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Acórdão Da Intervenção Acessória

Este documento descreve um processo judicial sobre uma aplicação financeira. O banco réu procurou a intervenção principal da seguradora AIG, alegando que transferiu responsabilidade civil para esta através de contratos de seguro. O tribunal admitiu apenas a intervenção acessória da seguradora. O banco recorreu pedindo a intervenção principal da seguradora.

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Acórdão Da Intervenção Acessória

Este documento descreve um processo judicial sobre uma aplicação financeira. O banco réu procurou a intervenção principal da seguradora AIG, alegando que transferiu responsabilidade civil para esta através de contratos de seguro. O tribunal admitiu apenas a intervenção acessória da seguradora. O banco recorreu pedindo a intervenção principal da seguradora.

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Proc. Nº 1083/19.5T8VCT-A.

G1

7210879

CONCLUSÃO - 29-10-2020

(Termo eletrónico elaborado por Escrivão de Direito Maria Rosária Gonçalves)

=CLS=

*****

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) A autora Jolanta Kozmala veio intentar ação declarativa com processos comum
contra Deutsche Bank Aktiengesellschaft – Sucursal em Portugal, onde peticiona que
seja declarada sem efeito a subscrição da aplicação financeira denominada Notes db
Cabaz Global Outubro de 2017, no montante de €200.000,00, concretizada em
novembro de 2014 e, em consequência, que seja o banco réu condenado na restituição à
autora da referida quantia, mais juros de mora até efetivo e integral pagamento.

A ré Deutsche Bank Aktiengesellschaft – Sucursal em Portugal apresentou contestação


e veio deduzir a intervenção principal provocada de José Miguel Freitas Matos e da
seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal.

No que se refere ao chamado José Miguel Freitas Matos, que é companheiro da autora,
refere a ré que o chamado prestou o seu consentimento à celebração dos contratos de
mútuo e assumiu pessoal e diretamente as responsabilidades assumidas pela autora no
âmbito do contrato de mútuo nº 830017942 outorgado em 29.07.2016, pelo que é
cotitular dos direitos que a autora pretende fazer valer por via desta ação, devendo ser
admitido a intervir nos termos do disposto no artigo 316º nº 3 b) do Código de Processo
Civil, pelo que requereu a sua intervenção provocada.

No que se refere à seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal, refere a ré


que a autora funda a sua pretensão na responsabilidade civil do réu emergente dos atos
praticados pelos ex-promotores da Agência de Ponde de Lima, no âmbito do contrato de
promoção celebrado com o ora réu e no âmbito da atividade de intermediação
financeira, promoveram os negócios sub judice e, por via do contrato de seguro titulado
pela apólice numero PA17FI0044, o ora réu, transferiu a sua responsabilidade civil
emergente da prestação de serviços financeiros ou profissionais pelos promotores por si
designados, para a seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal, pelo que o
sinistro sub judice, encontra-se abrangido pelo objeto da referida apólice a qual cobre
temporalmente os factos em discussão nos presentes autos, motivo pelo qual a
seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal, responde, solidariamente com
o réu, pelos danos que na presente ação lhe são imputados pela autora, constituindo-se
na obrigação de ressarcir a autora, nos mesmos termos em que o réu o tenha de fazer,
pelo que é manifesto o interesse da seguradora em contradizer a pretensão deduzida pela
autora nos presentes autos, razão pela qual, ao abrigo do artigo 316º do CPC, se
provocou a intervenção principal da seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em
Portugal.

B) Foi proferido o despacho de fls. 103 e seg., onde consta:

“No seu articulado de contestação o réu veio suscitar a intervenção principal provocada
da AIG Europe Limited.

Alega o réu que por via do contrato de seguro titulado pela apólice número PA17FI0044
transferiu a sua Responsabilidade Civil emergente da prestação de serviços financeiros
ou profissionais pelos promotores por si designados, para a seguradora AIG Europe
Limited – Sucursal em Portugal.

O sinistro sub judice encontra-se abrangido pelo objeto da apólice número PA17FI0044,
a qual, sendo de base de reclamação (“claims made”) cobre temporalmente os factos em
discussão nos presentes autos.

Além disso, por via do contrato de seguro titulado pela apólice número C03140004, o
réu transferiu a sua responsabilidade civil emergente da atividade por si exercida, de
novo, para a seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal.

O sinistro sub judice encontra-se abrangido pelo objeto da apólice C03140004, a qual,
encontrando-se vigente à data dos atos e omissões imputadas aos promotores externos
que colaboravam com o réu, cobre temporalmente os factos em discussão nos presentes
autos.

Por força dos contratos de seguro que abrangem o réu, a seguradora AIG Europe
Limited – Sucursal em Portugal, responde, solidariamente com o mesmo, pelos danos
que na presente ação lhe são imputados pela autora, constituindo-se na obrigação de
ressarcir a autora, nos mesmos termos em que o réu o tenha de fazer.

Defende o réu que é manifesto o interesse da Seguradora em contradizer a pretensão


deduzida pela autora nos presentes autos.

Não foi deduzida oposição.

