A Jurisdição Constitucional Brasileira e Os Direitos Fundamentais No Marco Do Estado Democrático de Direito
A Jurisdição Constitucional Brasileira e Os Direitos Fundamentais No Marco Do Estado Democrático de Direito
P963
Processo, jurisdição e efetividade da justiça II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Celso Hiroshi Iocohama; Magno Federici Gomes – Florianópolis: CONPEDI, 2020.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-5648-072-5
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Constituição, cidades e crise
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Assistência. 3. Isonomia. I Encontro Virtual do
CONPEDI (1: 2020 : Florianópolis, Brasil).
CDU: 34
Apresentação
Para esta obra, estão reservados os trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho Processo,
Jurisdição e Efetivação da Justiça II. Dezesseis trabalhos foram apresentados, distribuídos em
temáticas voltadas à atuação jurisdicional, prova, responsabilidade processual e poderes das
partes, além da proteção das garantias fundamentais e de formas adequadas de solução.
Inicia-se esta obra pela exposição do estudo sob o título PROVIMENTO JUDICIAL EM
CASOS COMPLEXOS: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO JULGADOR POR MEIO
DAS DECISÕES ESTRUTURAIS, de autoria de Kenia Rodrigues de Oliveira, que partiu do
questionamento sobre quais critérios são utilizados para a extração das fontes do Direito,
tendo-se por base autores como Dworkin, Barroso, Arenhart e Puga.
Na sequência dos debates, o estudo Rayara Fiterman Rodrigues e Delmo Mattos da Silva,
com o trabalho ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA E A ATUAÇÃO DOS JUÍZES NO
ESPAÇO JURÍDICO BRASILEIRO: O NOVO PAPEL DO JUIZ DENTRO DO SISTEMA
DE PRECEDENTES, analisa a evolução dos sistemas do "Civil Law" e "Common Law" e a
importância de suas implicações no papel do juiz.
Bruna Agra de Medeiros e José Serafim da Costa Neto, por sua parte, apresentam seus
estudos sobre a adequação da Teoria da Justiça Multiportas para a proteção dos direitos, com
o artigo A EFETIVIDADE DA JUSTIÇA À LUZ DOS PRINCÍPIOS NO ESTADO
DEMOCRÁTICO.
Fabrício Veiga Costa e Rayssa Rodrigues Meneghetti analisam a edição de Enunciados e sua
aptidão para normatizar comportamentos jurídicos nos Juizados Especiais, com o estudo
intitulado JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS ESTADUAIS E A LEGITIMIDADE JURÍDICA
DO PODER JUDICIÁRIO EDITAR FONAJES CONTRÁRIOS À LEI E À
CONSTITUIÇÃO: APONTAMENTOS CRÍTICO-PRINCIPIOLÓGICOS DOS FONAJES
78, 85, 88, 89, 117 E125.
Finalizando esta obra, Francisco de Assis Diego Santos de Souza investiga a possibilidade de
adoção, para o sistema brasileiro, das técnicas indicadas por seu artigo FORUM SHOPPING
E FORUM NON CONVENIENS: QUESTÕES CONTROVERTIDAS SOBRE
COMPETÊNCIA LIGADAS AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL INTERNACIONAL,
demonstrando os estudos sobre o foro concorrente em tema de competência internacional e
no âmbito do Direito Internacional Privado.
Os Coordenadores:
Resumo
O estudo aborda a jurisdição constitucional brasileira e os direitos fundamentais. A
Constituição de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito. O Supremo Tribunal
Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, é responsável pela guarda integral da
Constituição e pela defesa desse Estado Democrático. O objetivo do presente trabalho é
analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal enquanto órgão de jurisdição constitucional
e o seu desempenho na busca pela efetivação dos direitos fundamentais. A pesquisa é
predominantemente bibliográfica e documental. As metodologias adotadas foram a dedutiva
e a crítico-dialética.
