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Essa Crianca Nao e Minha So - Ela e de Todos Nos - A Educacao Das Criancas Sem Terrinha No MST

Este documento apresenta a dissertação de mestrado de Edna Rodrigues Araújo Rossetto sobre as Cirandas Infantis do MST. A dissertação discute como as Cirandas Infantis foram se constituindo como uma prática educativa vivenciada pelas crianças Sem Terra no processo de luta pela reforma agrária. As Cirandas Infantis são espaços de educação não formal mantidos pelo MST e cooperativas que buscam construir um trabalho educativo centrado na luta do movimento e nos valores humanistas e socialistas. A pesquisa analisou Cirandas Itinerantes e a Cir
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Essa Crianca Nao e Minha So - Ela e de Todos Nos - A Educacao Das Criancas Sem Terrinha No MST

Este documento apresenta a dissertação de mestrado de Edna Rodrigues Araújo Rossetto sobre as Cirandas Infantis do MST. A dissertação discute como as Cirandas Infantis foram se constituindo como uma prática educativa vivenciada pelas crianças Sem Terra no processo de luta pela reforma agrária. As Cirandas Infantis são espaços de educação não formal mantidos pelo MST e cooperativas que buscam construir um trabalho educativo centrado na luta do movimento e nos valores humanistas e socialistas. A pesquisa analisou Cirandas Itinerantes e a Cir
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EDNA RODRIGUES ARAÚJO ROSSETTO

ESSA CIRANDA NÃO É MINHA SÓ, ELA É DE TODOS NÓS: A


EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA NO MST.

Campinas - São Paulo


2009
ii
iii
DEDICATÓRIA

Aos meus pais, José Rodrigues de Araújo (in memoriam), de quem


orgulhosamente carrego as marcas e guardo imensa saudade, e Laudilina
Francisco dos Santos (ainda tão bela e jovem nos seus 85 anos), trabalhadores do
campo, semi-analfabetos, mas que nunca mediram esforços para propiciar a seus
filhos o acesso a escola e ao conhecimento.

Aos meus filhos, Ana Gabriela e Luis Pedro, que enchem minha vida de
alegria e me fazem acreditar que é possível uma sociedade de seres humanos
emancipados.

Ao Neuri Domingos Rossetto, companheiro de amor, de todos os dias e de


todas as lutas e labutas, lutador incansável contra toda forma de opressão e por
um mundo melhor, exemplo de companheirismo e de amor à humanidade.

A todas as crianças Sem Terrinha que resistem à chuva, o sol e a fome na


luta pela conquista da terra, tornando possível o sonho de uma Reforma Agrária
mais justa e solidária

Ao MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, meu grande educador,


por nutrir-me permanentemente de esperanças na possibilidade da emancipação
humana.

iv
AGRADECIMENTOS

A elaboração de uma dissertação, à primeira vista, é resultado de um


trabalho individual e solitário, mas, na verdade, requer muita solidariedade para a
sua viabilização. Muitas pessoas direta ou indiretamente contribuíram para a
realização deste estudo, algumas desconhecidas e anônimas, outras, pela
proximidade com a pesquisadora ou com o objeto de estudo, imprimiram sua
marca à realização deste trabalho, mas a participação de todas foi fundamental e
indispensável para a concretização da presente investigação. Assim, sem
classificar em importância e correndo o risco de deixar de fazer referência a
muitas pessoas, agradeço:
- A Profª Drª Ana Lúcia Goulart de Faria pela acolhida do meu projeto de pesquisa
na FE-UNICAMP e pela orientação rigorosa e competente do trabalho.
- As colegas do grupo de pesquisa GEPEDISC – pelas valiosas contribuições em
todo o processo de pesquisa.
- As Educadoras e Educadores Infantis do MST, pelas suas práticas educativas
vivenciadas no cotidiano nas Cirandas Infantis de todo o Brasil que alimentam e
nutre as crianças de esperança e possibilidades de viver outra infância no campo.
- As companheiras Adriana, Andréia, e Claudilene, pela disponibilidade para fazer
a 1º leitura do texto e pelas contribuições valorosas.
- Aos pais, as Educadoras e Educadores, aos Coordenadores do Setor de
Educação da Regional de Itapeva, pela acolhida em suas casas e pelas
informações preciosas à pesquisa.
- As crianças do assentamento na Agrovila III, pelas horas de brincadeiras, mais
também pelo processo de pesquisa que construímos durante este estudo.
- A CAPES, pela bolsa de estudos para a realização desta pesquisa.
- Ao Setor de Educação do MST do Estado de São Paulo e o Setor de Educação
Nacional pela dispensa dos trabalhos, para que eu pudesse dedicar em tempo
integral à pesquisa.

v
RESUMO

Esta pesquisa discute a Ciranda Infantil do MST - Movimento dos Trabalhadores


Rurais Sem Terra, no intuito de situar como foi se constituindo essa prática
educativa vivenciada pelas crianças, no processo de luta pela terra. A Ciranda
constitui-se em um espaço de educação não formal mantida por Cooperativas,
Centros de Formação e pelo próprio MST; que procura construir, com as crianças
Sem Terra, um trabalho educativo que prime por sua luta enquanto Movimento
contra-hegemônico que se contrapõe ao modelo capitalista neoliberal, cuja
perspectiva é a da emancipação humana, centrada no trabalho como atividade
que produz a vida, ou seja, trabalho vinculado à cooperação e à vivência dos
valores humanista e socialista. O universo pesquisado foram as Cirandas Infantis
Itinerantes que acontecem em algumas atividades do MST, tais como: cursos,
marchas, congressos etc., e ainda a Ciranda Infantil “Ana Dias” na regional de
Itapeva, Estado de São Paulo. Os procedimentos metodológicos foram definidos
no intuito de desvelar as Cirandas em seu interior, em sua natureza, e no
desenvolvimento de suas relações. A coleta dos dados se deu por intermédio da
articulação da pesquisa documental, da observação de campo e da entrevista
semi–estruturada. Para a análise dos mesmos definiu-se as seguintes categorias:
“Luta Social”, como observada nos estudos de Roseli Caldart, “Trabalho como
princípio educativo”, como defendido pelo professor Luiz Carlos de Freitas e
Gaudêncio Frigotto, e a categoria da “Auto-organização”, como presente nos
trabalhos do pedagogo russo Pistrak. Os resultados da pesquisa indicam que as
contradições existentes no MST, situam-se na relação com a propriedade privada,
na relação com o Estado burguês e no modo de vida dos(as) assentados(as).
Apesar destas contradições, as Cirandas Infantis apresentam possibilidades das
crianças engajarem-se, desde bem pequenas, na luta pela terra. Luta que, como
compreendida pelo Movimento, não se encerra com a conquista da terra, visto ser
a primeira de muitas outras lutas para a transformação dessa sociedade
capitalista. As Cirandas Infantis, portanto, se configuram em espaços de
construção do coletivo infantil, no qual as crianças aprendem a dividir o brinquedo,
o lápis, o lanche, a compartilhar a vida em comunidade, e, neste sentido, soma-se
às crianças quilombolas, indígenas, ribeirinha e às sem tetos, na luta contra as
desigualdades sociais, multiplicando assim as vitórias coletivas e, enchendo o
campo e a cidade de alegria, sonhos, utopia e de possibilidade de construir uma
sociedade mais justa para todas as crianças e adultos(as) desse país.

Palavras – chave: Ciranda Infantil; Educação Infantil; Criança Pequena;


Movimento Social, Educação do Campo; Educação não Formal.

vi
ABSTRACT

This research discusses the "Children's Ciranda" of the MST (Landless Rural
Workers' Movement) with the objective of contextualizing how this educational
practice experienced by the landless children in the struggle for the land was built.
The "Ciranda" is a non-formal educational space kept by the Cooperatives,
Educational Centers and by MST itself, in order to build, along with the Landless
children, an educational work that stands out for its struggle as counter hegemonic
movement opposed to the neo-liberal capitalist model. Its perspective is that of
human emancipation, based on the concept of the work that produces life, that's to
say, work linked with cooperation and humanistic and socialist values. The
researched universe was the itinerant "Children's Ciranda" that takes place during
some activities of the MST, such as courses, marches, congresses, etc., and the
"Children's Ciranda Ana Dias" in Itapeva Region, in São Paulo State. The
methodological procedures were defined with the intention of revealing the
"Cirandas" from the inside, in its nature, and the development of its relations. Data
collection was done through the articulation of documentation research, field
observation and semi-structured interviews. The following categories were defined
for the data analysis: "social struggle" as observed in the studies of Roseli Caldart,
"Work as an educational principle", and as defended by the professor Luiz Carlos
de Freitas and Gaudêncio Frigotto, and the category "Self Organization", as
present in the works of the Russian educationalist Pistrak. The results of the
research indicate that the existing contradictions within MST are placed in the
relation with the private property, with the Bourgeois State and the settled people's
way of life. Despite these contradictions, the "Children's Cirandas" mean the
possibilities that the children, since very early age, become committed to the
struggle for the land. Struggle that, as it is understood by the MST, doesn't end
with the conquest of the land. This is so because it is just the first of many other
struggles to the transformation of this capitalist society. The "Children's Cirandas"
are spaces for the construction of the children's collective, in which they learn to
share their toys, their pencils, their snacks, they learn to share life in community,
and in this sense, they join with the quilombola children, indigenous children,
homeless children and riverside children to fight injustice and social inequality,
multiplying the collective victories and, filling the rural and urban area with joy,
dreams. utopias and possibilities of building a fair society to all children and adults
in this country.

Key words: Children's Ciranda, Childhood education, Young children, Social


Movements, Education in Rural Area, Non-formal Education.

vii
LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação


CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
CECF - Conselho Estadual da Condição Feminina
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
COOPAVA – Cooperativa de Produção Agropecuária Vó Aparecida
CPAs - Cooperativa de Produção Agropecuária
CPT - Comissão Pastoral da Terra
DER - Departamento de Educação Rural
ECA- Estatuto da Criança e Adolescente
EJA - Educação de Jovens e Adultos
ENERA - Encontro Nacional dos Educadores e das Educadoras da Reforma
Agrária
ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes
FIPE- Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FUNDEP - Fundação de Desenvolvimento Educação e Pesquisa da Região
Celeiro
GT - Grupo de Trabalho
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
ITERRA - Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária
LDB – Leis Diretrizes e Base
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens,
MASTER - Movimento dos Agricultores Sem Terra
MEC - Ministério de Educação e Cultura
MMC - Movimento de Mulheres Camponesas

viii
MPA - Movimento dos pequenos Agricultores
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
OCAP - Oficina de Capacitação Pedagógica
ONGs - Organizações não-governamentais
PJR- Pastoras da Juventude Rural
PNERA- Pesquisa Nacional das Áreas de Reforma Agrária
PPP – Projeto Político Pedagógico
PRONERA – Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária.
SCA - Sistema Cooperativista dos Assentamentos
STR - Sindicatos de Trabalhadores Rurais
TAC - Técnico de Administração em Cooperativas
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
UDR - União Democrática Ruralista
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UFG - Universidade Federal de Goiás
ULTABs - União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
UNB - Universidade de Brasília
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNICAMP – - Universidade Estadual de Campinas
UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
USP - Universidade de São Paulo.

ix
SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INCIAIS....................................................................................1
O OBJETO, O PROBLEMA E A HIPÓTESE......................................................5
OS OBJETIVOS.................................................................................................7
A PESQUISADORA E O OBJETO DE PESQUISA...........................................8
OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................................12

1 – A LUTA PELA TERRA E PELA EDUCAÇÃO NO MOVIMENTO DOS


TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST........................................20
1.1 - A RETOMADA DA LUTA PELA TERRA..................................................23
1.2 - A EXPANSÃO DO MST PARA OUTRAS REGIÕES ALÉM DO
SUL........................................................................................................25
1.3 - A CONSOLIDAÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA – OS ENCONTROS DOS SEM
TERRINHA.............................................................................................30
1.4 - REFORMA AGRÁRIA: UMA LUTA DE TODOS – COM ESCOLA, TERRA
E DIGNIDADE......................................................................................43
1.5 - ALGUNS PERCURSOS A SEREM REALIZADOS – NOVOS ALIADOS,
OUTRAS LUTAS..................................................................................64

2 – A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA LUTA PELA TERRA......................76


2.1 – AS CRIANÇAS NO PROCESSO DE LUTA PELA TERRA – O
ACAMPAMENTO..................................................................................76
2.2 – A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NO TRABALHO DAS
COOPERATIVAS – AS CIRANDAS PERMANENTES DO
MST......................................................................................................87

x
2.3 – AS MULHERES NAS INSTÂNCIAS DO MOVIMENTO – AS CIRANDAS
ITINERANTES DO MST.......................................................................97
2.4 – CONSTRUINDO OUTROS ESPAÇOS NAS CIRANDAS INFANTIS –
“PARQUE INFANTIL ALTERNATIVO”...............................................117
2.5 - O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS EDUCADORES E
EDUCADORAS INFANTIS NO MST...................................................120

3 – O PROCESSO PEDAGÓGICO DA CIRANDA INFANTIL “ANA


DIAS”.......................................................................................................129
3.1 – CONHECENDO A REGIONAL DE ITAPEVA.................................129
3.2 – A CIRANDA INFANTIL PERMANENTE “ANA DIAS”......................134
3.2.1 – A organicidade e o cotidiano da Ciranda Infantil....................138
3.2.2 – O brincar na Ciranda Infantil “Ana Dias”................................147
3.3 – A ORGANIZAÇÃO COLETIVA DOS SEM TERRINHA – O NÚCLEO
CHE GUEVARA..................................................................................155
3.3.1 - A apresentação musical para a comunidade..........................157
3.3.2 – O futebol entre as crianças.....................................................159
3.3.3 – A preservação das nascentes................................................159
3.4 – O DIA CULTURAL NA CIRANDA INFANTIL “ANA DIAS”...................162
3.5 – A COMUNIDADE E AS CRIANÇAS – A JORNADA
PEDAGÓGICA....................................................................................164

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................180

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................187

ANEXOS ..............................................................................................................196
ANEXO A - CARTA DOS SEM TERRINHA AO
MST.........................................................................................196

xi
ANEXO B - CARTA DOS SEM TERRINHA DO RIO GRANDE DO SUL
AOS SEUS PROFESSORES..................................................198
ANEXO C - CARTA DO SEM TERRINHA PARA A COMUNIDADE
ASSENTADA DA AGROVILA III E GESTORES PÚBLICO DO
MUNICÍPIO DE ITABERÁ........................................................200
ANEXO D - LETRA DAS MÚSICAS QUE AS CRIANÇAS MAIS
CANTARAM DURANTE O PROCESSO DA
PESQUISA...............................................................................203
ANEXO E - LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES...........207
ANEXO F – JORNAL DO NÚCLEO CHE GUEVARA...........................216

xii
“MANIFESTO DOS SEM TERRINHA AO POVO BRASILEIRO.” 1

Somos os Sem Terrinha, estivemos reunidos nos dias 12,13 e 14 de


outubro de 1996, discutimos a situação da criança no campo. Fazemos parte do
MST e, junto com nossos pais, lutamos pela Reforma Agrária. Somos frutos de
uma nação que não se importa com nosso futuro, somos frutos do amor de nossos
pais, que se preocupam com a gente. Por isso, moram nos acampamentos, às
vezes, passam muitas necessidades. Mas, sabemos que tudo isso é para não
deixar a gente debaixo da ponte, perdido nas ruas, pedindo esmola, se
prostituindo, roubando ou fazendo iguais àquelas crianças que vimos um dia na
esquina com o nariz num saquinho; falaram para nós que era cola. Nós queremos
sentir o cheiro das flores, do campo, da terra tombada, colo acolhedor de nossas
mães, da chuva caindo na terra fazendo brotar a semente.

Nosso pai diz que a terra é nossa mãe e dela que sai o nosso sustento. É
ela que nos abraça sem sentirmos e quando ela produz é porque seus filhos são
bons, e têm o dom de tirar dela o feijão, o arroz, os legumes e tudo aquilo que é
importante para nós crescermos saudáveis. Onde nós moramos existem muitos
filhos maus que deixam a terra abandonada, sem carinho; não gostamos deles,
eles são maus, são fazendeiros com espírito assassino que roubam a terra, estão
acabando com a terra e querem matar nossos pais que quer plantar e dar vida
para aquelas terras abandonada. Eles são violentos e não gostam de ver a terra
produzindo, por isso, tombaram a plantação que nossos pais fizeram.

Quando a polícia chega aos nossos acampamentos, todas as crianças


ficam com medo, porque, algum tempo atrás, eles mataram 19 pais, numa cidade
chamada Eldorado dos Carajás. A gente chora muito, porque não queremos que
matem nossos pais.

1
Texto retirado do arquivo de atividades do Setor de Educação do Estado de São Paulo

xiii
Os nossos pais gostam da terra e trabalham bastante – o dia inteiro – eles
ainda arrumam um tempinho para brincar com a gente. Se os nossos pais fossem
bandidos, não trabalhavam, nem estariam lutando para conseguir terra para nela
produzir. A gente pensava que a polícia era para prender ladrão e matadores, mas
descobrimos que isso não é verdade, porque foi a polícia que matou o pai dos
nossos amiguinhos, e até agora, ninguém foi preso, nem mesmo tal governo
chamado Almir Gabriel, que, segundo a gente ouviu, foi quem mandou matar
aqueles companheiro

Uma amiga nossa disse que no acampamento dela tem jagunço impedindo
os companheiros de trabalhar na terra; eles deram tiros para amedrontar as
famílias e, acabaram acertando uma moça da televisão. Essa amiga nos contou,
também, que levou uma cesta de flores a um deles, que abaixou a cabeça como
se fosse chorar, agarrando uma espingarda enorme, da altura de nossa amiga.

Outro amigo contou para nós que o pai dele já conseguiu a terra, eles
trabalham na cooperativa, têm casa, escola bonita, muitas frutas, têm até trator!
Mas, ele disse que todos tiveram que lutar muito para conseguir tudo isso, nossos
pais estão sempre lutando e nós também vamos lutar. Nossos pais falam que
vamos produzir bastante para alimentar todo o povo, mas muitos de nossos
amigos falam que é difícil vender a produção, porque o governo não ajuda em
nada, eles têm que ir às rodovias vender o que produziam para ajudar os pais.

Criaram o Estatuto da Criança e do Adolescente, que no nosso encontro,


nós lemos, discutimos, e ficamos sabendo dos nossos direitos e também deveres.
Só não sabemos, porque não são cumpridos; tem um monte de coisas bonitas
escritas: direito à alimentação, à saúde, à educação, à moradia; mas, achamos
que seria mais bonito se tudo isso fosse verdade, por isso, nós „Sem Terrinha‟
vamos para a rua exigir nossos direitos.

xiv
O presidente fala na rádio e na televisão que faz a reforma agrária, nossas
avós falaram que outros também diziam a mesma coisa e nunca fizeram nada, o
tempo passa e ninguém faz nada. Nós „Sem Terrinha‟ queremos a terra e
condições para produzir, queremos a reforma agrária, porque sonhamos com um
futuro melhor, uma vida mais digna.

Quando a gente ouvia, no acampamento, nossos pais falarem em reforma


agrária e todas aquelas palavras que falavam da luta de nossas famílias,
achávamos muito difícil, hoje, já estamos nos acostumando com elas e estamos
vendo que não são muito simples. É difícil a gente entender por que “eles” não
repartem logo a terra para a gente plantar. Queremos construir um Brasil melhor,
queremos brincar sem medo da violência, queremos estudar, ter direito a tudo
aquilo que está escrito no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por isso, convidamos todo povo! Menino, menina, pai, mãe, avó, avô e
jovens. Vamos fazer a reforma agrária?! A gente não pode esperar que as
crianças do nosso país morram de fome.

Nós não temos uma casa grande, nossos pais não têm um carro bonito,
nossa mãe não tem uma mão lisa, nossos pais têm o rosto queimado pelo sol e a
mão calejada de tanto trabalhar, nós andamos de pés no chão, mas, mesmo
assim, nos orgulhamos por sermos organizados; por nossos pais não serem
covardes; por nossas mães estarem juntas na luta e nós crianças sentirmos que
somos filhos da luta pela terra; sem medo de dizer: somos trabalhadores sem terra
e queremos garantir nosso futuro, queremos garantir o futuro de nosso país.

“Reforma Agrária: Uma Luta de Todos e dos Sem Terrinha Também”

xv
CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Para o MST, investir em educação é tão importante quanto o


gesto de ocupar a terra. Um gesto, aliás, que se encontra no
centro da pedagogia do Movimento. Aqui, educar é o aprendizado
coletivo das possibilidades da vida. As dores e as vitórias são
faces e contrafaces do mesmo processo.
Pedro Tierra

Este trabalho foi produzido em um contexto sócio-histórico marcado por


profundas contradições e crises – não apenas em sentido conjuntural, mas também
estrutural –, na base do funcionamento do sistema capitalista internacional, as quais se
refletem nas políticas governamentais e provocam tencionamentos nas relações
sociais. Além disso, há um processo perverso de criminalização dos movimentos
sociais que ousam lutar contra este sistema. O exemplo mais evidente disso é o
fechamento das Escolas Itinerantes no Estado do Rio Grande do Sul, deixando mais de
300 crianças acampadas sem estudar.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)2 se caracteriza como


Movimento contra-hegemônico ao modelo capitalista neoliberal. Para materializar essa
contraposição e construir outra alternativa de organização da vida humana, o
Movimento desenvolve ações em vários setores, entre as quais destacamos: o
investimento em projetos educacionais, como elemento tático para a construção do
projeto histórico - socialista.

Neste estudo, procuramos compreender o processo histórico da Ciranda Infantil


no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, através das experiências
educativas desenvolvidas nas Cirandas Infantis permanentes e itinerantes nos
assentamentos e acampamentos.

2
Ao me referir ao MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, utilizarei a palavra
Movimento, com M maiúsculo ou MST, com todas as letras maiúsculas.

1
As Cirandas Infantis constituem um espaço de educação não formal; 3 elas são
mantida por Cooperativas, Centros de Formação e pelo próprio MST, o qual procura
construir – com as crianças Sem Terra – um trabalho educativo que prime por sua luta.
Assim, procuramos apontar contradições, possibilidades e limites, a partir do contexto
histórico da educação do MST e da luta pela Reforma Agrária. Buscamos compreender
as crianças sem terra, por meio de seus sonhos, seus pensamentos, suas brincadeiras,
sua utopia e sua visão de mundo.

Atualmente, observa-se que, no Brasil, a infância é tematizada em várias áreas


do conhecimento e, por isso, uma pesquisa desse tipo é de natureza interdisciplinar,
fazendo-se presente, cada vez mais, entre aqueles que pensam a criança, como
sujeito, ou seja, um ser presente na construção da história e da cultura. Porém, este
estudo tem sua ênfase na área da Sociologia, buscando compreender a infância na sua
coletividade.

As crianças com as quais desenvolvemos esta pesquisa são sujeitos que


constroem e vivem sua história de vida. Elas participam diretamente no processo de
luta pela terra juntamente com toda a sua família. Mas também, são crianças que
cantam, brincam, pulam, gritam, choram, brigam com seus colegas.

A escolha da Regional de Itapeva, no Estado de São Paulo 4, para a realização


deste estudo foi em função das várias atividades que vem sendo desenvolvidas com as
crianças há algum tempo. Com base neste fato delineamos o campo de pesquisa e
também os instrumentos da coleta de dados deste estudo. A partir disso, conversamos

3
Para o MST educação não formal é aquela que não está vinculada ao sistema educacional do
país e a educação formal é a oficial do país. Neste sentido, a prática educativa das Cirandas Infantis não
constitui uma política pública de Estado. Ela apresenta elementos significativos para a construção de
uma política pública de educação infantil do campo.
4
No Estado de São Paulo o MST está organizado em 10 regionais, são elas: Iaras, Campinas,
Vale do Paraíba, Grande São Paulo, Ribeirão Preto, Itapeva, Sorocaba, Promissão, Andradina, Pontal e
para melhor conhecimento da regional escolhida para pesquisa, faremos aprofundamento no III capitulo.

2
com a direção do setor de educação, com os pais e as mães, com as crianças, com as
educadoras e os educadores da Regional.

Na conversa com a direção apresentamos a pesquisa, que foi bem aceita. O


conjunto de dirigentes colocou-se à disposição para colaborar da melhor maneira
possível. Também colocaram suas casas à disposição para que pudéssemos nos alojar
durante a pesquisa de campo. A partir desta conversa, colocaram a preocupação com a
formação de educadores e educadoras5 da regional e propuseram nossa participação
em alguns momentos da formação destes. Então, propomos que poderíamos combinar
para que, estes estudos fossem antes ou depois de cada estadia em campo. Assim,
participamos, algumas vezes, dos debates com os educadores e as educadoras da
Regional, como por exemplo, na construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da
Escola do Campo; nas discussões sobre a Educação do MST e sobre a Educação do
Campo.

Na conversa que realizamos com as mães e os pais das crianças falamos da


pesquisa e da nossa intencionalidade de entrevistar e fotografar as crianças. Para isso,
pedimos uma autorização, de todos e todas, para usarmos as falas das crianças, tanto
as colhidas em forma de diálogo, nas brincadeiras e em outros espaços educativos,
quanto em entrevistas.

Essa conversa com os pais e as mães teve seu início numa das reuniões da
Ciranda Infantil. Estes foram muitos solícitos e ficaram bem curiosos, pois, segundo
eles, era a primeira vez que uma pesquisadora lhes pedia autorização. Mas, para não

5
Até 1996, o MST utilizava a terminologia “monitor” para identificar a pessoa que desenvolvia um
trabalho de educação nas áreas de assentamentos, principalmente, na EJA – Educação de Jovens e
Adultos. Este termo “monitor” foi questionado várias vezes por Paulo Freire. Neste sentido, ele levou o
Movimento a refletir sobre o significado do termo “Educador Social”, pois este implica no pertencimento a
uma classe social e, também, no pertencimento ao Movimento Sem Terra. Assim, a partir de 1997 no
MST, começamos a denominar de “Educador e Educadora” todos e todas que desenvolvem o trabalho
com a Educação no MST, mesmo os que têm uma formação de Nível Médio ou Superior.

3
atrapalhar a pauta da reunião, marcamos outra data para falar sobre a pesquisa e,
também, sobre a infância no assentamento. Depois desta reunião marcamos com cada
um deles a assinatura da autorização e também marquei as entrevistas com alguns pais
e mães, principalmente aqueles que têm crianças que freqüentam a Ciranda Infantil.

Já com as Educadoras e Educadores apresentei o tema da pesquisa e a minha


intencionalidade de acompanhar o cotidiano das crianças na Ciranda Infantil. Estas
reforçaram a necessidade de participar na formação dos Educadores e Educadoras da
Regional. Elas se colocaram à disposição para contribuir na pesquisa. Marcamos as
entrevistas com as Educadoras e alguns dias para realizarmos as observações do
cotidiano na Ciranda Infantil.

A pesquisa com as crianças foi bem aceita, todas queriam participar e dar
informações sobre suas brincadeiras, suas músicas preferidas, etc. Houve momentos
em que estava entrevistando uma criança, outras apareciam e acabavam participando.
É importante ressaltar que as falas das crianças que compõem este texto grande parte
foram colhidas durante as brincadeiras as quais participei juntamente, e também nas
semanas que realizei a observação de campo6. Outras falas foram coletadas depois de
cada atividade pedagógica que participamos, tais como: a Jornada pedagógica, o Dia
cultural, o Encontro dos Sem Terrinha, etc. Como havíamos delimitado que este estudo
seria com as pequenas, de 0 a 6 anos, fomos criando laços de confiança. Isso não quer
dizer que as crianças maiores passaram despercebidas no processo de pesquisa,
muitas vezes elas participavam relatando várias informações importantes.

Este espaço das brincadeiras foi muito significativo, pois estabeleceu uma
aproximação e uma cumplicidade entre a pesquisadora e as crianças. Hoje, cada vez

6
A observação de campo foi realizada no ano de 2007. Em cada mês deste ano, uma semana
era dedicada a observação das crianças no assentamento. Concomitante as observações foram feitas
as entrevistas.

4
que chegamos ao assentamento, somos recebidas pelas crianças com sorrisos,
abraços, beijos e convites para brincar.

O objeto, o problema e a hipótese

A base social do MST é composta de homens, mulheres, crianças, jovens,


adolescentes e idosos. Esses sujeitos fazem parte de uma população, que em sua
maioria, não tem acesso a direitos básicos, tais como: educação, saúde, lazer,
descanso, crédito, trabalho e outros. Portanto, a conquista da terra é o primeiro passo
para a grande caminhada em direção à construção de um novo ser humano em todas
as dimensões. Isto tem se apresentado à organização como um enorme desafio,
exigindo um investimento grandioso no sentido da preparação desse novo ser humano
que se almeja para outro projeto de sociedade.

Ao longo dos seus 25 anos, o MST tem organizado escolas em todos os


assentamentos e acampamentos do Brasil, debatendo e implementando uma
pedagogia própria aos interesses dos trabalhadores do campo. Além das escolas, o
Movimento desenvolve diversas atividades formativas para a população dos
acampamentos e assentamentos, apresentando uma diversidade de experiências
educativas em diversos espaços.

Entretanto, o MST está organizado no bojo da sociedade capitalista, por isso, o


desenvolvimento de suas ações não se dá de forma linear, mas no contexto das
disputas, tensões e contradições próprias dessa sociedade. Se por um lado é
equivocado afirmar que as ações do Movimento se limitam apenas à conquista de
direitos no marco da sociedade capitalista, por outro, é também equivocado afirmar que
o Movimento não tem, por meio de suas experiências educativas, acumulado forças
para a construção do projeto histórico-socialista.

5
O MST investe na educação da sua base social, desde a educação infantil até o
nível superior. Isto significa preparar pessoas para assumir o trabalho de romper com a
lógica do capital. Com esta compreensão, aliada ao compromisso ético e político,
delimitamos o objeto de investigação: A educação vivenciada pelas crianças pequenas
nas Cirandas Infantis do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, trazendo
suas contradições e possibilidades no contexto de luta pela terra.

No Estado de São Paulo, as Cirandas Infantis surgem em 1989, a partir da


organização das Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs), tendo como objetivo
a elevação de renda das famílias e, nesse sentido, a participação das mulheres no
processo produtivo seria essencial. Ou seja, as Cirandas Infantis surgem vinculadas
com as atividades econômicas nos assentamentos do MST. Foi desta iniciativa que, no
ano de 1996 o MST fez as primeiras discussões sobre a educação como um dos
direitos dos pequenos em nível nacional.

Consideramos a relevância do projeto educativo do Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), seus princípios filosóficos e pedagógicos que
são vinculados à estratégia geral do MST. Assim sendo, traçamos a questão norteadora
desta pesquisa que foi analisar a experiência das Cirandas Infantis organizadas pelo
MST, trazendo as contradições, mas, também as possibilidades concretas e essenciais
para a construção de uma educação emancipadora, sendo que as relações sociais
estabelecida na sociedade capitalista são antagônicas ao projeto do MST? Como o
trabalho pedagógico das Cirandas Infantis nos assentamentos, centros de formação,
marchas, reuniões, congressos, etc. contribuem para a formação das crianças sem
terra na perspectiva da emancipação humana?
Levantamos a hipótese de que as Cirandas Infantis, desenvolvidas pelo MST, no
Estado de São Paulo, tem seu inicio, em função da participação das mulheres no
processo produtivo do assentamento e nas instâncias da organização. E que, ainda
hoje, existem estes traços nas Cirandas Infantis apontados pelas contradições vividas
nos assentamentos, como também, existem, no seu interior, indicadores de
6
possibilidades, que em situações objetivas, propiciam o acúmulo de forças para a
superação dessas contradições.

Os objetivos

Esta pesquisa tem como objetivo investigar a Ciranda Infantil no MST. Para isso,
consideramos este Movimento, como fruto das contradições geradas pelo capitalismo.
Nesse contexto, procuramos compreender a Ciranda Infantil no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra a partir das práticas pedagógicas desenvolvidas como
uma alternativa de educação infantil do campo.

Para materializar o objetivo geral estabelecemos objetivos intermediários, entre


os quais se destacam:
a) Situar como foi se constituindo a Ciranda Infantil no MST, por meio das
experiências educativas vivenciadas pelas crianças, no processo de luta pela
terra.
b) Compreender as contradições presentes nas experiências, reconhecendo os
traços essenciais no trabalho pedagógico, nas Cirandas Infantis Itinerantes e
na Ciranda Infantil Permanente “Ana Dias,” no Assentamento da Agrovila III,
Regional de Itapeva Estado de São Paulo.
c) Analisar as práticas pedagógicas das Cirandas Infantis, numa perspectiva de
educação emancipatória, buscando identificar as contradições e possibilidades
que contribuem para a construção de outras experiências de educação infantil
do campo.

A partir desses objetivos, em capítulos subseqüentes descrevemos e analisamos


a história das Cirandas Infantis do MST. Importa ressaltar a relevância de registrar essa
experiência, pois na história brasileira não conhecemos nenhum outro Movimento
Social, que anteceda o MST, que tenha se preocupado com educação dos filhos e

7
filhas de sua base social. Nosso entendimento é que ao analisar a experiência vamos
também trazer os sujeitos e o modo como se organizam para produzir a vida, como
também às contradições vivenciadas por eles na sociedade.

A pesquisadora e o objeto de pesquisa

Nascida e criada no campo, no município de Caravelas – Bahia, ainda, hoje,


trago as marcas das culturas camponesas traduzida no trabalho coletivo por meio dos
mutirões, da partilha, da vida na comunidade, dos gestos de solidariedade, das festas
da colheita. Ao lado do trabalho na roça que realizei meus estudos de educação básica.

Em 1980, quando terminei o Ensino Médio Técnico em Contabilidade, fui


trabalhar como educadora em uma cidadezinha do município de Prado - BA. Trabalhei
cinco anos como educadora do Ensino Fundamental Nível I. Em seguida, transladei-me
à Teixeira de Freitas – BA e tive a oportunidade de trabalhar com crianças e
adolescentes em uma das escolas deste município. Nesse período, também me filiei ao
Sindicato dos Educadores da região.

Lembro-me que fazíamos a formação sindical dos educadores em alguns


municípios vizinhos nos finais de semana. Com o passar do tempo, fui eleita juntamente
com outras companheiras, para compor a direção do Sindicato. Em 1990, houve
eleições municipais. O novo prefeito demitiu boa parte dos professores de esquerda,
inclusive toda a direção do sindicato, que, também, era composto por educadores da
rede municipal.

Depois disso, fui convidada pelo Coletivo Estadual de Educação do Movimento


dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, da Bahia, para ser a educadora no Assentamento
1ª de Abril. Aceitei a proposta numa perspectiva de poder vivenciar uma nova

8
experiência. Porém, sabia que muitos desafios me esperavam. Mas, também, estava
ciente das possibilidades em superá-los.

Ter aceitado este convite significou a busca por algo novo à minha formação e
para o meu trabalho como educadora. Enfrentando os novos desafios, a vivência
coletiva em realidades diferentes das quais estava acostumada no meu cotidiano
ajudou-me a inovar nas minhas experiências pedagógicas. Assim, comecei a trabalhar
como educadora no Assentamento 1ª de abril, no município de Prado, e estava disposta
a construir novos conhecimentos e a contribuir dentro das minhas possibilidades com o
Setor de Educação no Estado da Bahia.

No MST, a formação dos educadores das áreas de Acampamentos e


Assentamentos sempre foi prioridade. Por isso, participei de vários cursos, tanto em
nível nacional, quanto estadual, regional e local. Destaco alguns que tiveram uma
relevância significativa na minha trajetória de educadora nas áreas de assentamento e
que influenciaram a minha experiência pedagógica, são eles: Oficina de Capacitação 7
Pedagógica dos Educadores Assentamentos – OCAP8- realizada no assentamento de
Pip Nuck, no município de Nova Venécia, no Estado do Espírito Santo, em outubro de
1993. Outro importante curso de formação foi o 1º Curso de Pedagogia do MST 9, em
Belo Horizonte que tinha como objetivo produzir material pedagógico para subsidiar as
práticas dos educadores e educadoras das escolas de assentamentos e
acampamentos. Depois desse curso fiz o magistério, em Braga no Rio Grande do Sul,
em parceria com a FUNDEP- DER10, cujo período de duração foi de 1994 a 1996. Nele,
foi introduzido o TCC – Trabalho de Conclusão de Curso. O meu trabalho foi sobre a

7
Neste período, no MST, ainda denominava-se a formação continuada dos educadores e
educadoras de Capacitação Pedagógica.
8
Para melhor aprofundamento sobre o assunto ver Educação em Movimento: Formação de
Educadores e Educadoras no MST, Editora Vozes, 1997, Roseli Caldart.
9
Este curso não é um curso regular como os cursos de pedagogia da terra, pois este se deu nos
moldes mais de formação de educadores e também de produção de material para as escolas de
assentamentos e acampamentos.
10
FUNDEP: Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa da Região Celeiro do Estado,
com sede na cidade de Três Passos - RS, criada, em 1989, pelos Movimentos Sociais do Campo.

9
experiência de Educação Infantil que desenvolvíamos no Assentamento 1º de abril,
intitulado: Reforma Agrária uma Luta de Todos: dos Pequenos também.

O desejo e a necessidade de aprofundar-me nos estudos a fim de entender


melhor o Projeto Educacional que o Movimento Sem Terra desenvolve com as crianças,
em cada Assentamento e Acampamento deste país, são cada vez mais fortes. Com
este intuito, continuei na busca pelo saber, assim sendo, fui educanda do 1º Curso de
Pedagogia da Terra do MST, em parceria com UNIJUI, em Ijuí, Rio Grande do Sul.

Este curso foi importante, pois tive a oportunidade de aprofundar diversos


conteúdos. Outro fator muito importante foi à própria Ciranda Infantil do curso, que, em
seu funcionamento, apontou vários limites, tais como: a organização do espaço, o
planejamento da ciranda, o limite da universidade em entender por que as crianças
vinham com as mães, etc. Esta ciranda foi um laboratório para a construção e
desconstrução de muitas afirmações no pensamento da educação infantil no MST.

Com o desejo de me aprofundar mais sobre a criança sem terra, aproveito o


curso e desenvolvo meu trabalho monográfico na área da infância sob o título: Da
Pedagogia do Movimento: Ao Movimento da Infância Sem Terra. Este trabalho foi
realizado nos assentamentos da Regional de Itapeva, no Estado de São Paulo. A
proposta deste trabalho era entender por que tínhamos tantas dificuldades em dar
continuidade ao processo educativo com as crianças sem levar em conta as
aprendizagens delas na educação infantil.

Na pesquisa, vou percebendo o enorme desafio que consiste em aprofundar a


concepção de infância em outras áreas do conhecimento, como: na filosofia,
antropologia, sociologia, pois, até então no Movimento, tínhamos centrado nossos
estudos na área da psicologia. Isso não quer dizer que as pesquisas de uma área são
melhores ou piores que as outras, mas cada uma delas tem elementos importantes que
contribuem na construção da concepção da infância sem terra.
10
Assim, foi se construindo minha militância no Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. Neste período, outros desafios foram sendo colocados para nós do
Coletivo de Educação Infantil. Um deles foi a construção do Caderno nº. 12, com o título
de Educação Infantil: Movimento da Vida, Dança do Aprender. Nele, fui uma das
organizadoras e, também, participei do coletivo da construção do seu texto. O coletivo
de educação nacional levou certo tempo para edição deste material, pois, além de ser
um material construído coletivamente, como todo material do Setor de Educação, este
tinha que expressar toda experiência e concepção de educação infantil no MST.

Continuei com meus estudos, com muitas dificuldades, limitações, possibilidades


e, acima de tudo, muitas perguntas. Em novembro de 2003, iniciei o Curso de
Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento, organizado pelo MST em
parceria com a UnB – Universidade Estadual de Brasília11. As educandas e educandos
deste curso vieram de vários movimentos sociais do Campo, como: o MAB - Movimento
dos Atingidos por Barragens, o MPA - Movimento dos pequenos Agricultores, a CPT -
Comissão Pastoral da Terra, entre outros.
Mais uma vez, meu olhar como pesquisadora se voltou para as crianças e a
minha pergunta era: Qual era a formação continuada desenvolvida com os educadores
e educadoras das escolas do campo? Como esta formação contribuiria para a melhoria
de sua experiência pedagógica no cotidiano com as crianças do campo?
Sendo assim, meu trabalho foi dirigido ao universo da formação, no cotidiano dos
educadores e educadoras, de uma escola de educação básica. A escola escolhida foi a
Escola do Campo Hermínio Pagôtto, no assentamento Belo Vista, no município de
Araraquara12. Nesta pesquisa, ficou claro que o elemento que impulsionava a formação

11
Este foi o primeiro curso de Especialização em educação do campo. Tinha educandos e
educandas de vários movimentos sociais tais como MPA- Movimento dos Pequenos Agricultores, MAB-
Movimento dos Atingidos por Barragens, CPT – Comissão Pastoral da Terra, MST - Movimento dos
Trabalhadores Rurais , etc.
12
Esta escola tem o seu Projeto Político Pedagógico norteado pelos princípios da educação do
campo e já foi premida duas vezes pela fundação Getúlio Vargas por desenvolver uma das melhores
políticas públicas em escolas do campo.

11
no cotidiano dos educadores e educadoras era o Projeto Político Pedagógico, além dos
cursos de formação continuada, proporcionados pela prefeitura daquele município. O
meu trabalho de conclusão de curso está intitulado: Os Processos de Formação dos
Educadores e Educadoras das Escolas do Campo: Uma Análise da Experiência na
Escola Hermínio Pagôtto.
Desse modo, o interesse por este objeto de pesquisa surgiu a partir dessa
trajetória histórica como sujeito participante do processo de luta pela terra e da minha
participação nas experiências de educação desenvolvidas pelo MST – desde os
processos de mobilização pelo acesso à escola até as contribuições na construção
coletiva da proposta pedagógica do referido Movimento.

Atualmente, exerço, juntamente com um coletivo, a coordenação da frente de


educação infantil nacional, e, no Estado de São Paulo, faço parte do Setor de
Educação, contribuindo nas discussões, principalmente, na formação dos Educadores e
Educadoras da Infância Sem Terra.

Os procedimentos metodológicos

Os procedimentos metodológicos foram sendo delineados e estabelecidos,


objetivando desvelar o objeto no seu interior, na sua natureza e no desenvolvimento de
suas relações. Dessa forma, registramos a trajetória de luta pela Terra e pela educação
no MST, trazendo a experiência da Ciranda Infantil “Ana Dias” no assentamento da
agrovila III, na Regional de Itapeva, no Estado de São Paulo. Optamos pela abordagem
qualitativa, pois esta nos permite captar a essência do objeto e sua complexidade de
relações. Segundo André e Ludke (1986:20):

A pesquisa qualitativa procura dar respostas aos aspectos da realidade que não
podem ser quantificados. Trabalha com o universo de significados, motivos,

12
aspirações, crenças, valores e atitudes, pois as informações qualitativas
permitem conhecer o significado que as pessoas atribuem aos fenômenos.

Para a coleta dos dados, foram utilizados três instrumentos básicos: a entrevista,
a pesquisa documental e a observação. No tocante a entrevista, optamos pela semi-
estruturada, pois esse tipo de entrevista admite certa flexibilidade, em função das
respostas obtidas, visando assegurar o alcance dos objetivos da pesquisa, geralmente
as questões são abertas e fechadas. As questões versaram sobre o percurso da
Ciranda Infantil, as dificuldades, os desafios, as brincadeiras das crianças, o que elas
mais gostam de fazer na Ciranda Infantil. Elas foram realizadas com os dirigentes, as
crianças13 e as educadoras que atuam no assentamento onde localiza a Ciranda Infantil
“Ana Dias” e que atuam no setor de educação do MST no Estado de São Paulo. Ao
todo, foram entrevistadas 24 pessoas, assim distribuídas: 05 dirigentes, 04 educadoras
e educadores, 15 crianças, todas pertencentes ao MST.

As entrevistas com os adultos foram realizadas em diversos locais: no


assentamento, nas residências das pessoas entrevistadas, na Ciranda Infantil etc. Elas
foram previamente agendadas com todos e todas. No início de cada entrevista,
explicamos os objetivos da pesquisa, e, posteriormente dava-se início o trabalho.

É preciso salientar que, durante todo o processo educativo do MST, foram


produzidos vários documentos, como por exemplo, cartilhas, relatórios diversos, pautas
de reivindicações, atas, projetos, jornais, revistas, além de monografias produzidas
pelos educandos de cursos formais dos níveis médio, superior e pós-graduação lato
sensu, que são considerados como fontes documentais nesta pesquisa.

13
Como disse anteriormente, as falas das crianças foram coletadas durante as brincadeiras, nas
reuniões do coletivo infantil, nos momentos de avaliações das atividades pedagógico como também
durante o tempo de observação de campo.

13
Neste sentido, fizemos uma seleção dos materiais que encontramos,
estabelecendo um diálogo com meu objeto de pesquisa, como: o Manifesto do 1º
Encontro Estadual dos Sem Terrinha de São Paulo, Memória da Ciranda Infantil
“Sementinha da Terra” do 1ª curso de Pedagogia da Terra Unijuí – Ijuí/RS, 2001;
Relatório da Ciranda Infantil do V Congresso do MST; Relatório do Encontro Nacional
de Educadoras e Educadores Infantis em preparação ao V Congresso, ENFF – Escola
Nacional Florestan Fernandes, Guararema/SP; o Projeto Político Pedagógico da
Ciranda Infantil Saci Pererê, ENFF; e o Caderno de Educação Infantil nº 12 do MST.

Com o objetivo de estudar o que tem sido produzido sobre o MST e a educação,
realizamos um levantamento bibliográfico de dissertações e teses produzidas nas
universidades referentes ao tema e encontramos 147 trabalhos. Sendo que, a maioria
dos estudos são dissertações de mestrado e estão localizados, em especial, nas
Regiões Sul e Sudeste, com destaque em números para as seguintes universidades:
UFRGS (18), UFSC (16), UNICAMP (16), USP (06). Na região nordeste, destacamos
UFPB (11) e a UFC (09) pesquisas. Neste levantamento consideramos as produções
das universidades estaduais e federais e ainda algumas universidades comunitárias do
país
Nos últimos dez anos o interesse pelo tema Educação e MST tem aumentado,
pois, em estudos anteriores feitos por Damasceno & Bezerra14 acerca da Educação
Rural no Brasil (o que inclui educação e MST) nas décadas de 80 e 90 foram
produzidos 102 trabalhos, sendo 92 dissertações de mestrado e 10 teses de doutorado.

Por encontrarmos um número significativo de trabalhos sobre a Educação e o


MST, procuramos aproximar estas pesquisas com o nosso objeto de estudo. Assim,

14
Cf. DAMASCENO, Maria Nobre & BEZERRA, Bernadete. Estudos sobre educação rural no
Brasil: estado da arte e perspectivas. Educação e Pesquisa nº 1, v. 30, jan./abr. 2004, São Paulo. Neste
estudo as autoras fazem um importante mapeamento do conhecimento produzido na área de educação
rural nas décadas de 80 e 90. Baseiam se nas seguintes fontes: produção discente de mestrado e
doutorado do banco de resumos de tese e dissertações da Associação Nacional de Pós Graduação e
Pesquisa em Educação -- ANPED; periódicos acadêmicos nacionais; os principais livros publicados
sobre a temática Educação Rural no período. Nas duas décadas foram produzidos 102 trabalhos.

14
encontramos algumas pesquisas, entre elas: Alves (2001), Silva (2002) Correia (2004),
que desenvolvem um estudo com as crianças de acampamento, Camini (1998),
Quinteiro (2000), Arenhart (2002), Machado (2003), um estudo sobre as escolas de
assentamento, Ferreira (2002), sobre os encontros dos sem terrinha no Estado do
Pernambuco, e um único estudo de mestrado da Neiva Marisa Bihain (2001) disponível
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul que desenvolvem um estudo com
crianças de 0 a 6 anos, nas Cirandas Infantis das cooperativas daquele Estado.

As observações foram registradas em um diário de campo, como também, as


reflexões em torno do objeto, tendo o seguinte objetivo: estudar o ambiente, os
comportamentos individuais e coletivos, a linguagem verbal e não-verbal, e os
acontecimentos no cotidiano da Ciranda Infantil. Assim sendo, as observações e
reflexões sobre o objeto de pesquisa foi registrado no caderno de campo sobre a
atuação dos próprios pesquisados, descrevendo-as primeiro e, depois, fazendo
comentários críticos e reflexões. Concomitante à realização das entrevistas, realizou-se
a observação de campo

Para a análise dos dados, isto é, os relatos de observação, as transcrições das


entrevistas, os documentos e as demais informações adquiridas durante o processo de
coleta dos mesmos, entendemos que analisá-los, por conseguinte, é interpretar,
comparar, valorizar, generalizar, sistematizar, a partir do arsenal de informações da
pesquisa. Segundo André e Ludke (1986:23):

A análise dos dados tem como objetivo organizar e sumariar os dados de forma
tal que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para a
investigação e a interpretação dos dados tem como objetivo a procura do
sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros
conhecimentos anteriormente obtidos

15
Analisar os dados na pesquisa qualitativa significa então, trabalhar todo o
material obtido, isto é, os relatos de observação, as transcrições das entrevistas, as
análises documentais e as demais informações disponíveis. É evidente que este
exaustivo trabalho deverá ocorrer por intermédio de categorias preestabelecidas. Neste
sentido, estabelecemos as seguintes categorias de análises, como eixos fundamentais
para a compreensão da realidade:

1- O Vinculo entre a Ciranda Infantil e a Luta Social

A luta social educa para uma postura diante da vida, que é fundamental para a
identidade dos sujeitos coletivos, que tem nos seus objetivos a transformação social. Os
processos de transformação sociais são os que fazem a história e eles são obra de
sujeitos coletivos e não apenas de indivíduos. Sujeitos que são enraizados em uma
coletividade. Neste contexto, as crianças aprendem a tomar posição, fazer escolhas e
pensar os passos que precisam ser dados em cada realidade. Cada luta social forma
seus sujeitos com traços de uma identidade específica. Mas, a luta social que
efetivamente forma sujeitos sociais é aquela que se projeta como práxis revolucionária,
aquela que se coloca na perspectiva da luta de classes e para transformação mais
radical da sociedade e das pessoas, fazendo os sujeitos compreenderem na prática a
dimensão da historicidade.
Por isso, o MST tem construído espaços de participação das crianças no
processo de luta pela terra e em muitas das ações que desenvolve, tais como: marchas,
congressos, ocupações de secretaria de educação, ocupações de terra etc. geralmente
encontramos os sem terrinha participando. Caldart (2000:216) afirma que:

Os sem terra se educam à medida que se organizam para lutar, se educam


também por tomar parte de uma organização que lhes é anterior, quando
considerados como pessoa ou família específica

16
Assim sendo a luta social se consolida na medida em que os sujeitos estejam
intimamente vinculados à organização coletiva, de modo a se tornar uma cultura do
coletivo que ultrapassa a vida do Movimento Social e a esfera da luta política, atingindo
a vida social dos indivíduos em sua totalidade.

