Kanaan 03 PDF
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CAPÍTULO
Enzimas
Maria Alice Terra Garcia
Salim Kanaan
Clayder Soares Ricardo
Clayton Barbiéri de Carvalho
Gilberto Bilche Girotto Jr.
Silvia Lopes Vaz
Músculo esquelético
1.000
Coração
Fígado
Pâncreas
100
Rim
Pulmão
Baço
Eritrócitos
10
Soro
1
Tecido
1.000
Fígado
100
esquelético
Coração
Rim
Músculo
Pâncreas
Pulmão
Eritrócitos
Baço
10
Soro
1
Tecido
10.000
M.E. (externo intercostal)
Músculo esquelético
1.000
Trato intestinal
Coração
100
Cérebro
Bexiga
Útero
Pulmão
Próstata
10
Soro
1
Tecido
Figura 3.1 – Gradientes de atividade entre AST, ALT e CK do soro em diferentes tecidos humanos.
capítulo 3 n Enzimas 23
quinase, que indica grosseiramente a extensão no plasma sem que haja necessariamente au
da área do miocárdio afetada. mento da permeabilidade ou desintegração da
Em contraposição, nem sempre conse membrana celular. Muitos deles, como o clea-
guimos interpretar a presença, a ausência ou rance, são hoje pouco conhecidos, daí muitas
a magnitude dos níveis de certas enzimas no vezes não conseguirmos interpretação para
plasma, uma vez que pode haver interferên determinados achados de medidas de ativida
cia de inúmeros fatores. Alguns deles, como o de enzimática, como foi visto na Introdução,
clearance ou retirada das enzimas do plasma, empregando o exemplo da isocitrato desidro
são até hoje pouco conhecidos. Sendo assim, genase.
no infarto do miocárdio, por exemplo, a ele
vação da isocitrato desidrogenase no plasma é
Condições que Causam a Liberação
mínima, a despeito de sua elevada concentra
ção no tecido miocárdico. Aumentada de Enzimas para o Plasma
A enzimologia é um dos campos mais Aumento da Síntese de Enzimas pelas
importantes da Química Clínica contempo Células
rânea, sendo a dosagem das enzimas plas
máticas de grande valor para o diagnóstico, O osteoblasto é a célula que sintetiza fosfa
prognóstico e tratamento das doenças. Os tase alcalina. O aumento de sua atividade eleva
ensaios enzimáticos correspondem a cerca de os níveis séricos. O osteoclasto, por sua vez,
25% da carga total de trabalho do setor de sintetiza fosfatase ácida isoenzima óssea, ex
Bioquímica Clínica de laboratórios de gran plicando o aumento da enzima na doença de
des hospitais. Paget (atividade osteoclástica intensa). Nos
estados avançados de gravidez há produção
aumentada da isoenzima placentária da fosfa
CONCEITOS BÁSICOS DE ENZIMOLOGIA tase alcalina.
Condições e Fatores, Patológicos ou
Não, que Alteram os Níveis de Enzimas Indução Enzimática
no Plasma A indução enzimática é um mecanismo de
A membrana plasmática é metabolicamente etiologia desconhecida, que consiste na as
ativa, que por sua vez deverá estar íntegra, e sociação de certas condições clínicas ao au
sua integridade depende da produção de ener mento de determinadas enzimas no plasma.
gia pela célula. Qualquer processo patológico Por exemplo, a ingestão excessiva de álcool
externo ou interno que impeça a célula de pro aumenta a atividade da GGT (gamaglutamil
duzir energia pode levar a uma alteração na transferase), cujo mecanismo ainda não foi
permeabilidade da membrana, resultando em totalmente elucidado, e a obstrução biliar, por
extravasamento de enzimas para o plasma. Se sua vez, caracteristicamente aumenta as ativi
a lesão celular progride e torna-se irreversível, dades da fosfatase alcalina (ALP) e gamaglu
a célula morre e a membrana se desintegra, tamil transferase no plasma.
liberando também as enzimas para o plasma.
Há ocasiões em que existe uma agressão direta
à membrana plasmática (vírus, agentes quími
Proliferação de Células Produtoras de
cos), levando à ruptura imediata da membrana Enzimas
e resultando, da mesma forma, em aumento Citamos como exemplo o carcinoma de
dos níveis de enzimas do plasma. próstata, em que a proliferação de células pro
Existem determinados fatores e condições, dutoras de fosfatase ácida do tipo prostática
patológicos e não patológicos, que podem é responsável pelo aumento dos níveis dessa
promover aumento ou diminuição de enzimas enzima no plasma.
