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PDF Matriarcado Africano Por Cheik Anta Diop DD

O documento discute o sistema matriarcal na África pré-colonial. Ele argumenta que o matriarcado sempre esteve presente na sociedade africana, ao contrário do que alguns autores brancos afirmaram, e que ele continua sendo a base da organização social em muitas regiões da África. O documento também sugere que o matriarcado pode estar relacionado ao fato das mulheres terem sido as primeiras a desenvolver a agricultura.

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Nicole Machado
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PDF Matriarcado Africano Por Cheik Anta Diop DD

O documento discute o sistema matriarcal na África pré-colonial. Ele argumenta que o matriarcado sempre esteve presente na sociedade africana, ao contrário do que alguns autores brancos afirmaram, e que ele continua sendo a base da organização social em muitas regiões da África. O documento também sugere que o matriarcado pode estar relacionado ao fato das mulheres terem sido as primeiras a desenvolver a agricultura.

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Matriarcado Africano
Cheikh Anta Diop

Organização e Seleção
Medu Neter Livros
 

[email protected]

facebook.com/meduneterlivros

instagram.com/medu_neter_livros
 

 “Uma vez uma menina dançou sob o céu africano e o sol


beijou seus ossos. Ela viu seu reexo no lago e entendeu
sua conexão espiritual. Ela nunca traiu sua Mãe África.” 
Nah Dove
 

Matriarcado

O sistema
África Preta.matriarcal
Por outroélado,
a base da organização
nunca socialprova
houve qualquer no Egito e em todadea
da existência
um matriarcado paleo-Mediterrâneo, supostamente exclusivamente Bran-
co. Para apoiar esta armação, precisamos apenas citar os argumentos
de um autor que dedicou 437 páginas a uma vã tentativa de branquear a
África Preta:
Sucessão ao trono é regulada em Kano [Nigéria] por matriarcado, um le-
gado paleo-Mediterrânico, até a época da dominação Fulani. Somos infor-
mados de que a Rainha de Daura tinha um boi-de-sela. Isso nos lembra os
costumes dos antigos [Líbios] Garamantes; assim, nós encontramos nova-

mente antigasão
relacionadas África Brancadecom
os povos o seu [Sudão]
Kordofan sistema matriarcal. Estreitamente
e Núbia, incluindo Teda e
Tuareg, bem como os soberanos do Sudão. (Baumann, op. Cit., P. 313.)
Deve notar-se que estas declarações cuja seriedade é igualada apenas
pela sua imprecisão, seguem a partir de um único fato sem importância:
a Rainha de Daura montou um boi-de-sela. De passagem, Baumann tem
clareado até mesmo os soberanos do Sudão Ocidental, de acordo com um
procedimento nazista bem conhecido que consiste em explicar qualquer
civilização Africana pela atividade de uma raça branca ou seus descen-
dentes, mesmo que tenhamos que decretar que existam “Pretos” brancos
ou Brancos “Vermelho
conveniente escuro”,
termo “Camitas” . e etc., todos os quais são agrupados sob o
Se o sistema matriarcal, herdado de algum paleo-Mediterrâneo branco,
fosse alguma coisa além de uma fantasia mental, este teria durado através
dos períodos Persa, Grego, Romano, e Cristão, assim como ele tem conti-
nuado até hoje na África Preta. Mas isso, obviamente, não é o caso.
Ciro arranjou sua sucessão com antecedência através da designação de
seu lho mais velho, Cambyses, que matou seu irmão mais novo para
evitar a concorrência. Na Grécia, a sucessão era simplesmente patrilinial,
assim como em Roma.
Na realidade, nunca houve uma tradição monárquica na Grécia. Exceto
pelo reinado efêmero de Alexandre, o país nunca foi unicado.  Os reis da
época heróica dos quais Homero fala, eram apenas governantes de cida-
des, chefes de aldeia, como Ulisses. As hostilidades entre essas aldeias
pareciam até mesmo infantis:
infanti s: pedras eram atiradas em habitantes de uma
5
 