Estando em causa seguros de carácter facultativo e tendo em conta que nos mesmos não
está previsto o direito de demandar diretamente o segurador e considerando que não se
verifica a situação de o segurado ter informado a autora com o consequente início de
negociações diretas entre esta última e o segurador, é de admitir a intervenção da
seguradora, mas apenas como parte acessória. O Tribunal acompanha a jurisprudência
consagrada nos Acs. da RP de 12/07/2017 e da RG de 19/10/2017 (in, www.dgsi.pt).

Decide-se assim admitir a requerida intervenção, mas na qualidade de parte acessória do


réu.

Assim sendo, defere-se parcialmente o incidente, admitindo-se a intervir nos autos a


AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal, mas como parte acessória do réu (art. 321º
do CPC).

Custas pelo réu.

Notifique.

Cumpra o disposto no art. 323º nº 1 do CPC.”

C) Inconformado com a decisão proferida, veio o réu Deutsche Bank Aktiengesellschaft


– Sucursal em Portugal, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a
subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (fls. 10).

*
C) Nas alegações de recurso do apelante e réu Deutsche Bank Aktiengesellschaft –
Sucursal em Portugal, são formuladas as seguintes conclusões:

a) O recurso do douto despacho que não admite a intervenção principal provocada


passiva da seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal admitindo-a a título
de intervenção acessória é recorrível, uma vez que, nos termos do artigo 322º, nº 2 do
CPC, apenas a parte do despacho que admite a intervenção acessória da seguradora é
irrecorrível.

b) O incidente de intervenção de terceiros é um incidente processado autonomamente,


pelo que, há a possibilidade de recurso de apelação autónoma, nos termos da última
parte da alínea a) do nº 1 do artigo 644º do CPC.

c) O douto despacho recorrido pôs termo ao incidente de intervenção de terceiros, e fê-


lo não admitindo a intervenção principal da seguradora, tal como tinha sido deduzido
pelo ora apelante na sua contestação, apenas admitindo a intervenção acessória da
seguradora (através de convolação), sendo assim recorrível, nos termos e para os efeitos
da alínea a) do nº 1 e h) do nº 2 do artigo 644º do CPC, na parte não deferida.

d) Com o devido respeito que o Tribunal a quo merece, salvo melhor opinião, o douto
despacho recorrido violou o disposto nos artigos 316º e 317º do CPC, designadamente
no que respeita à não admissão da intervenção principal provocada da seguradora,
devendo, consequentemente, ser substituído por outro que admita o incidente de
intervenção principal provocada da seguradora.

e) Nos artigos 420º e seguintes da sua contestação o recorrente alegou ter celebrado
contratos de seguro, nos termos dos quais transferiu para a seguradora a
responsabilidade civil em que possa incorrer em consequência de atos, omissões e erros
imputados aos promotores por si designados, sendo que, por efeito dos aludidos
contratos de seguro, a seguradora responde pelos valores que o autor reclama na
presente ação, por estes se incluírem no âmbito da respetiva cobertura dos seguros.

f) A seguradora com a qual o réu celebrou contratos de seguro de responsabilidade civil


facultativos deverá ser considerada titular da mesma relação jurídica invocada pelo
autor, devendo ser aceite que a seguradora seja admitida a intervir como parte principal,
defendendo um interesse igual a do réu e parte na relação material controvertida.
g) Resulta da vasta maioria da doutrina e jurisprudência (no qual se inclui a Veneranda
Relação de Guimarães) tratar-se o contrato de seguro de responsabilidade civil
(incluindo o facultativo) dum contrato a favor de terceiro, nos termos dos artigos 443º e
444º do CC, podendo, por essa razão, o lesado demandar diretamente a seguradora ou o
segurado, ou ambos em litisconsórcio voluntário, nos termos do artigo 32º do CPC.

h) Atenta a faculdade de que goza o lesado de demandar diretamente a Seguradora, a


intervenção desta deverá ser admitida a título principal, seja em virtude da natureza do
contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo como contrato a favor de
terceiro (artigo 444º do CC), seja devido ao facto de, perante o lesado, segurado e
seguradora, serem solidariamente responsáveis (artigo 497º do CC).

i) A intervenção principal provocada (artigo 316º do CPC), em litisconsórcio passivo,


da seguradora e do segurado, assegurará uma defesa conjunta contra o credor, bem
como, acautelará um eventual direito de regresso (nº 1, do artigo 317º do CPC), já que,
o contrato de seguro de responsabilidade civil transforma a seguradora, enquanto
obrigada ao pagamento do quantum indemnizatório, em titular da relação material
controvertida, com um interesse principal.

j) Em face do exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao decidir do modo


como decidiu, violou as normas legais previstas nos artigos 32º, 316º e 317º do Código
de Processo Civil.

Termina entendendo dever ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se


o douto despacho proferido, e determinando-se a sua substituição por outro que admita a
intervenção principal provocada da seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em
Portugal.

Não foi apresentada resposta.

D) Foram colhidos os vistos legais.

E) A questão a decidir no recurso é a de saber se deverá ser admitida a intervenção


principal provocada da chamada ou se a sua intervenção deverá ser acessória, tal como
decidiu o tribunal a quo.
*

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a atender são os que constam do relatório que antecede.