2- O Vinculo entre Ciranda Infantil e Trabalho

O trabalho ao qual nos referimos aqui é o trabalho como produção da vida;


contrapondo-se a atribuição dada pela sociedade capitalista, que separou o trabalho
manual e intelectual, legitimando a exploração de uma classe sobre a outra. A união
entre o trabalho manual e o intelectual não pode se reduzir a uma metodologia didático-
pedagógica em sala de aula; ele se identifica com a própria essência do ser humano.
Em seus estudos, o professor Luiz Carlos de Freitas, (1995:99) afirma que:

(...) o trabalho produtivo, enquanto uma categoria social e prática social


geralmente são desvinculadas da organização pedagógica da escola. Seja,
porque a concepção de que orienta a organização do trabalho na escola separa
o sujeito do objeto, da teoria e da prática e cria coisas distorcidas da realidade
ou às vezes, um trabalho pedagógico ideal, mas irreal (...) ou porque a escola
tem função de legitimar hierarquias sociais, através de hierarquias escolares.

Neste contexto, uma educação que se pretenda ser emancipadora deve estar
vinculada às transformações das condições de vida e da realidade em que os sujeitos
estão inseridos.

3- O Vinculo entre Ciranda Infantil e auto – organização

O conceito de auto-organização, ao qual nos referimos neste estudo, tem como


base o pensamento desenvolvido pelo pedagogo russo Pistrak para especificar a
criação do coletivo infantil numa escola. O mesmo tem sido de grande importância,

17
tanto pedagogicamente quanto no campo da formação de consciência organizativa,
pois, segundo Pistrak (2002:150):

A auto-organização das crianças é uma escola de responsabilidades


assumidas, onde as atividades infantis se definem, desde a conservação da
limpeza do prédio, a divulgação de normas higiênicas, a organização de
sessões de leitura, o registro dos alunos, até espetáculos e festas escolares, a
biblioteca e o jornal escolar. Isso inclui a participação das crianças na
administração financeira das escolas. (...), pois, as crianças são brilhantes,
ativas, capazes, de grande iniciativa, mas pervertidas pela vida, e que
encontram condições quando o coletivo infantil tem possibilidade de se
desenvolver, de crescer pelos seus próprios meios e de se organizar numa
base social. Tudo se explica pelo coletivo infantil.

A auto-organização revolucionária parte da autodeterminação e do coletivo,


compreendido este último como a coletividade que tem objetivos comuns com
consciência da intencionalidade posta nestes objetivos. No MST, a auto-organização é
desenvolvida através de diferentes formas de cooperação nos assentamentos e
acampamentos, a partir dos princípios e objetivos da luta por Reforma Agrária. Assim
sendo, os sujeitos vão desenvolvendo novas relações de trabalho, tanto, pelo jeito de
dividir as tarefas, quanto ao pensar no bem-estar do conjunto das famílias. Isto implica
experimentar e vivenciar os processos educativos numa coletividade.

A auto-organização vivenciada pelo coletivo das crianças nas Cirandas Infantis


tem uma intencionalidade pedagógica em função do projeto educativo que vem sendo
desenvolvido no interior do MST. Através das vivencias no coletivo infantil as crianças
tem possibilidades de se apropriar dos elementos do processo histórico para a
compreensão da realidade. Dessa forma, as crianças vão construindo o coletivo infantil
juntamente com os educadores e educadoras no processo pedagógico e a Ciranda
Infantil tem possibilidade de ser a base deste coletivo infantil. Ao fazer a introdução do

18
livro de Pistrak, Fundamentos da Escola do Trabalho, Maurício Tragtenberg (1981:15)
afirma que:

A escola será a base desse coletivo infantil no dia em que se constituir como
centro da vida infantil e não somente como o lugar de sua formação; quando for
capaz de transformar os interesses e as emoções individuais em fatos sociais,
fundados na iniciativa coletiva e na responsabilidade correspondente, através
da auto-organização

A partir dos elementos anteriormente assinalados esta dissertação está


organizada em três capítulos:
No primeiro capítulo – A Luta pela terra e pela educação no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST – apresentamos o processo de luta pela terra e
pela educação. Analisamos os princípios filosóficos e pedagógicos do projeto educativo
do MST e também dos Encontros dos Sem Terrinha.
No segundo capítulo – A participação das crianças na luta pela terra –
trabalhamos o acampamento como um espaço educativo, trazendo as Cirandas Infantis
(Itinerante e Permanente). Apresentamos também outro espaço das crianças sem terra,
o “Parque Infantil Alternativo”, e como o MST foi desenvolvendo internamente o
processo de formação dos Educadores e Educadoras infantis.
No terceiro capítulo – A Ciranda Infantil “Ana Dias” no assentamento agrovila III –
trabalhamos a Regional de Itapeva, a Ciranda Infantil “Ana Dias” e algumas práticas
educativas, tais como: a jornada pedagógica, o coletivo infantil, o dia cultural.
Finalmente, levantamos algumas questões que foram relevantes durante a
pesquisa não tendo pretensão de esgotar o tema, mas que abrem perspectivas para a
realização de novos estudos.

19
1– A LUTA PELA TERRA E PELA EDUCAÇÃO NO MOVIMENTO
DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST

Só a terra não vai libertar o trabalhador da exploração. E só a


escola também não é capaz de libertar o sem terra da exploração
do latifúndio. Entendemos que a Reforma Agrária é a junção
destas duas conquistas; ter acesso a terra, ter acesso à escola,
ao conhecimento, à educação.
João Pedro Stédile

Para os camponeses do nosso país, o acesso à terra foi muito difícil. Durante
350 anos da nossa história – de 1500 a 1850 – imperou a livre ocupação das terras
devolutas. As terras pertencentes à Coroa Portuguesa poderiam ser ocupadas, desde
que o ocupante preenchesse dois requisitos básicos: ser branco e rico. Este, após a
ocupação, poderia solicitar às autoridades um título que lhe garantisse o Direito de Uso
da propriedade. O Direito de Domínio continuava pertencendo à Coroa. Aos brancos e
pobres restavam como alternativa de vida o trabalho assalariado nas grandes fazendas.
Aos negros e aos indígenas, o trabalho escravo.

Em 1850, às vésperas da abolição da escravatura, foi criada a primeira Lei de


Terras do Brasil. A mesma visava, basicamente, impedir que os escravos libertos
tivessem acesso a terra, garantindo, assim, a mão-de-obra para o latifúndio e a
legalização da posse das grandes fazendas. Com esta Lei, o Direito de Uso juntou-se
ao Direito de Domínio, consolidando a propriedade privada em nosso país.

A principal conseqüência social da Lei de Terras, de 1850, foi a manutenção de


pobres e negros na condição de sem-terra. Com isso, legalizou as grandes extensões
de terra como propriedade privada, sob a forma de latifúndio. Com a vigência da Lei de
Terras, todos os antigos concessionários da Coroa se dirigiam, imediatamente, aos

20
cartórios ou às casas paroquiais para registrarem as terras. Desta forma, pagavam
certa quantia pela terra e legalizavam suas posses.

Conforme Sader (2000:178):

(...) imensas áreas de terras, antes propriedade comunal dos indígenas, depois
apropriadas pela Coroa, agora eram finalmente privatizadas nas mãos de
grandes senhores que passaram de amigos da Coroa a senhores de terras, a
latifundiários.

Nos 100 anos seguintes de nossa história – de 1850 a 1950, a grande


propriedade agrícola, necessitando de mão-de-obra abundante, proporcionava ao
camponês três requisitos básicos para sua sobrevivência: trabalho, local de moradia e
oportunidade de produzir sua própria alimentação – até como forma de diminuir, para o
latifundiário, os custos da manutenção do trabalho assalariado. Assim, o camponês,
que era “acolhido” na grande fazenda, sabia que teria um lugar para morar e uma
rocinha para produzir sua alimentação.

Com a industrialização do país e a mecanização da agricultura, poderia se


esperar que as relações de trabalho também fossem modernizadas, e, a possibilidade
do camponês obter a propriedade de um pedaço de terra, finalmente, se tornasse uma
realidade. Mas, com a modernização, a economia nacional passou de uma economia
agroexportadora para uma economia industrial. Desta forma, o país passou a figurar
entre as dez maiores potências capitalistas; no entanto, a estrutura fundiária
permaneceu a mesma. Este modelo causou transformações profundas, privilegiando a
agricultura capitalista em detrimento da agricultura camponesa. Tais transformações
geraram, de um lado, a modernização tecnológica, de forma que a agricultura passou a
depender cada vez mais da indústria produtora de insumos, o que resultou num

21
processo de industrialização da agricultura e promoveu as relações de trabalho
assalariado. Nessa perspectiva, o processo de mecanização da agricultura não
somente tirou a terra do camponês, mas, ao potencializar seu uso, um grande número
de trabalhadores foi expulso de sua terra.

Conseqüentemente, restaram ao trabalhador duas alternativas: migrar para as


grandes cidades ou ir para as regiões de fronteiras agrícolas, no Centro-Oeste e Norte
do país. E assim, os camponeses passaram a vagar pelas grandes cidades, em busca
de uma oportunidade de trabalho, ou seja, de condições melhores de vida.

Para Minc (1985: 60):

As transformações na agricultura produzem outros tipos de migração: a


migração sazonal, a migração circular do bóia-fria e a migração do trabalhador
„urbano‟, que trabalha certos meses na cidade e outros na safra agrícola.

Com todo este processo de êxodo rural e de expansão dos grandes latifúndios,
surgiram vários Movimentos Sociais. Assim afirmam Stédile e Görgen (1993:17-18):

No final do século 19, surgiram movimentos camponeses denominados


messiânicos, porque seguia um líder carismático, um “messias”. Assim nasceu
Canudos, nos sertões da Bahia (1896-1897), liderado por Antonio Conselheiro.
Logo em seguida, a Guerra do Contestado (1912-1916), nas regiões de Santa
Catarina e Paraná, com Monge Maria. Posteriormente, no Nordeste brasileiro,
surgem as lutas lideradas por cangaceiros, com: Antônio Silvino, ferido e preso,
em 1937, e Lampião, falecido em 1938.

22
Entre 1950 e 1964, o movimento camponês organizou-se, dando origem às Ligas
Camponesas, à União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs) e
ao Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER). Em 1964, no período da ditadura
militar no Brasil, estes movimentos foram reprimidos de varias formas tais como:
desaparecimentos, torturas, prisões e exílios de vários líderes de movimentos sociais.

É neste cenário que nasce o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST). Este movimento social surge de um processo de luta e resistência contra a
política de exclusão sofrida pelos trabalhadores rurais e urbanos, em pleno Regime
Militar e desenvolvimento do sistema capitalista. Neste sentido, ele não deve ser visto
como um Movimento novo na história do Brasil, pois se caracteriza como uma
continuidade de outras lutas similares empreendidas pelo campesinato no país.
Foi, precisamente, neste contexto social e político que o MST vem desenvolvendo o
seu Projeto Político-Pedagógico de Educação, vinculado ao seu projeto político de
Reforma Agrária. Neste sentido, a luta pela Reforma Agrária não se limita à conquista
da terra; ela é uma das primeiras lutas que se faz no processo do direito à cidadania do
trabalhador rural que, entre tantas coisas, inclui também o direito à educação.

Conseqüentemente, o processo da luta pela terra e pela educação no MST


passou por diversos contextos, tais como:

1.1 – A retomada da Luta pela Terra

A luta dos camponeses pela terra sempre esteve presente na história do Brasil.
Alguns deles, de alguma forma, sempre encontraram maneiras de resistência através
da participação organizada, em movimentos sociais, a fim de reivindicar o direito à terra
e superar a exclusão que lhes foi imposta historicamente. Assim, após ser duramente
massacrada pelo golpe militar de 1964, a luta iniciou de forma desarticulada na década
de 1970, em várias partes do Brasil. A necessidade de sobrevivência forja a luta e

23
transforma em ação o sonho de trabalhar a terra. É difícil saber, na luta dos
trabalhadores rurais sem terra, qual foi a primeira ação. Podemos dizer, de forma
metafórica, que a semente do MST foi plantada em meados de setembro de 1979,
especificamente nos dias 6 e 7, no ato da ocupação da Fazenda Macali, município de
Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. Desta forma, teve início o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que atravessou por um período de gestação
de aproximadamente quatro anos, até a data oficial de sua fundação, que ocorreu em
1984.
Neste período, uma das preocupações dos sem-terra era colocar suas crianças
na escola. A educação escolar era uma necessidade das famílias acampadas e
assentadas, sendo o maior desejo delas a aprendizagem da leitura e da escrita. Para
concretizar tal sonho, tiveram início as primeiras atividades que visavam a inclusão
escolar das crianças. Segundo dados que constam em arquivos do Movimento, a
primeira experiência sistematizada ocorreu no acampamento de Encruzilhada Natalino,
em dezembro de 1980.
Segundo Camini15 (1998:32):

Havia uma educadora casada com um colono e mãe de dois filhos: Maria Salete
Campigotto era educadora da rede pública estadual, no município de Ronda Alta.
Ela passou a coordenar as atividades com as crianças no acampamento e foi
envolvendo algumas mães sensíveis ao mundo da infância, passou, assim, a
reunir a criançada e promover jogos e brincadeiras. Seguidamente, as crianças
interrogavam as mães sobre o que estava acontecendo naquele lugar, do qual,
impacientemente, esperavam poder sair. As próprias crianças se perguntavam
“para que tantas reuniões, caminhadas, fome, cruz, morte?”. Assim, o tempo de
espera e a rotina diária desenvolveram nos adultos e crianças a criatividade de
viver naquele lugar. O conhecimento de outras pessoas levou a construir, ali,
amizades profundas. Mais tarde, aquilo foi sendo um divertimento, quando todos
os dias se encontravam com os amigos para brincarem.

15
Isabela Camini faz parte do Setor de Educação em nível nacional e participou das primeiras
discussões sobre a Escola Itinerante para os Sem Terrinha na época em que a escola foi aprovada. Há
várias matérias publicadas, em seu nome, sobre a Escola Itinerante. Atualmente, ela é doutora pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e seu tema de pesquisa é a educação nas escolas
itinerantes.

24
Ainda nesse acampamento, ocorreram as primeiras experiências de
alfabetização de jovens e adultos. Esta experiência foi articulada a pedido dos
acampados interessados em aprender a escrever o nome e que pressentiam que não
bastava apenas “terra para quem nela trabalha”. Esta experiência só foi possível porque
os acampados se organizaram com setores da igreja vinculados a Comissão Pastoral
da Terra (CPT) e de sindicatos considerados combativos, pois estes também ousavam
desafiar e burlar o controle do Estado. Deste processo, participaram estudantes e
religiosos com trabalho voluntário. O método de atuação para a organização das turmas
de Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi extraído da experiência de educação
popular.

1.2 – A expansão do MST para outras regiões além do Sul

No período de surgimento do MST (1984-1989), o campo brasileiro enfrentou


vários conflitos em razão do crescimento das desigualdades socioeconômicas. O
modelo de modernização conservou a concentração da estrutura fundiária. Os
movimentos sociais intensificaram a luta pela terra e criaram uma crise política. Alguns
dos fatores da crise desse modelo são: a não-realização da reforma agrária; a
concentração do poder político por parte da bancada ruralista; a política de privilégios à
agricultura capitalista e a conseqüente destruição da agricultura camponesa; a rápida e
violenta transformação no campo brasileiro com a expulsão de milhões de famílias, que
migraram para as cidades e para as diferentes regiões brasileiras.
Investindo no processo de agravamento da concentração da terra, os governos
militares gerenciaram a questão fundiária, reprimindo brutalmente as lutas pela terra
Para os militares, era fundamental desmobilizar toda e qualquer forma de organização
política dos trabalhadores.

25
Com as mudanças políticas ocorridas no final da década de setenta e no inicio
da década de oitenta - através do resultado da ação política da sociedade, diversos
movimentos sociais do campo e da cidade, promovem varias ações contra a ditadura
militar, no sentido de implementar a democracia no Brasil. Neste contexto os
movimentos sociais do campo ganharam espaço na sociedade. Assim, surgiram várias
organizações de trabalhadores e estes movimentos organizaram as ocupações de
terras em diferentes regiões do país.
Um dos movimentos sociais mais representativos, nascido neste período, foi o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele tem sua origem, nas
ocupações16 de terras, realizadas nos Estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. É importante lembrar que o MST não é o
primeiro movimento a lutar pela terra no Brasil; podemos citar como exemplo, outros
movimentos com lutas relevantes por terra: as lutas Indígenas, Quilombolas, Canudos,
Contestado, Ligas Camponesas, entre outras.
Neste sentido, podemos afirmar que o MST é fruto do processo histórico de
resistência dos camponeses brasileiros que tiveram a oportunidade de socializar as
suas experiências e ousaram unir-se a uma luta comum. Assim sendo, em janeiro de
1984, os sem terra, oriundos de vários Estados do Brasil, reuniu-se em Cascavel,
Estado do Paraná e realizaram o 1º Encontro Nacional dos Assentados, no qual o
Movimento foi fundado, oficialmente, com o nome de Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. Segundo Delwek Matheus (Entrevista, 2008) 17, neste encontro,
foram definidos os principais objetivos18 do Movimento e as plataformas de lutas para
os próximos anos:

16
Quando o Movimento Social ocupa a terra, ele está ocupando um território que não está
produzindo alimentos para os trabalhadores; na grande maioria, estes latifúndios pertencem ao próprio
Estado.
17
Delwek Matheus é dirigente nacional do MST e faz parte do Setor de Produção Cooperação e
Meio ambiente do Estado de São Paulo. Entrevista realizada na Escola Nacional Florestan Fernandes
(ENFF), localizada em Guararema (SP) em 28 de junho de 2008.
18
Atualmente, os três principais objetivos do MST são: 1- Lutar pela terra; 2 - Lutar pela Reforma
Agrária; 3- Lutar por uma sociedade sem explorados e exploradores.

26
O principal debate era se fundava dois Movimentos: o dos com terra, para quem
já estava assentado, e o dos sem terra, para os que se encontravam nos
acampamentos. Neste debate, ficou decidido que seria um único Movimento e
quem já se encontrava assentado iria ajudar os acampados a conquistar sua
terra e que a luta seria pela Reforma Agrária, sendo que a palavra de ordem
seria „Terra não se ganha, se conquista‟.

Desta forma, foi fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Neste encontro, participaram 1.500 delegados que representaram 12 Estados do país:
RS, SC, PR, SP, MS, MG, ES, RJ, BA, SE, MA, RO, Estados em que o Movimento
estava organizado, ou ainda, para ser fundado.
No ano seguinte, em janeiro de 1985, o MST realizou o seu 1º Congresso, em
Curitiba, Paraná. A palavra de ordem deste Congresso foi: A Ocupação é a Única
Solução. Esta já apontava para a ocupação da terra como principal forma de luta
naquele período. Logo depois deste Congresso, começaram as ocupações em todo
Brasil. Em Santa Catarina, 5 mil famílias, vindas de 40 municípios, ocuparam 18
fazendas. Foi neste clima que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra deu
continuidade ao seu processo de expansão em âmbito nacional.
A necessidade de ter escolas19 para seus filhos, nos assentamentos e
acampamentos, não era apenas uma preocupação das famílias com o acesso ao
conhecimento para os seus filhos; estas famílias, já naquele momento, entendiam que a
escola é um direito a mais para ser conquistado. Segundo Camini (1998: 39.), em
março de 1982, as 165 famílias que estavam acampadas em Ronda Alta, um dos
acampamentos que deu origem o MST, realizou a primeira discussão sobre a escola.
Afirma a autora:

19
É importante ressaltar que as escolas dos assentamentos são públicas e mantidas pelo poder
Municipal ou Estadual

27
Com o início do ano letivo e a realidade de 180 crianças, em idade escolar,
sendo 112 crianças preparadas para entrar na 1ª série. Tal fato deixou todos
preocupados. Foi, então, que a educadora Salete, auxiliada por outra
educadora, Lúcia Webber, sensível aos problemas de educação e ligada à
Paróquia de Ronda Alta, passou a organizar, entre os acampado, a luta por
uma escola estadual de 1ª à 4ª séries. Ainda em maio de 1982, depois de
muitas reuniões e reivindicações, a Secretaria de Estado da Educação
autorizou a construção da escola e as duas educadoras começaram,
imediatamente, a lecionar. Esta escola passou a existir legalmente no
assentamento de Nova Ronda Alta, em outubro de 1983.

Ainda em outubro de 1983, a ocupação da Fazenda Annoni20 – latifúndio de


9.300 hectares21, no município de Sarandi, hoje município de Pontão (RS) –, por 2.500
famílias, oriundas de quarenta municípios do Nordeste e Noroeste do Rio Grande do
Sul, constitui-se em uma das maiores ações já realizado no país. A extensão geográfica
do acampamento, o número de barracos cobertos por lonas, o número de pessoas que
andavam em meio à “cidade de lona preta”, a organização interna dos acampados,
chamavam a atenção de todo o município.
No início do acampamento, a preocupação maior não era com a criação de
escolas, mesmo havendo pessoas formadas e interessadas em trabalhar com as
crianças. Os acampados preocupavam-se com o fato das crianças caminharem de um
lado para o outro, sem nenhuma atividade educativa. A presença de mais de 700
crianças começou a preocupar, também, à direção do acampamento da Annoni.
Assim, o problema da Educação das crianças passou, rapidamente, a ser ponto
de pauta das reuniões entre os acampados.
Dessa forma, tiveram inicio as atividades da escola no acampamento da fazendo
Annoni, um dos marcos históricas na Educação do MST.

Segundo Caldart & Schwaab (1991:91):

20
Annoni era o sobrenome da família proprietária da Fazenda ocupada em 1985, pelos Sem Terra
no município de Sarandí - RS.
21
1 Hectare (ha) equivale a 10.200m².

28
Foi debaixo de uma lona preta que começou a funcionar escola do
acampamento do MST. As aulas aconteciam, todas, no mesmo barracão, num
sistema de três turnos. Eram 23 educadores e educadoras para 700 crianças de
1ª à 4ª séries. No final do ano, as aulas passaram para o prédio novo.

Outra questão que merece destaque é que, quando as aulas foram iniciadas na
escola do acampamento, os educadores do Movimento contratados pelo município não
tinham uma titulação para as atividades para as quais estavam sendo indicados.
Mesmo assim, o número de crianças era tão grande que os educadores do
acampamento não supriam a necessidade para o atendimento de todos os educandos
que se constituíram em várias turmas. Assim, foi necessário deslocar educadores de
outros lugares para atender à demanda apresentada no acampamento. Camini
(1998:48) relata tal episódio:

Era um local de difícil acesso, tendo que trabalhar em precárias condições e


com um pessoal que se dizia Sem Terra. A experiência não foi boa. Quando
chovia, as educadoras não conseguiam chegar ao local. E quando vinham, não
conseguiam responder às várias questões levantadas pelas crianças
acampadas que, aos poucos, iam mudando sua visão de mundo, de conteúdos
e de escola, pela experiência participativa na luta pela terra e a experiência
vivida durante as vinte e quatro horas naquele acampamento.

As crianças desse acampamento participavam de todo o movimento cotidiano


que lhes possibilitava conhecer e despertar para uma realidade, antes não conhecida.
Elas acompanhavam as reuniões, as celebrações, as assembléias e, seguidamente,
faziam perguntas que preocupavam os adultos.
Essa realidade, analisada pelo conjunto maior do Setor de Educação, levou o
MST a pensar na possibilidade concreta de um novo foco: a luta pela escola, a
formação e a titulação de educadores e educadoras de assentamentos e
acampamentos. Levou, também, o Movimento a pensar no projeto educativo a ser
29
desenvolvidos com as crianças, não no sentido de doutriná-las, mas de trabalhar
elementos do processo da luta pela terra, para que elas compreendessem melhor a luta
da qual os seus pais participam. Neste sentido, a luta por escola nasce, praticamente,
ao mesmo tempo em que se começa a luta pela terra. As famílias, após ocupar a terra,
começam a mobilizar-se pelo direito e a conquista da escola. Assim, em 1984, o MST
conquista mais uma escola, desta vez, no Estado do Espírito Santo.
Em julho de 1987, aconteceu o 1º Encontro Nacional de Educadores e
Educadoras das Escolas de Assentamentos, em São Mateus, no Espírito Santo, com a
participação de sete unidades da Federação22. Este encontro deu origem à fundação do
Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Neste
encontro, dois desafios foram colocados para o MST: a luta por escola e a construção
dos coletivos locais e estaduais de educação.
A luta ganhou força - não por qualquer escola, mas por uma que respeitasse os
educandos e a luta em que seus pais estavam envolvidos. O trabalho educativo com as
crianças, dentro dos acampamentos, despertou a consciência para mais um direito a
ser conquistado. Desta forma, o próprio conceito de escola, aos poucos, foi sendo
ampliado. O MST foi, gradualmente, incorporando a escola em sua dinâmica. Passou a
fazer parte do cotidiano e das preocupações das famílias Sem Terra, tanto em
assentamentos quanto nos acampamentos. Passou a ser vista, também, como uma
questão de direito e política, ou seja, como parte da estratégia de luta pela Reforma
Agrária.

1.3 – A consolidação do Movimento dos Trabalhadores rurais


Sem Terra – Os Encontros dos Sem Terrinha.

Com o decorrer do tempo, o Movimento se expandiu para vários Estados,


principalmente para os Estados do Nordeste. As ocupações foram o principal

22
Os Estados que participaram deste encontro foram: ES, RS, SC, PR, MS, SP e BA.

30
instrumento de luta neste período, e quando havia despejos, estes eram na sua grande
maioria violentos: as pessoas eram presas, espancadas e torturadas, sofriam violências
de várias maneiras. Muitas vezes, era preciso denunciar a violência dos policiais à
Comissão Nacional de Direitos Humanos. Assim, os grandes desafios, neste período,
eram: organizar sua base social e conquistar o respeito da sociedade. A superação
destes desafios se apresentava como indispensável para a própria sobrevivência do
Movimento Sem Terra.
O Movimento voltou-se mais à sua base de assentados: organizou da melhor
maneira possível os assentamentos e sistematizou sua experiência. Esse foi um
período no qual o Movimento passou por uma fase de refluxo, ou seja, passou olhar
mais para a realidade dos assentamentos, organizando as cooperativas numa
perspectiva da coletividade. Também passou a sistematizar suas experiências para
desenvolver o seu trabalho com as pessoas assentadas e acampadas. Além disso,
passou a estar mais atenta à formação político-ideológica de sua base social. Nesta
época, o lema do Movimento era: Ocupar, Resistir e Produzir.
Todo o processo de luta pela terra deste período foi muito violento. Os
acampamentos, seguidas vezes, eram cercados pela Brigada Militar. Esta, em muitos
Estados, fazia-se presente nos primeiros momentos da ocupação, amedrontando os
agricultores. Vários confrontos ocorriam nos locais dos acampamentos, mas esta
violência não foi suficiente para fazer com que a luta pela Reforma Agrária recuasse.
Como a história tem nos mostrado que toda ação sempre suscita uma reação,
podemos exemplificar que: as ações desenvolvidas pelo Movimento Sem Terra,
levaram ao surgimento de uma força poderosa a União Democrática Ruralista (UDR),
formada por latifundiários, para contrapor as ações do MST. Esta entidade era apoiada
pelos governos e as forças repressivas, com o objetivo de reprimir, assustar e conter a
ação organizada dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Desde então, os despejos foram
ficando cada vez mais violentos. Assim, alguns conflitos trágicos começaram a fazer
parte da vida de cada pessoa acampada.
Estes despejos tão violentos e tão próximos uns dos outros prenunciavam que o
MST iria sofrer muito em todo o país, perdendo militantes e chorando a injustiça
31
cometida em massacres como os de Curumbiara23 e Eldorado dos Carajás24. A dor e o
sofrimento não desanimaram os integrantes do Movimento Sem Terra que, com mais
fervor e garra, mantiveram a luta e, desta forma, davam continuidade ao Movimento
como parte de suas vidas. Neste momento, a palavra de ordem Ocupar, Resistir e
Produzir ressoava com mais força em cada assentamento e acampamento.
O setor de Educação iniciou a formação de Educadores com um passo
importante, pois, em janeiro de 1990, teve início a primeira turma de Magistério para
educadores de escolas de assentamentos e acampamentos, na cidade de Braga - RS.
Este curso foi organizado entre os movimentos sociais, sindicatos e prefeituras
municipais, juntamente com o Departamento de Educação Rural - DER - e a Fundação
de Desenvolvimento Educação e Pesquisa da Região Celeiro - FUNDEP. Esta entidade
educacional foi criada para atender às demandas de escolarização alternativa no meio
rural. Hoje, o curso do magistério continua no ITERRA - Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, onde está situada a Escola Josué de
Castro, na cidade de Veranópolis - RS.
Entre 10 e 27 de janeiro de 1994, ocorreu o Curso de Pedagogia, na cidade de
Belo Horizonte, Minas Gerais. Nele, houve dois grupos de trabalho que produziram
materiais específicos para desenvolver as atividades pedagógicas junto às crianças
assentadas e acampadas. Um dos grupos, denominado Brigada Axé 25, produziu um
caderno e uma fita k7 com as músicas infantis, e o outro, denominado Brigada
Brincaeduca26, produziu um caderno com jogos e brincadeiras.
As atividades pedagógicas desenvolvidas com as crianças nos assentamentos
possibilitam que estas estejam permanentemente em movimento. As lições aprendidas
no seio da luta pela terra contribuem para a criação de uma cultura de mobilizações.
Em outras palavras, a ausência de políticas públicas - escolas, postos médicos,

23
Conflito entre agricultores Sem Terra e policiais, acontecidos em de agosto de 1995, no Estado
de Rondônia, com um saldo de dez mortos.
24
Confronto entre famílias sem terra acampadas na Fazenda Macaxeira e sessenta e oito homens
do Batalhão da Polícia Militar de Parauapebas e mais duzentos homens do Batalhão de Marabá, que
resultou no massacre de dezenove trabalhadores sem terra, em 17 de abril de 1996, no Estado do Pará.
25
Para maior conhecimento, ver o Caderno Plantando Ciranda.
26
Para melhor entendimento, consulte o Caderno de Educação nº. 07.

32
educadores, etc.–, vivenciada pelas crianças do Movimento, são traduzidas em
variadas formas de mobilizações. Tudo isso levou ao surgimento de um ambiente
propício à formação da consciência política das crianças do MST que no seu dia a dia
constroem seus próprios espaços de participação, tais como: os encontros dos sem
terrinha, as cirandas infantis, os núcleos infantis, acampamento-escola; participação em
feiras de ciências, olimpíadas e festivais; concurso nacional de desenho e redação etc.
Esta participação das crianças no MST é fruto de processos históricos
vivenciados por elas, ou seja, um conjunto de ações resultantes do protagonismo de
cada uma das crianças, como parte das lutas do próprio Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra.
Os Encontros dos Sem Terrinha são considerados como atividades político-
organizativas realizadas pelo MST desde 1994, geralmente no mês de outubro, e
corresponde à Semana da Criança. Esta atividade faz parte do processo de
organização das crianças dos acampamentos e assentamentos do MST e é realizada
nos estados em que o MST está organizado tendo uma abrangência regional ou
estadual, dependendo das condições de cada Estado. A duração, em média, é de 3 a 4
dias. O número das crianças participantes no encontro também varia conforme o
estado: há casos contabilizados de 150 ou, até mesmo, 700 crianças. O Estado do
Pernambuco tem a experiência de ter realizado encontros com a participação de duas
mil crianças.
Em alguns Estados, os encontros têm caráter mais reivindicatório; em outros, de
estudo, lazer e troca de experiências; em alguns, juntam-se o caráter da reivindicação
ao estudo e lazer. Geralmente, o centro da reivindicação é a luta por escolas
adequadas nos assentamentos e acampamentos.
No Estado de São Paulo, ocorreram três encontros: o 1ª Encontro Estadual
Infanto Juvenil, nos dias 12, 13 e 14 de outubro de 1996, com 700 crianças. Foi neste
encontro, na fase preparatória, que as crianças sem terra começaram a se identificar

33
como Sem Terrinha, ou seja, começaram a assumir a identidade própria das crianças
Sem Terra. Segundo Ramos27, (1999: 26):

O nome Sem Terrinha surgiu por iniciativa das crianças que participaram do
Primeiro Encontro Estadual das Crianças Sem Terra do Estado de São Paulo,
em 1996. Elas começaram a se chamar assim durante o encontro e o nome
acabou sendo incorporado à identidade das crianças que participam do MST
em todo Brasil

O lema do primeiro Encontro dos Sem Terrinha no estado de São Paulo foi:
Reforma agrária, uma luta de todos, dos Sem Terrinha também, e teve a intenção de
trabalhar o pertencimento das crianças ao MST. Nesta época, a maioria delas tinha
vergonha de se identificar como sendo do Movimento, pois eram discriminadas nas
escolas. Este encontro possibilitou que elas, ao se reunirem na Praça da República
para a negociação de sua pauta de reivindicação com a Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo, pudessem partilhar sua alimentação com os meninos e meninas,
moradores de rua. Elas ficaram indignadas com a situação vivida por estas crianças .
Estes foram momentos fortes, vivenciados pelas 700 crianças assentadas e
acampadas, oriundas de diferentes regiões do Estado.
No encontro, as crianças cantaram, dançaram, deram entrevistas para a
imprensa e discutiram alguns pontos do Estatuto da Criança e do Adolescente, como
também o seu papel na sociedade e no MST, dando significado à escola em sua vida.
Além disso, foi produzido um manifesto das crianças28. Este documento começou a ser
elaborado pelas crianças na fase preparatória nas regionais; e, posteriormente,
unificaram as idéias em um único documento que, depois, foi aprovado pelas 700

27
Márcia Mara Ramos é dirigente do Setor de Educação no Estado de São Paulo, como também, é
assentada na Regional de Itapeva e Educanda do curso de Pedagogia da Terra na Universidade Federal
de Minas Gerais
28
O Manifesto dos Sem Terrinha a Sociedade produzido neste encontro se encontra como
destaque na abertura deste trabalho.

34
crianças do Encontro Estadual dos Sem Terrinha. Durante a marcha das crianças, pelas
ruas de São Paulo, o manifesto foi distribuído às pessoas que se encontravam no
percurso da mesma. Depois, este documento foi enviado a várias entidades da
sociedade. Além da produção deste documento, todo o encontro foi permeado por
brincadeiras, apresentações culturais e diversas oficinas.

O 2º Encontro Estadual dos Sem Terrinha, em 2000, foi realizado juntamente


com as crianças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST, denominadas
Sem Tetinhos. Neste, havia a presença de 600 crianças do MST/SP e 200 do
MTST/SP. Neste encontro, houve uma troca de saberes muito interessantes entre as
crianças que vinham de realidades diferentes (campo e cidade). Por exemplo, em
alguns assentamentos não há energia elétrica; de modo que as crianças não têm
acesso a vários benefícios como água gelada e luz elétrica; muitas crianças da cidade
não têm acesso à alimentação - para as crianças do campo é normal o acesso ao café
da manhã, lanche, almoço e jantar. No encontro, as crianças da cidade visitaram um
assentamento e as crianças do campo visitaram uma favela de onde vinha a maioria
das crianças da cidade que participavam do Encontro Estadual dos Sem Terrinha e dos
Sem Tetinho.
O 3º Encontro Estadual dos Sem Terrinha, foi em 2004. Este contou com a
participação de 850 crianças. Nele, trabalhou-se o tema das Sementes como patrimônio
da humanidade. Nesse encontro, assim como nos demais, as crianças participaram de
atividades tais como: oficinas, marcha, passeio, noite cultural e encerramento. No
Estado, os encontros são alternados; quando não há condições para a realização
estadual, estes são realizados nas regionais. Todos estes encontros tiveram o caráter
reivindicatório de estudo e lazer.

A fase preparatória do Encontro do Sem Terrinha

A organização de um Encontro dos Sem Terrinha se inicia com as discussões


nos assentamentos, envolvendo toda a comunidade assentada ou acampada e, se

35
possível, as escolas. Desta maneira, foram realizados vários encontros em pequenos
grupos. Para cada 10 crianças, formava-se um grupo. Nestes grupos, havia um
coordenador e uma coordenadora das crianças. Nos mesmos, eram levantadas as
demandas reais, as necessidades das crianças e da comunidade e o estudo do tema
do encontro. Posteriormente, era elaborada a programação do encontro, a pauta de
negociação e divididas as responsabilidades e as tarefas entre os educadores e as
crianças A preparação da mística geralmente envolve apresentações teatrais, recital de
poemas, músicas, brincadeiras, noite cultural, palavras de ordem, símbolos – tais como
camiseta, cartaz, bandeiras –; tudo isto é preparado com antecedência para o Encontro
dos Sem Terrinha. Nos estudos sobre a mística do MST, Ademar Bogo (2002:25) afirma
que esta:

[...] é um elemento fundamental na luta pela terra, pois ela contribui para manter
a coesão da luta, e a sua materialização se dá na realização dos rituais, na
valorização da memória e herança dos lutadores e lutadoras do povo. Ela se
materializa também nas músicas, nos símbolos como a bandeira, o boné, as
ferramentas de trabalho, nas palavras de ordem, no hino da organização. No
MST, acredita-se que a mística tem o poder de ressignificar a beleza da luta e
de quem fez e faz a luta. Dessa forma, o MST busca nas próprias
características camponesas alguns aspectos da mística que vem da própria
cultura - e característica camponesa e não é algo que se constrói de fora para
dentro, mas desenvolve-se a partir dos sujeitos da luta. A mística do MST
continua cultivando os sonhos e as utopias socialistas e ao mesmo tempo
incendiando consciências da necessidade da revolução contra o capital e o
império. A mística no MST é uma energia que busca não deixar as crianças, as
mulheres e os homens em sua vida cotidiana virarem pedras ou máquinas, na
sua jornada de luta por uma sociedade socialista; a mística é um dos momentos
em que se afirma como sujeitos sociais a necessidade de, parafraseando o
Che, “ lutar sempre, mas sem perder a ternura jamais.”

A mística do MST vem da sua ligação com a Igreja Católica através da CPT. Com
o processo de luta ela foi ganhando novos elementos, tais como: a música, as
ferramentas de trabalho na lona preta de cada acampamento do MST, no hino do MST,
o hino da Internacional etc. Hoje, a mística tornou um elemento fundamental na luta

36
pela terra, pois ela alimenta os objetivos da transformação da sociedade e alimento
também da utopia dos seus integrantes viverem em prol da emancipação da classe
trabalhadora. A materialização da mística no MST vai desde organização do
acampamento ou do assentamento, nos ambientes das escolas, centros de formação
etc., até na valorização da memória dos lutadores e lutadoras do povo, tais como: Karl
Marx, Ernesto Che Guevara etc. Com isso, o MST consegue manter viva nos seus
militantes a crença nas possibilidades de transformação da sociedade capitalista e na
construção da sociedade socialista

Assim sendo, o MST constrói a mística através das suas próprias características
da luta pela transformação da sociedade. No MST, ela vem se constituindo como uma
característica peculiar, e tem contribuído para o Movimento se afirmar como referência
para a classe trabalhadora do Brasil e da América Latina.

É importante salientar que nos Encontros dos Sem Terrinha a mística esta
presente em todos os momentos; desde as tarefas assumidas coletivamente, pelas
crianças, que se auto-organizam para realizá-las, nas apresentações culturais, na
marcha pela cidade, nas negociações com o poder público, ou seja, esta presente em
todos os momentos da realização do Encontro dos Sem Terrinha, pois a mística
perpassa todo o encontro.

A organização de um encontro demora alguns meses, e, geralmente, inicia-se


com a mobilização nas próprias comunidades, do Setor de Educação e de todo o
Movimento, no empenho para conseguir os recursos a fim de deslocar as crianças,
garantir a alimentação nos dias do encontro para os participantes, etc.

A realização do Encontro

A realização de um encontro, geralmente, tem a duração de dois a três dias e


sua programação consta de momentos de estudos, lazer, gincanas, oficinas, tudo isto

37
com o objetivo de integração nos debates referentes à problemática geral do país e a
marcha com a entrega de documentos de reivindicações aos poderes públicos.
Os encontros dos Sem Terrinha são espaços que propiciam às crianças
exercitarem a autonomia e a auto-organização, ou seja, são elementos que constituem
complexidade e exigem tempo e dedicação, além de uma vivência coletiva. As marcas
das contradições aparecem na educação dos adultos nos momentos em que eles
demonstram não acreditar na capacidade de auto-organização das crianças, e, por
vezes, tentam comandá-las e controlá-las, impedindo-as da potencialidade infantil de
realizar tarefas tão importantes quanto às dos adultos. Os objetivos dos encontros dos
Sem Terrinha são: propiciar a vivência de uma organização coletiva; a participação de
crianças e adolescentes no Movimento; a realização de confraternização e lazer; a
realização de uma passeata na cidade e de audiências na Secretaria de Educação, no
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, ou em outras instituições
para as quais as crianças entregam uma pauta de reivindicações.

No primeiro dia de encontro geralmente há uma homenagem às crianças, na


abertura, como também, estas são organizadas em núcleos de base. Nos núcleos, eles
escolhem os coordenadores, geralmente são duas crianças – um menino e uma menina
–, e mais um educador, para fazer parte dos trabalhos em grupos ou em reuniões
realizadas durante o encontro. Esses coordenadores formam uma coordenação geral
que ajuda na condução do encontro, organizando as atividades, a montagem da infra-
estrutura e a resolução de problemas que possam ocorrer durante todo o encontro.
As noites dos encontros são dedicadas às apresentações culturais; elas são
feitas pelas as crianças dos assentamentos e acampamentos, e preparadas
previamente juntamente com os educadores e educadoras Estas apresentações levam
em conta o tema do encontro, o lúdico, a luta pela terra e as dificuldades vividas no
processo de conquista do assentamento. Há também apresentações de grupos
culturais da cidade que apóiam o MST.
No segundo dia de encontro, a programação é dedicada às oficinas que são
articuladas de acordo com o número de crianças previsto para o encontro. Existem
38
vários tipos de oficinas: pintura, teatro, bonecos, dobraduras, dança, capoeira,
confecção de brinquedos alternativos, música, jogos, confecção de cartões com
sementes, etc.
O terceiro dia de encontros geralmente é dedicado às negociações junto a
instituições, como: Secretarias de Educação, INCRA, etc.. E, para encerrar o encontro,
é realizada a marcha das crianças pelas ruas da cidade.

Avaliação e socialização do encontro

As coordenadoras do setor de educação de alguns Estados informaram que, em


alguns anos, não foi possível organizar o encontro regional, devido à falta de recursos
financeiros para as despesas do encontro, sendo este organizado, apenas, no âmbito
dos assentamentos. Este fator fez com que a atividade não tivesse uma regularidade,
prejudicando a continuidade dos debates no coletivo regional.
Outra questão levantada diz respeito a uma maior repercussão do encontro nas
escolas. Depois que as crianças chegaram dos encontros, poucas escolas deram
continuidade ao trabalho com elas.
Ao participar da luta pela terra junto com seus pais, as crianças do MST passam
a ser sujeitos construtores de um processo transformador, a ter ideais, projetos de
futuro, perspectivas de vida, tendo como referência a coletividade.
A criança Sem Terra, no MST, passou a ser considerada um ser social que integra a
totalidade de um projeto em construção.
Uma questão fundamental que se coloca é: sendo os encontros uma realização
anual, cuja preparação e posterior socialização envolvem, no máximo, três ou quatro
meses do ano,: o que é feito para que o exercício desta experiência seja permanente
na escola ou no assentamento de forma geral?
Ferreira (2002:185), ao relatar um encontro de Sem Terrinha do Estado do
Pernambuco, afirma que, no local de sua pesquisa, o Assentamento Catalunha, a
socialização não ocorreu de forma planejada. O autor afirma que:

39
Infelizmente, no período de duas semanas que ainda fiquei no Assentamento
Catalunha, período este que foi contemplado com a comemoração do dia das
crianças, na escola, não houve nenhuma ação concreta que pudesse ser
caracterizada como um resgate do que havia acontecido no V encontro
estadual dos Sem Terrinha: nem pelas educadoras, nem pelas Crianças.

A socialização deve ser planejada com intencionalidade, pois através dela


podem desencadear-se outras atividades pertinentes ao assentamento ou
acampamento. Caso isso não ocorra, deixa entrever que os encontros são atividades
desligadas da totalidade do MST, tornando-se esporádicas, não passando de mais uma
atividade realizada sem a devida intencionalidade educativa que deve ter continuidade
nos assentamentos. Neste sentido, o encontro não atingiu seus objetivos, pois ficou
reduzido a atividades estanques, sem as devidas articulações entre o global e o local,
ou seja, a vida cotidiana das crianças. É preciso encontrar formas de dar continuidade
às atividades e às vivências dos encontros, como tática de educação das crianças
assentadas e acampadas. Caso isto não ocorra, esses encontros não se diferenciarão
das atividades que todas as escolas brasileiras, públicas ou particulares, realizam todos
os anos, em comemoração ao Dia das Crianças, as quais também se esgotam naquele
mesmo dia.
A desarticulação entre a escola, a comunidade e o coletivo de educação do
Movimento pode trazer conseqüências, porque, ao não cumprirem um plano de trabalho
mais sistematizado.
Por isso, faz-se necessário que as escolas participem de todas as fases do
encontro, para que as vivências dos encontros passem a ser relacionadas ao cotidiano
das crianças nos assentamentos e acampamentos, de modo a tornar-se cultura, no
sentido das crianças construírem outro modo de vida, baseado em outras relações.
Segundo Makarenko (2002:285), há uma necessidade de organização, permanente,
das crianças nas diversas atividades desenvolvidas; Se os educandos se encontram
organizados na escola e no trabalho, mas nas horas livres lhes é permitido um

40
comportamento arbitrário, os efeitos educativos serão sempre baixos. O autor fala da
necessidade de implementar uma educação permanente e intencional em todas as
dimensões, ou seja, uma educação ampla. Isto é essencial no Movimento, visto que as
crianças, embora assentadas ou acampadas, são sujeitos participantes de um processo
de luta permanente, e estão inseridas em uma sociedade de mercado, em que
predominam valores e relações sociais antagônicas aos valores defendidos pelo
Movimento. Estas crianças vivem em permanente tensão entre os valores e as relações
sociais do MST e os da sociedade capitalista, que se contrapõem e se chocam
permanentemente, exigindo sempre dos educadores e educadoras uma série de
reflexões sobre o modo de vida, em todos os locais de vivência das crianças.

Mesmo não atingindo resultados imediatos, é possível constatar que os


encontros dos Sem Terrinha constituem processos cumulativos de formação de uma
geração de jovens do MST, que passaram pelos encontros dos sem terrinha;
atualmente, é comum encontrar muitos jovens desenvolvendo um trabalho com as
crianças do MST, como é o caso de Fabinho da regional de Itapeva - SP. Muitos outros
estão na coordenação de setores, direção da regional, núcleos de base ou em outras
tarefas do Movimento; assim, é uma constatação de que houve um despertar para o
processo de exercício da militância nestes encontros dos Sem Terrinha. As ações
desenvolvidas nos encontros exigem que as crianças aprendam a tomar decisões,
respeitem a organização coletiva, propiciem o debate, sejam disciplinadas e
desenvolvam o sentido de pertença à organização. Para isso, as crianças aprendem a
planejar, executar e avaliar em conjunto, desde as atividades mais políticas ao lazer
coletivo.
Segundo Araújo29 (2007:102):

29
Maria Nalva Rodrigues de Araújo é Professora da Universidade Estadual da Bahia e faz parte do
Setor de Educação em nível nacional.

41
Os encontros dos Sem Terrinha também educam os adultos, sendo que, ao acompanhá-
los, eles precisam ouvi-los, respeitá-los como crianças diferentes que estão se formando
em um contexto de luta, exigindo dos adultos, muita paciência pedagógica. Desse modo,
o processo do encontro é um cabedal de possibilidades de construção de um ser humano
para outro projeto histórico. Contribuem, ainda, para romper o isolamento das crianças e
das escolas do campo, possibilitando atividades conjuntas, onde várias escolas de
assentamentos e acampamentos precisam se articular e permitem que sejam feitas
parcerias com universidades, centros esportivos, grupos culturais, visitas aos locais
históricos.

Na realização dos encontros, conta-se com voluntários de universidades e de


outras organizações. Geralmente, há uma reunião com todos para explicar os objetivos
dos encontros e as funções, pois, ao serem planejadas, as atividades devem
apresentar uma intencionalidade, conforme os objetivos propostos para os encontros.
Isto porque, muitas vezes, as atividades são elaboradas individualmente, em cada
organização que se propõe, voluntariamente, a desenvolver o trabalho. Desse modo,
constata-se uma desarticulação entre as atividades desenvolvidas e os objetivos dos
encontros. Assim sendo, é muito importante que se garanta a unidade metodológica
em torno da preparação, da execução e da avaliação dos encontros, pois, é primordial
garantir que, de fato, se consolide uma educação para a transformação social, como
orienta o MST em seus princípios pedagógicos e filosóficos.

1.4 – Reforma Agrária: uma luta de todos – Com Escola, Terra e


Dignidade

A conjuntura do país sofreu mudanças e isso trouxe impactos também na


organização do MST. O debate era: Que reforma agrária queremos? 30 e a luta pela
reforma agrária passou a ser defendida como uma luta de todos, do conjunto da
sociedade. A partir de 1998, surgiu a necessidade da construção de um Projeto Popular
30
MST, Caderno de Formação nº. 23. Programa de Reforma Agrária. São Paulo: 1995.

42
para o Brasil. Assim, os pequenos agricultores e os movimentos sociais do campo se
organizaram para refletir sobre este projeto. No processo de luta pela terra, então,
esses Movimentos unificaram-se através da Via Campesina31, a fim de lutar por um
Brasil sem latifúndio.
Nesse sentido, as pautas de reivindicações dos movimentos sociais do campo se
unificaram e ficaram mais específicas, no que tange à educação. Através destas
reivindicações, o Setor de Educação possibilitou a garantia do direito e a escolarização
para todos e, sua viabilização, com mais qualidade. Em janeiro de 1995, foi publicado o
Caderno de Educação nº6: Como fazer a escola que queremos: o planejamento. A luta
por escola continua na pauta do Movimento ainda hoje. As conquistas mais recentes
vêm das escolas itinerantes para os filhos e filhas dos acampados. Esta conquista
ocorreu no ano de 1996, no Estado do Rio Grande do Sul. Conforme Camini (1998:63):

(...) no acampamento de Júlio de Castilhos, os pais, educadores e as crianças,


insatisfeitos com a morosidade na solução para a criação da escola, as famílias
se organizaram, discutiram a educação e começaram a dar aula nas condições
precárias que ali existiam. Enquanto isso tramitava lentamente na Secretaria de
Estado da Educação e posteriormente no Conselho Estadual de Educação, o
processo para a legalização de sua Escola Itinerante. Desta forma, crescia
entre os acampados a preocupação com a possível perda do ano letivo das
crianças. Como no dizer dos acampados: „não queremos uma escola de fazer
de conta‟. A direção do acampamento, os educadores e as crianças tomaram
uma decisão política de virem a Porto Alegre e pressionar o Conselho Estadual
a aprovar a escola. Na noite do dia 18 de novembro, avisaram a Direção
Estadual e o Setor de Educação do MST que o projeto de criação da escola
estava na pauta da reunião no conselho estadual para ser votada no dia
seguinte. Assim, 70 crianças e alguns educadores, no amanhecer do dia 19 de
novembro, dia da Bandeira do Brasil, chegaram a Porto Alegre para participar
da sessão plenária do Conselho Estadual de Educação, no momento em que
seria votado o Projeto de aprovação ou não de sua escola. Com bandeiras do
Movimento, cartazes e faixas, entraram na sala do Conselho e ali viram a sua
escola sendo aprovada, como uma experiência por dois anos

31
A Via Campesina, no Brasil, existe desde 1992 e é formada por vários Movimentos Sociais do
Campo, tais como: MMC - Movimento de Mulheres Camponesas, MPA - Movimento dos Pequenos
Agricultores, MAB - Movimento dos Atingidos por Barragem, CPT- Comissão Pastoral da Terra, MST -
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, PJR - Pastoras da Juventude Rural etc. Convêm
destacar, ainda, que a Via Campesina está organizada tanto em nível Nacional e quanto em nível
Internacional.

