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FERRAGUT, Maria Rita. Presunções, Meio de Prova Do Fato Gerador Dialética, 2010

1) O documento discute presunções legais como meios de prova indireta no processo tributário e as distingue de ficções legais. 2) Existem duas espécies de presunção legal: hominis, que é individual e concreta, e relativa, que pode ser geral, abstrata, individual ou concreta. 3) Presunções legais permitem o conhecimento indireto de fatos juridicamente relevantes através da relação de implicação entre um fato diretamente comprovado e outro indiretamente comprovado.
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FERRAGUT, Maria Rita. Presunções, Meio de Prova Do Fato Gerador Dialética, 2010

1) O documento discute presunções legais como meios de prova indireta no processo tributário e as distingue de ficções legais. 2) Existem duas espécies de presunção legal: hominis, que é individual e concreta, e relativa, que pode ser geral, abstrata, individual ou concreta. 3) Presunções legais permitem o conhecimento indireto de fatos juridicamente relevantes através da relação de implicação entre um fato diretamente comprovado e outro indiretamente comprovado.
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• Presunçóes: Meio de Prova do Fato Gerador?


• MARIA RITA FERRAGUT
Mestre e Doutora em DireitoTributário pela PUC/SP. Professora dos Cursos de
• Pós-graduaçáo da FIA/USP, PUC/COGEAE e IBET. Advogadtt em Sito Paulo.


e 1. Introduçáo -71
O conhecimento é possível sem as provas? Existe , , \
• verdade jurídica e legalidade sem elas? E segurança ju-
,,, .
rídica? Acreditamos que nao. ....,„
• O que intriga, entretanto, é que se a prova é táo ..._ ,
• importante, por que ainda hoje persiste a ideia de que o ., g4
Fisco náo precisa provar ("o 6nus da prova é do contri- '', .,ittV'ç
• buinte")? E por que o contribuinte náo refuta objetiva-
s mente e, com base em documentos, fatos passíveis de defesa? As justifica-
tivas podem ser muitas, mas é tempo de mudar!
./ A sociedade náo é mais a mesma, o Direito e seus julgadores evoluí-
411 ram, a tecnologia está a favor e contra todos. Nao mais podemos negar a
necessidade de uma articulaçáo linguística clara, direta e sofisticada sobre
• o evento: sem prova convincente, náo se ganha o jogo.
• Presunçáo é prova. E a prova, como dissemos, é fundamental para o
conhecimento do fato típico; sem ela, teríamos apenas enunciados que, por
• náo se submeterem a qualquer controle de sua provável equivaléncia á rea-
O lidade, transformariam a verdade jurídica em ficçáo. Nada mais temeroso,
porque a arbitrariedade seria muito difícil de ser controlada, urna vez que
e
apenas aspectos formais da acusaçáo estariam sujeitos a controle.
• A prova e a contraposiçáo de provas visam demonstrar a verdade ou a
falsidade do significado de um enunciado. A prova resultará da confirma-

00 ou da concordancia dos dados confrontados, e pode ser vista tanto ob-
jetivamente - corno o conjunto de meios ou elementos destinados a demons-
trar a existéncia ou inexisténcia dos fatos alegados - quanto subjetivamen-

te, como a convicçáo que o julgador forma acerca da existéncia desses fa-
IIII tos. Presunçáo é prova nesses dois sentidos.

• 2. Deflniçáo
Presunçáo é proposiçáo prescritiva de natureza probatória, que, a par-
• tir da comprovaçáo do fato diretamente provado (fato indiciário, fato dire-

• tamente conhecido, fato implicante), implica juridicamente o fato indireta-


mente provado (fato indiciado, fato indiretamente conhecido, fato implica-
• do).

• É a comprovaçáo indireta que distingue a presunçáo dos demais meios


de prova (exceçáo feita ao arbitramento, que também é meio de prova indi-
• reta), e náo o conhecimento ou náo do evento. Com isso, náo se trata de


112 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

considerar que a prova direta veicula urn fato conhecido, ao passo que a
presunção um fato meramente presumido. Conhecido o fato, sempre é, pois
detém referencia objetiva de tempo e de espaço; conhecido juridicamente,
também, é o evento nele descrito. For outro lado, da perspectiva fatica, o
evento, no que pese ser provavel, é sempre presumido.
Corn base nessas premissas, entendemos que as presunçoes nada "pre-
sumem" juridicamente, mas prescrevem o reconhecimento juridic° de um
fato provado de forma indireta. Faticamente, tanto elas quanto as provas
diretas (pericias, documentos, depoimentos pessoais etc.) apenas "presu-
mem". S6 a manifestacao do evento é atingida pelo direito e, portanto, o real
não ha como ser alcançado de forma objetiva: independentemente da prova
ser direta ou indireta, o fato que se quer provar sera ao maxim() juridicamen-
te certo e fenomenicamente provavel. E a realidade juridica impondo limites
ao conhecimento juridic°.

3. As Presungoes Legais e as Provas


A natureza juridica das presunçOes é tema controverso. Defende-se
serem provas (na acepgdo de meio de prova), regras especiais acerca da dis-
tribuição do Onus da prova, regras sobre provas, regras que acarretam a trans-
formação do objeto da prova etc.
Nä° temos chividas de que as presunçOes tern natureza processual pro-
batória, a elas sendo sempre aplicaveis os principios constitucionais da
ampla defesa e contraditório. Consistem em meios de prova indiciciria, sub-
sididria, indireta, divergindo das hip6teses em que, na definição do fato ju-
ridic° ou da base de calculo, intervern ficgOes legais ou "presuncOes abso-
lutas", enunciados juridicos de direito substantivo.
Presunção como meio de prova é o que prescreve o C6digo Civil, ao
prever que os atos juridicos que nä° requerem forma especial poderdo ser
provados mediante presunção.
Pontes de Miranda', ao analisar referido artigo (que na redaçäo do C6-
digo Civil de 1916 correspondia ao artigo 136, inciso V), entendeu que a
"presungdo, a que se refere o art. 136, V, não é a chamada presunção
legal (praesumptio iuris), porque essa, em vez de meio de prova, é
o conte6do de regras juridicas que estabelecem a existencia de fato,
fato juridic°, ou efeito de fato juridic°. (...) As presunçOes, de que
cogita o art. 136, V. nem regulam a força probatória do meio de pro-
va, nem são estabelecidas pela lei."
Concordamos apenas parcialmente corn o mestre, já que a presunção
relativa insere-se no campo processual, pois, ao estabelecer a existencia de
fato indiciado, admite, assim como a hominis, produção de provas em sen-

' Tratado de Direito Privado, t. III, Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 420.
41/
MARIA RITA FERRAGUT 113

49
tido contralti°, o que a torna instrumento de demonstração da verdade de um
fato, equivale dizer, meio de prova.
10
4. Espécies de Presunção Legal
• Estaremos diante de uma presungdo legal quando nosso objeto for: (i)
411) uma proposição prescritiva, (ii) espécie de prova indireta, (iii) composta por
urn
urn fato indicidrio que implique juridicamente a existencia de urn outro fato,
IF e (iv) que todos os fatos sujeitem-se a produção de provas con-
. trarias existência fatica dos eventos nele descritos. Disso depreendemos
que a presunção denominada "absoluta" tido é verdadeira presungdo por nä.°
ser espécie de prova, mas qualificação material de fatos juridicos.
• As presungoes subdividem-se em duas espécies: hominis e relativa. Esta
pode tanto ser geral e abstrata como individual e concreta, ao passo que a
• hot/Inns, somente individual e concreta. Iniciemos pela hominis.

4.1. Presuncöes legais hominis


0 sistema juridic°, muito embora seja dindmico, ndo evolui corn a
mesma rapidez que as realidades por ele disciplinadas. Dificilmente a lei
teria como prever todos os possiveis fatos indiciarios, a fim de contempla-
los no antecedente de urn enunciado juridic° geral e abstrato veiculador de
presunção relativa. Conscientes dessa limitaçdo, e da necessidade de o Di-
reito oferecer instrumentos para garantir o conhecimento, ainda que indire-
to, dos fatos juridicamente relevantes, entendemos que o sistema admite a
utilização das presunçOes hominis.
Assim, pode ocorrer daquele que tern o dever juridic° de promover o
processo de positivação verificar que urn fato conhecido pode ser tornado
ndo so como prova direta desse fato, mas também como indicio de um ou-
tro acontecimento, desconhecido. Tal raciocinio levaria em conta a relação
de implicação existente entre os fatos, baseada em regras de experiência
acerca do que geralmente acontece no mundo fenomênico.
e
0 sujeito verifica, além disso, que n do é possivel fazer prova contraria
ao fato, concluindo, entdo, que o conceito por ele construido subsume-se aos
critérios para identificação de um fato, previstos no antecedente de uma
norma existente no sistema, prescritora de obrigaços es (como, por exemplo,
a regra-matriz de incidencia tributdria). Tern-se, pois, dois momentos e duas
regras juridicas:
- 0 primeiro, em que o aplicador da norma, utilizando-se do racio-
cinio presuntivo, expede enunciado juridic° individual e concreto,
composto de antecedente e consequente, que busca fundamento de
validade imediato no artigo 335 do Código de Process° Civil, e que
veicula relação de implicacäo jurfdica entre o indfcio por ele direta-
mente conhecido e o fato indiciado, indiretamente conhecido; e
- 0 segundo, em que o aplicador do Direito promove a subsunção de
conceitos, do fato juridic° previsto no consequente da proposição
114 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

presuntiva com o do antecedente da norma geral e abstrata prescri-


tora de obrigagóes. Tratando-se de obrigagáo tributária, o fato pas-
sa, nesse momento, a ser considerado como fato jurídico tributário.
A presungáo hominis caracteriza-se, portanto, como urna proposigáo
individual e concreta reveladora de um raciocínio lógico presuntivo reali-
zado pelo aplicador da norma, que, a partir do conhecimento de indícios,
da inexistencia de provas em sentido contrário a eles, e da relagáo de impli-
cagáo estabelecida segundo o que ordinariamente acontece, forma sua con-
vicgáo, declarando normativamente a existéncia de fato jurídico indireta-
mente conhecido.
Já no que concerne ás demais características pertinentes a essa espé-
cie de presungáo legal (grande parte delas também aplicável á presungáo
relativa), podemos citar as que seguem:
- Permitirem a livre convicçáo acerca dos vestígios: proporcionam,
no aplicador da norma, a possibilidade de formar convicgóes, no
controladas por enunciados legais de limites objetivos que confiram
graus de valor aos indícios, muito embora a apreciagáo do aplicador
seja controlada por regras de hierarquia superior, como os princípios
constitucionais.
- Serem ilimitadas e previamente indeterminadas: por no buscarem
fundamento de validade numa proposigáo geral e abstrata particular
- que estabelega critérios de identificagáo do fato indiciário, da rela-
gáo de implicagáo jurídica, e do fato indiciado - náo há como limi-
tar o número de aparigóes das presungóes hominis no sistema (assim
como no há como limitar o número de aparigóes das presungóes
relativas individuais e concretas), nem previamente determinar qual
será o conteúdo do enunciado.
- Terem por fundamento de validade imediato o artigo 335 do CPC:
estabelece o artigo 335 do Código de Processo Civil que "em falta
de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de expe-
riéncia comum subministradas pela observagáo do que ordinariamen-
te acontece e ainda as regras de experiéncia técnica, ressalvado, quan-
to a esta, o exame pericial".
Este artigo estabelece o emprego das regras de experiéncia 2 para hipó-
teses em que a lei no disciplina, de forma particular, as consequéncias ju-
rídicas advindas da identificagáo de indícios de um fato ocultado. É, nesse
sentido, enunciado prescritivo sobre prova, fundamento de validade imediato
das presungóes hominis.

