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Manual de Obras-Hidraulicas 2019

Este documento apresenta um capítulo sobre o dimensionamento de albufeiras para reservatórios de água. Discute-se a determinação do volume morto e da capacidade útil da albufeira, considerando fatores como fiabilidade e métodos como o de Rippl. Explicam-se também conceitos sobre barragens como tipos, componentes, avaliação de locais e seleção do tipo. Por fim, abordam-se tópicos como transporte de sedimentos, início do movimento de partículas e influência de diversos fatores nesse processo.

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Manual de Obras-Hidraulicas 2019

Este documento apresenta um capítulo sobre o dimensionamento de albufeiras para reservatórios de água. Discute-se a determinação do volume morto e da capacidade útil da albufeira, considerando fatores como fiabilidade e métodos como o de Rippl. Explicam-se também conceitos sobre barragens como tipos, componentes, avaliação de locais e seleção do tipo. Por fim, abordam-se tópicos como transporte de sedimentos, início do movimento de partículas e influência de diversos fatores nesse processo.

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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE ENGENHARIA
Curso de Engenharia Civil

OBRAS HIDRÁULICAS

Professor Alvaro Carmo Vaz


ÍNDICE

CAPÍTULO 1 - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS .................................................... 5


1 DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS ..................................................................... 6
1.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 6
1.2 ELEMENTOS DE CARACTERIZAÇÃO DAS ALBUFEIRAS ................................. 9
1.3 CURVAS CARACTERÍSTICAS DE ALBUFEIRAS .............................................. 10
1.4 DETERMINAÇÃO DO VOLUME MORTO ........................................................... 13
1.5 CAPACIDADE ÚTIL DA ALBUFEIRA .................................................................. 17
1.5.1 Fiabilidade .................................................................................................... 17
1.5.2 Cálculo da Capacidade Útil pelo Método de Rippl ....................................... 17
1.5.3 Determinação da Capacidade Útil pelo Método dos Picos Consecutivos .... 21
1.5.4 Modelos Complexos para a Determinação da Capacidade Útil ................... 23
1.6 DIMENSIONAMENTO DA CAPACIDADE ÚTIL COM CARÊNCIA DE DADOS.. 25
1.7 EXERCÍCIOS ...................................................................................................... 26
1.8 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 28
CAPÍTULO 2 - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS .......................................... 29
2 CONCEITOS GERIAS SOBRE BARRAGENS ........................................................... 30
2.1 DEFINIÇÕES. TIPOS DE BARRAGENS ............................................................ 30
2.2 ORGÃOS HIDRÁULICOS E OUTRAS COMPONENTES DAS BARRAGENS ... 36
2.3 DESVIO PROVISÓRIO DO RIO DURANTE A CONSTRUÇÃO.......................... 38
2.4 AVALIAÇÃO DO LOCAL DA BARRAGEM .......................................................... 42
2.5 SELECÇÃO DO TIPO DE BARRAGEM .............................................................. 45
2.6 FORÇAS ACTUANTES NA BARRAGEM ........................................................... 48
2.7 ALGUNS ELEMENTOS HISTÓRICOS E ESTATÍSTICOS ................................. 49
2.8 ACIDENTES COM BARRAGENS ....................................................................... 51
2.9 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 53
CAPÍTULO 3 - BARRAGENS DE ATERRO ...................................................................... 54
3 BARRAGENS DE ATERRO ....................................................................................... 55
3.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 55
3.2 TIPOS DE BARRAGENS DE TERRA ................................................................. 55
3.3 PRINCÍPIOS PARA O PROJECTO ..................................................................... 57
3.4 PROJECTO DE FUNDAÇÕES............................................................................ 58
3.4.1 Fundações em Rocha .................................................................................. 58
3.4.2 Fundações em areia e cascalho................................................................... 59
3.4.3 Fundações impermeáveis de silte e argila ................................................... 68
3.5 PROJECTO DO CORPO DA BARRAGEM ......................................................... 71
3.5.1 Percolação através da barragem ................................................................. 71
3.5.2 Análise da estabilidade ................................................................................ 71
3.5.3 Estabilidade duma barragem homogénea .................................................... 73
3.5.4 Estabilidade duma barragem zonada ........................................................... 74
3.6 DETALHES DE COROAMENTO E DOS PARAMENTOS .................................. 76
3.6.1 Coroamento.................................................................................................. 76
3.6.2 Protecção dos paramentos........................................................................... 77
3.7 ESTIMAÇÃO DA FOLGA .................................................................................... 78
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

3.8 TIPOS DE BARRAGEM DE ENROCAMENTO ................................................... 82


3.9 TRATAMENTO DA FUNDAÇÃO ......................................................................... 84
3.10 PROJECTO DO ATERRO DE ENROCAMENTO................................................ 85
3.11 PROJECTO DA ZONA IMPERMEÁVEL ............................................................. 86
3.12 CASOS ESPECIAIS DE BARRAGENS DE ENROCAMENTO ........................... 87
3.13 BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAEMENTO DO TEMA ................................. 88
CAPÍTULO 4 - BARRAGENS DE BETÃO ......................................................................... 89
4 BARRAGENS DE BETÃO .......................................................................................... 90
4.1 TIPOS DE BARRAGENS DE BETÃO ................................................................. 90
4.2 BARRAGENS ARCO E ABÓBADA ..................................................................... 91
4.3 COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DAS BARRAGENS ABÓBADA ................ 93
4.4 TRATAMENTO DE FUNDAÇÕES EM BARRAGENS ABÓBADA ...................... 95
4.5 BARRAGENS DE GRAVIDADE .......................................................................... 96
4.6 COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DA BARRAGEM DE GRAVIDADE ........... 96
4.6.1 SOLICITAÇÕES NUMA BARRAGEM GRAVIDADE .................................... 97
4.6.2 CÁLCULO SIMPLIFICADO DE TENSÕES ................................................ 100
4.7 CRITÉRIOS DE DIMENSIONAMENTO ............................................................ 106
4.8 BARRAGENS GRAVIDADE EM FUNDAÇÕES PERMEÁVEIS (SOLOS) ........ 111
4.9 ASPECTOS A CONSIDERAR NO PROJECTO DE BARRAGEM GRAVIDADE
113
4.10 BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAMENTO DOS TEMAS DO CAPITULO ... 114
CAPÍTULO 5 - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS ..................................... 115
5 PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS ...................................................... 116
5.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 116
5.2 DESCARREGADOR SEM COMPORTAS ......................................................... 118
5.3 "ROUTING" DA CHEIA PELO MÉTODO DE PULS .......................................... 119
5.4 DESCARREGADOR COM COMPORTAS ........................................................ 121
5.4.1 REGRAS DE OPERAÇÃO ......................................................................... 122
5.5 MÉTODO DE PULS NUM DESCARREGADOR COM COMPORTAS .............. 123
5.6 DIMENSIONAMENTO ECONÓMICO DO DESCARREGADOR ....................... 124
5.7 UM EXEMPLO: BARRAGEM DE MASSINGIR ................................................. 125
5.8 EXERCÍCIOS .................................................................................................... 126
5.9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA LEITURA ADICIONAL ................... 128
CAPÍTULO 6 – ................................................................................................................. 129
ORGÃOS HIDRÁULICOS................................................................................................ 129
6 ORGÃOS HIDRÁULICOS ........................................................................................ 130
CAPÍTULO 7 – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS ......................................................... 131
7 TRANSPORTE DE SEDIMENTOS........................................................................... 132
7.1 INTRODUÇÃO – EROSÃO DO SOLO .............................................................. 132
7.2 IMPORTÂNCIA DO PROBLEMA DE TRANSPORTE DE SEDIMENTOS ........ 134
7.3 ESCOAMENTOS EM REGIME PERMANENTE ............................................... 135
7.4 CARACTERÍSTICAS DOS SEDIMENTOS ....................................................... 137
7.4.1 Tamanho .................................................................................................... 137
7.4.2 Forma ......................................................................................................... 141
7.4.3 Densidade .................................................................................................. 141
7.4.4 Velocidade de queda .................................................................................. 141
7.4.5 Porosidade ................................................................................................. 144
7.5 INÍCIO DO MOVIMENTO DAS PARTÍCULAS .................................................. 145
3
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

7.5.1 Critério de Shields ...................................................................................... 145


7.5.2 Critério de Lane .......................................................................................... 150
7.5.3 INFLUENCIA DOS VÁRIOS FACTORES NO INÍCIO DO MOVIMENTO ... 151
7.5.4 Efeito do critério ......................................................................................... 151
7.5.5 Materiais coerentes .................................................................................... 153
7.5.6 Estabilidade de blocos (Enrocamento) ....................................................... 153
7.6 MECANISMOS DE TRANSPORTE................................................................... 155
7.7 Configurações de fundo dum leito aluvionar ..................................................... 157
7.7.1 Descrição das configurações de fundo ...................................................... 157
7.8 Previsão das configurações do fundo................................................................ 161
7.8.1 Critério de Simons e Richardson (1966) .................................................... 161
7.8.2 Critério de Engelund e Hansen (1967) ....................................................... 162
7.8.3 Primeiro critério de Athaullah e Simons (1970) .......................................... 162
7.8.4 Segundo critério de Athaullah e Simons (1970) ......................................... 163
7.8.5 Critério de Cooper, Peterson e Blench (1972)............................................ 163
7.8.6 Eficiência dos critérios na previsão das configurações .............................. 164
7.9 Resistência aluvionar ........................................................................................ 166
7.9.1 Influência das configurações de fundo ....................................................... 166
7.9.2 Cálculo da resistência aluvionar ................................................................. 168
7.9.3 Fórmula de Engelund e Hansen (1967) ..................................................... 169
7.9.4 Fórmula de Kennedy, Alam e Lovera (1969) .............................................. 170
7.9.5 Fórmula de Van Rijn ................................................................................... 171
7.9.6 Efeito de histerese...................................................................................... 172

4
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

CAPÍTULO 1 -
DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

5
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1 DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS
1.1 INTRODUÇÃO
A variabilidade temporal dos escoamentos superficiais, com uma marcada alternância
entre períodos de grandes caudais e períodos de estiagem ao longo do ano assim como
de sequências de anos húmidos e de anos secos, leva a que se recorra ao
armazenamento de água para adequar os escoamentos afluentes às necessidades de
consumo.

O armazenamento é feito em reservatórios que podem ser naturais ou artificiais. Uma


barragem cria um reservatório artificial que se designa por albufeira.

Uma albufeira pode servir diversas finalidades:

• através da regularização de caudais


➢ abastecimento urbano e industrial;
➢ irrigação;
➢ controlo de cheias;
➢ produção de energia hidroeléctrica;
➢ navegação;
➢ controlo de poluição por diluição;
➢ contenção da intrusão salina;
• através do próprio volume de água armazenado na albufeira
➢ recreio;
➢ piscicultura;
➢ retenção de sedimentos;
• através da queda criada pela barragem
➢ produção de energia hidroeléctrica.

Em Moçambique existem algumas grandes albufeiras, destacando-se a de Cahora-Bassa


no rio Zambeze que possui uma das maiores capacidades de armazenamento em todo o
mundo. Para além de Cahora Bassa, devem referir-se as albufeiras de Massingir (rio dos
Elefantes), Chicamba (rio Revué), Corumana (rio Sabié) e Pequenos Libombos (rio
Umbelúzi). O Quadro 1-1 apresenta as principais características dessas albufeiras.
Moçambique dispõe ainda de outras albufeiras de menores dimensões como as de
Macarretane (rio Limpopo), Mavúzi (rio Revué), Ulongué (rio Maué), Nacala (rio Muecate),
Nampula (rio Monapo) e Locumué (rio Lucheringo).

O desenvolvimento sócio-económico de Moçambique irá necessitar da criação de muitas


outras pequenas e grandes albufeiras, atendendo à irregularidade dos escoamentos nos
rios do país. A Figura 1-1 localiza as barragens existentes bem como diversas outras em
projecto ou identificadas como potencial.
6
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Quadro 1-1 - Características das principais albufeiras de Moçambique

ALBUFEIRA RIO TIPO DE ALTU CAPACIDA MAX.Á POTÊ FINALIDADES


BARRAG RA DE REA NCIA
EM m M m3 INUND. MW
km2
Cahora Zambeze Betão, 171 52,000 2,260 a) Energia (P), irrigação,
Bassa abóbada 3,600 controlo de cheias,
navegação, pesca
Chicamba Revué Betão, 75 1,536 36 Energia (P),
abóbada abastecimento a
Chimoio c)
Massingir Limpopo Terra, 48 d) 2,844 151 b) Irrigação (P), controlo
zonada 40 de cheias e da
intrusão salina,
energia, pesca
Corumana Sabié Terra, 45 e) 1,230 90 15 Irrigação (P), energia,
zonada controlo de cheias e
da intrusão salina
Pequenos Umbeluzi Terra, 46 400 38 1.4 Abastecimento a
Libombos zonada Maputo (P), irrigação,
controlo de cheias,
recreio e turismo,
energia, pesca
(P) - finalidade principal do aproveitamento

a) – a potência actualmente instalada é de 2075 MW (central Sul)


b) – a central hidroeléctrica ainda não foi instalada
c) – o abastecimento a Chimoio a partir da albufeira da Chicamba apenas se iniciou em
1996
d) – a capacidade actual é de cerca de 1,200 M m3, enquanto não forem instaladas as
comportas do descarregador de cheias
e) – a capacidade actual é de cerca de 700 M m3, enquanto não forem instaladas as
comportas do descarregador de cheias

7
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Figura 1-1 Localização de barragens existentes e previstas

8
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1.2 ELEMENTOS DE CARACTERIZAÇÃO DAS ALBUFEIRAS

A figura 2 representa esquematicamente uma barragem e a respectiva albufeira. Ela


permite ilustrar as seguintes características da albufeira:

• NPA é o nível de pleno armazenamento. É a máxima cota atingida pela água


armazenada, correspondendo à cota do topo das comportas do descarregador de
cheias ou à da crista da soleira do descarregador se este não tiver comportas. O
NPA pode ser mantido por longos períodos de tempo.

• NMC é o nível de máximo cheia. Quando ocorre a “cheia de projecto” , o caudal


de pico da cheia é superior à capacidade de vazão do descarregador o que
origina que, durante um certo período de tempo, parte do escoamento afluente se
acumule na albufeira, elevando o seu nível. O NMC é o nível máximo atingido
nessas condições. Uma albufeira não pode armazenar água em permanência
acima do NPA, portanto esta é uma situação que ocorre apenas durante cheias,
num intervalo de tempo relativamente curto.

• Volume morto é a a parcela da capacidade da albufeira que se destina a ser


preenchida com os sedimentos transportados pelo rio e que, retidos pela
barragem, se depositam. Quando a barragem acaba de ser construída, o volume
de sedimentos depositado é praticamente nulo; esse volume vai sempre
crescendo até ao fim da vida útil da albufeira. O volume morto corresponde à
situação atingida no fim da vida útil.

• NME é o nível mínimo de exploração. Corresponde à cota a que se colocam as


entradas das descargas de fundo. O NME é definido tendo em conta o volume
morto para garantir que as descargas de fundo não fiquem colmatadas durante a
vida útil da albufeira.

• Capacidade da albufeira é o volume total de água que ela armazena quando o


nível da água é o NPA. Capacidade útil é a diferença entre a capacidade e o
volume morto já que qualquer volume de água armazenado abaixo do NME não é
normalmente utilizável.

• Volume de encaixe de cheias é a diferença entre o o volume armazenado


quando o nível da água é o NMC e a capacidade da albufeira. Constitui um
elemento importante para o estudo do amortecimento (laminagem) da cheia pela
albufeira pois quanto maior for esse volume de encaixe tanto menor será o caudal
de pico descarregado pela barragem.

9
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Figura 1-2 - Representação esquemática duma barragem e albufeira

1.3 CURVAS CARACTERÍSTICAS DE ALBUFEIRAS

Tanto o dimensionamento duma albufeira como a sua exploração tornam necessário


conhecer as suas curvas características, sendo as principais:

• a curva dos volumes armazenados V (h);


• a curva das áreas inundadas A (h);
• a curva de vazão do rio numa secção imediatamente a jusante da barragem.

A curva dos volumes armazenados estabelece uma relação biunívoca entre a cota h da
água na albufeira e o correspondente volume armazenado V.

Nos estudos de dimensionamento de albufeiras, determina-se a capacidade total (soma


da capacidade útil e do volume morto) e o volume de encaixe de cheias necessários para
satisfazer respectivamente a demanda de água e garantir a segurança da obra. A curva
V(h) permite então determinar a cota h que corresponde à capacidade total mais o volume
de encaixe de cheias. Essa cota, adicionada à folga, permite calcular a altura necessária
para a barragem. A curva V (h) permite ainda determinar a carga sobre o descarregador e
as descargas de fundo que é uma variável necessária para se calcular o caudal
descarregado; permite igualmente obter a queda para o cálculo da potência e da energia
produzida nas turbinas.

A curva das áreas inundadas estabelece uma relação biunívoca entre a cota da água h
e a correspondente área A da superfície de inundação da albufeira.

10
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Nos estudos de dimensionamento e exploração de albufeiras, esta curva permite


conhecer a máxima área inundável pela albufeira bem como a área inundada em cada
instante (o volume armazenado V determina a cota h e esta determina a área inundada
A). A área inundada permite também calcular o volume de água que precipita sobre a
albufeira e que dela se evapora num dado intervalo de tempo.

As curvas A(h) e V(h) são facilmente obtidas a partir dum mapa com curvas de nível,
abrangendo o local da barragem e a zona da albufeira, veja-se a Figura 1-3.

Figura 1-3 - Mapa da zona da albufeira com curvas de nível

Determina-se, normalmente com um planímetro, a área de inundação que resultaria da


água estar à cota duma dada curva de nível. Obtém-se assim uma série de valores de A
(A100, A120, A140, A160, A180 , no exemplo da Figura 1-3) que permitem traçar a curva A(h)
passando pelos vários pontos Ai(hi), Figura 1-4. A120 é a área sombreada na Figura 1-3.

11
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Figura 1-4 - Curva de áreas inundadas

Feito o traçado da curva A(h), torna-se bastante simples fazer o traçado da curva V(h).
dh
Para tal, basta atender a que o volume elementar de água contido entre as cotas h -
2
dh
e h+ é dado por
2
dV = A(h) dh

O volume total V(h) contido à cota h será então dado por


h
V (h) = h min
A dh

Então, para qualquer valor de h, o volume V(h) é igual à área entre a curva A e o eixo h e
entre os limites hmin e h. Esta área pode ser obtida por planimetria sobre a figura da curva
A(h) ou fazendo, a partir da curva A(h), uma tabela de valores de A e h e calculando a
área por integração numérica.

Na fase de dimensionamento das albufeiras, as curvas A(h) e V(h) são estendidas até
valores de h que estejam claramente acima daquilo que se pensa venha a ser a cota
máxima da albufeira.

A curva de vazão do rio numa secção imediatamente a jusante da barragem é outra


curva cujo conhecimento é necessário, tanto para estudos de produção de energia
hidroeléctrica como para análise da dissipação de energia em descarregadores.

12
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Esta curva de vazão determina o nível de água no rio em função do caudal descarregado
pela barragem, quer através das turbinas quer através de descargas de fundo ou do
descarregador de cheias. Quanto mais alto for esse nível, menor será a queda bruta
disponível para a produção de energia hidroeléctrica. Por outro lado, o nível de jusante
influencia o funcionamento do ressalto hidráulico em bacias de dissipação.

1.4 DETERMINAÇÃO DO VOLUME MORTO

Um rio transporta não apenas água mas também sedimentos de maiores ou menores
dimensões. Com excepção do sedimento muito fino (“wash load”) que se mantém em
suspensão mesmo em águas praticamente paradas, duma maneira geral a capacidade
dum escoamento transportar sedimentos aumenta exponencialmente com a velocidade.

O barramento dum rio numa dada secção e a criação duma albufeira originam uma curva
de regolfo, com alturas de escoamento superiores às que ocorriam antes da construção.
Consequentemente, as velocidades do escoamento tornam-se mais baixas, levando à
deposição dos sedimentos. Esta deposição inicia-se com os materiais mais grosseiros; à
medida que o rio entra pela albufeira, as velocidades vão sendo cada vez menores,
causando a deposição dos sedimentos mais finos, conforme se esquematiza na figura 5.

Figura 1-5 - Deposição de sedimentos numa albufeira

13
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

A deposição de sedimentos originada pela albufeira tem numerosos inconvenientes:

• provoca a diminuição da capacidade útil - em muitas albufeiras da Índia, essa


diminuição é de 0.5 - 1% da capacidade útil por ano e na grande barragem de Tarbela,
no rio Indus no Paquistão, ela foi de cerca de 20% em 15 anos;
• eleva os níveis de cheia a montante da albufeira, devido à sobreelevação do leito à
entrada da albufeira;
• provoca erosões no leito e margens a jusante da barragem, devido ao facto da
barragem descarregar caudal desprovido do sedimento de que carece para uma
situação de equilíbrio;
• diminui a qualidade da água na albufeira;
• reduz a jusante os nutrientes transportados pelos sedimentos finos.

Foram experimentadas diversas vias para evitar a retenção de sedimentos na albufeira,


principalmente através de operações de “flushing”. O “flushing” consiste em fazer
periodicamente descargas muito elevadas através das descargas de fundo para provocar
o arrastamento dos sedimentos depositados. Infelizmente, esta técnica tem revelado um
sucesso limitado porque o arrastamento dos sedimentos dá-se apenas nas zonas mais
próximas das descargas de fundo.

A medida que se tem revelado mais efectiva é a prevenção da erosão nos solos da bacia
drenante através de medidas de conservação do solo como reflorestamento, construção
de terraços em zonas de grandes declives, manutenção do coberto vegetal, práticas
agrícolas adequadas, construção de açudes para retenção de sedimentos, e outras
similares.

A deposição de sedimentos acontece em toda a albufeira mas a maior parte ocorre nas
zonas mais profundas da albufeira, junto da barragem. Assim, em primeira aproximação,
pode desprezar-se a deposição em cotas mais elevadas e admitir que ela se efectua
apenas nas cotas mais baixas, conforme se representa na Figura 1-6.

14
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Figura 1-6 - Efeito da deposição de sedimentos na curva de volumes armazenados

Com base nesta aproximação, o volume morto pode então ser determinado com os
seguintes passos:

1o) Estimação do volume anual médio de sedimentos transportados pelo rio na


secção da barragem. Esta estimação pode fazer-se pelos seguintes processos:

• medições de caudal sólido, em número suficiente para se estabelecer uma


correlação com o caudal líquido. Caso se consiga estabelecer essa correlação,
torna-se possível então para cada valor de caudal líquido (diário, por exemplo)
calcular o correspondente valor do caudal sólido, obtendo-se dessa forma uma
série cronológica que poderá ser tratada estatisticamente. As limitações de dados
de medições de caudal sólido levam a que este processo seja raramente utilizado;
• utilização de formulas semi-empíricas que permitem calcular o caudal sólido a
partir do conhecimento das características do escoamento líquido e de
características do próprio sedimento (granulometria, forma das partículas). Este é o
processo habitualmente utilizado por recorrer a dados existentes ou facilmente
obteníveis;
• utilização de formulas de cálculo da erosão do solo na bacia drenante. Este método
é de mais difícil utilização devido à carência de dados necessários para a
calibração dos parâmetros que intervêm em tais fórmulas.

Estes processos serão vistos com mais pormenor no capítulo dedicado ao transporte de
sedimentos.

2o) Estimação do coeficiente de retenção definido como a razão entre o volume de


sedimentos retido na albufeira e o volume de sedimentos afluente. Como era previsível e
se tem verificado experimentalmente, o coeficiente de retenção cresce com a
regularização específica, aproximando-se de 100% para o caso de grandes albufeiras. A

15
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Figura 1-7 reproduz o gráfico apresentado por Brune em 1953 relacionando o coeficiente
de retenção com a regularização específica.

O produto do volume anual médio de sedimento transportado pelo coeficiente de retenção


dá o volume anual de sedimento que se deposita na albufeira.

3o) Definição da “vida útil” da albufeira - deve-se considerar para vida útil da albufeira
um valor entre 50 e 200 anos. Como indicação, sugere-se a adopção duma “vida útil” de
100 anos. Não há ainda evidência suficiente sobre o comportamento de barragens com
muito mais de 100 anos.

O volume morto será então igual ao produto do volume anual de sedimentos que se
deposita na albufeira pela “vida útil”.

Figura 1-7 Gráfico de BRUNE (1953) para coeficientes de retenção

Obs - O gráfico de BRUNE tem de ser aplicado em períodos curtos (10 anos) já que a
regularização específica vai diminuindo com o tempo.

16
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1.5 CAPACIDADE ÚTIL DA ALBUFEIRA


1.5.1 Fiabilidade

A capacidade útil duma albufeira permite-lhe exercer a função de regularização dos


escoamentos, armazenando parte do escoamento afluente durante a época húmida para
reforçar os caudais descarregados durante a época de estiagem.

A capacidade útil que é necessária para garantir determinados consumos a jusante


depende das características desses consumos, das características do escoamento
afluente (valores médios, variabilidade) e da fiabilidade exigida pelo consumo.

Para se compreender o conceito de fiabilidade, considere-se uma albufeira que efectua


descargas em N períodos de tempo para satisfazer um dado consumo. A meta do
consumo não é satisfeita em Nf desses períodos, situações em que se considera haver
falhas; a meta é satisfeita em N - Nf períodos.

A fiabilidade F é então definida como a probabilidade da meta do consumo ser satisfeita,


calculando-se pela expressão:

N − Nf
F =
N +1

Embora não existam normas rígidas sobre os valores a adoptar para a fiabilidade em
função dos vários tipos de consumos, a prática internacional indica os valores que se
apresentam no Quadro 2.

Quadro 1-2 - Fiabilidades de diversos consumos de água

Fiabilidade (%)
Consumo Valores limite Valor usual

Abastecimento doméstico urbano 90 - 97 95


Abastecimento rural 80 - 90 85
Abastecimento industrial 75 - 97 90
Energia 75 - 99 95
Irrigação 75 - 85 80

1.5.2 Cálculo da Capacidade Útil pelo Método de Rippl

O Método de Rippl ou método da curva de volumes acumulados é o método mais


antigo desenvolvido para determinar a capacidade útil necessária para satisfazer, sem
17
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

falhas, uma dada meta constante de consumo. A meta pode corresponder a um


escoamento mínimo pretendido (p.ex: para garantir a irrigação ou o abastecimento
urbano) ou a um máximo (p.ex: controlo de cheias). Este método foi proposto por Rippl
em 1883.

Trata-se dum método gráfico e, como tal, é actualmente pouco utilizado na prática. O
procedimento é o seguinte:

I. Utilizando uma série longa (20 ou mais anos) de escoamentos no local onde se
pretende construir a barragem, constrói-se a curva de volumes acumulados.
Normalmente, utilizam-se séries de escoamentos mensais, Figura 1-8. A tangente
à curva em cada ponto dá o caudal nesse instante; nos meses de estiagem a curva
aproxima-se da horizontal ao passo que nos meses húmidos tem uma grande
inclinação.

Figura 1-8 - Curva de escoamentos acumulados

II. Traçam-se paralelas à recta dos consumos acumulados tangentes à curva no início
de cada período de estiagem (situação em que a albufeira estará cheia). Cada
paralela vai do ponto de tangência ao ponto em que volta a intersectar a curva dos
volumes acumulados. A maior das distâncias, na vertical, entre qualquer uma das
rectas paralelas e a curva dos volumes acumulados é a capacidade útil necessária.
A Figura 1-9 ilustra este passo.

18
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Figura 1-9 - Determinação da capacidade útil pelo método de Rippl

Se em A a albufeira estiver cheia, ela vai-se esvaziando até B voltando a encher a partir
daí. Em C a albufeira está novamente cheia visto que os volumes acumulados entre A e
C, afluente e descarregado, são iguais. Entre D e H a situação é similar, apenas diferindo
pelo facto de que a albufeira não chega a ficar cheia no fim da primeira época húmida que
termina em F.

Se a maior das distâncias for, por exemplo, d3, então é claro que a albufeira não chega a
ficar vazia nos pontos B e E mas apenas no ponto G. Com efeito, entre D e G o
escoamento afluente acumulado é inferior em d3 ao escoamento descarregado
acumulado, ou seja, é preciso que exista um volume d3 armazenado para se satisfazer a
meta do consumo.

Note-se que, estando a albufeira cheia em H, ela irá descarregar um escoamento superior
à meta do consumo nos períodos de tempo imediatamente a seguir. Situação idêntica
ocorre em C.

O passo 2o foi descrito na hipótese de que a meta do consumo se refere a um


escoamento mínimo a garantir. Se a meta for a de garantir que um escoamento máximo
não é ultrapassado (controlo de cheias), as paralelas à recta do escoamento máximo
acumulado devem ser tangentes à curva dos escoamentos acumulados no início de cada
período húmido (situação em que a albufeira estará vazia).

O método de Rippl é um método simples que pode ser utilizado em análises preliminares
ou em estudos de pequenas albufeiras. Ele tem algumas limitações importantes:

19
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

• não considera a precipitação nem a evaporação na albufeira;


• não permite a introdução do conceito de fiabilidade uma vez que considera o
cumprimento da meta de consumo sem falhas;
• exige uma meta constante.

Figura 1-10 - Curva de capacidade útil vs. caudal garantido

A curva de capacidade útil vs. caudal garantido tem a forma característica apresentada na
Figura 1-10, onde se vê que pequenos armazenamentos conduzem a acréscimos
significativos do caudal garantido Q mas que, à medida que este se aproxima do caudal
médio Q, a capacidade útil necessária cresce muito rapidamente.

O método de Rippl permite também resolver o problema inverso: dada a capacidade útil
da albufeira, determinar o máximo caudal garantido (i.e., caudal que é sempre igualado ou
excedido). Para a resolução deste problema, o procedimento é o seguinte:

1o) Constroi-se a curva dos escoamentos afluentes acumulados, tal como no caso
anterior.

2o) Desenha-se a mesma curva deslocada para cima na vertical duma distância igual à
capacidade útil da albufeira. A curva superior representa as situações de albufeira vazia
enquanto a curva inferior representa as situações de albufeira cheia, Figura 1-11.

3o) A partir dos vários pontos de início de estiagem na curva inferior, procura-se a recta
de maior declive (que corresponde, portanto, ao maior caudal) possível a qual pode ser
tangente à curva superior (a albufeira fica vazia) mas não pode intersectá-la.

20
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

No entanto, este problema não tem grande relevância prática.

Figura 1-11 - Determinação do máximo caudal garantido pelo método de Rippl

1.5.3 Determinação da Capacidade Útil pelo Método dos Picos Consecutivos

O método dos picos consecutivos (“sequent peak algorithm”) foi proposto por Thomas e
Burden em 1963. Este método permite determinar a capacidade útil necessária para uma
albufeira de regularização, oferecendo algumas vantagens sobre o método de Rippl:

• é um método analítico, podendo ser facilmente programado para computador;


• permite considerar uma meta que é variável ao longo do ano.

Tal como o método de Rippl, o método dos picos consecutivos não considera nem a
precipitação nem a evaporação na albufeira e também não permite introduzir o conceito
de fiabilidade uma vez que considera o cumprimentos da meta de consumo sem
quaisquer falhas.

O algoritmo de cálculo tem os seguintes passos:

21
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1o) Considerando a série de escoamentos afluentes (normalmente, mensais), determina-


se em cada período de tempo t o valor St dado por uma das duas alternativas

Rt - It + St-1 se positivo

0 se negativo ou nulo

em que Rt - meta de consumo no período t


It - escoamento afluente no período t
St - armazenamento necessário no período t

Toma-se So = 0

2o) Repete-se o passo anterior, tomando agora para So o valor de S obtido no ultimo
período de tempo do 1o passo.

3o) A capacidade útil necessária é o máximo de St obtido nos passos 1 e 2.

Capac = max { St }
t

A aplicação do algoritmo duas vezes à série de escoamentos permite tomar em


consideração a possibilidade do período crítico em termos de carência de água se situar
nos extremos da série. Esta repetição só é necessária se, no 1o passo, o St do último
período não for nulo.

Não deve confundir-se a equação do algoritmo dos picos consecutivos

St = Rt - It + St - 1

com a equação do balanço hídrico na albufeira que seria

St = St - 1 + It - Rt

Com efeito, no método dos picos consecutivos Rt - It representa, no caso de ser positivo,
o excedente da meta do consumo em relação ao escoamento afluente. Esse excedente
tem de ser fornecido pela albufeira e, para isso, esta tem de dispor dum armazenamento
St = Rt - It. Se no período anterior já a albufeira tivesse também de repor um
excedente, através do valor St - 1, então a necessidade total de armazenamento seria St =
Rt - It + St - 1.

22
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

A possibilidade de se considerar uma meta de consumo variável ao longo do ano é uma


grande vantagem do método dos picos consecutivos sobre o método de Rippl visto que
alguns consumos, principalmente a irrigação, têm uma marcada variação ao longo do
ano.

O método dos picos consecutivos não permite a resolução directa do problema inverso,
i.e, a determinação do máximo caudal garantido para uma dada capacidade útil da
albufeira. O problema inverso pode ser resolvido por via indirecta. Arbitrando vários
caudais garantidos, determinam-se pelo método dos picos consecutivos as
correspondentes capacidades úteis necessárias e, a partir daí, constrói-se a curva de
capacidades vs. caudal garantido (ver Figura 1-10) e dela obtem-se o caudal que
corresponde à capacidade dada;

1.5.4 Modelos Complexos para a Determinação da Capacidade Útil

Os dois métodos anteriormente apresentados são bastante simples e têm algumas


limitações sérias pelo que devem ser utilizados apenas em estudos preliminares ou para
pequenas albufeiras. Para grandes albufeiras ou quando há que considerar um sistema
de várias albufeiras, é necessário utilizar modelos mais complexos baseados na Análise
de Sistemas. Para os problemas de dimensionamento de albufeiras, os modelos mais
utilizados são os de Programação Linear, Programação Dinâmica e Simulação.