43
É importante salientar que o ponto da escola era o último da pauta da reunião.
Com a chegada das crianças, o Conselho Estadual de Educação trouxe o ponto para
ser o primeiro a ser votado. O projeto foi aprovado por unanimidade pelos conselheiros.
Atualmente, existem as escolas itinerantes em alguns estados32. No Estado do Paraná,
a escola funciona desde a Ciranda Infantil até o Ensino Médio e, atualmente, há 11
escolas itinerantes funcionando.

Com o ânimo de ajudar a construir um processo de educação, voltado mais para


a sua realidade, no dia 27 de julho de 1996, em Santos, SP, foi realizada a formatura da
5ª Turma do Magistério, em nível nacional. Durante a última etapa do curso, ocorreu um
debate sobre a necessidade de combinar alfabetização com formação técnica. Naquele
momento, definiram-se algumas linhas de trabalho: a superação do analfabetismo e a
garantia do certificado para os educandos que concluíssem o curso de alfabetização,
incentivando-os a continuarem seus estudos.

Este debate apontou para uma reestruturação do Coletivo Nacional de


Educação. Neste sentido, o Coletivo começou a organizar grupos de trabalhos, as
denominadas “frentes de trabalho”33, para que melhor viabilizassem suas atividades
pedagógicas e para atender à demanda de trabalho na área. Assim, foram organizadas:
Frente de Educação de Jovens e Adultos, Frente de Ensino Fundamental e Médio e
criaram uma nova, a Frente de Educação Infantil.

No curso de Magistério, como critério para a conclusão do curso, elaborava-se


um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sendo que um dos trabalhos trouxe a

32
As escolas itinerantes funcionam em acampamentos e são reconhecidas legalmente pelo
Conselho Estadual de Educação. Esta experiência existe há 12 anos no Rio Grande do Sul e, mais
recentemente, nos estados PR, GO, AL, PI.
33
As frentes de trabalho são formadas por pessoas do Coletivo Nacional que têm certas
habilidades para desenvolver as tarefas que a frente se propõe a realizar.

44
experiência de educação infantil, vivenciada junto às crianças do assentamento 1º de
abril, no município de Prado, estado da Bahia. O título do trabalho foi Reforma Agrária
uma Luta de Todos: dos pequenos também. Este trabalho descreve a experiência de
educação infantil, daquele assentamento. Assim sendo, nesta etapa do curso foi
possível forjar, pela primeira vez no Setor de Educação, uma discussão sobre a
educação infantil no MST. A partir dessa discussão, passou a existir a Frente de
Educação Infantil Nacional.

Também em julho de 1996 foi publicado o Caderno de Educação nº 8: Os


Princípios da Educação no MST, que apresenta os princípios filosóficos e pedagógicos
do Movimento. Estes princípios embasam o projeto de educativo do MST. Segundo
Araújo (2007: 48):

O caderno é o acúmulo prático e teórico dos integrantes do Movimento e nele o


MST esclarece que tipo de escola deseja construir, e também, a função tática
da educação para o Movimento. Visualizam-se, neste caderno, as vertentes
teóricas que orientam e embasam a proposta de educação do Movimento,
apresentadas em torno de princípios filosóficos e pedagógicos da educação do
MST.

Nesse caderno, o MST exprime o que entende por princípios, convicções,


formulações que são balizas, marcos, referências para o trabalho de educação no MST.
Importa lembrar que o Movimento tem uma atuação em quase todo o território nacional,
exceto em alguns estados da região Norte34; sendo assim, apresenta diferenças
significativas a depender da realidade de cada Estado.
O Movimento organiza os processos educativos de sua base social da seguinte
forma: Educação Escolar nos níveis Fundamental e Médio; Cirandas Infantis

34
Os Estados em que o Movimento não está organizado atualmente são: Acre, Amazonas, Amapá.
A partir de 2008 o MST inicia sua organização no Estado de Roraima.

45
Permanentes ou Itinerantes; Encontros dos Sem Terrinha; Escolas Itinerantes nos
Acampamentos; Educação de Jovens e Adultos; Cursos Formais para a Formação dos
Educadores e Educadoras. Todas estas experiências educativas são desenvolvidas
tendo em vista os princípios filosóficos e pedagógicos do Movimento.
Os princípios filosóficos35 dizem respeito à visão de mundo que o Movimento
defende; à sua concepção de sociedade, de pessoa humana e educação que pretende
e que constrói. Conforme sua proposta pedagógica, os princípios filosóficos da
educação do MST são:

Educação para a transformação social

Para o Movimento, a educação deve contribuir para a transformação da


sociedade, bem como para a construção de uma nova ordem social, baseada nos
pilares da justiça social e nos valores humanistas e socialistas. Neste princípio,
apresenta algumas características como:
 Educação de classe: uma educação que se propõe, em seu
compromisso, a desenvolver a consciência de classe e a consciência
revolucionária, tanto dos educandos quanto dos educadores.
 Educação massiva e de qualidade: o Movimento defende o maior
número de crianças, jovens, adultos e idosos na escola, e, na sua
trajetória histórica, pode notar que a idade não é um problema para
desenvolver uma formação integral dos trabalhadores.
 Educação organicamente vinculada ao movimento social: significa uma
escola com a identidade do MST, que se desenvolva ligada às lutas,
aos objetivos do Movimento. Mais do que uma educação para o MST, o
Movimento defende uma educação do MST.
 Educação aberta ao mundo: não se fechar na sua própria realidade, ou
seja, partir desta realidade para compreender um contexto mais amplo,
projetando um futuro numa perspectiva de uma transformação social.

35
Para melhor aprofundamento consultar o caderno: Princípios da Educação do MST nº. 08.

46
 Educação para a ação: propõe que a sua educação seja capaz de
preparar os sujeitos para intervir na realidade, de maneira que
transcendam da consciência crítica (denúncia e discussão de
problemas) à consciência organizativa (da crítica à ação organizada
para intervir na realidade).
 Educação aberta ao novo: objetiva desenvolver uma educação que
possibilite aos sujeitos a construção de novos valores, novas relações
sociais.

Educação para a cooperação

O Movimento constata que a sua base social é composta por, basicamente,


trabalhadores/as rurais, e, desta forma, os acampados e assentados trazem uma
cultura individualista, de isolamento, de conservadorismo e agarrada à propriedade.
Segundo Araújo (2007:51):

O Movimento desenvolve uma formação intencional, voltada para a cultura da


cooperação e para as incorporações criativas das lições históricas da
organização coletiva, do trabalho cooperativo; entra nas escolas e proporciona
a vivência da experiência cooperativa, desde as ações mais simples até as
mais complexas. O aprendizado de organização e a luta pela terra,
desenvolvidos pelo MST, produzem lições que vão se tornando estratégicas no
processo educativo para ajudar a construir as novas relações, transformando as
mentalidades numa perspectiva de organização e desenvolvimento do modo de
vida no meio rural.

Com isso, o Movimento ressalta a importância da produção nos coletivos e


constrói vivências de cooperação com as crianças. Porém, esta ação requer
transformação ou mudança de comportamentos, habilidades e saberes; a formação de
uma nova consciência social; e, a construção de novas relações sociais nos
assentamentos. Além da defesa e a valorização do trabalho humano como fonte de

47
construção da vida, busca-se a realização e construção de direitos de cidadania, tendo
em vista a emancipação humana.

Educação voltada às várias dimensões da pessoa humana

O MST argumenta que uma experiência educativa revolucionária deve trabalhar


na perspectiva de integrar as diversas esferas da vida humana. Assim sendo, é
importante ressaltar que a educação no MST é uma educação omnilateral, ou seja, seu
projeto educativo vem desenvolvendo um trabalho em várias dimensões tais como:
lúdica, intelectual e manual, política, estética, ética, cultural, afetiva, etc. Em cada uma
das experiências educativas do Movimento, destacam-se as várias dimensões da
pessoa humana de um modo indissociável do processo de educação.

Educação com valores humanistas e socialistas

O Movimento Sem Terra é um movimento contra-hegemônico, ou seja, que luta


contra o capitalismo, visando romper com os valores da sociedade capitalista (lucros,
individualismo, concorrência, consumismo). Isso é um desafio fundamental,
principalmente porque, o MST almeja contribuir para a construção de homens e
mulheres novos. Nesta perspectiva, há uma intencionalidade nas escolas dos
assentamentos e acampamentos vinculados ao MST. Estes cultivam nos educandos e
educadores outros valores, como companheirismo, solidariedade, etc. Para o
Movimento, não basta conquistar a terra, melhorar a vida e continuar com as mesmas
relações sociais, atitudes e valores anti-humanos da sociedade capitalista. É
importante cultivar os valores que propõem romper com a ética capitalista, fomentando
a perspectiva socialista, como:
 Sentimento de indignação diante das injustiças e da perda da
dignidade humana.
 O companheirismo e a solidariedade entre as pessoas.
 A coerência ética.

48
 A busca da igualdade e o respeito às diferenças.
 O afeto entre as pessoas.
 A capacidade permanente de sonhar, de partilhar os sonhos e de
agir para realizá-los.

Educação, formação e transformação do ser humano.

Um princípio que o MST considera fundamental em sua proposta educativa é a


profunda crença na pessoa humana e na sua capacidade de formação e transformação.
Ao organizar um acampamento, o perfil das pessoas acampadas, no início, é muito
adverso, mas uma característica é certa: na grande maioria são pessoas que procuram
saídas para seus problemas e não têm acesso aos direitos básicos: moradia, comida,
família, educação etc., Essas pessoas vêem no acampamento uma saída para seus
problemas, e, assim, seguem o Movimento. Nos acampamentos, essas pessoas,
através da luta coletiva, constroem a sua história como sujeito coletivo.

O MST (1999:23) (...) acredita na capacidade de transformação permanente dos


seres humanos; as pessoas mudam, educam-se e são educadas num processo que só
termina com a morte (...). Por outro lado, entende-se que esse processo não se dá de
forma aleatória; não bastam discursos, palavras e teorias, é preciso que haja as
vivências concretas do novo. Assim sendo, o Movimento potencializa, desafia e reflete
sobre cada processo acontecido neste grande espaço social que é o MST. Os
indivíduos passam por um momento dialético; no processo, passam a se entender
como sujeitos, que têm uma história; constroem a identidade de Sem Terra.

Os Princípios Pedagógicos referem-se ao jeito de pensar e pôr em prática os


princípios filosóficos da educação do Movimento, ou seja, é basicamente a reflexão
metodológica dos processos educativos que acontecem nos assentamentos e
acampamentos. Estes princípios pedagógicos são essenciais para a implementação da

49
proposta de educação, especialmente na parte metodológica dos processos educativos
desenvolvidos. Os princípios pedagógicos que impulsionam este trabalho são:

Relação prática e teorias


Para o MST, o ponto de partida do processo educativo é a produção da
existência material das crianças, aliada às suas experiências de vida, lutas e
esperanças. Segundo Araújo (2007: 58):

O ato de ocupar a terra, romper com a propriedade privada consagrada no


sistema capitalista, trabalhar a terra e lutar pelo acesso à escola pública é uma
práxis, essa ação propicia as crianças do Movimento a ocupação de um espaço
político, socioeconômico e geográfico; este espaço possibilita a estes sujeitos a
construção de uma identidade coletiva, alterando a situação da propriedade.
Assim, a prática social das crianças, filhos e filhas de assentados e acampados,
bem como a dos seus pais, serve de substrato, matéria-prima no processo
ensino-aprendizagem. A trajetória individual e coletiva das famílias, no processo
de luta e conquista da terra, os problemas passados, presentes e as
perspectivas de futuro permeiam as atividades educativas nas Cirandas
Infantis, as escolas etc.

Sendo assim, para o Movimento Sem Terra esse princípio é muito importante,
pois propicia às crianças a capacidade de estabelecer relações com os outros em
várias situações da sua vida.

A realidade como base de produção dos conhecimentos


No MST, entende-se que uma criança aproveita melhor o estudo quando
vinculado à experiência, e que a educação tradicional centraliza o ensino em conteúdos
livrescos, estanques, que ninguém explica para onde vão e nem para que servem.
Compreende-se, também, que esse tipo de ensino não leva à construção do
conhecimento, ao contrário, leva à “decoreba” e ao tédio nos seus estudos. Isto quando
os educandos não desistem antes mesmos de completar o ano letivo. O Movimento

50
reafirma que a realidade a que se refere é a realidade da classe trabalhadora, e
argumenta que, quando se fala em realidade, está referindo-se não apenas à realidade
próxima que se vive ou enxerga, e sim a uma realidade local para se chegar a uma
mais geral ou vice-versa como, por exemplo, ao explorar a situação da agricultura, do
assentamento, como atividade educativa, esta tem possibilidade de propiciar às
crianças uma compreensão local, mas, também, compreender o papel e a estratégia
das grandes corporações da agricultura mundial.

As atividades pedagógicas são iniciadas, geralmente, em torno de informações


dos próprios assentados ou pesquisa desenvolvida pelos próprios educandos, como:
preços dos produtos, relação de compra e venda dos produtos da agricultura, reforma
agrária, comércio, sementes geneticamente modificadas, sementes crioulas, questão
das águas, proteção das nascentes, meio ambiente, desemprego, moradia, transportes
etc. Acredita-se que esses elementos ajudam o educando a entender a situação global
mais complexa, a partir da realidade local, ou seja, o assentamento no qual ele está
inserido. Todo esse processo é realizado por meio da problematização, investigação da
realidade e da prática social desenvolvida pelas crianças.

Atitudes e habilidades de pesquisa


A pesquisa, para o Movimento, refere-se à investigação da realidade, consistindo
no esforço sistemático e rigoroso que se faz para entender, mais profundamente, aquilo
que constitui um problema para os assentamentos. Sendo assim, pesquisar é construir
a solução de um problema, a partir do conhecimento da situação atual e de sua história
anterior. Desse modo, propõe-se investigar e fazer o diagnóstico da realidade,
objetivando-se conhecê-la com a finalidade de modificá-la. As vivências pedagógicas
estão vinculadas ao princípio da relação teoria e prática, ou seja, o pensar e o fazer
pedagógico, tendo a realidade como base de produção do conhecimento, e, assim,
concebem-se na proposta educativa do Movimento.

51
A ideia é conhecer a realidade para apresentar propostas coerentes com as reais
necessidades, além de contribuir para o registro escrito, para a reflexão e para o
histórico da realidade. Araújo (2007:61.) afirma que: Esse princípio tem por objetivo
também provocar nos educandos e educadores uma atitude diante do mundo, uma
atitude para ir além das aparências e buscar a essência das coisas. Este processo
envolve a participação dos educandos e educadores. Assim, a pesquisa, que no
primeiro momento é articulada com o ensino, transforma-se em uma ferramenta que os
educadores e educadoras lançam mão para, junto aos educandos e educandas,
buscarem a superação de situações e problemas da realidade.

Conteúdos formativos socialmente relevantes


A quantidade de conhecimentos produzidos e sistematizados pela humanidade é
imensa. Nesta produção estão contidas relações de poder, ideologia, política; portanto,
eles não são neutros. O MST compartilha da convicção pedagógica de que os
conteúdos são instrumentos para atingir os objetivos do ensino e aprendizagem. Isto
significa dizer que não é qualquer conteúdo que serve para as escolas, Cirandas
Infantis e outros espaços do MST, ao contrário, por ser considerado pelo Movimento um
instrumento significativo o conteúdo deve ser escolhido em prol da realidade dos
educandos. Portanto, é preciso saber quais as possibilidades que este conteúdo
apresenta para educar os sujeitos na perspectiva da transformação social. Neste
sentido, o conteúdo deixa de ser a centralidade da escola, das Cirandas, e, quem
ganha esta centralidade são os sujeitos sociais.

Educação para e pelo trabalho


Neste princípio, compreende-se que o trabalho na escola não pode ser uma
espécie de “parêntese”; pelo contrário, ele deve permear o conjunto das atividades
pedagógicas que ali se desenvolvem. Acredita-se que as experiências educativas,
especialmente nas escolas, não podem ficar alheias aos processos produtivos da
sociedade em geral, sobretudo dos assentamentos.

52
O MST compreende que é necessário formar pessoas que valorizem o que
fazem. Apesar do lugar de submissão, ocupado pela pequena agricultura no modelo de
desenvolvimento deste país, o Movimento argumenta que é de suma importância
trabalhar a auto-estima dos trabalhadores para que estes se disponham a colaborar, a
se preparar e assumir, cada vez mais, a produção coletiva, que, conseqüentemente, se
reverterá em melhorias das condições de vida dos trabalhadores.
Nas escolas e nos assentamentos, os educandos se organizam em grupos e
cada grupo desenvolve algum tipo de trabalho previamente planejado, que varia desde
arrumação de biblioteca, arrumação dos brinquedos, ao cultivo de hortas e jardins,
irrigação de canteiros, criação de pequenos animais, limpeza e embelezamento da
escola e de seus arredores. Vale ressaltar que todo esse tipo de atividade ainda
permite o exercício de planejamento, responsabilidade, experiência de coordenação de
atividades, cooperação e avaliação do processo, além da convivência e crescimento
coletivo.
Em vista disso, o MST defende a necessidade do trabalho como princípio
educativo e para a produção da vida no conjunto de atividades socioculturais que se
desenvolvem em todos os espaços educativos: nas escolas, nas Cirandas Infantis, nos
cursos, nos encontros e nos seminários.

Vínculos orgânicos entre os processos educativos e os processos políticos

Com este princípio, o Movimento trabalha a relação entre educação e política, o


que significa fazer a política atravessar os processos pedagógicos que acontecem nas
escolas, nos cursos, nos encontros, nas jornadas, nos seminários; isto quer dizer que
não é somente conversar sobre as questões políticas, e sim, fazer com que os
educandos e educandas se eduquem na participação de lutas concretas dos
trabalhadores, possibilitando assim a organização dos educandos e educandas para
lutar pelos seus direitos; enfim, é participar das lutas gerais do Movimento. Sendo
assim, o MST não esconde a sua intencionalidade político-pedagógica para com as
escolas de assentamentos e acampamentos.

53
Vínculo orgânico entre educação e cultura

Na concepção do MST, cultura significa tudo aquilo que as pessoas, os grupos e


as sociedades produzem para representar ou expressar o seu jeito de viver, de sonhar
e entender o mundo. A cultura camponesa se expressa por meio de linguagem, dos
costumes, da arte, das tradições, dos comportamentos e das normas, dos
relacionamentos, dos valores, da sabedoria popular, etc. Segundo Araújo (2007: 65):

O papel da educação no MST tem sido o de ajudar no processo de construção


e reconstrução da identidade cultural dos trabalhadores que pertencem ao
Movimento. Essa identidade tem a marca do acampamento, da luta, da
angústia, da tensão, do agir coletivo, do enfrentamento, da possibilidade dos
excluídos se tornarem sujeitos sociais, construindo no processo uma identidade
própria. Essa construção tem a finalidade de desenvolver, ao invés da
submissão, a cultura da rebeldia, da mudança, da possibilidade, da
insubmissão e independência mediante um processo de superação e ruptura
com a exploração do passado.

Os temas gênero, embelezamento dos assentamentos e acampamentos, meio


ambiente, meios de comunicação, preservação das nascentes, cultivo das sementes,
ervas medicinais fazem parte das discussões no cotidiano das Cirandas entre os
educadores e as crianças, como também das discussões mais gerais do MST. Além
desses estudos, são reservados espaços para vivência e produções culturais das
crianças. Sendo assim, o MST tem realizado debates e peças de teatros culturais
acerca da questão dos organismos geneticamente modificados em vários espaços
educativos, mostrando a cultura camponesa numa perspectiva da emancipação
humana e que caminha em direção a uma cultura contra-hegemônica.

Auto-organização dos educandos

54
Este princípio toma como referência o próprio jeito que o Movimento se organiza
em seus acampamentos e assentamentos, isto significa dizer que não basta as
crianças, educadores e educadoras estudarem ou discutirem sobre a democracia, pois
é necessário vivenciarem um espaço de participação democrática, educando-se pelo
coletivo.
Nessa perspectiva, o MST busca a sustentação teórica desse princípio na
Pedagogia Socialista. Por isso, organiza os coletivos infantis, coletivos dos educadores
e educadoras; a auto- organização dos estudantes; a participação da comunidade
assentada e acampada nas decisões dos espaços educativos do Movimento, ou seja,
incentiva todos os sujeitos da sua base social a se envolver no processo educativo.
Estes se envolvem nos coletivos pedagógicos, na direção coletiva.
Segundo Makarenko (1987: 17): (...) coletivo é um complexo de indivíduos
animados de um fim determinado, que estão organizados e possuem organismos
coletivos (...). Por sua vez, para Pistrak (2002:77), (...) as crianças e também os
homens, em geral, formam um coletivo, quando estão unidos por determinados
interesses, dos quais têm consciência e que lhes são próximos (...). É com esse
entendimento que o MST propõe que funcionem os vários coletivos nos assentamentos
e acampamentos, nas escolas, ou seja, na totalidade do Movimento, dos quais
participam educandos, pais, educadores e dirigentes do Movimento, entendendo que a
educação não deve ser de responsabilidade apenas do educador e da educadora.

À causa disso, o Movimento cria os coletivos de Educação, que passam a fazer


parte da estrutura organizativa do MST, desde as escolas de assentamentos até o
Coletivo Nacional de Educação. Estes são espaços de formação permanentes dos
educadores e educadoras, a qual ocorre de diversas maneiras, dentre as quais
destacamos: a reflexão sobre a prática pedagógica; o estudo; as discussões e a
preparação para as atividades de formação promovidas pelo Movimento, pelos órgãos
públicos, ou por outras entidades. Além da troca de experiência de qualificar o trabalho,
o coletivo tem uma dimensão formativa, pois as relações que se estabelecem entre os

55
sujeitos do coletivo têm o papel educativo durante o processo, alimentando o direito de
sonhar, criar, ousar, propor e se desafiar a fazer tarefas novas.

Outro ponto importante deste princípio é direção coletiva que o MST traz desde a
sua fundação. Na dimensão da escola, refere-se a cada processo pedagógico que vai
além dos seus participantes mais diretos, porque todos são envolvidos no processo:
pais, educadores, educandos, direção do assentamento e acampamento. Com isso, as
decisões da escola são tomadas de forma coletiva. A auto-organização para o MST
implica em que os sujeitos tenham tempo e espaço autônomos para encontrar-se,
discutir suas próprias questões, tomar suas decisões. Desse modo, a auto –
organização é destacada como conteúdo pedagógico, para desenvolver a consciência
organizativa das crianças. Em relação ao processo de criação e funcionamento dos
coletivos é necessário que as crianças tenham um espaço de liberdade e iniciativas
suficientes para organizar a vida nestes coletivos, sob orientação dos Educadores e
Educadoras.

Combinação entre os processos pedagógicos coletivos e individuais

No entendimento do Movimento, a respeito deste princípio, o ser individual está


no centro das reflexões, entendido como um sujeito que estabelece relações com
outras pessoas, em coletivos, num determinado contexto histórico-político e sócio-
cultural. Assim sendo, no âmbito da discussão metodológica não se ignora o
acompanhamento personalizado, pois se os educadores e educadoras conhecem cada
criança, suas características peculiares, seus limites e seus destaques e tentam
potencializar as habilidades de cada uma, ampliam-se as possibilidades de uma melhor
inserção no coletivo.
Segundo o MST, o desafio tem sido criar formas de avaliação que contemplem
as atuações pessoais e coletivas de forma que não haja uma postura autoritária,
repressora e paternalista. Hoje, há um entendimento no Movimento que se a pessoa
não estiver bem consigo mesmo, dificilmente estará bem e contribuirá com o coletivo.

56
Embora o projeto educacional do MST esteja delineado, não está pronto e
acabado, mas em construção, sendo vivenciado e recriado no dia a dia nos espaços
educativos do MST. Contudo, apesar de inacabada, a proposta de educação do MST
continua sendo a mesma que norteia o pensar e o fazer pedagógico e desafia,
permanentemente, os sujeitos que dele fazem parte.
Cabe ressaltar, ainda, que esta proposta educativa foi construída num período
em que as discussões no MST sobre a educação tinham como meta a organização e a
luta pelas escolas nos assentamentos e esta luta ainda continua nos dias de hoje.
Neste sentido, tal proposta está centrada na forma de como organizar os saberes nas
escolas de assentamentos e acampamentos.
Depois da proposta delineada, outros espaços educativos no MST foram
surgindo, como é o caso das Cirandas Infantis. Assim sendo, para contemplar as
crianças de idade entre zero a seis anos, se faz necessária a ampliação dos princípios
pedagógicos, que já estão apontados na proposta, que contemple este público. Tal
ampliação deve estar vinculada às vivências pedagógicas e às realidades das Cirandas
Infantis do MST.

Ainda, analisando os princípios descritos nota-se que a proposta de educação do


Movimento Sem Terra, além de conceber a educação de forma ampla, propõe superar
a concepção oficial de escola. Esta proposta contraria a ordem social vigente, porque
está a serviço dos interesses da classe trabalhadora do campo. No que se refere à
educação escolar, esses princípios esbarram numa série de impasses, pois o MST está
inserido em uma sociedade na qual as relações predominantes são antagônicas às
defendidas pelo Movimento.
Assim, os princípios permanecem nas escolas dos assentamentos numa tensão
entre o projeto de educação de uma sociedade capitalista e os elementos do projeto de
sociedade que o MST vem construído na sua base social. Estas contradições na
implementação da proposta pedagógica do MST nas escolas dos assentamentos estão

57
amplamente analisadas em trabalhos como os de Araújo (2000-2008), Camini (1998),
Machado (2003), Pizetta (1999), Vendramini (1998- 2000).
Em 28 a 31 de julho de 1997, ocorreu o 1º Encontro Nacional dos Educadores e
das Educadoras da Reforma Agrária - 1º ENERA36 - no campus da Universidade de
Brasília - UnB. A organização deste encontro foi da seguinte forma: em um período,
ocorreram as grandes plenárias, nas quais se discutiram os grandes temas e, em outro,
aconteceram os trabalhos em miniplenárias organizadas por frentes do Setor de
Educação, para discussão específica. Em cada Grupo de Trabalho (GT), havia a
presença de educadores especialistas nas áreas de trabalho para ajudar na reflexão de
cada tema e no debate. Assim, projetou-se o trabalho de cada frente do Setor de
Educação. O lema trabalhado no ENERA foi: Movimento Sem Terra: Com Escola, Terra
e Dignidade. Este lema assumiu, com mais força, a educação como um direito a ser
construído e conquistado pelos assentados e acampados.

Nesse Encontro, surgiu o desafio de organizar a primeira Ciranda Itinerante


Nacional, com 80 crianças de todo o país. O Movimento afirma que isto foi um desafio,
pois o que estava sendo permeado nos debates, nas reuniões nacionais de certa forma
não traduzia a realidade apresentada na Ciranda Infantil do Encontro. Sendo assim,
esta colocou alguns desafios para o Setor de Educação:
 A organização do espaço no sentido de melhorar o desenvolvimento
das atividades pedagógicas;
 A formação dos Educadores e Educadoras: estes revelaram que pouco
se conhecia o mundo da criança e que se tinha uma dificuldade imensa
para as brincadeiras, as cantigas de rodas etc.
 O planejamento feito pela coordenação para ser desenvolvido na
ciranda foi praticamente abandonada, e somente alguns educadores

36
Este encontro foi promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com
diferentes parcerias: a Universidade de Brasília - UnB, o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

58
recorriam ao seu uso. Tal ação gerou uma discussão que, para as
próximas cirandas, o planejamento deveria ser elaborado com os
Educadores e Educadoras.

Segundo o Setor de Educação, no Grupo de Trabalho de Educação Infantil


também surgiram vários limites; por mais que todos viessem da mesma realidade como
participantes do Setor de Educação e do Movimento Sem Terra, a coordenação da
Frente pouco conhecia sobre a Educação Infantil no MST. Conseqüentemente, o
desafio foi que a própria coordenação estudasse sobre o assunto e socializasse com o
conjunto do MST.

Através destas experiências, pode-se afirmar que todo processo de educação


tem limites e também possibilidades. Nesse encontro, umas das possibilidades que
apareceu com força no debate foram que as cirandas iam se espalhar, rapidamente,
por todos os Estados. Nesse sentido, elas poderiam ser um instrumento poderoso para
desenvolver, na base social do Movimento, a luta pelo direito à pequena infância, pois a
luta maior era por escolas. As crianças pequenas geralmente ficavam com o irmão
menor ou com a vizinha, e em alguns casos até mesmo sozinhas, apesar de haver
creches em algumas cooperativas para os filhos dos associados, pois muitos pais não
eram associados a estas cooperativas.
Ainda neste Encontro, as entidades presentes se propuseram a pensar,
juntamente com os participantes, um trabalho mais amplo sobre a educação a partir do
mundo rural, levando em conta o contexto do campo e uma cultura específica, no que
diz respeito à maneira com que o homem do campo se relaciona com o tempo, com o
meio ambiente e com o seu modo de viver. Sendo assim, estas entidades se reuniram
para puxar um encontro para discutir a educação do campo.

59
Em julho de 1998, ocorreu a 1° Conferência Nacional Por uma Educação Básica
do Campo37, em Brasília, com a participação de 970 pessoas. Esta Conferência teve
por objetivo contribuir para recolocar o debate sobre a educação no meio rural na
agenda política do país, com o desafio de pensar e fazer uma educação vinculada à
estratégia de desenvolvimento do povo do campo. Com a participação dos vários
Movimentos Sociais do Campo, das Universidades, de Órgãos Governamentais,
Secretarias de Educação, Organismos de Igrejas presentes na conferência, foram
apontadas os vários desafios a serem trabalhados pelos Movimentos Sociais,
especialmente, os valores, os princípios e os objetivos38 que constroem a identidade e a
unidade à articulação da Educação do Campo.

Decorrente disso, os Movimentos Sociais do campo passaram a realizar os


encontros estaduais, tendo como principal discussão que todos os sujeitos do campo
têm direito à educação, desde a infantil à universitária. A pergunta principal referia-se
ao que significava ser sujeito do campo. Caldart (2002: 29) enfatiza que:

Os sujeitos da educação do campo são aqueles e aquelas que sofrem na pele o


efeito desta realidade perversa, mas que não se conformam com ela. São
sujeitos que lutam para continuar sendo agricultores, apesar de um modelo de
agricultura cada vez mais excludente; sujeitos de resistência de luta pela terra e
pela reforma agrária; sujeitos que lutam por melhores condições de trabalho no
campo; sujeitos de resistência na terra dos quilombos e pela identidade própria
desta herança; sujeitos na luta pelo direito de continuar a ser indígena e
brasileiro, em terras demarcadas, tendo suas identidades e direitos sociais
respeitados; sujeitos de tantas outras resistências, culturais, políticas,
pedagógicas.

37
No início, a Conferência definiu lutar por uma educação básica do campo, posteriormente, foi
suprimida a idéia apenas da educação básica. Assim, entendeu-se que apenas a educação básica
estava limitada e que os povos do campo têm direito à educação, desde a infância até o nível superior.
Assim, passou-se, então, a adotar a expressão “por uma educação do campo”.
38
Para maior aprofundamento destes princípios, valores, objetivos consultar o Caderno “Por uma
Educação Básica do Campo” nº. 01

60
Neste contexto, os Movimentos Sociais têm desenvolvido algumas experiências
de educação do campo, ou seja, construído um movimento pedagógico no campo. O
campo não está parado perante o caos ao qual está submetido, pelo contrário, ele está
em movimento. Experiências de educação indígenas, quilombolas, ribeirinhas, entre
outras, estão em movimento, mas, segundo estes Movimentos Sociais, a realidade do
campo ainda tem muitos desafios. Na maioria das escolas do campo, há uma infra-
estrutura precária: elevado número de escolas multisseriadas, principalmente nos
estados do Norte e Nordeste; os educadores, além de ministrarem as aulas,
desenvolvem outras funções, como por exemplo preparam a merenda (quando esta
existe na escola); cuidam da limpeza, entre outras tarefas, porque não há funcionário
suficiente para atenderem às demandas da escola.
Além disso, os educadores moram na cidade e viajam horas pelas estradas até
chegarem à escola, em função das condições precárias das estradas. Enfim, há uma
nítida ausência das políticas públicas nas escolas do campo.

Uma pesquisa realizada pelo INEP/PRONERA/FIPE/USP, em 2004, revelou que


no meio rural a média de analfabetismo da população adulta encontra-se em 28.7%; em
áreas de assentamentos este dado cai para 23%%. Com relação ao acesso das
crianças às escolas no ensino fundamental no primeiro segmento: cerca de 94% das
crianças estão matriculadas, embora em escolas de condições altamente precárias,
como demonstra a mesma pesquisa. Ainda que o acesso ao segundo segmento do
ensino fundamental e ao ensino médio não seja fácil, pois somente 26,9% dos
estabelecimentos possuem turmas de 5ª à 8ª série, e apenas 4,3% das escolas nos
assentamentos da reforma agrária oferecem ensino médio. Em relação à infra-estrutura
das escolas, a mesma pesquisa revelou que nos assentamentos e acampamentos o
processo de escolarização acontece sob condições de maior precariedade que no meio
urbano: aproximadamente 75% das escolas não têm meios de comunicação; 67% não
possuem banheiros; 94% não possuem quadras de esportes; 44% não possuem
bibliotecas; 90% não têm computador; 78% não têm bebedouro; 91% não têm nenhum
instrumento agrícola; 47% ainda não possuem mimeógrafo, 24% não oferecem
61
merenda escolar, e das 76% que servem merenda escolar 65% servem produtos
industrializados; 80% ensinam apenas até a 4ª série, e destas 70% funcionam em
turmas multisseriadas. Além disso, predomina no campo um modelo educacional que
reproduz e fortalece as desigualdades econômicas e socioculturais. Essas condições
educacionais produzem não apenas ensino de péssima qualidade, mas também
excluem os trabalhadores das possibilidades de uma vida digna no campo.
Por sua vez, no âmbito da Legislação, os Movimentos Sociais do Campo
conquistaram a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo, (aprovada pelo parecer 36/2001, em 14/12/01). Importa ressaltar
que a aprovação deste documento representa uma conquista no âmbito das políticas
públicas. As Diretrizes Operacionais são um conjunto de princípios e procedimentos
que, em forma de lei, apresentam resoluções que garantem o direito do povo do campo
ao acesso à Educação do Campo nos termos em que a participação popular e dos
movimentos sociais se colocam. Segundo Fernandes: (2004:136):

É um importante avanço na construção do Brasil rural, de um campo de vida,


onde a escola é espaço essencial para o desenvolvimento humano. É um novo
passo nessa caminhada, pois acredito que o campo e a cidade se
complementam. Com este entendimento, precisam ser compreendidos como
espaços geográficos singulares e plurais, autônomos e interativos, com suas
identidades culturais, e modos de organização diferenciados que não podem
ser pensados como relação de dependência eterna ou pela visão urbanóide e
totalitária, que prevê a intensificação da urbanização como modelo de país
moderno.

Nos artigos 3°, 6° e 7° das Diretrizes Operacionais da Educação do Campo,


(2002:09) afirma-se que:

O Poder Público deve garantir a universalização do acesso da população do


campo à Educação Básica e à Educação Profissional; proporcionar Educação
Infantil e Fundamental nas comunidades rurais, inclusive para os que não
concluíram na idade prevista; e que os sistemas de ensino, através de seus
órgãos normativos, devem regulamentar e criar estratégias específicas para sua
implementação no campo.

62
Com a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo, a Educação do Campo passou a ser reconhecida em Lei como
direito dos trabalhadores do campo, e passou a ter no Ministério da Educação - MEC,
desde 2003, um Grupo de Trabalho. Em 2004, entrou em funcionamento também no
MEC a Coordenadoria da Educação do Campo que realizou em quase todos os
estados, juntamente com as Secretarias de Educação dos estados e os Movimentos
Sociais do Campo, Seminários de Educação do Campo para a divulgação das
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo e para viabilização de sua
implementação nas escolas em todo o país. Neste processo, a educação do campo
avançou numa perspectiva de formação de educadores, de elevação do nível de
escolarização dos filhos dos assentados e acampados. Mas ainda se percebe uma
distância enorme entre o que está escrito nas leis da Educação e a realidade do campo.

Em 1998, através da portaria nº10/98, no governo Fernando Henrique Cardoso,


foi aprovado o PRONERA - Programa Nacional de Educação nas Áreas de Reforma
Agrária. Este programa tem como objetivo desencadear um amplo processo de
formação dos educadores das áreas de Assentamentos da Reforma Agrária, através da
elaboração e implementação de projetos em todos os níveis de ensino.
Com este programa, o setor de educação deu mais um passo na luta pela
educação e iniciou, em 19 de janeiro de 1998, a primeira turma de Pedagogia, em Ijuí,
RS, convênio ITERRA-PRONERA-UNIJUÍ. Ali surgiu a denominação “Pedagogia da
Terra”. Com todas as possibilidades para ser um avanço, o PRONERA não escapou da
onda repressiva do governo Fernando Henrique, sofrendo uma série de intervenções.
Não se previu recursos para o programa no orçamento da União; houve uma
descentralização do programa para as superintendências regionais, que adotaram um
processo de intervenção em seu funcionamento; ocorreram demissões e
remanejamento de pessoas ligadas ao programa; não foram cumpridos os convênios

63
com as Universidades, atrasando parcelas de pagamento. Ainda assim, as parcerias
junto às Universidades possibilitaram algumas conquistas como:
- A participação com os movimentos sociais na pressão para que o PRONERA
funcionasse.
- A formação de um coletivo de educadores das varias áreas do conhecimento
para atuar no PRONERA em efetiva parceria com os movimentos sociais.
- Engajamento de vários educadores, pesquisadores, estudantes, que
desenvolviam várias pesquisas e ações ligadas ao tema.
- Uma afirmação junto às Universidades de uma aliança que respeite a
autonomia e a identidade dos Movimentos Sociais.

1.5 – Alguns percursos a serem realizados – Novos Aliados,


Outras Lutas

Atualmente, a luta pelo acesso a terra e a permanência nela vai além da disputa
de terra com o latifúndio. Hoje aparecem com muita força as empresas multinacionais
que expulsam os trabalhadores do campo. Alguns dados organizados pelo educador
Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP), com base nas estatísticas do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária - INCRA (cadastro 2003) e do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE (Censo Agropecuário: 1995-1996), mostram que nos
últimos anos, para cada emprego gerado, 11 lavradores foram expulsos. Esta é uma
das consequências da expansão do modelo econômico implantado no campo brasileiro,
conhecido atualmente como agronegócio, que além de reduzir o emprego na cidade,
promoveu a expulsão dos trabalhadores do campo. Como resultado desta experiência,
temos a concentração ainda maior da propriedade de terras no Brasil.

Os dados da concentração de terras podem ser constatados nas estatísticas do


INCRA (2003). Eles demonstram que as pequenas propriedades com menos de 200
hectares somam 3.895.968 imóveis. Elas ocupam uma área de 122.948.252 hectares e

64
absorvem 95% da mão de obra daqueles que habitam no campo, e ainda contratam
outras 994.508 pessoas. As médias propriedades, com 200 a 2000 hectares, são de
310.158 imóveis e ocupam 164.765.509 hectares. Estas absorvem 4% do pessoal, ou
seja, 565.761 pessoas, e contratam 1.124.356 pessoas. Já as propriedades acima de
2.000 hectares são apenas 32.264 e ocupam 132.632.500 hectares. Estas absorvem o
trabalho de 45.208 pessoas que moram no campo (0,3%), e empregam outras 351.942
pessoas.

Estes números, por si só, mostram como o capitalismo tem agido no campo,
promovendo a expropriação dos trabalhadores de seus direitos a terra e ao trabalho.
No Brasil, mais de cinco milhões de famílias encontram-se sem terra. Soma-se a isto a
presença de trabalho escravo; a brutal concentração de terras – 56% da terra
agricultável pertencem a 1% dos proprietários, o que leva a mercantilização da “reforma
agrária” e ao aumento dos conflitos, com morte de camponeses.
Esta concentração de terra e este modelo de produção geram grandes conflitos que,
segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT, entre os anos de 1985 e 2005
aconteceram no Brasil 1.063 casos de conflitos envolvendo pessoas que lutam pela
terra, provocando a morte de 1.425 camponeses. Somente no ano de 2005 foram
assassinadas 102 pessoas em decorrência da luta pela terra. Segundo Araújo
(2007:72):

O modelo de produção agrícola para os que teimam em permanecer no campo


é ditado na atualidade pela monopolização das grandes empresas
multinacionais que produzem sementes e defensivos agrícolas. No aspecto da
engenharia genética fica evidente o monopólio da Monsanto, empresa norte
americana especializada em biotecnologia agrícola. Esta empresa uniu-se à
Cargill, maior processadora de produtos agrícolas, visando a explorar o grande
mercado latino-americano, principalmente do Brasil, Argentina, Chile e México.
No Brasil, a Monsanto comprou a Agroceres, grande produtora de sementes, e
adquiriu ainda o grupo Holandês Unilever, que atua na Europa.

65
É importante ressaltar que o avanço do agronegócio é um dos pilares de
sustentação da política econômica do atual governo, que através das exportações
garante os recursos para o pagamento dos juros da dívida externa e beneficia as
multinacionais, em detrimento do mercado interno, do desenvolvimento econômico
nacional, da criação de postos de trabalho e de redistribuição de renda para os
trabalhadores brasileiros.

Entender este processo se faz necessário, porque o ritmo e o avanço do modo


de produção capitalista não permitem que se faça uma análise linear do processo do
modelo agrícola em curso. Assim sendo Movimentos Sociais e algumas organizações
lutam contra os desmandos do capitalismo. Com este entendimento, o MST procura
estimular o estudo na sua base social, elevando-o como um valor tão importante quanto
a ação de ocupar a terra, estimulando seus membros a se dedicarem aos estudos,
tanto nos cursos em parcerias com as universidades, quanto nos cursos de formação
promovidos pelo próprio Movimento. Sugere, ainda, a leitura permanente e a análise
dos problemas da realidade. O estudo no Movimento vai desde a Educação Infantil à
Educação Superior.

Quanto aos cursos em parceria com as universidades muitos foram criados


envolvendo alguns setores do Movimento como, por exemplo, Saúde, Comunicação,
Produção, em parceria o PRONERA/INCRA em quase todos os estados da Federação.
Os projetos são aprovados pela Comissão Pedagógica Nacional e implementados
mediante a formalização de convênios entre o INCRA e as Universidades. A
metodologia usada nos cursos é a Pedagogia da Alternância, ou seja, uma sistemática
que organiza a aprendizagem dos educandos em dois tempos distintos: o Tempo
Escola (TE), que ocorre com as aulas presenciais dos educandos nos cursos, e o
Tempo Comunidade (TC), com atividades experiências de pesquisa desenvolvidas nas
comunidades de origem dos educandos e das educandas.

66
Atualmente, o MST e outras organizações que compõem a Via Campesina têm
diversos cursos em convênios com várias universidades do Brasil. Podemos citar como
exemplos os cursos: Pedagogia da Terra (17), sendo que destes, 07 já terminaram e 10
estão em andamento; Ciências Agrárias (01); História da Terra (02); Direito da Terra
(01); Geografia (01); Agronomia (03); Letras (02); Licenciatura em Educação do Campo
(03); Especialização em Educação do Campo (01); Especialização em Educação de
Jovens e Adultos (01). Além destes cursos, destacam-se aqueles de nível Médio, como:
Magistério (10); Agroecologia (06) e Saúde (03).
A elite já se deu conta desta importante ferramenta que proporciona o acesso a
educação em todos os níveis dos trabalhadores do campo, e já passaram a questionar
na justiça a validade destes cursos. Os cursos questionados até o momento foram:
Agronomia, onde os próprios estudantes da Universidade Federal de Sergipe entraram
na justiça contra o curso39. O Movimento recorreu e ganhou a causa e, em julho de
2008, esta turma concluiu seu curso. Em 2007, foi a vez do curso de Veterinária, na
Universidade Federal de Pelotas – RS que foi embargado antes mesmo de iniciar e, no
ano de 2008, o Curso de Direito na Universidade Federal de Goiás também está sendo
questionado na Justiça e corre o risco de ser embargado.
Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a educação não
acontece somente nos cursos, mas em diversos espaços, como, por exemplo, na
participação das crianças, mulheres, jovens e idosos nas marchas, assembléias,
escolas, caminhadas, trabalhos voluntários, gestos de solidariedade, ocupações,
mobilizações. Neste sentido, cada ocupação realizada, cada escola conquistada é
resultado das lutas e mobilizações que o Movimento vem desenvolvendo ao longo da
sua história. O MST acumula experiências históricas de mobilizações pelo acesso à
escola, bem como pela construção e implementação da proposta de Educação
emancipatória, norteada pelos seus princípios filosóficos e pedagógicos 40. Assim, o

39
Geralmente, os questionamentos sobre a validade dos cursos são: por ser um curso específico
para os filhos e filhas dos assentados e também a forma de seleção, ou seja, um vestibular especial.
40
Os Princípios Pedagógicos e Filosóficos da Educação do MST encontram-se no Caderno de
Educação nº 8.

67
MST defende ser possível construir espaços com novas formas de relações sociais,
tendo como objetivo central a emancipação humana.
As crianças que vivem e estudam nos assentamentos e acampamentos possuem
uma experiência gestada nos conflitos de luta pela terra e pela educação. Por isso, o
MST almeja uma educação que tenha no seu centro a pessoa humana, uma educação
preocupada com várias dimensões deste sujeito, voltada para a cooperação, para os
valores humanistas e socialistas e com profunda crença no seu processo de formação e
transformação.
A proposta de educação do MST está delineada em vários documentos 41,
produzidos coletivamente pelo Setor de Educação, e esta expressa uma concepção de
escola pública, gratuita, de qualidade e mantida pelo Estado, e que esta seja orientada
de acordo com os interesses dos trabalhadores sem terra. Nesta perspectiva, a
implantação da proposta educativa do MST é permeada de contradições e
possibilidades.
Nas suas palavras de ordem, desde o 1º Encontro Nacional dos Assentados em
1984: Terra para quem nela trabalha; no 1º Congresso Nacional: Ocupação e a única
solução; no 2º Congresso: Ocupar, Resistir Produzir; no 3º Congresso: Reforma agrária
uma luta de todos, onde o Movimento conclamou a união dos trabalhadores do campo
e da cidade; no ano de 2000, no seu 4º Congresso a palavra de ordem foi Reforma
Agrária por um Brasil sem Latifúndio e no seu último e V Congresso realizado em 2007,
a palavra de ordem atual é Reforma agrária: por justiça social e soberania popular, se
percebe que o MST vem sempre propondo a fazer o com o debate sobre a sociedade e
realidade do país.
Observa-se que o Movimento, ao longo da sua história, tem avançado cada vez mais
na busca de mudanças globais e não apenas setoriais como era no seu início. Estas
mudanças ficaram mais visíveis a partir do seu 3º Congresso. Desse modo, é possível

41
MST, Caderno de Formação n. 18 - O que queremos com as escolas de assentamentos; MST,
Caderno de Educação nº 01 Como fazer a escola que queremos; MST, Caderno de educação nº. 8
Princípios da educação do MST; Caderno de Educação nº 09 Como fazemos a escola de educação
fundamental no MST.

68
afirmar que o MST é um sujeito político que historicamente em suas lutas enfrenta o
pilar central do capital, a saber: a propriedade privada.
O MST tem a convicção de que somente a luta pela terra não liberta o
trabalhador da exploração, e que só a escola também não é capaz de libertar o sem
terra da exploração do latifúndio. Assim propõe a junção destas duas conquistas: a
primeira, o acesso a terra e, a segunda, o acesso à escola, ao conhecimento e à
educação.
Para o desenvolvimento deste trabalho e do processo de luta pela terra, o MST vem
organizando de várias maneiras a participação da sua base social. Em suas Normas
Gerais42 (1989), ele se define como um movimento de massas, aberto a todos que
queiram participar. São norteados princípios tais como:
 Direção Coletiva – Este princípio alerta aos integrantes do Movimento para a
necessidade de tomar as decisões coletivamente; desta forma, o Movimento
propõe que todas as instâncias deverão ser formadas por pequenos
coletivos, todos com igual direito e poder de decisão, e acrescenta que tudo
deve ser decidido pela maioria e cumprido por todo o coletivo. Igualmente
deve ser a realização das tarefas, que devem ser divididas estimulando a
participação de todos e evitando o centralismo e o personalismo.

 Disciplina consciente – Para o MST, a disciplina implica no respeito às


decisões tomadas no coletivo, sobretudo, às tarefas assumidas na auto-
organização.

42
As Normas Gerais do MST são um conjunto de normas e princípios que regem o Movimento em
nível nacional. As normas nasceram e foram criadas na mesma medida que o Movimento. Foram sendo
instituídas nos diversos coletivos que integram o Movimento e evoluindo conforme as necessidades da
organização. As Normas Gerais do MST foram aprovadas em três coletivos diferentes: no primeiro
Congresso Nacional, nos cinco encontros nacionais realizados anualmente de 1984 a 1989, e nas
reuniões da coordenação nacional que são realizadas trimestralmente. Todo esse acúmulo foi editado
pela primeira vez em 1989 em um pequeno livreto de bolso. Essas normas norteiam o MST na sua
totalidade e são abertas a todos os estados fazerem complementos, conforme a realidade local. As
Normas Gerais são compostas de 15 capítulos que deixam claro o que é o Movimento. Os seus
princípios, as plataformas de lutas, as instâncias do poder nacional, os critérios gerais dos membros das
instâncias, os princípios organizativos das instâncias, a organização interna, a articulação das mulheres,
os símbolos e meios de comunicação, as finanças, as normas gerais dos assentamentos, as relações
internacionais, as instâncias estaduais e locais, a personalidade jurídica e os assuntos gerais. Há ainda
um anexo para serem acrescentadas as Normas gerais do Movimento em nível estadual

69
 Planejamento – O Movimento parte do pressuposto de que nada acontece
por acaso, mais que, tudo devem ser planejado e organizado, a partir da
realidade e das condições objetivas da organização.

 Crítica e autocrítica - O Movimento insere a crítica e a autocrítica no método


de avaliação das ações dos integrantes que participam da organização. É
uma forma de avaliação e auto-avaliação das ações e posturas dos
participantes, procurando corrigir erros e encontrar soluções para os
problemas existentes.

No seu aspecto organizativo, suas instâncias são constituídas desde os núcleos


de base até o Congresso Nacional. Assim sendo, a participação ativa dos membros se
dá em diferentes níveis e instâncias, por meio de núcleos de base, setores,
coordenação e direção, formando assim, a organicidade do Movimento. Os documentos
do MST/ITERRA (2004: 40) descrevem que a:

Organicidade é a relação entre cada uma das partes de um todo, como se fosse
um corpo vivo, entre si e com o todo. Ninguém pode perder a noção do
conjunto, e isto só é possível quando se sabe como funciona, a finalidade de
cada uma das partes do todo e qual o seu papel em vista dos objetivos
estratégicos da organização. Embora as tarefas sejam diferentes, as partes têm
a mesma importância.