cidade vizinha enquanto eles passavam através de outra comunidade. Nos


melhores períodos, cidades gregas tais como Atenas eram governadas por
aventureiros, comerciantes ambiciosos que ganharam o controle através
de intriga. Alexandre era um estrangeiro da Macedônia. A ausência de
rainhas na história Grega, Romana, ou Persa, pode ser notada; O Império
Bizantino deve ser considerado como um complexo separado. Em con-
traste, durante essas épocas remotas, rainhas eram freqüentes na África
Preta. Quando o mundo Indo-Europeu adquiriu força militar suciente para
conquistar os antigos países que o tinham civilizado, eles se depararam
com a feroz resistência inexível de uma rainha cuja luta determinada
simbolizava o orgulho nacional de um povo que, até então, havia coman-
dado outros. Esta foi a rainha Candace, do Sudão Meroítico. * [* - O nome
Meroë não parece derivar de uma raiz Africana. É provavelmente o que os
estrangeiros utilizaram após Cambyses para designar a capital da Etiópia
(no Sudão). Citando Diodoro, Estrabão relata que a esposa - ou irmã - de
Cambyses foi morta na Etiópia e foi enterrada lá quando este conquista-
dor tentou sem sucesso tomar o país à força. O nome dela era Meroë.] Ela
impressionou toda a Antigüidade por sua postura à frente de suas tropas
contra os exércitos
exérci tos Romanos de Augusto César.
César. A perda de um olholho
o na ba-
talha apenas redobrou
redobr ou sua coragem; o seu furor e seu desprezo pela morte
forçaram até mesmo a admiração de um machista como Estrabão: “Esta “ Esta
rainha teve coragem acima de seu sexo”.
sexo”. No início da civilização ocidental,
os reis francos gradualmente adquiriram o hábito de arranjar a sua su-
cessão antecipadamente, excluindo qualquer noção de matriarcado. Desta
forma, no Ocidente, direitos políticos são transmitidos pelo pai - isso não
signica que a lha não seja autorizada a recebê-los.
Por outro lado, o matriarcado Negro está tão vivo hoje como esteve du-
rante a Antiguidade. Em regiões onde o sistema matriarcal não foi alterado
por inuências
políticos . externas (Islam, etc.), é a mulher que transmite direitos
Isso deriva da ideia geral de que hereditariedade é efetiva somente ma-
trilinearmente.
Outro aspecto típico do matriarcado Africano, um aspecto muitas vezes
incompreendido, é o dote pago pelo homem, um costume revertido em
países Europeus. Mal interpretado na Europa, este costume tem feito as
pessoas pensarem que a mulher é comprada na África Preta, assim como
um Africano pode dizer que uma mulher compra um marido na Europa.
Na África, uma vez que a mulher detém uma posição privilegiada, graças
ao matriarcado, é ela quem recebe uma garantia sob a forma de um dote
na aliança
como chamadaé de
um escravo, quecasamento. O que prova
ela não é rebitada ao lar que ela não
conjugal peloé dote;
comprada
se o
marido estiver realmente em falta, o casamento pode ser quebrado dentro
de algumas horas após seu desfavor
desf avor.. Ao contrár
contrário
io da lenda, as ta
tarefas
refas me-
6
 

nos onerosos são reservadas para as mulheres.


Qual é a origem do matriarcado negro?
Não sabemos ao certo no tempo presente; no entanto, a opinião atual
sustenta que o sistema matriarcal está relacionado com agricultura. Se a
agricultura
agricult ura foi descoberta por mulher
mulheres,
es, como às vezes se pensa, se é ver-
dade que elas foram as primeiras a pensar em selecionar ervas nutritivas,
pelo próprio fato de elas permanecerem em casa, enquanto os homens
engajavam-se em atividades mais perigosas (caça, guerra, etc.), isto, jun-
tamente com o matriarcado, explicaria um aspecto importante, mas quase
despercebido da vida Africana: A mulher é a dona da casa no sentido eco-
nômico da palavra. Ela está no comando de todos os alimentos, que nin-
guém, nem mesmo o marido, pode tocar sem o seu consentimento. Fre-
qüentemente um marido, ao alcance da comida preparada por sua própria
esposa, não ousa tocá-la sem a sua autorização. É degradante para um
homem entrar em uma cozinha na África Preta. Conformemente, a mulher
exerce uma espécie de ascendência econômica sobre a sociedade Africana,
a mais acentuada, porque é tão geralmente aplicada.
A hipótese (de que a mulher descobriu a agricultura) também nos permi-
tiria
queno entender porredor
jardim ao que da
as cabana.
mulheresEste
ainda
é ohabitualmente cultivam
seu próprio domínio, um elas
onde pe-
cultivam os seus condimentos.
Pode-se supor que a agricultura apareceu em todos os lugares durante
o mesmo período, cerca do oitavo milênio a.C.. No entanto, dicilmente
em qualquer outro lugar exceto no Saara, nós encontramos vestígios de
vida agrícola que podem positivamente ser rastreados até aquela época.
Esta agricultura era feita por uma raça “Negróide”, “Esteatopígica” (Preta),
como Théodore Monod sugere. A agricultura deve ter se espalhado muito
cedo sobre toda a zona inter-tropical,
inter-tropical, desde o Saara até a Índia, talvez tão
longe quanto o Lago Baikal, enquanto que as planícies da Eurásia, absolu-
tamente desfavoráveis para a agricultura e a vida sedentária, parecem ter
sempre sido o berço do nomadismo. Foi por isso que os Indo-Europeus,
moldados pelo seu meio geográco, vieram a ter visões diametralmente
opostas àquelas dos Pretos.
O m da época Egéia foi marcado pela rejeição do matriarcado Negro,
embora os Indo-Europeus tinham sido inuenciados por ele em certa me-
dida. Uma vez que matriarcado é uma característica básica de civilização
agrícola Negra, seria absurdo esperar que este regule a sucessão em um
governo criado por Brancos. E assim, apesar da Tarikh el Fettach,
Fettach, é difícil
aceitar essa hipótese. Além disso, Kâti começa o capítulo V de suas Crôni-
cas como segue:
7
 