Abstract/Resumen/Résumé
The theme addressed in this exhibition concerns the Brazilian constitutional jurisdiction and
fundamental rights. The 1988 Constitution established the Democratic Rule of Law. The
Supreme Federal Court, the highest body of the Judiciary, is responsible for the full custody
of the Constitution and for the defense of this Democratic State. The purpose of this paper is
to analyze the performance of the Supreme Federal Court as an organ of constitutional
jurisdiction and its performance in the search for the realization of fundamental rights. The
research is predominantly bibliographic and documentary. The methodologies adopted were
deductive and critical-dialectic.
1Advogada. Mestranda em “Proteção dos Direitos Fundamentais” pelo Programa de Pós-graduação Stricto
Sensu da Universidade de Itaúna/MG.
2Advogado. Mestrando em “Proteção dos Direitos Fundamentais” pelo Programa de Pós-graduação Stricto
Sensu da Universidade de Itaúna/MG.
3Doutor em Teoria do Direito. Especialista em Direito Eleitoral e em Ciências Criminais. Coordenador do
PPGD Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da Fapam (MG).
170
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Constitutional jurisdiction, Constitution, Federal
court of justice, Fundamental rights
171
1 INTRODUÇÃO
1
Constituições formais são aquelas consubstanciadas em um documento solene, que é fruto da atuação de um
Poder Constituinte Originário.
2
Escritas são as constituições que possuem suas normas codificadas.
3
Considera em sua elaboração todo contexto social, econômico e político.
4
Constituições que admitem alterações por um processo legislativo dificultoso.
5
Regulamenta todos os assuntos que possuem relevância para a organização do Estado.
172
Nesse sentido, o presente trabalho analisa a jurisdição constitucional brasileira, o
Supremo Tribunal Federal e a atuação do órgão de cúpula do Poder Judiciário na concretização
dos direitos fundamentais no Estado brasileiro.
A escolha do tema se justifica pela necessidade de se estimular o diálogo teórico a
respeito da matéria tão importante para o Direito brasileiro. A pesquisa desenvolvida é
predominantemente bibliográfica e documental. As metodologias adotadas foram a dedutiva
(parte-se de preceitos para que as conclusões sejam formuladas) e a crítico-dialética (com
estímulo do diálogo teórico).
Metodologicamente o trabalho está dividido em duas partes. Primeiramente será
abordada a jurisdição constitucional e seus aspectos relevantes, com o intuito de compreender
o modus operandi, bem como os principais elementos caracterizadores dessa função estatal
incumbida, de forma precípua, ao Poder Judiciário. Logo após, passa-se a uma análise dos
direitos fundamentais, as definições que lhes são conferidas, suas características intrínsecas e a
visão que a Constituição adota acerca destes e de sua natureza no Estado Democrático de
Direito, em conjunto com o estudo da atuação do Supremo Tribunal Federal brasileiro,
enquanto garantidor dos direitos fundamentais dos indivíduos, assim como o seu papel
imprescindível, enquanto protagonista no exercício da função de jurisdição constitucional, para
efetivação dos direitos fundamentais. Nesse mesmo lócus será estudada a importância da
jurisdição constitucional na busca pela efetivação dos direitos fundamentais.
O trabalho objetiva fornecer à comunidade acadêmica, principalmente aos estudiosos
dos direitos fundamentais, um coerente raciocínio a respeito da temática debatida.
173
paranomom, uma espécie de arguição de inconstitucionalidade, por meio do qual, todos os
cidadãos eram responsáveis pela defesa das leis e da Constituição.
Modernamente, em que pese a doutrinária majoritária encontrar no Caso Marbury vs.
Madison o paradigma fundante, é importante destacar o emblemático caso Dr. Bonham´s case,
em que o Sr. Edward Coke, em seu voto, que restou vencido, ergueu-se contra a validade da lei
aprovada pelo legislador que concedia superpoderes ao London College of Physicians.