Isto significa o jeito, a forma como o MST vem organizando a participação ativa
das pessoas que compõem a sua base social. Segundo Bogo (1999: 31):

Esta participação se dá através dos núcleos de base; no funcionamento dos


setores, com seus coletivos através de planos de atividades e divisão de
tarefas; na coordenação e na direção efetiva do conjunto do Movimento, pelas
suas instâncias. A organicidade é a forma eficiente de ir eliminando os
aspectos espontâneos e ingênuos da consciência dos camponeses.

70
A Organização da Base - a base social do Movimento é composta pelas famílias
assentadas e acampadas. As famílias se estabelecem por meio dos núcleos de base,
compostos por um número de 10 a 15 famílias organizadas por proximidades do local
de moradia. A orientação é que todos os membros do MST devam pertencer a um
núcleo para fazerem parte do Movimento e continuar o processo de formação e
mobilização.
Cada núcleo é dirigido por um coordenador e uma coordenadora, uma pessoa
para secretariar e um representante por setor do Movimento, que, junto com os demais
representantes de outros núcleos, formam os setores no assentamento ou
acampamento. Cada núcleo se reúne uma ou duas vezes ao mês, e em alguns
assentamentos o núcleo é também organizado para produzir e morar coletivamente. As
formas de cooperação são diversas (mutirão, roça comunitária, grupos coletivos,
cooperativas, associações, horta medicinal, compra de equipamentos e implementos.).
É a partir dos núcleos de base que os integrantes do MST são escolhidos para fazerem
parte das outras instâncias, tanto em nível estadual, quanto em nível nacional.

A Organicidade do MST em nível nacional - O Movimento Sem Terra está


estruturado em 23 estados da Federação, e como resultado da sua luta pela terra, hoje
tem 400 mil famílias assentadas em todo Brasil, num território de 14 milhões de
hectares. Neste sentido, apresenta uma necessidade de descentralização das funções
e das decisões. O objetivo é democratizar as informações e as relações sociais. Neste
sentido, o Movimento em nível nacional mantém a seguinte estrutura:
- Congresso Nacional: É a instância máxima de debates e deliberações da
organização. Nele se reúnem integrantes do MST de todos os estados. O
objetivo é traçar as linhas políticas de atuação do Movimento por um período
de cinco anos. É um espaço de mobilização política em prol da reforma
agrária e um momento de confraternização da classe trabalhadora.

71
- Encontro Nacional – Este acontece a cada dois anos. Nesta instância são
definidas as plataformas de lutas imediatas, de acordo com a conjuntura da
sociedade e as necessidades do Movimento, além de eleger a direção
nacional e coordenação nacional, indicada pelos estados. Sua composição,
caráter, local e data são definidos pela direção nacional.
- Coordenação Nacional - É uma instância que tem como funções encaminhar as
resoluções aprovadas nos encontros e congressos nacionais; zelar pela
aplicação dos princípios do Movimento; tomar decisões políticas de caráter
nacional que no que se refere ao Movimento; acompanhar a implementação
da organicidade nos estados. Esta instância é composta por dois
representantes de cada estado, indicados nos encontros estaduais, pelos
membros da direção nacional e um ou dois representante de cada setor. Este
coletivo se reúne duas vezes ao ano, e todos os membros da coordenação
possuem igual poder, não havendo presidente, secretário, tesoureiro - as
tarefas e funções a serem encaminhadas são divididas.
- Direção Nacional - Esta tem como função pensar, discutir e propor as linhas
políticas para o Movimento, procurando garantir a sua efetivação. Planejar as
estratégias de lutas em conjunto com a coordenação nacional; acompanhar os
setores. Elaborar o método de trabalho e promover constantemente a
formação política dos participantes do Movimento. Esta instancia é composta
por dois membros, (um homem e uma mulher), eleita nos encontros estaduais
e referendada no Encontro Nacional para um período de dois anos. Reúne-se
a cada 60 dias ou em caráter extraordinário, sempre que o momento político
exigir.

Para além destas instâncias em nível nacional, são organizados os setores e


cada um tem uma função específica. Atualmente, os setores que estão organizados no
MST são: Frente de Massa, Educação, Gênero, Comunicação, Finanças, Relações
Internacionais, Saúde, Produção e Meio Ambiente, Direitos Humanos, Formação,

72
Cultura e mais o Coletivo da Juventude. É importante ressaltar que esta é a forma
como o MST tem organizado a participação dos Sujeitos Sem Terra na sua base social.

A partir dos debates realizados na II Conferência Nacional da Educação do


Campo43 realizada pelos Movimentos Sociais do Campo, em agosto de 2005, ficou
claro que a concepção da Educação do Campo, como projeto ainda está em
construção. É importante ressaltar que há algumas produções coletivas que servem
como referencial teórico44 e que vão sendo socializadas na construção deste projeto da
Educação do Campo. Este referencial teórico leva a refletir o campo como um lugar de
vida, de direitos, de identidade cultural, de transformação social.
A Conferência também trouxe elementos para se pensar a Educação do Campo,
como: o tempo do agricultor, pois, este o mesmo está vinculado aos processos de
produção agrícola, ou seja, a época do plantio, das chuvas e da colheita. Desta forma,
o Projeto Político-Pedagógico dessas escolas precisa ser construído juntamente com os
trabalhadores do campo.
Outro debate importante na Conferência foi a superação da dicotomia entre o
rural e urbano, pois, no entendimento dos Movimentos Sociais, em relação a este tema,
um não é melhor do que o outro, pois cada território tem sua especificidade e estas
precisam estar incluídas no Projeto Político - Pedagógico das Escolas. Portanto, a
Educação do Campo busca desenvolver, em sua construção de relações entre campo e
cidade, o princípio da igualdade social e da diversidade cultural.

43
Esta Conferência Nacional por uma Educação do Campo contou com a participação de 1.100
delegados representantes de Movimentos Sociais, como: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Atingidos por Barragens
(MAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG), além dos ribeirinhos, pescadores e extrativistas, assalariados rurais, quilombolas e
indígenas. Também esteve presente na Conferência, representantes de universidades, Organizações
não-governamentais (ONGs), Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e de outros órgãos de
gestão pública com atuação vinculada à educação e ao campo, assim como, trabalhadores, educadoras,
educandos das escolas do campo.
44
Sobre a produção coletiva da concepção de Educação do Campo utilizamos como referência
teórica os: Cadernos de Educação do Campo: nº. 01: Por uma Educação Básica do Campo (1999); nº.
02: A educação Básica e o Movimento Social (1999); nº. 03: Projeto Popular e Escolas do Campo (2001);
nº. 04: Educação do Campo: Identidade e Políticas Públicas (2002), e mais recentemente, o nº. 05:
Contribuições para a Construção de um projeto de Educação do Campo (2004).

73
No âmbito da formação de educadores, realizou-se pela Universidade de Brasília (UNB)
o primeiro Curso de Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento
Sustentável do país, em parceria com o ITERRA. Na atualidade, a educação do campo
articula duas ações básicas:
- Luta pelo acesso dos sujeitos do campo à educação/escola do campo pública,
gratuita e de qualidade em todos os níveis;
- Consolidação da concepção e do projeto da Educação do Campo, entendida
aqui como educação dos sujeitos, organizados em movimentos sociais do
campo.
Dessa forma, é importante reafirmar que a Educação do Campo surgiu das
necessidades vivenciadas pelos Movimentos Sociais do Campo, que nas suas
trajetórias vêm demarcando uma concepção de sociedade, desenvolvimento rural,
educação e campo, diferentemente da concepção hegemônica que vê o meio rural
como atrasado.
Com isso, uma das características centrais da Educação do Campo, defendida
pelos Movimentos Sociais, é o fato dela ter nascido junto com as lutas pelos direitos
sociais dos trabalhadores, entre eles, o direito à educação. Deste modo, rompe-se com
a lógica antiga de educação para os povos do campo, transformando estes em sujeitos
protagonistas do processo de construção desta Educação. Dessa forma, só tem sentido
a educação do campo se esta for implementada junto com um projeto popular de
desenvolvimento do campo e da sociedade que se quer construir. É preciso que os
Movimentos Sociais se interroguem cotidianamente sobre essas questões.
O momento histórico em que se configura a educação do campo no Brasil é um
momento de profundas contradições e disputas de modelos de desenvolvimento,
conseqüentemente, do projeto de educação a ser desenvolvido no campo. Os
Movimentos Sociais que estão nesta luta buscam outras possibilidades de
desenvolvimento, que atendam às reais necessidades da classe trabalhadora e não das
empresas capitalistas instaladas no campo.
O período atual requer dos Movimentos Sociais um posicionamento para além da
conquista de direitos sociais. É verdade que as mazelas que estão no campo precisam
74
ser corrigidas através de lutas por direitos considerados reformistas, mas essas lutas
precisam pender para uma estratégia revolucionária, buscando construir uma
sociedade justa, solidária, igualitária, ou seja, uma sociedade socialista.

75
2 – A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA LUTA PELA TERRA

2.1 – As crianças no processo de luta pela terra – O


Acampamento

Essa ciranda não é minha só


Ela é de todos nós,
Ela é de todos nós,
Pra se dançar ciranda,
Juntando mão com mão,
Batendo o pé no chão
Formando um cordão.

Léa do Itamaracá

A infância vivenciada pelas crianças do Brasil é decorrente de uma realidade


muito complexa. A existência da “cerca do latifúndio”, e a “concentração de riqueza”, é
muito acentuada em nosso país e isso afeta profundamente a infância, levando às
crianças, precocemente, ao mundo do trabalho. No campo, muitas delas exercem
trabalho pesado no corte de cana-de-açúcar, nos fornos de carvão, no corte do sisal e
em vários outros setores. Em conseqüência disto, não têm a oportunidade de ir para a
escola, de brincar, de viver o seu tempo de criança e, logo que alcançam a idade de 10,
11, 12 anos, saem para trabalhar e aumentar a renda familiar.
São poucas as famílias camponesas que têm condições de garantir esse tempo
de vida das crianças para brincar, saltar, correr, estudar, etc. Estas famílias têm uma
dificuldade muito grande em conciliar o trabalho com o estudo dos filhos. E, muitas
vezes, a escola não corresponde à realidade das crianças e adolescentes do meio
rural. Segundo Leite (1994:80), a escola é estruturada para o atendimento da criança
burguesa da cidade, e, dentro desse padrão de expectativa, a criança rural está sempre
em falta. Em geral, a educação se apresenta como não voltada para o campo, pois se

76
caracteriza como política pedagógica de escola urbana, sem levar em conta as
diferenças entre campo e cidade, como o trabalho na agricultura, a forma de organizar
os períodos de colheita e plantio, a distância entre casa e escola e, o mais
preponderante, a diversidade da cultura camponesa.
Desta forma, não se procura lidar com as diferenças, respeitá-las e compreender
as marcas da condição humana do mundo rural. Dificilmente temos escola no campo
que trabalhem as diferenças da infância camponesa, suas vivências, seus medos, suas
alegrias, suas brincadeiras, suas lutas. É importante para essas crianças que a sua
cultura e suas vivências sejam levadas em consideração e apareçam de forma
sistematizada nos conteúdos escolares. Independentemente de ser ou não trabalhado
na escola, que seria um espaço próprio para isso, as crianças criam espaços para a
troca de brincadeiras, para se relacionarem na hora do recreio, no caminho de volta da
escola, nos encontros de fins de semana. Muitos desses momentos são ricos e
marcantes para uma criança, fazendo com que sua infância seja lembrada, em sua vida
de adulto, como um bom tempo.

Martins, (1991:58) ao falar das crianças do meio rural, que migram juntamente
com suas famílias à procura de uma vida mais digna, enfatiza que (...) isso gera uma
exploração decorrente da exploração do trabalho dos pequenos bóias-frias e das
mortes violentas na luta pela terra (...). Como conseqüência, gera não somente a
exploração do trabalho infantil e, sim, de todos os trabalhadores do campo.
No processo de luta pela terra no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, as
crianças começaram a ser vistas de distintas formas: primeiro, como criança; segundo,
como criança acampada ou assentada e terceiro como criança Sem Terrinha. Na luta
pela terra, em alguns momentos as crianças reagiam, conforme as ações vividas neste
processo, de forma mais espontânea, como exemplifica o depoimento de Görgen, em
julho de 1981, numa entrevista para compor o estudo de Caldart (2000:190):

77
Neste período, encontra-se o acampamento de Encruzilhada Natalina, em
Ronda Alta, passava por seu momento mais dramático. Estava cercado pelo
Exército Nacional e a Polícia Federal comandava a operação no local. O
coronel, Sebastião Rodrigues de Moura, o temido coronel Curió... Tudo o que
vi, ao meu redor, foi desilusão, insegurança e desespero. Caminhei por todo o
acampamento, rodeado por agentes da Polícia Federal, sem poder conversar
com ninguém... Tentei trocar alguns olhares, encorajamento com algumas
lideranças que via pelo caminho, mas, àquelas alturas, eu mesmo considerava
aquela batalha perdida. Meu coração estava aflito e minha mente perturbada.
Naquelas condições, não havia resistência possível. Foi quando me chamou a
atenção uma criança de uns quatros anos de idade, sentada encima de um
tronco de árvore, quase ao centro do acampamento, parecendo alheia a tudo
que ali estava acontecendo, sem se importar com o aparato militar que rodeava,
cantava a plenos pulmões a música – hino dos sem terra naquela época: “A
grande Esperança”. Parei, tomado de emoção, ouvindo aquela voz infantil,
rompendo com o silêncio imposto pela ditadura militar e pelas elites aos
camponeses, que estavam ousando lutar pela terra. E a voz infantil cantava: “a
classe roceira e a classe operária, ansiosa espera a reforma agrária” - Cantava
a vozinha inocente, acordando em mim a coragem amortecida. Naquele
momento, me deu uma súbita certeza: este povo vai resistir e vai vencer. Pela
simples razão, de que, só assim, haveria esperança de futuro para aquela
criança e a multidão de outras que se acotovelavam nos barracos. As crianças
sofriam, mas também, brincavam pelas ruas dos barracos daquele
acampamento. E assim, se deu. A criança venceu o coronel, que hoje é cinza
na história e as crianças continuam por aí pelos acampamentos e
assentamentos dos Sem Terra, com seus olhinhos brilhando, com algazarra e
alegria, com sua felicidade brotando do meio da miséria, com sua esperança
sempre viva, com sua vivacidade e esperteza, instigando a consciência dos que
têm coragem de deparar-se com elas.

Em outros momentos, as crianças participam diretamente do processo de luta,


dos conflitos, como os despejos dos acampamentos, mas, de forma mais organizada.
Neste sentido, as crianças são notadas na organização e estas começam a ser
inseridas e se tornam pautas de discussões nas reuniões das pessoas adultas. Neste
processo, elas vão se identificando como crianças de acampamento ou de
assentamento. Com isso, as atividades que as pessoas adultas organizam para as
crianças têm uma intencionalidade política e pedagógica. Segundo Caldart (2000:191),
(...), pois elas demonstram ser capazes de desenvolver ações especiais no processo de
luta pela terra. Para Correia (2004:91):

78
A vivência da infância dá-se no interior de experiências cotidianas coletivas e de
enfrentamento, seja diante de uma situação de conflito direto com o Poder
Judiciário e com a Polícia, numa ação de despejo, ou também, na conquista do
respeito dos colegas na escola. A luta social passa a ser, na vida destas
crianças, uma vivência cotidiana. É essa situação permanente de conflito que
as define como crianças de movimento social.

Neste sentido, a luta social na vida destas crianças passa a fazer parte do seu
cotidiano. É a materialidade e a historicidade da luta da qual as crianças participam que
educa, é o próprio movimento da luta concreta, em suas contradições, enfrentamentos,
idas e vindas, conquistas e derrotas. Isto também tem a ver com a materialidade da
organização coletiva, ou seja, com a estrutura orgânica, para poder potencializar a
formação de sujeitos. Neste contexto de participação das crianças na luta, trazemos um
depoimento da irmã Elda, ainda no estudo de Caldart (2000:191):

No dia 25 de agosto de 1988, cercado por um batalhão de policiais, o


acampamento estava em baixa, sem muitas alternativas. Neste dia de manhã,
estava no barraco quando veio uma iluminação. Que tal fazer uma homenagem
aos soldados por seu dia com todas as nossas mais de 500 crianças?
Sentamos com a direção do acampamento e decidimos articular a atividade e
comunicar ao comandante sobre a homenagem. Junto com todos os
educadores, formulamos as frases e ensaiamos com as crianças para que
dissessem aos soldados. Além disso, fizemos uma faixa de saudação e cada
criança entregaria flores ou um raminho verde para cada soldado Numa marcha
silenciosa, acompanhada pela TV, as crianças chegaram ao local, proclamaram
as frases, cantaram parabéns e entregaram as flores e os raminhos verdes com
um beijo em um dos soldados. Nenhum soldado resistiu a este gesto: todos
choraram. O comandante pediu ao subtenente que agradecesse. Terminada a
homenagem, as crianças, pulando e saltando como “cabritinhos”, voltaram ao
acampamento, felizes e vitoriosos pela realização de sua primeira ação como
crianças acampadas.

Em outros momentos, no processo de luta pela terra, as ações são planejadas


com as crianças e muitas vezes estas ações se voltam para a própria escola. No início,

79
a vida nos assentamentos é difícil, a falta de infra-estrutura é muito grande. As crianças
passaram a freqüentar as escolas das cidades. Muitas delas são discriminadas pelos
próprios colegas de sala. Por isso, são organizadas e realizadas algumas atividades
pelas próprias crianças e pelo setor de educação nas escolas onde estas estudam,
como: palestras, seminários, entrevistas, com dirigentes dos acampamentos e
assentamentos para explicar a todos e todas que estudam na escola sobre o tema da
Reforma Agrária.
Neste processo, as crianças se mobilizam para a conquista das escolas nos
assentamentos e acampamentos. Estas ações fazem com que elas participem da
organização e a sua presença no MST se torna cada vez mais evidente. No
assentamento “Nova Santa Rita”, próximo à cidade de São José dos Campos, no
Estado de São Paulo, as crianças organizaram uma ação deste tipo, pois, no
assentamento não há escola e o transporte escolar, além de estar geralmente em
péssimas condições, não entra no assentamento. As crianças têm que caminhar até a
rodovia para tomar o ônibus e chegar à escola. Mara45, num estudo realizado por
Rossetto (2001:28), afirma que:

Durante a jornada de lutas na regional do Vale do Paraíba, (...) estavam


reunidas cerca de 150 crianças, com a pauta de reivindicação da regional para
entregar ao prefeito do município. O prefeito da cidade não queria recebê-las.
Então, as crianças ocuparam o saguão da prefeitura. O prefeito mandou
recado, pelo secretário, dizendo que não podia receber, mas que a secretária
de educação as receberia. As crianças, então, começaram a se organizar e
mandaram dizer ao prefeito, através dos assessores, que só sairiam dali
quando fossem atendidas pelo prefeito e que, agora, não iria mais só a
comissão de crianças e, sim, todas as crianças, pois a Secretária de Educação
já as tinha recebido em vários momentos e não encaminhava suas
reivindicações. E mandaram um recado para o prefeito, perguntando se ele
tinha medo de crianças. Diziam que queriam seus direitos atendidos.

45
Mara era a coordenadora do setor de educação na Regional do Vale do Paraíba, onde fica o
assentamento no período de 1997 a 1998. Vale ressaltar que até nos dias de hoje, a regional continua na
luta por escola no assentamento ou, no mínimo, que o ônibus escolar entre no assentamento para pegar
as crianças. Mas a “briga” entre Estado e Município é muito grande, e quem sofre as conseqüências disto
são as crianças da regional.

80
Vale ressaltar que as crianças sempre estiveram presentes na luta pela terra, até
porque a articulação feita em prol da ocupação ocorre com a família, e muitas destas
vão para as atividades, pois a mesma não tem com quem deixá-las.

Arenhart (2007:53) afirma o seguinte:

Se um movimento é feito pelas famílias, então também é um movimento


realizado por muitas crianças. Nos documentos que trazem a história do MST, a
presença das crianças nos conflitos, nos acampamentos e nas mobilizações, é
a representação de alegria, de força e de esperança. Isso está colocado tanto
em relação ao efeito contagiante que elas produzem nos adultos, dada a sua
capacidade de cantar, brincar, pular, sorrir, mesmo em meio às situações mais
difíceis, como também, no que elas representam enquanto projeção dos futuros
lutadores do povo.

Por sua vez, Alves (2001:205), afirma em seus estudos que:

A luta pela terra é uma luta em família, e a presença das crianças cria novas
necessidades para a organização do movimento. Assim, o espaço e a vivência
no acampamento passam, obrigatoriamente, a envolver não somente adultos,
mas, necessariamente, novos sujeitos: as crianças. Todo esse processo vai
materializando a preocupação do Movimento e do Setor de Educação com
esses novos sujeitos, que não são passivos, muito pelo contrário, aprendem a
mobilizar-se e a indignar-se com o sofrimento e a luta de seus pais e passam,
também, a incorporá-la; certamente que não na mesma dimensão que os
adultos.

Desta forma, em muitas atividades do movimento, como marchas, ocupações,


congressos, reuniões e cursos, as crianças estão juntas com seus responsáveis. Assim
sendo, hoje no movimento, ao organizar uma ação, se faz necessário pensar na infra-

81
estrutura que contemple as necessidades das crianças, pois elas são sujeitos que
participam ativamente das lutas do movimento. Muitas vezes, o MST é acusado pela
mídia por levar as crianças às atividades, principalmente nas ocupações; a mídia alega
as crianças são “usadas”. A pergunta a ser feita não é se o movimento usa ou não as
crianças, mas: por que as famílias foram acampar? Ninguém gosta ou deseja a vida de
acampado. Somente vai para o acampamento quem realmente enxerga nele a
possibilidade de conquistar uma vida mais digna.
Vale ressaltar, ainda, que o movimento luta contra a propriedade privada que
justifica a existência do capitalismo. O Estado, de certa forma, é mantido pelos impostos
de toda a população, como também é controlado pela classe dominante que se opõe
aos direitos sociais para todos, como: saúde, educação, cultura, entre outros. Tendo em
vista tal apontamento, o MST afirma que luta pela Reforma Agrária por ter a clareza de
que, enquanto houver este “Estado Burguês”, tal reforma não ocorrerá, porque sua
essência é zelar, por meio de suas instituições, pelo direito à propriedade privada, e
qualquer um que tentar violar este direito será reprimido através de todos os
mecanismos dos quais o Estado dispõe.

A violência sofrida pelas famílias acampadas ocorre antes mesmo do ingresso ao


processo de luta pela terra, porque estas já não têm acesso aos direitos básicos que
deveriam ser garantidos pelo Estado. Este fator gera a exclusão destas pessoas, que
ficam à margem da sociedade, e muitas vezes não têm outra saída a não ser juntar-se,
organizar-se no processo de luta pela terra, a fim de reivindicarem a Reforma Agrária
em sua plenitude. Hortêncio46 afirma que: há uma contradição entre a lei e o papel do
Estado, no ECA. O direito à vida dos sujeitos vem em primeiro lugar e o Estado faz a
interpretação de que o direito à propriedade vem em primeiro lugar. A seguir, ele afirma
que: as crianças precisam dos adultos para se desenvolver e, quando os pais não têm
condições, o Estado precisa dar condições aos pais para o desenvolvimento dos filhos.

46
Palestra realizada no seminário O Lugar da infância no MST no período de 09 a 11 de maio na
Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF- SP).

82
Conforme ocorre no Movimento, as contradições fazem parte do processo de luta
pela terra. O MST continua organizando a cidade de lona preta como define muito bem
Gorgën (1993:22):

O acampamento é uma verdadeira cidade de barracos de lona preta, com uma


população variável de homens, mulheres e crianças, organizado após uma
ocupação de terra, com o objetivo de levar adiante a luta iniciada com a
ocupação. Pode-se instalar em uma área de terra concedida pelo governo, por
alguma prefeitura, por algum particular solidário com a luta, ou na beira de
alguma estrada. Há um tipo de acampamento provisório, temporário, feito por
tempo determinado (normalmente de três a cinco dias), com objetivos mais
imediatos de chamar a atenção das autoridades, estudar e decidir rumos a
tomar e apresentar reivindicações ao governo. Atingido este tempo e estes
objetivos, o acampamento se dissolve. O acampamento permanente só se
dissolve quando todos os acampados estão assentados. E, durante este tempo
de acampamento, o MST desenvolve um intensivo trabalho de organização e
educação internas e inúmeras atividades de sensibilização da opinião pública e
de pressão sobre as autoridades a nível externo.

É importante ressaltar que, para muitas crianças que participam das ocupações,
este é o primeiro contato com a luta pela terra, e, às vezes, com o próprio grupo de
pessoas que estão na ocupação. Nem por isso, as crianças deixam de participar. Logo
estão brincando de assembléia, cantando as músicas da luta, falando as palavras de
ordem. Assim, a experiência da partilha se faz presente no processo, mantém-se à
medida que a luta continua. Segundo Alves (2001:208):

Para as crianças é também um momento de apreensão, pois apesar de não


participarem da tomada de decisão, vivenciam os momentos de preparação e
de tensão, participam das reuniões e acompanham os pais na ocupação. Esta
tem significados que mistura curiosidade, medo e desejo de algo novo. O
processo de ocupação modifica o cotidiano de adultos e de crianças, numa
rotina jamais vivida, com assembléias, gritos de ordem, muita música, mística,
discussão, um movimento propiciado pela condição de uma ocupação recente.

83
É com esta realidade e conjuntura que as crianças participam da luta pela terra,
como sujeito social, juntamente com suas famílias. Participam, também, da ocupação
de terra e, no acampamento, constroem novas relações a partir daquela realidade
concreta.
No acampamento, os Sem Terrinha criam e recriam suas brincadeiras; o graveto
torna-se giz e o chão seu caderno; a garrafa de plástico com um pedaço de barbante
logo se torna carrinho; sacos plásticos um dentro do outro, aos poucos, criam formas
arredondadas, e, quando menos se espera, uma bola está nos pés das crianças. O
acampamento torna-se um espaço livre para as invenções dos Sem Terrinha, de tal
forma, que estes criam e recriam suas brincadeiras; a partir de seu olhar e dos conflitos
ocorridos na luta pela conquista da terra, passam a compor-se a novas experiências, e
também seu imaginário.
É nessa cidade de lona preta que as crianças conquistaram seus espaços na luta
pela terra, e se assumiram nela à medida que se inseriram como participantes de uma
coletividade. Os Sem Terrinha se organizam, compartilham as brincadeiras, jogos,
experiências de luta e de vida. No processo de luta pela terra, as crianças percebem
que, além da terra, outros direitos que lhes foram negados, como o acesso a uma
escola pública de qualidade, à moradia, à alimentação, ao trabalho para sua família.
Tais fatores geram outras reflexões como, por exemplo, que as crianças já vêm sendo
violadas em seus direitos antes de ir para o acampamento, e a conquista da terra é a
possibilidade de acesso aos direitos básicos.
Portanto, é importante olhar para um acampamento Sem Terra como produto de
um conflito social, resultado de uma ação coletiva, que é transitória, desencadeada com
o propósito de modificar a realidade social. É neste processo de luta no acampamento
que as pessoas acampadas, sejam crianças, jovens, adultas ou idosas vivem situações
comuns de aprendizados que contribuem para a formação da identidade de Sem Terra,
e de valores tais como: solidariedade, companheirismo, coletividade.
Mesmo assim, precisamos compreender o acampamento como parte da luta pela
terra e olhá-lo como um período de transição nesta luta; é necessário que as famílias
consigam a posse da terra e conquistem as condições que proporcionem a
84
permanência, o trabalho e a produção na terra. Como afirma Bogo (1999:27), Quando
chegar na terra, Lembre de quem quer chegar, Quando chegar na terra, Lembre que
tem outros passos para dar.
Tanto o acampamento quanto o assentamento são espaços de múltiplas
aprendizagens culturais, sociais e políticas. A partir destas vivências das crianças no
processo de luta pela terra, o MST foi construindo algumas experiências educativas
juntamente com sua base, as pessoas assentadas, proporcionado uma melhor
condição de vida para as crianças sem terrinha.
Para isso, no MST alguns setores vêm se organizando para dar conta destes
desafios, como por exemplo, o Setor de Educação que se organizou por frentes para a
realização dos trabalhos. Este trabalho tem envolvido um número significativo de
sujeitos: na Frente do Ensino Fundamental, conta-se com 3.800 educadores e
educadoras para desenvolver um trabalho com 150.000 estudantes, em 1.500 escolas
de assentamentos; na Frente de Educação de Jovens e Adultos, 1.500 educadores de
EJA (Educação de Jovens e Adultos) desenvolvem um trabalho com 25.000 jovens e
adultos; na Frente da Formação de Educadores há, atualmente, parcerias com mais de
40 universidades, com cursos formais entre Magistérios e Pedagogia da Terra; na
Educação Infantil, há 400 educadores infantis, que desenvolvem um trabalho nas
Cirandas Itinerantes e Permanentes em todos os Estados.
Neste estudo, traremos somente a experiência desenvolvida na Frente de
Educação Infantil, restrita ao espaço das Cirandas Infantis no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Com relação à escolha do nome para o espaço da
Educação Infantil que substituiria o nome de creche, a Frente de Educação Infantil
realizou uma consulta nacional aos Estados. Houve várias sugestões de nome, e o
escolhido foi “Ciranda Infantil”, que remete à cultura popular na qual estão presentes as
danças, as brincadeiras, as cantigas de roda, vivenciadas pelas crianças no coletivo
infantil.
Em relação às políticas públicas para educação infantil do campo, existe uma
distância entre o que está escrito nas leis e o que realmente está acontecendo com a
educação infantil do campo.
85
Em pesquisa realizada pelo INEP/PRONERA/FIPE/USP, em 2004, citada
anteriormente, apresentam-se alguns47 dados sobre a Educação infantil do Campo
sendo que:

Entre as crianças de até 3 anos de idade, num total de 155 mil crianças, somente
4% freqüentam a escola de Educação Infantil e 96 % não freqüentam. Entre
crianças de 4 a 6 anos de idade, num total de 165 mil crianças, 47% freqüentam
a escola e, destas, 52 % estão na série indicada e 47%, fora da série indicada
para a sua idade. As que não freqüentam a escola são 53%.

Considerando que os números não são simples dados, podemos afirmar que a
Educação Infantil, no meio rural, é praticamente inexistente como política pública do
Estado, principalmente para as crianças de 0 a 3 anos de idade. Os dados do MEC48
também deixam claro esta ausência do Estado em relação às políticas públicas para
educação infantil do campo: (...) somente 4,6% das crianças de 0 a 3 anos no meio
rural freqüenta creche e 44,5% das crianças de idade 4 e 5 anos freqüenta a pré-escola
no meio rural.
Estes dados nos levam à reflexão sobre os muitos direitos das crianças de zero a
seis anos no campo que estão deixando ser efetivados. Com isso, podemos afirmar que
as Cirandas Infantis são experiências importantes, pois esta tem possibilidade de ser
uma referencia nas discussões e implementação das políticas públicas de Educação
Infantil do campo.

47
Esta pesquisa foi realizada em 6.338 assentamentos, com abrangência de 8.679 Escolas
(incluindo as escolas do entorno dos assentamentos, que recebem alunos assentados), e envolvem
10.200 famílias. Nesta pesquisa, foram aplicados 24.674 questionários por 693 pesquisadores, e teve a
abrangência de 1.651 municípios. Esta pesquisa ficou conhecida como PNERA- Pesquisa Nacional das
Áreas de Reforma Agrária
48
Dados apresentados pela Prof. Dra. Rita Coelho, da Coordenação Geral da Educação Infantil do
MEC, em palestra sobre a Educação Infantil no Brasil na Faculdade de Educação da UNICAMP em 2008.

86
2.2 – A participação das mulheres no trabalho das
Cooperativas - As Cirandas Permanentes do MST

As Cirandas Infantis Permanentes surgem no Setor de Produção, Cooperação e


Meio Ambiente49. O Movimento começou a organizar as cooperativas de produção
agrícola nos assentamentos entre os anos de 1989 a 1995. Para isso, todas as pessoas
dos assentamentos eram convidadas a participar do processo, sendo a renda da
cooperativa dividida entre os seus sócios conforme o número de horas trabalhadas de
cada um. No início deste trabalho, foram organizados os laboratórios de produção 50. O
trabalho dos laboratórios era realizado por frentes, como por exemplo: o trabalho do
pomar, da horta, no roçado, na administração, com os animais, etc.51
Estas frentes de trabalhos eram organizadas conforme a realidade de cada
assentamento. Como o objetivo maior era gerar renda paras as famílias, houve um
debate sobre a participação da mulher nos laboratórios. Para propiciar a participação
das mulheres, algumas frentes, como o refeitório coletivo e a creche, foram criadas.
Esta experiência se deu mais acentuadamente em algumas regiões do país: Sul,
Sudeste e Nordeste. Segundo Matheus 52

Ao criar estes setores, liberava mão-de-obra das mulheres para participar do


processo produtivo e acrescer a renda da família, ou seja, estes dois setores
foram criados com o objetivo de viabilizar a participação da mulher no processo
produtivo do assentamento.

49
Para melhor aprofundamento sobre as cooperativas do MST, recomendamos o Christoffoli
(2000) e MST (1991) Sistema Cooperativista dos Assentamentos – SCA.
50
De acordo com Clodomiro S. Morais (1986), o laboratório de produção, é um ensaio prático e
real no qual se busca introduzir em um grupo social a consciência organizativa, de que se necessita para
atuar em práticas organizadas coletivamente.
51
Hoje, no Setor de Produção Cooperação e Meio Ambiente, os setores são chamados de
unidades ou setores produtivos.
52
Entrevista realizada com Delwek Matheus em 1/06/2007.

87
Nesta experiência podemos analisar três questões importantes no surgimento
das Cirandas Infantis. A primeira questão diz respeito à participação das mulheres no
trabalho, pois neste momento, especialmente o Setor de Produção era composto quase
que somente por homens. Esta experiência leva o Movimento a discutir a participação
da mulher no trabalho e na organização. Assim, as mulheres sem terra começam a se
organizar e discutir a sua participação na luta pela terra no MST. Em 1996 realizou-se o
I Encontro Nacional de Mulheres Militantes do MST, cujo objetivo maior era o
fortalecimento do Coletivo das Mulheres Sem Terra. Em 1998, aconteceu o II Encontro
Nacional de Mulheres Militantes do MST. Ao longo do processo, estas mulheres foram
se organizando e articulando formas de participação, e percebendo que teriam que
participar da estrutura orgânica do Movimento, ou seja, das suas instâncias de
decisões.

Assim, com a saída para o trabalho nas cooperativas e com processo de luta
pela terra, as mulheres sem terra organizaram-se internamente no Movimento e para
realizar o enfrentamento contra o capital. Em 2000, no Encontro Nacional do MST, foi
aprovada a criação do Setor de Gênero. Na atualidade, as mulheres do MST vêm
travando varias lutas com as grandes empresas multinacionais. Estas lutas ficam mais
visíveis para a sociedade no dia 08 de março data em que as mulheres fazem várias
ações, denunciando o modelo agrícola que grandes empresas como Monsanto, Vale do
Rio Doce, Aracruz, etc., vêm desenvolvendo no campo brasileiro. Analisando esta
experiência, podemos ressaltar que ela possibilitou às mulheres e crianças saírem do
seu espaço privado, ou seja, sair de casa, e conquistar seu espaço público no MST.
Daniela Finco (2004: 87), no seu estudo de mestrado sobre as relações de
gênero com meninos e meninas na pré-escola afirma que:

88
(...) para os homens, o público e a política, para as mulheres, o privado e a
casa. (...) dos meninos espera-se agressividade, capacidade de liderança,
racionalidade, e das meninas espera-se delicadeza, sensibilidade e beleza.

Com a participação das mulheres neste espaço público e nas cooperativas,


muitas delas passaram a participar dos encontros de formação que o Setor de
Produção, Cooperação e Meio Ambiente organiza, tanto em nível regional quanto em
nível Estadual, e às vezes de encontros nacionais, sempre na perspectiva de ir
mudando estas relações de poder entre homens e as mulheres sem terra.
Neste sentido, a discussão sobre gênero dentro do MST constitui um processo
de enfrentamento ao machismo de muitos dirigentes. Isso, ainda existe na organização,
mas vem sendo superado com o entendimento que a luta pela terra é de todos e todas.
Neste processo, houve também a conquista da participação das mulheres nas direções
em nível local, estadual e nacional. Assim, as mulheres foram introduzindo essa
discussão, com a finalidade de promover uma transformação nas relações de gênero,
ou seja, a construção de relações mais igualitárias de participação e valores.

Para o MST é possível destacar alguns avanços com a introdução desta


discussão nas instâncias. A criação do Setor de Gênero é fruto dessa discussão, e hoje
é organizado em nível estadual e nacional. Outro avanço é o estudo. Há muitas
mulheres em cursos não ditos “femininos”, do Movimento. Neste sentido, a sua
participação, de forma organizada, nas diferentes instâncias do Movimento é
considerada um avanço significativo e importante para todas as mulheres sem terra.
Hoje, todas as instâncias do MST são compostas por 50% de mulheres e 50% de
homens, porque são os espaços de deliberações e decisões.

Ressaltamos que esta decisão aumentou significativamente o número de


homens como educadores infantis nas cirandas, principalmente nas Cirandas
Itinerantes. A presença masculina nas cirandas, que antes era muito pontual, hoje é
comum, assim como a presença de casais desenvolvendo o trabalho pedagógico nas

89
Cirandas Infantis. Aos poucos este debate de gênero foi ganhando corpo no MST.
Como dissemos anteriormente, nos dias atuais, muitas mulheres ocupam o cargo de
dirigentes nas instâncias do MST, em vários Estados, participaram do processo de
implementação das cooperativas nos assentamentos.

A segunda questão a ser analisada, nas cooperativas, é a vivência no coletivo,


pois até então, os assentados tinham experimentado no Movimento algumas ações
coletivas, tais como: mutirões para as construções de moradias, plantio, colheita.
Assim, se formavam os grupos coletivos e se organizavam as atividades. Ao vivenciar e
ajudar organizar as cooperativas, os assentados passaram também a vivenciar mais a
coletividade, todos e todas tinham suas responsabilidades e cada um passou a sentir-
se mais responsável pelo coletivo. Aqui, pois, estava em jogo a sobrevivência e
resistência das pessoas assentadas, e do projeto de sociedade que estava sendo
gestado no MST. Neste contexto, as cooperativas cumpriram um importante papel
neste período.

Para os assentados e as assentadas, essa vivência no coletivo teve suas dores,


alegrias, medos e desistências, pois viver no coletivo exige uma postura de dirigentes
políticos e sabedoria na tomada decisões em prol do coletivo. Além de disso, as
cooperativas em alguns assentamentos proporcionaram uma melhoria nas condições
de vida aos trabalhadores e trabalhadoras do campo. Por sua vez, esta experiência
mostrou algumas contradições, como a dificuldade de geração de receitas para
competir com empreendimentos capitalistas. Este foi um dos motivos do encerramento
das atividades de muitas cooperativas no movimento.

Cabe ressaltar que as cooperativas no MST foram pensadas a partir de uma


lógica de sociedade socialista a ser organizada numa sociedade capitalista. Então, as
cooperativas tinham como objetivo a geração de renda para as famílias assentadas,
vinculada à dignidade dos sujeitos sociais e à sobrevivência dos trabalhadores. As
cooperativas eram, portanto, uma das formas de resistência, sobrevivência e
permanência dos trabalhadores no campo. Preocupado com esta experiência, o MST

90
procurou trabalhar na formação dos filhos dos assentados e programou o curso Técnico
de Administração em Cooperativas (TAC), em funcionamento na Escola Josué de
Castro, no ITERRA.

A terceira questão refere-se ao trabalho coletivo, pois, até então, os assentados


na sua maioria, realizavam o trabalho individual nos seus lotes. Com a implementação
das cooperativas, as pessoas assentadas são levadas a trabalhar coletivamente. Isso
implica em planejamento da produção, decisões sobre o que plantar, divisão social do
trabalho, planejamento dos gastos, etc.

Isso foi um fator importante, pois, as pessoas assentadas ao se apropriarem


desses conhecimentos, vão mudando aos poucos seus hábitos cotidianos. Segundo
Bogo (1998: 3), é no processo do trabalho, que o ser humano altera a natureza, ao
mesmo tempo a sua própria natureza, aperfeiçoando assim as qualidades humanas. O
trabalho aqui é compreendido como a ação humana na natureza e nos universos
histórico-social, tecnológico, comercial e cultural, ou seja, ocupa o lugar central no
conjunto das atividades humanas. Nas sociedades primitivas, o trabalho constituía-se,
primordialmente, na ação do ser humano sobre a natureza: o objetivo era extrair dela o
alimento necessário para a subsistência da espécie e as condições para se proteger
das intempéries e animais ferozes.

Já para Mészáros (2005:31), pensar a emancipação do trabalho na atualidade


significa:

Pensar um amplo processo de enfrentamento ao capital e à forma como este


organiza as relações sociais, o que exige a ação de um sujeito coletivo
suficientemente forte para fazer frente à imensa força do capital enquanto lógica
de organização das relações sociais de produção

91
O debate teórico que envolve o trabalho na atualidade é relevante para a
construção de alternativas que identifiquem possibilidades de superação da
sociabilidade do capital. Em alguns Movimentos Sociais, identificados com a construção
do socialismo, estão pautadas com destaque as proposições de um projeto de
formação que auxilie na tarefa de construir um novo projeto histórico. Ora, o trabalho,
como princípio educativo, é aquele que articula a coletividade e, Pistrak (2002: 31)
afirma que:

A auto-organização do coletivo, traz elementos centrais para distinguir entre as


diferentes formas de compreensão da coletividade e suas implicações no
processo de trabalho coletivo que busca construir um novo projeto histórico, ou
seja, que deve lidar com a formação rompendo com a lógica nela imposta pelo
capital.

Em outras palavras, é possível explorar as contradições postas nas relações


sociais capitalistas, buscando fortalecer a perspectiva de superação do capital. Para tal,
é imprescindível o conhecimento da realidade social, dos elementos centrais de seu
processo de desenvolvimento, o que exige a apropriação do que a humanidade
produziu de mais avançado nos movimentos de luta social.

Por isso, para o MST se faz necessário vincular as Cirandas Infantis às ações
concretas que apontem às crianças o caminho do trabalho coletivo. Como também não
podemos desvincular a ciranda dos seus educadores e educadoras para que estes/as
tenham, no seu horizonte, uma prática educativa na perspectiva de uma educação
emancipadora.

A organização coletiva no MST e seu caráter educativo - experimentada nas


vivências coletivas e individuais que possibilitam a participação direta na luta e no

92
trabalho coletivo - também se constituem, na realidade macro e micro, atividades
educativas e de troca de experiências, possibilitadas pela mistura e encontro de
diferentes culturas.

As experiências educativas do MST e formulações de Pistrak (2000:32) apontam


que a escola deve estudar a realidade atual, penetrá-la, viver nela. O desafio é buscar a
organização das atividades e do trabalho pedagógico levando em conta as relações
universal, singular e particular, para que os coletivos infantis e os coletivos de
educadores e educadoras se fortaleçam para o enfrentamento e a superação da
realidade atual.

Analisando a experiência da Ciranda Infantil podemos afirmar que ela surge lado
a lado com o debate de temas importantes como gênero, trabalho e coletividade. E
mais, as Cirandas Infantis, no Movimento Sem Terra, já na sua origem, têm no seu
horizonte a emancipação humana e a construção de um projeto de sociedade
socialista.

Hoje, a Ciranda Infantil Permanente está organizada em alguns assentamentos,


nos Centros de Formação e nas Escolas do Movimento Sem Terra. O tempo de
funcionamento depende das condições e da realidade de cada assentamento, e
também das necessidades das crianças.
Para este estudo, realizamos um levantamento em nível nacional das Cirandas
Permanente MST53. O mesmo apresenta um número significativo considerando os 24
Estados em que o MST está organizado, pois as cirandas atingem 50% deles, porém,
se olharmos para os números de assentamentos que existem no país, este número se
mostra pequeno diante da população infantil do campo.

53
Este levantamento foi realizado juntamente aos dirigentes do Setor de Educação em nível
nacional, durante duas reuniões do coletivo nacional de educação do MST nos meses de julho e
novembro de 2008. Os outros estados que não aparecem no levantamento é porque tem somente as
Cirandas Itinerantes pontuais nos encontros, reuniões, etc. Aqui está incluída a *Ciranda Saci Pererê da
Escola Nacional Florestan Fernandes - SP e a**Ciranda Pequeno Colibri – ITERRA - RS.

93
Quadro 1- Levantamento das Cirandas Infantis Permanentes do MST
Estado Ciranda Permanente nos Ciranda Permanente Total
assentamentos ou nos de
acampamentos Centros de Formação Cirandas
Alagoas 04 00 04
Brasília e Entorno 03 02 05
Santa Catarina 01 01 02
Sergipe 02 02 04
Paraíba 01 01 02
Goiás 00 01 01
Piauí 00 01 01
Espírito Santo 00 01 01
São Paulo * 04 04 08
Bahia 00 02 02
Rio Grande do Sul** 04 03 07
Paraná 07 04 11
Ceará 06 05 11
Minas Gerais 00 01 01
Total 32 28 60
Fonte: Este quadro foi construído pela autora a partir do levantamento e também de relatos feito junto
aos dirigentes nas reuniões do coletivo de educação em 2008.

A organização do ambiente educativo das Cirandas Infantis é feita conforme a


realidade onde elas se inserem. Em muitas destas Cirandas há uma grande dificuldade
de acesso aos materiais pedagógicos, mas, isso não as impede de realizar uma prática
educativa numa perspectiva da emancipação humana. Por ambiente educativo, o MST
e o Setor de Educação compreendem tudo que acontece na vida da Ciranda, ou seja, a
forma como funciona, o que nela acontece e como os educadores se relacionam com
as crianças, com as famílias, com a comunidade assentada ou acampada entre outros.

94
Nesse espaço, as crianças sem terra constroem as relações entre si, com as
pessoas adultas e com a comunidade. Aprendem viver coletivamente, compartilhando
suas coisas. Seu José54 disse: As crianças na ciranda aprendem a respeitar o seu
companheiro, criam amizade com as outras crianças e inventam muitas coisas e Dona
Lurdes afirma que elas aprendem a dividir o lápis, o brinquedo, o lanche, aprendem a
brincar. A Ciranda Infantil é, pois, um espaço de criação, de inventar, de recriar.

As crianças freqüentadoras da Ciranda Infantil são de diversas faixas etárias, o


que permite a convivência entre todas elas. As mais velhas brincam e ajudam as mais
novas em suas atividades pedagógicas. Todas as crianças em idade de escolarização
freqüentam a escola do assentamento em outro período, porque as Cirandas Infantis
são espaços educativos não formais, e o trabalho da escolarização das crianças fica
sob a responsabilidade das escolas dos assentamentos e acampamentos e/ou das
escolas onde estas crianças estão matriculadas.

Mesmo com toda esta riqueza pedagógica desenvolvida, resulta muito difícil para as
famílias assentadas manter as Cirandas Infantis Permanentes com mais qualidade,
principalmente no que se refere à infra-estrutura, pois as mesmas apresentam um alto
custo. A grande maioria das Cirandas é mantida com doações de entidades e amigos
do MST, principalmente de materiais pedagógicos. As famílias assentadas estão
cientes da necessidade de organizar este espaço para as crianças, pois entendem que
a Ciranda Infantil é um direito das crianças sem terra. Neste sentido, existe uma tensão
muito grande entre as famílias assentadas a respeito da participação do Estado, como
pode observar-se no seguinte registro:

54
Seu José e Dona Lurdes são assentados e este depoimento foi colhido, durante a reunião da
Ciranda realizada no dia 10 de outubro de 2007, no assentamento “Nova Santa Rita” - SP. Ele e Ela são
pai e mãe de crianças que freqüentam a Ciranda Infantil.

95
Lutamos para que as Cirandas Infantis Permanentes venha ser uma política
pública de Estado? Ou continuamos levando a experiência por nossa conta? Há
possibilidade desta experiência, ser financiada pelo Estado, sem desvincular do
55
projeto maior que estamos construindo?

São questões como estas que estão norteando o debate nos vários setores do
Movimento Sem Terra, na perspectiva de encontrar saídas para manter as Cirandas
Infantis Permanentes funcionando.
Conforme nossa análise, as práticas educativas desenvolvidas em espaços não
institucionalizados têm um potencial emancipatório maior, por responderem
fundamentalmente às necessidades e exigências do Movimento Social e por não
estarem totalmente submetidas ao controle do Estado. Neste sentido, as Cirandas
Infantis têm esta possibilidade de uma prática educativa emancipatória, mas que por si
só não é capaz de promover mudanças maiores. Assim, coloca-se a necessidade da
sua estreita vinculação com as formas materiais de produção da vida, ou seja, com o
trabalho, com a luta social e com o projeto de sociedade.

2.3 – As mulheres nas instâncias do Movimento – As cirandas

Itinerantes do MST

Com a participação das mulheres na luta, instâncias, direções, cursos, reuniões,


congressos, marchas, enfim, no processo de luta pela terra, surge a necessidade de
organizar as Cirandas Itinerantes. O Estado do Ceará foi um dos primeiros a iniciar esta
experiência. As reuniões do setor de educação e da direção estadual eram compostas,
em sua grande maioria, por mulheres que tinham filhos. A saída encontrada pelo MST
do Estado foi organizar a Creche Itinerante, cuja prática impulsionou as Cirandas
Itinerantes no Movimento em geral.
55
Anotações do caderno de campo no dia da reunião das mães e pais na ciranda Infantil em 10 de
outubro de 2007.

96
Assim sendo, as Cirandas Itinerantes têm data para começar e para terminar,
pois são organizadas como espaços pedagógicos para as crianças que acompanham
seus pais e mães em algumas ações no processo de luta pela terra.
A primeira Ciranda Infantil Itinerante Nacional ocorreu no ENERA - Encontro
Nacional dos Educadores/as da Reforma Agrária, em 1997, na cidade de Brasília, com
80 crianças de todo o país. Vale lembrar que esta Ciranda apresentou vários desafios,
como por exemplo, a formação de educadores e educadoras e a organização do
ambiente da Ciranda Infantil.
No ano de 2000, durante o IV Congresso Nacional do MST, o Setor de Educação
organizou uma Ciranda Infantil Itinerante que atendeu 320 crianças, filhas de militantes
que participavam como delegados e delegadas, provenientes dos 24 Estados do Brasil.
O espaço da Ciranda Infantil foi organizado com uma intencionalidade pedagógica: a
troca de saberes e de experiências entre as crianças. Esta Ciranda tornou-se uma
referência para a organização das Cirandas, por parte do Setor de Educação nos
Estados.
Na Marcha Nacional, realizada em maio de 2005, de Goiânia a Brasília,
participaram 130 crianças na Ciranda Infantil Itinerante, e, com seus “Pezinhos na
Estrada”56, enfrentaram diversas dificuldades, tais como: o número de educadores era
insuficiente para o número de crianças, a infra-estrutura era muito precária para atender
às necessidades e os deslocamentos, entre outros. Maria Cristina Vargas57, numa
reunião do Coletivo Nacional de Educação, afirmou:

As crianças que participaram da ciranda da marcha, mesmo não caminhando


juntamente com seus pais, não significa que, não estão marchando; elas
criaram um significado todo especial para luta e construíram juntas o sentido da
marcha.e da ciranda com seus “pezinhos na estrada” (...) O MST, por ser um
movimento social construído por mulheres, homens e seus filhos e filhas, sentiu

56
O nome escolhido pelas crianças da Ciranda Infantil foi “Pezinhos na Estrada”.
57
Maria Cristina Vargas é dirigente Nacional do Setor de Educação do MST e na Marcha ela fazia
parte da Coordenação geral da Ciranda Infantil. Esta fala foi numa reunião do coletivo nacional realizada
em julho do mesmo ano. Esta fala foi no momento de avaliação das atividades do setor durante o
semestre daquele ano.