Não é possível no âmbito destas notas desenvolver a aplicação dos modelos acima
referidos. Far-se-á apenas uma breve introdução aos modelos de simulação,
normalmente os mais utilizados.

As principais razões para a popularidade dos modelos de simulação são a sua


simplicidade matemática e a sua versatilidade. Do ponto de vista matemático, o modelo
de simulação não é mais do que a aplicação sequencial, ao longo dos vários períodos de
tempo, da equação do balanço hídrico na albufeira. Por outro lado, o fácil acesso a
computadores têm permitido desenvolver programas relativamente simples mas
descrevendo com muito pormenor o comportamento do sistema.

O modelo de simulação toma esse nome exactamente porque simula ou imita o


comportamento dum dado sistema (neste caso, a albufeira e as diversas utilizações da
água) ao longo do tempo.

O modelo de simulação parte duma situação em que o sistema está perfeitamente


definido, i.e., são conhecidos a priori:

• a capacidade da albufeira e as curvas V(h) e A(h);


23
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

• os consumos (abastecimento, irrigação, controlo da poluição, navegação, etc.) e a sua


distribuição ao longo do ano;
• outras utilizações da água (controlo de cheias, produção de energia, níveis mínimos
na albufeira para pesca e recreio, etc.);
• a hidrologia do sistema (escoamentos afluentes à albufeira e em outras secções do
mesmo e outros rios, precipitação e evaporação na albufeira, etc.);
• as regras de operação da albufeira.

Com estes dados, a aplicação sequencial do balanço hidrológico permite conhecer o


comportamento do sistema em cada período de tempo (volume armazenado, volume
evaporado, descargas efectuadas para diversos fins, energia produzida, etc.). No final da
simulação, é possível fazer a determinação de:

• fiabilidades atingidas pelos diversos consumos, calculadas a partir das falhas


registadas em cada período;
• energias firme e secundária produzida anualmente;
• cheias verificadas e caudais máximos descarregados;
• ......

Quando se pretende utilizar um modelo de simulação para determinar a capacidade útil


duma albufeira necessária para garantir determinados consumos com dadas fiabilidades,
é preciso seguir um processo iterativo:

1o Arbitra-se um certo valor de capacidade;


2o Efectua-se a simulação e determinam-se as fiabilidades;
3o Se as fiabilidades forem muito altas, reduz-se a capacidade e repete-se a
simulação; inversamente, se as fiabilidades forem baixas, aumenta-se a
capacidade e repete-se a simulação;
4o Repete-se o passo anterior até se alcançarem as fiabilidades desejadas.

Nos últimos anos tem-se utilizado modelos de simulação em Moçambique para estudos
de albufeiras (dimensionamento, planeamento, operação) referentes às albufeiras de
Pequenos Libombos, Corumana, Massingir, Chicamba, Cahora-Bassa, Locumué,
Moamba - Major, Mapai, Bué - Maria (as três últimas na fase de planeamento) e à bacia
do rio Malema.

24
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1.6 DIMENSIONAMENTO DA CAPACIDADE ÚTIL COM


CARÊNCIA DE DADOS

Em Moçambique o número de estações hidrométricas com longas séries de escoamentos


é pequeno. Por isso, é frequente a situação em que, para se dimensionar a capacidade
útil duma albufeira de regularização, não se dispõe de registos de escoamentos ou a série
disponível é curta e com falhas, sobretudo se a albufeira não se localiza num dos rios
principais. Normalmente, nessas situações pode tentar obter-se uma série longa de
escoamentos a partir de séries longas de precipitação em postos localizados na bacia
drenante ou próximos.

Para isso, é preciso utilizar modelos complexos de simulação hidrológica que, tomando
como input a precipitação sobre a bacia drenante, “simulam” as fases do ciclo hidrológico
(retenção superficial, infiltração, percolação, escoamento subterrâneo, escoamento
superficial) e permitem obter o escoamento resultante. São exemplos desses modelos o
NWSRFS e o HEC-1.

Para utilizar estes modelos é necessário uma fase de calibração. A calibração exige a
disponibilidade de dados diários simultâneos de precipitação e escoamento pelo menos
durante 3 a 5 anos (se os dados de escoamento não existirem de todo ou não merecerem
confiança, é necessário fazer o registo de alturas e caudais durante 3 anos). Com estes
registos, os parâmetros do modelo são calibrados de forma a que o input (precipitação)
produza um output (escoamentos) similar ao registado.

A partir daí, utiliza-se o modelo calibrado para esses valores dos parâmetros para o correr
com os valores da série longa de precipitação e assim obter a série de escoamentos.

Existem processos mais expeditos para tentar obter séries de escoamentos mensais num
dado local quando a série de registos é inexistente ou muito curta. Alguns desses
processos são referidos na bibliografia de Hidrologia.

25
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1.7 EXERCÍCIOS

Exercício 1 - Para um dado local de barragem, mediram-se sobre uma carta áreas
inundadas para várias cotas, tendo-se obtido os seguintes valores:

h (m) 90 100 120 140 160 180


A (km2) 0 5 20 45 90 150

a) Trace em papel milimétrico a curva das áreas inundadas


b) A partir dela, elabore uma nova tabela de valores de h e A, com h em intervalos de 5
metros
c) Utilizando a nova tabela, elabore uma tabela de valores de V para os correspondentes
valores de h (de 5 em 5 m). Obtenha os valores de V por integração numérica.

Exercício 2 - A curva de áreas inundadas da albufeira de Massingir é dada por

A = 43.665 (h - 101.5)0.3937 entre as cotas 106.0 m e 125 m

e por

A = 0.0253 (h - 82)2.53338 para cotas entre 84.0 m e 106.0 m.

Obtenha uma expressão para a curva dos volumes armazenados, entre as mesmas cotas
limite.

Exercício 3 - O escoamento anual médio que aflui a uma albufeira é de 900 * 106 m3,
tendo uma concentração média de sedimento de 800 ppm em peso. A capacidade total da
albufeira é de 100 * 106 m3 . A porosidade média do sedimento depositado é de 0.4, a
densidade do sedimento é de 2,650 kg/m3. Determine a capacidade útil e o volume morto
para uma vida útil de 100 anos.

Exercício 4 - São dados 10 anos de escoamentos trimestrais numa secção dum rio em
que se pretende criar uma albufeira de regularização. Determine pelo método de Rippl a
capacidade útil necessária para fornecer um caudal constante de

a) 0.5 m3 / s b) 1.0 m3 /s c) 1.5 m3 /s d) 2.0 m3 /s


e) A partir dos resultados das alíneas anteriores, construa a curva de capacidade
útil vs. caudal garantido.

26
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

Série de escoamentos (M m3)

Ano
Trimestre 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 10.3 8.2 12.7 3.0 3.5 12.0 9.5 9.4 4.7 10.6
2 48.3 49.0 49.0 23.4 48.7 53.0 63.0 29.3 66.0 41.0
3 33.7 13.2 19.1 10.2 31.1 33.2 25.3 8.3 30.8 16.4
4 7.9 21.1 7.3 7.1 10.7 7.7 4.4 5.0 5.7 4.3

Exercício 5 - Com os dados do exercício anterior, determine o máximo caudal garantido


se a capacidade útil da albufeira for de 140 Mm3. Compare o resultado obtido com o que
obteria com a curva da alínea e) do exercício anterior.

Exercício 6 - Utilizando a série de escoamento trimestrais anteriormente apresentada (v.


método de Rippl), determine:

a) as capacidades úteis necessárias para garantir um caudal mínimo de 0.5, 1.0, 1.5 ou
2.0 m3/s e compare os resultados com os obtidos pelo método de Rippl;

b) determine a capacidade útil necessária se a meta do consumo for variável ao longo do


ano, sendo nos trimestres sucessivos de 2.0, 0.5, 1.0, 2.5 m3/s. Compare o resultado
com o obtido para uma meta constante de 1.5 m3/s e tire conclusões.

Exercício 7 - Determine o caudal constante garantido por uma albufeira com uma
capacidade útil de 10 M m3 para a série de escoamentos trimestrais anteriormente
referida.

27
Cap. I - DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1.8 BIBLIOGRAFIA

• NOVAK et al. – Hydraulic Structures, Unwyn Hyman, London, 1990;

• QUINTELA et al. – Hidrologia e Hidráulica de pequenas barragens, UEM-IST,


Maputo, 1987;

• LOUCKS et al. – Water Resource systems planning and analysis, Prentice Hall,
New York, 1983;

• VAZ, A. C. – Modelos de planeamento de sistemas de albufeiras em condições de


incerteza, Tese de Doutoramento, IST-LNEC, Lisboa, 1985;

• VAZ, A. C. – Manual de Hidrologia, UEM, Maputo, 2000.

28
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

CAPÍTULO 2 -
CONCEITOS GERAIS SOBRE
BARRAGENS

29
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

2 CONCEITOS GERIAS SOBRE BARRAGENS


2.1 DEFINIÇÕES. TIPOS DE BARRAGENS
Define-se genericamente como barragem uma estrutura capaz de reter e
armazenar água com segurança.

A existência duma Comissão Internacional de Grandes Barragens (CIGB/ICOLD)


tornou popular a definição de grande barragem dada por essa Comissão. A CIGB
classifica como grande barragem:

• uma barragem com mais de 15m de altura, contada desde o ponto mais
baixo da fundação até ao coroamento;
• uma barragem com altura entre 5 a 15m desde que se verifique uma das
seguintes condições:
o Um desenvolvimento do coroamento superior a 500m;
o Capacidade da albufeira superior a 3 hm3;
o Capacidade do descarregador de cheias superior a 2000 m3/s;
o Problemas especiais de fundações;
o Projecto não convencional.

Por exclusão de partes, uma pequena barragem é aquela que não é classificada
como uma grande barragem.

Em Moçambique, são classificadas como grandes barragens as de Cahora-Bassa,


Massingir, Corumana, Chicamba, Pequenos Libombos e ainda diversas outras
barragens de menor dimensão como:

- Nacala (17 m de altura, 4 hm3 de armazenamento);


- Nampula (17.5m, 4 hm3);
- Chimoio (15m);
- Macarretane (12m, 3 hm3);
- Locumué (17.5m, 1.7 hm3).

As barragens podem ser classificadas de acordo com:

• A sua finalidade;
• O seu funcionamento hidráulico; e
• Os materiais que compõem a sua estrutura.

Na classificação de acordo com a sua finalidade, as barragens designam-se por:

• Barragens de armazenamento – criam albufeiras destinadas a regularizar


os escoamentos;

30
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

• Barragens de derivação – destinam-se a elevar o nível da água para cotas


que permitam a sua derivação para canais de irrigação ou outros sistemas de
adução. A barragem de Macarretane é um exemplo típico.
• Barragens de retenção – destinam-se a retardar a progressão de cheias ou
a reter sedimentos.

Na classificação de acordo com o seu funcionamento hidráulico, as barragens


dividem-se em galgáveis e não galgáveis.

As barragens galgáveis permitem descargas por cima do coroamento e têm, por


isso, de ser construídas em materiais não erodíveis pela água, tais como betão ou
alvenaria. As barragens de aterro (terra, enrocamento) são não galgáveis pois o
galgamento provocaria sérias erosões podendo levar ao colapso da barragem. Por
vezes, considera-se uma barragem composta consistindo duma parte central
galgável em betão ladeada por diques laterais em terra, como é o caso da barragem
dos Pequenos Libombos.

A classificação mais habitual e mais útil em termos de projecto é a baseada nos


materiais que compõem a estrutura da barragem. De acordo com esta
classificação, as barragens dividem-se em:

• barragens de betão (incluindo barragens de alvenaria);


• barragens de aterro (terra ou enrocamento).

As barragens de betão, por sua vez, podem ser classificadas como barragens
gravidade, barragens arco ou abóbada e barragens de contrafortes, de acordo
com as suas formas e correspondente funcionamento estrutural.

As barragens de terra também se subdividem, habitualmente, em barragens


homogéneas e barragens zonadas.

A CIGB define do seguinte modo os vários tipos de barragens:

a) Barragem de aterro – qualquer barragem construída de materiais naturais


escavados, colocados sem adição de ligantes.

b) Barragem de terra – é uma barragem de aterro composta principalmente de


terra compactada (mais de 50%), podendo ser homogénea ou zonada.

A barragem é considerada homogénea quando é composta dum único material,


impermeável; ou zonada quando compreende, na secção transversal, áreas
especiais de material impermeável, e outras de material permeável - areia, cascalho
e enrocamento.
c) Barragem de enrocamento – é uma barragem de aterro cuja estabilidade é
assegurada por grandes áreas de enrocamento (mais de 50%). A barragem tem de
conter um núcleo impermeável, habitualmente de argila, acompanhado de filtros e

31
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

drenos. A impermeabilização é, por vezes, feita no paramento de montante o qual


pode ser de betão, betão betuminoso ou outro material impermeável.

d) Barragem de gravidade – é uma barragem de betão ou alvenaria de pedra cuja


estabilidade é assegurada fundamentalmente pelo seu peso próprio.

e) Barragem arco ou abóbada – é uma barragem de betão apresentando em


planta curvatura simples (arco) ou dupla (abóbada) e que descarrega a maior parte
da carga a que está sujeita lateralmente nos encontros e não na fundação. A
curvatura é dirigida para montante.

f) Barragem de contrafortes – é uma barragem de betão em que o paramento de


montante, impermeável, é suportado do lado de jusante por uma série de apoios
que são os contrafortes.

As figuras seguintes ilustram as principais variantes dos vários tipos de barragem.

Homogénea com dreno de pé


Homogénea com dreno de cachimbo
(barragens muito pequenas)
m ≈ 2.5 - 3.5
m ≈ 1.5-2.5 -

Zonada com núcleo de argila e aterros Zonada com núcleo de argila e aterros
estabilizadores de areia estabilizadores de areia e enrocamento.
m ≈ 2.5 - 3.5 m ≈ 1.6 - 2.0
Figura 2-1 - Principais variants de barragens de terra

32
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Enrocamento com núcleo central de argila Enrocamento com impermebilização a


m ≈ 1.6 - 2.0 - montante
m ≈ 1.6 - 2.0

Enrocamento com membrana asfáltica central


m ≈ 1.6 - 2.0

Figura 2-2 - Variantes de barragens de enrocamento

m ≈ 0.75
Perfil não galgável Perfil galgável

Figura 2-3 - Perfis característicos de barragens de gravidade

33
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Figura 2-4 - Perfil e planta duma barragem abóbada

Laje

Contraforte de cabeça Contraforte de cabeça


maciça (redonda) maciça (diamante)

Figura 2-5 - Perfis e plantas características de barragens de contrafortes

34
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

A opção por uma barragem de aterro ou por uma barragem de betão não é rigidamente
definida, resultando da solução que se revelar mais económica, dentro das exigências de
segurança estrutural, comportamento hidráulico e enquadramento ambiental. Podem
referir-se, no entanto, em termos gerais as vantagens de cada tipo de barragem e as
exigências correspondentes.

As barragens de aterro têm uma série de méritos que tem contribuído para serem o tipo
largamente dominante:

• São adequadas quer para vales apertados quer para vales muito abertos;
• Adaptam-se a condições muito variadas de fundações;
• Utilizam materiais naturais, minimizando a necessidade de importar e transportar
grandes quantidades de cimento e inertes;
• Com um projecto adequado, podem incluir na mesma secção diversos tipos de
materiais naturais;
• O processo de construção é altamente mecanizado e efectivamente contínuo.

As desvantagens das barragens de aterro são poucas:

• Estão sujeitas a grandes erosões e mesmo a destruição se forem galgadas,


exigindo uma estrutura separada para o descarregador de cheias;
• São vulneráveis à percolação que pode originar fenómenos de "piping" e erosão na
barragem e na fundação.

Por sua vez, os principais méritos das barragens de betão são os seguintes:

• Podem ser utilizadas tanto em vales apertados como em vales abertos desde que
se disponha duma fundação em rocha sã a pequena profundidade;
• Podem ser galgadas, o que lhes permite a colocação de descarregadores por cima
do coroamento (garantindo o necessário controlo da erosão a jusante);
• Podem alojar descargas de fundo e outros equipamentos auxiliares em câmaras e
galerias alojadas no próprio corpo da barragem.

As principais desvantagens das barragens de betão em relação às barragens de aterro


são:

• A exigência de melhores condições de fundação (rocha sã);


• A exigência de cimento e materiais naturais processados (inertes) em grande
quantidade;
• A construção tradicional em betão é mão-de-obra intensiva, relativamente
descontínua, exigindo trabalhadores especializados para cofragens, betonagens,
etc.
• O custo unitário do m3 colocado em obra é muito mais elevado para o betão em
massa do que para o aterro compactado.

Este último aspecto é parcialmente compensado pelo facto dos volumes de betão numa
barragem de betão serem muito inferiores aos volumes de aterro numa barragem de terra
35
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

ou de enrocamento. É por isso que, num vale relativamente estreito e com rocha sã
próxima da superfície, uma solução de barragem de betão pode ser mais económica que
uma barragem em aterro, atendendo também ao facto de uma poder ser galgável e a
outra não.

2.2 ORGÃOS HIDRÁULICOS E OUTRAS COMPONENTES DAS


BARRAGENS
Para poderem cumprir as suas funções de regularização de escoamentos, descargas
para diversos fins e simultaneamente serem estruturas que se mantém seguras durante a
passagem de cheias, as barragens tem de dispor, para além do corpo da barragem
propriamente dito (em aterro ou em betão), duma série de outros órgãos, nomeadamente:

- Descarregador de cheias;
- Descargas de fundo e meio-fundo;
- Circuito hidráulico para turbinas;
- Drenagem interna;
- Impermeabilização das fundações;
- Galerias e poços de inspecção.

O descarregador de cheias tem por função passar para jusante, de forma segura, os
caudais de cheias afluentes quando a albufeira está já ao nível de pleno armazenamento,
evitando que a barragem sofra danos quer devido a galgamento (no caso de barragens de
aterro) quer devido a erosões no leito do rio imediatamente a jusante e que possam minar
a estrutura da barragem. O descarregador de cheias é composto normalmente por uma
estrutura de entrada (ou descarregador propriamente dito), um canal que conduz a água
para jusante da barragem e uma bacia de ressalto ou outra estrutura de dissipação de
energia que permita fazer o retorno da água ao rio sem provocar grandes erosões.

O descarregador pode dispor ou não de comportas. Normalmente, os descarregadores


das grandes barragens têm comportas; os das pequenas barragens, sobretudo as
situadas em locais muito isolados e sujeitos a cheias súbitas, não utilizam comportas.

Por vezes, para além do descarregador principal, a barragem comporta um descarregador


de emergência - um "dique fusível" em aterro, sobretudo aproveitando a existência de
portelas, construído de maneira a ruir quando a água atinge determinado nível, criando
uma descarga adicional.

As barragens de betão tem habitualmente o descarregador de cheias sobre o


coroamento, criando uma secção galgável, enquanto que as barragens de aterro tem uma
estrutura separada para o descarregador, normalmente localizado num dos encontros.

Frequentemente, a função de regularização dos escoamentos é cumprida através de


descargas da barragem para o rio fazendo-se a jusante a captação dos caudais
necessários. Para tal, a barragem deve dispor de descargas de fundo ou de meio-fundo,
compostas por condutas controladas por válvulas de regulação do caudal.

36
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

As descargas de fundo também são muitas vezes instaladas como medida adicional de
segurança para permitir um mais rápido esvaziamento da albufeira.

As condutas e as respectivas comportas ou válvulas de controlo são facilmente


incorporadas nas barragens de betão; nas barragens de aterro, a prática normal consiste
em instalar uma torre de comando, que controla a entrada da água para a conduta ou
culvert de descarga.

Quando os caudais a descarregar pelas descargas de fundo são elevados há que


providenciar formas de dissipar a energia do escoamento de maneira a que este não
provoque erosões no leito e nas margens do rio.

Quando a barragem tem uma central hidroeléctrica associada, ela deve dispor do
correspondente circuito hidráulico englobando comportas de controlo da entrada de água,
condutas forçadas e depois a central propriamente dita, com as turbinas e o caudal de
fuga. A central pode estar fisicamente ligada ao corpo da barragem ou estar distante dela.

Quer a fundação duma barragem seja em rocha quer um solo arenoso, o problema da
impermeabilização da fundação coloca-se frequentemente seja por causa da
permeabilidade natural do material (areia, silte), seja porque a camada superficial da
rocha está muito alterada, seja porque a rocha apresenta fendilhação profunda. Numa
barragem de aterro é normal utilizar-se uma vala corta-águas ("cut-off trench") que é uma
vala escavada por baixo do núcleo impermeável da barragem e preenchida com material
impermeável (argila) com uma profundidade geralmente não muito grande, Figura 2-6

Figura 2-6 - Impermeabilização de fundações em barragens de aterro

Se o estado impermeável se localizar a profundidades maiores, então há necessidade de


fazer uma cortina de injecções de calda de cimento ou duma mistura de argila e cimento,
a partir do núcleo impermeável da barragem ou da vala corta-águas, Figura 2-6.
Nas barragens de betão, a impermeabilização da fundação rochosa faz-se através de
cortinas de injecções localizadas próximo do paramento de montante.

Em fundações permeáveis, um processo que é utilizado para reduzir a percolação através


da fundação é a utilização dum tapete argiloso a partir do pé da montante da barragem e
estendendo-se para a montante. O tapete impede a infiltração da água da albufeira
próximo da barragem e assim, aumentando o caminho de percolação, reduz o caudal
percolado.
37
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

A percolação, embora controlada ou reduzida, existe sempre quer no corpo da barragem


quer na fundação. Por isso, todas as barragens modernas incluem dispositivos de
drenagem interna cujo objectivo principal é o alívio das pressões da água. Assim, na
fundação faz-se uma série de furos de drenagem a jusante da cortina de
impermeabilização, desta forma reduzindo significativamente as subpressões. No corpo
das barragens de betão instalam-se drenos verticais, fazendo-se a recolha da água numa
galeria donde se encaminha para a saída a jusante.

Nas barragens de aterro, cria-se normalmente uma zona muito permeável do lado de
jusante do núcleo impermeável, zona essa que se liga a um tapete horizontal de
drenagem que vai ter ao pé de jusante da barragem.

Para além do seu papel no sistema de drenagem interna, galerias e poços são
projectados para permitir uma inspecção da barragem, particularmente no caso de
barragens de betão. As galerias, poços e quaisquer câmaras das comportas ou válvulas
podem também ser utilizadas para a instalação de instrumentação de observação da
barragem. Nas galerias ligam-se também piezómetros para medir a subpressão na
fundação assim como os dispositivos necessários para fazer um reforço da cortina de
injecções se se revelar necessário.

2.3 DESVIO PROVISÓRIO DO RIO DURANTE A CONSTRUÇÃO


O desvio provisório do rio durante a construção da barragem torna-se necessário para
uma construção que tem de ser feita a seco. O problema é complexo e obriga a um
delicado compromisso entre o risco que se considera aceitável e a economia da solução
de desvio - quanto menor é o risco que se pretende correr da obra ser inundada por uma
cheia durante a construção maior é o custo do desvio provisório.
O caudal de dimensionamento do desvio provisório é função do risco que se considera
aceitável e do tempo estimado da construção, a partir da relação entre risco, duração da
construção e período de retorno.

1 N
R(N,T)= 1-(1- )
T

Assim, por exemplo, se está previsto que uma barragem leve 5 anos a construir e se se
pretende que o risco de inundação não exceda 10%, o período de retorno a considerar
para o caudal de dimensionamento seria de 48 anos.

Podem considerar-se três soluções básicas para o desvio provisório:

1 - Se se tratar duma barragem de betão e a época seca for suficientemente longa, pode-
se avançar com a construção dos blocos durante a época seca deixando alguns deles a
nível mais baixo para serem galgados enquanto nos restantes se pode trabalhar a seco.
Os blocos mais baixos são elevados em outra época seca quando o resto da barragem já
esta concluída;

38
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

2- Fazer um túnel de desvio para onde o rio é encaminhado e proteger a área de trabalho
com ensecadeiras a montante e a jusante. O túnel pode posteriormente ser incorporado
nos orgãos hidráulicos/ descargas de fundo (caso de Massingir) ou não o ser (Cahora-
Bassa);

3- Dividir a secção transversal em duas ou três partes, canalizando o rio para uma delas
e prosseguindo o trabalho na(s) outra(s) com a protecção de ensecadeiras. Quando a
obra na parte protegida já esta avançada ou concluída, faz-se passar rio por ali, deixando
a seco a parte da secção anteriormente ocupada pelo rio. A barragem dos Pequenos
Libombos foi construída desta maneira:

- Protegeu-se com ensecadeiras as partes ligadas aos dois encontros, deixando uma
zona central livre para a passagem do rio;
- Avançou-se com os aterros das margens esquerda e direita e com o descarregador
de cheias na parte protegida da margem esquerda;
- Quando o descarregador ganhou altura suficiente, o rio passou a escoar-se através
de alguns orifícios deixados no descarregador o que permitiu o avanço do trabalho
na zona do desvio.

A Figura 2-7 ilustra com pormenor o desvio e o progresso da construção da barragem sul-
africana de Hendrik Verwoerd (extraído do livro "The Engeneering of Large Dams" de H.
H. Thomas).

39
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Figura 2-7 - Desvio do rio para a construção da barragem Hendrik Verwoerd (RSA)

40
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Figura 2-8 - Desvio do rio para a construção da barragem Hendrik Verwoerd (RSA) –cont

41
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Figura 2-9 - Desvio do rio para a construção da barragem Hendrik Verwoerd (RSA) -cont

2.4 AVALIAÇÃO DO LOCAL DA BARRAGEM


Em condições ideais, o local duma barragem devia preencher os seguintes critérios:

a - Situar-se numa secção estreita do vale. A razão é obviamente o tornar possível uma
barragem de custo mais baixo. Há, no entanto, que tomar atenção ao facto de que vales
muito estreitos (como o da barragem de Cahora-Bassa) podem dificultar a colocação de
órgãos hidráulicos e complicar o problema da dissipação de energia (cf. ABECASSIS
1979).

b - Estar a jusante dum vale aberto para que a albufeira criada pela barragem tenha uma
grande capacidade de armazenamento.

c - Ter boas condições de fundação (rocha sã a pequena profundidade, inexistência de


falhas importantes, solos compactos e pouco permeáveis).

d - A geologia do vale a montante, onde se vai localizar a albufeira, mostrar não ter
problemas de rochas cársicas, solos permeáveis ou possibilidade de deslizamento de
encostas.

e - possibilitar a extracção dos materiais de construção necessários (solos, agregados).

f - ter acessos fáceis.


42
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Como é evidente, estas condições raramente são preenchidas na totalidade pelo que é
necessário procurar uma solução de compromisso.

A selecção do local da barragem não deve ser feita sem se considerarem 2 a 3 locais
alternativos, pesando cuidadosamente as vantagens e inconvenientes de cada um deles,
Figura 2-10.

Figura 2-10 - Locais alternatives para uma barragem

A escolha dum local deve atender também a outros factores dependentes das facilidades
da barragem e das especificidades da região, como por exemplo:

- Possibilidade de aproveitamento duma queda para a produção de energia;

- Áreas de interesse económico, social ou cultural e infra-estruturas que possam ser


inundadas pela albufeira (aldeias que tem de ser deslocadas, estradas e caminhos-
de -ferro que ficam submersos, etc).

A escolha do local da barragem implica assim investigações preliminares que, de acordo


com a importância da barragem, podem levar anos a realizar e custar muito dinheiro. É,
por isso, importante desenvolver os estudos preliminares em estágios de aprofundamento
sucessivo de forma a eliminar rapidamente as piores alternativas de locais e concentrar
as investigações em 1 ou 2 locais mais promissores. Caso contrário, os estudos
preliminares, nomeadamente os de topografia e geologia, podem vir a assumir uma
percentagem exageradamente alta do custo da obra.

Uma primeira análise de possíveis locais para a barragem pode ser feita sobre fotografias
aéreas utilizando um estereoscópio. Em Moçambique dispõem-se de fotografia aérea a
escala 1:40000 cobrindo todo o território.

Para a delimitação da albufeira e determinação das curvas de áreas inundadas e dos


volumes armazenados, é preciso dispor de cartas a escala 1:25000 ou 1:50000 com
curvas de nível espaçadas de 1 ou 2 m. Se se tratar duma pequena barragem, com uma
altura de poucos metros, será preciso uma carta a uma escala maior e com curva de nível
com intervalos menores. Eventualmente, tratando-se duma pequena albufeira, poderá
fazer-se o seu levantamento topográfico.

Para o local da barragem propriamente dito, são necessárias cartas a uma escala
bastante grande (1:5000 ou 1:2500 ou mesmo 1:1000) com curvas de nível espaçadas de
43
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

0.5 a 1 metros, para se poderem estimar quantidades de materiais a empregar, volumes


de escavação e aterro e a localização de diversas componentes da barragem.
Normalmente será necessário fazer um levantamento topográfico específico para produzir
as cartas necessárias.

Do ponto de vista da geologia, é importante compilar a informação já existente sobre a


região tendo em vista formular as primeiras ideias com respeito a:
- Segurança da barragem nas suas fundações;
- Impermeabilidade da albufeira;
- Disponibilidades dos materiais de construção.

A informação regional permitirá conhecer a existência ou não de formações calcárias


(perigosas, porque solúveis na água), sistemas de falhas, etc., conhecimento que pode
ser apoiado em análises químicas da água.

Posteriormente, é necessário ir obtendo um conhecimento da geologia do local da


barragem cada vez mais detalhado. Em princípio, é aconselhável ter bom conhecimento
da fundação até uma profundidade igual a altura da barragem.

A exploração geológica deve ser feita por diversas vias:

- Reconhecimento superficial - a abertura de trincheiras com maior profundidade possível


permite detectar falhas, planos de sedimentação, tipo de rochas, grau de alteração; é útil
como complemento de sondagens e extracção de carotes em rochas e solos;

- Exploração geofísica (métodos sísmicos e eléctricos) - constitui um processo rápido e


barato para determinar numa larga área um importante conjunto de propriedades como
descontinuidades na fundação, profundidade de aluvião, espessura da rocha alterada,
etc. Deve ser usada em conjunto com outras formas de reconhecimento superficial e sub -
superficial;

- Sondagens (com recuperação de material) e galerias escavadas em rocha. São


normalmente de custo elevado pelo que a sua definição deve ser feita por um geólogo de
fundações com muita experiência.

Vale a pena referir que o custo elevado da exploração geológica normalmente limita o
estudo aos mínimos considerados seguros. Por isso, durante a construção da barragem,
é importante aproveitar a fase de escavação das fundações para complementar os
conhecimentos existentes sobre a geologia do local e, se necessário fazer as adaptações
adequadas no projecto.

Em conexão com estudos geológicos, há que considerar também a actividade sísmica,


quer se trate de sismicidade natural quer de sismicidade induzida pela albufeira. A
sismicidade natural deve ser investigada com base em registos de sismógrafos (quando
existam) bem como a partir de informações da imprensa e da população. A existência de
falhas, sobretudo se existir alguma falha activa, é de grande importância.

Quanto a sismicidade induzida embora não haja evidência conclusiva, parece ser possível
que, em determinadas circunstâncias, o enchimento de grandes albufeiras e posteriores
44
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

grandes variações dos volumes armazenados origina sismos (devido aos ajustamentos
que ocorrem na crusta terrestre). Os mais importantes casos registados foram os das
barragens de Koyna, na Índia, que sofreu grandes estragos com um sismo de magnitude
6.4 (escala de Mercalli) quando não se tinha memória de qualquer sismo anteriormente a
barragem; Hoover, nos Estados Unidos, que passou a sofrer frequentes sismos o maior
dos quais, de magnitude 5; e Kariba, no Zimbabwe, que já sofreu um sismo de magnitude
5.8. Note-se que se trata de albufeiras de muito grandes capacidades de
armazenamento:2800; 42000 e de 170000 milhoes de metros cúbicos respectivamente.

2.5 SELECÇÃO DO TIPO DE BARRAGEM


O melhor tipo de barragem para um dado local é definido em função de condicionantes
técnicas e do custo. Em certas situações, as condicionantes técnicas impoem um
detrminado tipo de barragem, noutras porem, diversos tipos são tecnicamente possíveis e
a decisão é tomada em função dos custos das soluções alternativas.

Quatro aspectos são de fundamental importância para a seleção do tipo de barragem:

a) o gradiente hidráulico - a Figura 2-11 ilustra as diferenças que se podem verificar no


gradiente hidráulico para os diversos tipos de barragem.

Figura 2-11 – Gradientes hidráulicos dos vários tipos de barragens

Nas barragens de aterro verifica-se percolação não apenas através da fundação mas
também através do próprio corpo da barragem o que não se verifica nas barragens de
betão que podem ser consideradas impermeáveis. No caso de barragens de terra
homogéneas o gradiente hidráulico pode ser bastante baixo, por exemplo, de 0.2 ou 0.3;
as barragens de gravidade podem ter um gradiente de cerca de 1; as barragens de aterro
zonadas podem ter valores da ordem de 2 ao passo que as barragens de contrafortes,
45
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

abóbada e enrocamento com impermeabilização a montante podem ter valores entre 5 e


20. O gradiente hidráulico constitui assim uma condicionante para as fundações visto que
fundações menos resistentes e mais permeáveis dificilmente suportarão as pressões
internas associadas a gradientes hidráulicos elevados.
`

b) as tensões na fundação - os diversos tipos de barragem transmitem tensões a


fundação que diferem bastante. NOVAK (1990) refere as seguintes ordens de
grandeza para barragens com cerca de 100m de altura:

Tipo de barragem Pressão (MPa)

Aterro 0.2
Gravidade 3.0 - 4.0
Contrafortes 5.5 - 7.5
Abóbada 7.5 - 10

O material da fundação condiciona, portanto, fortemente o tipo de barragem visto que as


barragens de betão exigem fundações rochosas (as únicas que suportam pressoes
superiores a 1MPa=10kgf/cm2).

c) a deformabilidade da fundação - duma maneira geral, as barragens de betão e


sobretudo as barragens de abóbada e de contrafortes adaptam-se mal a deformações
excessivas ou diferenças da fundação ao passo que uma barragem de aterro bem
projectada é bastante flexível e permite ajustamentos a deformação da fundação.

d) o volume da escavação na fundação - se para se atingir o "bedrock" para fundar uma


barragem de betão é necessário um grande volume de escavação que tem depois de
ser enchido com betão, então trata-se duma alternativa pouco económica.