= Cf. referéncia feita por Moacyr Amaral Santos (Comentários ao Código de Processo Ci-
vil, v. 4, r ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 52), a Rosenberg (Tratado de Derecho
Procesual Civil, 2° vol., p. 211), as regras referidas no artigo 335 do CPC "servem (...)
para concluir dos fatos náo controvertidos ou provados a verdade de outros fatos discuti-
dos; e formarn, assim, a premissa maior do silogismo judicial cm relaçáo á estimagáo das
afinnagóes sobre os fatos".
414#

MARIA RITA FERRAGUT 115


ale

4111
Finalmente, admitindo-se que o procedimento administrativo é insufi-
, cientemente disciplinado por nossa 1egis1açio, deve o termo "juiz", a que o
• citado artigo menciona, referir-se a todo aplicador da lei no caso concreto,
incluindo-se, assim, o agente fiscal, competente para aplicar a presunção
hominis na esfera administrativa.
• - Niio ferirem a causalidade normativa: conforme já tivemos opor-
tunidade de verificar, a causalidade normativa estabelece que, "dado
• o antecedente, deve-ser o conseqUente". Já na fisica, "dado o ante-
• cedente, o conseqüente". E nas presungoes hominis cabe pergun-
tar: não seria "dado o antecedente, pode ser o conseqUente", uma vez
que o raciocinio lógico-presuntivo realizado pelo aplicador da nor-
ma, antes da expedição da regra individual e concreta, depende ex-
clusivamente de sua valoração subjetiva acerca dos vestigios encon-
• trados?
Entendemos que não. Uma coisa é a convicção de que os vestigios são
graves o suficiente para transformá-los em fato indicidrio. S6 aqui ha dis-
• cricionariedade, liberdade de apreciação. Outra, diferente, é promover a
• relação juridica de implicação sempre que o aplicador da regra considerar
que os vestigios por ele detectados configuram-se em indicios de fato de
• relevância juridica. Somente esta Ultima possibilidade é juridicamente re-
. levante, somente ela submete-se a vinculação e a causalidade normativa, pois
dado o conhecimento de indicios deve-ser o reconhecimento da existhicia
• juridica do fato indiciado.
0 "poder-ser" encontra-se em moment() anterior à linguagem juridica,
em que o fato indicidrio sequer encontra-se declarado. Por isso nä° existe
• uma terceira espécie de causalidade, o que se tern é liberdade de aprecia-
. cdo, em decorrência da qua!, se for identificada a relaçäo entre indicio e fato
indiciado, tern-se a causalidade normativa, e, se nao for, rido haverd que se
• falar em causalidade.
- Serem sempre motivadas: a motivação dos atos juridicos permite

que os mesmos sejam controlados, evitando-se corn isso o arbitrio e
41/ possibilitando o efetivo exercicio do contraditório por parte do su-
jeito contra quem o ato aproveita. Por motivação deve-se entender
tanto a indicação dos fundamentos legais que juridicizam o ato, como
• os pressupostos faticos praticados pelo sujeito.
Somente por meio da motivação é que se faz possivel conhecer os ele-
• mentos que levaram o aplicador da norma a formar sua convicção acerca da
• existência do evento indiretamente conhecido descrito no fato. 0 aplicador
• é livre no que diz respeito a apreciação dos vestigios e a realização de ila-
Oes segundo a suficiencia ou precariedade apontadas, desde que, obviamen-
• te, seu juizo seja formado respeitando-se os direitos dos cidadãos.
- Veicularem conclusoes certas: a presunção hominis estabelece con-
clusdo provavel do ponto de vista fatico, mas certa da perspectiva
• juridica. Segundo entendemos, inexiste diferença entre as provas

dik
116 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTARIO

diretas e indiretas no que concerne á certeza jurídica, já que ambas


constituem a verdade suficiente e nenhuma confere certeza absoluta
da ocorréncia fenoménica do evento descrito no fato. As duas espé-
cies de prova apenas transformam, em linguagem competente, a ver-
sáo do evento, já que este é inatingível por ter-se esgotado no tem-
po.

4.2. Presunffies legais relativas


As presungóes legais relativas caracterizam-se, basicamente, por (a)
estarem sempre contidas numa proposigáo geral e abstrata; (b) poderem tam-
bém ser urna proposigáo individual e concreta guando do ato de aplicagáo
do direito; (c) serem meios indiretos de prova; (d) serem compostas por um
fato indiciário que implique juridicamente a existéncia de um outro fato,
indiciado; (e) contemplarem urna probabilidade de ocorréncia do evento
descrito no fato; (f) poderem prever a riqueza da base calculada, guando
utilizadas com fundamento no princípio da praticabilidade, e náo cm decor-
réncia de ilícitos praticados pelo contribuinte; (g) dispensarem o sujeito que
tem a presungáo a seu favor do dever de provar a ocorréncia do evento des-
crito no fato indiciado, mas náo de provar o fato indiciário e (h) admitirem
prova a favor de outros indícios, e em contrário ao fato indiciário, á relagáo
de implicagáo e ao fato indiciado.
A interpretaçáo das presungóes relativas há de ser restritiva, náo sen-
do permitido ao aplicador da norma estender o alcance da proposigáo para
alcangar fatos conhecidos náo previstos cm lei, com o fim de transforma-
los em indícios suficientes para o desencadeamento de relagóes jurídicas. A
operagáo lógica de subsungáo do conceito do indício diretamente provado,
ao conceito descrito no antecedente do enunciado geral e abstrato presunti-
vo, deve ser realizada restritivamente, dentro dos limites de referido enun-
ciado. Isso porque, náo o sendo, a presungáo deixará de ser relativa para
transformar-se em hominis.
Para a refutaçáo de que o fato f' existe, basta que se prove que o indí-
cio f é falso, ou mesmo que, embora existente, náo prevalece sobre outros
cm sentido diverso. A produgáo de provas pode versar, também, sobre a
relagáo de implicagáo constante da regra geral e abstrata, de forma a de-
monstrar inexistir nexo entre os fatos direta e indiretamente comprovados.
Tal refutagáo há de ser admitida porque a presungáo pauta-se numa
relagáo de probabilidade fática (só assim o fato é conhecido sem violar a
seguranga jurídica, razoabilidade e certeza), e, se o nexo de implicagáo le-
galmente previsto estiver contrário a essa relagáo, a presungáo legal passa-
rá a adquirir características de ficçáo, ainda que náo se torne urna por ad-
mitir a prova.
Tratando-se de instituigáo de obrigagóes tributárias, ternos que a pro-
posigáo geral e abstrata que contém urna presungáo legal relativa é consti-
tucional se o fato for típico, se inexistirem provas cm sentido contrário, e
••••n

alba

MARIA RITA FERRAGUT 117


aft

se todas as condiOes para admissibilidade das presunctles tiverem sido cum-


dit pridas (observância dos principios constitucionais já citados, para a presun-
• Oo hominis, e subsidiariedade na aplicação da regra). Srto esses os requisi-
• tos para criagdo e aplicação válicla das presunOes legais relativas.

• 5. Presunçoes: uma Abordagem Prática de Casos Relevantes


Passemos agora a analisar os casos präticos que, em nosso entendimen-
• to, provocam as maiores discussöes quando do trato das presunçoes - seja
• por intermédio daquele que constitui o fato jurklico corn base nessa espé-
cie de prova indicidria, seja do acusado, ao se defender, pautado também em
• provas, das alegaçties que lhe são feitas.
Imperioso reiterar que a presunção, em nossa visao, é constitucional
(salvo se arbitrariamente utilizada, o que não ocorre na maioria dos casos).
For isso, para a desconstitui0o do lançamento, o contribuinte deve utilizar-
• se obrigatoriamente das provas que lhe sdo disponiveis, sem o que a autua-
ção deve ser m
antida. Em outras palavras, é imperioso refutar objetivamente
• os fatos.

5.1. Presunvoes de certeza e hquidez da divida fiscal


0 artigo 204 do Código Tributdrio Nacional prescreve que "a clivida
ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tern o
efeito de prova pré-constituida". E o parágrafo por sua vez, estabe-
lece que "a presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser elidi-
da por prova inequivoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que
aproveite".
Diante disso, poderia ser entendido que a inscrição do débito em divi-
da ativa conferiria ao Fisco o direito de não mais necessitar produzir pro-
vas acerca da ocorrência fática do evento descrito no fato que originou a
obrigaçdo tributdria, provas essas que passariam a competir exclusivamen-
te ao contribuinte. Tal interpretação, no entanto, não pode prevalecer.
Os atos juriclicos expedidos pela Administração Püblica são denomi-
nados atos administrativos. Caracterizam-se pelos atributos da presunção de
legitimidade, imperatividade, exigibilidade e, em alguns casos, executorie-
dade.
Entendemos que as presunçOes de certeza e liquidez da divida ativa
regularmente inscrita não se sobrepoem as presungoes pertinentes a qual-
quer outro ato juridic°, em especial a presunção de legalidade, que prescreve
que todo ato permanece no sistema como \Aid° somente ate ser desconsti-
tuido por um outro. Nesse sentido, as presunçoes de certeza e liquidez ces-
sam no motnento em que o ato for judicialtnente questionado, oportunida-

• 3
Cf. Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrutivo, zl a ed. sao Pau-
lo: Malheiros, 1993, p. 195.
118 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

de em que a Administragáo deverá fazer prova de que o fato descrito no


antecedente do enunciado individual e concreto é materialmente verdadei-
ro, devendo o contribuinte, por outro lado, defender-se dessa imputagáo.
Mediante impugnagáo judicial pelo sujeito contra quem a presungáo
aproveita, passa a existir o livre convencimento motivado do juiz, instrumen-
to que o sistema criou visando fazer prevalecer a justiga e a seguranga jurí-
dica, e que no confere ao magistrado o direito de dispensar a Administra-
gáo Pública de produzir provas acerca do fato sobre o qual recaíram as pre-
sungóes de certeza e liquidez do débito, e nem o obriga a reconhecer como
verdadeiro o fato impugnado de forma no inequívoca pelo contribuinte mas
náo provado pelo credor. Tudo dependerá, a partir da impugnagáo judicial,
de seu livre convencimento motivado.
Por isso, no há inverso do 6nus da prova, devendo a Administragáo
produzir provas acerca da ocorréncia fática do evento descrito no fato jurí-
dico, no só na esfera administrativa, mas também na judicial. As presun-
góes de que tratamos limitam-se a possibilitar a exigibilidade do ato admi-
nistrativo, devendo necessariamente ser interrompidas por impugnagáo do
sujeito passivo (embargos á execugáo fiscal).
Já guando os fatos jurídicos que ensejaram o nascimento da obrigagáo
no puderem ser comprovados de forma direta pelo Fisco, tendo em vista a
recusa do contribuinte em apresentar os documentos a que estava obrigado,
imprescindíveis para a descoberta da verdade material, ou, em os apresen-
tando, forem os mesmos imprestáveis, ainda assim o 6nus da prova no é
invertido. Competirá ao Fisco comprovar a impossibilidade de prova direta
do evento descrito no fato, bem como a existéncia dos fatos indiciários.
A única exceçáo para o dever da Administragáo produzir provas que
embasem sua pretensáo é se o contribuinte ou responsável náo impugnar o
ato, siléncio a que o Direito imputa a consequéncia de reconhecer, em defi-
nitivo, a veracidade jurídica dos fatos nele descritos.