B) O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não
podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas
partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

C) O apelante Deutsche Bank Aktiengesellschaft – Sucursal em Portugal na contestação


veio requerer a intervenção principal provocada da seguradora AIG Europe Limited –
Sucursal em Portugal, alegando que face à pretensão indemnizatória emergente da
responsabilidade civil da ré, formulada pela autora e face à existência de um contrato de
seguro em que o ora réu transferiu a sua responsabilidade civil emergente da prestação
de serviços financeiros ou profissionais pelos promotores por si designados, para a
seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal, esta responde, solidariamente
com o réu, pelos danos que na presente ação lhe são imputados pela autora,
constituindo-se na obrigação de ressarcir a autora, nos mesmos termos em que o réu o
tenha de fazer, pelo que é manifesto o interesse da seguradora em contradizer a
pretensão deduzida pela autora nos presentes autos.

Na 1ª Instância foi indeferida a requerida intervenção, conforme resulta do despacho


recorrido.

Desta decisão interpôs o apelante recurso entendendo que deve ser admitida a
intervenção principal provocada da chamada AIG Europe Limited – Sucursal em
Portugal, mas foi admitida a intervenção acessória da mesma.

Vejamos.

Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte
principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou
do réu, nos termos dos artigos 32º, 33º e 34º (artigo 311º NCPC).
No que se refere à intervenção principal provocada, a mesma consiste no chamamento
ao processo, por qualquer uma das partes, de terceiros interessados na intervenção, seja
como seus associados, seja como associados da parte contrária.

No presente caso, não pode haver qualquer dúvida que estamos perante um seguro
facultativo que a ré celebrou com a chamada.

E tendo em conta a similitude da presente situação com a que foi apreciada no processo
1904/19.2T8VCT-A.G1, no acórdão ai proferido em 27/02/2020, relatado pelo
Desembargador Alcides Rodrigues, que se acompanha, dir-se-á que “a lei processual
permite que, em diversas situações, quem não sendo parte na instância, no início da
ação, venha a adquirir essa mesma qualidade.

“Estando pendente uma ação”, como refere Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o
Novo Processo Civil, Lex, p. 174 e ss), “pode nela intervir um terceiro que mostre
interesse em ser abrangido pelo caso julgado da decisão ou em opor-se à apreciação da
causa favoravelmente a uma das partes e pode ser chamado a intervir nela um terceiro
que qualquer das partes tenha interesse em incluir no âmbito subjetivo do caso julgado
da decisão.

Esta intervenção torna o terceiro parte da causa e, consoante a posição que ele passa a
ocupar nela, pode torná-lo uma parte acessória, se o terceiro apenas assume a posição de
auxiliar de um autor ou de um réu, ou uma parte principal se o terceiro faz valer um
direito próprio ou se lhe é exigido o cumprimento de uma prestação ou o
reconhecimento de um direito”.

Como resulta do preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, concluiu-se “pela


possibilidade de reconduzir logicamente a três as formas ou tipos de intervenção,
distinguindo sucessivamente:

Os casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes


primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de
uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação
material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um
hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais: é este o esquema que define a figura da
intervenção principal, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do
interveniente com o da parte a que se associa;
As situações em que o interveniente, invocando um interesse ou relação conexo ou
dependente da controvertida, se apresta a auxiliar uma das partes primitivas, procurando
com isso evitar o prejuízo que indiretamente lhe decorreria da decisão proferida no
confronto das partes principais, exercendo uma atividade processual subordinada à da
parte que pretende coadjuvar: são os traços fundamentais da intervenção acessória;

Finalmente, as hipóteses em que o terceiro faz valer no processo uma pretensão própria,
no confronto de ambas as partes primitivas, afirmando um direito próprio e
juridicamente incompatível, no todo ou em parte, com a pretensão do autor ou do
reconvinte - direito este que, não sendo paralelo ou dependente dos interesses das partes
originárias, não determina a associação na lide que caracteriza a figura da intervenção
principal: é o esquema que caracteriza a figura da oposição”.

A posição que os terceiros vão ocupar no processo varia em função do tipo de


intervenção.

A intervenção principal confere ao interveniente a posição de parte principal, com os


direitos processuais inerentes; a intervenção como parte acessória (com interesse
dependente da parte principal) subordina-se à atividade da parte que vai auxiliar (art.
321º, nº 1, do CPC); na oposição, o interveniente tem um interesse em opor-se à
apreciação favorável da causa a uma das partes (Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e
Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral –
Princípios - Pressupostos, 2ª ed., 2018, UCEP, pp. 192/193) (art. 333º, nº 1, do CPC).

(…)

Têm reconhecidamente legitimidade para intervir a título principal todos aqueles que,
apesar de não estarem desde o início no processo, são também titulares da relação
material controvertida, pelo que podem litisconsorciar-se com o autor ou com o réu
(Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, obra citada, p. 193), nos
termos dos arts. 32º, 33º e 34º do CPC.

Prevendo sobre o âmbito da intervenção provocada, estipula o art. 316º do CPC:

“1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar
a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado,
seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum
litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem
pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.

3. O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:

a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários,


sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo


autor”.