97
a necessidade de criar um meio para educar e cuidar das crianças, permitindo
que os espaços de debates sejam ocupados também pelas mulheres. Hoje
essa lógica mudou; hoje a ciranda não é um espaço somente para educar e
cuidar, mas também um espaço de participação das crianças na luta pela terra.

As dificuldades vivenciadas pelas crianças na Ciranda Itinerante da Marcha


levaram o Movimento a olhar de forma mais organizada para a infância sem terra. Após
da Marcha, surgiu o questionamento: Qual o é lugar das crianças no MST?
Desta forma, o debate sobre a infância foi pautado nas instâncias do MST, como
Direção Nacional, Coordenação Nacional e em vários Setores, como: Frente de Massa;
Cultura; Saúde; Produção, Cooperação e Meio Ambiente; Comunicação; Educação; etc.
Segundo Isabel Grein58, pela primeira vez o MST, de uma forma mais ampliada, senta
para pensar seus pequenos. Ainda, no Seminário Nacional sobre a Infância Sem Terra,
Isabel afirma que:

Isso não quer dizer que as crianças, só agora, na Marcha, apareceram na luta
pela terra. Elas estão na luta desde os primeiros acampamentos do MST.
Muitas vezes, chamando nossa atenção com sua fragilidade (desnutrição),
gerando a morte nos primeiros anos de suas vidas. Ou em outros momentos,
nos confrontos com a polícia, nos despejos violentos; ou ainda, sendo motivo
para desencadear campanhas de arrecadação de alimentos para que elas não
morram de fome. É importante ressaltar que o MST começa a olhar para as
crianças quando as mulheres militantes começam participar das instâncias e
dos cursos de formação, e quando o Setor de Produção começar organizar a
produção coletiva dos alimentos nos assentamentos e acampamentos

Pelos motivos expostos, a organização das Cirandas Itinerantes tem um papel


fundamental para a participação das crianças na luta pela terra. Assim elas terão
acesso a um espaço pensado para elas. Mesmo quando a ciranda apresenta várias
limitações e desafios para com a infância, tais como: a formação de educadores e

58
Isabel Grein faz parte da direção nacional do MST e esta fala foi no Seminário Nacional sobre a
Infância sem terra, realizado nos dias 09 a 11 de novembro de 2007.

98
educadoras infantis, o descuido de pais e mães com os próprios filhos e filhas, a
preocupação com a infra-estrutura etc.
Em 2007, no V Congresso59, foi montada a Escola Itinerante, com 1000 crianças
e 300 educadores e educadoras. A escola foi pensada na perspectiva da infância, ou
seja, para as crianças de 0 a 10 anos. Segundo Moraes60 (2001:15):

A experiência da Escola Itinerante colocada em prática pelo Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é um exemplo de prática educativa. Ela
é uma escola pública aprovada no conselho estadual de educação dos Estados
onde se tem esta experiência. Mais do que isso, ela é um espaço para a
construção de saberes, de socialização e de formação de individualidades e
coletividades. Ela é uma escola que caminha junto ao Movimento no processo
de luta pela terra, garantindo não só o acesso à educação estabelecido pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal de 1988,
como, sobretudo, dando oportunidade às crianças de se escolarizarem,
acompanhando as suas famílias no processo de luta, ou seja, a Escola
Itinerante é uma presença pedagógica e política em cada novo acampamento.

Para esta atividade, o MST proporcionou a formação aos coordenadores e das


coordenadoras, através de um encontro realizado na Escola Nacional Florestan
Fernandes, de 12 a 16 de maio de 2007. Estes vieram participar da formação e ao
retornar aos seus Estados trabalharam a formação dos educadores e educadoras
infantis. Diante da maneira como foi pensada e organizada esta escola itinerante, a
mesma deu novos rumos para o debate no MST, que já estava sendo colocado desde a
Ciranda da Marcha Nacional, isto é, a respeito da necessidade de reeducar o olhar das
pessoas adultas com relação às crianças Assim sendo, é preciso pensar e ter um

59
O V Congresso do MST aconteceu nos dias 11 a 15 de junho de 2007, em Brasília, com 18 mil
delegados vindos de todos os assentamentos e acampamentos do MST em todo o Brasil. A Escola
Itinerante recebeu o nome de Paulo Freire. Para melhor aprofundamento, ver caderno de educação do
MST nº 05 da coleção fazendo escola.
60
Marli Z. de Moraes é das educadoras da escola itinerantes do estado do Rio Grande do Sul que
está sendo fechada no estado pelo governo daquele estado. Este depoimento pode ser encontrado no
caderno das escolas itinerantes do MST intitulado de Escola Itinerante – Movimento Sem Terra: Uma
escola que caminha.

99
cuidado especial com sua formação, pois as crianças sem terra são sujeitos que
participam ativamente da luta pela terra.
Esta escola também chamou atenção para alguns espaços educativos nos
assentamentos e acampamentos, Assim, quando algumas crianças eram chamadas por
seus pais: vamos para a escola; elas respondiam para a escola não mãe, para a
ciranda61. A partir disso, nos perguntamos o que significa este “não querer ir para
escola”, até porque poderia ser ao contrario (não querer ir para a ciranda). Mas também
perguntamos: o que faz as crianças gostarem tanto desse espaço com tão poucas
condições estruturais? Da mesma forma, os educadores e educadoras falavam eu vim
para participar da Ciranda Itinerante62. Assim sendo, este espaço ficou conhecido como
“Escola Ciranda Itinerante Paulo Freire”

Muitos fatores ficaram marcados nesta ciranda: a organicidade 63, a visita do


Ministro da Educação, a acolhida dos educadores e educadoras, e também das
crianças, e o embelezamento do espaço. Para dar conta deste trabalho com as
crianças no Congresso, o MST organizou este espaço da seguinte forma: uma
coordenação geral, composta por todos os educadores e educadoras que participaram
do encontro de formação, envolvendo em média 80 pessoas de todos os estados e de
vários setores. Esta coordenação fez todo o planejamento, juntamente com os
educadores e educadoras, nos Estados; no encontro de formação nacional foram
traçada as grandes linhas de funcionamento da Ciranda Infantil. Nos Estados foram
planejadas as atividades pedagógicas a partir das grandes linhas. Além disso, várias
equipes forma criadas. Entre elas destacamos:
 Cozinha: formada por militantes de acampamentos e assentamentos, com a
participação de uma nutricionista. Esta equipe se dedicou à preparação de
lanches para todas as crianças da escola, pensando o cardápio com
qualidade e higienização dos alimentos que vieram dos assentamentos.
61
Anotações caderno de campo no dia 13/06/2007
62
Idem.
63
O jeito como o movimento organiza os coletivos das famílias assentadas e das crianças em seus
núcleos de bases.

100
 Secretaria: equipe deslocada para Brasília uma semana antes do início do
Congresso, para a organização dos materiais que eram doados através de
campanhas feitas por grupos de amigos da Infância Sem Terra. Outras
tarefas da equipe eram: organização e realização das inscrições das
crianças; gerenciamento da maior parte das informações; recepção de
visitantes à Ciranda Infantil, principalmente pessoas convidadas de outros
países; realização do credenciamento de educadores e educadoras; e
distribuição de materiais didático-pedagógicos para as atividades da Escola.
Também ficou sob sua responsabilidade a elaboração do relatório.

 Saúde: composta por militantes educadores do Setor de Saúde, que


participaram de toda a preparação da escola e garantiram o cuidado com a
saúde das crianças.

 Cultura: organizada por militantes do Setor de Cultura, e por educadores que


se identificaram com esta tarefa. Esta equipe teve como responsabilidade a
programação de todas atividades culturais, como: tardes culturais; Barraca
Cinema da Terra, com filmes infantis; oficinas (pernas de pau, capoeira,
apresentação de teatro de fantoche).

 Comunicação: responsável pela filmagem e fotografia da ciranda e das


atividades do congresso; pelo acompanhamento a imprensa e envolvimento
das crianças com a rádio-poste64 que foi instalada no espaço do congresso.
Essa equipe, coordenada pelo setor de comunicação teve a participação de
vários Sem Terrinhas, e garantiu a inserção da Escola Ciranda na
comunicação geral do Congresso.

 Infra - estrutura: algumas pessoas se deslocaram semanas antes para


compor esta equipe, que foi responsável pela construção da grande cidade
de lona dos Sem Terra e dos Sem Terrinha. Ela foi composta por militantes

64
A rádio-poste foi instalada numa sala os equipamentos para gravação das entrevistas e nos
poste que estava distribuído no acampamento foi instalados alto-falante para que todos e todas do
acampamento tivessem acesso às noticias e avisos sobre o congresso.

101
de diferentes setores do MST, e garantiu água, banheiros e todas as barracas
da Escola Ciranda. O abastecimento de água era uma das maiores
preocupações desta equipe durante o congresso, que foi realizado num
período de clima considerado muito crítico para a cidade de Brasília. Os
barracos foram construídos levando em consideração as atividades e
necessidades das crianças maiores (com idade entre 7 a 10 anos) e menores
(entre 0 a 6 anos). Havia, ainda, um barracão grande onde aconteceram
atividades para todas as crianças.

As crianças foram organizadas em grupos conforme sua idade. Ainda, dentro


destes grupos procedeu-se a formação dos chamados núcleos de base.65 Deste modo,
a Escola Ciranda Infantil ficou conformada da seguinte maneira:
As crianças de zero aos seis anos se organizaram em três núcleos de base: o
primeiro era formado por bebês até um ano de idade (para cada 2 bebês, havia um
educador ou uma educadora); o segundo, compreendia bebês de 2 a 3 anos idade
(para cada 3 bebês, havia um educador ou uma educadora); e o terceiro, com crianças
de 4 a 6 anos de idade (para cada 10 crianças, havia um educador e uma educadora).
Havia também mais dois grupos organizados para as crianças com idades de 7 a 8
anos (para cada 10 crianças, havia um educador e uma educadora ). E outro para
crianças de 9 a 10 anos (para cada 10 crianças, havia um educador e uma educadora).
Observando o critério de montagem dos os núcleos de base, acima descrito, nos
perguntamos: “até quando a separação por idade? Será que não poderíamos ter usado
outros critérios e misturar as crianças, independentemente da sua idade?” Sabemos
que o processo pedagógico ao misturar as idades é muito mais rico, mas também exige
uma formação aprofundada dos educadores e das educadoras, para a realização das
atividades com mais qualidade e envolvimento de todas as crianças. Mesmo assim, na
organização geral da Escola Ciranda, havia atividades onde todas as crianças se

65
Núcleos de base é o jeito como as famílias se organizam nos acamamentos e assentamentos
para participar da coletividade do assentamento. Este jeito de organizar as crianças tem como objetivo
auto-organização das crianças.

102
encontravam. O desafio para as próximas cirandas é pensar numa organização das
crianças independente da idade.

O cotidiano da Escola Ciranda foi organizado da seguinte forma:


No primeiro dia da Escola Ciranda Itinerante Paulo Freire havia muitas
expectativas por parte dos educadores e educadoras, e do Setor de Educação com as
1500 crianças que eram esperadas. Esse foi um dos grandes desafios que os
educadores e educadoras, em número de 400, começaram a enfrentar logo na parte da
manhã do primeiro dia.
Logo após a abertura do congresso, com uma mística realizada pelos delegados
da região Sudeste, os Sem Terrinha começaram a chegar ao arraial (digo aqui arraial,
pois a ornamentação da Escola Ciranda fazia referência a festa da colheita do mês de
junho). O espaço todo estava muito colorido, com muitos balões, bandeirolas, girassóis,
bonecos, lona preta etc. Além disso, havia música junina, com também canjica, pipoca,
milho cozido e os palhaços fazendo a recepção das crianças. À medida que as crianças
chegavam, a equipe de secretaria providenciava a ficha de cada uma. Muitas delas, no
colo, eram cadastradas e levadas pelos próprios responsáveis para os barracos
coloridos; onde a secretaria indicasse.
Feito o cadastramento e organizados os núcleos de base, os educadores e
educadoras recebiam os Sem Terrinha que chegavam ora alegres, ora curiosos, ora
tímidos, ora assustados, ora chorando, ora com medo, ora animados. No núcleo de
base de 2 a 3 anos, o coro estava muito afinado: era uma choradeira só! Foi necessário
muito carinho, paciência e brincadeira por parte dos educadores e educadoras para
afastar o medo, a ansiedade dos pequenos diante de tanta novidade. Uma educadora
usava um telefone de brinquedo para ligar para a mãe de uma criança e solicitar que
ela voltasse. Foi uma longa conversa para acalmar os corações angustiados.
No núcleo de base dos bebês, de até um ano de idade, também houve choros,
porém, mais tranqüilos. Muitos dormiam ou ficavam muitos curiosos olhando para o teto
do barraco todo colorido.

103
O encontro entre os educadores e educadoras do núcleo dos maiozinhos (4 e 6)
anos e os Sem Terrinha também não foi fácil; foram preciso alguns minutos de
conversa para transformar a birra delas em alegria.
A acolhida das crianças de 7 a 8 anos foi bem movimentada. Elas cantaram,
contribuíram no embelezamento do barraco onde estavam, conversaram sobre a Escola
Ciranda Itinerante Paulo Freire e sua organicidade e, por fim, escolheram os nomes de
66
seus núcleos de bases e Ana Maria , de 08 anos, assim justificou sua proposta de
nome para o núcleo do qual fazia parte, dizendo:

Eu sei que é um escritor (...) que gostava do MST, assim eu também gosto e
muito dele e acho que não tem outro nome para nosso núcleo de base: é Paulo
Freire.

Justificativa essa que conseguiu convencer os outros Sem Terrinha a votarem


nessa proposta. “Semente para a vida” e “Che Guevara” foram outros nomes escolhidos
para outros núcleos de base. As mais de 150 crianças entre 9 e 10 anos foram
recebidas pelos 50 educadores e educadoras , que logo começaram a organização e
ornamentação dos seus espaços. Os Sem Terrinha iniciaram a conversa sobre a Escola
Ciranda Itinerante Paulo Freire e escolheram os coordenadores infantis dos seus
núcleos de base.
Ainda neste dia as crianças assistiram um teatro de fantoche sob uma árvore.
Outras crianças ouviram estórias e músicas tocadas no violão pelos educadores ou
educadoras, enquanto esperava seus responsáveis virem buscá-las para o almoço.
De um modo geral, os Sem Terrinha foram protagonistas nas atividades e, por vezes,
assumiam a frente do processo educativo, rompendo com a programação dos
educadores e educadoras Por volta do meio-dia, pais e mães chegaram para pegar as

66
Fala colhida durante a escolha do nome do núcleo de base.

104
crianças e assistiram, junto com os Sem Terrinha, a apresentação de circo que estava
acontecendo.
Após o almoço, os Sem Terrinha voltaram para os núcleos de base, onde todos
trabalharam questões relacionadas ao tema do V Congresso Nacional. Reforma
Agrária: Por Justiça Social e Soberania Popular. Esse tema foi trabalhado, através de
algumas perguntas como: Por que a terra e a água são importantes? O que é Reforma
Agrária? Para que serve uma ocupação de terra? A síntese do debate entre as
crianças foi expressa, por meio de desenhos, construção de painéis coletivos através
de sementes e outros.
João67, de 7 anos, contou para seu núcleo sua experiência em uma ocupação: Eu já
participei de três acampamento juntamente com minha mãe.
Enquanto aguardavam o início da apresentação do grupo Unigrudi, os Sem
Terrinha ensinavam brincadeiras para os educadores e educadoras. O trio Unigrudi,
com suas roupas feitas de material reciclado, tocou marchinhas de carnaval, cantigas
de roda, e interagiu com os Sem Terrinha, que se divertiram muito. Os pequenos que já
andavam, entraram na dança, enquanto outros passeavam pelos arredores das
barracas com os educadores e as educadoras, observando as brincadeiras. Mais tarde
aconteceu uma oficina de capoeira.
Neste dia, por falta de combinação entre coordenação e o responsável pelas
crianças, aconteceu de uma criança ficar durante o dia inteiro na Escola Ciranda
Itinerante, pois o combinado entre educadores e educadoras com os responsáveis das
crianças eram que: nos horários de almoço e do jantar, as crianças iam fazer as
refeições junto com seus responsáveis nas barracas de seus Estados.

No segundo dia de Escola Ciranda, a chegada das crianças foi mais tranqüila,
sem grandes choros. À medida que chegavam, já procuravam algo para brincar. Assim,
os educadores e educadoras logo organizaram uma cantoria de roda com os pequenos
e todos foram brincar inclusive os bebês, nos colos dos educadores e educadoras

67
Fala colhida durante a realização das atividades pedagógica na ciranda infantil

105
infantis. Posteriormente, organizaram um passeio no espaço todo da Escola Ciranda e,
mais tarde, os pequenos de 0 a 6 anos receberam uma massagem Shantala 68 feita
pelos educadores e educadoras. O cheirinho bom incendiou todo ambiente desta
barraca.
Os maiores, já devidamente ambientados com o espaço, e também e sabendo o
que ia acontecer durante o dia, preparavam os materiais para a mística que realizariam
na plenária após o lanche, e conversavam sobre temas como a identidade Sem Terra e
o direito das crianças. Nas palavras de Mateus69, de 6 anos,

Ser Sem Terrinha é continuar na escola do meu assentamento, só que numa


escola boa e participar dos encontros e plantar na parcela (ao lote) do meu pai
quando ele tiver velhinho.

Outro grupo de crianças se organizava para participar da programação na rádio-


poste, ou seja, no programa dos Sem Terrinha, e Vânia de 07 anos dizia Se todas as
crianças das escolas viessem aqui iam gostar, com certeza!70
A carta ao MST foi proposta por um dos núcleos das crianças de 9 a 10 anos. Este
grupo montou uma primeira proposta, que foi lida para todas as crianças. Depois dos
acréscimos, as crianças aprovam a carta para ser lida em plenária.
Antes da plenária, foi entregue a cada criança um kit da Escola Ciranda
Itinerante, composto por mochila, boné, caderno, lápis, lápis de cor, borracha e livro
infantil.
As crianças se organizaram em fileira marchou rumo ao ginásio Nilson Nelson. E
foi assim que a coordenação do dia da plenária geral do Congresso anunciou: Neste

68
É uma mistura com varias essência forma uma pomada ou óleos que se usa muito em
massagens.
69
Fala colhida durante a realização das atividades pedagógica na Ciranda Infantil
70
Fala colhida durante a ida para o local da Rádio poste no terceiro dia

106
momento vamos receber uma delegação muito importante para todos nós. Vamos
receber as nossas crianças Sem Terrinha! 71.
Com esse anúncio, as crianças, em marcha com faixas e painéis, foram entrando
até o centro da plenária, cantando, puxando gritos de ordem fazendo uma batucada
com seus brinquedos. Dois Sem Terrinha fizeram a leitura da Carta dos Sem Terrinha
para o V Congresso Nacional do MST no palco do ginásio, ressaltando a importância da
educação no MST. Com seus gritos de ordem Brilha no céu, a estrela do Che, nós
somos Sem Terrinha, do MST!, Os Sem Terrinha contagiaram todos os que estavam
presentes na plenária do V Congresso.
À tarde, foi a vez das oficinas, tais como: música, confecção de brinquedos
populares, balangandãs, desenho, pintura, dobradura, recorte e colagem, canto, saúde
e meio ambiente. Houve também a apresentação do teatro de mamulengos com a
participação das crianças na construção da história de Virgulino e Rosinha.
Uma criança de um dos núcleos de 7 a 8 anos propôs a realização de uma avaliação
das atividades até então realizadas. No entanto, como já estava na hora do lanche da
tarde, a avaliação foi adiada para a manhã do dia seguinte. Após o término do 2º dia, os
educadores e coordenadores se reuniram, assim como nos outros dias, para avaliar e
replanejar a Escola Itinerante.

No terceiro dia da Escola Itinerante Paulo Freire, os educadores e educadoras


contava história com os fantoche de dedo para as crianças de até 2 anos nos arredores
do barraco. Os de 3 a 4 anos brincavam com massa de modelar, participavam de
oficinas de papel reciclado, preparavam tintas utilizando cola, terra, ovo e legumes,
brincavam de “João sem toca”. No núcleo das crianças de 5 a 6 anos, a primeira
atividade foi a coleta de folhas secas para a utilização em desenhos e colagem, e
depois construíram um painel coletivo. Nos desenhos elas usaram tinta guache e a
colagem de sementes e folhas Além dessas atividades, houve a opção de brincar na
piscina de bolinhas e andar de perna de pau.

71
Anotações do caderno de campo

107
Depois disso o grupo das crianças de 0 a 6 foi assistir a um teatro de fantoche chamado
“A história de Benedito e Severina”.
As atividades nos núcleos de 7 a 8 anos, foram precedidas da cantoria de
músicas como, por exemplo, Só sai Reforma Agrária e de gritos de ordem puxados
pelas próprias crianças: MST: a luta é pra valer!, Reforma Agrária: por justiça social e
soberania popular!. Logo depois, as crianças fizeram uma avaliação das atividades que
haviam sido realizadas na Escola Ciranda Itinerantes Paulo Freire e, também,
participaram de uma oficina de música; assistiram ao teatro de fantoches A história de
Benedito e Severina e realizaram desenhos sobre seus sonhos e o cotidiano das áreas
de acampamento e assentamento e a Reforma Agrária.
Nos núcleos de base das crianças de 9 a 10 anos, também foi realizada uma
avaliação das atividades logo no início da manhã. A seguir, participaram de uma oficina
de desenho e poesias, assistiram ao teatro de fantoches A história de Benedito e
Severina e realizaram desenhos sobre seus sonhos e o cotidiano das áreas de
acampamento e assentamento e a Reforma Agrária.
À tarde, as crianças, juntamente com os educadores, juntaram-se aos mais de
17.000 Sem Terra na marcha. Essa saiu do ginásio Nilson Nelson até a Praça dos Três
Poderes; como forma de protesto contra o agronegócio, o imperialismo e a não-
realização de uma Reforma Agrária. À noite, na festa da colheita, grande parte das
crianças cantou com Zé Vicente numa grande roda, experimentaram comidas típicas de
cada região brasileira e dançaram ao som de forró, samba, vanerão, xote.

O quarto e último dia da Escola Ciranda Itinerante Paulo Freire, tal como o
primeiro dia, foi acompanhado de muitas expectativas, pois, neste dia, o Ministro da
Educação72 visitaria as crianças. A movimentação entre as crianças, bem como entre
educadores e educadoras era muito grande. O Ministro chegou na primeira parte da
manhã. O encontro com os Sem Terrinha foi na barraca comum a todos, que estava

72
O ministro estava acompanhado dos integrantes da Direção Nacional do MST, Marina dos
Santos e João Pedro Stédile; da coordenadora do PRONERA/INCRA/MDA, Clarice dos Santos e; da
Coordenadora de Educação do Campo/MEC, Sara Lima.

108
ornamentada com vários painéis, cartazes e desenhos feitos nos dias anteriores pelas
crianças.
As crianças apresentaram as demandas da Educação do Campo: cirandas,
parques infantis, escolas em assentamentos, melhoria dos prédios das escolas, etc. E
começaram os gritos de ordem: Bandeira, bandeira, bandeira vermelhinha, o futuro da
nação está nas mãos dos Sem Terrinha”, “Brilha no céu a estrela do Che, nós somos
Sem Terrinha do MST!.
Uma comissão de crianças leu a pauta e entregou ao ministro, e antes mesmo
deste se pronunciar, formou-se uma fila de crianças pedindo a palavra para falar sua
reivindicação.73 Como exemplos, destacamos:
Matheus (06 anos) reivindicou a construção de Cirandas Infantis nos assentamentos e
denuncia a dificuldade de acesso às escolas.
Lucas, (09 anos) reivindicando a construção de vias (estradas) de acesso às escolas,
além de recursos para a Educação de Jovens e Adultos.
Maria Clara (06 anos) queria área de lazer, brinquedoteca, parque infantil e quadras de
esporte no assentamento onde vive.
Paula, (08 anos), reivindicou construção de mais escolas nos assentamentos, pediu
mais recursos para Educação de Jovens e Adultos.
Para o encerramento do grande arraial, todos os presentes na visita foram convidados.
A mesa do lanche estava farta: muitas frutas, sucos, arroz doce, pinhão, pipoca,
trazendo a diversidade de todos os Estados. Depois deste encerramento da Escola
Ciranda Itinerante, todas as crianças foram para o grande encerramento do congresso.
É importante ressaltar, um número significativo da presença masculina, sendo
educadores infantis nessa Ciranda Infantil. Observamos o seu fazer pedagógico, como
eles se entendiam com as crianças, tanto nas brincadeiras, como no trocar as fraldas
dos bebes. Neste sentido, entendemos que a participação dos educadores tem
demonstrado a possibilidade de uma discussão de gênero na Ciranda Infantil,
compreendendo que a discussão sobre gênero, dentro do MST, é uma reflexão

73
Anotações do meu caderno de campo

109
construída principalmente com a participação das mulheres nas instâncias e nas
demais atividades do MST.
Por isso, consideramos a participação dos educadores infantis, como um dos
elementos importante, no sentido de introduzir essa discussão na Ciranda Infantil, com
a finalidade de promover uma transformação nas relações de gênero, principalmente na
de participação das mulheres e dos homens nas atividades do MST, para que estas
sejam mais igualitárias. Mas, ressaltamos que esta participação é carregada de tensões
tanto por parte dos educadores como por parte das mulheres, pois segundo Odair74

Eu gosto de participar dos encontros para ficar nas Cirandas Infantis, gosto de
brincar com as crianças. No inicio foi difícil convencer as mães das crianças que
eu tinha capacidade de educar e cuidar das crianças, que eu poderia trocar
uma fralda de um bebe tão bem quanto uma educadora. Muitas vezes quando
havia mobilizações das mulheres eu fui para ficar com as crianças, e quando eu
entrava no ônibus, juntamente com as companheiras, muitas delas vinha me
perguntar o que eu ia fazer na mobilização.

Consideramos que esta participação está em processo de construção, pois, a


partir do convívio e conversar com educadores, percebemos que não está sendo fácil
construir estas relações, pois ainda está repleta de contradições e conflitos.
Edivaldo75 afirma que:

Muitas mães quando vem deixar as crianças na ciranda e percebem que é a


gente que recebe as crianças, elas perguntam: tem só você na ciranda? Como
querendo dizer que não temos capacidade de desenvolver as atividades
pedagógicas, ou seja, ainda há uma desconfiança muito grande de certas mães

74
Odair é educador infantil é Coordenador da frente da Infância no Estado do Parará e este
depoimento foi colhido no Encontro dos Educadores e Educadoras da Infância da Região Sul entre os
dias 10 a 21 de junho de 2008, na Escola Josué de Castro, em Veranopólis, estado do Rio Grande do
Sul.
75
Edivaldo é educador infantil e Estudante do Curso de Pedagogia da Terra, em parceria com a
UFSCar-SP. Este depoimento foi colhido na Ciranda Infantil do V Congresso

110
nos educadores, principalmente quando só existem educadores na ciranda.
Parece que este espaço, por ser formado na sua grande maioria por
educadoras, é proibido à presença masculina.

Já Enio76 afirma:

Eu gosto de trabalhar na ciranda, mas vejo que nós temos muito que avançar,
pois encontramos muitas dificuldades, tanto ao organizar o cotidiano da ciranda
Infantil como nas relações com as mães e pais das crianças, mas tenho clareza
que esta participação nossa na Ciranda Infantil é um processo que vai se
construído aos poucos.

A partir destes depoimentos, consideramos que a participação dos educadores


infantis está introduzindo as discussões de gênero no cotidiano das Cirandas Infantis.
Porém, entendemos que as discussões de gênero no MST têm uma dimensão muito
maior que é a luta contra o capital, a qual envolve homens, mulheres e crianças. Isso
não significa somente mudança de valores, de comportamento, de atitude na
construção de novos valores culturais, mas um rompimento muito maior que é a
construção da emancipação da classe trabalhadora.
Em nossa análise, as brincadeiras, teatro, a dança, desenho, colagem, passeio,
negociações, mística, etc., vivenciadas pelas crianças, em todos os espaços da Escola
Ciranda Itinerante, constituíram elementos fundamentais, que possibilitaram a vivência
das várias dimensões humanas. Sendo assim, estas atividades levaram às crianças a
criar, inventar, sonhar, planejar, negociar, decidir. Portanto, a Escola Ciranda Infantil do
Congresso foi este espaço coletivo onde as crianças sem terra tiveram o “privilégio” de

76
Enio é educador infantil e Coordenador da frente da infância no Estado de Santa Catarina. Este
depoimento foi colhido na ENFF no dia 16/12/2008, no período que ele estava fazendo estágio do
magistério na Ciranda Infantil Saci Pererê

111
vivenciar as várias expressões artísticas. Márcia Gobbi (2004:170) em sua pesquisa
sobre os desenhos de crianças pequenas em Mário de Andrade, ela afirma que:

(...) a arte não didatizada que permitem a criação, a invenção, a expressão, a


busca pelas soluções, que de forma coletiva e individual se encontram apoiadas
num território da infância e para a infância, onde a cultura infantil seja
construída e reconhecida,com exposições , impregnando as paredes e os olhos
de quem circula os espaços vendo as marcas das crianças , que se tornam
históricas.

Nesta experiência observamos que os núcleos de base foram os espaços onde


ocorreu a maior parte das atividades pedagógicas organizadas pelos educadores e
educadoras infantis. Nesse espaço, era realizada também, a avaliação das atividades
77
logo no início da manhã. Rodrigo , de 08 anos, do Pará, avaliou que poderia ter mais
oficina de capoeira. Na visita do ministro da educação Antônio78, com seus três anos de
vida, ao ser perguntado do que mais gostou na Escola Ciranda Itinerante nos
surpreendeu com a pergunta O ministro, ele parou de brincar?. Aqui, podemos analisar
esta fala da criança do ponto de vista da transgressão infantil: responder uma pergunta
com outra? É de se perguntar: o que ele quis dizer com esta pergunta? Também
podemos fazer outra leitura: será que, se o ministro continuasse brincando, a situação
da educação no Brasil, e especificamente, a situação da educação do campo estaria
diferente?

No cotidiano da Escola Ciranda Itinerante houve muitas tensões, pois o número


de crianças era grande, e isso aumentava consideravelmente a responsabilidade dos
educadores e educadoras. Além de que, este e todos os espaços do Congresso foram
montados em áreas abertas próximas ao Ginásio Nilson Nelson. Por isso, alguns

77
Fala colhida no momento de avaliação do dia
78
Fala colhida na reunião da avaliação do dia

112
episódios, como por exemplo: a criança que sumiu do seu núcleo de base, deixando os
educadores e as educadoras numa grande tensão. Acompanhamos este episódio. No
intervalo do almoço, os pais ou responsáveis pelas crianças começam a chegar para
pegá-las. Neste dia, eu estava acompanhado o núcleo de base de 3 a 4 anos 79.
Aconteceu que:

Os pais foram chegando e os educadores foram entregando as crianças. Em


certo momento, no final do dia, chega uma mãe, e os educadores não
encontram o seu filho; os educadores procuram a criança nos outros grupos da
mesma idade e não encontram. Assim, os educadores começam a ficar tensos.
Procuram em outra barraca vizinha, na barraca de atividades comuns para
todos, e nada da criança. A mãe começou a chorar. Os educadores ficaram
cada vez mais tensos e nervosos. Enfim, procuramos a coordenação geral da
ciranda para ver que decisão tomar diante deste fato. Uma das decisões
tomada pela coordenação foi colocar um anúncio na rádio-poste para ver se a
criança aparecia. Quando saímos para fazer isso, passei em uma das barracas
das crianças maiores de 5 a 6 anos. Estas crianças estavam numa atividade de
dança e na maior “folia”. Parei e fiquei olhando a criançada se divertindo.
Quando olhei direito para as crianças, olha só quem estava lá, o Gabriel que
estava perdido, dançando, pulando, enfim, brincado com as outras crianças
80
maiores .

Através deste episódio notamos a importância das misturas das idades, pois as
crianças têm outros critérios para escolher suas brincadeiras e com quem brincar. E, do
ponto de vista da transgressão, Finco (2004: 89) na sua pesquisa sobre relações de
gênero com crianças pequenas afirma que:

79
Nesta faixa de idade havia 187 crianças, assim elas forma divididas em pequenos grupos de
aproximadamente 10 crianças cada, formando o núcleo de base.
80
Episódio registrado no meu caderno de campo no dia 12 de junho de 2007, quando
acompanhava a Ciranda do Congresso, tanto como pesquisadora, quanto como militante do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Terra.

113
Meninos e meninas, em brincadeiras coletivas, movimentam-se, circulam e
agrupam-se de diferentes formas Nesses movimentos (...) há, as transgressões
e as resistências aos modelos pré-determinados de brincadeiras e
comportamentos de meninos e meninas. Eles e elas são capazes de múltiplas
relações, estão a todo o momento experimentando diferentes formas de
brincadeira, buscando novos prazeres, por possuírem curiosidade e vontade de
conhecer o mundo. Ao encontrarem espaço para a transgressão, vão além dos
limites do que é pré-determinado. (...)

Assim foi todo o processo da Escola Ciranda Itinerante, marcado pelas tensões
por parte dos educadores e educadoras, e pelas transgressões por parte das crianças.
Durante todo o processo de atividades, os Sem Terrinha mostraram que a infância pode
ter sentidos diversos daqueles que predominam na atitude das pessoas adultas em
relação às crianças. Mostraram também sua indignação durante a visita do ministro da
educação, ao colocar para ele a realidade da educação do campo. São, enfim, crianças
muito críticas, ao falar de sua realidade e da luta pela terra. E sua indignação ficou
muito presente na entrega da pauta ao ministro, pois as crianças não confiaram
somente na entrega do documento – a partir do momento que elas tiveram
oportunidade de falar de imediato, formou-se uma fila, e as crianças pegaram o
microfone começaram a expor suas reivindicações.
Pelos elementos citados acima, analisamos que o V Congresso proporcionou às
crianças participarem do conjunto das atividades, reafirmando a possibilidade de que
outra infância no campo esta sendo construída, e está sendo protagonizada pelos
sujeitos construindo, também, sua própria história.
Outras Cirandas Itinerantes vêm desafiando o MST: trata-se das Cirandas Itinerantes
dos cursos formais, principalmente daqueles que envolvem outros movimentos sociais
do campo. Porque ao pensar o cotidiano destas Cirandas, é preciso pensar em todas
as crianças que vêm de diversos movimentos sociais do campo presentes no curso,
reuniões, encontros etc.
O MST juntamente com o Setor de Educação avalia que se por um lado é um
desafio, por outro lado há algo muito importante acontecendo entre as crianças dos

114
diversos movimentos ao se juntarem, pois há uma troca de saberes, vivencias e
experiências muito significativa entre elas. Em alguns Movimentos Sociais do Campo
tais como: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), estão discutindo
e organizando as Cirandas Infantis em suas reuniões, cursos e seminários.

Deste modo, o Movimento Sem Terra vem desenvolvendo sua experiência de


Ciranda Infantil, tentando superar os desafios, os limites que a realidade impõe aos
movimentos sociais do campo. Fica claro, nesta experiência, que o processo de
organização das Cirandas Infantis do MST, junto à sua base social, tem ainda muito
que percorrer para que a educação das crianças pequenas atinja os patamares
desejados. Mas, é uma experiência significativa, pois, ela emerge da experiência da
vida, de luta, das culturas vivenciadas pelas crianças do campo, enfim, trás as marcas
de um projeto de campo que está sendo construído pelos Movimentos Sociais do
Campo. Este processo pedagógico transcende as portas e janelas da Ciranda Infantil.
Depende do contexto cultural em que a criança está inserida. Assim, o MST (2004:25)
define a Ciranda Infantil como:

Um espaço educativo organizado, com objetivo de trabalhar as várias


dimensões de ser criança Sem Terrinha, como sujeito de direitos, com valores,
imaginação, fantasia, vinculando as vivências do cotidiano, as relações de
gênero, a cooperação, a criticidade, e a autonomia (...). São momentos e
espaços educativos intencionalmente planejados, nos quais as crianças
receberão atenção especial, cuidado e aprenderão, em movimento, a ocupar o
seu lugar na organização de que fazem parte. É muito mais que espaços
físicos, são espaços de trocas, aprendizados e vivências de novas relações.

Considerando que nas Cirandas Infantis participam as crianças que


acompanham seus pais no processo de luta pela terra, as relações sociais
estabelecidas entre elas se dão através da vivência coletiva, assimilando os valores,

115
tanto os enraizados da sociedade capitalista quanto os que se constroem a partir das
vivências coletivas numa perspectiva de uma educação emancipadora. É na constante
relação dialética entre estes valores distintos, advindos de modelos de sociedades
diferentes, que se estabelece o jeito de ser e de relacionar-se. As relações se
constroem no cotidiano como, por exemplo: a coletividade, o companheirismo, as
relações de gênero e etnia.

É importante destacar que essas relações não aconteçam isoladas ou separadas


daquilo que, historicamente, foi conformando-se em preconceitos estabelecidos entre
homens e mulheres de uma sociedade.

Compreendemos que as crianças sem terra não estão isentas de vivenciar


valores capitalistas, pois elas não constituem uma sociedade separada; elas estão
inseridas nesta sociedade e tem acesso de várias formas, através da televisão, jornais,
rádios, etc., a toda a influência da sociedade capitalista. Neste sentido é comum, por
exemplo, que as crianças assistam televisão, por mais que este aparelho seja usado
somente para algumas atividades. Em muitas cirandas, os educadores e as
educadoras, que não tem acesso a outros tipos de materiais, lançam mão do mesmo, e
deixam as crianças assistirem os programas oferecidos em seus canais, sem muitos
critérios.
Então, o MST se viu diante de mais um desafio: a construção de outros espaços
pedagógicos que ajudassem na formação e na prática do educador infantil. Um dos
espaços que foram criados nesta perspectiva foi o Parque Infantil Alternativo81.

81
Existe uma cartilha de circulação interna com as medidas e sugestões de brinquedos alternativos
que compõem o parque. Na construção do parque foi também usada muito da criatividade dos próprios
pais na construção dos brinquedos.

116
2.4 – Construindo outros espaços nas Cirandas Infantis – O
“Parque Infantil Alternativo”

Este espaço é construído a partir da necessidade de ter, nos assentamentos,


áreas de recreação infantil que promovessem o encontro das crianças, que tivessem
condições privilegiadas para o desenvolvimento das brincadeiras e relações entre as
crianças de todo o assentamento ou acampamento.
O nome “Parque Infantil Alternativo” deriva do fato de que boa parte do material
utilizado são sobras de material de algumas construções nos assentamentos ou
acampamentos; por isso, alternativo. Trata-se de troncos de madeiras, manilhas,
caixote para frutas, tábuas, ripas, ou seja, materiais que são encontrados nos
assentamentos ou acampamentos.
Este jeito de construir o espaço é uma das formas que o MST encontrou, mesmo
porque os assentados não disponibilizam de renda para este fim. Sabendo da
importância deste espaço e das possibilidades educativas que as crianças vivenciam ao
se encontrarem, o MST procura incentivar os assentados e acampados a construírem
os Parques Infantis Alternativos para os Sem Terrinha. Em levantamento bibliográfico,
realizado para este estudo, localizamos a pesquisa de Ana Lúcia Goulart de Faria
(2002:74), sobre a experiência dos Parques Infantis de Mário de Andrade, na década
de 40, na cidade de São Paulo. Neste estudo a autora ressalta a importância deste
espaço para a vivência das experiências lúdicas no cotidiano das crianças. Dessa
forma, ela afirma que:

(...) o PI propicia experiências lúdicas, através das brincadeiras, dos jogos


tradicionais infantis, do folclore, onde, através da oralidade, as crianças recriam
os jogos tradicionais, reinventando o passado no presente, alterando a
realidade, construindo e reconstruindo conhecimentos; onde, de fato, são
crianças e brincam (...).

117
O MST afirma que a intencionalidade da construção do parque é que as crianças
usem este espaço para suas brincadeiras. É importante ressaltar que a proposta do
Parque infantil Alternativo do MST se defere da Proposta do PI de Mário de Andrade,
ainda assim, o MST justifica esta prática pelo fato de que o parque infantil constitui um
espaço no qual a criança tem a oportunidade de brincar, conviver e relacionar-se com
outras crianças; de estabelecer regras necessárias no processo de convivência, tendo
autonomia e responsabilidade nas decisões individuais e coletivas, explorando este
espaço para as suas brincadeiras, usando-os com criatividade.
Em relação à construção dos brinquedos, é importante garantir o envolvimento
das crianças, pois, é nestes momentos educativos e divertidos que elas se impõem
diante de suas questões históricas, sociais, culturais e políticas; mostrando que são
capazes de criar, recriar e aperfeiçoar suas brincadeiras e; promovendo um
desenvolvimento mais amplo do indivíduo que relaciona tais experiências com sua
realidade. Assim, podemos descobrir e valorizar a criança não só como indivíduo
capacitado de corpo e mente, mas sim, como uma pessoa que possui conhecimentos,
sentimentos e precisa, acima de tudo, de um espaço, de um tempo e de atenção para o
ser criança, o ser Sem Terrinha.
Para a construção do Parque infantil Alternativo, no Estado de São Paulo, o
MST/SP (2005:8) criou alguns passos que orientam a construção deste espaço
educativo, tais como:

º
1 Passo: Discutir com a comunidade sobre as crianças, como vivem, onde
brincam e o que se deseja para os Sem Terrinha. Refletir sobre a importância
das brincadeiras para a saúde física, mental e intelectual das crianças.
Apresentar a proposta do parque infantil para a comunidade, levantar as idéias
para a construção dos brinquedos e fazer a discussão com os assentados
sobre: o local e os dias para a construção do parque infantil; o material
necessário; organização das pessoas em equipe de trabalho para coleta e
organização do material necessário e preparo do almoço coletivo; organização
do mutirão e divisão das tarefas para a construção do parque infantil;
organização das mudas de árvores para o embelezamento do parque infantil.

118
o
2 Passo: As equipes de trabalho que ficaram responsáveis pela coleta e
organização do material irão à cidade mais próxima e procurarão negociar com
as prefeituras, secretarias de educação, borracharias e demais entidades que
possam ajudar nesta atividade importante para as crianças do assentamento. É
importante que, nesse dia, a equipe já articule o transporte para levar o material
ao assentamento.
º
3 Passo: Limpeza do local escolhido para a construção do parque infantil. É
sempre bom lembrar que o parque deve ser construído próximo à escola ou da
Ciranda Infantil, da praça do assentamento, da área comunitária etc.
º
4 Passo: É o momento de buscar, na reserva florestal do assentamento, as
madeiras mortas (toras, ripas, caibros, etc.) que serão necessárias para a
construção do parque.
º
5 Passo: Depois de conseguir todos os materiais, planejar a construção do
parque infantil.

O Movimento Sem Terra coloca que para a construção do parque infantil


alternativo é necessário o envolvimento de todas as pessoas que participam da
educação das crianças nos assentamentos e acampamentos, principalmente daquelas
aptas a confeccionar os brinquedos. Por isso, o MST reafirma que no dia marcado, é
importante que todos estejam presentes, envolvendo especialmente as crianças em
todo processo de construção do parque - tomando o devido cuidado com os materiais e
com a divisão das atividades. No mesmo documento do MST/SP (2005:10) aponta
algumas orientações mais gerais, imprescindíveis para a construção do Parque Infantil
Alternativo, tais como:

Os brinquedos podem ser feitos nas praças, em frente às escolas, nas Cirandas
Infantis, ou em outro local escolhido pelos assentados; Usar o material
encontrado no local, ou nas proximidades.
Aproveitar todo material, como cordas, estacas, pneus de todo tamanho,
mourão, pregos, parafusos, ripas, palhas, tintas de diversas corres e outros
materiais, conforme o brinquedo a ser feito no parque infantil.
Prever todas as ferramentas.
Furar os pneus para evitar o acúmulo de água e prevenir contra o mosquito da
dengue.
Usar a imaginação na construção de novos brinquedos.

119
Após a construção do parque, é escolhido o seu nome. Este momento é
considerado festivo no assentamento. Para tal festividade, geralmente, todas as
pessoas que contribuíram no processo de construção do Parque Infantil
Alternativo são convidadas.

Depois de tudo pronto, o Parque Infantil passa a fazer parte de um espaço que
deve ser preservado, e todos devem contribuir para sua manutenção. Para tanto,
forma-se um coletivo direcionado para o trabalho ou insere-se o cuidado com o parque
na estrutura de trabalho coletivo já existente no assentamento
Nesta experiência, podemos afirmar que, sem dúvida, esta é uma iniciativa significativa,
mas ainda há um desafio para o MST no sentido de promover essa atividade em todas
as áreas dos assentamentos e acampamentos. Para desenvolver as experiências
pedagógicas com as crianças sem terra o MST vem realizando um processo de
formação continuada com os educadores e educadoras infantis.

2.5 – O processo de formação dos Educadores e Educadoras


Infantis no MST

Pensando na implementação do seu projeto educativo, o MST vem


desenvolvendo um processo amplo de formação dos educadores e educadoras infantis,
entendendo que a educação é um processo permanente de formação e transformação
humana, pois acredita na capacidade das pessoas de transformarem e serem
transformadas, no espaço em que se educam e em que são educadas. Num contexto
de mudança de realidades, busca compreender o processo de formação de educadores
e educadoras, na sua relação macro e micro da sociedade. Neste sentido,
compreendemos que a prática educativa no MST vem construindo um conceito mais
amplo de educador e educadora, segundo Caldart, (2004:07):

120
O educador ou educadora é aquela pessoa cujo trabalho principal é o de fazer e
o de pensar a formação humana, seja ela na escola, na família, na comunidade,
no movimento social...; seja educando as crianças, os jovens, os adultos ou os
idosos. Nesta perspectiva todos são de alguma forma educadora, mas isto não
tira a especificidade desta tarefa: nem todos têm como trabalho principal o de
educar as pessoas e o de conhecer a complexidade dos processos de
formação humana

Dessa forma, é importante compreender que os educadores e as educadoras


infantis não são apenas distribuidores e repassadores de conhecimentos socialmente
produzidos; há uma especificidade na sua função, e suas práticas educativas dentro e
fora da Ciranda Infantil são determinadas pelas relações sociais e relações produtivas
com seus respectivos fundamentos. Os conteúdos, as formas metodológicas, as formas
de organização e estruturação das Cirandas são processo pedagógicos distintos que
impulsionam os processos de formação continuada dos educadores e educadoras
infantis, e estes são de fundamental importância para a sua formação continuada.
Segundo Molina (2002:05):

É de fundamental importância investir na formação continuada dos professores,


pois no exercício de sua profissão ele encontrará inúmeras dificuldades para
por esse Projeto Político Pedagógico em prática, principalmente para articular
tantos conteúdos necessários que garantam a humanização e emancipação
dos sujeitos do campo. As dificuldades podem surgir: da utilização de tempos e
espaços alternativos, ou também da seleção e domínio dos conteúdos, no
trabalho coletivo, no aprender com os outros, na transformação do
conhecimento e, no desprendimento de preconceitos, entre outros.

Ainda assim, o MST busca organizar de maneiras diferentes a formação dos


educadores partindo da realidade vivenciada por eles, garantindo as formas de

121
socialização de experiências e saberes com outros educadores, principalmente no que
diz respeito à aquisição de novos conteúdos, não só pedagógicos, mas sociais,
políticos, econômicos, culturais.
Nos cursos de formação, os temas geralmente são organizados, alguns para
debates através das palestras, conferências, etc., outros em oficinas práticas como
construção de brinquedos alternativos, livrinho de pano, dobraduras, etc. Assim sendo,
faz-se necessário que os educadores sistematizem estas informações, escrevendo a
respeito das suas práticas pedagógicas, das suas experiências.
Com isso, o educador tem a oportunidade de vivenciar uma formação
pedagógica mais específica, ou seja, voltada para realidade do campo, envolvendo uma
competência técnica e pedagógica com uma dimensão política, que será de
fundamental importância para seu cotidiano nas Cirandas Infantis e no entendimento do
processo da luta pela terra. Além do acesso ao conhecimento técnico-pedagógico, ele
pode, assim, ter uma clareza maior do projeto político do MST, no qual está inserido, e
isso ajuda a identificar e traçar as estratégias necessárias para conseguir colocar a
Pedagogia do Movimento em prática.
Isso implica em uma reflexão mais consciente da sua experiência, enquanto
educador e educadora social num mundo carregado de interesses sociais e realidades
diferentes. Por isso, a defesa de uma formação específica para os educadores e
educadoras que atuam no campo: boa parte deste ideário pedagógico que os
movimentos sociais do campo vêm construindo é algo novo. Então, podemos afirmar
que, participando das lutas sociais, os educadores e educadoras infantis também
estarão vivenciando um processo de formação, pois o processo da luta e da
organização também educa. Segundo Ribeiro (2001:13):

Participar da luta é formativo, como também das organizações, dos encontros,


das caminhadas, das marchas, e cultivar os símbolos, os cantos, as danças, o
abraço, é a mística que une as famílias, resgatando e alimentando a memória
do povo - que é o novo sujeito Histórico - em luta. A luta é um aprendizado de
um novo modo de ser e de fazer a sociedade; a luta é também pela produção

122
de um saber técnico comprometido; que juntando aos saberes históricos
acumulados pelos agricultores, em suas lidas seculares com a terra, com o
conhecimento. Que decorre das experiências científicas, que ocorrem nas
instituições de pesquisa e nas universidades. A luta é, ainda, uma luta política
de participação nas instâncias de cidadania.