5.2. Lei Complementar 104/2001 e evasiio fiscal


O artigo 1° da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, alte-
rou, dentre outros, o artigo 116 do CTN, introduzindo-lhe o parágrafo úni-
co. Prescreve referido dispositivo que
"a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorréncia do
fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigagáo tributária, observados os procedimentos a serem estabele-
cidos em lei ordinária".
Dissimular é disfargar, fingir, ocultar, encobrir. Disfarga-se urna reali-
dade jurídica (ato ou negócio dissimulado), ocultando-se outra que é a efe-
tivamente praticada (ato ou negócio dissimulado), para os fins de diminuir,
ou até mesmo eliminar, a carga tributária.
MARIA RITA FERRAGUT 119

A legislação complementar d inovadora no sentido de conferir as pes-


• soas politicas competencia para a criação de lei ordindria contemplando o
• procedimento a ser adotado para a desconsideração de atos juridicos dissi-
mulados. No entanto, o ordenamento juridic° brasileiro, em especial a Cons-
• tituição Federal, já autorizava a desconsideração de atos ou negócios, efeti-
• vada por meio da utilizaçao das presunOes hominis.
o que se alterou, portanto, foi o fato da autorizaçao passar a ser escri-
• ta, gerando, a partir da vigência da lei, uma modificação na classificação de
1110 presuncao de omissao de receitas decorrente de ato dissimulatório: hominis,
• no passado; relativa, a partir de 11 de janeiro de 2001, data da publicação
da LC 104/2001. Além disso, a legislaçao de que ora tratamos determinou
• a observancia do procedimento previsto em lei ordindria, ao passo que ate
• entdo a realização e o controle da legalidade dos atos de desconsideração
eram pautados basicamente em principios constitucionais (razoabilidade,
• capacidade contributiva etc.) e regras gerais acerca do procedimento admi-
nistrativo de fiscalização.
• Entendemos inexistir inconstitucionalidade na desconsideração de atos
• juridicos que impliquem evasao fiscal, e que presumam omissao de recei-
• tas por parte do contribuinte. Ao permitir o disciplinamento das consequen-
cias juridicas advindas da pratica de fatos dissimulados pelo contribuinte,
• desde que corretamente aplicada e sujeita a controle, a utilizaçao da presun-
cab para a configuração de fatos juridicos tributdrios d compativel corn as

regras juridicas de superior hierarquia.
A prova indicidria tem por fim sanar as dificuldades que o caso con-
creto suscita ao conhecimento de fatos juridicamente relevantes, alterados
5
para os fins de se evitar a incidência normativa. Como muitos desses atos
artificiosos são realizados de maneira a conferir-lhes uma aparência licita,
• se a fiscalização tiver que se restringir a forma das provas que lhe sac) apre-
sentadas, não terd como saber se o evento descrito no fato realmente ocor-
• reu. Por isso, a perfeicao formal de que o ato é revestido rid() tern o condo
• de afastar o dever-poder de busca da verdade material.
A preservaçao dos interesses pablicos em causa tido s6 requer, mas
111
impo- e, a utilização da presunçao no caso de dissimulação, já que a arreca-
• dação pUblica não pode ser prejudicada com a alegação de que a legalida-
de, a tipicidade e a segurança juridica, dentre outros principios, estariam
• sendo desrespeitados.
Por isso, nao se deve afastar a aplicagao da presuncao, mas controld-
la, já que irregular não é a possibilidade de sua utilizaçao, mas, eventual-
• mente, o ato ou o produto de aplicação da norma. Exemplificando, nao basta
• qualquer indicio para que a Administraçao produza urn enunciado prescri-
• tivo individual e concreto; o indicio ha de ser suficientemente grave para
ensejar a convicçao acerca da existência do fato descritor de evento feno-
• menicamente presumido pelo julgador. Ademais, a aplicação deve necessa-

Ak
120 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

riamente observar todos os demais pressupostos de validade, já analisados


nos Capítulos anteriores deste trabalho.
Do exposto, ternos que o parágrafo único do artigo 116 do CTN, in-
troduzido pela Lei Complementar 104/2001, é constitucional. Mas pode
°correr, entretanto, do ato de aplicagáo ultrapassar os limites legais, hipó-
tese em que o ato administrativo deverá ser anulado. E é exatamente aqui
que reside a dificuldade: saber se as partes celebraram negócio jurídico vá-
lido, que implicou redugáo ou eliminagáo da carga tributária (elisáo fiscal),
ou se incorreram em ilícito, mediante a prática de atos dissimulados prati-
codos com os fins de disfargar, ocultar, a ocorréncia do fato jurídico tribu-
tário (evasáo fiscal).
A elisáo é permitida pela legislagáo. Consiste no ato ou na série de atos
praticados antes da realizagáo do fato jurídico tributário, visando a econo-
mia fiscal mediante a utilizagáo de alternativas menos onerosas, permitidas
pela lei. É o planejamento tributário lícito.
Já a evasáo fiscal é proibida, é fraudulenta. Contra ela - e cm prejuízo
exclusivamente dela - o parágrafo único do artigo 116 do CTN se volta.
Evasáo é o ato omissivo ou comissivo, de natureza ilícita, praticado com o
fim único de diminuir ou eliminar a carga tributaria, ocultando o verdadei-
ro ato ou a real situagáo jurídica do contribuinte.
Como exemplos, podemos citar as seguintes situagóes: (i) consta do
contrato social da empresa que seu estabelecimento é em determinado Mu-
nicípio, cm que a alíquota do ¡SS é baixa, mas no entanto esta pessoa jurí-
dica nem ao menos possui uma sala naquele local, exercendo suas ativida-
des, com toda a infraestrutura necessario, cm outra cidade; (ii) pessoa jurí-
dica celebra contrato de compra e venda de mercadorias com empresa e bens
inexistentes, aproveitando-se dos pretensos créditos de ICMS constantes de
notas fiscais frias; e (iii) empresa contrata cooperativa de trabalho cm que
os cooperados prestam, mediante subordinagáo, servigos consistentes na
atividade fim da empresa tomadora desses servigos.
Esses atos, assim, poderáo ser desconstituídos pela autoridade fiscal,
que presumirá a ocorréncia do fato jurídico e arbitrará a base calculada dos
respectivos tributos, já que, no primeiro exemplo, (i) o contribuinte dolosa-
mente ocultou o fato de náo estar estabelecido no Município cuja alíquota
é mais vantajosa, apenas formalmente encontrando-se naquele território; no
segundo, (ji) há um aumento artificial de créditos, implicando a diminuigáo
do ICMS a pagar guando os mesmos forem opostos aos débitos; e finalmen-
te, no terceiro, (iii) ao invés de cooperados, os prestadores de servigos so
empregados do tomador, sendo que sobre as quantias que lhes so pagas
deveriam incidir todas as contribuigóes sobre a folha de salarios.

5.3. Distribuieño disfarcada de lucros


O artigo 60 do Decreto-lei n° 1.598/77, e o artigo 20, inciso II, do De-
creto-lei n° 2.065/83 (reproduzidos no artigo 464 do RIR199), preveem seis
MARIA RITA FERRAGUT 121

hipOteses de distribuição disfarçada de lucros em neg6cios realizados pela


pessoa juridica corn pessoa ligada, fisica ou juridica, dentro do território
nacional. Sao as seguintes: a pessoa juridica aliena por valor notoriamente
inferior ao de mercado bem do seu ativo a pessoa ligada (inciso I); adquire
por valor notoriamente superior ao de mercado bem de pessoa ligada (inci-
so II); perde, em decorrencia do tido exercicio de direito a aquisicao de bem
e em beneficio de pessoa ligada, sinal, deposit° em garantia ou importan-
cia paga, para obter °Ka° de aquisição (inciso III); transfere a pessoa liga-
da, sem pagamento ou por valor inferior ao de mercado, direito de prefe-
facia a subscrição de valores mobilidrios de emissao de companhia (inci-
so IV); paga a pessoa ligada aluguéis, royalties ou assistencia técnica em
montante que exceda notoriamente ao valor de mercado (inciso V) e, final-
mente, realiza corn pessoa ligada qualquer outro negocio em condiçOes de
favorecimento, assim entendidas condigOes mais vantajosas 4 para a pessoa
ligada do que as que prevalecem no mercado ou em que a pessoa juridica
contrataria corn terceiros (inciso
Exemplo de distribuicao disfarçada de lucros é o da venda de bem da
sociedade a s6cio, por valor inferior ao de mercado. Se a empresa vendesse
pelo valor real, provavelmente auferiria lucro a ser tributado, mas venden-
do por montante notoriamente inferior, a Lei estabelece que a diferença entre
o valor de mercado e o da alienação seja adicionada ao lucro liquid° do
period() de apuração, meio previsto para se evitar a evasão de lucros.
Assim, a distribuiçao disfarçada de lucros consiste na realizaçao de
negócios pela pessoa juridica em favor de seus sócios, acionistas, titulares,
administradores sem vinculo de subordinação hieriirquica, cOnjuge e paren-
tes ate o terceiro grau, que constituam formas de evasão de lucros sob for-

