pesquisa, que “as crianças desenvolvem e aprendem a negociar”
transições “bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-
FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016) “por meio de instrução dos professores, adultos e
colegas mais qualificados” ou, ainda, transições “exitosas” (VOGLER, CRIVELLO;
WOODHEAD, 2008, p. 46, tradução nossa), ao que o conceito de participação guiada
se relaciona. Por fim, e o estudo dos autores é válido e o destaco por possuir o objetivo
de realizar uma análise que “explora como as noções e pesquisas relacionadas às
transições podem inspirar o desenho de políticas e práticas para a primeira infância
baseadas em direitos” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008, p. 03, tradução nossa).
Dessa forma, mesmo que tenham realizado seus estudos com maior abrangência,
importa citar esses autores, nessa pesquisa, por acreditar que investigar as transições
cotidianas, no contexto da creche, significa contribuir para que as práticas pedagógicas
das instituições que atendem a Educação Infantil garantam direitos à infância e todos
os demais previstos na Constituição.
41
Em se tratando de contextualizar o que compreendo ao afirmar que acontecem
aprendizagens nas transições cotidianas, exemplifico que a oportunidade de manipular
um utensílio novo, adquirir a destreza de sua funcionalidade, em uma aprendizagem
que envolve tempo, para observação e imitação dos pares e escolhas de como executar
tal ação, com mãos em desenvolvimento de como controlar os movimentos, vistos na
sequência de imagens desse capítulo, envolve considerar que “o desenvolvimento
cognitivo das crianças é uma aprendizagem” (ROGOFF, 1993, p. 21, tradução nossa).
Essa aprendizagem ocorre pela “participação guiada na atividade social com pares que
apoiam e estimulam sua compreensão e sua capacidade de usar os instrumentos da
cultura” (ROGOFF, 1993, p. 21, tradução nossa). Todavia, mesmo tão pequenas, as
crianças foram desafiadas a resolver um problema, o de se servir com um utensílio
específico, em um momento de prática social da cultura em que vivem, em um coletivo
individual ao mesmo tempo, e a aprender com os outros. Muitas vezes, observei que
o desejo de comer o alimento ficava menor comparado ao desafio de servir-se, porque
existia um desafio de aprendizagem.
Com isso, corroboro que, segundo Barbosa e Horn (2019, p.20) “a
aprendizagem é construída a partir da vida cotidiana”, por isso precisa ser “pensada
para o bem-estar das crianças”, levando muito em conta que o “ambiente educa, faz
propostas, estabelece limites e abre novas possibilidades”. Nesse sentido, mesmo que
Rogoff (1993; 1998) delineie suas pesquisas sob o aspecto das crianças em diferentes
comunidades, entendo que a vida cotidiana no contexto da creche é uma comunidade
de aprendizagem de adultos e crianças com culturas e práticas sociais diversas. Desse
modo, importa compreender que o aprendizado “enfoca um sistema de envolvimento
pessoais e combinações” em que as pessoas se “engajam na atividade culturalmente
organizada na qual aprendizes se tornam participantes mais responsáveis” (ROGOFF,
2005, p. 66). Ou seja, a criança aprende mesmo antes de nascer com a comunidade
cultural a que pertence, desde o feto. Ainda, “aprendem as habilidades no contexto de
seu uso e com ajuda daqueles que o cercam” e ajustam “sua participação segundo sua
competência” (ROGOFF, 2005, p. 66).
42
Por sua vez, para compreender as aprendizagens envolvidas nas transições
cotidianas na creche, importa o conceito de participação guiada, pois acontece junto
com a aprendizagem, por ser “um processo interpessoal no qual as pessoas regulam
seus próprios papéis e os dos outros, e as situações de estrutura” em que “observam
ou participam de atividades culturais” (ROGOFF, 1993, p. 180). Desta forma, é
necessário reconhecer o papel da participação guiada na aprendizagem e no
desenvolvimento das crianças, porque boa parte do que elas se tornam capazes de
fazer exige que estejam imersas na sua cultura e implicadas tanto como observadoras
como quanto como participantes no grau de participação e de “envolvimento prático
em uma atividade” (ROGOFF, 1998, p. 126). Mesmo que esse conceito não defina
exatamente quando uma situação é ou não é participação guiada, “fornece uma
perspectiva sobre como olhar compromissos e combinações interpessoais à medida
que se ajustam nos processos socioculturais, entender o aprendizado e o
desenvolvimento” (ROGOFF, 1998, p. 129, grifo do autor). Finalidade que essa pesquisa
se destina.
Nesse sentido, os conceitos de aprendizagem, participação guiada e
apropriação participatória, corroboram a compreensão das aprendizagens nos
processos das transições cotidianas de modo a possibilitar que as crianças cresçam, se
desenvolvam e aprendam de forma significativa. Pelo fato de os conceitos de Rogoff
(1993; 1998, 2005) serem associados, contribuem na compreensão das transições
cotidianas, pois, para a autora, apropriação participatória ou apropriação se refere ao
“como os indivíduos mudam através de seu envolvimento em uma ou outra atividade”
(ROGGOF, 1998, p. 126). Ou seja, são aprendizagens que foram possíveis de
acompanhar na pesquisa durante as dezoito observações, tanto em ações das crianças
quanto no avanço da linguagem como na segurança e “autonomia”14 (FALK, 2016b) em
que foram “habitando os espaços” (GARIBOLDI, 2011, p.116) e se sentindo
14
Conceito de autonomia compreendido por Falk (2016b, p. 23, grifo do autor) como não sendo “um
fim em si mesma”, mas que só “adquire valor autêntico” se “implica a alegria do “eu faço sozinho”, só
se essa independência da criança constituir um privilégio para o qual a criança dá grande importância”.
43
competentes em mostrar seus desejos e realizar ações no cotidiano com continuidade.
Importa, para isso, compreender que “um contexto escolar pode ser considerado
‘vivido’ e ‘habitado’ por crianças apenas quando se espera que elas contribuam
diretamente para a organização de espaços e materiais” (GARIBOLDI, 2011, p. 116,
tradução nossa), ao que tratarei no decorrer dessa pesquisa através das análises dos
registros empíricos, gerados em campo.
Ou seja, a apropriação participatória também envolve aprendizagens ligadas
aos conceitos da organização dos espaços e materiais da creche, que delineio no
terceiro capítulo, como contributos para que os bebês e crianças bem pequenas vivam
transições cotidianas positivas dentro do contexto da instituição. A “participação é por
si só o processo de apropriação” (ROGOFF, 1998, p. 132), por isso a apropriação é um
processo de transformação, porque resulta da participação da pessoa na atividade,
porque é parte dela, ainda, porque ocorre no processo em que participa e se modifica
pelo seu envolvimento na situação, contribuindo para a “direção do acontecimento em
evolução e para a preparação do indivíduo para envolver-se em outros acontecimentos
similares” (ROGOFF, 1998, p. 134). Por sua vez, esse conceito se aproxima das
aprendizagens observadas pelas crianças da pesquisa quando, durante as diferentes
transições cotidianas vividas no contexto da creche, foi lhes possibilitado participar de
forma ativa nas práticas sociais de cuidado pessoal, por exemplo.
Desse modo, os conceitos de aprendizagem, participação guiada e de
apropriação participatória são extremamente importantes para as análises nessa
pesquisa. A partir disso, fica evidente o quanto esses conceitos são inseparáveis para
Rogoff (1998, p. 137), porque refletem planos diferentes na atividade sociocultural na
comunidade, no interpessoal e no pessoal, e exigem entender que cada um e o
envolvimento de outros não são hierárquicos, mas envolvem abordagens distintas. Da
mesma maneira, são importantes por compreender que as crianças se desenvolvem
cognitivamente “pela apropriação participatória através da participação guiada em um
sistema de aprendizado” e, nas transições muito específicas dentro do espaço da
creche, em um contexto cultural específico. Por isso, importa entender que tanto a
44
estrutura do espaço como os materiais disponibilizados na creche “podem influenciar
diferentemente crianças que vêm de diferentes contextos sociais e culturais, e seu
respectivo ambiente psicológico pode ter repercussões profundamente diferentes em
um mesmo ambiente físico” (GARIBOLDI, 2011, p. 100, tradução nossa).
Por essa razão e por compreender como outros conceitos estão interligados
para elaborar quais e como acontecem as aprendizagens nas transições cotidianas no
contexto da creche, pelas crianças, nesse capítulo, trago, ainda, como forma de
contribuir para o objeto de pesquisa, a conexão da concepção do tempo (MARQUES;
MONTEIRO; OLIVEIRA; 2012a; HOYUELOS, 2004; 2015; SACRISTÁN, 2008; BONDIOLI,
2004; BARBOSA, 2013; ELIAS, 1998) e temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011;
OLIVEIRA, 2012b).
Por conseguinte, defendo que a organização dos tempos não pode acabar por
ser vista como rotina que, a partir dessa concepção, organiza a vida e as relações na
escola como um “tempo do capital” (GUATARRI, 1977), da produção em série, de
horários tidos como herança da fábrica, que transforma as ações dos adultos em
mecanizadas e não leva “em consideração todas as reflexões para tratar de não
simplificar uma questão tão complexa” (HOYUELOS, 2015, p. 40) para as crianças, que
estão “construindo seu conhecimento sobre o tempo” (CARVALHO, 2015, p.135).
Durante as dezoito observações em campo, com as 10 crianças da pesquisa,
sendo 6 (seis) bebês e 4 (quatro) crianças bem pequenas15, pude perceber seus
processos de conhecer os tempos da creche e de manifestar suas temporalidades
(ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) na jornada. Percebi que existia, pelos
adultos, planejamento dos tempos dentro de uma rotina prévia sobre quais propostas
e deslocamentos as crianças viveriam em cada dia, mas como cotidiano vivido não
apenas pelo tempo do relógio dos adultos, que não prevaleciam sobre os tempos das
crianças, como delineio durante esse texto, de modo que fosse possível criar condições
para estruturar na mente das crianças uma “arquitetura temporal” que levasse em
15
Considerei as crianças que, em fevereiro, início da pesquisa, tinham 1 ano e 6 meses, data limite, como
crianças bem pequenas.
45
conta a “experiência ligada ao tempo psicológico das crianças” (NIGITO, 2011, p. 92,
tradução nossa). As crianças manifestavam reações de saturação de estar em alguns
espaços sendo atendidas pelos adultos. Mesmo quando a decisão de mudança ou
término das propostas não eram determinadas pelas ações das crianças, eram avisadas,
como narrativas do tempo, do que viria a seguir. Desse modo, as crianças viviam o
momento de mudança em seus tempos e ritmos de deslocamento ou de compreensão
de que viveriam outra proposta com maior bem-estar.
Nessa perspectiva, apresento notas sobre o tempo, tempo do capital e sobre
sua influência na prática da Educação Infantil, pois relacionar as concepções desse
conceito, que muitas vezes se sobrepõe ao tempo das crianças, significa pensar em
como compreendê-lo a fim de organizar os tempos da instituição de modo que
potencialize transições “bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016). Em razão disso, discuto essa ideia de
tempo como forma de contribuir para que as ações dos bebês e das crianças bem
pequenas sejam respeitadas. Além disso, procuro debater essa noção de forma que,
ao invés de a organização ser vista como rotina, ou mera repetição sem significado,
seja tida como cotidiano e considere muito as temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO,
2011; OLIVEIRA, 2012b) e os processos que a envolvem. Nesse sentido, defendo que
reverberem aprendizagens e experiências sustentadas por um adulto, atento e
interessado pelas ações das crianças, pelas relações e pela comunicação que se
estabelece no contexto de vida coletiva, que é a creche.
A partir do exposto, esse capítulo apresenta considerações sobre o tempo, o
cotidiano, as temporalidades, as transições e as transições cotidianas e discute
conceitos para potencializar o tema dessa pesquisa. Dessa forma, são conceitos que
manifestam a ideia de que as crianças e os adultos, mesmo vivendo no mesmo
contexto, possuem suas peculiaridades. No entanto, na maioria das vezes, é pelo
tempo do adulto que se organiza os horários, sem flexibilizar os tempos de cada
atividade a partir das temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b)
das crianças, de modo que, na creche, elas possam viver rituais e experiências com
46
respeito mútuo e aprendizagens significadas, pois, por esse olhar, o adulto percebe a
complexidade que novas situações exigem para os bebês e as crianças bem pequenas.
Esses conceitos são apresentados na imagem que segue, em forma de espiral,
como metáfora que considera que os detalhes do cotidiano estão sempre em
continuidade, como o tempo que não para e que, ao mesmo tempo, exige que demos
o tempo de espera de que as crianças necessitam para viver modos de transições
cotidianas em relação com a vida e com as aprendizagens que dela decorrem, com
abertura aos imprevistos e sem linearidades, automatismo ou antecipações.
Figura 1 - Espiral de mosaico dos conceitos da pesquisa
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Ainda, acrescenta-se a esses conceitos a conexão dos espaços e materiais nas
aprendizagens das transições cotidianas, que serão tratados no próximo capítulo. Nesse
sentido, as concepções de espaço e materiais são potentes para compreender as
aprendizagens envolvidas nas transições cotidianas pois, em se tratando de planejar e
organizar o espaço e escolher materiais, importa o refletir do professor a partir de
47
princípios básicos que contribuirão na transformação do ambiente de aprendizagem,
como os de que: “a construção do conhecimento é um processo ativo que a criança
realiza e que envolve a sua atuação direta sobre a realidade e a elaboração de
interpretações sobre os aspectos que deseja conhecer”, para que, dessa forma, possa
descobrir as “propriedades dos objetos” que lhe traga “autênticas situações de
aprendizagem construtiva” (FORNEIRO, 1998, p. 262).
Por sua vez, metaforicamente, a imagem também denota a ideia do mosaico,
que significa pensar que o dia a dia do ambiente educativo, assim como utilizar essa
técnica, está ligado a ações sem pressa, com ajustes de cada peça/concepção
necessária para que esse processo seja sentido com a intensidade e interesse que
merece.
2.1 NOTAS SOBRE O TEMPO DO CAPITAL: reverberações na educação infantil
Administrar o tempo: quantas vezes ouvimos essa frase, seja no campo pessoal
ou no profissional? Esse tempo nos oportuniza, diariamente e democraticamente, 24
horas de relógio; esse tempo que é presente, que logo se torna passado e que nos
coloca em um enigma em relação ao futuro; esse tempo que, como certeza, nos
apresenta apenas o presente e o passado, que constitui nossas memórias e histórias.
Na história da humanidade, o enigma do tempo, de como medi-lo e de como
compreendê-lo, tornou-se objetivo de estudo de grandes homens, como Galileu,
Newton e Einstein. Nesse sentido, Pohlmann (2012, p. 53) acrescenta que “funcionando
como um símbolo social, o tempo é resultado de um longo processo de
aprendizagem”. Nesse processo, Elias (1998, p. 10) ressalta que, enquanto sujeitos,
criamos “a partir de um patrimônio de saber já adquirido” e contribuímos para
aumentá-lo, fato que não foi diferente em relação ao “conhecimento do tempo”. Em
seus estudos sobre o tempo, o autor buscou “saber com que objetivos os homens
necessitam determinar o tempo” (ELIAS, 1998, p. 13). Para o autor, “assim como os
relógios e os barcos, o ‘tempo’ é algo que se desenvolveu em relação a determinadas
48
intenções e a tarefas específicas dos homens. Nos dias atuais, o ‘tempo’ é um
instrumento de orientação indispensável para realizarmos uma multiplicidade de
tarefas variadas” (ELIAS, 1998, p. 15, grifo do autor).
Nesse sentido, observei, em dois momentos na pesquisa em campo, como o
tempo relógio precisou ser ajustado ao tempo das crianças, dia em que, após
chegarem no refeitório com as crianças, pelo processo das propostas do cotidiano,
percebeu-se que haviam chego 10 minutos mais cedo. A outra situação foi, na primeira
experiência do ano do projeto da creche das Portas Abertas, quando cada sala
organizava proposta para que todas as crianças pudessem circular pelos espaços e
pudessem escolher explorá-los conforme interesse. Na ocasião, professoras
perceberam que tinham apenas 15 minutos para o início da atividade, estavam no
solário, precisavam organizar a proposta planejada na sala e trocar algumas crianças.
Relato essas duas situações para indicar o quanto o tempo do relógio e a pressa para
cumprir uma rotina institucional pode influenciar no conforto e bem-estar das crianças.
As duas situações, mesmo que tenham gerado certa inquietação nas ações dos adultos,
foram sendo contornadas, porque logo organizaram-se estratégias para que o tempo
relógio se transformasse no tempo de olhar para as crianças e para as suas
necessidades.
No primeiro episódio, a funcionária, percebendo que a turma havia chego
antes ao refeitório, alcançou as maçãs para a professora, que foi descascando-as em
pedaços pequenos e distribuindo-as para as crianças, ajustando o tempo relógio aos
tempos das crianças. No segundo caso, a professora Solange16 entrou para organizar
os materiais e a sala, a professora Rosa entrava e saia para trocar algumas crianças, a
estagiária Ana começou a oferecer água para as crianças e guardar os brinquedos
espalhados pelo solário. Ou seja, quando o cotidiano sofreu influências, a flexibilidade
no planejamento foi necessária, de modo a continuar atendendo as necessidades das
crianças e evitar a instauração do caos, ao não marcar o tempo da vida.
16
As professoras e estagiária que participaram da pesquisa serão apresentadas por nomes fictícios,
escolhidos por mim.
49
Neste contexto, importa marcar a ideia do “tempo do capital” (GUATARRI,
1977) a que fomos submetidos pela história e que, no decorrer das gerações, nos
transmitiu uma mensagem de que não podemos perder tempo. Nele, mesmo tendo
nosso ritmo, “tentamos acompanhar o ritmo que a sociedade coloca em nossa vida
cotidiana”. Ou seja, nesse ritmo de fábrica, de horários a cumprir, de produtividade, de
tecnologia e da informação sem conhecimento coconstruído, fomos nos deixando
engolir pelo tempo do relógio. Dessa forma, administrá-lo tornou-se tarefa difícil.
Ainda, “isso faz que vivamos intensamente cada dia”, no entanto, “podemos correr o
risco de não marcarmos nossa vida no tempo e de não experienciarmos as situações
que temos a cada dia” (OLIVEIRA, 2012a, p. 39). Por sua vez, se, no cotidiano da creche,
contexto dessa pesquisa, utilizamos como premissa a pressa e o automatismo, também
transmitimos esta mensagem para as crianças: de que não podemos parar para olhar,
para sentir, para conversar ou para expressar os sentimentos. Em razão disso, a vida
apenas passa: passamos pelo café da manhã com as crianças, pelo lanche e pelo
almoço apenas como uma obrigação de um corpo que precisa ser alimentado, que não
tem tempo para se relacionar, para saborear, para expressar vontades, para construir
uma experiência relacional com a vida, com as pessoas e com o prazer de estar junto
para compartilhar os alimentos ou as histórias.
Dando sequência, podemos dizer que essa complexidade que é viver na
contemporaneidade, nesse “tempo do capital” (GUATARRI, 1977), foi nos distanciando
da tranquilidade, das relações, das amizades e, inclusive, da natureza e nos levando
para a pressa, ansiedade e produtividade. Utilizamos como referência para mensurar o
tempo um acontecimento histórico ou uma memória. Nesse sentido, lembro, assim
como Elias (1998) descreve quanto à relação natureza e sociedade, das histórias que
minha mãe contava sobre como se observa os fenômenos da natureza para organizar
a vida na roça: olhar para o céu, onde o sol estava, para ir ou voltar das plantações, ou
observar os primeiros doze dias do ano, coisa que meu bisavô, vindo da Itália, fazia, ao
acordar de madrugada (olhar para o céu e marcar como estava o clima, para ele, era
ponto importante para saber como seria a meteorologia de cada mês do ano). Tais
50
informações eram importantes para quem não tinha televisão e precisava organizar a
vida e as plantações.
Esse tempo, construído socialmente, na história dos grupos na humanidade,
foi medido pela ampulheta, pelo relógio ou pela rotação da terra, do sol e da lua, todos
instrumentos importantes que constituíram, também, nosso calendário. Nessa
perspectiva, consta que os Sacerdotes eram considerados especialistas na
determinação do tempo, mesmo depois do calendário passar a ter cunho de moeda
nas mãos dos Reis, ou seja, do Estado. No entanto, esses instrumentos nos deram a
consciência do tempo, na sua “uniformidade e onipresença”, de forma que, nesse
caminho, ainda nos causa estranheza “imaginar que existam outros seres humanos
desprovidos dessa necessidade constante de se situarem no tempo” (ELIAS, 1998, p.
22).
Esse percurso de compreender nossa relação com o tempo, que só existe
porque existe o homem, ainda tem sido um enigma. Apesar disso, dentre algumas
certezas de que dispomos em relação ao tempo, uma delas é que “a vida sempre
seguiu o mesmo curso, do nascimento até a morte, independentemente da vontade
ou da consciência dos homens” (ELIAS, 1998, p.21). No entanto, esse processo, no
decorrer dos anos, “só se tornou possível a partir do momento em que os homens
desenvolveram, para suas próprias necessidades, o símbolo regulador do ano” (ELIAS,
1998, p.21). Ou seja, “o tempo faz parte de símbolos que os homens são capazes de
aprender e com os quais, em certa etapa da evolução da sociedade, são obrigados a
se familiarizar, como meios de orientação” (ELIAS, 1998, p. 20 - 21).
No que diz respeito ao tempo com as crianças, torna-se contraditório
estabelecermos horários fechados e rígidos para cada momento, como hora para
alimentação, hora para trocas de fraldas, hora para brincar com interrupções bruscas,
pois, quando se gerencia o tempo dessa forma, parte-se do princípio de que todas as
crianças possuem o mesmo tempo biológico e do conceito de tempo construídos em
um ritmo de fábrica, hostil e mecânico.
51
Esse tempo de relações com as necessidades das crianças era vivido na creche
da pesquisa pelas temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) das
crianças - o que esmiuçarei nas análises com detalhes-, que denotaram crianças sendo
respeitadas em seus tempos. A partir do exposto, chegamos ao contexto da creche e
a algumas questões: como a história do tempo se relaciona aos modos como a vida
coletiva é organizada nesse espaço? Como essas concepções de tempo chegam no
cotidiano escolar e que relações isso reverbera nas ações e aprendizagens das crianças?
Como administramos e gerenciamos o tempo na creche? Como o olhamos, enquanto
profissionais da educação, responsáveis por grande parte das primeiras experiências
das crianças com o tempo? Em função do que ou de quem ele é vivido? Qual sentido
existe do tempo relógio se sobrepor ao tempo de desenvolvimento e das
temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) de cada criança? Todas
essas questões estão inteiramente ligadas ao assunto dessa pesquisa.
Na jornada com as crianças da pesquisa, pude viver esse desprendimento do
relógio, pelos adultos, no cotidiano com as crianças. Percebi um esforço dos adultos
para ler as crianças em suas reações de que o tempo havia se esgotado, como aponto
mais adiante em relação ao querer das crianças em voltar para a sala referência como
porto seguro e à minha percepção das razões dessa vontade. As crianças viviam o aqui
e o agora. Isso acontecia na sala: quando um ônibus que passava na rua acima da
quadra coberta e era enxergado pela janela baixa da sala, chamavam a sua atenção,
apontavam e corriam para vê-lo. Isso também acontecia com fenômenos da natureza,
principalmente com Mateus (11 meses), um apaixonado pelos passarinhos: ele se
alegrava e balbuciava que os estava vendo, grudado na grade da janela da sala, nos
portões dos solários ou na grade da área coberta quando via o passarinho pousado
em cima do muro, em cantoria. Ainda, percebi esse processo quando sentiram o vento
soprar e levar seus cabelos, durante um momento de brincadeira na quadra coberta
instigados pelas professoras.
Nesse sentido, Carvalho (2015, p.128) ressalta que “o desafio está na
necessidade de serem provocadas rupturas na lógica linear de organização do tempo
52
na Educação Infantil, como forma de proporcionar às crianças outras possibilidades de
viverem suas infâncias no cotidiano institucional”. Seguindo essa visão, Barbosa (2013,
p. 217) salienta que, ao olhar para esse tempo cotidiano, vincula-se o fato “de romper
com a compreensão do tempo linear”, da ideia de rotina, e de criar ruptura com a
“dinâmica de aceleração imposta pelo sistema capitalista”. No que diz respeito ao
cotidiano na creche, esse precisa estar envolto por uma organização que rompa com
o “tempo do capital” (GUATARRI, 1977; BARBOSA, 2013; CARVALHO, 2015), da fábrica
e com a “regulação temporal que caracteriza a vida contemporânea com a tríade
produção-acumulação-consumo”. Dessa forma, não “atropela e desapropria o tempo
da vida”, ao contrário, valoriza o cotidiano como fator “fundamental de uma
pedagogia” por não “se enraizar em concepções de educação que estão atentas
apenas às normas, às transmissões de conteúdos e às avaliações” (BARBOSA, 2013, p.
214 - 216). Além disso, tal perspectiva toma como fator importante o olhar para o
tempo educativo como uma organização a partir da “necessidade de pensar e respeitar
o tempo da criança, observando-se seu ritmo e refletindo-se sobre a forma como se
organiza o dia” na instituição (BARBOSA; FOCHI, 2015, p. 64).
Desde as primeiras observações com as crianças da pesquisa, foi possível
identificar que, enquanto instituição e funcionamento da rotina da turma, existia uma
reflexão dessa gestão. Por sua vez, existia uma organização da jornada em tempos e
espaços daquele grupo de crianças, mesmo que, durante as dezoito observações da
pesquisa, tenha constatado que estratégias de deslocamentos com os menores graus
de desconforto e tempo de espera pelas crianças tenham sido realizados. Como
exemplo, a estratégia de divisão das crianças em pequenos grupos para os
deslocamentos, assunto que detalharei no capítulo das análises. No entanto, entendo
que isso ocorreu pelo fato de as crianças estarem em uma creche que entende que
elas possuem suas temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) e
que precisam ser olhadas e atendidas em suas especificidades.
Mesmo que existisse uma rotina estabelecida, necessária para o atendimento
da instituição, a relação adultos e crianças acontecia de forma a sustentar suas
53
necessidades próprias e biológicas, no revezamento da exploração nos espaços, bem
como a ter o cuidado para que, após atividades em que as crianças necessitassem
seguir a mesma proposta, existissem, na jornada, atividades em que as crianças
poderiam gerenciar seus modos de exploração no seu tempo e os materiais de escolha
e por sua iniciativa. Como exemplo disso, após almoço e descanso, existiam atividades
coletivas vividas por todos juntos; as crianças tinham, na sequência da rotina, a
possibilidade de explorar os brinquedos da sala ou do solário. Ou seja, existia uma
preocupação necessária para se viver um dia inteiro na creche, “um ambiente de vida,
não anônimo”, de que as crianças precisam de propostas abertas aos seus modos de
descobrir e interagir, “um espaço amigável” em que possam “encontrar sinais” de si
mesmos e “do seu próprio passo” e “encontrar respostas para suas próprias
necessidades e preferências” (GARIBOLDI, 2011, p. 116, tradução nossa). Por sua vez,
por espaços abertos, entende-se como aqueles que “valorizam as atividades informais
e a eleição autônoma das atividades” pelas crianças, bem como que oferecem os
materiais expostos em estantes abertas para que as crianças possam acessar facilmente
(GARIBOLDI, 2011, p. 112, tradução nossa).
Obviamente, quando as crianças chegam ao ambiente da creche, a gestão do
tempo precisa considerar o como apoiar as crianças nesse tempo/lugar de estar com
os outros. Através desse olhar apurado do professor ao como as crianças exprimem
seus pontos de vista e perspectivas, torna-se mais qualitativo a forma como gerenciar
seus tempos e o tempo da jornada, em um contexto que a homogeneização e a
generalização de que existe uma única concepção de criança ou padrão de
desenvolvimento não cabe.
Em dado momento observei, pelo maior vínculo que Bruno (1 ano e 6 meses)
havia constituído com a professora Rosa, que preferia ficar acompanhando o que ela
fazia, como ajudar a guardar as motocas usadas no solário para a área coberta ou
ajudar a terminar de recolher os utensílios do café da manhã. Ou seja, Bruno estava
vivendo um tempo próprio dentro do lugar creche e era respeitado em suas vontades.
Relacionando essa cena a concepção de Rogoff (1993, p. 40), de que “as crianças
54
buscam, estruturam e até pedem a ajuda daqueles que as rodeiam, para aprender a
resolver problemas de todos os tipos”, destaco que, em muitos momentos, as crianças
da pesquisa procuravam os adultos tanto para resolver conflitos como para resolver
suas necessidades. Nesse caso, o vínculo de Bruno com a professora era maior que
seus interesse em estar com colegas em outro espaço, e ficar com a professora, a
auxiliando nas tarefas adultas foi o modo que ele encontrou para estruturar o que
sentia naquele momento. Nesse sentido, a autora contribui ao enfatizar o quanto, em
algumas comunidades, esse acompanhar a tarefa dos adultos são as formas das
aprendizagens das crianças, porque demonstram essa necessidade de estar ao lado do
adulto que lhe transmite maior segurança naquele momento. Entende-se que as
crianças “observam ativamente as atividades sociais, participando delas quando
podem” (ROGOFF, 1993, p. 40, tradução nossa) e que esses papéis que as crianças e
seus cuidadores desempenham favorecem o seu desenvolvimento e são
complementares. Da mesma forma, observei que as crianças da pesquisa, muito mais
nas primeiras vezes em que viveram transições cotidianas, no período de adaptação da
escola, o quanto lhes interessava acompanhar o que professoras estavam a fazer, como
buscar algo ou arrumar sala, distribuir garrafas de água, dentre outras ações, que aos
poucos foram aprendendo a fazer por si, em outras situações, dependendo da ação,
realizavam outras coisas, de maior interesse, porque também estavam habituadas com
o espaço, materiais e se sentiam competentes em realizar sem o adulto.
Dessa forma, o grande desafio, quando existe um grupo de pessoas distintas,
em diferentes concepções e experiências, é exigir um período para transformar o
espaço em ambiente de encontros e de convívio, pois todos chegam com crenças e
relações diferentes com o tempo. O que faz essa transformação ser possível são as
relações que ali são suscitadas, não apenas os móveis ou brinquedos existentes. Além
disso, o tempo “imprime movimento, energia, ritmo para que as crianças e os
professores possam viver, com intensidade, a experiência da vida coletiva no cotidiano”
(BARBOSA; FOCHI, 2015, p. 64) e traz a “dimensão de continuidade, de durabilidade,
de construção de sentidos para a vida, seja ela pessoal ou coletiva”, assim “é também
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o tempo que irrompe e, em um instante, desvenda outros caminhos, desloca, desvia,
flexiona outros modos de ser, ver e fazer” (BARBOSA, 2013, p. 215). Ou seja, como “o
tempo é um articulador da vida”, precisa ser tema de reflexão quando se organiza os
tempos na instituição infantil, pois pode ser considerado “categoria política que diz
respeito não somente à vida das crianças”, mas a quem se relaciona com ela (BARBOSA,
2013, p. 215). Dessa forma, trata-se de tomar como responsabilidade política - como
profissional de educação – o ato de defender uma organização da vida cotidiana na
creche que não gere práticas incoerentes. Essa responsabilidade senti existir na escola
da pesquisa e entre os profissionais, isso porque, se o objetivo é que as crianças se
desenvolvam, torna-se contraditório elas serem cuidadas e orientadas por adultos que
agem como se as crianças fossem robôs e que nada justifique as suas reações de choro,
angústia, insegurança frente à hora para tudo.
Como já mencionei, a esse aspecto reforço o quanto foi possível perceber o
respeito dos adultos da instituição da pesquisa aos tempos das crianças. Percebi os
adultos atentos às manifestações das crianças de saturação das propostas ou de
interação nos espaços e a preocupação breve em atendê-los da melhor forma, porque
suas necessidades eram imediatas. Por esse motivo, precisa existir espaço, na creche,
que coloque em diálogo como isso acontece no cotidiano, pois tal organização possui
influência nas práticas e nas aprendizagens das crianças. Parece essencial que, assim
como essa pesquisa, possamos parar nesse tempo tão acelerado e conseguirmos
refletir como está nossa relação com bebês e crianças bem pequenas que dependem
muito da nossa atuação mais experiente para compreender o mundo, confrontando
ideias com os demais profissionais da instituição, com as universidades e pesquisas, no
sentido de questionarmos seus objetivos, sua finalidade e a partir de que concepções
foi criada.
Nesse contexto, Carvalho (2015, p.135) afirma que a creche precisa ser o lugar
onde se perceba que a “experiência de vivência temporal infantil é sempre mediada
por um processo de humanização” e que “as crianças estão construindo sua
compreensão sobre o que é o tempo”. Em face dessa perspectiva, a discussão se
56
estende na próxima seção, focalizando a relação da Educação Infantil e do tempo do
capital com o cotidiano da creche e com as temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO,
2011; OLIVEIRA, 2012b) das crianças nesse contexto.
2.2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E O TEMPO DO CAPITAL: cotidiano e temporalidades
em discussão
Se, para cada um de nós, o significado do tempo é particular, como é particular
cada processo, que, em cada pessoa, se desenvolve singularmente, torna-se
importante descobrir como cada um vive seu tempo e os indícios de como podemos
vive-lo melhor, ou seja, como viver o tempo da vida (SACRISTÁN, 2008). Dessa forma,
se relacionar com o tempo é uma capacidade do adulto, em toda sua complexidade.
Pensando nisso, surge o questionamento: como esse tempo de um processo de
humanização é vivido no tempo e no cotidiano da creche, pelas crianças? O tema dessa
pesquisa – que investiga as transições e como elas se dão no espaço de vida coletiva,
do dia a dia da creche – busca contribuir para que essas essências da relação com o
tempo, dos adultos com as crianças e com suas temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO,
2011; OLIVEIRA, 2012b), aconteçam e possam ser qualificadas, pois “penetrar na
temporalidade que é múltipla não é fácil, é um desafio, assim como é também um
desafio mergulhar no tempo na/da/com a escola” (OLIVEIRA, 2012a, p. 22). Em face
disso, cabe aos professores e adultos que exercem suas funções no espaço da creche
encontrar formas de respeitar os tempos, ritmos e singularidades de cada criança, no
coletivo.
Nesse sentido, Oliveira (2012a, p. 34) afirma que “cada um de nós organiza o
tempo de acordo com nossos interesses e atribui a ele significados, experienciando
temporalidades”. Dando sequência ao assunto, a autora apresenta a identificação de
diferentes temporalidades imersas no espaço escolar: temporalidades na/da escola de
educação em tempo integral, temporalidades tecidas no currículo e temporalidades de
crianças da Educação Infantil. Além disso, ela conceitua temporalidades como as
57
múltiplas formas de lidar, de relacionar, de organizar o tempo, ou seja, a experiência
no e com o tempo. Por fim, a autora (2012b, p.107) mostra que, ao “considerar as
múltiplas formas de se relacionar com o tempo” na organização da rotina, a instituição
mostra “perceber que cada ser humano tem seu ritmo próprio e, consequentemente,
seu tempo”. No que diz respeito aos objetivos dessa pesquisa, estar com os bebês e
crianças bem pequenas, no dia a dia da creche, por muitas horas, foi importante para
observar as regularidades e disparidades das formas de lidar com o tempo das crianças
nas situações de transições, como demonstram suas temporalidades e como os adultos
as percebem ou não.
Dito isso, importa destacar que, em todos os momentos de refeição que
acompanhei, pela turma da pesquisa, tanto para o café da manhã como para o almoço,
realizados no refeitório, e o momento da fruta na sala referência, ao final da tarde,
existia um ritual. Um ritual de uma transição cotidiana da alimentação, envolvida pela
aprendizagem de cuidado pessoal e de mudança de um espaço para outro. Por sua
vez, esse ritual iniciava pelo anúncio do que iria acontecer, o parar de brincar para
guardar brinquedos e organizar a sala (sendo que as crianças eram incentivadas a
participar desse processo), o pedir bicos, o lavar as mãos, o escolher, na porta, qual
grupo iria, se iriam todos juntos ou se se deslocariam de mão dada com a professora,
de um colega ou de mão de vários colegas.
No deslocamento, quando a porta se abria pelo adulto, as crianças
caminhavam em seus ritmos, observando quem encontravam no caminho, demais
colegas que já estavam em alguma mesa para a refeição, explorando a casinha de
madeira entrando e saindo dela. Ao chegar na mesa, subiam no banco que era baixo
e possibilitava que subissem nele com “autonomia” (FALK, 2016b), e Mateus (11 meses)
era colocado no cadeirão, conversavam, observavam tudo com atenção,
demonstravam sono, algumas vezes, ou resistiam a se alimentar e recebiam a atenção
devida. A depender do que iriam comer, principalmente no almoço, recebiam babeiros
e o prato vinha servido. As crianças recebiam avisos caso a comida estivesse quente,
tinham tempo para degustar, ingerir e cheirar a comida e o faziam com muito prazer.
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Alguns repetiam as refeições. Nos momentos de lanche, serviam-se de frutas, pão ou
bolos e recebiam leite ou suco nos copos com tampa, o que facilitava o manuseio. Nos
lanches, ainda, serviam-se com tempo para aprender a usar utensílios que exigiam
maior destreza, como pegador e espátula para passar geleias ou patês. Ao término das
refeições, as crianças que necessitavam de maior tempo para ingerir os alimentos
ficavam com uma das professoras na mesa do refeitório sem a pressão de terem que
encerrar logo para viver outra atividade. Com isso, foi possível perceber o quanto o
respeito aos tempos e temporalidades das crianças era fator relacional entre adultos e
crianças na creche.
A partir dessa premissa, o tempo no cotidiano desse lugar se vale da gestão
da educação. Desse modo, “o tempo físico e absoluto, o que o relógio indica, não
podemos muda-lo” (SACRISTÁN, 2008, p. 19, tradução nossa), mas “a forma como o
preenchemos sim, e esse tempo é o que importa para nós” (SACRISTÁN, 2008, p. 19,
tradução nossa). No contexto da pesquisa, refletir sobre essa gestão dos tempos
significa identificar e problematizar como o tempo no cotidiano da creche se estrutura
e é vivido. Por sua vez, as crianças chegam ao ambiente educativo com bagagens e
vivências sobre o tempo, e, nesse espaço, será dado a continuidade de algo que se
vive, se sente, se experimenta, que é o tempo de cada um.
Corroborando o argumento, Oliveira (2012b, p.19) acrescenta que essa
continuidade se dá no “movimento na vida cotidiana, o que implica maneiras
diferenciadas de organização no/com o seu fluxo”. Desse modo, será importante, como
dado de análise dessa pesquisa, observar como as histórias de cada criança são
respeitadas ou consideradas nas transições cotidianas da creche. Nesse sentido,
importa destacar que a “personalização do espaço constitui um elemento que
caracteriza o contexto como um lugar familiar e vital, onde as crianças podem
reconhecer partes de si mesmas e de suas histórias dentro de um espaço coletivo”
(GARIBOLDI, 2011, p. 115, tradução nossa). Ou seja, essa personalização existia na sala
referência das crianças da pesquisa, em fotos trazidas de casa e coladas na altura das
crianças, no espelho, por exemplo, e que saliento adiante.
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Sabemos, em contrapartida, que “sem calendário e sem relógio, a vida que
hoje levamos seria impossível” (SACRISTÁN, 2008, p. 16, tradução nossa). No entanto,
o tempo educativo gerencia vidas de pessoas, humanos em processo de
desenvolvimento, que possuem seus tempos particulares. E, então? Como respeitá-lo
se a ideia de rotina faz parte desse lugar, que se contrapõe à concepção da vida da
creche como cotidiano, para que flua, além do compromisso com a convivência social
que não nega sua dimensão universal (CARVALHO, 2015)? A instituição deve trabalhar
na perspectiva de que “o tempo, enquanto objeto de estudo, é considerado uma
articulação entre o tempo institucional, a organização do cotidiano, o seu ritmo, a
organização dos episódios e seu fluir” (CARVALHO, 2015, p.128).
Nesse sentido, essa organização do tempo na creche necessita ser vista “como
uma categoria pedagógica definida conceitualmente no campo educacional como
rotina” e não somente compreendida “como carga horária a ser cumprida”
(CARVALHO, 2015, p. 130). Ela deve ser pensada como forma de se distanciar da ideia
do “tempo do capital” (CARVALHO, 2015) e ser gerida a partir das temporalidades
(ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) e singularidades das crianças. Ainda,
para Nigito (2011, p.82, tradução nossa), ter essa percepção de como adultos e crianças
lidam com o tempo, facilita pontos de reflexão na instituição, porque “se questiona a
organização temporal como um possível dispositivo pedagógico”.
Dessa forma, é possível perceber, ao que relatei, que, ao ter horário delimitado
de almoço para uma determinada turma, mas dividir as crianças em pequenos grupos
para que um deles possa se dirigir ao local de alimentação minutos antes do que o
outro, por exemplo, é transmitida a ideia de que se pensa nesse momento como um
espaço de bem-estar, de se sentir bem, de estar junto, com tempo para servir-se,
conversar e, como objetivo maior, para comer. Além disso, quando se organiza os
tempos olhando para as ações das crianças, elas percebem esse momento de ida ao
almoço como uma transição planejada, apoiada, que respeita seus modos de viver, de
forma a proporcionar a sua participação em práticas sociais da vida cotidiana.
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Nessa perspectiva, utilizar alternativas como a de se organizar, com as crianças,
minutos antes ou minutos depois de cada situação de mudança no cotidiano, pode
contribuir no nível de ansiedade e caos que o momento pode gerar. Ao contrário, ao
serem arrancadas do colo do pais para entrar na sala, do chão ou da brincadeira para
trocar fraldas, por exemplo, ou de qualquer outra atividade por causa do horário que
se aproxima, são criadas situações que desconsideram o respeito ao humano, ao
tempo e à aprendizagem das crianças, que de nada contribuem para uma transição de
um momento para outro ocorra de forma apoiada e segura.
Em relação ao modo como as crianças viviam a troca de fraldas na pesquisa,
com convite pelos adultos, tratarei com maior ênfase no capítulo das análises. No
entanto, é possível adiantar que essa relação, na transição cotidiana da troca de fralda,
de cuidado pessoal, envolve o toque, o respeito e muita sensibilidade, pois trata-se de
uma aprendizagem de como as pessoas se relacionam.
Corroborando o argumento, Nigito (2004, p. 94), em seu estudo, afirma que “a
organização temporal na creche confirma a hipótese, na qual se baseia a elaboração
do instrumento de análise do dia, da existência de uma ‘pedagogia latente’ que se
concretiza na estratégia adulta de estruturação da experiência infantil na creche através
da definição de rituais”. Todavia, longe de se pensar em uma ideia de cotidiano, muitas
vezes, pensa-se em rotina, em que os tempos necessitam de horários que não
necessariamente precisam seguir apenas a lógica dos adultos ou das funcionárias da
limpeza ou da cozinha para darem conta das atividades do dia a dia, mas rituais da
vida, que sustentam a experiência de estar com o outro e que antecipem o que vai
acontecer com calma, segurança e considerando as crianças capazes de compreender
esse processo. Nesse ponto vale retomar o que narrei sobre dois momentos específicos
que vivi no cotidiano das crianças da pesquisa em que essa antecipação do que ia
acontecer aliado com a flexibilidade dos adultos evitaram tempo de espera pelas
crianças e insegurança.
Importa dizer que, quando os profissionais da instituição infantil administram
e planejam os tempos pela lógica dos adultos, sem olhar para o que interessa para as
61
crianças, para o que as desafia, e os professores os veem como “perda de tempo”, isso
reverbera em reclamações quanto à falta de tempo, mesmo em relação àquelas
crianças que permanecem no ambiente educativo por mais do que dez horas. Ainda,
essa concepção leva à pressa, à fragmentação do tempo e à produtividade.
Ou seja, os professores apressam as crianças para atender aos horários, as
ações propostas são geridas por tempos fixos sem sentido e as avaliações geram ações
de comparação e classificação das crianças. Em razão disso, “o que encontramos nas
escolas infantis é a presença desse tempo característico das relações capitalísticas, que
brutaliza a vida cotidiana e empobrece a experiência da infância. Um sentido de tempo
que apenas passa, cumprindo o ordenamento da produtividade” (BARBOSA, 2013, p.
216, grifo do autor).
Enfim, constituímo-nos nas relações com a vida que nos apresentam e que
experienciamos. Nesse sentido, somos responsáveis pela educação das crianças e pelas
suas memórias corporais e pessoais com as práticas sociais da vida na coletividade. Tal
prerrogativa se relaciona ao fato de que, no contexto da creche, elas são forçadas a
conviverem com mais indivíduos. Entretanto, para elas, ter que ficar em uma sala com
mais crianças pode ser de grande complexidade e estranheza, pois, em seu contexto
de vida, fora da instituição, essa situação não havia lhe sido proporcionada.
Da mesma forma, na creche, enfrentarão muitos desafios que irão confrontar
os seus conhecimentos da vida, como, por exemplo, desafios do encontro com o outro,
do ser tocado, da compreensão de outros sentimentos que os afetarão, de situações
novas a cada dia, de conhecimento do espaço que é o da instituição e não é o da sua
casa. Portanto, apresento, a seguir, notas da relação dos bebês e crianças bem
pequenas e o tempo como narrativa de suas vidas.
2.3 BEBÊS, CRIANÇAS BEM PEQUENAS E O TEMPO: notas sobre o tempo como
narrativa
62
Assim como o enigma do tempo, que foi se formando e se transformando
através das gerações, nossa relação com o tempo se constitui nas narrativas que
vivemos, nas que fazemos dele e no viver em sociedade. Os bebês e crianças bem
pequenas, na sua maioria, vivem as primeiras experiências de vida coletiva e de
sentidos sobre o mundo no espaço da instituição de Educação Infantil. Da mesma
forma, pode ser nesse lugar, antes de qualquer contexto, que as crianças vão provar as
primeiras frutas, estar em contato com mais crianças em um mesmo espaço, se ver e
se perceber no espelho, ser colocadas no chão, sentir o toque dos outros, dentre tantas
outras experiências, que vão ser únicas para cada uma delas e que precisam estar
carregadas de sentido e segurança na relação com outros adultos. Dessa forma, para
Hoyuelos (2015, p. 50-51) o tempo nos dá a possibilidade de descobrir momentos
inéditos ou inaugurais nessa relação com as crianças e na coletividade.
Ou seja, ao termos claro nosso compromisso com essa etapa da vida das
crianças, temos que estar alertas, estranhar o dado, evitar ver nossas práticas como
óbvias, para então assumirmos a atitude de estranhá-las e abrir-nos ao inesperado,
que pode estar nas palavras onomatopeicas e balbucias, nos gestos, nos desenhos e
nos olhares das crianças. Isso é pensado, porque também precisamos “desconfiar do
evidente para tirar as crianças da banalidade em que podem ficar escondidas”
(HOYUELOS, 2007, p. 17), um dos objetivos dessa pesquisa, de modo que possam ser
observadas para sair do lugar de serem submersas, passarem despercebidas ou
inadequadamente interpretadas (HOYUELOS, 2007; 2015).
Corroborando esses conceitos, Elias (1998, p.19) afirma que “uma criança só se
torna ser humano ao se integrar num grupo”. Nessa perspectiva, o autor exemplifica
tal afirmação ao relacioná-la à aprendizagem da língua ou ao compreender “regras de
controle das pulsões e dos afetos” que são próprias do grupo a que ela pertence e que
se tornam parte de sua personalidade. Ou seja, são capacidades importantes para sua
“existência individual, do acesso à condição de indivíduo humano e da sobrevivência”
(ELIAS, 1998, p.19) e se desenvolvem na convivência entre pares, tendo o adulto como
principal parceiro.
63
Olhar para as crianças, tendo como metodologia a pesquisa com crianças,
considera que elas têm muito a dizer, que elas precisam e tem o direito de serem
percebidas e interpretadas, porque são inéditas e porque “levam consigo a fascinação
do desconhecido” e da “incerteza do inesperado” (HOYUELOS, 2015, p. 50).
Por isso, escolhi passar tempo com as crianças, observando-as no contexto da
creche, nas suas relações com o outro e consigo, para, a partir de seus dizeres, construir
uma pedagogia das transições e olhá-las como construtoras do tempo, como narrativa
de suas ações e desenvolvimento: tempo de se conhecer, de aprender a ser tocado e
tocar o outro, construir vínculos entre pares e adultos; tempo de conhecer os
alimentos, sentir sua textura, cheiro, gosto, sabor; tempo de descascar a banana e
degustá-la ao final da jornada e antes da chegada dos amores de família; tempo de
descansar quando o cansaço e a energia se diminuía; tempo de folhear um livro,
sozinho ou acompanhado do colega mais experiente, de recontar a história ouvida
pelo adulto, de analisar as imagens e de criar uma nova história; tempo de, mesmo
com o sono quase dominasse seu corpo, ter que segurar a cabeça, alimentar-se na sua
temporalidade e ritmo, porque a fome estava maior; tempo de falar ao telefone,
narrando sua vida naquele momento; tempo para medir tamanhos ao provar os
calçados dos colegas, identificá-los e entregá-los aos respectivos donos; tempo de
analisar e medir, com a mão que desenvolvia habilidades e o olhar, cada objeto novo
e encontrar sua utilidade; tempo para almoçar, descer do banco com o prato de vidro
na mão e levar junto a colher sujos até a bancada de louça específica, com satisfação
de ter vivido uma ótima refeição.
Identifiquei esses momentos como significativos por interpretar que, com isso,
demonstravam maior segurança, inclusive nos tempos de deslocamento de um espaço
para o outro, quando buscavam a companhia, no dar a mão para um colega, sem
precisar andar em filas, e no mostrar um querer viver a conquista de amizades em
cumplicidade, assim tendo tempo de gerenciar essas relações no deslocamento nas
transições. Como se percebe na imagem em foto mosaico, estas são capturas de como
as crianças se relacionavam com o tempo.
64
Foto mosaico 2 - Tempos e temporalidades na creche. Composta por 7 fotografias digitais da autora.
65
Nesse contexto, importa ressaltar o quanto o tempo para a constituição dos
vínculos foram relevantes para as aprendizagens das transições cotidianas, como é
possível observar na seguinte nota do diário:
Outra ação que ficou marcada hoje, no momento do descanso, foram os
carinhos entre as crianças. Bernardo (1 ano e 6 meses) fez carinho na Lívia (1
ano e 5 meses) que dormia e Amanda (1 ano e 8 meses), quando percebeu
que Lívia havia acordado, foi lhe dar um abraço afetuoso, quase que palavras
em uma ação. Ou seja, as crianças estão juntas na creche, por duas semanas e
demonstram terem construído alguns vínculos afetivos que me encantou
(Nota do diário de campo – 09 de março de 2018).
Com esse fragmento, que capturei na transição cotidiana do descanso, importa
o quanto percebi que, para as crianças, os vínculos são importantes e como a
organização do espaço contribuiu para isso, porque, ao estabelecê-los, colabora-se no
viver transições cotidianas “bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016). Da mesma forma, torna-se significativo
para o processo de transição da adaptação e em todas as outras mudanças que
aconteciam na jornada, isso porque as crianças manifestaram essa necessidade
espontaneamente, parecendo observar que era importante para o colega receber esse
afago ao despertar do descanso ou reproduzindo uma relação – elemento da cultura.
Nesse percurso, em campo, acompanhando os tempos de viver a jornada das
crianças na creche, foi possível conhecer e reconhecer como se relacionavam entre si,
com os adultos e com o tempo. Esse tempo era próprio e dizia quando o corpo
necessitava do amigo bico; mesmo que soubessem que logo seria o momento da
refeição, precisavam dele, apenas por alguns minutos, para reviver um momento de
afeto, para minimizar a fome ou para buscar diminuir a saudade de algum familiar.
Percepções que relato por interpretações das ações e reações das crianças,
diferentes para cada uma, aconteciam de modo particular e repetidas nas maneiras
como conseguiam que seus desejos fossem realizados. Com isso, também percebi que,
por viverem uma jornada na creche como cotidiano e não como rotina rígida, essas
situações tão peculiares das crianças eram notadas pelos adultos, no individual e no
66
todo, com abertura ao inesperado. Como forma de compreender tais tempos e
peculiaridades das crianças, apresento a seguinte nota:
Mateus (11 meses) e Sofia (1 ano e 4 meses) ficam com professora Rosa mais
tempo na mesa do café da manhã, enquanto os demais voltam para sala
seguindo a professora Solange. Professora Rosa comenta que Sofia fica
sempre mais tempo nas propostas. Passo a observá-la. Sofia me intriga e
encanta, ela é minuciosa, se apega aos mínimos detalhes, observa tudo a sua
volta e num rompante parece perceber que todos voltaram para sala. Parece
se dar conta de que precisa terminar, trata logo de colocar todo o resto de
maçã na boca, desce do banco, de boca cheia e se dirige para sala. Conhece
o caminho. Na entrada da sala se perde um pouco e se distrai. Professora
Solange ajuda ao percebê-la chegando e abre a porta (Nota do diário de
campo – 15 de março de 2018).