24 Bioquímica Clínica
8
8
7 III
7 V<K
6
6
Produto formado
5
Produto formado
5
III
4 V<K 4 II
V<K
3 II 3
V<K
2 2
I I
1 V<K 1 V<K
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
Tempo Tempo
Assim, a variação na absorvância do siste Assim, na grande maioria dos casos, os re
ma NAD+/NADH + H+ a 340 nm, por inter sultados das dosagens enzimáticas solicitadas
valo de tempo, mede a atividade enzimática. ao laboratório cínico vêm expressos em uni
Este constitui um método fácil e preciso de dades por litro (U/L). Unidade é a velocidade
medida de atividade enzimática, de tal manei enzimática. A Comissão de Enzimas propôs
ra que, para enzimas que não possuam NAD+ que a unidade internacional (UI) de atividade
como cofator, acopla-se uma segunda reação enzimática fosse, por definição, a quantidade
enzimática NAD+ dependente, sendo a variação de enzima que catalisa a reação de 1 µg/dL de
na absorvância do NAD+ por intervalo de tem substrato por minuto. O laboratório deve definir
po, da mesma forma, uma medida indireta da no resultado as condições em que o ensaio foi
atividade da enzima que desejamos dosar (pri feito (como, p. ex., temperatura), fornecendo
meira reação). Nesses casos, o produto da pri a faixa referencial normal naquelas condições.
meira reação serve como substrato da segunda.
Conceito de Isoenzimas
Como exemplo podemos citar a medida da
aspartato-cetoglutarato-aminotransferase: Empregaremos as enzimas creatinoquinase
(CK) e LDH como exemplos para conceituar
L-cetoglutarato ALP L-glutamato isoenzimas.
+ L-aspartato + oxaloacetato
A CK é enzima que catalisa a passagem de
MD* um grupo fosfato da creatinafosfato para o difos
Oxaloacetato L-malato
+ NADH + H+ + NAD+ fato de adenosina (ADP), formando o trifosfato
de adenosina (ATP). A fosfocreatina é um com
*MD = Malato desidrogenase. posto de fosfato de alta energia que desempenha
1,0 NAD+
0,8
Absorvância
0,6
0,4 NADH + H+
0,2
NAD+
0
200 250 300 350 400
Comprimento de onda
A) CREATINOQUINASE (CK)
Fosfocreatina Creatina
CH3 CH3
O NH O
CK
C CH2 N C O + ADP C CH2 N C + ATP
O N P O NH2
H O
CH3 CH3
H C OH + NAD+ LDH C O + NADH + H+
C O C O
O O
L-lactato L-piruvato
Figura 3.4 – Reações químicas catalisadas pelas enzimas CK (A) e LDH (B).
Mutação
RNAm RNAm
Isoenzima M
(subunidade M)
Isoenzima B
(subunidade B)
Subunidades Subunidades
Dímeros Tetrâmeros
LDH
CH3 CH3
pH 8,8-9,8
H C OH + NAD+ C O + NADH + H+
pH 7,4-8,8
C O C O
O– O –
L-lactato Piruvato
capítulo 3 n Enzimas 31
A subunidade H possui maior afinidade enzimas modificadas após sua tradução devem
pelo lactato. Assim, LD-1 (HHHH) e LD-2 ser chamadas de isoformas, assim tornando ex
(HHHM) são mais encontradas em tecidos plícito que as diferenças entre as moléculas não
que apresentam metabolismo aeróbico (ex.: se originam em nível genético. As isoenzimas
coração). Lactato vai a piruvato, que entra no de CK do tipo MM e MB sofrem modificações
ciclo de Krebs. pós-tradução, dando origem a isoformas.
A subunidade M possui maior afinidade Quando as células do músculo estriado ou
pelo piruvato. Assim, LD-4 (HMMM) e LD-5 do músculo cardíaco sofrem necrose, seja por
(MMMM) são mais encontradas em tecidos doenças ou por turnover normal, as isoenzimas
que apresentam metabolismo anaeróbico (ex.: tissulares CK-MM e CK-MB caem na circula
músculo esquelético). Piruvato vai a lactato, ção e sofrem a ação da enzima plasmática car
que é lançado na corrente sanguínea. boxipeptidase-N (modificação pós-tradução)
(Figura 3.8). Esse processo inicia o clearance
da enzima, que será finalmente fagocitada por
Desenvolvimento Embrionário das
células do sistema reticuloendotelial, através
Isoenzimas de receptores específicos.