Antonio Roberto Sampaio DOria, em artigo publicado na Revista de Direito Tributdrio
4110 n° 5, p. 138, intitulado "Distribuição Disfarçada de Lucros e Impost° de Renda", afirma
basicamente que, em condicöes de favorecimento significa qualquer negócio de favor, e
, que, nesse sentido, a legislação estaria infringindo, de certa forma, o princfpio da legali-
dade da tributação, urna vez que "as hipóteses de incidéncia devem ser predeterminadas,
41110 corn a possfvel clareza. Ora, tornar tributável um negócio de favor parece que é fazer en-
5 trar em uma area muito instfivel, muito movedica, muito subjetiva mesmo." Discordamos
desse entendimento, na medida em que nos parece ser possivel determinar, sem urn ele-
vado grau de incerteza, a presença de condig6es de favorecimento considerando aquelas
que prevalecem no mercado. E, se é assim, a hipótese legal niio estaria infringindo a le-
• galidade a ponto de conferir a fiscalização discricionariedade para o ato de Jai-war ou não.
0 Wei° pode estar, no entanto, na norma individual e concreta que incorretamente aplica
• o inciso IV do artigo 464.
Não obstante sejam essas as hipóteses legais, importante observar que os paragrafos I° e
2° de referido artigo preveem as seguintes exceçOes: 1 1° - 0 disposto nos incisos I e IV
nab se aplica nos casos de devolução de participação no capital social de titular, sócio ou
111110 acionista de pessoa juridica em bens ou direitos, avaliados a valor contábil de mercado."
E o paragrafo 2°, por sua vez, estabelece: "A hipótese prevista no inciso II nib o se aplica
• quando a pessoa fisica transferir a pessoa jurldica, a titulo de integralizaçao de capital,
bens e direitos pelo valor constante na respectiva declaração de bens."


122 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

ma disfaroda. Consiste, também, em negócios realizados em favor de só-


cio ou acionista controlador por intermédio de terceiros, ou com sociedade
na qual a pessoa ligada tenha, direta ou indiretamente, interesse.
Os negócios jurídicos que veiculam a distribuiçáo disfarlada de lucros
s o atos jurídicos praticados com fraude, o que compromete sua validade,
em virtude do vício de vontade da pessoa jurídica que a celebra, que age cm
detrimento de seu património e dos cofres públicos.
A distribuiçáo disfarçada é urna presunçáo relativa, conforme estabe-
lece o parágrafo 2° do artigo 60 do Decreto-lei n° 1.598/77:
"A prova de que o negócio foi realizado no interesse da pessoa jurí-
dica e em condiçóes estritamente comutativas, ou em que a pessoa
jurídica contrataria com terceiros, exclui a presunçáo de distribuiçáo
disfargada de lucros."
Sendo assim, caso o contribuinte comprove que o negócio foi feito cm
condilóes comutativas e de interesse da sociedade, a distribuiçáo disfarça-
da no se caracterizará.
A prova poderá consistir, por exemplo, na venda de bem da sociedade
a sócio, por preço inferior ao de mercado, tendo em vista a imediata neces-
sidade de caixa, a fim de sanar determinado débito com o INSS e, com isso,
obter a respectiva certidáo negativa, imprescindível para a participaçáo em
licitalóes públicas.
Além da presunçáo da distribuiçáo, outro ponto que pode ser questio-
nado diz respeito á base de cálculo presumida, que poderá náo correspon-
der á diferença entre o valor de mercado e o da alienaçáo, entre o custo de
aquisiçáo e o valor de mercado etc. Exemplo está na alienaçáo de bens imó-
veis, cujo valor de mercado pode variar substancialmente considerando-se
a época da venda, se o proprietário foi quem colocou o imóvel á venda ou
se foi o pretenso comprador que desejou adquiri-lo e as condiçóes externas
ao imóvel. A ampla defesa poderá recair, entáo, no só sobre o fato jurídi-
co, mas também sobre a base de cálculo identificada.
Assim, a presunçáo é válida ao encontrar-se prevista cm lei, ser apli-
cável apenas nas hipóteses em que seja possível identificar indícios de pro-
vável evasáo fiscal, e permitir ao contribuinte o amplo exercício de defesa.

5.4. Tributac do reflexa nas pessoas dos sócios


Prescrevem os parágrafos 1 0 e 2° do artigo 41 da Lei n° 8.541/92, arti-
go 22 da Lei n°8.981/95, artigo 54 da Lei n°9.981/95, e artigo 5° da Lei n°
9.064/95 (correspondentes ao artigo 667 do RIR/99), presumir-se rendimen-
to pago aos sócios ou aos acionistas, na proporçáo da participagáo do capi-
tal social, o lucro arbitrado até 31 de dezembro de 1995, deduzido do im-
posto de renda e da contribuiçáo social sobre o lucro. Trata-se de presun-
çáo legal relativa, passível de ser desconstituída mediante produçáo de pro-
vas cm sentido contrário, que submete os lucros apurados á tributaçáo ex-
clusiva na fonte.
MARIA RITA FERRAGUT 123

Corn base no principio da separação patrimonial, muitos entendem°


que, além de provar-se a omissão de receitas, faz-se também necessario
demonstrar o efetivo desvio para os sOcios, sob pena de violação da capaci-
dade contributiva da pessoa fIsica, uma vez que a receita omitida pode ter
tido outros destinos, tais como, o patrimonio de urn empregado ou o rein-
vestimento na prOpria empresa. A posição jurisprudencial nesse sentido tam-
bém é significativa7.
Diante disso, dois aspectos devem ser considerados para que a regra
individual e concreta presuntiva seja mantida: a efetiva identificação da
omissão de receitas e a distribuiçao do lucro (correspondente a receita omi-
tida) as pessoas dos sOcios.
Entendemos que, sendo identificados indicios suficientes para provar
que a pessoa juridica omitiu receitas, e as transferiu para a pessoa fisica, e,
embora tendo sido ela regularmente intimada a contestar esses dados, bem
como a justificar o destino da receita omitida, no apresente provas sufi-
cientes que desconstituam a presunçao, a omissao torna-se fato, e a conclu-
sa) de que ocorreu a distribuiçao para o sOcio passa a ser juridicamente certa.

5.5. Distribuição automdtica de lucros


Corn base no artigo 35 da Lei n° 7.713/88, considera-se distribuido
imediatamente as pessoas dos sOcios-quotistas, acionistas ou titulares da
empresa individual, o lucro da sociedade apurado na data do encerramento
do periodo-base. Contrariamente a tributação reflexa, o lucro na hip6tese de
que tratamos não advém da presuncao de omissao de receitas.
Referida prescriçao vem sendo ja ha alguns anos questionada judicial-
mente, estando a jurisprudência entendendo que a distribuição autornatica
de lucros so pode ser considerada realizada se o contrato social da empresa
determinar tal hipOtese, uma vez que inUmeros podem ser os destinos des-
ses valores. Dependeria da andlise do contrato social da empresa a avalia-
Oo da constitucionalidade do artigo 35 acima mencionado, conforme po-
demos observar na seguinte decisão:
"I - (...) Todavia, no que concerne ao socio quotista e ao titular de em-
presa individual, o citado artigo 35 da Lei n° 7.713 de 1988, nao 6,
em abstrato, inconstitucional (constitucionalmente formal). Poderd
em concreto, dependendo do que estiver disposto no contrato
social (inconstitucionalidade material). II - Precedente do STF: RE
172.058-SC, Plendrio, 30.06.1995). III - RE conhecido e provido em

Aires Barreto, Cléber Giardino, Gilberto de Ulhoa Canto e Yonne Dolacio de Oliveira,
dentre outros.
MSia106.938-SE, da 5Turrna do extinto 1FR, Relator Ministro Torredo Brazi MAS 243-PE,
da Turma do TRF da 5' Regido, Relator Juiz Orlando Rebouças; AC 89.03.07.148, da
4' Turma do TRF da 3 0 Regido; AC 91.05.10.381, da 2' Turma do TRF da 5' Regi5o; AC
89.02.11.367, da 2' Turma do TRF da 2' Região.
124 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTARIO

parte." (RE n° 181.450-1-PR, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ


01.12.95, p. 41.710)
Dessa forma, no haveria como considerar imediatamente distribuído
o lucro, sem primeiramente analisar o contrato social, a fim de se determi-
nar se da pessoa jurídica poderá ser exigido o imposto sobre a renda retido
na fonte, incidente sobre o lucro líquido presumidamente distribuído aos
sóc i os .
Observe-se que a exigencia do imposto retido só poderá ser feita se o
lucro for apurado até 31 de dezembro de 1995 (Lei n° 8.383/91, artigo 41,
parágrafos 1° e 2°, Lei n° 8.541/92, artigo 22, Lei n° 8.981/95, artigo 54, e
Lei n°9.064/95, artigo 5°), pois, a partir de 10 de janeiro de 1996, a distri-
buigáo deixou de ser submetida á tributagáo na fonte e nem integrará a base
de cálculo do imposto sobre a renda do beneficiário (Lei n° 9.249/95, arti-
go 10). E a razáo de estarmos abordando essa presungáo, bem como a refe-
rida no tópico anterior (tributagáo reflexa nas pessoas dos sócios), é que,
embora essas regras no mais estejam em vigor, permanecem sendo efica-
zes no que diz respeito aos fatos °corridos durante suas respectivas vigen-
cias.
Por fim, entendemos que, independentemente do contrato social pre-
ver a distribuigáo automática, faz-se necessária, para que a aplicagáo da pre-
sungáo seja constitucional, que a fiscalizagáo prove que o lucro foi distri-
burdo aos sócios, fato imprescindível para a cobranga do imposto sobre a
renda retido na fonte, já que os rendimentos podem ter tido destino diverso
dos sócios. A mera previsáo do contrato social, portant°, é fato jurídico in-
suficiente para fundamentar, de forma válida, o ato de aplicagáo das presun-
góes legais.
Constituem-se excegóes, da concluso acima, as situagóes em que ine-
xistir documentaçáo ou encontrar-se a mesma viciada, a ponto de no per-
mitir a descoberta da verdade material por parte da fiscalizagáo.

5.6. Sinais exteriores de riqueza


A tributagáo da renda a partir de sinais exteriores de riqueza dá-se sem-
pre que os gastos incorridos pelo contribuinte forem incompatíveis com seus
rendimentos, permitindo verificar que a renda declarada no é suficiente
para justificar tais gastos, e implicando a notificagáo do contribuinte para o
procedimento fiscal de arbitramento, que deverá tomar corno base os pre-
gos de mercado vigentes á época dos fatos, podendo ser, para tanto, adota-
dos índices ou indicadores económicos oficiais ou publicagóes técnicas es-
pecializadas. Tal previsáo encontra-se no artigo 6° e parágrafos da Lei n°
8.021/90.
A presungáo relativa de que, mediante a identificagáo de sinais exterio-
res de riqueza, o contribuinte omitiu receitas, pode ser desfeita mediante
prova de que os sinais so completamente compatíveis com a renda dispo-
nível, e, se incompatíveis, a prova poderá ser no sentido de que a origem do
MARIA RITA FERRAGUT 125

valor arbitrado ndo se sujeita a tributação ou sujeita-se a tributação exclusi-


va na fonte.
Ha de se ressaltar, finalmente, que o contribuinte também podera ques-
tionar o valor da renda presumida, que deverd corresponder apenas as re-
ceitas omitidas acrescidas das comi nag "des legais. A base de calculo que ul-
trapassar esse valor deve ser repelida por afrontar os principios constitucio-
nais da capacidade contributiva, segurança juridica e tipicidade.