A noção primordial de Constituição como documento político, mero conjunto de
orientações políticas de um determinado Estado, foi superada pelo novo marco teórico do
Direito: a Constituição como centro dos sistemas jurídicos contemporâneos. Neste sentido,
Dalton Santos Morais destaca:
6
“Essa espécie de jurisdição, a constitucional, foi fixada originariamente no caso “Marbury x Madison”, julgado
pela Suprema Corte americana em 1803. No referido julgamento, por influência direta do Justice Marshall,
chegou-se à conclusão de que apreciação da constitucionalidade de dado ato normativo está na ‘esfera normal de
atuação do Poder Judiciário’, vez que a referida apreciação dá-se durante um conflito de leis entre a Constituição
e a lei infraconstitucional aplicável ao caso concreto”. (MORAIS, 2010, p. 41).
174
Fato é que a jurisdição constitucional foi inaugurada com o julgamento do Caso
Marbury vs. Madison, julgado em 1803 pela Suprema Corte norte-americana. Com o
julgamento chegou-se à conclusão de que a apreciação de constitucionalidade está na atuação
normal do Poder Judiciário.
De acordo com Dalton Santos Morais (2010), em que pese a novidade determinada pelo
julgamento, durante muito tempo após o mesmo, discutiu-se a legitimidade democrática da
jurisdição constitucional, tendo em vista que essa, em princípio, representaria a interferência do
Poder Judiciário, constituído por membros não eleitos, sobre a competência do Poder
Legislativo de inovar a ordem jurídica para conformar a realidade sócio-política no alcance dos
anseios e interesses do povo que representa e pelo qual foram seus membros eleitos
democraticamente.
Assim, é sabido que a jurisdição, em sentido amplo, é uma função estatal. Logo, ao
Estado cabe a prestação da tutela jurisdicional na busca por soluções justas aplicáveis nos casos
concretos.
A jurisdição constitucional, assim, é entendida como a jurisdição que assegura a força
normativa da Constituição. Pela própria terminologia, é a garantia jurisdicional da constituição.
É válido destacar que o pensamento kelseniano entendia a jurisdição constitucional como a
jurisdição que tem por finalidade o exercício regular das funções estatais.
O que a difere da jurisdição ordinária é justamente a sua amplitude. A jurisdição
constitucional se preocupa com a defesa da ordem jurídica constitucional. Por essa razão, tem
como objeto toda matéria de natureza constitucional, ou seja, a jurisdição constitucional visa a
proteger a Constituição em sua integralidade, zelando pela sua soberania; pelas normas
organizadoras do Estado; e, principalmente, pela garantia dos direitos fundamentais.
José Adércio Leite Sampaio (2002) assevera que a jurisdição constitucional deve ser
entendida como uma garantia da Constituição, realizada por meio de um órgão jurisdicional de
nível superior com destaque para a proteção e realização dos direitos fundamentais.
Não é exagero afirmar que a Constituição não teria efetividade se não existisse um
órgão que fizesse valer todos seus preceitos e fundamentos. Nesse sentido, Sampaio (2002)
defende que a história da Constituição jamais seria a mesma sem a presença e atuação de uma
jurisdição constitucional e que a jurisdição constitucional inventa sua própria lógica e seus
próprios fundamentos. Em sentido semelhante, ressalta Sílvio Martins:
175
mero órgão de solução de conflito de interesses. Ou seja, o Poder Judiciário não se
resume a um órgão de Estado, cuja função se esgote na prolação de sentenças. Nessa
perspectiva, é necessário reconhecer ao mesmo sua legítima participação no processo
político e institucional do País. (MARTINS, 2014, p.4).
7
“[...] el conjunto de normas de un ordenamiento jurídico, que forman un subsistema de éste, fundadas en la
libertad, la igualdad, la seguridad y la solidaridad, expresión de la dignidad del hombre, que forman parte de la
176
Esmiuçando o conceito trazido por Nogueira Alcalá (2003), percebe-se serem os
direitos fundamentais um conjunto de normas de um ordenamento jurídico, que formam um
subsistema deste. Ademais, estão solidificadas nos princípios da liberdade, igualdade,
segurança e solidariedade, expressão da dignidade do homem.