(…)

Na intervenção principal provocada, o interveniente assume, com a respetiva citação


pessoal (art. 319º, nº 1 do CPC), efetuada na sequência da admissão do chamamento, a
qualidade de parte principal.

Efetivamente, por força do preceituado no art. 320º do CPC, a sentença que vier a ser
proferida sobre o mérito da causa irá apreciar “a relação jurídica de que seja titular o
chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado”.

Sobre o âmbito de aplicação da intervenção acessória provocada rege o art. 321º do


CPC, cujo teor se reproduz:

«1. O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo
que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa,
sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.

2. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham


repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento».

O legislador, no preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, explicitou qual a razão


de ser da configuração do referido incidente de intervenção (acessória) provocada ou
suscitada pelo réu da causa principal:

“Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da relação de


regresso, meramente conexa com a controvertida - invocada pelo réu como causa do
chamamento -, é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou
reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto
de ulterior e eventual efetivação da ação de regresso pelo réu da demanda anterior, e não
a de parte principal: mal se compreende, na verdade, que quem não é reconhecidamente
titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão-somente sujeito passivo
de uma eventual ação de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que,
em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a ação proceda (ficando tão-
somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos
pressupostos daquela ação de regresso, a efetivar em demanda ulterior) deva ser tratado
como «parte principal».

A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspetiva, numa intervenção


acessória ou subordinada, suscitada pelo réu, na altura em que deduz a sua defesa,
visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à
discussão das questões que possam ter repercussão na ação de regresso ou indemnização
invocada como fundamento do chamamento”.

O incidente em análise tem por finalidade permitir que possa intervir no processo como
auxiliar, a chamamento do réu, um terceiro, que, embora careça de legitimidade para
intervir como parte principal, tenha um interesse reflexo ou indireto na decisão da
causa.

O réu chamará a intervir um estranho à relação controvertida, com base na invocação


contra ele de um possível direito de regresso, que lhe permitirá ressarcir-se do prejuízo
que lhe cause a perda da demanda (Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo
Andrade e Castro, obra citada, p. 196).

O principal âmbito de aplicação da intervenção acessória provocada coincide com o


direito de regresso decorrente de uma relação conexa com o objeto do processo.

Quando entendido em sentido próprio, este direito de regresso pode decorrer de uma
relação de garantia: é o caso, por exemplo, de o causador de um dano chamar a intervir
a companhia de seguros na qual cobriu o risco da sua atividade (Miguel Teixeira de
Sousa, obra citada, pp. 179/180).

Diversamente do que sucede na intervenção principal para efetivação do direito de


regresso (art. 317º do CPC) em que o terceiro é, com o réu, sujeito da relação material
controvertida, na intervenção acessória provocada o terceiro é sujeito passivo de uma
distinta relação material em que se funda a pretensão de regresso, que só poderá ser
acolhida na ação subsequente (António Júlio Cunha, Direito Processual Civil
Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 147).

O incidente de intervenção acessória implica, pois, a coexistência de duas relações


jurídicas (a relação entre o autor e o réu e a relação entre o réu e o terceiro chamado)
que, embora distintas, apresentam determinada conexão, traduzida na circunstância de a
perda da demanda inicial pelo réu lhe conferir um direito de crédito (indemnização) no
âmbito da relação que tem com o terceiro.

Na estrutura do incidente há, portanto, a considerar duas relação jurídicas distintas: a


relação material controvertida na lide, de que é sujeito ativo o autor e passivo o réu; e a
relação jurídica de regresso ou indemnização, invocada como fundamento do
chamamento, que tem como titular ativo o réu da causa principal e passivo o terceiro
por aquele chamado (cfr. C. Lopes do Rego,

Os Incidentes de Intervenção de Terceiros em Processo Civil, Revista do Ministério


Púbico, Ano 5º, p. 79).

A conexão entre as duas relações jurídicas revela uma dependência da relação


estabelecida entre o réu e o terceiro face à relação entre o autor e o réu, na medida em
que a consistência do direito do réu sobre o terceiro (direito de regresso) depende do
reconhecimento do direito do autor sobre o réu (António Santos Abrantes Geraldes,
Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte
Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 373).

O papel e o estatuto do terceiro reconduzem-se, assim, ao de auxiliar na defesa do réu


que o chamou, visando com a sua atuação processual – não obstar à sua própria
condenação, reconhecidamente impossível –, mas produzir a improcedência da
pretensão que o autor deduziu no confronto do réu-chamante.

Trata-se de intervenção facultativa, posto que o chamamento do terceiro não é condição


“sine qua non” para o exercício do direito de regresso; visa apenas evitar que o chamado
possa futuramente alegar, na ação de indemnização, que o réu, titular do direito de
regresso, não se defendeu convenientemente na ação que o condenou (Rita Lobo
Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, obra citada, p. 196).
A consequência derivada da omissão de chamamento do terceiro pelo réu é apenas a de
a sentença de condenação proferida não produzir efeitos de caso julgado na ação que
tenha de intentar contra ele (Salvador da Costa, obra citada, p. 104).

De tal configuração resulta a subsidiariedade desta forma de intervenção relativamente à


intervenção principal: o papel de mero auxiliar na defesa supõe que o chamado não seja
o titular de um interesse paralelo ao do réu, que o legitime a contraditar diretamente a
pretensão deduzida (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume
I, 2ª ed./2004, Almedina, p. 314).