• 5.7. Depósitos bancarios niao contabilizados


0 artigo 42 e paragrafos da Lei n° 9.430/96 considera como omissdo
• de receitas os valores creditados em conta de depósito ou de investimento
• em instituição financeira e em relação aos quais o titular nä° consiga corn-
provar, mediante documentação habil e id6nea, a origem dos recursos utili-
• zados. 0 valor da receita ou do rendimento omitido sera considerado aufe-
• rido ou recebido no rné‘s do crédito efetuado pela instituigdo financeira.
No que diz respeito a caracterizaçäo de depdsitos bancarios como in-
• dicios de renda omitida, sdo indmeros aqueles que nä() os admitem° por
• considerd-los insuficientes para tipificar a omissdo, devendo estar presen-
tes também outros indicios, tais como demonstração da natureza tributavel
• do rendimento e de que a pretensa renda ndo foi ainda tributada.
Essa posição tern sido também a adotada pela jurisprudencia que, a
• partir da edigdo da Stimula 182 do TFR ("E ilegitimo o lançamento do im-
• posto de renda arbitrado corn base apenas em extratos ou depdsitos
• rios."), pacificou-se nesse sentido'°.
Ja uma corrente minoritaria" entende, pautada no texto legal, que os
• depdsitos bancarios caracterizam-se como prova suficiente do rendimento
• omitido, cabendo ao contribuinte provar o contrario.
Entendemos que os depósitos bancdrios, se tido acompanhados de ou-
• tros indicios, ndo podem ensejar a presungdo valida de omissdo de rendi-
mentos, uma vez que os valores depositados podem ser provenientes de ren-
• da ndo passivel de tributação ou, embora passive', ja tributada. Podera ocor-

• Os Tribunais Administrativos vem entendendo que uma vez regularmente apurado pelo
tisco, cabe ao contribuinte comprovar através de documentação hdbil e idonea sua origem
se de rendimentos intributáveis ou somente tributáveis na fonte. Mao restando comprovado
o
de se manter o lançamento (ex 1° CC, Acórd5os n 102-22.748; 106-1.272; 102-22.806,
102-21.753; 102-21.879; 102-22.236; 104-6.084; 104-6.180; 106-2.256: 106-2.765).
• Tais como Celso Antonio Bandeira de Mello, Agostinho Sartin. Gilberto de Ulhela Can-
to, Paulo Celso Bonilha, Carlos Mario da Silva Velloso. Yonne Dolacio de Oliveira, José
Eduardo Soares de Melo. Gustavo Miguez de Mello, Aires Barreto e Cléber Giardino.
'° Cf. 2' Turma do TRF da 5' Região, AC 89.05.0.1753, Rel. Nereu Santos; 3' Turma do TRF
da 4' Região, AC 90.04.07315, Rel. Gilson Dipp; 3' Turma do TRF da 2' Regi5o, MAS
89.02.11.970, Rel. Arnaldo Lima; 3" Turma do TRF da 3' Região, AC 89.03.05181, Rel.
Ana Scartezzini e 3' Turma do TRF da 1' Região, AC 92.01.23452, Rel. Tourinho Neto.
" Cf. Hugo de Brito Machado, Wagner Balera e Ricardo Mariz de Oliveira.
126 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

rer, ainda, de o contribuinte estar auferindo prejuízo no ano-calendário cm


que os depósitos foram detectados, o que afasta a incidencia do imposto
sobre a renda, ou, finalmente, consistir em renda a ser repassada para outro
sujeito, tendo apenas transitado pela conta do fiscalizado.
Portanto, os indícios, por si só, deveriam provocar apenas urna ativi-
dade fiscalizatória extremamente rigorosa, mas no a concluso de existen-
cia de renda omitida.

5.8. Passivo fictício


Passivo fictício é o inexistente, e refere-se tanto a no indicaçáo, na
escrituragáo, de saldo credor de caixa, como á falta de escrituraçáo de pa-
gamentos efetuados e á manutençáo no passivo de obrigalóes já pagas ou
cuja exigibilidade no seja comprovada (Decreto-lei n° 1.598/77, artigo 12,
parágrafo 2°, e Lei n° 9.430/96, artigo 40). Implica saldo credor da empre-
sa, tornando provável ter havido mais saídas (pagamentos) que entradas
oficiais de dinheiro e, com isso, o náo pagamento dos tributos devidos.
As regras de presunçáo relativa, que impliem a tributacáo do imposto
sobre a renda incidente sobre a receita omitida, sempre que se identificar a
existencia de passivo fictício, sáo aceitas pela jurisprudéncia' 2 . No que diz
respeito ao ICMS, grande parte da doutrina l3 entende que o passivo fictício
é insuficiente para justificar a tributaçáo, urna vez que a renda omitida pode
ser proveniente de operaçóes náo tributadas por esse imposto, como as fi-
nanceiras, por exemplo.
Consoante as posiçóes até aqui defendidas, entendemos que a tributa-
çáo do passivo fictício é possível caso o contribuinte náo esteja tendo pre-
juízo e a fiscalizaçáo identifique indícios suficientes para comprovar que o
contribuinte está omitindo receitas de forma a caracterizar evasáo fiscal.
Observe-se, no entanto, que os indícios deveráo poder ser sempre ques-
tionados pelo contribuinte, seja no que diz respeito á sua existencia, seja
quanto ao valor. Os indícios deveráo, também, ser no mesmo sentido e co-
letados cm maior número possível, evitando-se, com isso, que, a partir da

Vide a seguinte decisáo: "A existéncia de passivo ficticio é relevante para o Imposto de
Renda, mas náo funciona em relaçáo ao Imposto de Circulaçáo de Mercadorias (ICM),
que demanda a prova de urna operaçáo mercantil com seu fato gerador próprio (...). Sim-
ples suprimentos de caixa no acarretam circulaçáo de mercadorias e, por isso mesmo, náo
sic) tributáveis, tanto mais em relaçáo a eles ni° se pode falar de valor agregado. Náo haven-
do prova cabal de saída de mercadorias." (Recurso Extraordinário n° 80.695-4) Além disso
ternos: TRF da 5 0 Regiáo, Ac. Ap. 76. I79-RN, Rel. Des. Hugo de Brito Machado e anti-
go 1° Conselho de Contribuintes, Acórdáos 103-03.979; 103-4.928; 101-77.239; 103-06.715;
101-78.188/648/985; 101-80.092; 105-4.613; 101-80.587; 424; 4.953; 102-22.801; 105-2.187;
101-79.665; 103-10.472; 102-24.816; 105-4.769; 105-4.860; 101-80.422; 105-4.505;
103-10.608.
Aires Barreto, Cléber Giardino, Ricardo Mariz de Oliveira, José Eduardo Soares de Melo
e Wagner Balera. Em sentido oposto, Hugo de Brito Machado.
MARIA RITA FERRAGUT 127

amilise de apenas um inclicio, chegue-se a conclusào que desconsidere a


existência de diversos outros em sentido diverso da presunção.
Como exemplos de provas contrárias a presunção, poderfamos citar a
demonstração de que a pendência de obrigaçöes, no passivo, compensa-se
corn a pendência em conta do ativo, a prova de que as obrigaçoes foram
pagas con) cheques e que estes somente foram levados a débito no mês se-
guinte ao do encerramento do balanço, a prova de erro de alculo na apura-
cdo do passivo ficticio e a prova de que como a mesma duplicata paga per-
maneceu por dois ou mais balancos, a tributaçäo so poderd incidir em urn
periodo-base.

5.9. Suprimento de caixa


Sempre que a pessoa juriclica efetuar pagamentos de duplicatas corn
recursos provenientes de receitas omitidas e terd também
que contabilizar a entrada de dinheiro na conta Caixa, tendo em vista que,
se assim não fizer, seu saldo ficard credor. Essa contabilização é denomina-
da suprimento de caixa. 0
Nos termos do Decreto-lei n° 1.598/77, artigo 12, paragrafo 3 , e De-
creto-lei n° 1.648/78, artigo 1°. inciso II (contemplados no artigo 282 do
RIR199), a presunção relativa de omissão de receitas baseia-se em inclicios
coletados a partir da eserituração do contribuinte ou de qualquer outro ele-
mento de prova, gerando a autoridade administrativa o dever de arbitrar a
receita corn base no valor dos recursos de caixa fornecidos a empresa por
administradores, sOcios, titulares da empresa individual ou acionistas, se a
efetividade da entrega e a origem dos recursos não forem comprovadamen-
te demonstradas.
Para que a presunçäo relativa seja afastada, o contribuinte terd neces-
sariamente que provar dois aspectos: a transferência de recursos para a pes-
soa juridica, o que facilmente seria provado mediante, por exemplo, cheque
nominal em seu favor, e a origem desses valores, se de fonte estranha a socie-
dade ou, se dela, regularmente contabilizados'. Qualquer urn desses elemen-
tos, isoladamente comprovados, nä° terd o condão de descaracterizar a pre-
sunção de omissão de receitas.