A Figura 2-12 apresenta algumas situações em que a topografia e a geologia apontam


preferencialmente para determinados tipos de barragem.

46
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Vale aberto, grande expessura de aluvião (>10m): Barragem de terra

Vale aberto, pequena expessura de aluvião: Vale apertado, pequena expessura de aluvião:
Barragem de aterro, gravidade ou contrafortes Barragem de abóbada ou de enrrocamento

Vale muito largo, com condições diferenciadas de espessura de aluvião – possível solução: Barragem
mista, com descarregador na parte de betão; em alternativa, barragem de terra.

Figura 2-12 – Exemplos ilustrativos de selecção do tipo de barragem

Haverá outros factores a considerar na selecção do tipo de barragem como, por exemplo:
- Possibilidade de desvio do rio;
- Rapidez da construção;
- Possibilidade de inundação durante a construção;
- Carência de pessoal especializado (por ex: equipas para cofragens especiais ou para
betões de alta resistência);
- Questoes ambientais.

47
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

2.6 FORÇAS ACTUANTES NA BARRAGEM


A integridade e a segurança duma barragem têm de ser mantidas em todas as situações
que provavelmente possam ocorrer ao longo da sua vida desde o início da sua
construção. É preciso assegurar a estabilidade da barragem e da fundação e a sua
impermeabilidade.

Apesar da aparente simplicidade das suas formas, as barragens tem um comportamento


estrutural muito complexo, visto tratarem-se de estruturas assimétricas, tridimensionais,
com materiais heterogéneos e com interação com a fundação. Por outro lado, as
solicitações efectivas nas barragens estão próximas das solicitações de projecto o que
não acontece com muitas outras estruturas.
Nem todas as forças actuam nos vários tipos de barragem da mesma forma, por isso
neste capítulo apenas se fará uma caracterização geral das solicitações.

É vantajoso dividir as forças actuantes em três grupos: primárias, secundárias e


excepcionais. A Figura 2-13 ilustra as várias forças actuantes, exemplificando-se com
uma barragem de gravidade.

Figura 2-13 – Forças actuantes numa barragem

a) Forças primárias são as de maior importância para todas as barragens,


independentemente do tipo, incluindo:

P1- resultante da pressão hidrostática. Note-se que poderá haver uma componente
vertical caso o paramento de montante não seja vertical assim como uma pressão do lado
de jusante corresponde ao nível da água que aí se verifica;

P2- peso próprio;


48
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

P3- subpressão resultante da percolação na fundação. O diagrama será triangular se


não houver uma linha de drenos. Nas barragens de aterro, a percolação através do corpo
da barragem origina pressoes nos poros.

b) Forças (ou solicitações) secundárias são de menor importância ou consideram-se


apenas para certos tipos de barragens:

P5- pressão sobre o paramento de montante resultante do sedimento submerso;


P6- força resultante de ondas (pouco importante);

Tensoes térmicas resultantes de variações lineares e diferenciais de temperatura


(apenas em barragens de betão).

c) Forças excepcionais são as que tem uma probabilidade de ocorrência muito baixa:

P4, P7- a ocorrência de sismos traduz-se por movimentos da fundação (acelerações)


que são transmitidas ao corpo da barragem e ao volume de água armazenada, podendo
gerar importantes tensões. O seu tratamento rigoroso cai no domínio da Dinámica das
Estruturas e é demasiado complexo para ser aqui tratado, limitando-nos a uma análise
simplificada através da introdução de forças estáticas "equivalentes" P4 e P7.

Importa ter desde já em conta que nas barragens de betão as forças atrás referidas se
podem considerar como forças externas, para uma análise simplificada, enquanto que nas
barragens de aterro elas tem de ser consideradas como forças internas distribuídas.

2.7 ALGUNS ELEMENTOS HISTÓRICOS E ESTATÍSTICOS


A construção de barragens data da Antiguidade Oriental e liga-se a quase todas as
grandes civilizações orientais (Egipto, Mesopotâmia, India, China) e a civilização romana.

A mais antiga barragem de que há vestígios é a barragem de Sadd-Kafara, no Egipto. Foi


construida no braço do rio Nilo, com uma altura de 14m, em terra com encontros na rocha
e protecção dos paramentos com alvenaria. Data possivelmente de cerca de 2800 a.c. A
barragem rompeu possivelmente devido ao galgamento.

Outras barragens foram construídas na antiguidade no Médio Oriente, merecendo


destaque a barragem de Marib (terra), no Iemen, com uma altura de 20m, e a barragem
de Kesis Golu (alvenaria) na Turquia com uma altura de 10m. As barragens datam de
cerca de 750 a.c.

Também os romanos construiram muitas barragens no Médio Oriente e na bacia


mediterrânica. Foram os primeiros a construir barragens arco como a barragem de
Baume, em França, com 12m de altura, no séc. II d.c.
No primeiro milénio aumentou grandemente o número de barragens construidas em
várias partes do mundo bem como a sua altura. Avanços significativos foram introduzidos

49
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

no séc. XVI em Espanha, como por exemplo, a barragem de Tibi (gravidade) com 42m de
altura.

A grande expansão, no entanto, corresponde ao séc. XX correspondendo quer ao


desenvolvimento criado pela Revolução Industrial quer aos avanços no domínio da teoria
(Teoria da Elasticidade, Mecânica dos Solos) quer ao progresso da tecnologia (materiais
como o betão, equipamento de movimento de terra, etc.).

A CIGB mantem um registo de grandes barragens que vai sendo actualizado


regularmente com informação fornecida pelos comités nacionais. Apresentam-se alguns
elementos de seguida.

Quadro 2-1 - Estatistica de grandes barragens (CIGB 1984)


Grupo Tipo Codigo (CIGB) Numero %
Aterrro Terra TE 28 845 82.9
Enrocamento ER
Betao(incluindo Gravidade PG 3 953 11.3
alvenaria) Abobada VA, MV 337 4.8
Contrafortes CB 1 663 1.0
Total (até ao fim de 1982) 34 798

Pode referir-se que a China tinha 18 595 grandes barragens e os Estados Unidos 5 338.
Havia em 1950, 5 196 barragens o que significa que, durante 30 anos, foram construidas
em média mais de 900 grandes barragens por ano.
O quadro seguinte, obtido de MERMEL 1988, indica as maiores barragens do mundo em
termos de altura, volume de aterro e capacidade da albufeira.

Quadro 2-2 - As maiores barragens do Mundo


Barragem Pais Tipo Ano Altura Volume Capacidade
(m) (106m3) (109m3)
Rogun URSS TE/ER 1989 335 - -
Nurek URSS TE 1980 300 - -
Grand Dixene Suica PG 1962 285 - -
Inguri URSS VA 1980 272 - -
Vaiont Italia VA 1961 262 - -
Chapeton Argentina TE/PG 1996 35 296 -
Pati Argentina TE/PG 1990 36 238 -
Tarbela Paquistao TE/ER 1976 143 106 -
Fort Peck EUA TE 1937 76 96 -
Lower Usuma Nigeria TE 1990 49 93 -
Owen Falls Uganda PG 1954 31 - 2700
Kariba Zimbabwe VA 1959 128 - 181
Bratsk URSS TE/PG 1964 125 - 169
Aswan Egipto TE/ER 1970 111 - 169
Akosombo Ghana TE/ER 1965 134 - 148

50
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

2.8 ACIDENTES COM BARRAGENS


Como qualquer outra estrutura, uma barragem pode sofrer um acidente que pode
conduzir até à rotura total. Infelizmente, um acidente numa barragem pode ter
consequências gravíssimas devido à cheia que se origina pela vazão da água acumulada
na albufeira.

Acidentes com barragens continuam a verificar-se todos os anos, tendo alguns deles
como os da barragem de Malpasset em França (abóbada, deslizamento do encontro da
margem esquerda), Vaiont na Itália (abóbada, deslizamento da encosta para dentro da
albufeira, provocou uma onda de 260 m por cima da barragem, matando 1900 pessoas - a
barragem ficou intacta!) e, mais recentemente (1976), Teton nos Estados Unidos
constituindo casos históriocs. A Figura 2-14, retirada do SERAFIM 1982, dá uma
panorâmica global dos acidentes com barragens.

Figura 2-14 - Numero de acidentes com barragens em função da altura

51
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

Tem se verificado que as barragens são particularmente vulneráveis durante e


imediatamente após a construção, pois 50% dos acidentes deram-se até dois anos após a
sua conclusão.

As principais causas de acidentes com barragens de betão foram:


a) Falta de capacidade resitente das fundações;
b) Subpressão excessiva, por falta de drenagem;
c) Falta de resistência do material de construção;
d) Deformação e permeabilidade excessiva da fundação;
e) "Piping" e erosão da fundação devido a permeabilidade;
f) Erosão a jusante da barragem devido ao galgamento;
g) Projecto e/ou construção defeituosa.

No que se refere a barragens de aterro, pode apontar-se:


h) Galgamento (por falta de capacidade do descarregador ou por comportas
inoperativas);
i) Erosão interna devido a percolação excessíva;
j) Grandes assentamentos da fundação e do corpo da barragem;
k) Erosão no contacto barragem/fundação ou barragem descarregador devido a
percolação excessíva;
l) Instabilidade do paramento de montante por falta de resistência do corpo da
barragem ou da fundação;
m) Fendas e subsequente "piping" devido a assentamentos, sismos e outras causas;
n) O projecto e/ou construção defeitousos.

As causas principais identificadas foram h (1/3 dos acidentes); e, b, i, k (1/3 também); a, c,


g, n.
Os desastres associados com acidentes com barragens obrigam a que se tomem
cuidados especiais como:

− Inclusão de instrumentos para observação regular das grandes barragens;


− Inspecção periódica de grandes e pequenas barragens;
− Acompanhamento rigoroso do primeiro enchimento da albufeira;
− Projecto e construção executado e fiscalizado por especialistas;
− Instruções precisas sobre a manutenção e operação dos orgãos hidráulicos.

52
Cap. II - CONCEITOS GERAIS SOBRE BARRAGENS

2.9 BIBLIOGRAFIA

• THOMAS- The Engineering of Large Dams- cáps. 3, 5, 7.

• NOVAK- Hydraulic Strutures- cáp. 1.

• USBR- Design of Small Dams- cáps. 1, 4, 5, 11.

• ABECASSIS, F.- Importância dos factores hidráulicos para a economia das


barragens - Recursos Hídricos, vol.1, n- 2, Maio 1980.

• MERMEL, T- Major dams of the world 1988- Water Power & Dams Constr., vol 40,
n- 6, June 1988.

• SERAFIM, j. l.- Elements for a thorough Statistical analysis of dam failures- Revista
da Univ. Coimbra, vol. 29, 1981.

• CIGB - Comissão Internacional de Grandes Barragens - Pequenas Barragens -


Projecto, monitoramento e reabilitação. Boletim 157, 2016.

53
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

CAPÍTULO 3 -
BARRAGENS DE ATERRO

54
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

3 BARRAGENS DE ATERRO
3.1 INTRODUÇÃO
São tratados neste tema os problemas fundamentais da estabilidade e
impermeabilidade do corpo da barragem bem como da fundação, sendo os órgãos
hidráulicos tratados como tema a parte.

O estudo de barragens de aterro baseia-se essencialmente nas teorias da


estabilidade de taludes e do movimento da água no solo (caudais, pressões, forças
de percolação) que foram tratadas com a devida profundidade em Mecânica dos
Solos, não se justificando fazer aquí a sua repetição.

O tema será tratado dando ênfase a pequenas barragens - aqui se considerando


como tal barragens com altura de 15m, com fundações que não sejam
excessivamente fracas ou excessivamente permeáveis e podendo utilizar para a
construção solos "normais" (isto é, que não tenham plasticidade muito alta ou
densidade muito baixa). Para estas pequenas barragens, pode fundamentalmente
recorrer-se a experiência de milhares de barragens já construídas com projectos
baseados nas teorias atrás referidas e que tem funcionado satisfatoriamente. Assim,
serão apresentados indicadores, tabelas e exemplos que permitirão projectar essas
pequenas barragens sem a necessidade de cálculos morosos ou complexos. Esta
aproximação parece preferível também por duas outras razoes:

− nas pequenas barragens, a economia introduzida por um projecto mais


sofisticado é pequena;
− nas pequenas barragens, por razoes económicas, as investigações geológicas e
geotécnicas são limitadas o que não permite ter um conhecimento muito
profundo das fundações.

Como anexos, apresentam-se alguns elementos básicos de cálculo da estabilidade


de taludes, pelo método tradicional do círculo de deslizamento, e da percolação na
fundação e através da barragem pelo método da rede de fluxo.

Além disso, na bibliografia deste tema sugerem-se alguns textos para


aprofundamento e virados para o projecto de grandes barragens.

3.2 TIPOS DE BARRAGENS DE TERRA


As barragens de terra classificam-se em três grupos: homogéneas, zonadas e de
diafragma.

As barragens homogéneas são compostas dum só tipo de material que tem de ser
impermeável (para além, claro, do material de protecção do paramento de
montante. Os taludes tem de ter pequena inclinação para a barragem ser estável.

55
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Numa barragem homogénea, inevitavelmente algum tempo depois do enchimento


da albufeira a percolação através da barragem emerge no paramento de jusante, a
cerca de 1/3 da altura da água na albufeira, Figura 3-1. As pressões devido a
percolação da água no paramento de jusante diminuem a sua estabilidade e
obrigam por isso a utilizar taludes pouco inclinados.

Figura 3-1 - Linha freática numa barragem homogénea

Conseguem-se soluções mais económicas, com taludes mais inclinados, através


das chamadas barragens homogéneas modificadas nas quais se introduz drenagem
do lado de jusante, evitando-se desta forma que a linha freática intersecte o talude
de jusante. Esta drenagem é normalmente introduzida pelas seguintes vias:

− um dreno de pé composto por inerte grosseiro (cascalho grosso, calha),


separado do material impermeável por um filtro devidamente dimensionado.

− um tapete horizontal de drenagem também com material permeável graduado


como um filtro em relação ao material impermeável da barragem.

Em ambos os casos, como se vê na figura, a linha freática foge do paramento de


jusante para zona de drenagem.

a) com dreno de pé b) com tapete horizontal de drenagem

Figura 3-2 Barragem homogénea modificada com zona de drenagem

A barragem homogénea só deve ser utilizada em locais que seja difícil arranjar
solos de distintas permeabilidade pois é uma alternativa menos económica que a
barragem zonada.

56
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

As barragens zonadas constituem o tipo mais comum das barragens de aterro,


sendo compostas por um núcleo impermeável ladeado por zonas com materiais
bastantes permeáveis. Estas zonas permeáveis tem a tarefa de assegurarem a
estabilidade da barragem enquanto o núcleo assegura a sua impermeabilidade.
Para um controlo efectivo da percolação, a barragem deve mostrar um progressivo
aumento de permeabilidade desde o núcleo até aos taludes. A largura do núcleo em
qualquer nível deve ser igual ou superior a altura da barragem acima desse nível e
nunca menos de 3 metros.

As barragens de diafragma são compostas essencialmente por material permeável


(areia, cascalho, calhau) e incluem um diafragma relativamente estreito para
garantir a impermeabilidade. A posição do diafragma pode variar desde um tapete
no paramento de montante até a um núcleo vertical. O diafragma pode ser
composto de argila, betão, betão betuminoso ou outro material. Se o tapete ou o
núcleo forem de argila, considera-se um diafragma se a sua largura for inferior a 3m
ou a altura da barragem acima do nível considerado; caso contrário, considera-se
uma barragem zonada.

Pelas dificuldades técnicas que envolve, não se considera o uso de barragens de


diafragma para pequenas barragens. Quando isso se torne necessário por ecassez
de solos impermeáveis, é preferível usar um tapete a montante em betão armado ou
betão asfáltico.

3.3 PRINCÍPIOS PARA O PROJECTO


O princípio básico para o projecto duma barragem, como para qualquer estrutura, é
o da obtenção duma solução que satisfaça os objectivos por um custo mínimo
(incluindo não só o custo da construção mas também o custo da operação e
manutenção). Para se minimizar o custo, deve-se utilizar ao máximo os materiais
mais económicos disponíveis, incluindo os resultantes das escavações para a
fundação e órgãos hidráulicos da barragem.

Para se garantir a segurança e a estabilidade duma barragem de terra desde a


construção até ao fim da sua vida, é preciso cumprir com os seguintes critérios:

• garantir, através dum adequado dimensionamento dos órgãos hidráulicos, que a


barragem não é galgada mesmo durante as cheias excepcionais;
• garantir a estabilidade dos taludes em todas as situações , incluindo a de rápido
esvaziamento da albufeira;
• garantir que as tensões admissíveis na fundação não sejam excedidas;
• garantir o controlo da percolação de formas a evitar problemas de erosão interna
na barragem ou na fundação e excessiva perda de água;
• garantir a protecção do paramento de montante contra a acção das ondas da
albufeira e a do coroamento e do paramento de jusante contra a erosão derivada
da chuva;
• garantir a estabilidade da barragem contra os sismos previsíveis na região;
57
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

A protecção contra o galgamento é tratada no tema dos órgãos hidráulicos. Os


restantes critérios serão vistos de seguida, na perspectiva das pequenas barragens.

3.4 PROJECTO DE FUNDAÇÕES


Não se pode, em boa verdade, falar em "projecto" de fundações mas nas
disposições de projecto que procuram adequar a fundação existente as suas
funções de suportar o corpo da barragem e evitar uma excessiva perda de água.
Não é demais enfatizar a importância de se prestar a devida atenção as fundações
já que cerca de 40% das roturas de barragens de terra são atribuídas a problemas
de fundações.

As fundações podem dividir-se em três grupos:

• fundações em rocha;
• fundações em material grosseiro (areia, cascalho);
• fundações em material fino (argila, silte).

O tratamento mínimo que qualquer fundação deve ter é a remoção da camada


superior do solo, habitualmente de baixa densidade e de elevado teor em matéria
orgânica. Quando a espessura do solo sobre o "bedrock" é pequena, pode-se
remover todo o solo para se chegar a rocha sã. Em todas as fundações em solo em
que não exista uma vala corta-águas ("cut-off trench"), deve-se incluir um vala de
encaixe ("key trench") para ligar a zona impermeável do aterro a fundação, com
uma largura de fundo de cerca de 6m e uma altura sufeciente para atingir as
camadas mais compactas do solo.

3.4.1 Fundações em Rocha

As fundações em rocha não apresentam geralmente nenhum problema de


capacidade de suporte para pequenas barragens. Podem, no entanto, apresentar
problemas de permeabilidade devido a falhas, juntas, fissuras e diaclases que
podem existir. Quando isso resulta em subpressões excessivas ou grande perda de
água, a fundação deve ser injectada. Em princípio, a fundação rochosa duma
barragem de armazenamento deve ser injectada ao passo que isso se pode
dispensar para barragens de retenção e de derivação.

A injecção duma fundação consiste na introdução sob pressão dum material fluido
selante nas formações rochosas através de furos feitos para esse fim com objectivo
de fechar juntas, fissuras e outras descontinuidades da rocha. A fundação deve ser
injectada até uma profundidade igual a altura da albufeira acima da superfície da
rocha. A injecção é feita numa linha de furos espaçados entre si de 3 a 6m, criando
uma barreira impermeável que é a cortina de injecções. A Figura 3-3 mostra a

58
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

cortina de injecções utilizada para um encontro da barragem de Gramby, no


Colorado, nos Estados Unidos.

Figura 3-3 - Cortina de injecções na barragem de gramby (EUA)

As injecções são normalmente feitas com uma mistura de cimento e água com
proporções que variam entre 1:1 e 10:1. Por vezes, acrescenta-se bentonite (2% do
peso do cimento) para facilitar a bombagem.

3.4.2 Fundações em areia e cascalho


Nestas fundações, o problema principal é a permeabilidade, raramente se
colocando problemas a sua capacidade resistente. Um problema pode surgir com
fundações em areia limpa, de granulometria uniforme e baixa densidade: esta areia
tem uma estrutura instável, e sob acção dum choque ( como, por ex: o provocado
por um sismo), pode sofrer um reajustamento dos grãos para uma estrutura mais
densa. Isso provoca uma diminuição do volume dos vazios e a expulsão da água
dos poros mas, como a água não se pode drenar instantaneamente, ela permanece
no solo e a fundação comporta-se como um fluido.

Quanto a permeabilidade, colocam-se duas questões principais: a quantidade de


água perdida por percolação e as forças resultantes da percolação.

59
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

As medidas a tomar para reduzir as perdas por percolação dependem do custo


dessas medidas e do valor económico da água. Quanto as forças de percolação, há
que tomar medidas para evitar que elas possam originar fenómenos de erosão
interna e "piping".

3.4.2.1 Estimação da quantidade de água percolada


Se se tiver a situação simples representada na figura 4, a água percolada pode ser
estimada por aplicação directa da lei de Darcy:

Q =k *i *A

em que Q é o caudal percolado, k é a permeabilidade (obtida por ensaios de


bombagem ou por ensaios Lugeon) e A é a área da fundação através da qual se
processa a percolação.

Figura 3-4 - Percolação numa fundação permeável

Ter-se-ia então, supondo K = 2.4 * 10 −4 m/s

63 − 53
Q = 2.4 * 10 −4 * * (51 − 30) = 0.001m3/s*m largura
50

Se se tiver uma fundação anisotrópica devido a estratificação (permeabilidade


horizontal muito superior a permeabilidade vertical), como frequentemente acontece,
o caudal assim calculado será superior ao caudal real em virtude da menor
percolação nas camadas inferiores.

Se se tiver uma situação mais complexa como a representada na Figura 3-5, pode-
se recorrer ao traçado das redes de fluxo.

60
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-5 - Rede de fluxo numa fundação permeável

Após traçada a rede, o caudal obtinha-se a partir de:

nf
Q = kh
nd
em que nf é o número de tubos de fluxo e nd o número de quedas de potencial
(nd = n.equipotenc iais − 1, incluindo as equipotenciais máxima e mínima). No
exemplo da figura, nf = 2 e nd = 11 .

3.4.2.2 Estimação das forças de percolação

O escoamento da água através duma fundação permeável origina uma força de


prcolação como resultado do atrito entre a água e os grãos do solo.

Na linha de fluxo da Figura 3-4, estão representadas as forças de percolação em


vários pontos: F1 corresponde a entrada de água no solo (vertical) e tem um efeito
estabilizador;
F2 e F3 são praticamente horizontais e de grandeza superior a F1 porque a secção
transversal do escoamento é mais restrita; F4 é vertical e tem um efeito
desestabilizador quer considerando partículas isoladas do solo quer a estabilidade
global do talude e fundação.

No caso de F4 exceder o peso do próprio solo correspondente, a resultante destas 2


forças actuaria de baixo para cima e as partículas seriam arrastadas, originando o
fenómeno de "piping" ou erosão regressiva.

3.4.2.3 Métodos de tratamento de fundações permeáveis

Para o projecto de pequenas barragens, podem usar-se soluções baseadas na


experiência existente e que visam evitar os problemas associados com a
percolação. Referem-se os vários métodos de tratamento de fundações permeáveis
que são mais utilizados.

61
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

a) Vala corta-águas- como o nome indica, é uma vala escavada na fundação e


enchida com material impermeável compactado. A vala deve situar-se um pouco a
montante do eixo do coroamento mas garantindo sempre uma cobertura pelo núcleo
impermeável de altura igual ou superior a altura da vala no mesmo ponto.

Sempre que seja economicamente viável, a vala deve ir até a rocha sã ou outro
estrato impermeável. Isto é o meio mais eficiente para controlar os caudais
percolados assim como para evitar problemas de "piping" e subpressões a jusante.

A vala deve ter uma largura mínima de fundo w dada por:

w = h−d

em que h é a carga da albufeira e d a profundidade da vala.

Quando a vala corta-águas é de penetração parcial (Figura 3-5), a sua eficácia é


bastante mais reduzida. Por exemplo, numa fundação homogénea isotrópica, uma
vala cuja a profundidade atinge 50% da espessura da camada permeável apenas
reduz o caudal percolado em 25%. A utilização duma vala de penetração parcial
deve ser estudada com o apoio duma rede de fluxo para uma análise mais segura.

b) Cortina impermeabilizante de cimento- é construida pela justaposição de


sucessivas "estacas". Cada estaca é composta duma mistura de solo e argamassa
e é construida deitando a argamassa num tubo oco rotativo que dispõe duma
cabeça que desagrega o solo e o mistura com argamassa.

É um método que não se adapta a fundações que podem ter calhaus e pedras ou
um elevado teor de argila.

c) "Slurry trench"- é um processo bastante vantajoso para impermeabilizar


fundações de grande espessura. Abre-se uma vala de paredes verticais com uma
largura de 1 a 3m, utilizando uma mistura de bentonite e água para evitar o
desabamento das paredes. Quando a escavação está concluida, enche-se a vala
com material impermeável (muitas vezes, o próprio material da escavação com
alguma correcção de granulometria e embebida na mistura de bentonite), Figura
3-6.

62
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-6 - Sequência de operações da construção de uma "Slurry trench"

A "slurry trench" pode localizar-se por baixo do núcleo impermeável ou ficar a


montante da barragem sendo ligada ao núcleo por um tapete impermeável. No
primeiro caso, consegue-se uma melhor ligação (mesmo havendo assentamentos
diferenciais na fundação) mas há um decréscimo da estabilidade. É necessário
fazer uma transição da vala para o núcleo o que se faz simplesmente criando
taludes na parte de cima da vala.

Não é um processo aconselhável quando possam existir calhaus ou pedras na


fundação.

d) Tapete de impermeabilizante a montante- são utilizados quando é impraticável ter


uma vala corta-águas até ao "bedrock" ou ao estrato impermeável, as vezes
usando-se em conjunto com valas de penetração parcial. São construídos em
material impermeável, partindo do núcleo para a montante.

Antes de se construir o tapete, deve-se retirar toda a vegetação e regularizar o


terreno. Sugere-se para espessura do tapete 1/10 da altura de água na zona da
albufeira acima do tapete, com um mínimo de 1m. Quanto ao comprimento, ele
serão função da redução pretendida do caudal percolado.

e) Drenagem no talude de jusante- sempre que não se disponha duma vala corta-
águas até ao estrato impermeável, deve-se utilizar na parte de jusante da barragem,
individualmente ou em combinação:
- uma banqueta permeável ("previous shell");
- um tapete horizontal drenante ("horizontal drainage blanket");
- um dreno de pé ("toe drain").

A finalidade destes dispositivos é de aliviar as subpressões, permitindo que a água


se escoe mas evitando o "piping". Todos eles devem responder aos critérios de
gradação dos filtros para poderem evitar o arrastamento dos finos da fundação. A
63
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-7 apresenta estes dispositivos e as dimensões adoptadas na prática. O


tapete drenante deve ter uma espessura mínima de cerca de 1m.

Os drenos de pé começam com um diâmetro muito pequeno nos encontros que vai
aumentando quando se caminha para o centro da barragem. Eles fazem a recolha
da água percolada na fundação e através da barragem para a encaminharem para
as condutas que a descarregam novamente para o rio a jusante. O diâmetro mínimo
é de 15cm.

Figura 3-7 - Dispositivos de drenagem na zona de jusante da barragem

f) poços de alívio- quando a fundação permeável tem sobreposta uma camada


impermeável, a água percolada não se escoa com facilidade e pode surgir o risco
de "piping". Se a espessura da camada impermeável for igual a carga da albufeira,
esse risco não existe; se for inferior mas for muito espessa para se abrir, por ex:
uma vala de drenagem, então devem instalar-se poços de alívio que vão até a
fundação permeável. Algumas indicações de carácter prático são:

- levar os poços a profundidades próximas da altura da barragem;


- espaçar os poços entre 10 a 30m cf. a fundação seja muito ou pouco
permeável;
- usar diâmetros mínimos de 15cm;
- usar filtros e garantir uma boa construção.
Tratando-se dum dispositivo caro e que exige manutenção, deve ser usado em
última instância. Se, por exemplo, o caudal percolado é muito grande, pode ser
preferível introduzir a montante um tapete impermeabilizante Métodos de tratamento
a adoptar

64
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Dos vários métodos apresentados no ponto anterior, devem ser utilizados aqueles
que melhor se adequam as condições da fundação. Apresentam-se de seguida
sugestoes sobre quais os métodos preferíveis em caso

a) fundação permeável de pequena espessura1, sem camada impermeável de


cobertura ou com uma cobertura de espessura inferior a 1m - o dispositivo
fundamental é uma vala corta-águas até ao estrato impermeável, Figura 3-8. Se o
estrato impermeável for rocha pode tornar-se necessário fazer injecções de
impermeabilização. Conforme o material da vala e o da fundação, pode ser
necessário um filtro no talude de jusante da vala. Também pode ser necessário
incluir um tapete horizontal de drenagem nos seguintes casos:

− a barragem é homogénea;
− a barragem é zonada mas o maciço de jusante é de enrocamento;
− a fundação é estratificada e a camada superior é pouco permeável;
− a fundação poderá eventualmente não ser muito permeável.

No caso da barragem ser homogénea, o tapete drenante pode terminar a uma


distância z+1.5m do centro do coroamento (em que z é a altura da barragem). Deve-
se colocar também um dreno de pé.

Figura 3-8 - Tratamento de fundações permeáveis de pequena espessura

b) Fundação permeável de espessura intermédia, cobertura impermeável nula ou de


espessura inferior a 1m- considera-se intermédio uma espessura superior a altura
duma pequena barragem, tomando inviável uma vala corta-águas, mas permitindo
uma solução mais económica com outro tipo de "cut-off". Se esta solução alternativa
for económica, podem considerar-se várias técnicas: cortina de cimento, "slurry
trench", injecções no aluvião, Figura 3-9. Os taludes do núcleo impermeável devem
ter uma inclinação mínima de 1.5:1 e um tapete drenante pode ser necessário. Deve
colocar-se um dreno de pé.

1
Para pequenas barragens, com alturas não excedendo 15m, considera-se pequena uma
espessura que não exceda a altura da barragem.

65
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-9 - Tratamento de fundações permeáveis de espessura pequena

c) Fundação permeável de grande espessura, cobertura impermeável nula ou


espessura inferior a 1m- os dispositivos principais de tratamento deste tipo de
fundações estão representadas na Figura 3-10.

Figura 3-10 - Tratamento de fundações permeáveis de grande espessura

Como não é possível economicamente fazer uma vala corta-águas ou outro tipo de
"cut-off" até ao estrato impermeável, utiliza-se:

− um tapete impermeabilizante a montante que, aumentandoo caminho de


percolação, permite diminuir quer os caudais percolados quer as pressões e
forças de percolação;
− um núcleo impermeável largo, com taludes mínimos de 1.5:1;
− uma vala de encaixe;
− um tapete horizontal de drenagem se o maciço da barragem for impermeável
ou de enrocamento;
− um dreno de pé.

Se a fundação for estratificada, com camadas aproximadamente horizontais de


permeabilidades bastante diversas, o tratamento é diferente recorrendo-se a uma
vala corta-águas de penetração parcial com uma profundidade tal que a
profundidade da primeira camada não interceptada seja superior a altura de água na
albufeira, Figura 3-11.

66
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-11 - Tratamento de fundações estratificadas de grande espessura

Este tratamento é acompanhado dum tapete de drenagem e dum dreno de pé.

d) Fundação permeável de pequena espessura com uma cobertura impermeável


entre 1m e a carga da albufeira- trata-se como no caso a) com uma vala corta-
águas até ao estrato impermeável.

e) Fundação permeável de grande espessura com uma cobertura impermeável


entre 1m e a carga da albufeira- a camada impermeável actua como um tapete
impermeabilizante a montante, sendo porém conveniente fazer a sua compactação.
Para além disso, utilizam-se normalmente os seguintes dispositivos:
- vala de encaixe;
- tapete horizontal de drenagem, no caso do maciço de jusante ser pouco
permeável;
- dreno de pé;
- vala de drenagem até a camada permeável se a camada impermeável for de
pouca espessura (Figura 3-12); ou
- poços de alívio até a camada permeável se a camada impermeável for de
grande espessura (Figura 3-13).

Figura 3-12 - Tratamento de fundação permeável com cobertura impermeável de média


espessura

67
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-13 - Tratamento de fundação permeável com cobertura impermeável de grande


espessura

3.4.3 Fundações impermeáveis de silte e argila

As fundações de silte e argila são sufecientemente impermeáveis para


dispensarem a necessidade de tratamento com visto a percolação e "piping". O
principal problema com estas fundações é o da sua estabilidade. Podem distinguir-
se as situações de fundações saturadas e fundações relativamente secas.

a) Fundações saturadas - os métodos de tratamento mais utilizados são:


− remoção de solos de fraca capacidade resistente (praticável quando se trata de
camadas superficiais relativamente finas);
− drenagem das fundações para conseguir um aumento da capacidade resistente
durante a construção (não recomendado);
− redução da grandeza da tensão tangencial média ao longo da superfície
potencial de deslizamento através da diminuição da inclinação dos taludes do
aterro. Estes taludes de inclinação reduzida podem ser obtidos por banquetas de
estabilização (Figura 3-14) sempre que a estabilidade do aterro permite taludes
mais inclinados.

Figura 3-14 - Estabilização de fundações impermeáveis saturadas

68
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

O Quadro 3-1 apresenta as inclinações mínimas dos taludes do aterro ou das


banquetas de estabilização para várias alturas de barragem, tipo de solos e
capacidade resistente.