 “ Agora
 Agora é hora de voltar ao nosso assunto: a biografa de Askia.*1
Askia.*1 - Na
verdade, pouco poderia ser obtido porque quase todos os contos que pre-
cedem são mentirosos”.*2
mentirosos”.*2 [*1 –„Askia‟ - Título de vários imperadores de
Songhai, o mais famoso dos quais foi Mohammed Touré, Askia o Grande,
que reinou de 1493 até 1529.] [ *2 - Mahmoud Kâti, Tarikh el Fettach,
Fettach, p.
80, French translation by O. Houdas and M. Delafosse. Paris, 1913.
Muitos muçulmanos Africanos alteram a sua árvore genealógica, acres-
centando ramos
ascendência remontando
Marroquina. à Maomé
Tal deve (Mohammed),
ter sido a tendênciareivindicando
dos príncipesassim
Sara
na Gana antiga quando eles se tornaram Sarakolé, isto é, quando uma in-
ltração de sangue Árabe, acompanhada de Islamização, marcou a dinas-
tia de Ganesa. 
Graças a cronistas Árabes da Idade Média, é sabido que os regentes Pretos
de Gana reinavam sobre os Berberes-Tuaregues de Aoudaghost, que lhes
pagavam tributo. “Aoudaghost” soa curiosamente como uma raiz Germâ-
nica; recorda nomes como Visigodos e ostrogodos. Esta noção se encaixa
com a hipótese de uma origem Vândala - Germânica - dos Berberes.
Ibn Battuta, que visitou o Sudão na Idade Média, cou impressionado com
o sistema matriarcal Negro. Ele armou ter encontrado um fenômeno se-
melhante somente nas Índias entre outras populações Pretas:
 “Eles tomam o nome de seu tio materno, e não o de seu pai. Não são os
flhos que herdam de seu pai, mas sim os sobrinhos, flhos da irmã do pai.
Eu nunca encontrei este costume em qualquer outro lugar, exceto entre os
inféis de Malabar, na Índia. “
Índia.  “ [- Voyage
Voyage au Soudan, translated by Slane,
p. 12.]
Matriarquia não deve ser confundido com o reinado das Amazonas Afri-
canas ou aquele das Górgonas. Esses regimes lendários em que a mulher
alegadamente dominava
destinada a rebaixar o homem
o sexo foramem
masculino: caracterizados porelas
sua educação, uma técnica
evitavam
atribuir-lhes tarefas que poderiam desenvolver a sua coragem ou reviver
sua dignidade. Ele servia como enfermeira no lugar das mulheres que de-
fendiam a sociedade e tinham seus seios removidos para melhorar o seu
 “arco e echa‟. Por pouco que possamos conarconar na lenda, somos compe-
lidos a supor uma inicial feroz dominação dos homens sobre as mulheres,
talvez uma época de um regime “patriarcal”
“patriar cal”,, seguido pela emancipação das
mulheres e um período de vingança, aquele das Amazonas. Esta revolta e
vitória das mulheres sobre os homens foi apenas parcial, pois houveram
alegadamente apenas duas nações de Amazonas e Górgonas na remota
Antiguidade. O fato de que as Amazonas eram cavaleiras intrépidas nos
inclina a pensar que elas vieram das planícies da Eurásia, se aquela região
é de fato o habitat original do cavalo, como é reivindicado.
8
 