Os direitos humanos se inserem no gênero dos direitos subjetivos. O conceito de
direitos subjetivos foi criado pelos pandectistas no início do século XIX.
norma básica material de identificación del ordenamiento, y constituy en un sector de la moralidad procedimental
positivizada, que legitima el Estado social y democrático de derecho.” (NOGUEIRA ALCALÁ, 2003, p. 54).
177
Joaquim Gomes Canotilho, os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa
dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:
178
A importância da jurisdição constitucional, exercida pelo STF na sua função precípua
de existência, enquanto garantidora do procedimento democrático, na estrutura do Estado
Democrático de Direito, mostra-se plenamente apta ao resguardo e efetivação dos direitos
fundamentais constitucionalmente previstos.
Nesse contexto, os direitos fundamentais, que dizem respeito à própria natureza
humana, assumem o papel de verdadeiros legitimadores da necessidade de atuação do STF,
visando à concretização de sua finalidade essencial, constitucionalmente prevista.
179
Decorre daí que, enquanto valor constitucional, o sistema de direitos fundamentais se
caracteriza como o núcleo básico de todo o ordenamento constitucional, ao mesmo
tempo em que lhe serve como base de interpretação. E, porque são direitos
positivados, os direitos fundamentais são metas e objetivos a ser alcançados pelo
Estado Democrático de Direito. (CITTADINO, 2004, p. 18).
O papel ativo a ser assumido pelo Poder Judiciário, representado na figura do Supremo
Tribunal Federal, no resguardo e promoção dos direitos fundamentais, a partir da jurisdição
constitucional, é reflexo do próprio texto constitucional, mostrando-se imprescindível na
realização do sistema de direitos constitucionais previstos.
A partir das reflexões trazidas, entende-se que a jurisdição constitucional que deve ser
exercida pelo Supremo Tribunal Federal, a partir das competências já trazidas,
constitucionalmente previstas à atuação da “Suprema Corte Brasileira”, é de suma importância
na busca pela efetivação dos direitos fundamentais dos indivíduos.
180
na prestação jurisdicional (que decorre não somente dessa situação), mas que é importante para
a sobrecarga e atraso na prestação jurisdicional.
Quantitativamente, o acervo atual do Supremo Tribunal Federalé de 32.353 (trinta e
dois mil trezentos e cinquenta e três) processos, sendo 30.613 (trinta mil seiscentos e treze)
processos eletrônicos e 1.740 (mil setecentos e quarenta) processos físicos. Dos 32.353
processos que se encontram em tramitação, 15.366 (quinze mil trezentos e sessenta e seis)
processos são de competência originária do órgão e 16.987 (dezesseis mil novecentos e oitenta
e sete) estão relacionados à! competência recursal.8
Em relação ao controle de constitucionalidade concentrado, tem-se2.067 (dois mil e
sessenta e sete) processos em tramitação: 1.739 (mil setecentos e trinta e nove) correspondem
às Ações Direta de Inconstitucionalidade; 272 (duzentos e setenta e dois) correspondem às
Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental; 31 (trinta e um) são Ações Direta de
Constitucionalidade; 25 (vinte e cinco) são Ações Direta de Inconstitucionalidade por omissão
(dados extraídos do site do Supremo Tribunal Federal em 17 de janeiro de 2020).9
No que se refere à classe recursal, são 203 (duzentos e três) agravos internos, 11.444
(onze mil quatrocentos e quarenta e quatro) Recursos Extraordinários com agravo e 5.430
(cinco mil trezentos e quarenta) Recursos Extraordinários.10
Os números revelam a situação fática vivenciada pelo Supremo Tribunal Federal, qual
seja, de demandas em quantidades excessivas. O demonstrativo digital do acervo do órgão, em
28 de abril de 2020, computou que, no ano de 2020, já houve autuação de 9.167 processos (nove
mil cento e sessenta e sete), sendo 3.419 (três mil quatrocentos e dezenove) de competência
originária do órgão e 5.748 (cinco mil setecentos e quarenta e oito) a título de recursos.11
Dos processos em tramitação de controle concentrado existem Ações Diretas de
Inconstitucionalidade do ano de 1989. É o caso da ADI-127 e a ADI- 145, que estão há mais
de três décadas no Supremo Tribunal Federal.12
O Recurso Extraordinário n.º 566471, que tem por tema o dever do Estado de fornecer
medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras
8
BRASIL. Estatísticas. Senado Federal, 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/. Acesso em: 17jan. 2020.