5.10. Falta de emissão de document° fiscal


A falta de emissão de nota fiscal, recibo ou documento equivalente, no
momento da efetivação das operaçOes de venda de mercadorias, prestagdo
de serviços, operaOes de alienaçdo de bens móveis, locação de bens mó-
vets e imóveis ou quaisquer outras transa0es realizadas corn bens ou ser-

I1
Vide Ac. 101-77.046/87; 102-24.538/89; 101-79.006/89; 102-24.158/89; 102-24.974/90;
103-09.199/89 e 101-80.088/90, todos do antigo 1° Conselho de Contribuintes, e 121.432-MG.
do TRF.
128 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

vigos, bem como a sua emissáo cm valor inferior ao da °peral á°, -


caracteri-
za omissáo de receitas, rendimentos ou ganho de capital, conforme dispóe
o artigo 2° da Lei n° 8.846/94 (artigos 283 e 848 do RIR/99).
Em que pese a no emissáo ou a emissáo em valor inferior ao correto
tipificar infraçáo ás regras que preveem o cumprimento de deveres instru-
mentais tributários, cato é que a falta do documento fiscal constitui-se em
indício de prática do fato jurídico típico e a consequente obrigaçáo de pa-
gar tributos, razáo pela qual a presunçáo de omissáo de receitas e rendimen-
tos, salvo se provado que, no obstante a falta do documento adequado, os
tributos foram regularmente recolhidos, é artifício legal que no esbarra em
nenhuma garantia constitucional conferida aos contribuintes. A presunçáo,
entendemos, é válida.
Constatada a omissáo, a autoridade arbitrará a receita omitida, toman-
do por base as receitas e os rendimentos apurados em procedimento fiscal,
correspondentes ao movimento diário das vendas, prestacáo de serviços e
-
de quaisquer outras °peral eles, segundo dispóem o artigo 6° e parágrafos da
Lei n° 8.846/94 e artigo 41 e parágrafos da Lei n° 9.430/96 (artigo 284 e
parágrafos, e artigo 286, ambos do RIR199). Poderá, também, utilizar-se de
amostragem para identificar a base de cálculo do tributo, ou seja, arbitrará
a receita pretensamente auferida no més, considerando-se trés dias alterna-
dos desse mesmo período, que representem varia0es do funcionamento do
estabelecimento, conforme parágrafo 1° do artigo 6° da Lei n° 8.846/94.
Por fim, o artigo 8° da Lei n° 8.846/94 (artigo 285 do RIR199) permite
á autoridade tributária utilizar outros métodos de determinaçáo da receita,
sempre que constatar qualquer artifício utilizado pelo contribuinte, visan-
do frustar a apuraçáo da riqueza presumidamente manifestada no evento
descrito pelo fato.
No que diz respeito ao critério de arbitramento da omissáo previsto no
artigo 41 da Lei n° 9.430/96, pautado na quantidade de matérias-primas
adquiridas, a fim de determinar o montante da produçáo industrial, enten-
demos que o mesmo deve ser evitado se no for considerada a relaçáo exis-
tente entre a matéria-prima, os insumos utilizados na industrializaçáo e o
produto final. Isso porque a perda durante o curso do processo de industria-
lizaçáo pode ser muito elevada, o que desvirtuaria por completo a base de
cálculo arbitrada pelo Fisco.

5.11. Integralizaffio de capital


A auséncia de comprovaçáo da origem dos recursos utilizados para a
integralizaçáo do capital, assim como da efetividade da entrega desses va-
lores á empresa, implica presungáo de omissáo de receitasm.

15
Vide Ac. 101-78.781/89; 101-79.892/89; 102-24.469/89; 102-24.229/89 e 105-04.308/90,
todos do antigo 1° Conselho de Contribuintes.


• MARIA RITA FERRAGUT 129


• Trata-se de presungdo relativa, permitindo o Decreto-lei n° 1.598/77,
artigo 12, pardgrafo 3°, e Decreto-lei n° 1.648/78, artigo 1°, inciso II - ba-
• ses legais de diversas formas de presunção de omissão de receitas, tais como
suprimentos de caixa e liquidagdo de débito de sócios, além da própria in-
tegralizaçao de capital, e equivalentes ao artigo 282 do RIR199 - que o con-
• tribuinte comprove a origem e a efetiva entrega dos valores questionados.

• A presunçdo de omissdo de receitas é válida, e deve ser rebatida me-


diante documentação hdbil e idonea, coincidente em datas e valores, prefe-
• rencialmente cheques bancdrios ou transferencias entre bancos que demons-

• trem a origem dos recursos utilizados na integralização. 0 registro na con-


tabilidade sem qualquer documento emitido por terceiros que o lastreie ndo
• e tido pela jurisprudencia como prova suficiente para elidir a presuncdo16.

• Já a prova da origem dos recursos ndo deve ser exigida para integrali-
zay6es efetuadas por s6cios que estdo ingressando na sociedade, tendo em
• vista que, caso alguma irregularidade relacionada a esses recursos tenha sido
cometida, é somente o novo sócio que deverd arcar corn as consequencias,
• no cabendo a pessoa juridica, ao menos ate aquele momento, qualquer res-
• ponsabilidade acerca da origem dos valores''.

• 5.12. Liquidaccio de débitos dos s6cios


Também aqui
0 o fundamento legal é o Decreto-lei0
n° 1.598/77, artigo
• 12, pardgrafo 3 , e o Decreto-lei n° 1.648/78, artigo 1 , inciso II, que se cor-
• retamente aplicados ndo esbarram em nenhum limite constitucional. A ori-
• gem e a efetiva entrega dos recursos para a empresa deverdo ser provadas
também na liquidaçdo de empréstimos contraidos pelos sócios, implicando
• a ausencia de qualquer uma dessas provas reconhecimento da omissdo de
• receitas. Trata-se, pois, de presuNdo relativa.
Como nos casos de suprimento de caixa e integralização de capital, ndo
• basta a comprovacdo de apenas urn dos elementos: para afastar a presungdo

• ' Vide Ac. 101-74.146/83; 105-1.851/86; 101-76.851/86; 101-76.329/85; 102-24.029/89;


103-3.948/81, todos do antigo 1° Conselho de Contribuintes.
4111 ' ' Vide Ac. 102-24.766/90, 106-4.091/91 e 102-27.499/92, todos do antigo 1° Conselho de
Contribuintes.
• Vide Ac. 103-10.685/90 e 101-74.993/84, ambos do antigo 1° Conselho de Contribuin-
tes. Este ultimo estabelece o seguinte: "0 registro contabil dos valores tidos como entre-
* gues ao caixa da pessoa juridica pelos sócios, ainda que para amortizaçno de provavel
empréstimo anteriormente contralti°, possui as mesmas carateristicas dos suprimentos de
caixa, e, quando devidamente intimada a pessoa juridica a fazer prova da efetiva entrada
do dinheiro e sua origem, se /Id° lograr fazé-lo corn documenta0o habil e idonea, coin-
4110 cidente em datas e valores, a importância suprida sera tributada como omissiio de recei-
ta. 0 registro na contabilidade sem qualquer documento emitido por terceiros que o las-
treie nao e meio de prova (nano sibi ipsi titulutn constituit). isto C. não sera o lançamen-
to considerado amparado ern prova habil quando o crédito a sOcio-administrador repor-
410
tar a entrega de numerdrio nessas condiçOes, constituindo-se ern indlcio de omissão de
• receita."


130 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

relativa de que existiu omissáo de receitas, deveráo ser comprovadas, me-


diante documentos hábeis e idóneos, a origem e a efetiva entrega de recur-
sos pelos sócios. Isso evitaria, por exemplo, que os sócios contraíssem em-
préstimos efetivos da pessoa jurídica e devolvessem o montante empresta-
do apenas ficticiamente. Tal procedimento teria o condáo de regularizar di-
nheiro advindo de receitas omitidas.

5.13. Omissdo de rendimentos da pessoa física


Estabelecem os artigos 26 da Lei n° 4.506/64, artigo 3°, parágrafo 4°
da Lei n° 7.713/88, e artigos 24, parágrafo 2°, inciso IV, e artigo 70, pará-
grafo 3°, inciso I, da Lei n°9.430/96 (contemplados no artigo 55, inciso XIII,
do RIR/99) que sáo tributáveis:
"XIII - as quantias correspondentes ao acréscimo patrimonial da pes-
soa física, apurado mensalmente, guando esse acréscimo náo for jus-
tificado pelos rendimentos tributáveis, náo tributáveis, tributados ex-
clusivamente na fonte ou objeto de tributaçáo definitiva."
Esses artigos preveem a presunçáo relativa de omissáo de receitas por
parte do contribuinte pessoa física que, no tendo como justificar o aumen-
to patrimonial, deverá submeter o acréscimo náo justificado á tributaçáo,
considerando-se ser provável a prática de um fato jurídico ocultado.
Nenhuma irregularidade há nesse dispositivo, que no veda a produ-
çáo de provas contrárias á origem náo justificada do rendimento e que tam-
bém náo confere ao agente administrativo o dever de arbitrar aleatoriamen-
te a base de cálculo, urna vez que estabelece ser o acréscimo - fato conheci-
do considerado tanto corno indício de omissáo de receitas como a própria
base de cálculo do tributo - passível de tributaçáo. A presungáo apenas será
mantida se náo houver impugnaçáo eficaz pelo contribuinte.

5.14. Pautas fiscais de valores


As pautas fiscais de valores sáo listas correspondentes a precos mínimos
normalmente praticados no mercado, sendo utilizadas, em regra, no ICMS.
Estáo previstas no artigo 30 da Lei n° 6.374/89 (artigo 46 do RICMS/00), e
implicam a adogáo do valor previsto em regulamento como base do mon-
tante do tributo a pagar.
Ao dispor que, para fins de tributacáo, determinada mercadoria vale
tanto, á primeira vista as pautas caracterizariam-se como regra dispositiva
de "presuncáo absoluta" ou, se incompatíveis com os valores que provavel-
mente essas mercadorias teriam, ficcáo jurídica. Para Rubens Gomes de
Souza19,
"neste ponto é que surge, ou pode surgir, a diferenga (a Iénue dife-
reina' de que fala Pugliatti) entre a pauta fiscal como presuncáo e a

"Um Caso de Ficçáo Legal no Direito Tributário: a Pauta de Valores como Base de Cál-
culo do ICM". Revista de Direito Público n° II. Sáo Paulo: RT, 1970, p. 25.

• 131
• MARIA RITA FERRAGUT


• pauta fiscal como ficção. Assim, se a pauta fiscal diz que tal merca-
doria vale 1.000 e isso é sabidamente certo, ou pode ser provado
• certo, trata-se de presunção; ao contrario, se o que a pauta diz é sa-

• bidamente falso, ou pode ser provado falso, é ficção que se trata."


Quando fixadas de forma absoluta (como presungdo ou ficção), ou se
• aplicadas não obstante o contribuinte apresente documentação habil que

• comprove os reais valores das operaOes efetuadas, representam meio arbi-


trario de que os Estados utilizam-se para a quantificação de obrigaçoes tri-
• butdrias, já que desprezam a riqueza manifestada no fato juridice. A utili-
zação das pautas, portanto, so pode ocorrer se a prova direta não puder ser
• produzida, quando entdo transformar-se-d em regra que contempla valores
• para o arbitramento da base de calculo.
As pautas fiscais são também encontradas na legislação que instituiu
• O IPVA no Estado de Sdo Paulo, como presunOes relativas de fixação da
• base de calculo estipuladas de acordo corn os valores que provavelmente os
veiculos teriam. De acordo corn o caput do artigo 5°, cominado corn o arti-
• go 6° e paragrafos 2° e 3° da Lei n° 6.606/89, a base de calculo do tributo é
• o valor venal do veiculo, entendido, para os usados, como sendo o previsto
em tabela de valores venais estabelecida pela Secretaria da Fazenda do Es-
• tado.
• Como consideramos que uma das razöes de existéncia das presunOes
a praticabilidade, a utilização das pautas fiscais no IPVA é constitucional,
• por suprir deficiencias probatórias, uma vez que a determinação do valor de
• cada veiculo é praticamente impossivel de ser feita, inviabilizando, ainda que
de forma indireta, a tributa0o. Mas nem por isso ao contribuinte deve ser
• negado o direito de impugnar os valores previstos em pauta, a ele sendo

• sempre assegurado o contraditório e a ampla defesa, sob pena de reconhe-


cimento da inconstitucionalidade dessa fixação de valores.