Resulta, por isso, evidente o carácter logicamente inconciliável da intervenção principal


e da intervenção acessória, em termos de uma excluir sempre a outra, constituindo
pressuposto da situação prevista no art. 321º do CPC, precisamente, a ausência/falta de
legitimidade ativa ou passiva para a ação (Ac. da RC de 23/10/2018 (relator Fonte
Ramos), in www.dgsi.pt).

Todavia, como dá conta Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018,
Almedina, p. 467), “nem sempre é fácil determinar se o terceiro a chamar tem interesse
direto no pleito e paralelo, podendo ocupar a posição de litisconsorte, como parte
principal, nos termos do artigo 316º (…) ou se, diversamente, ficará sujeito às
obrigações do artigo 321º (…) em resultado da condenação do réu, ocupando uma
posição jurídica conexa”.

A este propósito, na doutrina (A Intervenção da Seguradora nas Acções Propostas


Contra o Segurado, de Maria de Lemos Honrado, Dissertação para obtenção do grau de
Mestre em Direito – Ciências Jurídicas Forenses, Universidade Nova de Lisboa da
Faculdade de Direito, 2013,
https://run.unl.pt/bitstream/10362/17319/1/Honrado_2013.pdf) e jurisprudência (Cfr.,
entre outros, Ac. da RL de 27/11/2008 (relatora Ondina Carmo Alves), Ac. da RE de
11/01/2018 (relatora Elisabete Valente) e Ac. da RP de 12/07/2017 (relatora Anabela
Dias da Silva), todos disponíveis em www.dgsi.pt) questiona-se, por exemplo, se numa
ação de responsabilidade civil (como é o caso dos autos), e independentemente de nos
encontrarmos perante responsabilidade extracontratual ou contratual, a seguradora, com
a qual o réu celebrou um contrato de seguro (facultativo ou não obrigatório) (como é
sabido, a verificarem-se os pressupostos da obrigação de indemnizar, o lesante incorre
na obrigação de indemnizar o lesado. Ora, se o lesante transmitiu a sua responsabilidade
jurídica para uma seguradora, a par daquela primeira relação jurídica surge uma nova
relação jurídica no âmbito da qual o segurado terá direito a reaver da sua seguradora o
montante da indemnização prestada (cfr. Ac. da RC de 10/09/2019 (relatora Maria João
areias), CJ, n.º 297, Ano XLIV, T. IV/2019, pp. 9/10)), pode ser considerada titular da
mesma relação jurídica invocada pelas autoras ou de relação jurídica com ela conexa a
ponto de se poder aceitar que a seguradora seja admitida a intervir como parte principal,
defendendo um interesse igual ao do réu; ou se, pelo contrário, poderá, sim, intervir na
causa, mas apenas como parte acessória, auxiliando aquele réu na sua defesa.

No sentido da primeira posição, defende-se que o segurado demandado tem o direito a


fazer intervir, a título principal e não a título secundário, a sua seguradora como ré,
através de intervenção principal provocada, pois tendo o segurado-lesante celebrado um
contrato no qual a seguradora se obrigou a garantir a um terceiro beneficiário até
determinada quantia, o cumprimento das obrigações daquele, a prestação a exigir pelo
beneficiário é só uma, podendo a mesma ser exigida, por força do contrato, tanto ao
segurado como à seguradora, pelo que o terceiro lesado sempre teria possibilidade de
demandar o alegado lesante e a sua seguradora, em litisconsórcio voluntário, nos termos
do art. 32º do CPC.

Argumenta-se no sentido de que, “atenta a natureza do contrato de seguro de


responsabilidade civil, assumidamente concebido como um contrato a favor de terceiro
(art. 444º, do Código Civil), a seguradora obriga-se, também, para com o lesado a
satisfazer a indemnização devida, ficando aquele com o direito de demandar
diretamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário (…)”,
ao que “acresce que, perante o lesado, segurado e seguradora são solidariamente
responsáveis, nos termos do art. 497º, do Código Civil (…)” (Cfr. Acórdão desta
Relação de 6/01/2011 (relator Manuel Bargado) e Ac. da RP de 15/11/2012 (relator
Leonel Serôdio), disponíveis em www.dgsi.pt).

Em abono da segunda posição – da admissibilidade da intervenção na ação de


responsabilidade civil na qual o alegado lesante é réu, mas apenas por via do incidente
de intervenção acessória –, aduz-se que, não sendo a seguradora contitular da relação
material controvertida, mas apenas sujeito passivo de uma relação jurídica (contrato de
seguro) conexa com aquela relação, inexiste interesse litisconsorcial necessário ou
voluntário entre o réu/lesante e a sua seguradora, não podendo esta ser demandada como
parte principal, nem podendo ser admitido o incidente de intervenção principal
provocada previsto no art. 316.º do CPC, por forma a desencadear uma situação de
litisconsórcio sucessivo, apenas se justificando a intervenção acessória da seguradora,
ao abrigo do art. 321º do CPC, como auxiliar do réu/lesante, com vista a uma futura
ação de regresso contra a mesma, e por forma a ser indemnizada pelos prejuízos que
venha a sofrer com a perda da demanda.