Essa breve nota fala de uma leitura de como as crianças tinham respeitados
seu tempo de olhar, mexer, sentir, usar e interagir com objetos, pessoas e espaços. Isso
acontece de forma contrária ao como, em algum momento mencionei quando
generalizo o que acontece nas instituições de Educação Infantil. Ou seja, vivi na
pesquisa modos de viver as relações das crianças com o tempo, narrado muitas vezes
com as vozes dos adultos, mas, também porque presenciei crianças vivendo seus
tempos sem pressa e sem serem apressadas, como se vê nas imagens. Nesse contexto,
o tempo da Sofia (1 ano e 4 meses) mudou a partir de como observou o tempo de
seus colegas - descobriu a possibilidade de modificar “suas ações ao longo do tempo
e com sua própria dinâmica” (POLONIO, 2007, p. 81, tradução nossa).
Do mesmo modo, foi possível perceber o quanto os anúncios do que ia
acontecer, feitos pelas professoras, a cada nova mudança que iria ocorrer na jornada,
transmitia segurança para as crianças e narrava o tempo que viveram e que viveriam,
sem gritos e de forma mais individualizada, principalmente quando estavam em
espaços mais amplos. Tais anúncios eram importantes, mesmo que saibamos que as
crianças não possuem a mensuração desse tempo no tempo relógio dos adultos, mas
nos seus tempos e ritmos. Importa dizer que os anúncios constituem uma unidade de
análise que será discutida no capítulo cinco dessa dissertação.
67
A fim de contribuir com esses argumentos, Barbosa (2013, p. 218) apresenta
“três modos não lineares de viver e contar o tempo”: compartilhar a vida, o jogo e a
brincadeira e a narrativa. Esses são elementos que constituem o tempo como narrativa
na vida das crianças, e, quando é possível compartilhar a simplicidade da vida, no
ambiente, torna-se possível que “o extraordinário” (BARBOSA, 2013; HOYUELOS, 2015)
invada o cotidiano, ao que foi possível registrar nesse episódio do diário. Ainda,
quando vivemos “experiências compartilhadas na vida cotidiana” (BARBOSA, 2013, p.
218) podemos aprender a estar no mundo e a conviver.
Com isso, “nos inserimos como copartícipes nos valores e especificidades de
nossas culturas” (BARBOSA, 2013, p. 218). Ou seja, no cotidiano que possibilita o
aprender e viver junto, constituímos a relação com a democracia e aprendemos a ”ver
a beleza das pequenas coisas”, porque vive-se o cotidiano como o “lugar do ritual, do
repetitivo”, mas conseguimos vê-lo também como o lugar da escuta do “extraordinário
que existe no dia a dia” (BARBOSA, 2013, p. 219). Essa escuta é refinada pela
“proximidade, compreensão e coparticipação”, no sentido de que esse adulto acolhe,
acompanha e “não abandona a criança”, ao contrário, com sua “atitude acolhedora”,
“mais que apenas ficar ao lado”, percebe-se os resultados pela “atenção que dedicam
às condições para a experiência que oferecem às crianças” (STACCIOLI, 2013, p. 39) e
que, com certeza, reverberam em transições cotidianas seguras e “bem-sucedidas”
(VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA,
2016) pelas crianças. Importa dizer que as transições ocorrem nesse lugar do olhar, de
parar frente às pequenas coisas; com a abertura ao respeito às ações das crianças
perante nossa atuação ou nossa intervenção, que repercutem nas suas reações, e como
forma de as apoiarmos em uma escuta recíproca, tendo o adulto ao lado (nem acima
nem abaixo).
Em relação ao modo do jogo e à brincadeira, Barbosa (2013, p. 220, grifo do
autor) ressalta que esse tempo das crianças não só deve passar por elas, mas “merece
ser sentido, vivido com intensidade aiônica para constituir uma experiência de
infância”. Nesse sentido, os adultos ajudam e apoiam as crianças para que possam
68
“decidir sobre os usos de seus próprios tempos” - sejam os pessoais, sejam os coletivos
- como modos de viver “experiências e repertórios” que as acompanharão por toda a
vida. Nesse contexto, significa pensar que as crianças não vivem o tempo do relógio,
mas do “sem pressa”, sem pensar em intensidade.
Pelo contrário, quando vemos isso, como professores, temos esse papel de
perceber o tempo das crianças em sua relação de espera e de dar tempo para que suas
emoções sejam vividas. Isso se relaciona à ideia de Hoyuelos (2015, p. 48) quando
afirma que: “Temos de assumir eticamente que os tempos da infância não se deixam
antecipar”, isso, porque mascararmos os sentimentos das crianças frente às
aprendizagens ou mudanças do dia a dia na creche pode significar mascarar ou inibir
suas emoções.
Nesse sentido, uma das cenas a destacar da pesquisa, em que foi possível
perceber essa relação de narrativa do tempo e de constituir memória, acolher emoções,
foi quando Sofia (1ano e 4 meses) solicitou insistentemente, com choros, seu cachorro
de pelúcia que sempre trazia de casa para o seu descanso, como objeto de transição.
Ela o carregava por todos os espaços e até o colocava a andar de motoca. Nesse
momento de transição do descanso e de pedidos insistentes de seu brinquedo, a
estagiária Ana explicou a ela, quantas vezes foram necessárias, que o seu pai não havia
trazido, que estava em casa. Em uma tentativa de substituí-lo e acalmar a menina, lhe
ofereceu seu casaco para que o abraçasse para adormecer, ficando deitada ao seu lado
e voltando a narrar o que havia acontecido com seu objeto de apego e do porquê dele
não estar ali, ao que Sofia foi se acalmando. Com isso, também fica claro o quanto o
adulto, em uma ação de participação guiada, sustentou aquele estado de insegurança
da menina contribuindo para que ela compreendesse o que estava gerando sua
insegurança e que poderia minimizá-la de outra forma.
Por fim, a autora salienta a importância das narrativas que fazemos para as
crianças, sejam narrativas da vida delas, que constituem suas memórias, ou sejam da
cultura da comunidade em que vivem, que “criam o espaço para a linguagem e o
pensamento” e que, com isso, produzem a “temporalidade da vida”. Ou seja, parte do
69
fazer, do agir, do contar o que se vive produz novas histórias e delas criam-se
memórias. Nesse contexto, a narrativa “cria elos que une as gerações passadas às
presentes” (BARBOSA, 2013, p. 221), porque insere os que contam aos que escutam e
transmite experiências mútuas. Ainda, importa salientar que “o tempo também se
constrói pela narrativa”, porque ao narrar construímos tempo e, a narratividade, além
de descrição, é “instauradora de ficções” (BARBOSA, 2013, p. 221). Dessa forma,
enquanto adultos que temos constituído nossa concepção de tempo, torna-se
essencial assumirmos uma posição de respeito na nossa atuação como “copartícipe”
(BARBOSA, 2013) do desenvolvimento das crianças e como alguém pode marcar
positivamente ou negativamente suas memórias de vida coletiva e de processo do
modo como elas se relacionam.
Com isso, na próxima seção, apresento os conceitos de transições e
temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) na creche. Ambos
estão estritamente relacionados à concepção do tempo, à sua gestão na creche e aos
modos como as crianças o vivem em seus ritmos de desenvolvimento e temporalidades
pessoais.
2.4 TRANSIÇÕES E TEMPORALIDADES NA CRECHE
Para que seja possível situar essa pesquisa, importa dizer que o termo
transições passa a ser mais utilizado e discutido, no campo da Educação Infantil, a partir
da homologação das DCNEI sob a Resolução Nº 5 (BRASIL, 2009b), que fixa essas
DCNEI. Esse documento, antecedido de Parecer Nº 20, de caráter normativo, enfatiza,
em seu Art. 10, inciso III, (BRASIL, 2009b, p. 17), que as Instituições que atendem as
crianças precisam organizar estratégias e ações que garantam transições:
“casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição
creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental”. Ainda, salienta que a
criação de estratégias precisa adequar-se a esses momentos vividos pelas crianças,
como forma de assegurar a continuidade dos processos de aprendizagem. Antes de
70
2009, a indicação de se pensar as transições apenas ganhou algum destaque na Política
Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2006b), assim como na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017a), quando aparece a preocupação com a integração
entre as etapas da educação básica, com os cuidados e com a continuidade da
Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse período, tais ideias
ficaram implícitas, mas sem direcionamento quanto à necessidade de se criar
estratégias de transição e de se pensar nesses momentos como relevantes na vida dos
estudantes. Em se tratando de pesquisas sobre o tema dessas transições “verticais”
(VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS;
MACHADO, 2016) FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016) ou
“macrotransições”. No capítulo metodológico da pesquisa, apresento mapeamento em
que mostro o quanto elas se referem mais às transições da Educação Infantil para os
anos iniciais.
Antecipadamente à Resolução Nº 5, que fixa as DCNEI, o Parecer de Nº 20
(BRASIL, 2009a, p. 16), em um dos subtítulos, sugere quatro grandes modos de como
as Instituições podem organizar o acompanhamento da continuidade dos processos
de educação das crianças. No primeiro modo, como forma de garantir um olhar
contínuo desses processos vivenciados por elas, a orientação é que se planeje e se
efetive o acolhimento tanto das famílias quanto das crianças que iniciam na Instituição,
para que se possa considerar a “necessária adaptação das crianças e seus responsáveis
às práticas e relacionamentos que têm lugar naquele espaço, e visar o conhecimento
de cada criança e de sua família pela equipe da Instituição” (BRASIL, 2009a, p. 17).
Como segundo ponto, o documento enfatiza a necessidade de se “priorizar a
observação atenta das crianças e mediar as relações que elas estabelecem entre si,
entre elas e os adultos, entre elas e as situações e objetos” e salienta que isso contribuiu
tanto “para orientar as mudanças de turmas pelas crianças” como para “acompanhar
seu processo de vivência e desenvolvimento no interior da instituição” (BRASIL, 2009a,
p. 17). Como terceiro tópico, o Parecer enfatiza a importância desses estabelecimentos
planejarem o seu trabalho pedagógico de forma a alcançar a continuidade do processo
71
de aprendizagem, e a necessidade de as equipes da creche e da pré-escola se reunirem
para acompanhamentos dos relatórios descritivos das turmas e das crianças, “suas
vivências, conquistas e planos” (BRASIL, 2009a, p. 17).
Por fim, o quarto item enfatiza que as Instituições devem prever estratégias
para a articulação entre os docentes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental,
em encontros, visitas ou reuniões, de modo que conheçam os processos vividos pelas
crianças na Educação Infantil e como eles se deram, especialmente na pré-escola -
independentemente se essa transição se der ou não no mesmo espaço ou entre
instituições -, no sentido de “assegurar às crianças a continuidade de seus processos
peculiares de desenvolvimento e a concretização de seu direito à educação” (BRASIL,
2009a, p. 17). Ainda, nessa articulação, o texto ressalta que se providenciem
instrumentos de registro para esse acompanhamento, como: “portfólios de turmas,
relatórios de avaliação do trabalho pedagógico, documentação da frequência e das
realizações alcançadas pelas crianças” (BRASIL, 2009a, p. 17).
A partir do que consta no Parecer Nº 20 (BRASIL, 2009a) como necessário no
processo de transição e articulação entre as etapas da educação, saliento que as
transições cotidianas não são expostas ou estão evidentes do modo como proponho
nessa investigação. Acrescento a essa posição que as poucas palavras que esses
documentos expressam não permitem tornar visíveis a importância e a existência de
transições cotidianas que nomeio no decorrer dessa pesquisa.
Recentemente, com a homologação da Resolução Nº 2, que institui e orienta
a implementação da BNCC (BRASIL, 2017b), as transições ganharam destaque no
documento, com o caráter de importância desse momento de ruptura. Entretanto, o
enfoque foi dado na transição de uma etapa para outra, ponto que se manteve durante
a elaboração e apresentação das quatro versões do documento, com ênfase na ideia
de manter o que as crianças sabem e o que elas são capazes de fazer, em uma
perspectiva de integração e continuidade dos seus processos de aprendizagem. Ainda,
no texto do documento, ressalta-se o quanto esse momento precisa ser amparado por
ações que apoiem as crianças no respeito às suas singularidades e às relações que
72
estabelecem com os conhecimentos. Pela importância do tema, ele passou a ser alvo
de algumas pesquisas acadêmicas, conforme apresento no mapeamento de pesquisas.
No entanto, em sua maioria, foram discutidas e problematizadas as transições
“verticais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS;
MACHADO, 2016) FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016), inclusive
nos documentos nacionais, em que esse modo de transição ganha destaque.
Transições da etapa da Educação Infantil para o Ensino Fundamental e dos anos iniciais
para os anos finais são as que mais encontramos em pesquisas. Corroborando o
argumento, mesmo se referindo às transições “verticais” (VOGLER; CRIVELLO;
WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016;
FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016), o documento da BNCC
(BRASIL, 2017a), aborda a importância de que a transição seja olhada com muita
atenção, para que tenha equilíbrio entre as mudanças que as crianças enfrentarão
durante as etapas. Além disso, o mesmo texto enfatiza o quanto se torna necessário
estabelecer estratégias de acolhimento e adaptação nesse processo para todos os
envolvidos nele: adultos e crianças, adolescentes e jovens.
Acrescenta-se a essa posição que as “transições que acontecem no interior das
instituições” (BRASIL, 2009b) ou transições “horizontais” (VOGLER; CRIVELLO;
WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016) justificam
esse estudo, no sentido de que elas existem e, assim, essa pesquisa contribuirá como
possibilidade de que saiam da invisibilidade do trabalho pedagógico da Educação
Infantil. Afirma-se isso porque, ao demonstrar que “o capital educativo que fortalece a
criança para as transições é construído lentamente, situação a situação, na vivência de
múltiplos desafios que enfrenta quando transita” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS;
MACHADO, 2016, p. 37), observar, registrar e refletir sobre como acontecem as
transições cotidianas significa dar atenção ao que as crianças dizem sobre como esses
tempos e momentos de mudanças, dentro do contexto educativo, afetam-nas. Além
disso, essa visão contribui dando clareza de que as crianças possuem, assim como nós,
adultos, temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) próprias e que
73
dizem de seus modos de se relacionar com os outros, de suas aprendizagens, de seus
sentimentos e de suas emoções.
Dessa forma, compreender por transições cotidianas o modo de viver e não
apenas os momentos e vivências das crianças torna evidente reconhecer que elas não
acontecem naturalmente, e que precisamos nos preocupar com processos de transição
“bem-sucedidos” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016). Isso significa pensá-
los, conceituá-los, experimentá-los, avaliá-los e reconceituá-los para que possam se
“recriarem de acordo com as pessoas, os contextos, as culturas” (FORMOSINHO;
MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016, p.09).
Neste contexto da pesquisa, essa compreensão foi possível, mesmo que tão
pouco se esgote nessa dissertação, através da atenta observação das reações das
crianças frente aos momentos a que elas serão submetidas no dia a dia da creche, com
professores e crianças, nos tempos, temporalidades, espaços e materiais. Dessa forma,
na próxima seção, prossigo discutindo a respeito das especificidades das transições
cotidianas no contexto da creche e dos desafios que a vida na coletividade reverbera
nas crianças.
2.5 O QUE SÃO AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS NO CONTEXTO DE VIDA COLETIVA
DA CRECHE
Buscar a elaboração de um conceito que contribua para qualificar e construir
uma Pedagogia das Transições é o grande objetivo dessa pesquisa. Vogler, Crivello e
Woodhead (2008) e Oliveira-Formosinho, Passos e Machado (2016), como menciono,
tratam desse tema pelo termo transições “horizontais” (VOGLER; CRIVELLO;
WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016). Ao mesmo
tempo, os últimos ressaltam a importância de existir pesquisas que se debrucem sobre
ele para estudá-lo, processo que podemos considerar praticamente inexistente. No
contexto dessa pesquisa, as transições cotidianas são entendidas por aprendizagens
que exigem ou geram mudanças na vida cotidiana institucional e nas ações dos bebês
74
e das crianças bem pequenas, sejam mudanças de um espaço a outro ou de um
cuidado pessoal ao outro.
Ou seja, são situações cotidianas que ocorrem na creche e que são vividas
pelas crianças e que merecem o apoio e o respeito aos tempos e temporalidades
(ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) de cada uma. Nelas, o adulto guia e
sustenta as suas aprendizagens. Os conceitos apresentados e defendidos por Rogoff
(1993; 1998; 2005), de participação guiada e de apropriação participatória, contribuem
para essa compreensão. Nesse sentido, implica situar que aprendizagens importantes
acontecem nas transições cotidianas na creche pela complexidade que elas envolvem
para as crianças. Por isso, necessitam de um olhar interessado e guiado nesse processo,
pelo professor, de como as crianças as vivem. Para tanto, fundamento meu argumento
na ideia de que, no processo de construção de identidade e de viver no coletivo, pelas
crianças, ocorrem as múltiplas experiências de vivência entre pares, em participação
guiada e de momentos em que elas são submetidas à solução de problemas, tanto em
relação à maneira de se relacionar com o outro ou consigo mesmo, quanto em relação
às múltiplas linguagens em desenvolvimento.
Essas pequenas mudanças, que não são menores quanto ao grau de
complexidade no processo de aprendizagem das crianças, conforme pauta de
observação apresentada para essa pesquisa, estão relacionadas às reações das crianças
em relação aos anúncios do cotidiano na creche, como: deslocamentos de um espaço
para outro – brincar e parar de brincar; comer e ir dormir; estar na sala e ir para o pátio;
construir vínculos com os adultos e crianças, com as chegadas e despedidas e com o
dia a dia da creche; reagir quanto aos cuidados pessoais a elas dispensados, como
trocas de fraldas, uso do banheiro, vestir e/ou despir-se, manipulação de medicação,
uso de utensílios (colher para uso de garfo e faca, mamadeira para uso do copo); reagir
aos modos de organização do cotidiano da creche: desejos e negações.
Em vista disso, trata-se de olhar para as transições cotidianas na creche
pensando nos aspectos ligados aos tempos e espaços de desenvolvimento e
aprendizagens. Desse modo os conceitos apresentados se entrelaçam ao tema das
75
transições vividas pelas crianças no cotidiano e nas relações com os adultos no
contexto da investigação. Para Oliveira-Formosinho, Lima e Sousa (2016, p. 56),
podemos considerar as transições educativas como complexas, porque são
multifacetadas; ou seja, porque envolvem, ainda segundo as autoras (2016, p. 56),
“situações inesperadas, uma pluralidade de atores, com características específicas, um
dinamismo que não pode ser totalmente planificado porque decorre duma tessitura
plural de relações e interações entre os muitos participantes e os seus contextos”. Com
isso, as autoras supracitadas questionam a ideia da criança pronta, em que
compreende-se o ônus do (in)sucesso na transição centrado na criança e coloca-se
esse sucesso na responsabilidade de uma criança solitária, independentemente do
contexto ou “dos contextos, dos processos ou dos atores educativos”. Elas salientam
que os dados empíricos que identificaram em suas pesquisas não condizem com essa
ideia, pois verificaram que, por mais que as crianças sejam competentes, “a qualidade
das transições depende do contexto e dos processos de acolhimento”, ainda, das
“interações que decorrem no tempo” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016,
p. 56).
Importa dizer que precisamos nos desprender da ideia de que a criança é que
precisa se adaptar ao ambiente educativo e que esse processo depende apenas dela
ou única e exclusivamente de sua capacidade. Ao contrário, ao considerar, nessa
pesquisa, lançar um olhar mais aguçado a momentos específicos que geram pequenas
mudanças na vida coletiva na creche, assumo a importância do quanto os bebês e
crianças bem pequenas, a partir de suas reações, nos dizem de suas emoções,
temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) e tempos de espera
que necessitam. Parece essencial crer que, com essa relação respeitosa, seja possível
indicar caminhos e ações para que os adultos sustentem e apoiem as aprendizagens
(ROGGOF, 1993; 1998; 2005) das crianças frente à cada situação que influencie seus
modos de viver e de se relacionar com os outros, com as coisas, com as situações.
Dessa forma, Hoyuelos (2015, p. 42) contribui com a ideia de transições
cotidianas, quando afirma que “o tempo faz parte, inevitavelmente, de nossa própria
76
constituição genética e quando afirma que “dispomos de um relógio biológico,
chamado circadiano”. Nesse sentido, nossa vida acontece pelo nosso tempo biológico
e pelo tempo cronológico, ou seja, tempos referenciados na seção anterior e que
permitem justificar o quanto essa capacidade está atrelada à gestão do tempo dos
adultos responsáveis pela organização de um cotidiano respeitoso, e também, ou
principalmente, pelas temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b)
das crianças na creche.
Nesse sentido, o peso dessa responsabilidade das transições cotidianas se
distribui entre todos que participam desse processo, caso saibam ser interativos,
comunicativos e colaborativos ao desenvolverem o processo de apoio às crianças.
Ainda, o desafio se volta aos adultos para que eles estejam preparados ou se preparem
ao compreender seu papel ativo, reflexivo, investigador e provocador de transições e
consigam perceber o quanto “limitativas se podem tornar se não forem vividas de
forma respeitosa, humanizante, provocadora, apoiada” (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
LIMA; SOUSA, 2016, p. 60).
Os estudos de Rogoff (1993), sobre as relações dos adultos com as crianças
em diferentes contextos ou diferentes comunidades culturais em que vivem,
contribuem nessa pesquisa quando nos remetem a pensar que compreender os
padrões das diferentes culturas significa nos desprendermos do julgamento de valor.
Isso é tido, porque muitas vezes as pessoas entendem que para, “compreender
respeitosamente os modos de vida de outros, devem criticar os seus próprios”, mas,
ao contrário, termos uma “postura voltada a aprendizagem” (ROGOFF, 2005, p. 30 –
31) significa suspender esses dois tipos de julgamento, tanto dos modos de vida dos
outros como dos nossos. Ou seja, torna-se necessário, entendermos como as pessoas
que convivemos, no caso, na creche, funcionam em suas tradições para, também,
compreendermos o desenvolvimento humano, que possuem “características
universais, mas, construídas, com variações locais” (ROGOFF, 2005, p. 31).
Desse modo, dar-se conta de que existem diferenças culturais nos modos de
viver das crianças significa dar atenção às diferentes maneiras de funcionamento de
77
cada família e, em se tratando das transições cotidianas, se refere ao repensar as formas
tidas como dadas na creche, ou seja, no modo como acontece ou deve acontecer as
relações de cuidado pessoal - o descanso, a alimentação, e a higiene - e como cada
criança mostra bem-estar em seus modos de aprender.
Nesse sentido, percebi crianças respeitadas nas suas maneiras de lidar e de se
relacionar com as suas coisas, objetos de transição e apegos e, ainda, nas suas
manifestações de preferências físicas e biológicas. Por sua vez, acompanhei adultos
envolvidos e empenhados a compreender os modos de comunicação das vontades de
cada criança nesse novo espaço de vida coletiva e comprometidos em observar como
as crianças aprendem.
Essa eleição, que envolve a compreenção dos modos de comunicação das
vontades de cada criança, de ser guia e de dividir papéis na vida infantil, constitui um
nível superior de participação guiada, que significa aprender a pensar que a
aprendizagem ativa (ROGOFF, 1993) das crianças em contextos de atividade cultural
tem como guia companheiros mais qualificados, que podem ser seus pares, e que, com
isso, “as crianças se comprometem com os múltiplos companheiros e cuidadores em
redes de relações organizadas e flexíveis” e se envolvem em “atividades culturais
compartilhadas e não só em necessidades de indivíduos solitários” (ROGOFF, 1993, p.
122, tradução nossa). Essa variedade de relações sociais permite que as crianças
desempenhem diversos papéis não só importantes para o seu desenvolvimento, mas
também para amortizar as dificuldades que encontrariam caso se relacionassem com
apenas umas poucas pessoas.
No contexto da creche e para o objeto dessa pesquisa, importa o conceito de
participação guiada por permitir essa mútua relação entre os atores: professor e criança
e crianças-crianças. Nesse sentido, quando elegemos as atividades ou os materiais que
consideramos apropriados oferecer às crianças, estamos preparando o “entorno de
aprendizagem”, ainda “guiamos tacitamente o desenvolvimento infantil” (ROGOFF,
1993, p. 134, tradução nossa), ao que delineio no próximo capítulo.
78
Acrescenta-se a essa posição que, ao planejarmos as atividades das crianças,
também oferecemos uma estrutura de apoio para que adquiram a destreza necessária
e a visão de como e porque as atividades funcionam de uma ou outra forma. Por sua
vez, elas aprendem expressões que depois aplicarão em uma conversa, por exemplo,
pois, durante as observações em campo, foi possível perceber que, assim como afirma
Rogoff (1993, p. 129, tradução nossa), “a preparação periférica do palco e a distribuição
de papéis na vida cotidiana que as crianças observam e em que participam exercem
uma influência fundamental nas suas oportunidades de aprendizagem”.
Ou seja, muitas das ações que vivi em campo, pelas crianças, e que apresentei
e apresentarei durante essa pesquisa demostram aprendizagens significativas das
crianças em seus ritmos temporais e graus de participação.
A partir das cenas, é possível ver os movimentos de participação das crianças.
Relaciono isso ao fato de que, quando os adultos que se relacionavam com elas
estabeleciam uma relação de escuta e fala, durante a troca de fralda ou na resolução
de um conflito, frente a uma reação negativa, quando no anúncio de uma mudança ou
nova atividade, por exemplo, estavam exercendo o papel de participação guiada e
oportunizando que, nessa participação, vivessem aprendizagens e a apropriação
participatória com adultos e crianças, porque avançavam em atitudes e
desenvolvimento.
Dessa forma, observar mais de perto as transições cotidianas significa desvelá-
las e, ao analisá-las, encontrar pontos de apoio para que as aprendizagens aconteçam,
no sentido de atentarmos ao quanto os bebês e as crianças bem pequenas chegam
nesse ambiente com muitas vivências de sua cultura e de suas experiências relacionais
com os outros e que, nesse novo lugar, somos responsáveis em estabelecer e
oportunizar aprendizagens pela participação guiada em apropriação participatória.
Nas cenas da imagem da foto mosaico, algumas das transições cotidianas
mapeadas e que serão melhor apresentadas nas unidades de análise podem ser
visualizadas.
79
Foto mosaico 3 - Transições Cotidianas na creche. Composta por 5 fotografias digitais da autora.
80
Por sua vez, assim como compreendemos que a reação de cada criança será
diferente (porque vive em comunidade diferente), no momento em que se estabelece
essas relações com as crianças – ao nomear o que está acontecendo ou o que pode se
estar sentindo -, o enunciador apoia a estruturação do pensamento delas e o
desenvolvimento de sua linguagem, dentre tantas outras aprendizagens, do que
significa se relacionar com pessoas e viver transições positivas. A partir do exposto,
enquanto instituição, estamos exercendo o papel de contribuir na continuidade das
experiências de vida, em sociedade, das crianças, tanto em relação ao ambiente de vida
coletiva quanto aos processos de aprendizagem. Rogoff (2005, p. 140 - 141) contribui
com a ideia de continuidade no respeito à “autonomia” (FALK, 2016b) do outro e,
também, de descontinuidade (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO;
CAVALCANTE, 2015; MONGE; FORMOSINHO, 2016;) das aprendizagens das crianças
quanto às transições, quando se refere à perspectiva maia17. A autora relata que, nessa
comunidade, permite-se que as crianças pequenas não sigam regras e que os adultos
respeitem suas vontades. No entanto, essa lógica muda com 2 e 3 anos, quando as
crianças ganham um irmão e, a partir disso, entende-se que aprenderam a cooperar,
mudando de posição daquelas que podiam querer e ganhar tudo, para aquelas que
entendem o que é ajudar e que estão prontas a respeitar as vontades do novo irmão.
Essa prática da comunidade maia, que já fora chamada de “indulgente” por
pesquisadores e que se difere, por exemplo, das euro-americanas, em que as crianças
respondem às mesmas regras, com preocupação com a igualdade, está envolta de
continuidade ao processo de “autonomia” (FALK, 2016b). Além disso, abrange o
respeito quanto ao fato de que, assim como os processos de desenvolvimento das
crianças, precisamos compreender como funciona cada contexto, cada comunidade,
para buscarmos formas de agir através da compreensão de como elas funcionam,
reverberando no “respeito em seu tempo e espaço” (ROGOFF, 2005, p. 26). Parece
essencial que essas diferenças culturais nos alertem ao fato da importância da
entrevista com as famílias no início de cada ano, ou das visitas às famílias, práticas de
17
Comunidade maia de San Pedro, Guatemala.
81
algumas instituições e, do quanto, mesmo quando matriculamos crianças de um
mesmo bairro, elas vivem experiências culturais distintas. Nessa perspectiva, olhar para
suas singularidades, tempos e ações reverbera em apoiarmos transições com o maior
grau de bem-estar e aprendizagem pelas crianças.
Apresentar esse exemplo do modo de se relacionar com as crianças na
comunidade maia significa a busca em relacionar as transições cotidianas a esse
conceito de continuidade e descontinuidade (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
ALVÃO; CAVALCANTE, 2015; MONGE; FORMOSINHO, 2016) ao qual elas são
submetidas na creche e a necessidade de analisá-las a partir das ações das crianças, de
suas vivências anteriores, pois elas envolvem questões culturais, temporais e pessoais
de cada criança. Em tal perspectiva, para Monge e Formosinho (2016, p. 146), “as
transições estão associadas a um tempo de mudanças significativas, de
descontinuidades e novas exigências”. Os autores ressaltam que esse tempo na vida
da criança está envolto tanto de exigências que aumentam, como de apoios que
diminuem e que essas mudanças e descontinuidades se manifestam de diferentes
formas. No cotidiano educativo, elas acontecem no período de adaptação, nas
dificuldades nesse processo e na complexidade que ocorre na passagem de um
ambiente de autonomia a outro, em que diminui seu poder de iniciativa e em que o
“poder do professor” prevalece. Nessa perspectiva, no último tópico desse capítulo,
abordo o quanto as transições cotidianas e as aprendizagens que delas decorrem estão
envoltas e necessitam ser sustentadas pelos adultos a partir da cultura e o respeito às
crianças.
2.6 TRANSIÇÕES COTIDIANAS: como o olhar do adulto sustenta as aprendizagens
das crianças
Considerando o que compreendo por transições cotidianas e os conceitos que
considero estar relacionados, torna-se essencial recuperar a importância do respeito
do adulto em relação aos “tempos naturais das crianças” (CABANELLAS; ESLAVA,
82
2007b, p. 37) e como ele sustenta as aprendizagens envolvidas nos momentos de
mudanças e transições no contexto da creche.
Conceitos apresentados, como os que sustentam essa pesquisa e que
contribuem para compreender como as aprendizagens, ocorrem nas transições
cotidianas das crianças que observei, de como elas se dão em um processo de
participação guiada e de apropriação participatória. Além disso, importa considerar “as
crianças como aprendizes de conhecimento, ativas em suas tentativas de aprender com
a observação e participação nas relações com seus pares e com membros mais
habilidosos de seu grupo social” (ROGOFF, 1993, p. 30, tradução nossa).
Ao mesmo tempo em que vivemos o tempo da dúvida em compreender os
ritmos das crianças, recorremos ao caminho de perguntas, que, para Cabanellas e
Eslava (2007a, p. 95 e 99, tradução nossa), passa pelo “escutar” as crianças e colocar
“entre parênteses” ou em suspenso nossos conhecimentos prévios, hipóteses sobre o
que esperamos das crianças em seus “processos rítmicos”. Nesse sentido, pelo fato de
termos como cultura ações infantis marcadas por percepções e interpretações
implícitas, temos também um desafio a resolver, marcado pela presença de limite, o
qual precisamos assumir na complementariedade da relação adulto-criança, pois,
como observadores, somos parte do observado (CABANELLAS; ESLAVA, 2007a).
Dessa forma, emerge a importância de, ao compartilhar os processos de
aprendizagem das crianças, refletir sobre as implicações que podem ter quando
interrompemos, pelo nosso tempo de adulto, os processos pessoais de cada uma.
Trata-se de considerar que as transições cotidianas envolvem a necessidade de
compreender que os tempos dos adultos não devem se tornar rupturas para as
crianças em suas experiências no cotidiano da creche. Para compreender essa relação
trago uma nota de campo:
Presencio cenas do quanto as crianças estão construindo vínculos tanto entre
elas como com a Isis (1 ano e 6 meses), que é praticamente nova no grupo.
Cenas de abraços e carinhos são mais frequentes, mesmo que reajam com
maior determinação em relação aos seus desejos. Nesse sentido reflito que o
que pode ter contribuído para esses avanços foram as formas como os adultos
83
se relacionam com as crianças, nomeando seus desejos e questionando suas
vontades e as respeitando. Um exemplo é quando, no lanche, por exemplo, as
professoras, ao ouvirem uma negativa de alguma criança quanto ao se aceita
ou não algo oferecido, aguardam, não insistem no momento e voltam a
oferecer mais tarde. Em outros casos, de teima, por exemplo, evitam insistir
para que a criança atenda ou participe naquele momento e dão o apoio
necessário, tentando explicar ou antecipar as ações ou transição cotidiana
(Nota de diário de campo – 14 de junho de 2018).
Dessa forma, essa reflexão contribui para que possamos compreender a
jornada das crianças na creche com a sensibilidade e o respeito aos seus tempos do
início ao fim de suas investidas, ajustados entre os tempos dos adultos e os das
crianças, pois, ao determinar os ritmos temporais do cotidiano, unificando os tempos,
rompe-se com a atividade e com os tempos de infância das crianças. Ao contrário, o
que devemos oferecer às crianças enquanto instituição de Educação Infantil é uma
jornada com “espaço de criação, de construção de relacionamentos, de brincadeiras,
de investigações” (BARBOSA; HORN, 2019, p. 35). Ao propormos uma atividade para
as crianças, a chance de contribuirmos para uma continuidade das aprendizagens
(ROGGOF, 1993; 1998; 2005) sem gerarmos uma ruptura e reações confusas ou
negativas a elas acredito estar relacionada à forma com abordamos essa mudança no
cotidiano, como: quando avisamos com certa antecedência de que a brincadeira vai
terminar e o que as aguarda ou será feito depois. Penso que esse apoio dado às
crianças, pelo professor, contribui para que elas tenham tempo para terminar o que
estavam fazendo, brincar ou explorar algo que tinham intenção e ainda não tinham o
feito, como organizar os materiais e a brincadeira, como forma de organizar seus
pensamentos, hipóteses ou teorias sobre o que investigavam, o que confirmei durante
o período de observação das crianças em campo.
Nesse sentido, podemos, ao interrompermos uma experiência da criança antes
que a finalize, criar ansiedade quando não entendem a que se devem as rupturas que
impomos aos “seus tempos emotivos, cognitivos e sociais”. Isso é pensado, pois, ao
impormos uma “ordem exterior” (CABANELLAS; ESLAVA, 2007b, p. 41, tradução nossa),
dissolvemos a atenção e frustramos suas intenções, o que exige nossa atenção às
possíveis intenções das crianças a dar continuidade ao processo de envolvimento no
84
que estão fazendo e, com isso, contribuímos na superação de momentos de
insegurança que possam surgir. Ainda, “na infância se enfrenta pela primeira vez a
explicação do que é real e do que é possível, do que é certo e do que é hipotético”
(CABANELLAS; ESLAVA, 2007b, p. 41, tradução nossa). Com essa afirmação, surge a
pergunta quanto à imprevisibilidade da temporalidade de seus comportamentos, o
que gera o estabelecimento de uma dualidade entre a necessidade de ordem, pois se
observa que também a necessitam.
No entanto, para Cabanellas e Eslava (2007b, p. 41, tradução nossa), “devemos
saber que cada nova ordem surge da dança caótica em que a mente está situada para
mudar”. Ou seja, nossa atuação educativa deve possibilitar uma ordem construída e
estruturada de forma que evite o caos e o perigo de um contínuo-descontínuo que
possam gerar as nossas formas de organização. Isso torna-se perceptível no cotidiano
da creche e no que entendo por transições cotidianas quando, por exemplo,
anunciamos para as crianças que as mãos vão ser lavadas, que iremos almoçar ou que
interromperemos uma de suas investigações, em situações que continuam imersas nas
suas hipóteses das possibilidades de um material que estão explorando. Situações de
ruptura, podem ocorrer, ainda quando um professor ou adulto age bruscamente ao
verificar se a fralda precisa ser trocada ou se o nariz vai ser limpo, sem aviso e com
uma ruptura que desconcerta as crianças e que coloca-as no lugar de um corpo
invadido por alguém que não tem intimidade ou relação de confiança estabelecida.
Nesse ponto, parece conveniente dizer que, na educação, temos que perder o medo e
nos despir de nossa segurança nos nossos saberes instituídos para que ocorra, nesse
campo, assim como na pesquisa, mais o “escutar” do que o propor, em uma fusão
entre a cultura da criança e do adulto, em uma “canção de duas vozes”. (CABANELLAS;
ESLAVA, 2007b, p. 44, tradução nossa). Todos esses pontos são importantes de serem
desmembrados e, por isso, os tratarei com maior destaque no capítulo analítico.
Dessa forma, considero que uma experiência que contribui nesse sentido é o
que ocorre no contexto de cuidados infantis do Programa High/Scope, abordagem
que compreende a aprendizagem ativa como orientadora das decisões dos
85
“educadores de infância” em seu trabalho e que é narrada por Post e Hohmann (2003).
As autoras descrevem como o significado da experiência ativa está ligado à
experiência-chave pelas crianças, com pessoas e materiais. Para essa abordagem, os
bebês e as crianças de até 3 anos de idade aprendem com todo seu corpo e sentidos,
“porque querem”, porque “comunicam aquilo que sabem” e porque “aprendem num
contexto de relações de confiança” (POST; HOHMANN, 2003, p. 54).
Nesse sentido, as transições cotidianas que essa pesquisa investigou estão
relacionadas à tentativa de, ao observar as reações das crianças frente às exigências e
mudanças no cotidiano, perceber como esses sentimentos se entrelaçam no grau de
confiança que estabelecem com os adultos. Penso que as crianças possam demonstrar
aceitar e responder a certas demandas que lhe são impostas pelo fato de, por terem
criado uma relação de confiança com os adultos, não querer decepcioná-los, o que
pode ser visto em momentos em que, por exemplo, elas têm muita vontade de utilizar
o bico, não querem sair de um espaço, não querem parar de brincar ou em outras
situações que envolvem as transições na creche.
Nesse sentido, pensar que as crianças aprendem com seu corpo e sentido
significa dizer que elas recolhem as informações a partir de todas as suas ações, pois,
pela coordenação dos sentidos, constroem conhecimentos e, ao se relacionarem com
os adultos, exercitam e fortalecem as sinapses que serão utilizadas por toda vida. Os
bebês e crianças aprendem porque querem (são auto motivadas); em seu próprio ritmo
e em sua autonomia e iniciativa, dizem de suas competências para tal, pois decidem,
com cada vez maior complexidade, o que vão explorar, resolvendo problemas, com
significado. No entanto, para isso, o ambiente de aprendizagem ativa oferece
oportunidades adequadas para que desenvolvam “o desejo e a capacidade de agir com
persistência e de ter impacto nas pessoas e coisas envolvidas nas suas interações e
explorações” (POST; HOHMANN, 2003, p. 29). Ainda, quando os adultos contrariam
arbitrariamente e com frequência as ações das crianças, elas tendem a duvidar da sua
capacidade e se moldam e organizam para moldar-se à sua existência cotidiana. O
contrário disso acontece quando são apoiadas em suas iniciativas, pois “apreciam os
86
riscos e as satisfações da aprendizagem criativa e do discurso social” (POST;
HOHMANN, 2003, p. 29).
No contexto das transições cotidianas da creche, essas ações podem acontecer
de forma automática pelos professores, como quando, ao trocar a fralda das crianças,
não se estabelece uma conversa. Tal tema será abordado nas análises sob o subtítulo
A troca de fralda: transição cotidiana temporal, íntima e singular. Da mesma forma,
isso pode ocorrer quando os profissionais não organizam um ambiente que
potencialize o desenvolvimento da marcha e do equilíbrio com desafios e níveis que a
faixa etária das crianças exige, quando as crianças presenciam professoras conversando
sem atenderem aos seus gestos e balbucios de que querem algo ou ainda quando são
tocadas sem prévio aviso nas ações de cuidado pessoal. Abordarei essa questão com
detalhes no capítulo dos espaços e das análises.
Quanto ao que as crianças aprendem, as autoras consideram que elas
comunicam aquilo que sabem, pois, como seres humanos, somos sociais desde o
nascimento e, dessa forma, os bebês procuram contato com adultos “avidamente” e
“utilizam uma série de estratégias para realizarem seus desejos” (POST; HOHMANN,
2003, p. 30). A “linguagem precoce” do bebê é “telegráfica e econômica”, “ouvem e
compreendem a linguagem muito antes de serem capazes de a produzir sob a forma
gramatical padronizada” (POST; HOHMANN, 2003, p. 30). No entanto, na junção de
tudo o que escutam, encontram uma forma que faz sentido. Nesse contexto, de
aprendizagem ativa, os adultos dão particular atenção às suas manifestações,
observam e ouvem com cuidado e dão “tempo de antena” para que conversem,
expressem e comuniquem à sua maneira. Na quarta forma de aprender - ou seja, em
um contexto de confiança-, a importância no estabelecimento de “relações mútuas
afirmativas” com os adultos e o calor das relações é enfatizada por acreditar-se que,
dessa forma, as crianças ganham “a coragem de que precisam para explorar o mundo
que existe para além da mãe”, pois tem a possibilidade de “perder a vontade de viver”
podendo ficar “oprimida pelo medo, tristeza ou mágoa e torna-se cada vez mais
passiva e incapaz de pedir ajuda” (POST; HOHMANN, 2003, p. 32 - 33).
87
Por fim, os autores ressaltam que os bebês e crianças aprendem quando todos
os componentes de aprendizagem ativos estão presentes e, para isso, essa abordagem
recorre a “linhas orientadoras” denominadas de “experiências-chave”: sentido de Si
próprio; comunicação e linguagem; relações sociais; exploração de objetos;
representação criativa; noção precoce da quantidade e de número; movimento;
espaço; música; tempo. Acreditam, com base na “observação infantil”, que
proporcionam um “retrato vivo” do que as crianças fazem, do seu conhecimento e das
competências que emergem das suas ações (POST; HOHMANN, 2003, p. 36). Importa
dizer que ter escolhido como metodologia, nessa pesquisa, a observação das ações e
reações dos bebês e crianças bem pequenas significou a possibilidade de mapear quais
transições cotidianas acontecem na jornada das crianças na creche, como as
aprendizagens acontecem nesses momentos e como é possível potencializá-las.
Ainda, essa organização de experiências-chave contribui para que os
“educadores” percebam o crescimento e desenvolvimento, sejam incentivados a
partilharem e interpretarem as ações das crianças e, em conjunto, planejarem
“estratégias comuns a fim de apoiarem o desenvolvimento das crianças” (POST;
HOHMANN, 2003, p. 53). Nessa perspectiva, importa dizer que o delineamento da
abordagem da aprendizagem ativa muito se relaciona ao objetivo dessa pesquisa, uma
vez que, ao adentrar em campo para observar as ações das crianças nos momentos
em que transições acontecem no contexto do dia a dia na creche, buscarei colaborar
também para que os professores de Educação Infantil, de bebês e crianças bem
pequenas apoiem e sustentem ações para transições cotidianas com sentido, sem
automatismo e com respeito aos tempos e modos em que as crianças as vivem.
Nesse sentido, será possível agir para que evitemos que a creche seja
construída como extensão do adulto, mas que seja a tradução de um olhar mais atento,
um olhar que se cruza com o do adulto pesquisador e professor, que se desafia e
questiona-se sobre as ações e estratégias que as crianças utilizam para “estruturar o
seu processo de aprendizagem”, ligado à atitude de pensar a creche como o lugar no
qual o espaço e o tempo precisam ser “projetados para dar ressonância às descobertas,
88
à pesquisa e às relações das crianças” (PAGANO, 2017, p. 24 - 25). Dando continuidade
ao argumento, Pagano (2017, p. 33) apresenta instrumentos que sustentam o olhar do
professor, como um trabalho que se estende à “orientação do processo de
aprendizagem das crianças, através da observação, reflexão e retomada”. Dessa forma,
o professor possui a responsabilidade de alcançar e retomar as aprendizagens das
crianças “além dos olhos”. Para o autor, isso apenas acontece quando o professor
dispõe de tempo para pesquisar, refletir e realizar a releitura dos eventos, ou seja,
quando utiliza como instrumento também a narrativa para “reunir pensamentos,
postular perguntas e elaborar estratégias” (PAGANO, 2017, p. 34), além de utilizar a
escrita como opção e necessidade de revelação do que pensa, para observar e avaliar.
Como outro instrumento importante que sustenta as ações das crianças, está
o papel do professor em organizar espaços e tempos ricos que deem suporte ao seu
processo de crescimento. Por sua vez, a forma de estruturação do contexto favorece o
surgimento do conhecimento, gera ideias, perguntas, suposições e observações,
momento nesse processo em que o professor precisa se questionar sobre a
organização do grupo de crianças, que relações e descobertas deseja sustentar, que
ideias, competências e saberes quer disseminar, como se prepara contextos, com que
materiais, dentre muitos aspectos que coloquem “em ação as diferentes identidades e
as múltiplas capacidades das crianças e dos adultos” (PAGANO, 2017, p. 36). Nessa
visão, olhar para as transições cotidianas envolve - além de assistir como pesquisadora
as aprendizagens e os modos de viver das crianças, a cada nova exigência ou mudança
na creche – a visualização da organização dos espaços, a concepção de criança e a
relação adulto criança. Por sua vez, durante a convivência de pesquisa, esses dados
revelaram fatores importantes ligados ao objetivo de construir um estudo que sustente
essa prática, de transições cotidianas “bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO;
WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016) e respeitosas às
especificidades das crianças.
A partir disso, o adulto é o diretor da “articulação temporal da jornada escolar”,
pois esse cotidiano “acolhe a necessidade das crianças de viver em um contexto de
89
situações bem conhecidas ou familiares” (PAGANO, 2017, p. 37). Dessa forma, juntos,
adultos e crianças organizam “sequências espaço-temporais flexíveis”, capazes de
“incluir o novo, o inesperado e a curiosidade” (PAGANO, 2017, p. 37), inclusive
permitindo espaço para se consolidar o conhecimento. Por conseguinte, estabelecer
esse elo, professor e crianças, de forma que gere aprendizagens com o menor grau de
rupturas, torna-se um desafio, quando, ainda, em muitas instituições, o argumento
acaba sendo o de que não se tem tempo com as crianças, mesmo em relação às que a
frequentam em turno integral, que passam de 10 a 12 horas por dia na creche. Penso
que esse discurso apenas existe por uma concepção de criança que precisa sempre
estar ocupada, que brincar pode ser perder tempo, que tudo precisa ser gerido por
horários rígidos e fechados, mesmo que as crianças chorem ou se agitem. Dessa forma,
observar as aprendizagens das crianças, suas teorias e suas investigações passa
desapercebido aos adultos que programam os dias na sua lógica e não na das crianças,
de suas necessidades e interesses (PAGANO, 2017, p. 37).
Dessa forma, de acordo com Pagano (2017, p.43), torna-se essencial que o
adulto reveja seu papel e avance como “cocriador de cultura”, pois o “conhecimento é
relacional, afetivo e emocional” e, desse modo, o convite a criar um ambiente propício
para acolher as teorias das crianças e a sua curiosidade legitima o respeito aos
“percursos e processos existenciais e cognitivos” das crianças. Enfim, sou, como
pesquisadora e professora, pelas palavras de Pagano (2017, p.43), “porta-voz dos
direitos e desejos das crianças” e, como tal, tenho um compromisso de atribuir “valor
e dignidade ao que as crianças são e expressam” (PAGANO, 2017, p. 43). Nesse
processo, ainda na perspectiva do autor (2017, p.43), existe a necessidade em aprender
a ter um olhar experiente, aos “modos de ser, de aprender e de conhecer das crianças”,
com disponibilidade a dar condições a elas de se expressarem, aprenderem, criarem e
consolidarem conceitos, como forma de alcançar subsídios que possibilitem
transformar, sustentar e promover o seu crescimento. A partir dos conceitos expostos
sobre as diferentes formas de conceber as transições por Vogler, Crivello e Woodhead
(2008) e Oliveira-Formosinho, Lima e Sousa (2016), além do conceito de “transições
90
ecológicas” de Bronfenbrenner (1996) é possível constatar que as transições cotidianas
acontecem no contexto da creche e estão permeadas por concepções que herdamos
da nossa formação como profissionais da educação e muitas vezes invisíveis na
mecanicidade da ação pedagógica. Ademais, ”para acolher a complexidade das
atuações infantis, precisamos repensar a didática da escola. O investimento não pode
estar no ensino, mas concentrado em criar contextos favoráveis para as diversas
possibilidades de aprender” (CARVALHO; FOCHI, 2016, p. 158).
A Educação Infantil necessita de uma identidade própria e, mesmo que muitos
autores tenham contribuído para isso, os avanços nas práticas desse viver com crianças
tão pequenas ainda precisam ser olhados, confrontados e analisados para construir
com maior qualidade essa especificidade pedagógica. Corroboro que, para isso, é
necessário “ter as práticas do cotidiano como direção e sentido da ação pedagógica”
(CARVALHO; FOCHI, 2016, p. 158). Com isso, no próximo capítulo, abordo a
importância da organização dos espaços, da sala referência e dos materiais na creche.
Acrescentado a isso, ressalto como o contexto da creche pode conversar e se
aproximar ao objetivo de qualificar transições cotidianas com bem-estar e segurança
para as crianças e como são essenciais para que elas se desenvolvam e vivam
aprendizagens significativas na sua especificidade.
91
92
3 POR ESPAÇOS DE VIDA NA CRECHE
A forma como organizamos os espaços de uma instituição para receber e viver
com as crianças da Educação Infantil diz de uma concepção dos profissionais que
somos e, mais ainda, viabiliza que histórias e memórias de vida cotidiana, como a que
abre esse capítulo, possam acontecer na creche. Importa afirmar o quanto o “fazer
pedagógico” na Educação Infantil vem avançando em diferentes abordagens e nos
remetendo a um novo currículo para essa etapa e, consequentemente, a um novo
papel do professor, daquele que atua de forma descentralizada e que substitui a
expectativa por resultados pelo “prazer da troca e da partilha” (HORN, 2017, p. 27).
Com isso, também, altera-se o modo de pensar o processo de aprendizagem
e de torná-lo visível, o modo de ver o ambiente como espaço de relações e o
investimento na memória (HORN, 2017). Nesse sentido, escolhi a sequência de
fotografias de uma cena protagonizada por Lívia (1 ano e 5 meses) no segundo dia em
que estive em campo, ao final de uma jornada. Considero que as três imagens juntas
contam de uma das possibilidades que a organização do espaço permite e de como o
modo de organizá-lo influencia nesse protagonismo, ou seja, de se deixar ficar o tempo
que se deseja consigo, descansando, se divertindo com seu corpo ou escolher observar
as interações e feitos dos amigos.
Para tanto, trata-se de pensar concepções destacando pontos importantes na
organização dos espaços internos e externos da creche e seus materiais, móveis e
brinquedos bem como defesas quanto ao arranjo desses espaços ancoradas na ideia
de criança protagonista, competente e curiosa. Ainda, essa “organização de contextos
estruturantes para o desenvolvimento de experiências ricas” (HORN, 2017, p. 27), além
de contemplar as diferentes linguagens, precisa fundamentar-se, segundo Ceppi e Zini
(2013, p.20), em concepções do quanto a identidade de um lugar deve se formar não
através de códigos formais, mas pela qualidade, intensidade das relações estabelecidas
e experiências geradas em tal lugar e, dessa forma, traduzir as concepções dos
profissionais que ali habitam. Penso também que, principalmente o espaço da sala
93
referência das crianças, precisa promover aprendizagens e garantir o seu
desenvolvimento motor, relacional, emocional e social. Ainda, importa salientar que “o
espaço não é simplesmente um cenário”, mas “revela concepções” (HORN, 2017, p. 17)
traduzidas nessa organização dos móveis, brinquedos e materiais.