9
BRASIL. Estatísticas. Supremo Tribunal Federal, 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/. Acesso em:
17jan. 2020.
10
BRASIL. Estatísticas. Supremo Tribunal Federal, 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/. Acesso em:
17jan. 2020.
11
BRASIL. Estatísticas. Supremo Tribunal Federal, 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/. Acesso em:
29abril 2020.
12
BRASIL. Estatísticas. Supremo Tribunal Federal, 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/. Acesso em:
17jan. 2020.
181
para comprá-lo, foi autuado no Supremo Tribunal Federal em 09/10/2017, tendo o Recurso
Extraordinário como magistrado responsável o Ministro Marco Aurélio. O Recurso
Extraordinário, que teve procedência na AC 20070031927, Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Norte, foi julgado no dia 11/03/2020. O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso.
A decisão do Supremo Tribunal Federal se consolidou no entendimento de que não é
dever do Poder Público o fornecimento de medicamentos de alto custo a portador de doença
grave sem condições financeiras para comprá-lo, quando não estiverem previstos na relação do
Programa de Dispensação de Medicamentos de Caráter Excepcional.
Trata-se de um julgamento de repercussão geral. De acordo com a revista CNM
(Confederação Nacional dos Municípios), a decisão tomada pelo Tribunal atinge um grande
número de processos sobre o mesmo tema e diz respeito à recusa do Estado do Rio Grande do
Norte de fornecer citrato de sildenafila para o tratamento de cardiomiopatia isquêmica e
hipertensão arterial pulmonar.13
Restou estabelecido que o Estado não pode ser obrigado a fornecer fármacos não
registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Foram analisados, no
decorrer do processo, alguns artigos da Constituição de 1988, como exemplos:
!
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].14
Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
[...]
Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (BRASIL, 1988).
13
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. STF decide: remédios de alto custo fora da lista do
SUS não serão financiados pelo governo. Disponível em:
https://www.cnm.org.br/index.php/comunicacao/noticias/stf-decide-remedios-de-alto-custo-fora-da-lista-do-sus-
nao-serao-financiados-pelo-governo. Acesso em 30 abril 2020.
14
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição Da República
Federativa Do Brasil. Palácio do Planalto, 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 30 abril 2020.
182
O recurso em análise levou quase três anos para que tivesse seu mérito decidido.
Partindo do pressuposto de que o Recurso Extraordinário em comento envolve alguns dos
direitos fundamentais do indivíduo (no caso, direito à vida e o direito à saúde), pode-se dizer
que o tempo demandado foi extensivo, especialmente quando se leva em consideração os vários
outros processos existentes no Tribunal sobre o mesmo tema.
O Recurso Extraordinário n.º 566471 e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade
ADI-127 e ADI- 145 em comento exemplificam a demora jurisdicional do Supremo Tribunal
Federal. A presteza no exercício da jurisdição constitucional e a proteção dos direitos
fundamentais são fortes desafios do Supremo Tribunal Federal.
Neste contexto, há de se destacar a Ação Civil Ordinária n.º 158, que se estendeu por
mais de 50 anos até que fosse julgada. A ação autuada em 15 de maio de 1969 era conhecida
como a mais antiga do Supremo Tribunal Federal e a Ministra Relatora responsável foi Rosa
Weber.
A ação envolveu uma discussão em torno das terras do chamado Campos do Realengo.
A União defendeu a propriedade dessas terras, ao alegar que Dom Pedro II pediu à então
Província de São Paulo que as terras fossem anexadas à fazenda do império. Quase um século
depois, o governo do Estado de São Paulo usou uma lei do período imperial para declarar as
terras devolutas e conceder títulos a particulares (os antecessores dos atuais proprietários das
terras).
