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Semiótica Psicanalítica

[1] O documento é uma entrevista fictícia com Oscar Cesarotto sobre o curso de especialização em Semiótica Psicanalítica da PUC-SP. [2] Cesarotto explica que a semiótica psicanalítica considera os signos culturais como determinantes da existência individual e social, mas que os seres humanos são também sujeitos às pulsões inconscientes. [3] Ele discute como a semiótica e a psicanálise se relacionam, a importância de Freud e Lacan, e como os registros do Real, Sim

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Semiótica Psicanalítica

[1] O documento é uma entrevista fictícia com Oscar Cesarotto sobre o curso de especialização em Semiótica Psicanalítica da PUC-SP. [2] Cesarotto explica que a semiótica psicanalítica considera os signos culturais como determinantes da existência individual e social, mas que os seres humanos são também sujeitos às pulsões inconscientes. [3] Ele discute como a semiótica e a psicanálise se relacionam, a importância de Freud e Lacan, e como os registros do Real, Sim

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ENTREVISTA

OSCAR CESAROTTO & SEMIÓTICA PSICANALÍTICA

Iniciado em 2003, o curso de especialização lato senso


Semiótica Psicanalítica – Clínica da Cultura (COGEAE – PUC-SP)
atingirá, no ano próximo, sua décima edição. Neste percurso,
um número cada vez maior de interessados iniciou-se nas
ciências dos signos & do inconsciente. Oscar Cesarotto con-
cedeu esta entrevista a Leitura Flutuante explicando o que
é o curso, suas finalidades e outras coisas mais:

Leitura Flutuante: Perguntas, questões, curiosidades...


Che vuoi? Qual é a sua?
Oscar Cesarotto: A responsa de ter uma episteme para ex-
plicar a quem quiser saber, de forma clara & imprecisa, do
que realmente está em jogo na contemporaneidade. A prio-
ri, mesmo que a psicanálise seja assaz conhecida, o mundo
ignora o que a semiótica seria. Se fosse, ainda por cima,
psicanalítica, Nossa!
A nossa semiótica considera os signos hegemônicos
como determinantes da existência individual & social. No
entanto, somos seres simbólicos, sujeitos à lei da linguagem,
porém, reféns das pulsões. Nas soluções de compromisso de

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cada falante, sexuado & mortal, transcorre a vida cotidiana,


psicopatológica. No plano coletivo, conflitos & contradições
que afetam a todos constituem a linha de pesquisa da Clínica
da Cultura, o campo do gozo, o inconsciente a céu aberto.
Com a finalidade de pontificar sobre alguns assuntos
relevantes, achei por bem redigir a presente entrevista fictí-
cia, estruturada a partir de demandas verdadeiras. Ao longo
dos anos, são frequentes alguns temas sempre em pauta. Na
lembrança de diálogos, debates & outras inquisições, dir-se-ia:
LF: Semiótica & Psicanálise? Por que & para que? Onde,
quando & como?
OS: Nos anos oitenta, as professoras Samira Chalhub & Lucia
Santaella, da PUC-SP, começaram a estudar psicanálise –es-
pecificamente, a obra de Lacan- para compensar a ausência,
nas teorias semióticas tradicionais, do lugar do sujeito, isto é,
do inconsciente. Por motivos de nomenclatura, a linha de
pesquisa foi denominada Semiótica Psicanalítica, de forma
conjuntiva, não por um termo qualificar o outro. As bagagens
das linguagens que conformam o fenômeno humano expandem
o saber psicanalítico, que contribui expondo os labirintos desi-
derativos da subjetividade.

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LF: Freud tem cabimento?


OS: Pelas raízes, conheceras a árvore... A nossa bíblia laica,
suas Obras Completas, a pedra basal da viga mestra da laje
onde hoje pisamos. Freud foi um semioticista avant la lettre,
como prova a Interpretação dos sonhos, um autêntico tratado
sobre signos & símbolos, mesmo sem dispor, na época, de
uma teoria consistente sobre a função & campo da palavra.
Décadas depois, Lacan introduziria a linguística como discurso
competente para dar conta do inconsciente estruturado segun-
do a linguagem. Entretanto, Freud continua imprescindível
para as ciências humanas, por ser seu mentor mor. Enquanto
Totem & tabu especula sobre a origem da lei & da obediên-
cia, Psicologia das massas revela o poder de lideres & ideais
no vértice da pirâmide da dominação civilizatória, O futuro
de uma ilusão desconstrói as promessas ocas da religião,
Mal-estar na cultura parece antecipar os noticiários atuais,
com suas interpretações sombrias sobre o funcionamento
da sociedade & o ônus da cultura.
LF: Como pode ser definida a cultura?
OS: Do ponto de vista semiótico, trata-se do conjunto dos
processos de produção, circulação & consumo de significações
na vida social. Na perspectiva psicanalítica, seria o estilo de
recalcamento próprio de cada momento histórico. Pode ser

