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Fenomenologia Do Espirito - HEGEL

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Sobre a obra:

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com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
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conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer
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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando


por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo
nível."
SUMÁRIO

PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
I - A certeza sensível ou: o Isto ou o visar
II - A Percepção ou: a coisa e a ilusão
III - Força e Entendimento; Fenômeno e mundo suprassensível
IV - A verdade da certeza de si mesmo
A - INDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA DE SI:
DOMINAÇÃO E ESCRAVIDÃO
B - LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA DE SI: ESTOICISMO, CETICISMO E A
CONSCIÊNCIA INFELIZ
V - Certeza e verdade da razão
A - A RAZÃO OBSERVADORA
a - OBSERVAÇÃO DA NATUREZA
b. A OBSERVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI EM SUA PUREZA E EM SUA
REFERÊNCIA À EFETIVIDADE EXTERIOR: LEIS LÓGICAS E LEIS
PSICOLÓGICAS
c. OBSERVAÇÃO DA RELAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI COM SUA
EFETIVIDADE IMEDIATA: FISIOGNOMIA E FRENOLOGIA
B - A EFETIVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI RACIONAL ATRAVÉS DE SI
MESMA
a. O PRAZER E A NECESSIDADE
b. A LEI DO CORAÇÃO E O DELÍRIO DA PRESUNÇÃO
c. A VIRTUDE E O CURSO DO MUNDO
C - A INDIVIDUALIDADE QUE É PARA SI REAL EM SI E PARA SI MESMA
a - O REINO ANIMAL DO ESPÍRITO E A IMPOSTURA - OU A COISA
MESMA
b - A RAZÃO LEGISLADORA
c - A RAZÃO EXAMINANDO AS LEIS
VI - O Espírito
A - O ESPÍRITO VERDADEIRO. A ETICIDADE
a - O MUNDO ÉTICO. A LEI HUMANA E A LEI DIVINA, O HOMEM E A
MULHER
b - A AÇÃO ÉTICA. O SABER HUMANO E O DIVINO, A CULPA E O
DESTINO
c - O ESTADO DE DIREITO
B - O ESPÍRITO ALIENADO DE SI MESMO.
1 - O MUNDO DO ESPÍRITO ALIENADO DE SI
a. A CULTURA E O SEU REINO DA EFETIVIDADE
b. A FÉ E A PURA INTELIGÊNCIA
2 - O ILUMINISMO
a. A LUTA DO ILUMINISMO CONTRA A SUPERSTIÇÃO
b. A VERDADE DO ILUMINISMO
3 - A LIBERDADE ABSOLUTA E O TERROR
C - O ESPÍRITO CERTO DE SI MESMO. A MORALIDADE
a - A VISÃO MORAL DO MUNDO
b - A DISSIMULAÇÃO
c - A BOA CONSCIÊNCIA - A BELA ALMA, O MAL E O SEU PERDÃO
VII - A Religião
A - A RELIGIÃO NATURAL
a - A LUMINOSIDADE
b - A PLANTA E O ANIMAL
c- O ARTESÃO
B - A RELIGIÃO DA ARTE
a - A OBRA DE ARTE ABSTRATA
b - A OBRA DE ARTE VIVA
c - A OBRA DE ARTE ESPIRITUAL
C - A RELIGIÃO MANIFESTA
VIII - O Saber Absoluto
PREFÁCIO

Numa obra filosófica, em razão de sua natureza, parece não só supérfluo, mas
até inadequado e contraproducente, um prefácio - esse esclarecimento
preliminar do autor sobre o fim que se propõe, as circunstâncias de sua obra, as
relações que julga encontrar com as anteriores e atuais sobre o mesmo tema.
Com efeito, não se pode considerar válido, em relação ao modo como deve ser
exposta a verdade filosófica, o que num prefácio seria conveniente dizer sobre a
filosofia; por exemplo, fazer um esboço histórico da tendência e do ponto de
vista, do conteúdo geral e resultado da obra, um agregado de afirmações e
asserções sobre o que é o verdadeiro.

Além do que, por residir a filosofia essencialmente no elemento da


universalidade - que em si inclui o particular -, isso suscita nela, mais que em
outras ciências, a aparência de que é no fim e nos resultados últimos que se
expressa a Coisa mesma, e inclusive sua essência consumada; frente a qual o
desenvolvimento da exposição seria, propriamente falando, o inessencial.

Quando, por exemplo, a anatomia é entendida como o conhecimento das partes


do corpo, segundo sua existência inanimada, há consenso de que não se está
ainda de posse da Coisa mesma, do conteúdo de tal ciência; é preciso, além disso,
passar à consideração do particular. Mas ainda: nesse conglomerado de
conhecimentos, que leva o nome de ciência sem merecê-lo, fala-se
habitualmente sobre o fim e generalidades semelhantes do mesmo modo
histórico e não conceitual como se fala do próprio conteúdo; nervos, músculos
etc. Na filosofia, ao contrário, ressaltaria a inadequação de utilizar tal
procedimento, quando ela mesma o declara incapaz de apreender o verdadeiro.

Do mesmo modo, a determinação das relações que uma obra filosófica julga ter
com outras sobre o mesmo objeto introduz um interesse estranho e obscurece o
que importa ao conhecimento da verdade. Com a mesma rigidez com que a
opinião comum se prende à oposição entre o verdadeiro e o falso, costuma
também cobrar, ante um sistema filosófico dado, uma atitude de aprovação ou
de rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a respeito do sistema só pode ser
uma ou outra. Não concebe a diversidade dos sistemas filosóficos como
desenvolvimento progressivo da verdade, mas só vê na diversidade a
contradição.

O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta;


do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-
se como sua verdade em lugar da flor: essas formas não só se distinguem, mas
também se repelem como incompatíveis entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua
natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se
contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que
constitui unicamente a vida do todo. Mas a contradição de um sistema filosófico
não costuma conceber-se desse modo; além disso, a consciência que apreende
essa contradição não sabe geralmente libertá-la - ou mantê-la livre - de sua
unilateralidade; nem sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e
contradição contra si mesmo, momentos mutuamente necessários.

A exigência de tais explicações, como também o seu atendimento, dão talvez a


aparência de estar lidando com o essencial. Onde se poderia melhor exprimir o
âmago de um escrito filosófico que em seus fins e resultados? E esses, como
poderiam ser melhor conhecidos senão na sua diferença com a produção da
época na mesma esfera? Todavia essa tarefa, quando pretende ser mais que o
início do conhecimento, e valer por conhecimento efetivo, deve ser contada entre
as invenções que servem para dar voltas ao redor da Coisa mesma, combinando
a aparência de seriedade e de esforço com a carência efetiva de ambos.

Com efeito, a Coisa mesma não se esgota em seu fim, mas em sua atualização;
nem o resultado é o todo efetivo, mas sim o resultado junto com o seu vir a ser. O
fim para si é o universal sem vida, como a tendência é o mero impulso ainda
carente de sua efetividade; o resultado nu é o cadáver que deixou atrás de si a
tendência. Igualmente, a diversidade é, antes, o limite da Coisa: está ali onde a
Coisa deixa de ser; ou é o que a mesma não é.

Essa preocupação com o fim ou os resultados, como também com as


diversidades e apreciações dos mesmos, é, pois, uma tarefa mais fácil do que
talvez pareça. Com efeito, tal modo de agir, em vez de se ocupar com a Coisa
mesma, passa sempre por cima. Em vez de nela demorar-se e esquecer a si
mesmo, prende-se sempre a algo distinto; prefere ficar em si mesmo a estar na
Coisa e a abandonar-se a ela. Nada mais fácil do que julgar o que tem conteúdo
e solidez; apreendê-lo é mais difícil; e o que há de mais difícil é produzir sua
exposição, que unifica a ambos.

O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial


deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista
universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da
Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a
plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma
informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da
cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na
experiência da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado
na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão na conversa o
lugar que lhes corresponde.

A verdadeira figura, em que a verdade existe, só pode ser o seu sistema


científico. Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da ciência - da
meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo - é isto o
que me proponho. Reside na natureza do saber a necessidade interior de que seja
ciência, e somente a exposição da própria filosofia será uma explicação
satisfatória a respeito. Porém a necessidade exterior é idêntica à necessidade
interior - desde que concebida de modo universal e prescindindo da contingência
da pessoa e das motivações individuais - e consiste na figura sob a qual uma
época representa o ser-aí de seus momentos. Portanto a única justificação
verdadeira das tentativas, que visam esse fim, seria mostrar que chegou o tempo
de elevar a filosofia à condição de ciência, pois, ao demonstrar sua necessidade,
estaria ao mesmo tempo realizando sua meta.

Sei que pôr a verdadeira figura da verdade na cientificidade - ou, o que é o


mesmo, afirmar que a verdade só no conceito tem o elemento de sua existência -
parece estar em contradição com certa representação e suas consequências, tão
pretensiosas quanto difundidas na mentalidade de nosso tempo. Assim não parece
supérfluo um esclarecimento sobre essa contradição - o que aliás, neste ponto, só
pode ser uma asserção que se dirige contra outra asserção.

Com efeito, se o verdadeiro só existe no que (ou melhor, como o que) se chama
quer intuição, quer saber imediato do absoluto, religião, o ser - não o ser no
centro do amor divino, mas o ser mesmo desse centro -, então o que se exige
para a exposição da filosofia é, antes, o contrário da forma do conceito. O
absoluto não deve ser conceitualizado, mas somente sentido e intuído; não é o seu
conceito, mas seu sentimento e intuição que devem falar em seu nome e ter
expressão.

Tomando a manifestação dessa exigência em seu contexto mais geral e no nível


em que presentemente se encontra o espírito consciente de si, vemos que esse foi
além da vida substancial que antes levava no elemento do pensamento; além
dessa imediatez de sua fé, além da satisfação e segurança da certeza que a
consciência possuía devido à sua reconciliação com a essência e a presença
universal dela - interior e exterior. O espírito não só foi além - passando ao outro
extremo da reflexão, carente de substância, de si sobre si mesmo - mas
ultrapassou também isso. Não somente está perdida para ele sua vida essencial;
está também consciente dessa perda e da finitude que é seu conteúdo. Como o
filho pródigo, rejeitando os restos da comida, confessando sua abjeção e
maldizendo-a, o espírito agora exige da filosofia não tanto o saber do que ele é,
quanto resgatar, por meio dela, aquela substancialidade e densidade do ser que
tinha perdido.

Para atender a essa necessidade, não deve apenas descerrar o enclausuramento


da substância, e elevá-la à consciência de si, ou reconduzir a consciência caótica
à ordem pensada e à simplicidade do conceito; deve, sobretudo, misturar as
distinções do pensamento, reprimir o conceito que diferencia, restaurar o
sentimento da essência, garantir não tanto a perspicácia quanto a edificação. O
belo, o sagrado, a religião, o amor são a isca requerida para despertar o prazer de
mordiscar. Não é o conceito, mas o êxtase, não é a necessidade fria e metódica
da Coisa que deve constituir a força que sustém e transmite a riqueza da
substância, mas sim o entusiasmo abrasador.

Corresponde a tal exigência o esforço tenso e impaciente, de um zelo quase em


chamas, para retirar os homens do afundamento no sensível, no vulgar e no
singular, e dirigir seu olhar para as estrelas; como se os homens, de todo
esquecidos do divino, estivessem a ponto de contentar-se com pó e água, como os
vermes. Outrora tinham um céu dotado de vastos tesouros de pensamentos e
imagens. A significação de tudo que existe estava no fio de luz que o unia ao céu;
então, em vez de permanecer neste mundo presente, o olhar deslizava além,
rumo à essência divina: a uma presença no além - se assim se pode dizer.

O olhar do espírito somente à força poderia ser dirigido ao terreno e ali mantido.
Muito tempo se passou antes de se introduzir na obtusidade e perdição em que
jazia o sentido deste mundo, a claridade que só o outro mundo possuía; para
tornar o presente, como tal, digno do interesse e da atenção que levam o nome de
experiência.

Agora parece haver necessidade do contrário: o sentido está tão enraizado no que
é terreno, que se faz mister uma força igual para erguê-lo dali. O espírito se
mostra tão pobre que parece aspirar, para seu reconforto, ao mísero sentimento
do divino em geral - como um viajante no deserto anseia por uma gota d'água.
Pela insignificância daquilo com que o espírito se satisfaz, pode-se medir a
grandeza do que perdeu.

Entretanto, não convém à ciência nem esse comedimento no receber, nem essa
parcimônia no dar. Quem só busca a edificação, quem pretende envolver na
névoa a variedade terrena de seu ser-aí e de seu pensamento, e espera o prazer
indeterminado daquela divindade indeterminada, veja bem onde é que pode
encontrar tudo isso; vai achar facilmente o meio de fantasiar algo e ficar assim
bem pago. Mas a filosofia deve guardar-se de querer ser edificante.
Ainda tem menos razão essa temperança que renuncia à ciência, ao pretender
que tal entusiasmo e desassossego sejam algo superior à ciência. Esse falar
profético acredita estar no ponto central e no mais profundo; olha
desdenhosamente para a determinidade e fica de propósito longe do conceito e
da necessidade, como da reflexão que reside somente na finitude. Mas, como há
uma extensão vazia, há também uma profundidade vazia; como há uma extensão
da substância que se difunde numa diversidade finita sem força para mantê-la
unida, assim há uma intensidade carente de conteúdo que, conservando-se como
força pura e sem expansão, é idêntica à superficialidade. A força do espírito só é
tão grande quanto sua exteriorização; sua profundidade só é profunda à medida
que ousa expandir-se e perder-se em seu desdobramento.

Da mesma maneira, quando esse saber substancial, carente de conceito,


pretende ter mergulhado na essência a peculiaridade do Si, e filosofar verdadeira
e santamente, está escondendo de si mesmo o fato de que - em lugar de se ter
consagrado a Deus, pelo desprezo da medida e da determinação - ora deixa
campo livre em si mesmo à contingência do conteúdo, ora deixa campo livre no
conteúdo ao arbitrário. Abandonando-se à desenfreada fermentação da
substância, acreditam esses senhores - por meio do velamento da consciência de
si e da renúncia ao entendimento - serem aqueles "seus" a quem Deus infunde no
sono a sabedoria. Na verdade, o que no sono assim concebem e produzem são
sonhos também.

Aliás, não é difícil ver que nosso tempo é um tempo de nascimento e trânsito
para uma nova época. O espírito rompeu com o mundo de seu ser-aí e de seu
representar, que até hoje durou; está a ponto de submergi-lo no passado, e se
entrega à tarefa de sua transformação. Certamente, o espírito nunca está em
repouso, mas sempre tomado por um movimento para frente. Na criança, depois
de longo período de nutrição tranquila, a primeira respiração - um salto
qualitativo - interrompe o lento processo do puro crescimento quantitativo; e a
criança está nascida. Do mesmo modo, o espírito que se forma lentamente,
tranquilamente, em direção à sua nova figura, vai desmanchando tijolo por tijolo
o edifício de seu mundo anterior. Seu abalo se revela apenas por sintomas
isolados; a frivolidade e o tédio que invadem o que ainda subsiste, o
pressentimento vago de um desconhecido são os sinais precursores de algo
diverso que se avizinha. Esse desmoronar-se gradual, que não alterava a
fisionomia do todo, é interrompido pelo sol nascente, que revela num clarão a
imagem do mundo novo.

Falta porém a esse mundo novo - como falta a uma criança recém-nascida -
uma efetividade acabada; ponto essencial a não ser descuidado. O primeiro
despontar é, de início, a imediatez do mundo novo - o seu conceito: como um
edifício não está pronto quando se põe seu alicerce, também esse conceito do
todo, que foi alcançado, não é o todo mesmo.

Quando queremos ver um carvalho na robustez de seu tronco, na expansão de


seus ramos, na massa de sua folhagem, não nos damos por satisfeitos se em seu
lugar nos mostram uma bolota. Assim a ciência, que é a coroa de um mundo do
espírito, não está completa no seu começo. O começo do novo espírito é o
produto de uma ampla transformação de múltiplas formas de cultura, o prêmio
de um itinerário muito complexo, e também de um esforço e de uma fadiga
multiformes. Esse começo é o todo, que retomou a si mesmo de sua sucessão no
tempo e de sua extensão no espaço; é o conceito que veio a ser conceito simples
do todo. Mas a efetividade desse todo simples consiste em que aquelas figuras,
que se tornaram momentos, de novo se desenvolvem e se dão nova figuração;
mas no seu novo elemento, e no sentido que resultou do processo.

Embora a primeira aparição de um mundo novo seja somente o todo envolto em


sua simplicidade, ou seu fundamento universal, no entanto, para a consciência, a
riqueza do ser-aí anterior ainda está presente na rememoração. Na figura que
acaba de aparecer, a consciência sente a falta da expansão e da particularização
do conteúdo; ainda mais: falta-lhe aquele aprimoramento da forma, mediante o
qual as diferenças são determinadas com segurança e ordenadas segundo suas
sólidas relações.

Sem tal aprimoramento, carece a ciência da inteligibilidade universal; e tem a


aparência de ser uma posse esotérica de uns tantos indivíduos. Digo "posse
esotérica" porque só é dada no seu conceito, ou só no seu interior; e "uns tantos
indivíduos", pois seu aparecimento, sem difusão, torna singular seu ser-aí. Só o
que é perfeitamente determinado é ao mesmo tempo exotérico, conceitual,
capaz de ser ensinado a todos e de ser a propriedade de todos. A forma inteligível
da ciência é o caminho para ela, a todos aberto e igual para todos. A justa
exigência da consciência, que aborda a ciência, é chegar por meio do
entendimento ao saber racional: já que o entendimento é o pensar, é o puro Eu
em geral. O inteligível é o que já é conhecido, o que é comum à ciência e à
consciência não científica, a qual pode através dele imediatamente adentrar a
ciência.

A ciência que recém começa, e assim não chegou ainda ao remate dos detalhes
nem à perfeição da forma, está exposta a sofrer crítica por isso. Caso porém tal
crítica devesse atingir a essência mesma da ciência, seria tão injusta quanto seria
inadmissível não querer reconhecer a exigência do processo de formação
cultural. Essa oposição parece ser o nó górdio que a cultura científica de nosso
tempo se esforça por desatar, sem ter ainda chegado a um consenso nesse ponto.
Uma corrente insiste na riqueza dos materiais e na inteligibilidade: a outra
despreza, no mínimo, essa inteligibilidade e se arroga a racionalidade imediata e
a divindade. Se uma corrente for reduzida ao silêncio ou só pela força da
verdade, ou também pelo ímpeto da outra, e se sentir suplantada no que toca ao
fundamento da Coisa, nem por isso se dá por satisfeita quanto a suas exigências:
pois são justas, mas não foram atendidas. Seu silêncio, só pela metade se deve à
vitória do adversário - a outra metade deriva do tédio e da indiferença,
resultantes de uma expectativa sem cessar estimulada, mas não seguida pelo
cumprimento das promessas.

No que diz respeito ao conteúdo, os outros recorrem a um método fácil demais


para disporem de uma grande extensão. Trazem para seu terreno material em
quantidade, isto é, tudo o que já foi conhecido e classificado. Ocupam-se
especialmente com peculiaridades e curiosidades; dão mostras de possuir tudo o
mais, cujo saber especializado já é coisa adquirida, e também de dominar o que
ainda não foi classificado. Submetem tudo à ideia absoluta, que desse modo
parece ser reconhecida em tudo e desenvolvida numa ciência amplamente
realizada.

Porém, examinando mais de perto esse desenvolvimento, salta à vista que não
ocorreu porque uma só e a mesma coisa se tenha modelado em diferentes
figuras; ao contrário, é a repetição informe do idêntico, apenas aplicado de fora a
materiais diversos, obtendo assim uma aparência tediosa de diversidade. Se o
desenvolvimento não passa da repetição da mesma fórmula, a ideia, embora
para si bem verdadeira, de fato fica sempre em seu começo. A forma, única e
imóvel, é adaptada pelo sujeito sabedor aos dados presentes: o material é
mergulhado de fora nesse elemento tranquilo. Isso porém - e menos ainda
fantasias arbitrárias sobre o conteúdo - não constitui o cumprimento do que se
exige; a saber, a riqueza que jorra de si mesma, a diferença das figuras que a si
mesmas se determinam. Trata-se antes de um formalismo de uma só cor, que
apenas atinge a diferença do conteúdo, e ainda assim porque já o encontra pronto
e conhecido.

Ainda mais: tal formalismo sustenta que essa monotonia e universalidade abstrata
são o absoluto; garante que o descontentamento com essa universalidade é
incapacidade de galgar o ponto de vista absoluto e de manter-se firme nele.
Outrora, para refutar uma representação, era suficiente a possibilidade vazia de
representar-se algo de outra maneira; então essa simples possibilidade ou o
pensamento universal tinha todo o valor positivo do conhecimento efetivo. Agora,
vemos também todo o valor atribuído à ideia universal nessa forma da
inefetividade: assistimos à dissolução do que é diferenciado e determinado, ou,
antes, deparamos com um método especulativo onde é válido precipitar no
abismo do vazio o que é diferente e determinado, sem que isso seja consequência
do desenvolvimento nem se justifique em si mesmo. Aqui, considerar um ser-aí
qualquer, como é no absoluto, não consiste em outra coisa senão em dizer que
dele se falou como se fosse certo algo; mas que no absoluto, no A = A, não há
nada disso, pois lá tudo é uma coisa só. É ingenuidade de quem está vazio de
conhecimento pôr esse saber único - de que tudo é igual no absoluto - em
oposição ao conhecimento diferenciador e pleno (ou buscando a plenitude); ou
então fazer de conta que seu absoluto é a noite em que "todos os gatos são
pardos", como se costuma dizer.

O formalismo, que a filosofia dos novos tempos denuncia e despreza (mas que
nela renasce), não desaparecerá da ciência, embora sua insuficiência seja bem
conhecida e sentida, até que o conhecer da efetividade absoluta se torne
perfeitamente claro quanto à sua natureza.

Uma representação geral, vinda antes da tentativa de sua realização


pormenorizada, pode servir para sua compreensão. Com vistas a isso, parece útil
indicar aqui um esboço aproximado desse desenvolvimento, também no intuito
de descartar, na oportunidade, algumas formas, cuja utilização constitui um
obstáculo ao conhecimento filosófico.

Segundo minha concepção - que só deve ser justificada pela apresentação do


próprio sistema -, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como
substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-
se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a imediatez
do saber mesmo, mas também aquela imediatez que é o ser, ou a imediatez para
o saber.

Se apreender Deus como substância única pareceu tão revoltante para a época
em que tal determinação foi expressa, o motivo disso residia em parte no instinto
de que aí a consciência de si não se mantinha: apenas soçobrava. De outra parte,
a posição contrária, que mantém com firmeza o pensamento como pensamento,
a universalidade como tal, vem a dar na mesma simplicidade, quer dizer, na
mesma substancialidade imóvel e indiferenciada. E se - numa terceira posição -
o pensar unifica consigo o ser da substância e compreende a imediatez e o intuir
como pensar, o problema é saber se esse intuir intelectual não é uma recaída na
simplicidade inerte; se não apresenta, de maneira inefetiva, a efetividade
mesma.

Aliás, a substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou - o que significa o


mesmo - que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do
pôr se a si mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como
sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento
do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade
indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão
em si mesmo no seu ser Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade
originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o
vir a ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o tem
como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim.

Assim, a vida de Deus e o conhecimento divino bem que podem exprimir-se


como um jogo de amor consigo mesmo; mas é uma ideia que baixa ao nível da
edificação e até da insipidez quando lhe falta o sério, a dor, a paciência e o
trabalho do negativo. De certo, a vida de Deus é, em si, tranquila igualdade e
unidade consigo mesma; não lida seriamente com o ser Outro e a alienação, nem
tampouco com o superar dessa alienação. Mas esse em si divino é a
universalidade abstrata, que não leva em conta sua natureza de ser para si e,
portanto, o movimento da forma em geral. Uma vez que foi enunciada a
igualdade da forma com a essência, por isso mesmo é um engano acreditar que
o conhecimento pode se contentar com o Em si ou a essência, e dispensar a
forma - como se o princípio absoluto da intuição absoluta pudesse tornar
supérfluos a atualização progressiva da essência e o desenvolvimento da forma.
Justamente por ser a forma tão essencial à essência quanto essa é essencial a si
mesma, não se pode apreender e exprimir a essência como essência apenas, isto
é, como substância imediata ou pura auto intuição do divino. Deve exprimir-se
igualmente como forma e em toda a riqueza da forma desenvolvida, pois só
assim a essência é captada e expressa como algo efetivo.

O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa


através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto, deve-se dizer que é
essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua natureza
consiste justo nisso: em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir a ser de si mesmo.
Embora pareça contraditório conceber o absoluto essencialmente como
resultado, um pouco de reflexão basta para dissipar esse semblante de
contradição. O começo, o princípio ou o absoluto - como de início se enuncia
imediatamente - são apenas o universal. Se digo: "todos os animais", essas
palavras não podem valer por uma zoologia. Do mesmo modo, as palavras
"divino", "absoluto", "eterno" etc. não exprimem o que nelas se contém; - de fato,
tais palavras só exprimem a intuição como algo imediato. A passagem - que é
mais que uma palavra dessas - contém um tornar-se Outro que deve ser
retomado, e é uma mediação; mesmo que seja apenas passagem a outra
proposição. Mas o que horroriza é essa mediação: como se fazer uso dela fosse
abandonar o conhecimento absoluto - a não ser para dizer que a mediação não é
nada de absoluto e que não tem lugar no absoluto.
Na verdade, esse horror se origina da ignorância a respeito da natureza da
mediação e do próprio conhecimento absoluto. Com efeito, a mediação não é
outra coisa senão a igualdade consigo mesmo semovente, ou a reflexão sobre si
mesmo, o momento do Eu para si essente, a negatividade pura ou reduzida à sua
pura abstração, o simples vir a ser. O Eu, ou o vir a ser em geral - esse mediatizar
-, justamente por causa de sua simplicidade, é a imediatez que vem a ser, e o
imediato mesmo.

É portanto um desconhecer da razão o que se faz quando a reflexão é excluída do


verdadeiro e não é compreendida como um momento positivo do absoluto. É a
reflexão que faz do verdadeiro um resultado, mas que ao mesmo tempo
suprassume essa oposição ao seu vir a ser; pois esse vir a ser é igualmente
simples, e não difere por isso da forma do verdadeiro, que consiste em mostrar-
se como simples no resultado - ou melhor, que é justamente esse Ser retornado à
simplicidade.

Se o embrião é de fato homem em si, contudo não é para si. Somente como
razão cultivada e desenvolvida - que se fez a si mesma o que é em si - é homem
para si; só essa é sua efetividade. Porém esse resultado, por sua vez, é imediatez
simples, pois é liberdade consciente de si que em si repousa, e que não deixou de
lado a oposição e ali a abandonou, mas se reconciliou com ela.

Pode exprimir-se também o acima exposto dizendo que "a razão é o agir
conforme a um fim". A forma do fim em geral foi levada ao descrédito pela
exaltação de uma pretendida natureza acima do pensamento - mal
compreendido -, mas sobretudo pela proscrição de toda a finalidade externa. Mas
importa notar que - como Aristóteles também determina a natureza como um
agir conforme a um fim - o fim é o imediato, o que está em repouso, o imóvel
que é ele mesmo motor e que assim é sujeito. Sua força-motriz, tomada
abstratamente, é o ser para si ou a negatividade pura. Portanto, o resultado é
somente o mesmo que o começo, porque o começo é fim; ou, por outra, o
efetivo só é o mesmo que seu conceito, porque o imediato como fim tem nele
mesmo o Si, ou a efetividade pura.

O fim, implementado, ou o efetivo essente é movimento e vir a ser desenvolvido.


Ora, essa inquietude é justamente o Si; logo, o Si é igual àquela imediatez e
simplicidade do começo, por ser o resultado que a si mesmo retornou. Mas o que
retornou a si é o Si, exatamente; e o Si é igualdade e simplicidade, consigo
mesmas relacionadas.

A necessidade de representar o absoluto como sujeito serviu-se das proposições:


"Deus é o eterno" ou "a ordem moral do mundo" ou "o amor" etc. Em tais
proposições, o verdadeiro só é posto como sujeito diretamente, mas não é
representado como o movimento do refletir-se em si mesmo. Numa proposição
desse tipo se começa pela palavra "Deus". De si, tal palavra é um som sem
sentido, um simples nome; só o predicado diz o que Deus é. O predicado é sua
implementação e seu significado; só nesse fim o começo vazio se torna um saber
efetivo. Entretanto é inevitável a questão: por que não se fala apenas do eterno,
da ordem moral do mundo etc.; ou, como faziam os antigos, dos conceitos puros
do ser, do uno etc., daquilo que tem significação, sem acrescentar o som sem
significação? Mas é que através dessa palavra se indica justamente que não se
põe um ser, ou essência, ou universal em geral, e sim algo refletido em si
mesmo: - um sujeito. Mas isso também é somente uma antecipação.

Toma-se o sujeito como um ponto fixo, e nele, como em seu suporte, se


penduram os predicados, através de um movimento que pertence a quem tem
um saber a seu respeito, mas que não deve ser visto como pertencente àquele
ponto mesmo; ora, só por meio desse movimento o conteúdo seria representado
como sujeito. Da maneira como esse movimento está constituído, não pode
pertencer ao sujeito; mas, na pressuposição daquele ponto fixo, não pode ser
constituído de outro modo; só pode ser exterior. Assim, aquela antecipação - de
que o absoluto é sujeito - longe de ser a efetividade desse conceito, torna-a até
mesmo impossível, já que põe o absoluto como um ponto em repouso; e no
entanto, a efetividade do conceito é o automovimento.

Entre as várias consequências decorrentes do que foi dito, pode-se ressaltar esta:
que o saber só é efetivo - e só pode ser exposto - como ciência ou como sistema.
Outra consequência é que, uma assim chamada proposição fundamental (ou
princípio) da filosofia, se é verdadeira, já por isso é também falsa, enquanto é
somente proposição fundamental ou princípio. Por isso é fácil refutá-la. A
refutação consiste em indicar-lhe a falha. Mas é falha por ser universal apenas,
ou princípio; por ser o começo.

Se a refutação for radical, nesse caso é tomada e desenvolvida do próprio


princípio, e não estabeleci da através de asserções opostas ou palpites aduzidos de
fora. Assim, a refutação seria propriamente seu desenvolvimento e, desse modo,
o preenchimento de suas lacunas - caso aí não se desconheça, focalizando
exclusivamente seu agir negativo, sem levar em conta também seu progresso e
resultado segundo seu aspecto positivo.

Em sentido inverso, a atualização positiva, propriamente dita, do começo, é ao


mesmo tempo um comportar-se negativo a seu respeito - quer dizer, a respeito
de sua forma unilateral de ser só imediatamente, ou de ser fim. A atualização
pode assim ser igualmente tomada como refutação do que constitui o
fundamento do sistema; porém, é mais correto considerá-la como um indício de
que o fundamento ou o princípio do sistema é de fato só o seu começo.

O que está expresso na representação, que exprime o absoluto como espírito, é


que o verdadeiro só é efetivo como sistema, ou que a substância é
essencialmente sujeito. Eis o conceito mais elevado que pertence aos tempos
modernos e à sua religião. Só o espiritual é o efetivo: é a essência ou o em si
essente: o relacionado consigo e o determinado; o ser Outro e o ser para si; e o
que nessa determinidade ou em seu ser fora de si permanece em si mesmo -
enfim, o ser espiritual é em si e para si.

Porém, esse ser em si e para si é, primeiro, para nós ou em si: é a substância


espiritual. E deve ser isso também para si mesmo, deve ser o saber do espiritual e
o saber de si como espírito. Quer dizer: deve ser para si como objeto, mas ao
mesmo tempo, imediatamente, como objeto suprassumido e refletido em si.
Somente para nós ele é para si, enquanto seu conteúdo espiritual é produzido por
ele mesmo. Porém, enquanto é para si também para si mesmo, então é esse
autoproduzir-se, o puro conceito; é também para ele o elemento objetivo, no qual
tem seu ser-aí e desse modo é, para si mesmo, objeto refletido em si no seu ser-
aí.

O espírito, que se sabe desenvolvido assim como espírito, é a ciência. A ciência é


a efetividade do espírito, o reino que ele para si mesmo constrói em seu próprio
elemento.

O puro reconhecer se a si mesmo no absoluto ser Outro, esse éter como tal, é o
fundamento e o solo da ciência, ou do saber em sua universalidade. O começo da
filosofia faz a pressuposição ou exigência de que a consciência se encontre nesse
elemento. Mas esse elemento só alcança sua perfeição e transparência pelo
movimento de seu vir a ser. É a pura espiritualidade como o universal, que tem o
modo da imediatez simples. Esse simples, quando tem como tal a existência, é o
solo da ciência, que é o pensar, o qual só está no espírito. Porque esse elemento,
essa imediatez do espírito é, em geral, o substancial do espírito, é a essencialidade
transfigurada, a reflexão que é simples ela mesma, a imediatez tal como é para
si, o ser que é reflexão sobre si mesmo.

A ciência, por seu lado, exige da consciência de si que se tenha elevado a esse
éter, para que possa viver nela e por ela; e para que viva. Em contra partida, o
indivíduo tem o direito de exigir que a ciência lhe forneça pelo menos a escada
para atingir esse ponto de vista, e que o mostre dentro dele mesmo. Seu direito
funda-se na sua independência absoluta, que sabe possuir em cada figura de seu
saber, pois em qualquer delas - seja ou não reconhecida pela ciência, seja qual
for o seu conteúdo -, o indivíduo é a forma absoluta, isto é, a certeza imediata de
si mesmo, e assim é o ser incondicionado, se preferem a expressão. Para a
ciência, o ponto de vista da consciência - saber das coisas objetivas em oposição
a si mesma, e a si mesma em oposição a elas - vale como o Outro: esse Outro
em que a consciência se sabe junto a si mesma, antes como perda do espírito.
Para a consciência, ao contrário, o elemento da ciência é um Longe além, em
que não se possui mais a si mesma. Cada lado desses aparenta, para o outro, ser o
inverso da verdade. Para a consciência natural, confiar-se imediatamente à
ciência é uma tentativa que ela faz de andar de cabeça para baixo, sem saber o
que a impele a isso. A imposição de assumir tal posição insólita, e de mover-se
nela, é uma violência inútil para a qual não está preparada.

A ciência, seja o que for em si mesma, para a consciência de si imediata se


apresenta como um inverso em relação a ela. Ou seja: já que a consciência
imediata tem o princípio de sua efetividade na certeza de si mesma, a ciência,
tendo fora de si esse princípio, traz a forma da inefetividade. Deve portanto unir
consigo esse elemento, ou melhor, mostrar que lhe pertence e como. Na falta de
tal efetividade, a ciência é apenas o conteúdo, como o Em si, o fim que ainda é
só um interior; não como espírito, mas somente como substância espiritual. Esse
Em si deve exteriorizar-se e vir a ser para si mesmo, o que não significa outra
coisa que: deve pôr a consciência de si como um só consigo.

O que esta "Fenomenologia do Espírito" apresenta é o vir a ser da ciência em


geral ou do saber. O saber, como é inicialmente - ou o espírito imediato - é algo
carente de espírito: a consciência sensível. Para tornar-se saber autêntico, ou
produzir o elemento da ciência que é seu conceito puro, o saber tem de se
esfalfar através de um longo caminho. Esse vir a ser, como será apresentado em
seu conteúdo e nas figuras que nele se mostram, não será o que obviamente se
espera de uma introdução da consciência não científica à ciência; e também será
algo diverso da fundamentação da ciência. Além disso, não terá nada a ver com
o entusiasmo que irrompe imediatamente com o saber absoluto - como num tiro
de pistola -, e descarta os outros pontos de vista, declarando que não quer saber
nada deles.

A tarefa de conduzir o indivíduo, desde seu estado inculto até o saber, devia ser
entendida em seu sentido universal, e tinha de considerar o indivíduo universal, o
espírito consciente de si na sua formação cultural. No que toca à relação entre os
dois indivíduos, cada momento no indivíduo universal se mostra conforme o
modo como obtém sua forma concreta e sua configuração própria. O indivíduo
particular é o espírito incompleto, uma figura concreta: uma só determinidade
predomina em todo o seu ser-aí, enquanto outras determinidades ali só ocorrem
como traços rasurados. No espírito que está mais alto que outro, o ser-aí concreto
inferior está rebaixado a um momento invisível: o que era antes a Coisa mesma,
agora é um traço apenas: sua figura está velada, tornou-se um simples
sombreado.

O indivíduo, cuja substância é o espírito situado no mais alto, percorre esse


passado da mesma maneira como quem se apresta a adquirir uma ciência
superior, percorre os conhecimentos preparatórios que há muito tem dentro de si,
para fazer seu conteúdo presente; evoca de novo sua rememoração, sem no
entanto ter ali seu interesse ou demorar-se neles. O singular deve também
percorrer os degraus de formação cultural do espírito universal, conforme seu
conteúdo; porém, como figuras já depositadas pelo espírito, como plataformas de
um caminho já preparada e aplainado. Desse modo, vemos conhecimentos, que
em antigas épocas ocupavam o espírito maduro dos homens, serem rebaixados a
exercícios - ou mesmo a jogos de meninos; assim pode reconhecer-se no
progresso pedagógico, copiada como em silhuetas, a história do espírito do
mundo. Esse ser-aí passado é propriedade já adquirida do espírito universal e,
aparecendo-lhe assim exteriormente, constitui sua natureza inorgânica.
Conforme esse ponto de vista, a formação cultural considerada a partir do
indivíduo consiste em adquirir o que lhe é apresentado, consumindo em si mesmo
sua natureza inorgânica e apropriando-se dela. Vista porém do ângulo do espírito
universal, enquanto é a substância, a formação cultural consiste apenas em que
essa substância se dá a sua consciência de si, e em si produz seu vir a ser- e sua
reflexão.

A ciência apresenta esse movimento de formação cultural em sua atualização e


necessidade, como também apresenta em sua configuração o que já desceu ao
nível de momento e propriedade do espírito. A meta final desse movimento é a
intuição espiritual do que é o saber. A impaciência exige o impossível, ou seja, a
obtenção do fim sem os meios. De um lado, há que suportar as longas distâncias
desse caminho, porque cada momento é necessário. De outro lado, há que
demorar-se em cada momento, pois cada um deles é uma figura individual
completa, e assim cada momento só é considerado absolutamente enquanto sua
determinidade for vista como todo ou concreto, ou o todo for visto na
peculiaridade dessa determinação.

A substância do indivíduo, o próprio espírito do mundo, teve a paciência de


percorrer essas formas na longa extensão do tempo e de empreender o
gigantesco trabalho da história mundial, plasmando nela, em cada forma, na
medida de sua capacidade, a totalidade de seu conteúdo; e nem poderia o espírito
do mundo com menor trabalho obter a consciência sobre si mesmo. É por isso
que o indivíduo, pela natureza da Coisa, não pode apreender sua substância com
menos esforço. Todavia, ao mesmo tempo em fadiga menor, porque a tarefa em
si já está cumprida, o conteúdo já é a efetividade reduzida à possibilidade. A
imediatez foi obtida à força, a configuração foi reduzida à sua abreviatura, à
simples determinação de pensamento.

Sendo já um pensado, o conteúdo é propriedade da substância; já não é o ser-aí


na forma do ser em si, porém é somente o que - não sendo mais simplesmente o
originário nem o imerso no ser-aí, mas o Em si rememorado - deve ser
convertido na forma do ser para si. Convém examinar mais de perto a natureza
desse agir.

O que nesse movimento é poupado ao indivíduo é o suprassumir do ser-aí; mas o


que ainda falta é a representação e o modo de conhecer com as formas. O ser-
aí; recuperado na substância, é, através dessa primeira negação, apenas
transferido imediatamente ao elemento do Si; assim, tem ainda o mesmo caráter
da imediatez não conceitual, ou da indiferença imóvel que o ser-aí mesmo: ou
seja, ele apenas passou para a representação.

Ao mesmo tempo, o ser-aí se tornou por isso um bem conhecido; um desses


objetos com que o espírito aí essente já acertou as contas, e no qual portanto já
não aplica sua atividade e com isso seu interesse. A atividade, já quite com o ser-
aí, é só movimento do espírito particular que não se concebe a si mesmo; mas o
saber, ao contrário, está dirigido contra a representação assim constituída, contra
esse ser-bem conhecido; o saber é o agir do Si universal, e o interesse do pensar.

O bem conhecido em geral, justamente por ser bem conhecido, não é


reconhecido. É o modo mais habitual de enganar-se e de enganar os outros:
pressupor no conhecimento algo como já conhecido e deixá-lo tal como está.
Um saber desses, com todo o vaivém de palavras, não sai do lugar - sem saber
como isso lhe sucede. Sujeito e objeto etc.; Deus, natureza, o entendimento, a
sensibilidade etc. são sem exame postos no fundamento, como algo bem
conhecido e válido, constituindo pontos fixos tanto para a partida quanto para o
retorno. O movimento se efetua entre eles, que ficam imóveis; vai e vem, só lhes
tocando a superfície. Assim o apreender e o examinar consistem em verificar se
cada um encontra em sua representação o que dele se diz, se isso assim lhe
parece, se é bem conhecido ou não.

Analisar uma representação, como ordinariamente se processava, não era outra


coisa que suprassumir a forma de seu Ser-bem conhecido. Decompor uma
representação em seus elementos originários é retroceder a seus momentos que,
pelo menos, não tenham a forma da representação já encontrada, mas
constituam a propriedade imediata do Si. De certo, essa análise só vem a dar em
pensamentos, que por sua vez são determinações conhecidas, fixas e tranquilas.
Mas é um momento essencial esse separado, que é também inefetivo; uma vez
que o concreto, só porque se divide e se faz inefetivo, é que se move. A atividade
do dividir é a força e o trabalho do entendimento, a força maior e mais
maravilhosa, ou melhor: a potência absoluta.

O círculo, que fechado em si repousa e retém como substância seus momentos, é


a relação imediata e portanto nada maravilhosa. Mas o fato de que, separado de
seu contorno, o acidental como tal - o que está vinculado, o que só é efetivo em
sua conexão com outra coisa - ganhe um ser-aí próprio e uma liberdade à parte,
eis aí a força portentosa do negativo: é a energia do pensar, do puro Eu.

A morte - se assim quisermos chamar essa inefetividade - é a coisa mais terrível;


e suster o que está morto requer a força máxima. A beleza sem força detesta o
entendimento porque lhe cobra o que não tem condições de cumprir. Porém não
é a vida que se atemoriza ante a morte e se conserva intacta da devastação, mas
é a vida que suporta a morte e nela se conserva, que é a vida do espírito. O
espírito só alcança sua verdade na medida em que se encontra a si mesmo no
dilaceramento absoluto. Ele não é essa potência como o positivo que se afasta do
negativo - como ao dizer de alguma coisa que é nula ou falsa, liquidamos com
ela e passamos a outro assunto. Ao contrário, o espírito só é essa potência
enquanto encara diretamente o negativo e se demora junto dele. Esse demorar-
se é o poder mágico que converte o negativo em ser. Trata-se do mesmo poder
que acima se denominou sujeito, e que ao dar, em seu elemento, ser-aí à
determinidade, suprassume a imediatez abstrata, quer dizer, a imediatez que é
apenas essente em geral. Portanto, o sujeito é a substância verdadeira, o ser ou a
imediatez - que não tem fora de si a mediação, mas é a mediação mesma.

O representado se torna propriedade da pura consciência de si; mas essa


elevação à universalidade em geral não é ainda a formação cultural completa: é
só um aspecto. O gênero de estudos dos tempos antigos difere do dos tempos
modernos por ser propriamente a formação da consciência natural. Pesquisando
em particular cada aspecto de seu ser-aí, e filosofando sobre tudo que se
apresentava, o indivíduo se educava para a universalidade atuante em todos os
aspectos do concreto. Nos tempos modernos, ao contrário, o indivíduo encontra a
forma abstrata pronta. O esforço para apreendê-la e fazê-la sua é mais o jorrar
para fora, não imediatizado, do interior, e o produzir abreviado do universal, em
vez de ser um brotar do universal a partir do concreto e variedade do ser-aí. Por
isso o trabalho atualmente não consiste tanto em purificar o indivíduo do modo
sensível imediato, e em fazer dele uma substância pensada e pensante; consiste
antes no oposto: mediante o suprassumir dos pensamentos determinados e fixos,
efetivar e espiritualizar o universal.
No entanto é bem mais difícil levar à fluidez os pensamentos fixos, que o ser-aí
sensível. O motivo foi dado acima: aquelas determinações têm por substância e
por elemento de seu ser-aí o Eu, a potência do negativo ou a efetividade pura;
enquanto as determinações sensíveis têm apenas a imediatez abstrata impotente,
ou o ser como tal. Os pensamentos se tornam fluidos quando o puro pensar, essa
imediatez interior, se reconhece como momento; ou quando a pura certeza de si
mesmo abstrai de si. Não se abandona, nem se põe de lado; mas larga o que há
de fixo em seu pôr-se a si mesma - tanto o fixo do concreto puro, que é o próprio
Eu em oposição ao conteúdo distinto, quanto o fixo das diferenças, que postas no
elemento do puro pensar partilham dessa incondicionalidade do Eu.

Mediante esse movimento, os puros pensamentos se tornam conceitos, e somente


então eles são o que são em verdade: automovimentos, círculos. São o que sua
substância é: essencialidades espirituais.

Esse movimento das essencialidades puras constitui a natureza da cientificidade


em geral. Considerado como conexão do conteúdo delas, é a necessidade e a
expansão do mesmo num todo orgânico. O caminho pelo qual se atinge o
conceito do saber torna-se igualmente, por esse movimento, um vir a ser
necessário e completo. Assim essa preparação deixa de ser um filosofar casual
que se liga a esses ou àqueles objetos, relações e pensamentos da consciência
imperfeita, como os que o acaso traz consigo; ou que busca fundar o verdadeiro
por raciocínios ziguezagueantes, conclusões e deduções de pensamentos
determinados.

Ao contrário, esse caminho abarcará por seu movimento a mundanidade


completa da consciência em sua necessidade.

Tal apresentação constitui, além disso, a primeira parte da ciência, porque o ser-
aí do espírito, enquanto primeiro, não é outra coisa que o imediato ou o começo;
mas o começo ainda não é seu retorno a si mesmo. O elemento do ser-aí
imediato é, por isso, a determinidade pela qual essa parte da ciência se diferencia
das outras. A alusão a essa diferença leva à discussão de alguns pensamentos
estabelecidos que costumam apresentar-se a esse respeito.

O ser-aí imediato do espírito - a consciência - tem os dois momentos: o do saber


e o da objetividade, negativo em relação ao saber. Quando nesse elemento o
espírito se desenvolve e expõe seus momentos, essa oposição recai neles, e então
surgem todos como figuras da consciência. A ciência desse itinerário é a ciência
da experiência que faz a consciência; a substância é tratada tal como ela e seu
movimento são objetos da consciência. A consciência nada sabe, nada concebe,
que não esteja em sua experiência, pois o que está na experiência é só a
substância espiritual, e em verdade, como objeto de seu próprio Si. O espírito,
porém, se torna objeto, pois é esse movimento de tornar-se outro - isto é, objeto
de seu Si - e de suprassumir esse ser Outro. Experiência é justamente o nome
desse movimento em que o imediato, o não experimentado, ou seja, o abstrato -
quer do ser sensível, quer do Simples apenas pensado - se aliena e depois retoma
a si dessa alienação; e por isso - como é também propriedade da consciência -
somente então é exposto em sua efetividade e verdade.

A desigualdade que se estabelece na consciência entre o Eu e a substância – que


é seu objeto - é a diferença entre eles, o negativo em geral. Pode considerar-se
como falha dos dois, mas é sua alma, ou seja, é o que os move. Foi por isso que
alguns dos antigos conceberam o vazio como o motor. De fato, o que
conceberam foi o motor como o negativo, mas ainda não o negativo como o Si.
Ora, se esse negativo aparece primeiro como desigualdade do Eu em relação ao
objeto, é do mesmo modo desigualdade da substância consigo mesma. O que
parece ocorrer fora dela - ser uma atividade dirigida contra ela - é o seu próprio
agir; e ela se mostra assim ser essencialmente sujeito.

Quando a substância tiver revelado isso completamente, o espírito terá tornado


seu ser-aí igual à sua essência: então é objeto para si mesmo tal como ele é; e foi
superado o elemento abstrato da imediatez e da separação entre o saber e a
verdade. O ser está absolutamente mediatizado: é conteúdo substancial que
também, imediatamente, é propriedade do Eu; tem a forma do Si, ou seja, é o
conceito.

Neste ponto se encerra a Fenomenologia do Espírito. O que o espírito nela se


prepara é o elemento do saber. Agora se expandem nesse elemento os momentos
do espírito na forma da simplicidade, que sabe seu objeto como a si mesma.
Esses momentos já não incidem na oposição entre o ser e o saber,
separadamente; mas ficam na simplicidade do saber - são o verdadeiro na forma
do verdadeiro, e sua diversidade é só diversidade de conteúdo. Seu movimento,
que nesse elemento se organiza em um todo, é a Lógica ou Filosofia
Especulativa.

Uma vez que aquele sistema da experiência do espírito capta somente sua
aparição, assim parece puramente negativo o processo que conduz através do
sistema da experiência à ciência do verdadeiro que está na forma do verdadeiro.
Alguém poderia querer ser dispensado do negativo enquanto falso e conduzido
sem delongas à verdade; para que enredar-se com o falso? Já se falou acima da
opinião de que se deve começar, logo de uma vez, com a ciência; vamos aqui
responder a isso, a partir de seu ponto de vista sobre a natureza do negativo, que
toma como o falso em geral. As representações a propósito impedem
notavelmente o acesso à verdade. Assim teremos ocasião de falar sobre o
conhecimento matemático, que o saber não filosófico considera como o ideal
que a filosofia deve esforçar-se por atingir, mas que até agora tentou sem êxito.

O verdadeiro e o falso pertencem aos pensamentos determinados que, carentes


de movimento, valem como essências próprias, as quais, sem ter nada em
comum, permanecem isoladas, uma em cima, outra embaixo. Contra tal posição
deve-se afirmar que a verdade não é uma moeda cunhada, pronta para ser
entregue e embolsada sem mais. Nem há um falso, como tampouco há um mal.
O mal e o falso, na certa, não são malignos tanto como o demônio, pois deles se
fazem sujeitos particulares (como aliás também do demônio). Como mal e falso,
são apenas universais; não obstante têm sua própria essencialidade, um em
contraste com o outro.

O falso - pois só dele aqui se trata - seria o Outro, o negativo da substância, a qual
é o verdadeiro, como conteúdo do saber. Mas a substância mesma é
essencialmente o negativo; em parte como diferenciação e determinação do
conteúdo, em parte como um diferenciar simples, isto é, como Si e saber em
geral. É bem possível saber falsamente. Saber algo falsamente significa que o
saber está em desigualdade com sua substância. Ora, essa desigualdade é
precisamente o diferenciar em geral, é o momento essencial. É dessa
diferenciação que provém sua igualdade; e essa igualdade que veio a ser é a
verdade.

Mas não é a verdade como se a desigualdade fosse jogada fora, como a escória,
do metal puro; nem tampouco como o instrumento que se deixa de lado quando o
vaso está pronto; ao contrário, a desigualdade como o negativo, como o Si, está
ainda presente ela mesma no verdadeiro como tal, imediatamente. Mas não se
pode dizer por isso que o falso constitua um momento ou mesmo um componente
do verdadeiro. Nesta expressão: "todo o falso tem algo de verdadeiro", os dois
termos contam como azeite e água que não se misturam, mas só se unem
exteriormente.

Não se devem mais usar as expressões de desigualdade onde o seu ser Outro foi
suprassumido - justamente por causa da significação, para designar o momento
do completo ser Outro. Assim como a expressão da unidade do sujeito e do
objeto, do finito e do infinito, do ser e do pensar etc. tem o inconveniente de
significar que o sujeito, o objeto etc. são fora de sua unidade; e, portanto, na
unidade não são o que sua expressão enuncia, do mesmo modo o falso é um
momento da verdade, mas não mais como falso.

O dogmatismo - esse modo de pensar no saber e no estudo da filosofia - não é


outra coisa senão a opinião de que o verdadeiro consiste numa proposição que é
um resultado fixo, ou ainda, que é imediatamente conhecida. A questões como
estas - Quando nasceu César? Que estádio era e quanto media? - deve-se dar
uma resposta nítida. Do mesmo modo, é rigorosamente verdadeiro que no
triângulo retângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos
catetos. Mas a natureza de tal verdade (como a chamam) é diferente da natureza
das verdades filosóficas.

No que concerne às verdades históricas - para mencioná-las brevemente -


enquanto consideradas do ponto de vista exclusivamente histórico, admite-se sem
dificuldade que dizem respeito ao ser-aí singular, a um conteúdo sob o aspecto de
sua contingência e de seu arbitrário; - determinações do conteúdo que não são
necessárias.

Mas até mesmo verdades nuas, como as supracitadas em exemplo, não são sem
o movimento da consciência de si. É preciso muito comparar para conhecer uma
só delas; há que consultar livros ou pesquisar, seja de que maneira for. Ainda no
caso de uma intuição imediata, só será tido como possuindo verdadeiro valor seu
conhecimento junto com suas razões; embora o que realmente interesse seja seu
resultado puro e simples.

Quanto às verdades matemáticas, ainda seria menos tido como um geômetra


quem soubesse os teoremas de Euclides exteriormente, sem conhecer suas
demonstrações (ou conhecer interiormente, para exprimir-se por contraste).
Também não seria considerado satisfatório o conhecimento da relação bem
conhecida entre os lados do triângulo retângulo, se fosse adquirido medindo
muitos triângulos retângulos. Mas a essencialidade da demonstração não tem
ainda, mesmo no conhecimento matemático, a significação e a natureza de ser
um momento do resultado mesmo; ao contrário, no resultado da demonstração
some e desvanece. Sem dúvida, como resultado, o teorema é reconhecido como
um teorema verdadeiro. Mas essa circunstância, que se acrescentou depois, não
concerne ao seu conteúdo, mas só a relação para com o sujeito. O movimento da
prova matemática não pertence àquilo que é objeto, mas é um agir exterior à
Coisa.

Assim não é a natureza do triângulo retângulo que se decompõe tal como é


representada na construção necessária à demonstração do teorema que exprime
sua relação; todo o processo de produzir o resultado é um caminho e um meio do
conhecimento.

Também no conhecimento filosófico o vir a ser do ser-aí como ser-aí difere do


vir a ser da essência ou da natureza interior da coisa. Mas, primeiro, o
conhecimento filosófico contém os dois, enquanto o conhecimento matemático
só apresenta o vir a ser do ser-aí, isto é, do ser da natureza da Coisa no conhecer
como tal. Segundo, o conhecimento filosófico unifica também esses dois
movimentos particulares. O nascer interior, ou o vir a ser da substância, é
inseparavelmente transitar para o exterior ou para o ser-aí; é ser para Outro.
Inversamente, o vir a ser do ser-aí é o recuperar a si mesmo na essência. O
movimento é assim o duplo processo e vir a ser do todo; de modo que cada
momento põe ao mesmo tempo o outro, e por isso cada qual tem em si, como
dois aspectos, ambos os momentos; e eles, conjuntamente, constituem o todo,
enquanto se dissolvem a si mesmos e se fazem momentos seus.

No conhecer matemático, a intelecção é para a Coisa um agir exterior; segue-se


daí que a verdadeira Coisa é por ele alterada. O meio desse conhecimento- a
construção e a demonstração - contém proposições verdadeiras; mas também se
deve dizer que o conteúdo é falso. No exemplo acima, se desmembra o triângulo,
e suas partes são articuladas em outras figuras que a construção faz nele surgir.
Só no final se restabelece o triângulo, aquele de que justamente se tratava, mas
que foi perdido de vista no processo da demonstração, reduzido a peças que
faziam parte de outras totalidades.

Vemos assim que também nesse ponto ressalta a negatividade do conteúdo, a


qual devia ser chamada uma falsidade do conteúdo, com tanta razão como se
chama falsidade o desvanecer dos pensamentos, que se tinham por fixos, no
movimento do conceito.

Mas a falha própria desse conhecimento afeta tanto o conhecimento mesmo


quanto a sua matéria em geral. No que toca ao conhecimento, não parece clara,
à primeira vista, a necessidade da construção. Não deriva do conceito do
teorema, mas é algo imposto: deve-se obedecer às cegas a prescrição de traçar
justamente estas linhas, quando infinitas outras poderiam ser traçadas; sem nada
mais saber, acreditar piamente que esse processo é adequado para a conduta da
demonstração. Mais tarde se mostra também essa conformidade com o fim, que
é só uma conformidade exterior, pelo motivo de que só se manifesta quando feita
sua demonstração. Assim, essa demonstração toma um caminho que começa
num ponto qualquer, sem se saber que relação tem com o resultado que deve
provir. O curso da demonstração assume estas determinações e relações e deixa
outras de lado, sem que imediatamente se possa ver qual a necessidade disso;
uma finalidade exterior comanda esse movimento.

A matemática se orgulha e se pavoneia frente à filosofia - por causa desse


conhecimento defeituoso, cuja evidência reside apenas na pobreza de seu fim e
na deficiência de sua matéria; portanto, um tipo de evidência que a filosofia deve
desprezar. O fim - ou o conceito - da matemática é a grandeza. Essa é
justamente a relação inessencial carente de conceito. Por isso, o movimento do
saber matemático passa por sobre a superfície, não toca a Coisa mesma, não
toca a essência ou o conceito, e portanto não é um conceber. A matéria, onde a
matemática preserva um tesouro gratificante de verdades, é o espaço e o uno. O
espaço é o ser-aí, no qual o conceito inscreve suas diferenças, como num
elemento vazio e morto, no qual as diferenças são igualmente imóveis e sem
vida. O efetivo não é algo espacial, como é tratado na matemática; com tal
inefetividade, como são as coisas da matemática, não se ocupa nem a intuição
sensível concreta nem a filosofia. Por conseguinte, nesse elemento inefetivo, só
há também um Verdadeiro inefetivo; isto é, proposições mortas e rígidas. Em
cada uma dessas proposições é possível parar; a seguinte recomeça tudo por sua
conta, sem que a primeira se movesse até ela, e sem que assim surgisse uma
conexão necessária através da natureza da Coisa mesma.

Além disso, em virtude daquele princípio ou elemento, o saber prossegue pela


linha da igualdade - e nisso consiste o formal da evidência matemática. Com
efeito o morto, porque não se move, não chega à diferença da essência nem à
oposição essencial ou desigualdade - e portanto à passagem do oposto no oposto -,
nem à passagem qualitativa, imanente; e nem ao automovimento. Pois o que a
matemática considera é somente a grandeza, a diferença inessencial: abstrai do
fato de que é o conceito que divide o espaço em suas dimensões, e que determina
as conexões entre as dimensões e dentro delas. Não consideram, por exemplo, a
relação da linha com a superfície, e quando compara o diâmetro do círculo com
a periferia, choca-se contra a sua incomensurabilidade, quer dizer, uma relação
do conceito, um infinito que escapa à sua determinação.

A matemática imanente, a que chamam de matemática pura, não põe o tempo


como tempo, frente ao espaço, como a segunda matéria de sua consideração. A
matemática aplicada trata de fato do tempo, do movimento e de várias outras
coisas efetivas. Mas toma da experiência as proposições sintéticas, isto é,
proposições sobre suas relações que são determinadas por meio de seu conceito,
e só a essas pressuposições aplica suas fórmulas.

De tais proposições, a matemática aplicada oferece em abundância o que chama


demonstrações: - como a do equilíbrio da alavanca e a da relação entre o espaço
e o tempo no movimento da queda livre. Mas que sejam dadas e aceitas como
demonstrações, prova apenas a grande necessidade da prova para o
conhecimento, pois, quando não tem mais provas, valoriza até sua aparência
vazia e ali encontra alguma satisfação. Uma crítica dessas demonstrações seria
tão digna de nota quanto instrutiva: de um lado, por expurgar a matemática
dessas bijuterias, e, de outro lado, por mostrar seus limites, e, portanto, a
necessidade de outro saber.