A região se transformou no bairro Vileta na cidade de Iperó/São Paulo. Segundo consta
no site oficial do Supremo Tribunal Federal, a ação envolve cerca de 4 mil moradores que vivem
hoje nessas terras. O processo possui 16 volumes, 1.597 folhas e 4 apensos.
A União requereu a anulação dos títulos de alienação dos bens imóveis, pleiteando a
anulação das concessões de escrituras de 155 alqueires na Fazenda Ipanema. Ademais, alegou
que o governo paulista anexou indevidamente a área que pertenceria ao Governo Federal (o
terreno foi, portanto, loteado e repassado a particulares). A ação foi julgada improcedente no
dia 12 de março de 2020, por absoluta falta de provas. Não foi possível reconhecer à União a
titularidade da área.
O processo, que perdurou por mais de cinco décadas no Supremo Tribunal Federal à
espera de uma decisão, envolve direitos fundamentais constitucionalmente assegurados dos
estimados quatro mil habitantes da região em questão. Em razão da enorme duração do
processo, muitas famílias não conseguiram a escritura de seus imóveis. Os habitantes atuais da
183
área e seus antepassados convivem há anos em uma situação de instabilidade e de considerável
insegurança jurídica.
Para Maria Sylvia Zanella di Pietro (2010), propriedade é direito individual que
assegura a seu titular uma série de poderes cujo conteúdo constitui objeto de direito civil
(compreendendo os poderes de usar, gozar e dispor da coisa de modo absoluto). Segundo Helber
Freitas (2014), a moradia é, desde os tempos remotos, uma necessidade fundamental e o direito
à moradia foi implantado com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
A verdade dos fatos é que o Tribunal ainda não compreende sua missão de guardião
da Constituição e dos direitos fundamentais. No caso destacado acima, os direitos fundamentais
da moradia e da propriedade de mais de 4 mil pessoas não foram analisados pelo Tribunal por
quase 51 anos, o que significa que o órgão ainda não atua como deveria, fazendo valer o status
de um tribunal de jurisdição constitucional.
A razoabilidade é indispensável em qualquer processo, principalmente nos que são
diretamente correlacionados com os direitos fundamentais constitucionais. Aliás, a razoável
duração do processo também deve ser também entendida como um direito fundamental, que
necessita ser observado.
Nos termos da CRFB/88, artigo 5º, inciso XXXV, a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O direito ao acesso à justiça não garante apenas o
direto de ação. Além disso, o direito ao acesso à justiça também se revela no dever do Estado
em prestar uma efetiva jurisdição, hábil, justa e asseguradora dos direitos fundamentais.
O próprio Supremo Tribunal Federal definiu em seu planejamento estratégico do ciclo
2015-2020 sua missão de guardar a Constituição e garantir a integridade dos direitos
constitucionais das pessoas, bem como maior celeridade da prestação jurisdicional.15
São grandes os prejuízos jurídicos e sociais ocasionados pela demora processual, a
qual inibe a prestação de uma verdadeira justiça, realizada em tempo hábil e capaz de garantir
os primados da Constituição. No caso em tela, do recurso acima mencionado, estão envolvidos
os direitos fundamentais da vida e da saúde, bem como o princípio da dignidade da pessoa
humana.
É de suma importância destacar que a atuação do Supremo Tribunal Federal em sede
de efetivação dos direitos fundamentais deve se dar de modo a garantir que tais direitos sejam
15
BRASIL. Planejamento estratégico. Supremo Tribunal Federal, 2020. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/centralDoCidadaoAcessoInformacaoGestaoEstrategica/anexo/PE_internet18d
ez15REV.pdf. Acesso em: 29 abril 2020.
184
observados em sua plenitude. As decisões tomadas em sede da jurisdição constitucional
exercida pelo Supremo Tribunal Federal, fundamentalmente, encontram justificativa jurídica e
legitimidade no próprio respeito e adequação aos parâmetros dos direitos fundamentais
expressamente previstos no texto da Constituição Federal.