• 5.15. Plantas fiscais de valores
For plantas fiscais de valores, entendem-se os padröes de avaliaçao de
• imoveis, por metro quadrado, segundo fatores, tais como, localizaçao, aca-


• "Imposto sobre a Circulac5o de Mercadorias e Serviços (ICMS). Base de cálculo. Fixa-
ção através de pautas de preços ou valores. 1nadmissibilidade. Quer se entendam as pau-

• tas fiscais como presungdo legal ou ficção legal da base de calculo do ICMS, e inadmis-
sive' sua utilização aprioristica para esse fim. A lei de regência do tributo (Decreto-lei n°

• 406, de 31 de dezembro de 1968) determina que a base de calculo é 'o valor da operação
de que decorrer a saida da mercadoria' (artigo 2°, I). Mesmo que tomada como presun-

• cdo relativa, a pauta de valores s6 se admite nos casos do artigo 148 do C6digo Tributd-
rio Nacional, em que mediante processo regular, se arbitre a base de calculo, se inidôneo

• os documentos e declaragOes prestadas pelo contribuinte. Os incisos II e III do artigo 2° do


Decreto-lei n o 406/68 prevéem a utilização do valor de mercado dos bens apenas na falta
• do valor real da operação. Precedentes do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconsti-
tucional essas pautas. Recurs° provido, por unanimidade." (Primeira Turma do Superior
• Tribunal de Justio, Ministro Demócrito Reinaldo, RESP 23.313/GO (9.200.138.675))


132 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTARIO

bamento e antiguidade. Sáo utilizadas principalmente na cobranga do IPTU,


como elemento de configuragáo da base de cálculo, componente do crité-
rio quantitativo da regra-matriz de incidéncia tributária.
As plantas fiscais de valores foram criadas pela lei, em virtude da im-
possibilidade fática de o Fisco determinar, caso a caso, o valor venal dos
imóveis, base de cálculo do imposto de que tratamos, sujeito ao langamen-
to de ofício.
A jurisprudéncia náo costuma discutir a validade da planta enquanto
presungáo, mas apenas a necessidade de sua veiculagáo por meio de instru-
mento introdutor adequado, já que o princípio da legalidade náo permite que
nenhum dos critérios da regra-matriz de incidéncia seja fíxado em veículo
infralegal. Mas, considerando-se que o objeto desse estudo é analisar se as
plantas fiscais constituem-se numa presungáo legal, entendemos serem elas
presungóes relativas de fixagáo da base de cálculo do tributo, estipuladas de
acordo com os valores que provavelmente os bens a que se referem teriam.
Tais plantas visam a praticabilidade da tributagáo (que poderia ser inviável
se o Fisco tivesse que analisar cada caso concreto) e podem ser utilizadas
desde que a legislagáo preveja a possibilidade de o contribuinte questionar
os valores nela fixados.
A planta, nesse sentido, deve ser tida apenas como urna fixagáo provi-
sória de valores, que se tornará definitiva em face da náo impugnagáo do
contribuinte, ou da impugnagáo ineficaz.
Finalmente, entendemos que as plantas deveráo ser consideradas fic-
góes jurídicas caso haja urna completa discrepáncia entre os valores nelas
contemplados e os que provavelmente corresponderiam á realidade. Nessa
hipótese, náo poderáo, nem diante de inércia do contribuinte, ser utilizadas
como índices para a quantificagáo da base de cálculo, por ferirem a razoa-
bilidade, proporcionalidade e possuírem efeitos confiscatórios.

5.16. Declaraeño de inidoneidade e a glosa de créditos de ICMS


Questáo que causa grande sentimento de injustiga entre os contribuin-
tes e que nao se trata de presungáo propriamente dita, considerando o sen-
tido jurídico que lhe é empregado neste trabalho, é a glosa dos créditos de
1CMS guando forem adquiridas mercadorias acobertadas por notas fiscais
posteriormente declaradas inidóneas. Propomos fazer algumas considera-
góes a respeito, inclusive para afastar o entendimento de que a glosa funda-
se na "presungáo" de que o contribuinte adquirente colaborou com a infra-
00.
Náo trataremos, por outro lado, de situagóes em que seja comprovada
a participaçáo da sociedade adquirente no ilícito, nem naquelas em que,
independentemente das ocorrIncias fáticas, o contribuinte náo tiver provas
suficientes para afastar sua participagáo na infragáo (ao deixar, por exem-
plo, de provar o depósito em conta-corrente do vendedor, ou o efetivo in-
gresso das mercadorias em seu estoque).
• MARIA RITA FERRAGUT 133

• Entendemos que a glosa de créditos de ICMS é ilegitima se as merca-


• dorias adquiridas estiverem acompanhadas de documento fiscal emitido por
• contribuinte que, a época das transagöes, encontrava-se em situagao regu-
lar, inclusive habilitado perante a Secretaria da Fazenda Estadual competen-
• te.
Ademais, se a sociedade adquirente provar que se valeu de todas as

proviancias acautelatórias, necessarias a verificação da existacia de seus
• fornecedores (obtençao de CND da Procurado-ia da Fazenda Nacional, con-
. sulta ao Sintegra e a conta-corrente do Posto Fiscal etc.), recebeu as merca-
dorias adquiridas, e efetuou o pagamento acordado, mediante cheques no-
• minais ou depoisitos em conta-corrente dos fornecedores, impöem-se a for-
. cosa conclusao de que as operaçaes efetivamente ocorreram, corn o recebi-
mento da mercadoria e o pagamento do preço acordado, razao pela qual deve
• ser assegurada a manutençao do crédito escriturado.
A boa-fé, na situação acima descrita, é incontestavel, e esse elemento
• não pode ser desconsiderado, tendo em vista que a glosa de créditos pres-
• supöe justamente a má-fé, sob pena de violação do principio da nao cumu-
• latividade.
Corroborando esse entendimento, Roque Antonio Carrazza 2I ensina:
• "Corn efeito, nao ha por que impedir o contribuinte de desfrutar por
inteiro, do princlpio da nao-cumulatividade do ICMS se: a) as ope-
• raçöes ou as prestagöes ocorreram regularmente; b) os fornecedores,
• por ocasiao da pratica dos neg6cios jurldicos pertinentes, estavam
inscritos no Cadastro Geral dos Contribuintes; c) as mercadorias fo-
ram fornecidas ou os serviços prestados; d) documentos emitidos
apresentavam aparacia de regularidade; e e) todos agiram de boa-
. fé."
0 Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de Sao Paulo reconhece, de
• forma nao unanime, o direito de crédito apropriado corn base em notas fis-
• cais inidöneas, desde que comprovada a boa-fé do adquirente e a ocorrên-
cia efetiva da operação, corn a prova do pagamento do preço ajustado".
• Vejamos uma dessas decisöes:
41) 22' /CMS, 9' ed. São Paulo: Malheiros, 2003,
• P.
449.
"Nos intimeros casos de créditos indevidos origindrios da documentação fiscal iniclônea,
temos quase sempre deparado corn urn `padrão': `os crechtos foram lançados ern datas
• posteriores ao cancelamento da firma', näo é o que ocorre no presente, onde, notamos a
rara circunstância da própria fiscalização afirmar inicialmente que deixava de tomar pro-
• videncias fiscais porque as notas fiscais são de emissão anterior ao encerramento da fir-
ma emitente, ocorrido ern 31.3.1980. De fato, as notas fiscais impugnadas de 3 a
• 11.3.1980, datas próximas do cancelamento, mas anteriores a ele. Todavia, essa circuns-
tância ndo é Unica nem exclui as demais, para comprovar a origem esptiria do crédito, tanto
• que um nürnero considerdvel de Juizes desta Casa tern entendido que se houver compro-
vado ingresso de mercadorias e a prova do pagamento, o crédito é urn direito, indepen-
• dente da existencia irregular do remetente." (Processo DRT-1 n° 12.889/85, julgado em
sessão de 20.2.1990 - Rel. Edda Gonçalves Maffei)


134 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTARIO

"Crédito de ICM - Improcedente acusagáo fiscal de ser indevido - En-


trada por nota fiscal declarada inidónea pelo fisco, porém, em data
posterior a de sua emissáo - Transaçáo, ademais, comprovada por
duplicata regularmente quitada - Pedido de reconsideraçáo da Fazen-
da desprovido - Decisáo unánime.
O exame do processo deixa claro que houve a entrada de mercado-
ria, embora acompanhada de documentaçáo inidónea. A declaragáo
de inidoneidade é datada de 2.8.88 e a nota fiscal, objeto do auto, é
de 10.3.88, anterior, portanto.
Demais disso, há outros elementos no processo que demonstram ter
ocorrido a transaçáo, inclusive a duplicata juntada, com endosso a um
banco, por parte da emitente.
Por todo o exposto, conheço do recurso da Fazenda por presentes
seus pressupostos de admissibilidade, mas no mérito, nego-lhe pro-
vimento, devendo ser mantida a decisáo recorrida por seus próprios
e jurídicos fundamentos." (Processo DRT - 1 n°7.075/90, Julgado em
Sessáo da l a Cámara de 11.8.92 - Rel. Tabajara Acácio de Carvalho)
O importante, entáo, é determinar o conteúdo do princípio da náo cu-
mulatividade, pois nos parece ser essa a questáo relevante para a análise da
glosa de créditos, e náo a presungáo de ilícito por parte do adquirente.
O artigo 155, parágrafo 2°, I, da Constituiçáo, prescreve que o impos-
to devido em cada operagáo deve ser compensado como o montante cobra-
do nas anteriores.
Infere-se desse comando normativo que ao se adquirir mercadoria de
terceiros, para seu processo industrial, o contribuinte tem o direito subjeti-
vo de se creditar de todo o montante de imposto cobrado nas operaçóes
anteriores e devidamente destacado nas notas fiscais, independentemente do
pagamento do ICMS ao Fisco, pelo vendedor.
A náo cumulatividade somente permite essa interpretaçáo, tendo em
vista náo ser possível condicionar o direito do comprador a urna verifica-