No que concerne ao tempo, pensam que deve constituir a matéria da outra parte
da matemática pura, em contrapartida com o espaço; mas o tempo é o próprio
conceito aí essente. O princípio da grandeza - a diferença carente de conceito -, e
o princípio da igualdade - a unidade abstrata sem vida - não são capazes de
apreender o tempo, essa pura inquietude da vida e diferenciação absoluta. Assim,
essa negatividade só se torna a segunda matéria do conhecimento matemático
como paralisado, isto é, como o uno; esse conhecimento é um agir exterior, que
reduz o automovimento à matéria; e nela possui então um conteúdo indiferente,
exterior e sem vida.

A filosofia, ao contrário, não considera a determinação inessencial, mas a


determinação enquanto essencial. Seu elemento e seu conteúdo não é o abstrato e
o inefetivo, mas sim o efetivo, que se põe a si mesmo e é em si vivente: o ser-aí
em seu conceito. É o processo que produz e percorre os seus momentos; e o
movimento total constitui o positivo e sua verdade. Movimento esse que também
encerra em si o negativo, que mereceria o nome de falso se fosse possível tratar
o falso como algo de que se tivesse de abstrair. Ao contrário, o que deve ser
tratado como essencial é o próprio evanescente; não deve ser tomado na
determinação de algo rígido, cortado do verdadeiro, deixado fora dele não se
sabe onde; nem tampouco o verdadeiro como um positivo morto jazendo do
outro lado.

A aparição é o surgir e passar que não surge nem passa, mas que em si constitui a
efetividade e o movimento da vida da verdade. O verdadeiro é assim o delírio
báquico, onde não há membro que não esteja ébrio; e porque cada membro, ao
separar-se, também imediatamente se dissolve, esse delírio é ao mesmo tempo
repouso translúcido e simples. Perante o tribunal desse movimento não se sustêm
nem as figuras singulares do espírito, nem os pensamentos determinados; pois aí
tanto são momentos positivos necessários, quanto são negativos e evanescentes.

Na totalidade do movimento, compreendido como estado de repouso, o que nele


se diferencia e se dá um ser-aí particular é conservado como algo que se
rememora, cujo ser-aí é o saber de si mesmo; como esse saber é também
imediatamente ser-aí.

Talvez pareça necessário indicar antes os pontos principais do método desse


movimento, ou da ciência. Mas seu conceito já se encontra no que foi dito, e sua
apresentação autêntica pertence à Lógica, ou melhor, é a própria Lógica. Pois o
método não é outra coisa que a estrutura do todo, apresentada em sua pura
essencialidade. Porém, quanto às opiniões em voga até agora sobre o método,
devemos ter consciência de que também o sistema das representações relativas
ao método filosófico pertence a uma cultura desaparecida. Isso pode soar um
tanto arrogante ou revolucionário - um tom de que me sinto bem distante. Porém
deve-se observar que a opinião corrente já acha pelo menos antiquado todo o
aparato científico oferecido pela matemática - explicações, divisões, axiomas,
séries de teoremas e suas demonstrações, princípios com suas demonstrações e
conclusões. Embora sua inutilidade não seja claramente entendida, contudo se
faz pouco uso, ou nenhum, desse método: se não é em si desaprovado, também
não é estimado. Ora, devemos ter essa pressuposição a respeito do excelente: de
que seja aplicado e se faça amar.

Mas não é difícil perceber que essa maneira de proceder - expor uma
proposição, defendê-la com argumentos, refutar o seu oposto com razões - não é
a forma como a verdade pode manifestar-se. A verdade é seu próprio
movimento dentro de si mesma; mas aquele método é o conhecer que é exterior
à matéria. Por isso, como já anotamos, é próprio da matemática e deve-se-lhe
deixar, pois tem como princípio a relação de grandeza - relação carente de
conceito -, e tem como matéria o espaço morto e o Uno igualmente morto. Mas
esse método pode continuar a ser utilizado, de maneira mais livre - quer dizer,
mais misturado com capricho e contingência - na vida cotidiana, na conversação
e na informação histórica, que ficam mais na curiosidade que no conhecimento.
Também um prefácio é mais ou menos isso.

A consciência na vida cotidiana tem, em geral, por seu conteúdo, conhecimentos,


experiências, sensações de coisas concretas, e também pensamentos, princípios -
o que vale para ela como um dado ou então como ser ou essência fixos e
estáveis. A consciência, em parte, discorre por esse conteúdo; em parte,
interrompe seu discurso, comportando-se como um manipular do mesmo
conteúdo, desde fora. Reconduz o conteúdo a algo que parece certo, embora seja
só a impressão do momento; e a convicção fica satisfeita quando atinge um ponto
de repouso já conhecido.

Mas se a necessidade do conceito exclui o caminho folgado da conversa


raciocinante, como também o rígido procedimento do pedantismo científico, seu
lugar, como acima lembramos, não deve ser tomado pelo não método do
pressentimento e do entusiasmo, e pelo arbitrário do discurso profético que não só
despreza aquela cientificidade, mas a cientificidade em geral.

O conceito da ciência surgiu depois que se elevou à sua significação absoluta


aquela forma triádica que em Kant era ainda carente de conceito, morta, e
descoberta por instinto. Assim, a verdadeira forma foi igualmente estabelecida
no seu verdadeiro conteúdo. Não se pode, de modo algum, considerar como
científico o uso daquela forma triádica, onde a vemos reduzida a um esquema
sem vida, a um verdadeiro fantasma. A organização científica está aí reduzida a
uma tabela.

Já falamos acima desse formalismo de modo geral. Queremos agora expor mais
de perto sua maneira de proceder. Julga que concebeu e exprimiu a natureza e a
vida de uma figura, quando afirmou como predicado uma determinação do
esquema; por exemplo, a subjetividade, ou então o magnetismo, a eletricidade
etc., a contração ou a expansão, o oeste ou leste etc. Coisas semelhantes podem
ser multiplicadas ao infinito, pois, nesse procedimento, cada determinação ou
figura pode ser reutilizada em outra, como forma ou momento do esquema; e
cada uma, agradecida, pode prestar o mesmo serviço à outra. É um círculo de
reciprocidades, através do qual não se experimenta o que seja a Coisa mesma,
nem o que seja uma nem a outra. Aí se aceitam, por um lado, determinações
sensíveis da intuição vulgar, que de certo devem significar algo diverso do que
dizem; e, por outro lado, o que é em si significante, as determinações puras do
pensamento - como sujeito, objeto, substância, causa, universal etc. - são
aplicadas tão sem reflexão e sem crítica como na vida cotidiana. Do mesmo
modo se fala de força e fraqueza, expansão e contração, de tal forma que aquela
metafísica é tão a-científica quanto essas representações sensíveis.

Em vez da vida interior e do automovimento de seu ser-aí, essa simples


determinidade da intuição - quer dizer, aqui: do saber sensível - se exprime
conforme uma analogia superficial. Chama-se construção essa aplicação vazia e
exterior da fórmula. A tal formalismo toca a mesma sorte de qualquer
formalismo. Deve ser bem obtusa a cabeça em que não se pode inculcar, num
quarto de hora, a teoria das doenças astênicas, estênicas; e indiretamente
astênicas e outros tantos métodos de cura. E como não esperar, com tal ensino,
em pouco tempo transformar um curandeiro em doutor? O formalismo da
filosofia da natureza pode ensinar que a inteligência é a eletricidade, ou que o
animal é o nitrogênio, ou então igual ao sul ou ao norte; ou representar isso tão
cruamente como aqui se exprime, ou temperá-lo com mais terminologia. A
incompetência poderá sentir-se atônita ante uma força tal que congrega
aparências tão distantes uma da outra; ante a violência que sofre o pacato mundo
sensível através dessa vinculação que lhe dá assim a aparência de um conceito -
embora sem exprimir o que há de mais importante: o conceito mesmo ou o
significado da representação sensível.

A incompetência poderá também inclinar-se ante tão profunda genialidade,


alegrar-se com a clareza de tais determinações que substituem o conceito
abstrato por algo intuitivo e o tornam mais agradável; e felicitar-se por sentir uma
afinidade de alma com tão soberana façanha. O truque de tal sabedoria é tão
depressa aprendido como é fácil de aplicar; mas sua repetição, quando já está
conhecido, é tão insuportável como a repetição de um truque de prestidigitação
já descoberto.

O instrumento desse monótono formalismo não é mais difícil de manejar que a


paleta de um pintor sobre a qual só houvesse duas cores, digamos, o vermelho e o
verde, usadas conforme se exigisse para colorir a tela, pintando com uma delas
cenas históricas, e, com a outra, paisagens. Difícil decidir o que é maior: a sem-
cerimônia com que se pinta tudo que há no céu, na terra e nos infernos com tal
sopa de tintas; ou a vaidade pela excelência desse meio-universal: uma coisa
serve de apoio à outra. Revestindo tudo o que é celeste e terrestre, todas as
figuras naturais e espirituais com um par de determinações do esquema
universal, e dessa maneira organizando tudo - o que esse método produz não é
nada menos que um "Informe Claro Como o Sol" sobre o organismo do universo,
isto é, uma tabela semelhante a um esqueleto, com cartõezinhos colados, ou uma
prateleira de latas com suas etiquetas penduradas num armazém. A tabela é tão
clara quanto os exemplos acima; mas como no esqueleto a carne e o sangue
foram retirados dos ossos, e como nas latas estão escondidas coisas sem vida,
assim também na tabela a essência viva da Coisa está abandonada ou escondida.

Já se fez notar que esse procedimento termina numa pintura absolutamente


unicolor porque, ao envergonhar-se das diferenças do esquema, as submerge
como se pertencessem à reflexão, na vacuidade do absoluto, de modo que se
estabeleça a pura identidade, o branco sem forma. Essa monocromia do
esquema e de suas determinações sem vida, essa identidade absoluta e o passar
de uma coisa para outra, tudo isso é igualmente entendimento morto, e
igualmente conhecimento exterior.

Mas o excelente não pode escapar ao destino de tornar-se assim sem vida e sem
espírito, esfolado desse modo por um saber carente de vida e pela vaidade dele.
Mais ainda: tem de reconhecer nesse mesmo destino o poder que o excelente
exerce sobre as almas, se não sobre os espíritos, e também o aprimoramento em
direção da universalidade e determinidade da forma, em que sua perfeição
consiste; somente ela possibilita que essa universalidade seja usada
superficialmente.

A ciência só se permite organizar mediante a própria vida do conceito: nela, a


determinidade, que do esquema é aplicada exteriormente ao ser-aí, constitui a
alma semovente do conteúdo pleno. O movimento do essente consiste, de um
lado, em tornar-se outro e, assim, seu próprio conteúdo imanente; de outro lado, o
essente recupera em si esse desenvolvimento ou esse seu ser-aí. Isto é, faz de si
mesmo um momento e se simplifica em direção à determinidade. A
negatividade é nesse movimento o diferenciar e o pôr do ser-aí; e é, nesse
retomar a si, o vir a ser da simplicidade determinada. Dessa maneira, o conteúdo
mostra que sua determinidade não é recebida de outro e pregada nele; mas antes,
é o conteúdo que se outorga a determinidade e se situa, de per si, em um
momento e em um lugar do todo.

O entendimento tabelador guarda para si a necessidade e o conceito do conteúdo:


tudo o que constitui o concreto, a efetividade e o movimento vivo da coisa que
classifica. Ou melhor: não é que o guarde para si, mas o desconhece; pois se
tivesse essa perspicácia, bem que a mostraria. Na verdade, nem sequer conhece
sua necessidade, aliás renunciaria a seu esquematizar, ou pelo menos só o
tomaria por uma indicação do conteúdo. De fato, tal procedimento só fornece
uma indicação do conteúdo, e não o conteúdo mesmo.

Uma determinidade, tal como o magnetismo, por exemplo, em si concreta ou


efetiva, é reduzida a algo morto, pois só é tomada como predicado de outro ser-
aí, e não como vida imanente desse ser-aí; ou seja, como o que tem nele sua
autoprodução íntima e peculiar, e sua exposição. Levar a cabo essa tarefa
suprema - isso o entendimento formal deixa para os outros. Em vez de penetrar
no conteúdo imanente da coisa, o entendimento lança uma vista geral sobre o
todo, e vem pairar sobre um ser-aí singular do qual fala; quer dizer, não o
enxerga de modo nenhum.

Entretanto o conhecimento científico requer o abandono à vida do objeto; ou, o


que é o mesmo, exige que se tenha presente e se exprima a necessidade interior
do objeto. Desse modo, indo a fundo em seu objeto, esquece aquela vista geral
que é apenas a reflexão do saber sobre si mesmo a partir do conteúdo. Contudo,
submerso na matéria e avançando no movimento dela, o conhecimento científico
retoma a si mesmo; mas não antes que a implementação ou o conteúdo,
retirando-se em si mesmo e simplificando-se na determinidade, se tenha
reduzido a um dos aspectos de um ser-aí, e passado à sua mais alta verdade.
Através desse processo, o todo simples, que não enxergava a si mesmo, emerge
da riqueza em que sua reflexão parecia perdida.

Por este motivo em geral, que a substância é nela mesma sujeito, como acima
foi dito, todo o seu conteúdo é sua própria reflexão sobre si. O subsistir ou a
substância de um ser-aí é a igualdade consigo mesmo, já que sua desigualdade
consigo seria sua dissolução. Porém, a igualdade consigo mesmo é a pura
abstração; mas esta é o pensar. Quando digo: qualidade, digo a determinidade
simples; por meio da qualidade, um ser-aí é diferente de outro, ou seja, é um ser-
aí; é para si mesmo ou subsiste por meio dessa simplicidade consigo mesmo. Mas
por isso é essencialmente o pensamento.
Aqui se conceitua que o ser é pensar; aqui incide a intuição que trata de evitar o
discurso - habitual e carente de conceito - da identidade entre o pensar e o ser.
Ora, uma vez que o subsistir do ser-aí é a igualdade consigo mesmo ou a pura
abstração, ele é a abstração de si por si mesmo, ou é sua desigualdade consigo e
sua dissolução - sua própria interioridade e sua retomada em si mesmo - seu vir a
ser.

Devido a essa natureza do essente, e enquanto o essente tem tal natureza para o
saber, esse não é uma atividade que manipule o conteúdo como algo estranho,
nem é a reflexão sobre si, partindo do conteúdo. A ciência não é certo idealismo
que se introduziu em lugar do dogmatismo da afirmação, como o dogmatismo da
asseveração ou dogmatismo da certeza de si mesmo. Mas, enquanto o saber vê
seu conteúdo retomar à sua própria interioridade, é antes sua atividade que nele
está imersa, por ser tal atividade o Si imanente do conteúdo; ela ao mesmo tempo
retoma a si, pois é a pura igualdade consigo mesma no ser Outro. Assim, a
atividade do saber é a astúcia que, parecendo subtrair-se à atividade, vê como a
determinidade e sua vida concreta constituem um agir que se dissolve e se faz
um momento do todo; justamente onde acredita ocupar-se de sua própria
conservação e de seu interesse particular.

Apresentamos acima a significação do entendimento do lado da consciência de si


da substância. Mas, pelo que se disse agora, está clara sua significação segundo a
determinação da substância como essente. O ser-aí é qualidade, determinidade
igual a si mesma ou simplicidade determinada, pensamento determinado: esse é
o entendimento do ser-aí, Por isso o ser-aí é o "nous" e foi como tal que
Anaxágoras reconheceu primeiro a essência. Seus sucessores conceberam mais
determinadamente a natureza do ser-aí como "eidos" ou "idea", isto é,
universalidade determinada, espécie. A expressão espécie parece talvez
demasiado vulgar e pequena demais para as ideias, para o belo, o sagrado, o
eterno, que pululam no tempo atual. Mas, de fato, a ideia não exprime nem mais
nem menos que espécie. Ora, vemos hoje com frequência que é desprezada
uma expressão que designa um conceito de maneira determinada, enquanto se
prefere outra que envolve de névoa o conceito e assim ressoa mais edificante,
talvez porque pertence a um idioma estrangeiro.

Precisamente pelo motivo de ser determinado como espécie, o ser-aí é


pensamento simples: o "nous", a simplicidade, é a substância. Graças à sua
simplicidade e igualdade consigo mesma, a substância aparece como firme e
estável. Porém essa igualdade consigo mesma é também negatividade, e por isso
aquele ser-aí fixo procede à sua própria dissolução. A determinidade, de início,
aparenta ser apenas porque se refere a Outro; e seu movimento, imposto por
uma potência estranha. Mas o que está precisamente contido naquela
simplicidade do pensar é que a determinidade tem em si mesma o seu ser Outro
e que é automovimento; pois tal simplicidade é o pensamento que a si mesmo se
move e se diferencia: é a própria interioridade, o puro conceito. Portanto, a
inteligibilidade é, desse modo, um vir a ser; e enquanto é esse vir a ser, é a
racionalidade.

A natureza do que é está em ser, no seu próprio ser, seu conceito: nisso consiste a
necessidade lógica em geral. Só ela é o racional ou o ritmo do todo orgânico: é
tanto o saber do conteúdo quanto o conteúdo é conceito e essência; ou seja, só a
necessidade lógica é o especulativo. A figura concreta, movendo-se a si mesma,
faz de si uma determinidade simples; com isso se eleva à forma lógica e é, em
sua essencialidade. Seu ser-aí concreto é apenas esse movimento, e é ser-aí
lógico, imediatamente. É, pois, inútil aplicar de fora o formalismo ao conteúdo
concreto; pois esse conteúdo é nele mesmo o passar ao formalismo. Mas então o
formalismo deixa de ser formalismo, porque a forma é o vir a ser inato do
próprio conteúdo concreto.

Essa natureza do método científico - por um lado, ser inseparável do conteúdo, e,


por outro lado, determinar seu ritmo próprio por si mesmo - tem sua
apresentação propriamente dita na filosofia especulativa, como já foi lembrado.

O que foi dito aqui exprime certamente o conceito, mas não tem mais valor que
uma asserção antecipada. Sua verdade não se situa nessa exposição,
parcialmente narrativa. Por isso mesmo, não pode ser refutada pela asserção
contrária: "de que não é assim, mas dessa ou daquela maneira"; nem trazendo à
lembrança e narrando representações costumeiras como verdades bem
conhecidas e estabeleci das; nem apresentando e asseverando algo novo, tirado
do escrínio da intuição divina interior. Frente ao desconhecido, a primeira reação
do saber costuma ser um acolhimento desses; para salvaguardar sua liberdade e
perspicácia, e a própria autoridade frente à autoridade estranha (pois o que se
apreende pela primeira vez parece ter essa forma): mas também para evitar
essa aparência ou espécie de vergonha que reside no fato de aprender alguma
coisa. Do mesmo modo, no caso de acolhimento favorável do desconhecido, a
reação da mesma espécie consiste no que foram, em outra esfera, o discurso e a
ação ultrarrevolucionários.

Por conseguinte, o que importa no estudo da ciência é assumir o esforço tenso do


conceito. A ciência exige atenção ao conceito como tal, às determinações
simples, por exemplo, do ser em si, do ser para si, da igualdade consiga mesmo
etc., já que esses são puros automovimentos tais que se poderiam chamar de
almas, se não designasse seu conceito algo mais elevado que isso. Para o hábito
de guiar-se por representações é molesta a interrupção que o conceito nelas
introduz; sucede o mesmo com o pensar formal que raciocina ziguezagueando
entre pensamentos inefetivos.

Esse hábito merece o nome de pensamento material, de consciência contingente,


imersa somente no conteúdo material, para a qual é custoso ao mesmo tempo
elevar da matéria seu próprio Si e permanecer junto a si. Ao contrário, o outro
modo de pensar, o raciocinar, é a liberdade desvinculada do conteúdo, é a
vaidade exercendo-se sobre ele. Exige-se da vaidade o esforço de abandonar tal
liberdade; e, em vez de ser o princípio motor arbitrário do conteúdo, mergulhar
essa liberdade nele, fazer que se mova conforme sua própria natureza, isto é,
através do Si como seu próprio conteúdo; e contemplar esse movimento.

Renunciar a suas próprias incursões no ritmo imanente dos conceitos; não


interferir nele através de seu arbítrio e de sabedoria adquirida alhures - eis a
discrição que é, ela mesma, um momento essencial da atenção ao conceito.

Na atitude raciocinante, dois aspectos devem ser ressaltados - aspectos segundo


os quais o pensamento conceitual é o seu oposto. De uma parte, o procedimento
raciocinante se comporta negativamente em relação ao conteúdo apreendido;
sabe refutá-lo e reduzi-lo a nada. Essa intelecção de que o conteúdo não é assim
é algo puramente negativo; é o ponto terminal que a si mesmo não ultrapassa
rumo a novo conteúdo, mas para ter de novo um conteúdo, deve arranjar outra
coisa, seja donde for. É a reflexão no Eu vazio, a vaidade do seu saber.

Essa vaidade porém não exprime apenas que esse conteúdo é vão, mas também
que é vã essa intelecção, por ser o negativo que não enxerga em si o positivo. Por
conseguinte, uma vez que não ganha como conteúdo sua negatividade, essa
reflexão, em geral, não está na Coisa, mas passa sempre além dela; desse modo,
com a afirmação do vazio, se afigura estar sempre mais avançada que uma
intelecção rica de conteúdo. Ao contrário, como já foi mostrado, no pensar
conceitual o negativo pertence ao conteúdo mesmo e - seja como seu
movimento imanente e sua determinação, seja como sua totalidade - é o positivo.
O que surge desse movimento, apreendido como resultado, é o negativo
determinado e portanto é igualmente um conteúdo positivo.

Tendo porém em vista que o pensamento raciocinante tem um conteúdo,


constituído por representações ou por pensamentos - ou por uma mescla de
ambos -, ele possui outro aspecto que lhe dificulta o conceber. Sua natureza
característica está estreitamente vinculada à essência da ideia indicada acima, ou
melhor, a exprime tal qual se manifesta como o movimento que é o apreender
pensante.
No seu comportamento negativo, que acabamos de ver, o próprio pensar
raciocinante é o Si ao qual o conteúdo retoma; porém, no seu conhecer positivo, o
Si é um sujeito representado, com o qual o conteúdo se relaciona como acidente
e predicado. Esse sujeito constitui a base à qual o predicado está preso, e sobre a
qual o movimento vai e vem. No pensamento conceitual o sujeito comporta-se
de outra maneira. Enquanto o conceito é o próprio Si do objeto, que se apresenta
como seu vir a ser, não é um sujeito inerte que sustenha imóvel os acidentes; mas
é o conceito que se move, e que retoma em si suas determinações.

Nesse movimento subverte-se até aquele sujeito inerte: penetra nas diferenças e
no conteúdo, e em vez de ficar frente a frente com a determinidade, antes a
constitui: isto é, constitui o conteúdo diferenciado como também o seu
movimento. Assim, a base firme, que o raciocinar tinha no sujeito inerte, vacila;
e é somente esse movimento que se torna o objeto.

O sujeito, que implementa seu conteúdo, deixa de passar além dele, e não pode
ter mais outros predicados e acidentes. Inversamente, a dispersão do conteúdo é,
por isso, reunida sob o Si: o conteúdo não é o universal que, livre do sujeito,
pudesse convir a muitos. Assim o conteúdo já não é, na realidade, o predicado do
sujeito, mas é a substância: é a essência ou o conceito do objeto do qual se fala.
O pensar representativo tem essa natureza de percorrer acidentes e predicados; e
com razão os ultrapassa, por serem apenas predicados e acidentes. Mas agora é
freado em seu curso, pois o que na proposição tem a forma de um predicado é a
substância mesma: sofre o que se pode representar como um contrachoque.
Tendo começado do sujeito, como se esse ficasse no fundamento em repouso,
descobre que - enquanto o predicado é antes a substância - o sujeito passou para
o predicado, e por isso foi suprassumido; e enquanto o que parece ser predicado
se tornou uma massa inteira e independente, o pensamento já não pode vaguear
livremente por aí, mas fica retido por esse lastro.

Aliás, o sujeito é, de início, posto como o Si fixo e objetivo, donde o movimento


necessário passa à variedade das determinações ou dos predicados. Aqui entra,
no lugar daquele sujeito, o próprio Eu que sabe - vínculo dos predicados com o
sujeito que é seu suporte. Mas enquanto o primeiro sujeito entra nas
determinações mesmas e é sua alma, o segundo sujeito - isto é, o Eu que sabe -
encontra ainda no predicado aquele primeiro sujeito, quando julgava já ter
liquidado com ele, e queria retomar a si mesmo para além dele. Em vez de ser o
agente no movimento do predicado - como o raciocinar sobre qual predicado
deve ser atribuído ao sujeito - deve, antes, haver-se com o Si do conteúdo; não
deve ser para si, mas em união com ele.

Formalmente pode exprimir-se assim o que foi dito: a natureza do juízo e da


proposição em geral - que em si inclui a diferença entre sujeito e predicado - é
destruída pela proposição especulativa; e a proposição da identidade, em que a
primeira se transforma, contém o contrachoque na relação sujeito-predicado.

O conflito entre a forma de uma proposição em geral e a unidade do conceito


que a destrói é semelhante ao que ocorre no ritmo entre o metro e o acento. O
ritmo resulta do balanceamento dos dois e de sua unificação. Assim também, na
proposição filosófica, a identidade do sujeito e do predicado não deve anular sua
diferença expressa pela forma da proposição; mas antes, sua unidade deve surgir
como uma harmonia. A forma da proposição é a manifestação do sentido
determinado ou do acento, o qual diferencia o conteúdo que o preenche; porém a
unidade em que esse acento expira está em que o predicado exprima a
substância e em que o próprio sujeito incida no universal.

Para esclarecer com exemplos o que vai dito, na proposição "Deus é o ser" o
predicado é o ser: tem uma significação substancial na qual o sujeito se dissolve.
Aqui "ser" não deve ser predicado, mas a essência; por isso parece que, mediante
a posição da proposição, Deus deixa de ser o que é - a saber, sujeito fixo. O
pensar, em vez de progredir na passagem do sujeito ao predicado, se sente, com
a perda do sujeito, antes freado e relançado ao pensamento do sujeito, pois esse
lhe faz falta. Ou seja: o próprio predicado sendo expresso como um sujeito,
como o ser, como a essência que esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra
também o sujeito imediatamente no predicado. Então, o pensar está ainda nas
profundezas do conteúdo, ou, ao menos, tem presente a exigência de nele se
aprofundar; em lugar de manter a livre posição do raciocinar que no predicado
vai para si mesmo.

Assim, quando se diz: "o efetivo é o universal", o efetivo, como sujeito, some no
seu predicado. O universal não deve ter somente a significação do predicado, de
modo que a proposição exprima que o efetivo seja universal - mas o universal
deve exprimir a essência do efetivo. Perde assim o pensar seu firme solo
objetivo, que tinha no sujeito, quando estando no predicado é recambiado ao
sujeito, e no predicado não é a si que retoma, e sim ao sujeito do conteúdo.

As queixas sobre a incompreensibilidade das obras filosóficas se devem


sobretudo a esse freio insólito, quando partem de pessoas que aliás têm nível de
instrução adequado para compreendê-las. Vemos, no que foi dito, o motivo de
uma censura bem específica e frequente, de que na sua maioria os escritos
filosóficos devem ser lidos mais de uma vez antes de serem compreendidos -
censura que deve conter algo de irrefutável e definitivo ao ponto que, se fosse
comprovada, não admitiria réplica. Mas, do que acima foi dito, essa questão está
situada com clareza. A proposição filosófica, por ser proposição, evoca a ideia da
relação costumeira entre sujeito e predicado, e do procedimento habitual do
saber. Tal procedimento e a ideia a seu respeito são destruídos pelo conteúdo
filosófico; a opinião corrente experimenta que se entendia outra coisa e não o que
ela supunha; e essa correção, do que opinava, obriga o saber a voltar à
proposição e a compreendê-la agora diversamente.

Uma dificuldade a evitar é a mistura do modo especulativo e do modo


raciocinante quando o que se diz do sujeito, ora tem a significação de seu
conceito, ora tem apenas a significação de seu predicado ou acidente. Um
procedimento estorva o outro, e só conseguirá plasticidade aquela exposição
filosófica que excluir rigorosamente a maneira como habitualmente são
relacionadas as partes de uma proposição.

De fato, o pensar não especulativo tem também seu direito, que é válido mas não
é levado em conta no modo da proposição especulativa. A suprassunção da
forma da proposição não pode ocorrer só de maneira imediata, nem mediante o
puro conteúdo da proposição. No entanto, esse movimento oposto necessita ter
expressão: não deve ser apenas aquela frenagem interior, mas esse retomar do
conceito a si tem de ser apresentado.

Esse movimento - que constitui o que a demonstração aliás devia realizar - é o


movimento dialético da proposição mesma. Só ele é o Especulativo efetivo, e só
o seu enunciar é exposição especulativa. Como proposição, o especulativo é
somente a frenagem interior, o retomo não ai essente da essência a si mesma.
Por isso, vemos que as exposições filosóficas com frequência nos remetem a
essa intuição interior, e desse modo ficamos privados da exposição dialética que
reclamávamos. A proposição deve exprimir o que é o verdadeiro; mas
essencialmente, o verdadeiro é o sujeito: e como tal é somente o movimento
dialético, esse caminhar que a si mesmo produz, que avança e que retoma a si.
Em qualquer outro conhecer, a demonstração constitui esse lado da expressão da
interioridade. Porém, desde que a dialética foi separada da demonstração, o
conceito da demonstração filosófica de fato se perdeu.

Pode-se lembrar a respeito que o movimento dialético tem igualmente


proposições como partes ou elementos seus: a dificuldade indicada parece assim
voltar sempre, e ser uma dificuldade da Coisa mesma. É semelhante ao que
sucede na demonstração ordinária: os fundamentos que utiliza precisam por sua
vez de uma fundamentação, e assim por diante até o infinito. Mas essa forma de
fundar e de condicionar pertence àquele demonstrar que é diferente do
movimento dialético; portanto, pertence ao conhecer exterior. No que toca o
movimento dialético, seu elemento é o conceito puro, e por isso tem um conteúdo
que em si mesmo é absolutamente sujeito. Assim, nenhum conteúdo ocorre que
se comporte ao modo de um sujeito posto como fundamento, e ao qual advenha
sua significação como um predicado: a proposição, imediatamente, é só uma
forma vazia. Excetuando o Si intuído sensivelmente ou representado, é sobretudo
o nome como nome que indica o sujeito puro, o Uno vazio e carente de conceito.
Por esse motivo pode ser útil, por exemplo, evitar o nome "Deus", porque essa
palavra não é, ao mesmo tempo, imediatamente conceito, mas o nome
propriamente dito: o repouso fixo do sujeito que está no fundamento. Ao
contrário, por exemplo, o ser, o uno, a singularidade, o sujeito etc. designam eles
mesmos imediatamente também conceitos.

Aliás, se forem enunciadas verdades especulativas sobre aquele sujeito, seu


conteúdo carece de conceito imanente, pois o sujeito só está presente como
sujeito em repouso, e por essa circunstancia tais verdades recebem facilmente a
forma de mera edificação. Sob esse aspecto também o obstáculo reside no hábito
de entender, segundo a forma da proposição, o predicado especulativo, e não
como conceito ou essência; e pode aumentar ou diminuir por culpa da própria
exposição filosófica. A apresentação, fiel à visão da natureza do especulativo,
deve manter a forma dialética e nada incluir a não ser na medida em que é
concebido e que é o conceito.

Constitui um obstáculo ao estudo da filosofia, tão grande quanto a atitude


raciocinante, a presunção - que não raciocina - das verdades feitas. Seu possuidor
não acha preciso retomar sobre elas, mas as coloca no fundamento, e acredita
que não só pode exprimi-las, mas também julgar e condenar por meio delas.
Vendo as coisas por esse lado, é particularmente necessário fazer de novo do
filosofar uma atividade séria. Para se ter qualquer ciência, arte, habilidade,
ofício, prevalece a convicção da necessidade de um esforço complexo de
aprender e de exercitar-se. De fato, se alguém tem olhos e dedos e recebe couro
e instrumentos, nem por isso está em condições de fazer sapatos. Ao contrário, no
que toca à filosofia, domina hoje o preconceito de que qualquer um sabe
imediatamente filosofar e julgar a filosofia, pois tem para tanto padrão de
medida na sua razão natural - como se não tivesse também em seu pé a medida
do sapato.

Parece mesmo que se põe a posse da filosofia na falta de conhecimentos e de


estudo; e que a filosofia acaba quando eles começam. Com frequência se toma a
filosofia por um saber formal e vazio de conteúdo. Não se percebe que tudo
quanto é verdade conforme o conteúdo - em qualquer conhecimento ou ciência -
só pode merecer o nome de verdade se for produzido pela filosofia. Embora as
outras ciências possam, sem a filosofia, com o pensamento raciocinante
pesquisar quanto quiserem, elas não são capazes de possuir em si nem vida, nem
espírito, nem verdade sem a filosofia.
No que concerne à filosofia autêntica - esse longo caminho da cultura, esse
movimento tão rico quanto profundo através do qual o espírito alcança o saber -,
vemos que são considerados equivalentes perfeitos e ótimos sucedâneos seus a
revelação imediata do divino ou o bom senso comum. É algo assim como se faz
publicidade da chicória como bom sucedâneo do café.

Não é nada agradável ver a ignorância e a grosseria, sem forma nem gosto -
incapazes de fixar o pensamento numa proposição abstrata sequer, e menos
ainda no conjunto articulado de várias proposições -, garantindo que são, ora a
expressão da liberdade e da tolerância do pensar, ora a genialidade, Genialidade
que, como hoje grassa na filosofia, antes grassava igualmente na poesia, como é
notório. Porém, quando tinha sentido o produzir de tal genialidade em lugar de
poesia, o que engendrava era uma prosa trivial; ou, se saía para além da prosa,
discursos desvairados. Assim, hoje, um filosofar natural que se julga bom demais
para o conceito, e devido à falta de conceito se tem em conta de um pensar
intuitivo e poético, lança no mercado combinações caprichosas de uma força de
imaginação somente desorganizada por meio do pensamento - imagens que não
são carne nem peixe; que nem são poesia nem filosofia.

Em contrapartida, deslizando no leito tranquilo do bom senso, o filosofar natural


fornece no máximo uma retórica de verdades banais. Quando lhe objetam a
insignificância de suas verdades, então replica asseverando que o sentido e o
conteúdo estão presentes no seu coração, e devem estar presentes também no
coração dos outros. Acredita que, com a inocência do coração, a pureza da
consciência e coisas semelhantes já disse a última palavra; contra ela não cabe
objeção alguma; além dela nada se pode exigir. Porém o que se deveria fazer
era não deixar que o melhor ficasse no mais íntimo, mas trazê-lo desse poço à luz
do dia.

Eis um esforço que poderia ser poupado: produzir verdades últimas desse tipo,
porque desde muito se encontram, por exemplo, no catecismo, nos provérbios
populares etc. Não é difícil apreender tais verdades em sua indeterminidade e
em sua distorção, nem muitas vezes mostrar na sua consciência e à sua
consciência exatamente o oposto. Mas quando essa consciência tenta arrancar-se
à confusão que nela se armou, cai numa nova confusão, e protesta dizendo que
indiscutivelmente é assim ou assim, e que tudo o mais é sofistaria. Sofistaria é
uma palavra de ordem do senso comum contra a razão cultivada; do mesmo
modo que a ignorância filosófica caracterizou a filosofia, de uma vez por todas,
como "devaneios".

Enquanto o senso comum recorre ao sentimento - seu oráculo interior -, descarta


quem não está de acordo com ele. Deve deixar claro que não tem mais nada a
dizer a quem não encontra e não sente em si o mesmo; em outras palavras, calca
aos pés a raiz da humanidade. Pois a natureza da humanidade é tender ao
consenso com outros, e sua existência reside apenas na comunidade instituída das
consciências. O anti-humano, o animalesco, consiste em ficar no estágio do
sentimento, e em só poder comunicar-se através do sentimento.

Caso se indague por uma "via régia" para a ciência, não seria possível indicar
nenhuma mais cômoda que a de abandonar-se ao bom senso, e no mais, para
andar junto com seu tempo e com a filosofia, ler recensões de obras filosóficas.
Ler até mesmo seus primeiros parágrafos, que proporcionam os princípios
universais dos quais depende tudo, e os prefácios que, junto com a informação
histórica, também oferecem uma apreciação a qual, justamente por ser
apreciação, paira por cima do que é apreciado. Esse caminho ordinário se faz
com roupas de casa; porém o sentimento elevado do eterno, do sagrado, do
infinito, veste trajes solenes para percorrer um caminho que já é, ele próprio, o
ser imediato no centro, a genialidade de profundas ideias originais, e os
relâmpagos sublimes do pensamento. Como porém tal profundeza ainda não
revela a fonte da essência, esses raios não são ainda o empíreo. Os pensamentos
verdadeiros e a intelecção científica só se alcançam no trabalho do conceito. Só
ele pode produzir a universalidade do saber, que não é a indeterminação e a
miséria correntes do senso comum, mas um conhecimento cultivado e completo;
não é a universalidade extraordinária dos dotes da razão que se corrompe pela
preguiça e soberba do gênio; mas sim, é a verdade que se desenvolveu até sua
forma genuína, e é capaz de ser a propriedade de toda a razão consciente de si.

É pois no automovimento do conceito que eu situo a razão de existir da ciência.


Vale observar que parecem longe, e mesmo totalmente opostas a esse modo de
ver, as representações de nosso tempo sobre a natureza e o caráter da verdade,
nos pontos já tocados e em outros. Essa observação parece não prometer
aceitação favorável à tentativa de apresentar o sistema da ciência nessa
determinação de automovimento do conceito.

Mas, segundo entendo, muitas vezes já se colocou em seus mitos, sem valor
científico, a excelência da filosofia de Platão. Também houve tempos, que até se
chamaram "tempos de misticismo visionário" quando a filosofia de Aristóteles
era estimada por sua profundeza especulativa, e o Parmênides de Platão, de
certo a maior obra-prima da dialética antiga, era tido como a verdadeira
revelação e a expressão positiva da vida divina. Mesmo então, apesar das muitas
perturbações que o êxtase produzia, de fato esse êxtase mal entendido não devia
ser outra coisa que o conceito puro.

Penso, aliás, que tudo que há de excelente na filosofia de nosso tempo coloca seu
próprio valor na cientificidade; e embora outros pensem diversamente, de fato,
só pela cientificidade a filosofia se faz valer. Então, posso esperar que essa
tentativa de reivindicar a ciência para o conceito, e de apresentá-la nesse seu
elemento próprio, há de abrir passagem por meio da verdade interior da Coisa.

Devemos estar persuadidos que o verdadeiro tem a natureza de eclodir quando


chega o seu tempo, e só quando esse tempo chega se manifesta; por isso nunca se
revela cedo demais nem encontra um público despreparado. Também devemos
convencer-nos de que o indivíduo precisa desse efeito para se confirmar no que
para ele é ainda sua causa solitária, e para experimentar como algo universal a
convicção que, de início, só pertence à particularidade.

Nesse ponto, porém, com frequência há que distinguir entre o público e aqueles
que se dão como seus representantes e porta-vozes. O público se comporta de
modo diverso e mesmo oposto ao de seus intérpretes, sob muitos aspectos. Se o
público benévolo atribui a si mesmo a culpa quando uma obra filosófica nada lhe
diz, ao contrário, seus intérpretes, convencidos de sua competência, lançam toda
a culpa sobre o autor. O efeito que a obra produz no público é muito mais sereno
do que nesses "mortos sepultando seus mortos".

Hoje em dia a intelecção universal é geralmente mais cultivada, sua curiosidade


mais alerta, e seu juízo se determina mais rápido, de modo que "os pés daqueles
que vão te levar já estão diante da porta". Entretanto é mister distinguir com
frequência nesse ponto o efeito mais lento que redireciona a atenção cativada por
asserções retumbantes e corrige críticas negativas; efeito que prepara para
alguns um mundo que será seu, depois de certo tempo; enquanto outros, depois de
curto lapso, não terão mais posteridade.

Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortemente


consolidada, e a singularidade, como convém, tornou-se tanto mais insignificante;
em que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e
as reivindica para si. A parte que cabe à atividade do indivíduo na obra total do
espírito só pode ser mínima. Assim ele deve esquecer-se, como já o implica a
natureza da ciência. Na verdade, o indivíduo deve vir a ser, e também deve
fazer, o que lhe for possível, mas não se deve exigir muito dele, já que muito
pouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo.
INTRODUÇÃO

Segundo uma representação natural, a filosofia, antes de abordar a Coisa mesma


- ou seja, o conhecimento efetivo do que é, em verdade -, necessita primeiro
pôr-se de acordo sobre o conhecer, o qual se considera ou um instrumento com
que se domina o absoluto, ou um meio através do qual o absoluto é
contemplado.

Parece correto esse cuidado, pois há, possivelmente, diversos tipos de


conhecimento. Alguns poderiam ser mais idôneos que outros para a obtenção do
fim último, e por isso seria possível uma falsa escolha entre eles. Há também
outro motivo: sendo o conhecer uma faculdade de espécie e de âmbito
determinados, sem uma determinação mais exata de sua natureza e de seus
limites, há o risco de alcançar as nuvens do erro em lugar do céu da verdade.

Ora, esse cuidado chega até a transformar-se na convicção de que constitui um


contrassenso, em seu conceito, todo empreendimento visando conquistar para a
consciência o que é em si, mediante o conhecer; e que entre o conhecer e o
absoluto passa uma nítida linha divisória. Pois, se o conhecer é o instrumento para
apoderar-se da essência absoluta, logo se suspeita que a aplicação de um
instrumento não deixe a Coisa tal como é para si, mas com ele traga
conformação e alteração. Ou então o conhecimento não é instrumento de nossa
atividade, mas de certa maneira um meio passivo, através do qual a luz da
verdade chega até nós; nesse caso também não recebemos a verdade como é
em si, mas como é nesse meio e através dele.

Nos dois casos, usamos um meio que produz imediatamente o contrário de seu
fim; melhor dito, o contrassenso está antes em recorrermos em geral a um meio.
Sem dúvida, parece possível remediar esse inconveniente pelo conhecimento do
modo de atuação do instrumento, o que permitiria descontar no resultado a
contribuição do instrumento para a representação do absoluto que por meio dele
fazemos; obtendo assim o verdadeiro em sua pureza. Só que essa correção nos
levaria, de fato, onde antes estávamos. Ao retirar novamente, de uma coisa
elaborada, o que o instrumento operou nela, então essa coisa - no caso o absoluto
- fica para nós exatamente como era antes desse esforço; que, portanto, foi inútil.
Se através do instrumento o absoluto tivesse apenas de achegar-se a nós, como o
passarinho na visgueira, sem que nada nele mudasse, ele zombaria desse
artifício, se já não estivesse e não quisesse estar perto de nós em si e para si. Pois
nesse caso o conhecimento seria um artifício, porque, com seu atarefar-se
complexo, daria a impressão de produzir algo totalmente diverso do que só a
relação imediata - relação que por isso não exige esforço. Por outra: se o exame
do conhecer - aqui representado como um meio - faz-nos conhecer a lei da
refração de seus raios, de nada ainda nos serviria descontar a refração no
resultado. Com efeito, o conhecer não é o desvio do raio: é o próprio raio, através
do qual a verdade nos toca. Ao subtraí-lo, só nos restaria a pura direção ou o
lugar vazio.

O temor de errar introduz uma desconfiança na ciência, que, sem tais escrúpulos,
se entrega espontaneamente à sua tarefa, e conhece efetivamente. Entretanto,
deveria ser levada em conta a posição inversa: por que não cuidar de introduzir
uma desconfiança nessa desconfiança, e não temer que esse temor de errar já
seja o próprio erro? De fato, esse temor de errar pressupõe como verdade
alguma coisa (melhor, muitas coisas) na base de suas precauções e
consequências; - verdade que deveria antes ser examinada. Pressupõe, por
exemplo, representações sobre o conhecer como instrumento e meio e também
uma diferença entre nós mesmos e esse conhecer; mas sobretudo, que o absoluto
esteja de um lado e o conhecer de outro lado - para si e separado do absoluto - e
mesmo assim seja algo real. Pressupõe com isso que o conhecimento, que,
enquanto fora do absoluto, está também fora da verdade, seja verdadeiro; -
suposição pela qual se dá a conhecer que o assim chamado medo do erro é,
antes, medo da verdade.

Essa consequência resulta de que só o absoluto é verdadeiro, ou só o verdadeiro é


absoluto. É possível rejeitar essa consequência mediante a distinção entre um
conhecimento que não conhece de fato o absoluto, como quer a ciência, e ainda
assim é verdadeiro, e o conhecimento em geral, que, embora incapaz de
apreender o absoluto, seja capaz de outra verdade. Mas vemos que no final esse
falatório vai acabar numa distinção obscura entre um Verdadeiro absoluto e um
Verdadeiro ordinário; e vemos também que o absoluto, o conhecer, etc., são
palavras que pressupõem uma significação; e há que esforçar-se por adquiri-la
primeiro.

Não há por que atormentar-se, buscando resposta a essas representações inúteis e


modos de falar sobre o conhecer, como instrumento para apoderar-se do
absoluto, ou como meio através do qual divisamos a verdade etc. São relações
em que vêm a dar, com certeza, todas essas representações de um absoluto
separado do conhecer, ou de um conhecer separado do absoluto. Nem há por que
ocupar-se com os subterfúgios que a incapacidade para a ciência deriva dos
pressupostos de tais relações, a fim de livrar-se do esforço da ciência e ao
mesmo tempo dar a impressão de operosidade séria e rigorosa.

Melhor seria rejeitar tudo isso como representações contingentes e arbitrárias; e


como engano, o uso - a isso unido - de termos como o absoluto, o conhecer, e
também o objetivo e o subjetivo e inúmeros outros cuja significação é dada
como geralmente conhecida. Com efeito, dando a entender, de um lado, que sua
significação é universalmente conhecida, e, de outro lado, que se possui até
mesmo seu conceito, parece antes um esquivar-se à tarefa principal que é
fornecer esse conceito. Inversamente poderia, com mais razão ainda, poupar-se
o esforço de tais representações e modos de falar, mediante os quais se descarta
a própria ciência, pois constituem somente uma aparência oca do saber, que
desvanece imediatamente quando a ciência entra em cena.

No entanto, a ciência, pelo fato de entrar em cena, é ela mesma uma aparência
fenômeno: seu entrar em cena não é ainda a ciência realizada e desenvolvida em
sua verdade. Tanto faz neste ponto representar-se que a ciência é aparência
porque entra em cena ao lado de outro saber, ou dar o nome de "aparecer da
ciência" a esses outros saberes não verdadeiros. Mas a ciência deve libertar-se
dessa aparência, e só pode fazê-lo voltando-se contra ela. Pois sendo esse um
saber que não é verdadeiro, a ciência nem pode apenas jogá-lo fora - como
visão vulgar das coisas, garantindo ser ela um conhecimento totalmente diverso,
para o qual aquele outro saber não é absolutamente nada - nem pode buscar nele
o pressentimento de um saber melhor. Por essa asseveração, a ciência
descreveria seu ser como sua força; mas o saber não verdadeiro apela também
para o fato de que ele é, e assevera que, para ele, a ciência não é nada. Um
asseverar seco vale tanto como qualquer outro.

A ciência ainda menos pode apelar para o pressentimento melhor, presente no


conhecer não verdadeiro, constituindo ali uma sinalização para a ciência; pois
isso seria também de novo apelar para um ser, e, por outro lado, apelar para si
mesma conforme o modo em que está no conhecimento não verdadeiro. Quer
dizer, apelaria para um modo deficiente de seu ser, ou seja, para sua aparência,
mais do que para si mesma, como é em si e para si. Por esse motivo, aqui deve
ser levada adiante a exposição do saber que aparece ou saber fenomenal.

Já que esta exposição tem por objeto exclusivamente o saber fenomenal, não se
mostra ainda como ciência livre, movendo-se em sua forma peculiar. É possível
porém tomá-la, desse ponto de vista, como o caminho da consciência natural que
abre passagem rumo ao saber verdadeiro. Ou como o caminho da alma, que
percorre a série de suas figuras como estações que lhe são preestabelecidas por
sua natureza, para que se possa purificar rumo ao espírito, e através dessa
experiência completa de si mesma alcançar o conhecimento do que ela é em si
mesma.

A consciência natural vai mostrar-se como sendo apenas conceito do saber, ou


saber não real. Mas enquanto se toma imediatamente por saber real, esse
caminho tem, para ela, significação negativa: o que é a realização do conceito
vale para ela antes como perda de si mesma, já que nesse caminho perde sua
verdade. Por isso esse caminho pode ser considerado o caminho da dúvida ou,
com mais propriedade, caminho de desespero: pois nele não ocorre o que se
costuma entender por dúvida: um vacilar nessa ou naquela pretensa verdade,
seguido de um conveniente desvanecer de novo da dúvida e um regresso àquela
verdade, de forma que, no fim, a Coisa seja tomada como era antes.

Ao contrário, a dúvida que expomos é a penetração consciente na inverdade do


saber fenomenal; para esse saber, o que há de mais real é antes somente o
conceito irrealizado. Esse cepticismo, que atinge a perfeição, não é, pois, o que
um zelo severo pela verdade e pela ciência tem a ilusão de ter aprontado e
aparelhado para elas, a saber: o propósito de não se entregar na ciência à
autoridade do pensamento alheio, e só seguir sua própria convicção; ou melhor
ainda: tudo produzir por si mesmo, e só ter o seu próprio ato como sendo o
verdadeiro.

A série de figuras que a consciência percorre nesse caminho é, a bem dizer, a


história detalhada da formação para a ciência da própria consciência. Aquele
"propósito" apresenta essa formação sob o modo simples de um propósito, como
imediatamente feita e sucedida. Frente a tal inverdade, no entanto, esse caminho
é a realização efetiva. Seguir sua própria opinião é, em todo o caso, bem melhor
do que abandonar-se à autoridade; mas com a mudança do crer na autoridade
para o acreditar na própria convicção não fica necessariamente mudado o
conteúdo mesmo; nem a verdade, introduzida em lugar do erro. A diferença
entre apoiar-se em uma autoridade alheia, e firmar-se na própria convicção - no
sistema do visar e do preconceito - está apenas na vaidade que reside nessa
segunda maneira. Ao contrário, o cepticismo que incide sobre todo o âmbito da
consciência fenomenal torna o espírito capaz de examinar o que é verdade,
enquanto leva a um desespero, a respeito de representações, pensamentos e
opiniões pretensamente naturais. É irrelevante chamá-los próprios ou alheios:
enchem e embaraçam a consciência, que procede a examinar diretamente a
verdade, mas que por causa disso é de fato incapaz do que pretende
empreender.

A série completa das formas da consciência não real resultará mediante a


necessidade do processo e de sua concatenação mesma. Para fazer inteligível
esse ponto, pode-se notar previamente, de maneira geral, que a apresentação da
consciência não verdadeira em sua inverdade não é um movimento puramente
negativo. A consciência natural tem geralmente uma visão unilateral assim, sobre
este movimento. Um saber, que faz dessa unilateralidade a sua essência, é uma
das figuras da consciência imperfeita, que ocorre no curso do itinerário e que ali
se apresentará. Trata-se precisamente do cepticismo, que vê sempre no resultado
somente o puro nada, e abstrai de que esse nada é determinadamente o nada
daquilo de que resulta. Porém o nada, tomado só como o nada daquilo donde
procede, só é de fato o resultado verdadeiro: é assim um nada determinado e tem
um conteúdo.

O cepticismo que termina com a abstração do nada ou do esvaziamento não pode


ir além disso, mas tem de esperar que algo de novo se lhe apresente - e que novo
seja esse - para jogá-la no abismo vazio. Porém, quando o resultado é
apreendido como em verdade é - como negação determinada -, é que então já
surgiu uma nova forma imediatamente, e se abriu na negação a passagem pela
qual, através da série completa das figuras, o processo se produz por si mesmo.

Entretanto, o saber tem sua meta fixada tão necessariamente quanto à série do
processo. A meta está ali onde o saber não necessita ir além de si mesmo, onde a
si mesmo se encontra, onde o conceito corresponde ao objeto e o objeto ao
conceito.

Assim, o processo em direção a essa meta não pode ser detido, e não se satisfaz
com nenhuma estação precedente. O que está restrito a uma vida natural não
pode por si mesmo ir além de seu ser-aí imediato, mas é expulso para fora dali
por outro: esse ser arrancado para fora é sua morte. Mas a consciência é para si
mesma seu conceito; por isso é imediatamente o ir-além do limitado, e - já que
este limite lhe pertence - é o ir além de si mesma. Junto com o singular, o além é
posto para ela; embora esteja ainda apenas ao lado do limitado como no caso da
intuição espacial.

Portanto, essa violência que a consciência sofre - de se lhe estragar toda a


satisfação limitada - vem dela mesma. No sentimento dessa violência, a angústia
ante a verdade pode recuar e tentar salvar o que está ameaçada de perder. Mas
não poderá achar nenhum descanso: se quer ficar numa inércia carente de
pensamento, o pensamento perturba a carência de pensamento, e seu
desassossego estorva a inércia. Ou então, caso se apoie no sentimentalismo, que
garante achar tudo bom a seu modo, essa garantia sofre igualmente violência por
parte da razão, que acha que algo não é bom, justamente por ser um modo. Ou
seja: o medo da verdade poderá ocultar-se de si e dos outros por trás da
aparência de que é um zelo ardente pela verdade, que lhe torna difícil e até
impossível encontrar outra verdade que não aquela única vaidade de ser sempre
mais arguto que qualquer pensamento - que se possua vindo de si mesmo ou de
outros. Vaidade essa capaz de tornar vã toda a verdade, para retomar a si mesma
e deliciar-se em seu próprio entendimento; dissolve sempre todo o pensamento, e
só sabe achar seu Eu árido em lugar de todo o conteúdo. Esta é uma satisfação
que deve ser abandonada a si mesma, pois foge o universal e somente procura o
Ser para si.

Dito isso, de forma preliminar e geral sobre o modo e a necessidade do processo,


pode ser útil mencionar algo sobre o método do desenvolvimento. Parece que
essa exposição, representada como um procedimento da ciência em relação ao
saber fenomenal e como investigação e exame da realidade do conhecer, não se
pode efetuar sem certo pressuposto colocado na base como padrão de medida.
Pois o exame consiste em aplicar ao que é examinado um padrão aceito, para
decidir, conforme a igualdade ou desigualdade resultante, se a coisa está correta
ou incorreta. A medida em geral, e também a ciência, se for a medida, são
tomadas como a essência ou como o em si. Mas nesse ponto, onde a ciência
apenas está surgindo, nem ela nem seja o que for se justifica como a essência ou
o em si. Ora, sem isso, parece que não pode ocorrer nenhum exame.

Essa contradição e sua remoção se darão a conhecer de modo mais determinado


se recordarmos primeiro as determinações abstratas do saber e da verdade, tais
como ocorrem na consciência. Pois a consciência distingue algo de si e ao
mesmo tempo se relaciona com ele; ou, exprimindo de outro modo, ele é algo
para a consciência. O aspecto determinado desse relacionar-se - ou do ser de
algo para uma consciência - é o saber.

Nós porém distinguimos desse ser para um outro o ser em si; o que é relacionado
com O saber também se distingue dele e se põe como essente, mesmo fora dessa
relação: o lado desse Em si chama-se verdade. O que está propriamente nessas
determinações não nos interessa discutir mais aqui; pois enquanto nosso objeto é
o saber fenomenal, suas determinações são também tomadas como
imediatamente se apresentam; e, sem dúvida, que se apresentam como foram
apreendidas.

Se investigarmos agora a verdade do saber, parece que estamos investigando o


que o saber é em si. Só que nesta investigação ele é nosso objeto; é para nós. O
Em si do saber resultante dessa investigação seria, antes, seu ser para nós: o que
afirmássemos como sua essência não seria sua verdade, mas sim nosso saber
sobre ele. A essência ou o padrão de medida estariam em nós, e o objeto a ser
comparado com ele e sobre o qual seria decidido através de tal comparação não
teria necessariamente de reconhecer sua validade.

Mas a natureza do objeto que investigamos ultrapassa essa separação ou essa


aparência de separação e de pressuposição. A consciência fornece, em si
mesma, sua própria medida; motivo pelo qual a investigação se torna uma
comparação de si consigo mesma, já que a distinção que acaba de ser feita
incide na consciência.

Há na consciência um para Outro, isto é, a consciência tem nela a determinidade


do momento do saber. Ao mesmo tempo, para a consciência, esse Outro não é
somente para ela, mas é também fora dessa relação, ou seja, é em si: o
momento da verdade. Assim, no que a consciência declara dentro de si como o
Em si ou o verdadeiro, temos o padrão que ela mesma estabelece para medir o
seu saber.

Se chamarmos o saber, conceito; e se a essência ou o verdadeiro chamarmos


essente ou objeto, então o exame consiste em ver se o conceito corresponde ao
objeto. Mas chamando a essência ou o Em si do objeto, conceito, e ao contrário,
entendendo por objeto o conceito enquanto objeto - a saber como é para um
Outro - então o exame consiste em ver se o objeto corresponde ao seu conceito.
Bem se vê que as duas coisas são o mesmo: o essencial, no entanto, é manter
firmemente durante o curso todo da investigação que os dois momentos, conceito
e objeto, ser para outro e ser em si mesmo, incidem no interior do saber que
investigamos. Portanto não precisamos trazer conosco padrões de medida, e nem
aplicar na investigação nossos achados e pensamentos, pois deixando-os de lado é
que conseguiremos considerar a Coisa como é em si e para si.

Uma achega de nossa parte se torna supérflua segundo esse aspecto, em que
conceito e objeto, o padrão de medida e o que deve ser testado estão presentes na
consciência mesma. Aliás, somos também poupados da fadiga da comparação
entre os dois, e do exame propriamente dito. Assim, já que a consciência se
examina a si mesma, também sob esse aspecto, só nos resta o puro observar.

Com efeito, a consciência, por um lado, é consciência do objeto; por outro lado,
consciência de si mesma: é consciência do que é verdadeiro para ela, e
consciência de seu saber da verdade. Enquanto ambos são para a consciência,
ela mesma é sua comparação: é para ela mesma que seu saber do objeto
corresponde ou não a esse objeto.

O objeto parece, de fato, para a consciência, ser somente tal como ela o
conhece. Parece também que a consciência não pode chegar por detrás do
objeto, para ver como ele é, não para ela, mas como é em si; e que, portanto,
também não pode examinar seu saber no objeto. Mas justamente porque a
consciência sabe em geral sobre um objeto, já está dada a distinção entre um
momento de algo que é, para a consciência, o Em si, e outro momento que é o
saber ou o ser do objeto para a consciência. O exame se baseia sobre essa
distinção que é uma distinção dada. Caso os dois momentos não se correspondam
nessa comparação, parece que a consciência deva então mudar o seu saber para
adequá-lo ao objeto. Porém, na mudança do saber, de fato se muda também
para ele o objeto, pois o saber presente era essencialmente um saber do objeto;
junto com o saber, o objeto se torna também outro, pois pertencia
essencialmente a esse saber.

Com isso, vem a ser para a consciência: o que antes era o Em si não é em si, ou
seja, só era em si para ela. Quando descobre portanto a consciência em seu
objeto que o seu saber não lhe corresponde, tampouco o objeto se mantém
firme. Quer dizer, a medida do exame se modifica quando o objeto, cujo padrão
deveria ser, fica reprovado no exame.

O exame não é só um exame do saber, mas também de seu padrão de medida.

Esse movimento dialético que a consciência exercita em si mesma, tanto em seu


saber como em seu objeto, enquanto dele surge o novo objeto verdadeiro para a
consciência, é justamente o que se chama experiência. Em relação a isso, no
processo acima considerado há ainda que ressaltar um momento por meio do
qual será lançado nova luz sobre o aspecto científico da exposição que vem a
seguir.

A consciência sabe algo: esse objeto é a essência ou o Em si. Mas é também o


Em si para a consciência; com isso entra em cena a ambiguidade desse
verdadeiro. Vemos que a consciência tem agora dois objetos: um, o primeiro Em
si; o segundo, o ser para ela desse Em si. Esse último parece, de início, apenas a
reflexão da consciência sobre si mesma: uma representação não de um objeto,
mas apenas de seu saber do primeiro objeto. Só que, como foi antes mostrado, o
primeiro objeto se altera ali para a consciência; deixa de ser o Em si e se torna
para ela um objeto tal, que só para a consciência é o Em si. Mas, sendo assim, o
ser para ela desse Em si é o verdadeiro; o que significa, porém, que ele é a
essência ou é seu objeto. Esse novo objeto contém o aniquilamento nadidade do
primeiro; é a experiência feita sobre ele.