Com isso, apresento conceitos de modo a refletir e compreender de que forma
a organização dos espaços da creche, como “eixo estruturante do currículo” (HORN,
2017, p. 13) ou como “dispositivo pedagógico” (GARIBOLDI, 2011) contribui para
transições cotidianas “generativas” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO,
2016).
Creio que “as crianças aprendem em todos os locais [...],em interação com seus
companheiros e com o espaço” (HORN, 2017, p. 13) e “por meio da interação e
imitação” (HORN, 2017, p. 20). Por isso apresento: (i) conceitos de espaços internos e
externos (FORNEIRO, 1998; HORN, 2003; 2017; GARIBOLDI, 2011; GOBATTO, 2011;
HOYUELOS, 2014; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2018; PAGANO, 2017; BRASIL, 2009c;
STACCIOLI, 2013); (ii) a constituição de ambientes relacionais que gerem aprendizagens
pelos bebês e crianças bem pequenas (BRASIL, 2009c; FORNEIRO, 1998; GOBATTO,
2011; HORN, 2003; 2017; ROGGOF, 1993; 1998; 2005; RINALDI, 2013; OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2018; STACCIOLI, 2013) e (iii) a oferta de materiais como potentes
nesse processo de desenvolvimento vivido pelas crianças na creche (CEPPI; ZINI, 2013;
FOLQUE; BETTENCOURT, 2018; HORN, 2017; HOYUELOS, 2014; OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2018; REDIN; FOCHI, 2014; SCHWALL, 2012) relacionados às DCNEI
(BRASIL, 2009c).
3.1 DA SELEÇÃO DAS PEÇAS A COMPOSIÇÃO DO MOSAICO DOS ESPAÇOS DA
CRECHE
Prosseguindo a discussão iniciada no capítulo anterior sobre a relevância da
organização dos tempos para se viver jornadas significativas e respeitosas na creche,
em que importa perceber indícios de como cada um vive o tempo da vida (SACRISTÁN,
94
2008), apresento espaços da creche investigada, em imagens, e argumentos para a
transformação dos espaços da creche em ambientes relacionais e que possibilitem às
crianças viver processos de transições cotidianas com aprendizagens pelos seus modos,
pelos seus ritmos e pelas suas especificidades.
Foto mosaico 4 - A creche e seus espaços. Composta por 14 fotografias digitais da autora.
95
Para Horn (2017), nesse processo de como organizar os espaços e
consequentes contextos de aprendizagem, está a concepção de criança e de
aprendizagem, como “ação eminentemente social”. Esses conceitos precisam estar
afinados e entrelaçados com as ações das pessoas, dos materiais, das intervenções dos
parceiros mais experientes e da própria organização do espaço (HORN, 2017, p. 28).
Nesse contexto, importa os conceitos de espaço e ambiente de que tratam
alguns autores para a organização dos espaços das instituições de Educação Infantil.
Em relação ao conceito de espaço, Gariboldi (2011, p. 99, tradução nossa) destaca que
o espaço, “em suas características físicas, expressivas e simbólicas, possui uma
dimensão comunicativa”. Nesse sentido, o autor vê o espaço como linguagem que
influencia e regula o comportamento das pessoas e, especialmente, as crianças “em
processo de desenvolvimento”. Forneiro (1998), por sua vez, enfatiza os conceitos de
espaço e como ele se constitui em ambiente. A autora reconhece que existem diversas
concepções para o termo espaço, mas o entende como algo físico, “ligado aos objetos
que são os elementos que ocupam o espaço” e caracterizado, também, pelos materiais,
pelo mobiliário e pela decoração. Por sua vez, Horn (2017, p. 18), de modo muito
próximo, mas complementando tal conceito, entende por espaço como os locais em
que acontecem as atividades e que se caracteriza pelos elementos presentes nele, como
“objetos, móveis, materiais didáticos e decoração”.
Me alinho aos autores considerando que são concepções que se
complementam e que contribuem quando nos propomos a projetar uma creche para
as crianças e a refletir sobre as transições cotidianas. Assim como Gariboldi (2011),
entendo que o espaço comunica concepções e mensagens para as crianças do que
podem fazer naquele lugar assim como percebem, pelas relações que estabelecemos
com elas, sentimentos de confiança e segurança em estar melhor ou não em cada
espaço. Nesse sentido, mesmo que consideremos o espaço em seus aspectos físicos,
como discute Forneiro (1998), eles envolvem escolhas levando em conta um conjunto
de fatores em se tratando de espaço para a idade das crianças. Nesse viés, Horn (2017)
enfatiza tal perspectiva, acrescentando a ideia de se planejar a decoração dos espaços
96
de atividades, elemento importante que influencia na harmonia da creche. De modo
particular, tais conceitos colaboram quando se trata das transições cotidianas na creche.
Ou seja, quando atentamos para tais conceitos, organizamos adequadamente os
espaços em termos de quantidade de objetos e brinquedos ou na disposição, altura e
segurança do mobiliário, de modo que o uso do espaço pelas crianças durante o
cotidiano, nas transições de um espaço para outro, de uma atividade para outra ou de
uma aprendizagem para outra sejam vividas com maior segurança, domínio e
“autonomia” (FALK, 2016b) quanto ao uso deles.
Além disso, o modo como está organizado o espaço da creche transmite uma
mensagem direta das relações que ele possibilita (FORNEIRO, 1998, p. 230). Para
Forneiro (1998) importa que, quando nos colocamos o compromisso de organizar o
espaço de uma instituição, refletir sobre como ele se estrutura é de extrema
importância. Para isso, elenca quatro grandes questões para pensá-lo: como é
organizado, o que é o espaço, como é utilizado e como e quem o avalia.
Nessa perspectiva, a autora diferencia espaço de ambiente e ressalta que
ambiente se refere ”ao conjunto do espaço físico e às relações que se estabelecem no
mesmo” (FORNEIRO, 1998, p. 232). Ou seja, para que o espaço seja percebido e vivido
como um ambiente, precisa possibilitar, na sua organização, “os afetos, as relações
interpessoais entre as crianças, entre crianças e adultos, entre crianças e sociedade em
seu conjunto” (FORNEIRO, 1998, p. 233). Isso significa dizer que nosso desafio é tornar
o espaço em ambiente, de modo que as crianças possam viver transições cotidianas
com bem-estar, que sejam reconhecidas nos modos como reagem, levem em conta as
suas especificidades e, com isso, que os adultos organizem esse espaço para que
permita que as relações entre todos da creche possam ser viabilizadas com uma
identidade própria das pessoas que ali trabalham e das crianças que ali são atendidas.
Neste contexto, considero que, para transformar o espaço em ambiente, torna-
se essencial conhecer as crianças e sobre elas, sem, com isso, utilizar-se de padrões
definidos, mas com um saber pedagógico, de um saber da cultura da comunidade e do
que é importante que esse espaço componha e ofereça. Corroboro a visão de Oliveira-
97
Formosinho (2018, p. 54) quando enfatiza que, se o lugar é para um grupo, ele também
precisa ser para cada um, de modo que se torne “um lugar para brincar e para aprender,
um lugar para o trabalho e para a pausa, um lugar que acolhe diferentes ritmos,
identidades e culturas”, motivo maior para que defendamos o quanto a organização
dos espaços envolve reflexão, planejamento e especificidade de cada etapa que as
instituições atendem.
Acredito que um lugar para bebês e crianças bem pequenas é aquele que
oferece segurança e desafios, com certo grau de risco, mas ao mesmo tempo de
interação sem que se passe algum tempo nesse lugar dizendo “não isso, não aquilo”.
Se nossa intervenção de adultos for essa, temos o alerta de que o espaço não está
satisfatório para as crianças. Desse modo, quando se pensa na proporção e na
responsabilidade envolvida na organização dos espaços da creche, logo nos
remetemos ao quanto eles necessitam contemplar a complexidade de experiências
possíveis e necessárias aos bebês e crianças bem pequenas viver. Nessa perspectiva,
importa a ideia de Horn (2003, p. 09) quando explicita que “o espaço é um parceiro,
por vezes quieto e silencioso, que reparte com os educadores a tarefa de educar e
ensinar às crianças pequenas”. Acrescento a isso que, se o espaço é esse parceiro,
remete a pensarmos no quanto deveria tomar um alto grau de relevância no
planejamento dos professores, como papel fundamental.
Por sua vez, o modo como as instituições de Educação Infantil são organizadas
e pensadas, “além de propiciarem às crianças espaços para as aprendizagens” como
“um espaço público e de vida coletiva”, precisa reverberar em “ações para o cuidado e
a educação das crianças que sempre foram consideradas como da vida privada: a
alimentação, a higiene e o repouso” (BRASIL, 2009c, p. 18). Nesse sentido, na creche
da pesquisa, percebi o quanto o refeitório é pensado com essa mutação, pois, além de
servir como espaço das refeições, é utilizado para propostas variadas com as crianças,
para reuniões, confraternizações ou encontros com as famílias.
De forma a compreender essa mutação e essa organização dos espaços
educativos de modo a transformá-los em ambientes, trago a compreensão de Forneiro
98
(1998) para a estrutura do ambiente. A autora a divide em quatro dimensões: a) Física:
diz respeito ao “aspecto material do ambiente”, ao “espaço físico” e às “suas condições
estruturais”, como: os objetos e sua organização; b) Funcional: diz respeito à “forma
de utilização dos espaços, a sua polivalência e o tipo de atividade à qual se destinam”,
sendo que por polivalência se entende “às diferentes funções que um mesmo espaço
físico pode assumir”; c) Temporal: diz respeito à “organização do tempo e, portanto,
aos momentos em que serão utilizados os diferentes espaços” que precisa ser coerente
com a nossa organização do tempo e vice-versa. O tempo de brincar nos cantos; de
comunicar-se com os outros; de contar histórias; do lanche; do recreio; de trabalho
individual ou em pequenos grupos; da atividade livre autônoma; da atividade
planejada e/ou dirigida; d) Relacional: diz respeito “às diferentes relações que se
estabelecem dentro da sala”, ou seja, está ligado aos “diferentes modos de ter acesso
aos espaços”, “as normas e o modo como se estabelecem”, como os agrupamentos
são feitos para a realização das atividades, “a participação do professor (a) nos
diferentes espaços e nas atividades que as crianças realizam” (FORNEIRO, 1998, p. 233,
grifos meus).
Nesse contexto, apresento os espaços da creche nos quais foi realizada a
investigação e como os percebi. A organização da instituição logo me transmitiu uma
mensagem das crenças do grupo de pessoas que ali trabalham. Por sua vez, pode-se
perceber a estrutura dos ambientes ligados às dimensões física e funcional. Após
identificação no portão, que é aberto por meio eletrônico, é possível chegar no saguão
pelas escadas ou pela rampa, o que demonstra acolhida e acessibilidade. Logo na
entrada, vê-se a secretaria, o que possibilita saber quem está entrando e esse pode ser
recepcionado pela secretária ou pela equipe diretiva que também trabalha nesse
espaço. Sempre que cheguei, me senti à vontade em entrar, deixar meus pertences na
secretaria, organizar a máquina fotográfica e, quando não tinha ninguém nesse espaço,
fui sempre bem recepcionada por professores que estavam descansando no saguão ao
meio dia. O que se vê do lado esquerdo da entrada é um espaço que antecede o
espaço da faixa etária 0, com brinquedos específicos para eles, outro espaço para a
99
alimentação com cadeirões, a cozinha ou lactário, a sala da faixa etária 0 e seu solário.
Do lado direito da entrada, vê-se uma parede arredondada, utilizada como mural e que
é modificado constantemente e conta as aprendizagens das crianças ou os eventos.
Embaixo dela, há sempre diferentes materiais para interação das crianças que, também,
sofre alterações conforme investigações das crianças e turmas. Essa parede é parte da
escadaria para o andar de cima em que ficam duas salas.
Além disso, o grande saguão, no centro, permite que muitos dos movimentos
que acontecem na jornada possam ser acompanhados pela equipe, diretora e
coordenadora, pelo visor de vidro da secretaria que fica em frente a um mural. Nesse
saguão, ponto de encontro de quem frequenta a creche, estão bancos para famílias,
piscina de bolinhas e casinha. Além disso, do lado esquerdo, se tem acesso por um
corredor a quatro salas (uma delas a sala das crianças da pesquisa). Ao centro, estão
presentes mesas, bancos, bufê, banheiros das crianças e porta da área coberta. Do lado
direito, se tem ingresso à escadaria, biblioteca, banheiros dos adultos e cozinha. Ainda,
se avista a janela para acesso à cozinha e, ao fundo, o corredor que dá acesso a mais
duas salas.
Vale destacar o quanto o refeitório, pela característica estética, é pensado para
ser um ambiente, pelas possibilidades relacionais e agradáveis que possibilita, além da
dimensão funcional, temporal e relacional que promove. Afirmo isso, pois as mesas
possuem toalhas de forma que transmitem uma mensagem de aconchego e do quanto
a refeição merece ser harmoniosa. As mesas e bancos são baixos, de forma que as
crianças conseguem subir. A pia possui estrado de elevação. A bancada para as louças
sujas permite acessibilidade das crianças, que são incentivadas a levarem seus pratos,
talheres e copos nesse local, após refeições. As crianças demonstram, em suas
expressões em vários desses momentos o quanto se sentem orgulhosas em conseguir
realizar tais ações, por si.
Para Gobatto (2011, p. 203) o refeitório é “um espaço no qual o coletivo da
creche se encontra para a prática social da alimentação” além de fazer com que as
crianças tenham “fomentadas as suas relações com as crianças maiores e os outros
100
profissionais” por considerá-lo um “contexto de vida coletiva”. Penso que estar em
companhia para se alimentar, no refeitório da creche, além de ser uma experiência
social para as crianças, envolvia uma cultura e o que sabiam de como se portar nesse
momento. Pude observar isso a partir de como agiam ao manipular os objetos
oferecidos e da postura. Tive essa percepção na instituição investigada quando as
crianças transitavam nesse espaço, na forma como absorviam o que ocorria e o que
tinham para explorar, assim como os adultos ali interagiam. Nesse ponto, Hoyuelos
(2014, p. 86, tradução nossa) contribui ao tratar desses espaços da instituição citando
Loris Malaguzzi que propõe que busquemos construir uma escola “amigável”, com
inspirações arquitetônicas e ambientais de forma a abrigar, “por meio de espaços
relacionados, os direitos das crianças, dos trabalhadores, dos pais e dos cidadãos”, de
forma que esses espaços recolham “os vestígios, presenças e memórias de todos os
seus coabitantes”. Ou seja, esse espaço e seus objetos estão organizados de forma a
permitir a interação e a circulação das crianças - para ida ao banheiro, para o se servir
ou para o se alimentar - e, ainda, o aconchego e os deslocamentos das famílias que
chegam e necessitam atendimento na secretaria ou que precisam passar por esse
“meio” para acessar algumas salas, ação permitida e que possibilita a constituição dos
vínculos entre todos. As famílias levam e buscam seus filhos e filhas nas salas, o que
permite uma maior constituição de aproximação entre os adultos e uma potência de
aprendizados para as crianças ao viverem esses momentos, gerando maior confiança
em estar na creche.
Por sua vez, como parte desse espaço, dentro desse saguão central, com pé
direito bem alto, existem murais esteticamente organizados. No refeitório um desses
murais, menor, ao lado da janela da cozinha, informa para todos sobre as crianças que
possuem restrições alimentares. O mural, em formato de cavalete ou, às vezes, de
grade expositora, bem na entrada ou ao lado da secretaria, possui o objetivo de ser
informativo, apresenta uma comunicação com as famílias e, ao mesmo tempo, dá a
ideia de relação com o externo. Outros dois murais mostram o trabalho realizado com
as crianças com o objetivo de tornar visível as aprendizagens desenvolvidas por elas,
101
um dos princípios da instituição e que cumpre com esse propósito. Para Horn (2003,
p. 14) “as paredes falam e documentam um trabalho”, fato que constatei na creche
investigada. Nos dois murais, mais destinados a esse objetivo, conseguia acompanhar
os processos de investigação e aprendizagens de grupos diferentes na creche, pois a
cada semana, as imagens, escritas ou pequenas histórias eram modificadas e contavam
o cotidiano das crianças. Ainda, ao que diz respeito à função das paredes da instituição,
Horn (2003, p. 14) cita que em sua “nudez” revela uma “postura pedagógica que não
aposta no registro, na documentação do que está sendo feito”, contrário ao que vi. A
autora ainda enfatiza que “o espaço nunca é neutro” (HORN, 2003, p. 13), o que é
possível constatar nas imagens e nas cenas que observei na pesquisa.
O último mural, interativo, fica na altura das crianças e é modificado de tempos
em tempos. Nesse mural, que fica ao lado da porta da biblioteca, perto da pia e atrás
da mesa em que a turma investigada realiza as refeições, capturei muitas cenas durante
as observações em campo. Essas cenas ocorreram, principalmente, nos momentos da
transição refeitório - término de lanches ou almoço-, pois era alvo da atração das
crianças e contribuiu para que essa transição acontecesse de forma gradativa. Ou seja,
enquanto alguns terminavam sua alimentação, outros tinham as mãos lavadas e os que
já estavam prontos podiam passar por ali, interagir e explorar, antes de ir para a sala
para o descanso, ao meio dia, ou para outro espaço depois do lanche. Outros
aproveitavam e usufruíam, também, dos desafios que a escada - que dá acesso aos
adultos a duas salas, a de planejamento e a de refeições dos professores - convidava,
pois subiam e desciam, sentavam-se nos degraus ou se agarravam no corrimão.
Penso que, contando sobre esse fragmento, de um dos episódios que vivi nos
dezoito momentos de observação com as crianças, durante a jornada na creche, pude
perceber o quanto os bebês e as crianças bem pequenas vivem “transições entre
diferentes atividades ou espaços físicos” (BRASIL, 2009). Corroboro que, o como esses
espaços são realizados interfere nas reações e relações que as crianças estabelecerão
com os adultos e com os ambientes. Consequentemente, refletirão nos processos de
aprendizagem e desenvolvimento diferenciados, facilitando o “crescimento infantil” em
102
todas as suas potencialidades e em como as crianças poderão se sentir completas
biológica e culturalmente (HORN, 2017, p. 33).
Nesse sentido, partindo-se do pressuposto de que “a escola é mais das
crianças” (PAGANO, 2017, p. 27) porque ela existe para elas, e porque elas possuem o
direito de ter garantido um lugar adequado para estar entre pares e aprender, saliento
que, quando tratamos de organizar ambientes nas instituições de Educação Infantil,
precisamos estar atentos à perspectiva das crianças e ao modo como se relacionam
nesse lugar creche. Da mesma forma, como adultos, nosso compromisso é direto na
busca em transformar esses espaços de forma implicada e responsável. Isso significa
compreender que a forma como organizamos os ambientes de vida para as crianças na
creche interferem diretamente em processos generativos ou não, de transições
cotidianas. Desse modo, as crianças possuem o direito de viver em uma instituição que
lhes respeite, que as coloque no centro, que faça com que elas encontrem a
possibilidade de expressar a si mesmas, que permita que atuem como “protagonista[s]
do tempo, do espaço, dos materiais, dos diálogos e das relações” (PAGANO, 2017, p.
28).
Isso posto, Forneiro (1998) contribui com a discussão afirmando que o espaço
se define como ambiente como um “todo indissociável de objetos, odores, formas,
cores, sons e pessoas que habitam e se relacionam dentro de uma estrutura física [...],
que contém tudo e que [...] é contida por todos esses elementos que pulsam dentro
dele como se tivessem vida” (FORNEIRO, 1998, p. 233). Da mesma forma, Horn (2017,
p. 18) entende que os conceitos de espaço e de ambiente estão “intimamente ligados”
e corrobora Forneiro (1998) que o termo ambiente se refere ao “conjunto do espaço
físico” e às “relações que nele se estabelecem” que envolvem os “afetos e as relações
interpessoais dos indivíduos envolvidos nesse processo”, adultos ou crianças (HORN,
2017, p. 18).
Durante a jornada na creche, pude observar que era possibilitado às crianças
deslocamentos por todos os espaços. Nesse sentido, Gobatto (2011, p. 202) enfatiza
que “a diversidade dos espaços enriquece as rotinas, ampliando os horizontes do
103
planejamento pedagógico pela multiplicidade de vivências que comporta”. Tal
constatação também pude observar nessa turma, pois percebia as crianças mais felizes
e seguras, dia após dia, conforme voltavam a cada espaço. Ao ouvirem o anúncio do
local em que iriam, começavam a se dirigir para ele com desenvoltura e escolhendo o
como: de mãos dadas com colega, de mão com a professora ou sozinho, de forma
independente.
Tratando-se dos espaços em que as crianças utilizam, além da sala e refeitório,
está a biblioteca. Nesse espaço há acervo variado e em grande quantidade, com
prateleiras baixas, palco com fantasias, baú com livros selecionados para os bebês, de
tecido, capa dura e alguns de material plástico, tapete e uma grande minhoca de tecido
que funciona como almofada ou travesseiro. Percebe-se uma preocupação para que
esse espaço esteja adequado ao que se propõe, porque as crianças retiram livros
semanalmente, através do Projeto de Mediação de Leitura, podem manuseá-los, contar
e ouvir histórias. A área coberta, com acesso pelo refeitório, possui cama elástica,
escorregador, motocas e casa de madeira. No espaço externo, logo na entrada, as
crianças possuem contato com casa na árvore e com escorregador que imita um ônibus.
Além disso, existem duas praças. Do lado direito da entrada, há a praça maior,
com vários brinquedos como: escorregador, balanços, ponte pênsil, casinha, canteiro
de areia com pia de paletes e brinquedos para areia, casinha com escorregador,
escalada e gangorra, gangorras, gira-gira, casinha de alvenaria com brinquedos não
estruturados, tanque, parede com pneus para escalada e bancos baixos. Nessa mesma
praça, está o quiosque com cisternas na sua volta e bancos de madeira. Ao lado do
quiosque, as crianças têm acesso a uma pequena floresta de bananeiras e a um morro
para escorregar e ter acesso a uma horta pequena e composteira. A outra praça fica à
esquerda da entrada da creche. Possui pergolado com trepadeira, roda de tocos de
árvores e árvores frutíferas. Dessa praça se tem acesso aos quatro solários: o da Faixa
Etária 0, que atende 15 bebês em turno integral; o da outra turma de Faixa Etária 1, que
atende 15 bebês e crianças bem pequenas, em turno integral; o da Faixa Etária 1, da
pesquisa e que atende, 10 bebês e crianças bem pequenas em turno integral; e o solário
104
da Faixa Etária 2, que atende 16 crianças da Faixa Etária 2 da escola. Do solário da turma
da pesquisa, tem-se acesso à quadra coberta e a uma outra área de grama que estava
sendo revitalizada. Ao final da pesquisa, as famílias construíram ali uma cabana de
taquareiras e tiras de tecido e um carro feito de pneus e madeira.
Nesse contexto, percebi que os espaços externos da instituição oferecem
diferentes formas de convivências e brincadeiras. As crianças têm acesso e espaço para
jogos tranquilos; jogos imitativos (de manipulação e construção); jogos de movimento;
para o mistério; para jogos de aventura e imaginação (BRASIL, 2009c, p. 94). Entendo,
contudo, que todos os espaços da creche (banheiros, salas, pátio, biblioteca, refeitório,
secretaria, etc.) “são locais de atividades pedagógicas que garantem às crianças a
permanência e o pertencimento a um ambiente” (BRASIL, 2009c, p. 92) e que avançam
pelo grau de possibilidade de participação das crianças. Nesse ponto, Horn (2017, p.33)
salienta que todos os espaços educam e o “princípio norteador” da organização deles
deveria ser o de convidar a estar neles, o de acolher e o de permitir estar junto uns dos
outros.
Por conseguinte, a forma como se organiza esses espaços deve oferecer “a
ideia de continuidade, a possibilidade de recomeços, o encontro do que já sabem e
apreciam” (BRASIL, 2009c, p.92), garantindo a experiência da criação de novos
conhecimentos. Se consideramos a importância de planejarmos um espaço de creche
que atue de forma a viver transições cotidianas de deslocamentos, de viver o lá fora ou
da mudança de um espaço ao outro, de forma que cada um deles receba as crianças
em suas especificidades, tempos e ritmos pessoais, falar sobre os elementos que
caracterizam o espaço externo das instituições de educação infantil tomam relevância.
Esse ambiente externo, de contato com o natural, com os elementos da
natureza, com o percebê-la, em suas mudanças, suas cores, suas texturas, seus cheiros,
merece ser pensado de forma a dar essas condições. Horn (2017, p. 87) elenca que
precisamos desmistificar a ideia de que as crianças aprendem apenas confinadas no
interior das instituições e, ao contrário, muitas propostas podem ganhar o pátio da
creche: ouvir histórias na sombra das árvores; construir com terra e água; desenhar,
105
pintar ou colar ao ar livre, etc. Ainda, a autora enfatiza o quanto é primordial que se
organize contextos significativos para que as crianças vivam experiências nos espaços
externos, considerando que todos eles são “potencialmente promotores da brincadeira
e da interação” e, “onde elas possam colocar-se em relação umas com as outras e
sintam-se desafiadas a interagir com diferentes materiais” (HORN, 2017, p. 87). Outro
aspecto importante desse processo é que essa “organização do ambiente é uma parte
constitutiva e irrenunciável do projeto educacional”, de modo que “traduz uma
maneira de compreender a infância, do papel da educação e professor” (BRASIL, 2009c,
p. 94). Nesse contexto, corroboro a visão de Gobatto (2011, p. 208) de que, se os
espaços da creche são contextos de vida coletiva e “precisam atender simultaneamente
a singularidade e a pluralidade humana”, configura-se “como contexto onde todos
possam estar junto nas suas diferenças!”.
Dito isso, além de possibilitar o contato das crianças, na maior parte do tempo
da sua jornada, ao ar livre, o que pude viver e presenciar na pesquisa, importa dizer o
quanto defendo a importância de tirar do anonimato a existência de transições
cotidianas na jornada das crianças. Afirmo isso, porque entendo que elas merecem
planejamento atento aos ritmos, desejos e necessidades, sendo necessário lançar e
compreender os conceitos de tempos, espaços e materiais a serem ofertados na creche
por estarem estritamente interligados na compreensão dessas transições na jornada
das crianças na creche. Nessa perspectiva, na próxima seção, apresento o que entendo
como contexto adequado de sala referência de forma a constituí-la como um ambiente
relacional que gere aprendizagens, para se viver experiências, relações e transições
cotidianas significativas “bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016) com bebês e crianças bem pequenas.
3.2 SALA REFERÊNCIA COMO PORTO SEGURO DOS BEBÊS E CRIANÇAS BEM
PEQUENAS
Saio um pouco para o meu lanche. Na volta e após mais alguns minutos das
crianças explorando o espaço da área coberta e na cama elástica, professoras
106
convidam as crianças para voltarem para sala. As crianças logo se dirigem para
a porta e voltam felizes, explorando o saguão onde, também, fica o refeitório
e sabendo o caminho para chegar até a sala. Uma das constatações que já
pude perceber: a sala referência parece ser o porto seguro da creche para
essas crianças. Ficam em outros lugares, exploram, mas chega um momento
em que, tanto eu quanto as professoras percebemos, (percebo que notam),
que as crianças querem voltar para a sala referência (Nota do diário de campo
– 19 de março de 2018).
A partir dessa nota, do diário de campo, é possível afirmar que, desde o
primeiro contato que tive com os espaços da instituição e, principalmente da sala
referência em que as crianças vivem suas relações com adultos, crianças, materiais,
deslocamentos, pude perceber uma instituição preocupada com o arranjo dos espaços
e o quanto a sala referência era considerada um porto seguro para as crianças. Isso
entendido porque, pelo que percebi, as crianças reconhecem nesse espaço suas
especificidades ou porque ele acomoda suas coisas e objetos conhecidos que
transmitem e criam essa relação de pertencimento, significado, aconchego e segurança
durante a jornada na creche.
O espaço da sala, desse modo, foi organizado para receber as crianças nos
primeiros contatos com a creche. Como apresento no capítulo metodológico, do grupo
de crianças, das 10, uma metade eram novas na creche e a outra metade a frequentava,
na faixa etária 0, no ano anterior. No que diz respeito à dimensão física, a sala referência
da creche investigada possui três janelas, uma voltada para o corredor interno da
creche (apenas vidro) e duas para o solário, o que contribui para uma ótima iluminação.
De um lado da parede, visualizados da porta de entrada, há dois armários para
guardar materiais das crianças e das professoras, como: sacolas individuais com as
roupas de cama, bolsas, materiais escolares. Ao lado deles, estão os colchões para o
momento do descanso, que é realizado na sala, diariamente, e é organizado pelas
funcionárias, enquanto as crianças almoçam. Do lado oposto, fica outro armário com
trocador e duas portas para guardar os potes com materiais pessoais das crianças
como: pomadas, fraldas e lenços umedecidos. Acima do trocador, há um grande
107
armário de nichos individuais para cada mochila das crianças identificados com seus
nomes.
No início da pesquisa, a sala referência da turma investigada possuía cabana
organizada no meio da sala com colchões e brinquedos escolhidos pelas professoras e
piscina de bolinhas. Na prateleira, havia brinquedos estruturados e não estruturados,
telefones e brinquedos de plástico de encaixe, de acordo com a idade das crianças. No
canto da sala, havia pia de paletes, feita por algumas famílias, com objetos da vida
cotidiana, alguns de plásticos, mas também utensílios em tamanhos reais e mesa com
toalha e quatro cadeiras. Abaixo da janela, estava o canto das bonecas com banheiras
e panos. Na sala, ainda tinha espelho horizontal em uma das paredes e na altura das
crianças, com fotos delas.
Ainda, perto da janela, tinha um cesto com brinquedos de pelúcia variados,
prateleira baixa com carrinhos e brinquedos de puxar e, ao lado da porta e embaixo da
janela, alguns espelhos em tamanhos menores e com diferentes formas geométricas.
Seguindo esses elementos, Rinaldi (2013, p. 125) argumenta que “os ambientes físico e
psicológico são definidos reciprocamente para dar às crianças uma sensação de
segurança que deriva do sentimento de serem bem-vindas e valorizadas”. Percebi essa
sensação nas reações das crianças e na preocupação das professoras ao organizar esse
espaço da sala para recebê-las e, especialmente, no processo de adaptação das crianças
na creche. Ao mesmo tempo, essa ideia que direciona o como organizar esse lugar da
sala “garante a oportunidade para desenvolverem todo seu potencial relacional”
(RINALDI, 2013, p. 125).
Importa dizer que o papel principal do professor, especialmente nos primeiros
contatos que essa relação adulto e criança proporciona, no período de chegada e do
conhecer-se, é organizar esse contexto para esperar as crianças de forma que produza
esse sentimento e esse acolher, não só nas ações, mas nas relações possíveis de serem
estabelecidas nesse lugar que as recebe.
Nesse mesmo processo reflexivo, ressalto que a sala propiciou um “ambiente
seguro, limpo e confortável”, locais para “a privacidade, o movimento, o aconchego, o
108
conforto, a atividade, o descanso, a exploração minuciosa, a autonomia, o encontro
entre parceiros”. Além disso, percebi que, organizada dessa forma, propiciou abertura
para “a vivência dos seus medos, frustrações e conflitos”, ou seja, das “múltiplas
dimensões que constituem o ser humano” (BRASIL, 2009c, p. 93). As crianças, aos
poucos, foram se apropriando de cada proposta organizada na sala, foram
constituindo parcerias, tanto dos colegas como dos adultos, fizeram escolhas e
remeteram seus desejos e necessidades em seus modos, corpo ou balbucios. Aos
poucos fui conhecendo esses modos e compreendia, assim como as professoras, o que
desejavam. Horn (2017, p. 29) contribui nesse ponto quanto enfatiza a importância de
prever, com intencionalidade, pelo professor, espaços para que as crianças vivam
atividades em pequenos grupos, que se interessem por certos materiais e que vivam
processos dentro de um “contexto definido e circunscrito”.
Importa, também, salientar que, pelo fato de haver janelas baixas na sala, era
possível, para crianças, se relacionar com o espaço externo, fator que considerei
importante no processo das transições, pois concordo que “as crianças devem ter a
possibilidade de estar em contato com agentes acústicos no exterior dos prédios”
(CEPPI; ZINI, 2013, p. 105).
No contexto dessa turma, as crianças têm a possibilidade de acesso, pelas
janelas, ao que acontece no entorno, como ao canto dos pássaros, ao barulho da chuva,
ao caminhão do lixo ou ao trajeto do ônibus: todos acontecimentos percebidos pelas
crianças; ou seja, alguns acontecimentos da vida cotidiana e que as crianças querem e
merecem entrar em contato. Ainda, no decorrer da pesquisa, os cantos e os materiais
ofertados para as brincadeiras das crianças na sala foram se modificando. As crianças
apresentam especificidades próprias em cada faixa etária e, nesse contexto, o espaço,
tanto do mobiliário, brinquedos e objetos, como da luminosidade e materiais a ser
ofertados, se transformam “dia-a-dia para dar conta das inovações, descobertas,
interesses e mesmo do crescimento das crianças” (BRASIL, 2009c, p. 93). Na foto
mosaico que segue, percebe-se nas imagens o processo de transformação da sala
referência e que detalho em seguida.
109
Foto mosaico 5 - Sala referência do grupo de crianças da pesquisa. Composta por 07 fotografias
digitais da autora.
110
Compreender e dar atenção a isso foi importante, o que pude ver nos
desdobramentos de como a sala foi se transformando. Para melhor compreender
algumas mudanças, trago uma nota do diário de campo:
De cara percebo que a sala teve mudanças. Acrescentaram plataforma de
paletes com alguns elementos da natureza e não estruturados, dois bambolês
como chuveirões com alguns brinquedos pendurados, um espaço com os
colchões formando um sofá (como havia no início da pesquisa) e criada rampa
uma tábua em cima de dois pneus, ou seja, outros microclimas com espaços
circunscritos e com níveis foram criados possibilitando maiores escolhas e
interações em pequenos grupos, mesmo que ainda brinquem muito em
duplas, no máximo. De fato, o espaço gerou maior calma. Em certo momento,
quando convidados a cantar, a plataforma ficou pequena para tanta gente no
trem, que ia aumentando conforme iam lavando as mãos para o café (Nota
Diário de Campo – 07 de maio de 2018).
A partir dessas alterações na sala e das minhas primeiras impressões ao
perceber as mudanças (que podem ser observadas na foto mosaico), elas foram se
mostrando ainda mais potentes no decorrer das interações das crianças com os novos
cantos criados ou recriados por uma estagiária do Curso de Pedagogia da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e pelas professoras titulares da turma. Percebo,
também, que essa organização do espaço contribuiu não só nas interações das
crianças, mas na demonstração de maior bem-estar e tranquilidade, principalmente no
ritual de lavar mãos, o sair e o voltar da sala, quando entravam e se dirigiam nos cantos
de escolha com maior segurança.
Com isso, compreendo que, a fim de organizar esse ambiente, que “envolve
aspectos físicos, culturais, afetivos e sociais”, necessita-se “levar em conta os odores,
as cores, os ritmos, os mobiliários, os sons e as palavras, o gosto e as regras de
segurança, pois cada um tem identidade própria” (BRASIL, 2009c, p. 91). Desse modo,
ainda, a sala ganhou níveis e desníveis. Teve a volta do tapete que estava em reforma,
ganhou rampa de madeira em cima dos pneus e plataforma de paletes para
construções com elementos da natureza e não estruturados. Esses novos elementos
geraram experiências que as crianças vinham demonstrando necessitar e que eu havia
111
registrado. Digo isso, pois havia percebido que subiam nas grades das janelas e do
solário, entravam dentro da cuba da pia, queriam subir na escada que dava acesso ao
trocador, dentre outras ações que diziam da necessidade de um corpo descobrindo
suas potencialidades e necessidades.
Em razão dessas mudanças, ainda, percebo que os lugares da sala, quando
compostos e modificados, levando em conta os fatores e características das crianças e
o de como interagem, seja com os brinquedos ou com os colegas, em sua
complexidade, possibilitam que recebam modificações de forma mais ou menos
intensas ou com menor ou maior periodicidade. Entendo ser necessário total atenção
dos professores à forma como registrar essa participação das crianças de modo a
realizar ou não tais modificações, em todos os espaços, a partir do que as próprias
crianças vão mostrando na relação com as coisas e espaços.
Da mesma forma, essa interação das crianças com o ambiente – sala - tornou-
se visível durante os momentos em que ficavam nela ou podiam sair e entrar, como os
momentos, muito frequentemente após dormitório, em que alguns acordavam e
outros ainda continuavam seu dormir. Algumas crianças levavam brinquedos ao
solário, voltavam, outras ficavam alguns minutos apenas observando o entrar e sair
dos colegas e só depois iam para fora ou escolhiam algo para brincar. Tais cenas me
mostraram o quanto esse abrir de porta da sala para o solário como convite e dar-se
esse tempo, respeitoso de, aos poucos, aceitá-lo ou não explorá-lo gerava um
ambiente tranquilo e propício para viver uma agradável transição cotidiana do estar
dormindo, acordar e deslocar-se da sala para o solário ou ficar dentro dela. Percebia
que, conforme as professoras iam tirando os panos pretos e abrindo as cortinas que
escureciam a sala, abriam a porta, permitiam o entrar e sair, ofereciam água,
conversavam com as crianças, convidavam para trocar fraldas ou guardar o bico; ou
seja, o fluir da vida na sala acontecia de forma a respeitar os desejos e necessidades
das crianças.
Contudo, Oliveira-Formosinho (2018, p. 58) destaca que, quando os espaços
dão respostas às necessidades básicas das crianças, são “espaços de vida e
112
aprendizagem”, porque se reorganizam pela “crescente autonomia das crianças”
possibilitando que tenham acesso aos seus pertences pessoais ou acessem espaços
para serem higienizadas ou se higienizarem. Pude perceber essas ações na pesquisa,
não só quando as crianças podiam acessar o trocador pela escada lateral, mas quando
acessavam suas garrafas de água que sempre ficavam disponíveis nos locais em que
se deslocavam, dentro de um cesto ou quando acessavam o papel higiênico para suas
tentativas de limpar o nariz antes das professoras perceberem a necessidade ou
pudessem realizar a ação. Outra interpretação dessas ações das crianças está ligada ao
fato de que, por terem descoberto suas possibilidades “de brincar com suas ações ao
longo do tempo e com sua própria dinâmica”, procuravam “contar ou ensinar sua
experiência a outras pessoas” (POLONIO, 2007, p. 81, tradução nossa), no caso, os
próprios colegas, porque dividiam essas ações de aprendizagens em participação
guiada entre pares.
Da mesma forma, essas possibilidades ocorriam ao voltar do pátio, por
exemplo, pois, se tinham sede, podiam acessar a água; se estivessem cansados, tinham
lugar para o aconchego ou talvez, sossego; se estivessem com energia pulsando,
tinham lugar para subir e descer e continuar o movimento e investigação do que o seu
corpo podia realizar; se estivessem desconfortáveis, com fralda para ser trocada,
podiam manifestar a um adulto disponível que estava atento as suas vontades; se por
ventura estivessem em processo de perceber-se com essa necessidade, podiam contar
com um adulto ou mais adultos interessados em saber se precisavam desse momento
de higiene. Enfim, encontravam espaço e também adultos que podiam realizar esse
ato de cuidado de forma singular, principalmente, no toque respeitoso que elas
mereciam. Todavia, poderíamos pensar que uma sala referência como espaço de vida
para bebês e crianças bem pequenas, além de ter seus móveis, úteis para guardar
materiais dos professores, roupas de cama das crianças, potes com seus objetos de
higiene, precisa ter elementos que deem vida de modo completo para as relações ali
possíveis de serem estabelecidas. Isso foi o que esse grupo de crianças da faixa etária
1 ano pôde viver.
113
Considero, desse modo, que “o ambiente é ‘educador (a)’ tanto das crianças
como dos adultos” (FORNEIRO, 1998, p. 241, grifo do autor). No entanto, Forneiro
(1998) reconhece que não cabe, na organização da sala, o estabelecimento de alguma
regra que fixe uma organização e, com isso, apresenta critérios que podem favorecer
“a criação de ambiente de aprendizagem estimulante e rico” (FORNEIRO, 1998, p. 256).
Para estruturar o espaço da sala, apresenta como critérios: 1) organização por “áreas”;
2) áreas delimitadas - claramente definida com o próprio mobiliário, marcas no piso
ou paredes ou teto (dimensões maiores, fixos e difíceis de serem transportados; fraca,
feita com móveis leves, que podem conter rodinhas e que possibilita que sejam
movidos pelas próprias crianças conforme interesse ou necessidade); 3) transformação
- flexibilidade e possibilidade de realizar propostas que exijam maior ou menor espaço;
4) favorecimento da autonomia das crianças - mobiliário e os materiais de fácil acesso,
possam usar por sua vontade e que possibilite ao professor dar atenção e observar
tanto as crianças nas áreas de jogo como realizar propostas em pequenos grupos; 5)
segurança - ausência de riscos até onde seja possível prever; 6) diversidade -
estruturação (áreas e materiais mais ou menos estruturadas), agrupamentos
(possibilitam ocorrer relações em grande ou pequeno grupo, individual e/ou de
isolamento), posição corporal (favorece que as crianças possam ficar em diferentes
posições e as experimentem na realização das atividades), diversidade de conteúdo
(áreas que possibilitem diversas atividades curriculares e de gestão e serviços); 7)
polivalência – diferentes áreas que ofereçam várias possibilidades de utilização na
jornada e que ampliam sua funcionalidade; 8) sensibilidade estética – tonalidades
prazerosas para manter a harmonia das cores, procurar originalidade nos elementos
decorativos que estimulem a curiosidade, buscar personalizar a sala com a participação
das crianças e que reflita a identidade pessoal, com lugar para as produções das
crianças com senso estético e afetivo; 9) pluralidade – que se torne e mostre a
diversidade pessoal e plural ao mesmo tempo, tanto expressa em imagens como em
materiais afastados no espaço e/ou no tempo como do ambiente natural e social da
cultura (FORNEIRO, 1998).
114
Trago as dimensões propostas por Forneiro (1998) para a organização da sala,
pois observei que, na mutação que ocorreu na sala da pesquisa em que foram criadas
áreas delimitadas, o que Staccioli (2013) chamaria de cantos possibilitou que as
crianças brincassem com maior autonomia e ainda foi possível perceber que, apesar
de a sala já ser um porto seguro para as crianças pela composição que tinha, ao ganhar
novos elementos e cantos ou áreas delimitadas, as brincadeiras tornaram-se ainda mais
interessantes. As crianças permaneciam mais tempo interagindo, alguns começaram a
interagir em duplas, e o tempo de concentração em cada espaço aumentou, o que
penso contribuir para transições cotidianas mais tranquilas, pois estavam se sentindo
seguros naquele lugar, apropriados dos materiais e podiam continuar suas
experiências mesmo que se deslocassem e vivessem experiências em outro espaço. Ou
seja, a sala estava interessante, possibilitava exploração com todos os sentidos, as
crianças descobriam relações entre os materiais, manipulavam, utilizavam o corpo com
propriedade, interagiam com colegas e construíam autonomia (HORN, 2017, p. 21).
Importa dizer que considero esses fatores importantes para se viver transições
cotidianas tidas como “generativas” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO,
2016) na creche.
Ainda, entendo que tais dimensões e elementos apontados por Forneiro (1998)
contribuem muito para elencarmos critérios na organização das áreas no espaço da
sala de forma a tornar-se um ambiente o mais instigante possível para bebês e crianças
bem pequenas. Além disso, torna-se possível às crianças viverem experiências de
aprendizagens com continuidade e desenvolvimento muito mais qualitativo aos seus
ritmos, tempos, temporalidades, interesses, desejos e necessidades. Por outro lado,
também aprecio muito a ideia de cantos nomeada por Staccioli (2013), que nomearei
nas análises, e chamadas de áreas de atividades por Forneiro (1998), pois, além dessa
nomenclatura, são acrescidas, por ele, à concepção de “áreas-de-brincadeira”. Ou seja,
acrescenta-se a palavra brincadeira, não mencionada por Forneiro. Além disso, Staccioli
(2013, p. 156) indica que devem ser preparados lugares com propostas que “recriam
ambientes ou sugerem ações coordenadas” e com “o objetivo de oferecer uma
115
atmosfera familiar”. Esse aspecto é importante e está diretamente relacionado à DCNEI
(BRASIL, 2009a) que trata o currículo para a Educação Infantil como um conjunto de
práticas do cotidiano e, como eixos dessa etapa, a interação e a brincadeira como
fundamentais.
Enfim, torna-se evidente que “não basta esse espaço estar adequado, mas é
fundamental o modo como as crianças poderão dele usufruir” (BRASIL, 2009c, p. 93),
que precisa ser agradável estar nele e que deve-se possibilitar viver explorações e
experimentações por todas as linguagens, de forma que inspire avanços na
aprendizagem. Mais do que tudo, as crianças e os adultos que vivem uma jornada na
creche possuem o direito a “um ambiente que é empático, que compreende o
significado da, mas também dá significado à, vida das pessoas que o habitam”
(RINALDI, 2013, p.128). Isso posto, importa, na próxima seção, contextualizar o
entendimento de quais materiais significam as experiências na creche e como potentes
nesse processo de desenvolvimento dos bebês e crianças bem pequenas.
3.3 OS MATERIAIS E AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS
Atribuir quais e como serão os espaços da creche e, especialmente, os cantos
ou áreas da sala a partir dos interesses e necessidades dos bebês ou das crianças bem
pequenas exige, também, um olhar muito específico e atento quanto à seleção dos
materiais que serão disponibilizados para a pesquisa e investigação das crianças sobre
o mundo. Para isso, um dos aspectos que contribui nessa seleção está no quanto o
professor conhece e investiga os modos como as crianças, de cada idade em que irá
atuar, se relacionam, brincam e interagem dentro de certo grupo. A partir da criança e
organização do contexto inicial de sala para que as aprendizagens aconteçam, será
possível atender as especificidades de cada agrupamento nos espaços de jogo
simbólico, de construção, de fantasia ou de aconchego disponibilizados, necessários
para cada grupo de crianças.
116
Ainda, penso que, dessa forma, o professor poderá avaliar quais materiais
podem ser dispostos em cada um desses contextos e como esses podem responder às
aprendizagens, relações almejadas e enredos de brincadeiras ricos e promotores do
desenvolvimento da oralidade, da capacidade de negociação e da capacidade de
relacionar a sua cultura e cotidiano. Ao se considerar, no planejamento da jornada das
crianças na creche, tais aspectos mencionados, muito contribui-se para que seja
adicionado a ele a previsão de estratégias às variadas transições cotidianas vividas
nesse espaço, nesse contexto, de forma refletida, sendo possível sair da banalidade em
que se encontram. Durante a pesquisa em campo, vivi muitos momentos em que, além
dos materiais disponíveis na sala, as crianças recebiam outros materiais para
interagirem e realizarem descobertas.
Na sala, no espaço da casa, com pia com cuba de inox e parte debaixo feita de
paletes, mesa e quatro cadeiras, fogão a gás antigo, mesmo que apenas as crianças
bem pequenas apresentassem a capacidade do jogo simbólico, de fazer de conta
estarem cozinhando, todos podiam fazer uso de panelas, chaleiras, colheres de metal
e pau e de alguns objetos que remetiam à cozinha, mas de plásticos. Digo isso, porque
esses materiais ganhavam, principalmente pelo Bruno, o status de itens de uma banda.
Nesse ponto importa salientar o quanto os ambientes planejados para as crianças
desenvolverem brincadeiras e para acolher atividades lúdicas podem ter materiais
simples, mas reais e funcionais, principalmente porque ao agir elas precisam encontrar
informações ricas e verdadeiras (STACCIOLI, 2013).
Essa ideia do quanto os materiais atendem ao real e ao funcional, foi
perceptível quando a prateleira que havia abaixo da janela, no início da pesquisa, com
carrinhos de plástico, foi retirada e naquele canto foi organizado colchões imitando
sofá. Ao lado do sofá, as crianças tinham disponível uma caixa de frutas sugerindo uma
mesa, com telefones reais e aparelhos celulares para brincarem. Nesse lugar, as
crianças imitavam ligações e conversas longas e podiam subir nos colchões para
acessar a janela. Acrescento a essa posição o dito por Oliveira-Formosinho (2018, p.41)
quando explicita que “os olhos da criança pensam, as suas mãos colaboram nesse
117
pensar”. Ainda, enfatiza que “só há construção negociada (coconstrução) da ação
educativa quando os adultos colaboram com as crianças”, o que presenciei quando os
telefonemas das crianças se estendiam para a professora que remetia estar falando
com a famílias das crianças que ouviam com atenção e parecendo acreditar.
Parece essencial avaliar que estar na janela e ver o mundo lá fora no porto
seguro da sala não significa apenas pensar que a estrutura, com janelas baixas,
possibilita que vivam essas experiências, mas existir adultos que o permitem. Ou seja,
as janelas poderiam estar com cortinas fechadas, móveis poderiam estar afastados e o
risco de quedas poderiam ser empecilhos. Ao contrário, percebi adultos que acreditam
que as crianças “possuem uma força vital de orientação para o mundo, para a
descoberta de si, do outro, dos objetos, das relações, da construção de conhecimento”
(OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2018, p. 41). Perto das janelas, tinham ganchos na parede
como suporte para pendurar bolsas. No início da pesquisa elas ficavam todas dentro
do cesto junto com outros brinquedos de pelúcia. Ao ganharem essa nova
configuração e lugar, voltaram a chamar a atenção das crianças que, ao invés de as
utilizarem para carregar brinquedos, encher e esvaziar, deram a elas, também,
especialmente as meninas, a ideia real, ao colocarem-nas no ombro e acenarem como
se estivessem indo passear.
Nessa perspectiva, Folque e Bettencourt (2018) apontam que, no Movimento
da Escola Moderna (MEM), os “materiais autênticos, instrumentos da cultura e do
mundo natural” são tão privilegiados quanto àqueles que pertencem ao universo
cultural das crianças e famílias na tentativa, também, de “fugir à pressão da indústria
dos brinquedos didáticos que, por vezes, infantilizam as crianças” (FOLQUE;
BETTENCOURT, 2018, p. 126).
A partir disso, percebi que, na prateleira de plástico colorido, no início da
pesquisa, haviam vários brinquedos de plástico, que as crianças interagiam, específicos
para a idade de bebês, alguns de encaixe, como os que se vê em lojas. Todas essas
observações podem ser conferidas nas cenas da foto mosaico.
118
Foto mosaico 6 - Os materiais. Composta por 10 fotografias digitais da autora.
119
No entanto, no decorrer das mudanças da sala, alguns desses brinquedos
foram retirados e outros foram adicionados. Surgiram potes com elementos da
natureza, com garrafas de refrigerante pequenas com água e diferentes elementos
dentro, como glitter e com pequenos pedaços de tecidos. Do mesmo modo, importa
dizer que, ao dispormos esses materiais na altura das crianças e em potes abertos e
transparentes, é transmitido às crianças que os materiais que estão ali são para que
elas usem (SCHWALL, 2012, p. 37). Em razão disso, as crianças tinham acesso direto a
esses e aos outros materiais mencionados.
Elas, por sua vez, realizavam outras interações: carregavam, levavam os
materiais de livre escolha ao solário, empilhavam, limpavam, enrolavam bonecas,
arrumavam as garrafas no chão, dentro dos potes e carregavam de novo. Nessa
perspectiva, além dos cantos com os materiais que existiam na sala, o canto dos paletes
era muito utilizado pelas crianças. As crianças carregavam pedaços de madeira pela
sala, na caçamba do caminhão, também de madeira.
De acordo com Redin e Fochi (2014, p. 55), são muitas as novidades que atuam
sobre a pele e os sentidos das crianças. No que diz respeito à matéria, que traz a
mensagem sensorial de “peso, calor, maleabilidade, transparência, densidade, coesão,
elasticidade, textura, sonoridade, permeabilidade”, são “características que podem ser
exploradas pela criança” e precisam estar ao seu alcance. Além disso, subiam nos tocos
de árvore e escalavam a janela, contemplando o que acontecia nos outros solários,
pelas outras crianças da creche, na quadra ou na rua acima dela.
Nesse sentido, corroborando os argumentos dos referidos autores, Ceppi e
Zini (2013, p. 85) afirmam que os materiais oferecidos para as crianças precisam ser de
grande riqueza e variedade como “característica indispensável em um ambiente para
crianças pequenas”. Ao mesmo tempo enfatizam que é essencial que “o projeto
considere o equilíbrio desse sistema artificial” dos materiais, de modo que seja
ofertado materiais naturais, artificiais, com ou sem uma estrutura. Com isso, reforço
que é o “ambiente como um todo” que deve “oferecer uma ampla variedade de
percepções sensoriais” não só uma parte, pois o grande objetivo “é construir um
120
ambiente no qual as partes individuais possam ter características próprias”, produzindo
um estado “global rico e expressivo” (CEPPI; ZINI, 2013, p. 87).