A questão, como explicita Rui Pinto (obra citada, p. 469), “é de direito material, com
expressão no direito processual”, sendo que a contraposição a ponderar é a que existe
entre os arts. 316º, nº 3 e 317º e o art. 321º, e o que “importa saber é se o direito
substantivo permite litisconsórcio inicial entre todos os interessados ou se algum deles
está numa posição material acessória”.

Acrescenta o citado autor não se poder afirmar que “em qualquer caso de
responsabilidade de seguradora estamos perante devedores solidários, podendo aquela
ser demandada diretamente pelo lesado”, havendo antes que distinguir “consoante o
regime aplicável ao contrato de seguro”.

No seguimento das considerações antecedentes urge ter presente o regime jurídico do


contrato de seguro estabelecido no Dec. Lei nº 72/2008, de 16 de abril (LCS).

«Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador


do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de
ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a
pagar o prémio correspondente» (art. 1º da LCS).

O segurador tem perante o tomador, o segurado ou o beneficiário, consoante o caso,


duas obrigações principais:

- a obrigação de assumir o risco coberto:

- a obrigação de pagar a prestação contratada.

O seguro de responsabilidade civil, no âmbito do citado regime jurídico, é classificado


em:

a) seguro facultativo – quando a sua celebração deriva exclusivamente da autonomia das


partes e a que são aplicáveis as disposições relativas ao regime comum do seguro de
responsabilidade civil (arts. 137º a 145º); deve também considerar-se seguro facultativo
o que exceda, e na medida em que o faça, o seguro obrigatório;
b) seguro obrigatório – quando resulta de obrigatoriedade prevista em disposição legal
ou regulamentar, a que se aplicam, para além dos regimes das espécies contratuais que
dele disponham, os arts. 146º a 148º.

Nos termos do disposto nos arts. 137º e 138º do citado diploma legal, “[n]o seguro de
responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do
segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros”, garantindo “a obrigação de
indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro”.

No seguro obrigatório mostra-se expressamente consagrada a possibilidade de ação


direta do lesado contra a seguradora, estatuindo o art. 146º que o “lesado tem o direito
de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador”.

Mas já quanto a seguro de responsabilidade civil facultativo releva o estatuído no art.


140º, sob a epígrafe “Defesa jurídica”, nos termos do qual:

«1. O segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial


ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha
assumido, suportando os custos daí decorrentes.

2. O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar diretamente o


segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.

3. O direito de o lesado demandar diretamente o segurador verifica-se ainda quando o


segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente
início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.

(…)».

À luz do citado regime, se no seguro obrigatório está consagrada a possibilidade de ação


direta do lesado contra a seguradora, no seguro facultativo o titular do direito face à
seguradora será, por via regra, a título exclusivo, o tomador de seguro/segurado (Ac. da
RC de 10/09/2019 (relatora Maria João Areias), CJ, Ano XLIV, T. IV/2019, pp. 9/10).

Quanto aos demais seguros de responsabilidade civil, os n.ºs 2 e 3 do art. 140º da LCS
concedem, de facto, ao lesado o direito de demandar diretamente o segurador,
isoladamente ou em conjunto com o segurado, nas duas situações aí mencionadas:

I) - quando tal se encontre expressamente previsto no contrato de seguro;


II) - quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de
seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.

Como diz José Vasques, reportando-se à hipótese de inexistir previsão contratual da


ação direta, admite a lei, no n.º 3 do art. 140º da LCS, que «o lesado possa demandar
diretamente o segurador quando ocorram cumulativamente os seguintes requisitos: que
o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro e que o
segurador com ele (lesado) tenha iniciado negociações diretas – admitir que a mera
informação da existência do contrato de seguro conferiria ao lesado o direito de
demandar diretamente o segurador corresponderia a inutilizar o nº 2 do artigo, pelo que
além da referida informação, é necessário que se tenham iniciado negociações entre o
lesado e o segurador, o que, em nenhum caso, poderá equivaler à mera apresentação de
reclamação do lesado perante o segurador com a consequente resposta deste» (cfr. obra
citada, pp. 451/452).

Na verdade, como bem se explicitou no voto de vencido de José Amaral no Ac. desta
Relação de 14/06/2018 (relator António Sobrinho) o «“início de negociações” tem de
refletir uma vontade e atitude das partes, mormente da seguradora, no sentido de que,
embora nem a lei nem o contrato prevejam a demanda direta, mas uma vez postas em
contacto e em face dos factos já averiguados e dos termos da apólice existente, elas,
livre e voluntariamente, aceitam, no caso concreto e em termos análogos, tratar, de boa-
fé, entre si e diretamente, da questão e admitem resolvê-la e compô-la por consenso»

Certamente ciente da polémica jurisprudencial e doutrinária até aí existente, o legislador


fez questão de explicitar a sua posição sobre o tema, fazendo constar do Preâmbulo de
tal diploma legal o seguinte:

“No seguro de responsabilidade civil voluntário, em determinadas situações, o lesado


pode demandar diretamente o segurador, sendo esse direito reconhecido ao lesado nos
seguros obrigatórios de responsabilidade civil.