Nessa apresentação do curso da experiência há um momento em que ela não


parece corresponder ao que se costuma entender por experiência: justamente a
transição do primeiro objeto e do seu saber ao outro objeto no qual se diz que a
experiência foi feita. Apresentou-se como se o saber do primeiro objeto - ou o
para a consciência do primeiro Em si - devesse tornar-se, ele mesmo, o segundo
objeto. Mas, ao contrário, parece que nós fazemos a experiência da inverdade de
nosso primeiro conceito, em outro objeto, que encontramos de modo um tanto
casual e extrínseco; e dessa forma só nos toca o puro apreender do que é em si e
para si.
Ora, do ponto de vista exposto, mostra-se o novo objeto como vindo a ser
mediante uma reversão da consciência mesma. Essa consideração da Coisa é
uma achega de nossa parte, por meio da qual a série das experiências da
consciência se eleva a um processo científico; mas, para a consciência que
examinamos, essa consideração não tem lugar. De fato porém é a mesma
situação já vista acima, quando falamos da relação dessa exposição com o
cepticismo: a saber, cada resultado que provém de um saber não verdadeiro não
deve desaguar em um nada vazio, mas tem de ser apreendido necessariamente
como nada daquilo de que resulta: um resultado que contém o que o saber
anterior possui em si de verdadeiro.

É assim que o processo aqui se desenvolve: quando o que se apresentava


primeiro à consciência como objeto, para ela se rebaixa a saber do objeto - e o
Em si se torna um ser para a consciência do Em si - esse é o novo objeto, e com
ele surge também uma nova figura da consciência, para a qual a essência é algo
outro do que era para a figura precedente. É essa situação que conduz a série
completa das figuras da consciência em sua necessidade. Só essa necessidade
mesma - ou a gênese do novo objeto - se apresenta à consciência sem que ela
saiba como lhe acontece. Para nós, é como se isso lhe transcorresse por trás das
costas. Portanto, no movimento da consciência ocorre um momento do ser em si
ou do ser para nós, que não se apresenta à consciência, pois ela mesma está
compreendida na experiência. Mas o conteúdo do que para nós vem surgindo é
para a consciência: nós compreendemos apenas seu aspecto formal, ou seu
surgir puro. Para ela, o que surge só é como objeto; para nós, é igualmente como
movimento e vir a ser.

É por essa necessidade que o caminho para a ciência já é ciência ele mesmo, e
portanto, segundo seu conteúdo, é ciência da experiência da consciência.

A experiência que a consciência faz sobre si mesma não pode abranger nela,
segundo seu conceito, nada menos que o sistema completo da consciência ou o
reino total da verdade do espírito. Seus momentos se apresentam assim nessa
determinidade peculiar, de não serem momentos abstratos ou puros, mas sim,
tais como são para a consciência ou como a mesma aparece em sua relação
para com eles; por isso os momentos do todo são figuras da consciência.

A consciência, ao abrir caminho rumo à sua verdadeira existência, vai atingir um


ponto onde se despojará de sua aparência: a de estar presa a algo estranho, que é
só para ela, e que é como outro. Aqui a aparência se torna igual à essência, de
modo que sua exposição coincide exatamente com esse ponto da ciência
autêntica do espírito. E, finalmente, ao apreender sua verdadeira essência, a
consciência mesma designará a natureza do próprio saber absoluto.
CONSCIÊNCIA

I - A certeza sensível ou: o Isto ou o visar

O saber que, de início ou imediatamente, é nosso objeto, não pode ser nenhum
outro senão o saber que é também imediato: - saber do imediato ou do essente.
Devemos proceder também de forma imediata ou receptiva, nada mudando
assim na maneira como ele se oferece e afastando de nosso apreender o
conceituar.

O conteúdo concreto da certeza sensível faz aparecer imediatamente essa


certeza como o mais rico conhecimento, e até como um conhecimento de
riqueza infinda, para o qual é impossível achar limite; nem fora, se percorremos
o espaço e o tempo onde se expande, nem dentro, se penetramos nele pela
divisão no interior de um fragmento tomado dessa plenitude. Além disso, a
certeza sensível aparece como a mais verdadeira, pois do objeto nada ainda
deixou de lado, mas o tem em toda a sua plenitude, diante de si.

Mas, de fato, essa certeza se faz passar a si mesma pela verdade mais abstrata e
mais pobre. Do que ela sabe, só exprime isto: ele é. Sua verdade apenas contém
o ser da Coisa; a consciência, por seu lado, só está nessa certeza como puro Eu,
ou seja: Eu só estou ali como puro este, e o objeto, igualmente apenas como puro
isto. Eu, este, estou certo desta Coisa; não porque Eu, enquanto consciência, me
tenha desenvolvido, e movimentado de muitas maneiras o pensamento. Nem
tampouco porque a Coisa de que estou certo, conforme uma multidão de
características diversas, seja um rico relacionamento em si mesma, ou uma
multiforme relação para com outros.

Ora, os dois termos nada têm a ver com a verdade da certeza sensível; nem o Eu
nem a coisa tem aqui a significação de uma mediação multiforme. O Eu não
tem a significação de um multiforme representar ou pensar, nem a Coisa uma
significação de uma multidão de diversas propriedades; ao contrário, a Coisa é, e
ela é somente porque é. A Coisa é: para o saber sensível isso é o essencial: esse
puro ser, ou essa imediatez simples, constitui sua verdade. A certeza igualmente,
enquanto relação, é pura relação imediata. A consciência é Eu, nada mais: um
puro este. O singular sabe o puro este, ou seja, sabe o singular.

No entanto, há muita coisa ainda em jogo, se bem atendemos, no puro ser que
constitui a essência dessa certeza, e que ela enuncia como sua verdade. Uma
certeza sensível efetiva não é apenas essa pura imediatez, mas é um exemplo da
mesma. Entre as diferenças sem conta que ali se evidenciam, achamos em toda
a parte a diferença-capital, a saber: que nessa certeza ressaltam logo para fora
do puro ser os dois estes já mencionados: um este, como Eu, e um este como
objeto.

Para nós, refletindo sobre essa diferença, resulta que tanto um como o outro não
estão na certeza sensível apenas de modo imediato, mas estão, ao mesmo tempo,
mediatizados. Eu tenho a certeza por meio de outro, a saber: da Coisa; e essa está
igualmente na certeza mediante outro, a saber, mediante o Eu.

Essa diferença entre a essência e o exemplo, entre a imediatez e a mediação,


quem faz não somos nós apenas, mas a encontramos na própria certeza sensível;
e deve ser tomada na forma em que nela se encontra, e não como nós acabamos
de determiná-la. Na certeza sensível, um momento é posto como o essente
simples e imediato, ou como a essência: o objeto. O outro momento, porém, é
posto como o inessencial e o mediatizado, momento que nisso não é em si, mas
por meio de Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber que
pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, tanto faz que
seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido - enquanto o
saber não é, se o objeto não é.

O objeto portanto deve ser examinado, a ver se é de fato, na certeza sensível


mesma, aquela essência que ela lhe atribui; e se esse seu conceito - de ser uma
essência - corresponde ao modo como se encontra na certeza sensível.

Nós não temos, para esse fim, de refletir sobre o objeto, nem indagar o que possa
ser em verdade; mas apenas de considerá-lo como a certeza sensível o tem nela.

Portanto, a própria certeza sensível deve ser indagada: Que é o isto? Se o


tomamos no duplo aspecto de seu ser, como o agora e como o aqui, a dialética
que tem nele vai tomar uma forma tão inteligível quanto ele mesmo. À pergunta:
que é o agora? Respondemos, por exemplo: o agora é à noite. Para tirar a prova
da verdade dessa certeza sensível basta uma experiência simples. Anotamos por
escrito essa verdade; uma verdade nada perde por ser anotada, nem tampouco
porque a guardamos. Vejamos de novo, agora, neste meio-dia, a verdade
anotada; devemos dizer, então, que se tornou vazia.

O agora que é noite foi conservado, isto é, foi tratado tal como se ofereceu, como
um essente; mas se mostra, antes, como um não essente. O agora mesmo, bem
que se mantém, mas como um agora que não é noite. Também em relação ao
dia que é agora, ele se mantém como um agora que não é dia, ou seja, mantém-
se como um negativo em geral.

Portanto, esse agora que se mantém não é um imediato, mas um mediatizado,


por ser determinado como o que permanece e se mantém porque outro - ou seja,
o dia e a noite - não é. Com isso, o agora é tão simples ainda como antes: agora; e
nessa simplicidade é indiferente àquilo que se joga em torno dele. Como o dia e a
noite não são o seu ser, assim também ele não é o dia e a noite; não é afetado por
esse seu ser Outro.

Nós denominamos um universal tal Simples que é por meio da negação; nem isto
nem aquilo - um não isto -, e indiferente também a ser isto ou aquilo. O universal,
portanto, é de fato o verdadeiro da certeza sensível.

Enunciamos também o sensível como um universal. O que dizemos é: isto, quer


dizer, o isto universal; ou então: ele é, ou seja, o ser em geral. Com isso, não nos
representamos, de certo, o isto universal ou o ser em geral, mas enunciamos o
universal; ou por outra, não falamos pura e simplesmente tal como nós o visamos
na certeza sensível. Mas, como vemos, o mais verdadeiro é a linguagem: nela
refutamos imediatamente nosso visar, e porque o universal é o verdadeiro da
certeza sensível, e a linguagem só exprime esse verdadeiro, está pois totalmente
excluído que possamos dizer o ser sensível que visamos.

O mesmo sucede com a outra forma do isto, com o aqui. O aqui, por exemplo, é
a árvore. Quando me viro, essa verdade desvaneceu, e mudou na oposta: o aqui
não é uma árvore, mas antes uma casa. O próprio aqui não desvanece, mas é
algo que fica no desvanecer da casa, da árvore etc.; e indiferente quanto a ser
casa ou árvore. Assim o isto se mostra de novo como simplicidade mediatizada,
ou como universalidade.

Portanto, o puro ser permanece como essência dessa certeza sensível, enquanto
ela mostra em si mesma o universal como a verdade do seu objeto; mas não
como imediato, e sim como algo a que a negação e a mediação são essenciais.
Por isso, não é o que visamos como ser, mas é o ser com a determinação de ser
a abstração ou o puro universal. Nosso visar, para o qual o verdadeiro da certeza
sensível não é o universal, é tudo quanto resta frente a esses aqui e agora vazios e
indiferentes.

Comparando a relação, em que o saber e o objeto surgiram primeiro, com a


relação que estabelecem, uma vez chegados a esse resultado, vemos que a
relação se inverteu. O objeto, que deveria ser o essencial, agora é o inessencial
da certeza sensível; isso porque o universal, no qual o objeto se tornou, não é mais
aquele que deveria ser essencialmente para a certeza sensível; pois ela agora se
encontra no oposto, isto é, no saber que antes era o inessencial. Sua verdade está
no objeto como meu objeto, ou seja, no visar: o objeto é porque Eu sei dele.
Assim, a certeza sensível foi desalojada do objeto, sem dúvida, mas nem por isso
foi ainda suprassumida, se não apenas recambiada ao Eu. Vejamos o que a
experiência nos mostra sobre essa sua realidade.

Agora, pois, a força de sua verdade está no Eu, na imediatez do meu ver, ouvir
etc. O desvanecer do agora e do aqui singulares, que visamos, é evitado porque
Eu os mantenho. O agora é dia porque Eu o vejo; o aqui é uma árvore pelo
mesmo motivo. Porém a certeza sensível experimenta nessa relação à mesma
dialética que na anterior. Eu, este, vejo a árvore e afirmo a árvore como o aqui;
mas outro Eu vê a casa e afirma: o aqui não é uma árvore, e sim uma casa. As
duas verdades têm a mesma credibilidade, isto é, a imediatez do ver, e a
segurança e afirmação de ambos quanto a seu saber; uma porém desvanece na
outra.

O que nessa experiência não desvanece é o Eu como universal: seu ver, nem é
um ver da árvore, nem o dessa casa; mas é um ver simples que embora
mediatizado pela negação dessa casa etc., se mantém simples e indiferente
diante do que está em jogo: a casa, a árvore. O Eu é só universal, como agora,
aqui, ou isto, em geral. "Viso", de certo um Eu singular, mas como não posso
dizer o que viso no agora, no aqui, também não o posso no Eu. Quando digo: este
aqui, este agora, ou um singular, estou dizendo todo este, todo aqui, todo agora,
todo singular. Igualmente quando digo: Eu, este Eu singular, digo todo Eu em
geral; cada um é o que digo: Eu, este Eu singular.

Quando se apresenta à ciência, como pedra de toque - diante da qual não poderia
de modo algum sustentar-se -, a exigência de deduzir, construir, encontrar a
priori (ou seja como for) o que se chama esta coisa ou um este homem, então
seria justo que a exigência dissesse qual é esta coisa, ou qual é este Eu que ela
visa; porém é impossível dizer isso.

A certeza sensível experimenta, assim, que sua essência nem está no objeto nem
no Eu, e que a imediatez nem é imediatez de um nem de outro, pois o que viso
em ambos é, antes, um inessencial. Ora, o objeto e o Eu são universais: neles o
agora, o aqui, e o Eu - que viso - não se sustêm, ou não são. Com isso chegamos a
esse resultado de pôr como essência da própria certeza sensível o seu todo, e não
mais apenas um momento seu - como ocorria nos dois casos em que sua
realidade tinha de ser primeiro o objeto oposto ao Eu, e depois o Eu. Assim, é só
a certeza sensível toda que se mantém em si como imediatez, e por isso exclui de
si toda oposição que ocorria precedentemente.

Portanto não interessa a essa imediatez pura o ser Outro do aqui como árvore,
que passa para um aqui que é não árvore, nem o ser Outro do agora como dia,
que passa para um agora que é noite; nem um outro Eu com algo outro por
objeto. A verdade dessa imediatez se mantém como relação que fica igual a si
mesma, que entre o Eu e o objeto não faz distinção alguma de essencialidade e
inessencialidade; por isso também nela em geral não pode penetrar nenhuma
diferença.

Eu, este, afirmo assim o aqui como árvore, e não me viro de modo que o aqui se
tornaria para mim uma não árvore. Também não tomo conhecimento de que
outro Eu veja o aqui como não árvore, ou que Eu mesmo em outra ocasião
tomasse o aqui como não árvore, e o agora como não dia. Eu, porém, sou um
puro intuir; eu, quanto a mim, fico nisto: o agora é dia; ou então neste outro: o
aqui é árvore. Também não comparo o aqui e o agora um com o outro, mas me
atenho firme a uma relação imediata: o agora é dia.

Já que essa certeza sensível não quer mais dar um passo em nossa direção -
quando lhe fazemos notar um agora que é noite ou um Eu para quem é noite -,
vamos a seu encontro e fazer que nos indique o agora que é afirmado. Temos de
fazer que nos indique, pois a verdade dessa relação imediata é a verdade desse
Eu, que se restringe a um agora ou a um aqui. A verdade desse Eu não teria a
mínima significação se a captássemos posteriormente ou se ficássemos distante
dela; pois lhe teríamos suprassumido a imediatez que lhe é essencial. Devemos,
portanto, penetrar no mesmo ponto do tempo ou do espaço, mostrá-las a nós, isto
é, fazer de nós um só e o mesmo com esse Eu que sabe com certeza. Vejamos
assim como está constituído o imediato que nos é indicado.

O agora é indicado: - este agora. Agora: já deixou de ser enquanto era indicado.
O agora que é, é outro que o indicado. E vemos que o agora é precisamente isto:
quando é, já não ser mais. O agora, como nos foi indicado, é um que já foi - e
essa é sua verdade; ele não tem a verdade do ser. É porém verdade que já foi.
Mas o que foi é, de fato, nenhuma essência. Ele não é; e era do ser que se
tratava.

Vemos, pois, nesse indicar só um movimento e o seu curso - que é o seguinte:

1) indico o agora, que é afirmado como o verdadeiro; mas o indico como o que
já foi, ou como um suprassumido. Suprassumo a primeira verdade, e:

2) agora afirmo como segunda verdade que ele foi, que está suprassumido.

3) mas o que foi não é. Suprassumo o ser que foi ou o ser suprassumido - a
segunda verdade; nego com isso a negação do agora e retorno à primeira
afirmação de que o agora é.

O agora e o indicar do agora são assim constituídos que nem o agora nem o
indicar do agora são um Simples imediato, e sim um movimento que contém
momentos diversos. Põe-se este, mas é outro que é posto, ou seja, o este é
suprassumido. Esse ser Outro, ou suprassumir do primeiro, é, por sua vez,
suprassumido de novo, e assim retoma ao primeiro. No entanto, esse primeiro
refletido em si mesmo não é exatamente o mesmo que era de início, a saber, um
imediato; ao contrário, é propriamente algo em si refletido ou um simples, que
permanece no ser Outro o que ele é: um agora que é absolutamente muitos
agora; e esse é o verdadeiro agora, o agora como simples dia que tem em si
muitos agora ou horas. E esse agora - uma hora - são também muitos minutos, e
esse agora igualmente muitos agora, e assim por diante.

Assim, o indicar é, ele mesmo, o movimento que exprime o que em verdade é o


agora, a saber: um resultado ou uma pluralidade de agora rejuntados; e o indicar
é o experimentar que o agora é um universal.

O aqui indicado, que retenho com firmeza, é também um este aqui que de fato
não é este aqui, mas um diante e atrás, um acima e abaixo, um à direita e à
esquerda. O acima, por sua vez, é também esse múltiplo ser Outro, com acima,
abaixo etc. O aqui que deveria ser indicado desvanece em outros aquis; mas
esses desvanecem igualmente. O indicado, o retido, o permanente, é um este
negativo, que só é tal porque os aquis são tomados como devem ser, mas nisso se
suprassumem, constituindo um complexo simples de muitos aquis.

O aqui que foi visado, seria o ponto; mas ele não é. Porém, ao ser indicado como
essente, o indicar mostra que não é um saber imediato, e sim um movimento,
desde um aqui visado, através de muitos aquis, rumo ao aqui universal; e, como o
dia é uma pluralidade simples de agora, esse aqui universal é uma multiplicidade
simples de aquis.

É claro que a dialética da certeza sensível não é outra coisa que a simples história
de seu movimento ou de sua experiência; e a certeza sensível mesma não é outra
coisa que essa história apenas. A consciência natural por esse motivo atinge
sempre esse resultado, que nela é o verdadeiro, e disso faz experiência; mas
torna sempre a esquecê-lo também, e começa de novo o movimento desde o
início.

É, pois, de admirar que se sustente contra essa experiência, como experiência


universal - mas também como afirmação filosófica, e de certo como resultado
do cepticismo - que a realidade ou o ser das coisas externas, enquanto estas ou
enquanto sensíveis, tem uma verdade absoluta para a consciência. Uma
afirmação dessas não sabe o que diz; não sabe que diz o contrário do que quer
dizer.
A verdade do isto sensível para a consciência tem de ser uma experiência
universal; mas o que é experiência universal é, antes, o contrário. Qualquer
consciência suprassume de novo uma verdade do tipo: o aqui é uma árvore ou: o
agora é meio-dia, e enuncia o contrário: o aqui não é uma árvore, mas uma casa.
A consciência também suprassume logo o que é afirmação de um isto sensível,
nessa afirmação que suprassume a primeira. Assim, em toda certeza sensível só
se experimenta, em verdade, o que já vimos: a saber, o isto como um universal -
o contrário do que aquela afirmação garante ser experiência universal.

Quanto a essa alusão à experiência universal, que se nos permita antecipar uma
consideração atinente à prática. Nesse sentido pode-se dizer aos que asseveram
tal verdade e certeza da realidade dos objetos sensíveis, que devem ser
reenviados à escola primária da sabedoria, isto é, aos mistérios de Eleusis, de
Ceres e de Baco, e aprender primeiro o segredo de comer o pão e de beber o
vinho. De fato, o iniciado nesses mistérios não só chega à dúvida do ser das coisas
sensíveis, mas até ao seu desespero. O iniciado consuma, de uma parte, o
aniquilamento dessas coisas, e, de outra, vê-las consumarem seu aniquilamento.
Nem mesmo os animais estão excluídos dessa sabedoria, mas antes se mostram
iniciados no seu mais profundo; pois não ficam diante das coisas sensíveis como
em si essentes, mas desesperando dessa realidade, e na plena certeza de seu
nada, as agarram sem mais e as consomem. E a natureza toda celebra como eles
esses mistérios revelados, que ensinam qual é a verdade das coisas sensíveis.

Entretanto, conforme notamos anteriormente, os que colocam tal afirmação


dizem imediatamente o contrário do que visam - fenômeno esse que é talvez o
mais capaz de levar à reflexão sobre a natureza da certeza sensível. Falam do
ser-aí de objetos externos, que poderiam mais propriamente ser determinados
como coisas efetivas, absolutamente singulares, de todo pessoais, individuais;
cada uma delas não mais teria outra que lhe fosse absolutamente igual. Esse ser-
aí teria absoluta certeza e verdade. Visam este pedaço de papel no qual escrevo
isto, ou melhor, escrevi; mas o que visam, não dizem. Se quisessem dizer
efetivamente este pedaço de papel que visam - e se quisessem dizer mesmo -
isso seria impossível, porque o isto sensível, que é visado, é inatingível pela
linguagem, que pertence à consciência, ao universal em si. Ele seria decomposto
numa tentativa efetiva para dizê-lo; os que tivessem começado sua descrição não
a poderiam completar, mas deveriam deixá-la para outros, que no fim
admitiriam que falavam de uma coisa que não é. Visam, pois, de certo, este
pedaço de papel, que aqui é totalmente diverso do que se falou acima; falam,
porém, de coisas efetivas, objetos sensíveis ou externos, essências absolutamente
singulares etc. Quer dizer: é só o universal que falam dessas coisas. Por isso, o
que se chama indizível não é outro que o não verdadeiro, não racional,
puramente visado.
Quando o que se diz de uma coisa é apenas que é uma coisa efetiva, um objeto
externo, então ela é enunciada somente como o que há de mais universal, e com
isso se enuncia mais sua igualdade que sua diferença com todas as outras.
Quando digo: uma coisa singular, eu a enuncio antes como de todo universal, pois
uma coisa singular todas são; e igualmente, esta coisa é tudo que se quiser.
Determinando mais exatamente, como este pedaço de papel, nesse caso, todo e
cada papel é um este pedaço de papel, e o que eu disse foi sempre e somente o
universal.

O falar tem a natureza divina de inverter imediatamente o visar, de torná-lo algo


diverso, não o deixando assim aceder à palavra. Mas se eu quiser vir-lhe em
auxílio, indicando este pedaço de papel, então faço a experiência do que é, de
fato, a verdade da certeza sensível: eu o indico como um aqui que é um aqui de
outros aquis, ou que nele mesmo é um conjunto simples de muitos aquis, isto é,
um universal. Eu o tomo como é em verdade, e em vez de saber um imediato, eu
o apreendo verdadeiramente: eu o percebo.
II - A Percepção ou: a coisa e a ilusão

A certeza sensível não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o


universal, mas a certeza sensível quer captar o isto. A percepção, ao contrário,
toma como universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu
princípio em geral, assim também são universais seus momentos, que nela se
distinguem imediatamente: o Eu é um universal, e o objeto é um universal.

Para nós esse princípio emergiu como resultado; por isso, nosso apreender da
percepção não é mais um apreender aparente fenomenal, como o da certeza
sensível, mas sim um apreender necessário. No emergir do princípio, ao mesmo
tempo vieram a ser os dois momentos que em sua aparição fenomenal apenas
ocorriam fora, a saber - um, o movimento do indicar; outro, o mesmo
movimento, mas como algo simples: o primeiro, o perceber; o segundo o objeto.
O objeto, conforme a essência, é o mesmo que o movimento: este é o
desdobramento e a diferenciação dos momentos, enquanto o objeto é seu Ser
reunido num só. Para nós - ou em si -, o universal como princípio é a essência da
percepção, e frente a essa abstração os dois momentos diferenciados - o
percebente e o percebido - são o inessencial.

De fato porém por serem ambos o universal ou a essência, os dois são essenciais.
Mas enquanto se relacionam como opostos um ao outro, somente um pode ser o
essencial na relação; e tem de se repartir entre eles a distinção entre o essencial e
o inessencial. Um, determinado como o simples - o objeto - é a essência,
indiferente a ser ou não percebida; mas o perceber, como o movimento, é o
inconsistente, que pode ser ou não ser, e é o inessencial.

A esta altura, é mister determinar mais de perto esse objeto; determinação que se
deve brevemente desenvolver a partir do resultado conseguido, pois aqui não
seria pertinente um desenvolvimento mais completo.

O princípio do objeto - o universal - é em sua simplicidade um mediatizado;


assim tem de exprimir isso nele, como sua natureza: por conseguinte se mostra
como a coisa de muitas propriedades. Pertence à percepção a riqueza do saber
sensível, e não à certeza imediata, na qual só estava presente como algo em logo
ao lado exemplo. Com efeito, só a percepção tem a negação, a diferença, ou a
múltipla variedade em sua essência.

Assim, o isto é oposto como não isto, ou como suprassumido; e portanto, não
como nada, e sim como um nada determinado, ou um nada de um conteúdo, isto
é, um nada disto. Em consequência ainda está presente o sensível mesmo, mas
não como devia estar na certeza imediata - como um singular visado -, e sim
como universal, ou como o que será determinado como propriedade.

O suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira que vimos no


negativo: é ao mesmo tempo um negar e um conservar. O nada, como nada
disto, conserva a imediatez e é, ele próprio, sensível; porém é uma imediatez
universal.

No entanto, o ser é um universal, por ter nele a mediação ou o negativo. À


medida que exprime isso em sua imediatez, é uma propriedade distinta
determinada. Dessa sorte estão postas ao mesmo tempo muitas propriedades
desse tipo, sendo uma o negativo da outra. Enquanto expressas na simplicidade do
universal, essas determinidades - que só são a rigor propriedades por meio de
uma determinação ulterior que lhes advém - relacionam-se consigo mesmas, são
indiferentes umas às outras: cada uma é para si, livre da outra. Mas a
universalidade simples, igual a si mesma, é de novo distinta e livre dessas
determinidades: é o puro relacionar-se consigo ou o meio, onde são todas essas
determinidades. Interpenetram-se nela, como numa unidade simples, mas sem
se tocarem; porque são indiferentes para si, justamente por meio da participação
nessa universalidade.

Esse meio universal abstrato, que pode chamar-se coisidade em geral ou pura
essência, não é outra coisa que o aqui e agora como se mostrou, a saber: como
um conjunto simples de muitos. Mas os muitos são, por sua vez, em sua
determinidade, simplesmente universais. Este sal é um aqui simples, e ao mesmo
tempo múltiplo; é branco e também picante, também é cubiforme, também tem
peso determinado etc. Todas essas propriedades múltiplas estão num aqui simples
no qual assim se interpenetram: nenhuma tem um aqui diverso do da outra, pois
cada uma está sempre onde a outra está. Igualmente, sem que estejam
separadas por aquis diversos, não se afetam mutuamente por essa
interpenetração. O branco não afeta nem altera o cúbico, os dois não afetam o
sabor salgado etc.; mas por ser, cada um, simples relacionar-se consigo, deixa os
outros quietos, e com eles apenas se relaciona através do indiferente também.
Esse também é portanto o puro universal mesmo, ou o meio: é a coisidade que
assim engloba todas essas propriedades.

Nesse relacionamento que assim emergiu, o que é inicialmente observado e


desenvolvido é somente o caráter da universalidade positiva; mas também se
apresenta um aspecto que deve ser tomado em consideração. É o seguinte: se as
muitas propriedades determinadas fossem simplesmente indiferentes, e se
relacionassem exclusivamente consigo mesmas, nesse caso não seriam
determinadas: pois isso são apenas à medida que se diferenciam e se relacionam
com outras como opostas. Mas, segundo essa oposição, não podem estar juntas
na unidade simples de seu meio, que lhes é tão essencial quanto a negação. A
diferenciação dessa unidade - enquanto não é uma unidade indiferente, mas
excludente, negadora do Outro - recai assim fora desse meio simples. Por isso,
esse meio não é apenas um também, unidade indiferente; mas é, outrossim, o
Uno, unidade excludente.

O Uno é o momento da negação tal como ele mesmo, de uma maneira simples,
se relaciona consigo e exclui o Outro; e mediante isso, a coisidade é determinada
como coisa. Na propriedade, a negação está como determinidade, que é
imediatamente um só com a imediatez do ser - o qual, por essa unidade com a
negação, é a universalidade. A negação, porém, é como Uno, quando se liberta
dessa unidade com seu contrário, e é em si e para si mesma.

Nesses momentos conjuntamente, a coisa está completa como o verdadeiro da


percepção (quanto se precisa desenvolver aqui). A coisa é: 1 - a universalidade
passiva e indiferente, o também das muitas propriedades (ou antes, "matérias" );
2 - a negação, igualmente como simples, ou o Uno - o excluir de propriedades
opostas; 3 - as muitas propriedades mesmas, o relacionamento dos dois primeiros
momentos, a negação tal como se relaciona com o elemento indiferente e ali se
expande como uma multidão de diferenças. É o ponto da singularidade,
irradiando em multiplicidade no meio da subsistência. Essas diferenças, pelo seu
aspecto de pertencerem ao meio indiferente, são universais elas mesmas, só
consigo se relacionam e mutuamente não se afetam. Mas pelo aspecto de
pertencerem à unidade negativa são, ao mesmo tempo, excludentes, e contudo
têm necessariamente esse relacionamento de oposição para com propriedades
que estão afastadas de seu também.

A universalidade sensível ou a unidade imediata do ser e do negativo só é


propriedade enquanto o Uno e a universalidade pura se desenvolvem a partir
dela, e se diferenciam entre si, e ela os engloba juntamente, um com o outro.
Somente essa sua relação com seus momentos essenciais puros constitui
plenamente a coisa.

Assim está agora constituída a coisa da percepção e a consciência, determinada


como percebente, enquanto essa coisa é seu objeto. A consciência tem somente
de captá-la e de proceder como pura apreensão: para ela, o que dali emerge é o
verdadeiro. Se operasse, por sua conta, alguma coisa nesse apreender, estaria
alterando a verdade, através desse ato de incluir ou excluir. Enquanto o objeto é o
verdadeiro e o universal, igual a si mesmo, ao passo que a consciência para si é o
mutável e o inessencial, é possível que lhe suceda perceber incorretamente o
objeto e iludir-se.
A consciência percebente é cônscia da possibilidade da ilusão, pois na
universalidade, que é seu princípio, o ser Outro é para ela, imediatamente: mas
enquanto nulo, como suprassumido. Portanto seu critério de verdade é a
igualdade consiga mesmo, e seu procedimento é apreender o que é igual a si
mesmo. Como ao mesmo tempo o diverso é para ela, a consciência é um
correlacionar dos diversos momentos de seu apreender. Mas se nesse confronto
surge uma desigualdade, não é então uma inverdade do objeto - pois ele é igual a
si mesmo -, mas inverdade do perceber.

Vejamos agora que experiência faz a consciência em seu apreender efetivo.


Para nós, essa experiência já está contida no desenvolvimento, antes exposto, do
objeto e do procedimento da consciência para com ele; vai ser apenas o
desenvolvimento das contradições ali presentes.

O objeto que eu apreendo apresenta-se como puramente Uno; também me


certifico da propriedade que há nele, que é universal mas que por isso ultrapassa
a singularidade. O primeiro ser da essência objetiva como um Uno não era pois
seu verdadeiro ser. Como o objeto é o verdadeiro, a inverdade recai em mim: o
apreender é que não era correto. Devido à universalidade da propriedade, devo
tomar a essência objetiva antes como uma comunidade em geral.

Além disso, percebo agora a propriedade como determinada, oposta a Outro e


excluindo-o. Logo, eu não tinha de fato apreendido corretamente a essência
objetiva, ao determiná-la como uma comunidade com outros, ou como a
continuidade. Devo, melhor, por motivo da determinidade da propriedade,
separar a continuidade e pôr a essência objetiva como Uno excludente. No Uno
separado encontro muitas propriedades dessas, que mutuamente não se afetam,
mas são indiferentes umas às outras. Assim eu não percebia o objeto
corretamente ao apreendê-lo como algo excludente; porém, como antes o objeto
era só a continuidade em geral, agora ele é um meio comum universal, onde
muitas propriedades estão como universalidade sensíveis, cada uma para si,
excluindo as outras enquanto determinadas.

Mas sendo assim, o simples e verdadeiro que eu percebo não é um meio


universal, e sim a propriedade singular para si. Porém a propriedade desse modo
nem é propriedade nem um ser determinado, pois não está nem em um Uno,
nem em relação com outras. No entanto, somente é propriedade em um Uno, e
só é determinada em relação às outras. Permanece como esse puro relacionar-
se consigo mesma, apenas Ser sensível em geral, pois já não tem em si o caráter
da negatividade. A consciência, para a qual existe agora um ser sensível, é
somente um visar, isto é, saiu totalmente para fora do perceber, e regressou a si
mesma. Só que o ser sensível e o visar passam, eles mesmos, para o perceber:
sou relançado ao ponto inicial, e de novo arrastado no mesmo circuito - o qual se
suprassume em cada momento e como todo.

A consciência, portanto, percorre necessariamente esse círculo, mas ao mesmo


tempo não é do mesmo modo que na primeira vez. Ela fez, justamente, sobre o
perceber a experiência de que o resultado e o verdadeiro dele é sua dissolução ou
a reflexão sobre si mesma, a partir do verdadeiro. Sendo assim, ficou
determinado para a consciência como é que seu perceber está constituído, isto é:
não consiste em ser um puro apreender simples, mas em ser seu apreender ao
mesmo tempo refletido em si a partir do verdadeiro. Esse retorno da consciência
a si mesma, que - por se ter mostrado essencial ao perceber - se insere
imediatamente no puro apreender, altera o verdadeiro. A consciência reconhece
igualmente esse aspecto como o seu, e o toma sobre si; e assim fazendo, manterá
puro o objeto verdadeiro.

Com isso, sucede agora o que ocorria na certeza sensível; pois no perceber se
apresenta o aspecto de ser a consciência repelida sobre si mesma. Mas não como
se a verdade do perceber incidisse na consciência - como era o caso na certeza
sensível-, pois aqui o perceber reconhece, ao invés, que a inverdade que ali
ocorre recai nele. A consciência, porém, através desse reconhecimento é capaz,
ao mesmo tempo, de suprassumir essa inverdade: distingue seu apreender do
verdadeiro, da inverdade de seu perceber; corrige-o. E, enquanto assume, ela
mesma, essa correção, a verdade - como verdade do perceber - recai de certo
na consciência. O comportamento dessa consciência, a ser tratado de agora em
diante, é de tal modo constituído que a consciência já não percebe,
simplesmente; senão que também é cônscia de sua reflexão sobre si, e a separa
da simples apreensão.

Assim primeiro me dou conta da coisa como Uno e tenho de mantê-la nessa
determinação verdadeira; se algo lhe ocorrer de contraditório no movimento do
perceber, isso deve ser reconhecido como reflexão minha. Agora surgem na
percepção também diversas propriedades - propriedades essas que parecem ser
da coisa. Só que a coisa é Uno, e estamos conscientes de que recai em nós essa
diversidade pela qual a coisa deixa de ser Uno.

De fato, essa coisa é branca só para nossos olhos, e também tem gosto salgado
para nossa língua, é também cúbica para nosso tato etc. Toda a diversidade
desses aspectos, não tomamos da coisa, mas de nós. Para nós, em nossos olhos,
incidem totalmente diversos um do outro, do que são para nosso paladar etc.
Somos assim o meio universal onde esses momentos se separam e são para si.
Por conseguinte, já que consideramos como nossa reflexão a determinidade de
ser meio universal, mantemos a igualdade consigo mesma e a verdade da coisa:
a de ser Uno.

Mas esses diversos aspectos que a consciência assume são determinados - se


considerados cada um para si como no meio universal se encontram. O branco
só é em oposição ao preto etc.; e a coisa só é Uno justamente porque se opõe às
outras. Mas não exclui de si as outras porque seja uno - já que ser Uno é o
universal relacionar-se consigo mesmo -, e sim devido à determinidade. Assim,
as próprias coisas são determinadas em si e para si; têm propriedades pelas quais
se diferenciam das outras. Porque a propriedade é a propriedade própria da
coisa, ou uma determinidade nela mesma, a coisa possui um número de
propriedades. Com efeito: 1° - A coisa é o verdadeiro - é em si mesma. O que
nela está, está nela como sua essência, e não por causa de outros. 2° - Portanto,
são propriedades determinadas - não só por causa de outras coisas e para outras
coisas -, mas são na própria coisa. Porém só são nela propriedades determinadas,
enquanto são numerosas e diferentes entre si. 3° - Enquanto estão na coisidade, as
propriedades são em si e para si, e indiferentes umas às outras. Portanto, na
verdade, é a própria coisa que é branca, e também cúbica, e também tem sabor
de sal etc. Ou seja: a coisa é o também, ou o meio universal, no qual as
propriedades subsistem, fora uma da outra, sem se tocarem e sem se
suprassumirem. Tomada assim, a coisa é "tomada como o verdadeiro"
percebida.

Agora, nesse perceber, a consciência ao mesmo tempo se dá conta de que


também se reflete em si mesma, e de que ocorre no perceber o momento oposto
ao também. Mas esse momento é a unidade da coisa consigo mesma, que exclui
de si a diferença. Por isso é essa unidade que a consciência deve assumir: pois a
própria coisa é o subsistir de muitas propriedades diversas e independentes. Diz-
se, portanto, da coisa: é branca e também cúbica e também tem sabor de sal etc.
Mas enquanto branca não é cúbica e enquanto cúbica e também branca não tem
sabor de sal etc. O colocar-se em uma só dessas propriedades incumbe à
consciência somente; que não deve portanto fazer que na coisa coincidam no
Uno. Com esse fim, a consciência ali introduz o enquanto, mediante o qual as
mantém separadas umas das outras, e mantém a coisa como o também. Com
toda a razão, o ser-uno é assumido pela consciência e dessa forma, o que se
chama propriedade, vem a ser representado como matéria livre. A coisa é
elevada, dessa maneira, a um verdadeiro também, enquanto se torna uma
coleção de "matérias"; e, em vez de ser Uno, fica sendo uma simples superfície
envolvente.

Reexaminando o que a consciência antes assumia e o que assume agora, o que


atribuía antes à coisa e o que agora atribui a si ressalta que a consciência faz,
alternadamente, ora de si, ora da coisa, tanto o Uno puro sem pluralidade, como
um também dissolvido em "matérias" independentes. A consciência acha, através
dessa comparação, que não é apenas seu "tomar do verdadeiro" perceber, que
nele possui a diversidade do apreender e do retomar a si, mas, antes, é o próprio
verdadeiro - a coisa - que se apresenta dessa dupla maneira de ser.

Sendo assim, é isto o que está presente para a consciência que apreende através
dessa experiência: a coisa se apresenta de um modo determinado, mas ela está,
ao mesmo tempo, fora do modo como se apresenta, e refletida sobre si mesma.
Quer dizer: a coisa tem nela mesma uma verdade oposta.

Assim a consciência saiu também desse segundo modo do perceber, que era
tomar a coisa como o verdadeiro Igual a si mesmo, e, ao contrário, tomar-se a si
mesma como o desigual; como o que retoma a si saindo para fora da igualdade.
O objeto agora é para ela o movimento todo, antes dividido entre o objeto e a
consciência. A coisa é o Uno, sobre si refletida; é para si, mas também é para
outro. Na verdade, é para si outro do que é para Outro.

A coisa, portanto, é para si e também para outro, um ser diverso duplicado; mas é
também Uno. Mas o ser-Uno contradiz essa sua diversidade. A consciência
deveria, pois, retomar sobre si esse "pôr em um só" e mantê-lo afastado da coisa;
deveria, assim, dizer que a coisa, enquanto é para si, não é para Outro.
Entretanto, o ser-Uno também compete à coisa, como a consciência já o
experimentou: a coisa é essencialmente refletida sobre si. Portanto, recai
igualmente na coisa o também, ou a diversidade indiferente, assim como o ser-
Uno. Mas, já que os dois diferem, não incidem na mesma coisa, e sim, em coisas
diversas.

A contradição, que está na essência objetiva em geral, divide-se em dois objetos.


Assim a coisa é mesmo - em si e para si - igual a si mesma; mas essa unidade
consigo mesma é estorvada por outras coisas. A unidade da coisa desse modo é
preservada; mas o é igualmente o ser Outro, tanto fora dela como fora da
consciência.

Embora a contradição da essência objetiva se distribua, assim, entre coisas


diversas, a diferença, no entanto, deve situar-se na própria coisa singular e
isolada. Desse modo, as coisas diversas são postas para si, e o conflito recai nelas
com tal reciprocidade que cada uma é diversa não de si mesma, mas somente da
outra. Ora, com isso, cada coisa se determina como sendo ela mesma algo
diferente, e tem nela a distinção essencial em relação às outras; mas ao mesmo
tempo não tem em si essa diferença, de modo que fosse uma oposição nela
mesma. Ao contrário: é para si uma determinidade simples, a qual constitui seu
caráter essencial, distinguindo-a das outras. De fato, já que a diversidade está na
coisa, sem dúvida está nela necessariamente como diferença efetiva de
constituição multiforme. Sendo porém que a determinidade constitui a essência
da coisa - pela qual se diferencia das outras e é para si, essa constituição diversa
e multiforme é o inessencial. De certo, a coisa tem por isso, na sua unidade, o
duplo enquanto, mas com desigual valor; pelo que esse ser-oposto não se torna
assim oposição efetiva da própria coisa; mas, à medida que ela chega à oposição
através de sua diferença absoluta, tem a oposição em confronto com outra coisa
exterior a ela. Aliás, a múltipla variedade está também na coisa,
necessariamente, de modo que não é possível ficar separada dela; e contudo lhe
é inessencial.

Agora essa determinidade - que constitui o caráter essencial da coisa, e a


diferencia de todas as demais - se determina assim: por ela a coisa está em
oposição às outras, mas nessa oposição deve manter-se para si. Porém somente é
coisa - ou Uno para si essente - enquanto não está nessa relação com as outras,
pois nessa relação o que se põe é antes a conexão com o Outro; e a conexão com
Outro é o cessar do ser para si. Mediante o caráter absoluto, justamente, e de sua
oposição, ela se relaciona com outras, e, essencialmente, é só esse relacionar-se.
A relação porém é a negação de sua independência, e a coisa antes desmorona
através de sua propriedade essencial.

A necessidade da experiência para a consciência - de que a coisa desmorona


justo através da determinidade que constitui sua essência e seu Ser para si - pode
ser tratada brevemente conforme seu conceito simples. A coisa é posta como ser
para si, ou como negação absoluta de todo ser Outro; portanto, como negação
absoluta que só consigo se relaciona. Mas a negação que se relaciona consigo é o
suprassumir de si mesma; ou seja, é ter sua essência em um Outro.

De fato, nada mais contém a determinação do objeto tal como ele se apresentou:
deve possuir uma propriedade essencial que constitui seu ser para si simples,
porém nessa simplicidade deve também ter nele mesmo a diversidade que sem
dúvida é necessária mas não deve constituir a determinidade essencial. Contudo,
essa é uma distinção que só reside nas palavras: o inessencial que ao mesmo
tempo deve ser necessário suprassume a si mesmo. Ou seja: é aquilo que acima
se chamou "negação de si mesmo".

Sendo assim, fica descartado o último enquanto, que separava o ser para si e o
ser para Outro. O objeto é, antes, sob o mesmo e o único ponto de vista, o oposto
de si mesmo: para si, enquanto é para Outro; e para outro, enquanto é para si. E
para si, em si refletido, Uno; mas esse para si, em si refletido, ser-Uno, está em
unidade com seu oposto - o ser para outro. É portanto posto apenas como
suprassumido, ou seja: esse ser para si é tão inessencial quanto aquele, que só
deveria ser o inessencial, isto é, a relação com Outro.

O objeto é, por conseguinte, suprassumido em suas puras determinidades - ou nas


determinidades que deveriam constituir sua essencialidade -, assim como em seu
ser sensível se tinha tornado um suprassumido. Tornou-se um universal a partir do
ser sensível; porém esse universal, por se originar do sensível, é essencialmente
por ele condicionado, e por isso, em geral, não é verdadeiramente igual a si
mesmo, mas é uma universalidade afetada de um oposto; a qual se separa, por
esse motivo, nos extremos da singularidade e da universalidade, do Uno das
propriedades e do também das matérias livres. Essas determinidades puras
parecem exprimir a essencialidade mesma, mas são apenas um ser para si que
está onerado de um ser para Outro. No entanto, já que ambos estão
essencialmente em uma unidade, assim está presente agora a unidade absoluta
incondicionada - e só aqui a consciência entra de verdade no reino do
entendimento.

Assim, a singularidade sensível desvanece, sem dúvida, no movimento di ai ético


da certeza imediata e se torna universalidade - mas só universalidade sensível.
Desvaneceu o visar da certeza sensível e o perceber toma o objeto tal como ele é
em si, ou como universal em geral. A singularidade ressalta, pois, nele como a
singularidade verdadeira, como ser em si do Uno, ou como ser-refletido em si
mesmo. Mas ainda é um ser para si condicionado, ao lado do qual outro ser para
si aparece: a universalidade oposta à singularidade e por ela condicionada.
Porém esses dois extremos, que se contradizem, não apenas estão lado a lado,
mas estão em uma unidade, ou, o que é o mesmo, o ser para si - o que há de
comum a ambos - está onerado em geral por seu oposto; quer dizer: ao mesmo
tempo não é um ser para si.

A sofistaria da percepção procura salvar de sua contradição esses momentos e


mantê-los por meio da diferenciação dos pontos de vista, por meio do também e
do enquanto, assim como procura finalmente apreender o verdadeiro mediante a
distinção entre o inessencial e uma essência que lhe é oposta. Só que tais
expedientes, em vez de afastar a ilusão no ato de apreender, antes se revelam
mesmo como nulos. O verdadeiro que deve ser obtido por essa lógica da
percepção mostra ser o oposto, sob o mesmo e único ponto de vista; e assim,
mostra ter por sua essência a universalidade indistinta e indeterminada.

Tais abstrações vazias - singularidade e universalidade a ela oposta, como


também a essência que se enlaça com um inessencial, e um inessencial que
aliás, ao mesmo tempo, é necessário - são as potências cujo jogo é o
entendimento humano percebente, chamado com frequência "sadio" "senso
comum". Ele, que se toma como sólida consciência real, é, no perceber, apenas
o jogo dessas abstrações; e em geral é sempre o mais pobre onde acredita ser o
mais rico. Ao ser agitado por essas essências de nada, jogado dos braços de uma
para os braços da outra, esforça-se alternadamente, através de sua sofistaria, por
manter estável e afirmar já uma essência, já o seu contrário exatamente,
coloca-se contra a verdade; e quanto à filosofia, acha que só se ocupa com entes
de razão.

Sem dúvida, a filosofia lida também com isso, e reconhece os entes de razão
como puras essências, como absolutos elementos e potências. Mas, sendo assim,
reconhece-os, ao mesmo tempo, na sua determinidade e deles se assenhora;
enquanto aquele entendimento percebente os toma pelo verdadeiro, e por eles é
jogado de erro em erro.

O entendimento percebente não chega à consciência de que tais essencialidades


simples são as que nele dominam; mas acredita estar lidando sempre com
matérias e conteúdos perfeitamente sólidos - assim como a certeza sensível não
sabe que a abstração vazia do puro ser é sua essência. Mas, de fato, é através
dessas essencialidades que o entendimento percebente percorre e traça a matéria
e todo conteúdo; são elas a conexão e a dominação desses. Só elas são para a
consciência o que o sensível é como essência - o que determina as relações da
consciência para com o sensível, e donde procede o movimento do perceber e do
seu verdadeiro.

Esse percurso, uma alternância perpétua entre o determinar do verdadeiro e o


suprassumir desse determinar, constitui a rigor a vida e a labuta, cotidianas e
permanentes, da consciência que percebe e que acredita mover-se dentro da
verdade. Ela procede sem descanso para o resultado do mesmo suprassumir de
todas essas essencialidades ou determinações essenciais. Porém, em cada
momento singular, só está consciente desta única determinidade como sendo o
verdadeiro; logo faz o mesmo com a oposta. Bem que suspeita de sua
inessencialidade; para salvá-las do perigo que as ameaça, recorre à sofistaria,
afirmando agora como o verdadeiro o que antes afirmava como o não
verdadeiro.

Ora, a natureza dessas essências não verdadeiras quer propriamente induzir esse
entendimento a conciliar - e, portanto, a suprassumir - os pensamentos dessas
inessências, ou seja, os pensamentos dessa universalidade e dessa singularidade,
do também e do Uno, daquela essencialidade necessariamente presa a uma
inessencialidade, e de uma inessencialidade que é, contudo, necessária. Mas, ao
contrário, o entendimento recalcitra, e apoiando-se nos enquanto e nos diversos
pontos de vista, ou tomando sobre si um pensamento para mantê-lo separado do
outro, e como sendo o verdadeiro.
Mas a natureza dessas abstrações as reúne em si e para si. O bom senso é a presa
delas, que o arrastam em sua voragem. Querendo conferir-lhes a verdade, ora
toma sobre si mesmo a inverdade delas, ora chama ilusão uma aparência das
coisas indignas de confiança, separando o essencial de algo que lhes é necessário
e ainda assim, que deve ser inessencial; e mantém aquele como sua verdade,
frente a este. Com isso não salvaguarda para essas abstrações sua verdade, mas
confere a si mesmo a inverdade.
III - Força e Entendimento; Fenômeno e mundo suprassensível

Para a consciência, na dialética da certeza sensível, dissiparam-se o ouvir, o ver


etc. Como percepção chegou a pensamentos que primeiro reúne no Universal
incondicionado. Se esse incondicionado fosse agora tomado por essência inerte e
simples, nesse caso não seria outra coisa que o extremo do ser para si, posto de
um lado; em confronto com ele se colocaria a inessência; mas nessa relação à
inessência seria também ele inessencial. No entanto surgiu como algo que a si
retomou a partir de tal ser para si condicionado.

Esse Universal incondicionado, que de agora em diante é o objeto verdadeiro da


consciência, ainda está como objeto dessa consciência - a qual ainda não
apreendeu o conceito como conceito. Importa fazer uma distinção essencial
entre as duas coisas: para a consciência, o objeto retomou a si mesmo a partir da
relação para com um outro, e com isso tornou-se em si conceito. Porém a
consciência não é ainda, para si mesma, o conceito; e por causa disso não se
reconhece naquele objeto refletido.

Para nós, esse objeto, mediante o movimento da consciência, passou por um vir
a ser em que a consciência está de tal modo implicada que a reflexão é a mesma
dos dois lados, ou seja, é uma reflexão só. No entanto a consciência nesse
movimento tinha apenas por conteúdo a essência objetiva, e não a consciência
como tal, de tal sorte que para ela o resultado tem de ser posto numa significação
objetiva e a consciência deve retirar-se do resultado que veio a ser - o qual,
como algo objetivo, é para ela a essência.

Sem dúvida que o entendimento suprassumiu com isso sua própria inverdade e a
inverdade do objeto; e o que lhe resultou em consequência foi o conceito do
verdadeiro: como verdadeiro em si essente, que não é ainda o conceito, ou seja,
ainda está privado do ser para si da consciência: é um verdadeiro que o
entendimento, sem saber que está ali dentro, deixa mover-se à vontade. Esse
verdadeiro leva sua vida como lhe apraz, de modo que a consciência não tem
participação alguma em sua livre realização; mas, ao contrário, simplesmente o
contempla e puramente o apreende.

Nós devemos por isso, antes de tudo, pôr-nos em seu lugar e ser o conceito que
modela o que está contido no resultado: somente nesse resultado completamente
modelado - que se apresenta à consciência como um essente - ela se torna para
si mesma consciência concebente.

O resultado foi o Universal incondicionado; de início, no sentido negativo e


abstrato, de que a consciência negava seus conceitos unilaterais e os abstraía; e, a
bem dizer, os abandonava. Mas o resultado tem em si a significação positiva de
que nele está posta imediatamente, como a mesma essência, a unidade do ser
para si e do ser para outro, ou a oposição absoluta. À primeira vista, parece que
isso concerne só a forma dos momentos, um em relação ao outro; porém o ser
para si e o ser para outro são também o próprio conteúdo, pois a oposição, em
sua verdade, não pode ter nenhuma outra natureza a não ser a que se revela em
seu resultado, a saber: que o conteúdo, tido por verdadeiro na percepção,
pertence de fato somente à forma e se dissolve em sua unidade.

Esse conteúdo é, ao mesmo tempo, universal: não pode haver outro conteúdo que
por sua constituição peculiar se subtraísse ao retorno a essa universalidade
incondicionada. Tal conteúdo seria qualquer modo determinado de ser para si e
de se relacionar com outro. Só que, ser para si e relacionar-se com outro, em
geral constituem a natureza e a essência de um conteúdo cuja verdade é ser
Universal incondicionado; e o resultado é meramente universal.

Porém a diferença entre forma e conteúdo emerge nesse Universal


incondicionado, por ser ele objeto para a consciência. Na figura do conteúdo, os
momentos têm o aspecto sob o qual inicialmente se apresentavam: o aspecto de
serem, por um lado, um meio universal de muitas "matérias" subsistentes; e, por
outro lado, o uno em si refletido, no qual sua independência se aniquila. O
primeiro momento é a dissolução da independência da coisa, ou a passividade
que é um ser para Outro. O segundo momento é o ser para si.

Importa ver como esses momentos se apresentam na universalidade


incondicionada, que é sua essência. Antes de tudo, é evidente que esses
momentos, pelo fato de só estarem nela, em geral não podem ficar separados
um do outro; mas são essencialmente lados que neles mesmos se suprassumem;
e o que se põe é unicamente o transitar de um para o outro.

Um dos momentos aparece pois como essência posta de lado, como meio
universal ou como o subsistir das "matérias" independentes. Mas a independência
dessas matérias não é outra coisa que esse meio, ou seja: esse universal é
exatamente a multiplicidade desses diferentes universais. Porém, como o
universal está nele mesmo em unidade estreita com essa multiplicidade, quer
dizer que cada uma dessas "matérias" está onde está a outra; interpenetram-se
mas sem se tocarem, já que, inversamente, o Diferente múltiplo é exatamente
do mesmo modo independente. Com isso se põe igualmente sua porosidade pura
- ou seu Ser suprassumido. Por sua vez, esse Ser suprassumido - ou a redução
dessa diversidade ao puro ser para si - não é outra coisa que o próprio meio; e
esse é a independência das diferenças. Ou seja: as diferenças, postas como
independentes, passam imediatamente à sua unidade e sua unidade
imediatamente ao seu desdobramento; e esse novamente, de volta, à redução.

Pois esse movimento é aquilo que se chama força. Um de seus momentos, a


saber, a força como expansão das "matérias" independentes em seu ser é sua
exteriorização; porém a força como o ser-desvanecido dessas "matérias" é a
força que, de sua exteriorização, foi recalcada sobre si, ou a força propriamente
dita. Mas em primeiro lugar, a força recalcada sobre si tem de exteriorizar-se; e
em segundo lugar, na exteriorização ela é tanto força em si mesma essente,
quanto exteriorização nesse ser em si mesmo.

Quando nós mantemos os dois momentos em sua unidade imediata, então o


entendimento - ao qual o conceito de força pertence - é o conceito propriamente
dito, que sustém os momentos distintos como distintos, pois na força mesma não
devem ser distintos; a diferença, portanto, está só no pensamento. Em outras
palavras; o que acima foi estabelecido foi apenas o conceito de força, não sua
realidade.

Mas, de fato, a força é o Universal incondicionado, que igualmente é para si


mesmo o que é para Outro; ou que tem nele a diferença, pois essa não é outra
coisa que o ser para Outro. Assim, para que a força seja em sua verdade, deve
ser deixada totalmente livre do pensamento e posta como substância dessas
diferenças; vale dizer: primeiro, ela, como esta força total, que permanece
essencialmente em si e para si; depois, suas diferenças, como momentos
substanciais, ou como momentos para si subsistentes. A força como tal, ou como
recalcada em si, é portanto para si como um Uno exclusivo, para o qual o
desdobramento das matérias é uma outra essência subsistente; e desse modo são
postos dois lados diferentes e independentes.

Porém a força é também o todo, ou seja: permanece tal como é segundo seu
conceito. Quer dizer: essas diferenças permanecem puras formas, superficiais
momentos evanescentes. As diferenças entre a força propriamente dita,
recalcada sobre si mesma, e o desdobramento das "matérias" independentes, de
fato também não seriam, se não tivessem uma subsistência: ou, a força não seria
se não existisse sob esses modos contrários. Mas existir sob esses modos
contrários não significa outra coisa senão que os dois momentos são, ao mesmo
tempo, independentes. Assim o que temos a examinar é esse movimento dos dois
momentos, que sem cessar se fazem independentes para de novo se
suprassumirem.

É claro, em geral, que esse movimento não é outra coisa que o movimento da
percepção, no qual ambos os lados - o percebente e o percebido - são ao mesmo
tempo, de uma parte, um só e indistinto, como o apreender do verdadeiro; mas
igualmente de outra parte, cada lado reflete sobre si, ou é para si. Aqui esses dois
lados são momentos da força: formam também uma unidade, unidade essa que
se manifesta como meio-termo em relação a extremos para si essentes, e se
divide sempre de novo justamente nesses extremos, que são somente por isso.

O movimento, que se apresentava antes como autodestruir-se de conceitos


contraditórios, tem pois aqui a forma objetiva e é movimento da força; como seu
resultado, se produzirá o Universal incondicionado como algo não objetivo, ou
como interior das coisas.

A força, como foi determinada - representada enquanto tal ou refletida sobre si -,


é só um dos lados de seu conceito; mas foi posta como um extremo substantivado
e, a bem dizer, sob a determinidade do Uno. Assim o subsistir das "matérias"
desdobradas fica excluído dessa força, e é Outro que ela. Já que é necessário que
a própria força seja esse subsistir, ou que se exteriorize, sua exteriorização se
apresenta sob a forma daquele Outro que a aborda e solicita. Mas de fato,
enquanto se exterioriza necessariamente, tem nela mesma o que era posto como
uma outra essência.

Deve-se abandonar esse modo de ver em que a força é posta como um Uno, e
sua essência é posta como algo que de fora a aborda para que se exteriorize. A
força é antes, ela mesma, esse meio universal do subsistir dos momentos como
"matérias". Dito de outro modo: a força já se exteriorizou: e o que devia ser o
outro Solicitante é, antes, ela mesma.

Agora, portanto, a força existe como meio das "matérias" desdobradas. Mas ela
tem, de modo igualmente essencial, a forma do ser suprassumido das "matérias"
subsistentes, ou seja, é essencialmente Uno. Com isso, porém, o ser-Uno é agora
Outro que ela, já que a força está posta como meio das "matérias" e tem essa
essência fora dela. No entanto, pois tem necessariamente de ser como ainda não
foi posta, esse Outro a aborda e solicita à reflexão sobre si mesma, ou seja,
suprassume sua exteriorização. De fato, porém, ela mesma é esse ser-refletido-
em si, ou esse ser suprassumido da exteriorização. O ser-Uno desvanece como
apareceu, isto é, como Outro, pois ela mesma é isto - é a força recalcada em si
mesma.

O que surge como Outro e solicita a força tanto à exteriorização quanto ao


retorno a si mesma, é ele mesmo força, como imediatamente resulta; porquanto
o Outro se mostra quer como meio universal, quer como Uno e ao mesmo tempo
só aparece em cada uma dessas figuras como momento evanescente. Por
conseguinte, a força ainda não saiu em geral de seu conceito, pelo fato de que
Outro é para ela, e ela para Outro. Ao mesmo tempo, porém, duas forças estão
presentes: e embora ambas tenham o mesmo conceito, passaram de sua unidade
à dualidade. A oposição, em vez de permanecer de modo totalmente essencial,
um momento apenas, parece ter escapado ao domínio da unidade por meio do
desdobramento em forças totalmente independentes.

Convém examinar mais de perto qual é mesmo a situação dessa independência.