Importa destacar que, além da variedade, quantidade e qualidade tátil ou
sensorial (peso, espessura, textura, tamanho, cheiro, gosto, temperatura, cor), os
materiais precisam ser organizados de forma interessante e convidativa, pois, dessa
forma, “enviam uma mensagem de complexidade, conexão e abertura” (SCHWALL,
2012, p. 37). Nesse sentido, percebia essa preocupação a cada dia que chegava para a
pesquisa, pela organização dos materiais da sala nas prateleiras e nos cantos, com uma
qualidade estética. Isso foi percebido porque alguns espaços e seus materiais
permaneciam e outros eram rearranjados ou ganhavam outros itens, como o local dos
paletes que ganhou pedaços de madeira e tocos, aos poucos.
Acrescenta-se a essa posição que esses materiais e objetos trazem informações
para as crianças e “parecem ser melhores ainda quando contêm espaço para a
transformação” (REDIN; FOCHI, 2014, p. 53). Para Horn (2017, p. 30), é importante
investigar e propor que esses espaços permitam “recriar novos limites, novas maneiras
de organizar e “representar simbolicamente” ou para “atuar com distintos materiais”,
além de responder a suas ações e enriquecer “modos de relações sociais”. Dito isso,
observei que as crianças tinham a liberdade e autonomia para carregar objetos, mudar
os pequenos móveis da casa de lugar, como a mesa e as quatro cadeiras que ganhavam
novos lugares e funcionalidades pelas crianças.
Em muitos momentos, registrei as crianças utilizando os materiais de acordo
com a funcionalidade que eles indicavam e de acordo com a vida cotidiana de cada
um, nas suas experiências sociais e culturais. Em alguns momentos, no espaço das
bonecas com banheiras e pequenos panos, me buscavam como complemento das suas
brincadeiras e, em seus modos de comunicação, esticavam a boneca e pano para que
eu as enrolasse. Da mesma forma, foi possível observar que a oferta de materiais, com
objetos adequados à autonomia das crianças, contribuíram para que aprendessem pela
experiência e sentidos, que são seus “informantes diretos” (STACCIOLI, 2013, p. 32).
Contudo, percebi, também, que, conforme o ambiente se reorganizava, menos elas
121
necessitavam da intervenção direta dos adultos, tanto quanto a intervenção ou auxílio
na negociação dos brinquedos, porque, na sua maioria, eram na quantidade adequada,
propiciando maior riqueza do viver o cotidiano. Tendo dito isso, o intuito principal será
sempre o de oferecer “ambiente físico que convide ao lúdico, às descobertas e à
diversidade além de provocar situações para o “desejo e a necessidade de aprender”
(BRASIL, 2009c, p. 73). Isso significa pensar que o olhar atento do professor, seus
gestos delicados, suas palavras escolhidas, a oferta de ideias e materiais “garante às
crianças a segurança necessária para ir além do conhecido e experimentar o novo”
(BRASIL, 2009c, p. 100), de abrir as portas para todos os espaços, também, planejados
para que vivam desafios e conquistas.
Por meio da organização de sessões, pelas professoras da turma, presenciei
quando foi disponibilizado para as crianças plástico bolha para exploração, que se
transformou em capas e investigações com o vento. Em outro momento, as crianças
investigaram, em sessão em pequenos grupos, retroprojetor, luz e sombra, elementos
da natureza, farinha, objetos e celofane. Esse equilíbrio de materiais a serem ofertados
Ceppi e Zini (2013) chamam de “orquestração do todo”, pois consideram a importância
de se produzir uma coexistência e uma riqueza de diferentes materiais, como os
sonoros e absorventes; transparentes e opacos; de transparência temporária ou
permanente; pesados e leves; com cores icônicas, naturais ou sobrepostas; materiais
quentes e frios; com diferentes graus de naturalidade ou artificialidade; de longa ou de
breve duração, “todos em um cenário que muda continuamente” (CEPPI; ZINI, 2013, p.
86). Importa dizer que, nos momentos em que as crianças recebiam o convite a irem
para quadra coberta, elas interagiam com bolas, bonecas, bolsas, pequenos tecidos,
cestos e gizes de quadro. Nos solários, como comentei, além das crianças carregarem
objetos das salas, como brinquedos de encaixe, bonecas e demais objetos disponíveis,
recebiam o convite para explorar outro espaço e sair da sala, e para interagir com panos
maiores, bolas, jogos de encaixe com peças grandes e de fácil manuseio por elas,
colheres para mexer na terra. O espaço de terra fica em volta da árvore do solário que
é revestido de laje.
122
No decorrer da pesquisa, acompanhei sessões de brincar heurístico, proposta
da instituição que oportuniza para essa faixa etária o que se chama de jogo heurístico.
Essas sessões, organizadas em tapetes individuais, envolvem materiais chamados de
receptáculos e objetos, como: potes de diferentes tamanhos, latas, chaves, correntes,
argolas de madeira e plástico, sementes, dentre outros. Em outras sessões, sempre em
pequenos grupos e organizados em um espaço sem outras intervenções ou distrações
pelas crianças, as crianças exploraram sementes, farinhas e utensílios de casa.
Professoras argumentaram que, conforme o interesse de cada grupo durante o
cotidiano, organizavam essas sessões que variavam e tinham continuidade de acordo
com os interesses observados por elas, nesses momentos, de cada grupo de crianças.
Desse modo, importa os preceitos de Redin e Fochi (2014) quando nomeiam os
“materiais naturais, como pedras, galhos, sementes, conchas, madeira, lã de carneiro,
algodão, pigmentos de plantas e da terra” (REDIN; FOCHI, 2014, p. 53) de materiais
nobres. Para eles “são materiais-brinquedos que permitem criar e imaginar outras
coisas, simbolizar, conceber um faz de conta o que nem sempre é permitido pelos
brinquedos industrializados, com seus excessos de funções e recursos” (REDIN; FOCHI,
2014, p. 53).
Por sua vez, essas capacidades que observei nas brincadeiras das crianças
tinham continuidade nos espaços dos pátios. Nos pátios e solário utilizavam pás,
colheres, baldes e brinquedos de areia para imitar a vida cotidiana e estabelecer
diálogos, mesmo que breves. Esses diálogos, iniciados mais com adultos, como a cena
do capacete que descrevo no capítulo metodológico, pareciam ser formas de
aproximação de duas das meninas com a pesquisadora ou como objetos que os
auxiliavam a compreender aquele lugar e para que tais objetos serviam. Ainda, mesmo
que alguns rituais de deslocamentos se mantinham de um espaço para outro, como
levar cesto das garrafas e lixeira com papel higiênico, itens importantes para assegurar
a higiene e bem-estar das crianças nos espaços, aos poucos, além das crianças
utilizarem esses materiais com maior autonomia, também se deslocavam com esse
desprendimento. Ou seja, diminuíram as situações em que procuravam, todos e ao
123
mesmo tempo, a mão da professora para isso, como nas cenas que eu presenciei nas
primeiras observações.
Acrescenta-se a isso a importância do quanto a observação do que interessa e
investiga os bebês e crianças bem pequenas com os materiais vai dizer da
periodicidade e de quais materiais necessitam ou não ser substituídos ou ofertados
nas experiências. Além disso, considero que existem maneiras peculiares nas quais as
crianças inventam com os materiais e que “costumam ser inesperadas e
surpreendentes” (SCHWALL, 2012, p. 32). Nesse sentido, aos adultos, cabe “uma
postura de liberdade e possibilidades ilimitadas em relação ao trabalho” delas
(SCHWALL, 2012, p. 32). Por meio de informações valiosas das materialidades que as
crianças preferem ou necessitam brincar, é possível conhecer os modos como
aprendem; com base no uso dos utensílios ofertados para que as crianças se
alimentem, inclusive. Nesse sentido, observei que um fator que gerou conhecimento,
autonomia e prazer, nos momentos de transição cotidiana de deslocamentos ao
refeitório, estava na possibilidade de por si utilizar talheres no almoço ou pegador para
servir frutas ou pão no lanche ou, ainda, utilizar, com tempo necessário, a espátula para
passar o patê no pão.
Desse modo, relacionar ao prazer a opção de escolhas de ação das crianças
em relação aos materiais significa que “o prazer pode ser o motor da busca do ser
humano para a vida, baseado no desejo de inovar, de não ficar no que se é”
(HOYUELOS, 2014, p. 62, tradução nossa). Penso que essa percepção pelas crianças
será possível quando estiver claro ao professor que é “pelo toque da pele” que as
“crianças muito pequenas exploram o mundo com um ‘radar’ extremamente sensível e
inteligente” (CEPPI; ZINI, 2013, p. 84, grifo do autor). As crianças aprendem e precisam
tocar, pegar, mexer, usar, tentar.
No modelo MEM, “os princípios organizadores do espaço e dos materiais”
(FOLQUE; BETTENCOURT, 2018, p. 126) ligam-se às funções que atribuem à creche e à
forma como entendem o processo de aprendizagem, pois, por ser a creche esse lugar
de vida, de trabalho e de aprendizagem/cultura, ela precisa ser pensada como espaço
124
em função das crianças e dos adultos e “ser espelho dos grupos que o utilizam”
envolvendo-os nesse “arranjo do espaço e dos materiais” (FOLQUE; BETTENCOURT,
2018, p. 126). Para essa organização dos espaços e materiais, no MEM, promove-se a
“mobilidade das crianças e diferentes utilizações do espaço sempre recreado”
(FOLQUE; BETTENCOURT, 2018, p. 127 - 128). A partir do exposto, fica evidente que é
preciso falar dos materiais ofertados nessa organização dos espaços da creche de
modo a transformá-los em ambientes, que materiais são importantes e como
contribuem ou influenciam nos modos de viver as transições cotidianas pelos bebês e
crianças bem pequenas. Tal prerrogativa foi sendo percebida durante as observações
do grupo da faixa etária 1 nos espaços da creche da pesquisa.
Encerro com as palavras de Horn (2017, p. 20) por corroborar a defesa de que
o “planejamento do professor no que diz respeito à seleção de materiais deverá ser
cuidadoso e rigoroso”. Assim, posso dizer que esse rigor se aplica ao uso dos materiais
vendo-os como potentes para o sucesso das transições cotidianas na creche, de modo
que sejam vividas com prazer, segurança e autonomia pelas crianças. Por fim, cabe
destacar que, no próximo capítulo, apresento o percurso metodológico dessa
pesquisa, das transições cotidianas, como decisivo para contribuir no avanço de
práticas pedagógicas com as crianças, qualificando o currículo da creche e
apresentando subsídios para apoiar essas transições dos bebês e crianças bem
pequenas, de forma consciente e não automatizadas.
125
126
4 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA DAS TRANSIÇÕES
COTIDIANAS
Primeiro dia, coração pulsava forte, entre palpitações e ansiedade, eis que se
tratava de meu primeiro dia de observação com as crianças. Eu estava aflita,
cheguei a errar o caminho para chegar na escola, mesmo o conhecendo muito
bem. Para encontrá-la pedi informações para duas pessoas. Ao chegar, fui
adentrando a escola e logo vi espaços pensados para esse início de ano, de
acolhida. Ainda, vi cenas de muitos familiares aguardando no hall de entrada,
os que conseguiram sair das salas. Suas expressões eram de expectativas em
relação ao como seus filhos e filhas reagiriam a esse período de adaptação e
de atenção a qualquer sinal de choro. Larguei meus pertences na secretaria
da escola, arrumei a câmera e recebi a autorização para ir para a sala. Me
sentia apreensiva de como entrar naquele espaço, que era deles e ao como
me comportar na presença das crianças. Antes, espiei pelo vidro. Uma das
professoras me viu e fez sinal que eu podia entrar, mas eu queria estar certa
de que conseguiria registrar tudo com os maiores detalhes possíveis e, para
isso, precisava que o equipamento funcionasse de acordo. Não conseguia,
mesmo depois de tantos testes em casa. Fui buscar apoio com a coordenadora
da escola, que me levou até uma professora. Ela conseguiu me ajudar. Bati na
porta e entrei. Logo avistei uma sala organizada e três professoras: Solange,
Rosa e Ana (estagiária), envolvidas com as crianças (Nota do diário de campo
– 23 de fevereiro de 2018).
A escolha em investigar os modos de viver as transições no contexto da creche
trata-se de um encontro, de um aceite de viver e de ser uma pesquisadora no cotidiano
na creche. Tal atitude, por objetivar a escuta pela perspectiva dos bebês e crianças bem
pequenas, exigiu escolhas metodológicas que respeitem essa especificidade,
especialmente por relacionar-se ao fato de essa ser uma pesquisa que crê em uma
concepção de criança como centro do planejamento da proposta das instituições e da
atuação do professor. Além disso, a visão que embasa essa pesquisa concebe a criança
como um sujeito histórico e de direitos, que constrói sua identidade e sentidos sobre
o mundo e, ainda, se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas (BRASIL,
2009a).
Adentrar em um lugar que eu seria a “estranha” (BEBER; BARBOSA, 2019), que
não era parte do grupo daqueles bebês e crianças bem pequenas, mesmo que, por ser
início de ano, estava se constituindo como tal, tinha como desafio conquistar meu
espaço e estabelecer relações. Ao mesmo tempo, fui invadida, em um primeiro
127
momento, por um sentimento de impotência de como me comportar diante das
crianças, mesmo conhecendo as escolhas metodológicas como as adequadas e tendo
consciência da importância e necessidade de “manter uma postura ética na pesquisa,
interagir com elas sem invadir de modo excessivo seu espaço” (BEBER; BARBOSA, 2019,
p. 65).
Talvez, por isso, como narro no fragmento do diário de campo, senti e agi
como se nunca tivesse tido contato com crianças, tamanho grau de apreensão, e como
sequer conhecesse o caminho da escola. Os sentimentos, pela receptividade de todos,
mesmo em um primeiro encontro, foram se transformando e fui construindo
estratégias de relacionamento e de aproximação, porque o maior intuito era o de
capturar as manifestações das crianças e foi o que realmente acontecia. Nesse sentido,
Beber e Barbosa (2019, p. 64) assinalam que, durante o desenvolvimento da pesquisa,
o pesquisador acaba sendo capturado. O dia em que registrei as imagens da Amanda
(1 ano e 8 meses), em um misto de aproximação com a pesquisadora, que abrem esse
capítulo, também narrei no diário de campo.
Hoje registrei cenas da relação da Sofia (1 ano e 4 meses) e Amanda (1 ano e
8 meses) comigo, ao me trazerem pedras e eu ser receptiva a ação delas e de
tentativas e acertos em colocar capacete em mim. Seriam essas cenas e
atitudes das crianças, em sequência, de uma aproximação maior com a
pesquisadora, um reconhecimento de que sou parte desse grupo e posso ali
continuar minhas investigações? (Nota do diário de campo – 29 de março de
2018).
Com essa indagação da nota do diário, apresento os elementos metodológicos
escolhidos e utilizados para a “geração de dados” da pesquisa (GRAUE; WALSH, 2013)
em busca de compreender e conhecer os modos de viver cada situação nova que o
mundo apresenta aos bebês e crianças bem pequenas no espaço e no cotidiano da
creche. Corroboro Graue e Walsh (2003, p. 21) quando enfatizam que, caso “não nos
empenharmos a sério em estudar as crianças em contexto, o nosso conhecimento das
crianças continuará a ser gravemente limitado”. Para alcançar tais objetivos, escolhi
tesselas e ferramentas, como uma mosaicista, que as apresento nesse capítulo. Nesse
128
sentido, enquanto pesquisadora inspirada no trabalho do fazer mosaico, compreendo
que estar nesse lugar exige o envolvimento em um tempo próprio, como cada artista
vive, do início ao fim do vislumbrar da obra, pois projetar uma pesquisa é necessário,
mas estar aberta ao inesperado ao longo da investigação com crianças exigiu um olhar
de quem respeita, com ética, cada indivíduo na sua singularidade. A partir de tal
exposição, na próxima seção, tratarei de apresentar as particularidades de pesquisas
com crianças.
4.1 PARTICULARIDADES DA PESQUISA COM BEBÊS E CRIANÇAS BEM PEQUENAS
Pesquisar crianças no Brasil significa relacionar-se a um histórico de renovação
e avanços metodológicos e éticos, especialmente no que tange a concepção de
infância, mesmo que se tenha enfrentado muitos desafios na aprovação de
investigações com crianças nos comitês de ética na área científica. Na Linha de Pesquisa
Estudos sobre Infâncias da UFRGS, pesquisadores têm contribuído nessa história de
como realizar pesquisa com crianças, além de terem gerado contribuições ao trabalho
com bebês, que demandam práticas pedagógicas muito singulares e provocadoras.
Mesmo assim, ainda é “pouco desenvolvido o registro interpretativo das vidas
contextualizadas das crianças” (GRAUE; WALSH, 2003, p. 22). Nessa perspectiva, a
pesquisa com crianças, além de ser de menor número como escolha metodológica dos
pesquisadores, nos aponta sua relevância. Da mesma forma, tal trabalho ainda nos
lança o desafio de refletirmos quais são essas particularidades nessa escolha de
pesquisa e por que fazê-la. Assim, trata-se de compreender as particularidades dessa
relação pesquisador de bebês e crianças bem pequenas e suas características: crianças
que vivem processos de desenvolvimento muito diferenciados em cada idade, desde a
constituição da fala, do movimento e da socialização com adultos, e que são diferentes
das crianças que estão na pré-escola, por exemplo. As crianças ainda exigem do
pesquisador a criação de outras vias de acesso às suas formas de expressão que não se
restrinjam apenas à fala. Nesse sentido, as escolhas metodológicas na busca em
129
compreendê-las exigiram cuidados específicos, partindo do fato de que eu era uma
adulta tentando entender crianças; uma adulta que buscava alternativas para olhar e
capturar as formas de comunicação de como os bebês e crianças veem o mundo, ações
que considero essenciais na garantia de uma educação que as respeite nas suas
diferentes expressões do que necessitam e precisam para viver nos espaços de
Educação Infantil e coletividade.
Nesse sentido, para haver subsídios que possibilitem a interpretação sobre o
que as crianças querem e o que são capazes de nos dizer de suas investigações,
descobertas e aprendizagens, a pesquisa com crianças precisa ser considerada com
esses propósitos. Seguindo tal perspectiva, pesquisadores da Linha de Pesquisa
Estudos sobre Infâncias da UFRGS, na última década, intensificaram estudos por essa
via e sobre esse público sobre o qual minha pesquisa igualmente se propôs. Dentre as
oito pesquisas localizadas no LUME18 sobre pesquisa com crianças, na Linha de Estudos
sobre Infâncias, cinco delas tratam especificamente do estudo sobre os bebês, duas
sobre investigação sobre crianças bem pequenas e uma sobre bebês e crianças bem
pequenas. Em se tratando de pesquisa com bebês, os pesquisadores buscaram
compreender: a educação dos bebês nos espaços da escola infantil e suas vivências nos
diferentes espaços como subsídio para redimensionar o fazer pedagógico (GOBATTO,
2011); as ações dos bebês emergidas das experiências com o mundo (FOCHI, 2013); a
exploração sonoro-musical no cotidiano (CORREA, 2013); os processos de socialização
e as formas como os bebês participam deles na vida coletiva (PEREIRA, 2015) e as
experiências primeiras dos bebês em espaço de vida coletiva (VARGAS, 2014). Dentre
as duas pesquisas que envolveram crianças bem pequenas, uma centrou-se nas
18
O Lume é o nome próprio atribuído ao Repositório Digital da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul que significa manifestação de conhecimento, saber, luz, brilho - é o portal de acesso às coleções
digitais produzidas no âmbito da Universidade e de outros documentos que, por sua área de
abrangência e/ou pelo seu caráter histórico, são de interesse da Instituição centralizar sua preservação
e difusão. Ele tem por objetivo reunir, preservar, divulgar e garantir o acesso confiável e permanente
aos documentos acadêmicos, científicos, artísticos e administrativos gerados na Universidade, bem
como às suas coleções históricas, e a outros documentos de relevância para a Instituição, que fazem
parte de suas coleções, embora não produzidos por ela, maximizando a visibilidade e uso desses
recursos. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/.
130
relações que as crianças estabelecem entre si para compreender a complexidade de
suas dinâmicas interativas, a fim de identificar as formas em que criam uma organização
e produzem uma cultura infantil entre elas (PEREIRA, 2011). Outra pesquisa buscou
evidenciar as ações e os interesses das crianças articulados com as possibilidades de
promover a participação infantil no planejamento e organização do cotidiano
(VASCONCELOS, 2015). Por fim, a pesquisa de Guimarães (2011) investigou a prática
pedagógica com foco na atenção e interação com o objeto livro dos bebês e das
crianças bem pequenas. Nesse contexto, penso que, na linha – da qual também
participo e surge essa pesquisa -, mestrandos e doutorandos têm contribuído no
desenvolvimento de metodologias e também na produção de conhecimento na área
de Educação Infantil. Diante de tais informações, torna-se evidente o quanto pesquisas
com crianças são importantes no campo da Pedagogia e o quanto precisam ser
intensificadas, perspectiva a qual proponho e especifico nesta pesquisa, de forma que
seja possível avançarmos em práticas que aliem a teoria e o planejamento de ações
junto às crianças que garantam práticas centradas nelas, assim como apontam as DCNEI
(BRASIL, 2009b).
Diante disso, com o objetivo de conhecer como o assunto é tratado e de
compor possibilidades dessa pesquisa, apresento o mapeamento das relações
estabelecidas com o conceito de transições cotidianas, em pesquisas na última década,
por meio de uma linha temporal de 2007 a 2017, nos sites da Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD) e do Scientific Electronic Library Online (SciELO).
4.1.1 Mapeamento do conceito de transições cotidianas: constituindo um mosaico
Eleger o tema das transições cotidianas dos bebês e crianças bem pequenas no
contexto da creche, como campo investigativo, exigiu, antes de prosseguir,
compreender a relevância desse assunto para a Pedagogia e para as práticas na
Educação Infantil. Nesse sentido, realizei o mapeamento das relações estabelecidas
com o conceito de transições cotidianas, em pesquisas na última década, por meio de
131
uma linha temporal de 2007 a 2017, com o objetivo de conhecer como o assunto é
tratado e de compor possibilidades dessa pesquisa.
Nesse sentido, Alves-Mazzoti (2006, p. 26 - 27) enfatiza que realizar
levantamento bibliográfico “deve estar a serviço do problema de pesquisa”, além disso
“tem por objetivo iluminar o caminho a ser trilhado”. Desse modo, a partir das
contribuições da referida autora, compreendo que a busca por esse diagnóstico
contribuiu para decidir sobre “o objeto de estudo, selecionar teorias, procedimentos e
instrumentos” (2006, p. 26 - 27) da pesquisa. Ainda, tal levantamento possibilitou definir
os caminhos da pesquisa. No entanto, antes de iniciar o mapeamento, defini as
seguintes questões norteadoras: existem pesquisas sobre o tema das transições
cotidianas ou sobre as transições que acontecem no interior das instituições? O que
vem sendo pesquisado sobre esse tema no campo da Educação Infantil? Que conceitos
estão interligados a ele? O que as pesquisas da última década contribuíram em relação
ao assunto que proponho investigar?
Realizei a investigação nos sites da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD) e do Scientific Electronic Library Online (SciELO) por visibilizarem
a maior quantidade de produções nacionais realizadas e por apresentarem textos
completos e indicados para referências. A escolha dos descritores de busca ocorreu
com o objetivo de realizar uma “garimpagem”, como início da revisão da literatura e
como contributo para prosseguir na elaboração do projeto, a fim de “identificar estudos
que, por seu impacto na área, e /ou maior proximidade com o problema a ser estudado,
devam ser objeto de análise mais profunda” (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p. 28). Desse
modo, pesquisei, primeiramente, pelo descritor transições cotidianas, foco do meu
estudo, para tentar descobrir se existiam pesquisas que o contemplavam, como
possibilidade de auxiliar no delineamento do conceito e, principalmente, constituir esse
complexo mosaico. Como não foi possível, nem pela plataforma BDTB, nem pela
SciELO, identificar pesquisas específicas sobre o tema, ampliei os descritores para que,
de alguma forma, fosse possível encontrar trabalhos que fizessem alguma referência
132
ao tema do meu interesse ou que pudessem colaborar na construção do objeto de
pesquisa.
O termo transições cotidianas – especificamente - se refere às aprendizagens
socioculturais que exigem e/ou geram mudanças na vida da criança na creche. Nesse
sentido, as transições que os bebês vivem na creche estão diretamente ligadas às
temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) de cada sujeito: seu
tempo, a rotina e o tempo da instituição. Por tudo isso, segui a busca pelo descritor de
transições como palavra isolada, por mais se aproximar ao termo de investigação, e por
ainda possuir abrangência em relação à perspectiva e ao conceito chave na pesquisa.
Ao descritor das transições, além do descritor Educação Infantil, acrescentei o termo
ensino fundamental para que fosse possível filtrar melhor os trabalhos sobre o tema e
por perceber, quando as pesquisas surgiam na filtragem, o quanto os estudos em
relação a essa etapa eram mais recorrentes nesse campo de estudo.
O critério utilizado para o descritor de temporalidades surgiu como relevante,
na busca, por se tratar de um conceito que valoriza o tempo das crianças e não o tempo
do relógio e, ainda, por ser um dos focos de observação que realizei durante a imersão
em campo. O descritor de tempo, como uma concepção que contribui com minha
pesquisa, foi escolhido pelo fato de que, no cotidiano da escola, muitas vezes, esse
tempo acelerado do relógio, dos adultos, organiza as práticas na escola nesse
compasso, tornando-as automatizadas e com reflexos nas ações com/das crianças. O
descritor de rotina também foi selecionado em razão do tempo e da rotina se
interligarem no dia a dia da creche, na sua organização institucional. Todos os
descritores anteriores, na busca, foram acrescentados do termo: Educação Infantil.
Neste contexto, com essa posição de escolha dos descritores, distintos e específicos,
foi possível rastrear conceitos que se interligavam ao que me dispus, indo a campo para
conhecer bebês, suas interações e seus modos de viver e agir no cotidiano,
especialmente, quando lhe são atribuídas propostas que envolve aprendizagens a partir
das mudanças de espaços ou de ações e de cuidados pessoais, que chamo de transições
cotidianas.
133
Através dos descritores escolhidos, encontrei, entre a BDTD e o SciELO, trinta
trabalhos. Na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, constam apenas
dezesseis trabalhos de pesquisa, sendo que, treze são dissertações e três são teses.
Localizei alguns trabalhos relacionados a cada descritor, indicando que esses conceitos,
na última década, foram pouco investigados por estudantes da área da Educação
Infantil no Brasil. Ou seja, não ter tido sucesso ao pesquisar o descritor das transições
cotidianas e ter encontrado sete trabalhos que tratam de transições ressalta, ao que
parece, o quanto esse termo e esse tema se tornam necessários nas discussões no
contexto da Educação Infantil. As DCNEI (BRASIL, 2009b, p. 04), enquanto documento
mandatário, ressaltam um compromisso das escolas em “criar procedimentos que
deem conta de acompanhar o trabalho pedagógico” e as “estratégias adequadas aos
diferentes momentos de transição vividos pela criança” a partir da garantia da
“continuidade dos processos de aprendizagem”. Desse modo, o desafio está em
acompanhar a transição da casa para a instituição de Educação Infantil, as transições
no interior da instituição, a transição creche para pré-escola ou a transição pré-escola
para Ensino Fundamental. Nessa perspectiva, essa diretriz também pode ter fomentado
o desenvolvimento de investigações que pudessem contribuir no aumento de
pesquisas em que o tema maior objetivasse investigar a transição da pré-escola para o
Ensino Fundamental ou, na elaboração de estratégias sucedidas na transição “vertical”
(FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016).
No entanto, o que vislumbro com minha pesquisa, ao tratar do assunto das
transições cotidianas - ou das “transições no interior da instituição” (BRASIL, 2009b) ou,
ainda, das transições “horizontais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016), tema pouco estudado no
Brasil - é, através do olhar para as ações das crianças, contribuir para repensar a
Pedagogia da Educação Infantil. Consequentemente, essa pesquisa pode colaborar em
práticas sucedidas, na perspectiva apontada pelas DCNEI (BRASIL, 2009b), que
possibilitem aprendizagens no desenvolvimento da autonomia das crianças nas ações,
134
tanto de cuidado pessoal, como de sua auto-organização, saúde e bem-estar no
cotidiano da creche.
O maior número de pesquisas (4) se referem ao ano de 2012 (MARCONDES,
2012; MASCARINI, 2012; OLIVEIRA, 2012b; MOURA, 2012). No anos de 2017, 2013, 2009
e 2007, entretanto, nenhum trabalho foi realizado envolvendo tais conceitos. A
quantidade dos trabalhos encontrados, mesmo que escassos no que tange ao número
de estudos, aumenta de 2010 a 2016, com algumas alternâncias de ausências entre os
descritores. Esse dado, ao que parece, pode estar relacionado ao fato de, em 2009,
terem sido criadas as DCNEI (BRASIL, 2009b, p. 02), fixadas pela Resolução Nº 5, que
realçam, em seu Art. 8º § 1º, que as propostas das Instituições de Educação Infantil
devem “prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais,
espaços e tempos”. Ou seja, as DCNEI (BRASIL, 2009b) normatizam a necessidade de
planejamento de propostas nas instituições de Educação Infantil a partir de outro olhar
para a especificidade desse currículo e, ao que tudo indica, exigem a instauração de um
processo formativo nas instituições universitárias e escolares, o que pode explicar esse
aumento das pesquisas nesses temas.
No site do SciELO, foi possível encontrar quatorze artigos publicados nos
periódicos da área da Educação que tratam de assuntos conforme os mesmos
descritores. Desse modo, foi possível perceber que, apesar de praticamente ter
encontrado a mesma quantidade de títulos no SciELO do que na BDTD, de 2007 a 2009
nenhum trabalho foi encontrado, em nenhum descritor. De 2010 a 2017, os temas
pesquisados através dos descritores escolhidos começam a ter maior atenção e escritas
na modalidade de artigos acadêmicos. A maior quantidade de artigos aparece nos anos
de 2011 e 2015 (7 no total). Porém, mesmo tendo sido escritos após DCNEI (BRASIL,
2009b), ainda é possível considerar como sendo poucos os pesquisadores que estão
realizando investigações e lançando seu olhar investigativo para esses temas. Em tal
perspectiva, 2 artigos atuais (CUSTÓDIO; PINHO, 2017) envolvem os descritores de
tempo e temporalidades, diferente da BDTD, em que nenhum descritor foi encontrado
135
nesse mesmo ano. Esse fato pode ser um bom indicativo de que esses assuntos
emanem maiores contribuições, registros e contribuam para a área.
A partir da perspectiva do quanto acredito que os descritores escolhidos se
interligam, rastreei conceitos, como pequenas peças, que constituem a arte de um
grande mosaico. Obviamente foram peças que contribuíram aos referenciais de base
ao adentrar no dia-a-dia da creche para conhecer bebês e seus modos de viver nesse
cotidiano. Além disso, são conceitos relacionados à investigação das transições
cotidianas que ocorrem nesse ambiente de vida coletiva, de trocas entre os espaços ou
entre ações dos bebês e das crianças bem pequenas. Após a leitura dos resumos, das
palavras-chave e dos sumários de cada um dos trabalhos encontrados, averiguei
melhor os conceitos explicitados por cada autor, as relações estabelecidas e os
objetivos das pesquisas ou das intenções das escritas. Como não foi possível encontrar
trabalhos relacionados diretamente ao tema que proponho investigar, refleti quanto
aos conceitos encontrados a partir do descritor de transição.
Ao tratar do assunto transição, chama atenção o fato de que, dos doze
trabalhos selecionados nesse descritor, oito deles utilizam a palavra-chave ensino
fundamental: Teixeira (2008); Neves (2010); Neves, Gouvêa e Castanheira (2011);
Kramer, Nunes e Corsino (2011); Motta (2011); Marcondes (2012); Ribeiro (2014) e Dias;
Campos (2015). Uma prerrogativa importante a destacar quanto ao enfoque da
transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental é a relação da inserção e/ou
antecipação da entrada das crianças de seis anos no ensino fundamental. Ou seja, a Lei
Nº 11.274 (BRASIL, 2006a), que altera a Lei Nº 9.394 (BRASIL, 1996a) que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, dispôs sobre a duração de 9 (nove) anos para
o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade.
Nesse sentido, na grande maioria dos títulos, o enfoque se dá nessa transição, mesmo
que diversas outras óticas sejam relacionadas, como os conceitos de adaptação,
acolhimento e cultura de pares. Nessa escolha, os autores tencionam, especialmente, a
passagem da Educação Infantil para o ensino fundamental como campo de análise e
de importância. Esses estudos são relevantes, principalmente, por termos uma
136
legislação, de 2009, antes citada, que enfatiza o compromisso das instituições em
garantir estratégias adequadas a esses processos.
No entanto, destaco que, concomitantemente às DCNEI (BRASIL, 2009b), a Lei
Nº 12.796 (BRASIL, 2013) que altera a Lei Nº 9.394 (BRASIL, 1996a), em seu Art.31, trata
da obrigatoriedade da frequência das crianças de 4 anos, o que problematiza esse
movimento de busca pela identidade da pré-escola. Com essa preocupação, Fernandes
(2014), dentre os demais autores, lança esse olhar para essa nova realidade e investiga
os significados relativos à pré-escola, a concepção de transição para o Ensino
Fundamental e o que os atores do processo educativo pensam sobre a educação das
crianças pequenas. Ribeiro (2014), Neves (2010), Teixeira (2008) e Castodi (2011)
realizam estudo de caso de propostas curriculares relacionadas à transição da Educação
Infantil para o ensino fundamental. A perspectiva de Mascarini (2012) se diferencia, pois
investiga como ocorrem as primeiras experiências das crianças, nesse início na
Educação Infantil, na interação com os seus pares e com os adultos, dentro dos tempos
e espaços desse contexto.
A partir da análise dos dados das demais pesquisas, foi possível avaliar que são
distintas as concepções discutidas sobre o assunto das temporalidades. Em sua
dissertação, Oliveira (2012b) trata das temporalidades como as múltiplas formas de
lidar, de relacionar e de organizar o tempo, ou, ainda, a experiência no e com o tempo.
A autora busca indícios de temporalidades no cotidiano e indica que diversos fatores
precisam estar articulados para ampliação do tempo na escola, como: o trabalho
coletivo, a formação em contexto, o currículo tecido no/com o cotidiano e a convivência
com as múltiplas temporalidades das crianças (OLIVEIRA, 2012b). Por sua vez, Prado
(2012) ressalta que a temporalidade da infância é o sentido de sua própria existência,
que “as crianças são seres temporais” e o tempo vivido pelas crianças é “social” (PRADO,
2012, p. 86). Pinho (2015) buscou compreender a relação entre o tempo escolar, os
outros tempos sociais e as temporalidades dos sujeitos em relação com o outro e os
tempos sociais que o atravessam. Por outro lado, Custódio (2017, p. 301) analisa
representações da infância a partir de sua imagem e trabalha com a hipótese de que
137
os discursos pedagógicos foram modificando as representações de infância e que isso
está ligado ao modo como as sociedades modernas se relacionam com a
temporalidade.
Os conceitos apresentados pelos pesquisadores estão relacionados à
temporalidade e dizem de um modo de ser das crianças e de sua relação com seu
tempo individual, social e relacional. Essas ideias serviram de pistas para meu olhar de
observadora e investigadora para as ações e relações das crianças: entre elas, no e com
o seu tempo e em suas relações com as coisas. Além disso, podem contribuir para a
observação de como esse “tempo do capital” (GUATARRI, 1977) e do relógio as
atravessam, no espaço de vida coletivo. Na continuidade desse grande mosaico,
apresento as produções que abordam o conceito de tempo e as reflexões dos estudos
eleitos nesse descritor. Dentre os autores encontrados, os pesquisadores realizam
diferentes conexões de como o tempo é vivido nos espaços escolares. A autora Buss-
Simão (2013) lança suas reflexões a partir dos momentos do descanso das crianças
dentro da rotina vivida por elas. Além disso, a autora analisa até que ponto as crianças
se conformam, de que modo subvertem essa organização e como a transformam. Em
tal perspectiva, Lopes (2015) aborda o conceito de tempo não linear e como território
habitado por crianças e adultos que se veem em polos opostos. Ou seja, ela apresenta
tempos que dividem as idades das crianças, os espaços comuns e particulares, as
rotinas e ocupação e suas regras nos espaços, ou ainda, dividem o aprender em tempos
e espaços determinados, regulados e controlados.
As autoras Barbosa, Delgado e Richter (2015) tratam do tempo relacionado à
oferta de educação integral em contexto educacional. Corroborando o conceito de
temporalidades dos sujeitos, Pinho (2017), no descritor de temporalidade, aponta que
o tempo escolar precisa reconhecer a existência e a legitimidade de outros tempos para
além do seu, ou seja, o tempo da maré, o tempo do trabalho, o tempo das práticas
simbólicas, o tempo livre e as temporalidades dos sujeitos. Nesse sentido, repensar a
organização temporal através dos aspectos indicativos da organização do tempo das
escolas e os impactos disso nos processos de humanização das crianças é proposto por
138
Pietro (2016). O autor trata da importância da organização intencional e consciente do
tempo, pelo professor, para contribuir efetivamente nas expressões e aprendizagens
das crianças e em seu pleno desenvolvimento.
Pode ser observado, nos conceitos encontrados sobre o tempo, que, na sua
maioria, os autores o relacionam a um padrão de tempo institucional que precisa ser
problematizado e reorganizado no cotidiano das instituições infantis, por se tratar de
atuar com crianças pequenas, que possuem seus tempos, suas temporalidades, e uma
vez que os modos de gestão desse tempo influenciam diretamente na humanização e
experimentação da vida pelas crianças. Nesse contexto problematizado, as crianças
acabam se vendo obrigadas a viver no ritmo apressado dos adultos, com pouco ou
nenhum espaço de escuta para confrontá-lo ou transformá-lo aos seus anseios e
necessidades. Parecem essenciais essas concepções dos autores como possibilidades
de dialogar com a pesquisa que proponho, assim como com as contribuições que
surgiram com o descritor de rotina.
Ao que pude observar nos títulos e nas palavras-chave utilizadas pelos autores,
o termo rotina se relaciona a diferentes concepções quando se trata de investigar a
etapa da Educação Infantil (LIMA, 2010; MEDRADO, 2014; WILDEMBERG, 2016).
Seguindo pelo viés da rotina e da participação das crianças relacionada a concepções
dos professores, a maioria das abordagens nomeadas pelos autores (ALMEIDA, 2015;
LUÍS, ANDRADE E SANTOS, 2015; PEREIRA, 2016; RICHTER E VAZ, 2010; MOURA, 2012;
MONÇÃO, 2016) se referem ao modo como os adultos concebem a rotina e como
organizam o tempo no trabalho com as crianças. Corroboro a perspectiva dos autores
quando salientam a importância de planejar a partir dos “elementos constitutivos” da
rotina (LIMA, 2010) ou como “papel definidor” (MOURA, 2012) e de refletir sobre eles
e sobre seus tempos a partir do contexto (MONÇÃO, 2016). No entanto, sobre a ênfase
na escuta das necessidades, nos seus “diferentes ritmos de aprender” (ALMEIDA, 2015,
p. 07) e nas ações das crianças ao se relacionarem com a rotina, penso que esses
elementos conversam muito com a investigação que realizo.
139
Desse modo, não ter encontrado nenhuma Tese, Dissertação ou Artigo que
trate do descritor das transições cotidianas nesse mapeamento, junto a essas
afirmações, sublinha, com maior ênfase, a necessidade do diálogo que investigo.
Produzir dados que relancem o significado dos modos de viver dos bebês e crianças
bem pequenas quanto a esses conceitos de transições no cotidiano, de temporalidades,
de tempo, de rotina - ou seja, olhar as transições no contexto da creche – constrói
valiosas “pistas” que contribuem para o processo de pesquisa proposto nesse trabalho.
Nesse contexto, com essa revisão bibliográfica e levantamento de pesquisas, procurei
responder o que se conhece, até então, sobre o assunto. Além disso, essa busca foi
importante para esboçar as peças conceituais desse grande mosaico e para evidenciar
o quanto esse processo de busca por referenciais necessita ação contínua quando se
está a construir uma investigação (GRAUE; WALSH, 2003). Por outro lado, embora tenha
sido possível perceber que pouco se escreve ou se pesquisa sobre essas temáticas,
realizar esse mapeamento foi de grande inspiração para tornar visível o quanto a
pesquisa sobre as transições dos bebês e crianças bem pequenas, na creche, pode
contribuir no olhar para cada criança na sua singularidade e na sua relação com o
mundo e, consequentemente, para o avanço de práticas pedagógicas com as crianças
que qualifiquem o currículo da creche.
Perante tais estudos, o delineamento de diferentes temas de investigação e a
importância da pesquisa com crianças, na próxima seção, apresento os detalhes das
etapas metodológicas dessa pesquisa, iniciando por justificar a escolha do lugar.
4.2 APRESENTANDO O CAMPO DE PESQUISA
Estive na escola após conhecimento de que a pesquisa havia sido aprovada
pela Mantenedora. Equipe diretiva foi bem receptiva com a ideia da pesquisa,
receberam o pré-projeto impresso e, após diálogo e maiores esclarecimentos
fui direcionada para a sala da turma da FE1, da pesquisa, para falar com as
duas professoras da turma: Rosa e Solange. Após conversa sobre como seria
a pesquisa, tema, objetivos, andamento, cronograma e instrumentos,
dialogamos sobre minha postura e como nos relacionaríamos durante os
momentos em que eu estivesse na escola. Ainda, como a escola não tinha
nenhum momento previsto para que eu pudesse expor aos responsáveis pelas
140
crianças sobre a pesquisa e conseguir as autorizações da participação das
crianças e uso de suas imagens, as professoras se dispuseram a fazer isso,
durante os momentos de entrevistas com cada família. Ação que ainda iria
acontecer na semana seguinte. Dessa forma, marcamos data para meu
primeiro dia com as crianças e início da observação em campo. (Nota do diário
de campo – Primeiros registros).
Como é possível perceber, no primeiro registro no meu diário de campo, meu
tema de pesquisa e minha presença na escola foi muito bem acolhida desde o primeiro
momento em que mencionei essa possibilidade à equipe diretiva e me fiz presente para
apresentar a ideia da investigação a elas e professoras da turma. Esse mesmo
sentimento atravessou todos os dezoito momentos de observação em que adentrei no
espaço da creche e das crianças.
Como exposto nas considerações iniciais dessa dissertação, a escolha em ir a
campo em uma escola pública de Educação Infantil significa gerar dados a partir das
ações dos bebês e crianças bem pequenas no espaço da creche. Além disso, essa
escolha está ligada à minha trajetória e ao quanto essa pesquisa pode contribuir com
a rede pública, especialmente, por estar entrelaçada ao compromisso político e social
da UFRGS. Desse modo, a escolha em realizar a pesquisa em escola pública está
relacionada ao processo que essa escola específica vive – desde 2014, na participação
no OBECI - e ao fato de eu conhecer a equipe de profissionais que ali trabalha através
da assessoria pedagógica na SMED da mesma RME e do grupo do qual faço parte
desde 2013. No entanto, vale ressaltar que minha proposta se refere à pesquisa com
crianças dessa instituição indiferente do processo formativo que os professores
vivenciam no grupo citado. Ao que se refere esse último critério, farei menção a ele ao
tratar das questões éticas envolvidas.
A Escola escolhida localiza-se na região metropolitana de Porto Alegre e recebe
a denominação de EMEI. A Instituição atende em média 100 crianças de 0 a 3 anos
(etapa creche), em turno integral, nas seguintes turmas: uma faixa etária 0 com 15 bebês
e 3 professores; duas faixas etárias 1 ano, uma sala com 10 crianças e 2 professores e
outra com 15 crianças e 3 professores (a diferença no número de crianças está
relacionada ao tamanho da sala); uma faixa etária 2 anos com 16 crianças e 2
141
professores e uma faixa etária 3 anos com 15 crianças e 3 professores. Essa organização
de turmas segue a Resolução própria do Conselho Municipal de Educação do
Município, que normatiza o número de professores por criança e por faixa etária.
Importa dizer que todos os professores são concursados, possuem a formação exigida
pela legislação (BRASIL, 2009a) e trabalham em regime de 20 horas semanais a 40 horas
semanais. A escola atende das 7 às 18 horas, sendo que o horário de chegada e saída
das crianças varia conforme demanda das famílias. A equipe diretiva é composta por
diretora (eleita conforme Lei Nº 2015 de 13 de outubro de 2009, que dispõe sobre a
Gestão Democrática no Ensino Público) e coordenadora pedagógica (indicada pela
diretora conforme normas e exigências da mantenedora). A escola possui 20
professores, uma secretária (20 horas), 3 serviços gerais, 3 merendeiras, 9 estagiários
para atender aos intervalos dos professores e acompanhar dormitório das crianças,
além de estagiários de apoio à inclusão, se necessário, por seleção e avaliação da
mantenedora e da equipe diretiva da escola.
Pelo fato da escola fazer parte do OBECI, que explico a seguir, importa a escolha
de realizar a pesquisa nesse espaço, inclusive porque nesse grupo temos defendido,
problematizado, desnaturalizado e estudado muitas das concepções que intensifico na
pesquisa.
4.2.1 Percurso da escola escolhida no Observatório da Cultura Infantil (OBECI)
O OBECI, que a escola escolhida para a pesquisa faz parte desde 2014 e que
eu participo desde 2013, surgiu a partir de carta-convite pelo professor Dr. Paulo
Sérgio Fochi. No início, o grupo formou-se por poucas escolas. Essas instituições
aceitaram o convite por possuírem o “interesse particular na reflexão e transformação
de seus contextos” (FOCHI, 2017, p. 23). Das cinco escolas convidadas, em 2013, quatro
compareceram no primeiro encontro em que foi apresentada a proposta do trabalho
e três deram continuidade a ele. No segundo e no terceiro ano, as demais escolas
fizeram contato solicitando a participação no grupo. Hoje, o OBECI reúne cinco
142
instituições. O grupo constitui-se de “uma comunidade que, inicialmente, formou-se
pelas equipes gestoras - diretora e coordenadora pedagógica” (FOCHI, 2017, p. 23).
Importa dizer que essas escolas aceitaram “reunirem-se, sistematicamente,
para voltarem-se às instituições implicadas, pensando a respeito das dinâmicas do
cotidiano, da ação pedagógica, do lugar das crianças e do papel do professor” (FOCHI,
2017, p. 23). Por isso, “essa comunidade, de autogestão, foi se ampliando e, hoje,
envolve cinco instituições, além do trabalho formativo que também se alargou,
abarcando seus professores” (FOCHI, 2017, p. 23). Para Fochi (2017, p. 23), idealizador
e coordenador desse grupo:
O OBECI pode ser entendido como uma comunidade de apoio ao
desenvolvimento profissional que, (i) enquanto uma estrutura social, gera
aprendizagem para e com seus participantes; (ii) espaço de formação a partir
dos pressupostos da abordagem da documentação pedagógica; (iii) organiza-
se com a finalidade de ser um espaço/tempo para o compartilhamento de
dúvidas; (iii) propõe-se a promover comunidades de prática; (iv) espaço de
reflexão e retroalimentação sobre e para o cotidiano praxiológico; (v) a
construção da qualidade dos contextos de aprendizagem das crianças e dos
profissionais.
Seguindo esses pressupostos, pode-se dizer que, como participantes desse
grupo formativo, direcionamos o interesse no observar, refletir, tomar consciência das
escolhas pedagógicas que estamos fazendo e que projetamos a partir de decisões que
coloquem a criança como centro do projeto educativo e reposicione o adulto, dando
aos dois um lugar de importância na construção da relação educativa (FOCHI, 2017, p.
49). Nesse sentido, a escolha da escola dessa investigação se justifica por ela participar
de um grupo que está em processo de desnaturalizar práticas tidas com crianças
pequenas.
A proposta de partilhar dados da pesquisa, que proponho a seguir, corrobora
essa ideia. Ainda destaco que, por fazer parte desse grupo, desde 2013 até 2014, como
coordenadora pedagógica de EMEI e atualmente como assessora pedagógica, consigo
acreditar no seu potencial e acompanhar a caminhada de cada espaço que dele
participa. Esse fato fica claro quando Fochi (2017, p. 50) salienta:
143
Identificar os modos como pensamos e fazemos a ação pedagógica é um
processo longo e bastante complexo. Envolve a tentativa de estranhar o
familiar, ou ainda, de identificar as matrizes teóricas que reproduzimos tanto
no trabalho pedagógico, como no processo formativo.
Além disso, assim como nessa pesquisa que almejo, que questiona como
desnaturalizar as práticas cotidianas automatizadas no contexto da creche, o OBECI
possui como objetivo:
[...] responder à pergunta “como construir qualidade para as crianças e os
adultos”, tanto do ponto de vista formativo, como da ação pedagógica, os
professores e gestores (i) produzem evidências do cotidiano a partir dos
observáveis19 e confrontam com pares (dentro das escolas; no OBECI), (ii)
retroalimentam o cotidiano através da interpretação dos observáveis e com
isso, (iii) vão-se construindo os pensamentos que mobilizam a ação nas
instituições. (FOCHI, 2017, p. 50).
Ademais, esse grupo existe e possui sua importância por ser “[...] um espaço
de legitimidade da dúvida e do confronto que, ao mesmo tempo que qualifica o espaço
de questionamento que está sendo feito por cada instituição, provoca às demais a
pensar sobre os próprios processos” (FOCHI, 2017, p.51). Dessa forma, essa proposta
do Observatório o torna um “lugar legítimo para o debate ampliado e de confronto a
respeito das práticas educativas”, além disso, contribui para “despertar no adulto a sua
capacidade para ver criticamente a pedagogia latente nas escolas, reveladas por aquilo
que está em curso no cotidiano da instituição”. Com isso, esse grupo corrobora o que
me proponho realizar nessa investigação, pois, assim como eu, esse observatório, no
qual aprendi muito, busca, “[...] compreender e interpretar as atuações das crianças
para, então, saber planejar e projetar a continuidade do seu próprio fazer enquanto
professor” (FOCHI, 2017, p.51). No entanto, saliento que concordar com essa
19
No OBECI observáveis significam “registros feitos a partir de observações do cotidiano e que garantem
a possibilidade de serem utilizados para refletir. Os observáveis são, necessariamente, materiais
concretos, físicos: fotografias impressas, arquivos de fotografia, arquivos de vídeo, anotações do
professor, exemplares de produções das crianças. Em outras palavras, algo que se possa observar
posteriormente ao momento em que ocorreu” (FOCHI, 2018, p. 157).
144
metodologia para a transformação das práticas pedagógicas da escola diferencia-se
do percurso que assumo ao pesquisar com crianças. Isso pode ser afirmado, porque,
no caso de minha pesquisa, os elementos investigativos estão no que dizem as crianças
(por meio de suas ações e relações) a respeito de seus modos de vida no contexto da
creche, e a geração de dados será de minha responsabilidade.
Por fim, vale destacar que esse grupo, como uma comunidade de apoio
profissional, foi explorando, nesses quatro anos de estudos, de encontros, de reflexões,
aspectos do cotidiano das escolas, que foram sendo compartilhadas em reflexões entre
as instituições para que pudessem contribuir para a tomada de decisões em um nível
de consciência diferenciado (FOCHI, 2017). Em razão disso, esse foco no cotidiano se
deu por crermos “no valor educativo das coisas de cada dia”. Acrescenta-se a essa
posição o quanto acreditamos que: “O modo como as coisas acontecem na
cotidianidade da escola representa um valor importante na vida das crianças,
especialmente se pensarmos em seu bem-estar” (FOCHI, 2017, p. 60), porque todos os
momentos da vida cotidiana merecem ser acolhidos no seu valor educativo, como, por
exemplo: “Comer, descansar, andar pela escola, encontrar os amigos, fazer amigos,
brincar, ir para a caixa da areia, descobrir por onde passa a água em um conjunto de
canos” (FOCHI, 2017, p. 60). Nesse contexto, esse posicionamento do OBECI auxilia
minha pesquisa, me faz acreditar ainda mais na importância de realizá-la e,
especialmente, reforça a escolha do lugar dessa investigação, mesmo que, nessa
proposta que apresento, o foco estará nas perspectivas das crianças. Por esse motivo,
apresento, a seguir, as características do grupo investigado.