Quadro 3-1 - Taludes recomendados para barragens em fundações impermeáveis


saturadas
N. de pancadas no SPT Taludes para varias altura da barrgem
Consistên
a uma profundidade igual Tipo de solo
cia 15m 12m 9m 6m 3m
a altura da barragem
Fraca
<4 Exige análises de solos e medidas especiais
(soft)
4.5:1 4:1 3:1 3:1 3:1
SM
6:1 5:1 4:1 3:1 3:1
SC,ML,CL
Média 4 a 10 6.5:1 5:1 4:1 3:1 3:1
MH
7:1 5.5:1 4.5:1 3.5:1 3:1
CH
13:1 10:1 7:1 4:1 3:1
SM 4:1 3.5:1 3:1 3:1 3:1
SC,ML 5.5:1 4.5:1 3.5:1 3:1 3:1
Forte
11 a 20 CL 6:1 4.5:1 3.5:1 3:1 3:1
(stiff)
MH 6.5:1 5:1 4:1 3:1 3:1
CH 11:1 9:1 6:1 3:1 3:1
3.5:1 3:1 3:1 3:1 3:1
SM
Muito SC,ML, CL
>20 5:1 4:1 3:1 3:1 3:1
forte(hard) MH
5.5:1 4:1 3:1 3:1 3:1
CH
10:1 8:1 5.5:1 3:1 3:1

Obs:
SPT- Soil Penetration Test (n° de pancadas com um peso de 140 libras  63.5kg para uma
penetração de 1pé  30cm).

Classificação dos solos (“ Unified Soil Classification” adoptada pelo Corps of Engineers e
pelo Bureau of Reclamation em 1952), baseado na classificação de Casagrande:
GW- Cascalho bem graduado, mistura de cascalho e areia, poucos finos
GP- cascalho mal graduado, mistura de cascalho e areia, poucos finos
GM- Cascalho siltoso, mistura de cascalho-areia-silte mal graduada
GC- cascalho argiloso, mistura de cascalho-areia-argila mal graduada
SW- areia bem graduada, areias com cascalho, poucos finos
SP- areia mal graduada, areia com cascalho, poucos finos
SM- areia siltosa, mistura areia-silte mal graduada
SC- areia argilosa, mistura areia-argilosa mal graduada
ML- siltes inorgânicos e areias muito finas, areia fina argilosa ou siltosa com ligeira
plasticidade
CL- argila inorgânica de baixa a média plasticidade, argila com cascalho, argila
arenosa, argila siltosa
OL- silte inorgânico e silte-argila orgânico de baixa plasticidade
MH- silte inorgânico, solos de areia fina micácea ou diotomácea, solos siltosos, siltes
elásticos
CH- argilas inorgânicas de alta plasticidade
OH- argilas orgânicas de média a alta plasticidade
Pt- solos turfosos e outros com elevado teor orgânico

69
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

b) Fundações relativamente secas - estas fundações são geralmente satisfatórias


para pequenas barragens pois tem normalmente uma capacidade resistente
superior a das fundações saturadas. No entanto, há um grupo importante de solos
que tem baixa capacidade e podem sofrer grandes assentamentos quando ficam
saturados por influência da albufeira. Um exemplo característico é o "loess". Estes
grandes assentamentos podem originar a destruição da barragem por duas vias:

− Assentamento do coroamento e correspondente redução da folga, podendo


haver galgamento em cheias extremas;
− Assentamento diferencial da fundação provocando rotura do núcleo
impermeável.

A exigência de tratamento especial destas fundações depende se elas irão ou não


sofrer grandes assentamentos após a construção devido a saturação induzida pela
albufeira.

Se não sofrerem grandes assentamentos, o tratamento exigido é mínimo: renovação


da camada superficial do solo (orgânico), vala de encaixe e dreno de pé.

Se houver possibilidade de grandes assentamentos, o melhor processo é encharcar


a fundação antes e durante a construção de forma que os assentamentos se
verifiquem na quase totalidade durante a construção. Em pequenas barragens,
pode-se usar para a decisão as expressões semi-empíricas que relacionam o
parametro D (densidade seca do solo natural dividida pela densidade seca máxima
do ensaio de Proctor) com o parametro wo-w (teor de humidade óptimo menos o teor
de humidade do solo). Assim, o tratamento é necessário nas seguintes condições:
- para wo-w> 0 se D< 86+1.24(wo-w)
- para wo-w< 0 se D< 86+1.60(wo-w)

Com D e wo-w expressão em percentagem (no caso de wo-w como percentagem do


peso seco).

70
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

3.5 PROJECTO DO CORPO DA BARRAGEM


O projecto do corpo duma barragem de terra é bastante mais complicado que duma
barragem de betão quer devido a variabilidade dos materiais de construção quer
devido a complexidade das relações tensão- deformação.

Tal como no caso das fundações, os problemas a resolver são os da estabilidade e


da impermeabilidade do corpo da barragem. Embora actualmente se disponha dum
maior domínio teórico e de meios de cálculo potente, nas pequenas barragens
considera-se adequada a prática de projectar com base na experiência, atendendo
ao elevado custo dos testes geotécnicos (no campo e no laboratório) necessários
para estudos mais elaborados o que constituiría uma fracção demasiado alta do
custo total da obra.

3.5.1 Percolação através da barragem

Qualquer barragem de terra tem uma zona impermeável (seja ela quase toda a
barragem seja ela apenas um núcleo ou um diafragma) que permite efectivamente a
criação da albufeira. No entanto, mesmo as argilas menos permeáveis não
conseguem impedir a percolação da água embora esta se processe muito
lentamente.

Se o nível da albufeira, após o primeiro enchimento, se mantiver elevado, depois de


algum tempo a linha freática desenvolve-se para jusante e atinge o talude de
jusante ou a área de drenagem. Esta situação de máxima saturação da barragem é
a condição mais crítica para a estabilidade do talude de jusante, visto que as forças
de percolação diminuem a compressão sobre a superfície potencial de
deslizamento.

A condição mais crítica para a estabilidade do paramento de montante é a do


esvaziamento rápido da albufeira. Nessa situação, a água contida nos poros do
aterro percola para montante e origina forças de percolação que diminui a
estabilidade em relação ao deslizamento. Se a barragem for zonada e o maciço de
montante for bastante permeável, o esvaziamento rápido não cria problema de
maior. Se, no entanto, a barragem for homogénea a situação de esvaziamento
rápido pode exigir um talude de montante menos inclinado do que seria necessário
sem essa situação.

Pode-se calcular o caudal percolado assim como as pressões e as forças de


percolação utilizando uma rede de fluxo. As pressões e as forças assim calculadas
entram na análise de estabilidade de grandes barragens. Para pequenas barragens
essa análise pode ser substituida por indicadores derivados da experiência.

3.5.2 Análise da estabilidade

71
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Um dos métodos mais simples para analisar a estabilidade dum talude é o método
do círculo de deslizamento. Este método admite que a superfície de rotura é
cilíndrica e determina um factor de segurança em relação ao deslizamento, F, dado
por:

CL + ( N − u )tg
F=
T
em que:
− C,  - coesão e ângulo de atrito interno do solo, defenida pela recta envolvente
de Mhor;
− N - resultante das forças normais aos elementos do arco as quais são
a componente normal (radial) do peso próprio;
− L - comprimento do círculo de deslizamento;
− u- resultante das forças de impulsão (derivadas das pressões de percolação)
sobre os elementos do arco;
− T - resultante das forças tangenciais aos elementos do arco as quais são a
componente tangencial do peso próprio.

O numerador dá a força que se opõe ao deslizamento e o denominador dá a força


que provoca o deslizamento. Conforme as situações o valor de F deve situar-se
entre 1.1 e 2.0.

Os indicadores que se apresentam em seguida são baseados em dados de


barragem estudadas com o método do círculo de deslizamento, utilizando
propriedades médias dos solos e com F1.5.

72
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

3.5.3 Estabilidade duma barragem homogénea

Como se viu anteriormente, só se deve optar por uma barragem homogénea quando
não se disponha de quantidades sufecientes de material permeável para fazer uma
barragem zonada.

Mesmo para as barragens homogéneas, é importante dispor de drenagem interna a


jusante (b. homogénea modificada) de forma a avitar que a percolação atinja o
paramento de jusante. Na Figura 3-2 apresentam-se dois dispositivos: um dreno de
pé e um tapete horizontal de drenagem. O dreno de pé exige a aplicação dum filtro
na ligação com o aterro impermeável. O tapete também deve obedecer as
especificações do filtro2.

O tapete deve ir desde o pé de jusante até bastante para o centro para garantir o
rebaixamento da linha freática. No entanto, é preciso cuidado para não diminuir
muito o caminho de percolção da água através da barragem ou da fundação. A
prática sugere que o tapete vá a uma distância do centro do coroamento (para
jusante) igual a altura da barragem + 1.5m.

Mesmo numa barragem homogénea é natural haver uma variação nas


características dos materiais que vão ser utilizados no aterro. É importante que os
materiais mais grosseiros e permeáveis sejam nas zonas exteriores da barragem
para se obter uma aproximação as vantagens da barragem zonada. Importa
também que, na colocação do aterro, se evite a segregação das partículas mais
grosseiras pois podem se formar camadas de grande permeabilidade, constituindo
caminhos preferenciais de percolação que pode originar "piping".

2
Especificações para um filtro:
D15 do filtro
(1) = 5 a 40 desde que o filtro não contenha mais de 5% de
D15 da base
material mais fino que 0.074mm (crivo n° 200).
D15 do filtro D50 do filtro
(2) 5 ;  25
D85 da base D50 da base
(3) Caso o filtro seja para um tubo perfurado de drenagem,
D85 do filtro
2
max . abertura do tubo
(4) As curvas granulométricas do filtro e do material de base devem ser
aproximadamente paralelas.
73
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

O Quadro 3-2 apresenta valores de inclinação dos paramentos para vários tipos de
materiais.

Quadro 3-2 - Inclinações recomendadas para taludes de pequenas barragens


homogéneas em fundacao estavel

Sujeita a Paramento
Tipo de barragem Tipo de solo
esvaziamento rapido Montante Jusante
GC,GM,SC,SM
Homogénea ou 2.5:1 2:1
CL,ML
homogénea Nao 3:1 2.5:1
CH,MH
modificada 3.5:1 2.5:1
GC,GM,SC,SM 3:1 2:1
Homogénea
Sim CL,ML 3.5:1 2.5:1
modificada
CH,MH 4:1 2.5:1

3.5.4 Estabilidade duma barragem zonada

As principais vantagens da barragem zonada em relação a barragem homogénea


são:
− a possibilidade duma maior utilização do material resultante da escavação da
fundação, descarregador de cheias, descargas de fundo, etc.
− a possibilidade da ter maiores inclinações nos taludes com a consequente
redução dovolume total de aterro.

A barragem tem um núcleo central impermeável, flanqueado por uma ou mais zonas
permeáveis. Os materiais de maior permeabilidade são colocados nas zonas mais
exteriores da barragem: a jusante, para evitarem pressões de percolação e
rebaixarem a linha freática; a montante, para permitirem a dissipação de pressões e
uma fácil drenagem no caso de esvaziamento rápido da albufeira. Sempre que em
zonas adjacentes, a granulometria dos materiais for tão díspares que possa haver
riscos de transporte de material duma zona para outra, devem usar-se filtros. Isto só
é necessário se se passar de materiais finos para cascalho ou enrocamento.

A figura 15 esquematiza as inclinações sugeridas para o núcleo central para


diversas situações de fundação.

74
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-15 - Inclinações do núcleo central para diversas situações da fundação

Se a largura do núcleo for inferior a do núcleo A, a barragem é do tipo diafragma; se


for superior à do núcleo máximo, funciona como homogénea.

O núcleo mínimo A tem uma largura no topo de 10 pés (~3m) por razões de carácter
construtivo. A inclinação é definida de forma a que a largura na base seja igual a
altura da barragem, assim garantido um gradiente hidráulico máximo de 1, que é
aceitável, e também uma maior segurança contra roturas por assentamento
diferencial da fundação. Ele é utilizado com fundações impermeáveis ou permeáveis
de pequena espessura com uma vala corta-águas de penetração total, casos
3.4.2.4.a), d), e), 3.4.3. a), b).

O núcleo mínimo B baseia-se em considerações sobre a percolação na fundação.


Não existindo uma vala corta-águas de penetração de penetração total, a perda de
carga na fundação será gradual e proporcional ao caminho de percolação. O núcleo
B garante um caminho mínimo de 2.5 vezes a altura da barragem, assim evitando
que a água surja a jusante ainda com grande pressão. Aplica-se aos casos 3.4.2.4.
b), c), fundações permeáveis de média e grande espessura, com cobertura
impermeável nula ou inferior a 1m.

A inclinação dos paramentos exteriores fica condicionada aos solos permeáveis que
neles se utilizam. O
Quadro 3-3 apresenta as inclinações recomendadas para taludes de montante e
jusante para as hipóteses do núcleo A ou do núcleo máximo. As inclinações dadas
pressupõem uma fundação estável: se esta for impermeável (saturada), banquetas
estabilizantes podem ser necessárias. As inclinações dos taludes para núcleos de
dimensão intermédia (como o núcleo B) ficarão compreendidas entre os valores
limite correpondentes aos núcleos A e máximo.

75
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Quadro 3-3 - Inclinacoes recomendadas para taludes de pequenas barragens zonadas


em fundacao estável
Sujeita a Paramento
Solos dos Solos do
Tipo esvaziamento
maciços núcleo Montante Jusante
rapido
Enrocamento,
GC,GM,SC,
Núcleo GW,GO,SW ou
Nao importante SM,CL,ML, 2:1 2:1
mínimo A SP (ambos com
CH.MH
cascalho)
GC,GM 2:1 2:1
Núcleo SC,SM 2.25:1 2.25:1
Não Idem
máximo CL,ML 2.5:1 2.5:1
CH,MH 3:1 3:1
GC,GM 2.5:1 2:1
Núcleo SC,SM 2.5:1 2.25:1
Sim Idem
máximo CL,ML 3:1 2.5:1
CH,MH 3.5:1 3:1

3.6 DETALHES DE COROAMENTO E DOS PARAMENTOS

3.6.1 Coroamento

A largura do coroamento é definida em função das condicionantes da construção


(que exigem uma largura mínima por causa do equipamento utilizado) e da
utilização como via de circulação.

Quando as exigências rodoviárias não imponham uma largura maior, utiliza-se a


seguinte fórmula para a largura do coroamento em pequenas barragens:
z
Lc = + 3
5
com Lc e z em metros. A largura mínima adoptada é de 3.6.

É importante garantir a drenagem do coroamento, escoando-se a água, de


preferência, para o paramento de montante.

É necessário também providenciar uma sobre-elevação longitudinal do coroamento


no fim da construção que tome em conta os processos de consolidação e
assentamento da fundação e do aterro durante e após a construção. Para
fundações pouco compreensíveis toma-se habitualmente para sobre-elevação 1%
da altura da barragem.

No caso do coroamento não ser usado como estrada asfaltada, é preciso garantir
alguma protecção superficial. Isto é feito normalmente com uma camada de
cascalho ou enrocamento fino com uma espessura mínima de 10cm.

76
Cap. III - BARRAGENS DE ATERRO

Para barragens zonadas, o topo do núcleo impermeável deve ficar entre 0.5 e 1.0m
acima do NPA e 0.5 e 1.0 abaixo do coroamento fazendo-se também ajustamento
do enrocamento de protecção do paramento de montante, Figura 3-16.

Figura 3-16 - Pormenor do coroamento

3.6.2 Protecção dos paramentos

O paramento de montante duma barragem de terra tem de ser protegido contra a


acção erosiva das ondas geradas pelo vento na albufeira. Esta protecção deve
estender-se desde o coroamento da barragem até uma distância segura (alguns
metros) abaixo do nível mínimo de exploração (NME) da albufeira.

Os tipos de protecção mais utilizados são o "riprap" (enrocamento de grande


dimensão), pedra arrumada a mão e pavimento de betão, usando-se também por
vezes pavimento betuminoso, pavimento em solo-cimento, blocos pré-fabricados de
betão ou chapa metálica. Duma maneira geral, o"riprap" é considerada a solução
mais económica e a mais efeciente, de tal forma que nos EUA se tem importado
pedra de distâncias superiores a 250km em vez de se optar por outra solução. O
"riprap" tem também normalmente baixos custos de manuntenção.

O pavimento de betão é uma solução a considerar quando a disponibilidade de


pedra d grandes dimensões for limitada e cara mas é uma solução que apenas deve
ser utilizada quando não se espera que a barragem venha a sofrer grandes
assentamentos.

77
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

a) "Riprap"- a rocha para o "riprap" deve ser dura, densa e durável, resistindo bem a
meteorização. Cada bloco deve ter peso sufeciente para não ser deslocado pelas ondas.
Assim, a dimensão do bloco não é função da altura da barragem mas sim das
características das ondas que depende essencialmente da velocidade e direcção do vento
e do "fetch"3 da albufeira. A espessura da camada do "riprap" tem de ser sufeciente para
acomodar os blocos individuais, sugerindo o USBR o valor de 0.8m. Quanto as
dimensões do bloco dos blocos individuais, o USBR sugere;
− para um "fetch" até 4km, blocos com peso mediano de 550kgs e peso máximo de
1100kgs;
− para um "fetch" superior a 4km, blocos com peso mediano de 1000kgs e peso
máximo de 2000kgs.

Quando o maciço externo de montante da barragem for de material muito mais fino que o
"riprap" e houver o risco de que a acção das ondas provoque a saída dos finos através
dos vazios do "riprap" é necessário apoiar o "riprap" num filtro devidamente graduado.

b) Pavimento de betão- tem havido muitos casos em que o pavimento cedeu ao fim de
alguns anos pelo que é uma solução muito menos satisfatória que o "riprap". Quando
utilizado, deve ter uma espessura mínima de 15-20cm e tão monolítica quanto possível.

c) Pavimento em solo-cimento- pode ser uma boa solução desde que não haja
assentamentos significativos. Geralmente é colocado e compactado em camadas/degraus
com largura de 0.20m e espessura da camada de cerca de 0.15m.

No que se refere ao paramento de jusante, ele tem de ser protegido contra a erosão
provocada pelo escoamento resultante da chuva. Esta protecção não é necessária se a
zona de jusante for composta de enrocamento ou calhau grande. A protecção pode ser
feita quer por enrocamento e calhaus quer pela introdução dum revestimento vegetal. No
caso do revestimento vegetal, não só ele tem de corresponder as condições especificas
locais mas também deve ser acompanhado dum sistema simples de drenagem com
caleiras e valas colectoras.

3.7 ESTIMAÇÃO DA FOLGA


A folga ("freeboard") foi definida como sendo a distância medida na vertical entre o
coroamento e a superfície da água. Distinguem-se:
- a folga normal- até ao NPA;
- a folga mínima- até ao NMC.

A razão para a distinção entre folga normal e mínima é que elas correspondem a
exigências diferentes.

A folga normal deve corresponder as exigências do armazenamento permanente. Deve


ser sufeciente para impedir a percolação através da parte superior do núcleo (que fendilha
com mais facilidade) assim como garantir o não galgamento por ondas geradas por
ventos excepcionais.

3
"Fetch" é a maior distância sobre a água entre qualquer um ponto dentro da albufeira e a barragem.
78
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

A folga mínima deve considerar apenas vento que possa, com razoável probabilidade,
coincidir com uma cheia excepcional.

A determinação racional da folga pressupoe a determinação da altura e energia cinética


das ondas, dependentes da velocidade do vento, duração do vento, "fetch", profundidade
da água e largura da albufeira. Após o contacto com o paramento, o efeito ds ondas
depende do angulo da onda com a barragem, da inclinação do pavimento e da rugosidade
do mesmo. A subida da onda ao longo do paramento pode ser igual a 1.5 vezes a altura
da onda se a protecção do paramento for em "riprap"; se a protecção for uma superfície
mais lisa, como um paramento de betão, a subida da onda pode ser bastante maior.
USBR baseia-se numa abela dum relatório da ASCE (American Society of Civil
Engineering) que relaciona a altura da onda com o "fetch" e com a velocidade o vento
para derivar o Quadro 3-4.

Quadro 3-4 - Valores da folga normal e da folga mínima em função do fetch.

“Fetch” (km) Folga normal Folga mínima


<1.5 1.2 0.9
1.5-2 1.5 1.2
4 1.8 1.5
8 2.4 1.8
16 3.0 2.1

Os valores do quadro foram obtidos considerando um velocidade do vento de 160km/h


para a folga normal e de 80km/h para a folga mínima. O USBR recomenda que, caso o
paramento de montante não seja revestido com "riprap" mas com um pavimento liso, os
valores das folgas devem ser aumentados em 50%.

THOMAS apresenta fórmulas empíricas de uso frequente:

- Fórmula de Stevenson H w = 0.34 F + 0.76 − 0.26 4 F

em que Hw é a altura da onda em metros e F o "fetch" em km.

A folga seria obtida multiplicando Hw por 1.5 (no caso de "riprap") ou por 2.25 (no caso de
pavimento de betão ou solo cimento). Esta fórmula não permite distinguir as folgas normal
e mínima.

- Fórmula de Stevenson modificada (para inlcuir a velocidade do vento)

H w = 0.032 VF + 0.76 − 0.26 4 F

em que a V é a velocidade do vento em km/h. Deste modo, a folga normal é calculada


com v=160km/h e a mínima v=80km/h.

Em vez de usar os coefecientes 1.5 ou 2.25, THOMAS sugere a utilização da fórmula as


Gaillard para a velocidade de aproximação da onda:

79
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

v = 1 .5 + 2 H w
v2
A subida da onda seria dada por 0.75H w + , admitindo que a crista da onda está
2g
0.75H w acima do nível da água parada e que toda a energia cinética se transforma em
potencial durante a subida.

Um procedimento mais elaborado é definido no Indian Standard 10635 -"Guidelines for


Freeboard Requirement in Embakment Dams", de 1984. Os passos são os seguintes:

1 - Calcular o "fetch" efectivo da seguinte forma:


− toma-se um ponto da barragem e consideram-se 15 radiais intervaladas de 6°,
cobrindo um sector de 45° para cada lado da radial central que deve coincidir
com o "fetch" máximo, Figura 3-17;
− determina-se o comprimento da cada radial (entre o ponto da barragem e o limite da
albufeira) e o angulo da radial com a radial central;
i x i cos 2  i
− o "fetch" efectivo é obtido por: Fe =
 cos  i
i

Figura 3-17 - Determinação do "fetch" efectivo

2 - Determinar a velocidade do vento sobre a albufeira para um período de retorno de 50


anos (através dos registos da INAM) para o cálculo da folga normal. Para a folga mínima
tomar metade a dois terços dessa velocidade.

Como normalmente só se dispõe de registos de velocidade do vento em terra, multiplicar


o valor do vento em terra por um factor Q para obter a velocidade do vento sobre a
albufeira,

80
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

Fe (km) 1 2 4 6 8 ≥10
Q 1.10 1.16 1.24 1.27 1.30 1.31

3 - Determinar a altura Hw, o período Tw e o comprimento Lw da onda pelas equações:


0.53
V 2 
H w = 0.0026  fe0.47 Hw - (m)
 g  V- velocidade (m/s)
0.22 0.44 fe- "fetch" efectivo (m)
fe V
Tw = 0.45 g- m/s2
g 0.72 Tw - s
Lw - m
Lw = 1.56Tw
2

Altura da onda de projecto H 0 = 1.67 H w

4 - Calcular a subida da onda R (m)

A Figura 3-18 dá o valor de R / H 0 para inclinações do paramento entre 0 (vertical) e 1:1.5


e para diversos valores de H 0 / Lw .

Figura 3-18 - Subida da onda em função da inclinação do paramento e da inclinação da onda H0/Lw

Nota: Na Figura 18, Ls corresponde a Lw.

81
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

O valor de R/Ho é dado para uma superfície lisa do paramento. Esse valor deve ser
multiplicado por um coefeciente redutor entre 0.75 e 0.60 para pedra colocada a mão e
0.50 para "riprap".

5 - Tomar o valor máximo entre R e H0.

6 - Calcula-se a elevação da água devido ao vento ("wind set- up") S através da fórmula
de Zuider Zee:
V 2F
S=
62000 D

em que S é a elevação em m, V a velocidade do vento sobre a água em km/h, F é o


"fetch" máximo em km, D é a profundidade média da água ao longo da linha de "fetch"
máximo, em m:
Se S  D , toma-se S = D

7- Fo lga = maxR, H0  + S

Obs.- Embora o I.S. estabeleça o valor mínimo de 2m para qualquer das folgas, tal não é
de considerar para pequenas barragens.

Exercício) Calcular a folga normal e a folga mínima para a barragem de Massingir

Dados: "Fetch" efectivo- 8.1km


Velocidade do vento (em terra) com T=50 anos- 62km/h
Inclinação do paramento de montante- 1:2
Protecção: "riprap"
Profundidade média da albufeira- 15m
Fetch máximo- 14km.

3.8 TIPOS DE BARRAGEM DE ENROCAMENTO


A construção de barragens de enrocamento tem aumentado significativamente desde
1960. As principais razões para tal facto prendem-se com:
− uma melhor tecnologia de exploração de pedreiras, com grandes ganhos de efeciência
e economia;
− um melhor conhecimento teórico do comportamento dos enrocamentos;
− uma melhor tecnologia para a colocação e compactação dos enrocamentos.

Estes factores, a que se juntou a necessidade de fazer um máximo aproveitamento do


material resultante da escavação, levam a que as barragens de enrocamento se
apresentem cada vez mais como alternativas viáveis as barragens de terra e as
barragens de gravidade para secções com fundação em rocha.

As barragens de enrocamento podem ser a alternativa mais económica nos casos em


que:

82
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

− haja uma grande disponibilidade de rocha, com uma pedreira próxima que se possa
explorar com facilidade;
− haja facilidade em obter quantidades suficientes de solos com as propriedades
adequadas.

Relativamente as barragens de terra e as proprias barragens de gravidade, as barragens


de enrocamento apresentam duas vantagens importantes:
− pode-se construir sem problemas com tempo húmido (ao passo que as barragens de
terra são extremamente afectadas por isso em virtude da necessidade de controlo do
teor de humidade na colocação do aterro e compactação);
− não se levantam problemas de subpressão e de erosões que elas podem causar.

Os principais tipos de barragens de enrocamento são definidos em função da sua


componente de impermeabilização: barragens com núcleo ou barragens com membrana
impermeabilizante a montante.

As barragens com núcleo tem um núcleo impermeável composto por um solo


impermeável (argila ou silte argiloso), podendo o núcleo ser vertical ou inclinado para a
montante.

As barragens com membrana a montante tem essa membrana constituida por um


material artificial como betão armado, betão asfáltico ou aço.

As barragens com núcleo apresentam determinadas vantagens em relação as barragens


com membrana, nomeadamente:
- apresentam uma menor superfície de exposição a água;
- permitem a adopção de cortinas de injecções de menor comprimento;
- a componente impermeável está mais protegida contra fenómenos de alteração;
- o núcleo adapta-se melhor a assentamentos da fundação do que a membrana.

As principais desvantagens das barragens com núcleo são:


− a construção do núcleo tem de ser feita em simultaneo com a dos maciços de
enrocamento, ao passo que a membrana é construida no fim, já depois de se terem
verificado a maior parte dos assentamentos na fundação e no corpo da barragem;
− o núcleo não fica acessível para inspecção e manuntenção;
− são necessários filtros devidamente graduados entre o núcleo e os maciços de
enrocamento;
− as barragens com núcleo fazem uma menor mobilização da superfície da fundação
para resistir ao deslizamento, como se pode ver na Figura 3-19.

Figura 3-19 - Mobilização de forças resistentes ao deslizamento

83
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

3.9 TRATAMENTO DA FUNDAÇÃO


As barragens de enrocamento são mais exigentes em termos de fundação do que as
barragens de terra pois a fundação deve ser em rocha sã.

Em termos ideiais, a fundação deve ser em rocha dura, não alterada e incompreensível.
Na realidade as fundações rochosas apresentam sempre uma camada de alteração mais
ou menos espessa. Podem também aceitar-se fundações em seixos, calhau ou cascalho
grosso.

Duma forma geral, qualquer fundação em rocha deve prever uma cortina de injecções a
montante destinadas a impermeabilizar a fundação já que haverá normalmente inúmeras
fissuras e diaclases na rocha que se constituem em caminhos preferenciais para a
percolação da água.
Com a finalidade de minimizar os assentamentos e evitar possibilidades de
deslizamentos, quaisquer juntas ou falhas que apareçam devem ser tratadas com cuidado
especial. E necessário fazer a limpeza dessas juntas ou falhas, retirando o material de
enchimento (argila, silte ou areia) e enchendo-as posteriormente com uma argamassa de
cimento.

Deve-se incluir um "cut-off" superficial com uma espessura mínima de 1m por causa da
camada superficial de alteração. Quando esta camada for espessa ou a fundação em
calhau ou cascalho grosso é necessário introduzir um "cut-off" total até a rocha sã.
Dependendo da profundidade até a rocha sã, o "cut-off" pode ser feito com uma vala
corta-águas ou apenas uma cortina de injecções.

No caso das barragens com membrana, é importante assegurar uma boa ligação entre a
membrana e a cortina de impermebilização da fundação, ver detalhes na Figura 3-20.

Figura 3-20 - Pormenores de ligação da membrana à cortina de injecções

84
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

3.10 PROJECTO DO ATERRO DE ENROCAMENTO


Na construção de aterro de enrocamento podem usar-se uma grande variedade de tipo de
rochas desde rochas duras e pouco alteráveis como o granito e o quartzito até materiais
mais fracos como arenitos ou xistos. Materiais resultantes das escavações para o
descarregador de cheias, descargas de fundo, etc. devem ser utilizados para a
construção. Mesmo materiais com propriedades menos adequadas podem ser utilizados
em zonas interiores de aterro ("random zones") sem prejuízo para a estabilidade da
barragem.

Em princípio, a rocha mais desejável para o aterro é uma rocha dura, durável, resistente a
alteração e que não se fracture facilmente durante as operações de carregamento,
transporte e colocação.

Numa baragem com membrana, é normal utilizar-se um talude de 1:1.3 a 1:1.4 no talude
de montante, para membranas de betão armado ou de aço, e de 1:1.7 para membranas
de betão asfáltico. Para o talude de jusante, usam-se inclinações de 1:1.3 a 1:1.4 em
todos os casos.

As inclinações dos paramentos de montante e jusante em barragens com um núcleo


central ou inclinado dependem das características do material do núcleo, largura
necessária para os filtros, material da fundação. Geralmente, as inclinações oscilam entre
1:2 e 1:4. A Figura 3-21 apresenta uma secção característica duma barragem com núcleo
central.

Figura 3-21 - Secção típica duma barragem de enrocamento com núcleo central

A Figura 3-22 apresenta uma secção característica duma barragem com membrana na
qual se podem distinguir três zonas:

zona A - enrocamento fino e cascalho, material bem graduado. Serve de base a


membrana e também para evitar perdas de água extrema se a membrana romper;

Zona B - enrocamento de fraca qualidade como o resultante da escavação do


descarregador;

Zona C - a maior zona de jusante da barragem, composta por enrocamento de grande


dimensão e boa qualidade, devidamente compactado. E esta zona que dá essencialmente
estabilidade a toda a secção da barragem.
85
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

Figura 3-22 - Secção típica duma barragem de enrocamento com membrana.

Para as três zonas deve-se usar material bem graduado, entre 6 e 75mm para a zona A,
entre 75mm e 0.03m3 para a zona B e entre 0.03m3 e 0.75m3 para a zona C.

Para a barragem com núcleo, é necessário aumentar o diâmetro médio a partir do filtro
para os paramentos. O enrocamento de maior dimensão e melhor qualidade deve ser
colocado a jusante ao passo que a zona de montante pode ser rocha de menor qualidade.
Para o coroamento há que tomar uma largura sufeciente para permitir a construção da
membrana, sugerindo-se um valor mínimo de 4.5 a 6m. Para atender a possíveis
assentamentos pós construção, deve-se considerar uma sobreelevação máxima no
coroamento de 1% da altura da barragem.

No que respeita a colocação dos materiais para a construção duma barragem com
membrana, a zona A deve ser construida com camadas de 30cm compactadas por
cilindros vibradores ou tractores de lagartas; a zona B deve ser compactada por um
cilindro vibrador em camadas de 90cm; a zona C deve ser compactada por um cilindro
vibrador em camadas de 90cm a 1.80m. Quanto as barragens com núcleo central, os
maciços de enrocamento devem ser compactados em camadas de 90cm, usando-se
camadas de 30cm para os filtros e camadas de 15cm para o núcleo.

3.11 PROJECTO DA ZONA IMPERMEÁVEL


Como já se disse atrás, a impermeabilização duma barragem de enrocamento é
conseguida quer através duma membrana a montante quer dum núcleo central ou
inclinado.

O núcleo é projectado da mesma maneira que para as barragens zonadas.


Eventualmente pode ser necessária mais do que uma camada de filtro para se conseguir
uma boa transição para os enrocamentos exteriores. O tratamento da fundação no

86
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

contacto com núcleo deve ser muito cuidadoso com a remoção de material fraco ou
alterado e enchimento com betão.

Quando se usa uma membrana de betão armado (a mais utilizada entre as membranas),
há que garantir aterros bem compactados e com pequenos assentamentos. Para
pequenas barragens em fundação estável, recomenda-se uma laje de betão armado com
uma espessura mínima de 20cm com 0.5% de armadura nas duas direcções (armadura
colocada no centro da lage). O betão deve ser impermeável e resistente ao ataque da
água e devem-se usar vedantes de PVC ou de borracha para quaisquer juntas de
dilatação ou de construção. Como o betão oferece pouca resistência a subida das ondas,
utiliza-se por vezes uma parede-parapeito também em betão armado (ver Figura 3-22) de
forma a diminuir a altura da barragem. A membrana de betão só deve ser construida após
o aterro estar construído.

O betão asfáltico é o segundo tipo de membrana mais utilizada. Ela é mais flexível que a
membrana em betão armado e permite, por isso, maiores assentamentos na fundação. A
espessura da membrana asfáltica deve ser entre 25 e 30cm. É aplicada normalmente em
3 camadas sucessivas por equipamento de pavimentação de estradas. Também neste
caso, como no da membrana de betão ou de aço, a utilização duma parede-parapeito
pode ser vantajosa.