De início, a segunda força se apresenta como solicitante, e na verdade, quanto a
seu conteúdo, como meio universal perante a força que se determina como
solicitada. Mas a solicitante - por ser essencialmente alternância desses dois
momentos, e ela mesma, força - de fato só é igualmente meio universal quando
é solicitada a que o seja. Do mesmo modo, também só é unidade negativa - ou o
que solicita a força ao retomar - por ser solicitada. Por isso transmuda-se
também, nessa troca recíproca de determinações, a diferença que se estabelecia
entre as duas forças, em que uma devia ser a solicitante, a outra, a solicitada.

O jogo das duas forças consiste, pois, nesse ser determinado oposto de ambas,
em seu ser para outro nessa determinação, e na absoluta troca imediata das
determinações - uma passagem através da qual somente há essas determinações
em que as forças parecem apresentar-se independentemente.

A solicitante, por exemplo, é posta como meio universal; e em contraste, a


solicitada como força recalcada. Mas a primeira só é meio universal porque a
segunda é força recalcada; ou seja, essa seria antes a solicitante em relação à
outra, pois faz que ela se torne o meio. Aquela só tem sua determinidade
mediante a outra; só é solicitante enquanto pela outra é solicitada a tornar-se
solicitante; e perde também imediatamente essa determinidade que lhe foi dada,
pois passa para a outra; ou melhor, já passou para lá. O estranho que solicita a
força se apresenta como meio universal; mas só porque foi por ela solicitado a
isso. Vale dizer: ela assim o põe, e é bem mais, ela mesma, essencialmente meio
universal. Põe assim o que a solicita, porque essa determinação lhe é essencial,
isto é: porque ela mesma é, com mais forte razão, essa determinação.

Para levar a cabo a penetração no conceito desse movimento, podemos ainda


fazer notar que as próprias diferenças se mostram sob uma dupla diferença:
primeiro, como diferenças do conteúdo, pois um desses extremos é a força
refletida sobre si mesma; mas o outro, o meio das "matérias". Segundo, como
diferença de forma, enquanto uma é solicitante, outra, solicitada; aquela ativa,
esta passiva. Segundo a diferença do conteúdo, são diferentes em geral, ou para
nós. Mas segundo a diferença da forma são independentes, separam-se uma da
outra em sua relação e são opostas.

Para a consciência é isso que vem a ser como resultado na percepção do


movimento da força: os extremos nada são em si, segundo esses dois lados; mas
ao contrário, esses lados, em que deveria subsistir sua essência diferente, são
apenas momentos evanescentes - uma passagem imediata de cada lado para o
seu oposto.

Mas para nós - como se lembrou acima - era verdade também que, em si, as
diferenças, como diferenças do conteúdo e da forma, desvanecem. Do lado da
forma, segundo a essência, o ativo, o solicitante, ou o para si essente eram o
mesmo que se apresentava como força recalcada em si, do lado do conteúdo. E
o passivo, o solicitado, ou o essente para outro, do lado da forma, é o mesmo que
se apresentava como meio universal de múltiplas "matérias" - do lado do
conteúdo.

Resulta daí que o conceito de força se torna efetivo através da duplicação em


duas forças e o modo como se torna tal. Ambas essas forças existem como
essências para si essentes; mas sua existência é um movimento tal, de uma em
relação à outra, que seu ser é antes um puro Ser-posto mediante outro; isto é: seu
ser tem, antes, a pura significação do desvanecer.

Essas forças não são extremos que retenham, cada um para si, algo fixo, e que só
se transmitam mutuamente uma qualidade externa no meio termo e no seu
contacto. Pelo contrário: só nesse meio termo e contacto são o que são. Aí estão
imediatamente, ao mesmo tempo, o ser recalcado ou o ser para si da força como
sua exteriorização; tanto está o solicitar quanto o ser-solicitado. Mas esses
momentos por isso não se dividem em dois extremos independentes, tocando-se
apenas em seus vértices opostos; senão que sua essência consiste pura e
simplesmente em ser cada um através do outro, e em deixar de ser
imediatamente o que é através do outro, quando o outro o é. As forças não têm,
pois, nenhuma substância própria que as sustenha e conserve.

O conceito de força se mantém, antes, como a essência em sua efetividade


mesma; a força, como efetiva, está unicamente na exteriorização que
igualmente não é outra coisa que o suprassumir-se a si mesma. Essa força
efetiva, representada como livre de sua exteriorização, e para si essente, é a
força recalcada em si mesma. Por sua vez essa determinidade é de fato, como
se revelou, apenas um momento da exteriorização.

A verdade da força permanece, pois, só como pensamento da mesma, e os


momentos dessa efetividade, suas substâncias e seu movimento desmoronam
sem parar numa unidade indiferenciada - que não é a força recalcada sobre si
(pois ela mesma é só um momento desses), senão que essa unidade é seu
conceito, como conceito.
A realização da força é assim, ao mesmo tempo, a perda da realidade. A força se
tornou, pois, algo totalmente distinto, a saber, essa universalidade que o
entendimento conhece primeiro ou imediatamente como sua essência; e que
também se mostra como sua essência em sua realidade que deve ser, nas
substâncias efetivas.

Se considerarmos o primeiro universal como o conceito do entendimento, em


que a força não é ainda para si, então o segundo universal é sua essência, tal
como se apresenta em si e para si. Ou, inversamente: se tomamos o primeiro
universal como o imediato, que deveria ser um objeto efetivo para a consciência,
então o segundo universal está determinado como o negativo da força sensível
objetiva. Esse é a força tal como em sua verdadeira essência é somente
enquanto objeto do entendimento. O primeiro universal seria a força recalcada
sobre si, ou a força como substância; mas esse segundo universal é o interior das
coisas como interior - idêntico ao conceito como conceito.

Essa verdadeira essência das coisas está agora determinada de maneira que não
é imediatamente para a consciência, senão que essa tem uma relação mediata
com o interior; e, como entendimento, divisa através desse meio-termo, que é o
jogo de forças, o fundo verdadeiro das coisas.

O meio-termo que encerra juntos os dois extremos - o entendimento e o interior -


é o ser da força desenvolvido, que doravante é para o entendimento mesmo, um
evanescente. Por isso se chama fenômeno; pois aparência é o nome dado ao ser
que imediatamente é em si mesmo um não ser. Porém, não é apenas um
aparecer, mas sim fenômeno, uma totalidade do aparecer. Essa totalidade como
totalidade ou universal é o que constitui o interior: o jogo de forças com sua
reflexão sobre si mesmo.

Para a consciência, as essências da percepção estão nele postas de maneira


objetiva, tais como são em si, isto é: como momentos que se transmudam
imediatamente em seu contrário, sem descanso nem ser: o Uno, imediatamente
no universal; o essencial, imediatamente no inessencial, e vice-versa, Esse jogo
de forças é, pois, o Negativo desenvolvido; mas sua verdade é o positivo, a saber,
o universal, ou o objeto em si essente.

Para a consciência, o ser deste objeto é mediado pelo movimento do fenômeno;


movimento em que o ser da percepção e o Sensível objetivo têm, em geral,
somente uma significação negativa; e assim, a consciência a partir dele se reflete
em si como no verdadeiro. Mas como é consciência, torna a fazer do verdadeiro
um Interior objetivo: distingue, de sua reflexão sobre si mesma, a reflexão das
coisas; como também, para ela, o movimento mediador é ainda um movimento
objetivo.

Portanto, esse interior é para a consciência como um extremo a ela oposto. Mas
é também, para ela, o verdadeiro porque nele tem como no Em si, ao mesmo
tempo, a certeza de si mesma, ou o momento do ser para si; embora não esteja
ainda consciente desse fundamento, pois o ser para si, que o interior deveria ter
nele, não seria outra coisa que o movimento negativo. Para a consciência,
porém, esse movimento negativo ainda é o fenômeno objetivo evanescente - não
ainda seu próprio ser para si. O interior, portanto, é para ela o conceito; mas a
consciência ainda não conhece a natureza do conceito.

Nesse Verdadeiro interior, como no Absoluto-Universal - que expurgado da


oposição entre universal e singular veio a ser para o entendimento - agora, pela
primeira vez, descerra-se sobre o mundo sensível como o mundo aparente, um
mundo suprassensível como o verdadeiro. Patenteia-se sobre o aquém
evanescente o além permanente: um Em si que é a primeira, e portanto
inacabada, manifestação da razão; ou seja, apenas o puro elemento, em que a
verdade tem sua essência.

Nosso objeto é assim, daqui em diante, o silogismo que tem por extremos o
interior das coisas e o entendimento, e, por meio-termo, o fenômeno. Pois o
movimento desse silogismo dá a ulterior determinação daquilo que o
entendimento divisa através desse meio-termo, e a experiência que faz sobre
esse comportamento do Ser-concluído-junto com ele.

Para a consciência, o interior é ainda um puro Além, porquanto nele não


encontra ainda a si mesma: é vazio, por ser apenas o nada do fenômeno, e
positivamente ser o Universal simples. Essa maneira de ser do interior está
imediatamente em consonância com a opinião de alguns, de que o interior é
incognoscível; só que o motivo disso deveria ser entendido diversamente.

Sem dúvida, não pode haver nenhum conhecimento desse interior, tal como ele
aqui é imediatamente; não porque a razão seja míope ou limitada, ou como
queiram chamá-la (a propósito, nada sabemos aqui, pois não penetramos ainda
tão fundo), mas pela simples natureza da Coisa mesma: justamente porque no
vazio nada se conhece; ou, expressando do outro lado, porque esse interior é
determinado como o além da consciência.

Obtém-se o mesmo resultado colocando um cego entre as riquezas do mundo


suprassensível (se é que as tem, quer se trate do conteúdo próprio desse mundo,
quer da consciência desse conteúdo), ou então pondo um homem que tenha visão
no meio das trevas puras, ou, se preferem, da pura luz (caso o mundo
suprassensível seja isso). O homem que tem vista enxergará tão pouco em sua
luz quanto em suas puras trevas - exatamente como o cego na abundância das
riquezas que se estendem diante dele.

Se nada mais houvesse a fazer com o interior e o ser concluído junto com ele
através do fenômeno, somente restaria ater-se ao fenômeno, isto é: tomar por
verdadeiro algo que sabemos não ser verdadeiro para preencher este vazio. Um
vazio que veio a ser, primeiro, como o esvaziamento das coisas objetivas, mas
que sendo esvaziamento em si deve ser tomado como esvaziamento de todas as
relações espirituais e diferenças da consciência como consciência. Para que haja
algo nesse vazio total, que também se denomina sagrado, há que preenchê-lo, ao
menos com devaneios: fenômenos que a própria consciência para si produz.
Deveria ficar contente de ser tão maltratado, pois nada merece de melhor.
Afinal, os próprios devaneios ainda valem mais que seu esvaziamento.

Mas o interior, ou Além-suprassensível, já surgiu: provém do fenômeno, e esse é


sua mediação. Quer dizer: o fenômeno é sua essência, e de fato, sua
implementação. O suprassensível é o sensível e o percebido postos tais como são
em verdade; pois a verdade do sensível e do percebido é serem fenômeno. O
suprassensível é, pois, o fenômeno como fenômeno.

Nesse caso, pensar que o suprassensível é por isso o mundo sensível, ou o mundo
tal como é para a certeza sensível imediata e para a percepção, é um entender
distorcido: porque o fenômeno não é de fato o mundo do saber sensível e do
perceber como essente, mas esse mundo como suprassumido ou posto em
verdade como interior. Costuma dizer-se que o suprassensível não é o fenômeno;
mas, com isto, não se entende por fenômeno o fenômeno e sim o mundo sensível
como a própria efetividade real.

O entendimento, que é nosso objeto, encontra-se agora neste ponto exato, onde
primeiro o interior veio a ser para ele somente como o Em si universal ainda não
implementado. O jogo de forças tem precisamente esta significação negativa:
não ser em si; e só esta positiva: ser o mediatizante, mas fora do entendimento.
Porém sua relação para com o interior, através da mediação, é seu movimento
por meio do qual o interior se implementará para o entendimento.

O jogo de forças é imediatamente para o entendimento; porém o verdadeiro


para ele é o interior simples; por isso também o movimento da força somente é o
verdadeiro como algo simples em geral.

Vimos porém, no que toca a esse jogo de forças, que possui esta característica: a
força solicitada por outra é também solicitante em relação a ela; a qual, somente
por isso, se converte em solicitante. Aqui ocorre também só a troca imediata ou o
permutar absoluto da determinidade que constitui o único conteúdo do que
aparece: ou ser meio universal, ou ser unidade negativa.

No seu próprio aparecer determinado, ele deixa imediatamente de ser tal como
aparecia - através de seu aparecer determinado, solicita o outro lado, que por isso
se exterioriza; quer dizer: esse lado agora é imediatamente o que o primeiro
deveria ser. Os dois lados - a situação do solicitar e a situação do conteúdo
determinado oposto - são, cada um para si, a inversão e a troca absolutas. Porém,
essas duas situações, por sua vez, são de novo a mesma coisa; e a diferença de
forma - ser o solicitante e ser o solicitado - é o mesmo que a diferença de
conteúdo: o solicitado como tal, a saber, o meio passivo; o solicitante, ao
contrário, O ativo, a unidade negativa, ou o Uno.

Por conseguinte, desvanece toda a diferença entre forças particulares que


deveriam estar presentes nesse movimento, uma frente à outra, em geral, já que
tinham por base apenas aquelas diferenças. Igualmente, a diferença das forças
converge, junto com as duas diferenças, numa diferença única.

Assim, nessa mudança absoluta, não há nem força, nem solicitar ou ser-
solicitado, nem a determinidade do meio subsistente e da unidade em si refletida,
nem algo singular para si, nem diversas oposições. Pois o que aí unicamente
existe é a diferença como universal, ou como uma diferença tal que as múltiplas
oposições ficaram a ela reduzidas.

Essa diferença como universal é, portanto, o simples no jogo da força mesma, e


o verdadeiro desse jogo. A diferença é a lei da força.

Através de sua relação com a simplicidade do interior ou do entendimento, o


fenômeno absolutamente cambiante vem a ser diferença simples. Inicialmente,
o interior é apenas o universal em si; mas esse Universal em si simples é
essencialmente e também absolutamente a diferença universal, por ser o
resultado da mudança mesma, ou a mudança é sua essência, mas a mudança
enquanto posta no Interior como é em verdade, e por isso nele recebida como
sendo também absolutamente universal, tranquilizada e permanecendo igual a si
mesma. Ou seja: a negação é o momento essencial do Universal; ela - ou a
mediação - é assim, no Universal, diferença universal. Essa se exprime na lei
como imagem constante do fenômeno instável. O mundo suprassensível é,
portanto, um tranquilo reino das leis; certamente, além do mundo percebido, pois
esse só apresenta a lei através da mudança constante; mas as leis estão também
presentes no mundo percebido, e são sua cópia imediata e tranquila.
Este reino das leis é de certo a verdade do entendimento que tem o conteúdo na
diferença que está na lei; mas ao mesmo tempo é só sua primeira verdade, não
preenche completamente o fenômeno. A lei está nele presente, mas não é toda a
sua presença: sob situações sempre outras, tem sempre outra efetividade.
Portanto, resta ao fenômeno para si um lado que não está no interior; ou, o
fenômeno ainda não está posto em verdade como fenômeno, como ser para si
suprassumido.

Esse defeito da lei tem de ressaltar também nela. O que parece faltar-lhe é que,
embora tenha em si a diferença mesma, só a tem como universal,
indeterminada. Porém enquanto não é a lei em geral, mas uma lei, tem nela a
determinidade, e assim se dá uma pluralidade indeterminada de leis. Só que essa
pluralidade mesma é antes um defeito: contradiz precisamente o princípio do
entendimento para o qual, como consciência do interior simples, o verdadeiro é a
unidade em si universal.

Portanto, o entendimento deve fazer coincidir as múltiplas leis numa lei só.
Assim, por exemplo, a lei da queda da pedra e a lei do movimento das esferas
celestes foram concebidas como uma só lei. Mas com esse coincidir, as leis
perdem sua determinidade; a lei se torna mais superficial e, de fato, por aí não se
encontra a unidade destas leis determinadas, mas sim uma lei que deixa de lado
sua determinidade, como a lei única que reúne em si a lei da queda dos corpos
sobre a terra e a do movimento celeste não exprime de fato as duas leis.

A unificação de todas as leis na atração universal não exprime conteúdo mais


amplo que justamente o mero conceito da lei mesma, que aí se põe como
essente. A atração universal diz apenas que tudo tem uma diferença constante
com Outro. O entendimento pensa ter aí descoberto uma lei universal, que
exprime a universal efetividade como tal. Mas, na verdade, só encontrou o
conceito da lei mesma. É como se dissesse que em si mesma toda efetividade é
regida por lei. A expressão da atração universal tem, por isso, grande
importância; enquanto dirigida contra a representação carente de pensamento
para a qual tudo se apresenta sob a figura do contingente, e a determinidade tem
a forma da independência sensível.

Por conseguinte, a atração universal - ou o conceito puro de lei - contrasta com


as leis determinadas. Enquanto esse puro conceito é considerado como a essência
ou o verdadeiro interior, a determinidade da lei mesma determinada ainda
pertence ao fenômeno, ou antes, ao ser sensível. Todavia, o conceito puro da lei
não só ultrapassa a lei que como uma lei determinada contrasta com outras leis
determinadas - mas ultrapassa ainda a lei como tal. Propriamente, a
determinidade, de que se falava, é apenas momento evanescente, que não pode
mais apresentar-se aqui como essencialidade, pois só está presente a lei como o
verdadeiro; porém o conceito de lei se voltou contra a lei mesma.

É justamente na lei que a diferença é captada imediatamente e acolhida no


universal; mas com isso também um subsistir dos momentos cuja relação o
universal exprime como essencialidades indiferentes e em si essentes. Ao
mesmo tempo, porém, essas partes da diferença na lei são por sua vez, lados
determinados. O conceito puro da lei, como atração universal, deve entender-se
em seu verdadeiro sentido, de que nesse conceito como no Simples absoluto, as
diferenças que ocorrem na lei como tal retomam de novo ao interior, como
unidade simples; esta unidade é a necessidade interior de lei.

A lei está portanto presente de duas maneiras: uma vez como lei, em que as
diferenças são expressas como momentos independentes; outra vez, na forma do
simples Ser retomado a si mesmo, que de novo pode chamar-se força; contanto
que não se entenda a força recalcada mas a força em geral ou o conceito de
força: uma abstração que arrasta para si as diferenças do que atrai e do que é
atraído. Assim, por exemplo, a eletricidade simples é a força; mas a expressão
da diferença incumbe à lei: essa diferença é eletricidade positiva e negativa.

No movimento da queda, a força é o simples; a gravidade, a qual tem como lei


que as grandezas dos diversos momentos do movimento - o tempo decorrido e o
espaço percorrido - se relacionem mutuamente como a raiz e o quadrado. A
eletricidade mesma não é diferença em si, ou seja, em sua essência não se
encontra a dupla-essência de eletricidade positiva e negativa. Por isso se diz
comum ente que ela tem a lei de ser dessa maneira, ou então que tem a
propriedade de se exteriorizar assim. Essa propriedade é de fato a propriedade
essencial e única da força, ou ela lhe é necessária. Mas a necessidade é aqui uma
palavra vazia: a força deve desdobrar-se assim, justamente porque deve.
Certamente, se a eletricidade positiva é posta, também a negativa é, em si,
necessária; porque o positivo é somente como relação a um negativo, ou seja, o
positivo é nele mesmo a diferença de si mesmo, como também o negativo.

Mas não é necessário em si que a eletricidade enquanto tal se divida assim. Como
força simples, é indiferente diante de sua lei ser como positiva e negativa.
Chamemos o necessário, seu conceito, e a lei, seu ser: então, seu conceito é
indiferente em relação a seu ser; ela tem somente essa propriedade - o que
significa precisamente que isso não lhe é, em si, necessário.

Essa indiferença toma outra forma quando se diz que pertence à definição da
eletricidade ser como positiva e negativa, ou que isso é, meramente, seu conceito
e essência. Então, seu ser designaria sua existência em geral; mas naquela
definição não está contida a necessidade de sua existência; ela, ou é porque a
encontram, logo, não é nada necessária, ou então, sua existência é por meio de
outras forças; logo, sua necessidade é uma necessidade externa. Mas, fazendo
por isso recair a necessidade na determinidade do ser por meio de Outro, caímos
de novo na pluralidade das leis determinadas, que antes tínhamos abandonado,
para considerar a lei como lei. Somente com essa se deve comparar seu conceito
como conceito, ou sua necessidade, que aliás, em todas essas formas, só tinha se
mostrado para nós ainda como palavra vazia.

A indiferença da lei e da força - ou do conceito e do ser - está presente ainda de


modo diverso do indicado. Na lei do movimento, por exemplo, é necessário que
esse se divida em tempo e espaço, ou também em distância e velocidade. Sendo
apenas relação entre esses momentos, o movimento como universal está, sem
dúvida, dividido em si mesmo; mas então essas partes, tempo e espaço, distância
e velocidade, não exprimem nelas sua origem comum do Uno: são indiferentes
entre si, o espaço é representado como se pudesse ser sem o tempo; o tempo,
sem o espaço; e a distância, sem a velocidade pelo menos; assim como suas
grandezas são indiferentes entre si, já que não se relacionam como positivo e
negativo e portanto não estão ligadas uma à outra através de sua essência. Sem
dúvida, a necessidade da divisão está aqui presente, mas não a das partes como
tais, uma em relação à outra. Por isso, também, aquela primeira necessidade é
apenas uma falsa necessidade ilusória; quer dizer, o movimento mesmo não é
representado como algo simples, ou como pura essência, se não como já
dividido. Tempo e espaço são suas partes independentes ou essências nelas
mesmas; distância e velocidade são maneiras de ser ou de representar que bem
podem dar-se uma sem a outra - e, portanto, o movimento é somente sua relação
superficial e não sua essência. O movimento, representado como essência
simples, ou como força, é justamente a gravidade, a qual porém não contém
nela essas diferenças em geral.

Assim, nos dois casos, a diferença não é nenhuma diferença em si mesma; seja
que o universal, a força, é indiferente em relação à divisão que está na lei; ou
seja, que as diferenças, partes da lei, são indiferentes umas em relação às outras.
Mas o entendimento tem o conceito dessa diferença em si, justamente porque a
lei, de uma parte, é o interior, o em si essente; mas é, ao mesmo tempo, o que é
diferente nele. Que essa diferença seja assim uma diferença interna, está dado
no fato de ser a lei uma força simples, ou ser como conceito dessa diferença;
portanto, uma diferença de conceito.

Mas essa diferença interna por ora recai exclusivamente no entendimento; não
está ainda posta na Coisa mesma. Assim, o que o entendimento exprime é
somente sua própria necessidade; uma diferença que, portanto, só estabelece
enquanto ao mesmo tempo exprime que não é nenhuma diferença da Coisa
mesma. Essa necessidade que só reside nas palavras é desse modo a
enumeração dos momentos que formam o círculo da necessidade. São
diferentes, sem dúvida; mas se exprime ao mesmo tempo não serem diferença
nenhuma da Coisa mesma, e assim são logo de novo suprassumidos. Esse
movimento se denomina explicar.

Uma lei é enunciada, pois. Dela se distingue, como força, seu universal em si ou
fundamento. Mas essa diferença se diz que não é nenhuma, senão antes que o
fundamento é exatamente constituído como lei. Por exemplo: o evento singular
do raio é apreendido como universal e esse universal, enunciado como a lei da
eletricidade - a explicação assim abarca a lei condensando-a na força, como a
essência da lei. Está portanto essa força de tal modo constituída que ao
exteriorizar-se surgem eletricidades opostas, que tornam a desvanecer, uma na
outra. Quer dizer: a força está constituída exatamente como a lei: diz-se que
ambas não são, em nada, diferentes. As diferenças são a pura exteriorização
universal ou a lei, e a pura força; as duas têm o mesmo conteúdo, a mesma
constituição. Assim é descartada de novo a diferença como diferença de
conteúdo, isto é, da Coisa.

Nesse movimento tautológico, o entendimento, como resulta, persiste na unidade


tranquila de seu objeto, e o movimento só recai no entendimento, não no objeto:
é um explicar que não somente nada explica, como também é tão claro que ao
fazer tenção de dizer algo diferente do que já foi dito, antes nada diz, mas apenas
repete o mesmo. Nada de novo resulta na Coisa mesma através desse
movimento que, aliás, só vem à consideração como movimento do
entendimento.

Nós porém nele reconhecemos justamente algo que fazia falta na lei: a saber, a
mudança absoluta mesma. Com efeito: esse movimento, se o examinarmos mais
de perto, é igualmente o contrário de si mesmo: põe uma diferença que, para
nós, não é diferença nenhuma; e além disso, ele mesmo a suprassume como
diferença.

É a mesma mudança que se apresentava como jogo de forças: nesse havia a


diferença entre solicitante e solicitada, entre a força exteriorizada e a recalcada
sobre si mesma. Porém eram diferenças que em verdade não eram diferenças
nenhumas, e que por isso tornavam a suprassumir-se imediatamente. O que está
presente não é a mera unidade, de modo que nenhuma diferença seria posta;
mas sim, esse movimento, que faz certamente uma diferença; mas, por não ser
diferença nenhuma, é de novo suprassumida.
Com o explicar, portanto, as mudanças e permutas que antes estavam fora do
interior - só no fenômeno - penetraram no próprio suprassensível; nossa
consciência, porém, se transferiu como objeto ao outro lado - para o
entendimento - e nele experimenta a mudança.

Essa mudança não é ainda uma mudança da Coisa mesma, mas antes, se
apresenta justamente como mudança pura, já que o conteúdo dos momentos da
mudança permanece o mesmo. Porém, enquanto o conceito como conceito do
entendimento é o mesmo que o interior das coisas, essa mudança vem a ser para
o entendimento como lei do interior. Assim, ele experimenta, como sendo lei do
próprio fenômeno, que diferenças vêm a ser que não são diferenças nenhumas,
ou que o homônimo se repele de si mesmo; e também, que as diferenças são
apenas tais que não são nenhumas, e se suprassumem; ou, que o heterônimo se
atrai.

É uma segunda-lei cujo conteúdo se opõe ao que antes se chamava lei (a saber,
de que a diferença permanecia constantemente igual a si mesma) - pois essa
nova lei exprime, antes, o tornar-se desigual do igual, e tornar-se igual do
desigual. O conceito induz a carência de pensamento a reunir as duas leis e a
tornar-se consciente de sua oposição. A segunda lei, sem dúvida, é também uma
lei, ou um ser interior igual a si mesmo; mas é antes uma igualdade consigo
mesma da desigualdade - uma constância da inconstância.

No jogo de forças, essa lei se mostrava justamente como esse transitar absoluto
ou como mudança pura: o homônimo, a força, se decompõe numa oposição que
primeiro se manifesta como uma diferença independente, mas que de fato
demonstra não ser diferença nenhuma. Com efeito, é o homônimo que se repele
de si mesmo, e esse repelido se atrai, essencialmente, porque ele é o mesmo. A
diferença estabelecida - já que não é nenhuma - se suprassume de novo. Com
isso se apresenta como diferença da Coisa mesma, ou como diferença absoluta;
e essa diferença da Coisa é também o mesmo que o homônimo que se repeliu de
si e desse modo põe somente uma oposição que não é nenhuma.

Através desse princípio, o primeiro suprassensível, o reino tranquilo das leis, a


cópia imediata do mundo percebido, transmuda-se em seu contrário. A lei era
em geral o que permanece igual consigo, assim como suas diferenças. Agora, o
que é posto, é que lei e diferenças são, ambas, o contrário delas mesmas: o igual
a si, antes se repele de si; e o desigual a si, antes se põe como igual a si. De fato,
só com essa determinação a diferença é interior, ou diferença em si mesma,
enquanto o igual é desigual a si, e o desigual é igual a si.

Esse segundo mundo suprassensível é dessa maneira um mundo invertido; e na


verdade, enquanto um lado já estava presente no primeiro mundo suprassensível,
é o inverso desse primeiro. Com isso, o interior está completo como fenômeno.
Pois o primeiro mundo suprassensível era apenas a elevação imediata do mundo
percebido ao elemento universal; tinha seu modelo nesse mundo percebido, que
ainda retinha para si o princípio da mudança e da alteração. O primeiro reino das
leis carecia desse princípio, mas agora o adquire como mundo invertido.

Conforme a lei desse mundo invertido, o homônimo do primeiro mundo é assim


o desigual de si mesmo; e o desigual desse primeiro mundo é também desigual a
ele mesmo, ou vem a ser igual a si. Em momentos determinados, o resultado
será este: o que na lei do primeiro mundo era doce, nesse Em si invertido é
amargo, e o que naquela lei era negro, nessa é branco. O que na lei do primeiro
era polo norte do ímã, no seu outro Em si suprassensível (isto é, na Terra) é o polo
sul; e o que ali é polo sul aqui é polo norte. Igualmente, o que na primeira lei da
eletricidade é polo do oxigênio vem a ser, na outra essência suprassensível, o polo
do hidrogênio. E vice-versa, o polo do hidrogênio de lá é aqui polo do oxigênio.

Numa outra esfera, segundo a lei imediata, a vingança contra o inimigo é a mais
alta satisfação da individualidade ultrajada. Mas essa lei - segundo a qual devo
mostrar-me, como essência, frente a quem não me trata como essência
autônoma e, antes, suprimi-lo como essência - se converte através do princípio
do outro mundo no oposto; e a restauração de mim mesmo como essência,
mediante a supressão da essência alheia, se converte em autodestruição.

Porém, se for erigida em lei essa inversão - que é representada no castigo do


crime - será também de novo apenas a lei de um mundo que tem como sua
contrapartida um mundo suprassensível invertido, no qual se honra o que no outro
se despreza, e onde é ignomínia o que no primeiro é honra. O castigo, que
segundo a lei do primeiro mundo desonra e destrói o homem, transmuda-se, em
seu mundo invertido, no perdão que salvaguarda sua essência e o leva à honra.

Visto superficialmente, esse mundo invertido é o contrário do primeiro; a tal


ponto que o mantém do lado de fora e o repele de si, como uma efetividade
invertida: um, é o fenômeno, mas o outro é o Em si; um, o mundo como é para
Outro, o outro, ao contrário, como é para si. Assim, para utilizar os exemplos
anteriores, o que tem sabor doce seria amargo, propriamente ou no interior da
coisa; o que é polo norte no ímã efetivo do fenômeno, seria polo sul no ser
interior ou essencial. O que na eletricidade fenomenal se apresenta como polo do
oxigênio, seria polo do hidrogênio na eletricidade não fenomenal. Ou uma ação
que no fenômeno é crime deveria poder ser no interior uma boa ação
propriamente dita (um ato mau, ter uma boa intenção); o castigo ser castigo só no
fenômeno; mas em si ou num outro mundo, ser benefício para o transgressor,
Entretanto, tais oposições de "interior e exterior", "fenômeno e suprassensível"
como de dois tipos de efetividade, aqui já não ocorrem. As diferenças repelidas
não tornam a dividir-se entre duas substâncias que lhes deem suporte e confiram
um subsistir separado - por onde o entendimento, surgido do interior, recaísse em
sua posição precedente. Um dos lados, ou uma das substâncias, seria de novo o
mundo da percepção, no qual uma das leis projetaria sua essência: frente a esse
mundo haveria um mundo interior, justamente certo mundo sensível como o
primeiro, mas na representação; não poderia ser apontado, visto, ouvido, ou
saboreado como mundo sensível e não obstante seria representado como um
certo mundo sensível.

De fato porém, se um dos termos postos é algo percebido, e seu Em si, como
inversão dele, é igualmente algo sensivelmente representado - nesse caso o
amargo, que seria o Em si da coisa doce, é uma coisa tão efetiva como ela: é
uma coisa amarga. O negro, que seria o Em si do branco, é um negro efetivo; o
polo norte, que é o Em si do polo sul, é o polo norte presente no mesmo ímã; o
polo do oxigênio, que é o Em si do polo do hidrogênio, é o polo do oxigênio
presente na mesma pilha. O crime efetivo tem sua inversão e seu Em si como
possibilidade na intenção como tal - mas não numa boa intenção, pois a verdade
da intenção é somente o ato mesmo.

Todavia, segundo seu conteúdo, o crime tem sua reflexão sobre si - ou sua
inversão - no castigo efetivo, o qual é a reconciliação da lei com a efetividade
que se lhe opôs no crime. Enfim, o castigo efetivo tem sua efetividade invertida
nele mesmo: uma efetivação tal da lei que através dela a atividade, que tem por
castigo, se suprassume a si mesma. A lei, de ativa que era, volta a ser lei tranquila
e vigente, e se extinguem o movimento da individualidade contra a lei e o
movimento da lei contra a individualidade.

Assim, da representação da inversão que constitui a essência de um dos lados do


mundo suprassensível, deve-se manter longe a representação sensível da
consolidação das diferenças num distinto elemento do subsistir: deve-se
representar e aprender em sua pureza esse conceito absoluto da diferença como
diferença interior - o repelir-se fora de si mesmo do homônimo como
homônimo, e o ser igual do desigual enquanto desigual. Há que pensar a
mudança pura, ou a oposição em si mesma: a contradição.

Com efeito, na diferença que é uma diferença interior, o oposto não é somente
um dos dois - aliás seria um essente, e não um oposto; mas sim o oposto de um
oposto, ou seja, nele está dado imediatamente o Outro. Ponho, na certa, o
contrário do lado de cá: e, do lado de lá, o Outro de que é o contrário; portanto de
um lado, o contrário em si e para si sem o Outro. Mas, justamente porque tenho o
contrário em si e para si, é o contrário de si mesmo, ou seja, já tem de fato o
Outro imediatamente em si mesmo.

Assim o mundo suprassensível, que é o mundo invertido, tem, ao mesmo tempo,


o outro mundo ultrapassado, e dentro de si mesmo: é para si o invertido, isto é, o
invertido de si mesmo; é ele mesmo e seu oposto numa unidade. Só assim ele é a
diferença como interior, ou como diferença em si mesmo, ou como infinitude.

Nós vemos que, graças à infínitude, a lei cumpriu-se em si mesma como


necessidade, e que todos os momentos do fenômeno foram recolhidos ao
interior.

Conforme resulta do que precede, o simples da lei é a infinitude, e isto significa o


seguinte:

a) a lei é igual a si mesmo, o qual porém é a diferença em si; ou é homônimo,


que se repele de si mesmo, ou se fraciona. O que se chamava força simples
desdobra-se a si mesmo, e é, por sua infinitude, a lei.

b) a fração, que constitui as partes representadas na lei, se apresenta como


subsistente. Essas partes, consideradas sem o conceito da diferença interior, são o
espaço e o tempo, ou a distância e a velocidade, que surgem como momentos da
gravidade. Mas são também indiferentes e sem necessidade, um em relação ao
outro, e em relação à gravidade mesma; assim como essa gravidade simples em
relação a eles ou a eletricidade simples em relação ao positivo e ao negativo.

c) entretanto, por meio do conceito de diferença interior, esse desigual e


indiferente, espaço e tempo etc. são uma diferença que não é diferença
nenhuma, ou somente uma diferença de homônimo; e sua essência é a unidade.
Em sua relação recíproca são animados como o positivo e o negativo; mas seu
ser consiste antes em pôr-se como não ser, em suprassumir-se na unidade.
Subsistem ambos os termos diferentes, são em si e são em si como opostos; isto é,
cada qual é o oposto de si mesmo, tem o seu outro nele, e os dois são apenas uma
unidade.

Esta infinitude simples - ou o conceito absoluto - deve-se chamar a essência


simples da vida, a alma do mundo, o sangue universal, que onipresente não é
perturbado nem interrompido por nenhuma diferença, mas que antes é todas as
diferenças como também seu Ser suprassumido; assim, pulsa em si sem mover-
se, treme em si sem inquietar-se. É igual para si mesma, pois as diferenças são
tautológicas: são diferenças que não são diferenças nenhumas. Portanto, essa
essência igual a si mesma só a si mesma se refere. A si mesma; eis aí o Outro ao
qual a relação se dirige, e o relacionar-se consigo mesma é, antes, o tracionar-se,
ou, justamente, aquela igualdade consigo mesma é a diferença interior.

Essas frações são por isso em si e para si mesmas. Cada qual é um contrário - o
contrário de Outro - de forma que em cada um o Outro já é enunciado ao
mesmo tempo em que ele. Ou seja: um não é o contrário de Outro, mas somente
o contrário puro; e assim, cada um é, em si mesmo, o contrário de si. Ou, de
modo geral, não é um contrário, senão puramente para si, uma pura essência
igual a si mesma, que não tem nela diferença nenhuma. Assim, não precisamos
indagar - e menos ainda considerar como filosofia a angústia com tal questão, ou
então tê-la por insolúvel para a filosofia - como brota dessa pura essência, e
como vem para fora dela, a diferença ou o Ser Outro; pois já ocorreu o
fracionamento, a diferença foi excluída do igual a si mesmo, e posta de lado.
Assim, o que devia ser o igual a si mesmo, já é antes uma das frações, em vez de
ser a essência absoluta.

O igual a si mesmo se fraciona, o que portanto significa também que se


suprassume, já como fração; que se suprassume como ser Outro. Costuma-se
dizer que a diferença não pode brotar da unidade; mas de fato a unidade é apenas
um momento do fracionamento, é a abstração da simplicidade que defronta a
diferença. Mas por ser abstração, é só um dos opostos, como já se disse. Ela é o
fracionar-se, pois a unidade é um negativo, um oposto; assim é posta justamente
como o que tem nele a oposição.

Por isso, as diferenças entre fracionamento e vir a ser igual a si mesmo são
também somente esse movimento do suprassumir-se. Com efeito, já que o igual
a si mesmo, que deve primeiro fracionar-se ou tornar-se seu contrário, é uma
abstração - ou seja, já é ele mesmo uma fração -, então seu fracionar-se é um
suprassumir daquilo que ele é, e portanto o suprassumir de seu ser-fração. O vir a
ser igual a si mesmo é também um fracionar-se: o que se torna igual a si mesmo
defronta pois o fracionamento: quer dizer, põe a si mesmo de um lado, ou vem a
ser, antes, uma fração.

A infinitude, ou essa inquietação absoluta do puro mover-se a si mesmo, faz que


tudo o que é determinado de qualquer modo - por exemplo, como ser - seja antes
o contrário dessa determinidade. A infinitude já era, sem dúvida, a alma de tudo
o que houve até aqui; mas foi no interior que primeiro ela mesma brotou
livremente. O fenômeno - ou o jogo de forças - já a apresentava; mas foi só no
explicar que surgiu, livre, pela primeira vez. Quando a infinitude - como aquilo
que ela é - finalmente é objeto para a consciência, então a consciência é
consciência de si.

O explicar do entendimento só efetua inicialmente a descrição do que é a


consciência de si. Suprassume as diferenças presentes na lei; as quais, embora já
tornadas puras, são ainda indiferentes, e as põe numa unidade: a força. Mas esse
tornar-se igual é também, imediatamente, um fracionar-se. De fato, o
entendimento, através disso, suprassume as diferenças e assim põe o Uno da
força, somente enquanto põe uma nova diferença - entre a lei e a força -, mas
que ao mesmo tempo não é diferença nenhuma. E porque tal diferença também
não é diferença nenhuma, o entendimento prossegue; suprassumindo de novo
esta diferença, e fazendo a força constituída do mesmo modo que a lei.

Mas esse movimento ou necessidade é ainda necessidade e movimento do


entendimento; isto é: não é, como tal, seu objeto. Com efeito, nesse movimento, o
entendimento tem por objetos: eletricidade positiva e negativa, distância e
velocidade, força de atração e mil coisas mais, que constituem o conteúdo dos
momentos do movimento.

No explicar encontra-se tanta autossatisfação justamente porque a consciência


está, por assim dizer, em imediato colóquio consigo mesma: só a si desfruta.
Embora, sem dúvida, pareça tratar de outra coisa, de fato está somente ocupada
consigo mesma.

A infinitude certamente se torna objeto do entendimento na lei oposta - como


inversão da primeira lei - ou na diferença interior; mas o entendimento de novo
falha em atingi-la como infinitude, ao dividir a diferença em si em dois mundos,
ou em dois elementos substanciais: o repelir-se a si mesmo do homônimo, e os
desiguais que se atraem. Para o entendimento, o movimento, tal como é na
experiência, é aqui um acontecer; e o homônimo e o desigual são predicados
cuja essência é um substrato essente. O mesmo que para o entendimento é
objeto em invólucro sensível, para nós é como puro conceito, em sua forma
essencial. Esse apreender da diferença, como é em verdade - ou o apreender da
infinitude enquanto tal, é para nós ou em si. Pertence à ciência a exposição do
seu conceito; mas a consciência, quando possui nela imediatamente esse
conceito, retoma à cena como forma própria ou nova figura da consciência; não
reconhece sua essência no que precede, mas o considera como algo totalmente
outro.

Enquanto esse conceito de infinitude é seu objeto, ela é pois consciência da


diferença como de algo também imediatamente suprassumido: a consciência é,
para si mesma, o diferenciar do não diferenciado ou consciência de si. Eu me
distingo de mim mesmo, e nisso é imediatamente para mim que este diferente
não é diferente. Eu, o homônimo, me expulso de mim mesmo; mas este
diferente, este posto como desigual, é imediatamente, enquanto diferente,
nenhuma diferença para mim.
Sem dúvida, a consciência de Outro, de um objeto em geral, é necessariamente
consciência de si, ser refletido em si, consciência de si mesma em seu ser Outro.
O processo necessário das figuras anteriores da consciência - cuja verdade era
uma coisa, Outro que elas mesmas - exprime exatamente não apenas que a
consciência da coisa só é possível para a consciência de si, mas também que só
ela é a verdade daquelas figuras. Contudo é só para nós que essa verdade está
presente: não ainda para a consciência. Pois a consciência de si veio a ser
somente para si, mas ainda não como unidade com a consciência em geral.

Nós vemos que no interior do fenômeno o entendimento na verdade não


experimenta outra coisa que o fenômeno mesmo. Não o fenômeno do modo
como é jogo de forças, mas sim, o jogo das forças em seus momentos
absolutamente universais, e no movimento deles: de fato, o entendimento só faz
experiência de si mesmo. A consciência, elevada sobre a percepção, apresenta-
se concluída junto com o suprassensível através do meio-termo do fenômeno,
mediante o qual divisa esse fundo das coisas. Agora estão coincidindo os dois
extremos - um, o do puro interior; outro, o do interior que olha para dentro desse
interior puro. Mas como desvaneceram enquanto extremos, desvaneceu também
o meio termo enquanto algo outro que eles.

Levanta-se, pois, essa cortina sobre o interior e dá-se o olhar do interior para
dentro do interior: o olhar do homônimo não diferente que a si mesmo se repele,
e se põe como interior diferente; mas para o qual também se dá, imediatamente,
a não diferenciação dos dois - a consciência de si. Fica patente que por trás da
assim chamada cortina, que deve cobrir o interior, nada há para ver; a não ser
que nós entremos lá dentro - tanto para ver como para que haja algo ali atrás que
possa ser visto.

Mas ressalta, ao mesmo tempo, que não era possível chegar diretamente ali sem
todos esses rodeios. Com efeito, esse saber, que é a verdade da representação do
fenômeno e de seu interior, ele mesmo é apenas resultado de um movimento
sinuoso. No seu percurso, desvanecem os modos de consciência - conhecimento
sensível, percepção e entendimento; e também resultará que o conhecer daquilo
que a consciência sabe enquanto sabe a si mesma, exige ainda mais rodeios - o
que será explicitado no prosseguimento desta exposição.
CONSCIÊNCIA• DE• SI

IV - A verdade da certeza de si mesmo

Nos modos precedentes da certeza, o verdadeiro é para a consciência algo outro


que ela mesma. Mas o conceito desse verdadeiro desvanece na experiência que
a consciência faz dele. O objeto se mostra, antes, não ser em verdade como era
imediatamente em si: o essente da certeza sensível, a coisa concreta da
percepção, a força do entendimento, pois esse Em si se revela uma maneira
como o objeto é somente para Outro. O conceito do objeto se suprassume no
objeto efetivo; a primeira representação imediata se suprassume na experiência,
e a certeza vem a perder-se na verdade.

Surgiu porém agora o que não emergia nas relações anteriores, a saber: uma
certeza igual à sua verdade, já que a certeza é para si mesma seu objeto, e a
consciência é para si mesma o verdadeiro. Sem dúvida, a consciência é também
nisso um ser Outro, isto é: a consciência distingue, mas distingue algo tal que para
ela é ao mesmo tempo um não diferente.

Chamemos conceito o movimento do saber, e objeto, o saber como unidade


tranquila ou como Eu; então vemos que o objeto corresponde ao conceito, não só
para nós, mas para o próprio saber. Ou, de outra maneira: chamemos conceito o
que o objeto é em si, e objeto o que é como objeto ou para Outro; então fica
patente que o ser em si e o ser para Outro são o mesmo. Com efeito, o Em si é a
consciência, mas ela é igualmente aquilo para o qual é Outro (o Em si): é para a
consciência que o Em si do objeto e seu ser para Outro são o mesmo. O Eu é o
conteúdo da relação e a relação mesma; defronta Outro e ao mesmo tempo o
ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio.

Com a consciência de si entramos, pois, na terra pátria da verdade. Vejamos


como surge inicialmente a figura da consciência de si. Se consideramos essa
nova figura do saber - o saber de si mesmo - em relação com a precedente - o
saber de Outro - sem dúvida, que este último desvaneceu; mas seus momentos
foram ao mesmo tempo conservados; a perda consiste em que estes momentos
aqui estão presentes como são em si. O ser visado da certeza sensível, a
singularidade e a universalidade - a ela oposta - da percepção, assim como o
interior vazio do entendimento, já não estão como essências, mas como
momentos da consciência de si; quer dizer, como abstrações ou diferenças que
ao mesmo tempo para a consciência são nulas ou não são diferenças nenhumas,
mas essências puramente evanescentes. Assim, o que parece perdido é apenas o
momento-principal, isto é, o subsistir simples e independente para a consciência.
Mas de fato, porém, a consciência de si é a reflexão, a partir do ser do mundo
sensível e percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser Outro. Como
consciência de si é movimento; mas quando diferencia de si apenas a si mesma
enquanto si mesma, então para ela a diferença é imediatamente suprassumida,
como um ser Outro. A diferença não é; e a consciência de si é apenas a
tautologia sem movimento do "Eu sou Eu". Enquanto para ela a diferença não
tem também a figura do ser, não é consciência de si.

Para a consciência de si, portanto, o ser Outro é como um ser, ou como


momento diferente; mas para ela é também a unidade de si mesma com essa
diferença, como segundo momento diferente. Com aquele primeiro momento, a
consciência de si é como consciência e para ela é mantida toda a extensão do
mundo sensível; mas ao mesmo tempo, só como referida ao segundo momento,
a unidade da consciência de si consigo mesma, Por isso, o mundo sensível é para
ela um subsistir, mas que é apenas um fenômeno, ou diferença que não tem em
si nenhum ser. Porém essa oposição, entre seu fenômeno e sua verdade, tem por
sua essência somente a verdade, isto é, a unidade da consciência de si consigo
mesma. Essa unidade deve vir a ser essencial a ela, o que significa: a consciência
de si é desejo, em geral.

A consciência tem de agora em diante, como consciência de si, um duplo objeto:


um, o imediato, o objeto da certeza sensível e da percepção, o qual porém é
marcado para ela com o sinal do negativo; o segundo objeto é justamente ela
mesma, que é a essência verdadeira e que de início só está presente na oposição
ao primeiro objeto. A consciência de si se apresenta aqui como o movimento no
qual essa oposição é suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem a ser
para ela.

Para nós, ou em si, o objeto que para a consciência de si é o negativo, retomou


sobre si mesmo, do seu lado; como do outro lado, a consciência também fez o
mesmo. Mediante essa reflexão-sobre-si, o objeto veio a ser vida. O que a
consciência de si diferencia de si como essente não tem apenas, enquanto é posto
como essente, o modo da certeza sensível e da percepção, mas é também Ser
refletido sobre si; o objeto do desejo imediato é um ser vivo.

Com efeito o Em si, ou o resultado universal da relação do entendimento com o


interior das coisas, é o diferenciar do não diferenciável, ou a unidade do
diferente. Mas essa unidade é também, como vimos, seu repelir-se de si mesmo;
e esse conceito se fraciona na oposição entre a consciência de si e a vida. A
consciência de si é a unidade para a qual é a infinita unidade das diferenças; mas
a vida é apenas essa unidade mesma, de tal forma que não é, ao mesmo tempo,
para si mesma. Assim, tão independente é em si seu objeto, quanto é
independente a consciência. A consciência de si que pura e simplesmente é para
si, e que marca imediatamente seu objeto com o caráter do negativo; ou que é,
de início, desejo - vai fazer pois a experiência da independência desse objeto.

A determinação da vida, tal como deriva do conceito ou do resultado universal,


com o qual entramos nesta esfera, é suficiente para caracterizar a vida, sem que
se deva desenvolver ainda mais sua natureza. Seu ciclo se encerra nos momentos
seguintes. A essência é a infinitude, como o Ser suprassumido de todas as
diferenças, o puro movimento de rotação, a quietude de si mesma como
infinitude absolutamente inquieta, a independência mesma em que se dissolvem
as diferenças do movimento; a essência simples do tempo, que tem, nessa
igualdade consigo mesma, a figura sólida do espaço.

Porém, nesse meio simples e universal as diferenças estão também como


diferenças; pois essa universal fluidez só possui sua natureza negativa enquanto é
um suprassumir das mesmas; mas não pode suprassumir as diferenças se essas
não têm um subsistir. Justamente essa fluidez, como a própria independência
igual a si mesma, é o subsistir - ou a substância - das diferenças, que assim estão
nela como membros distintos e partes para si essentes. O ser não tem mais o
significado de abstração do ser, nem a essencialidade pura desses membros tem
a significação de abstração da universalidade; mas o seu ser é agora justamente
aquela fluida substância simples do puro movimento em si mesmo. Porém a
diferença desses membros, uns em relação aos outros, como diferença não
consiste, em geral, em nenhuma outra determinidade que não a determinidade
dos momentos da infinitude ou do puro movimento mesmo.

Os membros independentes são para si; mas esse Ser para si é antes,
imediatamente, sua reflexão na unidade - como essa unidade é por sua vez o
fracionamento em figuras independentes. A unidade se fracionou por ser unidade
absolutamente negativa ou infinita; e, por ser ela o subsistir, também a diferença
tem independência somente nela.

Essa independência da figura se manifesta como algo determinado, para Outro,


posto que é uma fração; e assim, o suprassumir do fracionamento ocorre
mediante um Outro. Mas esse suprassumir está nela mesma, porque justamente
aquela fluidez é a substância das figuras independentes; ora, esta substância é
infinita; logo, a figura é o fracionamento em seu subsistir mesmo, ou o
suprassumir de seu Ser para si.

Distinguindo mais exatamente os momentos aí contidos, nós vemos que como


primeiro momento se tem o subsistir das figuras independentes, ou a repressão do
que o diferenciar é dentro de si, a saber: não ser nada em si, e não ter nenhum
subsistir. Mas o segundo momento é a subjugação desse subsistir à infinitude das
diferenças. No primeiro momento está a figura subsistente: como para si essente
- ou a substância infinita em sua determinidade -, que surgindo em contraste com
a substância universal nega essa fluidez e continuidade com ela, e se afirma
como não dissolvida nesse universal: ao contrário, se conserva por sua separação
dessa sua natureza inorgânica e pelo consumo da mesma.

No meio fluido universal, que é um tranquilo desdobrar-se em leque das figuras,


a vida vem a ser, por isso mesmo, o movimento das figuras, isto é, a vida como
processo. A fluidez universal simples é o Em si; a diferença das figuras é o Outro.
Porém, devido a tal diferença, essa mesma fluidez vem a ser o Outro; pois ela
agora é para a diferença, que é em si e para si mesma, e portanto o movimento
infinito pelo qual aquele meio tranquilo é consumido; isto é, a vida como ser
vivo.

Mas, por esse motivo, essa inversão é por sua vez a "inversidade" em si mesma.
O que é consumido é a essência; a individualidade, que às custas do universal se
mantém e se dá o sentimento de sua unidade consigo mesma, suprassume assim
diretamente sua oposição com o outro, por meio da qual é para si. A unidade
consigo mesma, que ela se outorga, é justamente a fluidez das diferenças ou a
dissolução universal.

Inversamente, porém, o suprassumir da subsistência individual é também o


produzi-la. Com efeito, como a essência da figura individual é a vida universal, e
o para si essente é em si substância simples, então, ao pôr o outro dentro de si,
suprassume essa sua simplicidade ou sua essência; isto é, a fraciona. Esse
fracionamento da fluidez indiferenciada é precisamente o pôr da individualidade.
Assim, a substância simples da vida é o seu fracionamento em figuras, e ao
mesmo tempo a dissolução dessas diferenças subsistentes; e a dissolução do
fracionamento é também um fracionar ou um articular de membros.

Assim, coincidem, um com o outro, os dois lados do movimento total que tinham
sido diferenciados, a saber: a figuração, tranquilamente abrindo-se em leque no
meio universal da independência, e o processo da vida. Esse último é tanto
figuração quanto o suprassumir da figura. O primeiro, a figuração, é tanto um
suprassumir quanto uma articulação de membros. O elemento fluido é apenas a
abstração da essência, ou só é efetivo como figura. O articular-se em membros
é, por sua vez, um fracionar do articulado, ou um dissolver do mesmo.

Esse circuito todo constitui a vida, a qual não é o que de início se enunciou: a
continuidade imediata e a solidez de sua essência; nem é a figura subsistente e o
Discreto para si essente: nem o puro processo deles; nem ainda o simples
enfeixamento desses momentos; mas, sim, é o todo que se desenvolve, que
dissolve seu desenvolvimento e que se conserva simples nesse movimento.

Uma vez que partindo da primeira unidade imediata se retoma através dos
momentos da figuração e do processo à unidade de ambos os momentos e,
portanto, de novo à primeira substância simples, é que essa unidade refletida é
outra que a primeira. Em contraste com a primeira unidade imediata - ou
expressa como um ser -, esta segunda é a unidade universal que contém todos
esses momentos como suprassumidos. É o gênero simples que no movimento da
vida mesma não existe para si como este Simples; mas, neste resultado, a vida
remete a outro que ela, a saber: à consciência para a qual a vida é como esta
unidade, ou como gênero.

Mas essa outra vida, para a qual é o gênero enquanto tal, e que é para si mesma
gênero - a consciência de si - inicialmente é para si mesma apenas como esta
simples essência, e tem por objeto a si mesma como o puro Eu. Em sua
experiência, que importa examinar agora, esse objeto abstrato vai enriquecer-se
para ela e adquirir o desdobramento que nós vimos na vida.

O Eu simples é esse gênero, ou o Universal simples, para o qual as diferenças


não são nenhumas, somente enquanto ele é a essência negativa dos momentos
independentes configurados. Assim a consciência de si é certa de si mesma,
somente através do suprassumir desse Outro, que se lhe apresenta como vida
independente: a consciência de si é desejo. Certa da nulidade desse Outro, põe
para si tal nulidade como sua verdade; aniquila o objeto independente, e se
outorga, com isso, a certeza de si mesma como verdadeira certeza, como uma
certeza que lhe veio a ser de maneira objetiva.

Entretanto nessa satisfação a consciência de si faz a experiência da


independência de seu objeto. O desejo e a certeza de si mesma, alcançada na
satisfação do desejo, são condicionados pelo objeto, pois a satisfação ocorre
através do suprassumir desse Outro; para que haja suprassumir, esse Outro deve
ser.

A consciência de si não pode assim suprassumir o objeto através de sua relação


negativa para com ele; pois essa relação antes reproduz o objeto, assim como o
desejo. De fato, a essência do desejo é Outro que a consciência de si; e através
de tal experiência essa verdade veio a ser para a consciência. Porém, ao mesmo
tempo, a consciência de si é também absolutamente para si, e é isso somente
através do suprassumir do objeto; suprassumir que deve tornar-se para a
consciência de si sua satisfação, pois ela é sua verdade. Em razão da
independência do objeto, a consciência de si só pode alcançar satisfação quando
esse objeto leva a cabo a negação de si mesmo, nela; e deve levar a cabo em si
tal negação de si mesmo, pois é em si o negativo, e deve ser para o Outro o que
ele é.

Mas quando o objeto é em si mesmo negação, e nisso é ao mesmo tempo


independente, ele é consciência. Na vida, que é o objeto do desejo, a negação ou
está em Outro, a saber, no desejo, ou está como determinidade em contraste
com outra figura independente; ou então como sua natureza inorgânica universal.
Mas tal natureza universal independente, na qual a negação está como negação
absoluta, é o gênero como tal, ou como consciência de si. A consciência de si só
alcança sua satisfação em outra consciência de si.

Nesses três momentos se completa o conceito da consciência de si:

a) O puro Eu indiferenciado é seu primeiro objeto imediato.

b) Mas essa imediatez mesma é absoluta mediação: é somente como o


suprassumir do objeto independente; ou seja; ela é desejo. A satisfação do desejo
é a reflexão da consciência de si sobre si mesma, ou a certeza que veio a ser
verdade.

c) Mas a verdade dessa certeza é antes a reflexão redobrada, a duplicação da


consciência de si. A consciência de si é um objeto para a consciência, objeto que
põe em si mesmo seu ser Outro, ou a diferença de nada, e nisso é independente.

A figura diferente, apenas viva, suprassume sem dúvida no processo da vida


mesma, sua independência, mas junto com sua diferença cessa de ser o que é.
Porém o objeto da consciência de si é também independente nessa negatividade
de si mesmo e assim é, para si mesmo, gênero, universal fluidez na peculiaridade
de sua distinção: é uma consciência de si viva.

É uma consciência de si para uma consciência de si. E somente assim ela é, de


fato: pois só assim vem a ser para ela a unidade de si mesma em seu ser Outro.
O Eu, que é objeto de seu conceito, não é de fato objeto. Porém o objeto do
desejo é só independente por ser a substância universal indestrutível, a fluida
essência igual a si mesma. Quando a consciência de si é o objeto, é tanto Eu
quanto objeto.

Para nós, portanto, já está presente o conceito do espírito.

Para a consciência, o que vem a ser mais adiante, é a experiência do que é o


espírito: essa substância absoluta que na perfeita liberdade e independência de
sua oposição - a saber, das diversas consciências de si para si essentes - é a
unidade das mesmas: Eu, que é Nós, Nós que é Eu.

A consciência tem primeiro na consciência de si, como no conceito de espírito,


seu ponto de inflexão, a partir do qual se afasta da aparência colorida do aquém
sensível, e da noite vazia do além suprassensível, para entrar no dia espiritual da
presença.

A - INDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA DE SI:


DOMINAÇÃO E ESCRAVIDÃO

A consciência de si é em si e para si quando e por que é em si e para si para


Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. O conceito dessa sua unidade em
sua duplicação, ou da infinitude que se realiza na consciência de si, é um
entrelaçamento multilateral e polissêmico. Assim seus momentos devem, de
uma parte, ser mantidos rigorosamente separados, e de outra parte, nessa
diferença, devem ser tomados ao mesmo tempo como não diferentes, ou seja,
devem sempre ser tomados e reconhecidos em sua significação oposta.

O duplo sentido do diferente reside na própria essência da consciência de si: pois


tem a essência de ser infinita, ou de ser imediatamente o contrário da
determinidade na qual foi posta. O desdobramento do conceito dessa unidade
espiritual, em sua duplicação, nos apresenta o movimento do reconhecimento.

Para a consciência de si há outra consciência de si ou seja: ela veio para fora de


si. Isso tem dupla significação: primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha
numa outra essência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois não vê o
Outro como essência, mas é a si mesma que vê no Outro.

A consciência de si tem de suprassumir esse seu ser Outro. Esse é o suprassumir


do primeiro sentido duplo, e por isso mesmo, um segundo sentido duplo: primeiro,
deve proceder a suprassumir a outra essência independente, para assim vir a ser
a certeza de si como essência; segundo, deve proceder a suprassumir a si
mesma, pois ela mesma é esse Outro.