4.3 APRESENTANDO O GRUPO INVESTIGADO
A pesquisa realizou-se na turma de faixa etária 1 ano, em um total de 6 bebês
e 4 crianças bem pequenas. Essa escolha está relacionada ao fato de que, dessa forma,
pude observar a todos sem necessidade de focar em algumas crianças em específico.
A turma é regida por dois professores titulares (Rosa e Solange), dois professores de
145
projetos que atendiam a turma um dia por semana, no momento de hora atividade
dos professores, e uma estagiária que acompanhava o momento do descanso (Ana),
além de outras demais estagiárias, que revezavam o acompanhamento da turma nos
intervalos de 15 minutos de cada professora, em cada turno.
As crianças usufruíam de um espaço de pátio rico em possibilidades, com
pergolado, grama, árvores frutíferas, quiosque, horta, pracinha, casinha, caixa de areia,
etc. Na figura que segue, apesar de tratar esse assunto com maiores detalhes no
capítulo 3: Por espaços de vida na creche, represento os espaços em que as crianças
se deslocavam e que fizeram parte do processo de observação das reações delas a
cada mudança e os modos de viver neles.
Figura 2 - Espaços da creche em que as crianças vivem deslocamentos no cotidiano. 20
Fonte: Elaboração própria, 2017.
Importa dizer que, durante o cotidiano diário, as crianças se deslocavam para
o lanche e almoço no refeitório que fica próximo à sala, em uma área interna e comum,
20
As imagens que ilustram essa figura dos espaços da creche foram capturadas da página de rede social
da instituição da pesquisa. Os desenhos dos bebês, de Clara Papp, foram capturados da internet:
https://123erebole.wordpress.com/2017/04/05/emmi-pikler-estudos-sobre-vinculos-de-cuidado-e-
movimento-livre/. Acesso em maio de 2017.
146
no centro da escola. Além disso, a sala possuía espaços para o brincar, trocador e
solário próprio, e as crianças ainda podiam usufruir de um espaço de área cimentada,
coberta e com brinquedos como: piscina de bolinhas, escorregadores e motocas.
A escolha da turma de Faixa Etária 1 ano, em que frequentam bebês e crianças
bem pequenas, nessa instituição, justifica-se pela forma de organização desse
agrupamento. Nesse grupo frequentam as crianças com características bem distintas
em seus processos de aprendizagem e desenvolvimento. Levando isso em conta, foi
possível ampliar as possibilidades na geração dos dados, pois, das 10 crianças, o bebê
Mateus (11 meses), do total de 6 bebês, engatinhava, enquanto a maioria caminhava
ou eram crianças bem pequenas e apresentavam outras características.
No primeiro dia em que estive na escola, equipe diretiva e professoras me
passaram a constituição da turma da Faixa Etária 1, composta por 7 meninas e 3
meninos e seus respectivos nomes e idades. De acordo com as nomenclaturas das
divisões etárias aprovadas pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017a), no
início de ano (fevereiro), 4 das 10 crianças possuíam idade para serem identificadas
como crianças bem pequenas. As demais 6 crianças eram bebês. Dos bebês, o Mateus,
com 11 meses, o mais novo da turma, completou 1 ano em março e estava em processo
na aprendizagem do caminhar.
Em relação ao contato das crianças com o espaço da creche, metade do grupo
frequentava a turma da faixa etária 0 em 2017 e se conhecia, e a outra metade era nova
na escola. Isis foi a única criança que começou a frequentar a turma na metade do
tempo da pesquisa por questões de matrícula. Tendo em vista tais informações, nessa
turma, com diferentes idades, ocorreram transições valiosas e potentes mudanças nas
ações e aprendizagens das crianças e, principalmente, transições dentro do espaço da
creche ao encontro dos objetivos dessa pesquisa.
Como é possível observar nas imagens de cada uma das crianças, seus olhares
ativos e convidativos a essa pesquisadora sempre foram de satisfação com minha
presença, o que tratarei com maiores detalhes nas questões éticas da pesquisa.
Apresento os nomes fictícios das crianças, idades no início do mês de fevereiro (as
147
quais utilizarei do início ao fim da dissertação), data de nascimento e situação no
contexto dessa creche. Do lado esquerdo da imagem estão os 6 bebês e do lado direito
as 4 crianças bem pequenas da pesquisa.
Figura 3 - Grupo de crianças da pesquisa
MATEUS
11 meses
02.03.2017
Novo
BERNARDO
1 ano e 6 meses
NATÁLIA 07.08.2017
1 ano e 2 meses Novo
04.11.2016
Nova
LAURA BRUNO
1 ano e 3 meses 1 ano e 6 meses
15.10.2016 26.07.2016
Frequentava Frequentava
SOFIA
1 ano e 4 meses
15.09.2016 ISIS
Frequentava 1 ano e 6 meses
28.0.7.2016
Nova
LÍVIA
1 ano e 5 meses
28.08.2016
Frequentava
AMANDA
1 ano e 8 meses
HELENA 14.05.2016
1 ano e 5 meses Frequentava
11.08.2016
Nova
Fonte: Elaboração própria, 2019
Na próxima seção, encaminho a escolha de investigação que corrobora a
expectativa e objetivos dessa pesquisa e os caminhos metodológicos específicos
utilizados para alcançá-los.
148
4.4 A INSPIRAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA
Essa pesquisa parte do pressuposto que a investigação interpretativa com
crianças “pode ajudar a compreender melhor o fenômeno educativo” (VASCONCELOS,
2016, p. 51) e permitir “uma descrição pormenorizada e ricamente facetada da vida de
um grupo” (VASCONCELOS, 2016, p. 52), possibilitando compreendê-los em seus
próprios termos, através de elementos metodológicos que capturem as reações das
crianças e que proporcionem a análise dos dados de observação e dos registros
fotográficos e fílmicos. Além disso, tal perspectiva metodológica contribui com a
Pedagogia da Educação Infantil como forma de nos tornar sensíveis aos modos
automatizados com os quais muitas vezes as crianças são tratadas no cotidiano da
escola e com que suas aprendizagens e descobertas são olhadas, porque falo, nesses
escritos, “sobre vidas” e porque acredito que: “os atos de empatia que surgem ao
tentarmos entender a realidade das pessoas, por vezes muito diferente de nós
próprios, podem dar origem a processos transformadores” (VASCONCELOS, 2016, p.
23).
Com isso, considero que essa transformação, assim como previ, ocorreu em
mim, nas crianças e nos adultos que direta ou indiretamente participaram dessa
pesquisa, pois o tema das transições cotidianas, por não termos estudos específicos
sobre, foi um desafio que apenas no decorrer da geração de dados e no viver no
contexto pude mensurar. Além disso, para Vasconcelos (2016, p. 27) o processo de
investigação “leva o investigador a reposicionar-se a si próprio à medida que tenta
compreender o seu objeto de estudo”. Como exposto, relacionei essa investigação ao
trabalho do mosaicista, pois pesquisar, assim como quando um artista cria seu
mosaico, exige “lentidão e atenção ao pormenor”, ainda exige um “ritmo paciente,
lento” e a “possibilidade de parar para ‘estar com’” as crianças (VASCONCELOS, 2016,
p. 37, grifo do autor).
Nesse sentido, como procedimentos metodológicos, utilizei a observação, o
diário de campo, a fotografia e o vídeo, pois realizar o trabalho de investigação com
149
crianças “implica recolher informação, analisá-la e interpretá-la de uma determinada
maneira” (VASCONCELOS, 2016, p. 52). No que diz respeito à observação, tratou-se de
uma escolha que contribuiu para o descentrar do meu próprio Eu para entender o
“Outro no seu contexto e modo de ser e estar” (VASCONCELOS, 2016, p. 52, grifo do
autor), em um contexto que, para Graue e Walsh (2003, p. 25), significa “um espaço e
um tempo cultural e historicamente situado, um aqui e agora específico”. Nessa
perspectiva, fui me concebendo no processo investigativo, o que exigiu o negociar o
que vivia no contexto com meu “próprio processo reflexivo e interpretativo”
(VASCONCELOS, 2016, p. 59).
Para isso, observei, estive e me envolvi com as crianças por seis meses,
semanalmente, intercalando os turnos, em dezoito observações, ou seja, acompanhei
tanto nos momentos de chegada - pela manhã - até o horário do descanso e em outros
momentos quanto - pela tarde - desde o momento do despertar do descanso até os
momentos de despedida das crianças da escola. Importa dizer que essas escolhas de
horários foram relacionadas à rotina da escola21 e ao fato de que, nesses intervalos de
tempo, ocorreriam ricas experiências de transições, ou seja, ações e reações quanto às
aprendizagens socioculturais que exigem ou geram mudanças complexas que esses
momentos demandam e que enriqueceram a geração de dados e sua posterior análise.
Abaixo apresento o cronograma pretendido com os detalhes da entrada em campo
nos momentos da turma:
Quadro 1 - Cronograma da entrada em campo
TURNO – HORÁRIO PERÍODO
Manhã - 7h30min às 12h30min (5 horas) 6 meses
Tarde - 12h30min às 17h30 min (5 horas) 20 horas mensais - 5 horas semanais
TOTAL DE HORAS EM CAMPO 120 horas
Fonte: Elaboração própria, 2017.
É necessário dizer que, desde o projeto de pesquisa, enfatizei que esse
cronograma seria flexível a depender do calendário de atividades da instituição e da
21
O cronograma pretendido foi organizado baseado no calendário e funcionamento da instituição em
que a pesquisa foi desenvolvida.
150
rotina das crianças, em combinação com os professores e equipe diretiva. Desse modo,
durante o processo de observação em campo, algumas datas que acordei em
cronograma, no início da pesquisa, com as professoras, tiveram que ser modificadas
por atividades que foram surgindo, tanto pessoais como da creche, mas sempre
conseguimos ajustá-las. Consideramos interessante, inclusive pelo tema, que eu desse
início à pesquisa desde os primeiros contatos da turma com o espaço da creche, no
início do ano, mesmo que a qualificação do projeto fosse acontecer após os seis meses
em campo. Com isso, após projeto aprovado pela banca, havia-se cumprido as horas
de observação, e entendemos que o material de campo havia contemplado o
pretendido, utilizado os instrumentos metodológicos adequados e obtido dados para
delinear a pesquisa e dissertação.
Nesse período, o respeito às questões etárias esteve presente, pois não
poderiam ser “determinantes e estáticas no que diz respeito às competências das
crianças”, e meu olhar teria que valorizar e respeitar toda heterogeneidade que me
seria apresentada, por cada criança, além de buscar que se concretizasse uma “ética
viável e significativa” para elas (FERNANDES, 2016, p. 766). Esse adentrar em campo
para observar seguiu um roteiro, conforme os seguintes aspectos22 de minha pauta de
observação: (1) reações das crianças da turma na construção de vínculo afetivo com
professoras e pares, assim como nas despedidas dos responsáveis; (2) reações das
crianças aos modos de organização da rotina da creche; (3) reações das crianças em
relação ao cuidado pessoal e (4) reações aos anúncios das experiências / propostas /
sessões.
Importa dizer que o termo experiências está ligado ao envolvimento da criança
em momentos espontâneos ou dirigidos no cotidiano. Em se tratando do termo
“propostas”, cabe salientar que ele se refere aos momentos de atividades planejados
dentro da rotina da creche. Ainda, quanto à expressão sessão, termo também utilizado
22
Apesar da pauta ter sido seguida e ter atendido aos objetivos da pesquisa, outros aspectos de
observação surgiram no processo de reflexividade e no decorrer da geração de dados em campo,
que serão delineadas no capítulo das análises dos dados.
151
pela instituição, é importante apontar que ele diz respeito aos momentos em que um
espaço específico é organizado, para investigação em pequenos grupos, para o brincar
heurístico ou para outra proposta. Dessa forma, segue pauta detalhada de observação
com aspectos observados, respectivos pontos de atenção das ações das crianças
registrados e estratégias escolhidas para a geração dos dados da pesquisa.
Quadro 2 - Pauta de Observação
ASPECTOS A PONTOS DE ATENÇÃO DE AÇÕES A SEREM ESTRATÉGIAS PARA
OBSERVAR REGISTRADOS REGISTRO E GERAÇÃO DE
DADOS PARA ANÁLISE
1. Reações das 1. Relações das crianças consigo mesmas; 1. Registro escrito no diário
crianças da 2. Relações das crianças com os seus pares; de campo;
turma na 3. Relações das crianças com os adultos.
construção de * Tais relações foram observadas nos momentos 2. Registro visual de
vínculo afetivo de chegada e despedida das crianças na creche, sequência de fotografias que
com professoras assim como nos demais momentos da rotina. narrem as ações e relações
e pares, assim estabelecidas pelas crianças,
como nas conforme os aspectos
despedidas dos elencados na pauta de
responsáveis observação
1. Ações das crianças que expressem 1. f seus
2. Reações das desejos em relação às propostas do dia; 3. Produção de shortcuts
crianças aos 2. Ações das crianças que expressem suas (narrativas curtas em vídeo)
modos de negações em relação às propostas do cotidiano. que narrem sequencialmente
organização do * Tais ações foram observadas durante os as ações das crianças.
cotidiano da momentos específicos do cotidiano, como
creche alimentação, descanso, brincadeira - exploração
de materiais. 3. a
1. Ações de choro, movimentos, 4. falas ou
3. Reações das desconforto nos momentos de: troca de fraldas;
crianças em idas ao banheiro; processo de desfralde; limpeza
relação ao do nariz; vestir ou despir roupas conforme
cuidado pessoal temperatura; uso de medicação;
2. Ações das crianças referentes ao uso de
utensílios como colher, garfo, mamadeira e copo.
1. Ações com gestos ou linguagem 5. expressas a
4. Reações aos cada anúncio de deslocamento de espaço (sala –
anúncios das refeitório; sala-solário; sala-pátio e vice-versa);
experiências/ 2. Ações das crianças em relação aos
propostas/sessõ deslocamentos para as propostas de atividade,
es tais como: a) brincar nos cantos circunscritos da
sala; b) guardar material; c) brincar em outros
espaços da creche; d) sessão de cesto de tesouros
ou jogo heurístico e) brincar no pátio; f) contação
de história e) sessão de pintura, etc.
Fonte: Elaboração própria, 2017.
152
Tendo isso em vista, o adentrar em campo permitiu atentar a pontos
específicos para cada aspecto da pauta de observação e, como fui mais uma professora
no contexto, o fiz de forma cuidadosa e respeitosa, enquanto pessoa que observava e
interagia (quando a aproximação era aceita e feita pelas crianças) e, ainda, enquanto
investigadora atenta ao fato de que queria vislumbrar as competências das crianças.
Para isso, foi necessário partir a campo como aprendiz ciente de que, a cada novo
encontro de observação, novas maneiras de ouvir e recolher traços de suas vidas
seriam encontradas (GRAUE; WALSH, 2003, p. 120).
Nesse sentido, o diário de campo, enquanto parte de um dos recursos
utilizados em pesquisas como as que mapeei e como forma de “escrita sobre o outro,
sobre aquele que é (necessariamente) diferente” (VASCONCELOS, 2016, p. 52) tornou-
se importante nesse processo. Por sua vez, esse diário foi composto da escrita dos
acontecimentos mais relevantes, uma vez que busquei registrar o processo de observar
- conforme aspectos analíticos apresentados -, e conteve as reflexões mais próximas
da “realidade observada”. Esse material, em um segundo momento, tão logo era
possível registrar, a cada turno observado, ganhava detalhes “circunstanciado”,
“descritivo”, com imagens, “de modo a reter tudo” o que fosse “essencial” e me colocar
como “ator” de “caráter reflexivo e subjetivo” nesse processo (VASCONCELOS, 2016, p.
61 – 62).
Durante o processo de observar e narrar no diário de campo o que eu vivia
naquelas horas com o grupo de crianças e o cotidiano da creche, fui percebendo que
não conseguia fotografar e escrever, ao mesmo tempo, em campo. Escolhi fotografar
e, a cada dia, chegava em casa e escrevia, buscando realmente narrar o que havia visto
e vivido naquele contexto, sempre tendo claro que o relevante estava na pauta que eu
havia traçado e que precisava registrar tudo o que contribuiria para as análises do tema
da pesquisa.
Com isso, cada novo adentrar em campo exigia minha constante reflexividade
em relação à forma de escrita e atenção à forma como as vozes das crianças seriam
colocadas, principalmente procurando atender ao fato de que suas linguagens não se
153
davam apenas pela fala, mas por balbucios, gestos, reações de choro ou de
movimentos corporais. Ou seja, todos os momentos pediam reflexão quanto a
utilidade do que capturava a partir do foco de observação, no sentido de que não eram
fixos, mas, ao contrário, precisavam permanecer ativos, com olhar crítico, sem
influências de interpretação e produção de conhecimento, principalmente,
considerando as características das crianças e os jeitos como “enformam os seus
mundos de vida” (FERNANDES, 2016, p. 766 e 774).
Além disso, acrescentado à observação e aos registros no diário de campo,
escolhi a captura de imagens que pudessem enriquecer a escrita e que tratassem do
observado, bem como o recurso de vídeo 23 realizado sempre que, no decorrer do estar
com e no contexto, considerava importante para o processo de reflexividade de ser
pesquisadora que estava a conhecer e aprender os modos de viver as transições
cotidianas pelos bebês e crianças bem pequenas.
Viver a experiência de ser fotógrafa das ações e reações das crianças tornou-
se um desafio imenso e ao mesmo tempo fui envolvida por muitas dúvidas e temores
pela exigência da qualidade que necessitava nas imagens por ainda saber do meu
amadorismo. A cada observação em campo, baixava, separava e utilizava as imagens
para narrar no diário de campo o que eu havia vivido e observado daquele grupo. Ao
realizar essa ação, aos poucos fui aprendendo a utilizar a câmera fotográfica da melhor
forma, fui aprendendo a enquadrar e utilizar o zoom de modo que eu pudesse capturar
ações bem específicas das crianças, tanto corporais como faciais, mesmo que eu
soubesse do recurso e as possibilidades do recorte e edição de imagens. Na separação
dos materiais em pastas, também fui me dando conta da posição que eu, pesquisadora,
tomava ao fotografar e o quanto uma imagem feita, de cima, por exemplo, de uma
relação de poder do adulto sobre a criança, poderia inverter a entonação que eu
gostaria de passar, depois, caso quisesse utilizar tais imagens.
23
O recurso de vídeo tinha como objetivo ser utilizado apenas para as análises interpretativas e,
realmente, foi pouco utilizado.
154
Ou seja, fui me tornando aprendiz de fotógrafa e vivendo essa experiência de
forma que as imagens realmente pudessem mostrar transições cotidianas das crianças
na creche. Posso confessar que, em alguns momentos, foi muito difícil olhar para as
imagens e quase entrar em desespero pelo fato de perceber que, em um turno com as
crianças, poucas imagens poderiam ser utilizadas na pesquisa ou tinham ficado
adequadas para isso, mesmo que eu não tivesse, naquele momento, total segurança
de como as organizaria e as apresentaria no final da pesquisa. Nesse processo de
aprendiz, consegui, a cada novo dia de observação com as crianças e maior
familiaridade com a câmera fotográfica profissional, capturar cenas e expressões
atentando para a pauta de observação e escolhendo o momento de fazê-las, com
maior consciência, selecionando enquadramento, as expressões dos rostos e as
emoções das crianças, ângulos, luminosidade e perspectivas de fundo das imagens
que fazia.
Além disso, pela fotografia se tratar de uma escolha e interpretação, aos
poucos, percebi que fui escolhendo certos pontos da pauta, recorrentes, com foco mais
microscópico e fazendo escolhas mais específicas. Com isso, pude avaliar em que
momentos fotografava sequências de imagens, crianças isoladas, em duplas ou em
grupos, minha posição ao fotografar, sempre com o objetivo de que tivesse um acervo
para análise e pesquisa de imagens claras e capazes de transmitir o que eu vivia com
as crianças, o que elas expressavam e que, depois, eu pudesse visibilizar ao leitor o
processo das aprendizagens das crianças durante o viver as transições cotidianas.
A partir do momento que comecei a reorganizar os dados, tanto as imagens
como as notas do diário de campo e os poucos vídeos que havia realizado durante a
pesquisa, pude perceber que, dentre tantas mil fotografias, existiam sequências de
imagens e imagens isoladas que, se compiladas e apresentadas no lugar propício
dentro da escrita da pesquisa, diziam muito e possibilitariam que eu mostrasse tudo o
que vi, vivi e refleti das transições cotidianas no contexto dos bebês e crianças bem
pequenas, na creche.
155
Por sua vez, fui buscar inspirações de como utilizar as fotografias. Desse modo,
encontrei inspiração em Egas (2017), arte educadora, que utiliza a metodologia artística
de pesquisa baseada na fotografia por acreditar que, dessa forma, pode-se estabelecer
um “outro paradigma em relação à potência das imagens fotográficas na pesquisa em
Educação” (EGAS, 2017, p. 93). Ainda, a autora aprecia a fotografia como linguagem e
a defende como pensamento visual. Dessa forma buscou “investigar como as imagens
fotográficas tornam visíveis os problemas relacionados ao ensino e a aprendizagem”
(EGAS, 2015, p. 3.447) as ideias de que precisava. A autora utiliza a ideia de pensamento
fotográfico “organizado em Séries Fotográficas, Foto Ensaios, Foto Discursos,
Fotocolagens” (EGAS, 2015, p. 3.447). Para ela, essa escolha “requer uma intenção e um
plano de trabalho próprio dos processos investigativos” (EGAS, 2015, p. 3.447). Com
isso, pensa que essa forma de apresentar as fotografias “coloca o pesquisador em
estado de invenção atento ao seu próprio processo de criação, a multiplicidade de
tempos, espaços e perspectivas da Educação” (EGAS, 2015, p. 3.447).
Além disso, busquei ideias em Galvani (2016) que realiza fotocolagem tanto de
fotografias como de desenhos e foto-ensaio. A autora, buscou, com foto-ensaios, em
sua pesquisa, potencializar a “fotografia como dispositivo de pesquisa para ações
pedagógicas”, “como narrativas visuais” para “ampliar as possibilidades de leitura do
amplo material que havia recolhido” (GALVANI, 2016, p. 30) e como “uma tentativa de
despertar no leitor um compromisso artístico com o significado de atenção” (GALVANI,
2016, p. 96). Para ela, foto-ensaio “é composto por uma série de fotografias juntas”
que “possibilitam possíveis interpretações e significados para compreender com
suficiente nitidez uma ideia ou um pensamento” (GALVANI, 2016, p. 102).
Importa dizer que minha pesquisa não se trata de explicar a fotografia, por
isso, apenas busquei, nessas autoras e nas minhas experiências, formas de transmitir,
pela linguagem da fotografia (instrumento que escolhi para gerar dados para minha
pesquisa), explanar e narrar minhas análises e reflexões sobre as transições cotidianas
na creche, não apenas por ilustrações durante as reflexões. Com isso, escolhi utilizar as
ideias de foto sequência de séries de imagens na perspectiva de que narram a ideia do
156
que delineio em seguida a elas ou que apresentam uma narrativa visual. Ainda, optei
pela criação de foto mosaico, o qual surgiu pela metáfora que apresento desde o início
dessa pesquisa. Ao mesmo tempo, buscando uma explicação para o termo, encontrei
que ele seria a criação de uma imagem de colagem da própria imagem inicial, o que
não atingia o meu objetivo. Por isso, utilizo o termo foto mosaico como duas palavras
em separado, inspirada nas autoras Egas (2017) e Galvani (2016) mas, muito
especialmente, na técnica do mosaico em juntar peças.
Desse modo, ao invés de criar uma imagem única das fotografias digitais, feitas
durante a pesquisa em campo, editadas, busco mostrar uma ideia, um pensamento
visual, de fotografias selecionadas, em sequência ou isoladas, com margem entre as
fotografias, apresentando uma relação com o texto e como se ao final viesse o rejunte,
característica do mosaico e que ganha um fundo harmônico. Por fim, a imagem
completa recebe um título para a ideia do todo da foto mosaico e a especificação de
quantas imagens a compõe.
De todas as imagens que obtive em campo, fiz uma garimpagem nas pastas
que havia separado, por datas, das dezoito observações, e por transições que
identificava. Para a organização das análises e foto mosaicos ou sequências, fiz nova
separação, escolhendo as imagens que retratariam a ideia central de cada transição
cotidiana escolhida para apresentar, teorizar e detalhar. Por fim, significa dizer, como
ouvi da artista Claúdia Sperb, em visita ao seu Parque de Mosaicos - Caminho das
Serpentes24, na cidade de Morro Reuter – Rio Grande do Sul, que nós nos constituímos
como um mosaico, de pequenas peças, de tudo o que vivemos e sentimos. Somos uma
obra de arte e transmitimos uma linguagem. Assim, espero transmitir, nas imagens que
apresento durante esse trabalho, nessas escolhas, seja em foto sequência ou em foto
mosaico, que cada leitor, ao olhar cada imagem apresentada, encontre a ideia de
partes, em fotografias, de um todo e de uma ideia reflexiva, analítica e teórica de como
as transições cotidianas são vividas ou necessitam ser olhadas em partes e na sua
inteireza na creche, assim como o todo do cotidiano e as aprendizagens das crianças.
24
Maiores informações em: http://www.claudiasperb.com.br/. Acessado em: abril de 2019.
157
Por isso, também é interessante pensar nas contribuições e na reflexão sobre
a fotografia e a pesquisa acadêmica por existir “uma grande diversidade de usos da
fotografia que indicam sobre diferentes formas de produzir conhecimento” (OLIVEIRA,
SILVA, TANIKADO, 2010, p. 62), no sentido de que o pesquisador também é protagonista
do processo. Corroboro que a escolha de fotografar, mesmo que as imagens não
revelem verdades absolutas, mostram “visibilidades cotidianas, indicando que o
exercício do olhar faz parte do ato de pesquisar, convocando o olhar do pesquisador
sobre o seu próprio trabalho” (TITTONI, OLIVEIRA, SILVA, TANIKADO, 2010, p. 62). Vale
salientar que as imagens que realizei, isoladas ou em sequência, nem sempre
conseguem mostrar o que eu realmente vi ou interpretei que vi. Da mesma forma,
importa dizer que, como eu imaginava, para a maioria das crianças, eu estar com uma
câmera fotográfica na mão pareceu ser natural, pela prática existente; isso foi diferente
para outras crianças, como o Mateus (11 meses), que era novo na creche, mesmo ele
tendo demonstrado logo se sentir seguro com minha presença e relação, buscou
investigar o objeto que eu manuseava, como se vê em uma das imagens do mosaico
da próxima seção.
Vale ressaltar que, independente da forma de registro, ser ou não mais
importante, nessa ocasião, considero que cada um, no seu detalhe, foi imensamente
relevante para a interpretação e cruzamento de informações para análise junto aos
conceitos e na compreensão pela perspectiva das crianças de como aprendem nas
transições cotidianas que vivem na creche. A partir do exposto, apresento a seguir os
aspectos éticos que busquei atender nesse percurso metodológico e que envolvem a
pesquisa com crianças.
4.5 ASPECTOS ÉTICOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA COM CRIANÇAS
Professora Solange me apresentou para as três mães, como a pesquisadora.
Eu as cumprimentei, fui olhando para as três crianças e as cumprimentando
com meu olhar e um “oi”. Meu coração se tranquilizou, tamanha a
receptividade que recebi nos olhares. Consegui perceber aquilo que eu
prometi no termo, as crianças precisavam dizer que permitiam participar da
158
pesquisa, que aceitavam minha presença e foi a resposta que recebi. Seus
olhares eram de: pode entrar! Entrar em seus mundos e em suas histórias.
Histórias de seus primeiros dias do ano na creche (Nota do diário de campo –
23 de fevereiro de 2018).
Desde o início da pesquisa, a minha entrada em campo e no lugar de vida das
crianças necessitava cuidados específicos, que garantissem a segurança e o bem-estar
de todos: princípios éticos de pesquisa com crianças, principalmente das crianças
envolvidas diretamente com a minha presença semanal.
Nesse viés, Barbosa (2014, p. 244) ressalta que esse investigador, em se
tratando de sua ética, necessita se sentir responsável, dar tempo para as crianças com
receptividade, atenção, disposição, sem ser intrusivo, tendo atenção ao “clima
emocional e, mantendo a serenidade para estabelecer uma relação de confiança com
os meninos e meninas”. E, foi exatamente assim que vivi e senti, tamanho o grau
relacional que fui estabelecendo com as crianças durante os dezoito momentos de
observação.
Nos primeiros dias, mesmo que eu tenha sentido o aceite pelos olhares, ainda
sentia receio em saber o que dizer, como me portar diante das crianças, porque eu era
a pesquisadora, adulta, mas não era a professora deles. As professoras ajudavam, me
dando oi e dizendo para as crianças que eu havia chego e que me cumprimentassem,
ao que atendiam, cada um na sua linguagem.
Aos poucos, as crianças foram me dizendo, de jeitos muito diferentes, também,
como seria nossa relação, chegavam perto para me oferecer um brinquedo,
principalmente nos momentos em que eu me sentava no tapete junto das propostas
das professoras, fosse para manusear livros ou brincar com miniaturas, iam se
aconchegando, devagar, caminhando de costas e sentando no meu colo, pediam ajuda
para enrolar panos nas bonecas, me penteavam, pediam para olhar fotos na máquina,
pediam ajuda, estendendo a mão nos momentos de deslocamentos, todos convites
para interagir e, generosamente, me dizer que eu era bem-vinda.
Dessa forma, os recursos metodológicos explanados na seção anterior que
escolhi para essa investigação foram capazes de me reinventar e contribuir para a
159
geração de dados e para a investigação interpretativa do tema e das questões éticas
da entrada em campo, através, também, dos Termos 25 de Concordância da
Mantenedora e da Instituição, Termos de Consentimento Livre e Informado dos
professores da turma e dos Responsáveis pelas crianças, Autorização de uso de
imagem, além de assentimento das crianças envolvidas na pesquisa. Ainda, como uma
investigadora que trata as crianças como crianças e que as respeita como pessoas
inteligentes, sensíveis e desejosas, também compreendo que elas almejam uma vida
confortável e, por isso, me apresentei de forma ética em relação a elas (GRAUE; WALSH,
2003).
Nessa perspectiva, fui a adulta que estabeleceu uma relação respeitosa com os
modos de ser das crianças, interessada por elas e pelo que faziam (BARBOSA, 2014),
que respeitou o aceite ou assentimento delas para participar ou não na pesquisa, pelas
suas reações com minha presença nos momentos em que eu estive fotografando e
interagindo no seu cotidiano. Ou seja, seus modos de assentir se deixar pesquisar
foram levados em conta de forma muito peculiar por essa pesquisadora.
Vale salientar que, por se tratar de pesquisa com bebês e crianças bem
pequenas, o termo de assentimento ou aceite para participar da pesquisa, pelas
crianças dessa turma, teve uma resposta, logo nos primeiros momentos de nossa
convivência, e um aceite de participação diferenciado.
Ou seja, o tive pelas respostas emotivas e afetivas das crianças em relação a
essa pesquisadora, um adulto, estranho para elas, que chegou com seu caderno de
campo e sua câmera fotográfica, mas que adentrou com postura relacional sem
neutralidade, disposto a viver essa relação e aproximação.
Na imagem em foto mosaico que segue, é possível perceber por quantas vezes
as crianças buscavam meu olhar de pesquisadora e como fui estabelecendo relações
com elas.
25
Termos de Concordância da Mantenedora e da Instituição, Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido dos Professores e dos Responsáveis Legais pelos bebês e crianças bem pequenas, além
da Autorização de Uso de Imagem se encontram em anexo ao final dessa dissertação e possuem base
legal nas Resoluções: Nº 196 (1996b), Nº 466 (2012) e N° 510 (2016), do Conselho Nacional de Saúde.
160
Foto mosaico 7 - Olhares e gestos com a pesquisadora. Composta por 6 fotografias digitais da autora.
161
Desse modo, importa as palavras de Dornelles e Fernandes (2015, p. 74)
quando enfatizam que, quando inventamos “modos de pesquisa com crianças,
tentamos nos afastar do que somos até então”. Corroboro as autoras porque vivi e
senti essa sensação de considerar que sabia tudo sobre as crianças, como elas
reagiriam, como eu devia me comportar, mas não; precisei sim, e logo percebi isso,
abandonar a tranquilidade que vivia, porque precisei entender que as “crianças
escapam, são sempre para nós um enigma e, quem sabe com isso, tenhamos presente
que a toda investigação com crianças ousemos nos reinventar como pesquisadores de
crianças” (DORNELLES; FERNANDES, 2015, p. 74).
Desde os primeiros contatos com as crianças, em pequenos grupos, por
estarem em período de adaptação na creche, tive o assentimento das crianças da
participação na pesquisa. Ao mesmo tempo, em certa medida, Lívia (1 ano e 5 meses)
me causou certa dúvida quando, ao fotografá-la, no primeiro dia, sentada no balanço
e recebendo a atenção da professora, virou o rosto. Naquele mesmo momento, sai de
perto, a respeitei e naquele dia só a fotografei de longe sem buscar nova aproximação.
No próximo dia que nos vimos, tendo passado uma semana que eu
frequentava a creche, comecei a fotografá-la de longe, primeiramente quando sentia
ser oportuno e logo percebi que me buscava pelo olhar e me transmitia uma
mensagem de que, sim, estava assentindo participar da pesquisa. Nos dezoito
momentos que tivemos, sempre busquei respeitar os olhares desconfiados de algumas
crianças, mesmo que fossem raros, como os de Helena (1 ano e meses) e os de Isis (1
ano e 6 meses), ambas novas na creche.
Nessa perspectiva, essa relação de pesquisa com crianças exige um
“compromisso ético” (DORNELLES; FERNANDES, 2015, p. 74) e o colocar de “nossas
verdades em suspenso”, além de “nos despirmos de nossas certezas” (DORNELLES;
FERNANDES, 2015, p. 70) sobre o que tem se pesquisado ou consideramos saber sobre
as crianças ou as infâncias. Como se vê nas imagens, tamanha foi a receptividade e
cumplicidade que conquistamos que eu recebia penteados, capacetes e meu corpo era
utilizado para investigação ou como um colo aconchegante. Além disso, a “aceitação
162
das crianças em relação à presença da investigadora e do registro das suas ações
ocorreu do desenrolar do trabalho, de modo sutil e partilhado” (FERNANDES, 2016, p.
766). A partir disso, acredito que, no percurso da pesquisa e no estar com as crianças,
aprimorei minha capacidade de escuta do pensar e agir com elas e de estar atenta ao
como essa capacidade se desenvolve em um “mundo que as escuta”, mesmo tendo
ciência de que não é uma tarefa fácil (BARBOSA, 2014) e não foi.
Diante disso, tanto a Mantenedora como os Responsáveis pela Instituição
foram contatados presencialmente para apresentação dos documentos e
esclarecimentos dos trâmites da pesquisa, com entrega da proposta de pesquisa26 e
dos Termos de Concordância específicos. Além disso, antes desse encaminhamento de
solicitação de aceite da pesquisa, contatei a equipe da Instituição, a fim de autorizar
que tal pesquisa se efetivasse.
Em relação ao termo de consentimento da creche, realizei, como a nota do
diário de campo anteriormente apresentada mostra, encontro, com horário específico,
para explanar o projeto de pesquisa e responder a qualquer dúvida. Quanto ao termo
de consentimento livre e esclarecido dos professores da turma e dos responsáveis
legais pelas crianças, esses foram coletados em momento específico, após autorização
da mantenedora e da equipe de gestão da Instituição. Na ocasião, deixei claro que o
sigilo seria preservado, sem ser mencionado o nome dos participantes em nenhuma
apresentação oral ou trabalho escrito que venha a ser publicado, sendo que os nomes
dado às crianças seriam fictícios. Além disso, com ajuda das professoras, solicitei aos
responsáveis pelas crianças a autorização de uso de imagem, em anexo, por ser a
fotografia um dos recursos que propus para essa pesquisa. Ainda, no documento fica
claro que a pesquisa não seria objeto de nenhum benefício, ressarcimento ou
pagamento a eles e que não deveria oferecer nenhum dano ou desconforto aos
participantes. Ademais, o mesmo documento reforça que eu estaria atenta às respostas
das crianças com minha presença e às suas reações quanto às formas de registro que
26
Proposta de pesquisa organizada em forma de Pré-projeto, apresentado à Mantenedora e à
Instituição.
163
escolhi, no sentido que seriam respeitadas seu bem-estar. Assim, caso rejeitassem, de
alguma forma, a minha presença ou ser fotografadas ou filmadas, seriam respeitadas
e não participariam da pesquisa, mesmo com a autorização dos responsáveis, o que
não ocorreu.
Posso pensar que minha conquista de estar no lugar de pesquisadora naquele
grupo, que os via uma vez na semana, se dava praticamente a cada nova observação,
em um processo de ir e vir, e que se constituía na temporalidade (ESLAVA, 2007;
NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) de cada criança, porque estavam vivendo uma
transição com minha presença também, mesmo que eu mais registrasse em fotos do
que fizesse qualquer intervenção ou contato tão direto com elas, ainda assim foram
me mostrando que queriam estar mais perto de mim e que eu era parte do grupo. Por
sua vez, é importante ressaltar que, como pesquisadora, nesse contexto escolhido, ao
mesmo tempo que as pessoas que ali trabalham com as crianças me conheciam,
precisei estabelecer uma postura clara e esclarecida a todo grupo, de que, nos
momentos em que estaria no espaço como pesquisadora, seria a pesquisadora, ao que
foi respeitado por todos.
Destaco que pretendo apresentar os resultados da pesquisa construídos
através da geração e análise de dados à Secretaria de Educação, à equipe diretiva e aos
respectivos professores em momento específicos e formativos com objetivo de
contribuir para que, na Educação Infantil, especialmente na etapa creche, que atende
a um público muito específico, seja possível avançar em transições cotidianas com os
bebês e com as crianças bem pequenas de forma consciente e não automatizadas.
Com isso, declaro que apresento análises construídas através da geração de dados do
que observei nas relações, ações, reações das crianças ao contrário do que seria avaliar
ou supervisionar as práticas pedagógicas dos professores. Além disso, os textos e
interpretações realizadas serão apresentados aos familiares, em momento planejado
junto à equipe diretiva.
No entanto, importa dizer que, nesse trabalho, darei ênfase maior ao processo,
não como apresentação de regras ou técnicas a se seguir, mas sim de forma que
164
promova processos dialógicos em que todos se sintam implicados (FERNANDES, 2016).
Como mencionado, a pesquisa, como contribuição para uma pedagogia das transições,
será apresentada ao grupo de professores, em momento de formação, dentro do
calendário da própria Instituição ou em momento de encontro organizado em parceria
com a equipe da instituição onde a pesquisa ocorreu. Quanto ao compartilhamento
com as famílias das crianças, também será feito uma devolutiva das contribuições da
pesquisa com linguagem apropriada para esse público e em momento organizado
entre pesquisadora, professores participantes da pesquisa e equipe diretiva.
Parece essencial lançar, até o momento, o quanto acredito no transformar do
interlocutor em pesquisa com crianças. Desde o início, sentia que viveria, e vivi, essa
aprendizagem assim que adentrei na relação “COM” as crianças, pois corroboro
Barbosa (2014, p. 244) que essa experiência contribui com o sair da visão de que as
crianças são “seres frágeis, incapazes para chegar na visão de que são sujeitos que
exigem proteção e cuidado mas que, paradoxalmente, possuem potência”.
Dessa forma, no próximo capítulo, apresento as revelações e interpretações da
pesquisa por unidades de análises. Elenquei essas unidades por escolhas relacionadas
à quantidade de material empírico gerado, de cada transição cotidiana, durante as
observações em campo. Após seleção e separação do que eu havia narrado e
fotografado, foi possível perceber que as transições cotidianas se agrupavam em 3
grandes campos de aprendizagem na Educação Infantil, ao que intitulei: anúncios,
deslocamentos e cuidados pessoais (descanso, alimentação e higiene). Embora não
fosse possível teorizar todas as transições nesse documento, explicito a justificativa das
escolhas realizadas muito ligadas ao material gerado para análise, mas, também, a
minha familiaridade e relação teórica com umas e não outras transições cotidianas
(VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015).
165
166
5 REVELAÇÕES DOS MODOS DE VIVER TRANSIÇÕES COTIDIANAS NA
CRECHE
Chegar na escrita desse capítulo significa, dentre tudo o que estudei na
elaboração do projeto de pesquisa e o que foi observado, fotografado e narrado, em
campo, tornar visível uma pesquisa na Educação Infantil que contribua, de fato, para o
avanço das práticas pedagógicas cotidianas com bebês e crianças bem pequenas.
Ainda mais especificamente, nesse ponto, o objetivo é apresentar, de todo o processo,
as aprendizagens socioculturais (ROGOFF, 1993; 1998; 2005) interpretadas dessa
pesquisadora nos modos de viver as transições cotidianas do grupo escolhido de
crianças, na creche. A relação de Natália (1 ano e 2 meses) com uma boneca, na
sequência de imagens que abrem esse capítulo, me transmitiu o quanto as transições
cotidianas necessitam ser olhadas nas suas partes e, ao mesmo tempo, no todo de suas
aprendizagens e conceitos de tempos, temporalidades, espaços e materiais.
Para Malaguzzi, segundo Hoyuelos (2012a), as crianças são diferentes (mesmo
entre os turnos e dias). O sentir-se inteiro e participante é importante para elas. Natália
(1 ano e 2 meses), em suas ações de carinho, cuidado, investigação da boneca nos
mostra o quanto as transições cotidianas na creche estão envoltas por conceitos de
tempo, de espaço, de materiais e de graus de participação e leitura do que os bebês e
crianças bem pequenas necessitam viver durante a jornada. Ainda, parece nos dizer
que a educação de crianças merece cuidado e respeito a seus tempos e a seu processo
de aprendizagem e desenvolvimento, como estruturante das transições cotidianas.
Natália (1 ano e 2 meses) olha, dá atenção, abraça, acaricia, morde e imita o movimento
da boneca, parecendo se colocar no lugar, na posição em que possa olhar do mesmo
ângulo, na mesma perspectiva para ver.
Ademais, seguindo o que defende Gariboldi (2011, p.109, tradução nossa), pela
estrutura espacial da sala referência, com divisórias, feitas com prateleiras, tapete ou
palete, “caracterizada pela limitação em zonas, estimulava o desenvolvimento e a
expressividade das crianças” de forma que aconteciam oportunidades como essa, de
167
“jogo sociodramático”, maior “frequência nas transformações simbólicas dos objetos e
do ambiente” e o “aumento da duração nas situações e jogo”, mesmo que, nessa faixa
etária estavam desenvolvendo a capacidade de simbolizar. Com isso, importa retomar,
que, de modo a refletir e olhar para as ações das crianças nessas transições, durante a
pesquisa, tornou-se essencial a interlocução com a concepção de rotinas. Isso porque,
refletir sobre as rotinas na jornada com as crianças remete ao dar atenção para que
elas não ocorram de forma automática ou mecânica pelos adultos, tornando-as como
“hábitos estéreis”.
Ao contrário, a busca é que sejam percebidas como um “hábito vital” para as
crianças, porque, para elas, são rotinas de “ações férteis”. Por sua vez, deve prevalecer
a rotina “que se baseia na curiosidade, que descobre uma repetição sempre diferente,
ligada à maravilha do detalhe, à emoção do costume sem precedentes, à exploração
do conhecido”, como “ações férteis” (STACCIOLI, 2018, p. 56 - 57). Por conseguinte,
percebi esses modos de viver as últimas rotinas nas relações que se estabeleceram
entre contextos e pessoas, na creche pesquisada, e que detalho nas análises que
envolvem os deslocamentos do cotidiano. Além disso, importa pensar que as
“atividades de rotinas [...] reavaliam a importância de realizar experiências motivadoras
e personalizadas que permitem o prazer de explorar e estimular a curiosidade”
(STACCIOLI, 2018, p. 71) das crianças, como “uma posição de destaque no currículo do
crescimento” (STACCIOLI, 2018, p. 71). Contudo, elas precisam sentir-se bem ao
sentirem que “há vida em todos os momentos” (STACCIOLI, 2018, p. 71), assim como
defendi no capítulo dos espaços.
Contudo, as atividades de rotina como: “comer, dormir, brincar, cuidar do
próprio corpo, a repetição da maravilha (repetir o irrepetível é uma boa contradição) é
uma parte essencial da vida, uma atitude, um ato fértil que acompanha diariamente a
vivência” (STACCIOLI, 2018, p. 70). Vale destacar que o objetivo da creche, de acordo
com Staccioli (2018, p.71), é “permitir que as crianças vivam a escola” e “não na escola”
ou que só “permaneçam na escola”, mas significa “valorizar as rotinas”. Nesse sentido,
dar esse valor para as rotinas importa porque oferece “um ponto de apoio seguro e
168
favorece a organização equilibrada do tempo e do espaço” (STACCIOLI, 2018, p. 58) às
crianças, elementos que teorizo e defendo nessa pesquisa como contributos para que
as crianças vivam transições cotidianas bem-sucedidas na creche.
Como mencionado, depois de todo o trabalho em campo, nesse capítulo, foi
necessário escolher quais transições cotidianas analisar a partir de quais unidades de
análise, de modo a esmiuçá-las e teorizá-las. Essa afirmação está relacionada à
quantidade de transições cotidianas mapeadas durante a jornada das crianças na
creche: transições cotidianas em propostas de mudança de um espaço ao outro,
conforme nomeei ao apresentar os espaços da escola (figura 2), no capítulo
metodológico. Assim, mapeei as seguintes transições cotidianas de um espaço para o
outro durante um dia na creche, conforme rotina e propostas da turma da pesquisa.
Nesse sentido, do chegar na escola, que considerei como a primeira transição cotidiana
que envolve aprendizagens de mudança de um espaço para outro, vivida no cotidiano
da turma pesquisada, à última transição, a da despedida da creche, pude quantificar
que as crianças viviam dezesseis vezes essa transição cotidiana durante a jornada na
creche.
Figura 4 - Transições Cotidianas de deslocamentos pelos espaços da creche
2. sala 3. solário ou 4. sessão – sala
1. casa – sala
referência – quadra/ referência (pequenos
referência
solário/ quadra sessão grupos ou turma)
7. área coberta – 8. sala referência
5. sala referência - 6. refeitório -
sala referência/ ou praça -
refeitório (lanche) área coberta
praça refeitório (almoço)
9. refeitório - 10. dormitório 11. solário – sala 12. sala referência -
dormitório - solário referência refeitório
14. pátio ou praça –
13. refeitório – 15. sessão – 16. sala referência
sessão (pequenos
pátio/ praça sala referência – casa
grupos ou turma)
Fonte: Elaboração própria, 2019.
169
Isso significa que, a partir do que entendo por transições cotidianas, como
aprendizagens socioculturais que exigem ou geram mudanças nas ações dos bebês e
das crianças bem pequenas, sejam mudanças de um espaço para outro e de uma
relação de cuidado pessoal a outra e pela pauta de observação que utilizei, também
foi possível mapear mais 11 (onze) transições cotidianas de aprendizagens das crianças
na creche na relação de cuidado pessoal. Algumas inesperadas inclusive, como o lavar
as mãos, o escovar os dentes e o uso do bico que não havia antecipado encontrar em
campo, ao elaborar a pauta de observação da pesquisa. No entanto, importa dizer que,
pela idade das crianças, não presenciei uso de mamadeira, nem proposta de sessão
com cesto dos tesouros, uma das modalidades do brincar heurístico, e nem o processo
de desfralde ou idas ao banheiro que havia suposto encontrar, ao que interpreto como
estar ligado ao desenvolvimento das crianças.
Considerei essas onze transições cotidianas como as que envolvem, mais
especificamente temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) de
cada criança, mesmo que interligadas, ou seja, aconteciam de acordo com a proposta
em cada local em que as crianças estavam e de acordo com cuidados pessoais,
necessidades e desejos singulares. Dessa forma, a seguir apresento as transições
mapeadas que envolvem aprendizagens no entendimento, pelas crianças, do brincar e
parar de brincar e no viver cuidados pessoais: alimentação, descanso e higiene.
Figura 5 - Transições Cotidianas das crianças no viver cuidados pessoais
trocar fralda dormir/acordar
tomar remédio
limpar nariz
Cuidados lanchar/almoçar
lavar as mãos Pessoais
largar/pedir bico ou
objetos de transição
escovar os dentes usar talheres/utensílios/
mudar/trocar/tirar
roupas ou calçados copos
Fonte: Elaboração própria, 2019.
170
Considerando que essas crianças frequentam a creche em período integral,
podemos contabilizar que cada uma delas, caso não tenha remédio para tomar, viva
16 (dezesseis) modos de transições cotidianas de mudança de um espaço para outro,
mais 12 (doze) transições cotidianas que envolvem aprender sobre modos de cuidado
pessoal, que podem ser: 2 troca de fralda; 1 troca de roupa ou calçado; 3 lavagem de
mãos; pelo menos 2 limpezas de nariz ao dia; convite ao descanso; e a criança ainda
vai enfrentar a aprendizagem de como fazer uso dos talheres ou utensílios em pelo
menos 2 refeições e vai escovar os dentes pelo menos 1 vez na jornada. Isso significa
contabilizar que, cada uma das crianças vive, em um dia na creche, 28 transições
cotidianas a partir do conceito que concebo, de que nesses momentos, aprendizagens
estão envolvidas, tanto pelo observar seus pares realizando ações dessas práticas
sociais, recebendo o apoio dos adultos como guias e apropriando-se desse fazer. Caso
use bico e sinta sua falta, pode pedir para usá-lo ou precisará deixar de chupá-lo
possivelmente 3 vezes ao dia (no tempo de espera antes do almoço, no descanso e ao
final da tarde) e, caso tome uma vez remédio, serão 32 transições para viver na jornada.
Em seguida, dentre todas as transições cotidianas que mapeei, organizei as
demais seções em 3 (três) unidades para detalhar, teorizar e constituir esse capítulo
analítico: 5.1. Relevância dos anúncios: o que vai acontecer?; 5.2. Deslocamentos pela
creche: transição cotidiana recorrente; 5.3. Os cuidados pessoais e as transições
cotidianas envolvidas. Nessa última seção, apresento a análise em outras 4 (quatro)
novas unidades: 5.3.1. A troca de fralda: transição cotidiana temporal, íntima e singular;
5.3.2. O limpar o nariz: transição cotidiana autônoma e sensível; 5.3.3. O descanso:
transição cotidiana ritualizada; 5.3.4. Transições cotidianas inesperadas na pesquisa: o
lavar as mãos, o uso do bico e o escovar os dentes.
Em relação à unidade dos anúncios, nomeei-a como tal, por considerar
importante detalhá-la e por observar perpassar todas as mudanças vividas pelas
crianças na jornada na creche, reverberando modos de viver e ações específicas pelas
crianças. Além disso, importa que ela seja detalhada por ser um fator importante no
processo e na qualidade das transições cotidianas. Além de revelar a concepção de
171
criança da creche, diz de uma relação respeitosa, de um construir modos de
participação, na interação das crianças com o adulto que implica em uma “participação
guiada mais efetiva”. Além disso, tal atitude é tomada, porque “os adultos tentavam
orientar as crianças na tarefa, proporcionando-lhes vínculos entre o conhecimento”
que possuem e a nova situação, realizando “uma maior estruturação do aprendizado”
(ROGOFF, 1993, p. 213, tradução nossa), ao que as crianças foram se apropriando.
A unidade dos deslocamentos refere-se mais especificamente ao grupo de
transições cotidianas de mudanças de um espaço para o outro dentro da creche,
mesmo que, em menor grau, também perpasse as que envolvem os cuidados pessoais,
porque ressalta o quanto as relações adulto e criança e a organização dos tempos e
dos espaços influencia e contribui nas aprendizagens das crianças nas transições
cotidianas enfrentadas no cotidiano da creche. Por sua vez, nessas transições, ocorriam
aprendizagens em participação guiada, ajustadas ao nível das crianças, de tal forma que
a tarefa de deslocamento se tornasse estimulante, e, ao mesmo tempo, não excedesse
as possibilidades das crianças. Elas tinham apoio do adulto e dos companheiros na
resolução do problema – deslocar-se com segurança – porque, enquanto se
deslocavam, interagiam com colegas que se tornavam seus professores para enfrentar
a situação (ROGOFF, 1993).