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acrescentada a noção de subjetividade: A consciência que


cada época tem de si mesma, nunca consciente por inteiro
& sempre historicamente incompleta.
LF: Lacan também teria sido um semioticista?
OS: Ad honorem, hors concours, um artesão da língua,
capaz de extrair da clínica os conceitos implícitos em Freud.
Conhecia também o sistema de Peirce, também ternário, em
grande medida, compatível com seu ensino Formalizando
os registros de Real, Simbólico & Imaginário, não apenas
consolidou a teoria analítica, como estabeleceu um solo
firme para as ciências da linguagem.
LF: Primeridade, Secundidade & Terceridade coincidem
com os três registros?
OS: Sim, sim, sim, porém, não. É grande a tentação de plugar
3x3, mas nem tudo encaixa, ainda bem. Sistemas complexos
podem ser compatibilizados, respeitando contradições &
observando incongruências. Da semiótica peirciana provem
a definição de signo: algo que significa para alguém, cir-
cunstâncias mediante. Por sua vez, Lacan instrumentou, no
começo do seu ensino, o signo verbal, graças à linguística de
Saussure, por ser o diálogo a condição da análise. Os registros
conformam as dimensões habitadas pelos seres falantes,

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constituindo, pela sua amarração, a “realidade”, tanto a


subjetiva quanto a objetiva, sem garantia de perfeita sin-
tonia. Ser-no-mundo é viver na encruzilhada das palavras,
das imagens & das coisas.
LF: Como se fundamentam & justificam os conceitos derivados
da clínica?
OS: O Imaginário inclui duas acepções. De um lado, quer dizer
falso, fictício, por este viés, denuncia à ilusão de autonomia
do sistema percepção-consciência. De outro, tem a ver direta-
mente com as representações & as miragens, matérias-primas
das identificações. Na teoria freudiana, corresponde ao plano
do narcisismo, originado na etapa intermediária entre o au-
toerotismo & as relações objetais da libido. A cristalização da
imagem do corpo permite a instalação da matriz do ego no
psiquismo; desde então & para sempre, esta instância alienada
tem acesso à cognição, arcando com o ônus simultâneo do
desconhecimento.
Fora desse âmbito, os humanos só existem porque
falam. O Simbólico tem, na linguagem, sua expressão mais
concreta, regendo o sujeito do inconsciente. Ela é a causa
& o efeito da cultura, em que a lei da palavra interdita o
incesto & nos torna por completo diferente dos animais.

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Na obra de Freud, a importância deste registro pode ser


destacada, inicialmente, nos textos ilustrativos do funcio-
namento da Outra cena, onde a casuística prova de que
maneira é estruturada, a partir das suas formações: sonhos,
atos falhos, chistes, sintomas... Nos escritos que discorrem
sobre o Complexo de Édipo, a eficácia da castração depende
da função do pai, responsável pela ordem simbólica.
O Real, como terceira dimensão, é aludido pela ne-
gativa: seria aquilo que, carecendo de sentido, não pode ser
simbolizado nem integrado imaginariamente. Aquém ou além
de qualquer limite, seria incontrolável & fora de cogitação.
A reflexão a seu respeito traz de novo o velho problema da
incompatibilidade essencial entre sujeito & objeto. Relação
impossível, por ser o segundo sobredeterminado, enquanto o
primeiro é subvertido pelo desejo.
Na metapsicologia, trata-se da base pulsional do isso,
ou id, sobre a qual se organiza o aparelho psíquico. Para Freud,
a diferença sexual anatômica era a referência-mor. Todavia,
foi o lugar outorgado ao trauma no começo da psicanálise:
aquilo que, por irromper de repente & sem razão, não permite
nenhuma defesa eficaz.

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LF: Os registros são autônomos? Como se dão entre si?