Por isso, a possibilidade de o lesado demandar diretamente o segurador depende de se


tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo.

No primeiro caso, a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obrigatoriedade


do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado.
No seguro facultativo, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo
que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador”.

Ainda a propósito da ação direta do lesado contra a seguradora prevista no art. 140º da
LCS, explicita António Santos Abrantes Geraldes (O Novo Regime do Contrato de
Seguro Antigas e Novas Questões, disponível em
http://www.trl.mj.pt/PDF/REGIME.pdf):

«A ação direta contra a seguradora encontra-se expressamente prevista para o seguro


obrigatório de responsabilidade civil automóvel ou para o seguro de acidentes de
trabalho.

O novo regime veio adotar essa mesma solução para todos os seguros obrigatórios (art.
146º, nº 1).

Porém, no que concerne aos demais contratos de seguro, entre duas soluções que, em
abstrato, seriam possíveis, o legislador consagrou aquela que suscita maiores
dificuldades aos interessados, sem que se percebam as verdadeiras vantagens que
derivam do regime consagrado. (…)

Em face do regime anterior, não estava prevista, em geral, a ação direta contra as
seguradoras. Apesar disso, eram frequentes as situações de demanda direta das
seguradoras (ou em regime de litisconsórcio voluntário com o segurado), solução que a
jurisprudência e parte da doutrina sustentava na figura do contrato a favor de terceiro
(art. 444º, nº 2, do CC). (…)

Posto que a solução não fosse inteiramente pacífica, eram pouco frequentes as questões
que, na prática, se suscitavam a respeito da legitimidade passiva das seguradoras, pelo
que seria de esperar que o novo regime acabasse por consagrar a solução que a prática já
revelava ser a mais ajustada à realidade.

Com tal solução seriam acolhidos em simultâneo diversos interesses:

- Dos lesados que confrontariam logo seguradoras cuja solvabilidade lhes permite
responder pelos danos causados;

- Dos segurados ou dos tomadores dos seguros que seriam substituídos (em casos de
demanda exclusiva da seguradora) ou acompanhados (em caso de demanda
litisconsorcial) pela respetiva seguradora, ficando, assim, imediata e substancialmente
aliviados da carga de responsabilidade decorrente do sinistro e do ónus que implica a
defesa judicial;

- Também das próprias seguradoras que, desta forma, poderiam assumir logo a direção
do litígio, na medida em que muito frequentemente estão em melhor posição no que
concerne ao exercício de uma efetiva defesa quanto a pretensões fraudulentas,
injustificadas ou excessivas.

É claro que em qualquer dos casos ficaria sempre acautelada a possibilidade de, através
dos instrumentos processuais adequados, como a intervenção principal (também
prevista no seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), chamar ao processo
o segurado ou o tomador do seguro, tendo em vista superar eventuais dificuldades no
exercício do direito de defesa, designadamente em situações de falta de participação ou
de dúvidas quanto ao sinistro.

(…) A solução legal ficou a meio caminho e, além disso, é excessivamente complexa.

Embora se admita a intervenção da seguradora em qualquer processo judicial em que se


discuta a obrigação de indemnizar cujo risco assumiu (art. 140º, nº 1), a sua demanda
direta fica, em princípio, dependente da existência de previsão contratual ou do início de
negociações estabelecidas com o lesado, fator que é necessariamente posterior à
ocorrência do sinistro que deveria servir para fixar o pressuposto processual da
legitimidade passiva.

Não creio que, em termos substantivos ou em termos processuais, tenha sido adotada a
melhor opção, ficando por clarificar qual é efetivamente a posição jurídica da
seguradora em face da relação material controvertida.

Admite-se expressamente a responsabilidade direta da seguradora, quer


individualmente, quer em regime de litisconsórcio com o segurado, nos casos em que o
contrato o preveja ou em que se tenham iniciado negociações com o lesado, o que nos
reconduz à figura da legitimidade a título de parte principal.

Além disso, pode intervir em qualquer processo judicial em que se discuta a obrigação
de indemnização, o que nos reconduz à figura do assistente em relação ao segurado ou
ao tomador, tendo tal intervenção como objetivo auxiliá-lo na sua defesa, nos termos do
art. 335º do CPC, acautelando, por esta via, os interesses decorrentes da transferência do
risco.
Mas, considerando que o segurado poderá exercer o direito de regresso se vier a ser
reconhecida a sua responsabilidade pelo sinistro, a intervenção da seguradora pode ser
alcançada através do incidente de intervenção acessória provocada, nos termos dos arts.
330º e segs. do CPC, permitindo estender-lhe, desde logo, os efeitos do caso julgado
que se formar com a eventual sentença condenatória.

Neste caso, se a seguradora não tiver sido inicialmente demandada, v.g. por se ignorar a
existência de contrato de seguro, o lesado ou mesmo o segurado pode requerer a sua
intervenção principal provocada, nos termos dos arts. 325º e segs. do CPC.

Assim, para além das desvantagens da solução no que respeita ao direito substantivo, a
opção pela excecionalidade da ação direta conduz a um regime jurídico-processual
escusadamente complexo, o que poderia ter sido facilmente ultrapassado se tivesse sido
adotada outra opção em que, como regra geral, se admitisse aquela ação direta contra a
seguradora, com ou sem demanda do segurado, sem embargo da intervenção deste
quando se revelasse necessário.