Esse suprassumir de sentido duplo do seu ser Outro de duplo sentido é também
um retorno, de duplo sentido, a si mesma; portanto, em primeiro lugar a
consciência retoma a si mesma mediante esse suprassumir, pois se torna de novo
igual a si mesma mediante esse suprassumir do seu ser Outro; segundo, restitui
também a ela mesma a outra consciência de si, já que era para si no Outro.
Suprassume esse seu ser no Outro, e deixa o Outro livre, de novo.
Mas esse movimento da consciência de si em relação a outra consciência de si se
representa, desse modo, como o agir de uma (delas). Porém esse agir de uma
tem o duplo sentido de ser tanto o seu agir como o agir da outra; pois a outra é
também independente, encerrada em si mesma, nada há nela que não seja
mediante ela mesma.

A primeira consciência de si não tem diante de si o objeto, como inicialmente é


só para o desejo; o que tem é um objeto independente, para si essente, sobre o
qual portanto nada pode fazer para si, se o objeto não fizer em si o mesmo que
ela nele faz. O movimento é assim, pura e simplesmente, o duplo movimento das
duas consciências de si. Cada uma vê a outra fazer o que ela faz; cada uma faz o
que da outra exige - portanto faz somente o que faz enquanto a outra faz o
mesmo. O agir unilateral seria inútil; pois, o que deve acontecer, só pode efetuar-
se através de ambas as consciências.

Por conseguinte, o agir tem duplo sentido, não só enquanto é agir quer sobre si
mesmo, quer sobre o Outro, mas também enquanto indivisamente é o agir tanto
de um quanto de Outro.

Vemos repetir-se, nesse movimento, o processo que se apresentava como jogo


de forças; mas agora na consciência. O que naquele jogo de forças era para nós,
aqui é para os extremos mesmos. O meio-termo é a consciência de si que se
decompõe nos extremos; e cada extremo é essa troca de sua determinidade, e
passagem absoluta para o oposto.

Como porém é consciência, cada extremo vem mesmo para fora de si; todavia
ao mesmo tempo, em seu ser fora de si, é retido em si; é para si; e seu ser fora
de si é para ele. É para ele que imediatamente é e não é outra consciência; e
também que esse Outro só é para si quando se suprassume como para si essente;
e só é para si no ser para si do Outro. Cada extremo é para o Outro o meio-
termo, mediante o qual é consigo mesmo mediatizado e concluído; cada um é
para si e para o Outro, essência imediata para si essente; que ao mesmo tempo só
é para si através dessa mediação. Eles se reconhecem como reconhecendo-se
reciprocamente.

Consideremos agora este puro conceito do reconhecimento, a duplicação da


consciência de si em sua unidade, tal como seu processo se manifesta para a
consciência de si. Esse processo vai apresentar primeiro o lado da desigualdade
de ambas as consciências de si ou o extravasar do meio-termo nos extremos, os
quais, como extremos, são opostos um ao outro; um extremo é só o que é
reconhecido; o outro, só o que reconhece.
De início, a consciência de si é ser para si simples, igual a si mesma mediante o
excluir de si todo o outro. Para ela, sua essência e objeto absoluto é o Eu; e nessa
imediatez ou nesse ser de seu ser para si é um singular. O que é Outro para ela,
está como objeto inessencial, marcado com o sinal do negativo. Mas o Outro é
também uma consciência de si; um indivíduo se confronta com outro indivíduo.
Surgindo assim imediatamente, os indivíduos são um para o outro, à maneira de
objetos comuns, figuras independentes, consciências imersas no ser da vida - pois
o objeto essente aqui se determinou como vida. São consciências que ainda não
levaram a cabo, uma para a outra, o movimento da abstração absoluta, que
consiste em extirpar todo ser imediato, para ser apenas o puro ser negativo da
consciência igual a si mesma. Quer dizer: essas consciências ainda não se
apresentaram, uma para a outra, como puro ser para si, ou seja, como
consciência de si. Sem dúvida, cada uma está certa de si mesma, mas não da
outra; e assim sua própria certeza de si não tem verdade nenhuma, pois sua
verdade só seria se seu próprio ser para si lhe fosse apresentado como objeto
independente ou, o que é o mesmo, o objeto fosse apresentado como essa pura
certeza de si mesmo. Mas, de acordo com o conceito do reconhecimento, isso
não é possível a não ser que cada um leve a cabo essa pura abstração do ser para
si: ele para o outro, o outro para ele; cada um em si mesmo, mediante seu
próprio agir, e de novo, mediante o agir do outro.

Porém a apresentação de si como pura abstração da consciência de si consiste


em mostrar-se como pura negação de sua maneira de ser objetiva, ou em
mostrar que não está vinculado a nenhum ser-aí determinado, nem à
singularidade universal do ser-aí em geral, nem à vida.

Esta apresentação é o agir duplicado: o agir do Outro e o agir por meio de si


mesmo. Enquanto agir do Outro, cada um tende, pois, à morte do Outro. Mas aí
está também presente o segundo agir, o agir por meio de si mesmo, pois aquele
agir do Outro inclui o arriscar a própria vida. Portanto, a relação das duas
consciências de si é determinada de tal modo que elas se provam a si mesmas e
uma a outra através de uma luta de vida ou morte.

Devem travar essa luta porque precisam elevar à verdade, no Outro e nelas
mesmas, sua certeza de ser para si. Só mediante o pôr a vida em risco, a
liberdade se comprova; e se prova que a essência da consciência de si não é o
ser, nem o modo imediato como ela surge, nem o seu submergir-se na expansão
da vida; mas que nada há na consciência de si que não seja para ela momento
evanescente; que ela é somente puro ser para si. O indivíduo que não arriscou a
vida pode bem ser reconhecido como pessoa; mas não alcançou a verdade desse
reconhecimento como uma consciência de si independente. Assim como arrisca
sua vida, cada um deve igualmente tender à morte do outro; pois para ele o Outro
não vale mais que ele próprio. Sua essência se lhe apresenta como Outro, está
fora dele; deve suprassumir seu ser fora de si. O Outro é uma consciência
essente e de muitos modos enredada; a consciência de si deve intuir seu ser Outro
como puro ser para si, ou como negação absoluta.

Entretanto, essa comprovação por meio da morte suprassume justamente a


verdade que dela deveria resultar, e com isso também suprassume a certeza de si
mesmo em geral. Com efeito, como a vida é a posição natural da consciência, a
independência sem a absoluta negatividade, assim a morte é a negação natural
desta mesma consciência, a negação sem a independência, que assim fica
privada da significação pretendida do reconhecimento.

Mediante a morte, sem dúvida, veio a ser a certeza de que ambos arriscavam sua
vida e a desprezavam cada um em si e no Outro; mas essa certeza não é para os
que travam essa luta. Suprassumem sua consciência posta nesta essencialidade
alheia, que é o ser aí natural, ou seja, suprassumem a si mesmos, e vêm a ser
suprassumidos como os extremos que querem ser para si. Desvanece porém
com isso igualmente o momento essencial nesse jogo de trocas: o momento de se
decompor em extremos de determinidades opostas; e o meio-termo desmorona
em uma unidade morta, que se decompõe em extremos mortos, não opostos, e
apenas essentes. Os dois extremos não se dão nem se recebem de volta, um ao
outro reciprocamente através da consciência, mas deixam um ao outro
indiferentemente livres, como coisas. Sua operação é a negação abstrata, não a
negação da consciência, que suprassume de tal modo que guarda e mantém o
suprassumido e com isso sobrevive a seu vir a ser suprassumido.

Nessa experiência, vem a ser para a consciência de si que a vida lhe é tão
essencial quanto à pura consciência de si. Na consciência de si imediata, o Eu
simples é o objeto absoluto; que no entanto para nós ou em si é a mediação
absoluta, e tem por momento essencial a independência subsistente.

A dissolução daquela unidade simples é o resultado da primeira experiência;


mediante essa experiência se põem uma pura consciência de si, e uma
consciência que não é puramente para si, mas para outro, isto é, como
consciência essente, ou consciência na figura da coisidade. São essenciais ambos
os momentos; porém como, de início, são desiguais e opostos, e ainda não
resultou sua reflexão na unidade, assim os dois momentos são como duas figuras
opostas da consciência: uma, a consciência independente para a qual o ser para si
é a essência; outra, a consciência dependente para a qual a essência é a vida, ou
o ser para Outro. Uma é o senhor, outra é o escravo.

O senhor é a consciência para si essente, mas já não é apenas o conceito dessa


consciência, senão uma consciência para si essente que é mediatizada consigo
por meio de outra consciência, a saber, por meio de uma consciência a cuja
essência pertence ser sintetizada com um ser independente, ou com a coisidade
em geral. O senhor se relaciona com estes dois momentos: com uma coisa como
tal, o objeto do desejo, e com a consciência para a qual a coisidade é o essencial.
Portanto, o senhor:

a) como conceito da consciência de si é relação imediata do ser para si; mas,

b) ao mesmo tempo como mediação, ou como um ser para si que só é para si


mediante Outro, se relaciona.

a') imediatamente com os dois momentos; e

b') mediatamente, com cada um por meio do outro.

O senhor se relaciona mediatamente com o escravo por meio do ser


independente, pois justamente ali o escravo está retido; essa é sua cadeia, da qual
não podia abstrair-se na luta, e por isso se mostrou dependente, por ter sua
independência na coisidade. O senhor, porém, é a potência sobre esse ser, pois
mostrou na luta que tal ser só vale para ele como um negativo. O senhor é a
potência que está por cima desse ser; ora, esse ser é a potência que está sobre o
Outro; logo, o senhor tem esse Outro por baixo de si: é este o silogismo da
dominação.

O senhor também se relaciona mediatamente por meio do escravo com a coisa;


o escravo, enquanto consciência de si em geral, se relaciona também
negativamente com a coisa, e a suprassume. Porém, ao mesmo tempo, a coisa é
independente para ele, que não pode portanto, através do seu negar, acabar com
ela até a aniquilação; ou seja, o escravo somente a trabalha. Ao contrário, para o
senhor, através dessa mediação, a relação imediata vem a ser como a pura
negação da coisa, ou como gozo - o qual lhe consegue o que o desejo não
conseguia: acabar com a coisa, e aquietar-se no gozo. O desejo não o conseguia
por causa da independência da coisa; mas o senhor introduziu o escravo entre ele
e a coisa, e assim se conclui somente com a dependência da coisa, e puramente
a goza; enquanto o lado da independência deixa-o ao escravo, que a trabalha.

Nesses dois momentos vem a ser para o senhor o seu Ser-reconhecido mediante
outra consciência a do escravo. Com efeito, essa se põe como inessencial em
ambos os momentos; uma vez na elaboração da coisa, e outra vez, na
dependência para com um determinado ser-aí; dois momentos em que não pode
assenhorar-se do ser, nem alcançar a negação absoluta. Portanto, está presente o
momento do reconhecimento no qual a outra consciência se suprassume como
ser para si, e assim faz o mesmo que a primeira faz em relação a ela. Também
está presente o outro momento, em que o agir da segunda consciência é o próprio
agir da primeira, pois o que o escravo faz é justamente o agir do senhor, para o
qual somente é o ser para si, a essência: ele é a pura potência negativa para a
qual a coisa é nada, e é também o puro agir essencial nessa relação. O agir do
escravo não é um agir puro, mas um agir inessencial.

Mas, para o reconhecimento propriamente dito, falta o momento em que o


senhor opera sobre o outro o que o outro operaria sobre si mesmo; e o escravo
faz sobre si o que também faria sobre o Outro. Portanto, o que se efetuou foi um
reconhecimento unilateral e desigual.

A consciência inessencial é, nesse reconhecimento, para o senhor o objeto que


constitui a verdade da certeza de si mesmo. Claro que esse objeto não
corresponde ao seu conceito; é claro, ao contrário, que ali onde o senhor se
realizou plenamente, tornou-se para ele algo totalmente diverso de uma
consciência independente; para ele, não é tal consciência, mas uma consciência
dependente.

Assim, o senhor não está certo do ser para si como verdade; mas sua verdade é
de fato a consciência inessencial e o agir inessencial dessa consciência.

A verdade da consciência independente é por conseguinte a consciência escrava.


Sem dúvida, esta aparece de início fora de si, e não como a verdade da
consciência de si. Mas, como a dominação mostrava ser em sua essência o
inverso do que pretendia ser, assim também a escravidão, ao realizar-se
cabalmente, vai tornar-se, de fato, o contrário do que é imediatamente; entrará
em si como consciência recalcada sobre si mesma e se converterá em
verdadeira independência.

Vimos somente o que a escravidão é em relação à dominação. Mas a


consciência escrava é consciência de si, e importa considerar agora o que é em
si e para si mesma. Primeiro, para a consciência escrava, o senhor é a essência;
portanto, a consciência independente para si essente é para ela a verdade;
contudo para ela a verdade ainda não está nela, muito embora tenha de fato nela
mesma essa verdade da pura negatividade e do ser para si; pois experimentou
nela essa essência. Essa consciência sentiu a angústia, não por isto ou aquilo, não
por este ou aquele instante, mas sim através de sua essência toda, pois sentiu o
medo da morte, do senhor absoluto. Aí se dissolveu interiormente; em si mesma
tremeu em sua totalidade; e tudo que havia de fixo, nela vacilou.

Entretanto, esse movimento universal puro, o fluidificar-se absoluto de todo o


subsistir, é a essência simples da consciência de si, a negatividade absoluta, o
puro ser para si, que assim é nessa consciência. É também para ela esse
momento do puro ser para si, pois é seu objeto no senhor. Aliás, aquela
consciência não é só essa universal dissolução em geral, mas ela se implementa
efetivamente no servir. Servindo, suprassume em todos os momentos sua
aderência ao ser-aí natural; e trabalhando, o elimina.

Mas o sentimento da potência absoluta em geral, e em particular o do serviço, é


apenas a dissolução em si; e embora o temor do senhor seja, sem dúvida, o início
da sabedoria, a consciência aí é para ela mesma, mas não é o ser para si; porém
encontra-se a si mesma por meio do trabalho. No momento que corresponde ao
desejo na consciência do senhor, parecia caber à consciência escrava o lado da
relação inessencial para com a coisa, porquanto ali a coisa mantém sua
independência. O desejo se reservou o puro negar do objeto e por isso o
sentimento de si mesmo, sem mescla. Mas essa satisfação é pelo mesmo motivo,
apenas um evanescente, já que lhe falta o lado objetivo ou o subsistir. O trabalho,
ao contrário, é desejo refreado, um desvanecer contido, ou seja, o trabalho
forma. A relação negativa para com o objeto torna-se a forma do mesmo e algo
permanente, porque justamente o objeto tem independência para o trabalhador.
Esse meio-termo negativo ou agir formativo é, ao mesmo tempo, a
singularidade, ou o puro ser para si da consciência, que agora no trabalho se
transfere para fora de si no elemento do permanecer; a consciência
trabalhadora, portanto, chega assim à intuição do ser independente, como
intuição de si mesma.

No entanto, o formar não tem só este significado positivo, segundo o qual a


consciência escrava se torna para si um essente como puro ser para si. Tem
também um significado negativo frente a seu primeiro momento, o medo. Com
efeito: no formar da coisa, torna-se objeto para o escravo sua própria
negatividade, seu ser para si, somente porque ele suprassume a forma essente
oposta. Mas esse negativo objetivo é justamente a essência alheia ante a qual ele
tinha tremido. Agora, porém, o escravo destrói esse negativo alheio, e se põe,
como tal negativo, no elemento do permanecer: e assim se torna, para si mesmo,
um para si essente.

No senhor, o ser para si é para o escravo Outro, ou seja, é somente para ele. No
medo, o ser para si está nele mesmo. No formar, o ser para si se torna para ele
como o seu próprio, e assim chega à consciência de ser ele mesmo em si e para
si.

A forma não se torna outro que a consciência pelo fato de se ter exteriorizado,
pois justamente essa forma é seu puro ser para si, que nessa exteriorização vem
a ser para ela verdade. Assim, precisamente no trabalho, onde parecia ser
apenas um sentido alheio, a consciência, mediante esse reencontrar-se de si por
si mesma, vem a ser sentido próprio.

Para que haja tal reflexão são necessários os dois momentos; o momento do
medo e do serviço em geral, e também o momento do formar; e ambos ao
mesmo tempo de uma maneira universal. Sem a disciplina do serviço e da
obediência, o medo fica no formal, e não se estende sobre toda a efetividade
consciente do ser-aí. Sem o formar, permanece o medo como interior e mudo, e
a consciência não vem a ser para ela mesma. Se a consciência se formar sem
esse medo absoluto primordial, então será apenas um sentido próprio vazio; pois
sua forma ou negatividade não é a negatividade em si, e seu formar, portanto,
não lhe pode dar a consciência de si como essência.

Se não suportou o medo absoluto, mas somente alguma angústia, a essência


negativa ficou sendo para ela algo exterior: sua substância não foi integralmente
contaminada por ela. Enquanto todos os conteúdos de sua consciência natural não
forem abalados, essa consciência pertence ainda, em si, ao ser determinado. O
sentido próprio é obstinação, uma liberdade que ainda permanece no interior da
escravidão. Como nesse caso a pura forma não pode tornar-se essência, assim
também essa forma, considerada como expansão para além do singular, não
pode ser um formar universal, conceito absoluto; mas apenas uma habilidade que
domina certa coisa, mas não domina a potência universal e a essência objetiva
em sua totalidade.

B - LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA DE SI: ESTOICISMO, CETICISMO E


A CONSCIÊNCIA INFELIZ

Para a consciência de si independente, sua essência é somente a pura abstração


do Eu. Mas quando essa abstração se cultiva e se outorga diferenças, esse
diferenciar não se lhe torna essência objetiva em si essente. Essa consciência de
si não se torna, pois, um Eu que se diferencia verdadeiramente em sua
simplicidade, ou que permanece igual a si mesmo nessa diferença absoluta. Ao
contrário, no formar a consciência recalcada sobre si torna-se objeto para si
mesma como forma da coisa formada e ao mesmo tempo contempla no senhor
o ser para si como consciência. Porém na consciência escrava, como tal, não
coincidem esses dois momentos um com o outro: o de si mesma como objeto
independente, e o desse objeto como uma consciência, e, portanto, como sua
própria essência.
Para nós, ou em si, são a mesma coisa, a forma e o ser para si; e no conceito da
consciência independente o ser em si é a consciência; por isso, o lado do ser em
si ou da cais idade, que recebia a forma no trabalho, não é outra substância que a
consciência. Surgiu, assim, para nós, uma nova figura da consciência de si: uma
consciência que é para si mesma a essência como infinitude ou puro movimento
da consciência: uma consciência que pensa, ou uma consciência de si livre.

Pois é isto o que pensar significa: ser objeto para si não como Eu abstrato, mas
como Eu que tem ao mesmo tempo o sentido de ser em si; ou seja: relacionar-se
com essência objetiva de modo que ela tenha a significação do ser para si da
consciência para a qual ela é.

Para o pensar, o objeto não se move em representações ou figuras, mas sim em


conceitos, o que significa: num ser em si diferente, que imediatamente para a
consciência não é nada diferente dela. O representado, o figurado, o essente
como tal, tem a forma de ser algo outro que a consciência; mas um conceito é,
ao mesmo tempo, um essente, e essa diferença, enquanto está na consciência
mesma, é seu conteúdo determinado; porém por ser tal conteúdo, ao mesmo
tempo, algo conceitualizado, ela permanece imediatamente cônscia de sua
unidade com esse essente determinado e diferente. Não é como na
representação em que a consciência tem ainda de lembrar-se expressamente de
que isso é sua representação; ao contrário, o conceito é para mim,
imediatamente, meu conceito.

No pensar, Eu sou livre; porque não estou em Outro, mas pura e simplesmente
fico em mim mesmo, e o objeto, que para mim é a essência, é meu ser para
mim, em unidade indivisa; e meu movimento em conceitos é um movimento em
mim mesmo.

Entretanto, na determinação dessa figura da consciência de si, é essencial reter


com firmeza que ela é a consciência pensante, em geral, ou que seu objeto é a
unidade imediata do ser em si e do ser para si. A consciência, sua própria
homônima, que se repele de si mesma, torna-se para si elemento em si essente;
mas, para si, só é esse elemento como essência universal em geral; não como
esta essência objetiva no desenvolvimento e no movimento de seu ser
multiforme.

Como é sabido, chama-se estoicismo essa liberdade da consciência de si, quando


surgiu em sua manifestação consciente na história do espírito. Seu princípio é que
a consciência é essência pensante e que uma coisa só tem essencialidade, ou só é
verdadeira e boa para ela, na medida em que a consciência aí se comporta como
essência pensante.
O objeto sobre o qual atuam o desejo e o trabalho é a expansão multiforme da
vida, diferenciando-se em si mesma: sua singularização e complexificação. Esse
agir multiforme se condensou agora na diferença simples que está no puro
movimento do pensar. A diferença que tem mais essencialidade não é a
diferença que se põe como coisa determinada, ou como consciência de um
determinado ser-aí natural, como um sentimento ou como um desejo e fim para
esse desejo; quer esse fim seja posto pela consciência própria ou alheia; mas
somente a diferença que é pensada, ou que não se diferencia imediatamente de
mim.

Essa consciência estoica é por isso negativa no que diz respeito à relação de
dominação e escravidão. Seu agir não é o do senhor que tem sua verdade no
escravo, nem o do escravo que tem sua verdade na vontade do senhor e em seu
servir; mas seu agir é livre, no trono como nas cadeias e em toda forma de
dependência de seu ser aí singular. Seu agir é conservar-se na impassibilidade
que continuamente se retira do movimento do ser-aí, do atuar como do padecer,
para a essencialidade simples do pensamento. A obstinação é a liberdade que se
apega a uma singularidade e se mantém dentro do âmbito da servidão; o
estoicismo porém é a liberdade que imediatamente saindo sempre da servidão
retoma à pura universalidade do pensamento. Como forma universal do espírito
do mundo, o estoicismo só podia surgir num tempo de medo e de escravidão
universais, mas também de cultura universal, que tinha elevado o formar até o
nível do pensar.

Embora a essência da consciência de si não seja outro que ela; nem a pura
abstração do Eu, e sim um Eu que tem nele o ser Outro, mas como diferença
pensada, de modo que em seu ser Outro o Eu retomou imediatamente a si; ainda
assim a essência dessa consciência de si é ao mesmo tempo apenas uma
essência abstrata. A liberdade da consciência de si é indiferente quanto ao ser-aí
natural; por isso igualmente o deixou livre, e a reflexão é uma reflexão
duplicada.

A liberdade no pensamento tem somente o puro pensamento por sua verdade; e


verdade sem a implementação da vida. Por isso é ainda só o conceito da
liberdade, não a própria liberdade viva. Com efeito, para ela a essência é só o
pensar em geral, a forma como tal, que afastando-se da independência das
coisas retomou a si mesma. Mas porque a individualidade, como individualidade
atuante, deveria representar-se como viva; ou, como individualidade pensante,
captar o mundo vivo como um sistema de pensamento; então teria de encontrar-
se no pensamento mesmo, para aquela expansão do agir, um conteúdo do que é
bom, e para essa expansão do pensamento, um conteúdo do que é verdadeiro.
Com isso não haveria absolutamente nenhum outro ingrediente, naquilo que é
para a consciência, a não ser o conceito que é a essência.

Porém aqui o conceito enquanto abstração, separando-se da multiplicidade


variada das coisas, não tem conteúdo nenhum em si mesmo, exceto um conteúdo
que lhe é dado. A consciência, quando pensa o conteúdo, o destrói como um ser
alheio, sem dúvida; mas o conceito é conceito determinado e justamente essa
determinidade é o alheio que o conceito possui nele. O estoicismo portanto caía
em perplexidade quando lhe perguntavam, na linguagem de então, sobre o
critério da verdade em geral; quer dizer, com mais propriedade, sobre um
conteúdo do pensamento mesmo. À pergunta sobre o que era bom e verdadeiro,
era dada ainda uma vez como resposta o mesmo pensar sem conteúdo: "é na
racionalidade que deve consistir o bem e o verdadeiro".

Mas essa igualdade consigo mesmo do pensar é apenas a pura forma na qual
nada se determina. Por isso os termos universais do verdadeiro e do bem, da
sabedoria e da virtude, onde o estoicismo tem de parar, de certo são geralmente
edificantes; mas como de fato não podem chegar a nenhuma expansão do
conteúdo, começam logo a produzir tédio.

Essa consciência pensante, tal como se determinou, como liberdade abstrata, é


portanto somente a negação incompleta do ser Outro; apenas se retirou do ser-aí,
para si mesma; e não se levou a cabo como absoluta negação do ser-aí nela. De
certo, o conteúdo vale para ela só como pensamento: aliás como pensamento
determinado, e ao mesmo tempo como determinidade enquanto tal.

O cepticismo é a realização do que o estoicismo era somente o conceito; - e a


experiência efetiva do que é a liberdade do pensamento: liberdade que em si é o
negativo, e que assim deve apresentar-se.

De fato, com a reflexão da consciência de si para dentro do pensamento simples


de si mesma, de encontro a essa reflexão caíram fora da infinitude do
pensamento o ser-aí independente e a determinidade permanente. Agora, no
cepticismo vem a ser explícita para a consciência a total inessencialidade e a não
autonomia desse Outro. O pensamento torna-se o pensar consumado, que
aniquila o ser do mundo multideterminado; e nessa multiforme figuração da vida,
a negatividade da consciência de si livre torna-se a negatividade real.

Fica patente que, como o estoicismo corresponde ao conceito da consciência


independente, manifestada como relação de dominação e escravidão, assim o
cepticismo corresponde à realização da mesma consciência como atitude
negativa para com o ser Outro, isto é, ao desejo e ao trabalho. Mas, se o desejo e
o trabalho não puderam levar a cabo a negação para a consciência de si, ao
contrário, essa atitude polêmica para com a múltipla independência das coisas,
terá êxito: já que se volta contra elas como consciência de si livre, previamente
implementada em si mesma. Mais precisamente, porque essa atitude tem em si
mesma o pensar ou a infinitude, e por isso as independências, conforme suas
diferenças, para ela são apenas grandezas evanescentes. As diferenças, que no
puro pensar de si mesmo são só abstrações das diferenças, tornam-se aqui todas
as diferenças; e todo ser diferente se torna uma diferença da consciência de si.

Com isso se determinou o agir do cepticismo em geral, e a maneira desse agir. O


cepticismo revela o movimento dialético que são a certeza sensível, a percepção
e o entendimento; e também a inessencialidade do que na relação de dominação
e de servidão, e do que para o pensamento abstrato vale como algo determinado.

Aquela relação abrange ao mesmo tempo, em si, uma maneira determinada, na


qual também leis morais são dadas como mandamentos do senhor; porém as
determinações no pensamento abstrato são conceitos da ciência, na qual o pensar
sem conteúdo se expande, e de uma maneira puramente exterior, de fato, atribui
o conceito a um ser independente dele, que constitui seu conteúdo; e só mantém
como válidos determinados conceitos, embora sejam também puras abstrações.

O dialético, como movimento negativo, tal como é, imediatamente, revela-se de


início à consciência como algo a que ela está entregue, e que não é por meio da
consciência mesma. Como cepticismo, ao contrário, o movimento dialético é
momento da consciência de si - para a qual já não acontece, sem saber como,
que desvaneça seu verdadeiro e real. Pois é essa consciência de si que na certeza
de sua liberdade faz desvanecer até esse outro que se fazia passar por real; e não
só o objetivo como tal: também sua própria relação com ele, na qual vale e é
valorizada como objetiva. Assim também faz desvanecer seu perceber, como
igualmente seu consolidar do que estava em risco de perder-se: a sofistaria e seu
verdadeiro determinado e fixado por sua conta.

Mediante essa negação consciente de si, garante a consciência de si para si


mesma a certeza de sua própria liberdade: produz a experiência da liberdade, e
assim a eleva à verdade. O que desvanece é o determinado ou a diferença que se
estabeleça como firme e imutável, de qualquer modo e seja donde for. Nessa
diferença nada há de permanente, e deve desvanecer ante o pensar, pois o
diferente é justamente isto: não ser em si mesmo, mas ter sua essencialidade só
em Outro. Porém o pensar é a penetração nessa natureza do diferente; é a
essência negativa como simples.

Assim, a consciência de si céptica experimenta, nas vicissitudes de tudo que


queria consolidar-se para ela, sua própria liberdade, como dada e mantida para si
através de si mesma, ela é essa ataraxia do pensar-se a si mesmo, a imutável e
verdadeira certeza de si mesmo. Certeza que não surge de algo alheio, que faça
desmoronar dentro de si seu desenvolvimento multiforme, nem surge como um
resultado que tivesse seu vir a ser na retaguarda. Ao contrário: a consciência
mesma é a absoluta inquietude dialética, essa mescla de representações sensíveis
e pensadas, cujas diferenças coincidem e cuja igualdade se dissolve de novo,
pois ela mesma é determinidade frente ao desigual. Mas de fato essa consciência
justamente aqui, em vez de ser uma consciência igual a si mesma, é apenas uma
confusão puramente casual - a vertigem de uma desordem que está sempre se
reproduzindo.

A consciência céptica é isso para si mesma, já que ela mesma mantém e produz
essa confusão movimentada. Assim, ela confessa ser isso: confessa ser uma
consciência singular, de todo contingente; uma consciência que é empírica,
dirigida para o que não tem para ela realidade nenhuma: obedece àquilo que
para ela não é nenhuma essência; faz e leva à efetividade o que para ela não tem
verdade nenhuma.

Mas como se valoriza dessa maneira, enquanto vida simples, contingente, e de


fato animal - uma consciência de si perdida - também, em sentido contrário,
volta a transformar-se em consciência de si universal igual a si mesma, por ser a
negatividade de toda singularidade e de toda diferença. Dessa igualdade, ou nessa
igualdade consigo mesma, recai a consciência naquela contingência e confusão,
pois justamente essa negatividade movimentada só tem a ver com o singular e só
se ocupa com o contingente. Assim, essa consciência é um desvario inconsciente
que oscila para lá e para cá, de um extremo da consciência de si igual a si
mesma, ao outro extremo da consciência casual, confusa e desconcertante.

Não consegue rejuntar em si esses dois pensamentos de si mesma: ora conhece


sua liberdade como elevação sobre toda confusão e casualidade do ser-aí; ora
torna a conhecer-se como recaída na inessencialidade e como azáfama em torno
dela. Faz desvanecer no seu pensar o conteúdo inessencial; mas exatamente nisso
a consciência é algo inessencial: declara o absoluto desvanecer, mas o declarar
é; e essa consciência é o desvanecer declarado. Declara a nulidade do ver, ouvir
etc., e ela mesma vê, ouve, etc.; declara a nulidade das essências éticas e delas
faz as potências de seu proceder. Seu agir e suas palavras se contradizem sempre;
e desse modo, ela mesma tem uma dupla consciência contraditória da
imutabilidade e igualdade; e da completa contingência e desigualdade consigo
mesma. Mas mantém os termos dessa contradição separados um do outro, e se
comporta nisso como no seu movimento puramente negativo em geral. Se lhe
indicam a igualdade, ela indica a desigualdade e quando se lhe objeta essa
desigualdade que acaba de declarar, passa adiante para declarar a igualdade. Seu
falatório é, de fato, uma discussão entre rapazes teimosos: um diz A quando o
outro diz B, e diz B quando o outro diz A: e assim cada um, à custa da contradição
consigo mesmo, se paga a alegria de ficar sempre em contradição com o outro.

No cepticismo a consciência se experimenta em verdade como consciência em


si mesma contraditória; e dessa experiência surge uma nova figura que rejunta
os dois momentos que o cepticismo mantém separados. A falta de pensamento do
cepticismo a respeito de si mesmo tem de desvanecer porque de fato é uma
consciência que tem nela essas duas modalidades. Essa nova figura é portanto
uma figura que para si é a consciência duplicada de si como libertando-se,
imutável e igual a si mesma. É a consciência de si como absolutamente
confundindo-se e invertendo-se; e como consciência dessa sua contradição.

No estoicismo, a consciência de si é a simples liberdade de si mesmo. No


cepticismo, essa liberdade se realiza, aniquila o outro lado do ser-aí determinado;
aliás, melhor dito, se duplica, e agora é para si mesma algo duplo. Desse modo, a
duplicação que antes se repartia entre dois singulares - o senhor e o escravo -
retoma à unidade; e assim está presente a duplicação da consciência de si em si
mesma, que é essencial no conceito do espírito. Mas não está ainda presente a
sua unidade, e a consciência infeliz é a consciência de si como essência
duplicada e somente contraditória.

A CONSCIÊNCIA INFELIZ

Essa consciência infeliz, cindida dentro de si, já que essa contradição de sua
essência é, para ela, uma consciência, deve ter numa consciência sempre
também a outra; de tal maneira que é desalojada imediatamente de cada uma
quando pensa ter chegado à vitória e à quietude da unidade. Mas seu verdadeiro
retorno a si mesma, ou a reconciliação consigo, representará o conceito do
espírito que se tornou um ser vivo e entrou na esfera da existência; porque nela
mesma como uma consciência indivisa já é ao mesmo tempo uma consciência
duplicada. Ela mesma é o intuir de uma consciência de si numa outra; e ela
mesma é ambas, e a unidade de ambas é também para ela a essência. Contudo
para si, ainda não é a essência mesma; ainda não é a unidade das duas.

Por ser ela inicialmente apenas a unidade imediata das duas consciências de si,
mas não serem as duas para ela a mesma consciência, e sim consciências
opostas -, então, para essa consciência infeliz uma é como essência, a saber, a
consciência simples e imutável; mas a outra, mutável de várias formas, é como o
inessencial.
Para ela, as duas são essências alheias uma à outra. Ela mesma, por ser a
consciência dessa contradição, se põe do lado da consciência mutável, e é para si
o inessencial. Mas como consciência da imutabilidade ou da essência simples,
deve ao mesmo tempo proceder a libertar-se do inessencial, quer dizer, libertar-
se de si mesma. Pois, embora seja de fato para si exclusivamente consciência
mutável, e o imutável lhe seja algo alheio, ela mesma é consciência simples, e
portanto imutável; por isso está cônscia dessa consciência imutável como sendo
sua essência, mas de tal modo que de novo ela mesma para si não é essa
essência.

Por conseguinte, a posição que atribui às duas consciências não pode ser uma
indiferença recíproca, quer dizer, uma indiferença de si mesma para com o
Imutável; mas ela é imediatamente ambas as consciências; a relação entre
ambas é, para ela, como uma relação da essência para com a inescência, de
sorte que essa última deve ser suprassumida. Mas enquanto as duas consciências
são igualmente essenciais e contraditórias, ela é somente o movimento
contraditório, onde o contrário não chega ao repouso em seu contrário, mas nele
se reproduz somente como contrário.

Uma luta se trava, assim, com um inimigo contra o qual a vitória é, antes, uma
capitulação; ter alcançado um dos contrários é, antes, a sua perda em seu
contrário. A consciência da vida, de seu ser-aí e de seu operar, é somente a dor
em relação a esse ser-aí e operar, pois nisso só possui a consciência de seu
contrário como sendo a essência, e a consciência da própria nulidade. Daí parte
na ascensão rumo ao Imutável. Mas tal ascensão é essa consciência mesma, e
portanto, imediatamente, a consciência do contrário; isto é, de si mesma como
singularidade. O Imutável que entra na consciência é, por isto mesmo, tocado
igualmente pela singularidade, e só se faz presente junto com ela. E a
singularidade, em vez de ter sido eliminada na consciência do Imutável, somente
reponta ali sempre de novo.

Mas nesse movimento a consciência experimenta justamente o surgir da


singularidade no Imutável e do Imutável na singularidade. Para ela, a
singularidade em geral vem a ser na essência imutável, e ao mesmo tempo sua
própria singularidade nela. Porque a verdade desse movimento é precisamente o
ser-uno dessa consciência duplicada. Essa unidade vem a ser para ela, mas
primeiro, como uma unidade tal em que o dominante é ainda a diversidade dos
dois termos. Assim, para essa consciência, a singularidade se encontra vinculada
ao Imutável de um modo tríplice: 1° - ela mesma reponta de novo para si como
oposta à essência imutável, e é recambiada ao início da luta, que permanece o
elemento da relação em seu todo. 2° - O próprio Imutável tem nele a
singularidade para a consciência, de maneira que a singularidade é figura do
Imutável, que se encontra por isso revestido de toda a modalidade da existência.
3° - A consciência encontra a si mesma como este singular no Imutável.

O primeiro Imutável é para a consciência apenas a essência alheia que condena


a singularidade; e enquanto o segundo Imutável é uma figura da singularidade,
com a consciência mesma, eis que no terceiro Imutável a consciência vem a ser
espírito, tem a alegria de ali se encontrar a si mesma e se torna consciente de ter
reconciliado sua singularidade com o universal.

O que se apresenta aqui como modalidade e relação do Imutável resultou como


a experiência que a consciência cindida faz em sua infelicidade. Ora, tal
experiência não é, de certo, movimento unilateral seu, pois ela mesma é
consciência imutável e por isso, ao mesmo tempo, consciência singular também;
e o movimento é igualmente movimento da consciência imutável que nele
reponta tanto quanto a singular.

Com efeito, este movimento percorre os seguintes momentos:

1º - o Imutável é oposto à singularidade em geral.

2º - o Imutável é um singular oposto a outro singular.

3º - o Imutável, enfim, é um só com o singular.

Entretanto, essa consideração, no que nos concerne, é aqui intempestiva; pois até
agora a imutabilidade só surgiu como imutabilidade da consciência que portanto
não é a verdadeira, mas ainda está afetada por uma oposição. Ainda não surgiu o
Imutável tal como é em si e para si mesmo; não sabemos, pois, como ele se
comportará. Até agora o que resultou foi apenas isto: para a consciência, que é
aqui nosso objeto, estas determinações indicadas se manifestam no Imutável.

Por esta razão, a consciência imutável conserva também em sua própria


figuração o caráter e os traços fundamentais do ser-cindido e do ser para si,
frente à consciência singular. Portanto, em geral, é apenas um acontecer para
esta consciência, que o Imutável adquira a figura da singularidade. Também a
consciência singular somente se encontra oposta a ele, e assim tem essa relação
pela própria natureza. Encontrar-se enfim no Imutável lhe aparece, em parte,
como produzido por ela mesma - ou ter ocorrido porque ela mesma é singular.
Mas de outra parte, essa unidade com o Imutável lhe aparece como pertencendo
ao Imutável, quanto à sua existência; e a oposição permanece nessa unidade
mesma.

De fato, através da figuração do Imutável, o momento do além não só


permanece mas ainda se reforça; pois, se pela figura da efetividade singular
parece de um lado achegar-se mais à consciência singular, de outro lado está
frente a ela como um opaco Uno sensível, com toda a rigidez de um Efetivo. A
esperança de tornar-se um com ele tem de ficar na esperança, isto é, sem
implementação e sem presença. Com efeito, entre a esperança e sua
implementação se interpõe, precisamente, a absoluta casualidade, ou a imóvel
indiferença que reside na figuração mesma que fundamenta a esperança. Por
força da natureza do Uno essente, pela efetividade de que se revestiu, ocorre
necessariamente que no tempo se tenha desvanecido; e no espaço, haja sucedido
longe, e absolutamente longe permaneça.

Se no início o conceito simples da consciência cindida se determinava por seu


empenho em suprassumir essa consciência enquanto singular para tornar-se
consciência imutável, agora seu esforço tem por determinação suprassumir sua
relação para com o puro Imutável não figurado, e somente se permitir a relação
com o Imutável figurado.

Com efeito: agora, para essa consciência, o ser um do singular com o Imutável é
essência e objeto; como no conceito, o objeto essencial era o imutável abstrato e
sem figura. Agora, o que tem de evitar é essa situação do absoluto ser-cindido do
conceito. Mas essa consciência deve elevar ao absoluto vir a ser um sua relação
inicialmente exterior com o Imutável figurado como sendo uma efetividade
alheia.

O movimento no qual a consciência inessencial se esforça por atingir esse ser um


é também um movimento tríplice, conforme a tríplice relação que terá com seu
Além configurado:

1º - como pura consciência;

2º - como essência singular que se comporta ante a efetividade como desejo e


trabalho;

3º - como consciência de seu ser para si.

Vejamos agora como essas três modalidades de seu ser estão presentes e
determinadas naquela relação universal.

Primeiro, se a consciência inessencial for, pois, considerada como consciência


pura, nesse caso o Imutável figurado, enquanto é para a consciência pura, parece
posto tal como é em si e para si mesmo. Só que o Imutável ainda não surgiu
como é em e para si, como já foi dito. Isso de estar na consciência tal como é
em si e para si mesmo deveria partir mais dele que da consciência; mas aqui sua
presença só ocorre unilateralmente, por meio da consciência. E justamente por
isso não é perfeita e verdadeira, mas permanece onerada de imperfeição - ou de
uma oposição.

Embora a consciência infeliz não possua tal presença, está ao mesmo tempo
acima do puro pensar: seja do puro pensar do estoicismo, que faz abstração da
singularidade em geral; seja do puro pensar do cepticismo, que é somente
inquieto, e de fato é apenas a singularidade, como contradição sem consciência e
movimento sem descanso.

A consciência infeliz ultrapassa esses dois momentos: reúne e mantém unidos o


puro pensar e a singularidade, porém não se elevou ainda àquele pensar para o
qual a singularidade da consciência se reconciliou com o puro pensar mesmo.
Está, antes, nesse meio-termo onde o pensar abstrato entra em contato com a
singularidade da consciência como singularidade. Ela mesma é esse contacto: é a
unidade do puro pensar e da singularidade. Também para ela é essa singularidade
pensante ou o puro pensar, e o Imutável mesmo é essencialmente como
singularidade. No entanto, não é para ela que esse seu objeto, o Imutável - que
tem para ela essencialmente a figura da singularidade, - é ela mesma. Ela
mesma, que é a singularidade da consciência.

Nesta primeira modalidade, em que a tratamos como pura consciência, a


consciência infeliz não se relaciona com seu objeto como pensante; embora seja
em si pura singularidade pensante, a relação mútua entre eles não é puro pensar.
A consciência, por assim dizer, apenas caminha na direção do pensar e é fervor
devoto. Seu pensamento, sendo tal, fica em um informe badalar de sinos, ou
emanação de cálidos vapores; um pensar musical que não chega ao conceito, o
qual seria a única modalidade objetiva imanente.

Sem dúvida, seu objeto virá ao encontro desse sentimento interior puro e infinito,
mas não se apresentará como conceitual; surgirá pois como algo estranho. Está
presente, assim, o movimento interior da alma pura, que se sente a si mesma,
mas se sente doloridamente, como cisão. Movimento de uma nostalgia infinita,
que tem a certeza que sua essência é aquela alma pura, puro pensar que se pensa
como singularidade; e a certeza de ser conhecida e reconhecida por aquele
objeto, porquanto ele se pensa como singularidade.

Mas, ao mesmo tempo, essa essência é o Além inatingível, que foge quando
abraçado, ou melhor, já fugiu. Já fugiu, pois de um lado é o Imutável que se
pensa como singularidade, e assim a consciência nele alcança imediatamente a
si mesma; a si mesma, mas como o oposto do Imutável. Em vez de captar a
essência, apenas a sente, e caiu de volta em si mesma; como no ato de atingir
não pode manter-se à distância como este oposto, em lugar de atingir a essência
só captou a inessencialidade.

Como de um lado, enquanto se esforça por atingir a si mesma na essência, só


apreende sua própria efetividade separada, assim, de outro lado, não pode
apreender o Outro como algo singular ou efetivo. Onde é procurado, não pode
ser encontrado; pois deve justamente ser um Além, algo tal que não se pode
encontrar. Buscado como singular, ele não é uma singularidade pensada
universal; não é conceito, mas é singular como objeto ou como algo efetivo:
objeto da certeza sensível imediata, e por isso mesmo é somente uma coisa tal
que desvaneceu. Portanto, para a consciência, só pode fazer-se presente o
sepulcro de sua vida. Mas, porque o próprio sepulcro é uma efetividade, e é
contra a sua natureza manter uma posse duradoura, assim também essa presença
do sepulcro é somente a luta de um esforço que tem de fracassar. Só que, ao
fazer essa experiência - de que o sepulcro de sua essência imutável efetiva não
tem nenhuma efetividade, e de que a singularidade evanescente, enquanto
evanescente, não é a verdadeira singularidade -, a consciência renunciará a
buscar a singularidade imutável como efetiva, ou a fixá-la como evanescente; e
só assim está apta a encontrar a singularidade como verdadeira, ou como
universal.

Mas antes de tudo, o retorno da alma a si mesma deve tomar-se no sentido de


que, para si, a alma tem efetividade enquanto ser singular. Para nós, ou em si, foi
a pura alma que se encontrou, e em si mesma se saciou; pois embora para ela,
em seu sentimento, a essência esteja dela separada, este sentimento é, em si,
sentimento de si. Sentiu o objeto de seu puro sentir, e esse objeto é ela mesma;
assim surge aqui como sentimento de si, ou como algo efetivo para si essente.
Para nós, nesse retorno a si mesma, veio a ser sua segunda relação, a do desejo e
do trabalho, que garante à consciência a certeza interior de si mesma, a qual -
para nós - conseguiu mediante o suprassumir e o gozar da essência alheia; isto é:
dessa mesma essência sob a forma de coisas independentes.

Mas a consciência infeliz só se encontra como desejosa e trabalhadora. Para ela,


não ocorre que encontrar-se assim tem por base a certeza interior de si mesma; e
que seu sentimento da essência é esse sentimento de si. Enquanto não tem para si
mesma essa certeza, seu interior permanece ainda a certeza cindida, de si
mesma. A confirmação que através do trabalho e do gozo poderia obter, é por
isso uma certeza igualmente cindida. Quer dizer: a consciência deveria, antes,
aniquilar para si tal confirmação; de modo que, embora essa confirmação nela
se encontre, seja só a confirmação do que é para si: a saber, a confirmação de
sua cisão.
Para essa consciência, a efetividade, contra a qual se volta o desejo e o trabalho,
já não é uma nulidade em si, que ela apenas deva suprassumir e consumir. É
uma efetividade cindida em dois pedaços, tal como a própria consciência: só por
um lado é em si nula; mas pelo outro lado é um mundo consagrado, a figura do
Imutável. Com efeito, esse assumiu em si a singularidade, e por ser universal
enquanto é o Imutável, em geral sua singularidade tem a significação de toda
efetividade.

Se a consciência fosse, para si, consciência independente, e se para ela a


efetividade fosse nula em si e para si, então no trabalho e no gozo chegaria ao
sentimento de sua independência; e isso porque seria ela mesma que
suprassumiria sua efetividade. Só que, sendo essa figura do Imutável para ela,
não seria capaz de suprassumi-la por si mesma. Mas como chega, sem dúvida, à
aniquilação da efetividade e ao gozo, isso lhe pode acontecer essencialmente
porque o Imutável mesmo lhe abandona sua figura e lhe cede para seu gozo. De
seu lado, a consciência surge aqui igualmente como algo efetivo, mas também
como cindida interiormente. Essa cisão se apresenta em seu trabalhar e gozar por
cindir-se em uma relação para com a efetividade - ou o ser para si - e em um
ser em si.

Aquela relação para com a efetividade é o alterar ou agir seja é o ser para si que
pertence à consciência singular como tal. Mas nisso ela é também em si; esse
lado pertence ao Além imutável: são as faculdades e as forças - um dom alheio
que o Imutável concede igualmente à consciência para que dele goze.

Em seu agir, portanto, a consciência está inicialmente na relação de dois


extremos: mantém-se, de lado, como o aquém ativo, e frente a ela está a
efetividade passiva. Ambos em relação recíproca, mas também ambos
retrotraidos para dentro do Imutável e fixados em si. Dos dois lados se desprende
mutuamente uma superfície apenas, que entra no jogo do movimento contra a
outra.

O extremo da efetividade é suprassumido mediante o extremo ativo. Mas, por


seu lado, a efetividade só pode ser suprassumida porque sua essência imutável a
suprassume; se repele de si, e abandona à atividade o que repeliu. A força ativa
se manifesta como a potência em que a efetividade se dissolve; mas já que para
essa consciência o Em si ou a essência é outro que ela, essa potência - sob a
forma da qual emerge para a atividade - é para ela o Além de si mesma.

Assim, em vez de retomar a si mesma a partir de seu agir, e de se ter


comprovado para si mesma, a consciência antes reflete de volta esse movimento
do agir no outro extremo; que por isso é apresentado como puro universal, como
a potência absoluta da qual procede o movimento para todos os lados; e que é
tanto a essência dos extremos que se rompem - como inicialmente apareceram -
quanto a essência da mudança mesma.

Porque a consciência imutável renuncia à sua figura e a oferece como dom, em


troca a consciência singular dá graças. Quer dizer: se nega a satisfação da
consciência de sua independência, e transfere a essência de seu agir de si para o
além. De qualquer modo, através desses dois momentos do abandonar-se
recíproco de ambas as partes, surge para a consciência a sua unidade com o
Imutável. Só que essa unidade é ao mesmo tempo afetada de separação, e
cindida de novo em si mesma: e mais uma vez ressalta dela a oposição entre o
universal e o singular.

Portanto, embora a consciência renuncie na aparência à satisfação de seu


sentimento de si, ela assim mesmo alcança a satisfação efetiva desse sentimento;
pois ela foi desejo, trabalho e gozo, e como consciência ela quis, agiu e gozou.
Sua ação de graças, na qual reconhece o outro extremo como essência, e se
suprassume - é igualmente seu próprio agir; que contrabalança o agir do outro
extremo, e opõe ao benefício, que faz dom de si, um agir equivalente. Se aquele
extremo lhe concede sua superfície, a consciência, todavia, dá graças, e com
isso, ao renunciar a seu próprio agir - quer dizer, à sua essência mesma -,
propriamente faz mais que o outro, que de si desprende uma superfície apenas.

O movimento completo se reflete pois no extremo da singularidade; não somente


no efetivo desejar, trabalhar e gozar, mas até mesmo no dar graças - em que
parece acontecer o contrário.

A consciência se sente aí como este singular que não se deixa iludir pela
aparência de sua renúncia, pois sua verdade é que a consciência não renunciou a
si. O que se efetuou foi apenas a dupla reflexão de dois extremos, e o resultado é
a ruptura reiterada na consciência oposta do Imutável, e na consciência dos
momentos que a defrontam, do querer, do implementar, do gozar e da própria
renúncia a si mesma; ou seja, na consciência da singularidade para si essente,
em geral.

Deste modo se produziu a terceira relação do movimento dessa consciência que


surge da segunda, como uma consciência tal que em verdade se comprovou
como independente em seu querer e implementar. Na primeira relação era
somente o conceito da consciência efetiva, ou a alma interior, que ainda não era
efetiva no agir e no gozo. A segunda relação é essa efetivação como agir e gozar
exteriores; mas a consciência que retoma dessa posição é uma consciência que
se experimentou como efetiva e efetivante: uma consciência para a qual ser em
si e para si é verdadeiro.

Aqui porém o inimigo é agora descoberto na sua figura mais peculiar. Na luta da
alma, a consciência singular só está como momento musical, abstrato; no
trabalho e no gozo, como realização desse ser sem essência, a consciência pode
se esquecer, imediatamente; e nessa efetividade, a peculiaridade consciente é
prosternada pelo reconhecimento da ação de graças. Mas, na verdade, essa
prostração é um retorno da consciência a si mesma; na verdade, a si mesma
como à sua efetividade verdadeira.

Essa terceira relação, na qual essa verdadeira efetividade constitui um dos


extremos, é a relação dela - enquanto nulidade - com a essência universal. Resta
a considerar ainda o movimento desta relação.

De início, no que concerne à relação oposta da consciência, como ali sua


realidade é para ela imediatamente o nulo, assim também seu agir efetivo se
torna um agir de nada, e seu gozo se torna sentimento de sua infelicidade. Por
isso, agir e gozo perdem todo conteúdo e sentido universais - pois assim teriam
um ser em si e para si; e ambos se retiram à sua singularidade, à qual a
consciência está dirigida para suprassumi-la.

Nas funções animais, a consciência é cônscia de si como este singular efetivo.


Essas funções, em vez de se realizarem descontraidamente, como algo que é
nulo em si e para si - e que para o espírito não pode alcançar nenhuma
importância nem essencialidade -, são antes objeto de séria preocupação, e se
tornam mesmo o que há de mais importante, pois é nelas que o inimigo se
manifesta em sua figura característica. Mas como esse inimigo se produz em sua
própria derrota, a consciência ao fixá-lo a si, em vez de libertar-se, fica sempre
detida nele; e se vê sempre poluída. Ao mesmo tempo, esse conteúdo de seu zelo,
em lugar de ser algo essencial, é o mais vil; em vez de ser algo universal, é o
mais singular; assim nos deparamos com uma personalidade só restringi da a si
mesma e a seu agir mesquinho, recurvada sobre si; tão infeliz quanto miserável.

Mas, ao sentimento de sua infelicidade e à miséria de seu agir, junta-se a ambos


também a consciência de sua unidade com o imutável. Com efeito: essa tentativa
de aniquilação imediata de seu ser efetivo é mediada pelo pensamento do
Imutável, e ocorre nessa relação. A relação mediata constitui a essência do
movimento negativo, no qual a consciência se dirige contra a sua singularidade
que, no entanto, como relação em si é positiva, e vai produzir para essa
consciência mesma sua unidade.

Por isso, essa relação mediata é um silogismo, em que a singularidade -


inicialmente fixada como oposta ao Em si - só mediante um terceiro termo é
concluída com esse outro extremo. Através deste meio-termo, o extremo da
consciência imutável é para a consciência inessencial; o que implica, também,
que ela só pode ser para a consciência imutável através desse meio-termo. Esse
meio-termo, portanto, é tal que representa os dois extremos, um para o outro, e é
ministro recíproco de cada um junto do outro. Esse meio-termo é, por sua vez,
uma essência consciente, pois é um agir que mediatiza a consciência enquanto
tal; o conteúdo desse agir é o aniquilamento - que a consciência empreende - de
sua singularidade.

Assim, nesse meio-termo, a consciência se liberta do agir e do gozo como seus.


Repele de si, como extremo para si essente, a essência do seu querer, e lança
sobre o meio-termo, ou o ministro, a peculiaridade e a liberdade da decisão, e,
com isto, a culpa de seu agir. Esse mediador, enquanto está em relação imediata
com a essência imutável, desempenha seu ministério aconselhando sobre o que é
justo.

A ação, enquanto é seguimento de uma decisão alheia, deixa de ser própria,


segundo o lado do agir ou do querer. Mas resta ainda à consciência inessencial o
lado objetivo da ação, a saber: o fruto de seu trabalho e o gozo. Assim, repele de
si isso também; e como renuncia à vontade própria, renuncia igualmente à
efetividade consegui da no trabalho e no gozo. Renuncia à efetividade 1- em
parte como à verdade alcançada de sua independência cônscia de si - enquanto a
consciência se põe a fazer algo totalmente estranho: ritual que se move em
representações e fala linguagem sem sentido; 2- em parte, como à propriedade
exterior - enquanto abre mão do que possuía, que ganhara pelo trabalho; 3- em
parte, como ao gozo possuído - enquanto no jejum e na mortificação torna-o de
novo totalmente proibido para si.

Através destes momentos - do renunciar à própria decisão, e depois à


propriedade e ao gozo, e, enfim, através do momento positivo em que a
consciência se põe a fazer algo que não compreende - ela se priva, em verdade e
cabalmente, da consciência da liberdade interior e exterior, e da efetividade
como seu ser para si. Tem a certeza de se ter extrusado verdadeiramente de seu
Eu, e de ter feito de sua consciência de si imediata uma coisa, um ser objetivo.

Só mediante esse sacrifício efetivo a consciência podia dar provas de sua


renúncia a si mesma; porque só assim desvanece a fraude que se aloja no
reconhecimento interior da ação de graças por meio do coração, da intenção e
da boca - um reconhecimento que afasta de si toda a potência do ser para si e a
atribui a um dom do alto. Mas até nesse afastar conserva para si a particularidade
exterior na posse, que não abandona, e a particularidade interior na consciência
da decisão que ela mesma toma, e na consciência do conteúdo dessa decisão
determinada por ela; conteúdo que não trocou por outro conteúdo alheio que a
preenchesse sem a menor significação.

Entretanto, neste sacrifício efetivamente consumado, a consciência, como


suprassumiu o agir enquanto seu, assim também em si desprendeu dela sua
infelicidade. Que tal desprender tenha ocorrido em si é contudo um agir do outro
extremo do silogismo, que é o extremo da essência em si essente. Aliás, esse
sacrifício do extremo inessencial não era ao mesmo tempo um agir unilateral,
mas continha em si o agir do Outro. Porque o renunciar à vontade própria, só por
um lado é negativo: segundo seu conceito, ou em si. Mas ao mesmo tempo, é
positivo, quer dizer: é pôr a vontade como Outro, e, determinadamente, pôr a
vontade como um não singular, e sim como um universal.

Para essa consciência, o significado positivo da vontade singular negativamente


posta é a vontade do outro extremo; que, justamente por ser Outro para ela, não
vem a ser através de si, mas por meio de um terceiro: do mediador, como
conselho. Para ela, portanto, sua vontade vem a ser de fato vontade universal e
em si essente; mas ela mesma não é para si este Em si. A renúncia de sua
vontade, como singular, não é para ela segundo o conceito, o positivo da vontade
universal. Igualmente, sua renúncia à posse e ao gozo tem somente o mesmo
significado negativo; e o universal, que para ela vem a ser nesse processo, não é
para ela seu próprio agir.

Essa unidade do objetivo e do ser para si, que há no conceito do agir - e que por
isso vem a ser para a consciência a essência e o objeto - essa unidade por não ser
para a consciência o conceito de seu agir, tampouco vem a ser como objeto,
imediatamente para ela e por meio dela. Porém faz que pelo ministro mediador
se exprima esta certeza ainda cindida - de que somente em si sua infelicidade é o
avesso, isto é, um agir que se satisfaz a si mesmo em seu agir, ou seja: um gozo
bem-aventurado. Igualmente seu agir miserável é em si o avesso, isto é, o agir
absoluto: segundo o conceito, o agir, só como agir do singular, é agir em geral.

Mas, para ela mesma, o agir, e seu agir efetivo, continua sendo um agir
miserável; seu gozo, dor; e o ser suprassumido dessa dor, no sentido positivo, um
além. Contudo, nesse objeto - em que seu agir e seu ser, enquanto desta
consciência singular, são para ela ser e agir em si -, a representação da razão
veio a ser para ela: a certeza de ser a consciência em sua singularidade,
absolutamente em si; ou de ser toda a realidade.
V - Certeza e verdade da razão

No pensamento que captou - de que a consciência singular é em si a essência


absoluta -, a consciência retoma a si mesma. Para a consciência infeliz o ser em
si é o além dela mesma. Porém seu movimento nela implementou isto: a
singularidade em seu completo desenvolvimento, ou a singularidade que é a
consciência efetiva, como o negativo de si mesma; quer dizer, como um
Extremo objetivo. Em outras palavras: arrancou de si seu ser para si e fez dele
um ser.

Nesse processo veio a ser também para a consciência sua unidade com esse
universal. Unidade que para nós não incide mais fora dela - já que o singular
suprassumido é o universal. E como a consciência se conserva a si mesma em
sua negatividade, essa unidade constitui na consciência como tal a sua essência;

No silogismo em que os extremos se apresentam como absolutamente


segregados um do outro, sua verdade é o que aparece como meio-termo -
anunciando à consciência imutável que o singular fez renúncia de si, e
anunciando ao singular que o Imutável já não é um extremo para ele, pois com
ele se reconciliou. Esse meio-termo é a unidade que sabe imediatamente os dois
extremos e os põe em relação mútua, e que é a consciência dessa unidade; que
enuncia à consciência - e portanto a si mesma - a certeza de ser toda a verdade.

Porque a consciência de si é razão, sua atitude, até agora negativa frente ao ser
Outro, se converte numa atitude positiva. Até agora, só se preocupava com sua
independência e sua liberdade, a fim de salvar-se e conservar-se para si mesma,
às custas do mundo ou de sua própria efetividade, já que ambos lhe pareciam o
negativo de sua essência. Mas como razão, segura de si mesma, a consciência de
si encontrou a paz em relação a ambos; e pode suportá-los, pois está certa de si
mesma como sendo a realidade, ou seja, está certa de que toda a efetividade não
é outra coisa que ela. Seu pensar é imediatamente, ele mesmo, a efetividade;
assim, comporta-se em relação a ela como idealismo.