O sistema matriarcal adequado é caracterizado pela colaboração e o-


ração harmoniosa de ambos os sexos, e por uma certa preeminência da
mulher na sociedade, devido originalmente à condições econômicas, mas
aceita e até mesmo defendida pelo homem.
9
 

Egito

  Este é um dos países da África onde o matriarcado foi mais manifesto e


mais duradouro.
astronómicos, com Com
umefeito, foi possível determinar,
rigor matematico, através
que 4 241 anos deda
antes calculos
nossa
era , o calendário ja era usado no Egito. O que signica que os Egípcios
chegaram a adquirir conhecimentos cienticos teóricos ou práticos su-
cientes para inventar um calendário, cuja periodicidade é de 1 461 anos. É
o intervalo de tempo que separa os dois nascimentos helíaticos de Sothis
ou Sírius: a cada 1 461 anos, Sírius e o Sol elevam-se simultaneamente
sob a latitude de Mêns. É provável que este numero tenha sido xado
mais por cálculos do que pela experiência, isto é, através da observação.
É dicil, de fato, imaginar que quarenta e oito gerações possam transmitir

as suas observações
referido, celestes
a quadragésima para
oitava que, chegado
geração, duranteo uma
momento
aurorapreviamente
especica,
se prepare para assistir, pela primeira vez, ao nascimento helíaco de So-
this. Isto levaria a supor
supor,, de resto, a existencia de arquivos astronómicos
por escrito, com uma cronologia precisa, durante o periodo considerado
como pré-historico. Em todo o caso, o mito de Isís e de Osíris é anterior a
esta data, uma vez que está na origem da nação egípcia. Portanto, desde
esta época recuada - e até ao nal da história egípcia – o casamento entre
irmãos permaneceu em vigor na familia real, já que Isís e Osíris são, em
simultâneo, conjunges e irmãos. Durante este longo periodo, unico pela
sua duração nos anais históricos do mundo, o Egito terá conhecido todos
os renamentos da civilização
civiliz ação e iniciado todos os jovens povos do mediter-
râneo, sem que a sua estrutura social deixasse de ser fundamentalmente
matriarcal. Podemos, então, car legitimamente surpreendidos com o fato
de não ter existido uma passagem do matriarcado para o patriarcado.
  O caráter agrário e mat
matriarcal
riarcal da sociedad
sociedadee egipcia far
faraónica
aónica encontra-se
encontra-se
sucientemente representado no mito de Isís e de Osíris. Segundo Frazer, 
Osíris é o deus do trigo, o espírito da árvore, o deus da fertilidade:
  A análise do mito e do ritual de Osíris que antecede pode ser sucien-
te para provar que, sob um dos seus aspectos, o deus representava uma
personicação do trigo,
trigo, acerca do qual se pode armar que se extingue e
retorna à vida a cada ano. Através de toda a pompa e glória com as quais
os sacerdotes rrevestiam o seu culto, a concepção de Osíris como deus
do trigo emerge de modo evidente na celebração da sua morte e da sua
ressurreição, que era concretizada no mês de Khoiak e, posteriormente,
10
 

durante o mês de Athyr. Esta festividade parece ter sido essencialmente


uma comemoração das sementeiras, que coincidia justamente com a data
em que o agricultor conava as sementes à terra. Nesta ocasião, enterra-
va-se, com rituais fúnebres, uma egie do deus do trigo, construída com
este ultimo e terra: esperava-se que ao morrer
morrer naquele local,
local, o mesmo
poderia ressuscitar com uma nova colheita. A cerimónia era, de fato, um
encanto, destinado a fazer crescer o trigo através de uma magia simpáti-
ca1.