No entanto, o que se tem observado, em termos práticos, são situações nas quais o
Supremo Tribunal Federal deixou de atuar em sede de jurisdição constitucional, na perspectiva
dos direitos fundamentais. Resta evidente a ineficiência da jurisdição constitucional brasileira
na promoção destes direitos.
Para além da falta de presteza jurisdicional, também é válido pontuar os casos
relevantes que são submetidos à jurisdição constitucional e que são marcados por uma atuação
do Supremo Tribunal Federal que, muitas vezes, ultrapassa os limites legais e constitucionais,
de modo que são desrespeitados, bem como inobservados os direitos fundamentais dos
indivíduos.
Tem-se, portanto, como analisada, a inobservância dos direitos fundamentais em sede
da atuação do Supremo Tribunal Federal (ou da sua não atuação), que não se mostra
suficientemente capaz de garantir o respeito e a observância desses direitos em um Estado
Democrático de Direito.
O Supremo Tribunal Federal deve ser o Supremo Tribunal dos Direitos Fundamentais.
A troca propõe deslocamento do paradigma de uma Corte essencialmente
compromissada com o pacto federativo para o paradigma de uma Corte
intrinsecamente comprometida com os direitos fundamentais [...] No Estado de
Direitos Fundamentais, a Corte Suprema é em si mesma uma garantia institucional da
Constituição e, consequentemente, dos Direitos Fundamentais. Se foi concebido, no
século XIX, ainda na incipiente República brasileira, por influência do modelo norte-
americano, como um Tribunal da Federação, certamente hoje, no século XXI, é
percebido, pela sua importante e intensa atuação em temas jusfundamentais sensíveis,
como um Tribunal dos Direitos Fundamentais. (SILVA, 2015)
185
O Estado de Direito é a consequência lógica do reconhecimento da força irradiante,
dirigente e horizontal dos direitos fundamentais e da consolidação do
constitucionalismo de raiz, ou seja, daquele que surgiu com as revoluções liberais,
quando a principal aspiração social era pela liberdade, mas que não se esgotou nela,
por também lutar até nossos dias pela igualdade, fraternidade, propriedade, busca da
felicidade e outros tantos valores que a própria humanidade tratou de entender
próprios para si. (SILVA, 2015).
4 CONCLUSÃO
186
A jurisdição constitucional se mostra condição de possibilidade e representação do
próprio Estado Democrático de Direito e, consequentemente, dos direitos fundamentais que lhe
permeiam.
Portanto, espera-se do Supremo Tribunal Federal o exercício da jurisdição
constitucional em uma posição mais ativa, ajustada à realidade fática e suscetível de realizar os
verdadeiros ideais do Estado Democrático de Direito, a partir da implementação ampla e
efetivação dos direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015
187
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. STF decide: remédios de alto custo
fora da lista do SUS não serão financiados pelo governo. Disponível em:
https://www.cnm.org.br/index.php/comunicacao/noticias/stf-decide-remedios-de-alto-custo-
fora-da-lista-do-sus-nao-serao-financiados-pelo-governo. Acesso em 30 abril 2020.
PADILHA, Rodrigo. Direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2014.
PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkmim. Teoria da constituição. 2. ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2009.
SILVA, Christiane Oliveira Peter da. Nos últimos 20 anos, direitos fundamentais
alavancaram no Supremo. Consultor Jurídico. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2015-dez-19/observatorio-constitucional-20-anos-direitos-
fundamentais-alavancaram-stf. Acesso 30 abril de 2020.
188
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.
SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. A saúde do trabalhador como um direito humano.
Revista do TRT da 15ª Região, Campinas, n. 31, p. 109-137, jul./dez. 2007.
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/105309/2007_silva_jose_saude_tra
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VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
WOLOSKI, Matheus Ribeiro de. HUNGARO, Bruna de França. Prisão com condenação em
segunda instância: afeta a presunção de inocência exposta na Constituição Brasileira? Revista
Reflexão e Crítica do Direito, v. 7, n. 1, p. 191-209, jan./jun. 2019. Disponível em:
http://revistas.unaerp.br/rcd/article/view/1438. Acesso em: 12 mar.2020.
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