As membranas de aço tem sido usadas em muito poucas barragens embora tenham a
vantagem de poderem ser construidas com bastante rapidez e de permitirem maiores
assentamentos do que os outros tipos de membrana. As suas pricinpais desvantagens
são o custo elevado e a possibilidade de corrosão. Normalmente, usam-se chapas com
espessura de 6 a 10 mm, havendo necessidade de fazer a sua ancoragem ao aterro.

3.12 CASOS ESPECIAIS DE BARRAGENS DE ENROCAMENTO


Dois casos especiais de barragens de enrocamento dizem respeito a barragens
disprovidas de descarregador: barragens de enrocamento galgáveis (o caudal de cheia
passa por cima da barragem) e de enrocamento drenante (o caudal de cheia passa
através do enrocamento). Não é possível nestas notas aprofundar este tópico.

87
Cap. III BARRAGENS DE ATERRO

3.13 BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAEMENTO DO TEMA


A apresentação do tema foi feita essencialmente com base no livro "Design of small
Dams", aconselhando-se a leitura dos caps. 6 e 7.

Para além disso, sugere-se as seguintes leituras:

• THOMAS- The Engineering of Large Dams, caps. 13 e 18.

• CEDERGREN- Seepage, drainage and flow nets, caps. 3, 4, 6 (sobre percolação e


redes de fluxo).

• NOVAK- Hidraulic Structures, cap. 2.

• CAPPER e CASSIE- A Mecânica dos Solos na Engenharia, caps. 3, 4, 8 (revisão


dos conceitos de estabilidade de taludes e percolação)

• RUI MARTINS- Barragens de enrocamento galgáveis.

• RESSUREIÇÃO NETO- Barragens de enrocamento drenante, sua tecnologia.

88
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

CAPÍTULO 4 -
BARRAGENS DE BETÃO

89
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

4 BARRAGENS DE BETÃO

4.1 TIPOS DE BARRAGENS DE BETÃO


As barragens de betão são habitualmente divididas em três tipos principais:
- barragens arco e barragens abóbada;
- barragens de gravidade; e
- barragens de contra-fortes.

Esta decisão é baseada nas formas dessa barragens, formas essas por sua vez
estreitamente ligadas ao comportamento estrutural da cada uma delas.

As barragens arco e barragens abóbadas são caracterizadas por serem curvas em


planta, com o centro de curvatura do lado de jusante. A sua espessura é
normalmente pequena. Elas utilizam o efeito do arco para descarregarem grande
parte da pressão hidrostática a que estão sujeitas lateralmente para os encontros e
não apenas para a fundação. Exigem vales apertados e uma fundação em rocha sã
muito resistente.

As barragens gravidade são maciças, de grande espessura e secção


aproximadamente triangular. Elas garantem a estabilidade através do peso próprio.
O seu eixo é normalmente linear e as cargas são transmitidas a fundação. Podem
ser utilizadas em vales abertos e são menos exigentes do que as barragens
arco/abóbada quanto as características de resistência da fundação.

As barragens de contrafortes são compostas por um paramento (de montante) que


é apoiado num grande número de pilares-parede ou contrafortes. O paramento de
montante pode ser constituido por uma lage de betão armado ou pela sucessiva
junção das cabeças dos contrafortes que, para o efeito, são alargadas e assumem
formas especiais. Podem ser usadas em vales abertos com fundação em rocha sã.

As figuras 3, 4, 5 do capítulo 2 "Conceitos gerais sobre barragens" ilustram os


aspectos atrás apresentados.

Dos três tipos de barragens, as barragens de gravidade são cada vez mais
utilizadas em virtude de exigirem condições topográficas e geológicas menos
restritivas podendo, por isso, ser usadas em locais onde as soluções de barragem
abóbada ou barragem de contrafortes podem estar excluídas a partida.

Numa comparação das barragens abóbadas e de contrafortes com as barragens


gravidade, podem apontar-se para as primeiras as seguintes vantagens:
− economia de betão - uma barragem de gravidade tem um volume de betão
de 2.5 a 3 vezes superior ao duma barragem abóbada e 1.5 a 2.0 vezes o
duma barragem de contrafortes, com a mesma altura;

90
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

− as forças resultantes da subpressão são pouco significativas devido a


pequena espessura da abóbada e do paramento das contrafortes;
− os problemas do controlo da temperatura do betão durante a construção são
mais facilmente resolvidos.

Elas tem, no entanto, algumas importantes desvantagens em relação as barragens


de gravidade:
− as barragens abóbada exigem vales apertados;
− a fundação tem de ser em rocha sã com grande resistência e pequena
deformabilidade;
− o betão tem de ser de alta qualidade em virtude de estar sujeito a tensões
elevadas;
− o planeamento e a execução da obra são de maior complexidade do que no
caso das barragens de gravidade;
− a mão-de-obra tem de ser bastante qualificada sobretudo para as áreas de
cofragens e colocação de betão;
− nas barragens abóbada a pequena largura do vale levanta problemas a
colocação dos orgãos hidráulicos e a dissipação da energia das descargas;
− são mais sensíveis as variações de temperatura;
− as investigações geológicas e geotécnicas e o projecto são mais complexos
do que no caso das barragens de gravidade.

4.2 BARRAGENS ARCO E ABÓBADA


As barragens arco e abóbada são barragens em betão simples, utilizando-se betão
armado apenas em algumas zonas localizadas onde há concentração de tensões
(por exemplo, a volta das aberturas para condutas de orgãos hidráulicos).

Quando elas são curvas apenas em planta designam-se como barragens arco;
chamam-se barragens abóbadas as que tem também curvatura no plano vertical,
isto é, barragens de dupla curvatura.

As primeiras barragens arco foram construidas no Império Bizantino, cerca de 550


D.C.

As primeiras barragens arco na Europa de que há referências precisas são as de


Almansa (Espanha) e Ponte Alto (Itália). A barragem de Almansa terá sido
provavelmente construida cerca de 1384 enquanto que a barragem de Ponte Alto
foi iniciada em 1537 e posteriormente alterada por várias vezes durante os três
séculos seguintes. A primeira barragem abóbada de que temos referência é a de
Bear Valley (EUA) construida em 1884. Finalmente vale a pena referir que a
primeira barragem arco construida na Africa do Sul foi feita em 1898 com uma altura
de 38m e espessura de 11m na base e 2.15m no coroamento.

91
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

A Figura 4-1 apresenta a planta e o alçado de uma barragem abóbada típica, a


barragem de Monar (Inglaterra) com cerca de 35m de altura e uma relação corda-
altura do vale de cerca de 2.11.

Devido a sua inerente complexidade, não se utiliza a solução de barragem abóbada


para pequenas barragens a não ser como estruturas temporárias (ensecadeiras) em
que por vezes se utilizam barragens arco. Por essa razão, será aqui feito um
tratamento bastante superficial do tema.

Figura 4-1 - Barragem de Monar (Inglaterra): Planta e Alçado

92
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

4.3 COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DAS BARRAGENS


ABÓBADA
As barragens abóbadas podem ser consideradas como estruturas bidimensionais
devido a sua pequena espessura. São, no entanto, estruturas em que a folha média
é curva enquanto que em outras bidimensionais, como placas e lajes, a folha média
é plana. As placas tem cargas apenas no seu próprio plano pelo que ficam sujeitas
a um estado plano de tensão. As lajes estão sujeitas a cargas perpendiculares ao
seu plano, trabalhando essencialmente a flexão. As cascas são superfícies curvas
que suportam cargas perpendiculares a superfície e com forma tal que trabalham
predominantemente a compressão.

As barragens abóbadas podem ser assimiladas a cascas porque a solicitação mais


importante que nelas se verifica - a pressão hidrostática da água - actua
perpendicularmente a superfície.

Duma forma simplificada, pode assumir-se que a barragem abóbada é constituida


por uma malha de arcos e consolas em que os arcos descarregam lateralmente
para os encontros e as consolas descarregam para a fundação, Figura 4-2.

Figura 4-2 - Esquematização da barragem de abóbada como uma malha de arcos e consolas

O efeito de arco que, mediante a adopção duma certa geometria, permite que a
estrutura fique sujeita apenas a compressões é tanto mais pronunciado quanto mais
apertado for o vale. Assim, costuma limitar-se a utilização de barragens abóbadas a
secções em que a relação entre a corda e a altura da secção não exceda cerca de
4-6. A barragem de Vaiont na Itália, actualmente inoperacional devido ao grande
desastre que ali ocorreu em Outubro de 1963, é um caso extremo com uma relação
corda-altura inferior a 1, ver a Figura 4-3.

Figura 4-3
Figura 4-3

93
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

A introdução da curvatura nas consolas corresponde a tentativa de compensar com


o peso próprio as tensões de tracção devido a pressão hidrostática da água. Na
zona mais próxima da fundação, o comportamento estrutural dominante é o da
consola e não o do arco o que faz com que a pressão hidrostática produza tracções
do lado de montante. Por isso, dá-se a consola um balanço para a montante para
que o peso próprio, com excentricidade, origine compressão do lado de montante.

Nas zonas afastadas da fundação, o comportamento estrutural dominante é o do


arco pelo que não é necessário prolongar o balanço da consola para montante. No
entanto, nos arcos próximos ao coroamento e na sua zona central surgem
momentos flectores devido a pressão hidrostática, originando tracções do lado de
jusante. Para se compensarem essas tracções, introduz-se um balanço da consola
para jusante na parte superior da consola. A Figura 4-4 ilustra estes efeitos de
compensção introduzidas pela curvatura da consola.

Figura 4-4 - Compensação das tensões de tracção através da curvatura da consola

As formas especiais das barragens abóbada permitem que grande parte da


barragem trabahe com elevedas tensões de compressão (4 - 8 MPa) e conduzem a
formas bastante esbeltas.

O método de cálculo mais utilizado até fins da década de 60 foi o método do "trial
load". A estrutura era decomposta numa malha de arcos e consolas pelos quais se
distribuam tentativamente as cargas principais (pressão hidrostática e peso próprio).
Cada arco e cada consola eram analisados separadamente, calculando-se os
respectivos esforços interiores e deslocamentos. O processo é repetido com nova
tentativa de distribuição de carga entre os arcos e as consolas até que os
deslocamentos nos pontos comuns aos arcos e as consolas assumam valores
idênticos quer quando calculadas com os arcos quer com as consolas.

Actualmente, o método de cálculo universalmente utilizado é o método dos


elementos finitos, normalmente utilizando elementos de casca. Não é possível fazer
aqui uma apresentação do método dos elementos finitos, remetendo-se o assunto
para bibliografia apresentada no fim destas notas.

94
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

4.4 TRATAMENTO DE FUNDAÇÕES EM BARRAGENS


ABÓBADA

As fundações das barragens abóbdas têm de ser em rocha sã, com grande
resistência (por causa das elevadas tensões que lhe são transmitidas) e pequena
deformabilidade (para evitar redistribuição de tensões que poderiam ser perigosas).
Para além disso, é importante que não haja falhas em direcções próximas da
direcção do impulso transmitido pela barragem pois isso pode revelar-se perigoso
para a estabilidade do conjunto barragem-fundação, Figura 4-5.

Figura 4-5 - Situações de potencial instabilidade da fundação

A detecção de anomalias, como falhas, é por isso extremamante importante


podendo utilizar-se para tal os métodos geofísicos.

Todo material de alteração deve ser removido fazendo-se uma limpeza da zona de
contacto da barragem com a fundação numa profundidade de 5 a 10m. Todo o
material de enchimento de falhas e fissuras deve ser removido e o espaço
preenchido com betão ou argamassa de cimento.

Frequentemente utiliza-se um soco de fundação- maciço de apoio da baragem que


permite uma transmissão regular de tensões a fundação evitando que surjam
problemas devido a qualquer fraqueza da fundação.

A não ser em casos de rocha muito sã, o tratamento da fundação deve incluir uma
cortina de injecções de impermeabilização. Esta cortina tem normalmente uma
profundidade de 15 a 20m. Esta cortina pode servir também uma segunda finalidade
que é a de consolidação da fundação.

Imediatamente a seguir a cortina de impermeabilização inclui-se uma série de furos


de drenagem para alívio das subpressões e recolha das águas que tenham
atravessado a cortina de impermeabilização.

95
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

4.5 BARRAGENS DE GRAVIDADE


As barragens de gravidade que actualmente se constroem são a continuação das
barragens de alvenaria, iniciadas pelos Romanos nos alvores da nossa era. A forma
triangular, derivada da experiência, incluía uma base com dimensão várias vezes
superior a altura e ambos os taludes inclinados.

A partir dos fins do século XIX, a forma da barragem começou a ser mais delgada
em virtude quer da utilização do betão quer da realização de estudos teóricos das
tensões na barragem e na fundação.

As modernas barragens de gravidade são dimensionadas de forma a evitar o


aparecimento de tracções e, consequentemente, a necessidade de armaduras,
excepto em algumas zonas muito localizadas onde se verificam concentrações de
tensões (galerias e outras aberturas no corpo da barragem).

Por vezes, procura-se que a barragem de gravidade tenha, em planta, um


alinhamento curvo (como nas barragens abóbada) na expectativa de que o "efeito
de arco" introduza um factor de segurança adicional. No entanto, estudos teóricos e
medições em barragens construidas tem evidenciado que esse "efeito de arco" é
praticamente inexistente.

A forma triangular da secção transversal (Figura 4-6) tmbém evoluiu: o paramento


de montante é vertical ou tem pequena inclinação ao passo que o paramento de
jusante é bastante inclinado por razões de estabilidade.

Figura 4-6 - Ilustração de uma barragem de gravidade

4.6 COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DA BARRAGEM DE


GRAVIDADE
Na barragem de gravidade, a principal solicitação (pressão hidrostática) é
transmitida para baixo a fundação e não lateralmente como no caso das barragens
abóbada. Basicamente, é o peso próprio da barragem que garante a sua
estabilidade em relação a rotação e ao deslizamento que tenderiam a ser
provocados pela pressão hidrostática.
96
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

A secção transversal vai normalmente variando com lentidão em função da


profundidade a que a fundação se encontra. Como as deformações na direcção do
eixo da barragem se encontram normalmente impedidas pelos encontros, o estudo
das tensões e deformações pode fazer-se considerando que cada "fatia" vertical da
barragem, perpendicular ao eixo, se encontra sujeita a um estado plano de
deformação.
O cálculo das tensões e deformações, aceitando a hipótese de se tratar de um
estado plano de deformação, pode fazer-se sem grandes dificuldades pelo método
dos elementos finitos desde que se disponha dum programa de computador para o
efeito.
Em pequenas barragens pode-se no entanto, efectuar um cálculo simplificado que
adiante se descreve.

4.6.1 SOLICITAÇÕES NUMA BARRAGEM GRAVIDADE

As solicitações que devem ser consideradas no estudo duma barragem de


gravidade são as seguintes:
a) Horizontais
- pressão hidrostática da água a montante e a jusante (F1, F2)
- pressão do sedimento depositado (F3)
- forças de inércia da água e da barragem devido aos sismos (F4, F5)
b) Verticais
- peso prórprio da barragem (F6)
- peso próprio da água sobre os paramentos inclinados (F7, F8)
- subpressão (F9)
- força de inércia da barragem devida aos sismos (F10)

Como a probabilidade de ocorrência simultânea de todas estas solicitações é


relativamente baixa, consideram-se três combinações de solicitações:

a) combinação de solicitações normal


- nível de água a montante - NPA
- nível de água a jusante - TWL ("tail water elvel", nível que corresponde ao caudal
mediano no rio jusante)
- peso próprio da barragem e da água
- subpressão reduzida (drenos a funcionar)
- pressão dos sedimentos

b) combinação de solicitações excepcional


- nível de água a montante- NMC
- nível de água a jusante- mínimo
- peso próprio da barragem e da água
- subpressão reduzida
- pressão dos sedimentos

97
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

c) combinação de solicitações extrema


. nível deágua a montante- NPA
. nível de água a jusante- TWL
. peso próprio da barragem e da água
. subpressão total (drenos inoperativos)
. pressão dos sedimentos
. acção sísmica

Como é óbvio, os factores de segurança para a combinação normal serão os mais


elevados e para a combinação extrema serão os mais baixos.

A Figura 4-7 ilustra as solicitações a considerar para a barragem de gravidade.

Figura 4-7 - Solicitações numa barragem de gravidade

hs2
A resultante da pressão dos sedimentos é calculada através de F3 = ( s −  w ) em
2
que  s e  w são as densidades do sedimento submerso e da água e hs é a altura
correspondente ao volume morto. Esta fórmula é conservativa porque ignora a
consolidação dos sedimentos.

Quando não existem drenos na fundação, a subpressão é traduzida por um


diagrama trapezoidal que tem do lado de montante o valor   hm (igual a pressão
hidrostática no fundo) e do lado de jusante o valor   h j sendo hm e hj as alturas de
água a montante e a jusante. Quando há drenos e estão operativos, o diagrama é
modificado (Figura 4-7), aceitando-se que o valor do diagrama na linha dos drenos é
 
 w h j + k d (hm − h j ) . Habitualmente, toma-se k d = 1 3 .

Em áreas não sujeitas a sismicidade acentuada, toma-se a possibilidade de


ocorrerem sismos com aceleração horizontal igual a 0.1g e aceleração vertical igual
a 0.05g, sendo "g" a aceleração de gravidade. A aceleração horizontal, considerada
no sentido de montante, provoca um aumento de pressão hidrostática da água e o
surgimento duma força de inércia (devido a massa da barragem) dirigida para a

98
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

jusante. A aceleração vertical, considerada para baixo, provoca o surgimento duma


força de inércia (devido a massa da barragem) dirigida para cima.

Os sentidos considerados para as acelerações - horizontal, para a montante,


vertical, para baixo - correspondem a situação mais desfavorável, aumentando as
forças desestabilizadoras da barragem.

Ter-se-a então:
F5 = 0.1 F6
F10 = 0.05  F6

Note-se que se está a introduzir uma simplificação bastante grosseira ao propor um


equivalente estático dum fenómeno dinâmico.

Para calcular a resultante do diagrama de pressões adicionais na água, F4,


considera-se que esse diagrama é definido por:
p = c  

aceler . sismo
em que:  = = 0.1
g
c- função de y / h e da inclinação do paramento de montante
cM y  y y y 
c=  2 −  + 2 − 
2  h  h h h  

 0 10 20 30 40 50 60 70
CM 0.73 0.67 0.60 0.53 0.45 0.38 0.30 0.21

Quando o paramento de montante não tem inclinação constante, figura 8, o valor de


 que se toma para a determinação de c M é obtido da seguinte forma:
h
se h2  , considera-se  = 0
2
h
se h2  , considera-se  =  '
2

99
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

Figura 4-8 - Paramento de montante com inclinação não constante

Por integração numérica, obtem-se a resultante do diagrama de pressões


F4 = 0.66 CM   h 2
situando-se a uma distância 0.6h a contar da superfície da água.

Assim, por exemplo, para  =20° obtem-se F4 = 0.04  h 2 , ou seja, cerca de 8% da


resultante da pressão hidrostática.

4.6.2 CÁLCULO SIMPLIFICADO DE TENSÕES


Como se referiu anteriormente, o cálculo de tensões e deformações pode ser feito
pelo método dos elementos finitos desde que se disponha do correspondente
programa de computador.

Para pequenas barragens pode, no entanto, optar-se por um cálculo simplificado de


tensões através do método de gravidade ("gravity method").

As tensões a calcular são:


- tensões normais num plano horizontal,  y
- tensões normais num plano vertical,  z
- tensões tangenciais,  zy =  yz

Figura 4-9 - Tensões num elemento plano

Sendo conhecidas as tensões normais e tangenciais num ponto qualquer da


barragem, é fácil calcular as tensões principais.

100
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

O método de gravidade assimila a secção transversal da barragem, considerando


uma faixa de 1m de largura, a uma viga em consola encastrada na fundação,
utilizando as fórmulas derivadas da Teoria da Elasticidade para calcular as tensões.

a) Cálculo das tensões normais  y

Estas tensões são calculadas numa secção horizontal admitindo que a secção está
sujeita a flexão composta, com esforço axial de compressão N e momento
M = N * e , sendo e a excentricidade do esforço axial em relação ao eixo neutro da
secção (rectangular).

N N *e* z
y = +
A I

O esforço axial, o momento flector e a excentricidade são calculadas considerando


as forças que se situam para um dos lados da secção, normalmente as que estão
acima da secção.

Tratando-se duma secção rectangular de largura unitária e altura hz, tem-se A = hz


h3
e I= z .
12

O diagrama das tensões  y é um diagrama trapezoidal cujos valores extremos, a


montante e a jusante, são:
N 6M N 6M
 ym = − y j = +
hz hz2 hz hz2

Relembra-se na Figura 4-10 a convenção adoptada para os esforços positivo.


Assim, numa barragem gravidade, ter-se-a N negativo e, próximo da base, M
negativo: na base da barragem surgirão, portanto, tensões de compressão mais
elevadas do lado de jusante.

Figura 4-10 - Convenção de esforços positivos

No contacto da barragem com a fundação, parte das tensões transmitidas são


absorvidas pela água de montante para jusante (subpressão). Sempre que a tensão
de montante seja inferior ao valor da subpressão nesse ponto, irá surgir uma fissura
no contacto barragem-fundação visto a tensão admissível do betão a tracção ser
praticamente zero.
101
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

Ex.1) Determinar o diagrama das tensões normais a meia


altura e no contacto barragem- fundação. Para a barragem
de gravidade representada na figura ao lado, considerando
apenas as seguintes solicitações:
- peso próprio da barragem;
- pressão hidrostática;
- subpressão total (não há drenos).

Resolução:

a) Secção a meia altura:


 1
Peso próprio N = 241.5 * 5.0 + 1.75 * 5.0 *  = 180 + 105 = 285 kN
 2
1
Resultante da pressão hidrostática H = 9.8 * 3.5 2 * = 60 kN
2
M = (180 * 0.875 − 105 * 0.46 ) − 60 * 3.5 * = 39.4 kNm
1
Momento flector
3
285 6 * 39.4
 ym = − − = −110 kN/m2
3.25 3.25 2
285 6 * 39.4
y j = − + = −65 kN/m2
3.25 3.25 2

b) Secção de contacto com a fundação


Peso próprio N = 360 + 420 = 780 kN
H = 354 kN
M = (360 * 1.75 − 420 * 0.17 ) − 354 * 8.5 *
1
= −444 kNm
3
780 6 * 444
 ym = − + = −49 kN/m2
5.0 5.0 2
 y j = −263 kN/m2
Para se obter as tensões efectivas na fundação, é preciso subtrair a este diagrama
as subpressões.

Subpressão a montante: pw = 9.8 * 8.5 = 83 kN/m2

102
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

A sobreposição daria uma tensão de tracção na fundação o que não é admissível.

➔ Vai surgir um fissura no contacto barragem-fundação. Nessa fissura, a pressão


da água será (em toda a extensão da fissura) igual a pw = 83 kN/m2. O diagrama
de tensões será então um diagrama modificado, conforme a Figura 4-11.

Figura 4-11 - Diagrama de tensões na fundação após fissura

Os valores das 2 incógnitas,  max e d , são determinadas pelo equilíbrio de forças


verticais e de momentos.
equilibrio de forças verticais: pw  hz + ( max − pw ) = N
d
2
equilibrio de momentos: ( max − pw ) d  z − d  = M
h
2 2 3

83  5 + ( max − 83 )
d
= 780 d = 3.85 m
2

d d
(max − 83 )  2.5 −  = 444  max = 273 kN / m 2
2 3

Nas novas condições, a fissura desenvolver-se-ia por uma extensão de 1.15m (5m-
3.85m). Note-se que o processo de cálculo é idêntico ao de tensões numa sapata
de fundação.

b) Cálculo de tensões tangenciais 


No método de gravidade, o cálculo das tensões tangenciais  =  yz =  zy em cada
ponto é feito de forma similar ao que se faz para as vigas sujeitas a esforço
transverso. O diagrama das tensões  yz será então uma parábola de 2° grau:
 = az 2 + bz + c
No caso das vigas, normalmente as forças que actuam sobre as facetas z
(perpendiculares ao eixo dos zz) não tem componente tangencial, logo as tensões
 zy nas faces superior e inferior da viga são nulas.

103
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

Consequentemente, nas faces y o diagrama de tensões tangenciais  yz anula-se


nas extremidades.
TS T 1  h 2 
=  
 yz = − z 2 
Ib I 2 4 
No caso das barragens gravidade, as faces superior e inferior da viga correspondem
aos paramentos de montante e jusante que são normalmente inclinados, fazendo
ângulos m e  j com a vertical. Surgem, portanto, tensões tangenciais nas
faces y e z de montante e jusante, visto que a pressão hidrostática é normal ao
paramento.

-Face de montante:
Projectando as forças na direcção vertical

 y m sin m +  m cos m = pwm sin m


( )
→  m = p wm −  ym tg m

Da mesma maneira, obtem-se na face de jusante:

 y j sin  j +  j cos  j = pwj sin  j


→  j = (pwj −  yj ) tg  j

Admitindo então que a forma do diagrama de tensões tangenciais numa secção


horizontal (faceta y) corresponde a uma parábola do 2° grau,  = az 2 + bz + c , os
coefecientes a,b,c podem ser calculados impondo as seguintes condições:
h
z = − ,  = m
2
h
z = + ,  = j
2
h
+
2

  * 1 dz = T
h

2

104
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

Ex. 2) Determinar o diagrama de tensões tangenciais numa secção horizontal numa


barragem de gravidade em que o paramento de montante é vertical e pwj = 0
Tem-se  m = 0 e  j = − yj tg  j
A determinação do diagrama  apenas se pode fazer após o cálculo dos  y
h2 h
a −b +c =0
4 2
2
h h
a + b + c = − yj tg  j
4 2
h

 (az )
2
2
+ bz + c dz = T
h

2

A resolução das equações conduz a:

3 yj tg  j 6T  yj tg  j 3T  yj tg  j
a=− 2
− b=− c= +
h h3 h 2h 4

Ex. 3) Obtenha expressões gerais para a, b, c. Verifique os casos particulares do


exemplo anterior e da situação em que m =  j = 0 (caso da viga)

c) cálculo das tensões normais  z


Apos de ter calculado  y e  , e fácil calcular  z nos paramentos de montante e
jusante.

Projectando essas forças na direcção horizontal

pwm cos m −  zm cos m −  m sin m = 0


→  zm = pwm −  m tg m

Da mesma forma, no paramento de


jusante:  zj cos  j +  j sin  j − pwj cos  j = 0
→  zj = pwj −  j tg  j

105
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

Num cálculo simplificado, pode admitir-se que  z varia linearmente de montante para
jusante entre os valores de  zm e  zj .

d) Cálculo das tensões principais  1 e  2

Depois de se conhecer em qualquer ponto da barragem as tensões  y ,  z e  , é


fácil determinar nesse ponto as tensões principais  1 e  2 , utilizando as
expressões derivadas do círculo de Mhor.
y + z 1
1 = + ( y −  z )2 + 4  2
2 2
y + z 1
2 = − ( y −  z )2 + 4  2
2 2

O ângulo  da faceta principal de tensão (  1 ) com o plano horizontal é dado pôr :


2
tg 2 =
y − z

e) cálculo das tensões  x


Estas tensões normais, actuando perpendicularmente ao plano da secção
transversal, surgem devido ao efeito de Poisson numa situação de estado plano de
deformação,  x = 0
 
 x = x − ( y +  z ) = 0
E E
→  x =  ( y +  z ) =  (1 +  2 )
Como   0.2 para o betão, as tensões  x são muito inferiores as tensões
principais no plano da secção.

4.7 CRITÉRIOS DE DIMENSIONAMENTO


São três os critérios de dimensionamento que permitem verificar a estabilidade
duma barragem gravidade:
- segurança em relação ao derrube por rotação;
- segurança em relação ao deslizamento;
- segurança em relação a tensões excessivas.

Qualquer destes critérios deve ser verificado para cada uma das combinações de
solicitações: normal, excepcional, extrema.

A verificação deve fazer-se:


- no plano horizontal de contacto da barragem com a fundação;

106
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

- em qualquer plano horizontal onde se verifique uma descontinuidade no perfil;


caso não haja descontinuidades, considerar um plano a meia altura da
barragem.

Em geral, o critério mais crítico costuma ser o relativo ao deslizamento, sobretudo


em rochas com importantes planos de falhas e fissuras.

a) Segurança em relação ao derrube por rotação

O derrube por rotação é considerado em relaçãoao eixo x' definido pela intersecção
do plano horizontal que está a ser analisado com o paramento de jusante da secção
transversal da barragem.

Das forças que actuam sobre o corpo sólido em estudo, acima e abaixo do plano
horizontal (incluindo a subpressão), umas originam momentos positivos
(estabilizadores) enquanto outras dão origem a momentos negativos
(derrubadores), actuando no sentido dos ponteiros do relógio.

Define-se o factor de segurança em relação ao derrubamento por rotação, fr, como


sendo:

fr =
 M est.
 M der
As principais forças que contribuem para os momentos derrubadores são a pressão
hidrostática e a subpressão; para os momentos estabilizadores contribui
principalmente o peso próprio.

Para a combinação de solicitações Normal, fr  1.5 ; para as outras combinações de


solicitações, fr  1.25 .

O derrube dum perfil gravidade por rotação não é uma situação realista. O que
acontece é que a medida que o movimento derrubador vai crescendo aumentam
rapidamente as tensões de compressão no pé de jusante; se surgirem tracções a
montante, aparecerão fissuras horizontais que progridem para jusante. Este critério
acaba, por isso, por ter uma validade limitada.

b) Segurança em relação ao deslizamento (horizontal)

No interior da barragem, esta segurança é garantida pela mobilização das tensões


tangenciais. Os planos horizontais críticos são os correspondentes as juntas de

107
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

construção horizontais, juntas essas que tem de merecer muita atenção


construindo-as com dentes ou uma pequena inclinação para montante.

No contacto barragem-fundação, a ligação entre o betão e a rocha e a tensão


tangencial resultante são factores críticos.

No tocante a fundação, podem surgir problemas de deslizamento se houver planos


de falhas quase próximos da superfície.

A resistência ao deslizamento, ou seja, a tensão tangencial que pode ser mobilizada


é expressa em função de dois paramentos: a coesão c e o ângulo de atrito .
Relembre-se que

 = c +  tg

A tabela seguinte apresenta valores característicos de coesão e tg para betão,


contacto betão-rocha e rocha de fundação.

Tabela 1 Valores de coesão e tg


Coesão
tg
[MN/m2]
Betão num plano horizontal 1.5-3.5 1.0-1.5
Junta de construção no betão 0.8-2.5 1.0-1.5
Contacto betão-rocha 1.0-3.0 1.0-1.8
Rocha sã, sem grande alteração, nem
1.0-3.0 1.0-1.8
grandes descontinuidades. Exemplos:
- Gneisse 1.3 1.7
- Granito 1.5 1.9
- Micaxisto 3.0 1.3
- Arenito 1.0 1.7
Rocha de qualidade inferior.
<1.0 <1.0
Exemplos:
- gneisse, não alterado 0.6 1.0
- granito, alterado 0.3 1.3
- calcário 0.3 0.7
- micaxisto 0.4 0.7
- arenito 0.1 0.6
- gneisse c/ fissuras, decomposto 0.4 0.5
- granito decomposto 0.1 0.8

A segurança em relação ao deslizamento é definida por um factor de segurança. Há


diversas propostas para este factor de segurança: factor de deslizamento, factor de
resistência por atrito, factor de equilíbrio limite, Os últimos dois são bastante
próximos.

O factor de resitência por atrito ("shear friction factor"), sff, é definido como razão
entre a força resistente ao deslizamento e a força horizontal resultante.

108
Cap. III BARRAGENS DE BETÃO

cAh + V tg
sff =
H
Note-se que em V há que subtrair a subpressão.

Os valores mínimos de sff são normalmente os seguintes:

Combinação de solicitações
NORMAL EXCEPCIONAL EXTREMA
Barragem 3 2 >1
Contacto c/ fundação 4 3 1.3

c) Segurança em relação a tensões excessivas

Viu-se já como se determinam as tensões principais em qualquer ponto da


barragem bem como no contacto barragem-fundação. Não são admissíveis tensões
de tracção, na fase de projecto. Casos estas se verifiquem em barragens já
construidas, admite-se o desenvolvimento duma fissura e determina-se a segurança
em relação ao deslizamento e a tensão excessiva considerando a parte da secção
não fissurada.

109
Cap. IV BARRAGENS DE BETÃO

No tocante as tensões de compressão, elas não podem exceder a tensão característica


de rotura do betão ou da rocha dividida por um factor de segurança, ft. Os valores
mínimos de ft são os seguintes:

Combinação de solicitações
NORMAL EXCEPCIONAL EXTREMA
Barragem 3.0 2.0 1.0
Contacto c/ fundação 4.0 2.7 1.3

As tensões características de rotura do betão são fixadas pelo projectista e verificadas


experimentalmente em laboratório durante a construção; as da rocha são determinadas
em laboratório durante as investigações geológicas nas fases de anteprojecto e projecto.
Para os betões utilizados na construção de barragem gravidade, as tensões de rotura
variam de 20 a 30 MN/m2. As tensões de rotura das rochas dependem do tipo de rocha e
do seu grau de alteração. Para rochas pouco alteradas, pode atingir valores muito
elevados para rochas duras como basaltos, granitos, quartzitos, na ordem de 200 MN/m2
mas para os outros tipos de rochas os valores serão semelhantes aos do betão.

110
Cap. IV BARRAGENS DE BETÃO

4.8 BARRAGENS GRAVIDADE EM FUNDAÇÕES PERMEÁVEIS


(SOLOS)
Pode considerar-se a construção de barragens gravidade em fundações permeáveis
(solos) mas tal impõe limitações e cuidados. Assim, o USBR recomenda que a alternativa
barragem gravidade só seja considerada para uma fundação em solo se a altura da
barragem não exceder 9m e a queda bruta (NPA-TWL) não seja superior a 6m.