Na última unidade, a dos cuidados pessoais, envolvida por três grandes outras
categorias – da alimentação, do descanso e da higiene -, precisei, pelas demais
ramificações de transições cotidianas que abrange, realizar uma seleção de quais delas
esmiuçar e teorizar. Entretanto, por se interligarem, serão todas mencionadas e
discutidas no decorrer desse documento. Essas escolhas ganharam força e
nomenclaturas, como também mencionei no capítulo metodológico, de acordo com a
recorrência das narrativas e imagens que compilei durante as dezoito observações em
campo, material empírico que constituiu a “geração de dados” (GRAUE; WALSH, 2013)
da pesquisa. Com isso, além de parar para olhar e estar com as crianças
(VASCONCELOS, 2016) estava diante de muitos dados e necessitava selecionar quais
transições seriam mais exploradas e que trariam mais sentido aos objetivos, perguntas
172
e relações teóricas. Desse modo, após essa separação das notas de campo de cada
transição cotidiana mapeada, realizei escolhas. Ainda, posso afirmar que, mesmo
considerando que todos os modos de viver e tipos de transições cotidianas mereçam
importância, na sua complexidade, escolhi, também, as que senti que poderia realizar
um processo de reflexividade com maior segurança analítica pelas práticas e histórias
vividas antes da pesquisa.
Importa dizer que isso envolve escolhas. Porém, de nenhum modo, significa
enfatizar graus de importância de uma ou de outra transição cotidiana durante a
jornada das crianças na creche, ou, ainda, com isso, que eu pretenda salientar a
necessidade de atenção maior ou menor dos adultos, para essas transições que escolhi
esmiuçar, no processo de aprendizagem das transições cotidianas dos bebês e crianças
bem pequenas nas instituições de Educação Infantil. Pelo contrário, significa, dessa
forma, por se interligarem e serem tão complexas, ser possível explanar de forma
cuidadosa e teórico-analítica as reflexões da pesquisa.
RELEVÂNCIA DOS ANÚNCIOS: o que vai acontecer?
Amanda (1 ano e 8 meses) me alertou e me deu pistas interessantes para
qualificar transições “generativas”. Enquanto estávamos no solário, professora
Solange sai para seu intervalo e outras crianças vão sendo convidadas para
troca, nesse vai e vem de abrir e fechar a porta da sala, ela abana e diz: “-Tchau
fulana” mesmo envolvida com os panos e cabanas. Fiquei interessada por essa
ação, de aviso e percepção de que alguém se ausentava e era importante
avisar – anunciar que isso acontecia. Talvez estivesse dizendo o quanto é
importante serem avisados do que vai acontecer para internalizar mudanças
com maior segurança e bem-estar (Nota do diário de campo – 14 de junho de
2018).
Mesmo antes dessa cena protagonizada pela Amanda (1 ano e 8 meses), havia
registrado muitas cenas em que as crianças paravam tudo o que estavam fazendo para
ouvir o pronunciamento de qualquer adulto, que sempre anunciavam o que fariam e
o que viria depois. Ainda que tivesse como foco na pauta de observação me deter a
essas ações, não tinha dimensão do quanto isso acontecia e nem a periodicidade. Mas,
173
sim, as crianças recebiam esses anúncios e prestavam atenção a eles, davam muita
importância.
No entanto, na cena que narro no diário, faltando 4 encontros para o
encerramento da pesquisa em campo, Amanda me surpreende pela sua percepção da
importância dessa ação, de avisar a saída da professora do espaço, não só do que
antecede ou sucede as propostas. Isso porque, durante a jornada, não ocorriam apenas
transições cotidianas de mudança de um espaço para outro ou de higiene, mas adultos
entravam e saiam muitas vezes desses espaços. Logo, me chamou a atenção para o
quanto as relações de transições cotidianas – sejam de espaço como de tempo – são
relevantes, e tomei consciência da proporção e relevância da pesquisa in loco, pois
assim pude ver as transições acontecerem, dar valor a elas e torná-las visíveis.
As mudanças de um espaço para outro sempre ocorriam como em um ritual.
As professoras iam se aproximando das crianças, chamavam a atenção de todos e,
como em um convite, diziam para onde iriam e o que fariam, em um processo de
responsividade27 (CARVALHO; RADOMSKI, 2017). No início, além de um clima de
ansiedade e choro, as crianças se dirigiam todas para a porta, por saberem o que vinha
depois e por quererem viver o tempo imediato, especialmente antes de qualquer
refeição. A partir do momento que ouviam o anúncio, o lavar as mãos ou o guardar
os brinquedos era ignorado pelas crianças. Algumas precisavam ganhar um pouco de
bico pois começavam a dar sinais de sono ou se agarravam nas pernas das professoras.
Ao mesmo tempo que reagiam dessa forma, recebiam os cuidados e atenção de que
necessitavam, cada uma na sua singularidade. Isso significa pensar a vida cotidiana em
seu conjunto e nos detalhes, “criando as condições de equilíbrio do desenvolvimento
emocional e afetivo e do desenvolvimento psicomotor e intelectual, o que representa
27
Utilizo o termo por concordar que, para exercer a docência, é preciso “reconhecer o caráter relacional
da profissão”, e que “responsividade e atitude ética (GUIMARÃES, 2008) devem ser perspectivas
indissociáveis no exercício da docência”; ainda, por acreditar que responsividade na docência
“enquanto integração das dimensões cotidiana e existencial” (SCHMITT, 2014) configuram-se como
referências para que seja pensada a ação pedagógica” (CARVALHO; RADOMSKI, 2017, p. 50 - 51).
174
a ‘qualidade do cuidado’ e que proporcionava segurança e relações significativas”
(FALK, 2016b, p. 18, grifo do autor).
Ainda, para compreender as reações das crianças aos anúncios do que ia
acontecer, importa refletir que “durante a colaboração com adultos, as crianças
geralmente participavam das estratégias de planejamento mais complexas
organizadas pelos adultos” (ROGOFF, 1993, p. 215, tradução nossa). Nesse sentido, “as
estratégias foram inicialmente verbalizadas pelo adulto, mas as decisões foram
tomadas conjuntamente pela criança e pelo adulto” (ROGOFF, 1993, p. 215, tradução
nossa), porque negociavam o tempo e os modos para viver essa transição tanto de
mudança de um espaço ao outro como para compreender que iriam viver uma
transição de cuidado pessoal, o almoço, por exemplo. Ou seja, o que foi contribuindo
para que as crianças vivessem esses momentos com maior sucesso e segurança afetiva
e emocional foi o fato de colaborarem com os adultos e relacionar-se “a extensão da
tomada de decisão compartilhada e liderada por adultos durante a colaboração”
(ROGOFF, 1993, p. 215, tradução nossa).
Da mesma forma, das transições cotidianas, as mais tumultuadas e que
geravam maior instabilidade nas reações das crianças eram as que antecediam os
momentos de alimentação e deslocamento ao refeitório, pois exigiam ações de lavar
as mãos (uma das transições cotidianas inesperadas na pesquisa e que trato adiante),
trocar fraldas de alguns, brincar na sala e guardar os brinquedos (porque a sala era
utilizada para o descanso posteriormente, no caso de ser o momento do almoço), e
lidar com a fome e o sono. Por sua vez, foi possível observar que “a maneira como é
organizado o tempo interfere diretamente nas experiências vivenciadas pelas crianças
na escola” (CARVALHO, 2015, p.129).
A estagiária também acompanhava esse tempo ou ritual. As professoras se
dividiam em dar atenção para as crianças e realizar seus desejos e necessidades. Dessa
forma, uma estratégia utilizada pelas professoras, nas primeiras vezes em que esse
momento ficou tumultuado, foi ir com um grupo primeiro ao refeitório, os que estavam
prontos, de mãos lavadas e trocados, caso tivessem necessitado. Essa estratégia foi
175
bem-sucedida e foi sendo utilizada em outros momentos, porque acalmava tanto o
grupo que ia como o grupo que ficava e precisava ser atendido.
Valer-se dessa estratégia dos pequenos grupos, mantendo os rituais e
símbolos, que podemos considerar os anúncios como exercendo esse papel, promovia
o sentimento de pertencimento social pelas crianças, porque cada uma vivia e sentia
“participar como um grupo na vida da escola”; um grupo com história e posição que
sustentava, pelos adultos “um processo de identificação”, de “conexões entre grupos”,
que se colocavam como “referência estável e ativa” e, por consequência, promovia o
“sentido de identidade pessoal” pelas crianças (SAVIO, 2011, p. 139 e 141, tradução
nossa).
Nessa perspectiva, as crianças viveram um “processo cognitivo” de forma a
“guiar ações inteligentes, interpessoais e práticas” (ROGOFF, 1993, p. 32, tradução
nossa). Buscar resolver problemas, como esse, diante das reações das crianças ao
receberem o anúncio de que o almoço estava próximo e que, para isso, deveriam lavar
as mãos, “envolve dar primazia às tentativas das pessoas de negociar o curso da vida,
trabalhá-lo ou transformar os problemas que surgem ao longo do caminho para
alcançar os vários objetivos da vida” (ROGOFF, 1993, p. 32, tradução nossa), que, nesse
caso, estava centrado ao como tranquilizar as crianças que possuem seus tempos
imediatos, de, prontamente, almoçar.
Desse modo, podemos entender esse processo como um modo de
participação guiada,, em que que os adultos se colocam nesse papel de guia das
aprendizagens das crianças e em que as crianças “interatuavam com companheiros
mais hábeis que elas” (ROGOFF, 1993, p. 219, tradução nossa) e no “contexto da sua
própria cultura” (ROGOFF, 1993, p. 221, tradução nossa). Nesse contexto, os adultos,
ao realizar os anúncios e criar estratégias nesse esperar, auxiliavam as crianças na
compreensão do que ia acontecer e, ao mesmo tempo, contribuíam para que elas
tivessem tempo de observar e aprender com os pares, aguardando sua vez, olhando
como os colegas insistiam em tentar o lavar as mãos sozinhos, como se aproximavam
da pia, como usavam o sabonete líquido e o papel toalha, ou seja, mudavam ou
176
“reconsideravam suas perspectivas” a partir do “intercâmbio entre iguais” (ROGOFF,
1993, p. 221, tradução nossa).
Nesse sentido, aos poucos fui percebendo que esse momento, mais assimilado
e aprendido pelas crianças, foi se modificando, pelas comunicações e postura de guia
dos adultos e pelas observações que faziam das ações dos pares. Mesmo que alguns
ainda se dirigissem para a porta, acabavam vivendo um momento de conversa com os
colegas ou de negociação para juntar ou não as mãos e seguir para o refeitório, em
companhia ou sem ninguém os acompanhando, ao que se compreende como
aprendizagens em participação guiada. Do mesmo modo, ao aprenderem que essa
comunicação, de anunciar o que iria acontecer, incidia, sempre da mesma forma, em
uma repetição de cuidados e de gestos acompanhados de palavras, permitia que as
crianças antecipassem ações de forma mais segura (FALK, 2016b). Dessa forma, elas
pareciam compreender melhor que esse ritual merecia de um outro tempo, de maior
espera. Em relação ao lavar as mãos, escovar os dentes e usar o bico falarei
posteriormente com maiores detalhes, ao tratar das transições cotidianas inesperadas
na pesquisa.
É possível perceber, ao que fui acompanhando, através desse cuidado que
receberam, que as crianças foram reagindo melhor aos anúncios de saída da sala, seja
para irem ao refeitório, seja para o solário, seja para a quadra coberta ou pátio. Em
outras palavras, essa organização de anunciar o que iria acontecer antes do almoço,
dar liberdade e segurança ao como as crianças se organizariam para o que antecedia
e o que procedia esse deslocamento transformou o ritual, que foi se modificando com
o passar do tempo, em uma transição cotidiana aprendida e vivida como algo
prazeroso.
Através dos registros e imagens da foto mosaico que segue, é possível
perceber que, a partir do momento em que se apropriaram dos espaços da creche, as
saídas da sala referência, que, como ressaltei anteriormente, parecia se tratar do porto
seguro das crianças, foi se transformando.
177
Foto mosaico 8 - Anúncios: e o que vem agora? Composta por 7 fotografias digitais da autora.
178
Essa transformação ocorreu pela aprendizagem do quanto eram capazes de se
locomover com segurança e, dessa forma, se sentiam mais tranquilos para seus
deslocamentos e para o que viveriam. Nesse sentido, foi possível observar que as
crianças foram respeitadas e, com isso, foi lhes permitido um olhar da “constituição da
criança no lugar da potência, da produção, da construção de sentidos (com todos os
seus sentidos, tátil, visual, auditivo)” (GUIMARÃES, 2008, p. 16).
Com o decorrer dos anúncios, dessa comunicação entre adultos e crianças, elas
paravam, prestavam atenção, alguns diziam não, com gesto ou a palavra, e a professora
continuava o convite, pedindo que dessem as mãos (alguns davam, outros não, alguns
queriam sempre o mesmo colega ao lado ou a mão da professora) e se direcionava
com o grupo para outro local. Importa, para esse entendimento, ratificando minha
percepção, o conceito de participação guiada, por envolver “uma comunicação
interpessoal como uma determinada forma de organizar as atividades infantis”
(ROGOFF, 1993, p. 22, tradução nossa). Ainda, “inclui tanto os esforços explícitos para
guiar o desenvolvimento das crianças como a comunicação e as formas implícitas de
organização imersas na prática e nas atividades rotineiras da vida cotidiana” (ROGOFF,
1993, p. 22, tradução nossa). Tal prerrogativa, de realizar essa prática de anunciar o que
iria acontecer, como cuidado, significa compreendê-lo “numa perspectiva ética”. De
acordo com Guimarães (2008, p. 16) “a atenção do profissional que cuida sobre seus
próprios atos convoca a ações menos intervencionistas”.
Além disso, as crianças tinham respeitado o tempo para apreciar tudo o que
encontravam pelo caminho, o que também faz parte da apropriação participatória em
uma participação guiada, em que se aprende observando ações dos pares e adultos.
Processo que é possível observar na narrativa do diário de campo que refiro a seguir:
Sinto vontade, hoje, de comentar algo que percebo ser importante nas
transições cotidianas que acontecem no dia a dia dessa turma, em especial.
Nomear o que vai acontecer, fazer um suspense do que os aguardam, ou seja,
percebo que esse ritual, praticado pelas professoras, tem
contribuído/favorecido as mudanças de um espaço para outro e de uma
proposta para outra. Momentos em que as crianças são tratadas com muito
zelo e respeito (Nota do diário de campo – 07 de maio de 2018).
179
Como pode ser analisado, pela nota, devido a uma jornada ritualizada, percebi
que os anúncios de mudança de espaço ou proposta na própria sala foram se tornando
mais naturalizados pelas crianças e eram recebidos de forma mais tranquila. Isso
significa que adultos e crianças estão envolvidas em “diálogos sobre o que estão a
fazer” (SOUSA; MACHADO, 2018, p. 67), o que acontece em vários momentos, inclusive
nos cuidados pessoais, como abordarei adiante nas análises. Com esses diálogos, que
nomeio como anúncios, são assegurados um “ambiente de bem-estar para fortalecer
relações de confiança e segurança” (SOUSA; MACHADO, 2018, p. 67). Aos poucos,
comemoravam cada anúncio e não exigiam mais segurar a mão de alguém para se
sentir seguros.
Por sua vez, o avanço nas aprendizagens nas transições cotidianas e bem-estar
das crianças a cada novo anúncio, especialmente nas mudanças de um espaço para
outro, tiveram peso por se estabelecer um contexto em que a relação de confiança
entre elas e professoras, aliada ao conhecimento dos espaços, foi capaz de garantir
que elas os frequentassem de maneira a se sentirem confiantes e com “liberdade para
explorá-los” (GOBATTO, 2011, p.171). Isso se justifica porque, quando a porta se abria,
logo se deslocavam com “alegria”, pela “autonomia” (FALK, 2016b) conquistada e
escolhiam como ir, ou seja, percebi menos sofrimento a esses momentos de mudança
de espaço ou de proposta e o quanto haviam estabelecido “vínculos” (SOARES, 2017)
com seus pares, ao escolherem para quem dar a mão e seguir junto a outro espaço.
No refeitório, recebiam a informação do que teria de lanche ou almoço com certa
ansiedade. Quando o prato chegava à mesa, servido, a sua frente, vibravam e
degustavam, principalmente o almoço, com prazer e cuidado ao ingerir, pois também
eram avisados que podia estar quente. Em razão disso, é possível analisar que, assim
que a crianças percebiam “contextos preparados para recebê-los” demonstravam
tranquilidade, “alegria quando neles chegavam e prazer quando lá permaneciam,
interessados e envolvidos com as coisas novas que lá encontravam” (GOBATTO, 2011,
p. 205). Viviam “o gosto pela aprendizagem em companhia” de seus pares e
180
professoras ou quando os adultos as faziam companhia e apoiavam “o
desenvolvimento das suas intenções e interações” (SOUSA; MACHADO, 2018, p. 65),
ainda, quando desenvolviam experiências por si como e quando viviam a “partilha de
materiais” (SOUSA; MACHADO, 2018, p. 65).
Outra questão que contribuía para o progresso do bem-estar, tanto ao
ouvirem novo anúncio de mudança quanto ao viverem uma nova transição de
deslocamento na jornada, foi a regularidade de suas visitas, pois, “fortalecia a
oportunidade de que se apropriassem” dos espaços e conhecendo-os e “intensificando
suas culturas de exploração ao poderem repetir as experiências que lá vivenciavam”
(GOBATTO, 2011, p. 205). Tanto a regularidade das situações, como as sequências dos
acontecimentos, vinculados às transições cotidianas que viviam, facilitava aos bebês e
crianças bem pequenas a se situarem no tempo e “aumentar o sentimento de
segurança” (FALK, 2016c, p. 47). Ao mesmo tempo, haviam oscilações: as crianças
reagiam aos anúncios de diferentes maneiras. Nas primeiras vezes que apenas um
grupo se ausentava da sala para alguma sessão, alguns choravam. Isso ocorria tanto
com os que ficavam e às vezes, também, com os que iam, que formavam o grupo na
porta, mesmo que fossem avisados individualmente. Quando reagiam com choro,
eram acalmados, recebiam novamente a informação do que aconteceria e, caso
decidissem ficar, lhes era possibilitado, sendo que, em outra sessão, eram convidados
novamente a participar. Essas atitudes dos adultos com as crianças, baixar-se, olhar nos
olhos delas, explicar como e quando iriam participar das propostas, em outro tempo,
remete ao conceito de participação guiada em que o adulto guia as aprendizagens das
crianças ao envolverem-se “em dois tipos de processos de colaboração” (ROGOFF,
1998, p. 31). Ou seja, o professor busca “construir pontes, a partir do nível de
compreensão e habilidade que a criança mostra em um determinado momento, para
alcançar novas” e organiza e estrutura a “participação das crianças em certas atividades,
incluindo mudanças na responsabilidade que a criança assume por meio do
desenvolvimento” (ROGOFF, 1998, p. 31). Da mesma forma, quando os adultos se
colocam no mesmo nível físico das crianças, as observam, as escutam, dialogam com
181
elas, mostram esse estar em companhia pelo interesse pelo seu saber e fazer (SOUSA;
MACHADO, 2018, p. 65). Presenciei e capturei tais ações em imagens na pesquisa.
Outra questão, que observei é que a organização de grupos para as sessões
não ocorria sempre com as mesmas crianças em cada grupo, mas de acordo com a
reação ao receberem o convite para brincar em outro local. Sentia que essa reação das
crianças estava muito mais ligada ao desprendimento da segurança do momento em
que estavam vivendo e naquele espaço do que da insegurança de não saber
exatamente o que iriam viver em outro espaço. Além disso, realizar transições
cotidianas ou atividades em pequenos grupos, com certa estabilidade, importa, porque
inclusive repetiam para quem queriam dar as mãos ou com quem ficariam mais
próximos, tanto nos deslocamentos quanto em outras propostas do cotidiano, bem
como para promover “a familiaridade entre as crianças”, pelo “fato de compartilhar
experiências diariamente” (SAVIO, 2011, p. 138, tradução nossa).
Tal prerrogativa de divisão das crianças em pequenos grupos para sessões e
para algumas transições cotidianas de um espaço ao outro ou de cuidado pessoal da
alimentação, por exemplo, está aliada à concepção de que, com isso, há tempo para
“alargar e aprofundar interesses” das crianças. Ainda, envolve uma busca por uma
pedagogia participativa, em que “motivações e explorações” são “revelados e/ou
expressados pelas crianças” (SOUSA; MACHADO, 2018, p. 66), além de ser possível
haver uma sistematização das experiências de aprendizagem. Além disso, torna-se
critério “de organização e flexibilidade, de valorização de uma abordagem
multissensorial à aprendizagem e de abertura à natureza e à cultura” (SOUSA;
MACHADO, 2018, p. 66). Por conseguinte, Savio (2011, p. 121, tradução nossa) enfatiza
o quanto se deve dar atenção às características e relações que cada grupo de crianças
estabelece, porque é um “instrumento indispensável” para se “elaborar estratégias
organizativas, relacionais e educativas”; uma oportunidade educativa para se alcançar
os objetivos de aprendizagem das crianças. Com essa atenção, passamos, enquanto
profissionais na Educação Infantil, a refletir sobre “porque se faz o que se faz” (SAVIO,
182
2011, p. 122, tradução nossa), evitando riscos e prejuízos com estratégias dadas como
consolidadas.
Nesse sentido, observei que as crianças que demonstravam maior resistência
em sair do espaço para ir para outro eram as que haviam estabelecido um “vínculo”
maior, “fundamental para o desenvolvimento” (SOARES, 2017, p. 17), com uma ou
outra professora e teriam que se desafiar a ir para outro local, com o outro adulto, o
que me parecia ser o maior temor. Desse modo, ao conhecermos as crianças, sabemos
o quanto nos compreendem pelo modo como respondem, mesmo as que não se
expressam verbalmente. No entanto, com os gestos e falas dos adultos, as crianças vão
aprendendo a se comunicar, se inserir na cultura e se apropriar dela. Nesse processo,
necessitam, conforme Soares (2017) estabelecer um vínculo de confiança e
consequente segurança afetiva como sustentação de seu desenvolvimento, para
sentir-se seguro de si mesmo e para se “expressar com competência e procurar
respostas a suas indagações, porque foi escutado em suas necessidades” (SOARES,
2017, p. 24).
Antes de cada sessão, uma das professoras se ausentava da sala e a organizava.
Desse modo, compartilho a seguir uma nota do diário de campo, que ilustra tal
situação:
Professora Solange fica na sala organizando os materiais e professora Rosa
fica com as crianças. Solange me explica que hoje vão fazer a proposta das
portas abertas em que cada sala organiza uma proposta e as crianças ficam
livres para escolher onde querem ir. No ano, é a primeira vez que farão. Ainda
no solário, demora um pouco, mas Bruno (1 ano e 6 meses) seguido por
Bernardo (1 ano e 6 meses) logo encontram uma saída para olhar o que
acontece lá dentro da sala. Espalha todos os brinquedos que eram para brincar
de terra de dentro do pote, que já até tinham tentado guardá-los. Viram o
pote, colocam embaixo da janela e sobem para acessar a parte com vidro da
janela. Atitude que gera um tumulto, porque todos querem subir, sendo que
a professora Rosa, que estava no solário com eles necessita intervir para ajudar
na organização de quem subia (Nota do diário de campo – 29 de março de
2018).
Como pode ser observado a partir da leitura, percebi, mesmo que todos
tivessem sido avisados do que iria acontecer, que Bruno assim que percebeu que a
183
professora de maior “vínculo” (SOARES, 2017) dele não estava no solário, mas na sala,
ficou muito curioso e tratou de encontrar uma forma de saber o que ela fazia; talvez
numa tentativa de se sentir mais seguro do que iria acontecer e de que sua referência
de apoio não havia sumido. Falk (2016, p. 26) defende, o que corroboro, que um
mesmo professor realize os cuidados pessoais com as crianças, momento mais propício
para o estabelecimento do “vínculo”, para “manutenção das relações interpessoais
estáveis, contínuos, íntimas e calorosas”, o que favorece a “segurança afetiva”. Mesmo
que, na escola da pesquisa, essa regularidade do adulto realizar sempre os cuidados
pessoais com a mesma criança não acontecesse, observei que as professoras
percebiam as preferências das crianças por certos adultos e procuravam atender a essa
necessidade afetiva sempre que possível.
Para as sessões e para a proposta de escola, das portas abertas, a forma como
o espaço da sessão foi organizado, tanto em termos de estética como de proteção de
outros atrativos e do aviso do que ia acontecer, demonstrou gerar uma melhor
transição para as crianças. Em muitas sessões, os materiais organizados possuíam
relação com o cotidiano das crianças e elas conseguiam estabelecer relações entre eles.
Mesmo que se interessassem mais em investigar os sons, percebi que esses eram
materiais que contribuíam para as aprendizagens de transições cotidianas voltadas ao
desenvolvimento e interesse da faixa etária. Observei que, no início, as crianças
brincavam praticamente de forma individual e, aos poucos, com a constituição de
“vínculos” (SOARES, 2017) e desenvolvimento da fala, duplas foram se constituindo e
davam outro sentido aos espaços. Por sua vez, encontravam materiais de acordo com
suas características, o que gerava aprendizagens quanto ao modo como podiam
explorá-los e acessá-los com “tipologia” de ”material aberto”, que “não exigia um
resultado determinado” (GARIBOLDI, 2011, p. 112, tradução nossa).
Nesse sentido, nas sessões, antes do término, quando professoras notavam
que as crianças diminuíam o interesse na exploração dos materiais disponibilizados,
também mencionavam o anúncio de que iriam ter mais um certo tempo de exploração
e que depois iria acabar a brincadeira. Nessa ação, o respeito às investigações das
184
crianças era considerado, mesmo que saibamos que as crianças possuem uma
percepção do tempo diferente da nossa e não saberiam mensurar o que exatamente
significavam o anúncio de mais 5 minutos, por exemplo. Essa organização de sessões
em pequenos grupos, além da atenção que a professora conseguia dar para as crianças
individualmente, possibilitava o sentir-se bem das crianças com tempo para suas
investigações. Com isso, ainda, a professora podia projetar e “modular a organização
dos pequenos grupos”, sua estabilidade ou não, porque essa organização permitia
observar “a qualidade das suas dinâmicas sociais” (SAVIO, 2011, p. 138, tradução
nossa).
Outro anúncio relevante para as crianças se tratava dos momentos de transição
cotidiana tanto de chegada de colegas como de despedida. A cada batida na porta, as
crianças que percebiam, antes do anúncio e da pergunta da professora de quem
chegou, exclamavam e avisavam que alguém estava na porta. Ou seja, uma rotina que
oferecia “a oportunidade de tornar a vida cotidiana interessante e enriquecedora”,
porque era um momento de lidar com seus sentimentos e com os dos outros
(STACCIOLI, 2018, p. 71 – 72).
Alguns familiares acessavam a janela de vidro do corredor da sala e se
apresentavam por ela, gerando uma grande expectativa e vibração por parte das
crianças. Amanda (1 ano e 8 meses), a mais velha da turma, determinada, experiente e
com linguagem mais desenvolvida, acompanhava cada despedida segurando a porta
e avisando colegas para pegar a mochila, deixada do lado de fora pela professora a
cada criança que estivesse limpa e trocada. Percebia o quanto Amanda demonstrava
compreensão no significado desse momento e, ao que parecia, uma segurança que
sua hora de ir embora ia chegar e que podia controlar sua ansiedade ou desejo de que
a buscassem logo. Ao mesmo tempo, realizava ações que havia observado adultos
fazendo, em um processo de aprendizagem em participação guiada. Além disso,
depois de imitar o adulto, que a acompanha em ações de autocuidado, pôde fazer a
ação sozinha, em seu processo de “autonomia” (FALK, 2016b). Enquanto isso, ao
aproveitar o prazer de ajudar, Amanda (1 ano e 8 meses) legitima a constatação de que
185
“as crianças abraçam os momentos em sua plenitude e as transformam em transições
que são amostras das oportunidades não desperdiçadas de seu passo evolutivo pelas
coisas que encontram e nas quais agem” (HOYUELOS, 2007, p. 14, tradução nossa), o
que ela fazia acompanhando os amigos, alcançando algo e se despedindo deles ou
ajudando a abrir a porta e dizer quem ia embora.
DESLOCAMENTOS PELA CRECHE: transição cotidiana recorrente
Os episódios na casa de porta de ferro rosa, no pátio da direita da escola,
foram muitos. Entrar, sair, entrar e fechar a grade era de grande satisfação.
Ocorria a lei do mais rápido e mais forte. Capturei uma sequência de imagens
significativas do quanto uma porta mobiliza as crianças e talvez diga de suas
vontades ou limites do corpo. Amanda (1 ano e 8 meses), líder, venceu a
maioria das disputas com seus gritos e choros. Lívia (1 ano e 5 meses)
praticamente não saiu de dentro para evitar perder o lugar. Por fim, as duas
se agacharam lado a lado dentro da casinha e olhavam para todos com ar de
satisfação e felicidade (Nota do diário de campo – 06 de abril de 2018).
Escolho essa narrativa do diário de campo para introduzir os modos de
deslocamentos das crianças durante todas as transições cotidianas que envolveram
mudanças de um espaço para outro no cotidiano da creche e que também passaram
pela aprendizagem de adaptação e compreensão de como “habitar esses espaços”
(GARIBOLDI, 2011) e “viver como um lugar emocionalmente seguro”. Isso se justifica
porque as crianças tiveram a possibilidade de ficar sozinhas ou em duplas, “segundo
seus interesses”, “compartilhando tempo e espaço”, “favorecendo condutas
diferenciadas”, como “relações com os adultos e colegas”, e “aumentando a
capacidade para tomar decisões autônomas” (GARIBOLDI, 2011, p. 113 – 115, tradução
nossa). Com isso, também, chamou minha atenção, o fato de que capturei, em
sequências de imagens, vividas pelas duas meninas, que foram ganhando companhias,
momentos de disputas por um espaço. Desse modo, penso que talvez essas ações das
crianças traduzam uma metáfora do que significa o entrar e o sair, mesmo que em
brincadeira de criança, porque envolve o poder de abrir e decidir para onde vão.
Durante a disputa/brincadeira, criaram regras por olhares ou por gestos de quem podia
186
ou não entrar. Fiquei me perguntando o que essas cenas poderiam me dizer das
transições cotidianas dessas crianças.
Como delineei no início desse capítulo, mapeei, durante as dezoito
observações na turma de faixa etária 1 ano, dezesseis transições cotidianas que
envolveram aprendizagens de como, por que e para onde ir, ao se deslocar nos espaços
da creche. Penso que foram perguntas que as crianças se faziam, principalmente, nas
primeiras vezes em que receberam o anúncio de que viveriam essas mudanças de um
espaço para outro na creche.
Com isso, é possível mensurar o tamanho da insegurança que as crianças
demonstraram sentir ao receber essa informação, muito embora alguns frequentassem
a creche no ano anterior. No entanto, a sala era outra, as professoras eram outras,
tinham novos colegas e estavam vivendo o período de aprendizagem inicial de
adaptação na escola. Cabe pontuar que o momento de adaptação precisa ser pensado
e planejado para acolher a todos, em todos os seus espaços e relações (STACCIOLI,
2013; BRASIL, 2009a; BRASIL, 2017a), porque a qualidade das transições depende do
contexto e do modo de acolhimento (OLIVEIRA-FORMOSINHO, LIMA; SOUSA, 2016).
Além disso, ela significa um tempo de reencontro dos adultos e das crianças que se
conheciam e de fazer novas amizades, tempo para a escuta individual e de todos, dos
sentimentos, das angústias, das expectativas e, para isso, a criança merece encontrar
espaço acolhedor (SOUSA; MACHADO, 2018).
Nesse lugar de vida coletiva, em que o conteúdo da Educação Infantil, como
currículo, é a vida cotidiana e as práticas sociais, as crianças buscam seu espaço de ser
no individual em um coletivo. Por sua vez, segundo Gariboldi (2011, p. 108, tradução
nossa), “a organização dos espaços educativos deve ser entendida como um aspecto
significativo do currículo implícito”, porque “influencia comportamentos”, como
significam suas ações e a “capacidade de experimentação das crianças”. Diante disso
e, com isso, estão adultos que regulam o tempo.
As crianças nos dizem que possuem seus tempos e “temporalidades”
(OLIVEIRA, 2012b) próprios, que vivem aprendizagens em um processo contínuo e
187
merecem essa compreensão e o respeito ao que já sabem e precisam aprender. As
crianças da pesquisa são essas crianças, que diziam a todo momento suas necessidades
e modos de viver aprendizagens em transições cotidianas prazerosas e respeitosas aos
seus “ritmos” (POST; HOHMANN, 2003; CABANELLAS; ESLAVA; ESLAVA; POLONIO,
2007; OLIVEIRA, 2012a; FALK, 2016c). Nessa cena, além de disputa por um espaço,
observo que as crianças viveram uma aprendizagem em participação guiada, porque
dividiram seus conhecimentos tanto de como abrir e fechar a porta como de
competência maior ou menor de comunicação tanto de gestos, movimentos corporais,
como de palavras para criar as regras e encontrar soluções.
Ao mesmo tempo, importa dizer que o desafio de deslocamentos pela creche
foi notável logo nos primeiros encontros em que estive com as crianças, especialmente,
para o Mateus (11 meses), único da turma que engatinhava. Essa característica gerou
certa insegurança manifestada pelas professoras, em se tratando das ações e
estratégias a adotar para atender às suas necessidades, mas não impediu que as
criassem de modo que valorizasse sua ação autônoma e condições para que não se
sentisse em abandono (FALK, 2016b), tanto na comunicação que tinham entre elas e
com ele, como na organização dos espaços para suas necessidades motoras.
Nesse ponto, importa afirmar que, ao observar e vivenciar as formas de
comunicação e linguagem das crianças, foi possível notar o quanto buscavam
avidamente os adultos e encontravam estratégias para se comunicar, com gestos,
balbucios e entrega de objetos (POST; HOHMANN, 2003). Por isso, também se percebe
que “a criança assume a iniciativa de se contatar com o adulto, mas tudo depende da
importância que se dá a essas formas que os bebês têm de se comunicar” (CASTRO,
2011, p. 99). Trago isso, porque, nos primeiros contatos com as crianças, como apontei
no capítulo metodológico, eu estava aprendendo e sentindo como poderia me
comunicar com elas e, ao mesmo tempo, as professoras e as crianças também estavam
se conhecendo e estabelecendo as formas de comunicação com elas e entre elas,
necessárias em vários momentos e nas transições cotidianas de um espaço ao outro,
na ação de se deslocar. Em razão disso, os modos de comunicação foram avançando
188
conforme as professoras foram conversando mais com as crianças, tanto nos
deslocamentos como nos cuidados pessoais como no decorrer do cotidiano. Nessa
perspectiva “observar e promover que essa corrente de comunicação se estenda por
meio da oferta de novos elementos pode contribuir na ampliação e constituição da
linguagem entre os bebês” (CASTRO, 2011, p. 99).
Nesse contexto, nas primeiras observações da turma, no período de
adaptação, em pequenos grupos e com a presença de um familiar, a sala estava
acolhedora para recebê-las, com materiais e cantos apropriados, que sugeriam
interações e explorações das crianças. Percebi de imediato que as crianças faziam
muito o movimento de entrar e sair da sala para o solário. No entanto, olhando com
mais atenção as imagens e as estratégias que cada criança utilizou para realizá-las
demonstra que, dentre uma das possibilidades dessa facilidade, fora o fato de que a
porta do solário ficara aberta desde o princípio, era que esse espaço cumpria a função
e era considerado como uma extensão da sala.
Com isso, assim como as crianças tinham a oportunidade de escolher como se
deslocar da sala referência até o refeitório ou espaços externos e viver tudo o que
encontravam pelo caminho, essas ações eram permitidas pela creche ter uma estrutura
que possibilitava “habilidades comunicativas, relacionais e condutas lúdicas das
crianças” e, também, era possível perceber “importância psicológica” para elas nessa
organização, porque facilitava interações (GARIBOLDI, 2011, p. 109, tradução nossa).
Dessa forma, as crianças tinham a possibilidade de estar na sala ou no solário,
no grande ou no pequeno grupo, por suas vontades, com qualidade de uma variedade
de interações em diferentes formatos de grupo, o que ocorreu durante a pesquisa,
quando todos estavam frequentando a escola em período integral. Por sua vez, essas
escolhas, quando a porta se abria ou quando viviam outras oportunidades de estarem
com a turma toda ou em interação com pequeno grupo, permitia às crianças se
provarem em contextos diferentes, ativarem “habilidades sociais diferenciadas” e
construírem ”imagens mais ricas de si” mesmas (SAVIO, 2011, p. 138, tradução nossa).
Ao mesmo tempo, algumas crianças levavam junto à sua ação, de deslocamento de
189
um espaço para outro, algo em mãos, como forma de se apropriar das funções que os
objetos exerciam, defendidas por Horn (2017), pois estavam vivendo o protagonismo,
se sentindo competentes e exercendo a curiosidade. Por sua vez, as crianças tinham as
professoras como observadoras e investigadoras através da fala, escuta e construção
da confiança, tanto em relação ao aprender a estar nesse espaço como ao
estabelecimento de “vínculo” (SOARES, 2017).
Natália (1 ano e 2 meses) tentou passar pela porta com o cesto, como não foi
possível, levou uma bolinha de plástico que estava dentro dele. Laura (1 ano e 3 meses)
levou a piscina de bolinhas inteira e Bernardo (1 ano e 6 meses) levou e chutou a bola.
Em seguida, voltou do solário, para, em uma espiadinha discreta, olhar se sua mãe
realmente permanecia onde a deixou, sentada a observá-lo, dentro da sala.
Observando tais ações das crianças, percebi que, mesmo a porta estando aberta e,
assim, sendo um convite para explorar outro espaço, as crianças se desafiavam a descer
o degrau entre a sala e o solário carregando materiais, característica dessa faixa etária,
que como disse, na sua maioria, havia conquistado a marcha. Ao mesmo tempo, tinham
espaço para o deslocamento livre o que facilitava a percepção do espaço e seus
interesses pelo entorno, além de conseguirem escolher a posição que adotariam para
manipular os objetos ou ficarem atentos ao seu redor (SOARES, 2017).
Ao que parece, a possibilidade de ter materiais relevantes para carregar tornou
essas ações menos complexas para elas e favoreceu essa transição de um espaço ao
outro, porque tinham “motivos mais ou menos ricos para despertar a curiosidade” e,
consequentemente, não condicionavam “habilidades comunicativas, relacionais e
condutas lúdicas das crianças” (GARIBOLDI, 2011, p. 109, tradução nossa). Da mesma
forma, o espaço garantia essa liberdade de deslocamento mais amplo, tornava a ação
de entrar e sair, uma transição cotidiana de espaço, mais tranquila para as crianças.
Ainda, nesse período de adaptação e reconhecimento do espaço, a organização dos
contextos de aprendizagem e escolha dos materiais revelando a concepção das
professoras favoreceram essa transição. Da mesma forma viviam um ambiente que as
190
convidava a exploração, “por meio de habilidades motoras finas e amplas e de todos
os seus sentidos” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014, p. 164).
Em outra cena do período de adaptação, Laura (1 ano e 3 meses), ainda
sentada ao lado da professora Solange, na cozinha da sala, tirava e colocava
brinquedos sobre a mesa e sobre outra cadeira. A professora ia nomeando as suas
ações, ora Laura respondia com acenos de cabeça, ora olhava para sua mãe como se
quisesse sua aprovação. Nesse movimento de tirar e botar os mesmos brinquedos, não
satisfeita, resolveu colocar tudo em uma sacola e demonstrou intenção de que iria sair
da sala ou passear, mas logo resolveu tirar e colocar tudo outra vez. Relato isso, porque
nesse fragmento pude perceber a importância dos materiais, por possibilitar para Laura
esse movimento de carregar coisas como em um processo de adaptação que envolve
o ir e vir, o chegar e o despedir e que os objetos não somem. Atitude que talvez tenha
encontrado como estratégia para compreender o que estava vivendo, uma transição
maior, da adaptação casa - escola.
Além disso, da forma como foram organizados e apresentados o espaço e os
materiais para as crianças, como “verdadeiros recursos educativos”, dando “apoio aos
processos de auto-organização cognitiva” delas, permitia, ao mesmo tempo, que as
professoras assumissem “um papel descentralizado em relação às atividades das
crianças”, em que a “direção educacional das situações e o apoio de formas de
aprendizagem” aconteciam “através da descoberta” e a construção da autonomia pelas
crianças (GARIBOLDI, 2011, p. 107, tradução nossa).
Ainda, quando a professora assume esse lugar de interação e conversa,
desencadeia outras possibilidades de diálogos com as crianças, mas também entre elas
(CASTRO, 2011, p. 100). Ao que complemento, com o conceito de apropriação
participatória, porque, nessa narrativa que faço de um momento do processo de
adaptação na creche, pelas crianças, percebo que estavam participando de
acontecimentos que serviram de base para se modificar e se tornar diferentes nos
próximos, em que teriam que se despedir dos familiares e eles não estariam mais as
acompanhando dentro da sala da creche.
191
As crianças não estavam apenas aprendendo sobre e com os materiais, mas
buscando esse lugar no tempo e no espaço, ao que o conceito de tempo como
narrativa, na brincadeira, no compartilhar a vida para ver nela o “extraordinário”
(BARBOSA, 2013) contribui, porque, quando Laura (1 ano e 3 meses) se comunicava
com professora para o estabelecimento de “vínculos” (SOARES, 2017), ouvia a narrativa
do que acontecia no tempo e se apropriava, pelas suas ações, de objetos que interagia
e aprendia em participação guiada, tendo o adulto como guia e sustentando suas
aprendizagens. Nesse sentido importa pensar que “o movimento não é visto apenas
como forma de aproximação na relação dos bebês, mas também de expressar algo ao
outro”, pois “exprimem suas sensações, emoções e impressões ao outro pelo
movimento, que vão se transformando em gestos comunicativos” (SCHMITT, 2008, p.
166).
Em razão dessa especificidade que também reconheci nas crianças, presenciei
essas ações tanto nas formas de deslocamentos como no estabelecimento de
“vínculos” (SOARES, 2017), o que se pode observar nas imagens da foto mosaico que
apresento na sequência. Em relação ao como percebi que a sala parecia ser vista pelas
crianças como porto seguro, compartilho a seguinte nota do diário de campo:
No solário, depois de um tempo de exploração de alguns materiais
disponibilizados, as crianças começam a manifestar, com maior intensidade, o
desejo de entrar na sala, especialmente o Bruno (1 ano e 6 meses). Nesses
momentos percebo que o conceito do tempo como narrativa se torna
importante, porque a professora Rosa diz para ele: “Só mais um pouquinho,
daqui uns minutinhos vamos para a sala Bruno, calma”. Ainda, me dou conta
de que isso realmente contribui para o entendimento ou diria, aprendizagem,
de que o tempo acontece nesse lugar. Ele parece compreender e vai brincar
mais um pouco (Nota do diário de campo – 29 de março de 2018).
Com esse fragmento do diário de campo, é possível perceber um desejo, mais
intenso do menino Bruno (1 ano e 6 meses) de voltar para sala. Com isso, além de ser
um pedido por talvez estar cansado, pode sim ser um pedido, que interpretei como
tal, do quanto na sala sentia viver experiências relacionais mais aconchegantes e como
um ambiente, aliado no processo de transições cotidianas. Tenho tal percepção não só
192
porque a sala era organizada como um espaço, mas porque foi se tornando um
ambiente e as crianças foram vivendo-a desse modo, pelas relações estabelecidas.
Assim, ela se transformou em um lugar em que podiam viver experiências mais
próximas, tranquilas, aconchegantes e, ao mesmo tempo, de explorações e desafios,
importantes para a faixa etária. Nesse desejo observado em Bruno (1 ano e 6 meses),
vê-se a “importância de as professoras conversarem a respeito de temporalidades” das
crianças e “terem sensibilidade com a forma como a criança lida com o tempo na
escola” (OLIVEIRA, 2012b, p. 131).
Muitas vezes presenciei essa relação das professoras e suas narrativas às
crianças de seus sentimentos e o porquê mudariam de espaço, ou seja, as crianças
expressavam suas “temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b)
que problematizava a organização do tempo escolar, o que significava “experienciar
outras práticas cotidianas no tempo presente” (OLIVEIRA, 2012b, p. 132).
De modo a compreender as aprendizagens das crianças nos deslocamentos e
a relação com o espaço, observei que, antes da sala ganhar elementos da natureza,
rampa e novos cantos, como descrevo no capítulo anterior, as crianças subiam nas
grades das janelas e, em um certo dia, viraram uma estante para passar por debaixo
dela e para caminhar em cima. Ou seja, estavam manifestando a necessidade de que
precisavam viver um corpo em desenvolvimento, de deslocamentos importantes e que
precisavam de níveis para se desafiar. Nesse sentido, importa refletir que “a
modificação dos espaços, se realizada em profundidade, implica uma redefinição do
papel do adulto, dos tempos cotidianos e das prioridades educacionais” (GARIBOLDI,
2011, p. 104, tradução nossa), ao que é possível perceber quando a sala ganhou outros
formatos.
Ao mesmo tempo, modificar esse formato da sala “também pode significar a
avaliação de diferentes formas de aprendizagem” pelas crianças e torna-se importante
porque “destaca outras formas de atividade que antes eram consideradas marginais”
(GARIBOLDI, 2011, p. 104, tradução nossa). Com isso, a sala recebeu uma
transformação física, em suas mobílias e materiais, consequentemente se tornou mais
193
funcional (FORNEIRO, 1998) para as crianças, porque foram observadas, olhadas,
escutadas e atendidas em suas necessidades e “temporalidades” (OLIVEIRA, 2012b).
Sempre que as crianças começavam a reagir, cada um de seu modo,
manifestando que o tempo e o estar em outro espaço não estava mais interessante,
eram convidadas a voltar para sala; lugar onde tomavam água com tranquilidade,
deitavam ou escolhiam outras formas de interação com colegas e com os materiais.
Durante a pesquisa, acompanhei muitos momentos de deslocamentos, especialmente
porque estavam interligados na maioria das transições cotidianas e em todas que
envolviam mudanças de um espaço para outro.
Nas primeiras vezes em que foram convidadas a se deslocar da sala para outros
espaços que não fosse o solário, que estava mais compreendido pelas crianças,
juntavam-se na porta, choravam, pediam bico ou colo e recebiam falas das professoras
de que logo iriam se deslocar. Todas essas reações me remetiam a um clima de
insegurança do que lhes aguardava depois da porta de saída da sala. Porém, com o
tempo e com o apoio guiado, em participação guiada (ROGOFF, 1993, p. 223, tradução
nossa) dos adultos, pelas falas e anúncios, as crianças foram podendo “examinar com
mais liberdade a lógica dos argumentos” porque interagiam mais com seus iguais.
Com o passar dos dias, das diferentes formas de deslocamento, o querer a mão
das professoras foi se transformando em dar a mão aos colegas e, por último, quando
sentiram segurança e perceberam que eram capazes, ou iam sozinhos, desprendidos
de qualquer necessidade de apoio, ou escolhiam, por terem construído essa
“autonomia” (FALK, 2016b), para quem iriam dar a mão ou quem iriam seguir nesse
percurso. Remeto tais aprendizagens ao grau de atenção que as crianças tiveram dos
adultos em suas necessidades e inseguranças, pela dimensão comunicativa do espaço
que, como linguagem, influencia e regula o comportamento, como ao como as
instalações e estrutura da creche se relacionavam e influenciavam nos
comportamentos lúdicos e sociais das crianças (GARIBOLDI, 2011).
Além disso, houve a contribuição da estratégia de divisão das crianças em
pequenos grupos para esses deslocamentos, que não só permitiu que fossem melhor
194
atendidos em suas necessidades como tem relação com “um gosto das crianças”, que
o “realizam naturalmente, como forma de relacionar-se e de ampliar os próprios
intercâmbios” (HOYUELOS, 2012b, p. 230, tradução nossa).
Como apontei na análise dos anúncios para as crianças das mudanças do
cotidiano, as crianças viveram um processo nas formas de deslocamentos de forma
gradual. Nesses deslocamentos pela creche, os atrativos do saguão, as pessoas e outras
crianças lanchando ou almoçando, as funcionárias, o banco do refeitório e a escada
que dava acesso ao andar superior da escola eram grandes aliados para viver esse
tempo de transição de um espaço para outro, que era respeitado e propiciava a
exploração em um ritual de deslocamento bem-sucedido e de avanços na “autonomia”
(FALK, 2016b) das crianças.
Nesse sentido, de modo a compreender esses processos de aprendizagem
pelas crianças, é possível perceber que elas - ao mesmo tempo que regulavam seus
papéis, ora participando, ora observando, esperando alguém fazer primeiro, em um
processo de participação guiada e apropriação participatória - reagiam ao como
sentiam que podiam e viam os demais fazer ou seja, mudavam seus modos de interagir
com o espaço e os materiais
Nessa perspectiva, em pelo menos dois momentos, presenciei as crianças
explorando tanto a rampa que dava acesso à quadra coberta como o morro ao lado
para subir e viver a experiência de descer correndo, buscando um sentido para viver
deslocamentos e as possibilidades do corpo. Ainda, pude perceber que os
deslocamentos foram se tornando um prazer pelas crianças. Elas podiam explorar o
que viam pelo caminho e, caso ficassem mais na frente do grupo ou atrás, “sozinhos”,
não demonstravam desespero ou insegurança, ao contrário, esperavam alguém chegar
ou iam se deslocando até encontrar os demais, pareciam sentir uma liberdade com a
compreensão de que era, também, vigiada. Por sua vez, na foto mosaico que
apresento, é possível acompanhar esse processo de aprendizagem e os modos do
deslocar-se das crianças pela creche.
195
Foto mosaico 9 - Deslocamentos e o conhecer a creche. Composta por 6 fotografias digitais da autora.
196
Nesse sentido, observei que, assim como menciona Gariboldi (2011, p.101,
tradução nossa) os “fatores físicos e sociais” do espaço eram “fator determinante no
ambiente psicológico” das crianças que se divertiam em “efeitos indiretos nas
iniciativas lúdicas, nos comportamentos sociais e no grau de atenção” tanto ao que
acontecia a sua volta como nas possibilidades das suas ações e iniciativas. As crianças
do grupo da pesquisa tinham entre 11 meses e 1 ano e 8 meses, assim, tinham como
maior conquista a marcha e demonstravam a necessidade de deslocamentos,
exploração de movimentos em ambientes amplos e grande interesse por objetos
grandes, brinquedos com rodas, dentre outros.
Com isso, pude acompanhar o desenvolvimento e o aprender a caminhar de
Mateus (11 meses): desde suas inquietações com a aproximação dos colegas e os
pedido de colo, a quando se desafiava a explorar todos os espaços, encontrar formas
de subir e se agarrar para se locomover de um espaço para outro, procurar o olhar dos
adultos e manifestar seus desejos de alguma forma. Volta ou outra, precisava exagerar
em suas vontades para ser atendido. Percebia o quanto estava, aos poucos, se
tornando autônomo e o quanto a conquista da sua “autonomia” (FALK, 2016b) adquiria
“valor autêntico” porque implicava em sua “alegria” do fazer sozinho. Corroborando o
conceito de “autonomia” (FALK, 2016b), importa salientar que, se for exigida além da
maturidade da criança, que independe da sua idade, mas do “grau de desenvolvimento
motor ou intelectual ou do domínio dos gestos”, ela será sentida como uma “negativa
de ajuda por parte do adulto”, com uma rejeição (FALK, 2016b, p. 23).
Todavia, como sua forma de locomoção, na maior parte do tempo da pesquisa,
foi o engatinhar, ele permanecia mais tempo dentro da sala antes de sair ao solário,
mesmo que nada o impedisse. Do degrau da porta entre a sala e o solário, divertia-se
vendo os colegas correrem e buscarem brincadeiras com ele. Nesse sentido, as crianças
aprendem pela observação como outra forma de participação guiada que não é apenas
pela imitação ou o aprender algo junto. Por sua vez, como Mateus (11 meses) estava
desenvolvendo a marcha, existia a necessidade do cuidado para que interagisse e
tivesse essa necessidade atendida. A chegada dos tocos de árvore, do palete de
197
madeira e da rampa em cima de pneus contribuiu para que explorasse apoios em
diversas alturas e, para que fosse desafiado nas conquistas motoras, além disso, esses
elementos favoreceram, também, seu deslocamento corporal e a exploração de todas
as outras crianças (SOARES, 2016). Nos solários ainda lhe eram oferecidos materiais
para exploração da areia, motocas e demais materiais, sendo que o banquinho
imitando um banco de praça de adultos servia como seu apoio para seus
deslocamentos entre um solário e outro, se erguer, subir, descer e ver as demais
crianças brincando.