Para ela, quando assim se apreende, é como se o mundo lhe viesse a ser pela
primeira vez. Antes, não entendia o mundo: só o desejava e o trabalhava.
Retirava-se dele recolhendo-se a si mesma, e o abolia para si, e a si mesma
abolia como consciência: como consciência desse mundo enquanto essência e
também como consciência da nulidade dele.

Só agora - depois que perdeu o sepulcro de sua verdade e que aboliu a abolição
de sua efetividade, e quando para ela a singularidade da consciência é em si a
essência absoluta - descobre o mundo como seu novo mundo efetivo. Agora tem
interesse no permanecer desse mundo, como antes tinha somente no seu
desvanecer; pois seu subsistir se lhe torna sua própria verdade e presença. A
consciência tem a certeza de que só a si experimenta no mundo.

A razão é a certeza da consciência de ser toda a realidade: assim enuncia o


idealismo o conceito da razão. Do mesmo modo que a consciência que vem à
cena como razão tem em si essa certeza imediatamente, assim também o
idealismo a enuncia de forma imediata: Eu sou Eu, no sentido de que o Eu para
mim é objeto. Não no sentido de objeto da consciência de si em geral- que seria
apenas um objeto vazio em geral; nem de objeto da consciência de si livre -, que
seria somente um objeto retirado dos outros, que ainda são válidos ao lado dele;
mas sim no sentido de que o Eu é objeto, com a consciência do não ser de
qualquer outro objeto: é o objeto único, é toda a realidade e presença.

Porém, a consciência de si não é toda a realidade somente para si, mas também
em si: porque se torna essa realidade, ou antes, porque se demonstra como tal.
Assim se demonstra através do caminho, no curso do qual o ser Outro, como em
si, desvanece para a consciência: primeiro, no movimento dialético do visar, do
perceber e do entendimento. Demonstra-se depois, no movimento através da
independência da consciência, na dominação e escravidão; através do
pensamento da liberdade do estoicismo, da libertação céptica e da luta de
libertação absoluta da consciência cindida em si mesma; movimento em que o
ser Outro desvanece para a consciência enquanto é somente para ela.

Dois lados se apresentavam, um depois do outro: num a essência, ou o


verdadeiro, tinha para a consciência a determinidade do ser; no outro, a
determinidade de ser só para ela. Mas ambos os lados se reduziam a uma
verdade única, a saber: - ou o Em si - somente é, enquanto é para a consciência;
e o que é para ela, é também em si.

A consciência, que é tal verdade, deixou para trás esse caminho e o esqueceu, ao
surgir imediatamente, como razão; ou seja, essa razão, que surge imediatamente,
surge apenas como certeza daquela verdade. Assevera somente que é toda a
realidade, mas não conceitua sua asserção; ora, aquele caminho esquecido é o
conceituar dessa asserção expressa de modo imediato. Igualmente, para quem
não fez tal caminho, essa asserção é inconcebível quando a escuta nessa sua
forma pura - pois numa forma concreta bem que faz essa asserção.

Por conseguinte o idealismo, que começa por tal asserção sem mostrar aquele
caminho, é por isso também pura asserção que não se concebe a si mesma; nem
se pode fazer concebível a outros. Enuncia uma certeza imediata, contra a qual
se mantêm firmes outras certezas imediatas, mas que foram perdidas naquele
caminho. É portanto com igual direito que ao lado da asserção daquela certeza
tomam também lugar as asserções dessas outras certezas. A razão apela para a
consciência de si de cada consciência: Eu sou Eu; o Eu é meu objeto e minha
essência, e nenhuma lhe negará essa verdade.

Porém, ao fundar a verdade sobre esse apelo, sanciona a verdade da outra


certeza, a saber: há para mim Outro; Outro que Eu é para mim objeto e essência;
quando Eu sou para mim objeto e essência, sou isso apenas enquanto Eu me
retiro do Outro, em geral, e tomo lugar ao lado dele como uma efetividade.

Somente quando a razão surge como reflexão a partir dessa certeza oposta é que
surge sua afirmação de si, não mais apenas como certeza e asserção, mas como
verdade; e não ao lado de outras verdades, mas como a única verdade. O
imediato surgir da verdade é a abstração de seu ser-presente, cuja essência e ser
em si é o conceito absoluto - quer dizer, o movimento de seu ser que veio a ser.

A consciência vai determinar sua relação ao ser Outro ou a seu objeto, de


maneiras diversas, conforme a etapa, em que ela se encontre, do espírito do
mundo que se torna consciente de si. O modo como o espírito do mundo em cada
caso imediatamente encontra e determina a si mesmo e a seu objeto - ou como
ele é para si - isso depende do que já veio a ser, ou do que já é em si.

A razão é a certeza de ser toda a realidade. Mas esse Em si ou essa realidade é,


ainda, um absolutamente universal: é a pura abstração da realidade. É a primeira
positividade que a consciência de si, em si mesma, é para si: e o Eu, portanto, é
apenas a pura essencialidade do essente, ou a categoria simples.

Antes, a categoria tinha a significação de ser a essencialidade do essente, de


modo indeterminado, quer essencialidade do essente em geral, quer do essente
em contraste com a consciência. Mas agora, a categoria é essencialidade ou
unidade simples do essente enquanto efetividade pensante. Ou ainda: a categoria
significa que consciência de si e ser são a mesma essência - a mesma, não na
comparação, mas em si e para si. Só o mau idealismo unilateral faz essa unidade
reaparecer de um lado como consciência, e frente a frente com ela um Em si.

Agora, essa categoria ou essa unidade simples da consciência de si e do ser tem


contudo em si a diferença, pois sua essência é precisamente isto: ser
imediatamente igual a si mesma no ser Outro, ou na diferença absoluta. Portanto,
a diferença é; mas perfeitamente transparente, e como uma diferença que ao
mesmo tempo não é diferença nenhuma. A diferença manifesta-se como uma
multiplicidade de categorias.

O idealismo enuncia a unidade simples da consciência como sendo toda a


realidade, e faz dela imediatamente a essência, sem tê-la conceituado como
essência absolutamente negativa. Ora, somente esta última tem em si a negação,
a determinidade e a diferença. Mas isso que o idealismo propõe é inconcebível; e
mais inconcebível ainda é que haja na categoria diferenças ou espécies. Essa
asserção em geral, como aliás a asserção de um número determinado de
espécies da categoria, é uma nova asserção. Essa porém implica em si mesma
que não se deve mais aceitá-la como asserção.

Com efeito, a diferença tem seu princípio no puro Eu, no puro entendimento
mesmo. Desse modo, com isso se admite que a imediatez, o asseverar e o
encontrar são abandonados, e que o conceber principia. Contudo, admitir a
multiplicidade de categorias de uma maneira qualquer - por exemplo, a partir
dos juízos - como um achado, e fazer passar por boas as categorias assim
encontradas, isso deve ser considerado como um ultraje à ciência. Onde é que o
entendimento poderia mostrar uma necessidade, se é incapaz de mostrá-la em si
mesmo, que é a necessidade pura?

Porque agora pertence desse modo à razão a pura essencialidade das coisas
como também sua diferença, não se poderia mais falar de coisas propriamente
ditas, isto é, uma coisa que seria para a consciência somente o negativo de si
mesma. Pois as múltiplas categorias são espécies da categoria pura - o que
significa: ela é ainda seu gênero ou essência, e não se lhes opõe.

Mas elas já são algo ambíguo, que na sua multiplicidade tem ao mesmo tempo
em si o ser Outro, em oposição à categoria pura; de fato, elas a contradizem por
essa multiplicidade, e a unidade pura deve suprassumir em si tal multiplicidade,
constituindo-se desse modo em unidade negativa das diferenças.

Porém, como unidade negativa, exclui de si tanto as diferenças como tais, quanto
essa primeira unidade pura e imediata como tal; é a singularidade, uma nova
categoria que é consciência excludente, quer dizer, consciência para a qual há
Outro. A singularidade é sua própria passagem, de seu conceito a uma realidade
exterior: é o esquema puro, que tanto é consciência como, por isso mesmo -
enquanto singularidade e Uno excludente -, é o aludir a outro.

No entanto, esse Outro de tal categoria são apenas as outras primeiras categorias,
a saber: a essencialidade pura e a diferença pura; e nessa categoria - isto é,
precisamente no Ser-posto do Outro - ou nesse Outro mesmo, a consciência é
igualmente ela mesma. Cada um desses momentos diversos remete a outro, mas
ao mesmo tempo sem que neles chegue a nenhum ser Outro. A categoria pura
remete às espécies que passam à categoria negativa ou à singularidade; essa
última remete, por sua vez, àquelas. A categoria mesma é a consciência pura que
permanece para si em cada espécie, como essa unidade clara consigo mesma -
uma unidade porém que igualmente é remetida a um outro; o qual, quando é, já
desvaneceu, e quando desvaneceu, é de novo produzido.

Vemos neste ponto a consciência pura posta de uma dupla maneira. A primeira
vez como irrequieto vai e vem, que percorre todos os seus momentos onde
encontra flutuando o ser Outro, que se suprassume no ato de abarcar. A segunda
vez, antes, como unidade tranquila certa de sua própria verdade. Para essa
unidade, aquele movimento é o Outro; mas para aquele movimento, a unidade
tranquila é que é o Outro: a consciência e o objeto se alternam nessas
determinações recíprocas.

Por conseguinte, a consciência ora é para si um buscar que vai e vem, enquanto
seu objeto é o puro Em si e essência: ora é para si categoria simples, enquanto o
objeto é o movimento das diferenças. Porém a consciência, como essência, é
esse curso mesmo em sua totalidade: curso que consiste em sair de si como
categoria simples, passando à simplicidade e ao objeto, e nele contemplar esse
curso; suprassumir o objeto como distinto para apropriar-se dele, e proclamar-se
como certeza de ser toda a realidade: certeza de ser tanto ela mesma como
também seu objeto.

Seu primeiro enunciar é somente essa abstrata palavra vazia de que tudo é seu.
Com efeito, a certeza de ser toda a realidade é só a categoria pura. Essa primeira
razão, que se conhece no objeto, encontra expressão no idealismo vazio que só
apreende a razão como inicialmente é - e por indicar em todo o ser esse Meu
puro da consciência, e enunciar as coisas como sensações ou representações,
acredita ter mostrado esse Meu puro como realidade acabada. Tal idealismo tem
de ser ao mesmo tempo um empirismo absoluto, porque para o enchimento
desse Meu vazio, quer dizer, para a diferença e para a totalidade do
desenvolvimento e da configuração dessa diferença, sua razão necessita de um
"choque estranho" no qual só se encontra a multiplicidade do sentir e do
representar.

Torna-se, portanto, esse idealismo um duplo-sentido contraditório, tanto como o


cepticismo, só que exprime de modo positivo o que o cepticismo faz
negativamente. Mas como ele, tampouco consegue conciliar seus pensamentos
contraditórios: o da consciência pura como sendo toda a realidade, e também o
do choque estranho, ou seja, do sentir e representar sensíveis, como uma
realidade igual. Debate-se alternadamente entre um pensamento e outro, e
termina na má infinitude - quer dizer, na infinitude sensível.

Quando a razão é toda a realidade, no sentido do Meu abstrato, e quando o Outro


lhe é um Estranho indiferente, então se põe justamente, por parte da razão, esse
saber de Outro; que já se apresentou como o visar da certeza sensível, como o
perceber e como o entendimento acolhendo o visado e o percebido. Tal saber é
ao mesmo tempo afirmado como sendo um saber não verdadeiro, por meio do
conceito desse próprio idealismo, uma vez que só a unidade da apercepção é a
verdade do saber.

Para chegar por si mesma a esse Outro que lhe é essencial - ou seja, a esse
Outro que é o Em si mas que ela não tem em si mesma -, a Razão pura desse
idealismo é remetida a esse saber que não é um saber do verdadeiro. Ela assim
se condena, sabendo e querendo, a um saber não verdadeiro; e não pode
desprender-se do visar e do perceber, que para ela própria não tem verdade
nenhuma. Encontra-se numa contradição imediata, ao afirmar como essência
algo que é duplo, e pura e simplesmente oposto: a unidade da apercepção, e,
igualmente, a coisa. Pois a coisa, ao ser chamada também choque estranho ou
essência empírica, ou sensibilidade, ou coisa em si, em seu conceito fica sempre
a mesma coisa estranha à unidade da apercepção.

Esse idealismo cai em tal contradição porque afirma como verdadeiro o conceito
abstrato da razão. Por isso a realidade lhe surge imediatamente como algo tal que
não é a realidade da razão; quando a razão deveria ser toda a realidade.
Permanece a razão um buscar irrequieto, que no próprio buscar declara pura e
simplesmente impossível a satisfação do encontrar.

Mas a razão efetiva não é tão inconsequente assim: ao contrário, sendo, de início
só a certeza de ser toda a realidade, está consciente nesse conceito de não ser
ainda, enquanto certeza, enquanto Eu, a realidade em verdade; e é impelida a
elevar sua certeza à verdade, e a preencher o Meu vazio.

A - A RAZÃO OBSERVADORA

Essa consciência, para a qual o ser tem a significação do seu, nós a vemos agora
adentrar-se de novo no visar e no perceber: mas não como na certeza de um que
apenas é Outro, e sim com a certeza de ser esse Outro mesmo. Antes, só tinha
acontecido perceber e experimentar vários aspectos na coisa; mas agora é a
consciência que faz suas próprias observações e a experiência mesma. O visar e
o perceber, que se suprassumiram só para nós, são agora suprassumidos pela
consciência para ela mesma. A razão, pois, parte para conhecer a verdade; para
encontrar como conceito o que era uma coisa para o visar e o perceber, isto é,
para ter na coisidade somente a consciência de si mesma.
Por isso a razão tem agora um interesse universal pelo mundo, já que ela é a
certeza de ter no mundo a presença, ou seja, a certeza de que a presença é
racional. Procura a razão seu Outro, sabendo que não possuirá nada de Outro a
não ser ela mesma; busca apenas sua própria infinitude.

A razão que, inicialmente, apenas se vislumbrava na efetividade - ou que só a


sabia como o seu em geral -, agora avança nesse sentido para a tomada de posse
universal da propriedade que lhe é assegurada; e planta em todos os cimos e em
todos os abismos o marco de sua soberania. Mas esse Meu superficial não é seu
interesse último: a alegria dessa universal tomada de posse ainda encontra em
sua propriedade o Outro estranho, que a razão abstrata não tem em si mesma.

A razão se vislumbra como uma essência mais profunda do que é o Eu puro, e


deve exigir que a diferença - o ser multiforme - se torne para ela o próprio seu;
que se intua como a efetividade, e que se ache presente como figura e como
coisa. Porém a razão, mesmo revolvendo todas as entranhas das coisas, e
abrindo-lhes todas as veias - a fim de ver-se jorrar dali para fora -, não
alcançará essa felicidade; mas deve ter-se implementado antes em si mesma,
para depois experimentar sua plena realização.

A consciência observa; quer dizer, a razão quer encontrar-se e possuir-se como


objeto essente, como modo efetivo, sensivelmente presente. De certo, a
consciência dessa observação visa e diz que não pretende experimentar-se a si
mesma, mas, pelo contrário, a essência das coisas como coisas. A consciência
visa isso e o diz, porque embora sendo razão, ainda não tem a razão como tal por
objeto. Soubesse tal consciência que a razão é igualmente essência das coisas e
da consciência mesma, - e que a razão, em sua figura peculiar, só na consciência
pode estar presente - então desceria às suas próprias profundezas, e buscaria a
razão antes ali que nas coisas. Se já tivesse encontrado a razão no mais profundo
de si mesma, essa seria novamente levada para fora, para a efetividade, a fim de
nela contemplar sua expressão sensível; mas também a fim de tomá-la logo,
como sendo essencialmente conceito.

A razão, tal como vem à cena imediatamente, como a certeza da consciência de


ser toda a realidade, toma essa realidade no sentido da imediatez do ser; e toma
também a unidade do Eu com essa essência objetiva no sentido de uma unidade
imediata, na qual ainda não separou - e tornou a reunir - o momento do ser e o
momento do Eu, ou seja: no sentido de uma unidade que a razão não conheceu
ainda. Portanto, como consciência observadora vai às coisas, visando tomá-las
em verdade como coisas sensíveis, opostas ao Eu; só que o seu agir efetivo
contradiz tal visão, pois a razão conhece as coisas, transforma seu ser sensível em
conceitos, quer dizer, justamente em um ser que é ao mesmo tempo um Eu.
Transforma assim o pensar em um pensar essente, ou o ser em um ser pensado;
e afirma de fato que as coisas só têm verdade como conceitos. Para essa
consciência observadora, somente resulta nesse processo o que as coisas são;
mas para nós, o que é a consciência mesma. O resultado de seu movimento é,
pois, que a consciência vem a ser, para si mesma, o que é em si.

Temos a considerar o agir da razão observadora nos momentos de seu


movimento; como ela apreende a natureza, o espírito e, enfim, a relação de
ambos em forma de ser sensível; e como se busca enquanto efetividade essente.

a - OBSERVAÇÃO DA NATUREZA

Quando a consciência carente de pensamento proclama o observar e o


experimentar como a fonte da verdade, suas palavras bem que poderiam soar
como se apenas se tratasse do saborear, cheirar, tocar, ouvir e ver. Porém essa
consciência, no afã com que recomenda o gostar, o cheirar, etc., esquece de
dizer que também o objeto desse sentir já está de fato determinado para ela,
essencialmente; e que, para ela, essa determinação do objeto vale pelo menos
tanto como esse sentir. Tem de admitir igualmente que, em geral, não se trata só
do perceber; assim, para dar um exemplo, a percepção de que este canivete está
posto aqui ao lado da tabaqueira não tem valor de observação. O percebido deve
ter pelo menos a significação de um universal, e não de um isto sensível.

De início, esse universal é apenas o que permanece igual a si: seu movimento é
somente a reiteração uniforme do mesmo agir. A consciência, na medida em que
só encontra no objeto a universalidade ou o Meu abstrato, deve tomar sobre si
mesma o movimento peculiar do objeto, e por não ser ainda seu entendimento,
deve pelo menos ser sua recordação - a qual exprime de maneira universal o que
na efetividade só está presente de maneira singular.

Esse superficial extirpar do sensível para fora da singularidade, e a forma


igualmente superficial da universalidade em que o sensível é apenas acolhido,
sem se ter tornado em si mesmo algo universal, é o descrever das coisas, que não
tem ainda o movimento no objeto mesmo; esse movimento está, antes, no ato de
descrever. O objeto, ao ser descrito, perdeu por isso o interesse: se um for
descrito, outro deve ser tomado em consideração e sempre procurado, para que
a descrição não se esgote. Quando não é tão fácil encontrar coisas inteiras que
sejam novas, então é preciso voltar às já encontradas, dividi-las e analisá-las
ainda mais, e nelas descobrir ainda novos aspectos da coisidade.
Esse instinto insaciável e inquieto não pode ficar sem material; mas encontrar um
novo gênero conspícuo, ou então um novo planeta -, que embora sendo um
indivíduo tem a natureza de um universal - é sorte que só toca a alguns felizardos.
Mas a linha de demarcação do que é distintivo, digamos, do elefante, do
carvalho, do ouro - do que é gênero e espécie -, passa através de múltiplas
gradações dentro da infinita particularização do caos dos animais e das plantas; e
das rochas, dos metais, e das terras etc., que só por meio de violência e artifício
se devem representar.

Mas nesse reino da indeterminidade do universal, onde a particularização se


reaproxima da singularização, e de novo, aqui e ali, desce até ela completamente
- uma inesgotável reserva se abre à observação e descrição. Mas aqui, onde
parece abrir-se para elas um campo a perder-se de vista, a observação e a
descrição dentro das fronteiras do universal podem ter encontrado, em vez de
uma imensurável riqueza, somente os limites da natureza e do seu próprio agir:
não podem saber se o que aparenta ser em si não é uma contingência. Pois o que
leva em si a marca de uma formação confusa ou rudimentar, débil e mal se
desenvolvendo fora da indeterminidade elementar, não pode sequer ter a
pretensão de ser descrito.

Embora esse buscar e descrever aparentemente só diga respeito às coisas, vemos


que de fato não procede segundo o curso da percepção sensível. Ao contrário:
aquilo pelo qual as coisas são conhecidas é mais relevante para a descrição que o
conjunto restante das propriedades sensíveis. De certo, a própria coisa não pode
delas prescindir; porém a consciência se desembaraça delas.

Mediante essa distinção entre o essencial e o inessencial o conceito se eleva


acima da dispersão sensível, e o conhecer declara nisso que se ocupa consigo
mesmo - pelo menos tão essencialmente como se ocupa das coisas. Devido a
essa dupla essencialidade cai numa perplexidade; sem saber se o que é para o
conhecer essencial e necessário, o seja também na coisa.

De um lado, os sinais característicos devem servir só ao conhecer, para


distinguir, por meio deles, as coisas umas das outras. Mas, de outro lado, o que
deve ser conhecido não é o inessencial das coisas, mas aquilo através do qual as
próprias coisas se arrancam da continuidade universal do ser em geral, se
separam do Outro e são para si. Os sinais característicos não devem só ter uma
relação essencial com o conhecer, mas também devem ser as determinidades
essenciais das coisas: o sistema artificial deve ser conforme ao sistema da
própria natureza, e exprimir unicamente esse sistema.

Isso se segue necessariamente do conceito da razão. O instinto da razão - pois a


razão só procede como instinto nesse observar - atingiu em seus sistemas essa
unidade na qual os próprios objetos da razão são de tal modo constituídos que tem
neles uma essencialidade, ou um ser para si; e não são apenas o acidente deste
momento ou deste lugar. Por exemplo, os sinais-distintivos dos animais são tirados
das unhas e dos dentes; pois, de fato, não é só o conhecimento que distingue por
meio disso um animal do outro, mas por meio deles o animal mesmo se separa, e
com tais armas se mantém para si e separado do universal. A planta, ao
contrário, não chega ao ser para si, mas apenas toca os limites da individualidade.
Nesses limites, onde se mostra a aparência da divisão em sexos, as plantas foram
estudadas e distinguidas umas das outras.

Entretanto, o que se situa num nível inferior já não pode distinguir-se do outro,
mas se perde quando entra em oposição. O ser em repouso e o ser em relação
entram em conflito mútuo: a coisa é no primeiro caso algo diverso do que é no
segundo; enquanto o indivíduo consiste em manter-se em sua relação para com o
outro. Mas o que não é capaz disso, e quimicamente se torna outro do que é
empiricamente, confunde o conhecer, e o conduz ao mesmo conflito, hesitando
se deve manter-se em um lado, ou em outro, já que a própria coisa não é algo
que permanece igual; e os seus lados incidem um fora do outro.

Em tais sistemas do universal Que permanece igual a si, esse tem a significação
do que permanece igual a si tanto do conhecimento, quanto das próprias coisas.
Porém nessa expansão das determinidades que permanecem iguais, cada uma
delas descreve tranquilamente a sequência de seu processo, e toma espaço para
comportar-se a seu modo. Por sua vez, passa essencialmente a seu contrário, na
confusão daquelas determinidades, pois o sinal-característico - a determinidade
universal - é a unidade dos opostos: do que é determinado, e do que é em si
universal; unidade que deve, portanto, decompor-se em tal oposição.

Se agora, por um lado, a determinidade triunfa sobre o universal no qual tem sua
essência, por outro, o universal conserva também o seu domínio sobre ela; leva a
determinidade a seus limites, e ali mistura suas diferenças e essencialidades. O
observar que as mantinha ordenadamente separadas, e acreditava ter nelas algo
de fixo, vê que sobre um princípio cavalgam os outros; que se formam transições
e confusões; que está unido o que de início tinha por simplesmente separado, e
separado o que julgava unido.

Portanto, justamente aqui, quando se trata de conhecer os sinais característicos


em suas determinações mais gerais, por exemplo, o animal, a planta, esse
manter-se firme no ser em repouso, que permanece igual a si mesmo, vê-se
atormentado por instâncias que lhe tiram qualquer determinação, reduzindo ao
silêncio a universalidade a que se tinha elevado, e reconduzindo a uma
observação e uma descrição carentes de pensamento.

Assim, esse observar que se restringe ao simples - ou que delimita a dispersão


sensível mediante o universal - encontra em seu objeto a confusão de seu
princípio; já que o determinado deve, por sua natureza, perder-se no seu
contrário. Por isso a razão deve, antes, abandonar a determinidade inerte que
tinha o semblante do permanecer, pela observação da mesma tal como é em
verdade, a saber: como um referir-se ao seu contrário.

O que se chama "sinais-característicos essenciais" são determinidades em


repouso: quando apreendidas e expressas assim, como simples, não apresentam o
que constitui sua natureza, que é a de serem momentos evanescentes do
movimento que se redobra sobre si mesmo.

Agora, quando o instinto da razão chega à determinidade conforme sua natureza,


que consiste essencialmente em não ser para si, mas em passar ao seu oposto,
então vai em busca da lei e do seu conceito: procura-os, de certo, como
efetividade essente. No entanto, essa determinidade desvanecerá, de fato, para o
instinto de razão; e os lados da lei se tornarão puros momentos ou abstrações, de
tal modo que a lei virá à luz na natureza do conceito, que tinha destruído em si o
subsistir indiferente da efetividade sensível.

Para a consciência observadora a verdade da lei não está em si e para si mesma;


está na experiência, como no modo em que o ser sensível é para ela.

Mas se a lei não tem sua verdade no conceito, então é algo contingente, não uma
necessidade; ou, de fato, não é uma lei.

No entanto, que a lei seja essencialmente como conceito, isso não só não
contraria a que esteja presente para a observação, senão que é antes por isso que
tem um ser-aí necessário, e é objeto para a observação.

O universal, no sentido da universalidade de razão, é também universal no sentido


que o conceito tem nele: o de apresentar-se para a consciência como o presente
e o efetivo. Ou seja: apresenta-se o conceito no modo da coisidade e do ser
sensível - porém sem perder com isso sua natureza, e sem ter sucumbido no
subsistir inerte ou na sucessão indiferente. O que é universalmente válido,
também vigora universalmente. O que deve-ser, também é, de fato. O que
apenas deve ser, sem ser, não tem verdade nenhuma.

Portanto, o instinto da razão, por sua parte, se mantém com bom direito firme
neste ponto; e não se deixa induzir em erro por esses entes de razão que somente
devem ser, e que devem ter verdade como deve-ser - muito embora não sejam
encontrados em nenhuma experiência. Não se deixa induzir em erro nem pelas
hipóteses nem tampouco por todas as outras "invisibilidades" de um perene
dever-ser. Com efeito, a razão é justamente essa certeza de possuir a realidade, e
o que não é para a consciência como uma "autoessência", isto é, o que não se
manifesta, para ela é absolutamente nada.

Para essa consciência que fica no observar, torna-se de novo uma oposição ao
conceito e ao universal em si o fato de que a verdade da lei é essencialmente
realidade; ou seja, uma coisa tal como é sua lei, não é para a consciência uma
essência da razão. A consciência acredita que obtém nisso algo estranho. Mas
contradiz essa sua opinião no próprio fato de não tomar, ela mesma, sua
universalidade no sentido de que todas as coisas sensíveis singulares deveriam
ter-lhe mostrado a manifestação da lei para poder afirmar a verdade dela. A
consciência não exige que se faça a prova com todas as pedras para afirmar que
as pedras, ao serem levantadas da terra e soltas, caem. Talvez diga que, pelo
menos, se deve ter experimentado com um bom número de pedras, e então se
poderá concluir quanto às restantes por analogia, com a maior probabilidade, ou
com pleno direito. Só que a analogia não dá nenhum pleno direito; mas ainda por
sua própria natureza se contradiz com tanta frequência que pela analogia mesma
se há de concluir que a analogia não permite fazer conclusão nenhuma.

A probabilidade a que se reduziria o resultado da analogia perde, com referência


à verdade, qualquer diferença de probabilidade maior ou menor; pode ser grande
quanto quiser: não é nada em confronto com a verdade. Mas o instinto da razão
aceita, de fato, tais leis como verdade e só é levado a fazer essa distinção em
relação à sua necessidade, que ele não conhece. Mas então rebaixa a verdade da
Coisa mesma à probabilidade, para designar o modo imperfeito como a verdade
está presente para a consciência que ainda não alcançou a intelecção no puro
conceito; pois a universalidade só está presente como simples universalidade
imediata.

Mas, ao mesmo tempo, em razão dessa universalidade, a lei tem verdade para a
consciência. Para ela, é verdadeiro que a pedra cai porque para ela a pedra é
pesada; quer dizer, porque no peso, a pedra em si e para si mesma, tem uma
relação essencial com a terra - a relação que se exprime como queda. A
consciência tem assim na experiência o ser da lei, mas tem igualmente a lei
como conceito; e é somente por motivo das duas circunstâncias conjuntamente
que a lei é verdadeira para a consciência: vale como lei para ela porque se
apresenta no fenômeno, e porque ao mesmo tempo é, em si mesma, conceito.

Porque a lei é ao mesmo tempo, em si, conceito, o instinto da razão


necessariamente, mas sem saber que é isso que quer, procede a purificar, em
direção ao conceito, a lei e seus momentos. Organiza experimentos a respeito da
lei. A lei, logo que aparece, apresenta-se impura, envolta no ser sensível singular;
e o conceito, que constitui a natureza da lei, submerso na matéria empírica. O
instinto da razão em seus experimentos trata de descobrir o que ocorre em tais ou
tais circunstâncias. Parece assim a lei ainda mais imersa no ser sensível; mas
pelo contrário, o ser sensível é que se perde nesse processo.

Esse experimento tem a significação intrínseca de encontrar as condições puras


da lei; e isto não quer dizer outra coisa - embora a consciência, que assim se
exprime, acredite estar dizendo algo diverso - a não ser elevar a lei plenamente à
forma do conceito, e eliminar toda a aderência de seus momentos ao ser
determinado. Por exemplo: inicialmente, a eletricidade negativa se deu a
conhecer como eletricidade da resina e a eletricidade positiva, como eletricidade
do vidro. Mediante experimentos, perdem de todo essa significação e se tornam
puramente eletricidade positiva e negativa: cada uma delas já não pertence a
uma espécie particular de coisas. Assim deixa de se poder dizer que há corpos
eletricamente positivos e corpos eletricamente negativos. Também a relação
entre ácido e base, e seu movimento recíproco, constituem uma lei em que essas
oposições se manifestam como corpos.

No entanto, essas coisas separadas não têm efetividade nenhuma; a força, que as
destaca uma da outra, não pode impedi-las de confluir novamente em um só
processo, já que são apenas essa relação. Não podem, como um dente ou uma
garra, permanecer para si e assim serem mostradas. Sua essência consiste em
passarem imediatamente a um produto neutro, o que faz de seu ser um
suprassumido em si ou um universal. O ácido e a base têm a sua verdade
unicamente enquanto universais. Como o vidro e a resina podem ser
eletricamente tanto positivos quanto negativos, o ácido e a base também não
estão ligados, como propriedades, a esta ou aquela efetividade, mas cada coisa é
relativamente ácida ou alcalina. O que parece ser decididamente ácido ou base
recebeu uma significação oposta em relação a outra coisa nas assim chamadas
"sintomatias".

O resultado dos experimentos suprassumem, desse modo, os momentos ou


princípios ativos como propriedades das coisas determinadas, e liberta os
predicados de seus sujeitos; esses predicados vêm a ser encontrados, tais como
em verdade são, só enquanto universais. Em virtude dessa independência
recebem pois o nome de "matérias", que não são nem corpos nem propriedades,
e que de fato se evita chamar corpos - oxigênio etc., eletricidade positiva e
negativa, calor etc.

A "matéria", ao contrário, não é uma coisa essente, mas é o ser como universal,
ou seja, o ser no modo do conceito. A razão que ainda é instinto estabelece essa
diferença correta sem ter consciência de que, por experimentar a lei em todo o
ser sensível, suprassume justo por isso o ser somente sensível da lei; nem de que
ao compreender os momentos da lei como "matérias", sua essencial idade
tornou-se então um universal, e nessa expressão é enunciada como um Sensível
não sensível, como um ser incorpóreo e ainda assim objetivo.

É preciso ver agora que rumo toma, para o instinto da razão, seu resultado; e qual
é a nova figura de seu observar que surge assim. Nós vemos, como verdade
dessa consciência experimentadora, a lei pura que se liberta do ser sensível;
vemo-la como conceito que está presente no ser sensível e no entanto nele se
move independente e solto; nele submerso, mas livre dele, e é conceito simples.

O que é em verdade resultado e essência, surge agora para essa consciência


mesma, mas como objeto. Na verdade, surge como uma espécie particular de
objeto, enquanto justamente para a consciência esse objeto não é resultado, e
não tem relação com o movimento precedente; e a relação da consciência para
com ele surge como outro tipo de observar.

Um objeto tal, que tem em si o processo na simplicidade do conceito, é o


orgânico. É ele essa absoluta fluidez em que se dissolve a determinidade através
da qual seria somente para outro. A coisa inorgânica tem a determinidade como
sua essência, e por esse motivo só junto com outra coisa constitui a plenitude dos
momentos do conceito; e portanto se perde ao entrar em movimento. Ao
contrário, na essência orgânica todas as determinidades, mediante as quais está
aberta para outro, estão reunidas sob a unidade orgânica simples. Nenhuma
delas, que se relacione livremente com outro, emerge como essencial; e por isso
em sua relação mesma, o orgânico se conserva.

Neste ponto, o instinto da razão se aplica à observação dos lados da lei, que são
em primeiro lugar, como decorre da determinação acima, a natureza orgânica e
a inorgânica em sua relação mútua. A inorgânica é justamente para a orgânica, a
liberdade das determinidades destacadas, que se opõe ao conceito simples da
natureza orgânica. Dissolve-se nessas determinidades a natureza individual que
ao mesmo tempo se separa de sua continuidade e é para si.

Ar, água, terra, zonas e climas são esses elementos universais que constituem a
essência simples indeterminada das individualidades, que nesses elementos estão
igualmente refletidas em si. Nem a individualidade é pura e simplesmente em si
e para si, nem tampouco os elementos. Ao contrário: na liberdade independente,
em que surgem para a observação um frente ao outro, comportam-se ao mesmo
tempo como relações essenciais; porém de tal modo que a independência e a
indiferença recíprocas são o predominante; e que só parcialmente passam para a
abstração.

Portanto, a lei está presente a essa altura como a relação de um elemento com a
formação do orgânico, que uma vez tem diante de si o ser elementar, e outra vez
o representa em sua reflexão orgânica. Aliás, leis como estas: "os animais que
pertencem ao ar têm a natureza de aves, os que pertencem à água, natureza de
peixes; os animais nórdicos são peludos" - são leis que revelam de imediato uma
pobreza que não corresponde à múltipla variedade orgânica. Além do mais, já
que a liberdade orgânica sabe retirar suas formas dessas determinações, e
oferece necessariamente todo o tipo de exceções a tais leis - ou regras, como
quiserem chamá-las -, esse modo de determinar fica tão superficial para os seres
mesmos a que se aplica, que inclusive a expressão de sua necessidade não pode
ser senão superficial, e não leva além da grande influência. Por aí não se sabe
exatamente o que pertence e o que não pertence a tal influência.

Por conseguinte, não se podem chamar leis semelhantes relações entre o


orgânico e os elementos em que vive pois, como já lembramos, por um lado tal
relação não esgota, quanto ao seu conteúdo, todo o âmbito do orgânico; e por
outro lado, os momentos da relação permanecem ainda indiferentes um ao outro,
e não exprimem nenhuma necessidade.

No conceito de ácido está o conceito de base, como no conceito de eletricidade


positiva, o de eletricidade negativa. Mas, embora seja possível justapor o pelo
espesso com as regiões nórdicas, a estrutura dos peixes com a água, a das aves
com o ar, contudo no conceito de região nórdica não está o conceito de pelagem
espessa, no conceito de mar não está o da estrutura dos peixes, e no conceito do
ar, o da estrutura das aves. Em virtude dessa liberdade dos dois termos, um em
relação ao outro, há também animais terrestres que têm os caracteres essenciais
de uma ave, de um peixe etc. A necessidade, porque não pode ser conceituada
como necessidade interior da essência, deixa também de possuir um ser-aí
sensível, e não pode ser mais observada na efetividade, pois migrou para fora
dela. Desse modo não se encontra na própria essência real, mas é o que se
chama relação teleológica; relação, que, sendo extrínseca aos termos
relacionados, é por isso, antes, o contrário de uma lei. É o pensamento totalmente
liberto da natureza necessária, que a abandona e se move para si mesmo, acima
dela.

A relação, acima mencionada, do orgânico com a natureza dos elementos, não


exprime a essência do próprio orgânico, mas ao contrário é no conceito de fim
que ela está contida. De certo, para a consciência observadora, o conceito de fim
não é a essência própria do orgânico, mas lhe recai fora da essência, e assim é
para ela apenas essa relação teleológica exterior. Aliás, o orgânico, como até
aqui foi determinado, é de fato o próprio fim real. Com efeito, por conservar a si
mesmo na relação ao Outro, é justamente essa essência natural, em que a
natureza se reflete no conceito, e em que são recolhidos no Uno momentos que
na necessidade estão postos fora um do outro: uma causa e um efeito, um ativo e
um passivo. Sendo assim, não temos aqui algo que surge somente como resultado
da necessidade; ao contrário: porque o que surgia operou um retorno sobre si
mesmo, o último ou o resultado é igualmente o primeiro: o que inicia o
movimento e o que para si mesmo é o fim que ele torna efetivo. O orgânico não
produz algo, mas somente se conserva; ou seja, o que é produzido, tanto já está
presente, como está sendo produzido.

Deve-se examinar mais de perto essa determinação - como é em si, e como é


para o instinto da razão - para ver como ele aí se acha, mas sem se reconhecer
em seu achado.

O conceito de fim, ao qual se eleva a razão observadora, tanto é para ela


conceito consciente, como está presente enquanto algo efetivo: para ela, não é
uma relação exterior apenas, e sim sua essência. Esse efetivo - que por sua vez é
um fim - refere-se segundo uma finalidade a outra coisa. Isso quer dizer que sua
relação é uma relação contingente - segundo o que os dois são de modo imediato,
pois são ambos independentes e indiferentes em sua relação recíproca. No
entanto, a essência de sua relação é algo outro do que aparenta ser; e seu agir
tem um sentido diverso do que é imediatamente para o perceber sensível.

A necessidade está escondida no que acontece, e só no fim se manifesta; mas de


tal maneira que o fim mostra justamente que essa necessidade era também o
primeiro. O fim, porém, mostra essa prioridade de si mesmo, porque, através da
alteração que o agir operou, nada resultou que já não fosse. Ou seja: se
começamos do primeiro vemos que no fim ou no resultado de seu agir ele
apenas retoma a si mesmo. Portanto, o primeiro se mostra exatamente como
sendo algo tal que tem a si mesmo por seu fim; assim, como primeiro já retomou
a si, ou é em si e para si mesmo. Logo, é a si mesmo que alcança através do
movimento de seu agir; e seu sentimento de si é atingir-se só a si mesmo. Sendo
assim, está sem dúvida presente a diferença entre o que ele é, e o que ele busca.

Mas é só a aparência de uma diferença; por isso é, em si mesmo, conceito.

A consciência de si, no entanto, é constituída de igual maneira: diferencia-se de si


mesma de modo que, ao mesmo tempo, disso não resulta diferença nenhuma.
Não encontra, pois, na observação da natureza orgânica outra coisa que essa
essência: encontra-se como uma coisa, como uma vida; mas ainda faz uma
diferença entre o que ela mesma é, e o que encontra: diferença, porém, que não
é nenhuma.

Como o instinto do animal busca e consome o alimento - mas com isso nada
produz diferente de si - assim também o instinto da razão em seu buscar só a si
mesmo encontra. Termina o animal com o sentimento de si. Ao contrário, o
instinto da razão é, ao mesmo tempo, consciência de si. Entretanto, por ser
instinto apenas, é posto de lado, em contraste com a consciência, e nela tem sua
oposição. Sua satisfação é, pois, cindida por isso: na verdade, encontra-se a si
mesmo - a saber, o fim - e igualmente encontra esse fim como coisa. Mas,
primeiro, o fim recai para ele, fora da coisa que se apresenta como fim. E
depois, esse fim como fim é ao mesmo tempo objetivo - e por conseguinte esse
instinto da razão não recai em si como consciência, mas sim em um outro
entendimento.

Examinando mais de perto, vemos que reside igualmente no conceito da coisa


essa determinação de que ela é fim em si mesma. Com efeito, a coisa se
conserva: isso significa que sua natureza consiste, ao mesmo tempo, em ocultar a
necessidade e em apresentá-la sob a forma de uma relação contingente. É que
sua liberdade, ou seu ser para si, consiste precisamente em comportar-se para
com seu necessário como se ele fosse um indiferente. Desse modo, a coisa se
apresenta como algo cujo conceito incidisse fora do seu ser.

Também a razão necessita contemplar seu conceito como incidindo fora dela -
portanto, como uma coisa; e uma coisa tal que a razão lhe seja indiferente, e por
sua parte seja indiferente à razão e ao seu conceito. Como instinto, a razão ainda
permanece no interior desse ser ou dessa indiferença; e a coisa, que exprime o
conceito, permanece, para o instinto da razão, algo outro que esse conceito, e o
conceito, algo outro que a coisa. Para ele, a coisa orgânica é fim para si mesma,
de tal modo que a necessidade que se apresenta como escondida no seu agir -
enquanto o agente no agir se comporta como um essente para si diferente -
incide fora do próprio orgânico.

Mas o orgânico, como fim em si mesmo, só pode comportar-se enquanto tal, e


não de outra maneira: por isso o fato de ser fim em si mesmo se manifesta e tem
presença sensível, e assim vem a ser observado. O orgânico se mostra como algo
que se conserva a si mesmo, e que retoma - e já retomou - a si. Mas nesse ser, a
consciência observadora não reconhece o conceito de fim, ou não reconhece que
o fim existe exatamente aqui, e como uma coisa; e não alhures em algum
intelecto. Estabelece, entre o conceito de fim e entre o ser para si e conservar-se
a si mesmo, uma diferença que não é nenhuma. Mas que não seja uma
diferença, isso não é para a consciência: o que é para ela, é um agir que aparece
como contingente e indiferente ao que se produz por meio dele; e que, no entanto,
é a unidade que reúne os dois momentos - aquele agir e esse fim - que, para essa
consciência, recaem fora um do outro.

Nessa visão, o que cabe ao orgânico mesmo é o agir, que permeia entre seu
primeiro e seu último momento, enquanto esse agir tem nele o caráter da
singularidade. Mas o agir, enquanto tem o caráter da universalidade, não
compete ao orgânico - esse agir em que o próprio agente é posto como igual ao
que é produzido por ele, ou o agir enquanto conforme a um fim como tal.

Aquele agir singular, que é somente meio, passa através de sua singularidade à
determinação de uma necessidade totalmente singular e contingente. Portanto,
segundo esse conteúdo imediato, é totalmente sem lei o que o orgânico faz para a
conservação de si mesmo como indivíduo - ou como gênero -, já que o universal
e o conceito incidem fora dele. Seria, pois, o seu agir uma operosidade vazia,
sem conteúdo nela mesma; não seria sequer a operosidade de uma máquina, pois
essa tem um fim, e sua operosidade tem, por isso, um conteúdo determinado.
Abandonado assim pelo universal, seria apenas atividade de um essente como
essente; quer dizer, atividade que ao mesmo tempo não reflete sobre si - como a
de um ácido ou de uma base. Seria uma operosidade não destacável de seu ser-aí
imediato, inclusive do ser-aí que se perde na relação a seu oposto, mas que
poderia suster-se.

Porém o ser, cuja operosidade aqui se examina, é posto como uma coisa que se
conserva em sua relação com O seu oposto. A atividade, como tal, é apenas a
pura forma, carente de essência de seu ser para si, Não incide fora dela sua
substância, que não é o ser simplesmente determinado, mas o universal: ou seja,
o seu fim.

É a atividade que em si mesma retoma a si, sem ser a si mesma reconduzida por
qualquer coisa de estranho.

Mas, por isso, essa unidade da universalidade e da atividade não é para essa
consciência observadora; com efeito, tal unidade é essencialmente o movimento
interior do orgânico e só pode ser captada como conceito. Ora, o observar
procura os momentos na forma do ser e do permanecer; e como a totalidade
orgânica consiste essencialmente em que nela não estão contidos nem podem ser
encontrados os momentos, a consciência transforma a oposição numa que seja
conforme a seu modo de ver.

A essência orgânica, dessa maneira, surge para a consciência como um


relacionamento de dois momentos fixos e essentes - uma oposição cujos dois
lados aparentam, de uma parte, ser dados à consciência na observação, mas de
outra parte exprimem, por seu conteúdo, a oposição entre o conceito orgânico de
fim e a efetividade. Mas, sendo aqui abolido o conceito como tal, tudo isso se
apresenta de maneira obscura e superficial, onde o pensamento sucumbe na
representação. Vemos assim que ao falar de interior o que se visa é mais ou
menos o primeiro momento, e ao falar de exterior, o segundo: Seu
relacionamento produz a lei de que o exterior é a expressão do interior.

Examinando melhor esse interior com seu oposto e seu relacionamento mútuo,
ressalta em primeiro lugar que os dois lados da lei já não soam como nas leis
anteriores, em que cada um deles aparecia como um corpo particular - como se
fossem coisas independentes. Em segundo lugar, já não supõem que o universal
deva ter sua existência em algum lugar fora do essente. Ao contrário: em geral, a
essência orgânica é indivisamente posta no fundamento como conteúdo do
interior e do exterior, e é a mesma para os dois. Por isso ainda, a oposição é só
puramente formal e seus lados reais têm, por sua essência, o mesmo em si; mas
ao mesmo tempo parecem ter, para o observar, um conteúdo peculiar, enquanto
o interior e o exterior são realidades opostas, e cada um deles, um ser distinto
para o observar. Contudo, esse conteúdo peculiar, por ser a mesma substância e a
mesma unidade orgânica, de fato pode ser apenas uma forma diferente dela.
Ora, é isso que é significado pela consciência observadora quando diz que o
exterior é somente a expressão do interior.

No conceito de fim, vimos essas mesmas determinações da relação, isto é, a


independência indiferente dos diferentes; e nessa independência, sua unidade em
que desvanecem.

Veremos agora que figura tem em seu ser o interior e exterior. O interior como
tal deve também ter um ser exterior e uma figura, assim como o exterior
enquanto tal - porque é objeto, ou seja, é também posto como essente, e como
presente para a observação.

A substância orgânica, como substância interior, é a alma simples, o puro


conceito de fim ou o universal que em sua divisão permanece igualmente fluidez
universal, e por isso se manifesta em seu ser como o agir ou o movimento da
efetividade evanescente. Ao contrário, o exterior, oposto a esse interior essente,
subsiste no ser inerte do orgânico. A lei, como relação desse interior com esse
exterior, exprime assim seu conteúdo, uma vez na apresentação dos momentos
universais ou essencialidades simples, e outra vez na apresentação da
essencialidade efetiva, ou da figura.

Aquelas primeiras propriedades orgânicas simples - para assim chamá-las - são


sensibilidade, irritabilidade e reprodução. Essas propriedades - pelo menos as
duas primeiras - parecem de certo não referir-se ao organismo em geral, mas só
ao organismo animal. O organismo vegetal só exprime, de fato, o conceito
simples do organismo que não desenvolve seus momentos. Por isso, considerando
esses organismos enquanto devem ser para a observação, devemos nos ater ao
organismo que representa o ser-aí desenvolvido desses momentos.

Agora, no que diz respeito a esses momentos, eles resultam imediatamente do


conceito do fim em si mesmo. Com efeito, a sensibilidade exprime, em geral, o
conceito simples da reflexão orgânica em si, ou a fluidez universal do conceito;
mas a irritabilidade exprime a elasticidade orgânica, a capacidade de se
comportar como reagente, ao mesmo tempo, na reflexão; e exprime a
efetivação, oposta ao primeiro ser dentro de si inerte. Nessa efetivação, aquele
ser para si abstrato é um ser para outro. Por sua vez, a reprodução é a ação desse
organismo total refletindo sobre si mesmo; é a sua atividade como fim em si ou
como gênero; atividade, pois, em que o indivíduo de si mesmo se expulsa, e
engendrando repete ou suas partes orgânicas, ou o indivíduo completo.

A reprodução, tomada no sentido de autoconservação em geral, exprime o


conceito formal do orgânico ou a sensibilidade. Porém ela é propriamente o
conceito orgânico real, ou o todo que sobre si retoma - ou como indivíduo pela
produção das partes singulares dele mesmo, ou como gênero, pela produção de
indivíduos.

A outra significação desses elementos orgânicos, enquanto são tomados como o


exterior, é sua maneira figurada: sob essa forma estão presentes como partes
efetivas mas também, ao mesmo tempo, como partes universais ou como
sistemas orgânicos. A sensibilidade, digamos, como sistema nervoso, a
irritabilidade como sistema muscular, a reprodução como sistema visceral da
conservação do indivíduo ou do gênero.

As leis peculiares do orgânico dizem respeito, portanto, a uma relação dos


momentos orgânicos em sua dupla significação: a de serem ora uma parte da
figuração orgânica, ora uma determinação fluida universal que pervade todos
aqueles sistemas. Na expressão de tal lei, por exemplo uma sensibilidade
determinada, como momento do organismo total, teria sua expressão num
sistema nervoso de constituição determinada; ou ainda, estaria unida a uma
reprodução determinada das partes orgânicas do indivíduo, ou a propagação do
todo etc.

Os dois lados de tal lei podem ser observados. O exterior, segundo o seu conceito,
é o ser para outro; a sensibilidade, por exemplo, tem no sistema sensitivo seu
modo imediatamente efetivado; e como propriedade universal é, nas suas
exteriorizações, também algo objetivo. O lado que se chama interior tem seu
próprio exterior que é distinto do que se chama exterior no todo.

Podem-se observar, de certo, os dois lados de uma lei orgânica, mas não as leis
segundo as quais se relacionam. A observação não alcança essas leis, não porque
como observação tenha vista demasiado curta, ou porque não deva proceder
empiricamente, e sim partir da ideia: tais leis, com efeito, se fossem algo real,
deveriam ser efetivamente presentes e, portanto, observáveis. Porém a
observação não as alcança porque o pensamento de leis dessa espécie se
demonstra não ter verdade nenhuma.

Assim, resulta ser uma lei a relação segundo a qual a propriedade orgânica
universal, em um sistema orgânico, se transforma em coisa, e nela tem sua
marca configurada, de modo que as duas sejam a mesma essência: num caso,
presente como momento universal; no outro, como coisa. Mas além disso, o lado
do interior é também, por si, uma relação de muitos lados; e assim se apresenta,
à primeira vista, o pensamento de uma lei como relação das atividades ou
propriedades orgânicas universais, umas com as outras. Se tal lei é possível, isso
deve-se decidir conforme a natureza de uma tal propriedade. Ora, uma
propriedade, enquanto é uma fluidez universal, por um lado não é algo
delimitado, à maneira de uma coisa, que se mantenha na diferença de um ser-aí,
o qual devesse constituir sua figura. Ao contrário: a sensibilidade ultrapassa o
sistema nervoso, e pervade todos os outros sistemas do organismo. Por outra
parte, essa propriedade é momento universal, que é essencialmente inseparado e
inseparável da reação ou irritabilidade, e da reprodução. Com efeito, como
reflexão em si, a sensibilidade já tem, simplesmente, a reação nela.

O ser-refletido-em si somente é passividade, ou ser morto, e não sensibilidade;


mas sem o ser-refletido-em si, tampouco a ação - que é o mesmo que a reação -
é irritabilidade. A reflexão na ação, ou na reação; e a ação e a reação na
reflexão - é isso justamente cuja unidade constitui o orgânico: uma unidade que
tem uma mesma significação que a reprodução orgânica. Segue-se daí que em
cada modo da efetividade deve estar presente o mesmo grau de sensibilidade e
de irritabilidade - enquanto consideramos primeiro a relação mútua entre a
sensibilidade e a irritabilidade. Segue-se também que um fenômeno orgânico
pode ser igualmente bem apreendido e determinado - ou, se preferem, explicado
- tanto segundo uma como segundo a outra. O mesmo que para alguém é
sensibilidade elevada, para outro pode ser irritabilidade elevada e irritabilidade do
mesmo grau. Dando-lhes o nome de fatores - e isso não deve ser uma palavra
carente de sentido - há de se entender, por tal expressão, que são momentos do
conceito, e portanto que o objeto real cuja essência esse conceito constitui, os
contém de igual maneira. Se esse objeto, conforme um fator, for determinado
como muito sensível, deve-se enunciar, segundo o outro fator, como igualmente
irritável.

Se, como necessário, se distinguem as propriedades orgânicas então são distintas


segundo o conceito, e sua oposição é qualitativa. Mas quando, além dessa
verdadeira distinção, elas se manifestam numa diversidade quantitativa, também
são postas como diversas enquanto essentes e para a representação, de modo que
possam formar os lados da lei.

Sua posição qualitativa peculiar se torna uma oposição de grandeza, e então


surgem leis desta espécie: "a sensibilidade e a irritabilidade variam na razão
inversa de sua grandeza, de forma que quando uma cresce, a outra diminui".
Para dizer melhor, tomando diretamente a grandeza por conteúdo, "a grandeza
de uma coisa aumenta, quando sua pequenez diminui".

Mas se um conteúdo determinado for dado a essa lei, algo como "a grandeza de
um buraco aumenta à medida que diminui o material que o enche", então essa
razão inversa pode ser transformada numa direta e exprimir-se assim: "a
grandeza do buraco aumenta na razão direta do material retirado". Uma
proposição tautológica; seja expressa como razão direta ou inversa, e que em sua
expressão peculiar só quer dizer que "uma grandeza aumenta quando essa
grandeza aumenta". O buraco e o material que o enche e é jogado fora são
qualitativamente opostos, enquanto o real deles e sua grandeza determinada são,
em ambos, uma só e a mesma coisa, de forma que sua oposição vazia de sentido
vem a dar numa tautologia,

Do mesmo modo, os momentos orgânicos são igualmente inseparáveis em seu


real, e em sua grandeza - que é a grandeza desse real. Um momento só com o
outro diminui, e só com ele aumenta, porque um só tem pura e simplesmente
significação na medida em que o outro está presente. Ou melhor: é indiferente
considerar um fenômeno orgânico como irritabilidade ou como sensibilidade; é
indiferente em geral, mas também falando de sua grandeza. Também é
indiferente exprimir o aumento de um buraco como seu aumento enquanto vazio,
ou como aumento do material retirado para fora. Assim também, um número,
por exemplo o 3, tem igual grandeza, quer seja designado como positivo ou como
negativo. E se for aumentado de 3 para 4, então o positivo como o negativo se
torna 4. Igualmente, num ímã o polo sul tem exatamente a mesma força que o
polo norte; e uma eletricidade positiva, a mesma força que a negativa; ou o
ácido, que é a base sobre a qual reage.

Ora, um ser-aí orgânico é também uma grandeza - como esse 3, ou um ímã, etc.
É esse ser-aí que é aumentado e diminuído. Quando é aumentado, aumentam
seus dois fatores; como sucede com os dois polos do ímã, ou com as duas
eletricidades, se um ímã etc. for reforçado. Os dois fatores tampouco podem ser
diversos em intensidade e em extensão, de forma que um não possa diminuir em
extensão, aumentando em intensidade, enquanto o outro, ao contrário, diminuísse
em intensidade mas aumentasse em extensão. Isso cai no mesmo conceito de
oposição vazia: a intensidade real é também pura e simplesmente tão grande
quanto a extensão e vice-versa.

Como é claro, nesse modo de legislar sucede exatamente o seguinte: primeiro, a


irritabilidade e a sensibilidade constituem a oposição determinada. Mas esse
conteúdo se perde, e a oposição se extravia na oposição formal do aumento e da
diminuição da grandeza, ou na oposição da intensidade e extensão diversas. Tal
oposição não tem mais nada a ver com a natureza da sensibilidade e da
irritabilidade, e não mais a exprime. Por isso, semelhante jogo vazio - o do
legislar - não está ligado aos momentos orgânicos, mas pode ser aplicado a tudo
em toda a parte; e em geral se baseia na ignorância quanto à natureza lógica
dessas oposições.

Finalmente, considerando em vez de sensibilidade e irritabilidade, a reprodução


referindo-a a um ou outro desses momentos, deixa de haver, sequer, ocasião
para esse legislar. Com efeito, a reprodução não está em oposição a esses
momentos, como eles estão um com o outro. Ora, como esse legislar repousa em
tal oposição, aqui falta assim até mesmo a aparência de sua ocorrência.

Esse legislar acima examinado contém as diferenças do organismo na sua


significação de momentos de seu conceito; e deveria ser, estritamente falando,
um legislar a priori. Porém nele está essencialmente contido este pensamento de
que as diferenças têm a significação de coisas presentes; e de que a consciência
simplesmente observadora deve ater-se, sem mais, ao ser-aí desses dados. A
efetividade orgânica tem em si, necessariamente, uma oposição tal como seu
conceito a exprime. Pode ser determinada como oposição entre irritabilidade e
sensibilidade; do mesmo modo, os dois conceitos, por sua vez, aparecem distintos
do da reprodução.

A exterioridade, na qual são considerados aqui os momentos do conceito


orgânico, é a exterioridade imediata, própria do interior; não o exterior que é o
exterior no todo, e é figura. A seguir, vamos tratar do interior com referência a
esse exterior.

Mas entendendo a oposição dos momentos como é no ser-aí, a sensibilidade, a


irritabilidade e a reprodução se degradam em propriedades ordinárias, que são
universalidades tão indiferentes umas às outras como peso específico, cor, dureza
etc. Nesse sentido, é claro, pode-se observar que um ser orgânico é mais
sensível, mais irritável, ou tem maior força-reprodutiva que outro. Pode-se
observar que a sensibilidade etc. de uma espécie é diferente da de outra; que
frente a estímulos determinados um se comporta diversamente do outro, como o
cavalo diante da aveia ou do feno, e o cão diante dos dois etc. pode ser observado
que um corpo é mais duro que outro, e assim por diante.

No entanto, quando correlacionadas e comparadas umas às outras, tais


propriedades sensíveis - dureza, cor, e outras que tais - contradizem
essencialmente uma conformidade à lei. O mesmo sucede com os fenômenos da
receptividade a um estímulo, por exemplo, à aveia; da irritabilidade a certos
pesos; e da disposição a gerar certa qualidade e quantidade de filhotes. Com
efeito, a determinidade de seu ser sensível consiste justamente em existirem
totalmente indiferentes uns em relação aos outros; em representarem a liberdade
da natureza emancipada do conceito, de preferência à unidade de um
relacionamento, o jogo irracional e oscilante entre os momentos do conceito na
escala da grandeza contingente, de preferência a representar esses momentos
mesmos.

O outro lado, segundo o qual os momentos simples do conceito orgânico são


comparados com os momentos da configuração, daria a lei propriamente dita.
Essa expressaria o exterior verdadeiro como vestígio do interior. Ora, aqueles
momentos simples, por serem propriedades fluidas que se interpenetram, não
têm na coisa orgânica tal expressão real isolada, como o que se chama sistema
singular da figura. Ou seja: a ideia abstrata do organismo só se expressa
verdadeiramente naqueles três momentos por não serem nada de estável, mas
apenas momentos do conceito e do movimento; o organismo, ao contrário, como
configuração, não se capta nesses três sistemas determinados, tais como a
anatomia os dissocia. À medida que tais sistemas devem ser encontrados em sua
efetividade e legitimados pelo fato de serem encontrados, também é preciso
lembrar que a anatomia não mostra somente três sistemas desse tipo e sim
muitos mais. Aliás, mesmo abstraindo disso, o sistema sensitivo, em geral, tem de
significar algo completamente distinto daquilo que se chama sistema nervoso; o
sistema irritável, algo distinto o sistema muscular; ou o sistema reprodutivo, algo
distinto dos órgãos de reprodução.