Por isso, a participação dos educadores e educadoras na luta é muito importante


para sua formação. E, através dela, buscar compreender a realidade e articular os
conhecimentos que eles possuem com a realidade local e global. Isto ajuda a
compreender a Ciranda como um espaço de brincadeiras, de trocas de saberes, mas
também de luta e de resistência das crianças sem terra e do Movimento.
Constatamos que a formação dos educadores e educadoras das Cirandas
Infantis está exigindo do MST, cada vez mais, pois sua prática exige aprofundamento
teórico. Assim sendo, os educadores e educadoras tem um papel fundamental no
pensar e no fazer nas Cirandas Infantis, pois, eles e elas assumem a formação humana
de uma geração de crianças. Essa formação dos educadores e educadoras deve estar
em sintonia com o projeto de emancipação humana defendido pelo Movimento.
Pelos motivos expostos, podemos afirmar que a formação continuada dos
educadores e educadoras do MST vem de uma variedade de iniciativas que se realizam
em níveis: local, regional, estadual e nacional. Desse modo, a formação realiza-se em:
cursos, encontros, seminários e oficinas; na participação dos educadores e educadoras
nos Coletivos e na luta do MST como um todo; sistematização de práticas pedagógicas
e produção coletiva de materiais, para subsidiar a proposta de educação do Movimento;
programa de leitura dirigida; acompanhamento pedagógico das Cirandas Infantis. Estas
são algumas das iniciativas do processo de formação continuada dos educadores
infantis no MST.
Além disso, de acordo com os dados do Setor de Educação do MST, nesse
processo já passaram pela formação de nível médio cerca de 500 professores e
professoras e 370 em Pedagogia da Terra. Estão em fase de conclusão mais 450
pedagogos e pedagogas em convênio com universidades públicas de todo o país,

123
sendo que destes, três cursos são de Pedagogia da Terra e uma turma é de Magistério
com ênfase na Educação Infantil.
O curso de formação dos educadores do MST nasceu com o propósito de ser um
instrumento na luta pela garantia do direito à educação, somando-se à luta pelo acesso
a terra, ao conhecimento e a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
No processo de formação dos educadores infantis, alguns limites, desafios e
tensões foram colocados para o MST, principalmente na organização do processo
pedagógico. E alguns temas que “eram tão velhos, mas tão novos” voltaram com força
nos debates em espaços de formação dos educadores e educadoras, como por
exemplo, as brincadeiras das crianças, a contação de história, a cantoria de roda, o
contar caso, etc. A pergunta era: como trabalhar com estes temas com as crianças
pequenas?
Desta maneira, alguns entendimentos sobre este debate foram sendo traçados,
mas com certeza, ainda é preciso que sejam sempre retomados nas formações dos
educadores e educadoras, pois há muito a ser aprofundado. Isso foi muito importante
porque o MST observou que, além da necessidade de aprofundamento teórico, muitos
tinham uma dificuldade com a prática, como por exemplo, o saber brincar com as
crianças.
Ressaltamos que a grande maioria destes educadores e educadoras não tinha o
ensino médio completo, e existia, - e ainda existe - uma rotatividade muito grande de
educadores e educadoras infantis no MST. Isso porque grande parte vai para outras
atividades do Movimento, principalmente quando não se identifica com o trabalho nas
Cirandas Infantis. Portanto, nos cursos de formação sempre há pessoas novas, que
participam pela primeira vez destes espaços. Dessa forma, se faz necessário retomar
alguns temas e isso, às vezes, impede o avanço no processo de formação.
Por outro lado, neste processo, alguns pontos foram melhor compreendido pelo o
MST, tais como: a brincadeira é muito importante no cotidiano da criança - ela não é só
é fonte de prazer, como também de conhecimento. É o momento em que a criança
exercita sua capacidade de sonhar, sentir, decidir, arquitetar, aventurar, agir,
esforçando-se para superar os desafios dos jogos e brincadeiras, respeitando e
124
recriando regras, numa dinâmica de fundamental importância para o coletivo infantil.
Através da brincadeira, a criança apropria-se da realidade e expressa, de forma
simbólica, as fantasias, os desejos, os medos, a indignação, as impressões e as
opiniões sobre a realidade. As brincadeiras levem as crianças a pensar, a refletir, a
duvidar, a agir, a discutir, a questionar, a criar, a imaginar, etc.

Assim sendo, os educadores passaram a organizar no cotidiano das Cirandas


Infantis algumas brincadeiras com uma intencionalidade político-pedagógica em prol do
projeto educativo do MST. Isso não quer dizer que as brincadeiras livres deixaram de
acontecer. É importante esclarecer que as brincadeiras com a intencionalidade não
estão aqui pensadas no sentido do “ler e escrever”, ou “preparando a criança para”,
mas no sentido de propor algumas brincadeiras que valorizam a coletividade, a
solidariedade, o companheirismo, que estimulam a participação infantil no coletivo, a
cultura camponesa. Joseane Búfalo (1997:28) na sua pesquisa de mestrado sobre as
práticas educativas com crianças pequenas em uma Creche de Campinas no estado de
São Paulo a autora afirma que:

A criança não é produtora de cultura em si, mas sim, a partir de uma base que
já está dada e faz parte do contexto de sua história. Nesse sentido, ela é
também resultado de uma cultura maior em termos de uma cultura específica. O
que revela que as manifestações culturais das pessoas estão imbuídas em
vínculos que estabelecem.

Neste contexto, o espaço de formação dos educadores infantis passou a ser


importante, pois viabiliza uma troca significativa dos saberes entre eles, principalmente
na organização do espaço da Cirandas Infantis, garantindo assim, um equilíbrio entre o
que era planejado com intencionalidade, o que era livre, individual ou coletivo. Assim,
nas formações, ao planejar as brincadeiras infantis, os educadores e educadoras
procuravam levar em conta as crianças envolvidas, no sentido do que planejar para os

125
“menorzinhos”, para os “maiores”, para todos juntos; se a brincadeira era prazerosa, se
estimulava a competição ou a dimensão da coletividade. O brincar de amarelinha, pular
corda, cinco Maria, o ir e vir do balanço, o brincar com a cadeira, que não era cadeira,
mas um ônibus que vai para a ocupação; estas e outras brincadeiras foram aparecendo
no cotidiano cada vez mais complexo da Ciranda Infantil, e no processo de formação
dos educadores e educadoras infantis.

Assim sendo, nos cursos de formação procuravam desenvolver oficinas com os


educadores. Atividades pedagógicas como a contação de história, o trabalho com
música, com a poesia, com o teatro, com a dança. Estas atividades despertam as
manifestações criativas, inventivas, curiosas, imaginativas das crianças. A contação de
história ganhou outro sentido, pois além da leitura, o jeito até então usado pelos
educadores, foi ganhando novos significados e vieram acompanhados de alguns
personagens, como fantoches de dedos, muito usados nas cirandas para contar as
histórias para os bebês e para todas as crianças que desejam participar.
Outro personagem que entrou em cena foi o palhaço, tão conhecido das
crianças, que ao entrar em cena começa a contar casos - tanto de fatos da vida real
quanto imaginário - e interagindo e criando possibilidades para que as crianças se
envolvam num contexto de imaginação e de fantasia, puxando-as para dançar, para
brincar de “famoso coelhinho sai da toca”, “está quente e frio”, movimentando a
criançada sem falar no subir na árvore, o tomar banho de cachoeira, o correr por dentro
da plantação.
Nos cursos de formação de educadores todos estes temas eram trabalhados, e
muitos deles foram organizados em forma de apostilas para os educadores terem como
subsídio e troca de experiências. Ou seja, além do contar histórias, das brincadeiras, o
curso de formação proporcionou aos educadores ferramentas para criarem e contarem
suas próprias histórias, construindo e caracterizando seus personagens, criando assim,
uma possibilidade para uma prática educativa no cotidiano da Cirandas Infantis.
Nestes cursos, as trocas de saberes eram bem interessantes, entre os
educadores, entre as crianças, e entre crianças e educadores. Estas atividades e a
126
participação na luta pela terra foram dando mais autonomia para os educadores e
educadoras infantis irem pensado o cotidiano das cirandas para além do ler e escrever:
quando as crianças participam de atividades como marchas, congressos, mobilizações
infantis, ocupações, elas estão participando diretamente da luta social – mas nem por
isso deixam de brincar. É por isso, que a formação dos educadores e educadoras
infantis faz a diferença, pois consegue fazer daquele espaço de luta também um
espaço de brincadeiras. Para o MST, nestas idas e vindas dos educadores e
educadoras no curso de formação, as brincadeiras foram fazendo parte do cotidiano
das Cirandas Infantis, ganhando significados, cores, formas cheiros, melodia, vida,
tanto para os educadores infantis quanto para as crianças. Enfim, o Movimento foi
compreendendo que as brincadeiras são uma das dimensões humanas e que faz parte
do processo de formação dos sujeitos.
O MST sempre teve uma preocupação com algumas produções oferecidas pela
sociedade capitalista, principalmente as que visam o consumo e a degradação da
imagem do ser humano. Os estudos realizados por Patrícia Prado (1998:111) sobre as
brincadeiras de crianças pequenininhas em um Centro Municipal de Educação Infantil
(CEMEI) de Campinas, São Paulo ela afirma que:

Numa sociedade de consumo, a indústria cultural, aliada aos meios de


comunicação de massa, pode transformar a música em mais um instrumento e
produto de consumo, modismo, opressões, alienação e submissões em busca
de conteúdos que sensibilizem grandes massas, tanto as crianças quanto os
adultos, numa supervalorização do erótico e de relações competitivas em que
vale tudo, até dar uma abaixadinha, descer gostoso e balançar a bundinha.

Isso, sem falar na televisão, que faz uma verdadeira padronização dos
brinquedos, brincadeiras, moda (sandália, roupas, brincos pulseiras, etc.) de algumas
pessoas consideradas pela TV como “personalidades” do público infantil, visando

127
somente o consumo e os interesses econômicos, sem nenhuma preocupação com as
crianças.
Preocupados com essa situação o MST vem produzindo, ainda de forma muito
tímida, algumas músicas infantis82, e também alguns livros de literatura infantil e
infanto-juvenil83. Mas, este é ainda um desafio, pois produzir para crianças numa
linguagem de criança é bastante difícil, às vezes se “esquece” que esta produção é
para um público que tem outras sensibilidades.
Estes materiais vêm sendo criados para que os educadores e as educadoras
tenham subsídios para trabalhar com as crianças. A formação desses no MST tem
como principal objetivo, fazer um aprofundamento teórico sobre a infância do campo e
também a valorização da cultura lúdica como espaço de criação e subversão da
realidade, no sentido de repensar as práticas pedagógicas das Cirandas Infantis,
trazendo as brincadeiras locais, regionais e específicas das crianças no seu trabalho
pedagógico.
Desta forma, os cursos de formação dos educadores e das educadoras infantis
possibilitam o conhecimento das diversas brincadeiras, histórias, músicas infantis
existente nas regiões deste país. Dessa forma, o processo de formação dos
educadores e educadoras infantis por meio da organização e da pesquisa de sua
própria prática, tem se constituído como um fator importante para o avanço das práticas
pedagógicas nas Cirandas Infantis. A atualização político-pedagógica, a construção e
reconstrução de saberes e conhecimentos vinculados à proposta de educação do MST,
são necessidades concretas que vêm sendo trabalhadas ao longo dos 25 anos do
Movimento, na perspectiva de construir uma educação emancipadora.

82
O CD plantando Ciranda foi produzido pelos educadores e educadoras e alguns militantes que
vem desenvolvendo um trabalho com a música no MST.
83
Esta coletânea se chama “Terra dos Livros”, e é publicada pela Editora Expressão Popular. Os
livros na sua grade maioria são de escritores amigos do MST que esta se dedicando mais esta grandiosa
tarefa.

128
3– O PROCESSO PEDAGÓGICO DA CIRANDA INFANTIL “ANA
DIAS”

3.1 – Conhecendo a Regional de Itapeva

“Criança gosta de brincar de roda


Então vamos brincar
Uma brincadeira de roda e pula, pula
Mãozinhas na cintura olé, olé, olá...”.
Marquinhos Monteiro

O Movimento no Estado de São Paulo vem acompanhando todos esses 25 anos


de luta pela terra do MST em nível nacional. A luta pela terra no Estado de São Paulo,
que deu origem ao primeiro assentamento do Movimento, foi organizada pelos
sindicatos e pela Igreja, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Hoje, o
Movimento, no Estado, está organizado em 10 Regionais conhecidas como: Regional
do Pontal, Andradina, Promissão, Itapeva, Iaras, Sorocaba, Ribeirão Preto, Vale do
Paraíba, Grande São Paulo e Campinas. A estrutura organizativa é semelhante à
organização nacional, ou seja, possui como instâncias: o encontro estadual, a
coordenação estadual, a direção estadual, a direção regional e os setores.
A regional de Itapeva localiza-se na região sudeste de São Paulo, próxima à
divisa com o Estado do Paraná. Fica, aproximadamente, a 350 km da capital paulista. O
clima é bastante frio no inverno e quente no verão. Sua economia tem como base a
agricultura e a pecuária extensiva. Porém, na região, predominam as grandes
plantações de reflorestamento de eucaliptos, destinados à fabricação de celulose e
controlados por grandes grupos econômicos, como o Grupo Votorantin, Banco Itaú,
Ripasa, e outros.
A regional conta com sete assentamentos e um acampamento, conformando um
total são 450 famílias nessas áreas. Destes assentamentos, seis estão localizados na

129
área da antiga fazenda Pirituba, pertencente ao governo do Estado de São Paulo. Esta
fazenda tem um total de 17 mil hectares, abrangendo os municípios de Itapeva, Itaberá
e Itararé. O sétimo assentamento está localizado no município de Apiaí. Ainda, nesta
regional, há seis meses, existe um acampamento, no município de Riversul.
Na década de 1950, o governo estadual idealizou um processo de
assentamentos rurais na fazenda Pirituba, destinando os lotes para famílias de
camponeses que tivessem disposição de desenvolver o plantio do trigo, aproveitando a
potencialidade das terras e o clima da região. A responsabilidade desse projeto foi
entregue à família Vicenzi, de origem italiana, que, distorcendo o objetivo do projeto
criado, utilizou-se da concessão que lhe foi dada em benefício próprio. Assim, passou a
vender os lotes ou a doá-los para pessoas do seu círculo de amizades.
Já, na década de 1970, o governo Carvalho Pinto, novamente preocupado em
atender às demandas dos camponeses sem terra e de desenvolver a agricultura no
Estado, procurou retomar o projeto de assentamentos na fazenda. Este novo projeto
previa assentar 6 mil famílias em terras públicas do Estado de São Paulo. Além disso,
estabelecia critérios bem claros: os lotes não deveriam ultrapassar o tamanho de 100
hectares; os beneficiários deveriam morar na área; prioritariamente seriam beneficiados
os sem-terras da região. Também, receberiam prioridade, os que desenvolvessem a
agricultura familiar, ocupando a mão-de-obra da própria família.
Apesar dos critérios serem claros, o projeto fracassou porque, novamente, sua
responsabilidade de execução foi entregue a pessoas interessadas, unicamente, em
tirar proveito próprio. Nesse caso, o projeto ficou sob a responsabilidade de um
agrônomo, que cedia os lotes para fazendeiros. Dessa vez, foram beneficiadas famílias
de origem holandesa.
Como reação a essa experiência de apropriação das terras públicas,
anteriormente destinadas a um programa de reforma agrária, começou um processo de
ocupação da fazenda. Ora, as ocupações se iniciaram de forma isolada, no início dos
anos 80. Em 1982, ocorreu a segunda ocupação da área, dessa vez, organizada pelos
Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) da região e pela Igreja Católica. Em 13 de

130
maio de 1984, ocorreu a terceira ocupação da área, envolvendo cerca de 300 famílias,
vindas de vários municípios da região, inclusive do Estado do Paraná.
Posteriormente, as famílias de origem italiana (às quais nos referimos
anteriormente) retiraram-se da atividade agropecuária, priorizando o comércio na
região, com influência bastante forte, enquanto que as famílias de origem holandesa
permaneceram em pequeno número na atividade agrícola.
Hoje, as famílias assentadas trabalham em grupos coletivos ou em cooperativas.
Para desenvolver o trabalho há, em média, uns 80 tratores nas 06 áreas de
assentamentos, perfazendo um total de um trator para cada 15 famílias. A economia da
regional está baseada na produção tradicional de milho, feijão e trigo, diversificando
para a produção de leite, mel, suinocultura e de frutas.
Em pesquisa realizada por Márcia Ramos, ela aponta que:

A produção nos assentamentos está organizada de várias formas: cooperativas,


associações, nucleação e individuais, predominando o sistema cooperativista e
o trabalho coletivo, onde mais de 50% dos assentados se organizam através da
cooperação, com isto, facilita um pouco mais a organização das crianças dos
assentamentos. (1996:26)

Por sua vez, Antônio Júlio de Menezes Neto (2003:85-86) em sua pesquisa
sobre a educação e cooperação no MST aponta que o sistema de cooperação
desenvolvida pelo Movimento apresenta as seguintes etapas:

Os Núcleos de Produção – São as formas de produção mais primárias em que


os meios de produção, a terra e o planejamento ainda são basicamente
individuais.
A Associação – Esta forma de organização atua basicamente na prestação de
serviços e onde, por exemplo, as maquinas são associadas. A terra permanece
individual e os meios de produção são mistos

131
O Grupo Semi-coletivo – Neste grupo parte da terra e parte dos meios de
produção são coletivos e outra parte é individual.
O Grupo Coletivo – Apresenta um estagio mais avançado, pois a terra, os meios
de produção, o planejamento do trabalho ficam sob controle do coletivo.
A Cooperativa de Prestação de Serviços - Servem para comercializar, prestar
assistência técnica, viabilizar os serviços com as máquinas, oferece cursos de
formação política e capacitação técnica para organizar e beneficiar a produção.
Nesta organização os meios de produção estão sob controle da cooperativa.
A Cooperativa de Produção Agropecuária – Difere das outras na sua essência,
pois é uma empresa de gestão, produção e trabalhos coletivos. A terra fica sob
controle do coletivo e a cooperativa deve esta localizada em área estratégica,
ter plano de desenvolvimento. Todos os meios de produção estão sob controle
da cooperativa. O Plano de produção é centralizado pela cooperativa.

Para Delwek Matheus:

Todas estas etapas de organização coletiva foram experimentadas pelas


famílias, tinha grupos que se organizaram para a compra de máquinas, outros
para viabilizar a comercialização ou compra de sementes, todas as famílias
moram em agrovilas, todas as famílias participavam de alguma forma da
cooperação agrícola. Somente a partir de 1989 que criou as CPAs, ou seja, as
84
Cooperativas de Produção Agropecuária. em alguns assentamentos.

As famílias desta região vieram de vários Estados do país, tais como: Bahia,
Alagoas, Minas Gerais, sendo que a maioria delas veio do Paraná e do próprio Estado
de São Paulo. Estas famílias estavam à procura de trabalho e a alternativa que
encontraram, para isso, foi se organizar e lutar por um pedaço de terra. Uma boa parte
delas não havia concluído o ensino médio, mas isso não impediu que desenvolvessem
uma militância com responsabilidade dentro do Movimento. Nota-se, nos dirigentes,
uma enorme preocupação com a educação e a formação das crianças. Hoje, vários
dirigentes dessa regional já concluíram o ensino médio, graças aos cursos em parcerias

84
Entrevista realizada dia 15/06/2008.

132
com as universidades – que o Movimento vem implementando em vários Estados – e,
também, na Escola Josué de Castro no RS.

O trabalho desenvolvido com as crianças na regional tem se baseado no respeito


às mesmas. Para a direção, isto significa não limitar as oportunidades de descoberta,
mas também significa conhecê-las, verdadeiramente, para proporcionar-lhes
experiências de vida ricas e desafiadoras. Significa deixar que sejam crianças
independentes e que estas possam expressar suas idéias com convicção para que,
além do conhecimento, tenham confiança e habilidade para formar idéias próprias,
atingindo seus objetivos.
É importante ressaltar que a regional em sua trajetória desenvolve a luta por
escola e, como resultado disso, hoje, em um assentamento, tem escola desde o Pré -
escola85 até o ensino médio. Ainda, a regional conta com a Escola Agroecológica
Laudenor de Souza, com o ensino médio técnico em Agroecologia para os jovens que
haviam parado de estudar e outros que queriam aprofundar um novo jeito de pensar a
produção no assentamento.
No Estado de São Paulo, várias atividades educativas vêm sendo desenvolvidas
com as crianças. Na regional de Promissão, por exemplo, há o costume da Folia de
Reis, que, por algum tempo, deixou de ocorrer. Neste contexto, as crianças desta
regional se organizaram e começaram a ensaiar com seus pais. Assim, montou-se um
grupo somente de crianças que, há 5 anos, desenvolvem a folia de reis das crianças.
Para eles é a maior festa, diz Maria José.86 Através da iniciativa destas crianças, a
Regional retomou a festa da Folia de Reis.
Na regional de Ribeirão Preto a “leitura de barraco” é uma atividade realizada
entre adultos e crianças. Para os adultos há uma caixa com diversos livros. Uma vez
por semana há orientação e realização da leitura coletiva de um livro. Já as crianças,
contam com uma caixa de livros, na sua grande maioria de literatura infantil. Assim, os
85
Na escola Terezinha Moura, à qual nos referimos, o Pré - escola I trabalha com crianças de 04 a
05 anos, e o Pré - escola II com crianças de 06 anos de idade.
86
Maria José é assentada na Regional de Promissão e faz parte da Direção Estadual do MST no
Estado de São Paulo.

133
educadores e educadoras também organizam a leitura com as crianças uma vez por
semana. Também organizam com as crianças um sistema de empréstimo de livros para
quem quer levar para casa.
Na Regional do Pontal do Paranapanema se desenvolvem várias parcerias
como, por exemplo, o Projeto Guri, que é um projeto para estudo de música e que
abrange, aproximadamente, 200 crianças.

3.2 - A Ciranda Infantil Permanente “Ana Dias”

A Ciranda Infantil “Ana Dias” vem sendo organizada, desde o laboratório de


Produção87, para implementar a Cooperativa de Produção Agropecuária (CPAs) no
assentamento da Agrovila III. Para realização deste processo várias necessidades
foram surgindo a necessidade da Cooperativa, organizar o coletivo envolvendo seus
sujeitos nas tarefas do cotidiano.
Para um melhor desenvolvimento da cooperativa foram criados os setores, dos
quais todos os sujeitos envolvidos no processo participam, a saber: roçado,
administração, pomar, horta, pequenos animais, etc. O principal objetivo era deslanchar
a produção e gerar renda para as famílias assentadas. Neste contexto, toda mão-de-
obra do assentamento, era convocada a participar. Para que as mulheres pudessem
participar do trabalho duas reivindicações foram colocadas em discussão nas
assembléias da Cooperativa: uma delas foi à questão de fazer a alimentação, e a outra
foi em relação aos cuidados com os filhos e filhas dos cooperados. Depois de
muitas discussões os cooperados apontaram uma saída para estes limites
apresentados no processo foi à criação do Setor do Refeitório coletivo e o Setor da
Creche para as crianças.

87
No Estado de São Paulo, esta experiência aconteceu em duas regionais: a Regional de
Promissão e a Regional de Itapeva.

134
O Laboratório de produção deste assentamento aconteceu no ano de 1994,
depois disso instalou-se a Cooperativa de Produção Agropecuária Vó Aparecida
(COOPAVA). Até hoje a cooperativa mantém o setor da Ciranda Infantil para dar
continuidade à participação das mulheres no trabalho da cooperativa.
Nos estudos, realizado por Faria (2006:284) sobre a pequena infância, educação
e gênero, afirma que:

(...) o ingresso em massa das mulheres no mercado de trabalho e o movimento


feminista que vai exigir creches para dividir com a sociedade a educação de
seus filhos e filhas, articulado aos movimentos sindicais e das esquerdas. Num
primeiro momento nos anos 70 a luta é por uma creche para nós, as mulheres:
"tenho direito de trabalhar, estudar, namorar e ser mãe. Sem creche não
poderei curtir todos eles". O prazer do convívio das crianças nas primeiras
creches (ditas) selvagens, italianas e francesas, por exemplo, levou
pesquisadoras feministas a observarem como são as crianças quando estão
fora da família, o que levará, nos anos 80, o próprio movimento feminista a
levantar a bandeira também de creches para as crianças pequenas e não só
para suas mães trabalhadoras. A primeira orientação para a educação das
crianças em creches realizada no Brasil foi feita pelo Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM) e pelo Conselho Estadual da Condição Feminina
(CECF) denominada "Creche-urgente". Hoje conquistamos, já no papel, tanto o
direito trabalhista dos "trabalhadores e trabalhadoras, rurais e urbanos" para
que seus filhos e filhas sejam educados/as em creches e pré-escolas, como o
direito de todas as crianças de 0 a 6 anos de serem, por opção de suas
famílias, educadas fora da esfera privada por profissionais formadas para
isso.(e não antecipar a escola obrigatória.)

A Ciranda Infantil “Ana Dias” há 14 anos vem desenvolvendo seu trabalho com
as crianças assentadas. Quem desenvolve este trabalho são as educadoras associadas
à cooperativa. A escolha do nome da Ciranda Infantil de “Ana Dias”, segundo Zezinho:

Foi em homenagem a uma lutadora que participou da luta pela terra, desde seu
início na regional. Esta companheira foi quem iniciou o debate sobre a creche nas
reuniões dos laboratórios e foi, também, quem fez as primeiras discussões com
as mulheres sobre a creche e a participação das mulheres no trabalho da

135
cooperativa. Então, quando fomos escolher o nome da creche na Assembléia da
cooperativa, o nome mais votado foi o dela. Assim, também foi o nome da
cooperativa, Vó Aparecida, que, também, homenageou a uma companheira que
participou na luta pela terra, desde o seu início, aqui na regional e, há pouco
88
tempo as duas vieram a falecer.

Hoje, a cooperativa vem diversificando sua experiência na área da produção com


seus associados, como: biodigestor (produção de gás), a suinocultura, a horta, a
manipulação de remédios medicinais, o plantio de arroz, etc. Para isso, a cooperativa
firma vários convênios com algumas universidades da região. Essas experiências têm
como objetivo principal a produção agroecológica.
As mulheres do assentamento participam de vários setores da cooperativa,
desde horta, roçado, pomar, suíno cultura como também dos setores de administração,
como: finanças e contabilidade. Mesmo assim, notamos que, em alguns setores a
presença feminina é em maior número, principalmente nos setores de: hortaliça, horta
medicinal e manipulação dos remédios. Isso não quer dizer que estes setores são, mais
ou menos importantes que os outros, pois, é o conjunto dos setores da cooperativa em
funcionamento que faz com que a mesma se desenvolva.
No trabalho das mulheres notamos uma grande organização para dar “conta do
recado” como, por exemplo, no setor de horta medicinal, elas são as responsáveis por
plantar, cuidar, colher e manipular as ervas medicinais. Isso requer das mulheres
planejamento de toda a atividade, inclusive da comercialização e da elaboração dos
rótulos, e neste contexto a cooperativa vem mantendo a farmácia do assentamento.

88
Entrevista realizada na sede cooperativa dia 14/05/2008. Zezinho. Ele é Presidente da
Cooperativa e, também faz parte da Direção Estadual do MST/ SP, é assentado na agrovila III e está
acompanhado o processo da Ciranda Infantil da Cooperativa desde seu início.

136
Para qualificar trabalho pedagógico na Ciranda Infantil, a cooperativa foi
desenvolvendo parecerias com universidades e com os amigos do MST89, onde
segundo Zezinho:

Quando não tinha a estrutura da ciranda esta nunca deixou de funcionar, às


vezes, funcionava até nas casas das nos tínhamos parceria com alguns amigos
do MST que vinha fazer a formação dos educadores educadoras ou na casa de
um assentado que sedia sua casa para o funcionamento da ciranda. Para isso e
educadoras e também alguns projetos com algumas entidades para manter a
90
Ciranda funcionando.

É importante ressaltar que a “Ciranda Ana Dias”, ainda hoje, mantém estas
parcerias, principalmente com os amigos do MST. São eles que na sua maioria
desenvolvem um trabalho de formação com os educadores e educadoras, e também
desenvolvem várias atividades com as crianças no assentamento.
Analisando essas parcerias pude perceber que existem algumas tensões, entre
as pessoas com quem se estabelece este processo, pois muitos desses amigos do
MST vêm de uma prática com crianças urbanas e ao chegar no assentamento se
deparam com uma realidade bem diferente da cidade, mas são tensões que vão sendo
superadas no processo. Neste sentido, há uma preocupação do coletivo de educação
da regional em fazer o acompanhamento das atividades desenvolvidas que envolvem
os mesmos.
Importa dizer que o trabalho pedagógico na Ciranda Infantil “Ana Dias”, com as
crianças no assentamento, é desenvolvido por duas educadoras: dona Maria, que tem a
7ª série e; Judite, que tem o 2º ano do ensino médio. Elas são assentadas, na Agrovila
III, e são sócias da COOPAVA. – Cooperativa de Produção Agropecuária Vó Aparecida

89
Os amigos do MST são pessoas que apóia a luta pela terra e de certa forma vem contribuído com
o MST
90
Entrevista realizada na sede cooperativa dia 14/05/ 2008

137
3.2.1 - A organicidade e o cotidiano da Ciranda Infantil
O cotidiano da Ciranda Infantil “Ana Dias” é organizado a partir do plano de
produção da cooperativa, que leva em conta a combinação das necessidades básicas
de alimentação das famílias, garantindo que as mesmas produzam várias espécies de
verduras e frutas; vários tipos de cereais, que são úteis a alimentação humana. Estas
atividades garantem a alimentação das famílias e também uma pequena produção para
a industrialização. Elas são projetadas de forma que cada família assentada obtenha
uma renda mensal para o sustento, tendo por base a diversificação da produção.
As várias formas de cooperação, que o MST vem desenvolvendo nos
assentamentos, contribuem para viabilizar a subsistência das famílias; criando
oportunidades e possibilidades de ações conjuntas para jovens e mulheres.
Através do processo produtivo, o MST vem discutindo um novo jeito de organizar a vida
no assentamento, evidenciando que o uso dos insumos industriais produz o
envenenamento das pessoas e da natureza e conscientizando às famílias assentadas
que o modelo da monocultura e da química só serve aos interesses capitalistas. Desta
forma, as famílias são orientadas a fazer uso da produção agroecológica, no sentido de
construir um novo modelo de produção e uma nova maneira de se relacionar com a
natureza.
Neste contexto, a Ciranda Infantil - que é um setor da cooperativa -, ao elaborar
seu plano de trabalho e sua programação diária, leva em consideração o trabalho das
mulheres e as necessidades das crianças do assentamento, pois muitas crianças que
freqüentam a Ciranda, também em outro período, vão à Escola Che Guevara, na
Agrovila III. Assim sendo, a idade das crianças que freqüentam a ciranda varia dos 08
meses de vida aos 10 anos de idade.
Segundo a Educadora Judite 91

91
Entrevista realizada no dia 13/05/2008 na própria Ciranda Infantil “Ana Dias”

138
Quando não existia a estrutura da ciranda esta nunca deixou de funcionar; às
vezes, funcionava até nas casas das educadoras ou na casa de alguma família
assentada que cedia seu espaço para o funcionamento da ciranda. Já nessa
época, nós tínhamos parceria com alguns amigos do MST que colaboravam na
formação dos educadores e educadoras, bem como alguns projetos com
entidades parceiras para manter a Ciranda funcionando.

Atualmente, o espaço da Ciranda Infantil conta com:

Uma Cozinha, banheiros, quartos próprios do sono com camas e berços (ainda
é aquele de grade), sala pedagógica (que é uma sala grande onde se
desenvolvem todas as brincadeiras, a contação de historias, a sessão de
cinema, e também a reunião com os pais etc.). A ciranda ainda conta com uma
sala para guardar o material pedagógico e está em fase de construção uma
92
pequena biblioteca .

Para desenvolver o trabalho, as educadoras organizaram a sala pedagógica da


Ciranda em cantinhos, como: cantinho do cinema, da leitura ou história infantil, do
brincar (este se dá em várias partes da ciranda, e também em locais externos, como no
parque e no campo de futebol), cantinho do lanche, do desenho e da pintura, etc.
Nestes cantinhos as crianças se encontram para brincar, cantar, pular, saltar, etc., e se
organizam coletivamente. Em relação ao tempo de funcionamento do trabalho na
ciranda este é flexível. Segundo Zezinho93

Quando existem atividades na cooperativa que exigem maior tempo das


pessoas na roça como, por exemplo, a colheita do arroz ou do trigo - que
precisam ser feitas com maior rapidez para não perder a plantação-, a ciranda
passa a funcionar o dia todo; mas, quando não há este tipo de trabalho a
ciranda funciona somente 4 horas por dia, priorizando o tempo trabalho em que
as famílias estão na cooperativa. Às vezes a ciranda funciona duas horas de
manhã e duas horas à tarde.

92
Caderno de campo 24/09/2007
93
Entrevista realizada na sede cooperativa dia 14/05/2008.

139
Como podemos observar, há uma flexibilidade no funcionamento da Ciranda
Infantil “Ana Dias”, ou seja, ao organizar sua programação diária têm como referência o
trabalho na cooperativa, levando em consideração também as necessidades das
crianças.
A Ciranda Infantil “Ana Dias” conta com pouco material pedagógico. Para suprir
essa deficiência, as educadoras usam todo tipo de material reciclado que encontram no
assentamento, como: latinhas, garrafas pet, sementes, folhas secas, terra, argila, etc.
Para ter acesso a estes materiais às educadoras organizam as crianças em pequenos
grupos e cada um fica responsável pela coleta do material. De igual modo, o trabalho
de organizar o material no espaço adequado é realizado por todas as crianças.
Assim, podemos afirmar que as crianças assumem pequenas tarefas na Ciranda
Infantil. Arenhart afirma que (2007:32):

É preciso reconhecer que é o trabalho na perspectiva coletiva que permite


relações menos individualizadas e mais lúdicas, inclusive para os adultos. Para
as crianças, o trabalho nas equipes adquire mais graça porque quando estão
juntas, em pares, transformam a atividade do trabalhar em brincadeira e os
instrumentos de trabalho, em brinquedo.

Para a realização destas pequenas tarefas as crianças contam com a estrutura


organizativa da cooperativa. A cooperativa em sua organização coletiva conta com: um
coordenador geral, um coordenador do setor da ciranda infantil; as educadoras infantis
e o coletivo de educação da regional.
É nestas instâncias que ocorrem as discussões da Ciranda Infantil, na
perspectiva da formação dos Sem Terrinha no assentamento, que compõe o Coletivo
Infantil. Este Coletivo é formado por afinidade entre as crianças, independente da idade,
ou seja, o coletivo aqui significa a união de pessoas que possuem interesses,
necessidades e objetivos comuns. Elas sabem por que e para quê se organizam e,

140
portanto, dividem tarefas e responsabilidades, atuam e analisam os resultados e
participam efetivamente dos processos de produção como sujeitos. Ao formar o coletivo
das crianças há um entendimento que estas também vivem e são sujeitos deste
processo de produção da vida, que segundo Pistrak (2002:41):

É preciso reconhecer de uma vez por todas que as crianças, não se preparam
apenas para viver, mas já vivem uma verdadeira vida. Devem
conseqüentemente organizar esta vida. A auto-organização deve ser para elas
um trabalho sério, compreendendo obrigações e sérias responsabilidades [...]
as crianças não se preparam para se tornar membros da sociedade, mas já o
são, tendo já seus problemas, interesses, objetivos, ideais, já estando ligadas à
vida dos adultos e do conjunto da sociedade.

Por meio da participação no coletivo infantil as crianças se sentem parte do MST.


Assim, as crianças que participaram do processo de luta pela terra possuem
características coletivas que contribuem para seu processo de formação, que se
manifestam nas atitudes cotidianas, na família, na ciranda infantil, na escola e no grupo
social no qual convivem. Até porque, a criança não é um ser “individual,” separado da
sociedade, (e muito menos individualizado), mas ela é o reflexo de uma fração da
sociedade civil. Segundo Zezinho94

As crianças são estimuladas a organizar-se em coletivos, com tempo e espaço


próprios para elas, no sentido de ir discutindo, analisando e tomando
conhecimento - do seu jeito de ser criança - das questões que lhes dizem
respeito e envolvem a cooperativa e o MST, enfim, a luta pela terra visando
participar da vida dos assentamentos enquanto sujeitos históricos.

94
Entrevista realizada na sede cooperativa dia 14/05/ 2008

141
Ao propor a organização das crianças em coletivos, percebemos que esta forma está
vinculada ao jeito do Movimento Sem Terra se organizar para fazer a luta pela Reforma
Agrária. Quando as educadoras incentivam as crianças a se auto-organizarem, elas
criam espaços para que as mesmas possam estudar, decidir e dividir as tarefas. Essas
ações de forma organizada, numa perspectiva da coletividade, estão vinculadas a um
conjunto de práticas pedagógicas dos movimentos sociais, que tem como propósito a
transformação da realidade. Segundo Pistrak (2002: 56):

A auto-organização das crianças não necessita obrigatoriamente ser explicitada


através de uma “Constituição” escrita, pois isso enrijeceria e burocratizaria um
processo que deve ser móvel, adaptável a cada momento. Algo desse tipo só
pode ser então concebido como um plano de atividade autônomo, mutável
conforme as circunstâncias. As crianças devem ter a noção de que qualquer
Assembléia de seus iguais pode mudar os “artigos” desse plano, se assim for o
desejo das crianças que constituem o coletivo infantil.

Neste sentido, o MST ao organizar as crianças para participarem da luta,


organizando o brincar, o cantar, o pular, o saltar, o estudar; elas também estão
produzindo comportamentos, valores, saberes, convicções dos seus direitos. A mística
do Movimento tem uma influência muito grande no meio das crianças. E, neste aspecto,
Caldart (1994:93) chama a atenção afirmando que:

A mística é uma ação pedagógica que, aos poucos, vai transformando a


experiência da luta em modo de vida, em cultura, ou seja, a mística está
presente nas mobilizações infantis, nas suas palavras de ordem, nas músicas
infantis, nas suas poesias, nos seus desenhos, no seu jeito de organizar o
coletivo infantil no assentamento e acampamento, etc.

142
Sendo assim, quando as crianças Sem Terra se identifica como Sem Terrinha e
assumem esta identidade, elas chamam a atenção dos adultos que também querem
vivenciar a Pedagogia do Movimento Sem Terra. Caldart ( 2000:87) em seus estudos
sobre a Pedagogia do Movimento afirma que:

A pedagogia do Movimento Sem Terra é o jeito através o qual o Movimento


Sem Terra vem, historicamente, formando o sujeito social de nome Sem Terra e
que, no seu dia-a-dia, educa as pessoas que dele fazem parte, cujo sujeito
educador principal é o próprio movimento. Olhar para este movimento
pedagógico nos ajuda a compreender e a fazer avançar nossas experiências de
educação.

A Pedagogia do Movimento Sem Terra se constitui na historicidade: dos


processos educativos – ou seja, no jeito que o Movimento vai construindo para educar
quem dele participa –, e das reflexões pedagógicas dos Movimentos Sociais, cuja
dinâmica, formadora de sujeitos humanos e sociais, aciona ou põe em movimento
diferentes matrizes de formação humana, entre as quais, e com centralidade, a matriz
da Luta Social. Esta historicidade traz para a reflexão pedagógica a materialidade da
luta e das relações sociais, construídas e transformadas para sua sustentação; ou seja,
as circunstâncias vivenciadas pelos seus sujeitos são elementos para conduzir os
processos de formação humana. Como educador principal destas circunstâncias
e sujeito de práxis, o Movimento Sem Terra se constitui como sujeito pedagógico, de
cuja atuação podem ser extraídas muitas lições sobre educação dos seus sujeitos.
A Pedagogia do Movimento é herdeira do humanismo histórico, que radicaliza a
idéia do ser humano como produto de si mesmo; mas afirmar que o ser humano se
produz a si mesmo se refere, neste contexto, não ao indivíduo, mas ao ser social,. Isto
significa, que o ser humano é ao mesmo tempo produto da história e construtor da
história, ou seja, sujeito de práxis, entendida esta última como: a atividade concreta

143
pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva
e, para poderem transforma – lá, transformando-se a si mesma. (KONDER, 1992:115).
A partir das considerações, anteriormente realizadas, podemos afirmar que o
Movimento Sem Terra é a referência maior das crianças. Estas sempre estão de olho
nas ações dos adultos, no que está acontecendo à sua volta, para depois trazer
presente em suas brincadeiras ou, então, nas conversas entre si. Desta maneira, se faz
necessário que os adultos olhem para as experiências educativas vivenciadas pelas
crianças, pois essas práticas têm muito do jeito como os adultos também se organizam
no processo de luta pela Reforma Agrária.
Ao definir a auto-organização das crianças da Ciranda Infantil algumas
responsabilidades foram assumidas por este Coletivo Infantil, como: as atividades de
organizar o material pedagógico de uso coletivo, a coleta de material reciclado, a
organização e a participação das crianças nas apresentações culturais, nas festas da
Ciranda Infantil e do assentamento etc. Segundo Judite95

Quando as crianças realizam estas pequenas tarefas elas não gostam que
ninguém mexa. Quer ver as crianças ficar chateadas é tirar alguma coisa do
lugar onde elas colocaram. Eu entendo isso como um trabalho educativo para
as crianças e para nos educadoras. Por que muitas vezes nos não valorizamos
o trabalho delas e organizamos tudo do nosso jeito sem levar em consideração
o trabalho, que as crianças tiveram para organizar o material coletado no
assentamento

O projeto educativo do MST almeja uma educação para a transformação social,


com valores humanistas e socialistas, com profunda crença nos processos de formação
e transformação da pessoa humana. Esse projeto tem sua centralidade no trabalho
como princípio educativo, alimentando as várias dimensões da pessoa humana. O
vinculo estabelecido entre educação e trabalho na Ciranda Infantil, possibilita que as

95
Entrevista realizada no dia 13/05/2008 na própria Ciranda Infantil “Ana Dias”

144
crianças vivenciem essas situações no cotidiano Neste sentido, o depoimento citado
acima, pela educadora Judite ressalta a importância do trabalho das crianças e também
o valor que os adultos devem dar para os trabalhos realizados por elas. Frigotto
(1991:32) em sua pesquisa sobre o trabalho como principio educativo, afirma que:

Nesta concepção de trabalho o mesmo se constitui em direito e dever e


engendra um princípio formativo ou educativo. O trabalho como principio
educativo deriva do fato de que todos os seres humanos são seres da natureza
e, portanto, têm a necessidade de alimentar-se, proteger-se das intempéries e
criar seus meios de vida. É fundamental socializar, desde a infância, o princípio
de que a tarefa de produzir a subsistência e outras esferas da vida pelo
trabalho, que é comum a todos os seres humanos, evitando-se, desta forma,
criar indivíduos ou grupos que exploram e vivem do trabalho de outros. Estes,
na expressão de Gramsci, podem ser considerados - mamíferos de luxo – seres
de outra espécie que acham natural explorar outros seres humanos.

Por isso, o trabalho, como princípio educativo, não se resume a uma técnica
didática ou metodológica no processo de aprendizagem, mas situa-se na perspectiva
da produção social da vida, o qual exige a participação de todas as pessoas na
produção de bens materiais, culturais e simbólicos. Por esta razão, Kosik afirma que
(1986:72), o trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a
sua especificidade.
O trabalho como práxis, é aquele que possibilita criar e recriar, não apenas no
plano econômico, mas no âmbito da arte, da cultura, da linguagem e dos símbolos; ou
seja, criar e recriar o mundo humano como resposta às suas múltiplas necessidades.
Isto nos leva a afirmar que a participação das crianças no trabalho pedagógico na
Ciranda Infantil é de fundamental importância.
Sabemos que estas questões não rompem com as determinações sociais postas
pelo trabalho na atualidade, mas nas suas contradições não podemos deixar de
identificar que é pelo trabalho que o ser humano se apropria do pensamento, do
concreto, que é objeto de sua atividade prática. Entretanto, pela urgência da
145
necessidade de superar o atual modo de produção – que destrói a vida humana – não
podemos desprezar o tempo histórico que isso exige, interromper o debate e ir fazendo
“experimentos” sem preocupação com a tendência à destruição que se amplia
cotidianamente na vida das pessoas.
Desta forma, a Pedagogia do Movimento Sem Terra, ao propor uma organização
do trabalho pedagógico que leve em conta a atuação das diferentes matrizes
formadoras do ser humano, na construção de didáticas e metodologias inspiradas no
jeito de educar dos Movimentos, torna-se um grande desafio para os educadores e
educadoras. Neste sentido, os educadores e educadoras infantis buscam compreender
com mais rigor e profundidade os processos de formação humana que acontecem
dentro e fora da Ciranda Infantil. Pois, o MST compreende que a dinâmica e a
organização dos Movimentos Sociais ensinam sobre formação de sujeitos sociais 96; e
esta formação, por sua vez, ensina sobre a humanização. Segundo Caldart (2000:91):

A participação nos Movimentos Sociais humaniza as pessoas formando-as


como sujeitos, de sua vida, de sua história, de luta, ao mesmo tempo em que
vivenciando esta formação, ou seja, um processo de construção de novos
sujeitos sociais: os sujeitos coletivos passam a identificar quem é “do
Movimento”, e quem se percebe “em movimento”

Para o MST, a matriz formadora básica dos sujeitos é a luta social vinculada com
a organização coletiva, ou seja, a base da formação dos sujeitos é a materialidade e a
historicidade da luta da qual participam: condições objetivas e o modo de transformar a
realidade. O Movimento Sem Terra afirma que, o que educa as pessoas, é o próprio
movimento da luta concreta, em suas contradições, enfrentamentos, idas e vindas,
conquistas e derrotas. Nestes processos é que acontece, portanto, a formação humana.

96
Sujeitos sociais se referem a sujeitos coletivos: associação de pessoas que passam a ter uma
identidade de ação social e, portanto, de formação; revelam-se pelo nome próprio através do qual a
sociedade passa a identificar que é de um determinado Movimento.

146
A luta social forma o ser humano porque exige sua condição de sujeito e aciona
diferentes dimensões de sua humanidade, conformando-lhe determinados traços de ser
humano. Ou seja, são os sujeitos coletivos os que fazem a história através de
diferentes processos de transformação da realidade. E a continuidade ou ruptura
histórica de um sujeito social depende de sua constituição, como sujeito político, isto é,
sujeitos que enraizados em uma coletividade, aprendem a tomar posição, fazer
escolhas, enfrentar conflitos e pensar os próximos passos que precisam ser dados em
cada realidade para realização de seu projeto de sociedade.
Em nossa análise podemos perceber que esta concepção de formação humana
estabelece um vínculo orgânico com outros lugares de formação de sujeitos sociais.
Isto implica em uma compreensão teórica cada vez mais rigorosa sobre estes
processos de formação humana universais. Neste sentido, é muito importante refletir
constantemente a formação dos educadores e educadoras infantis do vinculando ao
projeto de sociedade que o MST vem construído no seu interior.

3.2.2 – O brincar na Ciranda Infantil “Ana Dias”


O assentamento é um espaço rico para criar, inventar e recriar as brincadeiras. A
ciranda tenta trabalhar com esta riqueza em seu espaço. Assim, a cada momento,
podemos ver as crianças brincando de chicotinho queimado, pulando corda,
amarelinha, fazendo a famosa corrida no saco, pulando macaquinho, jogando as cinco
marias, brincando de roda, de estátua, de boneca, de bola, aperta a laranja etc.
Além das brincadeiras tradicionais (brincar de boneca, de carrinho), as crianças
sempre inventam, criam, ou, ainda, mudam as regras de outras brincadeiras. A Ciranda
infantil “Ana Dias” quase não possui brinquedos, pois as condições financeiras da
cooperativa, no momento, não permitem. Mesmo assim, não é difícil ver as crianças da
ciranda inventando suas brincadeiras, é um cabo de vassoura que de repente vira um
cavalo, caixas de papelão e alguns pedaços de lona preta viram os barracos do
acampamento, as crianças menores viram os bonecos ou as bonecas. Ora:

147
A brincadeira de boneca e boneco geralmente acontece no período da tarde,
quando as crianças maiores chegam à Ciranda Infantil e querem brincar com as
pequenas. A brincadeira geralmente é de dar comidinha para os pequenos, ou
levar para passear no campo de futebol etc. Para ser a boneca as crianças
escolheram Michele, de 09 meses, e para ser o boneco escolheram Diego, de
08 meses. As crianças maiores têm um carinho e cuidado muito grande com os
97
bebês para que elas possam participar de todas as brincadeiras , juntamente
com todas as crianças.

Essas brincadeiras que as crianças criam, fazem parte do seu mundo, de suas
experiências. Dessa forma, a invenção das crianças tem possibilidade para transformar
em brinquedo aquilo que a natureza coloca a sua disposição, criando, a partir desses
materiais, as suas próprias brincadeiras.
Em muitas destas brincadeiras analisamos que as crianças procuram se
organizar em função do grupo de crianças que participam no coletivo infantil, no sentido
das escolhas das brincadeiras e da participação de todas. No coletivo quando há
crianças menores; as maiores ajudam os menores a participarem da brincadeira. Como
exemplo, podemos destacar as palavras da educadora, Judite98, quando afirma:

Na ciranda, a gente só brinca, pois a parte da escolarização ocorre na escola e


quando as crianças chegam aqui (ciranda) estão cansados de estudar. Então, a
gente brinca bastante. Brincamos de bola, de pular corda, de esconder, de pega
- pega, de boneca, e as crianças são muito solidarias umas com as outras.

97
Anotações do caderno de campo 29/11/2007
98
Entrevista realizada no dia 13/05/2008 na própria Ciranda Infantil “Ana Dias”. É importante ressaltar
que neste momento na só tem estes dois bebes pequenos freqüentando a ciranda infantil, as outras
crianças são maiores com idades variadas.

148
Assim, as crianças vão se constituindo como sujeito lúdico, resignificando seu
brincar e sua experiência cultural. Como disse Florestan Fernandes (2004:115) em seu
estudo ao observar as brincadeiras das crianças na cidade de São Paulo:

A existência de uma cultura infantil, que é constituída por elementos exclusivos


das crianças caracterizados pela natureza lúdica, cujo suporte social está no
grupo infantil em que a criança se apropria, pela interação, dos diversos
aspectos do folclore infantil. Questiona sobre a origem desses elementos da
cultura infantil, e acredita que na grande maioria são “[...] elementos da cultura
adulta, incorporados à infantil por um processo de aceitação e nela mantidos
com o correr do tempo.

A criança ao brincar torna-se um sujeito cultural, e nas brincadeiras, o seu


brinquedo tem as marcas do real e do imaginário vivido por ela. Beatriz, 99 de 03 anos,
diz: Eu gosto de participar da ciranda, eu gosto de desenhar e pintar e gosto de brincar
com boneca e de bola. Para Beatriz o importante é brincar não importa que tipo de
brinquedo (se de menino ou menina) onde segundo Finco (2004:56).

A escolha do brinquedo pode está relacionada à forma como ele vem sendo
oferecido e permitido. Pois são os adultos que esperam que as meninas sejam
de um jeito e que os meninos sejam de outro. Eles e elas são capazes de
múltiplas relações, estão a todo o momento experimentando diferentes formas
de brincadeira, buscando novos prazeres, por possuírem curiosidade e vontade
de conhecer o mundo.

Na programação diária da Ciranda Infantil sempre há espaço para as


brincadeiras e os jogos livres. Estes acontecem nos grupos de crianças. Outras

99
Esta fala de Beatriz foi colhida na Ciranda Infantil depois das atividades do dia em 25/10/2007.

149
brincadeiras têm uma intencionalidade pedagógica como, por exemplo, nas atividades
das oficinas, como: dobradura, construção de brinquedos alternativos, musicalização,
capoeira, atividade de preservação das nascentes, com as sementes etc. Observando
estas brincadeiras analisamos que elas acontecem em qualquer lugar, em casa, nas
ruas do assentamento, na Ciranda Infantil, na escola, pois, as brincadeiras provocam
nelas a satisfação, instiga a sua curiosidade e estimula o seu imaginário infantil.
As brincadeiras que os educadores e as educadoras proporcionam às crianças
nutrem, ainda mais, alegria, ludicidade e curiosidade, promovendo sua autonomia e
proporcionando a vivência de outros valores, como: solidariedade, companheirismo e
amor pela terra, valores estes que contrapõem o individualismo, o consumismo e a
competitividade pregados pela sociedade capitalista.
Em relação às questões expostas acima, faz se necessário um olhar mais atento,
por parte dos educadores e das educadoras infantis ao participar e organizar as
brincadeiras, possibilitando uma relação entre as crianças, para que estas façam novas
descobertas, e, isto proporciona o inventar e reinventar as brincadeiras.
Nessa perspectiva, é importante que as educadoras e os educadores organizem
os espaços físicos e os tempos das brincadeiras para garantirem um equilíbrio entre as
atividades dirigidas – ou seja, com intencionalidade política e pedagógica –, livres,
individuais e coletivas; levando em consideração os sujeitos envolvidos, para que estas
atividades sejam adequadas e prazerosas para todas as crianças.
A criança exercita sua capacidade de inventar, sentir, decidir, arquitetar,
reinventar, se aventurar, agir para superar os desafios das brincadeiras. Por meio
delas, também, a criança apropria-se da realidade, e demonstra, de forma simbólica, os
seus desejos, medos, sentimentos, agressividade, suas impressões e opiniões sobre o
mundo que a cerca. A Ciranda infantil, então, é este espaço no qual desenvolvem o
gosto pelo brincar, de fazer e de encontrar amigos. Para exemplificar nossa análise,
trabalharemos algumas colocações destas crianças.