Ainda, importa compreender que as crianças são capazes de “aprender de
forma autônoma” e de “realizar ações competentes” ao utilizar “repertório de
comportamentos de que dispõe”, no “domínio da sua motricidade” e na “capacidade
de retomar as experiências ativas relacionadas ao seu ambiente, “para desenvolver o
conhecimento de si” (TARDOS, 2016, p. 52). Nesse contexto, não só as formas de
deslocamentos de Mateus podem ser evidenciados, mas os de Isis (1 ano e 6 meses),
que chegou na turma 3 meses depois do início do ano letivo e chamou minha atenção.
Nos primeiros contatos com colegas, tanto na sala como nos espaços externos,
permaneceu por muito tempo observando o que os demais colegas faziam, em muitos
encontros da pesquisa, sem que lhe fosse exigido que interagisse e sendo respeitada
em seus “ritmos” (POST; HOHMANN, 2003; CABANELLAS; ESLAVA; ESLAVA; POLONIO,
2007; OLIVEIRA, 2012a; FALK, 2016c) e “temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011;
OLIVEIRA, 2012b). De modo a exemplificar o que Rogoff (1993) ressalta sobre como
aprendemos, relato o que ocorreu em um dos encontros, momento em que as crianças,
após o lanche da tarde, foram para a área coberta ao lado do refeitório. Nesse espaço,
elas podiam interagir na cama elástica e nos escorregadores, andar de motoca, entrar
e sair da casinha de madeira e do trem. Isis (1 ano e 6 meses) passou tempo observando
o subir e descer dos colegas no escorregador. Em seguida, começou suas tentativas,
subiu e desceu muitas vezes e inventou jeitos diferentes de descer: de pé se segurando
e sem se segurar, deitada e sentada, correndo. Ao mesmo tempo percebi uma
satisfação enorme nessas repetições, de conquista da “autonomia” e uma “alegria”
198
(FALK, 2016b) pela sua nova aprendizagem. Assim, também, ocorreu com Laura (1 ano
e 3 meses) quando conseguiu descer o degrau entre a sala e o solário sem se segurar
em nada, repetiu a ação por diversas vezes e buscou aprovação dos adultos com seus
olhares e sorrisos.
Ressalto essas aprendizagens das crianças porque percebi que o deslocar-se
pela escola por diversas vezes no cotidiano, para os bebês e crianças bem pequenas
envolveu muito essa aprendizagem de subir e descer, de equilíbrio para que se
aventurassem com maior segurança pelo espaço, mesmo que um degrau simbolize
algo baixo para nós e pareça não ser um desafio tão grande, ao contrário, não foi o
que eu observei nesse tempo com essas crianças. Em muitos momentos, até o tapete
da sala, que representa um terço da altura tanto do degrau como da calçada que
antecedia a praça da direita da escola, era motivo para que algumas crianças parassem
e ensaiassem como erguer o pé, encontrar o equilíbrio necessário e subir nele. Nesse
sentido, viviam aprendizagens muito além do que lhes era ensinado, como bem pontua
Barbosa (2019), mas vivendo o espaço com “autonomia” (FALK, 2016b) e com
“segurança afetiva” (SOARES, 2017) de adultos a lhes guiar e com apoio de uma
organização de jornada com significado para todos.
OS CUIDADOS PESSOAIS E AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS ENVOLVIDAS
Partindo da concepção de que as transições cotidianas na creche ou envolvem
aprendizagens socioculturais de mudança de um espaço para o outro, ou relações de
cuidado pessoal, entendo que, nesse último ponto, estão as transições cotidianas da
alimentação, do descanso e da higiene. Ou seja, elas abarcam cuidados pessoais e
necessidades físicas e biológicas das crianças. Trata-se de conceber que as crianças
possuem o direito de viver cuidados pessoais com qualidade, porque isso “fornece a
garantia de que as necessidades essenciais da criança sejam satisfeitas”, que conheçam
“o sentimento de segurança e confiança” aliado a todas as aprendizagens e
experiências positivas, prazerosas e respeitosas na jornada da creche (FALK, 2016a, p.
199
26). Acrescenta-se a essa posição, o compromisso da creche na organização e
funcionamento para garantir atendimento de qualidade voltado às necessidades e
direitos fundamentais, que preconizem o bem-estar e o pleno desenvolvimento das
crianças.
Nesse sentido, o documento Critérios para um atendimento em creches que
respeite os direitos fundamentais das crianças, redigido por Campos e Rosemberg
(2009), defende que em uma creche que respeita os direitos da criança, elas têm o
direito: à brincadeira; à atenção individual; a um ambiente aconchegante, seguro e
estimulante; ao contato com a natureza; à higiene e à saúde; a uma alimentação sadia;
a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão; ao movimento
em espaços amplos; à proteção, ao afeto e à amizade; a expressar seus sentimentos; a
uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche e a desenvolver sua
identidade cultural, racial e religiosa. Trago esse documento e suas defesas para
ressaltar a importância desse meu estudo e por entender que investigar as transições
cotidianas perpassa evidenciar e tornar visível todos esses direitos, o quanto as crianças
merecem ser respeitadas e o quanto é possível realizar um trabalho para e com elas,
de forma prazerosa e respeitosa.
Nesse sentido, a seguir, apresento análises de transições da troca de fraldas, o
limpar o nariz e o descanso. Como quarta seção que engloba, também, transições de
cuidados pessoais, apresento três transições cotidianas inesperadas na pesquisa: o lavar
as mãos, o uso do bico e o escovar os dentes. Saliento, no entanto, que, dentre as 11
transições cotidianas que envolveram cuidados pessoais, realizei uma escolha de quais
seriam analisadas, sem, com isso, enfatizar maior ou menor nível de reflexão ou de
importância de uma ou de outra no cotidiano da creche. De modo a compreender essa
unidade, importa as reflexões de Gonzalez-Mena e Eyer (2014, p. 48), quando
enfatizam que a relação que estabelecemos como adultos cuidadores com as crianças
constroem estruturas no cérebro com efeitos cognitivos que sustentam a posição de
que “cuidados constituem o currículo”.
200
Nesse contexto, para uma boa autoestima dos bebês e crianças bem pequenas,
aliado ao que ressaltei em relação ao “vínculo” (SOARES, 2017), as autoras ressaltam
como componente e como pré-requisito importante o apego - “ligação a uma pessoa
específica” (SOARES, 2017, p. 48 e 281). Para as autoras, “por meio do apego, a criança
entende que, além de ser cuidada, ela é considerada como um indivíduo” (GONZALEZ-
MENA; EYER, 2014, p. 49, grifos do autor), de modo que, dessa forma, os sentimentos
de confiança e segurança surjam. Com isso, também, ambos se beneficiam, tanto em
relação à comunicação como para que a criança ganhe um sentimento de importância
ao perceber suas necessidades atendidas.
5.3.1 A troca de fralda: transição cotidiana temporal, íntima e singular
A troca de fralda é feita pelas professoras por convite às crianças, quando
percebem, numa aproximação respeitosa com elas, de que necessitam ser
trocadas. Na sua maioria o convite é aceito, alguns logo sobem os degraus
para chegar lá em cima do trocador. Quando professoras recebem um “não”
muitas vezes aguardam um tempo, trocam outra criança e logo voltam a
convidá-las. Hoje, uma das crianças insistiu no não, chorou e professora
ofereceu o colo e a levou ao trocador. Em seguida, registrei momentos de
troca e a expressão de alegria e interação da professora nesse momento que,
interagiu com a criança. Em algumas vezes, professoras sugerem e
questionam se as crianças querem levar algum brinquedo. Percebo que
preciso registrar muito esses momentos para ser possível uma análise mais
qualitativa dessa transição. Acredito ser um momento muito íntimo e por isso,
ainda, tenho dificuldades em encontrar um melhor ângulo para fotografar e
registrar o que é importante destacar desse momento (Nota do diário de
campo – 09 de março de 2018).
A nota, que registrei logo nos primeiros momentos de observação em campo,
denota um processo de pesquisadora atenta ao modo em que essa transição cotidiana
da troca de fralda acontecia, além de uma lente que se perguntava e ao mesmo tempo
detectava o quanto esse momento adulto criança envolve intimidade e, por isso, muito
respeito. Ou seja, a transição cotidiana de cuidado pessoal, a da troca de fralda, envolve
aprendizagens de foro íntimo, toque cuidadoso e respeitoso. No entanto, abrange não
só o momento da troca de fralda e a relação que se estabelece entre professor e criança
nesse tempo.
201
Tão importante quanto o ato da troca, importa, para analisarmos esse
momento, o que a antecede e o que a sucede. Isso significa que a transição cotidiana
da troca de fralda, assim como as demais transições, não acontece isoladamente, mas
possui início, meio e fim, desde o anúncio ao deslocamento ao trocador, até a
realização da troca em si e seu final, o descer do trocador e voltar a brincar. Essa é uma
sequência de transições cotidianas e cada uma delas envolve diferentes aprendizagens
e conteúdos importantes no desenvolvimento das crianças e, se for perdida essa
importância, “deixa de fazer parte do currículo”.
Nesse sentido, precisa se processar com a total “consciência e participação do
bebê” de modo a se tornar uma “experiência humana íntima que dá prosseguimento
às relações” (GONZALEZ-MENA E EYER, 2014, p. 56). Ainda corroboro que, a troca de
fralda é um ato de cuidado que precisa ser defendido e recriado, como “um novo modo
de escutar, ver e relacionar-se com as crianças, num caminho humanitário e ético”
(GUIMARÃES, 2008, p. 43). Além disso, o cuidado nesse momento entre adulto e
criança precisa ser visto na “perspectiva de atenção ao outro, de integração entre a
dimensão cotidiana e a existencial do ser humano”, porque o cuidado “é um caminho
central na concretização da creche como espaço de vida” (GUIMARÃES, 2008, p. 54)
em todas suas ações e relações. A nota de campo que apresento remete a uma reflexão
inicial que tive e que denota a importância dessa transição cotidiana ser analisada.
Diferente do que esperava encontrar, genericamente, nessa relação de saber,
quando as crianças precisam ser trocadas, vi crianças estabelecendo uma linguagem
com os adultos a cada momento em que percebiam sua aproximação, anunciada, em
falas e olhares ao verificar a necessidade de troca ou não da fralda, o que poderíamos
considerar como o início das aprendizagens que permeiam esse cuidado pessoal.
Ainda, é possível afirmar que as crianças haviam estabelecido e gradualmente
qualificado o “apego” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014), pois estabeleciam uma
comunicação com as professoras.
Importante salientar que, muito embora, antes das refeições ou antes de sair
para um espaço mais afastado da sala referência, a maioria das crianças era convocada
202
a identificar ou se perceber suja, elas eram trocadas sempre que necessário e a
qualquer tempo e, com tempo. Nesse sentido, Hoyuelos (2015, p. 47) sinaliza: “As
crianças exigem o direito de serem esperadas”. Ou seja, possuem a capacidade de
aprender e dizer, mesmo que em outras linguagens que não a da fala, que possuem
vontades e se percebem necessitando ou não ser trocadas, nas suas temporalidades
(ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b).
Essas “temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b)
envolvem um tempo gerenciado em função das necessidades das crianças não no
tempo relógio com hora para que isso acontecesse em série. Nas primeiras vezes em
que observei essa transição, em que, cada criança recebia o anúncio de – vamos trocar
a fralda – e recebiam o toque do adulto, “em movimentos ternos e delicados”
(importantes porque expressavam atenção e interesse e transmitiam informações)
(TARDOS, 2016, p. 65), nem sempre da professora titular, mas também das estagiárias
apoios, registrei um processo que foi se modificando.
Nos primeiros dias, em que as crianças viviam o processo de adaptação,
resistiam a largar os brinquedos para se dirigirem ao trocador, assim era permitido que
levassem o que podiam carregar. Esse carregar muitas vezes estava repleto: iam para
o trocador o bico, o brinquedo que vinha de casa, também de transição, ou os que
estavam envolvidos no brincar no momento do convite, crianças que Staccioli (2013,
p. 134) intitula de crianças “caracóis”, que estão sempre carregando várias coisas.
Ainda, quanto aos objetos de “apego” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014) e de
afeto que as crianças trazem de casa, considerados, também de transição, nesse
período de adaptação à creche, principalmente, merecem um espaço e um modo que
elas próprias participem e “encontrem critérios que correspondam às suas lógicas”,
porque, quando os tem por perto, se sentem mais seguras (STACCIOLI, 2013, p. 134).
Nos registros que apresento na foto mosaico a seguir, pude notar que a troca
de olhares, a conversa, o nomear as ações que antecediam e prosseguiriam tornava
aquele momento prazeroso para ambos, adulto e criança.
203
Foto mosaico 10 - A troca de fralda. Composta por 7 fotografias digitais da autora.
204
Nesse sentido devemos lembrar que cada criança, pelos contextos em que vive
e viveu anteriores à escola, é diferente e, consequentemente, “diferentes são suas
estratégias para enfrentar e superar os vários momentos de crescimento” (STACCIOLI,
2013, p. 134). Desse modo, as crianças passam por períodos em que não cooperam
nesse momento de troca de fralda, mas é importante que possam passar por isso,
mesmo sendo difícil para os cuidadores. Para Gonzalez-Mena e Eyer (2014, p. 56),
“resistência é um sinal de crescimento; resistindo as crianças conquistam
individualidade e independência”.
Com isso, as autoras ressaltam que é necessário não desistir de envolver os
bebês para que cooperem e participem das tarefas, buscando reconhecer seus
sentimentos e incentivar que, de algum modo, verbalizem-os. Ao mesmo tempo,
sinalizam o perigo de, com essas tentativas, o cuidador utilizar técnicas de distração
em que a cabeça do bebê fique longe do que está acontecendo com seu corpo. Ensinar
isso aos bebês, torna o entretenimento viciante. O que precisamos ensinar aos bebês
nesse momento é o contrário: de que tenha consciência e participe desse processo
como uma “experiência humana íntima” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014, p. 56).
Dessa forma, é possível perceber que, mesmo que antes existisse um diálogo
entre o adulto e as crianças, durante esse momento, essa relação foi qualificada com a
participação das crianças nos materiais que eram utilizados, como a pomada, o pote
individual e a própria fralda, no início, como modos de participação das crianças no
processo, não mais com brinquedos, mas com elementos relevantes desse processo.
Como afirmei anteriormente, percebi que a transição cotidiana da troca de fralda
envolveu aprendizagens de estar brincando e parar de brincar, ao mesmo tempo uma
transição de higiene e de processo de se perceber necessitando dessa ação, de estar
ou não sujos. No decorrer da pesquisa em campo, as crianças já eram convencidas pela
negociação a subir no trocador sem os brinquedos. Em relação a isso, Gonzalez-Mena
e Eyer (2014, p. 67) reforçam que a troca de fraldas deve ser feita de modo “que o bebê
seja um parceiro do processo e aprenda a cooperar com o cuidador”, sem que precise
“se distrair com brinquedos ou de outras formas”.
205
As expressões das crianças mudavam, de um olhar mais desconfiado e receoso
para um semblante de prazer, de risos e “alegria”, porque se sentiam autônomos (FALK,
2016b). Ainda, na foto mosaico, fica evidente como o processo de transição cotidiana
da troca de fralda, além de ser um momento de fortalecimento dessa relação
professor/adulto – criança, está envolto por atos de cuidado e de muitas
aprendizagens. Ao mesmo tempo, senti e vi que, sim, esse momento é quando a criança
tem o adulto só para ela e, realmente, não pode ser um ato mecânico, mas, ao
contrário, necessita ser respeitoso e sensível desde o convite ao processo de tirar a
roupa e de fazer a higiene e o cuidado. Além disso, nesse “cara a cara” do momento
da troca de fralda, é quando o adulto dedica à criança “atenção profunda que permite
o desenvolvimento de relações mútuas” (FALK, 2016b, p. 21). Nas imagens, é
perceptível o quanto essa relação é uma “excelente ocasião para que o adulto fale de
uma forma íntima com a criança e, assim, ela aprenda a “avisar e expressar suas
necessidades”, exigências quanto a sua satisfação e “sentimento do seu próprio bem-
estar” (FALK, 2016b, p. 21).
Parece banal, mas a limpeza do trocador, o uso da luva, o lavar as mãos a cada
criança que se troca precisa ser tema de reflexão nas escolas de educação infantil, o
que é muito difícil aprendermos na formação inicial. Esses procedimentos observei
seguir um protocolo de higienização na escola, a cada troca, com uso de luva em pelo
menos uma mão, o passar álcool no colchonete e o lavar as mãos. Ainda que para
Gonzalez-Mena e Eyer (2014, p. 57) necessitem existir procedimentos de troca de fralda
de acordo com a política de programas e regulamentos locais, consideram
desnecessário que se utilize luvas na troca de fraldas, apenas consideram necessário o
seu uso quando a criança está com diarreia, tenha sangue nas fezes ou se o cuidador
tiver feridas abertas nas mãos.
Além disso, como narro na nota de campo acima, muitas vezes, as crianças
recebiam, a um sinal de não momentâneo, mais tempo para o aceite para subir no
trocador. Ao contrário, algumas crianças aceitavam o convite de pronto, pelo prazer
de subir a escada, pois a maioria havia compreendido que apenas poderia ser usada
206
para esse fim. No entanto, muitas vezes esse espaço era usado como banco, nos
primeiros degraus, durante as brincadeiras ou como desafio motor ou, talvez, como
protesto, em que queriam utilizá-la para subir e descer apenas. Importa dizer, também,
que algumas crianças recebiam a possibilidade do colo, caso demonstrassem temor
para subir no trocador, depois recebiam a mão estendida para apoio, tudo para que
pudessem aprender a se sentir seguros no desafio de altura e equilibrar-se na escada.
Ainda, é possível visualizar o pedido de licença para verificar se poderia ser tocado e
olhado se precisava trocar a fralda, no toque e carinho, na troca de olhares ou na
conversa que nomeava as ações e permitia a participação no alcance dos objetos ou
no tempo para que pudessem tentar vestir a roupa.
As imagens ainda mostram um processo respeitoso ao tempo das crianças.
Para elas era possibilitado o interagir, o conversar, a nomeação dos objetos, a fala do
que sentiam, o olhar no olho, o brincar, o sentir a mão como forma de segurança por
estar naquela altura, o tempo de aguardar sua subida das escadas, nos seus “ritmos”
(POST; HOHMANN, 2003; CABANELLAS; ESLAVA; ESLAVA; POLONIO, 2007; OLIVEIRA,
2012a; FALK, 2016c), e o perceber ter o adulto ali, com seu olhar e corpo inteiro a
aguardando. Importa salientar o quanto, tanto na troca de fralda como nos demais
atos de cuidado realizados pelos adultos com as crianças, esse adulto precisa “dispor
de tempo suficiente” para que a criança “aproveite bem a experiência, desfrutando de
cada gesto de cuidado que receber”. Todavia, ao nomear o que está sendo feito e
antecipando o que vem em seguida, o adulto “facilita o início da construção de
imagens” na mente da criança - “as primeiras representações mentais – base do
pensamento” ao que, mais tarde, se transformará na linguagem verbal (SOARES, 2017,
p. 22).
Outro fator importante nesse ato de troca de fralda e que pode ser visualizado
nas imagens da foto mosaico, além do cuidado para que essa subida fosse segura para
as crianças, acontece quando a professora busca algo mais distante da criança, já
deitada, e deixa a mão sobre ela, dando segurança e evitando que, caso ela realize
algum movimento brusco, resulte na queda do trocador. Nesse sentido, importa a
207
consideração de que “a mão do adulto é uma importante fonte de experiências para a
criança”, por isso, a importância desse adulto realizar gestos delicados nos cuidados
com as crianças, executar seus movimentos prestando atenção aos movimentos de
resposta das crianças para lhes dar oportunidades de participar das “operações que
constituem os cuidados” (TARDOS, 2017, p. 68 – 69). Da mesma forma, a atitude da
professora de se ocupar corretamente com a criança durante a troca demonstra um
real interesse e disposição a reagir as suas manifestações, observando tanto com olhos
e ouvidos, como com palavras e sorrisos.
Ainda, em certos momentos, ouvi uma professora avisando a outra que estaria
de costas realizando uma troca e que a outra verificasse e observasse as demais
crianças. Em outra ocasião, quando cheguei no momento do dormitório, a estagiária
Ana precisou trocar uma criança e pediu se eu poderia olhar as crianças que dormiam
para que ela pudesse trocá-la já que ficaria de costas, caso contrário não a trocaria
naquele momento ou chamaria mais alguém, de pronto aceitei. Considerei importante
dizer isso, não porque como pesquisadora não pudesse ajudar, uma vez que fiz isso
em outro encontro da pesquisa: quando ouvimos gemidos e choro na praça,
estávamos eu e outra professora e percebi que se tratava da Lívia (1 ano e 5 meses),
que havia desequilibrado na escada do escorregador e se segurava com uma mão,
corri para ajudar.
A questão que quero salientar disso é o quanto sim, é necessário dar
importância para esse momento íntimo e singular e, ao mesmo tempo, de garantia de
segurança não só pelo motivo de evitar uma queda, mas para que a criança se sinta
segura e protegida, como direito. As crianças possuem o direito de receber a atenção
e dedicação para que, também, ao ser cuidado, o sentimento de segurança seja
favorecido (SOARES, 2016).
Ao mesmo tempo, pude entender que essa prática de como tocar nas crianças
- pedir licença para ver a fralda – reverberava nas ações de todos os professores e
estagiários da escola como princípio norteador. As crianças paravam para que o adulto
fizesse a verificação. Ao longo da pesquisa, houveram avanços, além de as crianças
208
desenvolverem a linguagem, iam logo avisando a necessidade ou o desejo de que não
queriam fazer a troca naquele momento, ao que recebiam o devido respeito como um
espaço de constituição do que é ser humano e como o se relacionar precisa acontecer.
5.3.2 O limpar o nariz: transição cotidiana autônoma e sensível
Entre encontros carinhosos presenciei alguns conflitos, disputas feitas com
gritos que demonstravam suas vontades aos colegas. Uma linguagem que
funciona no grupo. Ainda, registrei tentativas de limpeza de seu nariz, pela
Lívia (1 ano e 5 meses) e o incentivo para que o fizesse, pela professora,
mesmo que tenha virado uma brincadeira logo em seguida e tenha sido
advertida (Nota do diário de campo – 05 de junho de 2018).
Na narrativa que apresento, de uma das observações em campo, nota-se o
quanto as crianças vivem modos de participar e buscar essa participação para avançar
em seus graus de “autonomia” (FALK, 2016b) e aprendizagens. Desse modo, importa
salientar que o adulto buscar encontrar o olhar da criança, anunciar e pedir licença para
limpar seu nariz, de frente para ela, faz toda a diferença na relação que estabelecemos
e ensinamos para as crianças. Dessa forma o cuidar e o educar ficam indissociáveis
(BRASIL, 2009c).
Ainda, nesse grau de respeito, está a oportunidade da criança viver a
aprendizagem do toque respeitoso em seu corpo e de como os outros também
merecem ser tocados, assim como de ter seu direito garantido, porque, quando o
adulto “fala sobre a parte do corpo que está sendo tocada”, ajuda a criança a construir
seu “esquema corporal” (SOARES, 2017, p. 23).
Nesse sentido, além de estar envolvido, nessa relação de higiene do limpar o
nariz, uma relação de “apego” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014), está o sentimento de
se importar, de respeitar, porque importa-se com alguém, no “sentido de se apegar”.
Isso é diferente de cuidar, porque podemos trocar fralda, limpar nariz e lavar o rosto
sem nos importarmos, mas “respeitar a criança” é “despertar o sentimento de se
importar” que ajuda a criança a compreender e se sentir completa e melhor
(GONZALEZ-MENA; EYER, 2014, p. 281). Temos que convir que só de pensar em alguém
209
limpando nosso nariz dá uma agonia uma sensação que precisamos parar para pensar.
Nos colocarmos nesse lugar, na pele do outro, em sintonia: assim Staccioli (2013, p. 38)
define a escuta.
Precisamos exercer essa escuta, que “não é uma ação passiva, um deixar
acontecer”, mas “é um agir muito ativo”, em uma postura acolhedora e com um “adulto
como guia para a aprendizagem” (STACCIOLI, 2013, p. 38), de modo a imaginar o que
uma criança sente quando percebe a aproximação do adulto para exercer essa ação
de limpar o seu nariz. Durante a relação dos adultos e crianças na pesquisa, observei
muito como esse momento de limpar o nariz acontecia.
Nos primeiros encontros, as professoras limpavam o nariz das crianças. Toda
vez que iam se ausentar da sala, além do cesto com todas as garrafas de água das
crianças ia, também, o pote, que servia como lixeira com o rolo de papel higiênico
acoplado. De pronto as crianças se ofereciam para carregar o tal pote e foram
entendendo sua funcionalidade, o que se percebe nas imagens da foto mosaico que
segue. Essa funcionalidade deu lugar à construção da “autonomia” (FALK, 2016b) pelas
crianças, pois começaram a demonstrar interesse em, por sua capacidade, limpar o seu
nariz.
Essa iniciativa de limpar o seu próprio nariz, como um ato de participação e
“autonomia” (FALK, 2016b), foi ganhando o apoio das professoras, que explicavam
como dobrar o papel, como limpar o nariz e, por fim, em que parte do balde tinha o
buraco para colocar o papel sujo. Tal processo de aprendizagem Rogoff (1993; 1998)
denomina de participação guiada, quando criança e adulto participam de uma tarefa
sociocultural, aguçada, por exemplo, por narizes que escorrem muito mais
especialmente pelo nosso clima. Nessa ação ainda, o adulto dá a oportunidade e o
tempo para que as crianças tentem fazer sozinhas, mesmo que tenham que repetir a
ação para que fique totalmente limpo.
Ao mesmo tempo, como mencionei, o interesse em relação ao objeto se deu
pela funcionalidade que as crianças perceberam nele, como se observa nas imagens
da foto mosaico.
210
Foto mosaico 11 - O limpar o nariz. Composta por 6 fotografias digitais da autora.
211
Essas cenas das investigações das crianças em volta daquele balde, que até a
metade da pesquisa ficou um tanto anônimo aos olhos delas, eram observadas pelas
professoras até o tempo em que consideravam que as crianças não estavam
extrapolando ou desperdiçando tanto o papel. Por sua vez, o que chamou minha
atenção, depois do interesse que percebi nas crianças em carregar o tal pote para os
espaços da creche, acredito que pelo tamanho da importância que perceberam nele
após compreenderem sua funcionalidade, foi o quanto entenderam de suas
capacidades. Ou seja, viveram um processo de “autonomia” (FALK, 2016b) ao mesmo
tempo em que se viram competentes e autônomas para exercer essa tarefa de limpar
seus narizes. Pela participação guiada entre pares, imitando os demais, o tal pote,
também, virou alvo de investigação das crianças. Todas queriam apenas pegar o papel,
fingir limpar o nariz e tentar guardar ou, talvez, esconder o papel no buraco destinado
ao lixo.
Com essas cenas e reflexões, entendo o quanto o limpar o nariz, além de ser
um ato que exige atenção para a necessidade tão particular, exige sensibilidade de
quem o faz. Pela forma como a aproximação dos adultos acontecia para esse ato de
cuidado, observei que as crianças, dificilmente, reagiam de forma negativa para essa
necessidade e permitiam que o fizessem. Ao mesmo tempo, essa transição cotidiana
acontecia mais ou menos 3 vezes com cada criança. Nesse contexto, importa que “o
bem-estar da criança depende antes de mais nada do adulto, ou seja, da maneira como
ele a toca” (TARDOS, 2016, p. 63), assim como salientei no cuidado da troca de fralda.
Nesse sentido, por se tratar de uma ação que interrompe outra ação e que envolve
tantas aprendizagens, ao mesmo tempo precisa sim ser um ato pensado e realizado
com tamanho grau de importância no cotidiano da creche, como conteúdo cotidiano
muito próximo aos aspectos elencados ao cuidado pessoal da troca de fralda, que
precisa ser vivido como uma aprendizagem de uma “experiência humana íntima”
(GONZALEZ-MENA; EYER, 2014, p. 56), porque também pode-se considerar como
invasão do corpo. Dessa forma, o realizar a escolha de delinear e teorizar sobre a
212
transição cotidiana do limpar o nariz de bebês e crianças bem pequenas significa
compreendê-la de modo que saia da banalidade em que se encontra.
5.3.3 O descanso: transição cotidiana ritualizada
Hoje foi nosso quarto encontro, quinta-feira de tarde, dia de chuva intensa
pela manhã. Como no terceiro encontro, cheguei no momento do descanso
das crianças. Logo na chegada, vi pelo vidro da sala da biblioteca, que fica do
lado direito do saguão, que Bruno (1 ano e 6 meses) estava lá, no colo de uma
estagiária, olhando livros. Não me viu. Deixei meus pertences na secretaria,
organizei a máquina e meu caderno de campo e fui para a sala. Entrei,
cumprimentei a estagiária Ana que, de pé, tinha a Helena no colo, acordada.
Dou meu aceno de “oi” para as duas meninas acordadas, que me
cumprimentam com o olhar. Fotografo os colchões, num mar de edredons
rosa. Sinto um clima bem agradável. Lívia (1 ano e 5 meses) e Natália (1 ano e
2 meses) estão em seus colchões, acordadas. Natália tira o bico, se vê e
interage com sua imagem refletida no espelho. Natália fica ali e olha para
colega ao lado. É Helena, ao que Ana a deita, talvez cansada pela tentativa de
fazê-la dormir. Helena e Natália iniciam uma interação de olhares e balbucios
parecendo comungar da mesma façanha: estarem acordadas! Helena começa
o jogo de esconde-esconde com Ana e a colega Natália – as duas a
respondem com sorrisos. Eu? Dou um “oi”, com um abano e elas me
respondem com um sorriso. Helena quer brincar. Ana cochicha algo a ela. Ela
insiste, mas faria barulho. Recebe, então, a autorização de poder interagir com
o brinquedo de interesse e tentar não fazer barulho. Ela fica sentada no
brinquedo, tipo motoca, por pouco tempo e recebe o convite para calçar seus
chinelos. Em seguida, professora Rosa entra na sala com Bruno (1 ano e 6
meses), que chora muito, no seu colo. Avisa que acha melhor sair com os que
estão acordados, que já estavam se levantando. Professora Solange chega em
seguida e concorda. Resolvo ficar na sala e não acompanho os demais no
saguão. Professora Solange permanece na sala com estagiária Ana, com Sofia
(1 ano e 2 meses), Lívia (1 ano e 5 meses) e Amanda (1 ano e 8 meses)
acordadas e, com Bernardo (1 ano e 4 meses) e Murilo (11 meses) que
dormiam. As duas profissionais vão organizando as roupas, calçados, camas e
as tias da limpeza vem ajudar. Amanda (1 ano e 8 meses) também se dispõe
a contribuir tentando erguer ou alcançar colchão para uma delas que ia
guardando cada material das camas. Dentro de minutos tudo estava
organizado. Murilo acorda e vai mostrando seu sorriso para a câmera.
Estagiária Ana se despede, porque está na sua hora e sai da sala (Nota do
diário de campo – 15 de março de 2018).
Na nota de campo, fica evidente uma preocupação dos adultos na
indissociabilidade do cuidar e do educar. Ninguém consegue dormir forçadamente e
sem vontade porque não depende apenas de um querer. Ao que observei, como narro
213
na nota de campo, Bruno (1 ano e 6 meses) estava fora da sala, em outro espaço, muito
provavelmente por não ter conseguido dormir naquele dia. Com essa cena e a decisão
das professoras de que um grupo de crianças poderia viver outras experiências em
outro espaço da escola, enquanto uns teriam seu descanso respeitado e outros
poderiam aproveitar o menor espaço livre da sala, entende-se o quanto as crianças
foram ouvidas em suas necessidades e desejos. O momento do descanso, a depender
da instituição, caso seja apenas visto como uma tarefa a cumprir, pode ser uma
transição cotidiana envolta de muito desconforto, tanto dos adultos como das crianças.
Nesse sentido, envolve uma postura de respeito no cotidiano da creche, pois está
atrelada a uma necessidade de cuidado pessoal muito singular e ligada a um fator
biológico. Assim como esse momento que envolve uma transição de cuidado pessoal
necessita de ”uma atenção ao tempo, espaço, condições de relacionamento, porque,
nessa idade principalmente, “suas necessidades fisiológicas são muito mais evidentes
e não podem ser negligenciadas” (STACCIOLI, 2018, p. 65- 66).
Na nota, ainda se observa que o tempo de espera e de silêncio dos acordados
para respeitar os colegas que dormiam estava no seu limite, mesmo que tenham
demonstrado um esforço para isso, em certa medida, mas com a duração de um curto
período, por ser um tempo ocioso e pouco significativo. A ação de sair com os
acordados permitiu tranquilizar os que ficaram e percebi ter sido mais uma estratégia
que configura um olhar para as crianças e uma prática respeitosa para essa transição
cotidiana do dormir e o acordar. Por sua vez, “o silêncio e a calma são igualmente
importantes (STACCIOLI, 2018, p. 66) e uma necessidade quando se vive uma jornada
integral na creche, ao que a transição do descanso busca propiciar. O ritual do dormir
iniciava, no campo da pesquisa, a partir do momento em que as crianças recebiam o
anúncio de que o almoço se aproximava, que lavariam as mãos e que o brincar seria
logo interrompido. Após o lavar de mãos, como mencionei em outros momentos e que
tratarei, com maiores detalhes, na seção das transições inesperadas da pesquisa, as
crianças viviam a escolha das formas de deslocamento, porque podiam viver opções
214
para construir uma “socialização positiva” (SAVIO, 2011), como assinalei no ponto
anterior.
Percebi que o tempo pelas crianças era vivido de formas distintas,
principalmente o tempo que antecedia as refeições, em que pediam bico,
choramingavam, necessitavam deitar no canto da sala referência que sentiam em
aconchego, se escoravam ou se agarravam nas pernas das professoras, pediam colo
ou objetos de “apego” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014) que traziam de casa. Nesse
sentido, torna-se evidente que “o ambiente ‘fala’, transmite sensações, evoca
recordações, passa-nos segurança ou inquietação, mas nunca nos deixa indiferentes”
(FORNEIRO, 1998, p. 233, grifo do autor). Ou seja, a organização do espaço e a
“autonomia” (FALK, 2016b) para acessar os materiais e cantos para satisfazer suas
necessidades corporais, inclusive, influenciam na sensação de segurança e aconchego
pelas crianças que, com essas ações, mostraram a essa pesquisadora que possuem
modos de viver e aprender sobre seus sentimentos e desejos. Da mesma forma, os
espaços do brincar tinham “variedade de brinquedos e equipamentos próprios para a
idade” das crianças, além de estimularem que fizessem uso de todo corpo e ainda se
adaptassem “aos humores das crianças a qualquer hora do dia”, tanto das que se
sentiam energéticas, como das que se sentiam tranquilas, que queriam ficar sozinhas
ou que se sentiam sociáveis (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014, p. 264). Ao mesmo tempo,
sentia que, mesmo atendidas em suas necessidades, nas suas expressões e reações,
que o tempo era vivido com angústia e a hora da porta abrir para o refeitório parecia,
por elas, nunca chegar.
Nessa transição cotidiana que antecedia o descanso, ocorria, ao mesmo tempo,
outras transições de cuidado pessoal,-de higiene-, como lavar as mãos e a troca de
fralda de algumas crianças que necessitavam, assim como entendo que deveria ser,
para ocorrer aprendizagens pelas crianças por suas “temporalidades” (OLIVEIRA,
2012b). Para Oliveira (2012b, p.119) “à medida que vamos conhecendo as crianças,
vamos conseguindo lidar com a temporalidade de cada uma, buscando experienciar a
cada dia situações diferentes com elas”. Ao contrário disso, caso as crianças não sejam
215
respeitadas e olhadas em seus próprios tempos e “ritmos” (POST; HOHMANN, 2003;
CABANELLAS; ESLAVA; ESLAVA; POLONIO, 2007; OLIVEIRA, 2012a; FALK, 2016c) e
necessitem viver, na instituição, um tempo dividido e fragmentado isso “pode afetar a
experiência com as crianças”. Em campo, nos momentos que antecediam a transição
para o deslocamento para o refeitório, as crianças ouviam adultos orientando-as, as
acalmando, contando histórias ou cantando, não era um tempo ocioso, mas necessário
para atender suas necessidades e para logo em seguida, viverem essa transição para a
refeição com calma, em pequenos grupos, escolhendo se iriam se deslocar sozinhos,
ou de mão com colegas, conforme ouviam como sugestão pelos adultos ou por livre
escolha.
Nesse contexto, ao ouvirem as narrativas das histórias pelas professoras,
observarem como os pares folheavam os livros, liam imagens, viviam um processo de
aprendizagem em participação guiada porque além de ampliarem o vocabulário,
“relacionado a quantidade de interação” que as crianças experimentam (GONZALEZ-
MENA; EYER, 2014, p. 188), avançavam na linguagem e aprendiam palavras novas. Por
sua vez, por nos desenvolvermos num processo cultural, viver essa transição, com esse
ritual, como momento de prática social de ida à mesa e de se alimentar, interpreto
como sendo uma aprendizagem das crianças pela participação guiada, pois tiveram
papel ativo e com sentido.
Ainda, porque os adultos as colocavam nesse lugar de participação: guiando
as ações; participando lado-a-lado na vida cotidiana da creche, em anúncios, com seus
modos de deslocamento ou na instrução de como subir no banco para o almoço; na
postura ao alimentar-se, pois as professoras sentavam à mesa e almoçavam com as
crianças sempre que era possível. Da mesma forma, essa atitude de acompanhar a
criança, à mesa, “torna-se uma ação diária fértil e agradável tanto para a criança quanto
para o adulto que está com ela e com os colegas que estão à mesa com ela”
(STACCIOLI, 2018, p. 61). Enquanto viviam o deslocamento para o refeitório, por seus
modos autônomos, as crianças subiam no banco e Mateus (11meses) era colocado no
cadeirão, por não estar pronto para sentar sozinho na mesa, conversavam, tinham os
216
babadores amarrados no pescoço, demonstravam sinais de ansiedade por estarem
com fome e, também, de sono, como se vê na foto mosaico a seguir.
Da mesma forma, assim como recebiam essas sugestões que corroboram e
explicitam o conceito de participação guiada, também viviam aprendizagens entre
pares, porque observavam os modos como cada um subia no banco, como usavam os
utensílios, como esfriavam a comida, como se portavam à mesa, como reagiam a
negação de comer algo ou solicitar repetição e como carregavam as louças sujas para
a bancada, com todo cuidado ao descer do banco por estarem com as mãos ocupadas,
num dinamismo corporal. O momento da alimentação, além de ser uma prática de
socialização e encontro, na nossa cultura, alimenta não só o corpo, mas também
“alimenta a alma” (SOARES, 2017, p. 25). Para Staccioli (2018, p. 59) o “almoço presta-
se facilmente a uma reflexão sobre a continuidade” porque, também “à medida que as
crianças crescem, o momento da refeição se torna uma academia para exercer uma
autonomia autossustentada pelo prazer”. Corroboro com a afirmação porque registrei
e mencionei nessa pesquisa o quanto as crianças viveram processos de aprendizagens
e avanços quanto ao uso do espaço e dos objetos durante as refeições.
Desse modo, foram mudando as formas de se posicionar à mesa, de subir no
banco, de aguardar a refeição, de usar os objetos, dos conhecidos aos novos, como se
comunicar com o outro, porque nem sempre escolhiam o colega que estaria ao lado,
mas podiam escolher o lugar de sempre ou eram posicionados, pelas professoras,
quando pediam auxílio que escolhiam a posição na mesa e, como participavam desse
momento. Ações que delineio adiante nas notas de campo em que se deslocam após
as refeições para levar utensílios sujos nos lugares apropriados, por exemplo. Nesse
sentido, observei que era sim um momento realizado pelas crianças com conforto e
prazer de estar com os pares, de receber o alimento pronto no prato, nesse primeiro
momento, mas em porções separadas, com alimentos coloridos e bem preparados,
que podiam vê-los, cheirá-los, degustá-los, com “autonomia” (FALK, 2016b), sem
distrações para que os ingerisse apenas como um ato de alimentar o corpo.
217
Por sua vez, as crianças tinham espaço e tempo para viver o tempo de espera,
com intensidade, marcando o tempo da vida (OLIVEIRA, 2012a), em seus modos de
usar os talheres, solicitar repetição ou simplesmente dizer que algo que estava no prato
ficaria de lado naquele dia. Ao mesmo tempo, importa ressaltar que essa “possibilidade
organizacional” de como acontece as refeições pelas instituições e essa “escolha de
uma ou outra não tem o mesmo valor e não transmite as mesmas mensagens”
(STACCIOLI, 2018, p. 60), porque fala de concepções e do grau de importância que se
dá para as relações e aprendizagens que ali podem se estabelecer. Além disso, essas
escolhas de como organizar esses momentos de refeições envolve que os profissionais
da creche se perguntem como “desenvolver um crescimento contínuo das crianças,
tanto na autonomia (responsabilidade social), tanto no nível relacional (consciência
afetiva) quanto no nível cognitivo (consciência comunicativa e reflexiva)” de modo que
se tornem organizações mais “eficazes” (STACCIOLI, 2018, p. 61). Principalmente
importa para esse planejamento das transições de alimentação a concepção de que
“come-se melhor quando o contexto faz se sentir bem, quando há afinação emocional
e relacional com os adultos e com seus colegas” (STACCIOLI, 2018, p. 60), uma grande
chave para pensar as refeições.
Durante o lanche, as crianças tinham a oportunidade de se servir e realizavam
muito esse processo de observação de como os adultos e os colegas usavam o
pegador ou o garfo, por exemplo, ao que Rogoff define como aprendizagens em
participação guiada, porque se dão observando seus pares mais experientes. Nos
almoços, recebiam o prato pronto e manifestavam seus desejos de repetição ou não.
Ou seja, viviam o tempo em seus “ritmos” (POST; HOHMANN, 2003; CABANELLAS;
ESLAVA; ESLAVA; POLONIO, 2007; OLIVEIRA, 2012a; FALK, 2016c), sendo que os que
necessitavam de um período maior para encerrar suas refeições tinham esse direito
preservado, sempre acompanhados por um adulto, que gerenciava esse tempo de
modo a que fosse rompido o “tempo linear” (BARBOSA, 2013). Algumas crianças que
desejavam, ao final das refeições, desciam do banco com os copos e potes ou com o
prato de vidro e talheres e levavam até a bancada de louça suja, sempre acompanhados
218
pelo olhar dos adultos, estagiárias, professoras ou funcionárias, que orientavam as
crianças, ao que considero, também, como um processo de participação guiada, assim
com as ações que aprendiam com seus pares, em observação e imitação nesses
momentos. De modo a compreender como se dava os processos da transição cotidiana
do descanso, segue nota de campo:
Registro as cenas de quando levam o prato no local de ser lavados e a
satisfação em conseguir fazer isso e como é feita a lavagem das mãos e boca
na pia próxima ao refeitório. Ação desempenhada aos primeiros que terminam
a refeição, pelas professoras, que, em seguida, iam se dirigindo para a sala
para o descanso, enquanto que uma estagiária terminava de limpar as crianças
e ia as encaminhando para sala. Se dirigiam para sala sozinhos e com
conhecimento do caminho (Nota de diário de campo – 21 de maio de 2018).
Como se observa na nota, as crianças tinham a possibilidade de terminar sua
refeição numa leitura de que o ambiente estava propício para isso, que teriam suas
mãos lavadas e com a segurança do que iria acontecer. Nesse sentido, mesmo que
essa análise esteja focada na transição do descanso, viver a transição da alimentação e
do almoço de forma prazerosa, de processo autônomo, como prática social cotidiana
os impulsionava a viver um aprendizado para o momento de descanso com menor
grau de “descontinuidade” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO;
CAVALCANTE, 2015; MONGE; FORMOSINHO, 2016), pois eram convidadas a cooperar.
Tanto com os colegas que precisavam terminar suas refeições quanto na espera de sua
vez para a higiene para logo poder se deslocar para viver um sono tranquilo e em
pequenos grupos. Por sua vez, importa considerar a continuidade desse ritual
ilustrando com a seguinte nota de campo:
Terminado o almoço começam a higiene da boca das crianças, em pia no
próprio refeitório, e pedir que aguardem os colegas. Momento em que a
escada e mural viram espaços de exploração. Professora Solange vai com
Mateus (11 meses) e outros que estão prontos para a sala referência onde,
também, acontece o dormitório, organizado pelas funcionárias enquanto as
crianças almoçam. Fico registrando esse momento e os deslocamentos.
Acompanho a ida ao dormitório. Quando entro com as últimas 3 crianças que
faltavam, a maioria já está deitada, algumas dormindo. Professora Solange me
diz que é a primeira vez que Bruno aceita deitar direto no colchão. Fico mais
219
um pouco, cubro a Amanda (1 ano e 8 meses), vejo Bruno (1 ano e 6 meses)
dormir com o carinho da professora e decido encerrar meu dia de observação.
Lá no fundo vejo a mãozinha de Bernardo (1 ano e 6 meses) me acenando.
Revido e aproveito para acenar para Sofia (1 ano e 4 meses) que ainda está
acordada e só me observa indo embora (Nota de diário de campo – 19 de
março de 2018).
Como pode ser observado, pela narrativa da nota de campo é perceptível o
grau de envolvimento dos adultos tanto para guiar a transição da refeição e higiene
como a de deslocamento para a sala do descanso. Ficam evidentes os modos como as
crianças viviam essa transição, desde o se posicionar na mesa, manifestar a necessidade
do sono e a higiene, ao descanso e o despertar. Nesses momentos as crianças que
terminavam a refeição iam se mostrando impacientes por sentir sono, reagindo com
choro até para lavar as mãos e rosto. Reações percebidas pelos adultos que agilizavam
para que logo chegasse o descanso e as crianças pudessem ir para a sala, deitar num
lugar aconchegante e preparado para o descanso.
Importa compreender que, nessas reações das crianças, ou seja, suas
“temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) mudaram os tempos
dos adultos e suas atitudes, “estabelecendo uma relação de circularidade entre ambos”
(ESLAVA, 2007, p. 160, tradução nossa). Como também se observa nas imagens, o
espaço da sala se modificava para um ambiente climatizado, de descanso e de
aconchego. Desse modo, há que se considerar que “o descanso deve ser tratado com
dignidade, cuidando nos detalhes todos os aspectos práticos (iluminação, mobiliário,
tempo...)” (STACCIOLI, 2018, p. 66). Cada criança, ao chegar na sala para o descanso,
encontrava sua cama, organizada com colchões, travesseiro, lençóis e edredom
individuais e ao que registrei, sempre dispostas nos mesmos locais.
Observei, nas vezes em que cheguei em campo no despertar do descanso das
crianças, que as que dormiam mais tempo estavam com suas camas mais ao fundo da
sala, mesmo que, eventualmente, esse tempo sofria variações para cada criança. Da
mesma forma, é possível observar nas imagens da foto mosaico, os rituais dessa
transição cotidiana do descanso se davam de diferentes modos. Nas imagens que
seguem, é possível evidenciar como se dava essa transição para o descanso.
220
Foto mosaico 12 - O dormir e o despertar na creche. Composta por 8 fotografias digitais da autora.
221
Desde as reações de que esse momento estava próximo, em seus bocejos à
mesa, até o despertar para viver um segundo turno na creche, percebe-se um respeito
a singularidade das crianças, tempo para o se espreguiçar, o se perceber na escola ao
acordar, a “autonomia” (FALK, 2016b) ao escolher interagir com o espaço e brinquedos
ou utilizar-se de um tempo maior para essa decisão, os afetos e amizades sendo
vividos, os convites para ir ao solário pelas mensagens da luminosidade se retomando
na sala e a porta sendo aberta e o participar ou não do guardar os pertences do
descanso (lençol, travesseiro, edredom e colchão).
Ao que observei as crianças, talvez pelo fato de frequentarem a creche em
turno integral, dormiam com facilidade. O horário do descanso variava entre às 11h15
até às 13h30, de criança para criança, conforme seu tempo de alimentação e o começo
do descanso. Nos dias de inverno, acabavam acordando mais tarde. A partir do
momento que as professoras percebiam que alguns iam acordando, abriam, aos
poucos as cortinas para a claridade aumentar gradativamente, o que não incomodava
os que permaneciam dormindo.
A penumbra estava instalada, ao que as crianças recebiam bem. Cada uma
tirava seus calçados ou eram ajudadas ou, ainda, orientadas a fazê-lo; recebiam seus
objetos de “apego” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014) ou bico, conforme seus desejos;
eram cobertos e os que aceitavam, pediam ou haviam demonstrado necessidade,
recebiam um carinho. Como narro na nota de campo, antes dessa data, Bruno (1 ano
e 6 meses) necessitava de colo para dormir, demonstrando forte “apego” (GONZALEZ-
MENA; EYER, 2014) e preferência em ter seus cuidados pessoais atendidos pela
professora Solange. Nesse sentido, Soares (2017, p. 27) enfatiza a importância do sono
não ser forçado e que “por meio do diálogo suave” os adultos expliquem que o
momento do descanso está chegando e que “logo mais poderá retomar a brincadeira”.
Por sua vez, ações dessa natureza aconteciam na relação suave para chegarem ao
dormir e, ainda, tanto na transição que antecedia como procedia o descanso, quando
alguns começavam a acordar e precisavam ser advertidos pelas professoras de que
poderiam brincar respeitando os colegas que ainda dormiam.
222
Na maioria das vezes que cheguei na creche no momento do despertar do
descanso das crianças a porta do solário, como ressaltei no capítulo do espaço, já
estava aberta e as crianças tinham “autonomia” (FALK, 2016b), conforme iam
acordando, para se deslocar para o espaço externo. Ao mesmo tempo em que podiam
permanecer na sala, explorando os materiais, podiam carregar coisas para fora e
recebiam outros materiais para exploração na areia e terra do solário ao lado ou para
ficar no solário da sala mesmo, com laje e correr, jogar bola, andar de motoca, fazer
cabanas, dentre outras brincadeiras. Determinadas crianças, mesmo despertando e
vendo colegas na rua, viviam o despertar no seu tempo, como, também se observa na
foto mosaico apresentada.
Ainda, algumas das imagens da foto mosaico mostram que cada uma tinha
seu tempo de acordar, ser arrumado ou se arrumar, decidir sair de sua cama, decidir
interagir ou não, manifestar suas insatisfações, muito embora talvez não se faziam
compreender pela linguagem oral, decidir ir para a rua ou ficar na sala, pelo simples
fato de a porta ficar aberta, terem livre circulação, transição entre o acordar e o brincar
feita com tempo e “ritmos” (POST; HOHMANN, 2003; CABANELLAS; ESLAVA; ESLAVA;
POLONIO, 2007; OLIVEIRA, 2012a; FALK, 2016c) próprios. Aos poucos iam levantando,
colocando calçados, sendo trocados, quando necessário, tanto a fralda como as roupas
para adequá-las ao clima. Nesse processo do acordar, perceber que outro turno na
coletividade se iniciava, decidir sobre o convite de brincar ou ficar observando, outras
cenas eram protagonizadas como as que compartilho na nota de campo, que será
apresentada na sequência:
Hoje, a Sofia (1 ano e 4 meses), chamou minha atenção com seu interesse
pelos calçados dos colegas. Primeiro veio até mim e me entregou um calçado.
Peguei e larguei na minha frente. Ela então passou grande parte do tempo,
até professoras pegarem todos os calçados e calçarem em todas as crianças,
organizando, carregando, enfiando os chinelos nos dedos das mãos, abrindo
e fechando velcros, especialmente investigou o último, do Bruno (1 ano e 6
meses), até quando ele o pegou de suas mãos. Talvez Sofia esteja nessa
transição de aprender a calçar-se ou não, mas considerei suas ações valiosas.
Em alguns momentos parecia tentar me dizer, com seus “bus” que sabia de
quem eram cada um dos calçados (Nota do diário de campo – 09 de março
de 2018).
223
Trago essa nota para explicitar uma aprendizagem que interpreto como de um
reconhecimento do espaço e dos materiais, uma forma de ajudar, mas, também, de
dizer que se sente e faz parte de um grupo. Da mesma forma, essa ação está ligada
tanto ao sentir-se capaz e de ter construído esse conhecimento, como de perceber-se
num processo de “relações entre iguais”, “caracterizadas por uma socialização
positiva”, que significa viverem “intercâmbios marcados pela relação cooperativa”, com
forte “motivação para conseguir um ponto de vista comum e ainda, onde as diferenças
entre competências se reconhecem como recursos para conseguir o objetivo
compartilhado” (SAVIO, 2011, p. 130, tradução nossa).