  De seguida,
seguida, o auto
autorr descreve a cerimónia identican
identicando
do Osíris à árvore:
no interior de um pinheiro oco, colocava-se o corpo modelado de Osíris,
 juntamente com
com material de linho
linho.. O autor consider
consideraa que esta é, sem ddu-
u-
vida, a contrapartida ritual da descoberta lendária do corpo de Osíris en-
carcerado numa árvore. Mais adiante, descreve a celebração do Djed, que
terminava a 13 do mês Khoiak com o levantamento de um pilar, que não
era outra coisa senão uma árvore com os ramos cortados: esta elevação
simbolizaria a ressurreição de Osíris, visto que, na teologia egípcia, o pilar
era interpretado enquanto a coluna vertebral do mesmo .
  Originalmente,
Original mente, Ísis era, de acordo com Frazer
Frazer,, uma deusa da fecundida-
de. É a grande benfeitora Deusa-Mãe cuja inuência e cujo amor prevale-
cem em toda a parte, quer seja nos vivos, ou nos mortos. Esta representa,
à semelhança de Osíris,
Osíris , a Deusa do trigo, do qual tinha inventado o cultivo:
Ísis deve certamente ter sido a deusa do trigo. Com efeito existem
bastantes motivos que justicam esta apreciação. Diodoro da Sicília,
cuja autoridade parece ter sido o historiador Manetão, atribuía a Ísis a
descoberta do trigo e da cevada: nas suas celebrações transportavam-
transport avam-
se, em procissão, caules destes cereais
cer eais para comemorar a dádiva que
esta tinha dado aos homens. Santo Agostinho acrescenta um outro
detalhe: Ísis terá descoberto a cevada
cevada no momento em que oferecia
um sacricio aos antepassados do seu esposo, que eram também
os seus e que tinham todos sido reis: esta terá mostrado as espigas
recentemente descobertas a Osíris e ao seu conselheiro Thot (ou
Mercúrio, tal como o designavam os escritores romanos). É este o
motivo pela qual, acrescenta Santo Agostinho, Ísis e Ceres se iden-
ticam2 
Constata-se aqui uma espécie
espéci e de conrmação, através da lenda da tradi-
ção, que atribui às mulheres um papel ativo na descoberta da agricultura .
  Na época das colheitas, os Egípcios entregavam-se a lamentações em
honra do espírito do trigo
tri go ceifado, isto é, em honra de Ísis, criadora da ver-
dura, Senhora do pão, Senhora da cerveja, Dona da abundância, personi-
cando o campo de trigo. Frazer vê a prova desta identicação no epíteto
1.Frazer, James George, Atys et Osiris: étude de religions orientales comparées: Librairie Orientaliste, Paul Guthner, 1926, p.
117.
2. Frazer: op. Cit., pp. 133-134 
11
 

Sochit, atribuido a Ísis e que signica ainda, em lingua copta, campo de


trigo.
  Os gregos identicavam-na tambem a Demetra e consideravam-na como
a deusa do trigo. Foi esta que deu origem aos “frutos da terra”.
  O fundamento do mistério de Ísis e de Osíris representa então, essen-
cialmente, a vida agrária.
  A monog
monogamia
amia con
constituia
stituia origin
originalmente
almente uma regr
regra,
a, já que Os
Osíris
íris tinha
apenas uma mulher,
mulher, Ísis, cujo nome é uma alteração
al teração do termo Egipc
Egipcio
io Sait
ou Sît. É interessante notar; ocasionalmente,
ocasional mente, que estes dois termos, numa
língua africana , o wolof, signicam “a nova noiva”, a esposa .
  Seth, irmão de Osíris, é igualmente monógamo; a sua esposa – que é
tambem sua irmã – Néftis.
  Até ao m da história egípcia, o povo permaneceu monógamo. Unica-
mente a familia real e os dignatários da corte praticaram a poligamia, em
graus diferentes segundo a tua fortuna. Esta emergiu como um luxo que
foi transplantado na vida familiar e social , ao invés de constituir o seu
fundamento primordial. Existiu no Egito, tal como na Grécia no tempo de
Agamémnon, na Ásia e na aristocracia germânica na época de Tácito; po-
der-se-ia tambem citar outros exemplos nas cortes reais ocidentais dos
Tempos Modernos.
  O casamento com a irmã é uma consequência do direito matril matrilinear
inear.. Já
observámos que, no regime agrícola, o pivô da sociedade é a mulher; é
ela que transmite todos os direitos, políticos e outros, porque representa o
elemento xo, podendo o homem ser relativamente móvel: este pode via-
 jar,, emigr
 jar emigrar
ar,, etc.,
etc., enquan
enquantoto que a mulher educa as crianças e sustenta-
sustenta-as.
as.
É, portanto, normal que estas herdem tudo daquela e não do homem que,
mesmo na vida sedentária, mantém um certo nomadismo. Originalmente,
em cada clã, era ao elemento feminino – e somente a ele – que retornava
a totalidade de herança. A preocupação em evitar contendas de sucessão
entre primos – isto é, lhos de irmãos e irmãs – parece ter levado estes
ultimos , no âmbito da familia real, a perpetuar o exemplo do casal real ori-
ginal, Ísis e Osíris. Com efeito, imagine-se um irmão e uma irmã descen-
dentes de um casal real que se casam, no exterior da sua própria familia,
com uma princesa e com um príncipe. Segundo o direito matrilinear, só o
descendente da irmã é que pode reinar no paíes; o do irmão prevalecerá
no país da sua mãe, caso o direito matrilinear se encontre ali em vigor; se
for o contrário
contrári o a suceder; não tera direito ao tron
trono,
o, a menos que o ususrpe
em um dos dois países. Ao desposar a sua irmã, o faraó conservava o trono
na mesma familia e eliminava, em simultâneo, os litígios de sucessão .
  O FFaraó
Ora, araó
no que casa
regime com suasóirmã
matrilinear, é, ao mesmo
o sobrinho é quetempo,
herda doo tio
tiodo seu lho.
materno, e
este ultimo possui o direito
direit o de vida e de morte sobre ele. Em contrapartida,
os seus próprios lhos não são seus herdeiros e, ele próprio, não pertence
12
 