Apesar do que se referiu, cremos que a formulação normativa não colidirá com a
manutenção da solução que já anteriormente era defensável, através do recurso à figura
do contrato a favor de terceiro, designadamente naqueles casos em que,
independentemente de previsão contratual, a prestação, pela sua própria natureza, só
possa ser paga a terceiro beneficiário, como sucede nos casos de responsabilidade civil
ou de seguro de vida, com indicação de beneficiário diverso do segurado.

(…)»

E, como escreve Margarida Lima Rego (Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de


Direito Civil, Dissertação para doutoramento em direito privado na Faculdade de
Direito da Universidade Nova de Lisboa, Agosto de 2008,
https://run.unl.pt/bitstream/10362/8402/3/MLR_TD_2008.pdf, p. 533), “as partes num
contrato de seguro de responsabilidade civil podem atribuir ao terceiro lesado uma
pretensão contra o segurador, um direito de exigir-lhe o pagamento de uma
indemnização pelos danos imputáveis ao segurado que se encontrem cobertos pelo
seguro. Tratar-se-á, pois, de um contrato a favor de terceiro. Esta pretensão, fundada no
contrato, só existe quando as partes assim estipularem”. Deste modo, “se todos os
seguros de responsabilidade civil podem ser gizados como contratos a favor de terceiro,
no sentido, desta feita, de que em todos podem as partes estipular a atribuição, ao
terceiro lesado, de um direito de exigir ao segurador o cumprimento da sua obrigação de
prestar, também poderão não o ser, pelo que essa qualificação terá de resultar da
interpretação que se faça de cada contrato”.

Não podendo, por conseguinte, essa qualificação ser o resultado de um raciocínio


abstrato, de feição globalizante, é de concluir que nem todos os contratos de seguro de
responsabilidade civil facultativo são contratos a favor de terceiro (Margarida Lima
Rego, estudo citado, p. 534 e Ac. desta Relação de 17/12/2019 (relator Fernando
Fernandes Freitas), in www.dgsi.pt).”

Ora, tendo em conta que não resulta dos autos que no referido contrato de seguro
(facultativo) tenha sido expressamente prevista a atribuição ao lesado do direito de
exigir diretamente à chamada seguradora a prestação contratual, de acordo com o nº 2
do art.º 140º da L.C.S., ou seja, que a constitua como garante direta da sua
responsabilidade perante a autora, e nem a situação figurada no nº 3 – a informação a
esta sobre a existência do seguros e o consequente início das negociações diretas entre a
lesada (autora) e a seguradora.

E, continuando a acompanhar o citado aresto, dir-se-á que a relação jurídica (causa de


pedir), tal como se mostra delineada pela autora, desenvolveu-se entre ela e o ora
apelante (alegado lesante), pelo que a seguradora não é titular de uma relação jurídica
própria ou paralela à do réu, nem pode assumir o estatuto de parte principal na lide; a
intervenção da seguradora só pode ocorrer acessoriamente, na veste de titular de uma
relação jurídica conexa com aquela, a qual lhe confere o direito de regresso, não
configurando uma situação de litisconsórcio voluntário passivo (Cfr., em sentido
similar, Acórdãos desta Relação de 17/12/2019 (relator Fernando Fernandes Freitas) –
que versou sobre uma situação idêntica à que é objeto destes autos – e de 1/10/2015
(relatora Maria

Amália Santos), Acs. da RP de 30/05/2016 (relator Sousa Lameira) e de 12/07/2017


(relatora Anabela Dias da Silva), Ac. da RL de 20/10/2016 (relator Luís Correia de
Mendonça), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. da RC de 10/09/2019 (relatora
Maria João Areias), CJ, n.º 297, Ano XLIV, T. IV/2019, pp. 9/10; em sentido contrário,
Acórdãos desta Relação de 09/07/2015 (relator Heitor Gonçalves), de 19/11/2015
(relator Jorge Teixeira, com voto de vencido de José Amaral), de 14/06/2018 (relator
António Sobrinho, com voto de vencido de José Amaral) e Ac. da RE de 11/01/2018
(relatora Elisabete Valente), todos publicados in www.dgsi.pt).

Por todo exposto, resulta dever confirmar-se a douta decisão recorrida e, em


consequência, julgar a apelação improcedente.

Face ao total decaimento da pretensão, o apelante terá de suportar as custas respetivas


(artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).

D) Em conclusão e sumariando:

1) No âmbito do seguro de responsabilidade civil facultativo, a intervenção provocada


da seguradora, suscitada pela ré, demandada como lesante, só pode ocorrer
acessoriamente e não a título de intervenção principal;

2) Só assim não será, podendo ser demandada diretamente a seguradora, ou ser


deduzida a sua intervenção principal, quando tal se encontre expressamente previsto no
contrato de seguro ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um
contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o
segurador.

III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente,


confirmando-se a douta decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Notifique.

Guimarães, 29/10/2020

Relator: António Figueiredo de Almeida

1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira

2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares

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