Assim como as crianças demonstravam esse interesse em reconhecer os
calçados, selecioná-los, dizer e entregar aos donos, também demonstravam esse
conhecimento em relação aos pertences dos colegas, como mochilas no momento das
despedidas e as camas, no dormitório. Em alguns momentos, ainda, esse
reconhecimento vinha acrescido de uma vontade de dividi-los, inclusive aproveitando
para a distração dos colegas ao acordar para deitar por uns instantes na sua cama até
a professora solicitar que saíssem para guardar tudo em cada sacola de cada um e
colocá-las no armário.
Além disso, assim que acordavam e as funcionárias vinham para sala para
ajudar a guardar as roupas de cada um e de cada cama, muitas das crianças se
dispunham a ajudar, erguendo os colchões, alcançando travesseiros e cobertas para os
adultos. Ainda, capturei cenas dos inícios das relações e “apego” (GONZALEZ-MENA;
EYER, 2014) entre as crianças, em carinhos, entregas de bicos, abraços e ajudas nesses
momentos, assim como do início da comunicação pela linguagem falada.
5.3.4 Transições Cotidianas inesperadas na pesquisa: o lavar as mãos, o uso do bico
e o escovar os dentes
Depois de um certo tempo no solário, professora de projeto foi fazer seu
intervalo e uma estagiária começa a acompanhar a turma com a professora
Rosa que, em seguida anuncia para a estagiária que poderiam começar a lavar
224
as mãos das crianças para irem para o lanche. Professora Rosa pegou o Mateus
no colo, disse que depois guardava os brinquedos e as duas professoras foram
com as crianças para a sala. Até esse momento as crianças pareciam felizes e
aceitaram bem a ideia. Na sala, ao começarem a lavar mãos, muitos choravam.
Professora Rosa decide ir com 5 crianças e fecha a porta deixando as outras 3
com a estagiária. Foi um momento bem tumultuado. Lívia foi a que mais
chorou, talvez por pouco conhecer a estagiária e ficar sem a referência do
adulto que conhece. Foram minutos de espera e choro até que os outros dois
estivessem com as mãos lavadas e pudessem ir para o lanche. Fiquei na sala
esperando para acompanhá-los e registrar esse momento (Nota do diário de
campo – 09 de março de 2018).
Nessa narrativa que escolho para abrir essa seção das análises das transições
cotidianas inesperadas na pesquisa, é possível observar um momento de transição
cotidiana em que as crianças viveram uma ruptura de uma proposta, uma
“descontinuidade” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE,
2015; MONGE; FORMOSINHO, 2016), para seguirem a rotina da turma. No entanto,
assim como relatei em outros momentos, tanto ao refletir sobre a importância dos
anúncios como as formas de deslocamentos, o lavar as mãos, a princípio, era um
momento tumultuado para as crianças. Ponto importante para considerar que o que
permite que as crianças vivam uma transição “generativa” (OLIVEIRA-FORMOSINHO;
PASSOS; MACHADO, 2016), mesmo que a “descontinuidade” (VOGLER; CRIVELLO;
WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015; MONGE; FORMOSINHO, 2016;) seja
inevitável, está no modo como se a vive e se a conduz, em que o adulto, como guia
das aprendizagens das crianças cria estratégias efetivas.
Nesse sentido, a divisão das crianças em pequenos grupos, que a princípio foi
estranho para as crianças, foi se tornando um ritual que contribuiu para que se
restaurasse a calma e fosse possível viver a mudança de um espaço para o outro
harmoniosamente. Ao mesmo tempo, a divisão das crianças em pequenos grupos
constitui-se como uma das condições para a “socialização positiva”, porque garantiu
que as crianças tivessem a possibilidade de se conhecer e criar laços pessoais e
significativos, mesmo que, nessa faixa etária, prefiram se relacionar com um ou dois
colegas apenas o que evidencia o quanto a socialização não é natural, mas construída
225
com a maturidade e dessas condições propiciadas (SAVIO, 2011, p. 137 – 138, tradução
nossa).
Desse modo, dentre as transições cotidianas inesperadas da pesquisa, escolho
iniciar por essa nota de campo que narra a primeira das transições inesperadas da
pesquisa e que surgiu em minhas reflexões, a da ação de lavar as mãos. O lavar as
mãos acontecia, na jornada das crianças, como parte de outras transições que a
procediam, como antes do lanche da tarde, como antes do almoço e antes do lanche
do final da tarde, que, quase sempre, era uma fruta seguida da despedida das crianças
da creche e chegada dos familiares. Nesses intervalos de transições cotidianas, outra
transição inesperada na pesquisa, foi o uso do bico que ganhava cenas de
protagonismo, porque as crianças o solicitavam e o largavam de modos distintos e em
tempos conforme seus sentimentos se afloravam mais ou menos afetivamente. Ao
mesmo tempo as professoras buscavam intermediar seu uso, explicando as
considerações do uso ou não do mesmo pelas crianças, num processo de participação
guiada, em que os adultos contribuíam num viver uma “atividade social com pares que
apoiam e estimulam sua compreensão e sua capacidade de usar os instrumentos da
cultura” (ROGOFF, 1993, p. 21).
Com isso, como venho apresentando ao longo desse capítulo das análises,
importa ainda reiterar que a organização das crianças em pequenos grupos como
estratégia no lavar as mãos e no trocar a fralda, pelas professoras, em diferentes
momentos do dia, deram lugar a calma, sem atropelos a momentos que eram
tumultuados. Desse modo, essa organização oportunizou bem-estar para as crianças,
porque “se está melhor quando se pode agir e conversar de forma autônoma, em pares
ou em um grupo pequeno” (STACCIOLI, 2018, p. 71), na interação nos espaços e nos
cuidados que recebiam, na individualidade. Ao mesmo tempo, essa calma e
compreensão, pelas crianças, em se dividirem em pequenos grupos nessa transição do
lavar as mãos, pode ter se dado perante o fato de que as crianças foram modificando
suas ações por viverem os momentos que antecediam e sucediam as mudanças no dia;
ao fato de prestarem mais atenção e compreenderem como as coisas funcionavam e
226
a uma sustentação dos adultos de como apoiá-las. Ainda, essa organização permitiu
“o desenvolvimento de interações marcadas por conhecimento e compreensão
recíprocos e, consequentemente, a ativação de processos cooperativos” (SAVIO, 2011,
p. 138, tradução nossa), ao que percebi em diversas ocasiões em que viviam as
experiências em pequenos grupos.
Mesmo que os convites para as mudanças ocorriam da mesma forma, percebi
que as crianças paravam tudo para ouvir ao que as professoras tinham a dizer, como
quando uma anunciou que iriam ao solário, por exemplo. Essas ações se deram em
participação guiada, porque aprenderam, gradativamente, tendo os adultos como
guias e parceiros mais experientes. Além disso, a oportunidade de estar entre pares em
pequenos grupos gerou essa segurança em processo de apropriação participatória,
porque participaram e mudaram pelo seu envolvimento nessas ações, por terem maior
atenção nos cuidados pessoais e no viver esses rituais em seus ritmos pessoais.
Nesse contexto, de anunciar e narrar os acontecimentos para as crianças, a
professora criou esse movimento de dizer o que iam fazer, o que gerou uma
curiosidade nas crianças e uma certeza de onde iriam e o que fariam, em um ritual
seguro e sustentado das aprendizagens pela apropriação participatória das crianças. Na
volta do pátio, quando anunciou que iriam voltar, também criou uma expectativa nas
crianças, por exemplo, se o que as aguardava na sala era banana, sem perder o quanto
aquela rotina estava envolta de “ações férteis” (STACCIOLI, 2018) pelas crianças, nos
seus detalhes para cada uma delas.
Nesse percurso, assim que cheguei na sala com as demais crianças que ficaram
por último, estranhei que os primeiros estavam sentados no tapete esperando para
lavar as mãos (também anunciado que iria acontecer) de forma tranquila e sem que
isso tenha significado em tempo grande de espera, pois iam ganhando a água também.
Aos poucos, nesses momentos, principalmente ao final da tarde, as crianças
demonstravam a necessidade do bico, chorando, querendo deitar, pedindo colo, ao
que eram atendidas nas suas singularidades e tinham espaços adequados para isso.
227
Aos poucos o ritual de lavar as mãos foi sendo reorganizado com as
contribuições da organização do espaço, pois as possibilidades e diversidade de cantos
contribuiu nas interações, segurança e bem-estar das crianças na sala. Nessa lógica,
como afirmei no capítulo dos espaços, quando essa organização, dá “respostas às
necessidades básicas das crianças são ‘espaços de vida e aprendizagem’” (OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2018, p. 58, grifo do autor). Ainda, se reorganizados a partir da
“crescente autonomia das crianças”, elas têm acesso aos seus pertences pessoais ou
aos espaços para serem higienizadas ou se higienizarem (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
2018, p. 58), o que destaquei quanto à “autonomia” (FALK, 2016b) das crianças ao
limparem o nariz e ao lavar as suas mãos, por exemplo. Tais ações podem ser
observadas na leitura da nota do diário de campo, apresentada a seguir:
Antes do almoço, teve o ritual de lavar as mãos e de contar história, pela
professora Solange, registrei as expressões das crianças nesse momento e
algumas crianças sendo incentivadas a realizar essa ação por si mesmas, mais
um indício, além do incentivo ao limpar nariz, de momentos de aquisição de
autonomia em processos de transições cotidianas (Nota do diário de campo
– 05 de junho de 2018).
O que se pode destacar a partir das contribuições narradas na nota do diário,
é o quanto, nesse momento, as crianças tinham “autonomia” (FALK, 2016b) para estar,
por sua escolha, brincando com materiais e cantos da sala ou ouvindo uma história ou
folheando e lendo imagens e, ao mesmo tempo, viver a experiência de aprendizagens
de como lavar as mãos ou terem suas mãos lavadas. Nesse sentido, a estratégia de
contar história, além de acalmar as crianças para que a ação de lavar as mãos
acontecesse com maior tranquilidade, tornou o momento que antecedeu o almoço de
maior bem-estar e transformou o seu deslocamento mais qualificado, porque elas
puderam viver o espaço de seus modos, mesmo que nem todos se interessassem pela
história em si, mas pela leitura de imagens e pelo contato com os livros.
Nessa perspectiva, capturei cenas, como as que são possíveis observar na foto
mosaico que segue e que constituem imagens dessas três transições. Em uma das
cenas, protagonizadas por Bruno (1 ano e 6 meses), Lívia (1 ano e 5 meses) e Natália
228
(1 ano e 2 meses), pode-se evidenciar a “alegria” de se perceberem autônomos (FALK,
2016b), e pela conquista de uma aprendizagem, ao descobrir que conseguiam abrir a
torneira, como um dentre uma “infinidade de conhecimentos executados que são
indispensáveis para garantir o bem-estar físico, mas também a serenidade do próprio
corpo” (STACCIOLI, 2018, p. 62). Além disso, o lavar as mãos em pequenos grupos
possibilitou que, gradualmente, as professoras escutassem as crianças de modo a
oportunizar que participassem do processo, não só como um ato mecânico pelo
adulto, mesmo que de cuidado e necessário, para higiene, mas como um processo de
participação guiada, de uma prática social vivida e aprendida socioculturalmente,
porque foi ocorrendo em níveis de “autonomia” (FALK, 2016b) conforme as crianças
também foram dizendo de um desejo de que eram capazes de realizar a ação por si.
Ou seja, estar com as crianças, as observando, vivendo experiências com elas
em uma organização de rotina com espaço para socialização e participação, foi possível
perceber transições cotidianas no lavar as mãos, no escovar os dentes e no uso do bico,
que não havia mensurado com essa concepção. Ou seja, apesar de ter ciência de que
aconteciam na Educação Infantil, não as adicionei na minha pauta de observação da
pesquisa e apenas consegui percebê-las como transições cotidianas ao adentrar em
campo e observar os modos de vivê-las pelas crianças. Pensando nessas transições
inesperadas, trago um fato que confirma esse “extraordinário” (BARBOSA, 2013;
HOYUELOS, 2015) que presenciei com lentes microscópicas de pesquisadora:
Antes mesmo que todos tivessem terminado de “escovar os dentes”, sendo a
primeira vez que vejo essa cena, professora Solange abriu a porta do solário e
os convidou a brincar lá fora. Mateus (11 meses) nem se importou e continuou
seu descanso enquanto colegas se dividiam entre sala e solário e professora
Rosa trocava fraldas. No solário tinham cones de papelão, caixa cheia de panos
e cordas para brincarem. Alguns panos foram esticados no chão pela
professora Solange que permaneceu no solário com as crianças. Algumas
crianças começaram a imitá-la, uns disputaram panos e outros, ainda,
alcançavam panos para ela e a orientavam quanto ao local onde deveriam ser
estendidos. Aos poucos ela foi, também, amarrando os panos nas grades e na
árvore, fazendo nós entre eles, numa tentativa de criar cabanas. O dia estava
ensolarado, mas muito gelado na sombra. O solário se divide entre sombra e
sol e as crianças aproveitam bastante (Nota do diário de campo – 14 de junho
de 2018).
229
Nessa narrativa do diário, é possível perceber as diferentes ações que as
crianças viviam ao mesmo tempo, entre o escovar os dentes, alguns olhando a forma
como o outro o fazia, em participação guiada entre pares; outros viviam o entrar e o
sair da sala, transitando de uma mudança de espaço que possibilitava viver
experiências diferentes, no mesmo lugar, com liberdade e bem-estar. Ainda, como se
observa no registro do diário, presenciei, pela primeira vez, as crianças a escovar os
dentes (o que aconteceu poucas vezes, na creche, talvez pelos horários que eu
observava as crianças ou, ao que notei, pois aconteciam em diferentes momentos do
dia). Desse modo, tenho poucos registros de como aconteciam.
No entanto, considerei pertinente trazer esse registro não só por ter me
surpreendido por ele ter ocorrido durante a pesquisa, mas por sentir que essa transição
cotidiana, realizada com crianças tão pequenas, merece ser evidenciada para se tornar
mais visível no cotidiano da Educação Infantil. Como se observa na cena que narro no
diário de campo e apresento, nesse receber a escova e descobrir como utilizá-las, as
crianças buscavam o espelho como contributo a essa aprendizagem de como escovar
os dentes. As crianças observavam e imitavam como colegas realizavam a ação e,
alguns, buscavam utilizar a pia como o término desse processo, outros caminhavam
pela sala em um pedido de tempo maior para encerrar a escovação, sendo alertados
pelas professoras e conduzidos à pia, para higiene final. Nesse sentido, estamos
contribuindo na construção de hábitos pelas crianças, dentre eles, o escovar os dentes
e, por isso, de uma prática social como conteúdo na vida cotidiana que merece
atenção. De modo a ilustrar com maiores detalhes a continuidade das ações das
crianças nessa transição, trago mais uma nota do diário de campo do escovar os
dentes:
Hoje cheguei quando apenas o Mateus (11 meses) dormia seu sono profundo
enquanto as demais crianças se juntavam em volta da professora Solange que,
em suas mãos, tinha o pote cheio de escovas de dentes. Ela ia passando a
pasta de dente nas escovas e alcançava, uma a uma às crianças para
escovarem os dentes. Pediam que colocasse pasta de novo e ela respondia
que era só uma vez. Enquanto professora caminhava pela sala e as crianças
também, entre idas e vindas ao se olharem nos espelhos, os lembrava de que
230
precisavam escovar a língua. Foi recolhendo as escovas aos poucos, lavando
e guardando, enquanto professora Rosa trocava alguns e estagiária Ana, que
hoje estava na turma, se despedia (Nota do diário de campo – 14 de junho de
2018).
Com esse relato de cenas que presenciei e as imagens que apresento, fica
evidente que as crianças viviam aprendizagens em participação guiada pois
cooperavam, cada uma em seu tempo, na estruturação da atividade em ações e
atividades de interações sociais. Além disso, dentre as cenas em que essas
aprendizagens acontecem estão as do imitar o adulto pelas crianças no lavar as mãos
e a forma respeitosa como participam da entrega do bico em alguns momentos do
cotidiano. Como última das transições cotidianas inesperadas na pesquisa, trago a
seguinte nota sobre o uso do bico pelas crianças, para análise:
No momento do acordar, as professoras recolhem os colchões e guardaram o
travesseiro, lençol e edredom em sacolas individuais, dentro do armário.
Perguntam para as crianças: - Vamos guardar o bico? Algumas crianças o
entregam prontamente, outras dizem não e, respeitadas, permanecem com
ele. Fato que foi acontecendo em diversos momentos da tarde, pois algumas
crianças pediam o bico novamente e eram atendidas. Essa transição ocorreu
em outros momentos do dia, pois percebi o quanto, para essa turma, nesse
momento, o bico possui esse significado de acompanhar o processo de
adaptação (Nota do diário de campo – 09 de março de 2018).
Na nota que apresento, é possível perceber o quanto o bico tinha esse poder,
ditado pelas crianças, de objeto de “apego” (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014), afetivo e
de transição. Importa salientar que o uso do bico sempre foi permitido pelos adultos,
a qualquer tempo, mesmo que esses objetos não ficassem ao alcance das crianças, pois
ficavam em suas mochilas, em nichos, no alto, ou em um pote separados, em uma
prateleira. As crianças recebiam o convite para guardá-los, mas sempre em um tom
respeitoso e nas suas “temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA,
2012b). Isso é observado nas imagens da foto mosaico, em que se pode observar os
olhares que uns remetiam aos outros ao escovar os dentes e ao ir ao espelho para
observar detalhes dessa ação, como dos olhares adultos crianças na entrega do bico,
dentre as aprendizagens em participação guiada pelas crianças.
231
Foto mosaico 13 - Transições cotidianas inesperadas na pesquisa. Composta por 08 fotografias digitais
da autora.
232
Nesse sentido, mesmo que nem todos os utilizassem, pude perceber que, por
terem esse hábito vindo de casa, o bico os acalmava e parecia ser usado,
principalmente por Laura (1 ano e 3 meses), como objeto de transição, que necessitava
dele – além da companhia de sua boneca - para ficar bem na escola. Nesses momentos,
se aconchegava no “canto” (STACCIOLI, 2013) com colchões imitando sofá e ficava ali,
ela com ela mesma, ao que se pode compreender como necessidade, assim como o
descanso, em que “o silêncio e a calma são igualmente importantes” porque, também,
“estar na escola envolve fadiga, mesmo do ponto de vista acústico e relacional”
(STACCIOLI, 2018, p. 66).
O ritual de pedir para as crianças guardarem os bicos, pelas professoras,
esticando a mão, acontecia e aconteceu por muitas vezes, em alguns momentos as
crianças os soltavam mesmo sem ser solicitado. No decorrer das observações, ainda
constatei que eu reconhecia as reações e ações das crianças para pedir bicos, lidos em
choros e movimentos específicos de cada uma, nos seus modos de expressar suas
“temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) e necessidades.
Enfim, encerro essa seção, que não tinha o intuito de ser longa, mas de
evidenciar que essas cenas acontecem no cotidiano da creche e merecem a atenção e
leitura do que as crianças nos dizem ser importante na sua jornada de socialização,
aprendizagens e vida em um coletivo para se sentir individual. Importa destacar que,
quando a criança pequena está em um coletivo, “necessita ser considerada
individualmente para sua constituição psíquica” (SOARES, 2017). Por isso, com essas
narrativas que retratam aprendizagens socioculturais e inventividades das crianças com
prazer e respeito, “desafiadas a interagir com diferentes materiais” e espaços (HORN,
2017, p. 87), finalizo essas seções analíticas com grande alegria em poder contribuir
com essa pesquisa para que as crianças tenham seus ritmos, “temporalidades”
(ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b), desejos e aprendizagens cada vez mais
lidas e respeitadas nos contextos das creches.
233
234
6 PELO DIREITO DAS CRIANÇAS A TRANSIÇÕES COTIDIANAS
EXITOSAS: notas para seguir pensando
Essa pesquisa chegou ao fim! Tão importante quanto o processo, são os
últimos ajustes, conclusões e avaliação do pesquisador. Assim como o mosaicista, é
chegada a hora do rejunte. Momento em que o artista olha sua obra, analisa as peças
que havia escolhido, revisa seus lugares, analisa a harmonia das cores e formas, se as
colou em seus devidos lugares, sem esquecer nenhuma, e prepara o rejunte para
espalhar sobre todo o mosaico. Assim que o rejunte é limpo sobre as peças, o
mosaicista avalia se todos os espaços entre as tesselas foram preenchidos pelo rejunte,
se esse foi escolhido na cor ideal a sua compreensão, consegue, assim, ver o todo e a
obra por completo e ela se sobressai.
O momento da minha pesquisa, das Transições Cotidianas nos modos de ser
e de viver dos Bebês e Crianças Bem Pequenas na Creche chegou ao seu findar. É
chegada a hora, depois de ter vivido intensamente cada tempo de escrita, observação,
reflexão e teorização, de chegar ao ponto final. Antes disso, importa preparar essa
escrita com todo cuidado como se prepara o rejunte, misturando o pó à água até o
ponto. Ao mesmo tempo, preciso enfatizar o quanto realizar pesquisa com crianças,
novidade em minha experiência de vida, foi gratificante e oportuno para o tema dessa
pesquisa.
Dessa forma, escolhi, para abrir esse capítulo, a sequência de imagens da Sofia
(1 ano e 4 meses), que em uma de nossas manhãs, na quadra coberta, depois de
explorar o giz de quadro, ter deixado marcas no chão e perceber sua textura, passa
tempo tentando colar, novamente, um pedaço ao outro. Cenas que registrei em
sequência e que chamaram minha atenção, tamanha determinação e concentração da
menina para juntar aqueles pedaços de giz. Nesse momento, olhando para essas
imagens, passo a viver uma retrospectiva de tudo o que vivi e vi no decorrer dessa
pesquisa com o objetivo de capturar os modos de viver as transições cotidianas na
jornada dessa turma de crianças na creche e em uma busca instigante de lê-las. Essa
235
foi uma escolha desafiadora, corajosa e difícil por ser um tema pouquíssimo discutido
por estudos e estudiosos no Brasil. Com isso, assim como Sofia, que se viu diante de
uma tarefa impossível, insistindo em juntar aqueles pedaços de giz, ao perceber não
ter atingido seu objetivo, tratou logo de usá-los de outra forma, de explorá-los e, com
sua capacidade, dar outro sentido a eles, escolhi viver esse processo. Diante do que
apresentei em toda essa dissertação, destaco o esquema abaixo como resultado das
reflexões desse processo de pesquisa e de como possibilitar transições cotidianas
“bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO;
LIMA; SOUSA, 2016) ou “generativas” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO,
2016) para as crianças na creche.
Figura 6 - Princípios da Pedagogia das Transições Cotidianas
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Assim foi viver essa pesquisa. Busquei sempre, pela experiência como
professora, assessora pedagógica, formadora e pela leitura das ações dessa turma de
crianças, da faixa etária 1 ano, encontrar subsídios para dizer algo, de todo esse
processo, que faça sentido para mim, para profissionais da Educação Infantil e para
outros pesquisadores; principalmente, que contribua e efetive transições cotidianas
236
respeitosas e saudáveis para as crianças, porque respeito é educação do humano e só
respeitamos se somos respeitados. Nesse sentido, entendo que a instituição de
educação infantil, como função, precisa refletir, em conjunto, sobre o seu trabalho com
e para as crianças, que devem ser o “centro do planejamento” (BRASIL, 2009b), o que
não difere em se tratando de qualificar os processos de aprendizagem das crianças nas
transições cotidianas que mapeei. Isso inclui não só definir que transições cotidianas as
crianças dessa turma da pesquisa ou supor quais dessas transições ocorrem no
contexto da creche em outras instituições, mas refletir que quantidade independe da
qualidade.
Ou seja, na pesquisa, o que fica claro é que, mesmo que as crianças vivam
muitas transições cotidianas de mudança de espaços ou de cuidados pessoais na
jornada da creche, o que as difere em qualidade são os princípios e concepções que
as permeiam, ou seja, os modos de organizar tempos, espaços, materiais e os grupos
adequados para que as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças em todos seus
aspectos ajam juntos e acolham as demandas e necessidades das crianças em sua
complexidade e em uma postura de escuta sensível. Nesse sentido, contempla-se uma
organização adequada para as crianças em todos os seus espaços, como de vida, nesse
lugar coletivo, pela escolha dos materiais, do mobiliário e dos “cantos” (STACCIOLI,
2013) para oferecer às crianças o “entorno de aprendizagem” e ser guia intencional
para o desenvolvimento infantil (ROGOFF, 1993, p. 134).
Dessa forma, no organograma que apresento da pesquisa, sustento uma
organização da creche que considere a importância de bebês e crianças bem pequenas
viver transições cotidianas “bem-sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016) e “generativas” (OLIVEIRA-
FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016) em todos os seus tempos, espaços e
relações. Por compreender que aprendemos em contexto, em relação e na participação
guiada em situações cotidianas, de práticas sociais, na cultura da creche, importa como
essas transições se dão e como são conceituadas. Ou seja, antes das crianças viverem
o contato com as pessoas e com tudo o que a creche precisa proporcionar, precisam
237
existir adultos, profissionais, acolhedores e competentes, conscientes de que as
crianças possuem uma história anterior à creche e que estão preocupados em dar todo
o apoio e estrutura necessários para o bem-estar e aprendizagens das crianças.
Assim como fui a campo, sem a crença de “observar que todas as crianças são
iguais e atravessam uma série de etapas universais” mas, partindo de uma observação
que resgatasse “a ideia de que todas as crianças são diferentes” (HOYUELOS apud
MALAGUZZI, 2012a, p.140, tradução nossa), ficou claro que os profissionais que
trabalham na Educação Infantil, a partir da concepção de que não existe uma
linearidade do processo de desenvolvimento das crianças e que elas possuem ritmos
e “temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) próprios, precisam
organizar os tempos na creche por esse ângulo de análise. Além disso, a partir do
momento que tomam consciência de como as crianças se desenvolvem e como são
seus modos de se relacionar com e no tempo, os tempos, não mais o do “capital”
(GUATARRI, 1977), se transformam e se diferem ao tempo do adulto, que é o do
relógio.
Dessa forma, os professores compreendem que seus anúncios, as formas de
deslocamentos de um espaço para o outro, na jornada, pelas crianças e os cuidados
pessoais que elas vivem na creche são transições cotidianas que envolvem
aprendizagens da essência do que é humano, de ética, de respeito, de confiança e que
importa que sejam desveladas para serem olhadas com o objetivo de serem “bem-
sucedidas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA;
SOUSA, 2016) e respeitosas. Quando desnaturalizadas e reveladas como sendo muitas
as transições cotidianas que bebês e crianças bem pequenas vivem no
contexto/”ambiente ecológico” (BRONFENBRENNER, 1996) da creche, além das vividas
em outros espaços da comunidade, torna-se essencial ler os modos como elas as
atravessam, com a consciência de que serão de muitos e muitos aspectos diferentes,
de modo que essa pesquisa, com certeza, sozinha, ainda não as tornou claras
suficientemente.
238
Como apresentei no capítulo anterior, das análises, as crianças aprendem ao
viver toda e qualquer transição cotidiana na creche. Diante dessa constatação e
considerando a quantidade de transições cotidianas que mapeei e tornei visíveis na
pesquisa, durante o período em que essas crianças frequentam a creche, importa
destacar alguns modos de fazer e de contribuir para que os bebês e crianças bem
pequenas as vivam com aprendizagens socioculturais, tanto aprendidas com adultos
como com seus pares, em um processo de participação guiada respeitoso e consciente.
Nesse sentido, delineio alguns direitos importantes para que as crianças
possam viver transições cotidianas “exitosas” (VOGLER, CRIVELLO; WOODHEAD, 2008;
OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016). Outro sim, são modos de fazer a partir
de todo referencial teórico utilizado e que objetivam contribuir para que, enquanto
profissionais, possamos desnaturalizar práticas do cotidiano, de maneira que cumpram
com esse papel exposto. Ao mesmo tempo, ficou evidente nesse percurso de pesquisa,
em campo, que não basta apenas organizar tempos e espaços adequadamente, mas
importa muito, também, as relações que o contexto da creche permite dos adultos
com adultos, adultos com crianças e crianças com crianças, e o respeito dispensado
aos seus modos de dizer como necessitam estabelecer essas relações com as coisas e
as pessoas.
Dentre esses modos, elenquei direitos para os bebês e as crianças bem
pequenas possam viver transições cotidianas exitosas na creche, que interpretei como
fundamentais para garantir que as vivam com bem-estar, apoio, estrutura de tempo e
de cuidado e, principalmente, um processo respeitoso a seus tempos, ritmos e
“temporalidades” (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b). Importa salientar
que esses são direitos das crianças, por ter se tratado de uma pesquisa com elas, mas,
evidentemente, são os professores que os fazem acontecer. Importa dizer que, com as
crianças, mais experientes nos modos de viver transições cotidianas na creche, pude
acompanhar meu processo de aprendizagem e apropriação participatória através da
participação guiada delas para com minhas inquietações e dúvidas de pesquisadora e
de investigadora.
239
Quadro 3 - Os direitos dos bebês e das crianças bem pequenas para viver transições cotidianas
exitosas na creche
Viver uma jornada na sala referência como porto seguro de modo que atenda a sua
especificidade de faixa etária: com número adequado de cantos de acordo ao como se
agrupam para brincar (sozinhos ou em duplas); com cantos que permanecem no mesmo
local e mesma organização de acordo com a manifestação de continuidade dos seus
interesses (a permanência de alguns cantos gera maior segurança ao voltar para esse espaço
e encontrar os mesmos materiais para dar continuidade a suas experiências).
Acessar materiais da sua cultura e do cotidiano em número, qualidade e características
adequadas à sua faixa etária por possibilitar viver aprendizagens socioculturais e o
sentimento de que aquele lugar os acolhe em seus desejos de descobrir o mundo.
Ter a sala referência como porto seguro de todo o dia na creche pelo uso significativo
de tudo o que existe nela e que atende a suas necessidades de bem-estar, autonomia e
segurança.
Explorar materiais que possibilitem compreender a sua utilidade conforme suas
capacidades e gradual aprendizagem, sustentada pelo apoio do adulto.
Ter respeitado seus tempos e temporalidades em toda jornada na escola.
Receber toque respeitoso para uma educação humanizadora e respeitosa com o outro.
Ter possibilidades de constituir vínculos e ser percebido em suas preferências.
Ter os cuidados pessoais realizados pelo mesmo adulto de apego e relação de confiança.
Conquistar e desenvolver a autonomia em todos os espaços.
Deslocar-se com liberdade e tempo para conhecer os espaços e sentir-se seguro neles.
Saber o que vai acontecer pelos anúncios dos adultos, mesmo que gerem certa
insegurança, tendo garantido estratégias nesse ritual de modo a extinguir os tempos de
espera.
Ter apoio e participar em aprendizagens, tanto dos cuidados pessoais como nos
deslocamentos pela creche.
Poder dar continuidade a suas experiências.
Ter assegurado o uso do bico e dos objetos de transição a qualquer tempo, como
segurança afetiva e emocional.
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Nos momentos em que pude atuar com foco e com uma lente microscópica
de suas ações no cotidiano dos espaços da creche, aprendi o quanto as crianças podem
nos dizer, mesmo que não sejam em palavras, linguagem que foi se desenvolvendo e
avançando junto com a pesquisa, porque viviam experiências de adultos que
conversavam, cuidavam e educavam em gestos e palavras éticas e carinhosas. Vivi
“aulas” de ética, de cuidado, de respeito e do quanto esse tema, que escolhi investigar,
importa para tornar visível os desejos e as necessidades das crianças que, tão
240
pequenas, demonstram suas vontades de tantos modos diferentes e merecem viver os
menores graus de ruptura, e maior continuidade nos seus processos de transições
cotidianas dentro da creche. Além disso, essas transições cotidianas estão envoltas
pelas concepções de tempos, de espaços, de materiais e de processo de
desenvolvimento cultural com o compromisso de profissionais capacitados e abertos
a dar importância para isso, na organização do trabalho com elas e para elas.
Me despeço dessa dissertação com a convicção da relevância desse estudo e
de que, de alguma forma, contribuiu para a compreensão do que são e para que é
necessário se refletir sobre os modos de fazer as transições cotidianas. Por fim, destaco
o quanto tenho consciência de que há muito a descobrir e, por isso, deixo o desejo de
continuar investigando esse objeto de estudo. Espero também, quem sabe, a partir de
modos de fazer e atuar, não só ter contribuído com direitos das crianças em viver
princípios bem sucedidos para uma Pedagogia das Transições, mas ter feito possível
vislumbrar, a partir dos aspectos observados e analisados, um pesquisar de uma
Didática das Transições na Educação Infantil, de modo a contribuir com modos dos
professores operarem a partir dos princípios apresentados em minha pesquisa.
241
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SCHWALL, Charles. O ambiente e os materiais do ateliê. In.: GANDINI, Lella (et al.). O
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Penso, 2012. p. 31-47.
SOARES, Suzana Macedo. Vínculo, movimento e autonomia: educação até 3 anos.
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SOUSA; Joana; MACHADO, Inês. Anexo II – Organização dos Ritmos Temporais na
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STACCIOLI, Gianfranco. As rotinas: de hábitos estéreis a ações férteis. Revista Linhas:
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254
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VASCONCELOS, Queila Almeida. Crianças bem pequenas no cotidiano da escola:
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Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
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Cuadernos sobre Desarrollo Infantil Temprano. La Haya, Países Bajos: Fundación
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WILDEMBERG, Marcia Pereira. Rotina e instrumentos pedagógicos na educação
infantil: Para além da sala de aula. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Federal do Espírito Santo, São Mateus, 2016.
255
APÊNDICES
APÊNDICE A: Termo de Concordância da Mantenedora
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TERMO DE CONCORDÂNCIA DA MANTENEDORA
Estamos realizando uma pesquisa na Linha de Estudos sobre Infâncias na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a partir das contribuições do campo de
estudos da Pedagogia da Infância. O presente projeto de pesquisa trata das transições
cotidianas que ocorrem com bebês e crianças bem pequenas no espaço da creche.
Para tanto, entre os objetivos da pesquisa estão o aprender sobre os modos de viver e
reagir a cada nova situação que esse mundo os apresenta e compreender os processos
dessas transições, para avançar na construção de uma pedagogia das transições. No
âmbito da pesquisa proposta, as transições cotidianas são entendidas por transições
que exigem ou geram mudanças nas ações dos bebês e das crianças bem pequenas:
sejam mudanças de um espaço a outro, de uma aprendizagem a outra, de uma
atividade a outra, ou sejam, exemplos prováveis de situações a serem encontradas no
ir a campo.
Para tanto, solicitamos autorização para realizar este estudo em uma turma de
Faixa Etária (1 ano) na Escola Municipal de Educação Infantil xxxxxxxx. Também será
utilizado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para cada responsável pelas
crianças e professores da turma envolvida. A geração de dados envolverá observação
das crianças por seis meses, nos espaços da creche, com a presença dos professores,
por 120 horas que serão registradas através de fotografias, de vídeos e de diário de
campo.
Os responsáveis pelas crianças envolvidas na investigação serão claramente
informados, em momento específico, sobre a natureza, justificativa, objetivos,
metodologia, benefícios e riscos da pesquisa. Eles serão informados de que sua
contribuição é voluntária e que a participação pode ser recusada ou interrompida a
qualquer momento, sem nenhum prejuízo. A qualquer período da pesquisa, tanto os
participantes quanto os responsáveis pela instituição poderão solicitar informações e
esclarecimentos sobre os procedimentos ou outros assuntos relacionados a este
estudo.
256
Todos os cuidados serão tomados para garantir o sigilo, a confidencialidade das
informações, a privacidade, a não estigmatização e a identidade dos participantes, bem
como das instituições envolvidas. Os procedimentos utilizados nesta pesquisa
obedecem aos Critérios de ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme as
Resoluções: Nº 196/1996, Nº 466/2012 e N° 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde.
Nenhum dos procedimentos realizados oferece riscos à dignidade do participante.
Todo material desta pesquisa ficará sob responsabilidade da pesquisadora do estudo,
mestranda Luciane Frosi Piva, sendo utilizado somente para fins de pesquisa. Dados
pessoais dos participantes não serão mencionados em apresentação oral ou trabalho
escrito que venha a ser publicado. Pretende-se realizar a devolução dos resultados,
tanto para a instituição como para a mantenedora, no período posterior à conclusão
da dissertação de mestrado (agosto 2019).
Por meio deste estudo, esperamos trazer aportes importantes para profissionais
da Educação Infantil e da Educação Pública. Além disso, a pesquisa pode contribuir nas
discussões dos professores, no olhar para cada criança na sua singularidade e na sua
relação com o mundo e, consequentemente, para o avanço de práticas pedagógicas
com as crianças que qualifiquem o currículo da creche e a construção de indicadores
que promovam transições cotidianas dos bebês e das crianças bem pequenas na
creche de forma consciente e não automatizadas. Agradecemos a colaboração da
Secretaria Municipal de Educação (SMED) para a realização desta atividade de pesquisa
e colocamo-nos à disposição para esclarecimentos adicionais. O pesquisador
responsável por esta pesquisa é o Prof. Dr. Rodrigo Saballa de Carvalho da Faculdade
de Educação do PPGEdu/UFRGS. Caso queiram contatar os pesquisadores, isso poderá
ser feito pelos telefones XX)XXXXXXXXX e/ou (XX) XXXXXXXX ou pelos e-mails:
[email protected] e/ou
[email protected].
__________________________________________
Luciane Frosi Piva (Pesquisadora Responsável)
_____________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Saballa de Carvalho (PPGEdu/UFRGS)
Concordamos que as crianças que estudam nesta instituição participem do presente
estudo.
Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo
Responsável: ___________________________________
Porto Alegre, ________ de fevereiro de 2018.
257
APÊNDICE B: Termo de Concordância da Instituição
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TERMO DE CONCORDÂNCIA DA INSTITUIÇÃO
Estamos realizando uma pesquisa na Linha de Estudos sobre Infâncias na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a partir das contribuições do campo de
estudos da Pedagogia da Infância. O presente projeto de pesquisa trata das transições
cotidianas que ocorrem com bebês e crianças bem pequenas no espaço da creche.
Para tanto, entre os objetivos da pesquisa estão o aprender sobre os modos de viver e
reagir a cada nova situação que esse mundo os apresenta e compreender esses
processos, para avançar na construção de uma pedagogia das transições. No âmbito
da pesquisa proposta, as transições cotidianas são entendidas por transições que
exigem ou geram mudanças nas ações das crianças, sejam mudanças de um espaço a
outro, de uma aprendizagem a outra, de uma atividade a outra, ou sejam, exemplos
prováveis de situações a serem encontradas no ir a campo.
Para tanto, solicitamos autorização para realizar este estudo em uma turma de
Faixa Etária (1 ano) na sua escola. A geração de dados envolverá observação das
crianças por seis meses, nos espaços da creche, com a presença dos professores, por
120 horas, que serão registradas através de fotografias, de vídeos e de diário de campo.
Também será utilizado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
cada responsável pelas crianças e professores da turma envolvida. Os responsáveis
pelas crianças envolvidas na investigação serão claramente informados, em momento
específico, planejado com essa equipe, sobre a natureza, justificativa, objetivos,
metodologia, benefícios e riscos da pesquisa. Eles serão informados de que sua
contribuição é voluntária e que a participação pode ser recusada ou interrompida a
qualquer momento, sem nenhum prejuízo. A qualquer período da pesquisa, tanto os
participantes quanto os responsáveis pela instituição poderão solicitar informações e
esclarecimentos sobre os procedimentos ou outros assuntos relacionados a este
estudo.
Todos os cuidados serão tomados para garantir o sigilo, a confidencialidade das
informações, a privacidade, a não estigmatização e a identidade dos participantes, bem
258
como das instituições envolvidas. Os procedimentos utilizados nesta pesquisa
obedecem aos Critérios de ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme as
Resoluções: Nº 196/1996, Nº 466/2012 e N° 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde.
Nenhum dos procedimentos realizados oferece riscos à dignidade do participante.
Todo material desta pesquisa ficará sob responsabilidade da pesquisadora do estudo,
mestranda Luciane Frosi Piva, sendo utilizado somente para fins de pesquisa. Dados
pessoais dos participantes não serão mencionados em apresentação oral ou trabalho
escrito que venha a ser publicado. Pretende-se realizar a devolução dos resultados,
tanto para a instituição quanto para as famílias, no período posterior à conclusão da
dissertação de mestrado (agosto 2019).
Por meio deste estudo, esperamos trazer aportes importantes para profissionais
da Educação Infantil e da Educação Pública. Além disso, esse material pode contribuir
nas discussões dos professores, no olhar para cada criança na sua singularidade e na
sua relação com o mundo e, consequentemente, para o avanço de práticas
pedagógicas com as crianças que qualifiquem o currículo da creche e a construção de
indicadores que promovam transições cotidianas dos bebês e das crianças bem
pequenas de forma consciente e não automatizadas. Agradecemos a colaboração da
Equipe da escola para a realização desta atividade de pesquisa e colocamo-nos à
disposição para esclarecimentos adicionais. O pesquisador responsável por esta
pesquisa é o Prof. Dr. Rodrigo Saballa de Carvalho da Faculdade de Educação do
PPGEdu/UFRGS. Caso queiram contatar os pesquisadores, isso poderá ser feito pelos
telefones XX)XXXXXXXXX e/ou (XX) XXXXXXXX ou pelos e-mails:
[email protected]e/ou
[email protected].
__________________________________________
Luciane Frosi Piva (Pesquisadora Responsável)
Prof. Dr. Rodrigo Saballa de Carvalho (PPGEdu/UFRGS)
Concordamos que as crianças que estudam nesta instituição participem do presente
estudo.
___________________________________
Nome da Responsável (Diretora da Escola)
Porto Alegre, ______ de fevereiro de 2018.
259
APÊNDICE C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos Professores
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Aos Professores
Estamos realizando uma pesquisa na Linha de Estudos sobre Infâncias na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a partir das contribuições do campo de
estudos da Pedagogia da Infância e o convidamos a participar. Para tanto, entre os
objetivos da pesquisa estão o aprender sobre os modos de viver e reagir a cada nova
situação que esse mundo apresenta aos bebês e às crianças bem pequenas e o
compreender os processos das transições cotidianas, para avançar na construção de
uma pedagogia das transições. No âmbito da pesquisa proposta, esses processos são
entendidos por transições que exigem ou geram mudanças nas crianças, sejam
mudanças de um espaço a outro, de uma aprendizagem a outra, de uma atividade a
outra, ou sejam, exemplos prováveis de situações a serem encontradas no ir a campo.
Comprometo-me em respeitar os valores éticos que permeiam este tipo de
trabalho. Para tanto, solicitamos autorização para realizar este estudo na turma de
Faixa Etária (1 ano) em que atua. A geração de dados envolverá observação das
crianças por seis meses, nos espaços da creche, com a presença dos professores, em
total de 120 horas, que serão registradas através de fotografias, de vídeos e de diário
de campo. Caso ocorra algum desconforto manifestado pelas crianças quanto a
presença da pesquisadora em campo, elas serão respeitadas e não participarão da
pesquisa.
A pesquisa não será objeto de nenhum benefício, ressarcimento ou
pagamento aos participantes e pode ser interrompida em qualquer etapa, sem
nenhum prejuízo. A qualquer momento, você poderá solicitar informações sobre os
procedimentos ou outros assuntos relacionados a este estudo. Todos os cuidados
serão tomados para garantir o sigilo, a confidencialidade das informações, a
privacidade, a não estigmatização e a identidade dos participantes, bem como da
instituição envolvida. Os procedimentos utilizados nesta pesquisa obedecem aos
Critérios de ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme as Resoluções: Nº
196/1996, Nº 466/2012 e N° 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde.
Todo material desta pesquisa ficará sob responsabilidade da pesquisadora do
estudo, mestranda Luciane Frosi Piva, sendo utilizado somente para fins de pesquisa
260
como apresentação de trabalhos em eventos científicos, publicação de artigos, livros,
dentre outras. Dados pessoais dos participantes não serão mencionados em
apresentação oral ou trabalho escrito que venha a ser publicado. Pretende-se realizar
a devolução dos resultados no período posterior à conclusão da dissertação de
mestrado (agosto 2019).
Por meio deste estudo, esperamos trazer aportes importantes para
profissionais da Educação Infantil e da Educação Pública. Além disso, esse trabalho
pode contribuir nas discussões dos professores, no olhar para cada criança na sua
singularidade, na sua relação com o mundo e, consequentemente, para o avanço de
práticas pedagógicas com as crianças que qualifiquem o currículo da creche e a
construção de indicadores que promovam transições cotidianas dos bebês e das
crianças bem pequenas de forma consciente e não automatizadas.
Agradecemos sua colaboração para a realização desta atividade de pesquisa e
colocamo-nos à disposição para esclarecimentos adicionais ou qualquer dúvida que
eventualmente venha a ter. O pesquisador responsável por esta pesquisa é o Prof. Dr.
Rodrigo Saballa de Carvalho da Faculdade de Educação do PPGEdu/UFRGS. Caso
queiram contatar os pesquisadores, isso poderá ser feito pelos telefones
(XX)XXXXXXXXX e/ou (XX) XXXXXXXX ou pelos e-mails:
[email protected] e/ou
[email protected].
Após ter sido devidamente informado de todos os aspectos desta pesquisa e ter
esclarecido todas as minhas dúvidas, eu
.................................................................................................... RG Nº____________________, CPF
Nº______________________, domiciliado (a) na
_________________________________________________________________, no bairro
__________________________, município de _________________________, exercendo o
cargo/função de __________________________________, de forma livre e esclarecida,
concordo em participar voluntariamente desta pesquisa coordenada pelo Professor Dr.
Rodrigo Saballa de Carvalho e a mestranda Luciane Frosi Piva. Pelo presente
consentimento, declaro que fui informado dos objetivos da pesquisa e de que estou
ciente de que terei total liberdade para retirar meu consentimento, a qualquer
momento, durante a geração dos dados, sem que isso traga qualquer prejuízo. Todas
as minhas perguntas quanto à pesquisa foram respondidas e a pesquisadora colocou-
se à disposição para esclarecimento de quaisquer dúvidas que eu tiver durante a
realização das atividades.
___________________________________
Assinatura do (a) participante
Porto Alegre, ____de__________________de 2018.
261
APÊNDICE D: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos Responsáveis pelas
Crianças
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Aos Responsáveis pelas Crianças
Estamos realizando uma pesquisa na Linha de Estudos sobre Infâncias na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a partir das contribuições do campo de
estudos da Pedagogia da Infância. Trata-se de um projeto que possui como objetivos
o aprender sobre os modos de viver e reagir a cada nova situação que esse mundo
apresenta aos bebês e às crianças bem pequenas e o compreender os processos das
transições cotidianas na creche. Nesse contexto, elas são entendidas por transições
que exigem ou geram mudanças nas ações das crianças: sejam mudanças de um
espaço a outro; de uma aprendizagem a outra; de uma atividade a outra, ou sejam
exemplos prováveis de situações a serem encontradas no ir a campo.
Para tanto, solicitamos autorização para realizar este estudo com seu filho (a).
Comprometo-me em respeitar os valores éticos que permeiam este tipo de trabalho.
A geração de dados envolverá observação das crianças da turma de faixa etária um
ano, por seis meses, no ano de 2018, nos espaços da creche, com a presença dos
professores. As atividades serão registradas através de fotografias, de vídeos e de
diário de campo. Caso ocorra algum desconforto manifestado pelas crianças quanto a
presença da pesquisadora em campo, elas serão respeitadas e não participarão da
pesquisa.
A pesquisa não será objeto de nenhum benefício, ressarcimento ou
pagamento aos participantes. Todos os cuidados serão tomados para garantir o sigilo,
a confidencialidade das informações, a privacidade, a não estigmatização e a
identidade dos participantes bem como da instituição envolvida. Os procedimentos
utilizados nesta pesquisa obedecem aos Critérios de ética na Pesquisa com Seres
Humanos, conforme as Resoluções: Nº 196/1996, Nº 466/2012 e N° 510/2016, do
Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos realizados oferece riscos à
dignidade do participante.
Todo material desta pesquisa ficará sob responsabilidade da pesquisadora do
estudo, mestranda Luciane Frosi Piva, sendo utilizado somente para fins de pesquisa
262
como apresentação de trabalhos em eventos científicos, publicação de artigos, livros,
dentre outras. Dados pessoais dos participantes não serão mencionados em
apresentação oral ou trabalho escrito que venha a ser publicado. Pretende-se realizar
a devolução dos resultados no período posterior à conclusão da dissertação de
mestrado (agosto 2019).
Por meio deste estudo, esperamos trazer aportes importantes para
profissionais da Educação Infantil e da Educação Pública. Além disso, esse material
pode contribuir nas discussões dos professores, no olhar para cada criança na sua
singularidade e na sua relação com o mundo e, consequentemente, para o avanço de
práticas pedagógicas com as crianças que qualifiquem o currículo da creche e a
construção de indicadores que promovam transições cotidianas dos bebês e das
crianças bem pequenas de forma consciente e não automatizadas.
Agradecemos sua colaboração para a realização desta atividade de pesquisa e
colocamo-nos à disposição para esclarecimentos adicionais ou para qualquer dúvida
que eventualmente venham a ter. O pesquisador responsável por esta pesquisa é o
Prof. Dr. Rodrigo Saballa de Carvalho da Faculdade de Educação do PPGEdu/UFRGS.
Caso queiram contatar os pesquisadores, isso poderá ser feito pelos telefones
(XX)XXXXXXXXX e/ou (XX) XXXXXXXX ou pelos e-mails:
[email protected] e/ou
[email protected].
Após ter sido devidamente informado de todos os aspectos desta pesquisa e ter
esclarecido todas as minhas dúvidas, eu
_____________________________________________________ RG Nº______________________, CPF
Nº_______________________, domiciliado (a) na
_________________________________________________________________, no bairro
__________________________, município de _________________________, autorizo meu filho (a)
_________________________________________________a participar desta pesquisa
voluntariamente. Pelo presente consentimento, declaro que fui informado dos
objetivos da pesquisa e que estou ciente de que terei total liberdade para retirar meu
consentimento, a qualquer momento, durante a geração dos dados, sem que isso traga
qualquer prejuízo. Todas as minhas perguntas quanto à pesquisa foram respondidas e
a pesquisadora colocou-se à disposição para esclarecimento de quaisquer dúvidas que
eu tiver durante a realização das atividades em questão.
___________________________________
Assinatura do (a) responsável legal
Porto Alegre, ___de________________de 2018.
263
APÊNDICE E: Termo de Autorização de uso de imagem e dados digitais
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DADOS DIGITAIS
“AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM, VOZ E RESPECTIVA CESSÃO DE DIREITOS
(LEI N. 9.610/98)
Pelo presente Instrumento Particular, eu,
____________________________________________________________________, RG
Nº_____________________________, CPF Nº_______________________, domiciliado (a) na
_________________________________________________________________, no bairro
__________________________, município de _________________________, responsável legal pela
criança________________________________________________________, por este e na melhor
forma de direito, AUTORIZO, de forma gratuita e sem qualquer ônus, à pesquisadora
Luciane Frosi Piva, a utilização de imagem e de trabalhos desenvolvidos, vinculados em
material produzido na oficina de produção de vídeo tais como: fotos, vídeos, entre
outros, em todos os meios de divulgação possíveis, quer sejam na mídia impressa
(livros, catálogos, revista, jornal, entre outros), televisiva (propagandas para televisão
aberta e/ou fechada, vídeos, filmes, entre outros), radiofônica (programas de
rádio/podcasts), escrita e falada, Internet, Banco de dados informatizados, Multimídia,
“home vídeo”, DVD, entre outros, quer sejam nos meios de comunicação interna, como
jornal e periódicos em geral, na forma de impresso, voz e imagem.
Através desta, também faço a CESSÃO a título gratuito e sem qualquer ônus de
todos os direitos relacionada a minha imagem, bem como direitos autorais dos
trabalhos, desenvolvidos, incluindo as artes e textos que poderão ser exibidos,
juntamente com a minha imagem ou não. A presente autorização e cessão são
outorgadas livres e espontaneamente, em caráter gratuito, não incorrendo a
autorizada em qualquer custo ou ônus, seja a que título for, sendo que estas são
firmadas em caráter irrevogável, irretratável, e por prazo indeterminado, obrigando,
inclusive, eventuais herdeiros e sucessores outorgantes. E por ser de minha livre e
espontânea vontade esta AUTORIZAÇÃO/CESSÃO, assino em 02(duas) vias de igual
teor.
______________________________________
Assinatura do (a) responsável legal
________________________________, _____de__________________de 2018.