Nos sistemas da figura, como tal, apreende-se o organismo segundo o aspecto


abstrato da existência morta; seus momentos assim captados pertencem à
anatomia e ao cadáver, não ao conhecimento e ao organismo vivo. Como partes
mortas, esses momentos já deixaram de ser, pois deixam de ser processos. Pois o
ser do organismo é essencialmente universalidade ou reflexão sobre si mesmo;
por isso o ser de sua totalidade - como o de seus momentos - não pode subsistir
em um sistema anatômico, mas antes, a expressão efetiva e sua exterioridade só
estão presentes como um movimento que discorre através das distintas partes da
configuração. Nesse movimento, o que se destaca e se fixa como sistema
singular apresenta-se essencialmente como momento fluido, de tal modo que
essa efetividade, tal como a anatomia encontra, não pode valer como sua
realidade mas apenas como processo. Somente nesse processo as partes
anatômicas têm também um sentido.

Segue-se assim que nem os momentos do interior orgânico, tomados por si


mesmos, são capazes de fornecer os lados de uma lei do ser; pois numa tal lei,
sendo predicados de um ser-aí, seriam diferentes um do outro; e um não poderia
enunciar-se de igual maneira, em lugar do outro. Segue-se também que esses
momentos, postos em um lado, não teriam no outro sua realização num sistema
fixo. Com efeito, em geral tal sistema está longe de encerrar uma verdade
orgânica e também de ser a expressão daqueles momentos do interior.

O essencial do orgânico - posto que em si é o universal - antes consiste (em


geral) em ter seus momentos na efetividade de modo igualmente universal, quer
dizer, como processos que se desenrolam; mas não em oferecer a imagem do
universal numa coisa isolada.

Dessa maneira, perde-se no orgânico a representação de uma lei, em geral. A lei


quer apreender e exprimir a oposição como lados inertes - e, neles, a
determinidade, que é sua relação recíproca. O interior, a que pertence a
universalidade aparente fenomenal, e o exterior, a que pertencem as partes da
figura inerte, deveriam constituir os lados da lei, em relação recíproca; porém ao
serem mantidos assim separados um do outro, perdem sua significação orgânica.
A representação da lei tem justamente por base que seus dois lados possuam uma
subsistência indiferente, para si essente; e que a relação entre eles se distribua
como uma dupla determinidade correspondente a tal relação. Porém cada lado
do orgânico consiste, antes, nisto: em ser, em si mesmo, universalidade simples
na qual se dissolvem todas as determinações; e em ser o movimento dessa
dissolução.

Focalizando a diferença desse modo de formular leis em relação às formas


anteriores, sua natureza será plenamente esclarecida. Com efeito, se
considerarmos retrospectivamente o movimento da percepção e do
entendimento - que nela se reflete em si mesmo e com isso determina seu objeto
- vemos que o entendimento ali não tinha diante de si em seu objeto a relação
entre essas determinações abstratas, do universal e do singular, do essencial e do
exterior. O entendimento é o transitar, para o qual esse transitar não se torna
objetivo. Aqui, ao contrário, a própria unidade orgânica é o objeto, isto é a
unidade que é justamente a relação entre aquelas oposições; relação que é puro
transitar. Esse transitar, na sua simplicidade, é imediatamente universalidade e,
enquanto a universalidade entra na diferença cuja relação a lei deve exprimir,
seus momentos são como objetos universais dessa consciência, e a lei proclama
que o exterior é a expressão do interior. Aqui, o entendimento captou o
pensamento da lei mesma quando antes só buscava, em geral, leis cujos
momentos flutuavam diante dele como um conteúdo determinado, e não como
os pensamentos da lei.

Assim, no que respeita o conteúdo, aqui não se devem manter tais leis que sejam
apenas um acolher estático, na forma do universal, de diferenças puramente
essentes. Ao contrário: só se devem aceitar leis que nessas diferenças tenham
imediatamente também a inquietude do conceito, e portanto, ao mesmo tempo, a
necessidade da relação entre os lados. Ora, o objeto, a unidade orgânica,
combina imediatamente o infinito suprassumir; ou a negação absoluta do ser,
com o ser inerte, e os momentos são essencialmente puro transitar; por esse
motivo, justamente, não se produzem esses lados essentes, como os que são
requeridos pela lei.

Para obter esses lados, o entendimento deve ater-se ao outro momento da


relação orgânica - quer dizer, ao ser-refletido em si mesmo do ser-aí orgânico.
Porém esse ser se encontra tão perfeitamente refletido em si que nenhuma
determinidade lhe resta quanto ao outro. O ser sensível imediato forma uma
unidade imediata com a determinidade como tal, e portanto exprime uma
diferença qualitativa nele: por exemplo, o azul em relação ao vermelho e o ácido
em relação ao alcalino. Mas o ser orgânico, retornado a si mesmo, é de todo
indiferente quanto ao outro: seu ser-aí é a universalidade simples; e recusa, ao
observar, diferenças sensíveis permanentes, ou - o que é o mesmo - só mostra
sua determinidade essencial como mudança das determinidades essentes.

Portanto a diferença, que se exprime como diferença essente, consiste


justamente em ser uma diferença indiferente, isto é, em ser como grandeza.
Porém com isso o conceito é abolido e a necessidade desvanece. Ora, o conteúdo
e a implementação desse ser diferente, a mudança das determinações sensíveis,
reunidas na simplicidade de uma determinação orgânica, exprime ao mesmo
tempo que esse conteúdo não tem precisamente aquela determinidade da
propriedade imediata, e que o qualitativo recai na grandeza apenas, como vimos
mais acima.

O objetivo, apreendido como determinidade orgânica, já tem em si mesmo o


conceito e se distingue do objeto que é para o entendimento, que procede como
puramente perceptivo no apreender do conteúdo de suas leis. Não obstante, é
certo que aquele apreender recai de todo no princípio e na modalidade do
entendimento puramente perceptivo, pois o que é apreendido se utiliza para
constituir momentos de uma lei. Assim recebe o modo de uma determinidade
fixa, a forma de uma propriedade imediata ou de um fenômeno inerte; para ser
finalmente acolhido na determinação da grandeza; e a natureza do conceito é
sufocada. A troca de algo puramente percebido por algo em si refletido, de uma
determinidade meramente sensível por uma determinidade orgânica, perde
assim seu valor; e perde pelo fato de não ter o entendimento suprassumido ainda
o costume de formular leis.

Recorrendo à comparação de alguns exemplos a propósito dessa troca, o que


para a percepção é um animal de músculos robustos, se determina como
organismo animal de irritabilidade elevada. O que para a percepção é um estado
de grande fraqueza, determina-se como estado de grande sensibilidade ou, se
preferem, como uma afecção anormal, e precisamente como uma potenciação
dessa sensibilidade (São expressões que traduzem o sensível não para o conceito,
mas para o latim, e, ainda por cima, para um mau latim). Que o animal tenha
fortes músculos, pode também expressá-lo o entendimento dizendo que possui
uma grande força muscular; do mesmo modo que a grande debilidade pode ser
expressa como uma força pequena. A determinação pela irritabilidade tem sobre
a determinação pela força a vantagem de que essa última exprime a reflexão
indeterminada, e aquela, a reflexão determinada. Com efeito, a força peculiar do
músculo é justamente a irritabilidade. E tem, sobre a determinação "pelos fortes
músculos", a vantagem de conter nela a reflexão sobre si - como já sucedia na
força. Do mesmo modo, a fraqueza ou pouca força, a passividade orgânica, é
expressa determinadamente pela sensibilidade. Mas essa sensibilidade, assim
tomada e fixada para si, e ainda unida à determinação da grandeza, opõe-se com
maior ou menor sensibilidade a uma irritabilidade maior ou menor. Assim porém
cada uma delas sucumbe de todo no elemento sensível, e na forma ordinária de
uma propriedade. Sua relação não é o conceito, mas ao contrário a grandeza na
qual agora recai a oposição, tornando-se uma diferença carente de pensamento.

Sem dúvida, retirando o que há de indeterminado nas expressões de força,


robustez, fraqueza, ainda assim vai surgir agora um volutear igualmente fútil e
indeterminado em torno das oposições de uma maior ou menor sensibilidade e
irritabilidade, em seu crescer e decrescer, conjuntamente ou em direção
oposta.

Como a robustez e a fraqueza são determinações totalmente sensíveis e carentes


de pensamento, também a maior ou menor sensibilidade ou irritabilidade é o
fenômeno sensível apreendido e expresso do mesmo modo carente de
pensamento. O conceito não passou a ocupar o lugar daquelas expressões
carentes de conceito; ao contrário, a robustez e a fraqueza foram preenchidas
mediante uma determinação, que tomada por si só se baseia no conceito e o tem
por conteúdo, mas que perde de toda essa origem e esse caráter.

Assim, por meio da forma da simplicidade e da imediatez em que esse conteúdo


se converte em um lado da lei, e por meio da grandeza, que constitui o elemento
da diferença dessas determinações - a essência, que originariamente é como
conceito e como conceito é posta, mantém o modo da percepção sensível e
permanece tão distante do conhecimento quanto o era na determinação segundo
a robustez ou fraqueza da força, ou segundo as propriedades sensíveis imediatas.

Agora falta ainda considerar o que é o exterior do orgânico somente para si e


como nele se determina a oposição entre seu interior e seu exterior - do mesmo
modo como o interior do todo inicialmente foi considerado na relação com o seu
próprio exterior.

O exterior, considerado para si, é a figuração em geral, o sistema da vida


articulando-se no elemento do ser e essencialmente, ao mesmo tempo, o ser da
essência orgânica para outro: essência objetiva em seu ser para si. Esse Outro se
manifesta primeiro em sua natureza inorgânica externa. Como vimos acima,
considerando os dois termos em ordem a uma lei, a natureza inorgânica não pode
constituir um lado da lei frente à essência orgânica, uma vez que essa última é
pura e simplesmente para si, e se refere à natureza inorgânica de um modo livre
e universal.

No entanto, se a relação dos dois lados for determinada mais precisamente na


figura orgânica, então, essa por um lado está voltada contra a natureza
inorgânica, mas, por outro lado, é para si, e refletida sobre si. A essência orgânica
efetiva é o meio-termo que conclui o ser para si da vida junto com o exterior em
geral, ou o ser em si. Mas o extremo do ser para si é o interior como Uno infinito
que recupera em si os momentos da figura mesma, retirando-os de sua
subsistência e vinculação com o exterior. Esse extremo é o carente de conteúdo,
que se outorga seu conteúdo na figura e que nela aparece como o seu processo.
Nesse extremo, como negatividade simples ou como singularidade pura, o
orgânico tem sua liberdade absoluta, graças à qual é indiferente e garantido ante
o ser para outro, e ante a determinidade dos momentos da figura.

Essa liberdade é, igualmente, liberdade dos momentos mesmos: é sua


possibilidade de se manifestarem e de serem apreendidos como ai essentes. E
como nessa liberdade são livres e indiferentes quanto ao exterior, assim também
o são reciprocamente, porque a simplicidade dessa liberdade é o ser ou sua
substância simples. Esse conceito, ou essa liberdade pura, é uma só e a mesma
vida, embora a figura - ou o ser para outro - possa ainda armar muitos jogos
variados. É indiferente a esse rio da vida que espécie de moinhos ele faz girar.

Antes de tudo, é preciso notar que neste ponto o conceito não deve entender-se
como anteriormente, quando se considerava o interior propriamente dito em sua
forma de processo ou do desenvolvimento de seus momentos. Aqui deve
entender-se em sua forma de interior simples, que constitui o lado puramente
universal, em contraste com a essência viva efetiva, ou como o elemento da
subsistência dos membros essentes da figura; pois é dessa figura que aqui
tratamos, e nela a essência da vida está como a simplicidade da subsistência. E
então, o ser para outro ou a determinidade da figuração efetiva, acolhida nessa
universalidade simples que é sua essência, é também uma determinidade não
sensível simples e universal; que só pode ser a determinidade expressa como
número.

O número é o meio termo da figura que une a vida indeterminada com a vida
efetiva: simples como uma, e determinado como a outra. O que na primeira - no
interior - estaria como número, deveria ser expresso a seu modo pelo exterior,
como efetividade multiforme, gênero de vida, cor etc.; como toda a multidão de
diferenças, em geral, que se desenvolvem no fenômeno.

Comparando os dois lados do todo orgânico - um, o exterior, outro o interior, de


forma que cada qual tenha de novo em si um exterior e um interior - com seu
interior respectivo, vemos que o interior do primeiro era o conceito como
inquietude da abstração; mas que o segundo tem por interior a universalidade
inerte, e nela também a determinidade inerte: o número. Portanto, se o primeiro
lado - já que nele o conceito desenvolve seus momentos - promete leis
ilusoriamente, devido à aparência de necessidade da relação, o segundo lado
renuncia de vez a elas, porque o número se mostra como a determinação de um
lado das suas leis. Pois o número é precisamente a determinidade de todo inerte,
indiferente e morta na qual todo movimento e relacionamento se extinguem; e
que rompeu a ponte que a unia com a vitalidade dos impulsos, com os hábitos,
tipo de vida e com todo o ser-aí sensível.

Porém, de fato, não é mais consideração do orgânico, essa consideração da


figura do orgânico como tal, e do interior como um interior simplesmente da
figura. Porque são postos como indiferentes um ao outro os dois lados que
deveriam referir-se mutuamente; e assim é suprassumida a reflexão sobre si,
que constitui a essência do orgânico. Mas a comparação tentada entre interior e
exterior é antes transferida à natureza inorgânica. O conceito infinito é aqui
somente a essência, escondida no íntimo do ser, ou que incide fora dele, na
consciência de si: não tem mais sua presença objetiva como tinha no orgânico.
Esse relacionamento entre interior e exterior deve ainda ser considerado em sua
esfera peculiar.

Em primeiro lugar, esse interior da figura, como singularidade simples de uma


coisa orgânica, é o peso específico. Pode ser observado como ser simples, como
a determinidade do número - a única de que é capaz; ou então, ser encontrado
propriamente pela comparação das observações: dessa maneira parece fornecer
um dos lados da lei. Figura, cor, dureza, resistência, e uma multidão inúmera de
outras propriedades, formariam, em conjunto, o lado exterior, e teriam de
exprimir a determinidade do interior - o número - de modo que um lado tivesse
sua contrapartida no outro.

Sendo que a negatividade já não é entendida aqui como movimento do processo,


mas como unidade inerte ou ser para si simples, ela antes se manifesta como
aquilo pelo qual a coisa resiste ao processo, e se mantém em si e como
indiferente ao mesmo tempo. Mas, porque esse ser para si simples é uma
indiferença inerte quanto ao outro, o peso específico aparece como uma
propriedade ao lado das outras; com isso cessa todo o seu relacionamento
necessário com essa multiplicidade, ou toda conformidade à lei.

O peso específico, como esse interior simples, não tem a diferença nele mesmo,
ou seja, só tem a diferença inessencial; pois justamente sua simplicidade pura
suprassume toda a diferenciação essencial. Essa diferença inessencial - a
grandeza - deveria ter no outro lado, que é a multiplicidade de propriedades, sua
contrapartida, ou o Outro, porque só assim seria diferença, em geral. Se essa
multiplicidade mesma for reunida na simplicidade da oposição e determinada,
digamos, como coesão - de forma que essa seja o para si no ser Outro, assim
como o peso específico é o puro ser para si -, nesse caso tal coesão é antes de
tudo essa pura determinidade posta no conceito, em contraste com a primeira
determinidade. E a maneira do legislar seria a que acima consideramos, no
relacionamento entre sensibilidade e irritabilidade.

Além disso, a coesão, como conceito do ser para si no ser Outro, é somente a
abstração do lado que está oposto ao do peso específico, e, como tal, não tem
existência nenhuma. Pois o ser para si no ser Outro é o processo em que o
inorgânico teria que exprimir seu ser para si como uma autoconservação, que
aliás o livraria de sair do processo como momento de um produto. Só que isso é
precisamente contra sua natureza, que não tem nela mesma o fim ou a
universalidade. Seu processo é, antes, somente o proceder determinado, o modo
como se suprassume seu ser para si, seu peso específico. Esse proceder
determinado, no qual a coesão subsistiria em seu verdadeiro conceito, e a
grandeza determinada de seu peso específico são conceitos de todo indiferentes
um para com o outro.

Excluindo totalmente de consideração esse tipo de proceder, e restringindo-o à


representação da grandeza, poder-se-ia talvez pensar essa determinação como se
o peso específico maior, enquanto um ser dentro de si mais elevado, resistisse
mais a entrar no processo que o peso específico menor. Mas, ao contrário, a
liberdade do ser para si só se comprova na facilidade de relacionar-se com todas
as coisas e de conservar-se nessa variedade multiforme.

Aquela intensidade sem extensão dos relacionamentos é uma abstração carente


de conteúdo, uma vez que a extensão constitui o ser-aí da intensidade. Mas, como
foi lembrado, a auto conservação do inorgânico em seu relacionamento incide
fora da sua natureza, porque o inorgânico não tem nele mesmo o princípio do
movimento, ou porque seu ser não é a negatividade absoluta, não é conceito.

Ao contrário, tomando esse outro lado do inorgânico não como processo mas
como ser inerte - então é a coesão ordinária, uma propriedade sensível simples.
Ela é posta de um lado, em contraste com o momento do ser Outro, deixado em
liberdade, que se decompõe em múltiplas propriedades, mutuamente
indiferentes, e que entra nelas como o peso específico. A multidão das
propriedades, em conjunto, constitui o outro lado desse. Mas nele, como nos
outros, o número é a única determinidade que não só exprime um
relacionamento e uma passagem dessas propriedades, reciprocamente; senão
que é justamente constituído essencialmente por não ter nenhum relacionamento
necessário, mas por representar a abolição de toda a conformidade à lei: pois o
número é a expressão da determinidade como uma determinidade inessencial.

Sendo assim, uma série de corpos, cuja diferença é expressa como diferença-
numérica de seus pesos específicos, não é em absoluto paralela a uma série que
exprima a diferença de outras propriedades, mesmo se, para facilitar a Coisa
Sache for tomada uma só propriedade ou algumas delas. Pois, de fato, o que
nesse paralelo deveria constituir o outro lado, seria unicamente todo o bloco
dessas propriedades. Para organizá-las entre elas e reuni-las em um todo, de uma
parte estão presentes para a observação as determinidades de grandeza dessas
variegadas propriedades, mas de outra parte suas diferenças entram em jogo
como qualitativas. Ora, o que nesse aglomerado de propriedades deveria ser
designado como positivo ou negativo, e se suprassumiria mutuamente - em geral
a figuração interna, a exposição e a enunciação da fórmula, que seria muito
complexa -, tudo isso pertenceria ao conceito. Mas o conceito é excluído
justamente pela maneira como as propriedades se apresentam e são
apreendidas: como essentes. Nesse ser, nenhuma mostra o caráter de um
negativo com respeito à outra, se não que uma é, nem mais nem menos que a
outra, e não indica aliás sua posição no ordenamento do todo.

Em uma série que procede por diferenças paralelas, a relação poderia entender-
se como crescente dos dois lados, ou como crescente de um lado e decrescente
de outro. Numa tal série, só se trata da última expressão simples desse todo
concentrado que deveria constituir um dos lados da lei frente ao lado do peso
específico. Porém, esse lado, como resultado essente, não é outra coisa que o já
mencionado: uma propriedade singular, como seria a coesão ordinária. Ao lado
dela, indiferentemente, outras estão presentes, inclusive o peso específico.
Qualquer outra propriedade poderia ser escolhida com igual direito, quer dizer,
com igual falta de direito, para representar o outro lado todo. Cada uma delas
representaria a essência, mas não seria a Coisa mesma. Assim, o intento de
encontrar séries de corpos que se organizem segundo esse paralelismo simples de
dois lados, e exprimam a natureza essencial dos corpos segundo uma lei desses
lados, deve ser considerado como um pensamento que desconhece sua tarefa
própria e os meios através dos quais ela deva ser cumprida.

Anteriormente, o relacionamento entre o exterior e o interior na figura que deve


apresentar-se à observação, foi transferido, sem mais, à esfera do inorgânico.
Agora pode-se indicar melhor a determinação que produz essa transferência,
resultando disso ainda outra forma e comportamento dessa relação.

Em geral, falta no orgânico justamente o que no inorgânico parece oferecer a


possibilidade de tal comparação entre o interior e o exterior. O interior inorgânico
é um interior simples, que se oferece à percepção como propriedade essente. A
grandeza é, essencialmente, a determinidade do interior, o qual se manifesta
como propriedade essente, indiferente ao exterior e às outras numerosas
propriedades sensíveis. Porém o ser para si, do Orgânico-vivente, não se
apresenta assim, de um lado, em contraste com seu exterior, mas tem em si
mesmo o princípio do ser Outro.

Determinando o ser para si como relacionamento consigo mesmo, que é simples


e que se conserva, então seu ser Outro será a negatividade simples; e a unidade
orgânica, a unidade do relacionar-se consigo igual a si mesmo, e a negatividade
pura. Essa unidade é, como unidade, o interior do orgânico; por isso ele é em si
universal, ou é gênero. Mas a liberdade do gênero ante sua efetividade é outra
coisa que a liberdade do peso específico ante a sua figura; que é uma liberdade
essente, ou uma liberdade que se põe ao lado como propriedade especial. Mas,
por ser liberdade essente, também é apenas uma determinidade que pertence
essencialmente a essa figura; ou mediante a qual essa figura, como essência, é
algo determinado. A liberdade do gênero, porém, é uma liberdade universal, e
indiferente quanto à sua figura, ou quanto à sua efetividade. A determinidade que
compete ao ser para si do inorgânico, como tal, incide no orgânico sob o seu ser
para si; enquanto no inorgânico, somente sob seu ser. Embora já no inorgânico a
determinidade igualmente esteja só como propriedade, contudo é a ela que
pertence a dignidade da essência; porque, como negativo simples, contrasta com
o ser-aí enquanto ser para outro. Ora, esse negativo simples, em sua última
determinidade singular, é um número.

Ao contrário, o orgânico é uma singularidade que é, por sua vez, negatividade


pura; e que por isso elimina em si a determinidade fixa do número que compete
ao ser indiferente. À medida que o orgânico tem nele o momento do ser
indiferente - inclusive o momento do número -, pode assim o número ser tomado
apenas como um jogo que se faz no orgânico, mas não como a essência de sua
vitalidade.

A pura negatividade, princípio do processo, não recai fora do orgânico: portanto,


esse orgânico não a tem em sua essência como uma determinidade, mas a
própria singularidade do orgânico é, em si, universal. Entretanto, essa
singularidade pura não está no orgânico, desenvolvida e efetiva em seus
momentos, como sendo eles mesmos abstratos ou universais. Ao contrário: essa
expressão passa fora daquela universalidade, que recai na interioridade. Ora, o
universal determinado, a espécie, se insinua entre a efetividade ou a figura - isto
é, a singularidade que se desenvolve - e o universal orgânico, ou o gênero. A
existência, a que chega a negatividade do universal - ou do gênero - é apenas o
movimento desenvolvido de um processo que percorre as partes da figura
essente.

O gênero orgânico seria consciência se nele tivesse suas partes distintas como
simplicidade inerte; e se sua negatividade simples como tal fosse assim ao
mesmo tempo o movimento que percorre as partes também simples e
imediatamente universais em si mesmas - que no caso seriam efetivas como tais
momentos. No entanto, a determinidade simples, como determinidade da
espécie, está presente no gênero orgânico de uma maneira carente de espírito. A
efetividade começa a partir do gênero, ou seja, o que entra na efetividade não é
o gênero como tal, isto é: não é absolutamente o pensamento.

O gênero como orgânico efetivo se faz apenas substituir por um representante.


Mas esse representante, o número, parece indicar a passagem do gênero à
figuração individual, e oferecer à observação os dois lados da necessidade -
entendida ora como determinidade simples, ora como figura desenvolvida até à
multiplicidade. Na verdade, porém, o número antes designa a indiferença e a
liberdade recíprocas do universal e do singular. O singular foi abandonado pelo
gênero a uma diferença carente de essência - a diferença de grandeza; mas o
singular mesmo, enquanto ser vivo, mostra-se também livre dessa diferença. A
universalidade verdadeira, como já foi determinada, é aqui somente a essência
interior; como determinidade da espécie, é a universalidade formal. Em
contraste com ela, coloca-se aquela universalidade verdadeira ao lado da
singularidade, a qual por isso é uma singularidade vivente, que mediante o seu
interior se põe acima de sua determinidade como espécie.

Entretanto, essa singularidade não é, ao mesmo tempo, o indivíduo universal no


qual a universalidade tenha igualmente uma efetividade exterior: o indivíduo
universal incide fora do orgânico-vivente. Porém esse indivíduo universal, tal
como é imediatamente - o indivíduo das figurações naturais -, não é a
consciência mesma. Se tivesse de ser consciência não poderia incidir fora dele
seu ser-aí como indivíduo singular, orgânico, vivente.

Temos pois um silogismo, em que um dos extremos é a vida universal como


universal ou como gênero; o outro extremo, porém, é a mesma vida universal,
mas como singular, ou como indivíduo universal. O meio-termo é composto
pelos dois extremos: um parece insinuar-se no meio-termo como universalidade
determinada ou como espécie; e o segundo, como singularidade propriamente
dita ou como individualidade singular. E porque esse silogismo pertence, em
geral, ao lado da figuração, está compreendido sob ele o que se distingue como
natureza inorgânica.

Agora a vida universal, como essência simples do gênero, desenvolve de seu lado
as diferenças do conceito e deve apresentá-las como uma série de
determinidades simples; por isso essa série é um sistema de diferenças postas
indiferentemente, ou uma série-numérica. Anteriormente, o orgânico foi oposto,
na forma da singularidade, a essa diferença, carente de essência, que não
exprime nem contém a natureza vivente da própria singularidade; e o mesmo
deve ser dito a respeito do inorgânico, segundo o seu ser aí completo,
desenvolvido na multidão de suas propriedades. Mas agora é preciso considerar o
indivíduo universal, não somente como livre de qualquer articulação do gênero,
mas também de sua potência.

O gênero se divide em espécie segundo a determinidade universal do número, ou


também pode tomar por base de sua divisão as determinidades singulares de seu
ser-aí, por exemplo, a figura, a cor etc. Mas nessa calma tarefa, sofre violência
por parte do indivíduo universal - a Terra -, que, como negatividade universal faz
valer, contra o sistematizar do gênero, as diferenças tais como a Terra tem em si,
e cuja natureza, devido à substância a que pertencem, é diferente da natureza do
gênero. Esse agir do gênero torna-se uma tarefa totalmente restringi da, que o
gênero só pode levar adiante dentro do contexto daqueles elementos possantes; e
que, interrompida de todo modo por sua violência sem freio, torna-se cheia de
lacunas e fracassos.

Em consequência disso, no ser-aí figurado, a razão só pode vir a ser para a


observação como vida em geral. Uma vida, porém, que em seu diferenciar não
tem em si efetivamente uma seriação e uma articulação racionais, e não é um
sistema de figuras fundado em si mesmo.

Suponhamos que, no silogismo da figuração orgânica, o meio-termo, em que


recai a espécie, e sua efetividade enquanto individualidade singular, tivesse nele
mesmo os extremos da universalidade interior e da individualidade universal. Se
assim fosse, esse meio-termo teria no movimento de sua efetividade a expressão
e a natureza da universalidade, e seria o desenvolvimento sistematizando-se a si
mesmo.

É desse modo que a consciência, entre o espírito universal e sua singularidade, ou


consciência sensível, tem por meio-termo o sistema das figurações da
consciência, como uma vida do espírito ordenando-se para constituir um todo: é o
sistema considerado nesta obra, e que, como história do mundo, tem seu ser-aí
objetivo. Mas a natureza orgânica não tem história: de seu universal - a vida -
precipita-se imediatamente na singularidade do ser-aí; e os momentos unificados
nessa efetividade - a determinidade simples e a vitalidade singular - produzem o
vir a ser apenas como o movimento contingente, no qual cada um desses
momentos é ativo em sua parte, e no qual o todo é conservado. Porém essa
mobilidade é, para si mesma, limitada somente a seu próprio ponto, porque nele
o todo não está presente; e não está presente porque aqui não está como todo para
si.

Assim, a razão observadora só chega na natureza do orgânico à intuição de si


mesma como vida universal em geral. Além disso, para a própria razão, a
intuição do desenvolvimento e da realização dessa vida só é possível segundo
sistemas diferenciados de uma maneira totalmente universal. A determinação ou
essência desses sistemas não está no orgânico como tal, mas no indivíduo
universal, e, sob essas diferenças vindas da Terra, a intuição do desenvolvimento
e da realização dessa vida torna-se possível somente de acordo com as seriações
que o gênero tenta estabelecer.

A universalidade da vida orgânica em sua efetividade, sem a mediação


verdadeira para si essente, deve portanto precipitar-se imediatamente no
extremo da singularidade; entretanto, a consciência observadora só tem diante de
si, como coisa, o visar da natureza. Embora a razão possa ter um interesse ocioso
em observar esse visar, deve limitar-se ao descrever e ao narrar das intenções e
caprichos da natureza. Essa liberdade, carente de espírito, do visar, na certa vai
oferecer, seja como for, embriões de leis, traços de necessidade, alusões à
ordem e à classificação, relações argutas e aparentes. Mas ao relacionar o
orgânico com as diferenças essentes do inorgânico - elementos, zonas, climas - a
observação, no que respeita à lei e à necessidade, não vai além da grande
influência.

Mas há outro lado, em que a individualidade não tem a significação da Terra,


mas a do Uno imanente à vida orgânica. Esse Uno, em unidade imediata com o
universal, constitui o gênero -, mas um gênero cuja unidade simples só se
determina como número e deixa livre, portanto, o fenômeno qualitativo. Nesse
lado, pois, a observação não pode ir além das indicações adequadas, das relações
interessantes, das deferências ao conceito. Mas tais indicações adequadas não são
nenhum saber da necessidade; as relações interessantes ficam só no interesse,
porém o interesse ainda é só o visar da razão. E as deferências do indivíduo para
com o conceito são uma gentileza de criança, que, ao pretenderem ter algum
valor em si e para si, são apenas infantis.

b. A OBSERVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI EM SUA PUREZA E EM SUA


REFERÊNCIA À EFETIVIDADE EXTERIOR: LEIS LÓGICAS E LEIS
PSICOLÓGICAS

A observação da natureza encontra o conceito realizado na natureza inorgânica:


sob a forma de leis cujos momentos são coisas que ao mesmo tempo se
comportam como abstrações. Mas esse conceito não é uma simplicidade
refletida em si mesma. Ao contrário, a vida da natureza orgânica é somente essa
simplicidade em si mesma refletida. A oposição em si mesma, como oposição do
universal e do singular, não se decompõe nesses momentos na essência dessa
vida mesma. A essência não é o gênero que se separe e se mova em seu
elemento carente de diferenças, e que ao mesmo tempo permaneça para si
mesmo indiferenciado em sua oposição. A observação só encontra esse conceito
livre, cuja universalidade contém em si mesma, de modo igualmente absoluto, a
singularidade desenvolvida, só no próprio conceito existente como conceito, ou na
consciência de si.

Retomando agora a si mesma, e dirigindo-se ao conceito que é efetivo enquanto


livre, a observação encontra primeiro as leis do pensar. Essa singularidade - que
nele mesmo é o pensar - é o movimento abstrato do negativo, movimento de todo
retraído para dentro da simplicidade; e as leis ficam fora da realidade. Não têm
nenhuma realidade: isso, em geral, não significa outra coisa que: as leis são sem
verdade. Mas se não devem ser a verdade total, que pelo menos sejam a verdade
formal. Só que o puro formal sem realidade é o ente de razão, ou a abstração
vazia, sem ter nela a cisão - que não seria outra coisa que o conteúdo.

De outro lado, essas leis são leis do puro pensar. Ora, o pensar é o universal em si,
e portanto um saber que tem nele o ser, imediatamente; e no ser toda a realidade.
Por isso tais leis são conceitos absolutos, e são indivisamente as essencialidades
tanto da forma quanto das coisas. Uma vez que a universalidade, movendo-se em
si, é o conceito simples que é cindido - o conceito dessa maneira tem conteúdo
em si, e justamente um que é todo o conteúdo; só não é um ser sensível. É um
conteúdo que não está em contradição com a forma, nem, de modo algum,
separado dela. Ao contrário: é essencialmente a própria forma, já que essa não é
outra coisa que o universal separando-se em seus momentos puros.

Essa forma ou conteúdo - tal como é para a observação como observação -


recebe a determinação de um conteúdo achado, dado; quer dizer, um conteúdo
apenas essente. Torna-se um calmo ser de relações, um grande número de
necessidades dissociadas, que como conteúdo fixo em si e para si devem ter
verdade em sua determinidade, e assim são de fato subtraídas à forma.

Mas essa verdade absoluta de determinidades fixas, ou de muitas leis diversas,


contradiz a unidade da consciência de si, ou seja, a unidade do pensar e da forma
em geral. O que é enunciado como lei fixa e permanente em si pode ser somente
como um momento da unidade refletindo-se em si, e surgir apenas como uma
grandeza evanescente. Porém quando essas leis são arrancadas, pela operação
que as examina, a esse conjunto coeso do movimento e expostas isoladamente, o
conteúdo não lhes vem a faltar, pois têm nelas um conteúdo determinado; o que
lhes falta é antes a forma, que é sua essência.

De fato, essas leis não são a verdade do pensamento; não porque devam ser
apenas formais, e não ter nenhum conteúdo, mas antes pela razão oposta: porque
em sua determinidade - ou justamente como um conteúdo ao qual a forma foi
subtraída - devem valer como algo de absoluto. Em sua verdade, como
momentos evanescentes na unidade do pensar, deveriam ser tomadas como
saber, ou como movimento pensante, mas não como leis do saber. Mas o
observar não é o saber mesmo, e não o conhece; ao contrário, inverte a natureza
do saber dando-lhe a figura do ser, isto é, só entende sua negatividade como leis
do ser.

É bastante, neste ponto, ter indicado a partir da natureza universal da Coisa a


nenhuma verdade das assim chamadas leis do pensamento. Um desenvolvimento
mais preciso pertence à filosofia especulativa, na qual essas leis se mostram
como em verdade são, a saber, como momentos singulares evanescentes cuia
verdade é tão somente o todo do movimento pensante: o próprio saber.

Essa unidade negativa do pensar é para si mesma, ou melhor, é o ser para si


mesmo, o princípio da individualidade; e é, em sua realidade, consciência
operante. Pela natureza da Coisa, a consciência observadora será conduzida até
essa outra consciência, como realidade daquelas leis. Mas porque esse nexo entre
as leis de pensar e a consciência operante não é evidente para a consciência
observadora, ela acredita que o pensar, em suas leis, fica de um lado, e que de
outro lado recebe outro ser naquilo que lhe é objeto agora, ou seja, na
consciência operante. Essa consciência é para si de modo que suprassume o ser
Outro, e tem sua efetividade nessa intuição de si mesmo como o negativo.

Abre-se pois novo campo para a observação na efetividade operante da


consciência. A psicologia contém grande número de leis, segundo as quais o
espírito se comporta diversamente para com os diversos modos de sua
efetividade - enquanto essa efetividade é um ser Outro encontrado. Tal
comportamento consiste, por uma parte, em acolher em si mesmo esses modos
diversos, em adaptar-se ao que é assim encontrado: hábitos, costumes, modos de
pensar, enquanto o espírito é neles objeto para si mesmo como efetividade. Mas,
por outra parte, esse comportamento consiste em saber-se atuando
espontaneamente frente a eles, a fim de retirar para si, dessa efetividade, só algo
especial segundo a própria inclinação e paixão, e, portanto, em adaptar o objetivo
a si mesmo. No primeiro caso, o espírito se comporta negativamente para
consigo mesmo, enquanto singularidade; no outro caso, negativamente para
consigo, enquanto universal.

Conforme o primeiro lado, a independência só confere ao encontrado a forma da


individualidade consciente em geral, e, no que respeita o conteúdo, permanece
no interior da efetividade universal encontrada. Mas, conforme o outro lado, a
independência confere a essa efetividade ao menos uma modificação peculiar,
que não contradiz seu conteúdo essencial, ou seja, uma modificação pela qual o
indivíduo, como efetividade especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela
efetividade universal. Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo
suprassume essa efetividade de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-
se outro mundo - outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar
dos presentes - quando o indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para
todos.

A psicologia observadora enuncia, primeiro, suas percepções dos modos


universais que se lhe apresentam na consciência ativa; encontra numerosas
faculdades, inclinações e paixões. Ora, na enumeração de tal coleção não se
deixa reprimir a lembrança da unidade da consciência de si; por isso a psicologia
deve, ao menos, chegar até ao ponto de maravilhar-se de que possam estar
juntas no espírito, como num saco, tantas coisas tão contingentes e heterogêneas,
especialmente porque não se mostram como coisas mortas, mas como
movimentos irrequietos.

Na enumeração dessas diversas faculdades, a observação está no lado universal:


a unidade dessas múltiplas capacidades é o lado oposto a essa universalidade: a
individualidade efetiva.

Tem menos interesse do que descrever as espécies de insetos, musgos etc., isso
de apreender as diferenças efetivas, de modo a descrever um homem como
tendo mais inclinação a isso, e outro, mais inclinação àquilo; que fulano tem mais
inteligência que sicrano. De fato, espécies vegetais e animais dão à observação o
direito de tomá-las assim, de modo singular e carente de conceito, pois
pertencem essencialmente ao elemento da singularização contingente. Ao
contrário, tomar a individualidade consciente de uma maneira carente de
espírito, como fenômeno singular essente, tem a contradizê-lo o fato de que sua
essência é o universal do espírito. Aliás, enquanto o apreender faz ao mesmo
tempo a individualidade entrar na forma da universalidade, ele encontra a lei da
individualidade; e parece então ter um fim racional e desempenhar uma tarefa
necessária.

Os momentos constitutivos do conteúdo da lei são, de um lado, a própria


individualidade, e, de outro, sua natureza inorgânica universal, ou seja, as
circunstâncias, situações, hábitos, costumes, religião etc. que são "achados" e em
função dos quais a individualidade determinada tem de ser concebida. Eles
contêm o determinado como também o universal, e são ao mesmo tempo algo
presente que se oferece à observação, e se exprime, de outro lado, na forma da
individualidade.

A lei dessas relações entre os dois lados deveria agora conter o tipo de efeito e de
influência que essas circunstâncias determinadas exercem sobre a
individualidade. Essa individualidade consiste justamente nisto: 1- em ser o
universal e portanto em confluir de uma maneira tranquila imediata com esse
universal que está presente como costumes, hábitos, etc.; 2- e, ao mesmo tempo,
em comportar-se como oposta a eles, e portanto em subvertê-los: 3- como
também em comportar-se, em sua singularidade, com total indiferença a seu
respeito; não os deixando agir sobre ela, nem sendo ativa contra eles.

Só da própria individualidade depende, pois, o que deve ter influência sobre ela, e
qual influência isso deva ter - o que vem a dar exatamente no mesmo. Portanto
dizer que tal individualidade, mediante essa influência, se tornou esta
individualidade determinada não significa outra coisa senão que ela já era isso
antes. Circunstâncias, situações, costumes etc., que uma vez são indicados como
dados, e outra vez são indicados nesta individualidade determinada, somente
exprimem a essência indeterminada da individualidade - da qual não se trata
aqui. O indivíduo não seria o que é, se essas circunstâncias, maneiras de pensar,
costumes, estado do mundo em geral, não tivessem sido; porque tal substância
universal é tudo que se acha nesse estado do mundo.

Entretanto, para poder particularizar-se neste indivíduo - pois trata-se justamente


de conceber um tal indivíduo - o estado do mundo deveria particularizar-se em si
e para si mesmo, e nessa determinidade, que teria a si conferido, deveria ter
agido sobre um indivíduo: só assim teria feito dele este indivíduo determinado que
é. Fosse o exterior constituído, em si e para si, tal como se manifesta na
individualidade, essa seria bem compreensível a partir dele. Teríamos então uma
dupla galeria de quadros, em que uma seria reflexo da outra; uma, a galeria da
determinidade completa e da delimitação das circunstâncias exteriores; outra, a
mesma galeria, mas traduzida nessa modalidade segundo a qual as circunstâncias
estão dentro da essência consciente. Uma seria a superfície da esfera; sua
essência consciente seria o centro que representaria em si a superfície.

Mas a superfície da esfera - o mundo do indivíduo - tem imediatamente a dupla


significação de ser mundo e situação em si e para si essentes, e de ser o mundo
do indivíduo: ou enquanto esse indivíduo, somente confluindo com ele, teria feito
entrar em si o mundo tal como é, comportando-se a seu respeito somente como
consciência formal; ou então, é o mundo do indivíduo enquanto o dado presente
foi subvertido por ele.

Como, pois, a efetividade é susceptível de uma dupla significação em virtude


dessa liberdade, então o mundo do indivíduo tem de ser concebido a partir do
indivíduo mesmo. A influência da efetividade, que é representada como essente
em si e para si, sobre o indivíduo, recebe através desse indivíduo o sentido
absolutamente oposto: o indivíduo, ou deixa correr imperturbado o fluxo da
efetividade que o influencia, ou então o interrompe e o inverte. Desse modo
porém a necessidade psicológica torna-se uma palavra tão vazia, que se dá a
possibilidade absoluta de que o indivíduo que teria tido aquela influência pudesse
também não ter tido.

Desaparece, com isso, o ser que seria em si e para si, e que deveria formar um
dos lados da lei, e precisamente o lado universal. A individualidade é o que é seu
mundo como um mundo seu: é ela o círculo do seu agir, em que se apresentou
como efetividade. É pura e simplesmente a unidade do ser enquanto dado e do
ser enquanto construído: unidade em que os lados não incidem fora um do outro -
como ocorria na representação da lei psicológica, em que um dos lados era o
mundo em si como presente, e o outro, a individualidade como para si essente.
Ou seja: se forem considerados esses lados, cada um para si, não se dá mais
nenhuma necessidade, e nenhuma lei de sua relação mútua.

c. OBSERVAÇÃO DA RELAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI COM SUA


EFETIVIDADE IMEDIATA: FISIOGNOMIA E FRENOLOGIA

A observação psicológica não encontra nenhuma lei da relação da consciência de


si para com a efetividade, ou com o mundo oposto a essa consciência de si.
Devido à recíproca indiferença dos dois lados, a observação é relançada em
direção à determinidade peculiar da individualidade real, que é em si e para si;
ou que na sua mediação absoluta contém como abolida a oposição do ser para si
e do ser em si. A individualidade é o objeto que agora veio a ser para a
observação - ou o objeto ao qual a observação passa agora.

O indivíduo é em si e para si: é para si, ou é um agir livre; mas também é em si


ou tem ele mesmo um determinado ser originário. Uma determinidade que é
segundo o conceito; mas que a psicologia queria encontrar fora do indivíduo.
Portanto surge, no indivíduo mesmo, a oposição que consiste em ser, de dupla
maneira, tanto o movimento da consciência, quanto o ser fixo da efetividade
fenomenal - efetividade essa que no indivíduo é, imediatamente, a sua.

Esse ser - o corpo da individualidade determinada - é sua originariedade, o seu


"não ter feito". Mas porque o indivíduo, ao mesmo tempo, é somente "o que tem
feito", então o seu corpo é também a expressão de si mesmo, por ele produzida: é
ao mesmo tempo um signo que não permaneceu uma Coisa imediata, mas no
qual o indivíduo somente dá a conhecer o que é quando põe em obra sua natureza
originária.

Observando os momentos aqui presentes, tendo em vista a consideração anterior,


aqui se nota uma figura humana universal, ou, ao menos, a figura universal de
um clima, de um continente, de um povo, como antes se notavam a mesma
cultura e os mesmos costumes universais. A isso se juntam as circunstancias
particulares e a situação dentro da efetividade universal: aqui essa efetividade
particular está como a formação particular da figura do indivíduo.

De outra parte, como antes se opunham o agir livre do indivíduo e a efetividade


como a sua, em contraste com a efetividade presente, aqui se tem a figura como
expressão de sua efetivação posta por ele mesmo: os traços e as formas de sua
essência auto ativa. Mas a efetividade, tanto universal quanto particular, que a
observação anteriormente encontrava fora do indivíduo, é aqui a sua efetividade,
seu corpo congênito. É justamente nesse corpo que incide a expressão
pertencente ao seu agir. Na consideração psicológica deveriam estar
relacionadas entre si a efetividade em si e para si essente, e a individualidade
determinada. Mas aqui a individualidade determinada total é objeto da
observação, e cada lado de sua oposição é, por sua vez, esse todo. Ao todo
exterior pertence, pois, não apenas o ser originário, o corpo congênito, mas
igualmente sua formação; e essa pertence à atividade do interior. O corpo é a
unidade do ser não formado e do ser formado, e é a efetividade do indivíduo
penetrada pelo ser para si.

Esse todo abrange em si os lados fixos determinados e originários, e também os


traços que somente surgem mediante o agir. Esse todo é; e este ser é a expressão
do interior, do indivíduo posto como consciência e como movimento.

O interior, igualmente, não é mais auto atividade formal, carente de conteúdo ou


indeterminada, cujo conteúdo e determinidade, como ocorria antes, se
encontrassem nas circunstâncias exteriores. Agora é um caráter originário,
determinado em si, cuja forma é somente a atividade. Vamos portanto
considerar neste ponto a relação entre esses dois lados: veremos como deve ser
determinada, e o que se há de entender sob essa expressão do interior no
exterior.

Em primeiro lugar, esse exterior só torna o interior visível como órgão ou - em


geral - faz do interior um ser para outro, uma vez que o interior, enquanto está no
órgão, é a atividade mesma. A boca que fala, a mão que trabalha - e também as
pernas, se quiserem - são órgãos que efetivam e implementam, que têm neles o
agir como agir ou o interior como tal. Todavia, a exterioridade que o exterior
ganha mediante os órgãos é o ato, como uma efetividade separada do indivíduo.
Linguagem e trabalho são exteriorizações nas quais o indivíduo não se conserva
nem se possui mais em si mesmo; senão que nessas exteriorizações faz o interior
sair totalmente de si, e o abandona a Outro.

Assim, tanto se pode dizer que essas exteriorizações exprimem demasiado o


interior, como dizer que o exprimem demasiado pouco. Demasiado - porque o
interior mesmo nelas irrompe, e não resta nenhuma oposição entre ele e suas
exteriorizações, que não só fornecem uma expressão do interior, mas são
imediatamente o interior mesmo. Demasiado pouco - porque o interior na
linguagem e na ação se faz Outro, abandona-se ao elemento da transmutação,
que, subvertendo a palavra falada e o ato consumado, faz deles algo diverso do
que são em si e para si, enquanto ações de um indivíduo determinado.

As obras, frutos das ações, perdem, por essa exterioridade vinda da ingerência de
outros, o caráter de serem algo permanente em contraste com as outras
individualidades. Mas, além disso, por se comportarem como um exterior
separado e indiferente quanto ao interior que contém, as obras podem ser algo
outro do que aparentam ser, e isso por causa do próprio indivíduo, que ou faz as
obras com o intuito de darem a aparência de outra coisa do que em verdade são;
ou porque é demasiado incompetente para se proporcionar esse lado exterior que
propriamente queria, e para consolidá-lo de modo que sua obra não seja
subvertida pelos outros.

Portanto, o agir, entendido como obra consumada, tem duas significações


opostas: ou é a individualidade interior, e não sua expressão - ou então, como
exterior, é uma efetividade livre do interior, e que é algo totalmente diverso do
interior mesmo. Por causa dessa ambiguidade, devemos voltar-nos para o
interior, a fim de ver como é ainda no indivíduo mesmo, mas de modo visível, ou
exterior. No órgão, contudo, o interior está somente como agir imediato, que
alcança sua exterioridade no ato, o qual representa - ou não, o interior. O órgão,
considerado segundo essa oposição, não garante assim a expressão que é
procurada.

Ora bem, se a figura exterior, enquanto não é órgão ou não é agir, tomada pois
como um todo em repouso, só pudesse exprimir a individualidade interior, ela
nesse caso se comportaria como uma coisa subsistente, que em seu ser-aí passivo
acolhesse tranquilamente o interior, como algo estranho, tornando-o assim o
signo desse interior. Um signo ou seja, uma expressão exterior contingente cujo
lado efetivo seria para si carente de significado: uma linguagem cujos sons e
combinações de sons não são a Coisa mesma, mas a ela vinculados através de
livre-arbítrio, e para o qual seriam contingentes.

Tal conexão arbitrária de elementos, sendo um exterior para o outro, não dá lei
nenhuma. A fisiognomia, no entanto, se distingue de outras artes nocivas e estudos
nada sadios, porque deve considerar a individualidade determinada na oposição
necessária de um interior com um exterior; do caráter considerado como
essência consciente, em oposição ao caráter visto como figura essente. Relaciona
entre eles os dois momentos, de modo que se refiram um ao outro mediante seu
conceito, e assim devam constituir o conteúdo de uma lei.

Ao contrário, na Astrologia, na Quiromancia e "ciências" semelhantes parece


que só se refere exterior a exterior, certa coisa a outra que lhe é estranha. Esta
constelação, no instante do nascimento, e - trazendo esse exterior mais para perto
do corpo - estas linhas da mão, são momentos exteriores para a vida longa ou
breve, e para o destino do homem singular, em geral. Como exterioridades, são
indiferentes um ao outro e não têm, um para o outro, a necessidade que deve
estar contida na relação de um exterior com um interior.

A mão, certamente, não parece algo tão exterior para o destino, mas antes
parece relacionar-se com ele como com um interior. Pois o destino, por sua vez,
é só a manifestação do que a individualidade determinada é em si como
determinidade interior originária.

Para saber agora o que essa determinidade é em si, o quiromante como o


fisiognomista chegam aí por um caminho mais curto que o de Solon, por
exemplo. Ele julgava que tal conhecimento só era possível pelo curso - e depois
do curso - da vida inteira; considerava o fenômeno, mas os quiromantes e
fisiognomistas consideram o em si.

Contudo, é fácil ver que a mão deva apresentar o em si da individualidade do


ponto de vista do destino, pelo fato de ser ela, depois do órgão da linguagem, o
melhor meio pelo qual o homem chega à sua manifestação e efetivação. Ela é o
artista inspirado de sua felicidade: dela pode-se dizer que é o que o homem faz,
porque na mão, como no órgão ativo de seu aperfeiçoar-se, o homem está
presente como força animadora. Ora, como o homem é originariamente seu
próprio destino, a mão exprimirá portanto esse em si.

Uma nova maneira de considerar o órgão, diversa da precedente, resulta dessa


determinação de que o órgão da atividade é nele tanto um ser quanto o agir - ou
de que no órgão o ser em si interior está presente e tem um ser para outro. Em
geral, os órgãos mostraram que não podem ser tomados como expressões do
interior, porque neles o agir está presente como agir, enquanto o agir como ato é
somente exterior. Dessa maneira, interior e exterior incidem fora um do outro,
são - ou podem ser - mutuamente estranhos. Segundo a determinação
considerada, o órgão, por sua vez, deve ser tomado como meio-termo dos dois;
pois justamente a presença nele do agir constitui ao mesmo tempo uma
exterioridade desse agir, e, sem dúvida, uma exterioridade diversa da que é o ato,
já que essa nova exterioridade fica para o indivíduo e no indivíduo.

Agora, esse meio-termo - e unidade do interior e do exterior - é antes de tudo


exterior também. Mas, depois, essa exterioridade é acolhida igualmente no
interior. Como exterioridade simples, ela está em contraste com a exterioridade
dispersa; a qual, ou é só uma obra ou condição singular, contingente para a
individualidade toda, ou então, como exterioridade total, é o destino despedaçado
em uma quantidade de obras e de condições.

Por conseguinte, as simples linhas da mão, e igualmente o timbre e o volume da


voz, como determinidade individual da linguagem - e também a própria
linguagem enquanto recebe da mão uma existência mais fixa do que por meio da
voz e se torna escrita, e na verdade, mais precisamente, manuscrito - tudo isso é
expressão do interior. Desse modo essa expressão, como exterioridade simples,
se encontra mais uma vez defronte da exterioridade multiforme da ação e do
destino, perante os quais se comporta como interior.

Tomemos primeiro como interior, como essência da ação e do destino, a


natureza determinada e a particularidade congênita do indivíduo, junto com o que
vieram a ser através da cultura. Nesse caso o indivíduo terá sua manifestação e
exterioridade, primeiro na boca, na mão, na voz, na escrita à mão, não menos
que nos outros órgãos e em suas determinidades permanentes. Só depois ele se
exprimirá mais amplamente saindo para o exterior em sua efetividade no
mundo.

Como agora esse meio termo se determina como a exteriorização, a qual ao


mesmo tempo foi reabsorvida para dentro do interior, seu ser-aí não está
restringido ao órgão imediato do agir. Esse meio termo é antes o movimento e a
forma - que nada realizam - do rosto e da figura em geral. Esses traços e seus
movimentos são, segundo esse conceito, um agir retido, que permanece no
indivíduo, e segundo a relação do indivíduo com o agir efetivo são o próprio
controlar-se e examinar-se do indivíduo: - exteriorização enquanto reflexão sobre
a exteriorização efetiva.

O indivíduo, portanto, não fica mudo em seu agir exterior, ou em relação a ele;
pois esse agir é ao mesmo tempo refletido, sobre si, e exterioriza esse ser-
refletido sobre si. É o agir teórico - ou a linguagem do indivíduo consigo mesmo
sobre seu agir -, que é também inteligível para outros, pois a própria linguagem é
exteriorização.

Nesse interior, que permanece interior em sua exteriorização, é pois observado o


ser-refletido do indivíduo, a partir de sua efetividade. Vejamos o que se passa
com tal necessidade posta nessa unidade. Esse ser-refletido é, primeiro, diferente
do ato mesmo e pode, assim, ser algo outro, e ser tomado por algo outro do que é;
vê-se pela expressão do rosto se alguém é sério no que diz ou faz.

Inversamente, porém, o que deve ser a expressão do interior, é ao mesmo tempo


expressão essente, e decai, por isso, na determinação do ser que é absolutamente
contingente para a essência consciente de si. Portanto, é expressão, de certo, mas
ao mesmo tempo é também apenas um signo, de forma que, para o conteúdo
expresso, a constituição do que o exprimiu é de todo diferente. O interior, sem
dúvida, nessa manifestação é um Invisível visível, mas sem ser ligado a ele: tanto
pode estar numa manifestação como em outra; como outro interior pode estar na
mesma manifestação. Lichtenberg diz com razão: "supondo que o fisiognomista
tenha capturado uma só vez o homem, bastaria tomar uma resolução decidida
para tornar-se de novo incompreensível por milênios”.

Na relação precedente, as circunstancias dadas eram um essente, do qual a


individualidade tomava o que podia e queria; ora abandonando-se a ele, ora o
subvertendo. Por esse motivo, tal essente não continha a necessidade e a essência
da individualidade. De modo semelhante, aqui o ser aparente imediato da
individualidade é um ser tal que ora exprime o ser-refletido a partir da
efetividade, e o seu ser dentro de si mesmo; ora, para a individualidade é
somente um signo, indiferente quanto ao significado; e que portanto na verdade
nada significa. Tal signo é, para a individualidade, tanto seu rosto, quanto sua
máscara que pode retirar.

A individualização impregna sua figura, nela se move e fala; mas todo esse ser-aí
transborda também como um ser indiferente em relação à vontade e à ação. A
individualidade apaga nesse ser a significação que tinha antes: a de ter nela seu
ser-refletido em si ou a essência verdadeira; e inversamente, põe antes sua
verdadeira essência e sua vontade no ato.

A individualidade abandona aquele ser-refletido-em si, que está expresso nos


traços e põe a própria essência na obra. E nisso contradiz a relação que fora
estabelecida pelo instinto da razão, que se põe a observar a individualidade
consciente de si para procurar o que deva ser nela o interior e o exterior. Esse
ponto de vista nos leva ao pensamento típico que está na base da suposta ciência
fisiognômica, A oposição a que chegou essa observação é, segundo a forma, a
oposição do prático e do teórico - ambos postos justamente dentro da prática
mesma -, a oposição da individualidade efetivando-se no agir - tomando o agir no
seu sentido mais geral - e a oposição da própria individualidade, enquanto,
desprendendo-se desse agir, em si reflete e o agir é seu objeto.

O observar acolhe essa oposição segundo a mesma relação invertida em que


essa oposição se determina no fenômeno. Para ele, o ato mesmo e a obra - seja
a de linguagem, seja a de uma efetividade mais consolidada - valem como o
exterior inessencial; enquanto o ser dentro de si da individualidade vale como o
interior essencial. Entre os dois lados que a consciência prática tem nela - a
intenção e o ato; o visar sobre sua ação e a ação mesma -, a observação escolhe
o primeiro como o verdadeiro interior. Esse deve ter sua exteriorização mais ou
menos inessencial na operação, porém na sua figura corporal tem sua
exteriorização verdadeira.

Essa última exteriorização é a presença sensível imediata do espírito individual. A


interioridade, que deva ser a verdadeira, é a peculiaridade da intenção e a
singularidade do ser para si. Os dois constituem o espírito visado. O que o
observar tem como seus objetos é, portanto, ser-aí visado; e por entre tais objetos
procura leis.

O visar imediato sobre a presença visada do espírito é a fisiognomia natural: o


julgamento apressado sobre a natureza interior, sobre o caráter de sua figura, à
primeira vista. O objeto desse visar é de tal espécie, que está na sua essência ser
em verdade outra coisa do que apenas ser sensível imediato. De certo, o que está
presente é justamente esse ser refletido em si no sensível, a partir do sensível; e o
que é o objeto do observar é a visibilidade como visibilidade do invisível. Mas, a
rigor, essa presença sensível imediata é a efetividade do espírito, tal como é
somente para o visar. Sob esse aspecto, o observar se ocupa com seu ser-aí
visado, com a fisiognomia, a escrita à mão, o tom da voz, etc. Refere tal ser-aí
justamente a tal interior visado. Não é o assassino, o ladrão, que devem ser
conhecidos, mas a capacidade de ser isso. A determinidade fixa e abstrata perde-
se, assim, na determinidade concreta e indefinida do indivíduo singular, que
requer agora descrições bem mais engenhosas que aquelas qualificações. Tais
descrições engenhosas dizem mais que as qualificações de assassino, ladrão,
bondoso, íntegro etc., mas ainda não dizem o bastante para o fim almejado, que é
exprimir o ser visado ou a individualidade singular. São tão insuficientes como as
descrições da figura que não vão além de uma fronte achatada, um nariz
comprido, etc.

Com efeito, a figura singular, como também a consciência de si singular, são


inexprimíveis enquanto ser visado. A ciência do conhecimento do homem, que
focaliza o homem visado, como a fisiognomia que focaliza sua efetividade
visada, e quer elevar a uma ciência os juízos carentes de consciência da
fisiognomia natural, são por isso uma coisa sem pé nem cabeça, que não pode
chegar a dizer o que visa - porque somente visa - e seu conteúdo é apenas algo
visado.

As leis que essa ciência se propõe encontrar são relações entre esses dois lados
visados, e por isso não podem ser senão um visar vazio. Aliás, esse suposto saber,
que pretende ocupar-se com a efetividade do espírito, tem precisamente por
objeto o espírito, que elevando-se de seu ser-aí sensível se reflete em si mesmo;
e o ser-aí determinado é, para o espírito, uma contingência indiferente. Por
conseguinte, nas suas leis descobertas, ele deve saber imediatamente que nelas
não se diz nada: só há puro falatório, ou somente um visar de si - expressão que
tem a verdade de enunciar como sendo o mesmo: dizer seu visar e não aduzir
com isso a Coisa, mas só um visar de si. Essas observações, por seu conteúdo,
não ficam atrás de outra desse tipo: "Todas as vezes que há feira, chove", diz o
vendedor. "E também toda a vez que estendo a roupa para secar", diz a
lavadeira.

Lichtenberg, que assim caracteriza a observação fisiognômica, diz ainda: "Se


alguém dissesse: ages na verdade como um homem honesto, mas vejo por teu
aspecto que te forças, e que és um canalha no teu coração, não há dúvida que até
a consumação dos séculos qualquer sujeito de brios responderia com um soco na
cara." Tal réplica acerta no alvo, pois é a refutação do primeiro pressuposto de tal
ciência do visar, segundo a qual, justamente, a efetividade de um homem é seu
rosto.

O verdadeiro ser do homem é, antes, seu ato; nele, a individualidade é efetiva e é


ela que suprassume o visado em seus dois lados. Primeiro, suprassume o visado
como ser corporal em repouso, pois a individualidade, antes, se apresenta na
ação como essência negativa que apenas é enquanto suprassume o ser. Em
seguida, o ato suprassume a inexprimibilidade do visar, igualmente no que se
refere à individualidade consciente de si, que no visar é uma individualidade
infinitamente determinada e determinável. No ato consumado, essa falsa
infinitude é aniquilada.

