Os Irmãos Unidos no Brasil1
Francisco Genciano Junior∗
Não muito tempo após os eventos que desencadearam o início do movimento que
viria a ser chamado de os Irmãos Unidos, em Dublin, na Irlanda, no início de 1827, os
Irmãos, ou antes, seus ideais e práticas, chegaram a terras brasileiras. Esta chegada dos
Irmãos ao Brasil liga-se à história do famoso missionário Robert Reid Kalley e de seu
cooperador Richard Holden e, por conseguinte, à Igreja Evangélica Fluminense.
O médico escocês Dr. Robert Kalley é tido como o pioneiro do protestantismo de
missão no território brasileiro. Chegou ao Brasil 1855 com sua esposa Sara Poulton Kalley.
No Rio de Janeiro deu início aos trabalhos evangelísticos que culminaram com a fundação
da Igreja Evangélica em julho de 1858, que posteriormente (1863) passou a denominar-se
Igreja Evangélica Fluminense.
No ano de 1865 Dr. Kalley convidou a Richard Holden para ser seu cooperador.
Holden atuava então como agente da Sociedade Bíblica Britânica e co-pastor na Igreja
Evangélica Fluminense. Durante essa estada no Rio de Janeiro, entre 1865 e 1871, Richard
Holden empreendeu inúmeras viagens de norte a sul do Brasil, visitando também outros
países, como Uruguai e Argentina, por conta de sua função na Sociedade Bíblica Britânica.
Holden pretendia cooperar com Kalley nos cuidados da Igreja Fluminense sem o
recebimento de salários, o que não agradava a Kalley, que insistia em remunerá-lo. Holden
entendia que em não sendo um ministro assalariado estaria livre para ser fiel a suas
convicções e expressá-las em quaisquer questões acerca das quais houvesse divergência
(FILGUEIRAS, 1991, p. 79). Essa questão sobressai como um importante ponto de tensão
entre eles.
Apesar das divergências acerca de pontos específicos de doutrina e prática, parece
que Holden gozava de considerável confiança por parte do Dr. Kalley. Em dezembro de
1868 o casal Kalley deixou o Brasil para uma longa estada na Europa, da qual retornaram
apenas e junho de 1871. Durante todo esse tempo Richard Holden assumiu sozinho o
cuidado pastoral da Igreja Fluminense e, com a chegada do casal Kalley, partiu para a
Inglaterra com indicações de não mais voltar ao Brasil.
1
Este texto é um excerto de monografia de final de curso intitulada Os Irmãos, como foram chamados.
∗
Teólogo e Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista do Estado de São Paulo.
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Não se sabe ao certo em que momento Richard Holden teria tido conhecimento das
doutrinas e princípios dos Irmãos Unidos, mas sua mãe, seu irmão e sua irmã, que morava
na Alemanha, reuniam-se em assembleias dos Irmãos, e Holden em correspondência com o
filho e amigos feitos no Brasil transmitia os ensinos que ouvia (FILGUEIRAS, 1991, p.
84).
Apenas para frisar o vulto que o movimento dos Irmãos assumiu no século XIX,
cita-se que o próprio Dr. Kalley possuía parentes que se reuniam nas assembleias dos
Irmãos. Um tio de sua esposa, que cooperou financeiramente com os trabalhos no Brasil
congregava em uma assembleia dos Irmãos em Londres. O próprio Dr. Kalley manteve
correspondência com John Nelson Darby, tendo posteriormente publicado cartas com
fortes acusações contra os darbistas (FILGUEIRAS, 1991, p. 85)2.
Por correspondência Holden informou ao Dr. Kalley e, por conseguinte, à Igreja
Evangélica Fluminense, que renunciava ao pastorado, isso se deu no início do ano de 1872.
A correspondência entre Holden e Kalley não se interrompeu de pronto. Aquele procurava
demonstrar que as doutrinas e princípios dos Irmãos eram acertadamente bíblicos, e
afirmava que a ideia de que Darby regia o movimento como um papa adivinha tão somente
do atrito com Benjamin Wills Newton e a assembleia de Bethesda (FILGUEIRAS, 1991, p.
90-91).
Anos depois, em 1879, Holden teria escrito ao Dr. Kalley afirmando não concordar
com atitudes despóticas de Darby em relação a qualquer um que não acatasse suas ordens
ou ensinos (FILGUEIRAS, 1991, p. 104).