O projecto nestas condições obriga a resolver problemas de assentamentos, erosões e


percolação.

Os problemas de erosão interna ("piping") e percolação estão inter-relacionados, com a


erosão resulta normalmente de percolação excessiva e subpressões elevadas e jusante.

Diversas medidas podem ser utilizadas para controlar a percolação e a subpressão,


evitando o surgimento de problemas de erosão, conforme se ilustra na Figura 4-12.

Figura 4-12 - Barragem gravidade com fundação em solos permeáveis

- laje de betão a montante com um "cutoff" na extremidade.


Esta laje fica ligada ao corpo da barragem por uma ligação flexível tornada impermeável
através dum dispositivo de estanquidade. O "cutoff" pode ser em betão, argila, argamassa
de cimento ou com estaca-prancha.
A utilidade do conjunto laje -"cutoff" é o aumento do comprimento de percolação desta
forma reduzindo o caudal percolado e as subpressões a jusante.

- tapete impermeabilizante de argila a montante da laje de betão, igualmente para


aumentar o caminho de percolação.

- Com a mesma finalidade, uma laje de betão a jusante.


Esta laje fica separada do corpo da barragem por uma junta dotada dum dispositivo de
estanquidade e por isso não é considerada nas análises de estabilidade.

- drenos para alívio de subpressões.

- dente a montante, para aumentar a estabilidade em relação ao deslizamento.


111
Cap. IV BARRAGENS DE BETÃO

- enrocamento de protecção a jusante com a dupla finalidade de evitar erosões na


passagem da água descarregada e de permitir a saída de água percolada sem
arrastamento de finos (para tal deve funcionar como um filtro).
-
O dimensionamento duma barragem gravidade nestas condições pode fazer-se com base
no método simplificado de Lane ("weighted-creep method"). Esse método calcula o
gradiente hidráulico e compara-se com os valores máximos admissíveis. Os passos de
cáculo são os seguintes:

a) calcula-se o comprimento ponderado de percolação lp


lp =  l h + 3 l v
Quando a água é obrigada a percolar na direcção vertical, o método admite que a
permeabilidade vertical é inferior a impermeabilidade horizontal e isso é tomado em conta
dando um maior peso a lv do que a lh.

Os comprimentos lv e lh são medidos a partir do contacto da barragem com a fundação,


ver a Figura 4-12.

b) calcula-se a razão lp /hu em que hu é a queda bruta.


Esta razão é o inverso do gradiente hidráulico. Se a barragem dispuser de drenos e
filtros convenientes, o valor de lp /hu é aumentado 10%.

c) compara-se o valor de lp/hu obtido com o valor mínimo admissível dado na tabela
seguinte:

Valores minimos de lp/hu


Argila Silte Areia Cascalho
Mole Média Dura Mto fina Fina Média Grossa Fino Médio Grosso
9.0 6.0 5.5 25.5 25.0 21.0 18.0 15.0 12.0 10.5 9.0

Os maiores valores de lp /hu são exigidos a fundações em silte e areia fina por causa da
facilidade de arrastamento de partículas finas pela água percolada. A medida que o
material da fundação se torna mais grosseiro, o valor de lp /hu exigido vai diminuindo. A
fundação em argila apresenta valores exigíveis de lp /hu mais baixos devido a sua
permeabilidade e a coesão entre as partículas.

A extensão das lajes de betão a montante e a jusante, "cutoff", tapete impermeabilizante,


é então determinada a forma a que lp /hu seja superior ao exigido.

No que respeita a análise de estabilidade, os critérios de dimensionamento são os já


anteriormente apresentados, tendo no entanto em atenção que as tensões que podem ser
absorvidas pela fundação são muito mais pequenas que no caso duma rocha sã.

Quanto ao diagrama de subpressão, admite-se que ele varia linearmente (desde o valor
de montante ao valor de jusante) ao longo de todo o caminho ponderado de percolação,
ou seja, tomando um gradiente hidráulico constante i=hu /lp.

112
Cap. IV BARRAGENS DE BETÃO

4.9 ASPECTOS A CONSIDERAR NO PROJECTO DE


BARRAGEM GRAVIDADE
a) A fundação em rocha deve ser injectada. A cortina de injecções tem uma altura
próxima da altura da barragem. A cortina não é apenas indispensável por causa da
camada de alteração e fissuras na rocha mas também ajuda a compactar e reforçar a
rocha na zona de contacto com a barragem.

b) Drenos de alívio das subpressões, feitos a partir duma galeria de inspecção que se
situa perto da base da barragem. Os drenos da fundação são furos de 75-100mm de
diâmetro, espaçados de 3 a 5m e logo a jusante da cortina de injecções. No interior da
barragem, deixam-se furos de diâmetro não inferior a 150mm espaçados de cerca de 3m
e próximos do paramento de montante. Os drenos devem ser construidos de forma a
poderem ser limpos ou reabertos no caso de ficarem colmatados. A água recolhida é
conduzida para jusante.

A Figura 4-13 (de MOFFAT) dá uma estimativa da efeciência da drenagem em função da


posição dos drenos e da relação entre o espaçamento e o diâmetro dos drenos.

Figura 4-13 - Eficiência dos drenos (Moffat, 1984)

c) Galeria de inspecção próxima da base da barragem, para colectar a água drenada,


permitindo também a colocação de instrumentos de medição (observação da barragem).
Sugere-se como dimensões mínimas 2.0*1.2 m2.

d) Juntas de contracção transversal espaçadas de 15m por causa das características


térmicas do betão. Estas juntas permitem pequenos movimentos diferenciais dos
monolitos. O projecto deve prever dentes de encaixe e estanquidade em PVC, Figura
4-14.

113
Cap. IV BARRAGENS DE BETÃO

Figura 4-14 – Dentes de encaixe e estanqueidade em PVC

e) Juntas de construção- para evitar fissuras no betão na fase de arrefecimento após a


betonagem e presa, cada batonagem deve ser limitada em alturas e camadas quase
horizontais com 1.5-2.0m de altura. Para melhorar a resistência ao deslizamento, a
superfície é com degraus ou com pequena inclinação para montante.

f) A folga mínima deve ser pelo menos de 1m.

g) A largura do coroamento não deve ser inferior a 1.5m.

4.10 BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAMENTO DOS TEMAS


DO CAPITULO

• THOMAS - The Engineering of Large Dams, 1976.

• USBR - Design of Small Dams, 1987.

• USBR- Design of Gravity Dams, 1977.

• NOVAK te al.- Hidraulic Structures, 1990.

• JANSEN (ed)- Advanced Dam Engineering, 1988.

• MOFFAT- Uplift: the problem and its significance, 1984.

114
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

CAPÍTULO 5 -
PROPAGAÇÃO DE
CHEIAS EM ALBUFEIRAS

115
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

5 PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS


5.1 INTRODUÇÃO
Uma barragem de armazenamento visa criar um albufeira com determinada
capacidade útil que lhe permite fazer a regularização de caudais, reduzindo os
caudais de cheia e aumentando os caudais de estiagem.

Para o dimensionamento da barragem em termos de definição da sua altura, torna-


se necessária a determinação de quatro componentes:
- o volume morto;
- a capacidade útil;
- o volume de encaixe da cheia de projecto;
- folga.

Através da curva de volumes armazenados, o volume morto permite definir o nível


mínimo de exploração (NME) que corresponde habitualmente a soleira da descarga
de fundo.

O volume da soma do volume morto com a capacidade útil permite, novamente


utilizando a curva dos volumes armazenados, obter o nível de pleno armazenado
(NPA).

Normalmente, durante uma cheia e até se ultrapassar o caudal de pico, o caudal


descarregado é inferior ao caudal afluente. Daqui resulta que o volume não
descarregado é armazenado na albufeira, acima do NPA, correspondendo ao
volume da cheia. Quando o hidrograma da cheia afluente é o da cheia do projecto, o
correspondente volume de encaixado, adicionado a capacidade útil e ao volume
morto, permite determinar o nível de máxima cheia (NMC).

116
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

Adicionando a folga ao NMC, obtém-se o nível do coroamento. A altura da barragem é a


diferença entre o nível do coroamento e o nível do ponto mais baixo da secção transversal
do rio onde a barragem se insere.

O estudo do volume de encaixe da cheia de projecto, para a determinação do NMC,


assim como o cálculo dos hidrogramas dos níveis da albufeira h(t ) e dos caudais
descarregados Qd (t ) são feitos analisando a propagação ("routing") da cheia na albufeira.

O "routing" da cheia leva a que o hidrograma descarregado seja diferente do hidrograma


afluente e que, normalmente, o caudal máximo descarregado seja inferior ao caudal
máximo afluente.

O "routing" ou propagação da cheia acontece de forma diferente conforme o


descarregador da barragem disponha ou não de comportas, Figura 5-1.

b) descarregador sem a) descarregador com


comportas comportas
Figura 5-1 - Hidrogramas de caudal afluente e descarregado num descarregador sem comportas (a) e
num descarregados com comportas(b)

No caso dum descarregador sem comportas, o caudal descarregado Qd (t ) depende


apenas do hidrograma afluente Qa (t ) e das características do descarregador: uma vez
fixadas estas características, o hidrograma Qd (t ) é completamente determinado a partir
de Qa (t ) .

Num descarregador com comportas, no entanto, Qd (t ) não é função unicamente de


Qa (t ) e das características do descarregador. O hidrograma do caudal descarregado
depende também das regras de operação das comportas. Assim, como se ilustra na
Figura 5-1, um mesmo hidrograma afluente Qa (t ) pode originar diferentes hidrogramas de
descargas Qd 1 , Qd 2 , etc. de acordo com as regras de operação que se adoptarem em
cada caso.

117
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

5.2 DESCARREGADOR SEM COMPORTAS


No caso dum descarregdor sem comportas, o hidrograma do caudal descarregado é
calculado fazendo uso da fórmula da curva de vazão do descarregador e da equação de
balanço hídrico na albufeira.

A fórmula de vazão integra as características físicas do descarregador. Nas pequenas


barragens, a estrutura descarregadora é normalmente uma soleira (como a soleira WES)
mas os conceitos que se apresentam em seguida mantêm-se válidos para outras
estruturas descarregadoras - labirinto, canal colector - desde que o caudal possa ser
expresso como uma função monótona crescente do nível de água acima da crista do
descarregador.

Para uma soleira descarregadora, a fórmula de vazão genérica, resultante da passagem


do caudal em regime crítico é:
3
Qd =  2g BH 2

em que  (ou C) é o coeficiente de vazão, variando entre 0.40 e 0.55; B é a largura da


crista; e H é a carga acima da soleira.

Como as velocidades na albufeira são negligenciáveis, pode-se tomar H = h , sendo h a


altura de água acima da crista da soleira.

Qd cresce exponencialmente com H(= h) . Esta constatação permite com facilidade


definir qualitativamente o hidrograma Qd (t ) , Figura 5-2.

Figura 5-2 - Hidrograma de caudal afluente e descarregado num descarregador sem comportas

Quando a cheia se inicia e está no seu ramo ascendente (0  t  t1 ) , verifica-se


que Qd  Qa . Como consequência, o volume descarregado no intervalo de tempo (0, t1 ) é
118
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

inferior ao volume afluente a albufeira nesse período de tempo. Portanto, o volume


armazenado na albufeira aumenta, o que corresponde também ao aumento de h e H.

Se h e H aumentam, então também Qd vai aumentando entre t = 0 e t = t1 .

No período que decorre de t1 a t 2 , o caudal afluente decresce depois de ter atingido o


máximo para t = t1 . No entanto, o caudal descarregado continua a aumentar.

Com efeito, entre t1 e t 2 , embora Qa vá diminuindo, o caudal afluente continua a ser


superior ao caudal descarregado. Portanto, o volume na albufeira continua a crescer
assim como h, H e, por conseguinte, também Qd .

O instante t 2 corresponde ao ponto em que Qd iguala Qa , passando o caudal


descarregado a exceder o caudal afluente para t  t 2 .

E fácil verificar quen Qd max ocorre para t=t2. Para tal, convém notar que para t  t 2 Qd
cresce, como se viu anteriormente. Basta então demonstrar que, para t  t 2 Qd decresce.

Ora como Qd  Qa , a albufeira descarrega um volume superior ao volume afluente que


está a receber. Por conseguinte, o volume armazenado diminui, h e H decrescem e o
mesmo acontece com Qd .

Assim, num descarregador sem comportas, o caudal máximo descarregado é inferior ao


caudal afluente máximo e ocorre posteriormente ao pico da cheia.

5.3 "ROUTING" DA CHEIA PELO MÉTODO DE PULS


A determinação quantitativa do hidrograma das descargas assim como dos níveis da
albufeira e dos volumes armazenados pode ser feita pelo método de Puls. Este método
considera intervalos discretos de tempo t e pressupõe que no instante t se conhece o
caudal o caudal afluente no instante t + t .

Além disso, o método de Puls despreza a ocorrência, durante o período da cheia, da


precipitação na albufeira assim como da evaporação e outras perdas. O erro induzido por
esta simplificação é normalmente pequeno já que estas variáveis correspondem a
volumes de água relativamente pequenos uma vez que as cheias duram períodos de
tempo curtos.

O método de Puls baseia-se na equação simplificada do balanço hídrico na albufeira:


dS
I −O =
dt
em que : I- caudal afluente (cheia)= Qa
O- caudal descarregado = Qd
S- volume armazenado na albufeira.
119
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

dS
Note-se que corresponde a um caudal pelo que a equação é dimensionalmente
dt
homogénea.

O método de Puls discretiza a equação diferencial em intervalos de tempo t . Nesse


intervalo, I e O serão representados pelas médias dos respectivos valores nos instantes
t e t + t .

I t + I t + t Ot + Ot + t St + t − St
− =
2 2 t

Fazendo um rearranjo desta equação, pode-se escrever

2St 2St + t
I t + I t + t + − Ot = + Ot + t (1)
t t

As quatro parcelas que figuram no primeiro membro da equação são todas conhecidas no
instante t + t : os caudais afluentes I t e I t +t ; o volume armazenado S t ; e caudal
descarregado Ot . As duas parcelas do segundo membro contem as incógnitas S t + t e
Ot + t que ainda não foram determinadas.

Os passos a dar para a aplicação do método de Puls são então os seguintes:

1 Passo:

2S
Constrói-se a curva + O = f (h ) . Esta curva é fácil de construir uma vez que:
t
S = S(h) é a curva dos volumes armazenados;
O = O(h) é a curva/fórmula de vazão do descarregador.

t é arbitrado. Convém que t seja relativamente pequeno já que isso melhora a


aproximação numérica. No entanto, t muito pequeno tem a desvantagem de tornar os
cálculos muito laboriosos se forem feitos sem ajuda de computador. Como regra prática,
sugere-se que t esteja entre 1/6 e 1/24 de t p (tempo de pico).

2 Passo:

Tomando para t = 0 , I 0 = O0 = 0 , S0 = S(h0 = NPA) , calcula-se o primeiro membro da


equação (1) para t = t .

Como o primeiro membro = f (h) , determina-se ht e, a partir daí, O t e St .

3 Passo:

O segundo passo é repetido sequencialmente, substituindo-se os valores de t pelos de


t + t e calculando O e S para o novo instante t + t .
120
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

Terminado o cálculo, obteve-se os hidrogramas h(t ) , S(t ) e O(t ) = Qd (t ) assim como o


volume de encaixe da cheia e o nível máximo atingido. Quando a cheia considerada é a
cheia de projecto, o nível máximo atingido é o NMC.

5.4 DESCARREGADOR COM COMPORTAS


Num descarregador com comportas, o hidrograma do caudal descarregado é calculado
fazendo intervir a fórmula de vazão do descarregador e a equação do balanço hídrico da
albufeira (tal como no caso do descarregador sem comportas), e ainda as regras de
operação das comportas.

Como a estrutura descarregadora é normalmente uma soleira tipo WES, as fórmulas de


vazão a empregar correspondem ou a situação de orifícios, quando as comportas estão
parcialmente abertas; ou a situação da soleira livre, quando as comportas estão
completamente abertas.
Normalmente, pode admitir-se que o caudal descarregado por cada comporta é
independente dos caudais que as outras descarregam, embora se estabeleçam regras de
abertura conjunta de forma a que o escoamento no canal de descarga e a dissipação de
energia se processem da melhor forma possível.

Para orifícios de grandes dimensões, a fórmula de vazão engloba tanto a carga sobre a
crista do descarregador como a abertura da comporta.

Qd =  2g B  H 2 2 − H1 2 
3 3

 

 é um coeficiente de vazão cujo o valor


se pode tomar como 0.40 caso não se
façam estudos em modelo hidráulico.

A fórmula ilustra que Qd cresce com a


carga H 2 e com a abertura da comporta
H 2 − H1 .

Figura 5-3 - Exemplo de um descarregador com


comportas

Quando a comporta está totalmente aberta, o escoamento processa-se livremente sobre a


soleira e a fórmula de vazão é a já anteriormente apresentada.
3
Qd =  2g B H 2 2
121
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

Em qualquer dos casos, pode-se tomar H 2 = h , sendo a diferença entre o nível de água
na albufeira e o nível da crista da soleira.

Um aspecto importante a reter é que, ao contrário do que acontece quando não há


comportas, um descarregador com comportas pode descarregar um hidrograma em que
Qd max pode ser superior a Qa max e ocorrer antes do pico de cheia afluente. As regras de
operação devem, por isso, ser cuidadosamente estudadas de forma a evitar que se
descarregue uma cheia maior que a cheia afluente.

5.4.1 REGRAS DE OPERAÇÃO

As regras de operação das comportas serão distintas conforme se disponha ou não dum
sistema de previsão de cheias.

a) Operação sem previsão de cheia

Quando não existe em funcionamento um sistema de previsão de cheia, a cheia é


detectada na barragem através da subida do nível da albufeira.
Neste caso, a operação é comandada fundamentalmente pelo nível da albufeira e pela
consideração de se estar na fase ascendente ou descendente da cheia.
Podem indicar-se alguns princípios a que as regras de operação devem obedecer:

• a abertura deve fazer-se por escalões em função do nível da albufeira, para que o
caudal a jusante não cresça de repente.
• na fase ascendente da cheia, Qd  Qa - o nível na albufeira não deve descer.
• na fase descendente da cheia, deve procurar-se voltar rapidamente ao NPA.
• NMC não deve ser ultrapassado pelo que, para um certo nível da albufeira (inferior ao
NMC), as comportas devem ser completamente abertas.
• a abertura das comportas deve ser feita de forma a evitar que surjam problemas de
cavitação na soleira (aberturas muito pequenas) e perturbações na estrutura de
dissipação de energia.

A definição das regras de operação faz-se começando por arbitrar os escalões de


abertura das comportas e testando essas regras iniciais para a cheia de projecto e
também para as cheias com períodos de retorno inferiores. Introduzem-se sucessivos
ajustamentos com o objectivo de garantir que o NMC não é ultrapassado, que o caudal
descarregado não cresce muito bruscamente e que se minimiza o caudal máximo
descarregado assim como o tempo em que o caudal descarregado está acima dum certo
limiar (que corresponderá a um certo nível de prejuízo, estradas importantes inundadas,
etc.).

b) Operação com previsão de cheia

Caso se disponha dum sistema de aviso de cheias em tempo real, a operação da


albufeira pode ser melhorada tendo em vista a minimização do caudal máximo

122
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

descarregado, objectivo justificado pelo facto de, normalmente, os prejuízos serem uma
função crescente de Qd max .

A Figura 5-4 ilustra formas de operação quando se dispõe duma previsão de cheia
afluente.

Figura 5-4 - Modelo de operação das comportas com previsão de cheia

A descarga antecipada dum caudal superior ao caudal afluente permite aumentar o


volume disponível para o encaixe da cheia e, por conseguinte, reduzir o caudal máximo
descarregado.
Procura-se, portanto, minimizar Qd max sem, no entanto, descurar os princípios de abertura
gradual das comportas e de que o NMC não pode ser ultrapassado.

Mesmo quando não se dispõe de previsões em tempo real, por vezes procura-se mesmo
assim dispor dum volume de encaixe de cheias superior ao que corresponde a diferença
de volumes armazenados entre o NMC e o NPA.

Assim, se as cheias ocorrerem quase todos os anos em determinada época do ano, pode
manter-se durante essa época a albufeira a um nível inferior ao NPA. Corre-se, porém, o
risco de não haver ocorrência de cheia e a albufeira ficar com um volume armazenado
inferior ao necessário para a época de estiagem seguinte. É preciso, portanto, comparar
os valores esperados dos benefícios (ou seja, a diminuição dos prejuízos das cheias) e
dos custos (isto é, as perdas devido a falta de água na época de estiagem) para o que se
pode usar um modelo de simulação.

5.5 MÉTODO DE PULS NUM DESCARREGADOR COM


COMPORTAS
Para se utilizar o método de Puls num descarregador com comportas, as regras de
operação têm de estar já definidas.

123
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

Considerando as características do descarregador e as regras de operação, a função


O(h) fica perfeitamente estabelecida, embora possa apresentar descontinuidades devido
a abertura por escalões como se ilustra na Figura 5-5.

Figura 5-5 - Caudal descarregado em função da altura, num descarregador com comportas

As descontinuidades não se tornam problemáticas se se adoptar um valor de t bastante


pequeno e se for simultaneamente traçando o hidrograma h(t) para eliminar as dúvidas
que possam surgir para valores de h próximos das descontinuidades.

A resolução é em tudo semelhante a do descarregador sem comportas. No entanto, para


cada nível h em que há uma variação na abertura das comportas há que considerar dois
valores de O: O+ - correspondendo a maior abertura, e O- - para a menor abertura; o que
2S
naturalmente origina também dois valores de +O .
t

5.6 DIMENSIONAMENTO ECONÓMICO DO DESCARREGADOR


Constata-se facilmente que quanto maior for a capacidade de vazão dum descarregador
maior será o volume descarregado durante a cheia e, portanto, menor o volume de
encaixe e mais baixo o nível de NMC. Ou seja, um descarregador de maior capacidade
permite uma barragem de menor altura.

Isto equivale a dizer que um descarregador de custo mais elevado (o custo do


descarregador cresce com a capacidade de vazão para um mesmo tipo de solução
técnica) permite um corpo da barragem mais barato (o custo do corpo da barragem
cresce com a altura da mesma).

O objectivo a atingir será então o de minimizar o custo total, isto é, o custo do corpo da
barragem mais o descarregador.

Se por exemplo se estiver a considerar um descarregador sem comportas, o seu custo e


a capacidade de vazão crescem com a largura do descarregador. Pode-se calcular o
NMC e daí a altura da barragem e o respectivo custo para 3 ou 4 larguras distintas.

124
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

Calcula-se igualmente o custo do descarregador para cada largura. A solução de custo


mínimo é facilmente identificada, Figura 5-6.

Figura 5-6 Custo em função da largura do descarregador

Um descarregador com comportas tem evidentemente uma capacidade de vazão muito


superior a um descarregador sem comportas para além de permitir uma operação
bastante mais flexível. Exige, no entanto, um maior investimento inicial e custos mais
elevados de operação e manutenção. Estes custos anuais de operação e manutenção
devem ser transformados em valores actuais para efeitos de cálculo dos custos para a
determinação da solução mais económica.

5.7 UM EXEMPLO: BARRAGEM DE MASSINGIR


Em 1989-90 realizou-se um estudo hidrológico e hidráulico da barragem de Massingir,
integrado no estudo geral da reabilitação da barragem. A informação hidrológica recolhida
posteriormente ao ano do projecto inicial da barragem (1965) permitiu que o estudo
hidrológico fosse refeito, tendo-se determinado um novo hidrograma da cheia de projecto
em que o caudal máximo afluente era o dobro do considerado no dimensionamento do
evacuador de cheias.

Este agravamento das cheia de projecto foi parcialmente compensado por uma melhor
estimativa da folga que se conclui poder ser menor do que a considerada no projecto da
barragem.

Tratando-se duma barragem já existente, procura-se com o estudo do "routing" da cheia


de projecto verificar se não existiria o risco de galgamento da barragem e, ao mesmo
tempo, determinar o novo caudal no descarregador para a verificação das condições de
escoamento no canal de descarga e da dissipação de energia.
O "routing" foi feito utilizando o método de Puls com as seguintes regras de operação:
- na fase ascendente da cheia, as comportas eram abertas de forma a manter o
NPA, isto é, fazendo Qd = Qa enquanto tal fosse possível;

125
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

- a partir de certa altura, mesmo com as comportas totalmente abertas, ter-se-ia


Qd  Qa e o nível, de albufeira subia acima do NPA até atingir o nível máximo da
cheia;

- na fase descendente, as comportas mantinham-se totalmente abertas até o nível


baixar novamente até ao NPA;

- a partir daí, a abertura das comportas voltava a ser tal que Qd = Qa .

5.8 EXERCÍCIOS
Ex. 1) Uma barragem dispõe dum descarregador sem comportas composto por uma soleira WES
com um paramento de montante vertical. A carga de definição é Hd = 2.0m e o descarregador
tem uma largura de 30m. A curva dos volumes armazenados acima da crista da soleira é dada na
tabela seguinte:

h(m) 0 0.25 0.50 0.75 1.00 1.50 2.00 2.50 3.00 3.50
S(Mm3) 0 0.16 0.41 0.73 1.09 1.92 2.88 3.93 5.08 6.30

O hidrograma da cheia de projecto é dado na tabela que se segue:

t(h) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
I(m3/s) 0 133 267 400 360 320 280 240 200 160 120 80 40 0

Determine os hidrogramas h(t ) , S(t ) e Qd (t ) , o volume de encaixe e o nível de máxima cheia


NMC.

Ex. 2) Repita o problema anterior considerando que no ínicio da cheia o nível da albufeira estava
0.50m abaixo da crista da soleira e que tal representa um volume adicional de encaixe de
0.25Mm3.

Ex. 3) Suponha que, para a cheia de projecto dada no Ex.1, pretendia dimensionar uma soleira
descarregadora tipo WES. Explique detalhadamente como iria determinar a largura mínima da
soleira para que o NMC não excedesse em mais de 1.50m o NPA.

Ex. 4) O estudo de dimensionamento duma barragem de armazenamento conduziu aos seguintes


valores:
- curva de volumes armazenados S = 0.43h1.22
- volume morto 1.5 Mm3
- capacidade útil 10.2Mm3
-cheia de projecto

t(h) 0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30
Q(m3/s) 0 65 250 430 500 375 250 150 75 30 0

a) determinar o NME e o NPA

126
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

b) determine o NMC considerando um descarregador com as seguintes características

- 2 comportas com vãos de 8m e altura de 4m (crista da soleira a NPA-4)

-regras de abertura das comportas:


abaixo de NPA+0.2m- comportas fechadas
de NPA+0.2 a NPA+0.5- abertura de 0.5m
de NPA+0.5 a NPA+1.0- abertura de 1.0m
de NPA+1.0 a NPA+1.5- abertura de 2.0m
de NPA+1.5 a NPA+2.0- abertura de 3.0m
acima de NPA+2.0- abertura total.
Tome-se t = 3h . Trace os hidrogramas h(t ) , S (t ) , Qd (t ) .

Ex. 5) Nas mesmas condições do exercício anterior, procure modificar as regras de operação de
forma a obter um NMC mais baixo.

Ex. 6) Proponha a forma como iria operar a barragem descrita no ex. 4 se soubesse da ocorrência
da cheia de projecto com 6 horas de antecedência. Trace os hidrogramas h(t ) , S(t ) , Qd (t ) .

127
Cap. V - PROPAGAÇÃO DE CHEIAS EM ALBUFEIRAS

5.9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARA LEITURA


ADICIONAL
• Relatório do CEE/UP- "Flood design and flood routing for Massingir reservoir"- 1990

• VAZ, A. C., M.I. GONCALVES 1991-"Modelo de simulação da exploração da albufeira de


Massingir"- V SILUB, Rio de Janeiro, 1991.

128
Cap. VI – ORGÃOS HIDRÁULICOS

CAPÍTULO 6 – ORGÃOS
HIDRÁULICOS

129
Cap. VI – ORGÃOS HIDRÁULICOS

6 ORGÃOS HIDRÁULICOS

130
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

CAPÍTULO 7 –
TRANSPORTE DE
SEDIMENTOS

131
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7 TRANSPORTE DE SEDIMENTOS
7.1 INTRODUÇÃO – EROSÃO DO SOLO
A crosta terrestre está em constante remodelação devido a vários processos físico
químicos. Neste contexto, o solo dos continentes está sujeito a um lento, mas continuo,
processo de erosão de que são principais responsáveis o vento e sobretudo, a água.

A energia cinética duma gota de água de massa “m” que cai com uma velocidade “v” é
mv2/2. Sabendo que, para o caso da chuva forte, as gotas de água têm um diâmetro
médio de 1.5 mm e caem com uma velocidade de 5 – 6 m/s, vê-se que uma só gota
transmite ao solo uma energia de aproximadamente 2x10-4 Joules. Grande parte desta
energia é usada para desagregar a estrutura do solo, libertando as partículas mais
pequenas.

Para além deste efeito (que é normalmente, minimizado pela vegetação, pois esta
absorve a energia cinética da chuva), quando a intensidade da precipitação é maior que a
capacidade de infiltração gera-se um escoamento superficial que, além de arrastar os
materiais finos levantados pelo impacto das gotas, tem também um certo poder erosivo.
Este poder erosivo do escoamento superficial aumenta com a altura do escoamento e
com a inclinação da encosta. Uma situação vulgar é o facto de a erosão do solo numa
encosta aumentar com a distância à medida que a inclinação aumenta e diminuir (ou
haver até deposição de sedimentos) na zona do sopé onde a inclinação é pequena,
conforme se pode ver na Figura 7-1, adaptada de DUNNE e LEOPOLD 1978.

Figura 7-1 - Evolução da erosão e deposição dos solos com a inclinação do terreno

Enquanto a água não abre caminhos privilegiados ao longo da encosta o escoamento


superficial é laminar embora o facto de considerar-se uma lâmina de água uniforme sobre
o solo seja uma idealização. No entanto, como o efeito em termos de erosão é o da
remoção duma camada aproximadamente uniforme do solo, aceita-se esta idealização e
designa-se este tipo de erosão como erosão por lâmina de água. À medida que a água se
concentra em caminhos privilegiados (linhas de agua), criam-se regos e sulcos dando
132
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

origem a uma erosão localizada mais intensa designada por erosão por sulcos. Os sulcos
podem ir desde alguns centímetros em largura e profundidade e poucos metros de
comprimento até alguns metros de profundidade com dezenas de metros de largura e
quilómetros de comprimento, o que normalmente designa-se por ravinas e cria áreas
degradadas (Figura 7-2).

Figura 7-2 – Erosão por sulcos (esquerda) e Ravinamento de encostas (direita)

A erosão por sulcos tem normalmente uma importância reduzida em comparação com a
erosão por lâmina de água em termos de quantidade de solo removido. Ela é mais
pronunciada em zonas de construção urbana, aterros e escavações de estradas, ou
zonas de exploração mineira devido à remoção da cobertura vegetal e da camada
superficial do solo (mais permeável), compactação e impermeabilização do solo e criação
de taludes com grandes inclinações. O Quadro 7-1, adaptado de LENCASTRE e
FRANCO 1984, dá valores de erosão medidos em alguns locais, valores que se devem
utilizar apenas a título meramente indicativo.
Quadro 7-1 - Alguns valores de erosão do solo
Utilização do solo Perdas por erosão (ton/ha/ano)
Floresta intacta 0.004 – 0.200
Mata protegida 0.022 – 0.180
Ervas e arbustos 3.0 – 4.0
Pastagens naturais muito consumidas 29.0 – 170.0
Pastagens cultivadas 0.022 – 0.450
Alqueire nu 150 – 200
Cultura de milho 10 – 160
Cultura de arroz (de encosta) 1 – 25
Cultura de amendoim ≈ 14
Estradas rurais ≈120
Estradas florestais 17 – 66

Parte do material resultante da erosão do solo acaba por se depositar na própria encosta
de origem ou em valas de drenagem pluvial. Outra parte, no entanto, atinge linhas de
água e os rios constituindo uma parcela do respectivo caudal sólido. A parcela restante do
caudal sólido é composta pelo material resultante da degradação das rochas do próprio
leito e, embora em quantidade pouco significativa, do transporte eólico.

133
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.2 IMPORTÂNCIA DO PROBLEMA DE TRANSPORTE DE


SEDIMENTOS
Quando um rio tem o seu leito em zonas de aluvião, ele é designado como rio aluvionar.
Normalmente, os troços terminais dos rios são aluvionares. Em Moçambique, os troços
aluvionares são muito importantes nas bacias do sul e centro e no rio Zambeze, tendo
menor dimensão no norte do País.

Nos rios aluvionares há uma grande interacção entre o rio e a planície onde ele se move:
no imediato, o escoamento é determinado pelas condições do leito (e da planície de
cheias); em períodos longos, de dezenas e centenas de anos, o leito e a própria planície
são “criados” e modificados pelo escoamento do rio e pelos sedimentos que este
transporta.

Quando não sofrem interferência humana em escala significativa, os rios aluvionares


estão normalmente numa situação de equilíbrio dinâmico, isto é, as condições em que se
processa o escoamento mantêm-se estáveis ao longo de grandes períodos de tempo
embora haja sucessivas pequenas modificações para a manutenção desse equilíbrio.
Esse equilíbrio dinâmico significa, frequentemente, que ao longo do seu curso o rio tem
uma capacidade de transporte igual à carga de sedimentos e que, na parte terminal, essa
capacidade de transporte diminui, originando a deposição de sedimentos e a formação
dos deltas. Quando por qualquer razão as condições (do escoamento, dos sedimentos) se
alteram, o rio reage modificando as suas características morfológicas (inclinação, secção,
meandros, etc.)

Pode referir-se como exemplo o caso do rio Nilo. Ao longo de muitas centenas de anos, o
Nilo transportou sedimentos que se foram depositando junto à foz formando o famoso
Delta do Nilo. Quando em princípios da década de 60 a barragem de Assuão entrou em
funcionamento, grande parte dos sedimentos passou a ficar retido na barragem o que
teve por consequência o início dum processo de erosão do Delta do Nilo.