As isoenzimas apresentam uma ordem cro A carboxipeptidase hidrolisa sequencial
nológica de aparecimento no desenvolvimento mente os resíduos de lisina da isoenzima CK-MM
embrionário. Essa ordem é: para produzir as isoformas: CK-MM2 (reti
a. para creatinoquinase: rada de um resíduo da cadeia M de lisina) e
CK-BB (CK-1)→CK-MB (CK-2)→CK-MM CK-MM1 (retirada de dois resíduos de lisina
(CK-3); da cadeia M). A perda da lisina positivamente
carregada produz uma molécula mais nega
b. para lactato desdrogenase:
tivamente carregada, com maior mobilidade
LD-5→LD-4→LD-3→LD-2→LD-1. para o anódio na eletroforese. Uma vez que a
Na maioria das vezes, uma elevação no magnitude da mobilidade em relação ao anódio
soro de formas primitivas se deve à sua libe é a base da numeração das isoformas, a forma
ração por tecidos pouco diferenciados, como tissular ou o produto do gene, que na realida
o tecido maligno. Assim, CK-BB e LD-5 vêm de é uma isoenzima, é chamada de CK-MM3.
sendo encontrados no soro de pacientes com Uma vez que a CK-MB só possui uma cadeia
diversos tipos de câncer. O reaparecimento M, o produto de gene é CK-MB2 e a molé
do padrão fetal das isoenzimas ocorre tam cula que sofreu hidrólise de lisina é chamada
bém em outras doenças. Nas distrofias mus CK-MB1.
culares progressivas, por exemplo, o aumento Muitos outros tipos de modificações pós-
de CK-MB é interpretado como uma inca
tradução ocorrem em outras enzimas e isoen
pacidade do tecido de manter o grau normal
zimas. A enzima amilase encontra-se no soro
de diferenciação. As células no processo de
predominantemente nas formas de isoenzimas
divisão rápida, como na polimiosite aguda,
tipo-P (pancreática) e tipo-S (salivar). As iso
também tendem a levar a um padrão fetal de
enzimas da amilase sofrem modificações pós-
enzimas.
tradução dos tipos deamidação, glicolisação e
deglicolisação.
Conceito de Isoformas
Utilizaremos primeiramente os exemplos ENZIMAS ESPECÍFICAS
de CK-MM e CK-MB para conceituarmos iso
• Creatinoquinase.
formas. Isoenzimas podem ser submetidas a
modificações “pós-tradução”. De acordo com • Lactato desidrogenase.
a International Union of Biochemistry, as iso • Amilase e lipase.
32 Bioquímica Clínica
CK-MM
Carboxipeptidase
Carboxipeptidase
NH2
NH2 NH2
MM2 MM1
MM3 (sangue)
(tecido)
CK-MB
Carboxipeptidase
NH2
MB1
MB2 (sangue)
(tecido)
A distrofia muscular de Duchenne já pode ser a fraqueza muscular. Quando associada a ma
identificada, nos dias de hoje, por estudos ge nifestações de pele, a polimiosite é chamada
néticos precocemente na gravidez em 95% das de dermatomiosite. Existe um risco elevado de
mulheres grávidas de embriões com essa doença. progressão para a malignidade, especialmente
Nas distrofias musculares progressivas, a em pacientes com dermatomiosite. A medida
atividade da CK no plasma caracteristicamente dos níveis de CK no plasma do paciente é mui
é maior na infância. Pode estar elevada muito to importante no diagnóstico e acompanha
tempo antes do aparecimento dos sintomas e mento dessa doença.
cai à medida que os pacientes se tornam mais
velhos, e a massa muscular diminui com a pro Trauma Muscular Direto
gressão da doença. Grande parte das mulhe
res assintomáticas transmissoras da doença de É uma importante e comum causa de au
Duchenne apresenta elevação de CK. mento da CK. Como exemplos temos as injeções
intramusculares, as intervenções cirúrgicas, a
desfibrilação ou cardioversão elétricas e a sepse.
Hipertermia Maligna
Pode ser uma resposta ao halotano e outros
Doenças Primárias do Fígado
anestésicos inalados. Há instalação rápida de
temperatura elevada, metabolismo muscular O fígado contém quantidades mínimas de
aumentado, rigidez muscular, rabdomiólise CK. As doenças primárias do fígado não ele
(destruição do músculo esquelético), acidose vam os níveis de CK.
e instabilidade cardiovascular.