"Crédito Indevido - Apropriado de notas fiscais declaradas inidéneas - Pagamento relati-


vo ao preço das mercadorias comprovado - Pedido de reconsideraçáo do contribuinte pro-
vido - Decisáo unánime.
No caso dos autos, a autuada trouxe cheques nominativos, cruzados, descontados e pa-
gos em estabelecimento bancário, circunstáncia que milita cm seu prol no sentido de que
as operalóes que estava realizando eram regulares assim como regular seria, também, a
situaçáo da firma fornecedora.
Esse dado para mim é relevante porque, a menos que o estabelecimento bancário efetue,
irregularmente, o desconto desses cheques a terceiros, permite se concluir pela existén-
cia da firma a favor de quem esse cheque foi passado, transferindo-lhe, entáo, dada sua
existéncia guando da realizaçáo das operaglies, a responsabilidade pelo pagamento do im-
posto, por ser o sujeito passivo da obrigaçáo tributária." (Processo DRT n°4-6174/90, jul-
gado em sessáo da l° Cámara Efetiva de 21.7.1992 - Rel. Dirceu Pereira)
MARIA RITA FERRAGUT 135

edo praticamente impossivel (a de que o pagamento do imposto foi efetiva-


mente realizado na operação anterior), já que o ICMS ndo é calculado con-
siderando-se cada operaedo efetuada - circunstancia que facilitaria muito a
comprovação do pagamento e sim o saldo do period° de competencia, que
engloba todas as operaçöes de entrada e sada, considerando quaisquer for-
necedores e clientes.
Assim, é completamente descabida a interpretação de que por "cobra-
do", deve-se entender "pago". Essa, certamente, é a forma que o Fisco en-
controu para tentar legitimar o estorno do credit°, quando os cofres ptibli-
cos tiverem sido lesados pelo ndo recebimento do ICMS devido na opera-
edo anterior. Mas o esforeo é vdo, pois a interpretação fazenddria nä° guar-
da fundamento de validade constitucional.
A Constituted° prescreve dois limites para a interpretação do principio
da ndo cumulatividade: (i) o primeiro é semantic°, já que no é possivel
entender que "imposto cobrado" (redaedo da norma constitucional) seja o
mesmo que "imposto pogo" (interpretagdo fazenddria); e (ii) o segundo é
ontológico, já que ndo possivel condicional o direito ao credit°, à verifica-
edo fatica praticamente impossivel. 0 adquirente da mercadoria dificilmente
teria como saber se o ICMS cobrado na operação anterior foi pago, pois a
forma de apuração do impost° requer a consideração de todas as compras e
vendas do period°, e nib o apenas uma operagdo.
Portant°, o direito ao credit° nasce da aquisiedo de mercadoria tribu-
tada e deve corresponder ao montante do imposto cobrado na operaedo an-
terior. Qualquer limite a esse entendimento set-á inconstitucional, razdo pela
qual a glosa de créditos ndo pode subsistir.
0 interesse piIblico certamente ndo se sobrepoe aos direitos individuais.
Pretender penalizar a sociedade adquirente de mercadoria, por infraedo co-
metida por terceiros - e que, na época dos fatos juridicos tributdrios, ndo
eram considerados inidemeos - para, corn isso, assegurar a arrecadaedo, é
violar os principios constitucionais da ndo cumulatividade, da segurança
juridica, da legalidade e da tipicidade.
Finalmente, o Poder Judiciário já decidiu, imimeras vezes, questoes
andlogas a ora analisada. Vejamos alguns exemplos:
"1. As operaçaes realizadas corn empresa posteriormente declarada
inidônea pelo Fisco devem set consideradas válidas, ndo se poden-
do penalizar a empresa adquirente que agiu de boa-fé.
2. Recurso especial provido." (Superior Tribunal de Justiça - REsp
176.270 - Min. Eliana Ca!mon - Segunda Turma - DJ 4.6.2001)

época da transagdo, o comprador estava regularmente cadastra-


do e, se posteriormente foi constatada irregularidade na sua consti-
tuiedo, ndo pode o vendedor, que realizou a transited° de boa-fé,
emitindo nota fiscal de produtor pra fazer acompanhar a mercado-
136 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

ria, ser responsabilizado." (Superior Tribunal de Justiça - REsp


175.204- Min. José Delgado - Primeira Turma - DJ 23.11.1998)

"Tributário. ICMS. Crédito decorrente de Nota Fiscal Emitida por


Empresa cuja Inscriçáo foi Declarada Inidónea.
Para aproveitar os créditos de ICMS embutidos no valor das merca-
dorias que entram no seu estabelecimento, o comprador no depen-
de da prova de que o vendedor pagou o tributo; só se exige do com-
prador a comprovaçáo de que a nota fiscal corresponde a um negó-
cio efetivamente realizado e de que o vendedor estava regularmente
inscrito na repartiçáo fazendária como contribuinte do tributo." (Su-
perior Tribunal de Justiça - REsp 173.817 - Min. Ari Pargendler -
Segunda Turma - DJ 6.4.1998)
Por todos esses motivos, no há como se admitir a glosa dos créditos
de ICMS, nem a imposiçáo de penalidade decorrente do recebimento de
mercadoria desacompanhada de documento fiscal que, á época, era idóneo.

5.17. Extravio e inutilizaçáo de documentos fiscais


A legislaçáo tributária determina que as pessoas jurídicas devam gerar
e manter em boa ordem toda a documentagáo que compóe a sua escritura-
çáo fiscal, como, por exemplo, os livros, as notas fiscais e as despesas con-
tabilizadas como dedutíveis, enquanto náo prescritas eventuais açóes de fis-
calizaçáo e cobrança pertinentes ao Fisco.
Caso ocorra o extravio ou a inutilizaçáo dos referidos documentos, a
legislaçáo estabelece uma série de procedimentos de observáncia obrigató-
ria pela pessoa jurídica que teve seus documentos extraviados.
No ámbito federal, o parágrafo 1° do artigo 264 do RIR199 determina
que a pessoa jurídica deve publicar, em jornal de grande circulaçáo do lo-
cal de seu estabelecimento, o aviso concernente ao extravio e, dentro de 48
(quarenta e oito) horas da publicaçáo, informar o órgáo competente do Re-
gistro do Comércio e remeter cópia dessa comunicaçáo á Receita Federal
de sua jurisdiçáo.
A legalizaçáo dos novos livros, fichas ou arquivos magnéticos só será
providenciada depois dos mencionados procedimentos, caso em que a Se-
cretaria da Receita Federal autorizará a emissáo da nova documentaçáo fis-
cal.
Já a Secretaria da Fazenda do Estado de Sáo Paulo determina, por meio
da Portaria do Coordenador da Administraçáo Tributária - CAT/SP n° 39/00
(com as alteraçóes promovidas pela Portarla CAT n° 44/02), que o contri-
buinte comunique o extravio ao Posto Fiscal a que estiver vinculado, entre-
gue ao Posto Fiscal urna Declaragáo de Extravio de Documentos e publi-
que, por trés vezes, anúncio em jornal da localidade, relativo á ocorrIncia e
com a identificaçáo dos documentos fiscais extraviados.
MARIA RITA FERRAGUT 137

Além dos atos previstos acima, deverd também ser lavrado o termo
circunstanciado no livro Registro de Utilizaçäo de Documentos Fiscais e
Termos de Ocorrência, o qual deverd ser vistado pelo Fisco quando da en-
trega da comunicação acima mencionada.
A reconstituiçäo de escrita fiscal depende de autorizagdo prévia do
Fisco. Entretanto, a realização dos procedimentos acima relatados resguar-
da o contribuinte da aplicação das penalidades previstas no artigo 547 do
RICMS/SP.
Por outro lado, se a sociedade não tiver observado esses procedimen-
tos, além das multas eventualmente aplicáveis pela não apresentação de
documentos fiscais, ficard sujeita ao arbitramento da base de cálculo dos
tributos (artigos 530 do RIR199 e 493 do RICMS/SP, ambos fundados no
artigo 148 do CTN).
0 arbitramento, no entanto, serd inaplicavel se restar provado que,
embora os documentos fiscais da sociedade tenham sido extraviados, esse
fato ocorreu em virtude de caso fortuito. Esse é o entendimento tanto da
jurisprudência judicial 24 , como da administrativa 25 , sendo imprescindivel que
o contribuinte comprove näo ter incorrido em culpa (impericia, impruden-
cia ou negligência) ou dolo.
Importante observar, nesse contexto, que se a sociedade (i) não possuir
os arquivos magnéticos que &do suporte aos livros fiscais; e (ii) também nä°
tiver salvo os backups necessários a reconstitukdo de sua escrita contabil,
tais condutas caracterizardo, em principio, culpa da sociedade por negligên-
cia, o que compromete a tipificação do caso fortuito. 0 dolo, por sua vez,
estard caracterizado se for comprovada, mediante a utilização de provas di-
retas ou indiretas, a intenção da sociedade de não cumprir com esses requi-


• 23 Decisiio Homologatória CAT de 13 de dezembro de 1973 (Process° DRT- 4-5056/70)
dispoe que, na ausência de dolo ou e mediante dentincia espontânea do contri-
buinte, não sera lavrado auto de infração e imposição de multa em decorrencia de extra-

vio, perda ou inutilização de documento fiscal.
le 24 Terceira Turma do TRF da Primeira Regido na Apelação Civel n° 199201314302/GO, in
verbis: "Tributario. Impost° de Renda e tributaçâo reflexa. Desconsideração da escrita.
Arbitrament°. Descabimento ante a destruicdo de livros e docurnentos em decorrencia de
caso fortuito ou força maior. 1. Constitui caso fortuito ou de força maior inundação que
• destrói livros fiscais e documentos contábeis do contribuinte, somente se justificando o
arbitramento do lucro se comprovado, por outros meios, nä° corresponderem a realidade
4111 as declaracöes de renda apresentadas a Receita Federal. 2. Apelaçöes e remessas a que se
nega provimento." No mesmo sentido, a Primeira Turma do TRF da Quarta Regido na
• Apelação Clvel n o 9.504.420.516/PR.
"Ementa: IRPJ - Lançamento - Arbitramento - Comprovada a ocorrência de caso fortui-
to, a inexistencia de culpa da empresa no sinistro, e a impossibilidade de reconstituição
da escrita, incablvel o arbitramento do lucro." (Primeira Camara do antigo Conselho de
• Contribuintes, processo n° 10735.000077/95-56. Recorrente: DRJ-Rio de Janeiro/RJ.
Recorrida: Resitec Inthistria Química Ltda.)


138 A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO

sitos, com a finalidade de justamente impossibilitar a reconstituiçáo da es-


crita fiscal.

6. Conclusóes
Aquele que se julgar correto, prove os fatos que alega. Convença. Fato
é articulaçáo linguística, prova também. É só eles interessam para o Direi-
to.
Lidar com as provas, e provocar convencimento, requer estratégia,
habilidade e foco. A presunçáo é apenas urna das regras desse instigante
jogo. Que vença quem provar.

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