É por isso importante reter a noção de que um rio aluvionar transporta água e sedimentos
e que o rio reage a qualquer modificação profunda das condições quer do caudal líquido,
quer do caudal sólido.

O interesse de estudo do problema de transporte dos sedimentos é, portanto, muito


grande pois ele serve de base para dar resposta a muitos problemas práticos de
engenharia hidráulica como:
− No caso de se construir uma barragem, determinar qual o volume necessário para
armazenar os sedimentos que nela se irão depositar?
− Quais as consequências de se reduzir a planície de cheias dum rio construindo
diques?
− Como devem ser protegidos os encontros e os pilares duma ponte?
− Qual o impacto de cortar meandros num rio?
− Como se deve dimensionar um canal erodível? [Assunto já tratado na disciplina de
Hidráulica]
− Ao fim de quanto tempo assoreia uma certa bacia de sedimentação?

134
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Convém desde logo salientar que o grau de precisão das respostas a estas e outras
perguntas é muito baixo, em comparação por exemplo com problemas dos escoamentos
em pressão. O conhecimento no domínio do transporte de sedimentos tem um carácter
essencialmente empírico, fundamentalmente porque a interacção dum escoamento
turbulento, ele próprio mal conhecido teoricamente, com uma fronteira que não é rígida,
sendo composta por sedimentos que podem ser arrastados, é extremamente complexa,
não podendo ser representada por equações simples.

A maioria dos conhecimentos baseia-se, por isso, em experiências e medições quer no


campo, quer em laboratório. Esta situação é agravada pelo facto de ser bastante mais
complicado medir caudal sólido do que caudal liquido (o que faz com que o número de
medições de caudal sólido disponíveis seja relativamente reduzido), do número de
variáveis intervenientes no transporte de sedimentos ser mais elevado do que para o
caudal liquido e devido à dificuldades subsistentes mesmo em laboratório (equipamento
mais caro, problemas de escala para modelos reduzidos). No estudo do transporte de
sedimentos considera-se satisfatória uma estimativa, que dê um valor entre metade e o
dobro do valor real.

No estudo do transporte de sedimentos interessa conhecer:


− A caracterização dos sedimentos;
− As condições de início de movimento;
− Os mecanismos de transporte;
− As formas de fundo;
− A resistência aluvionar;
− As fórmulas de cálculo do material transportado;
− Os métodos de previsão de modificações morfológicas;
− Os métodos de medição de transporte de sedimentos.

Estes tópicos irão ser introduzidos nos pontos seguintes.

7.3 ESCOAMENTOS EM REGIME PERMANENTE


Nesta introdução aos problemas do transporte de sedimentos apenas se tratara dos
escoamentos com superfície livre em regime permanente (uniforme ou variado) que é
uma aproximação suficiente para grande número de problemas práticos neste domínio.
Neste tipo de escoamentos o caudal pode ser calculado por fórmulas verificadas pela
experiência, as mais utilizadas das quais são as fórmulas de Chézy e de Manning –
Strickler.
Fórmula de Chézy Eq. 1
Formula de Manning – Strickler Eq. 2
Nestas fórmulas, o significado das variáveis intervenientes é bem conhecido. Q é o
caudal, A é a área da secção, R é o raio hidráulico, J é a inclinação da linha de energia
(que coincide com a inclinação do leito no caso do movimento uniforme) e C e n são
coeficientes que exprimem as condições de resistência do leito ao escoamento.

135
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

C é o coeficiente de Chézy que é, de facto, um coeficiente de escoamento visto que Q


aumenta com C. o seu valor é habitualmente obtido por fórmulas como as seguintes:
Eq. 3

Eq. 4
Em que Kb e Kk dependem apenas das condições do leito. Note-se que C depende, para
além disso, do raio hidráulico e portanto, da altura do escoamento.
Em leitos aluvionares, no entanto, é preferível calcular C pela fórmula de COLEBROOK –
WHITE.
Eq. 5
Ks é um coeficiente de rugosidade cujo valor é igual ao diâmetro médio das partículas no
caso de sedimentos com granulometria aproximadamente uniforme.
Quando a granulometria não é uniforme deve tomar-se para Ks um valor entre D65 e D90.

Por outro lado, quando o leito não é


liso mas apresenta ondulações
(rugas e dunas, como se verá mais
adiante), deve-se tomar para Ks um
valor entre 0.5 e 1 da altura hr da
ruga ou duna, Figura 7-3.

Figura 7-3 - Escoamento sobre um leito de dunas

O valor do  tem a ver com o conceito duma subcamada viscosa onde os efeitos da
viscosidade predominam sobre os da turbulência.  é a espessura dessa camada que
normalmente só influencia o escoamento e o valor de C quando a rugosidade Ks é muito
baixa (da ordem de 0.1 mm). Com base numa formulação teórica apresentada por
PRANDTL, chega-se a:
Eq. 6
Eq. 7
Em que  é a viscosidade cinemática da água e u é a velocidade de atrito junto ao fundo,
*

dum ponto muito próximo do leito (distância ao leito de aproximadamente 0.015).


Diz-se que um leito é hidraulicamente liso ou hidraulicamente rugoso quando ocorrem as
seguintes condições:

• Hidraulicamente liso: Ks < 0.1


• Hidraulicamente rugoso: Ks > 6

Para o cálculo de C, porém, pode-se desprezar a parcela 0.3 se Ks > 2.5.

Para a utilização da fórmula de Manning – Strickler o coeficiente de rugosidade n é


apresentado em tabelas, figuras e fotografias como nos livros de VEN TE CHOW (Open
Channel Hydraulics, Mc Graw Hill, 1959) ou de FRENCH (Open Channel Hydraulics, Mc
Graw – Hill, 1985). Como, no entanto, esse coeficiente não permite considerar duma
136
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

forma simples o efeito das formas de fundo na resistência ao escoamento, prefere-se


trabalhar com a fórmula de Chézy com o valor de C dado pela fórmula de Colebrook –
White.

7.4 CARACTERÍSTICAS DOS SEDIMENTOS


Importa referir algumas características dos sedimentos que influenciam o transporte. São
elas:
− O tamanho;
− A forma;
− A densidade;
− A velocidade de queda;
− A porosidade.

7.4.1 Tamanho
A Quadro 7-2 apresenta a classificação das partículas conforme o seu tamanho de acordo
com as propostas de Hans – Albert Einsten e da American Geophysical Union.

Quadro 7-2- Classificação de partículas pelo tamanho


Classificação de H. A. Einstein
Diâmetro Designação
< 0.5  Colóides
0.5  - 5  Argila
5  - 64  Silte
64  - 2 mm Areia
> 2 mm Cascalho, Calhaus
Classificação da AGU
Diâmetro Classe
0.24  - 0.5  Argila muito fina
0.5  - 1  Argila fina
1-2 Argila média
2-4 Argila grossa
4-8 Silte muito fino
8  -16  Silte fino
16  - 31  Silte médio
31  - 62  Silte grosso
62  - 125  Areia muito fina
125  - 250  Areia fina
250  - 0.5 mm Areia média
0.5 mm – 1 mm Areia grossa
1 mm – 2 mm Areia muito grossa
2 mm – 4 mm Cascalho muito fino

137
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

4 mm – 8 mm Cascalho fino
8 mm – 16 mm Cascalho médio
16 mm – 32 mm Cascalho grosso
32 mm – 64 mm Cascalho muito grosso
64 mm – 130 mm Calhau (rolado) pequeno
130 mm – 250 mm Calhau (rolado) grande
250 mm – 0.5 m Calhau pequeno
0.5 m – 1 m Calhau médio
1m–2m Calhau grande
2m–4m Calhau muito grande

Ambas as classificações tomam como base um diâmetro das partículas mas como as
partículas não são esféricas podem-se dar várias definições de “diâmetro”.
− Diâmetro do crivo D – é a dimensão do menor crivo de malha quadrada que deixa
passar a partícula;
− Diâmetro de sedimentação Ds – é o diâmetro duma esfera com a mesma
densidade e a mesma velocidade de sedimentação (no mesmo liquido e a mesma
temperatura) do que a partícula;
− Diâmetro nominal Dn – é o diâmetro duma esfera com volume igual ao da partícula.

A determinação do tamanho das partículas faz-se:


− Por medição directa para cascalho grosso, calhau rolado e calhau;
− Por crivagem para cascalho fino e areia;
− Por sedimentação ou análise microscópica para silte e argila.

O processo de crivagem é bem conhecido e permite estabelecer a fracção de material


que fica retida em cada crivo. Normalmente utilizam-se séries de crivos que a abertura da
malha dum crivo é vezes maior do que a do crivo precedente.
O processo de sedimentação é especialmente adequado para partículas com dimensão
entre 5 e 50  (silte). Nessa gama de dimensões, é valida a lei de Stokes para a
velocidade da queda:
Eq. 8
Em que W é a velocidade de queda e Δ é a densidade submersa relativa do sedimento.
Note-se que W depende também da forma da partícula.
Eq. 9
Sendo ρs é a massa especifica do sedimento
ρw é a massa especifica da água.
Utilizando aparelhos especiais que permitem medir a velocidade de queda, Ds é obtido
pela lei de Stokes.
Qualquer dos processos utilizados conduz a uma curva granulométrica dos sedimentos
(ver figura 6.3). A partir dela podem definir-se os seguintes diâmetros característicos:
− Diâmetro médio ou em que pi é a percentagem do material com
diâmetro Di. Di é a média geométrica das dimensões dos crivos que limitam a
fracção i, Disup e Diinf.

138
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

se os crivos se sucederem numa razão .


− Diâmetro Dp – percentagem da amostra que passa no crivo com dimensão Dp
− Diâmetro mediano: D50
− Diâmetro geométrico médio

Define-se também o desvio padrão geométrico . Frequentemente, a curva


granulométrica ajusta-se a uma distribuição log-normal com média igual a log D50 e desvio
igual a log g.
Admitindo que a curva granulométrica se ajusta a uma distribuição log – normal, quando
apenas se disponha do valor D50 e seja necessário estimar outros diâmetros Dp para
entrada em fórmulas de transporte sólido, pode arbitrar-se g = 2. Com esse valor de g, a
distribuição log – normal dá os seguintes valores de Dp:
D90 2.43D50
D84 2D50
D65 1.31D50
D35 0.77D50
D16 0.5D50
D10 0.41D50

Exemplifica-se a obtenção de D90:


F(z) = 0.90
→ z90 = 1.282 (da tabela de distribuição normal)
log D90 = log D50 + z90*log g = log D50 + 1.282*0.301
→ D90 = D50*10(z90*logϬg) = D50*10(0.386) = 2.43D50

139
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-4 – Curva Granulometrica

140
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.4.2 Forma

A forma da partícula é uma característica importante, pois é fácil de prever que uma
partícula achatada irá ter uma velocidade de queda superior a de uma partícula esférica e
tem mais dificuldade em ser arrastada do que esta.

A forma duma partícula pode ser caracterizada por diversos parâmetros:


− Esfericidade – é a razão entre as áreas superficiais duma esfera (com volume igual
ao da partícula) e da partícula;
− Factor de forma, sf (shape factor) = em que a, b, c são as dimensões segundo
três eixos ortogonais, sendo “a” a maior e “c” a menor dimensão. Para uma esfera
sf=1; para areia sf≈0.7. o factor de forma sf é o parâmetro habitualmente utilizado
nas aplicações práticas.

Figura 7-5 - Formas típicas de partículas em função da relação entre as suas dimensões a,b e c.

7.4.3 Densidade
A maior parte dos sedimentos tem origem na meteorização e desintegração de rochas: as
argilas provem de micas e feldspatos, os siltes e as areias do quartzo e o cascalho e os
calhaus são fragmentos da rocha original.
A densidade da maioria dos sedimentos (D < 4 mm) varia entre limites bastante estreitos
da ordem de 2500 – 2700 kg/m3, podendo adoptar-se o valor de 2650 kg/m3 que é a
densidade do quartzo.

7.4.4 Velocidade de queda


A velocidade de queda é um parâmetro importante no estudo da suspensão e deposição
de sedimentos. Ela é definida pela equação que estabelece o equilíbrio entre a força de
gravidade e a resistência do escoamento.

Eq. 10

141
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Em que CD – coeficiente de arrastamento (drag coefficient)


W – velocidade da queda

Daqui se tira
Eq. 11
CD depende do factor de forma das partículas e dum número de Reynolds da partícula,
.
Para partículas esféricas e Re < 0.1, verifica-se que

A lei de Stokes é normalmente valida para partículas finas, D < 50  (silte).


Para partículas grosseiras (D> 5 mm, areia grossa), CD é constante, o que faz com que W
varie com (ΔgD)1/2. Assim, W é essencialmente uma função duma potência de D com
expoente entre ½ e 2. A figura 6.6, apresentada em ALBERTSON 1953, dá a variação de
CD com Re para partículas não esféricas.

Figura 7-6 - Coeficiente de arrastamento vs número de Reynolds.

142
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-7 - Velocidade de queda em função do diâmetro e do factor de forma

143
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

A Figura 7-7, adaptada de Cardoso (1998), dá directamente a velocidade de queda em


função do diâmetro da partícula e do factor de forma, para partículas de quartzo caindo
em água destilada parada.

7.4.5 Porosidade

Ao estimar a vida útil duma albufeira ou em casos semelhantes, o peso do sedimento


transportado para a albufeira tem de ser transformado em volume. Para isso, tem de se
estimar a densidade seca (bulk density) ρb.
O volume ocupado por sedimentos depende das condições de deposição e pode ser uma
função do tempo (consolidação). Por exemplo, um sedimento que, em condições normais
tem uma densidade de 1200 – 2000 kg/m3, quando depositado em condições
continuamente submersas pode ter uma densidade seca muito mais baixa, da ordem de
300 – 1000 kg/m3.

A densidade seca está relacionada com a densidade do sedimento através de


. Em que ε é a porosidade. Pode tomar-se para ε o valor médio de 0.4

NOTA ADICIONAL: Velocidade de queda

VAN RIJN 1984b apresenta as seguintes expressões para a velocidade de queda W


duma partícula de areia isolada caindo em água limpa e parada.
Eq. 12

Eq. 13

Eq. 14

Ds é um diâmetro representativo da partícula para suspensão/sedimentação que, segundo


Van Rijn, pode ser expresso por:

Eq. 15

Em que T é um parâmetro adimensional representativo do transporte de sedimentos (ver


ponto 8.5). Normalmente, T < 25 o que faz com que Ds < D50.

As expressões acima correspondem, com muito boa aproximação, as partículas com um


factor de forma sf = 0.7.

144
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.5 INÍCIO DO MOVIMENTO DAS PARTÍCULAS

7.5.1 Critério de Shields


A estabilidade duma partícula do leito dum rio é afectada quando as forças do movimento
(força de arrastamento, força de levantamento, força de viscosidade agindo sobre a
superfície da partícula) se tornam superiores às forças estabilizadoras como a gravidade
e a coesão. Note-se que a coesão apenas adquire importância para sedimentos argilosos
ou siltosos e para areias finas com elevado teor de silte.
Estas forças têm de ser expressas em termos de grandezas conhecidas como as
velocidades e as tensões tangenciais no leito. Tratando-se habitualmente do escoamento
turbulento, as forças terão grandes flutuações o que faz com que o inicio do movimento
tenha uma definição de base probabilística.
Considere-se para ilustração o caso do equilíbrio duma partícula no leito dum rio,
considerando nula a coesão e desprezando as forças de viscosidade. As forças do
movimento a considerar serão então a força de arrastamento (drag force) e a força de
levantamento (lift force) enquanto que a acção estabilizadora é exercida pela forca de
gravidade, figura 6.8.

A força de arrastamento
corresponde à acção exercida
pelo escoamento sobre o leito
igual à reacção que é a força de
K resistência que o leito transmite
K2 ao escoamento. A força de
1
levantamento tem a ver com a
turbulência do escoamento e com
o processo de transferência de
quantidade de movimento na
direcção vertical.
Figura 7-8 - Equilíbrio no inicio do movimento.
A resultante destas duas forças, F, é proporcional à tensão tangencial no leito, 0,
desenvolvida na área da superfície da partícula. Tomando momentos em relação ao ponto
S em torno do qual a partícula começara a rodar para iniciar o movimento ter-se-á:

Eq. 16
Ou

Eq. 17

Em que C é um coeficiente que depende das condições de escoamento junto do leito, da


forma da partícula, da posição da partícula em relação a outras partículas, etc.
A tensão tangencial no leito é (para canais rectangulares de grande
largura)
As condições de escoamento junto do leito podem ser descritas em função dum
parâmetro que é a razão entre o diâmetro das partículas e a espessura da subcamada
viscosa, :

145
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Eq. 18

Re* é designado como um número de Reynolds de atrito.


Portanto, C=f(Re*). Então a expressão (Eq. 17) pode escrever-se sob a forma:

Eq. 19

Designando o estado em que se inicia o movimento por critico, ter-se-á


correspondentemente 0cr, u*cr e cr. A condição do movimento é então:

Eq. 20

Esta relação foi sistematicamente estudada por muitos investigadores, mas


especialmente por SHIELDS, razão por que o parâmetro , definido por (Eq. 19), é
designado como parâmetro de Shields. Uma grande dificuldade nas experiências
realizadas era a da definição de “início de movimento” – seria quando a primeira partícula
se movia (enorme dispersão de resultados) ou quando se moviam bastantes (quantas?).
Shields resolveu o problema correlacionando 0 com a quantidade de sedimento
transportada e extrapolando para transporte nulo para obter 0cr.

A Figura 7-9 apresenta a curva de Shields com a representação dos resultados


experimentais utilizados na sua derivação. Pode-se ver que, independentemente do valor
de Re* não há movimento das partículas se  < 0.03 e que, para valores altos de Re* (>
400), cr toma o valor constante de aproximadamente 0.06. No entanto os resultados
experimentais apontam para um valor mais baixo, cr = 0.046.

A utilização directa da curva de Shields não é muito prática porque u* aparece tanto em
abcissas como em ordenadas exigindo um processo iteractivo. Foram feitas ao longo do
tempo várias tentativas de transformação da curva de Shields numa versão mais fácil de
utilizar, de forma a obter 0cr e u*cr directamente em função do diâmetro das partículas,
uma das transformações foi proposta por BREUSERS 1980, mas exige a fixação a prior
dos valores de ρs e  e, portanto, só é valida para essas condições. A Figura 7-10,
reproduzida de BREUSERS, apresenta essas curvas de 0cr e u*cr = f (D) para ρs = 2650
kg/m3 e  = 10-6 m2/s.

146
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-9 - Diagrama de Shields para inicio de movimento (Fonte: Vanoni, 1964).

147
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-10 - Curva de T0cr, u*cr em função do diâmetro, para valores de  = 2650kg/m3 e =10-6 m2/s

148
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Outros autores estudaram alternativas para o uso universal da transformação da curva de


Shields para ser independente do valor de ρs e . Estes autores usaram a relação tensão
crítica e o número de Reynold de corte para deduzir o diagrama de Shield onde só
intervêm estes dois parâmetros, permitindo assim uma leitura directa de entre as
publicações mais importantes salientam-se Brownlie (1981).

Como visto por Vanoni (1964), o diagrama de Shields não é de leitura prática porque para
saber o valor do parâmetro de Shields bcr há que saber a velocidade de corte antes
. Para encontrar-se a relação numa forma explícita podemos fazer o gráfico do
parâmetro de Shields versus Rep.

Eq. 21

Onde é o peso específico submerso dos sedimentos.

Brownlie usou esta relação para converter o diagrama origial de Shield num novo onde
somente intervêm versus Rep. Diagrama similares onde somente se usa o D* ao invés
de Rep foram desenvolvidos por diversos autores de entre eles Bonnifille (1963),
Smith(1977), van Rijn (1984), Garcia e Maza (1997) e Soulsby e Whitehouse (1997). A
curva útil de ajustamento aos dados do diagrama de Shields, segundo Brownlie (1961), é
dada por:

Eq. 22

Com esta equação pode-se determinar o valor do parâmetro de Shields quando são
conhecidas as propriedades da água e dos sedimentos. Para estar do lado da segurança
os valores dados na equação anterior devem ser divididos por 2 para uso em projectos de
engenharia, o que resulta na seguinte equação:

Eq. 23

Esta equação é apresentada na figura 6.11 que mostra o diagrama de Shields modificado,
e são dados também os tamanhos de sedimentos variando desde silte, areia a areão.

149
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-11 - Digrama de Shields modificado (Parker 2005)

Para sedimentos finos (silt e mais pequenos), o diagrama de Shields não oferece
resultados fiáveis. Mantz (1977) conduziu uma série de experiências e observou que para
sedimentos muitos finos, não coesivos a tensão crítica de corte pode ser estimada como
sendo:

esta relação é válida para 0.056<Rep<3.16

As duas expressões convergem para Rep = 4.22

Van Rijn 1984ª sugeriu as seguintes expressões matemáticas para os vários troços da
curva de Shields:
D* cr
4 0.24/D*
4 – 10 0.14D*-0.64
10 – 20 0.04D*-0.10
20 – 150 0.013D*0.28
> 150 0.055

7.5.2 Critério de Lane


Uma outra aproximação que já foi usada em tempo é devida a Lane, proposta para
materiais não coerentes grosseiros, em que a tensão tangencial crítica 0cr pode ser
obtida aproximadamente por:
Eq. 24

Observação – a expressão dimensionalmente correcta é com 0cr em N/m2 e D75 em cm.


Esta condição é valida para canais rectangulares e materiais com densidade ρs = 2650
kg/m3, sendo necessário introduzir as seguintes correcções quando essas condições não
se verificam:

150
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

− Multiplicar 0cr por quando ρ’s≠ 2650 kg/m3;


− Multiplicar 0cr por 0.90 (canal ligeiramente sinuoso), por 0.75 (canal medianamente
sinuoso) ou por 0.60 (canal muito sinuoso).

Para materiais não coerentes finos, Lane apresenta valores (ver tabela abaixo) 2 a 4
vezes superior aos indicados por Shields para 0cr em águas limpas.

D50 (mm) 0.1 0.2 0.5 1.0 2.0 5.0


0cr (N/m2) 1.2 1.3 1.5 2.0 2.9 6.8

7.5.3 INFLUENCIA DOS VÁRIOS FACTORES NO INÍCIO DO MOVIMENTO

7.5.3.1 Efeito do critério


É obvio que o valor de 0cr irá depender do critério definido para o inicio do movimento.
Para dispor dum critério objectivo, NEIL propôs em fins da década de 60 que se utilizasse
o parâmetro adimensional:

Eq. 25

Em que n é o numero de grãos deslocados por unidade de área e por unidade de tempo.
A curva de Shields corresponde aproximadamente a N=15*10-6.

7.5.3.2 Efeito de forma da partícula


Testes sistemáticos realizados no laboratório de hidráulica DELFT (Holanda) com
partículas de formas diversas mostraram que a forma não afecta o valor de cr desde que
se trabalhe com o diâmetro nominal.

7.5.3.3 Efeito de granulometria não uniforme


A experiência tem mostrado que este efeito não é significativo se D95/D5 < 5, situação em
que o diâmetro mediano D50 representa adequadamente a amostra para efeitos de
estudo do inicio de movimento. Se, porém, D95/D5 > 5 poderá ocorrer um efeito de
armadura (armoring): inicialmente, as partículas mais finas são arrastadas ficando apenas
as partículas mais grosseiras que formam uma camada resistente à erosão, protegendo
as partículas finas mais abaixo e evitando a progressão da erosão.

7.5.3.4 Efeito de h/D


Para valores baixos de h/d há tendência de haver um afastamento da curva de Shields
porque 0 deixa de representar correctamente a estrutura do escoamento turbulento.
Basicamente, um pequeno valor de h não permite um completo desenvolvimento dos
vórtices, limitando o tamanho e a frequência dos grandes vórtices. Nesta situação, o
sedimento é mais estável do que o indicado pela curva de Shields.
151
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.5.3.5 Efeito da inclinação do leito –


Para uma partícula num leito horizontal, a força de arrastamento do escoamento que
equilibra a força de resistência devido à gravidade é:
Eq. 26

Em que  é o ângulo de atrito interno do material. Para um leito com inclinação  na


direcção do escoamento, o equilíbrio da partícula é expresso pela igualdade:

Eq. 27

Daqui se tira que:


Eq. 28

Figura 7-12 - Estabilidade num leito inclinado

Portanto, para entrar em conta com a inclinação do leito é preciso multiplicar 0cr(0) por
k() dado pela equação (28).

7.5.3.6 Efeito de inclinação dos taludes


Numa secção trapezoidal ou triangular as partículas situadas nos taludes são menos
estáveis do que as situadas no leito. Se o ângulo do talude com a horizontal for , então o
peso G da partícula terá:
− Uma componente estabilizadora N = G cos
152
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

− Uma componente desestabilizadora T = G sin

A resultante das forças desestabilizadoras será:

Eq. 29

O equilíbrio no início do movimento impõe que:

Eq. 30

Eq. 31

Chega-se então a:

Eq. 32

Se houver uma combinação da inclinação do talude com a inclinação do canal é preciso


reduzir o valor da tensão tangencial critica multiplicando 0cr (0) por k() e por k().

7.5.4 Materiais coerentes


Se o material erodível tiver coesão, a sua resistência à erosão aumenta, embora seja
necessário notar que a resistência duma argila depende bastante da composição química
dos minerais que a compõem. O Quadro 6.3 foi apresentada em LANE 1953, dando
valores de 0cr em N/m2.

Quadro 7-3 - valores de 0cr para materiais coerentes


Muito pouco Pouco Muito
Compactado
compactado compactado compactado
Argilas
arenosas (< 2 8 16 30
50% de areia)
Solos muito
1.5 7 15 27.5
argilosos
Argilas 1.2 6 13.5 26
Argilas muito
1 4.5 10.5 17
finas

7.5.5 Estabilidade de blocos (Enrocamento)


É muito comum a utilização do enrocamento – que pode ir desde cascalho grosseiro a
blocos pesando poucas centenas de quilogramas – para protecção de obras contra a
erosão de água como é o caso dos taludes da montante de barragens de terra, de zonas
a jusante de descarregadores de cheia e de descargas de fundo ou de encontros de
pontos.
Se se adoptar o valor “seguro” de cr = 0.03 para o parâmetro de Shields e se tomar Ks =
2D (atendendo à grande rugosidade dos calhaus), obtêm-se:
153
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Eq. 33

Como virá Eq. 34

Eq. 35

Note-se que a expressão (35) não se aplica ao dimensionamento do enrocamento de


protecção dos taludes de montante de barragens de terra onde a acção da erosão não se
deve ao escoamento mas às ondas provocadas pelo vento. Ela poderá ser utilizada para
o dimensionamento do enrocamento se se substituir pela velocidade das partículas de
água na aproximação ao paramento de montante.
Alguns autores têm apresentado fórmulas para a estabilidade de blocos:

ISBASH (1935) Eq. 36

GONCHAROV Eq. 37

LEVI Eq. 38

MAYNORD (1978) Eq. 39

Estas fórmulas (36) a (39) não tomam em consideração a turbulência adicional gerada por
grandes blocos pelo que as velocidades médias críticas devem ser reduzidas.
BREUSERS 1980 sugere uma redução de 30% no valor de . Finalmente, há que notar
que nas fórmulas (36) – (39) D e h devem ser expressas em metros, vindo em m/s.

154
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.6 MECANISMOS DE TRANSPORTE


A partir da altura em que se alcançam as condições de inicio do movimento, como se viu
no tópico anterior, o escoamento começa a transportar partículas de material do leito.
É conveniente distinguir dois mecanismos fundamentais de transporte de sedimentos
embora a fronteira entre eles não seja rígida. Esses mecanismos são o transporte por
arrastamento (bed load) e o transporte em suspensão (suspended load).

No transporte por arrastamento as partículas que constituem o leito e sem perderem o


contacto com este. Por vezes, devido à componente vertical das forças de turbulência, as
partículas realizam pequenos saltos com uma altura de 2 – 3 vezes a dimensão da
partícula, retomando imediatamente o contacto com o leito (transporte por saltação). Em
geral, devido ao carácter estocástico das flutuações de pressão e velocidade no
movimento turbulento aleatório, as partículas transportadas alternam períodos em que se
deslocam com outros períodos em que se mantêm paradas, muitas vezes de baixo de
outras partículas que se deslocam posteriormente. A velocidade da deslocação é, por
isso, muito irregular e com valor médio bastante inferior ao da velocidade de escoamento.

No transporte em suspensão as partículas sólidas são deslocadas no seio da água, sem


contacto com o leito, sendo sustentadas pelos componentes verticais das forças de
turbulência que contrariam a tendência para a deposição por acção de gravidade. Um
critério geralmente utilizado para marcar o início do transporte em suspensão é o de:

Eq. 40

Em que W é a velocidade de queda. A Figura 7-13, reproduzida de LENCASTRE e


FRANCO 1984, ilustra estes mecanismos de transporte.

Figura 7-13 - Transporte por suspensão e por arrastamento

155
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Quanto à origem do material transportado, distinguem-se dois tipos:

− Material do leito: pode ser transportado tanto em suspensão como por


arrastamento. Tem a sua origem no leito. O transporte esta directamente
relacionado com as condições de escoamento cujas variações podem originar
erosão do leito, sedimentação ou manutenção do transporte;

− Wash load: trata-se de partículas de pequena dimensão (< 50 ), pouco ou nada
representadas no leito. A sua origem é exterior ao troco do rio em consideração,
podendo ser a erosão do solo na bacia, material da zona de montante do leito ou
material transportado por afluentes do rio principal. O transporte do wash load não
esta relacionado com as condições locais do escoamento e apenas influencia
indirectamente o escoamento (pode alterar algo nas condições de turbulência e
viscosidade) ao passo que o transporte do material do leito tem influência directa
no escoamento, como se vera no tópico dedicado à resistência aluvionar. O wash
load é transportado apenas em suspensão e, embora não influencie praticamente o
escoamento, pode ter importância no estudo do assoreamento de albufeiras. Não
se podendo estima-lo em função das características do escoamento, o único
processo de se obter o seu valor é por medição.

Em Moçambique, há um bom exemplo desta distinção na origem do material


transportado: no troco terminal do rio Zambeze verifica-se às vezes que para caudais no
rio não muito elevados, a água apresenta-se barrenta enquanto que, noutras ocasiões,
com caudais bastantes maiores, a agua se mostra límpida. A agua apresenta-se barrenta
devido ao wash load transportado pelo rio Chire, afluente do Zambeze, transporte esse
que não esta correlacionado com as condições de escoamento do Zambeze.

156
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.7 CONFIGURAÇÕES DE FUNDO DUM LEITO ALUVIONAR


7.7.1 Descrição das configurações de fundo

O escoamento da água sobre um fundo constituído por material granular incoerente


interactua com esse fundo, através da tensão tangencial instalada, modelando-o e dando
origem à irregularidades no fundo as chamadas configurações de fundo. Estas
configurações do fundo são consequência da variabilidade do fenómeno de transporte
sólido que se verifica no sentido do escoamento e de que resultam erosões e deposições
locais.
Considerando sobre um fundo de areia inicialmente plano um escoamento com altura
constante e com velocidades sucessivamente maiores observa-se a seguinte sucessão
de configurações de fundo (desde que o tempo de permanência do escoamento com uma
dada velocidade seja suficiente para se desenvolver a correspondente configuração de
fundo):
− Leito plano sem movimento; REGIME INFERIOR DO ESCOAMENTO
− Rugas (ripples); (Fr<0.8)

− Dunas (dunes);
− REGIME DE TRANSIÇÃO (dunas em desaparecimento, configurações instáveis);
− Leito plano com movimento;
− Antidunas (antidunes); REGIME SUPERIOR DO ESCOAMENTO
(Fr>1)
− Rápidos e fundões (chutes and pools).

O conhecimento das configurações do fundo tem bastante interesse prático:


− Elas influenciam bastante a resistência do escoamento;
− O transporte de sedimentos está estreitamente relacionado com as configurações
de fundo;
− Podem influenciar a navegação fluvial.

O leito plano sem movimento corresponde a uma situação de estabilidade ou de


movimento incipiente do material do leito. O transporte sólido é muito reduzido e as
condições de escoamento em pouco diferem das correspondentes a fundo fixo.
As rugas apenas aparecem se o fundo for constituído por areia fina (D < 0.6 mm),
originando-se para velocidades do escoamento (muito) inferiores à velocidade critica. Na
formação das rugas o fundo, inicialmente plano, deforma-se espontaneamente em
presença de qualquer pequena perturbação, surgindo pequenas ondas regulares com
comprimento de onda de poucos decímetros (< 30 cm) e alturas de 1 – 3 cm. Apresentam
forma triangular com o talude de montante com menor inclinação que o de jusante o qual
se aproxima do ângulo de repouso do material. As rugas movem-se lentamente para
jusante com velocidade muito inferior à do escoamento, as rugas são naturalmente
substituídas por dunas.
Para areias com D > 0.6 mm as rugas não chegam a formar-se sendo as dunas a primeira
configuração a aparecer depois do leito plano sem movimento. Elas são a configuração
que ocorre com maior frequência podendo desenvolver-se para materiais com qualquer
granulometria e para uma larga gama de caudais. Enquanto as rugas têm uma forma
tridimensional, as dunas têm uma forma triangular bidimensional com a crista da duna
157
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

perpendicular à direcção do escoamento. As dunas têm dimensões muito superiores às


rugas podendo ter alturas da ordem de grandeza de altura de escoamento (é vulgar terem
uma altura igual a 0.2h) e comprimentos de 5 – 7 vezes a altura do escoamento. Assim,
as dunas podem ter metros de altura e dezenas de metros de comprimento por vezes, as
dunas de grandes dimensões são designadas de bancos de areia. Tal como no caso das
rugas, as dunas progridem também para jusante através dum processo em que, devido às
variações de velocidade ao longo do perfil da duna, com zonas de aceleração do
escoamento seguidas de zonas de retardamento, como se pode ver na Figura 7-14
(adaptada de SIMOND e RICHARDSON 1971), há erosões no talude de montante e
deposições no talude de jusante.

aceleração retardamento

Figura 7-14 - Escoamento sobre o leito de dunas

A progressão das dunas para jusante faz-se bastante lentamente. Tal como no caso das
rugas, o transporte sólido para dunas é bastante reduzido. Há, no entanto, diferenças
sensíveis entre rugas e dunas no que toca aos valores de Froude (Fr): as rugas ocorrem
apenas para Fr<<1 enquanto que as dunas ocorrem para valores mais altos de Fr,
predominantemente na gama 0.1 – 0.8.