Eu gosto de ir à ciranda para encontrar minhas amigas e brincar Hoje eu


desenhei, pintei e brinquei de chicotinho queimado. (Mariana 04 anos)

150
Eu gosto de ir à ciranda para brincar com Diego e Michele, pois eles são os
nossos bonecos e bonecas na Ciranda Infantil (Natália 05 anos)

Eu também gosto da Ciranda, porque eu encontro o meu amigo Gabriel e eu


brinco de amarelinha com ele e também gosto de subir na árvore (Jonas 04
100
anos)

Na fala destas crianças fica clara a dimensão do brincar na Ciranda Infantil,


como também, a possibilidade de fazer amizade. Ressaltamos que este assentamento,
como os demais da regional, recebe muitas visitas de outros países. E a Ciranda Infantil
é, em muitos momentos, o cartão postal do assentamento, não por sua infra-estrutura,
mas, pela beleza das atividades pedagógicas que educadores e educadoras
desenvolvem com as crianças sem terrinha.
Segundo Felipe101:

Na ciranda a gente brinca bastante e faz bastante amizade, com as crianças.


Também recebemos muitas visitas de pessoas de fora do assentamento até de
outros países. Esses dias, esteve aqui no assentamento uma espanhola, ela
toca violão e cantava música aqui na Ciranda para nós. (Felipe 05 anos)

E para Vanessa102:

Eu gosto de participar da ciranda eu brinco bastante. Na ciranda agente recebe


muitas visitas, até de pessoas amigas do MST que moram em outros países e
canta música em espanhol com a gente (Vanessa 05 anos)

100
Estas falas colhidas na ciranda infantil depois das atividades do dia em 25/10/2007
101
Falas colhidas na Ciranda Infantil depois das atividades do dia em 28/10/2007
102
Idem.

151
Observamos que tanto a fala de Felipe quanto a de Vanessa, trazem um dado
muito interessante, que independente da língua, as crianças se entendem entre elas e
com os adultos. E para o MST, este é mais um desafio, que se faz necessário na
formação dos educadores e educadoras, pois, os mesmos já estão encontrando limites
de poder se comunicar com as pessoas que vêm visitar os assentamentos e que vão
até as Cirandas Infantis. Segundo Judite103:

É muito difícil para nós desenvolver algumas atividades com as crianças e


nossa formação as vezes nos limita, mas nem por isso, deixamos de fazer as
brincadeiras com as criança, e em muitas das brincadeiras nós educadoras
aprendemos com as próprias crianças.

É importante analisar esta fala da Judite, pois ela revela a existência de uma troca
de saberes entre as crianças e os educadores, e uma abertura por parte das
educadoras em aprender com as crianças. Isso, para o projeto educativo do MST, é
muito importante, pois é neste dialogo entre educadoras e crianças que vão sendo
construídas as possibilidades de mudanças das práticas educativas por parte dos
educadores e educadoras. A educadora Judite104 traz outro depoimento do seu fazer
pedagógico, afirmando que:

Durante um tempo, as mães das crianças sempre estavam presentes nas


atividades e a presença delas as vezes representava uma falta de confiança no
trabalho desenvolvido na ciranda infantil. Notando essa desconfiança, por parte
das mães, assim nós fomos fazendo um trabalho de convencimento com todas
elas a deixarem seus filhos na ciranda com os educadores para que pudessem
participar das atividades. Elas foram deixando as crianças na ciranda e as
crianças gostavam. Nas brincadeiras elas se “soltavam mais” e “ficavam
desinibidas” durante todo o período que estavam na Ciranda Infantil

103
Entrevista realizada no dia 13/05/2008 na própria Ciranda Infantil “Ana Dias”
104
Entrevista realizada no dia 13/05/2008 na própria Ciranda Infantil “Ana Dias”

152
É importante observar que, as relações entre as mães, educadoras e crianças
foram se construindo no processo. Outra questão a ser analisada é: Será que as
crianças queriam somente ter um espaço para brincar longe das mães? Ou será que a
presença da mãe é tão marcante na vida dos filhos e filhas, que a sua simples presença
na Ciranda Infantil mantém as crianças numa “certa ordem?” Para Zezinho 105 este
contexto foi mudando e hoje não só as mães, como também os sócios da cooperativa
participam das atividades da Ciranda Infantil e ele afirma que:

Com todo este movimento pedagógico desenvolvido na Ciranda Infantil as


educadoras foram conquistando a confiança das mães e também dos sócios da
cooperativa. Antes eram poucos os pais que apareciam nas reuniões, e muitos
sócios da cooperativa não conhecia nem o espaço da ciranda. Hoje a Ciranda
recebe todas as crianças que desejam freqüentar independente se os seus pais
forem sócios da cooperativa ou não. Antes a Ciranda recebia somente os filhos
e filhas dos sócios da cooperativa. Hoje todos nós cooperados participam de
muitas ativadas organizada pela Ciranda Infantil.

Neste processo a Ciranda Infantil “Ana Dias” foi envolvendo os pais nas atividades
com as crianças. Hoje muitos deles têm um entendimento que a ciranda é um espaço
muito importante para o coletivo das crianças e também da comunidade. Assim os pais
e mães afirmam que:

A Ciranda Infantil é um espaço o qual nossas crianças aprendem a dividir o


brinquedo, o lápis, a borracha, o lanche. As crianças que freqüentam a ciranda
106
têm certa autonomia. (Antônio, pai de crianças da ciranda)

105
Entrevista realizada na sede cooperativa dia 14/05/ 2008
106
Seu Antonio é assentado na Agrovila III e esta fala foi colhida depois de uma reunião realizada no dia
09/11/ 2007 na sede da cooperativa e um dos pontos da pauta foi a Ciranda infantil.

153
A Ciranda Infantil é um espaço de encontro das crianças para que elas possam
107
brincar com seus colegas. (Maria, mãe de uma criança da ciranda)

Os pais e as mães também avaliam a atuação das educadoras como muito


positiva e consideram que as atividades desenvolvidas na ciranda ajudam no sentido de
deixar as crianças mais felizes e autônomas.

As educadoras fazem tudo para deixar as crianças felizes e na ciranda as


crianças apreendem a ser solidarias com as outras crianças. (Ana- mãe de uma
108
criança da ciranda)

Na ciranda, as educadoras ensinam muitas coisas para as crianças, mas o que


elas mais aprendem na ciranda é ser uma criança autônoma. (José- pai de uma
109
criança da ciranda)

Na Ciranda Infantil Ana Dias, além das atividades pedagógicas do cotidiano, as


crianças participam de atividades educativas pontuais, ou seja, atividades que
acontecem uma vez por mês ou uma vez durante o ano, como: Dia Cultural, Jornada
Pedagógica, Encontros dos Sem Terrinha, Oficina de Capoeira, etc.
Consideramos que a Ciranda Infantil “Ana Dias” tem muitos passos a dar,
principalmente, no que tange a formação dos educadores e das educadoras infantis,
em sua própria infra-estrutura, mas tem, também, a beleza das brincadeiras. Assim, as
crianças foram construindo seus espaços de participação na vida do assentamento,

107
Dona Maria é assentada na Agrovila III e esta fala foi colhida depois de uma reunião realizada no
dia 09/11/ 2007 na sede da cooperativa e um dos pontos da pauta foi a Ciranda infantil.
108
Dona Ana é assentada na Agrovila III e esta fala foi colhida depois de uma reunião realizada no dia
09/11/ 2007 na sede da cooperativa e um dos pontos da pauta foi a Ciranda infantil.
109
Seu José é assentado na Agrovila III e esta fala foi colhida depois de uma reunião realizada no dia
09/11/ 2007 na sede da cooperativa e um dos pontos da pauta foi a Ciranda infantil.

154
exercitando sua autonomia. Um destes espaços é o coletivo infantil, do assentamento,
denominado Núcleo Che Guevara

3.3 – A organização coletiva dos Sem Terrinha – O Núcleo Che


Guevara

A experiência do coletivo infantil vem se dando mais nos Estados do Rio Grande
do Sul e São Paulo. Para se formar o coletivo infantil depende, simplesmente, do querer
participar, então, a idade aqui, não é um fator determinante para a participação das
crianças. Isto se configura conforme o interesse de cada criança. Segundo Ramos
(1999:25): No coletivo infantil participam todas as crianças, geralmente entre 3 e 12
anos de idade; não há uma idade estipulada que determine a participação das crianças.
As crianças se reúnem para desenvolver várias atividades pedagógicas como:
assistir filmes, fazer um estudo e debate sobre determinado tema, jogar futebol, brincar
tocar flauta e cantar etc. Ramos (1999:29) afirma que:

O trabalho existe no assentamento desde 1996, no qual, informalmente, as


crianças se organizam em função da música. Neste mesmo ano, no Estado de
São Paulo, foi organizado o 1º Encontro Estadual infanto - juvenil que, mais
tarde, passou a ser chamado de Encontros de Sem Terrinha. O Encontro
apontou e reafirmou, para o MST, a necessidade em trabalhar com a Criança
Sem Terra a música, a arte, a brincadeira.

Este primeiro encontro gerou uma série de mobilizações para a realização do


Encontro Regional de Sem Terrinha, e a partir do trabalho com as crianças foi sendo
construída a experiência do Coletivo Infantil. Decorrente dessa experiência, em 2003
as crianças realizaram um estudo para a escolha do nome deste coletivo e decidiram,
de forma unânime, homenagear Che Guevara, escolhendo este nome para o mesmo.

155
Lorena110 justifica a escolha deste nome em sua poesia no Jornal Sem Terrinha, onde
diz o seguinte:

Escolhemos Che porque, ele se indignava diante, da fome e da miséria da


pobreza de todo povo. Escolhemos Che, porque também era um exemplo no
trabalho. Não tinha medo do perigo e não conhecia o impossível. Lutar sempre,
ganhar talvez, desistir nunca (Lorena 11 anos)

Esta experiência do coletivo infantil e as práticas educativas, desenvolvidas com


as crianças, são realizadas na Ciranda Infantil. Essa idéia das crianças formarem o
coletivo infantil ganhou força entre as crianças. A comunidade passou a ver as crianças
com outro olhar, bem como, o próprio setor de educação, e de alguns estudantes
universitários envolvidos em algumas atividades pedagógicas com as crianças no
assentamento.
Na regional de Itapeva, a música é um elemento que está presente no cotidiano
dos assentados. Atividade como roda de viola e festival de viola caipira, sempre
acontecem na regional e no assentamento, e contam com a participação das crianças
do núcleo Che Guevara.
No assentamento há muitas pessoas que tocam violão e se aventuram nas
cantorias aos finais de tarde e ao final do roçado. De acordo com Ramos 111 a música
faz parte da lida com a terra e com a vida dos assentados e ela afirma que:

A música também é parte importante da nossa vida, enquanto assentados e


assentadas, como também para nossa comunidade. Porque, ao buscar fazer a
cantoria ou conhecer outras músicas e suas tradições musicais, a comunidade
resignifica as suas crenças, a sua linguagem, os sentimentos, as labutas do

110
Este trecho desta fala esta na poesia no Jornal das crianças Sem Terrinha, ano I, nº03, do mês
06/ 2008.
111
Entrevista realizada no dia 18/05/2007.

156
campo, a lida com a terra e com a vida, dando outros conteúdos e novos rumos
em suas vidas.

Assim, a coletividade vivenciada pelas crianças no assentamento, traz a música,


como elemento fundamental para o processo de organização coletiva, pois é com esse
objetivo de tocar e cantar as músicas que as crianças se juntam e através desta
atividade tem a possibilidade de articular o coletivo infantil.
Durante a pesquisa acompanhamos algumas atividades desenvolvidas no coletivo
infantil, com objetivo de verificar como ocorria a participação dos pequenos nas
mesmas, questão que passamos a descrever a seguir.

3.3.1.- A apresentação musical para a comunidade


A apresentação musical para a comunidade e o processo de organização
coletiva das crianças destacados nos municípios da região reforçam a mística e a
identidade dos Sem Terrinha. Para esta atividade pedagógica, as crianças, juntamente
com os educadores e educadoras, são levadas a preparar muito bem a atividade, como
elas mesmas dizem: “não pode sair feia”. Ou seja, é preciso organizar bem a atividade,
ensaiar as músicas que serão cantadas, preparar e confeccionar as roupas que serão
usadas, preparar a mística tanto de abertura como de encerramento da atividade.
Todas as crianças participam, ajudando-se entre si. As pequeninas recebem
ajuda tantos das crianças maiores quanto das educadoras e dos educadores. Mesmo
recebendo ajuda dos educadores e educadoras ou das crianças maiores, elas têm sua
vontade e opinião respeitada, como, por exemplo, na confecção de alguns brinquedos
ou no enfeitar das roupas para a apresentação na comunidade. Cada criança enfeita
sua roupa conforme achar mais bonito. O educador Fabinho 112 em seu depoimento
afirma que:

112
Entrevista realizada no dia 20/10/2007

157
Não adianta tentar mudar a opinião da criança, pois naquele momento é
importante que se respeite a autonomia de cada criança e de seu tempo
quanto, criança.

Essa questão é muito importante no processo de formação dos sujeitos nos


coletivos infantis, pois o respeito às decisões tomadas são princípios da convivência na
coletividade. Assim, conforme o tema escolhido, as crianças, juntamente com os
educadores e educadoras, fazem a seleção das músicas e todas as crianças passam a
fazer o ensaio para a apresentação à comunidade. No dia da apresentação,
geralmente, há pipoca, bolo, bala, isto é, coisas que as crianças gostam. As crianças113
afirmaram:

As apresentações são ótimas, porque eu gosto de tocar flauta e a música que


114
eu gosto mais de tocar é o „Cutelinho‟ . (Gabriel 06 anos.)

Eu gosto muito quando nós fazemos as apresentações musicais para a


comunidade e a música que eu gosto mais é Asa Branca. (Fernanda Carolina,
07 anos)

Eu gosto muito de participar do núcleo Che Guevara, no núcleo, nós temos


muitas brincadeiras e tocamos flauta, uma das músicas que gosto mais é uma
que fala assim: “Vou pro campo, no campo tem flores. As flores têm mel. Mas, à
noitinha, estrelas caem do céu. No céu, no céu: o céu da boca da onça. É
escura, não cometa, não cometa furo. Pimenta malagueta não é pimentão”.
(Meninos de Juraildes da Cruz) (Lorena 10 anos).

Eu gosto muito daqui do assentamento, porque aqui nos podemos brincar,


estudar e mexer com a terra e o que eu mais gosto é de ensaiar são as músicas
para sair e apresentar. A música que mais gosto é „Cálix Bento‟, porque fala de
nosso pai e nossa mãe. (João Paulo, 05 anos)

113
As entrevista f oram realizada com as crianças nos dias 17, 18 e 19 /10 /2007
114
Segue em anexo as músicas que as crianças citam durante o processo de pesquisa

158
Geralmente essas músicas, principalmente Asa Branca115 e Cálix Bento, são
cantadas por alguns dos assentados nos finais de tarde depois do roçado. E assim, as
crianças cantam as músicas que representam a luta pela terra e pela transformação da
sociedade, como: A Internacional para as homenagens aos 100 anos de Oscar
Niemayer116, e essas músicas vai fazendo parte do cotidiano das crianças.

3.3.2 - O futebol entre as crianças


O futebol é outra atividade que envolve todas as crianças. Ele é realizado uma
vez por semana por um educador do município. O futebol envolve tanto as meninas,
quanto os meninos. Observamos que durante uma partida de futebol há muita
reclamação dos meninos quando as meninas fazem a jogada errada. Entre os
pequenos, o futebol é realizado coma as crianças de 5 e 6 anos. Pois, segundo o
educador, ele tem muito medo dos menores se machucarem. Mesmo sendo uma
brincadeira considerada de meninos, as meninas participam e isso não provoca
grandes conflitos entre as crianças. Segundo Fabinho117 (09 anos) O importante é que
todas as crianças jogam bola, não importa se é menino ou menina. As crianças maiores
participam de campeonatos de futebol, juntamente com outras crianças da região. Esta
experiência ocorre na Escola Che Guevara, com o projeto 2º Tempo118.

3.3.3 – A preservação das nascentes


O plantio de árvores e o embelezamento dos assentamentos, principalmente da
sede regional, bem como o cultivo de mudas de arvores frutíferas e nativas para
assentamento são práticas educativas que envolvem as crianças. Recentemente, estas
atividades vêm se dando através do plantio de árvores próximo as nascentes, visando a
preservação das mesmas. O objetivo da mesma é ir trabalhando nas crianças o cuidado

115
Também segue anexo, as letras das músicas
116
Lamentavelmente, Oscar Niemeyer não pode participar de tal homenagem, pois ficou doente e a
apresentação, no Rio de Janeiro com mais de 100 crianças entres elas as crianças do Núcleo Che
Guevara, foi cancelada. Nesta apresentação ele pediu que as crianças do MST cantassem para ele a
internacional e o Hino do MST.
117
Entrevista realizada dia 19 /10 /2007.
118
Este projeto é em parceria com o governo federal para incentivar os esportes nas escolas.

159
que devemos ter com a preservação ambiental. A mesma envolve as escolas dos
assentamentos e também os pequenos agricultores da região. Sobre esta atividade as
crianças afirmam: 119.

Fomos à nascente plantar muda de árvore. Eu plantei um pé de pitanga. É


importante plantar árvores nas nascentes para sua proteção e devemos cuidar
delas para vim mais água, se não cuidamos das nascentes, elas secam e vai
chegar um dia em que podemos ficar sem água para beber. (Fernanda 7 anos).

Eu também fui neste dia plantar árvore na nascente. Eu plantei uma árvore e
minha mãe trouxe água da mina para beber em casa. (Ana Flávia, 4 anos)

A atividade de proteção das nascentes é bem importante, pois além de plantar


as árvores as crianças escolhem as mudas, essa escolha é feita conforme a
orientação do técnico ( em agricultura), pois cada nascente é um tipo de árvore
que se planta, e depois cercamos o local para que os animais de grande porte
não pise nas mudas e não aterre a nascente. Isso é um saber que vai passando
para as crianças na prática do cotidiano delas para que, as crianças do seu jeito
reflitam e ajudem na preservação da natureza. ( Zezinho assentado)

Analisamos que, há um trabalho de formação das crianças bem sistemático


envolvendo vários temas como, por exemplo, a preservação do meio ambiente.
Segundo Rosinha120 hoje nas primeiras nascentes onde foi feito este trabalho já se
encontram peixinhos, ou seja, algum tipo de vida. Antes era tudo „um sequidão‟
somente o broto da água. Para a realização desta atividade, geralmente, o coletivo de
educação do assentamento faz um estudo com as crianças sobre o meio ambiente, o
lixo que se produz no assentamento, sobre as nascentes e sobre as árvores frutíferas e
nativas. Depois disso, as crianças fazem as escolhas das mudas a serem plantadas nas
nascentes. O lanche coletivo fica por conta dos sócios da cooperativa. Assim,

119
Entrevista realizada nos dias 17 e 18 /10/2007.
120
Rosinha é dirigente do Setor de educação no assentamento e da regional, ela faz o curso de
Pedagogia de Terra em parceria com a UFSCar, este depoimento foi durante a 3ª etapa 20/02 de 2009

160
juntamente com as famílias assentadas, as crianças realizam o plantio das árvores nas
áreas escolhidas pela comunidade.
Neste sentido entendemos o coletivo infantil enquanto um dos espaços de
formação humana das crianças sem terra. Assim, percebemos que este toma como
referência, o projeto educativo do MST. Então, o coletivo se torna um espaço de troca
de saberes e de encontro das crianças. Neste processo de formação das crianças
notam que alguns elementos são trabalhados com cada criança no sentido que as
mesmas percebam que elas têm um papel importante na luta pela terra e na construção
de uma nova sociedade.
As próprias crianças121 dizem que:

No núcleo, eu aprendo cantar a música, eu estou aprendendo a tocar flauta,


agente ver filmes, e tem muitas brincadeiras. Aprendo a cuidar do meio
Ambiente, não jogando lixo no chão, não maltratar a terra, não cortar árvores,
porque ela faz sombra e, se cortar, a água seca. O núcleo é um espaço coletivo
das crianças, mas os adultos podem participar, participando das atividades,
tocando violão, aprendendo as músicas junto com as crianças. Eu gosto de
morar no assentamento. Aqui é um espaço bom para se Aqui, a gente pode
sair, não tem perigo. O perigo é se agente cair da árvore e se machucar A
minha mãe grita pra mim toma cuidado Lorena para não machucar na árvore.
Aqui o que não falta espaço para agente brincar. (Lorena, 10 anos)

Na fala da Lorena, notamos que existe um trabalho de conscientização sobre o


meio ambiente que vem sendo realizado com as crianças no assentamento. Mas, este
trabalho não tira o espaço de brincar das crianças. Lorena deixa transparecer que a rua
do assentamento é um espaço propício para criar, inventar, recriar as brincadeiras.
Notamos que este jeito das crianças se organizarem, está vinculado ao jeito
como a comunidade se organiza, e isso se manifesta tanto na auto-organização das

121
Entrevista realizada no dia 20/10/de 2007

161
crianças, como nas próprias brincadeiras que são desenvolvidas com as mesmas, ou
seja, a coletividade vivenciada pelas pessoas adultas são referências para as mesmas.
No assentamento as crianças estão presentes em todos os espaços da
comunidade: festas, encontros, ciranda e organização do próprio assentamento. Sua
presença nestes espaços educa o olhas das pessoas adultas no sentido de entender
que estas crianças são sujeitos que estão na luta e que também estão construindo este
projeto de sociedade. Walter Benjamin (1984:85) afirma que, é na coletividade infantil
que podemos encontrar a “atualidade da criação” e a irradiação das mais poderosas
forças. Assim sendo, acreditamos que as crianças no MST têm possibilidades de ser
esta “força poderosa”, pois essas, muitas vezes movem seus pais para lutar por uma
sociedade mais justa.

3.4 – O dia cultural na Ciranda Infantil “Ana Dias”122

No “Dia Cultural” as brincadeiras são organizadas para ocorrer durante o dia


todo. Na regional, geralmente acontece uma vez por mês. Nestas atividades, sempre há
a presença de pessoas amigas do Movimento e estudantes universitários, que
contribuem com o processo de formação das crianças. Antes da realização das
atividades, o coletivo de educação elabora o planejamento do dia e divide as tarefas.
Sempre, é reservado um período para as brincadeiras mais livres, como: corrida no
saco, chicotinho queimado, cantigas de roda, amarelinha, pular corda, etc. No outro
período, são jogos, como: queimada, taco, futebol, ou ainda, as oficinas e gincanas e,
no fim da tarde e início da noite, têm apresentações culturais ou o baile das crianças.
As apresentações culturais ocorrem no final do dia, como encerramento do Dia
Cultural e consistem na socialização das atividades para todos os participantes. Estas

122
Esta atividade ocorre em vários assentamentos, principalmente, onde os mesmos estão
localizados próximos às universidades em que os estudantes se propõem em desenvolver as
experiências pedagógicas com os Sem Terrinha. No assentamento da agrovila III essa atividade é
organizada por duas pessoas amigas do MST Paulo e Marilene, juntamente com o Coletivo de Educação
do Assentamento.

162
apresentações geralmente são compostas por poesias, músicas, peças de teatro,
brincadeira de roda etc. As crianças são estimuladas a criar, improvisar suas próprias
apresentações culturais, as quais são realizadas em duplas, trio, ou mais crianças. O
importante é que elas se organizem para fazer usa apresentação. Dessa forma, os
grupos de crianças que vão apresentar suas canções, poesias, teatro, etc. para a
comunidade, lançam mão de todos os elementos, tais como roupas, violão, poemas
etc., que facilitam e ajudam na suas apresentações Na peça de teatro as crianças têm a
oportunidade de inventar e vivenciar os personagens Durante a pesquisa de campo tive
a oportunidade de assistir algumas destas apresentações. Como por exemplo, a peça
da Rapunzel

A Rapunzel ganhou nome de Jaqueline, as cordas que encontraram no


deposito das ferramentas virou as tranças do seu cabelo, o cavalo do príncipe
é o cabo de vassoura todo enfeitado nas oficinas durante o dia e o chapéu que
cobre a cabeça de Fabinho que se diz ser príncipe Ah, este é o chapéu de
123
palha de seu Antônio, o que ele usa todos os dias na labuta do roçado .

As peças infantis são sempre um sucesso, pois as crianças têm uma imaginação
criadora e descobrem saídas para todos os problemas que encontram no processo de
construção de cada apresentação cultural. Walter Benjamin (1984:87-88) ao organizar
seus estudos sobre o “teatro infantil proletário”, afirma que:

O gesto infantil é uma inervação criadora (...) e a tarefa do educador é libertar


os sinais infantis do reino mágico, da mera fantasia, pois todo desempenho
infantil orienta-se não pela „eternidade‟ dos produtos, mas sim pelo „instante‟ do
gesto e o teatro, enquanto arte efêmera, é infantil

123
Anotações do meu caderno de campo dia 30/11/2007

163
Nesta atividade, quando há necessidade, as mães ou os pais são convidados a
participarem desta coletividade como, por exemplo, no dia do baile de máscara 124:

Neste dia, na parte da manhã, realizou-se a gincana, na qual houve várias


atividades que as crianças precisavam resolver, e, em muitas delas, precisaram
da ajuda das pessoas adultas. No período da tarde, as oficinas proporcionaram
a possibilidade das crianças construírem alguns brinquedos tais como: peteca,
pipa, vai-vai, roí- roí, dobraduras etc. e. À noite, foi realizado o baile de
máscaras, para o qual as mães que tinham bebês haviam sido previamente
convidadas a participar da oficina de máscara e a construir uma para si mesma
e outra para o bebê. A idéia era que todos fossem com a máscara construída
durante a oficina. Ao todo, apareceram 08 bebês. O baile começou às 18h30,
com direito a bolo para todos

O que se nota é que as crianças estão em constante movimento e, estas


atividades, levam a exercer uma autonomia. É no coletivo infantil que está a
possibilidade de despertar nas crianças vivencias de uma verdadeira prática de
educação emancipadora.

3.5 – A comunidade e as crianças - A jornada pedagógica

A Jornada Pedagógica é uma atividade que acontece uma vez por ano, cujo
objetivo principal é o envolvimento das crianças como um todo na vida do
assentamento, ou seja, de uma forma mais geral em seu cotidiano. É uma atividade
que, normalmente, dura de 5 a 8 dias, conforme a realidade da regional e do
assentamento no qual a jornada pedagógica ocorre. Esta atividade requer um

124
Anotações do meu Caderno de campo dia 30/11/2007.

164
planejamento coletivo e a participação de toda a comunidade. A mesma consta de três
momentos significativos:
- Antes: Articulação dos apoios amigos do movimento, de toda a infra-estrutura, da
preparação da programação, da divisão das responsabilidades etc.
- Durante: Acompanhar as atividades que foram programadas para ver se estão
acontecendo conforme o planejado; reunir a coordenação para avaliar cada dia e, se for
o caso, replanejar o dia seguinte, garantindo que as atividades aconteçam.
- Após: Avaliar todo o processo e apontar os limites e desafios para os próximos anos.
Durante a semana em que se realizou a atividade as crianças visitaram às famílias
assentadas. O objetivo desta visita era envolver todas as famílias assentadas na
atividade. Para isso, cada noite as crianças se encontravam na Ciranda Infantil,
juntamente com os Educadores e as Educadoras e se organizavam em dois grandes
grupos. Cada grupo percorria uma determinada rua do assentamento para fazer as
visitas e marcavam um ponto de encontro quando terminassem.
Estas visitas eram acompanhadas de cantoria com flautas, violão e muitas
pipocas. As visitas não eram avisadas para os adultos, era surpresa, por isso havia
varias reações dos adultos, como, por exemplo, ficarem atrapalhados sem saber onde
as crianças se sentariam – pois cada grupo tinha em média 50 sem terrinha – o que
oferecer para as crianças, se eram balas ou pirulitos ou pipocas etc. O certo era que
todas as famílias assentadas fizeram uma boa acolhida às crianças. Nas visitas, as
crianças geralmente cantavam uma música e ofereciam à família, e esta também pedia
uma música para as crianças cantarem. Nesse momento, era realizado o convite para
a família participar das atividades da Jornada Pedagógica e era entregue uma
lembrancinha à família.
Analisando estas visitas, percebemos que muitas pessoas idosas lembraram de alguns
episódios da sua infância e isso se manifestou através do pedido das músicas como,
por exemplo, canta Asa Branca eu lembro quando era pequena e meu pai cantava para
nos.125. Pedidos como este se repetiram diversas vezes. Segundo Lorena 126,

125
Anotações do caderno de campo dia 15/10/2007

165
A jornada pedagógica foi muito boa, pois havia bastantes brincadeiras, oficinas.
Eu gostei muito de visitar as famílias. Todas as crianças participaram e foi muito
bom tocar na flauta a música que as famílias pediram, elas ficavam bem feliz,
Dona Ana chorou quanto tocamos Asa Branca para ela. (Lorena, 10 anos)

Percebemos que na visita das crianças às famílias, ficou visível a alegria, o


carinho, a confiança e a sensibilidade que as famílias têm para com as crianças. Esta
questão se manifestou de diversos jeitos, como: no choro das famílias, no articular entre
a família para oferecer a pipoca, na entrega das lembranças pelas crianças à família
que elas estavam visitando Notamos que há uma sensibilidade enorme das crianças
para com as famílias e, tal manifestação de afeto foi exposta na música, quando os
mais velhos pediam para cantar Asa Branca ou Cálix Bento. Estas duas músicas foram
dedilhadas, várias vezes, pelas crianças em suas flautas e elas o faziam com a maior
alegria. Podemos observar estas questões por meio de algumas falas das crianças:

A jornada pedagógica foi ótima. Gostei mais da pipoca na casa das famílias e
de todas as brincadeiras e asa branca foi a música mais pedida pelas famílias
127
(Fabinho, 09 anos )

A jornada foi muito boa. Eu brinquei bastante e fui visitar todas as famílias, nos
cantamos asa branca , comenos pipoca, bolo, e na casa de Dona Ana nos
128
ganhamos pirulito. (Ana Flávia, 4 anos)

126
Fala colhida durante o processo de avaliação pelas crianças da jornada pedagógica
127
Fala colhida durante o processo de avaliação pelas crianças da jornada pedagógica
128
Fala colhida durante o processo de avaliação pelas crianças da jornada pedagógica

166
As oficinas foram pensadas e organizadas a partir dos sujeitos envolvidos na
Jornada. Foram organizadas as seguintes oficinas: plantio de flores, confecção de
brinquedos, artesanato com as mulheres, manicure e maquiagem, poesia,
contabilidade/controle, dança, dobradura, cartão com sementes, espanhol etc. As
oficinas apresentaram várias possibilidades de brincadeiras e de criação para as
crianças, pois, cada uma apresentava uma novidade, porém, a oficina de Espanhol foi a
mais comentada e concorrida. Outro ponto a se destacar nas oficinas foi o envolvimento
dos professores da escola do assentamento. Este envolvimento na atividade foi muito
significativo, tanto para as crianças, quanto para os professores.
As crianças demonstravam certa felicidade em apresentar e explicar para os
professores os espaços do assentamento, como por exemplo, a pocilga onde se cria os
porcos, a horta coletiva, o roçado, o mercado, a Ciranda Infantil, as máquinas e aqui foi
bem interessante, pois também explicava o processo de fazer o óleo de semente de
girassol para usar no trator, como todo o processo de como usar o esterco de porco e
do gado para produzir o gás de cozinha e energia para aquecer o chuveiro das casas
através do biodigestor. Sobre todos estes pontos, as crianças tinham um conhecimento
e repassavam aos seus professores. Para muitos professores, esta foi uma
oportunidade de conhecer um pouco da realidade das crianças e entender melhor o seu
cotidiano e sua luta.
Ainda falando das oficinas, podemos destacar a participação das
mulheres, em especial, nas oficinas de pintura em tecido, manicure e maquiagem e de
alimentos alternativos. Nestas oficinas, além de aprender toda a técnica de manuseio
das ferramentas. Elas também levaram às mulheres a refletir sobre a questão
econômica. Sem falar no espaço de socialização das aprendizagens entre as mulheres.
De um modo geral toda comunidade participou e se empenhou para a realização da
Jornada Pedagógica. Onde segundo Zezinho129.

129
Fala colhida durante o processo de avaliação pelo setor de educação da regional sobre a
jornada pedagógica

167
A jornada pedagógica foi uma atividade que movimentou as crianças, a Escola,
e a comunidade, isto é, muito significativo para nós do assentamento, pois a
comunidade assumiu as responsabilidades com uma grandeza imensa e
participou de todas as atividades propostas (Zezinho.)

Na Jornada, a coletividade, a responsabilidade, a sintonia entre os


coordenadores, os educadores e a comunidade, foram de fundamental importância
para o acontecimento das atividades pedagógicas. É nesta coletividade que as crianças
vão se apropriando de elementos que contribuem no seu processo de formação e este
processo faz de seu tempo de infância, um movimento pedagógico em luta; luta pela
terra, pela Reforma Agrária, pela transformação da sociedade. Este constante
movimento gera outras realidades no assentamento ou no acampamento. Como afirma
Arenhart (2007:43):

Os Sem Terrinha, como os próprios se denominam para marcar sua identidade


de “ser criança Sem Terra”, são, sobretudo, “crianças em movimento”, portanto,
estão inseridas na dinâmica de um movimento social que também elas, como
crianças, ajudam a construir. Ao mesmo tempo, não estão fora do contexto de
uma sociedade desigual e excludente, trazem as marcas do mundo do trabalho,
da fome, do frio, das dificuldades de se viver embaixo da lona preta, do
sacrifício da luta cotidiana pela sobrevivência; seus corpos expressam sua
condição de classe.

Analisando a Ciranda Infantil na regional podemos observar que elas estão


permeadas de brincadeiras de todo tipo, livres, de faz-de-conta, os jogos etc. As
brincadeiras foram as maiores referências em todos os sentidos, como na organização
em pequenos grupos, no processo de constituição da coordenação, na ajuda e no
cuidado das crianças maiores para com as pequenas.

168
Toda a experiência leva as crianças a experimentar o prazer de criar, inventar,
recriar, ou seja, inventar este jeito de ser criança do campo. Essas crianças são filhos e
filhas de trabalhadores rurais sem terra que, como qualquer outra criança brasileira,
devem ser incentivadas a experimentar estas dimensões nas brincadeiras, pois,
segundo Prado (1998: 95) É na dimensão brincalhona que permite um encontro com o
desconhecido, uma troca entre diferentes e um reconhecimento entre semelhantes.
Através da ação do brincar, a ciranda infantil vem recuperando as várias
brincadeiras que, hoje, estão esquecidas pelas crianças, pela a influência tanto da
industrialização dos brinquedos (prontos), quanto da televisão. Nas cirandas podemos
afirmar que elas vêm potencializando o lúdico e as atividades mais coletivas.
Outra questão que podemos analisar nas experiências educativas é a
participação das crianças no processo de luta pela terra, através da vivência coletiva
buscando vivenciar a coletividade como um princípio que, segundo Arenhart (2007:66):

Coletivizando a terra, o trabalho e a produção, os assentados contrapõem-se à


ótica individualista que sustenta a vida no capitalismo. Assim, para o MST, a
experiência da vida coletiva se torna um espaço fecundo para formar sujeitos
com consciência de classe e, ao mesmo tempo, construir uma experiência de
vida pautada numa ótica socialista, ainda que essa seja engendrada no
confronto com os valores capitalistas e esses, muitas vezes, consigam impor
sua ordem.

Assim podemos dizer que, as sem terra constroem sua participação na luta pela
terra mostrando dignidade e confiança no coletivo, isto é, no Movimento Sem Terra.
Ainda, reitera Arenhart (2007:43) que:

O Movimento social que produz essa força no interior dos seus processos
educativos. Assim como, a experiência da infância para elas – crianças
empobrecidas – não constitui um conto de fadas, como idealiza a concepção
burguesa, é possível pensar que a inserção no Movimento Sem Terra as ampara

169
em relação à possibilidade de sonhar e de acreditar num mundo melhor,
especialmente porque estão construindo, através da luta, outras realidades de
presente e futuro.

Podemos afirmar que as experiências educativas vivenciadas pelas crianças Sem


Terra, vêm mostrando a possibilidade de viver outra infância no campo, contraposto à
infância das crianças trabalhadoras nas plantações de cana-de-açúcar, pois, Del Priori
(1999:411) afirma que:

No corte da cana-de-açúcar, na Zona da Mata pernambucana, no município de


Ipojuca (PE), 59% das crianças e adolescentes que trabalharam no corte da
cana são analfabetos, 62% começaram a trabalhar na faixa etária dos sete aos
dez anos, 41% não recebem remuneração, e a taxa de evasão escolar chega a
24%. A situação das crianças trabalhadoras exploradas e maltratadas no árduo
ofício do corte de cana-de-açúcar “não é a expressão de uma situação
momentânea particular, mas é decorrente da história de pobreza que tem sua
origem num modelo de desenvolvimento secular, centrado no princípio da
grande lavoura e do monopólio da terra, gerando um ciclo de oportunidades
perdidas

No processo de luta pela terra as crianças têm a oportunidade de exercitar a


capacidade de se indagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação. E as
crianças vão demonstrando estas aprendizagem, à medida que vão conquistando seus
espaços e, desta forma, marcam posição na sociedade que pertencem, exigem que os
adultos passem a respeitá-las e a valorizá-las como crianças, e isto ocorre com os
adultos do MST. Rompendo com a cerca da submissão e com os preconceitos que lhes
foram impostas pela própria sociedade. Por isso, podemos afirmar que o processo de
formação das crianças está vinculado aos princípios e valores do projeto educativo do
MST.

170
Também destacamos nesta pesquisa algumas contradições e possibilidades que
foram aparecendo neste processo, entendendo que nem tudo nesta experiência atingiu
sua plenitude, ao contrário, todas as práticas educativas desenvolvidas no MST vêm se
desenvolvendo atravessadas por uma série de contradições.
Para o Movimento Sem Terra o ato de atuar, experimentar, descobrir, fazer, refazer,
repetir, contradizer, questionar, movimentar, constitui grande riqueza educativa no
desenvolvimento de suas práticas. É justamente nesse movimento permanente que vão
se produzindo as contradições, e é no contexto das contradições que também se
produzem as possibilidades. Como afirma o professor Luiz Carlos de Freitas, (1995:13)
as contradições é um campo aberto de possibilidades.
Entendemos que a apreensão desta dimensão, no contexto das lutas
desenvolvidas pelo MST na atualidade, possa contribuir para o estabelecimento de
alguns parâmetros políticos – organizativos no intuito de fortalecer ou nortear o
desenvolvimento de futuras experiências educacionais –, para que deste modo possa
haver uma conjugação das experiências passadas com as possibilidades e
necessidades identificadas pelo próprio Movimento em sua estratégia futura.

A fim de compreender as possibilidades como produto das contradições das


Cirandas Infantis se faz necessário compreender esse Movimento Social como produto
das contradições da realidade social brasileira. Pois, desde o modelo agro-exportador,
implementado nos tempos coloniais, até os dias atuais observa-se um mundo rural
marcado pela continuidade do latifúndio, sendo constantemente re-atualizado pelas
ações do capital e do Estado. Deste modo são legitimadas um conjunto de relações
sociais, marcadas pela violência direta e pela intensa exploração da população
camponesa. Neste mesmo contexto convivem modernidade e tradição: as relações
sociais de trabalho avançadas e relações arcaicas, atrasadas, como trabalho “semilivre”
ou mesmo superexploração do trabalho (análogo ao trabalho escravo).

As contradições geradas pelos modelos de agricultura ao longo dos 500 anos de


história do Brasil, e mais recentemente pelo modelo que ficou conhecido como
171
modernização conservadora, atingindo seu ápice entre as décadas de 1970 e 1980,
produzindo milhões de trabalhadores excedentes. Para alguns destes, a alternativa foi a
integração em projetos de colonização organizados pelo Estado ou por empresas
capitalistas. Para outros, foi a inserção na luta pela terra e pela reforma agrária foi o
caminho. Constata-se, nos últimos anos, que os enfrentamentos com o capital vêm se
dando nas áreas de monocultivo e de experimentos genéticos, nas reservas indígenas,
nas áreas de concessão extrativista, no monopólio dos produtos agrícolas.

Com relação à educação, nos diferentes momentos do MST, as práticas


educativas escolares e não-escolares (formal ou não formal), sempre estiveram
presentes. Ao longo deste processo, o MST foi acumulando novas experiências e
demandas, e assim, sofreu modificações, quantitativa e qualitativamente. É importante
ressaltar que o MST sempre buscou o acesso à educação escolar como instrumento
para contribuir na qualificação da luta pela terra e pelo projeto histórico socialista. Para
isso, o MST vem desenvolvendo lutas sociais a fim de pressionar os diversos órgãos do
Estado para que o direito à educação fosse garantido. Ao lado das lutas,
estabeleceram-se parcerias diversas com organizações da sociedade civil e do Estado,
a exemplo de universidades e Secretarias de Educação.
Neste sentido, os processos de organização e luta do MST pela democratização
da propriedade da terra – o que inclui e propicia o acesso à educação a seus membros,
o qual permite a formação de “intelectuais orgânicos”130 da classe trabalhadora – faz
parte da sua essência. Embora essa formação seja realizada em um contexto
contraditório, ela pode acumular elementos para a construção de outra ordem social
que altere a essência da sociedade capitalista. Essa luta do MST pelo acesso ao
conhecimento socialmente acumulado caminha lado a lado com a luta pela terra, como

130
Nos estudos de Gramsci, ele atribuiu aos intelectuais o papel de organizadores da cultura.
Segundo ele o intelectual orgânico é aquele que surge em ligação direta com os interesses da classe que
ascende ao poder, ao mesmo tempo em que, lhe dão homogeneidade e consciência da própria função,
não apenas no campo econômico, mas também no social e político. As classes dominantes em geral
possuem seus intelectuais orgânicos, cuja função é fazer com que os dominados pensem com a cabeça
da classe dominante. Do mesmo modo, a classe trabalhadora possui seus intelectuais, cuja função é
desenvolver as idéias contra-hegemônicas.

172
um bem necessário à sobrevivência e resistência do homem, mulheres, jovens e
crianças do campo.
Nas Cirandas Infantis pesquisadas, ficou claro que a produção do conhecimento
não é aleatória; esse tem uma intencionalidade política para o Movimento, ou seja, ele
tem uma função social na perspectiva de contribuir para a emancipação humana,
contradizendo os propósitos do capital. Neste sentido, podemos afirmar que o acesso
ao conhecimento para o MST não é algo supérfluo, mas é um elemento constitutivo da
pessoa humana. Portanto, está situado no rol dos direitos fundamentais da pessoa
humana. Deste modo, o MST rompe com a ideia dominante no Brasil, desde a
colonização, de que, a produção e o acesso ao conhecimento é privilégio de alguns ou
daqueles que podem comprar tal mercadoria.
Sendo, as Cirandas Infantis no MST uma experiência de educação não formal,
observamos a produção do conhecimento tem um forte vínculo com as questões
políticas. Este vínculo evidenciou-se nas seguintes atividades políticas organizadas
pelo Movimento, que contaram com a participação das crianças:
 Na elaboração da pauta reivindicatória e na entrega da mesma ao Ministro da
Educação esteve presente na Ciranda Infantil do V Congresso do MST;
 Nos Encontros dos Sem Terrinha ao elaborar o manifesto e a pauta de
reivindicação aos poderes públicos; como também na troca de saberes e
entre as crianças principalmente nas oficinas e nas apresentações culturais
realizada no encontro.
 Na participação na vida do assentamento através do coletivo infantil e da
Ciranda “Ana Dias”, ou seja, nas diversas mobilizações organizadas pelo
MST.
 Na participação das atividades pedagógicas tais como: preservação das
nascentes, na jornada pedagógica, no dia cultural, as crianças têm a
oportunidade, desde bem pequenas, vivenciarem tais práticas educativas e
outras relações sociais, numa perspectiva de outra sociedade.

173
Tomando como referência a concepção de educação do MST, que expressa em
seu projeto educativo, (princípios filosófico e pedagógico) e nas práticas educativas das
Cirandas Infantis pesquisadas, pode-se afirmar que, para o MST, o acesso ao
conhecimento é tão importante quanto o acesso a terra, porque o conhecimento
trabalhado nas Cirandas Infantis não se apresenta tendo um fim em si mesmo, mas
como possibilidades de compreender, problematizar e transformar a realidade para ser
usufruída por todas as crianças.
Neste sentido é importante ressaltar que o conhecimento nas Cirandas infantis
emerge a partir do estudo da realidade, ou seja, das situações concretas, como
também da organização e a apropriação deste conhecimento, tendo como finalidade a
coletividade. Ainda, podemos analisar que o acesso ao conhecimento nas Cirandas
Infantis pesquisadas se apresentou como conquista de direitos, de propósito e
compreensão para a transformação da realidade, mas, principalmente, como elemento
necessário à construção do projeto de uma sociedade socialista.
No estudo da realidade, as Cirandas Infantis pesquisadas organizam as
vivencias das crianças a partir das situações concretas no sentido de responder e
ampliar coletivamente as interpretações que as crianças já têm da realidade.
Na organização do conhecimento, se trabalha para a compreensão da
problematização inicial do estudo da realidade. É um momento intenso de trabalho e
pesquisa nos quais os educadores e as educadoras trabalham com as crianças muitas
informações e colocam as crianças em contato com outros referencias, no sentido de
buscar o que ainda não se conhece para responder as questões iniciais.
A organização do conhecimento nas Cirandas Infantis, nas escolas, nos
assentamentos e acampamentos, é mais do que criticar os conteúdos, e sim, consiste
em vivenciar concretamente a vida social, suas contradições, analisar limites e criar
possibilidades de superação, na perspectiva de produzir outros conhecimentos para a
formação dos sujeitos na atualidade, ou seja, aquilo que tem sentido para o nosso
tempo. Freitas (2003:56) afirma que;

174
Deve se entender por formação na atualidade tudo aquilo que na vida da
sociedade do nosso tempo tem requisitos para crescer e desenvolver-se, ou
seja, tem a ver com as grandes contradições da própria sociedade capitalista e
a contradição central é que os homens não devem explorar outros homens -
isso não é ético.

A apropriação do conhecimento caracteriza-se pela apropriação do conteúdo


adquirido na organização do conhecimento, que possibilitam às crianças uma releitura
da problematização feita no estudo da realidade, tendo sempre em vista as
possibilidades de transformação da realidade. Segundo Lessa e Tonet (2008:50-51):
afirma que:

Como a realidade esta em permanente evolução produzindo novas


necessidades e possibilidade, o conhecimento é sempre esse processo de
aproximação da realidade. Isso significa que todo conhecimento da realidade
evolua muito influenciado pelas necessidades e pelos objetivos que se tem em
cada momento histórico.

É importante ressaltar que o conhecimento é uma construção de ideias que


reflete as qualidades do real. Por outro lado, o real é um processo histórico. Neste
sentido, o estudo da realidade, a organização e a apropriação do conhecimento estão
em movimento e, tal movimento não pode, jamais, resultar em conhecimento absoluto,
fixo imutável. Ainda, podemos afirmar que estes movimentos não se dão de forma
separada e de forma linear, pois se dão juntos, ou seja, ao mesmo tempo.
Dessa forma podemos afirmar que as Cirandas Infantis do MST se revelam como
uma prática educativa potencialmente emancipatória, transformando as atividades
educativas em práticas políticas, tornando-as cultura entre aqueles que vislumbram o
mesmo projeto histórico.
Ainda, percebemos que as contradições e conflitos constatados nas Cirandas
infantis refletem de certa forma as contradições existentes nos assentamentos e
acampamentos, organizados no contexto da sociedade capitalista atual, porque estes

175
espaços se estabelecem alguns com tensão entre projeto de sociedade capitalista e o
projeto de uma sociedade socialista que está em construção. Segundo Araújo
(2007:125):

(...) os espaços conquistados: assentamentos, acampamentos, escolas,


cirandas infantis, cooperativas – embora não emancipados das relações do
capital – ocorrem ao mesmo tempo, relações conflitavas entre o projeto de
sociedade que o MST vem construindo e o projeto de sociedade capitalista no
qual vivemos. Essas relações são influenciadas pelas relações capitalistas de
produção, organização da vida.

Disto podem-se apontar algumas contradições centrais que se apresentam como


desafios para o MST na atualidade. Estas contradições podem ser constatadas nas
relações com a propriedade privada da terra, nas relações com a ação do Estado, na
formação da consciência de classe. Segundo Araújo (2007: 128):

Muito embora os assentamentos tenham sua terra conquistada e não estejam a


serviço da exploração do trabalhador, as pessoas assentadas mantêm com a
terra relações semelhantes a do grande proprietário. Pois ao estar inserido
numa sociedade onde a terra é considerada mercadoria, o assentado se apega
a ela pelo seu valor de troca e não pelo seu valor de uso. A relação de apego
em considerar-se dono supremo da propriedade individualizada também se
manifesta nas relações sociais entre as próprias famílias assentadas; relações
estas que perpassam a educação das crianças.