à familia
famili a da sua mulher
mulher.. T
Todos
odos estes inco
inconvenientes
nvenientes são eliminados
eli minados graças
àquilo que se designou por “incesto
“incest o real”
real”.. Este é o unico exemplo de familia
meridional,, com base matrilinear e na qual o homem e a mulher pertencem
meridional
à mesma família; é um tipo especic
especicoo no interior do matriarcado e que se
 justica pelos interesses superiores da nação ligados à coesão da familia
real. Pode aqui entrever-se a possibilidade de uma explicação no caso da
Rainha Hatsheput, que será apresentada no capítulo IV.
  No casamento, o homem traz o dote à mulher. mulher. Esta ultima, durante toda
a história egípcia faraónica, usufrui de uma liberdade total que se opõe à
condição de mulher sequestrada indo-europeia dos tempos clássicos, seja
ela grega ou romana.
  Não há conhecimento de qualquer testemunho literá literário
rio ou de documen-
tos históricos – egipcios ou outros – dando conta de um mau tratamento
sistemático das mulheres egípcias pelos homens. Estas eram honradas e
circulavam livremente e sem véu, contrariamente a algumas Asiáticas. A
afeição pela mãe e, sobretudo, o respeito com o qual esta devia ser trata-
da, representava o mais sagrado dos deveres. O mesmo encontra-se ano-
tado num texto egípcio bastante conhecido:
Quando
crava; astutarefas
nascete, elaingratas
mais (a tua mãe) tornou-se verdadeiramente
não entristecem o seu coração aotua es-
ponto
de a levar a pronunciar: “Por que terei de me submeter a isto?”. Quando
ias para a escola para te instruir, ela instalava-se perto do teu instrutor,
trazendo todos os dias os pães e a cerveja de casa. E agora que cresceste,
que te casas, que constróis a tua própria familia, lembra-te sempre de to-
dos os cuidados que a tua mãe teve contigo, a m de que ela nada tenha
a censurar-te e não venha a levantar as mãos para deus, porque ele aten-
deria à sua maldição.
  A estes conselhos dados ao jovem egípcio, pode-se-ia opor a conduta de
Telémaco dando ordens à sua mãe Penélope, fazendo gura de um verda-
deiro senhor da casa na ausência de Ulisses, ou a de Orestes matando a
sua mãe Clitemnestra para vingar o seu pai.
13
 

 Bicameralismo3
Tradução:
Tradução: Wanessa Yano

  Um estudo do nosso passado pode dar-nos uma lição de governo.