OS: Os 3 Mosquiteiros! Um por um & Uno para todos! Todos
diferentes, unidos na sua heterogeneidade por obra & graça
de um nó específico, chamado borromeano. Três círculos fi-
cam entrelaçados do jeito certo, em torno de uma propriedade
pragmática: cortando qualquer deles, os outros dois não ficam
juntos, desfazendo a estrutura topológica. Este tipo de laço
é útil para perceber as concatenações & suas lógicas próprias,
evitando que sejam considerados por separado, pois funcionam
em uníssono. Por ter cada um o devido status, nenhum deles
teria maior ou menor hierarquia que os outros, atuando de
maneira conjunta & se limitando reciprocamente.
LF: Tudo bem, mas, como é que a psicanálise vira semiótica?
OS: A semiótica de extração psicanalítica parte de três
ordens de existência que, embora distintos, conformam
as matrizes da linguagem & do pensamento: as palavras,
as imagens & as coisas. São os elementos constitutivos do
mundo humano. Nossa natureza é complexa, nada natural.
As palavras são equívocas; as imagens são aparências; as coi-
sas são concretas. Significantes, significados, referentes. No
Simbólico, o significante representa um sujeito para outro
significante, no dizer de Lacan; no Imaginário, o significado,

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que só faz sentido quando consciente; no Real, o referente,


impossível porque profundamente perdido, segundo Freud.
Para além do sensível, nem tudo é simbolizável...
A estrutura da realidade humana é tridimensional.
A subjetividade decorre da articulação entre a matéria, as
formas & a significação. Ainda que a amarração psíquica
dos registros seja única & peculiar para cada um, segun-
do a própria história & destino, há uma dimensão comum,
que permite que os falantes de uma mesma língua partilhem
sentidos coletivos, experimentando a vida cotidiana como
“normal”.
LF: Lembrando Deleuze, qual seria a lógica do sentido?
OS: O sentido é a resultante da junção do Simbólico com o
Imaginário, assimilando o singular de cada um com o plural
de todos. Aquilo que tem nome & forma conhecida, pode
ser compreendido & partilhado. Por oposição & contraste,
o Real, anônimo & amorfo, dispensa denominações ou reco-
nhecimentos, se impondo por poder próprio, independente
das intenções ou designações humanas. Pode-se entender a
Cultura, de maneira ampla, como uma gigantesca máquina
de produção de sentidos, por meio dos aparelhos ideológi-
cos, sejam do Estado ou da iniciativa privada. Os discursos
competentes, a doxa, o bom senso, a sensatez, o sentido

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comum... A lógica do sentido é a alienação, o preço a ser


pago por viver em sociedade. No plano subjetivo, ideias &
representações só fazem sentido quando não ofendem o
narcisismo, consolidando identidades.
LF: O que é a Semiótica Psicanalítica Sintética (SPS)?
OS: Um quadro sinóptico, de dupla entrada, que permite
estabelecer convergências & cruzamentos conceituais, a
partir dos registros. Por exemplo, o Imaginário alinhava as
categorias de Narcisismo-Imagem-Sentido-Crença, compatí-
veis sem ser sinónimos. Ao mesmo tempo, a leitura horizontal
confronta com os desdobramentos verticais, distintos.

Semiótica Psicanalítica Sintética


Registro Domínio Matríz Sitio Razão Ser
Simbólico Inconsciente Palavra Mente Saber Falante
Imaginário Narcisismo Imagem Sentido Crença Sexuado
Conheci-
Real Gozo Coisa Cérebro Mortal
mento

A topologia se ocupa da articulação dos registros da


experiência humana; a psicanálise volta-se para os domínios
do psiquismo; a semiótica, por sua vez, dirige-se às matrizes
de linguagem & pensamento; já as neurociências, aos locais
cognitivos; a epistemologia, às razões intelectuais; a filosofia,
às questões ontológicas ligadas à sexuação & à finitude.

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LF: O que se entende por Clínica da Cultura?


OS: Por ser uma disciplina heurística, a Semiótica Psicanalítica
trabalha com hipóteses retroativas & conjecturas prospectivas.
A Clínica da Cultura faz os diagnósticos, por imagens &
palavras, das ideologias da época. São considerados sinto-
mas as contradições da sociedade, seus impasses & soluções
de compromisso, cujas manifestações & latências podem
ser descritas, analisadas & interpretadas ao pé da letra. A
espetacularização do mundo contemporâneo, por meio da
proliferação das tecnologias da comunicação, discrepa com a
realidade globalizada deixando muito a desejar, considerando
as insuficiências do sistema capitalista para concretizar tudo o
que promete.
As bases teóricas para uma leitura crítica encontram-
-se no Mal-estar na cultura, de Freud; nos quatro discursos
de Lacan; nos ensaios de Zizek. Trata-se, em definitivo, da
psicanálise em expansão.
LF: Para que serve o curso Semiótica Psicanalítica – Clínica
da Cultura?
OS: Lato senso, uma especialização em... (Após o curso, o
desejo individual preenche este item.) Seu objetivo é a dis-
seminação de ideias originais, necessárias para se entender o

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século XXI, do qual fazemos parte como sujeitos históricos &


seres gozosos, capazes de aprender a sobreviver & mudar a
vida com alegria.

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