Assim sendo, o papel da educação nesse contexto de confronto e negação do


capital deve ser a luta contra os fenômenos e tradições negativas herdadas da
sociedade capitalista. Isto constitui premissa fundamental para a superação e
construção de outra sociedade no seio do capitalismo. Segundo Mészáros (2005:28)
em sua obra Educação para além do Capital, afirma que:

Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras


do capital significa abandonar de uma só vez conscientemente ou não, o
objetivo de uma transformação qualitativa. É por isso que é necessário romper

176
com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa
educacional significativamente diferente

Portanto, a relação entre as ações educativas desenvolvidas com as crianças


nos assentamentos e acampamentos precisa realizar um movimento circular, em duas
etapas: a primeira, propiciando experiências de emancipação do capital e, a segunda
impulsionando as ações da Ciranda Infantil no confronto com o capital nos momentos
de luta.
O potencial emancipatório das Cirandas Infantil, ao qual nos referimos
anteriormente, revela-se a partir da compreensão de que a luta pela terra não se
encerra apenas com a sua conquista, é preciso ir além, a sociedade precisa ser
transformada em todos os níveis: econômica, política e sócio-culturalmente. Para isso,
o Movimento investe em diversas experiências de formação das consciências dos
trabalhadores, potencializando todas as práticas educativas presentes nas lutas
cotidianas do Movimento, pondo em xeque todas as formas de investida do capital,
constituindo-se na grande escola formadora da consciência de classe para
emancipação humana. Assim sendo, algumas reflexões foram surgindo no decorrer da
pesquisa:
- Em relação à ausência do Estado no que se refere às políticas publicas
para a educação infantil no campo. Sabendo que, as Cirandas Infantis tem esse
potencial de uma educação emancipatória por parte do MST. Se ela passa a ser uma
política publica de Estado com certeza esbarra numa série de condições institucionais
imposta pelo Estado burguês. No contexto atual não se submeter a tais condições é
organizar-se sem a tutela do Estado, o que deixa o Movimento numa condição de
substituição do Estado em suas funções públicas. Ocorre que o Estado é um provedor
de direitos, o que significa dizer que ele garante o direito, mas não garante a
emancipação. Assim, ao limitar a luta pelo acesso à educação infantil do campo no
âmbito apenas dos direitos, os esforços do MST se encerram nos limites dos direitos e
não na emancipação. Este é um aspecto crucial do ponto de vista da autonomia na

177
organização do trabalho pedagógico nas Cirandas Infantis Itinerantes e Permanentes
do MST.
- Em relação à formação dos educadores infantis, percebemos que falta
aprofundamento teórico da própria proposta pedagógica do MST, que, talvez possa
permitir um movimento de ação/reflexão/ação nas atividades pedagógicas
desenvolvidas nas Cirandas Infantis. Assim, se faz necessário perguntar quem faz esta
formação com estes educadores e educadoras: o Estado burguês, o MST, ou as
universidades? Pois, sabemos que cada um destes segmentos tem uma concepção de
educação e defende um projeto de sociedade. No processo da pesquisa nota-se que
existe por parte dos educadores e educadoras infantis uma disposição e boa vontade
em construir uma educação para além do capital, entretanto lhes faltam também as
condições materiais necessária para alavancar o trabalho pedagógico. A formação se
faz necessária, desde os coletivos de coordenadores do setor de educação em níveis
macro e micro, até os educadores e educadoras infantis que estão no dia-a-dia das
cirandas infantis.
- Em relação à organização dos assentamentos e acampamentos, eles são
pensados a partir dos sujeitos e suas necessidades de construir uma educação
emancipatória? E isso se manifesta no modo de vida das pessoas. Para Mészàros,
(2005:38) a educação emancipatória significa internalizar outros valores contrários à
ordem social do capital; deste modo a questão apontada caracteriza um grande desafio
teórico e prático. Pensar o assentamento ou o acampamento a partir dos sujeitos,
significa pensar também as crianças no processo de produção na sua plenitude, com
suas necessidades, avanços e limites. Pois elas ajudam organizar sua existência,
trazem consigo limites próprios do processo a que foram submetidas ao longo de suas
vidas. Entendemos que as crianças e os assentados são frutos de uma sociedade
capitalista que fez e continua fazendo estragos na vida das pessoas deixando suas
marcas na sua forma de pensar e agir, de relacionar-se, com as suas escolhas e
preferências.
Desse modo, há muitas dificuldades e limitações como: apreensão crítica do
mundo pelos Sem Terra, pois constantemente estes negam e afirmam a sociedade
178
capitalista. Nesse contexto é fundamental questionar onde se encontram os limites da
base social do MST para a compreensão e internalização de valores contrários à ordem
social capitalista, a fim de produzir uma educação emancipatória. Ao considerar que a
formação da consciência não se dá de maneira automática, exige-se, então, um longo
processo educativo tanto nas Cirandas Infantis como das escolas e em todos os
espaços educativos do MST.
Entendemos que estas reflexões que evidenciamos acima não estão postas
hegemonicamente, no conjunto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
que organizados buscam a todo instante romper os desafios apresentados, construindo
coletivamente outro projeto histórico de sociedade, de ser humano e de educação.
Nesse contexto é possível afirmar que as Cirandas infantis desenvolvidas pelo MST
demonstram possibilidades de uma educação emancipatória quando estas contribuem
para alteração da prática social dos participantes. Isso demonstra que as Cirandas
Infantis podem produzir possibilidades de mudanças coletivas a serviço da classe
trabalhadora à medida que forem vinculadas aos movimentos de lutas sociais.
Os dados indicam que para construir uma educação emancipatória não basta
apenas a intencionalidade de transformação social na Programação do Cotidiano ou no
Projeto Político Pedagógico da Ciranda Infantil, se estes conteúdos não são
trabalhados e vinculados a um projeto de transformação social. Estes conteúdos
precisam ser alimentados cotidianamente, mediante práticas de transformação da
realidade. Na construção de relações educativas emancipatórias é imprescindível que
não seja negligenciado o fato de que – nesta sociedade capitalista – o direito a viver
como sujeitos autônomos do seu próprio processo educativo, que foi usurpado das
crianças. Além disso, percebemos que as crianças sem terra são capazes de erguer
suas próprias bandeiras, organizando-se com autonomia e educando-se na luta. Isto
não significa que elas deixaram de ser crianças, mas brincado, pulando, saltando,
chorando, cantando, vão construído essa Ciranda Infantil, por que ela é de todos nós,
ela é de todos nós.

179
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ciranda rodava no meio do mundo,


No meio do mundo a ciranda rodava.
E quando a ciranda parava um segundo,
Um grilo, sozinho no mundo, cantava.
Mário Quintana

Tendo em vista a questão central da pesquisa e os objetivos estabelecidos,


procuramos ao longo deste trabalho compreender, à luz de um amplo quadro de
determinações econômicas, sociais e políticas, as características e a dinâmica das
Cirandas Infantis desenvolvidas no MST. Para isto, buscamos estabelecer os nexos
entre as contradições do modo de produção capitalista e as táticas de lutas utilizadas
pelos movimentos de lutas sociais, em particular o MST. Neste sentido, investigamos
como as Cirandas Infantis desenvolvem sua prática educativa, sendo que elas se
encontram inseridas num sistema capitalista, onde as relações sociais são antagônicas
ao projeto de sociedade que vem sendo construído no interior do Movimento.

O eixo norteador desta pesquisa foi: descrever a experiência das Cirandas


Infantis organizadas pelo MST, trazendo as contradições, mas também, as
possibilidades concretas para a construção de uma educação emancipadora no seio de
uma sociedade capitalista. Em função disso, uma questão fundamental se colocava:
como o trabalho pedagógico das Cirandas Infantis – nos Assentamentos, Centros de
Formação, marchas, reuniões, Congressos, etc. – contribuem para a formação das
crianças Sem Terra na perspectiva da emancipação humana?

Nossa hipótese era que as Cirandas Infantis, desenvolvidas pelo MST, têm seu
inicio, em função da participação das mulheres no processo produtivo dos
assentamentos e nas instâncias da organização. Esta hipótese veio a ser confirmada
pela pesquisa, pois, constatamos que é cada vez maior o número de homens levam

180
seus filhos e filhas para as atividades das quais participam, tais como: reuniões, cursos,
congresso, seminários etc. Ou seja, a preocupação com o cuidar e educar os filhos e
filhas, hoje no MST, é partilhada, em boa medida, entre homens e mulheres. Este fato
permitiu às mulheres assumirem, cada vez mais, outras responsabilidades na
organização. Outrossim, evidencia as reais possibilidades de avanço da e na
discussão de gênero.

Em meio a todo esse processo, emergem as crianças sem terra, enquanto


sujeitos que constroem sua participação histórica na luta pela terra e que desenvolvem
e assumem o sentido de pertença a esta luta, enquanto crianças do campo. Isto veio a
revelar que as Cirandas Infantis, enquanto experiências de educação não formal
apresentam elementos significativos, da realidade do campo, que podem contribuir a se
pensar questões como: a des-re-construção da noção de criança do campo; a relação
entre educação, política e construção de sujeitos históricos; políticas públicas de
Educação Infantil do Campo numa perspectiva emancipatória.

Observando o processo de desenvolvimento desta pesquisa, como um todo,


constatamos diversas limitações. Responder e afirmar questões como as que aqui
abordamos, certamente, constitui uma difícil tarefa, por diversos motivos. Em primeiro
lugar, por que a história da luta pela posse da terra no Brasil atravessa cinco séculos, e
ainda hoje são constatados baixos índices de distribuição de terras. Some-se a isto a
concentração de renda, das riquezas e do conhecimento.

Neste contexto, merece destaque o valor histórico da luta pela Reforma Agrária
empreendida pelo MST, com todas as contradições e desafios que surgem no momento
em que se procura mudar as relações sociais e as relações de produção. Em segundo
lugar, por que a visão do pesquisador é sempre limitada com relação à totalidade que
se apresenta no contexto real, no plano concreto, podendo assim, não dar conta da
profundidade necessária que o objeto exige. Além disso, compreende-se que a análise

181
da realidade dada perpassa nossos valores culturais, nossa visão de mundo e a
escolha de parâmetros científicos capazes de dar sustentação a nossa análise.

Observando, especificamente, toda a diversidade que perpassa a Ciranda Infantil


“Ana Dias”, no assentamento da Agrovila III, comprovamos que ela é norteada pelo
projeto educativo do Movimento, o qual se expressa nas práticas pedagógicas
desenvolvidas com as crianças deste assentamento.

Esta mesma constatação também pode ser feita com relação às Cirandas
Itinerantes por nós pesquisadas. Nelas, observamos, com especial cuidado: a
participação nas lutas e nas mobilizações em prol das conquistas coletivas; os valores
cultivados, como companheirismo e solidariedade; os referenciais de lutadores e a
organização coletiva em busca da sua emancipação humana. Observamos, também, o
cultivo da mística e de valores tais como: companheirismo, solidariedade, etc.
No caso específico da Ciranda Infantil do V Congresso Nacional, por exemplo, o
grande arraial contribuiu também com elementos importantes na beleza da mística,
como, por exemplo, as suas bandeirolas, os bonecos com suas roupas coloridas,
diversos cartazes e muitas bandeiras de diversos movimentos sociais. Tudo isso fazia
parte da ornamentação das barracas da Ciranda Infantil. Dessa forma, as músicas das
crianças, as palavras de ordem, a marcha das crianças até a plenária, a negociação
com o ministro de educação, o grande baile da festa da colheita fez parte da mística
como também da vida das crianças que participaram deste V Congresso do MST.

Na Ciranda “Ana Dias”, a mística se faz presente na escolha dos nomes dos
núcleos de base, homenageando lutadores e lutadoras do povo, na elaboração das
palavras de ordem, no ensaio das canções que são apresentadas para a comunidade,
nas apresentações culturais, na elaboração e execução das grandes atividades tais
como: a Jornada Pedagógica, o Dia Cultural, o Encontro dos Sem Terrinha, como
também na elaboração de normas e princípios de convivência coletiva pelas próprias
crianças.
182
Para o MST, o cultivo da mística é uma demonstração de ânimo na luta, ou seja,
embora a conquista do assentamento tenha se consolidado, é importante mostrar que o
processo de formação de novos seres humanos não se esgotou com a conquista da
terra. A mística se configura como princípio educativo no MST.
Estas atividades demonstram o engajamento das crianças na luta pela terra, desde
bem pequenos, em diferentes níveis de abrangência, tanto a nível local, quanto em
nível de Estado. Neste sentido, podemos afirmar como avanço nas práticas educativas
da Ciranda Infantil os seguintes:

1- A identidade coletiva em construção, que não se fecha em si mesma, mas se


projeta na relação com valores e questões que são universais. Dentro desta
coletividade, a família como comunidade primária participa do conjunto de ações do
Movimento. Assim, a participação das crianças no processo de luta pela terra, muitas
vezes, causando estranheza à sociedade. Porém, na cultura Sem Terra, o lugar da
criança não se limita a escola, mas também nas mobilizações, ocupações, no trabalho,
nas festas, marchas, no cotidiano do Movimento.
Desse modo as crianças têm a oportunidade vivenciar a dimensão lúdica e a
revolucionária, pois a dimensão lúdica, por excelência, deve estar em todos os
espaços, e a partir dela que instiga nas crianças a curiosidade, o buscar conhecer as
coisas, saber como funciona o mundo, ou seja, é o princípio básico para as crianças
começarem a querer conhecer tudo que está a sua volta e a dimensão revolucionária
tem esse caráter revolucionário, porque inaugura um processo de transformação, no
modo das crianças perceberem o mundo, a partir das experiências da luta pela terra.
Assim as crianças Sem Terrinha vivem esta realidade e se fazem sujeitos
participativos na construção do projeto de sociedade que o MST está construindo, pois
inseridas em um movimento que faz história.
Isto implica que elas também são sujeitos da construção desta história da classe
trabalhadora e, ao participarem desta luta social, assim passam a ser vistas. Este fator
183
altera também o olhar dos educadores e das educadoras infantis, que passam a
incorporar as vivencias da luta pela terra na sua prática pedagógica, influenciando o
cotidiano da Ciranda Infantil.

2- As vivências coletivas e a auto-organização – ou seja, quando as crianças


formam núcleos infantis, planejam o estudo, escolhem o nome do núcleo ou da escola,
formando uma organização coletiva das crianças – como prática educativa e social cujo
propósito político é a transformação da realidade vivenciada pelas crianças.
Dessa forma, a organização coletiva passa a fazer parte do cotidiano da vida das
crianças: das brincadeiras, do trabalho, do estudo, do canto, etc... do seu jeito de ser.
Estas práticas pedagógicas estão vinculadas a um projeto educativo e que transforma a
realidade e produz cultura, valores, saberes e convicções, fortalecendo assim sua
identidade de Sem Terrinha.
Assim sendo, várias práticas educativas, tais como a jornada pedagógica, o dia cultural,
a preservação das nascentes, tem uma intencionalidade pedagógica que, ao mesmo
tempo, levam as crianças a criar gosto pela Ciranda Infantil, e pelo Movimento.

3 - O Trabalho, nas suas dimensões coletivas e pedagógicas, intimamente


relacionadas entre si. Por um lado, o planejamento das atividades desenvolvidas na
Ciranda Infantil, leva as crianças a organizar o trabalho em coletivos, construindo
saberes, vivenciando processos de cooperação e auto - organização. Deste modo, o
trabalho é entendido aqui em sentido ontológico, ou seja, como aquele que faz a
criança pensar, produzir, adquirir aprendizagens e habilidades para planejar, executar e
se organizar.
Por outro lado, a dimensão pedagógica do trabalho leva as crianças a serem
sujeitos do próprio processo realizado por elas. Isto evidencia que a vivência coletiva no
trabalho está inserida num projeto político pedagógico muito maior.

184
Deste modo, o processo das atividades é muito enriquecedor e, conforme a
organização coletiva do assentamento, as crianças têm mais possibilidades de
organizar os seus coletivos infantis, pois as elas se inspiram nas pessoas adultas.
Sendo assim, podemos reafirmar que a Pedagogia do MST produz uma infância em
movimento, ou seja, crianças que participam da luta e juntamente com sua família lutam
pelos seus direitos.

4 – A presença masculina significativa nas Cirandas Infantis, principalmente nas


Cirandas Itinerantes, mas também nas coordenações da Frente da Infância nos
Estados, quanto na prática do seu dia-a-dia. Esta participação dos homens nas
Cirandas Infantis aflora cada vez mais a discussão de gênero no interior da
organização.
Nesta perspectiva, considero um avanço a participação dos educadores infantis
na Ciranda, no sentido de que a luta pela terra, é uma luta, do homem, da mulher e da
criança, cuja meta esta colocada pelo MST, e consiste em construir uma sociedade
solidária, com justiça social, capaz de garantir vida digna a todos.
Considerando o Movimento como uma organização coletiva e o seu projeto educativo, é
necessário aprofundar estas discussões, como também, observar quais são as
possibilidades de serem concretizadas no cotidiano das Cirandas Infantis; no sentido de
qualificar as práticas educativas dos educadores e educadoras infantis.
Durante a pesquisa, percebemos também alguns desafios, tais como: na
organização do cotidiano da Ciranda infantil, a formação continuada dos educadores e
educadoras infantis etc. Esses desafios estão vinculados às condições materiais para o
desenvolvimento do planejamento de educação com as crianças Sem Terra e já estão
sendo trabalhados, pelo Coletivo de Educação do MST. Neste sentido, é oportuno
recordar que as Cirandas Infantis, em sua grande maioria, são mantidas pelo próprio
MST ou com doações de amigos e amigas do Movimento.

185
No decorrer deste trabalho, percebemos a quantidade de mudanças ainda a
serem feitas nas Cirandas Infantis do MST, como também, a relevante atuação de
todos e todas que estão envolvidos na “empreitada”. Percebemos, ainda, nossa própria
dificuldade em transgredir a visão do senso comum e o quanto é difícil tecer algum tipo
de análise para além dele.

Finalmente, esperamos que as reflexões tecidas nesta pesquisa possam suscitar


inquietações em outros pesquisadores, no sentido de desafiá-los a elaborar novos
estudos sobre as Cirandas Infantis. Isto, considerando que os Sem Terrinhas estão
espalhados por todas as regiões do país, construindo – no processo de luta pela terra –
uma educação emancipadora, vinculada a um projeto da classe trabalhadora, para
todas as crianças que brincam, cantam, vivem, sonham e constroem sua existência
nesse lugar chamado Campo Brasileiro.

E um, é dois, é três, já aprendemos contar.


E quatro, é cinco, é seis,
agora nós vamos parar.
Um tempo pra gente brincar
antes de chegar a mil.

Em nome da Reforma Agrária ai, ai, ai


um viva à Ciranda Infantil
Viva

Zé Pinto

186
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Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Cantaria
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195
ANEXOS

ANEXO A – CARTA DOS SEM TERRINHA AO MST

Querido MST:

Somos filhos e filhas de uma história de lutas. Somos um pedaço da luta pela terra e do
MST. Estamos escrevendo esta carta pra dizer a você que não queremos ser apenas
filhos de assentados e acampados. Queremos ser SEM TERRINHA, pra levar adiante a
luta do MST.
No nosso país há muita injustiça social. Por isso queremos começar desde já a ajudar
todo mundo a se organizar e lutar pelos seus direitos. Queremos que as crianças do
campo e da cidade possam viver com dignidade. Não gostamos de ver tanta gente
passando fome e sem trabalho pra se sustentar.
Neste Encontro dos Sem Terrinha que estamos comemorando o Dia da Criança nos
seus 15 anos, assumimos um compromisso muito sério: seguir o exemplo dl lutadores
como nossos pais e Che Guevara, replantando esta história por onde passarmos.
Prometemos a você:
 Ser verdadeiros Sem Terrinha, honrando este nome e a terra que nossas
famílias conquistaram.
 Ajudar os nossos companheiros que estão nos acampamentos, com doações
de alimentos e roupas, incentivando para que continuem firmes na luta.
 Estudar, estudar, estudar muito para ajudar na construção de nossas escolas:
nossos assentamentos, nosso Brasil.
 Ajudar nossas famílias a plantar, a colher, ter uma mesa farta de alimentos
produzidos por nós mesmos e sem agrotóxicos.

196
 Embelezar nossos assentamentos e acampamentos, plantando árvores
flores, e mantendo tudo limpo.
 Continuar as mobilizações e fazer palestras nas comunidades e escolas (
todo o Brasil.
 Divulgar o MST e sua história, usando nossos símbolos com grande orgulho.

Ainda não temos 15 anos, mas nos comprometemos a trabalhar para que você nós,
MST, tenha muitos 15 anos de lutas e de conquistas para o povo que acredita em você
e é você.

Um forte abraço de todos que participaram do 3° ENCONTRO ESTADUAL DOS SEM


TERRINHA DO RIO GRANDE DO SUL
Esteio, 12 de outubro de 1999.

197
ANEXO B – CARTA DOS SEM TERRINHA DO RIO GRANDE DO SUL AOS SEUS
PROFESSORES E PROFESSORAS

Esteio, 12 de outubro de 2000.

Queridas professoras e queridos professores e professoras:

Estamos escrevendo esta carta para dar nossos parabéns a vocês pelo seu dia:
15 de outubro. Queremos aproveitar para agradecer e também para pedir algumas
coisas.

Agradecemos o esforço de vocês para nos ensinar, os passeios que fazemos e


as brincadeiras que ajudam a nos educar. Agradecemos todos os seus trabalho e
dedicação. E as merendas gostosas que as nossas merendeiras fazem.

Agradecemos também por vocês terem nos ajudado na preparação deste


encontro. Gostamos muito de estar aqui porque discutimos nossos problemas,
estudamos e nos divertimos. Aprendemos bastante.

Acreditamos que nossas escolas podem ser ainda melhores do que são. Para
isso fazemos a você alguns pedidos:

Queremos que a escola seja uma continuação da nossa vida e de nossa


comunidade. Queremos estudar mais sobre a nossa realidade, aprender a trabalhar na
terra e aprender sobre o MST e sobre outras lutas dos trabalhadores.

Queremos ter nossa bandeira na escola, cantar o hino do MST e também cantar
outras músicas. Queremos trabalhar mais nos livros, melhorar o estudo da matemática
e fazer mais educação física. Também queremos pedir que vocês trabalhem mais com
música, poesia e brincadeiras.

198
Queremos que em todas as nossas escolas tenha trabalho em equipe e pedimos
que vocês ajudem na nossa organização.

Queremos que a escola trabalhe junto com a comunidade e que todos tenham
direito de participar das decisões. Nós também.

Pedimos a vocês que estejam sempre prontos para nos ensinar e sempre
dispostos a escutar o que temos a dizer, respeitando nossas idéias e tendo paciência e
muito carinho conosco. Também pedimos que vocês tragam mais brinquedos para a
escola.

Pedimos que estudem cada vez mais para nos ensinar melhor. Estudem sobre o
movimento porque ele é muito importante para nós. Estudem também os livros do Paulo
Freire porque aprendemos aqui que ele é um educador legal e muito nosso amigo.

Entendemos as dificuldades que os professores e professoras que não são do


MST têm para nos ensinar porque sabem pouco sobre nós. Mas pedimos a vocês que
façam um esforço para conhecer e se interessar pela nossa luta. Olhem com carinho
para o movimento, pois somos Sem Terrinha e precisamos que vocês nos ajudem a
continuar esta história.

Para finalizar esta carta queremos dizer a vocês que o Brasil precisa de muitos
professores que ensinam o povo a Ter liberdade e dignidade. E que nós Sem Terrinha,
que somos sementes de transformação, também queremos ajudar a construir um Brasil
sem latifúndio.

Abraços e muitas felicidades.

Com muito carinho de todos

que participaram do

4º Encontro estadual dos Sem Terrinha, MST RS.

199
ANEXO C – CARTA DO SEM TERRINHA PARA A COMUNIDADE ASSENTADA
DA AGROVILA III E GESTORES PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE
ITABERÁ.

A Comunidade que Temos!


 A comunidade da Agrovila III é um Lugar gostoso para morar, muito bonito
tem vaca, cavalo, passarinho, tem brincadeiras de pega-pega, pula corda,
esconde-esconde, bambolê, bicicleta, quebrar ovo na cabeça dos outros,
passa anel, bolinha de gude, peteca, pião e bola.
 Tem açude para pescar e nadar muito bom.
 A gente preserva as nascentes plantando varias mudas de arvores, onde
umas nascem e outras morrem.
 Produzimos no assentamento: arroz, feijão, tomate, quiabo, verduras,
legumes e carne de porco, boi e galinha.
 Em alguns lotes têm horta com alface, repolho, couve, almeirão, cenoura e
beterraba.
 Temos Posto de Saúde; Onde tem medico e enfermeira. A enfermeira passa
nas casas medindo pressão, vendo os machucados, dores de cabeça e
batidas do coração. O medico atende nas terça feiras e o atendimento é
bacana.
 As casas, a maioria é tijolos, e outras de madeira.
 Todas as casas têm luz elétrica e água encanada com poço artesiano.
 Arvores florífera: bananeiras, mexeriqueiras, abacateiros, mangueiras,
laranjeiras, uvas, maçã
A Comunidade que Queremos!

200
 Na escola; Ter um parque infantil, ter quadra de esporte, ter aula de
computação para todos da agrovila, ter uma piscina publica.
 Ter curso de manicure para a comunidade.
 A Alimentação da escola, ter arroz, feijão, saladas, legumes, carne, peixe e
suco natural.
 Ter ventilador, pois a escola é muito quente.
 Reformar o ônibus escolar, pois tem goteira quando chove e os bancos estão
estragados.
 Construir uma nova ESCOLA!
 Na horta da escola tem almeirão, couve, alface, cenoura, beterraba, cebolinha
e salsinha.
 Na escola: Foi recebido muito livro esse ano.
 No quintal da escola plantar mais árvores.
 Melhoras o refeitório.
 Ter telefone na Escola.
 Arrumar sala do Pré.
No Assentamento da Agrovila III:
 Ter horta para todos, saber da importância da verdura e legumes para manter
a saúde e ficar forte e precisamos experimentar de tudo da horta. Na horta
coletiva ter mais verdura e legumes, não deixar crescer o mato, não ter lixo e
proteger das galinhas e porcos.
 Que o mercado volte a funcionar.
 Voltar a aula de musica com o professor, para o núcleo Che Guevara. Ter
uma brinquedoteca.
 Fazer uma praça, com muitas árvores e bancos.
 Colocar energia elétrica nos lugares que ainda não tem, e quando chover
exigir que não falte energia.
 Colocar iluminação no campo de futebol, pois a noite tem pessoas que faz
caminhada.

201
 Ter mais crianças para brincar de outros lugares.
 Que não seja jogado lixo no meio ambiente, não contar as arvores e matas,
cuidar das nascentes plantando arvores e não jogando lixo. As arvores
servem de abrigo para os pássaros e limpa o ar.
A organização do lixo depende de nós.
 As crianças comer menos salgadinho e mais comida saudável.
 Ter mais esporte para as meninas e meninos e fazer mais torneio de futebol.
 Não devemos plantar eucalipto perto das nascentes.
 Melhorar as casa e limpar os quintais, não ter água parada, falta embelezar
mais a comunidade com flores e arvores.
 Fazer a separação do lixo no assentamento e o lixo orgânico colocarem nos
lotes para virar esterco e colaborar para não poluir mais.
 Fazer passeio de ônibus com as crianças.
 Posto de saúde: ter mais médicos; atendimento dentário que deveria ser no
postinho de saúde, pois para esse atendimento precisa ir para Itaberá ou
Itapeva, Itararé.
 Melhorar a estrada, pois quando chove não é possível chegar à escola de
Engenheiro Maia, porque o ônibus não passa e se alguém fica doente, não
consegue ir para a cidade.
 Agilizar a rede de esgoto.
 Falta tratamento da água no assentamento.
 Exigir que o Leiteiro da cidade de Itaberá para de soltar cachorro e gato no
assentamento!
Todos e todas devem colaborar, ajudando para conservar o assentamento, os
costumes, as lutas e a história.

Movimento Sem Terra: por Escola, Terra e Dignidade!!!

Encontro dos Sem Terrinha da Agrovila III, Itaberá/SP


18 de novembro de 2008.

202
ANEXO D - LETRA DAS MÚSICAS QUE AS CRIANÇAS CANTARAM DURANTE O
PROCESSO DE PESQUISA

Calix Bento – Renato Teixeira

Ó deus salve o oratório


Ó deus salve o oratório
Onde deus fez a morada
Oi, aí, meu deus
Onde deus fez a morada, oi, ai
Onde mora Calix Bento
Onde mora Calix Bento
E a hóstia consagrada, oi, ai
De Gessé nasceu a vara
De Gessé nasceu a vara
Da vara nasceu a flor,
Oi, ai, meu deus
Da vara nasceu a flor, oi, ai
E da flor nasceu Maria
E da flor nasceu Maria
De Maria o salvador,
Oi, ai, meu deus
De Maria o salvador, oi, ai

Cutelinho – Renato Teixeira

Cheguei na beira do porto


Onde as onda se espaia
As garça dá meia volta
203
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia,ai,ai

Ai quando eu vim
da minha terra
Despedi da parentália
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes batáia,ai, ai

A tua saudade corta


Como aço de naváia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
E os óio se enche d´água
Que até a vista se atrapáia, ai

Asa Branca – Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira


1-Quando oiei a terra ardendo
qual fogueira de São João
Eu perguntei,ai a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação

2-Que braseiro, que fornalha


Nem um pé de plantação
Por falta d'água perdi meu gado
morreu de sede meu alazão

204
3-Até mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Então eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração

4-Hoje longe muitas léguas


Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão

5-Quando o verde dos teus oios


Se espalhar na plantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração

Meninos Santanna – Juraildes da Luz


Vou pro campo, no campo tem flores
As flores têm mel mais à noitinha
Estrelas no céu, no céu, no céu
O céu da boca da onça é escuro
Não cometa, não cometa, não cometa furo
Pimenta malagueta não é pimentão, tão, tão, tão

Vou pro campo acampar no mato


No mato tem pato, gato, carrapato
Canto de cachoeira
Dentro d'água pedrinhas redondas
Quem não sabe nadar, não caia nessa onda
Que a cachoeira é funda e afunda
205
Não sou tanajura, mas eu crio asas
Com os vagalumes eu quero voar, voar, voar
O céu estrelado hoje é minha casa
Fica mais bonita quando tem luar, luar, luar
Quero acordar com os passarinhos
Cantar uma canção com o sabiá

Dizem que verrugas são estrelas


Que a gente aponta, que a gente conta
Antes de dormir, dormir, dormir
Eu tenho contado, mas não tem nascido
Isso é história de nariz comprido
Deixe de mentir, mentir, mentir
Os sete anões são pequeninos
Sete corações de menino
De alma leve, leve, leve
São folhas e flores ao vento
O sorriso e o sentimento
Da branca de neve, neve, neve

206
ANEXO E – LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES

Nº Autor/a Título Universidad Nível Ano


e
1 Ilma Ferreira A organização do trabalho pedagógico em UNICAMP D 2003
Machado uma escola do MST e a perspectiva de
formação omnilateral
2 Samuel Pereira Práticas de letramento no meio rural UNICAMP D 2003
Campo brasileiro:a influencia do Movimento sem
terra em escola publica de assentamento
de reforma agrária
3 José Benedito Curso técnico em administração em UNICAMP M 2002
Leandro cooperativas do MS: a concepção de
educação e a influencia no assentamento
da Fazenda Reunida DE Promissão/SP
4 Edvaneide Educação e reforma agrária: práticas UNICAMP M 2001
Barbosa da educativas de assentados no sudoeste
Silva paulista.
5 Luiz Bezerra Sem Terra aprende e ensina:estudo sobre UNICAMP M 1999
Neto as praticas do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra
6 Alexandrina Etnomatemática: as possibilidades UNICAMP D 1998
Monteiro pedagógicas num curso de alfabetização
para trabalhadores rurais assentados
7 Márcia Regina O destino incerto da educação entre os UNICAMP M 1993
de Oliveira assentados rurais do Estado de São
Andrade Paulo
8 Leila Floresta Escolas de assentamentos/ UNICAMP D 2006
acampamentos do MST: uma pedagogia
para a revolução?
9 Márcia Regina A formação da consciência política dos UNICAMP D 1998
de Oliveira jovens no contexto dos assentamentos do
Andrade Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra
10 Odilon Poli Aprendendo a andar com as próprias UNICAMP M 1995
pernas: o processo de mobilização dos
movimentos sociais do Oeste Catarinense
11 Monica Maria Processos produtivos e identitários: o UNICAMP M 2005
Barbosa Leiva caso de um assentamento rural do estado
de Luca de São Paulo
12 Denise A construção da subjetividade das UNICAMP M 2001
Mesquita de mulheres assentadas pelo MST
Melo
13 Maria Antonia A formação da identidade coletiva: um UNICAMP M 1994
de Souza estudo das lideranças de assentamentos
rurais no Pontal de Paranapanema
14 Maria Antonia As formas organizacionais de produção UNICAMP D 1999
de Souza em assentamentos rurais do Movimento

207
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –
MST
15 Luiz Bezerra Avanços e retrocessos da educação rural UNICAMP D 2003
Neto no Brasil
16 Maria Cecília Extensão rural: novas perspectivas a UNICAMP M 1994
Masselli partir da situação de assentamento
17 Mauro Titton A organização do trabalho pedagógico na UFBA M 2006
formação de professores do MST:
realidade e possibilidades
18 Rosana Mara O projeto pedagógico do MST: a intenção UFBA M 2003
Chaves e o gesto
Rodrigues
19 Marize Souza Formação de professores frente as UFBA M 2003
Carvalho demandas dos movimentos sociais:
indicações para a universidade
necessária.
20 Maria Tereza O papel da escola no interior do MST no UFBA M 1994
Lemos Vilaça Extremo Sul da Bahia
21 Maria Nalva As contradições e as possibilidades de UFBA D 2007
Rodrigues construção de uma educação
Araújo emancipatória no contexto da luta pela
terra
22 Solange Helena Projeto político pedagógico para escola UFMA M 2003
Ximenes Rocha do campo: dialogando com Paulo Freire
23 Carlos Antonio Pedagogias que brotam da terra: um UFRGS D 2007
Bonamigo estudo sobre práticas educativas do
campo
24 Carlos Antônio Pra mim foi uma escola ... o princípio UFRGS M 2002
Bonamigo educativo do trabalho cooperativo
25 José Carlos da Conflitos e cooperação: escutas e UFRGS M 2004
Silva aprendências no assentamento Sinos
26 David Stival O processo educativo dos agricultores UFRGS M 1987
sem terra na trajetória da luta pela terra
27 Armando Cruz Sem escola sem terra: para uma UFRGS M 1994
sociologia da expropriação simbólica
28 Carla Patrícia O educativo das relações de gênero no UFRGS M 2003
Pinto Núñez assentamento Águas Claras: algumas
considerações sobre o tempo trabalho e
lazer .
29 Gelsa Knijnik Cultura, matemática, educação na luta UFRGS D 1995
pela terra
30 Nadir A pedagogia socialista e a formação do UFRGS D 2007
Casagrande educador do campo no século XXI: as
contradições da pedagogia da terra
31 Roseli Salete Escola é mais do que escola na UFRSG D 2000
Caldart pedagogia do Movimento Sem Terra
32 Neiva Marisa A trajetória da educação infantil no MST: UFRGS M 2001
Bihain de ciranda em ciranda aprendendo a
cirandar
33 Ivana Acunha Ocupar, resistir e produzir também na UFRGS M 2001
Guimarães educação: uma análise do discurso
pedagógico do MST

208
34 Neucélia Organização social e representação UFRGS M 2002
Meneghetti de gráfica: crianças da escola itinerante do
Pieri MST
35 Elli Beincá O senso comum pedagógico: práxis e UFRSG D 2002
resistência
36 Valter Morigi Escola do MST: uma utopia em UFRSG M 2003
construção
37 Marilda de Programa Nacional de Educação na UFRGS M 2005
Oliveira Costa Reforma Agrária: o curso da Pedagogia
da Terra, da Universidade do Estado de
Mato Grosso, Cáceres/MT
38 Arlete Feijó Historia de trabalhadores rurais cruzando- UFRGS M 2005
Salcides se no passado e no presente:
alfabetização de adultos - uma análise
das praticas de “colonizadores” e
“colonizados”
39 Marcelo de Instituto de Educação Josué de Castro: UFRGS M 2005
Faria Corrêa Paulo Freire e a Escola Diferente
Andreatta
40 Isabela Camini O cotidiano pedagógico de professores e UFRGS M 1998
professoras em uma escola de
assentamento do MST
41 Robinson Autogestão e educação popular: o MST USP D 1998
Janes
42 Sônia Aparecida MST, professores e professoras: Sujeitos USP D 2002
Branco em movimento
Beltrame
43 Irene Alves de Os aprendizados da prática coletiva: USP D 2003
Paiva assentados e militantes no MST.
44 Fernando Autonomia , cooperativismo e MST: UPS M 2003
Bonfim Mariana contribuições educativas para a
pedagogia de levante
45 Antonio Júlio Além da terra: cooperativismo e trabalho USP D 2003
de Menezes na educação do MST
Neto
46 Edvaneide Encontros e desencontros. A ação USP D 2008
Barbosa da política - pedagogia entre educadores e
Silva as famílias no assentamento Pirituba II –
Sudoeste paulista (1984 - 2008)
47 Antônio Cláudio Os Impactos do PRONERA no UNESP D 2004
Moreira Costa assentamento Reunidas: as relações
entre universidade x movimentos sociais
x governo federal
48 Antônio Claudio A educação de jovens e adultos UNESP M 1999
Moreira Costa trabalhadores sem terra: a experiência do
curso de magistério
49 Regina Sueli de Razão e movimento social: as UNESP D 2002
Souza radicalidades vividas do MST
50 Giovana de A alfabetização de jovens e adultos no UFMG M 2003
Souza MST, na perspectiva das variedades
Rodrigues lingüísticas.
51 Luzeni Ferraz Práticas de leitura de homens e mulheres UFMG M 2008

209
de Oliveira do campo: um estudo exploratório no
Carvalho assentamento Paulo Freire – Bahia
52 Luciana Os filhos da luta pela terra: as crianças UFMG M 2004
Oliveira Correia do MST- significados atribuídos por
crianças moradoras de um acampamento
rural ao fato de pertencerem a um
movimento social
53 Samuel Ramos Movimento, comunicação e linguagem na UFSC M 2003
da Silva educação de jovens e adultos no MST.
54 Gustavo O Movimento Sem Terra e a educação: UFSC M 2000
Sepúlveda trajetória dos educadores no projeto
político pedagógico da escola do
Assentamento, Abelardo Luz – SC
55 Evandro Costa A dimensão educativa da mística sem UFSC M 2002
de Medeiros terra: a experiência da Escola Nacional
Florestan Fernandes
56 Suzy de Castro As experiências educativas das crianças UFSC M 2001
Alves no acampamento Índio Galdino
57 Maurício José Da cultura como mediação `a mediação UFSC M 2000
Siewerdt como cultura política: um estudo de
recepção com educadores do MST frente
aos recursos audiovisuais
58 Joana Célia A escola do movimento e o movimento UFSC M 1997
dos Passos pela escola: um estudo sobre a escola do
assentamento Conquista de 5 de Maio -
Calmon /SC.
59 Célia Regina Ocupar, resistir e produzir – MST: uma UFSC M 1992
Vendramini proposta pedagógica
60 Naira Estela Formação para o trabalho no contexto do UFSC M 2006
Roesler Mohr MST
61 Deise Arenhart A mística, a luta e o trabalho na vida das UFSC M 2003
crianças do assentamento Conquista na
Fronteira: significados e produções
infantis
62 Sandra Luciana Trabalho, coletividade, conflitos e sonhos UFSC M 2002
Dalmagro : a formação humana no assentamento
Conquista da Fronteira
63 Vanderci Cooperação e trabalho na escola do MST: UFSC M 2001
Benjamin a cooperativa dos estudantes da Escola
Ruschel Agrícola de 1º Grau 25 de Maio
64 Ivana Maria Acampamento Manoel Alves Ribeiro: UFSC M 2005
Farias Gomes uma saída para o desemprego?
65 Moacir Trabalho e relações de gênero no UFSC M 2005
Francisco Pires assentamento Sepé Tiaraju
66 Rosângela Juventude e sexualidade no contexto UFSC M 2004
Steffen Vieira escolar de assentamentos do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra .
67 Natacha “Fuxicando” sobre a cultura do trabalho e UFSC M 2004
Eugênia Janata do lúdico das meninas – jovens –
mulheres de assentamentos do MST
68 Lyvia Maurício Desafios e possibilidades na educação de UFSC M 2006
Rodrigues jovens e adultos no contexto do

210
PRONERA.
69 Rosane da Etnomatemática e a calculadora em um UNISINOS M 2003
Silva Maestrí assentamento do Movimento Sem Terra
70 Helena Doria Atividades produtivas do Campo, UNISINOS M 2000
Lucas de Etnomatemática e a educação do
Oliveira Movimento Sem Terra.
71 Lillyan Pereira Ocupar , resistir e produzir também na UNIMEP M 2006
de Lima educação : uma analise da configuração
textual de um material didático produzido
pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra.
72 Adelmo Iurczak Escola Itinerante: uma experiência de UTP M 2007
educação do campo no MST.
73 Margarete Um olhar sobre a experiência do UNIJUI M 2002
Terezinha Departamento Rural – DER; sonhos,
Sirena conflitos e aprendizagens.
74 Maria Nalva Da luta contra a exclusão e reinvenção da UNIFRAN M 2000
Rodrigues escola pública popular: a luta pela
Araújo escolarização no MST Bahia
75 Ruth Lenara A construção da identidade cultural- PUC-RS D 2004
Gonçalves política em escolas de assentamentos
Ignácio rurais do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra: a Escola Municipal do
Ensino Fundamental Nossa Senhora de
Fátima – Viamão/RS .
76 Claudia Dias Movimento dos Sem Terra: um estudo PUC -Rio M 2002
Mogrovejo sobre as idéias políticas religiosas de
algumas lideranças
77 Maria Jucilene Esperança e persistência:os significados PUC – MG M 2006
Lima Ferreira. da docência em um assentamento do
MST.
78 Antonia O PRONERA e a importância da PUC -SP M 2005
Fernandes da escolarização na visão de assentados
Silva Santos rurais do sertão do Estado de Sergipe
79 Fátima Maria A formação contínua do educador Sem UCSantos M 2006
dos Santos Terra em um assentamento: alcances,
limites e perspectivas
80 Claudia Pereira Escola Darcy Ribeiro: um assentamento UCDB M 2005
Xavier rural, uma história, muitos
olhares.reflexões sobre a identidade e as
implicações na formação docente - uma
professora , uma experiência, um
aprendizado
81 Romofy Bicalho Alfabetização de jovens e adultos nos UFF M 2003
dos Santos acampamentos e assentamentos do MST
na Baixada Fluminense
82 Celso Acácio Experiências sócias – educativas na UFF M 2004
Galaxes de formação da consciência dos sem terra
Almeida de Campos de Goytacazes
83 Roberta Maria A dialética do trabalho no MST: a UFF D 2005
Lobo da Silva construção da Escola Nacional Florestan
Fernandes.

211
84 Marli de Fátima Da luta pela educação à educação na UFF M 1999
Rodrigues luta: memórias, narrações e projetos de
assentamentos e projetos dos assentados
e professores do MST na fazenda
Giacometi
85 Edna Castro de Os processos de formação na educação UFF D 2005
Oliveira de jovens e adultos: a “panha” dos
girassóis na experiência do PRONERA
MST/ES.
86 Regina Célia Educação de líderes dirigentes de UnB M 1992
Corbucci trabalhadores rurais: um estudo do
discurso sindical
87 Isabel O tornar – se sem terra na contradições UnB M 2004
Christiani de um acampamento /assentamento do
Susnday Berois MST: a experiência de Oziel Alves II
88 Mônica A contribuição do PRONERA na UnB D 2003
Castagna construção de políticas públicas de
Molina educação do campo e desenvolvimento
sustentável
89 Josué Viana O processo de alfabetização de jovens e UnB M 2003
Alvarino adultos nos assentamentos da reforma
agrária na região extremo - norte /ES
90 Joselita A dimensão educativa da mística na luta UFPB M 2003
Ferreira de Lima política do MST
91 Rita de Cássia Aprendizes da terra: a voz e a resistência UFPB M 2002
Cavalcante do MST na Paraíba
92 Rita de Cássia Os sem terra e o desejo de aprender UFPB M 2000
Curvelo da silva
93 Lauro Pires Projeto histórico – socialista e a escola UFPB M 2005
Xavier Neto do MST: possibilidade – realidade frente
ao projeto histórico – capitalista
94 Vera Lúcia de Dimensão política e educativa da música UFPB M 2004
Lima Silva na luta pela terra: aprendendo e
ensinando uma nova lição
95 Sávia Cássia Semeando educação do campo: a UFPB M 2004
Francelino experiência da I Turma de Magistério
Ribeiro Norte/Nordeste do MST. Elizabeth
Teixeira
96 Débora Regina Educação do Campo: o casso do UFPB M 2000
de Oliveira assentamento Dona Helena
Fernandes
96 Maria Neuma Educação ambiental nos assentamentos UFPB D 2006
Clemente do MST
Galvão
97 Isaura Maria de O trabalhador com (d)eficiência física na UFPB M 2002
Andrade da área de assentamento rural
Silva
98 Lucicléa A formação política de educadores e UFPB M 2006
Teixeira Lins educadoras do MST.
99 Marcos Aurélio Teatro – educação: uma experiência com UFPB M 2000
Montenegro um movimento rural, elaborada
Batista

212
100 Nohemy Caminhos e descaminho na construção UFC M 1995
Rezende Ibanez de uma práxis educativa entre pequenos
produtores rurais assentados e técnicos
101 Sandro Soares Eventos de letramento e portadores UFC M 2002
de Souza textuais: a educação de jovens e adultos
sem terra na assentamento Che Guevara
do MST ( Ocara/CE)
102 Daniely Spósito Somos o que podemos ser, sonhos que UFC M 2003
Pessoa de Melo podemos ter: o conceito de sociabilidade
no grupo de jovens do assentamento
Pedro Inácio – Camarazal /Pernambuco .
103 Celecina de Criações coletivas da juventude no UFC D 2003
Maria veras campo político: um olhar sobre is
Sales assentamentos rurais do MST.
104 Maria das Dores Participação: ainda uma trilha na reforma UFC M 2002
Ayres Feitosa agrária do Ceará: o Assentamento Santa
Bárbara.
105 Maria Iolanda A construção da identidade coletiva dos UFC M 2000
Maia Holanda sem terra: um estudo a partir do cotidiano
dos alunos do PRONERA.
106 Alessandro Quando “trabaio” é “ensinação pra rude “ UFC D 2006
Augusto de e estudo é bom “pro cabra” consegui em
Azevedo prego melhor: falas, representações e
vivencias de educação escolar
107 Liana Brito de Sociabilidade no assentamento rural de UFC D 2006
Castro Araújo Santana: terra e trabalho na construção
de ser social
108 Sandra Maria Educação na reforma agrária: PRONERA, UFC D 2006
Gadelha de uma políticas pública?
Carvalho
109 Marcelo Pereira O Lúdico e o revolucionário no Movimento UFPE M 2002
de Almeida dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a
Ferreira prática pedagógica no encontro dos sem
terrinha
110 Simone Maria MST e educação: perspectivas de UFPE M 2003
de Souza construção de uma nova hegemonia
111 Nadir O processo de trabalho pedagógico no UFPE M 2001
Casagrande MST: contradições e superação no campo
da cultura.
112 Vânia Cristina Educação do Campo: demandas dos UFPG M 2006
Pauluk de Jesus trabalhadores
113 Liane Vizzotto Educação do campo – limites e UFPR M 2007
Vendrame possibilidades da Proposta de Concórdia
a partir da concepção de escola unitária
de Gramsci
114 Fabiano Trabalho e educação do campo; evasão UFPR M 2006
Antonio dos da juventude nos assentamentos de
Santos reforma agrária – O caso do
assentamento José Dias
115 Deise Fontana Adaptações do ensino de matemática: UFPR M 2006
uma análise de pratica dos educadores
do campo

213
116 Fernando José Ocupação da escola e gestão UFPR M 2004
Martins democrática: limites e possibilidades a
partir da prática educacional realizada em
acampamentos e assentamentos do MST
117 Cecília Maria A formação dos educadores no espaço UFPR M 2007
Ghedini dos movimentos sociais: um estudo da I
Turma de Pedagogia da Terra da Via
Campesina / Brasil.
118 Everton Fêrrêr Colaboração educacional como princípio UFSM M 2001
de Oliveira educativo gerador de ações educativas
críticas na formação de professores da
educação básica do campo.
119 Vilmar Bagetti Educação, movimentos sociais e UFSM M 2000
formação de professores: o projeto CUIA
no contexto da reforma agrária.
120 Darlan Faccin Que fazer pedagógico em acampamento UFSM M 2000
Weide de reforma agrária no Rio Grande do Sul
121 Paulo Roberto MST, habitus e campo educacional: UFRN D 2004
Palhano Silva plantando sementes de uma educação
libertadora
122 Gilberto A construção da identidade na formação UFRN M 2006
Ferreira Costa do professor: um olhar sobre os alunos do
curso de Pedagogia da Terra na UFRN
123 Hiramisis Paiva Educação e Sustentabilidade: UFRN D 2005
de Paula Assentamento Maria da Paz – João
Câmara/RN
124 Sônia Meire Navegar é preciso: viver é traduzir rumos UFRN D 2003
Santos Azevedo e rotas do MST .
Jesus
125 Maria José O processo formativo - educativo dos UFRN D 2006
Nascimento trabalhadores rurais do MST/SE: a prática
Soares pedagógica dos monitores – professores .
126 Sidiney Alves Os sem terra e a educação: um estudo UFSCAR M 2002
Costa de tentativa de implementação da
proposta pedagógica do MST em escolas
de assentamentos no estado de São
Paulo
127 Maria Tereza Jovens sem terra: identidades em UFSCAR D 1999
Castelo Branco movimento.
128 Célia Regina Terra, trabalho e educação: experiências UFSCAR D 1997
Vendramini sócias- educativas em assentamentos do
MST.
129 Adelar João As escolas de assentamentos no Espírito UFES M 2001
Pizetta Santo: da história do MST a formação e
práxis dos professores
130 Eliéser Toretta Pedagogia da Terra: a formação do UFES M 2006
Zen professor sem terra...
131 Sônia Mara A pedagogia do MST: para além do seu UFMS M 2001
Flores da Silva próprio movimento
Porfírio
132 Cláudio Freire A terra e o homem. A luta dos sem terra UFMS M 1995
de Souza e a educação nos assentamentos do sul

214
do Mato Grosso do Sul.
133 Maria José Um estudo da proposta de educação do UEM M 2000
Castelano MST
134 Kiyomi Hirose A mística e a educação do MST da UEM M 2004
região do noroeste do Paraná
135 Ingrit Roselaine A educação no contexto histórico de um UFPEL M 2001
Diekow assentamento de reforma agrária no RS
136 Elizabete da A emancipação sócio – educativa de UFPEL M 2004
Silveira Ribeiro trabalhadores e trabalhadoras rurais sem
terra na região de Herval: a reinvenção da
vida entre o sonho e a enxada
137 Andréia Como sujeitos que vivenciaram o UFPEL M 2004
Barbosa dos processo de alfabetização de adultos
Santos representam sua nova identidade:
reflexões acerca de elementos que
constituem a transição do deixar de ser
analfabeto para ser alfabetizado
138 Lílian Lorenzato O que a universidade pode fazer por UFPEL M 2002
Rodriguez nós? Desenvolvendo ações colaborativas
com os professores no processo de
construção de uma escola pública no
assentamento rural Conquista de
Jaguarão
139 Lílian de Castro Santos do céu, santos na terra: UFG M 2003
Junqueira implicações sócio-educativas da
pentecostalização de assentamentos
rurais em Goiás
140 Margarete Sueli Memória coletiva em assentamentos UFG M 2002
Bertti rurais goianos
141 Ineiva Religião e educação: a face (re)veladora UFG M 1999
Terezinha do movimento rural
Kreutz
142 Luzia Antônia A educação da infância entre os UFG M 2002
de Paula Silva trabalhadores rurais sem terra.
143 Ari Lazzarotti O processo educativo da luta pela terra UFG M 2000
Filho
144 Lindalva M. Educação escolar no MST: UFG D 2006
Novaes Garske Intencionalidade pedagógica e políticas
145 Nilva Maria Uma escola para crianças e jovens no UCG M 2003
Gomes de campo: desafios, perspectivas e
Coelho repercussões da LDB nos assentamentos
Che Guevara (Itaberaí ) e São Domingos
(Morrinhos ) em Goiás
146 Jocenaide Manifestações artísticas do MST: UFMT M 2000
Maria Rossetto educação, identidade e cultura.
Silva

215
ANEXO F – JORNAL DO NÚCLEO CHÉ GUEVARA

216
217

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