Quando a velocidade do escoamento continua a aumentar, chega-se geralmente a uma


situação em que as dunas começam a ser varridas e se instala o leito plano com
movimento. Nesta situação o transporte sólido é bastante elevado. Esta configuração
surge normalmente para regimes lentos já próximos do regime critico, com Fr na gama de
0.3 – 0.8, embora se inclua no grupo das configurações do regime superior do
escoamento (Fr>1).

O regime de transição (de dunas para o leito plano com movimento) é caracterizado por
uma certa instabilidade das configurações do fundo, intimamente relacionadas com a
instabilidade do escoamento e do transporte sólido.

Continuando a aumentar a velocidade, o escoamento passa a crítico e a rápido, Fr>1. A


superfície livre do escoamento, nestas condições, torna-se instável originando uma
configuração de fundo com forma aproximadamente sinusoidal que são as antidunas (ver
Figura 7-15, também adaptada de SIMONS e RICHARDSON 1971). Ao contrário das
restantes configurações, as antidunas são instáveis variando continuamente de
geometria, crescendo inicialmente (altura em que progridem para montante) para depois
decrescerem e desaparecerem, processo que se repete ciclicamente. As antidunas
podem ter alturas ate 2 metros e comprimentos de 10 – 15 metros. O transporte sólido é
bastante elevado.

158
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-15 - Escoamento sobre um leito com antidunas.

As antidunas, como se vê na Figura 7-15, estão em fase com a superfície livre do


escoamento o que é característico das configurações do regime superior ao passo que,
no caso das dunas e rugas (regime inferior), elas não estão em fase com a superfície
livre.

Eventualmente, as antidunas atingem tal amplitude que provocam a rebentação das


ondas de superfície o que provoca a destruição das antidunas e a instalação dum leito
plano ate que qualquer nova perturbação origine um novo conjunto de antidunas. A
rebentação aumenta significativamente o transporte sólido e provoca uma grande
dissipação de energia.

Os rápidos e fundões correspondem a um aprofundamento das antidunas e surgem para


escoamentos rápidos com Fr>>1. As suas dimensões são bastante superiores às das
antidunas e são acompanhadas de rebentação das ondas de superfície. O transporte
sólido é elevado. Alguns autores incluem esta configuração nas antidunas.
A Figura 7-16, reproduzida de Garcia (2006), sintetiza a descrição atrás apresentada das
configurações de fundo.

159
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-16 - Esquematização das diferentes formas de fundo. nota: F= Nr de Froude; d = tamanho de
sedimento

160
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.8 PREVISÃO DAS CONFIGURAÇÕES DO FUNDO


Até ao presente foram tentadas duas vias para a previsão das configurações de fundo:
uma via teórica, iniciada por Exnec em 1985, e uma via semi-empírica em que se tenta
fazer a previsão das configurações em função de dois ou três parâmetros (normalmente
adimensionais), nos quais intervêm características dos sedimentos e do escoamento. A
via semi-empírica tem sido a mais prosseguida tendo dado origem a um grande número
de critérios que procuram resultados de acordo com as experiências de laboratório e
medições na natureza disponíveis.
Ultimamente, os dados de experiências e medições são registados em computador,
constituindo bancos de dados universais que permitem testar o grau de confiança que se
pode esperar das respostas dadas pelos vários critérios e assim seleccionar os critérios
mais válidos. CARDOSO 1985 realizou um estudo profundo nesse sentido, utilizando os
resultados de 977 experiências e medições e chegando a conclusão de que os critérios
preferíveis eram de Athaullah e Simons (1970) e de Cooper (1972). Apresenta-se de
seguida estes critérios assim como o proposto por Simons e Richardson (1966), por estar
baseado não apenas em experiencias de laboratório, mas também em medições em
canais e rios, e por Engelund e Hansen (1967), devido ao grande desenvolvimento teórico
em que se baseia.

7.8.1 Critério de Simons e Richardson (1966)


A figura 6.17 apresenta este critério que toma como parâmetros a potência dissipada pelo
escoamento por unidade de percurso e por unidade de perímetro molhado, 0 , e o
diâmetro mediano das partículas, D50.

Figura 7-17 - Critério de Simons e Richardson

161
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.8.2 Critério de Engelund e Hansen (1967)

Os parâmetros deste critério são e Fr.


é obtido através de:

A previsão é feita utilizando a Figura


7-18.

Figura 7-18 - Critério de Engulund e Hansen

7.8.3 Primeiro critério de Athaullah e Simons (1970)


Este critério está representado na Figura 7-19 em que os parâmetros que permitem
efectuar a previsão são o número de Froude, Fr, e o inverso da rugosidade relativa, dado
por Z=R/D50 em que R é o raio hidráulico.

Figura 7-19 - 1º critério de Attaulah e Simons

Note-se que este critério apenas faz a distinção dos regimes (inferior, transição e
superior) e não das configurações em cada regime.

162
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.8.4 Segundo critério de Athaullah e Simons (1970)


Este critério está representado na Figura 7-20 tem como parâmetros a inclinação da linha
de energia, J, e o parâmetro de Shields, . Este critério já distingue no regime inferior a
situação de rugas ou dunas da do leito plano sem movimento.

Figura 7-20 - 2º Critério de Athaullah e Simons (1970)

7.8.5 Critério de Cooper, Peterson e Blench (1972)


Este critério representado na Figura 7-21 tem como parâmetros Fr2 e . Ele permite
distinguir todas as configurações do regime inferior (rugas, dunas, leito plano sem
movimento). Tem a desvantagem de estar estabelecido para uma gama limitada de
valores de Z (Z pode ser superior a 10.103).

Figura 7-21 - Critério de Cooper, Peterson e Blench (1972)

163
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.8.6 Eficiência dos critérios na previsão das configurações


Comparando as previsões feitas pelos critérios de acordo com as condições do material e
do escoamento nas 977 experiências já referidas e as configurações observadas,
CARDOSO 1985 apresenta estatísticas sobre a correcção das previsões. O Quadro 7-4
foi adaptado desse trabalho.

Quadro 7-4 - Eficiência dos critérios na previsão das configurações.


% dos casos em que não
Critério % previsões correctas
se pode aplicar o critério
Simons e Richardson 48 22
Engelund e Hansen 44 3
Athaullah e Simons I 83 3
Athaullah e Simons II 68 2
Coopere t al 67 4

Nota adicional, previsão das configurações de fundo.

• Critério de Van Rijn

Van Rijn considera os seguintes parâmetros:

Em que com
tem como valor superior
é o valor da velocidade de atrito junto ao fundo correspondente ao início do
movimento.

A previsão é feita da seguinte forma:


− Para D* < 10 e T < 3, RUGAS;
− Para D* > 10 e T < 3, DUNAS;
− Para 3 < T < 15, DUNAS;
− Para 15 < T < 25, TRANSIÇÃO;
− Para T > 25, REGIME SUPERIOR.

Valor de T Menor que 3 entre 15 entre 25 maior

Configuração Dunas ou rugas dunas transição superior

A eficiência deste critério na previsão das configurações de fundo não foi testada pelo
autor.

164
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

• Critério de Boguchwal e Southard

Este critério usa apenas a velocidade média e o tamanho dos sedimentos para a previsão
das configurações conforme ilustra a figura.

Figura 7-22 - Descriminação das formas de fundo proposta por Boguchwal e Southard (adaptada de
Ashley 1990)

165
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.9 RESISTÊNCIA ALUVIONAR


7.9.1 Influência das configurações de fundo
As configurações de fundo têm uma enorme influência na resistência que um leito
aluvionar oferece ao escoamento. Basicamente, as configurações de fundo requerem um
dispêndio adicional de energia do escoamento. Para exemplificar, veja-se na figura 6.23 o
escoamento sobre um leito de dunas – existe uma zona onde o escoamento é acelerado
seguido duma outra de escoamento retardado. Como é sabido, o retardamento dum
escoamento provoca uma perda de carga. Esta perda de carga pode ser considerada
equivalente a uma perda de carga localizada nos escoamentos em pressão, não sendo
originada por atrito com os grãos do leito, mas sim pelo estreitamento da secção.

De todas as configurações de fundo, são as dunas as que têm maior resistência ao


escoamento. Seguem-se as rugas que obrigam o escoamento a um comportamento
similar ao do das dunas. As menores resistências encontram-se no leito plano (sem ou
com movimento) visto que nesse caso, não havendo formas no leito, a resistência ao
escoamento reduz-se à resistência dos grãos por atrito. As antidunas oferecem uma
configuração aproximadamente paralela a superfície livre mas, ainda assim, com zonas
de aceleração e retardamento. A sua resistência ao escoamento é ligeiramente superior à
dos leitos planos. No entanto, essa resistência aumenta bastante quando se trata de
antidunas com rebentação devido à dissipação de energia na rebentação. A figura 6.24,
reproduzida de COUTINHO 1984, ilustra a evolução qualitativa do coeficiente resistência
ao escoaamento Ks de Manning – Strickler num leito de areia fina em função da
velocidade num canal com diversas configurações de fundo.

Figura 7-23 - Variação do valor de resistência de Manning n com as configurações do fundo.

O Quadro 7-5 apresenta valores sugeridos por CARDOSO 1985.

166
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Quadro 7-5 - Valores de Ks e do caudal sólido em função das configurações de fundo.


Configurações de fundo Ks (m1/3/s) Caudal sólido (ppm)
Rugas 30 – 52 10 – 200
Dunas 18 – 52 100 – 1200
Leito plano com ou sem movimento 67 – 95 1500 – 3000
Antidunas sem rebentação 37 – 82 > 2000
Antidunas com rebentação 30 - 67 > 2000

Figura 7-24 - Curva de Vazão descontínua para o rio Grande de Bernalillo

A Figura 7-24, apresentada em VANONI 1977, mostra bem a influência das configurações
de fundo na vazão duma secção. Para velocidades até 2.5 pés/s (0.75 m/s), a
configuração é dunas e a curva de vazão aparece como uma recta no gráfico log – log (o
que está de acordo com a equação de Chézy ou de Manning – Strickler se se aceitar que
C ou Ks se mantêm constantes). Para entre 2.5 pés/s e 5 pés/s, a velocidade aumenta
sem aumentar o raio hidráulico e a altura do escoamento. Isso significa que tem de haver
uma correspondente variação em C e em Ks (aumento). Este aumento de C e Ks deve-se
à entrada no regime de transição onde as dunas desaparecem e dão lugar ao leito plano.
Continuando a aumentar o caudal, passam a existir antidunas e renova-se a relação
linearizada entre a velocidade e o raio hidráulico.

167
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.9.2 Cálculo da resistência aluvionar


Duma maneira geral, os métodos de cálculo da resistência aluvionar dividem a tensão
tangencial no fundo 0 ou os coeficientes de rugosidade c e f em duas partes:
− Uma correspondente à rugosidade dos grãos (0’, C’, f’) chamada arrastamento
superficial;
− Outra componente para a rugosidade da configuração (0”, C”, f”) que é nula
quando o leito é plano.

Ter-se-á então:
Eq. 41

Eq. 42

em que é o factor de resistência

Existe um grande número de fórmulas para calcular a resistência aluvionar, obtendo 0”,
C0”, f” e a partir deles, 0, C, f. As figuras 6.25 a 6.28 apresentam a aplicação das curvas
correspondentes a 7 das fórmulas mais conhecidas a 4 rios dos Estados Unidos com
alturas de escoamento variando entre 0.1 m e 3.5 m; velocidades 0.3 m/s a 3 m/s e D50 da
ordem de 0.3 mm. Pode-se ver que nenhum dos 7 modelos faz um bom ajustamento aos
valores observados em todos os quatros gráficos. Por darem um melhor ajustamento que
as restantes, vão ser apresentadas as formulas de Engelund e Hansen e de Kennedy,
Alam e Lovera. Apresenta-se também a fórmula posteriormente sugerida por Van Rijn.

Figura 7-25 - Comparação de fórmulas com valores Figura 7-26 - Comparação de fórmulas com valores
observados no rio Colorado. observados no rio Niobiara

168
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-27 - Comparação de fórmulas com valores Figura 7-28 - Comparação de fórmulas com valores
observados no rio Middle observados no rio Republican

7.9.3 Fórmula de Engelund e Hansen (1967)


A formula de Engelund e Hansen apoia-se no gráfico apresentado na Figura 7-29,
relacionando * com *’. Note-se que esta relação não é biunívoca na zona do regime de
transição o que lhe permite prever uma curva de vazão que relaciona Q vs h.

Figura 7-29 - Relação entre  e *´ segundo Engelund e Hansen

A obtenção da curva de vazão utilizando esta fórmula é bastante simples, bastando os


seguintes passos:
1) Seleccionar um valor de altura de escoamento correspondente à resistência dos
grãos, h’
2) Calcular *’ através de:

169
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Note-se que *’ corresponde ao parâmetro de Shields, .

3) Obter * a partir do gráfico da figura 6.25.


4) Calcular
5) Calcular u*’ a partir de
6) Calcular
7) Calcular e

Se não tiver um canal rectangular de grande largura, h e h’ são substituídos por R e R’.

7.9.4 Fórmula de Kennedy, Alam e Lovera (1969)


Esta fórmula baseia-se, para sua aplicação, nos gráficos da Figura 7-30 e Figura 7-31.

Figura 7-30 - Factor de resistência dos grãos f´ em função de Re e R/D50

A obtenção da curva de vazão faz-se com os seguintes passos:


1) Para um certo valor de h e R, arbitra-se um valor de
2) Obtém-se f’ a partir da figura 6.26. a curva de Prandtl para fronteira lisa define um
limite inferior de f’
3) Obtém-se f” a partir da figura 6.27
4) Calcula-se
5) Calcula-se um novo valor de através de ou

Se o novo valor de difere muito do anterior, repete-se os passos 1 – 5 até se obter


convergência.

170
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-31 - Factor de resistência das configurações f" em função de R/D50 e

7.9.5 Fórmula de Van Rijn


Na segunda metade da década de 1980 e com base em investigações realizadas no
laboratório de Hidráulica de Delft, Van Rijn apresentou uma outra metodologia que,
segundo o autor, dá melhores resultados que os métodos anteriores. Por comparação
com valores observados, Van Rijn indica que se obtém 65% de valores estimados com
erros inferiores a 20% (contra 56% de Engelund e Hansen) e 80% com erros inferiores a
30% (contra 68% de Engelund e Hansen).

O método de Van Rijn para o cálculo da resistência aluvionar consiste no seguinte:


1) Calcula-se o parâmetro adimensional
2) A partir da curva de Shields obtêm-se ucr*
3) Calcula-se o coeficiente de Chézy para a resistência dos grãos

4) Calcula-se
5) Calcula-se o parâmetro adimensional de transporte T

171
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

6) Calcula-se a altura da configuração d

7) Calcula-se o comprimento da configuração l

8) Calcula-se a resistência equivalente através de

9) Calcula-se o coeficiente de Chézy por

10) Calcula-se e

7.9.6 Efeito de histerese


A reacção do leito às variações do escoamento não é instantânea, existindo um
desfasamento entre o início da ocorrência dum certo valor do escoamento diferente do
anterior e o surgimento das correspondentes configurações de fundo. Isso faz com que
muitas vezes as curvas de vazão apresentem efeitos de histerese como se indica na
Figura 7-32 na fase de subida do nível e do caudal, o leito pode apresentar dunas que
oferecem grande resistência ao escoamento, portanto o escoamento processa-se com
uma maior altura do que durante a descida, quando as dunas tiverem sido varridas,
originando menor resistência ao escoamento e uma altura mais baixa para o mesmo
caudal.

Figura 7-32 - Histerese provocada pelas configurações do fundo

172
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.10 CÁLCULO DO TRANSPORTE DO MATERIAL DO LEITO


O transporte do material do leito faz-se por arrastamento ou em suspensão. Qualquer
destes mecanismos de transporte tem influência nos processos de erosão e
sedimentação.
O transporte é essencialmente função das características do escoamento e das
características do sedimento. Em relação as características do escoamento, a mais
relevante são a tensão tangencial no leito, 0. No entanto, viu-se no ponto anterior que,
quando existem configurações de fundo, 0 é a soma de duas parcelas, 0’ e 0”, em que a
primeira respeita à resistência dos grãos e a segunda à das configurações. De facto 0”
não é uma tensão efectiva mas apenas uma tensão equivalente que produziria as
mesmas perdas de carga que as configurações. Assim, apenas 0’ é importante para o
transporte pelo que é necessário reduzir 0 multiplicando-o por um factor de configuração
 (ripple factor) menor que 1.

7.10.1 Transporte por arrastamento


O transporte por arrastamento é o mecanismo predominante para material constituído
por partículas grosseiras D50 > 500 m. No entanto, existe transporte por arrastamento
para toda a gama de areias, D50 > 64 m.
Na quantificação do caudal sólido muitas relações para o transporte por arrastamento
tem a forma:
aqui q* é uma velocidade relativa de transporte ou nr de transporte
de Einstein (1950).

representa a distância
percorrida pelos sedimentos. Uma formulação simplificada da equação de transporte
por arrastamento é a seguinte:

Apresentam-se de seguida os métodos alguns métodos de cálculo dos valores de


material transportados.

Bagnold "("1956")" propôs relação

Ashida e Michiue (1972) deduziram uma equação simplificada:

O valor de corresponde a leitura na curva de Shields para valores altos do número


de Reynolds.
173
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.10.1.1 Método de Meyer – Peter


Este método foi derivado a partir dum grande número de experiências de laboratórios com
areia grossa (1 – 2 mm). É bastante utilizado quando o material do leito é grosseiro
embora os seus resultados nem sempre sejam satisfatórios. O método aplica-se da
seguinte maneira:

1) Calcula-se

2) Calcula-se
3) Calcula-se e
4) Calcula-se o parâmetro de Shields
5) Calcula-se o parâmetro adimensional de transporte

Quando ’ 0.047, não há transporte por arrastamento

6) Calcula-se o caudal sólido pela fórmula de Einstein ou seja

Em que Sb é o caudal sólido transportado por arrastamento, expresso em m3/s. m largura.


Note-se que Sb será aproxima proporcional a .
Wong e Parker (2006) reanalizaram os dados usados na formulação de Meyer – Peter e
propõem um ajustamento da fórmiula da seguinte maneira:

7.10.1.2 Engelund e Fredsøe1976)


Usando dados de experiências propuseram a seguinte formulação:

Posteriormente Fredsoe e Deigaard (1992) fizeram um ajustamento a fórmila passando a:

7.10.1.3 Parker (1979)

7.10.1.4 Método de Van Rijn (1984)


É aplicável para sedimentos com dimensões variando entre 0.2 e 2 mm. Este método
resulta de investigações realizadas no início dos anos 80 do século passado no
laboratório de Hidráulica do Delft e da utilização de bancos de dados universais sobre
experiencias e observações de transporte de sedimentos. Os seus resultados são
174
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

francamente superiores aos dos métodos de Meyer – Peter e Muller pelo que se
aconselha a sua utilização. O método aplica-se da seguinte forma:
1) Calcula-se D* (equação 36)
2) Obtém-se ucr* pela curva de Shields
3) Calcula-se C’ e u*’ pelas equações (37) e (38). Se
4) Calcula-se T (equação 39)
5) Calcula-se
6) Calcula-se Sb (equação 46)

Neste caso, qb será aproximadamente proporcional a .

Para todas as fórmulas apresentadas no caso de transporte intenso nota-se que:

Figura 7-33 - Comparação das curvas das equações das diversas fórmulas encontradas na literatura
para o cálculo de caudal sólido

175
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.10.2 Transporte em suspensão


Assume maior importância quando o material do leito é composto por areia fina e silte.
Enquanto que o transporte por arrastamento se dá numa camada junto ao leito com a
espessura de 2 – 3 diâmetros, o transporte em suspensão ocorre a toda altura do
escoamento embora a concentração diminua do leito para a superfície.
A distribuição da concentração de sedimentos numa coluna vertical de água não é
uniforme dada a variação vertical da velocidade.

onde kc representa a rugosidade composta que inclui o efeito das


configurações adicionalmente onde b é escolhido próximo ao fundo .

A velocidade difusiva numa corrente pode se estimada como:

em que donde resulta tomando a média

para Κ = 0.41

Lane e Kalinske, nos anos 1940, usando a equação da difusidade acharam a integral da
equação da variação da concentração de sedimentos numa coluna de fluxo:

Esta equação é uma boa aproximação para estimar a distribuição da concentração de


sedimentos em rios largos (H/B<<<1).

Foram dadas outras aproximações como a proposta por Rouse-Vanoni-Ippen:

A equação de Rouse-Vanoni-Ippen para a distribuição de sedimentos numa coluna de


água seria:

Equação conhecida como a distribuição de Rouse para a concentração de sedimentos em


suspensão.

Muitas vezes se requer o conhecimento da distribuição média da concentração numa


coluna de água. Selecionando um valor num ponto b acima do fundo:

176
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Einstein (1950) propôs a seguinte formulação para a distribuição média de sedimentos em


suspensão numa coluna:

O volume do material transportado em suspensão é obtido por:

Em que Ss é o caudal sólido transportado em suspensão por metro de largura C(z) é a


concentração e V(z) é a velocidade (Figura 7-34).

Figura 7-34 - Observações de Vanoni da distribuição da concentração relativa C/Co de sedimentos


em função de Z/h

177
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-35 - Concentração absoluta nas experiências de Vanoni

A equação básica que define a concentração C(z) em escoamento uniforme é

Em que W é a velocidade de queda e é um coeficiente de difusão turbulenta. A parcela


W*C representa a tendência das partículas para se depositarem por acção da gravidade.
A segunda parcela representa o efeito da sustentação das partículas induzido pela
turbulência. Com efeito, devido à turbulência há constante troca de volumes elementares
de água entre níveis diferentes. Esta troca não produz nenhuma variação do volume da
água mas, como a concentração do sedimento cresce de cima para baixo, o volume
elementar que se move para cima transporta mais sedimentos que o que se move para
baixo, assim compensando a tendência das partículas para a deposição.

A integração da equação (49) sob determinadas hipóteses conduz a

Em que a é um nível de referencia, C(a) a concentração nesse nível e alfa um coeficiente


dado por:

178
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Em que k é a constante de Von Kárman (k≈0.4). Esta expressão foi apresentada por
Rouse em 1937. BREUSERS 1980 sugere que o transporte em suspensão se inicia para
=1.6, está totalmente desenvolvida para =0.25 e torna-se quase uniforme para =6.
Referem-se em seguida os métodos da curva de concentração e de Van Rijn paras o
cálculo do caudal sólido transportado em suspensão.

7.10.2.1 Determinação do caudal sólido em suspensão

Esta equação mostra que para determinar o transporte em suspensão é necessário


conhecer a concentração média cb e a velocidade total de atrito a

altura H e o valor da rugosidade composta que pode ser estimada por


e os valores das constantes de integração J1e J2. Conhecendo o caudal líquido escoado
U=q/H:

Os valores de I2 assim como I1 também são dados em gráficos.

7.10.2.2 Método de Abad e Garcia


Para determinar a concentração em suspensão Abad e Garcia prouseram as seguintes
expressões práticas para J1 e J2.

Todos os coeficientes são função de δ_b=b/H=z_b/H para o qual cb foi determinado. Os


coeficientes são tabelados.

179
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Existem vários métodos propostos para estimar o grau de embarque dos sedimentos em
suspensão Es e dessa forma cb para a situação de equilíbrio.
Garcia e Parker (1991):

Os resultados mostraram que para sedimentos finos não coesivos a equação deveria ser
modificada adoptando para Zu

Van Rijn (1984) propôs:

e é o parâmetro de shield devido a


fricção da superfície dos graus.

Smith e McLean (1977) propuseram a seguinte formulação:

7.10.2.3 Método de Van Rijn para o cálculo do caudal em suspensão


O método de Van Rijn para o cálculo do caudal sólido em suspensão Ss consiste nos
seguintes passos:
1)
2) pela curva de Shields
3) (eq. 37) e (eq. 38). Se
4) (eq. 39)
5) (eq. 40)
6) Nível de referência
7) Concentração no nível de referência
8) Velocidade de queda W para um diâmetro
9)

10)
11)
12)

180
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

13)

14)

Ss é aproximadamente proporcional a .
-  representa um coeficiente de difusão do sedimento
-  representa o efeito de diminuição da turbulência devido à concentração de
sedimentos em suspensão.

Tratando-se dum processo trabalhoso, Van Rijn propôs as seguintes formulações mais
simples (também para o transporte por arrastamento):

é a velocidade media critica obtida a partir da curva de Shields. Van Rijn apresenta as
seguintes equações para o seu cálculo:

7.10.3 Transporte total


O transporte total é a soma do transporte por arrastamento com o transporte em
suspensão qt= qb+ qs.

A fórmula de Meyer-Peter e Muller apenas calcula o transporte por arrastamento


enquanto o método de Van Rijn permite calcular as duas parcelas. Outras formulas como
as de Engelund e Hansen e de Ackers e White calculam directamente o transporte total
sem distinguir individualmente as duas parcelas.

7.10.3.1 Cálculo do transporte total pelo método de Brownlie

181
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.10.3.2 Método de Engelund e Hansen (1964)


O método estabelece a seguinte relação entre o parâmetro adimensional de transporte, ,
e o parâmetro de Shields, .

Note-se que neste caso St é aproximadamente proporcional a .

7.10.3.3 Método de Ackers e White (1973)


Este método implica a execucao dos seguintes passos:
1) (eq. 36)
2) Obtêm-se os parâmetros A, C, m, n a partir de Dgr (figura 31)
3)

4) e

5)

6)

Relação actualizada de Ackers and White (as constantes são obtidas por equações de
forma directa)
m 1−n
 D  U  Fgr  u nu ' U
Cs = 10 c s 50  
6
− 1 onde Fgr = * * e u *' =
 Rh  u*  Aaw  gD50  R 
32 log10 h 
 D50 
Dgr = Rep2 / 3 da seguinte foma se D gr  60 n = 0, m = 1.5, A aw = 0.17, c = 0.025
9.66 0.23
se 1  D gr  60, entao n = 1 - 0.56 log (Dgr ); m = + 1.34 e A aw = + 0.14
D gr Dgr
 
log( c) = 2.86 log( Dgr ) − log( Dgr ) − 3.53
2

182
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Figura 7-36 -Coeficientes C, m, n, A em função do diâmetro adimensional Dgr (método de Ackers e


White)

Ackers e White sugerem que quando , o transporte seja calculado dividindo o

sedimento em fracções.
St é aproximadamente proporcional a , ou seja, a
Quando o sedimento é grosseiro e se verifique a relação pode considerar-se
que não há transporte em suspensão e, portanto, os valores dados pelos métodos de
Engelund e Hansen e de Ackers e White correspondem a transporte por arrastamento.

183
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.10.3.4 Relação de Mollina-Wu (2001)

7.10.3.5 Relação de Karim (1998)

7.10.4 Comparação dos vários métodos


Van Rijn 1984 apresenta uma comparação entre os vários métodos com base nas
diferenças entre os valores estimados por cada método e os valores observados no
campo ou em laboratório.
No caso de transporte por arrastamento, qualquer dos métodos de Engelund e Hansen,
de Ackers e White ou de Van Rijn dá bons resultados, com cerca de 75% dos valores
estimados a caírem no intervalo [0.5 – 2] valor observado. O método de Meyer – Peter e
Muller dá resultados inferiores, cerca de 60% no intervalo [0.5 – 2].

No caso do transporte total, os resultados obtidos pelo método de Van Rijn são
ligeiramente melhores que os do método de Engelund e Hansen e de Ackers e White,
com 75% no intervalo [0.5 – 2] contra 70% dos outros dois métodos. Para alem disso, Van
Rijn chama atenção de que os resultados dos métodos de E-H e A-W estão muito
dependentes duma correcta estimação do coeficiente de Chézy, C.

7.10.5 Caudal Dominante


Os métodos referidos anteriormente para o cálculo do caudal sólido referem-se ao volume
de sedimentos transportados por unidade de tempo por um dado caudal liquido. Em
problemas como, por exemplo, o dimensionamento do volume morto duma albufeira ou de
dragagem de canais de navegação em rios, interessa, no entanto, saber também o
volume de sedimentos acumulado em determinados períodos de tempo normalmente um
ano. Como é evidente, o caudal líquido não se mantém constante ao longo desse período.
O processo de cálculo do volume acumulado é bastante trabalhoso mas elementar se se
dispuser dum computador.

Para esse calculo, é necessário conhecer a densidade de probabilidade dos caudais, f(Q),
o que pode ser obtido, por exemplo, a partir duma curva de caudais para o período de
tempo em causa, T.

Para cada valor de Q, pode obter-se pelos métodos anteriores o correspondente valor de
St. a probabilidade de St será evidentemente igual à probabilidade de Q. então, o volume
acumulado Vs será dado por:
184
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Se se quiser estimar, por exemplo, o volume transportado por um rio ao longo dum ano
em que os caudais médios diários foram , então:

O caudal dominante Qd é o caudal constante que transportaria num rio o mesmo volume
de sedimentos que a sequencia dos caudais naturais.

Se , então

O conceito de caudal dominante começa a cair em desuso pois o seu interesse era o de
substituir o grande volume de contas necessárias nas expressões (67) e (68) pelo cálculo
do caudal sólido respeitante a um único valor do caudal líquido Qd.

Os computadores vieram tornar essa redução do volume de cálculo irrelevante. Note-se


que uma definição rigorosa de Qd implica o conhecimento de Vs, ou seja, o recurso às
equações (67) e (68) o que não teria interesse. Por isso, utiliza-se para Qd o caudal
excedido em média 2 – 3 dias por ano (LENCASTRE e FRANCO 1984). Isto chama,
porém, à atenção para o facto de que o caudal dominante ser muito superior ao caudal
médio (e, mais ainda ao caudal mediano) pois devido a St ser uma função exponencial de
com o expoente entre 3 e 6, o transporte sólido ganha importância sobretudo durante as
cheias.

185
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

7.11 MODIFICACOES MORFOLOGICAS


1. Para se analisar modificações morfológicas é preciso considerar 4 equações:
− Continuidade
− Movimento Para o escoamento líquido
− Continuidade
− Movimento Para o transporte sólido

As primeiras 2 equações são as conhecidas equações de St. Venant para o escoamento


gradualmente variado.
As equações para o transporte sólido são:
− Continuidade: m3/m/s
− Movimento: uma das fórmulas de transporte sólido, do tipo (m=3 para a
formula MP.M; m=5 para a formula E-H).

2. Devido à dificuldade de integração deste sistema de equações diferenciais,


utilizam-se simplificações que permitem determinar com facilidade o estado de
equilíbrio final. As simplificações que se introduzem são:
a) Q = cte – caudal dominante
b) Escoamento uniforme
c) S = B, s = cte

3. Com estas simplificações, as 4 equações passam a ser:

EXEMPLO 1

FIGURA
Para melhorar a navegação no troço terminal do rio A, vai-se buscar um reforço de
escoamento (sem sedimentos) ao rio B. quais são as consequências, considerando ou
não modificações morfológicas?
− Situação inicial:
− Situação actual:

a) Sem considerar as modificações morfológicas

186
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

Se →

b) Considerando as modificações morfológicas

Esta é a situação de equilíbrio final.


A solução a) é a que se verifica inicialmente (as modificações morfológicas não são
imediatas). Porem, a curva de regolfo implica maiores velocidades e inicia-se um
processo de erosão que progride de jusante para montante ate se estabelecer a
situação de equilíbrio final ( o que pode levar dezenas de anos).
FIGURA
Na secção S a uma distância L da foz, o leito sofre uma escavação total Δz.

EXEMPLO 2

Estreitamento da secção de vazão”

De

e
Para os valores dados

EXEMPLO 3

Corte de Meandros
FIGURA
Devido ao corte, o ponto B fica mais próximo da foz e a inclinação do troço AB aumenta.

187
Cap. VII – TRANSPORTE DE SEDIMENTOS

A situação a seguir ao corte não é uma situação de equilíbrio. Como o caudal e o


transporte sólido continuam a ser os iniciais, a inclinação final será igual à inicial e haverá
uma escavação do leito Δz.

Propagando-se para montante a partir de B


Imediatamente a seguir ao corte, inicia-se um processo acelerado de erosão devido ao
aumento da capacidade de transporte no troço AB.

A capacidade de transporte aumenta 6 vezes!

EXEMPLO 4

Criação duma grande albufeira


Uma grande albufeira de regularização introduz modificações em dois aspectos que tem
impacto na morfologia do rio:
− Retém quase na totalidade o material transportado por arrastamento e grande
parte dos sedimentos em suspensão;
− Diminui o caudal dominante.

A retenção dos sedimentos deve-se à velocidades baixas ou nulas na albufeira.


A diminuição do caudal dominante deve-se ao efeito regularizador da albufeira, como se
pode deduzir facilmente das curvas de caudais classificados, antes e depois da albufeira
existir.
FIGURA

Devido à diminuição de caudal dominante, a capacidade do transporte do rio diminui. No


entanto, se os sedimentos ficarem totalmente retidos na albufeira, irá iniciar-se um
processo de erosão para modificar as características do escoamento ate se atingir a
situação de  = cr (inicio de movimento). Esse processo de erosão propaga-se para
jusante a partir da albufeira e envolve:

• Diminuição da inclinação do leito através de:


− Erosões do leito progressivamente diminuindo para a jusante;
− Aumento do número e comprimento dos meandros;
− Aumento da secção transversal, com erosão das margens.

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