Como resultado dos ensinos transmitidos por Holden por intermédio das cartas
endereçadas a amigos na Igreja Evangélica Fluminense, entre o final de junho e início de
julho de 1878, vários irmãos que com Holden concordavam deixaram a Igreja Fluminense
e passaram a se reunir na casa de um deles, João Antônio de Menezes. “Estava assim
formado o primeiro núcleo dos Irmãos no Brasil” (FILGUEIRAS, 1991, p. 100).
Em julho de 1879, um ano após a formação daquele primeiro grupo, Richard
Holden retorna ao Rio para visitá-los. Permanece por quatro meses e parte para nunca mais
retornar ao Brasil. No Rio de Janeiro, informa Filgueiras (1991, p. 120-121), os Irmãos
tiveram vários pontos de reunião até se estabelecerem em um imóvel na Rua São Carlos, a
2
Também em MATOS, Alderi de Souza. Robert Reid Kalley: pioneiro do protestantismo missionário na
Europa e nas Américas. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/7041.html>. Acesso em: 08 out. 2012.
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partir de 1921, comprado e adaptado para receber as reuniões e, ao que se deduz, ainda era
utilizado em 1991 (FILGUEIRAS, 1991, p. 121-123).
O empenho evangelístico daqueles primeiros Irmãos brasileiros prontamente os
encaminhou para as regiões serranas do Rio de Janeiro, com a abertura de assembleias em
Petrópolis, Teresópolis e Santa Rita (FILGUEIRAS, 1991, p. 128).
No início do século XX já existiam assembleias dos Irmãos em Carangola, no
estado de Minas Gerais, Santa Bárbara e Piracicaba, ambas no estado de São Paulo, estas
últimas visitadas em 1901 (McNAIR, 1953, p. 17) por Stuart Edmund McNair, britânico
que chegou ao Brasil em 1896 e que muito cooperou com os Irmãos em solo brasileiro.
Stuart E. McNair empreendeu inúmeras viagens pelo território brasileiro, escreveu
livros e editou durante quatorze anos (1927 a 1941) o periódico chamado O Boletim
Evangélico (McNAIR, 1953, p. 25), tendo fundado a própria gráfica e editora a serviço dos
Irmãos, em 1933, a Casa Editora Evangélica, em Teresópolis (McNAIR, 1954, p. 22).
Partindo de Carangola, os Irmãos, durante as três primeiras décadas do século XX,
foram se mudando e estendendo seu trabalho para Vitória, Governador Valadares, Belo
Horizonte, Norte do Espírito Santo e Sul da Bahia, alcançando também os arredores de São
Paulo e o Norte do Paraná (FILGUEIRAS, 1991, p. 146).
Segundo Filgueiras (1991, p. 146) os Estados do Mato Grosso e Rondônia e outros
do Norte e Nordeste, foram alcançados pelo trabalho missionário dos Irmãos. Stuart
McNair menciona ter estado em Recife (1953, p. 15), no Maranhão (1953, p. 19) e em
Belém (1954, p. 21). O primeiro edifício, designado Casa de Oração, para a reunião dos
Irmãos foi inaugurado no Brasil, em 1914, na cidade de Carangola (McNAIR, 1954, p. 21).
Maiores detalhes acerca do desenvolvimento das atividades dos Irmãos em terras
brasileiras não estão disponíveis em livros ou periódicos encontrados em livrarias ou
bibliotecas. As características peculiares do movimento, como a constituição de igrejas
independentes não confederadas ou mesmo federadas, assim como as divisões que
fracionaram o movimento em seu início e que o tem fracionado ao longo do tempo,
impedem a consolidação de históricos e de dados.
Entretanto, em contatos efetuados com editores de sites relacionados à herança dos
Irmãos Unidos no Brasil obtivemos informações que causaram surpresa. Relatou-se algo
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como cerca de 50.000 famílias relacionadas de algum modo à história dos Irmãos Unidos,
espalhadas por cerca de 6000 assembleias3.
Referências bibliográficas
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WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. 3ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo:
Juerp/Aste, 1980.
3
Informações obtidas com Júlio Marcos Ometto editor do site <http://irmaosnobrasil.org/>. Acesso em: 08
out. 2012. Estimativas publicadas com autorização.
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