Síndrome de Reye
Dermatopolimiosite
É uma doença rara que constitui uma grave
É uma doença sistêmica de causa desco complicação da gripe ou outras doenças virais,
nhecida cuja principal manifestação clínica é que ocorre principalmente em crianças. Sua
34 Bioquímica Clínica
Geração de citocinas
(TNF, IL-1, PAF)
Inflamação
Dano vascular
Isquemia
Liberação de
enzimas ativas
A pancreatite aguda pode ser iniciada por vários mecanismos, incluindo ativação intracelular de
zimogênios pancreáticos. Esses eventos induzem a uma série de eventos secundários que determinam
a duração e a gravidade da lesão. A liberação de enzimas ativas pode aumentar a inflamação pela
ativação da via alternativa do sistema complemento ou causar diretamente dano tecidual local ou
a distância. Citocinas são liberadas por células acinares e por células inflamatórias.
lução espontânea a partir de 6 semanas após buminemia está presente em 10% dos casos,
sua formação. promovendo o extravasamento para a cavidade
A ascite pancreática, em geral, deve-se a abdominal, para dentro do pâncreas (lesão dos
uma desestruturação do ducto pancreático vasos pancreáticos) e para dentro dos pseudo
principal, muitas vezes por uma fístula interna cistos. Esse sinal associa-se a uma pancreatite
entre o ducto pancreático principal e a cavi mais grave e a uma taxa de mortalidade maior.
dade peritoneal, ou por um pseudocisto com Já uma elevação na concentração de proteína
extravazamento. O líquido ascítico apresenta C-reativa retrata o processo inflamatório.
tanto níveis elevados de albumina quanto um
nível acentuadamente elevado de amilase. Fatores que Determinam a Gravidade na
Se a desestruturação do ducto pancreático
Pancreatite Aguda
principal for mais posteriormente, levando ao Os critérios de Ramson-Imrie geralmente
surgimento de uma fístula interna entre o duc são usados para avaliar a severidade da pancrea
to e o espaço pleural, resultará na formação tite aguda na apresentação do paciente. Quando
de um derrame pleural. É importante ressal três ou mais dos critérios abaixo estiverem pre
tar que os níveis de amilase e lipase também sentes na admissão, uma evolução complicada e
são de auxílio no diagnóstico de pancreatite severa pela necrose pancreática pode ser prevista
aguda. Normalmente ficam um pouco acima com uma sensibilidade de 60 a 80%.
da faixa referencial, a não ser que ocorra uma No momento da admissão ou do diagnós
destruição grave do tecido acinar. tico:
• idade > 55 anos;
Exames para Acompanhamento e Prognóstico
• leucocitose > 16.000/µL;
Uma leucocitose de 15.000 a 20.000 pode • hiperglicemia > 200 mg/dL;
estar presente, e a hiperglicemia é comum. Hi
perbilirrubinemia (> 4 mg/dL) ocorre em • LDH sérica > 400 UI/L;
10% dos casos e geralmente é encontrada • AST > 250 UI/L.
em pacientes cuja causa da pancreatite é a Durante as primeiras 48 horas (indicam
coleli
tíase, ou também pode ocorrer devido pior prognóstico):
à pressão exercida pelo pâncreas aumentado • queda do hematócrito > 10%;
de volume, edemaciado, sobre a árvore biliar.
• déficit de líquido > 4 L;
A hipercalcemia pode ser um fator deflagran
te da pancreatite aguda, mas a hipocalcemia • hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg);
ocorre em aproximadamente 25% dos pacien • hipocalcemia < 8 mg/dL;
tes; sua causa não é bem compreendida. • hipoalbuminemia < 3,2 mg/dL;
Alguns autores a associam à saponificação • hipotensão (PAS < 90 mmHg ou FC >
intraperitoneal do cálcio pelos ácidos graxos 130 bpm);
em foco de necrose gordurosa peripancreática.
• oligúria (< 5 mL/h);
Na saponificação, ocorre digestão da gordura
ou triglicerídio (éster de glicerol com ácidos • líquido peritoneal hemorrágico;
graxos) pela lipase. Os ácidos graxos unidos • obesidade.
ao cálcio formam sabões por bioquimicamen A mortalidade está relacionada ao número
te apresentarem características detergentes. A de critérios presentes:
hipertrigliceridemia ocorre em 15 a 20% dos • 0-2: 1% de mortalidade;
casos e costuma indicar anormalidades prévias
• 3-4: 16% de mortalidade;
no metabolismo lipídico; aumentos da AST e
LDH são também observados; hipoxemia • 5-6: 40% de mortalidade;
ocorre em função da hipovolemia e a hipoal • 7-8: 100% de mortalidade.
capítulo 3 n Enzimas 39
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