Graças ao sistema matriarcal, nossos antepassados,
antepassados, antes de qualquer in-
uência estrangeira, deram à mulher um lugar de escolha. Viam não como
objeto sexual, mas como mãe. isto
i sto tem sido verdade desde o Egito dos Fa-
raós até ao dias atuais4. As mulheres participavam na gestão dos assuntos
públicos no âmbito de uma assembleia feminina
feminina,, sentadas separadamente,
mas com as mesmas prerrogativas que a assembleia masculina5.
Estes fatos permaneceram inalterados até a conquista colonial, especial-
mente em estados não-islâmicos como os iorubás e os daomeanos. Acre-
dita-se que a resistência militar de Behanzin6  ao exército francês sob o
comando do coronel Dodds7  resultou da decisão da assembléia feminina
do reino, encontrando-se à noite depois que os homens se encontravam
durante o dia revertendo-os e ordenando mobilização e a guerra - depois
disso, o homem raticou a decisão.
  A África Negra tinha seu bicameralism
bicameralismoo especíco, determinado pelo
sexo. Longe de interferir na vida nacional, colocando os homens contra as
mulheres, garantiu o livre
liv re orescimento de ambos. É para honra de nossos
ancestrais que eles puderam desenvolver esse tipo de democracia. Onde
quer que encontremos isso tão tarde quanto o período
perío do do mar Egeu. a ine-
gável inuência sulista é inegável. Ao re-estabelecê-la na forma moderna,
permanecemos éis ao passado democrático e profundamente humano
dos nossos antepassados: de uma vez por todas, relaxamos a sociedade
da humanidade libertando-a de uma contradição milenar latente. Podería-
mos, sem dúvida, inspirar outros países a ordenar seus assuntos.
Re-estabilizar este bicameralismo ancestral em uma base moderna signi-
ca que devemos encontrar junto com nossas mulheres e excluir qualquer
tipo de demagogia, um modo de representação verdadeiramente ecaz
para o elemento feminino da nação. A constituição desta assembleia, o
3 Bicameralismo é o regime em que o Poder Legislativo é exercido por duas Câmaras, a Câmara baixa e a
Câmara alta. No Brasil representadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, respectivamente. No
artigo Diop refere-se a um bicameralismo específico, determinado pelo sexo, garantindo ampla participação e
florescimento de ambos.
4. Matriarcado, A origem africana da civilização: mito ou realidade, pp 142 -145

5. No do
(mãe senegal,
país), em certos casos,
e ninguém refere-se
se choca a umesta
com isso. homem que governa
referência habitualdeainda
acordo comentre
existe o costume N’Deye
os Lebu Djétnico
(Grupo Rév
do Senegal)
6. Décimo primeiro rei de Daomé, governou de 1889 -1894
7. Comandante das forças francesas no Senegal em 1890, e liderou a conquista do Daomé contra o rei Béhan-
zin- 1892 a 1894
14
 

método de eleição dos seus membros e a estrutura do bloco de base dos


partidos militantes da África negra são, portanto, muitos problemas práti-
cos a serem resolvidos.
  Tais reformas permitiriam a normalização do papel político da mulhermulher,e
,e
a restauração de sua dignidade como mãe de família, a realização de ma-
neira ecaz e signicativa denitivamente seria o que todos os países cha-
mam de direitos das mulheres.
  Uma experiênc
experiência
ia comparável foi
foi realizada na URSS
URSS,, sob o regime dede sta-
lin, no início da construção socialista, mas apenas no domínio da produção.
As assembleias de mulheres eram criadas para assumir um papel peda-
gógico e especialmente de deveres na produção. Em todos os lugares, os
resultados foram prodigiosos; as assembléias foram dissolvidas antes da
Segunda Guerra Mundial, quando a construção socialsocialista
ista foi sucientemen-
te desenvolvida por isto não havia mais força de trabalho feminina. Tais
assembléias existiram após 1945 na mais recente União das Repúblicas
Socialistas
Socialis tas Soviéticas, onde o desenvolvimento social não era tão avançado
como na Ucrânia, Bielorrússia, Letônia e eles continuam operando .
Alguns de meus compatriotas sentem que, no momento estaríamos satis-
feitos com uma simples assembléia consultiva para mulheres.
* Nota: Sou especialment
especialmentee grato ao professor Issa Diop por me ajudar a
reformular e adaptar este capítulo.
15
 

Referências Bibliográficas

Diop, Cheikh Anta. (1954) Nations nègres et Culture


Diop, Cheikh Anta. (1978) Black Africa, Te Economic and Cultural Basis for a Federated State
Diop, Cheikh Anta. (1960) A Unidade Cultural da Africa Negra, Esferas do Patriarcado e do
Matriarcado na Antiguidade Clássica.

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