O ato é algo simplesmente determinado, um universal, algo a ser apreendido em


sua abstração: é homicídio, furto ou benefício, ato heroico, etc. Pode-se dizer do
ato que ele é. O ato é isto; e seu ser não é somente um signo, mas a Coisa
mesma. O ato é isto, e o homem individual é o que o ato é. Na simplicidade desse
ser o homem é para os outros homens uma essência universal essente, e deixa de
ser algo apenas visado. No ato, sem dúvida, o homem não está posto como
espírito. Mas - pois que se trata de seu ser como ser -, de um lado, um ser
duplicado está em confronto no ser da figura e no ser do ato; pois cada um deles
pretende ser a efetividade humana. Contudo, há que afirmar só o ato como o ser
autêntico do homem; e não sua figura - que deveria exprimir o que ele visa por
seus atos, ou o que se acredita ser ele capaz de fazer. De outro lado, porque são
também opostas sua obra e sua possibilidade interior (capacidade, ou intenção), é
somente a obra que se deve considerar como sua efetividade verdadeira, mesmo
se o homem esteja iludido a seu respeito, e ao retomar a si mesmo de sua
operação acredite que é nesse interior outro do que era no ato.

A individualidade, confiando-se ao elemento objetivo, enquanto se torna obra,


abandona-se, sem dúvida, a ela para ser alterada e subvertida. Mas o que
constitui o caráter do ato é isto: ser ou um Ser efetivo que se conserva; ou apenas
uma obra visada, que some na sua nulidade. A objetividade não altera o ato
mesmo; somente mostra o que ele é, quer dizer, se é ou não é nada.

O desmembramento desse ser em intenções e semelhantes finezas, pelas quais o


homem efetivo - isto é, seu ato -, deveria ser explicado retrocedendo de novo a
um ser visado, deve-se abandonar à ociosidade do visar - sejam quais forem as
intenções que possa nutrir sobre sua efetividade. Essa ociosidade, pondo em obra
sua sabedoria inoperante, quer negar ao agente o caráter da razão, e maltratá-lo
a ponto de lhe explicar o ser, antes por sua figura e traços que por seu ato. Deve
receber a réplica a que aludimos acima, que lhe prove não ser a figura o Em si,
mas antes um objeto para sentar a mão.

Considerando agora o âmbito das relações em geral, nas quais a individualidade


consciente de si pode ser observada, em ordem a seu exterior, resta ainda uma
relação que a observação deve tomar por objeto. Na psicologia é a efetividade
exterior das coisas que deve ter sua contrapartida consciente de si no espírito, e
torná-lo concebível. Ao contrário, na fisiognomia, o espírito deve ser conhecido
em seu próprio exterior como em um ser que seria a linguagem - a invisibilidade
visível - de sua essência. Resta ainda a determinação do lado da efetividade
segundo a qual a individualidade exprimiria a própria essência na sua imediatez
puramente aí essente, imediata e fixa.

Distingue-se, pois, da fisiognomia essa última relação por ser a presença falante
do indivíduo, que em sua exteriorização operante apresenta a exteriorização que
em si se reflete e contempla, ao mesmo tempo: que é movimento; mas os traços
estáticos são essencialmente um ser mediatizado. Porém na determinação ainda
por examinar, o exterior é enfim uma efetividade completamente estática, que
em si mesma não é um signo falante; mas que, separada do movimento
consciente de si, se apresenta para si, e é como uma simples coisa.

Antes de tudo, é claro que a relação do interior com o exterior deve ser
concebida como uma relação de nexo causal; pois a relação de um em si essente
com outro em si essente - enquanto relação é necessária, é essa relação de nexo
causal.

Para a individualidade espiritual exercer um efeito sobre um corpo, deve ser


como causa, ela mesma corporal. Porém o corpóreo, em que ela está como
causa, é um órgão; não o órgão do agir sobre a efetividade exterior, e sim o do
agir da essência consciente de si em si mesma, que só se exterioriza em relação
ao seu corpo. Ora, não é fácil ver que órgãos podem ser esses.
Pensando somente nos órgãos em geral, estaria à mão, facilmente, o órgão do
trabalho; e também o órgão da sexualidade etc. Só que tais órgãos devem ser
considerados como instrumentos ou como partes, que o espírito tem por meio
termo; o espírito seria um dos extremos, e o outro extremo, a ele oposto, o objeto
exterior. Mas aqui na fisiognomia se entende um órgão em que o indivíduo
consciente de si se mantém como um extremo para si, perante sua própria
efetividade a ele oposta: um órgão que, ao mesmo tempo, não é voltado para o
exterior, mas refletido em sua ação; e em que o lado do ser não é um ser para
outro.

Na relação fisiognômica, de certo, o órgão é também considerado como um ser-


aí em si refletido e que fala sobre o agir. Mas esse ser é um ser objetivo; e o
resultado da observação fisiognômica é que a consciência de si se defronta com
essa sua efetividade exatamente como o faria com algo indiferente. Mas a
indiferença aí desvanece, já que esse ser-refletido-em si é ele mesmo operante;
por isso obtém esse ser-aí uma relação necessária com ele. No entanto, para que
seja operante sobre o ser-aí, deve também ter um ser, mas não propriamente um
ser objetivo; e além disso tem de ser indicado como este órgão.

Na vida ordinária, a cólera, por exemplo, foi localizada no fígado, como certo
agir interior. Platão confere ao fígado função mais alta, - ou a mais alta, segundo
alguns: a profecia, ou seja, o dom de proferir o sagrado e o eterno de maneira
irracional. Porém o movimento que o indivíduo tem no fígado, no coração etc.,
não se pode considerar como movimento seu, de todo em si refletido; mas está
nos órgãos antes como um movimento já plasmado no corpo, e um ser-aí animal
voltado para fora, para a exterioridade.

O sistema nervoso, ao contrário, é o repouso imediato do orgânico em seu


movimento. Os nervos são também órgãos da consciência, submersa na sua
direção para o exterior; mas o cérebro e a espinha dorsal podem ser
considerados como a presença imediata da consciência de si - presença que em
si permanece, não é objetiva nem tende para o exterior. À medida que o
momento do ser, que tem esse órgão, é um ser para outro, um ser-aí, então é ser
morto, e não mais presença da consciência de si. Porém esse ser dentro de si é,
segundo seu conceito, uma fluidez onde os círculos ali traçados imediatamente se
dissolvem e nenhuma diferença pode exprimir-se como essente.

Entretanto, o espírito não é algo abstratamente simples, mas um sistema de


movimentos, nos quais se distingue em momentos, embora permanecendo livre
nessa distinção. Como organiza seu corpo, em geral, em diversas funções,
destinando cada parte singular a uma só função, pode-se assim representar que o
ser fluido de seu ser dentro de si é algo organizado. E parece que assim deva ser
representado, pois o ser refletido dentro de si do espírito no cérebro mesmo é de
novo somente um meio termo entre sua pura essência e sua organização
corporal. Como um meio deve ter a natureza dos dois extremos, por isso tem, do
lado do segundo extremo, também a organização essente.

O ser espiritual orgânico possui ao mesmo tempo o lado necessário de um ser-aí


subsistente em repouso; deve retroceder como extremo do ser para si, e ter
defronte, como o outro extremo, o ser-aí em repouso. Esse é então o objeto sobre
o qual atua como causa. Ora bem: se o cérebro e a medula são aquele ser para si
corporal do espírito, então o crânio e a coluna vertebral são o outro extremo que
dali se destaca: a saber, a coisa fixa e inerte.

Aliás, quem reflete sobre a localização própria do ser-aí do espírito, não o coloca
nas costas, mas somente na cabeça. Podemos pois, ao indagar sobre um saber
como o que se apresenta aqui, contentar-nos com essa razão - que não é tão má,
no caso - para limitar esse ser-aí ao crânio. Se a alguém ocorresse que as costas
são o ser-aí do espírito porque, às vezes, saber e ação podem parcialmente lhe
entrar ou sair por trás, isso não provaria que a medula fosse a sede do espírito, e o
espinhaço o ser-aí onde imprime sua marca; porque provaria demasiado.
Também se poderiam lembrar outros meios exteriores de atingir a atividade do
espírito, para estimulá-la ou freá-la.

A coluna vertebral está, pois, excluída; de pleno direito, se quiserem. Pode-se


construir uma doutrina de filosofia natural, tão boa quanto muitas outras, ainda
excluindo que só o crânio contenha os órgãos do espírito. Com efeito, isso foi
antes excluído do conceito dessa relação, motivo pelo qual o crânio era tomado
como o lado do ser-aí, Embora não se deva recorrer ao conceito da Coisa, a
experiência ensina que, se é com o olho como órgão que se vê, não é da mesma
maneira que com o crânio se mata, rouba ou faz poesia etc. Para essa
significação do crânio, da qual ainda se vai falar, é preciso abster-se de usar a
expressão órgão.

Com efeito, embora se costume dizer que para os homens razoáveis não é a
palavra mas a Coisa que importa, contudo isso não dá licença para designar uma
Coisa com um nome que não lhe convenha. Seria ao mesmo tempo
incompetência e impostura; dando a entender e fingindo que não tem a palavra
justa, esconder de si que lhe falta na realidade, a Coisa, isto é, o conceito: pois
caso o possuísse, encontraria também a palavra justa.

O que foi determinado aqui, inicialmente, foi apenas isto: como o cérebro é a
cabeça viva, o crânio é o "caput mortuum".
Nesse ser morto, pois, os movimentos espirituais e os modos determinados do
cérebro deveriam dar-se sua representação de efetividade exterior, que aliás
ainda está no indivíduo mesmo. Quanto à relação desses movimentos e modos
com o crânio - que como ser morto não tem o espírito imanente em si mesmo, -
primeiro se oferece a relação acima estabeleci da Trata-se de uma relação
exterior e mecânica, em que os órgãos próprios - e esses estão no cérebro - aqui
arredondam o crânio; ali o alargam ou achatam, ou ainda nele influem do modo
como se queira representar. Sem dúvida, sendo o crânio uma parte do organismo,
deve-se pensar que nele haja, como em qualquer osso, uma autoformação viva.
Ora, considerando desse ângulo, é antes o crânio que pressiona o cérebro e lhe
impõe uma delimitação exterior; o que bem pode fazer, por ser mais duro. Nesse
caso porém subsistiria sempre a mesma relação na determinação da atividade
mútua do crânio e do cérebro; pois se o crânio é o determinante ou o
determinado, isso em nada altera a conexão causal em geral. Só que assim o
crânio se tornaria o órgão imediato da consciência de si, pois nele, como causa,
se encontraria o lado do ser para si.

Como porém o ser para si, como a vitalidade orgânica compete aos dois da
mesma maneira, a conexão causal entre o cérebro e o crânio incide, de fato,
fora deles. Esse desenvolvimento dos dois se ligaria ao interior, e seria uma
harmonia orgânica preestabelecida, que deixaria os dois livres, um quanto ao
outro: cada um com sua própria figura, à qual a figura do outro não precisaria
corresponder. Mas ainda: a figura e a qualidade seriam deixadas livres uma da
outra, como o são a forma da uva e o gosto do vinho.

Mas à medida que a determinação do ser para si recai do lado do cérebro, e a do


ser-aí do lado do crânio, é preciso também colocar no interior da unidade
orgânica uma conexão causal entre os dois lados, uma relação necessária deles
como exteriores um ao outro, quer dizer, uma relação também exterior, através
da qual cada um teria sua figura determinada pelo outro, reciprocamente.

Quanto à determinação em que um órgão da consciência de si seria causa ativa


para o lado que o defronta, isso pode ser debatido de diversas maneiras: o assunto
diz respeito à constituição de uma causa, considerada conforme seu ser-aí
indiferente, sua figura e grandeza; uma causa, cujo interior e ser para si devem
justamente ser algo tal que não interesse o ser-aí imediato.

A autoformação orgânica do crânio é, em primeiro lugar, indiferente quanto à


influência mecânica nele exercida. A relação entre essas duas relações é
exatamente essa indeterminidade e ilimitação - pois a primeira a relação
orgânica é um referir-se de si a si mesmo. Em segundo lugar, admite-se que o
cérebro acolha em si as diferenças do espírito como diferenças essentes, e que
haja uma quantidade de órgãos interiores ocupando um espaço distinto. Ora, isso
contradiz a natureza, que assigna um ser-aí próprio aos momentos do conceito,
pondo a simplicidade fluida da vida orgânica puramente de um lado, e do outro
lado a articulação e a divisão dessa vida em suas diferenças; de modo que as
diferenças, como aqui se devem entender, se mostram como coisas anatômicas
particulares.

Aliás, mesmo admitindo isso, ainda fica indeterminado: se um momento


espiritual, conforme sua maior ou menor força - ou fraqueza - originária, deve
possuir num caso um órgão cerebral mais extenso e no outro, um mais reduzido,
ou se é justamente o inverso. Também fica indeterminado se o aperfeiçoamento
do intelecto aumenta ou diminui o órgão; se o faz mais pesado e grosso, ou mais
fino. Permanecendo indeterminada a constituição de uma causa, fica também
indeterminada a maneira como ocorre sua influência sobre o crânio: se é um
dilatar, ou um estreitar e contrair. Se tal influência foi determinada um tanto mais
especificamente do que falando em um excitar - ainda assim fica indeterminado
se isso ocorre inchando - à maneira de um emplastro de cantáride - ou
encolhendo - como faz o vinagre.

Para todos esses pontos de vista podem-se aduzir razões plausíveis, porque a
relação orgânica, que é bem mais compreensiva, permite tanto um como o
outro, e é indiferente a todo esse entendimento.

No entanto, a consciência observadora não tem por que preocupar-se querendo


determinar essa relação. Pois, além disso, o que está de um lado não é o cérebro
como parte animal, mas o cérebro como ser da individualidade consciente de si.

Essa individualidade, como caráter permanente e como agir consciente que se


move, é para si e dentro de si; frente a esse ser para si e dentro de si estão sua
efetividade e seu ser-aí para Outro. O ser para si e dentro de si é a essência e o
sujeito que têm no cérebro um ser, o qual é subsumido sob essa essência e que só
recebe seu valor mediante a significação imanente. Mas o outro lado da
individualidade consciente de si - o lado do ser-aí - é o ser como independente e
como sujeito, ou como uma coisa, e precisamente um osso; a efetividade e ser-aí
do homem é sua caixa craniana. É esta a relação e o entendimento que na
consciência observadora têm os dois lados desse relacionamento.

A consciência observadora agora tem que ocupar-se com o relacionamento mais


determinado desses lados. A caixa craniana tem, de certo, em geral, a
significação de ser a efetividade imediata do espírito. Mas a variedade de
aspectos do espírito dá a seu ser-aí uma variedade correspondente. O que se deve
conseguir é a determinidade de significação dos lugares singulares em que esse
ser-aí se divide: há que ver como esses lugares têm neles uma indicação dessa
determinidade.

A caixa craniana não é nenhum órgão de atividade, nem tampouco um


movimento que seja linguagem. Não se furta, nem se assassina com a caixa
craniana etc.; e por semelhantes atos ela não se altera o mínimo que seja; e
assim não se torna um gesto de linguagem. O crânio é um essente que não tem
valor de um signo.

Os traços do rosto, o gesto, o tom - e também uma coluna, um marco numa ilha
deserta - anunciam logo que se visa alguma outra coisa do que imediatamente
apenas são. Dão-se logo a entender como signos porque têm neles uma
determinidade que indica assim algo diverso, já que não lhes pertence
peculiarmente. Também à vista de um crânio muitas coisas diversas podem
ocorrer, como a Hamlet ao ver o crânio de Yorick. Mas a caixa craniana, tomada
por si, é uma coisa tão indiferente e anódina que nada há para ver ou visar
imediatamente, a não ser a própria. O crânio nos lembra, sem dúvida, o cérebro
e sua determinidade, e também um crânio de outra conformação; mas não um
movimento consciente. Porquanto não leva nele impressos uma mímica, um
gesto, nem algo enfim que enuncie sua proveniência de um agir consciente de si.
Ora, ele é essa efetividade que deveria representar, na individualidade, outro lado
tal que já não fosse um ser refletindo-se em si mesmo, mas um ser puramente
imediato.

Aliás, como o crânio não sente, parece que poderia resultar para ele significação
mais precisa, no caso em que sensações determinadas fizessem conhecer por sua
vizinhança que função se possa atribuir ao crânio mesmo. Pelo fato de um modo
consciente do espírito ter seu sentimento numa certa região do crânio, esse lugar
indicará de algum modo, na sua figura, esse modo do espírito e sua
particularidade. Por exemplo: muita gente por ocasião de um pensar
concentrado, ou mesmo em geral, ao pensar, se queixa de sentir uma tensão
dolorosa em algum ponto da cabeça. Assim também os atos de matar, roubar,
fazer poesia etc., poderiam ser acompanhados cada um de uma sensação
própria, que além disso poderia ter sua localização particular.

Essa região do cérebro, que desse modo seria mais móvel e ativa, com
verossimilhança plasmaria mais a região mais próxima do crânio; ou ainda, essa
região, por simpatia ou por consenso, não ficaria inerte, mas aumentaria ou
diminuiria, ou se modelaria da maneira que fosse. Mas o que torna inverossímil
essa hipótese é que o sentimento, em geral, é algo indeterminado; e o sentimento
na cabeça, como centro, poderia ser o sentimento universal de todo o padecer.
De tal modo que junto com o prurido ou dor de cabeça do ladrão, do assassino,
do poeta, misturam-se outros que não podem distinguir-se entre eles, nem
distinguir-se dos que se chamam puramente corpóreos. Assim como não se pode
diagnosticar a doença pelo sintoma da dor de cabeça, restringindo sua
significação apenas ao corporal.

De fato, de qualquer lado que se considere a Coisa, desaparece todo o


relacionamento necessário entre os lados, como também qualquer indicação a
seu respeito que fale por si mesma. Se o relacionamento tem de ocorrer, resta
somente como necessária uma harmonia carente de conceito, livre e
preestabelecida - das determinações correspondentes dos dois lados, pois um
deles deve ser efetividade carente de espírito, simples coisa.

De um lado está, pois, uma quantidade de regiões inertes do crânio, e do outro


uma quantidade de propriedades espirituais: o seu número e sua determinação
vão depender do estado da psicologia. Quanto mais pobre a apresentação do
espírito, tanto mais facilitada a tarefa por esse lado. Quanto menos numerosas,
mais delimitadas, mais fixas e ossificadas as propriedades do espírito, tanto serão
mais semelhantes e comparáveis às determinações do osso mesmo. Embora essa
comparação seja muito facilitada pela pobreza da representação do espírito, há
sempre dos dois lados um grande número de determinações; resta para a
observação a total contingência de suas relações.

Se cada um dos filhos de Israel tirasse da areia do mar - à qual todos juntos
deveriam corresponder - o grão de areia que simboliza, grandes seriam a
indiferença e o arbítrio do processo para atribuir a cada um seu grão. Mas não
seriam maiores que os do processo que assignaria a toda capacidade da alma, a
toda paixão, regiões correspondentes do crânio e conformações ósseas. E ainda
deveriam ser levadas em conta todas as nuanças do caráter de que costumam
falar a psicologia e o conhecimento mais refinado do homem.

O crânio do assassino tem isto -, que não é órgão, nem também signo, mas esta
bossa. Ora, esse assassino tem uma porção de outras propriedades, como
também outras bossas e junto com as bossas tem fossas também; pode-se fazer a
escolha entre bossas e fossas. E sua disposição ao homicídio pode de novo ser
referida a qualquer uma das bossas ou das fossas: e essas, por sua vez, a qualquer
uma das propriedades do assassino - pois ele não é essa abstração de um
assassino, nem tem uma única bossa e uma única fossa.

Por conseguinte, as observações estabelecidas sobre esse ponto têm o mesmo


valor que as do vendedor e da lavadeira, quando um vai à feira e a outra vai
estender roupa. Vendedor e lavadeira poderiam ainda fazer a observação de que
chove sempre que este vizinho passa, ou quando se comeu porco assado. Como a
chuva é indiferente a essas circunstancias, assim é indiferente para a observação
esta determinidade do espírito com respeito a este determinado ser do crânio.
Com efeito, dos dois objetos dessa observação, um é um seco ser para si, uma
propriedade ossificada do espírito; o outro é um seco ser em si. Uma coisa tão
óssea, como são ambas, é perfeitamente indiferente a todo o resto. Para a grande
bossa é exatamente tão indiferente ter na sua vizinhança um assassino, quanto ao
assassino ter fossa por perto.

Aliás, resta sempre a possibilidade de uma bossa numa região qualquer estar
unida a qualquer propriedade, paixão etc. Pode-se representar o assassino com
uma grande bossa aqui, nesta região do crânio, e o ladrão com uma, ali. Desse
lado, a frenologia é capaz de se estender muito mais, pois até agora parece
limitar-se à ligação de uma bossa com uma propriedade no mesmo indivíduo, de
modo que esse possua ambas. Mas já a frenologia natural - pois deve haver uma
frenologia dessas, como há uma fisiognomia natural - ultrapassa esse limite. Não
só acha que um homem finório tenha atrás da orelha uma bossa do tamanho de
um punho, mas ainda representa que a esposa infiel possua protuberâncias na
testa; não na sua, mas na do marido.

Também se pode representar com uma forte bossa, em algum ponto do crânio,
quem vive sob o mesmo teto que o assassino - ou seu vizinho, ou num âmbito
mais extenso, seus concidadãos. Do mesmo modo como se pode representar o
besouro que depois de acariciado pelo caranguejo pula sobre o jumento, e depois
etc. Mas quando a possibilidade não se toma no sentido de possibilidade de
representação, mas no sentido de possibilidade interior ou possibilidade do
conceito, então o objeto é uma efetividade tal que é - e deve ser - uma pura
coisa, sem semelhante significação que só pode ter na representação.

Apesar da indiferença dos dois lados, pode o observador aplicar-se a estabelecer


relações, apoiando-se em parte no princípio universal da razão de que o exterior
é a expressão do interior, e, de outro, ajudando-se da analogia com os crânios
animais. Esses poderão certamente ter um caráter mais simples que os crânios
humanos; ao mesmo tempo, mais difícil é dizer que caráter é esse, porque não é
nada fácil um homem qualquer penetrar com sua representação na natureza de
um animal. Então o observador encontra, para confirmar as leis que pretende ter
descoberto, uma excelente ajuda numa diferença que neste ponto deve
necessariamente nos ocorrer.

Há que admitir, pelo menos, que o ser do espírito não pode ser tomado como algo
simplesmente inabalado e inabalável. O homem é livre; deve-se admitir que o
ser originário são apenas disposições sobre as quais o homem pode muito, ou que
precisam de circunstâncias favoráveis para se desenvolverem. Vale dizer: um ser
originário do espírito há que ser precisamente enunciado também como algo tal,
que não exista como ser.

Suponhamos que essas observações contradigam aquilo que a alguém ocorra


afirmar como lei. Se fizer bom tempo em dia de feira, ou de lavar a roupa, o
vendedor e a lavadeira podem dizer que, a rigor, deveria chover, e que em todo o
caso está presente a disposição do tempo para a chuva. Dá-se o mesmo com as
observações sobre o crânio. Este indivíduo propriamente deveria ser assim, como
diz o crânio segundo a lei: tem uma disposição originária que aliás não se
desenvolveu plenamente. Essa qualidade não está presente, mas deveria estar. A
lei e o dever-ser se fundam sobre a observação da chuva efetiva, e do sentido
efetivo que está nessa determinidade do crânio: porém se a efetividade não está
presente serve, igualmente bem, a possibilidade vazia.

Tal possibilidade, isto é, a não efetividade da lei estatuída, e portanto também


observações que a contradizem, devem ocorrer necessariamente. E isso porque a
liberdade do indivíduo e as circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento são
indiferentes quanto ao ser em geral entendido ou como interior originário, ou
como exterior ossificado. E também porque o indivíduo pode ser ainda algo
diverso do que é originariamente no interior, e, ainda mais, do que é como um
osso.

Estamos assim ante a possibilidade de que uma determinada bossa ou fossa do


crânio seja tanto algo efetivo, quanto uma disposição apenas, na verdade
indeterminada, seja para o que for. Há possibilidade de que o crânio designe algo
que não é efetivo. Vemos suceder como sempre, no caso de uma má desculpa:
pode servir para refutar o que queria justificar. Vemos que, pela natureza da
Coisa, o visar é levado a dizer - mas de modo carente de pensamento - o
contrário do que tem por seguro: - a dizer que por meio deste osso se indica
qualquer coisa, mas que também, e igualmente, nada se indica.

Nessa desculpa, o que se oferece confusamente ao próprio visar é o pensamento


verdadeiro que justamente o destrói: o pensamento de que o ser como tal, em
geral, não é a verdade do espírito. Como a disposição já é um ser originário, que
nenhuma participação tem na atividade do espírito, também o osso, de seu lado, é
algo exatamente assim. Sem a atividade espiritual, o essente é para a consciência
uma coisa, e não sua essência; é tão pouco sua essência, que é, antes, o contrário:
a consciência só é efetiva para si através da negação e da abolição de
semelhante ser.

Sob esse aspecto, deve-se ver, como renegação total da razão, fazer passar um
osso como o ser-aí efetivo da consciência. Ora, é isso que se faz quando se
considera o crânio como o exterior do espírito, já que o exterior é justamente a
efetividade essente. De nada serve dizer que desse exterior apenas se conclui o
interior, o qual é algo diverso; que o exterior não é o interior mesmo, mas só sua
expressão. Com efeito, em sua relação recíproca, do lado do interior recai a
determinação da efetividade que se pensa e é pensada, mas do lado do exterior a
determinação da efetividade essente. Assim, quando se diz a um homem: "Tu
(teu interior) és isto porque teu osso é assim constituído", isso não significa outra
coisa que: "Eu tomo um osso por tua efetividade".

A réplica a semelhante julgamento, mencionada a propósito da fisiognomia, deve


servir aqui: um tapa pode mudar o aspecto das partes moles, e lhes imprimir um
deslocamento, demonstrando somente que não são um verdadeiro Em si, e ainda
menos a efetividade do espírito. Aqui, a rigor, a réplica deveria ir até a quebrar o
crânio de quem julga assim, para lhe mostrar, de uma maneira tão grossa como
sua sabedoria, que um osso não é para o homem nada de Em si, e muito menos
sua verdadeira efetividade.

O instinto tosco da razão consciente de si rejeitará, sem mais, tal frenologia.


Rejeitará também esse outro instinto observador da razão, que chegando até o
vislumbre do conhecer o entendeu de maneira carente de espírito: de que "o
exterior é a expressão do interior". Mas às vezes, quanto pior é o pensamento,
menos aparece onde está exatamente sua falha, e mais difícil é isolá-la. Diz-se
que o pensamento é tanto pior quanto mais pura e vazia é a abstração que vale
por sua essência. Porém a oposição de que aqui se trata tem por membros a
individualidade consciente de si, e a abstração da exterioridade totalmente
convertida em coisa: aquele ser interior do espírito, entendido como um ser fixo,
carente de espírito, oposto precisamente a tal ser.

Mas assim sendo, parece ter a razão observadora atingido sua culminância, a
partir da qual deve abandonar-se a si mesma e fazer reviravolta. Com efeito, só o
que é totalmente mau tem em si a necessidade imediata de se converter. Pode-se
dizer assim do povo judaico que é e foi mais reprovado por se encontrar
imediatamente defronte da porta da salvação. O que esse povo deveria ser em si
e para si, essa essência ativa, ele não é para si, mas a transfere para além de si.
Por essa extrusão, ele se possibilita um ser-aí superior, no qual vai poder
recuperar seu objeto. Um ser-aí mais elevado do que teria, caso houvesse
permanecido dentro da imediatez do ser.

Com efeito, o espírito é tanto maior, quanto maior é a oposição da qual retorna a
si mesmo. O espírito se faz essa oposição no suprassumir de sua unidade
imediata, e na extrusão de seu ser para si. Só que se tal consciência não se
reflete, o meio termo onde permanece é o vazio sem salvação, pois o que
deveria preenchê-lo tornou-se um extremo solidificado. Assim, essa última etapa
da razão observadora é a pior de todas; mas, por isso, sua reversão é necessária.

Lançando um olhar retrospectivo sobre a série de relações consideradas até


agora, e que constituem o conteúdo e o objeto da observação, vemos que:

1 - No primeiro modo, o ser sensível desvanece já na observação das relações da


natureza inorgânica. Os momentos de suas relações apresentam-se como puras
abstrações e como conceitos simples, que deveriam estar firmemente unidos ao
ser-aí das coisas; mas esse se perdeu, de forma que o momento se mostra como
puro movimento ou como universal. Esse processo livre, completo em si mesmo,
conserva a significação de algo objetivo: mas agora vem à cena como um Uno.
No processo do inorgânico, o Uno é o interior inexistente; e inversamente, o
processo existente como Uno é o orgânico.

2 - O Uno, enquanto ser para si ou essência negativa, defronta o universal,


esquiva-se dele, e permanece livre para si. Desse modo o conceito, realizado
somente no elemento da singularização absoluta, não encontra na existência do
orgânico sua expressão autêntica, que seria a de estar ali como universal; porém
permanece um exterior, ou, - o que é o mesmo - um interior da natureza
orgânica.

3 - O processo orgânico é livre somente em si, mas não para si mesmo; o ser
para si de sua liberdade emerge no fim; existe como outra essência, como uma
sabedoria sua consciente de si que está fora desse processo. Volta-se pois a razão
observadora para essa sabedoria, para o espírito, para o conceito existindo como
universalidade ou fim existindo como fim; de agora em diante sua própria
essência é seu objeto.

Volta-se primeiro a razão observadora para a pureza do objeto; mas sendo ela o
apreender desse objeto como um objeto essente, movendo-se em suas
diferenças - suas leis do pensamento se tornam relações do permanente com o
permanente. Ora, como o conteúdo dessas leis são apenas momentos, elas se
perdem no Uno da consciência de si.

Esse novo objeto, tomado igualmente como algo essente, é a consciência de si


singular e contingente; mantém-se, pois, a observação dentro do espírito visado e
da relação contingente entre uma efetividade consciente e uma efetividade
inconsciente. Em si mesmo, o objeto em questão é só a necessidade desse
relacionamento; a observação, portanto, ainda o abraça mais estreitamente, e
compara sua efetividade querente e operante com sua efetividade em si mesma
refletida e contemplativa que por sua vez é também objetiva.
Embora esse exterior seja na verdade uma linguagem do indivíduo, que ele
possui em si mesmo, é ao mesmo tempo, enquanto signo, algo indiferente ao
conteúdo que deveria significar; como o que põe para si mesmo o signo é
indiferente quanto a ele.

Por isso a observação retrocede dessa linguagem mutável ao ser fixo e enuncia,
segundo seu conceito próprio, que exterioridade - não como órgão, nem como
linguagem, ou signo, mas como coisa morta - é a efetividade exterior e imediata
do espírito. O que fora suprassumido pela primeiríssima observação da natureza
inorgânica - a saber, que o conceito deveria estar presente como coisa - é
restaurado por essa última modalidade da observação, que assim faz da
efetividade do próprio espírito uma coisa, ou, exprimindo inversamente, dá ao ser
morto a significação do espírito.

Sendo assim, a observação chegou ao ponto em que enuncia o que era nosso
conceito sobre ela - a saber, que a certeza da razão busca a si mesma como
efetividade objetiva. Certamente, com isso não se quer dizer que o espírito,
representado por um crânio, seja enunciado como coisa. Nenhum materialismo -
como se diz - está implicado nesse pensamento, ao contrário, o espírito deve ser
algo diverso deste osso. Porém a expressão "o espírito é", não significa senão que
"o espírito é uma coisa".

Se o ser como tal - ou o ser-coisa - é atribuído como predicado ao espírito, a


verdadeira expressão disso é, pois, que o espírito é algo como um osso. Portanto
deve ser visto como da maior importância que se tenha encontrado a verdadeira
expressão de que do espírito foi dito simplesmente: "ele é". Aliás, quando se diz
do espírito: "ele é", "tem um ser", "é uma coisa"; uma efetividade singular - não
se visa com isso algo que se possa ver ou tomar na mão, ou nele tropeçar etc.
Contudo se diz uma coisa dessas: o que na verdade é dito, se exprime na
proposição de que "o ser do espírito é um osso".

Esse resultado tem agora uma dupla significação: primeiro sua significação
verdadeira, enquanto é um complemento do resultado do movimento anterior da
consciência de si. A consciência de si infeliz se extrusava de sua independência e
lutava para converter seu ser para si numa coisa. Retrocedia, com isso, da
consciência de si à consciência - isto é, à consciência para a qual o objeto é um
ser, uma coisa. Mas o que é coisa é a consciência de si; ela é assim a unidade do
Eu e do ser, a categoria. Quando o objeto é determinado desse modo para a
consciência, ela tem razão. A consciência, como também a consciência de si, é
em si propriamente razão: mas só pode dizer que tem razão a propósito da
consciência para a qual o objeto se determinou como categoria. Contudo é ainda
diferente disso o saber do que é a razão.
A categoria que é a unidade imediata do ser e do Seu deve percorrer as duas
formas; e a consciência observadora é justamente aquela à qual a categoria se
apresenta sob a forma de ser. Em seu resultado, essa consciência enuncia como
proposição aquilo de que é certeza inconsciente, a proposição que está contida no
conceito da razão: é o juízo infinito, segundo o qual o Si é uma coisa - um juízo
que se suprassume a si mesmo. Através desse resultado, pois, acrescenta-se à
categoria esta determinação de que ela é essa oposição que se suprassume. A
categoria pura, que para a consciência está na forma do ser ou da imediatez, é o
objeto ainda não mediatizado, apenas presente; e a consciência é justamente
assim um comportamento não imediatizado.

O momento daquele juízo infinito é a passagem da imediatez para a mediação ou


negatividade. O objeto presente é, por conseguinte, determinado como um
negativo; porém a consciência é determinada como consciência de si perante
ele. Ou seja: a categoria, que tinha percorrido a forma do ser no observar, é
posta agora na forma do ser para si; a consciência já não quer encontrar-se
imediatamente, mas produzir-se a si mesma mediante sua atividade. É ela
mesma para si o fim de seu agir - como antes no observar só lidava com as
coisas.

A outra significação do resultado já foi considerada; é a do observar carente de


conceito, que não sabe entender-se nem designar-se a não ser designando
friamente um osso como efetividade de consciência de si. E um osso como se
encontra enquanto coisa sensível, que ao mesmo tempo não perde sua
objetividade para a consciência. Tal observar não possui nenhuma consciência
clara do que diz, e não apreende sua proposição na determinidade de seu sujeito
e predicado, e da relação dos dois; e menos ainda, no sentido do juízo infinito -
que a si mesmo se dissolve - e no sentido do conceito.

Assim, por uma mais profunda consciência de si do espírito, que aqui aparece
como certa honestidade natural, o observar prefere esconder de si mesmo a
ignomínia de um pensamento nu, carente de conceito, que toma um osso pela
efetividade da consciência de si. Maquia esse pensamento com a mesma
carência de pensamento, misturando relações variadas de causa e efeito, de
signo, de órgão etc., que aqui não têm nenhum sentido - dissimulando dessa
maneira, por distinções que delas derivam, o chocante dessa proposição.

Fibras cerebrais e coisas semelhantes, consideradas como o ser do espírito, já são


uma efetividade pensada, apenas hipotética; mas não a efetividade aí essente,
sentida e vista: não são a efetividade verdadeira. Quando as fibras aí estão,
quando se veem, são objetos mortos, e assim não valem mais como o ser do
espírito. Mas a objetividade propriamente dita deve ser uma objetividade
imediata, sensível, de modo que o espírito seja posto como efetivo nessa
objetividade morta; pois o osso é o morto, enquanto está no próprio vivente.

O conceito dessa representação é que a razão mesma é para si toda a coisidade,


inclusive a coisidade puramente objetiva. Mas a razão é isso no conceito, ou seja,
somente o conceito é sua verdade. Quanto mais puro é O próprio conceito, mais
se degrada em sua vã representação, se o seu conteúdo não for tomado como
conceito mas como representação. Quando o juízo que a si mesmo suprassume
não é tomado com a consciência dessa infinidade que é a sua - mas como uma
proposição permanente, e como um juízo em que sujeito e predicado valem
cada um para si - então o Si é fixado como Si, e a coisa como coisa. Na verdade,
um deve ser o outro.

A razão - essencialmente conceito - é cindida imediatamente em si mesma e em


seu contrário; uma oposição que, justamente por isso, também é imediatamente
suprassumida. Mas ao oferecer-se desse modo como sendo ela mesma e o seu
contrário, é mantida firmemente no momento totalmente singular desse
desintegrar-se, e apreendida irracionalmente. Quanto mais puros os seus
momentos, tanto mais chocante é a manifestação desse conteúdo, o qual ou é
somente para a consciência ou então é enunciado ingenuamente por ela.

A profundeza que o espírito tira do interior para fora, mas que só leva até sua
consciência representativa e ali a larga, como também a ignorância de tal
consciência sobre o que diz são a mesma conexão do sublime e do ínfimo, que no
organismo vivo a natureza exprime ingenuamente, na combinação do órgão de
sua maior perfeição - o da geração - com o aparelho urinário. O juízo infinito,
como infinito, seria a perfeição da vida compreendendo-se a si mesma.

Mas a consciência da vida comporta-se como o urinar, ao permanecer na


representação.

B - A EFETIVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI RACIONAL ATRAVÉS DE SI


MESMA

A RAZÃO ATIVA

A consciência de si encontrou a coisa como a si, e a si como coisa, quer dizer: é


para ela que essa consciência é em si efetividade objetiva. Não é mais a certeza
imediata de ser toda a realidade; mas é uma certeza tal, que o imediato tem para
ela a forma de um suprassumido, de modo que sua objetividade só vale como
superfície, cujo interior e essência é a própria consciência de si.

Assim sendo, o objeto a que ela se refere positivamente é uma consciência de si;
um objeto que está na forma da coisidade, isto é, um objeto independente. No
entanto, a consciência de si tem a certeza de que esse objeto independente não
lhe é nada de estranho, pois sabe que por ele é reconhecida em si. Ela então é o
espírito, que tem a certeza de ter sua unidade consigo mesmo na duplicação de
sua consciência de si e na independência das duas consciências de si daí
resultantes. Essa certeza agora tem de elevar-se à verdade, para a consciência de
si: o que para ela vale como sendo em si, e em sua certeza interior, deve entrar
na sua consciência e vir a ser para ela.

Comparando o caminho até aqui percorrido, já se pode caracterizar as estações


universais dessa efetivação em geral. A saber: assim como a razão observadora
repetira no elemento da categoria o movimento da consciência, isto é, a certeza
sensível, a percepção e o entendimento - assim também esta razão ativa
percorrerá de novo o duplo movimento da consciência de si, e da independência
passará à sua liberdade.

De início, essa razão ativa só está consciente de si mesma como de um indivíduo,


e enquanto tal deve exigir e produzir sua efetividade em outro. Mas depois, ao
elevar sua consciência à universalidade, torna-se razão universal, e o indivíduo é
consciente de si como razão, como algo já reconhecido em si e para si, que
unifica em sua pura consciência toda a consciência de si. É a essência espiritual
simples que, ao chegar à consciência é, ao mesmo tempo, substância real; para
dentro dela retomam, como a seu fundamento, todas as formas anteriores, que
assim, em relação a ela, são momentos singulares simples de seu vir a ser. Os
momentos se desprendem, sem dúvida, e aparentam formas próprias; mas de
fato só têm ser-aí e efetividade sustidos pelo fundamento; e só têm verdade na
medida que neles estão e permanecem.

Tomemos em sua realidade essa meta alcançada: o conceito, que já surgiu para
nós - isto é, a consciência de si reconhecida, que tem em outra consciência de si
livre a certeza de si mesma, e aí precisamente encontra sua verdade.
Destaquemos esse espírito ainda interior como substância já amadurecida em
seu ser-aí, O que vemos patentear-se nesse conceito é o reino da eticidade.

Com efeito, esse reino não é outra coisa que a absoluta unidade espiritual dos
indivíduos em sua efetividade independente. É uma consciência de si universal
em si, que é tão efetiva em outra consciência, que essa tem perfeita
independência - ou seja, é uma coisa para ela. Tão efetiva que justamente nessa
independência está cônscia da sua unidade com a outra, e só nessa unidade com
tal essência objetiva é consciência de si.

Essa substância ética, na abstração da universalidade, é apenas lei pensada; mas,


não menos imediatamente, é a consciência de si efetiva ou o etos. Inversamente,
a consciência singular só é esse Uno essente porque em sua própria singularidade
está cônscia da consciência universal, como de seu próprio ser: porque seu agir e
seu ser aí são o etos universal.

É na vida de um povo que o conceito da efetivação da razão consciente de si tem


de fato sua realidade consumada: ao intuir, na independência do Outro, a perfeita
unidade com ele; ou seja, ao ter por objeto, como meu ser para mim, essa livre
coisidade de outro, por mim descoberta - que é o negativo de mim mesmo.

A razão está presente como fluida substância universal, como imutável coisidade
simples, que igualmente se refrata em múltiplas essências completamente
independentes, como a luz nas estrelas, em seus inúmeros pontos rutilantes. Em
seu absoluto ser para si, tais essências não só em si se dissolvem na substância
independente simples, mas ainda são para si mesmas; cônscias de serem tais
essências simples singulares, porque sacrificam sua singularidade e porque essa
substância universal é sua alma e essência. Do mesmo modo, esse universal é,
por sua vez, o agir dessas essências como singulares; ou a obra por elas
produzida.

O agir e o atarefar-se puramente singulares do indivíduo referem-se às


necessidades que possui como ser natural, quer dizer, como singularidade
essente. Graças ao meio universal que sustém o indivíduo, graças à força de todo
o povo, sucede que suas funções inferiores não sejam anuladas, mas tenham
efetividade.

Na substância universal, porém, o indivíduo não só tem essa forma da


subsistência de seu agir em geral, mas também seu conteúdo. O que ele faz, é o
talento universal, o etos de todos. Esse conteúdo, enquanto se singulariza
completamente, está em sua efetividade encerrado nos limites do agir de todos.
O trabalho do indivíduo para prover a suas necessidades, é tanto satisfação das
necessidades alheias quanto das próprias; e o indivíduo só obtém a satisfação de
suas necessidades mediante o trabalho dos outros.

Assim como o singular, em seu trabalho singular, já realiza inconscientemente


um trabalho universal, assim também realiza agora o trabalho universal como
seu objeto consciente: torna-se sua obra o todo como todo, pelo qual se sacrifica,
e por isso mesmo dele se recebe de volta. Nada há aqui que não seja recíproco,
nada em que a independência do indivíduo não se atribua sua significação
positiva - a de ser para si - na dissolução de seu ser para si e na negação de si
mesmo. Essa unidade do ser para outro - ou do fazer-se coisa - com o ser para si,
essa substância universal fala sua linguagem universal nos costumes e nas leis de
seu povo.

No entanto, essa imutável essência não é outra coisa que a expressão da


individualidade singular que aparenta ser-lhe oposta. As leis exprimem o que
cada indivíduo é e faz; o indivíduo não as conhece somente como sua coisidade
objetiva universal, mas também nela se reconhece, ou: conhece-a como
singularizada em sua própria individualidade, e na de cada um de seus
concidadãos. Assim, no espírito universal, tem cada um a certeza de si mesmo -
a certeza de não encontrar, na efetividade essente, outra coisa que a si mesmo.
Cada um está tão certo dos outros quanto de si mesmo.

Vejo em todos eles que, para si mesmos, são apenas esta essência independente,
como Eu sou. Neles vejo a livre unidade com os outros, de modo que essa
unidade é através dos Outros como é através de mim.

Vejo-os como me vejo, e me vejo como os vejo.

Por conseguinte, em um povo livre, a razão em verdade está efetivada: é o


espírito vivo presente.

Nela, o indivíduo não apenas encontra sua determinação, isto é, sua essência
universal e singular expressa e dada como coisidade, senão que ele mesmo é tal
essência e alcançou também sua determinação. Por isso os homens mais sábios
da Antiguidade fizeram esta máxima: que a sabedoria e a virtude consistem em
viver de acordo com os costumes de seu povo.

Mas a consciência de si, que de início só era espírito imediatamente e segundo o


conceito, saiu dessa felicidade que consiste em ter alcançado sua determinação e
em viver nela. Ou, então: ainda não alcançou sua felicidade. Pode-se dizer
igualmente uma coisa como a outra: comecemos pela primeira alternativa.

A razão tem de sair dessa felicidade, pois somente em si, ou imediatamente, a


vida de um povo livre é a eticidade real. Ou seja: é uma eticidade essente, e por
isso esse espírito universal é, ele mesmo, um espírito singular. A totalidade dos
costumes e das leis é uma substância ética determinada, que só se despoja da
limitação no momento superior, a saber, na consciência a respeito de sua
essência. Somente nesse conhecer tem sua verdade absoluta, mas não
imediatamente em seu ser; pois, nesse, a substância ética é, por uma parte, uma
substância limitada, e, por outra, é a limitação absoluta justamente porque o
espírito está na forma de ser.

Além disso, a consciência singular, tendo sua existência imediatamente na


eticidade real ou no povo, é uma confiança maciça, para a qual o espírito ainda
não se dissociou em seus momentos abstratos, e portanto essa consciência ainda
não sabe que é a pura singularidade para si. Mas quando chega esse pensamento
- como tem que ser - então essa unidade imediata com o espírito, ou seu ser nele,
sua confiança está perdida. Isolada para si, agora a consciência singular é para si
a essência; não mais o espírito universal.

O momento dessa singularidade da consciência de si está, sem dúvida, dentro do


próprio espírito universal, mas somente como uma grandeza evanescente - a
qual, do mesmo modo que surge para si, também se dissolve nele
imediatamente; e chega à consciência como confiança apenas. Cada momento,
sendo momento da essência, deve chegar a apresentar-se como essência. Ora,
quando o momento é assim fixado, o indivíduo se enfrenta com as leis e os
costumes; que são um pensamento sem essencialidade absoluta, uma teoria
abstrata sem efetividade. Mas o indivíduo é para si, como este Eu, a verdade
viva.

Ou então na outra alternativa a consciência de si ainda não alcançou essa


felicidade de ser substância ética, o espírito de um povo. Pois ao retomar da
observação, inicialmente o espírito enquanto tal ainda não se efetivou por si
mesmo: foi posto somente como essência interior ou como abstração. Ou seja:
de início, o espírito é imediatamente apenas. Mas sendo de modo imediato, o
espírito é singular: é a consciência prática que avança para dentro do mundo por
ela descoberto, a fim de duplicar-se nessa determinidade de um singular; para
produzir-se como um isto, como uma réplica essente de si mesmo; para tornar-se
consciente dessa unidade de sua efetividade com a essência objetiva.

A consciência tem a certeza dessa unidade; dá por válido que já está presente em
si essa unidade, ou essa harmonia de si e da coisidade. Mas tem certeza também
que essa unidade só deve vir a ser para essa consciência mediante ela mesma,
ou, que seu fazer é igualmente o encontrar dessa unidade. Ora, essa unidade se
chama felicidade; por isso o indivíduo é enviado por seu espírito ao mundo para
buscar sua felicidade.

Para nós, a verdade dessa consciência de si racional é a substância ética; no


entanto, para ela, aqui está somente o começo de sua experiência ética do
mundo. Segundo a alternativa de que a consciência ainda não chegou à
substância ética, esse movimento impele em sua direção. O que nessa substância
se suprassume, são os momentos singulares que valem como isolados para a
consciência de si. Têm a forma de um querer imediato, ou de um impulso
natural que alcança sua satisfação; essa, por sua vez, é o conteúdo de um novo
impulso. Porém de acordo com a alternativa, de que a consciência de si perdeu a
felicidade de estar na substância, estão esses impulsos naturais unidos à
consciência de seu fim, como a verdadeira determinação e essencialidade. A
substância ética é rebaixada a predicado carente de si, cujos sujeitos vivos são os
indivíduos que através de si mesmos têm de implementar sua universalidade e,
por própria conta, cuidar de sua determinação.

Na alternativa de que o reino da eticidade está por alcançar, essas figuras da


consciência são o vir a ser da substância ética e a antecedem. Na alternativa de
que esse reino já foi encontrado e perdido, tais figuras vêm depois, e revelam à
consciência de si qual sua determinação. Na primeira alternativa, a imediatez ou
a rudeza dos impulsos se perdem no movimento em que se põe à prova qual é a
sua verdade; e seu conteúdo sobe a um nível superior. Mas na segunda
alternativa, o que se perde é a falsa representação da consciência que coloca
nesses impulsos sua determinação. Na primeira, o fim que os impulsos alcançam
é a substância ética imediata; na segunda, porém, é a consciência dessa
substância, e, justamente, uma consciência que sabe a substância como sua
própria essência. Desse modo, seria esse movimento o vir a ser da moralidade:
uma figura mais elevada que a anterior.

Essas figuras, porém, ao mesmo tempo só constituem um lado do vir a ser da


moralidade - o que incide no ser para si, ou um lado em que a consciência
suprassume os seus fins; não o aspecto conforme o qual a moralidade jorra da
substância mesma. Como esses momentos não podem ainda ter a significação de
serem erigidos em fim - em oposição à eticidade perdida - valem pois aqui
segundo o seu conteúdo espontâneo, e o fim para o qual impelem é a substância
ética.

Entretanto, por adequar-se melhor a nossos tempos a forma em que se


manifestam quando a consciência, tendo perdido sua ética, de novo a procura
repetindo aquelas formas - podem representar-se melhor tais momentos segundo
os exprime essa alternativa.

A consciência de si, que de início é somente o conceito do espírito, toma esse


caminho com a determinidade de ser para si a essência como espírito singular.
Seu fim é, pois, dar-se a efetivação como espírito singular - e como singular,
desfrutar-se nessa efetivação.

Na determinação de ser, para si, a essência como algo para si essente, a


consciência de si é a negatividade do Outro. Assim, ela mesma, em sua
consciência, surge como o positivo em contraste com alguma coisa que sem
dúvida é, mas que para ela tem a significação de algo não em si essente.
Aparece a consciência cindida entre essa efetividade encontrada e o fim que
implementa através do suprassumir da efetividade, e, antes, faz dele efetividade
em lugar dessa.

Mas seu primeiro fim é seu ser para si imediato e abstrato, ou seja: é intuir-se
como este singular em outro, ou intuir outra consciência de si como a si mesma.
A experiência do que é a verdade desse fim eleva mais alto a consciência de si. A
partir de agora é fim para si enquanto ao mesmo tempo é universal e tem a lei
imediatamente nela. Mas no cumprimento dessa lei de seu coração faz a
experiência de que a essência singular aqui não pode manter-se, já que o bem só
pode efetuar-se através do sacrifício do singular; e a consciência de si torna-se
virtude.

A experiência, que a virtude faz, só pode ser isto: seu fim já foi conseguido em si;
a felicidade se encontra no agir, imediatamente; e o agir mesmo é o bem. O
conceito de toda essa esfera, a saber, que a coisidade é o ser para si do espírito,
vem a ser no seu movimento para a consciência de si. Por isso, quando encontrou
esse conceito, ela é, para si, realidade, como individualidade que imediatamente
se exprime, e não encontra mais nenhuma resistência em uma efetividade
oposta; individualidade para a qual somente esse exprimir mesmo é objeto e
fim.

a. O PRAZER E A NECESSIDADE

A consciência de si que é para si, em geral, a realidade, tem nela mesma seu
objeto. Mas o tem como um objeto que primeiro é só para si, e não é ainda
essente. O ser a defronta como uma efetividade outra que a sua; e mediante a
implementação de seu ser para si vai rumo ao objetivo de intuir-se como outra
essência independente. Esse primeiro fim consiste em tornar-se consciente de si
como essência singular em outra consciência de si, ou em reduzir essa outra a si
mesma; ela tem a certeza que em si esse outro já é ela mesma.

Na medida em que tal consciência se elevou da substância ética e do ser calmo


do pensamento, ao seu ser para si, deixou para trás a lei do etos, e do ser-aí, os
conhecimentos da observação e a teoria. Ficou tudo para trás - como uma
sombra cinza evanescente. Com efeito, esse saber é, antes, o saber de algo que
tem outro ser para si e outra efetividade que não os da consciência de si. Nele
não penetrou o espírito da universalidade do saber e do agir, espírito de celeste
aparência, em que silenciam a sensação e o gozo da singularidade, e sim o
espírito da terra, para o qual somente o ser que é a efetividade da consciência
singular vale como verdadeira efetividade. Como o Dr. Fausto de Goethe,

Despreza intelecto e ciência

- supremos dons dos homens -

entregou-se ao demônio

e deve ir para o inferno.

Lança-se, pois, à vida e leva à plena realização a individualidade pura na qual


emerge a consciência de si. Mais do que produzir para si sua felicidade,
imediatamente a colhe e desfruta. As sombras da ciência, das leis e dos
princípios que se interpõem entre ela e a sua própria efetividade, desvanecem
como névoa sem vida, incapaz de acolher a consciência de si com a certeza de
sua realidade. Ela então toma a vida como se colhe um fruto maduro; e que, do
modo como se oferece à mão, essa o agarra.

Seu agir é um agir do desejo somente segundo um dos momentos. Não procede à
eliminação da essência objetiva toda, mas só da forma de seu ser Outro ou de
sua independência, que é uma aparência carente de essência; porque, em si, o
ser outro vale para a consciência de si, como a mesma essência; - ou como sua
ipseidade.

O elemento, em que o desejo e o seu oposto subsistem independentes e


indiferentes um ao outro, é o ser-aí vivo. O gozo do desejo o suprassume na
medida em que convém a seu objeto. Mas aqui o elemento que confere aos dois
uma efetividade separada é, antes, a categoria: um ser que é essencialmente um
representado. É portanto a consciência da independência que os mantém
separados - seja a consciência somente natural seja a consciência cultivada em
um sistema de leis.

Para a consciência de si, que sabe o Outro como sua própria ipseidade, tal
separação não é em si. Chega pois ao gozo do prazer, à consciência de sua
própria efetivação em uma consciência que se manifesta como independente, ou
na intuição da unidade das duas consciências de si independentes. Alcança seu
fim, mas ali experimenta justamente o que é a verdade desse fim. Concebe-se a
si mesma como esta essência singular para si essente. Porém a efetivação desse
fim é por sua vez o suprassumir dele, já que a consciência de si não se torna
objeto como este singular, mas sim como unidade de si mesma e de outra
consciência de si - por isso, como singular suprassumido ou como universal.
O prazer desfrutado possui, decerto, a significação positiva de ter vindo a ser para
si mesmo como consciência de si objetiva; mas igualmente, a negativa de ter
suprassumido a si mesmo. Ora, como a consciência de si só concebia sua
efetivação naquela significação positiva, sua experiência entra em sua
consciência como contradição. Ali vê aniquilada pela essência negativa a
efetividade, que alcançara, de sua singularidade; embora carente de efetividade,
a essência negativa vazia a defronta e é a potência que a devora. Tal essência
outra coisa não é que o conceito do que essa individualidade é em si;
individualidade essa que ainda é a mais pobre figura do espírito que se efetiva,
pois é somente, para si, a abstração da razão, ou a imediatez da unidade do ser
para si e do ser em si; portanto, sua essência é só a categoria abstrata.

No entanto, não tem mais a forma do ser simples imediato, como ocorria no
espírito observador, onde o ser abstrato - posto como algo estranho - é a coisidade
em geral. Agora entraram nessa coisidade o ser para si e a mediação. Portanto
surge aqui a coisidade como o círculo cujo conteúdo é a pura relação
desenvolvida das essencialidades simples. A efetivação, que essa individualidade
conseguiu, não consiste, pois, em outra coisa que em ter projetado esse círculo de
abstrações, desde o confinamento da simples consciência de si para dentro do
elemento do ser para ela, ou da expansão objetiva.

O que se torna, pois, no prazer desfrutado, objeto da consciência de si como sua


essência, é a expansão dessas essencialidades vazias - da pura unidade, da pura
diferença e de sua relação. Além disso, o objeto que a individualidade
experimenta como sua essência não tem conteúdo nenhum. É o que se chama
necessidade; com efeito, necessidade, destino etc., são justamente uma coisa que
ninguém sabe dizer o que faz, quais suas leis determinadas e seu conteúdo
positivo. Porque é o conceito absoluto intuído como ser, a relação simples e vazia,
mas irresistível e imperturbável, cuja obra é apenas o nada da singularidade.

A necessidade é essa conexão firme, porque as coisas conectadas são


essencialidades puras, ou abstrações vazias: unidade, diferença e relação são
categorias; cada uma delas nada é em si e para si, mas só em relação ao seu
contrário; portanto não podem separar-se uma da outra. É através de seu
conceito que mutuamente se referem, pois as categorias são os conceitos puros
mesmos: essa relação absoluta e esse movimento abstrato constituem a
necessidade. A individualidade somente singular, que só tem, de início, o puro
conceito de razão por seu conteúdo, em vez de precipitar-se da teoria morta para
a vida, o que fez foi jogar-se na consciência de sua própria carência de vida, e só
participa de si como necessidade vazia e alheia - como efetividade morta.

A passagem se efetua da forma do Uno para a forma da universalidade; de uma


abstração absoluta para outra; do fim do puro ser para si, que rejeitou a
comunidade com outros, para o contrário puro, que é por isso o ser em si
igualmente abstrato.

Isto se manifesta assim: o indivíduo somente foi ao chão, e a absoluta dureza da


singularidade se espatifa em contacto com a efetividade, igualmente dura mas
contínua.

Ora, enquanto o indivíduo como consciência é a unidade de si mesmo e de seu


contrário, essa queda no chão é ainda para ele; como também seu fim e sua
efetivação, e igualmente a contradição entre o que para ele era essência, e o que
a essência é em si. O indivíduo experimenta o duplo sentido subjacente no que
fazia, isto é: ter levado sua vida; levava a vida, mas o que encontrava era, antes, a
morte.

Essa passagem de seu ser vivo para a necessidade sem vida se lhe manifesta,
pois, como uma inversão, que por nada é mediatizada. O mediador deveria ser
algo em que os dois lados fossem um só - portanto, a consciência que conhecesse
um momento no outro: - seu fim e agir no destino, e seu destino no seu fim e agir;
sua essência própria nessa necessidade. Porém essa unidade é para essa
consciência justamente o prazer mesmo, ou o sentimento singular simples. A
passagem do momento desse seu fim ao momento de sua essência verdadeira é
para ela um puro salto no oposto, pois esses momentos não estão contidos e
ligados no sentimento, mas só no puro Si, que é um universal ou o pensar.

Assim, por meio da experiência - em que sua verdade deveria vir a ser para ela -
a consciência tornou-se, antes, um enigma para si mesma: as consequências de
seus atos não são, para ela, atos seus; o que lhe acontece não é, para ela, a
experiência do que é em si; a passagem não é uma simples mudança de forma
do mesmo conteúdo e essência, ora representado como essência e conteúdo da
consciência, ora como objeto ou essência intuída de si mesma. A necessidade
abstrata vale portanto como potência da universalidade, uma potência apenas
negativa e não concebida, contra a qual a individualidade se despedaça.

Até este ponto chega a manifestação dessa figura da consciência de si; o último
momento de sua existência é o pensamento de sua perda na necessidade, ou o
pensamento dela mesma como uma essência absolutamente estranha a si. A
consciência de si porém sobreviveu, em si, a essa perda: pois essa necessidade ou
a universalidade pura é sua essência própria. Essa reflexão da consciência sobre
si mesma, que faz saber a necessidade como Si, é uma nova figura sua.
b. A LEI DO CORAÇÃO E O DELÍRIO DA PRESUNÇÃO

O que seja, na verdade, a necessidade na consciência de si, aparece claro nesta


sua nova figura: a necessidade é a própria consciência de si, que nessa figura é
para si como o necessário: sabe que tem em si imediatamente o universal ou a
lei. A lei, devido a essa determinação de estar imediatamente no ser para si da
consciência, chama-se lei do coração. Essa figura, enquanto singularidade, é
para si essência - como a anterior; porém é mais rica, por ter a determinação
pela qual seu ser para si vale como necessário ou universal.

Assim, a lei, que é imediatamente a própria da consciência de si, ou um coração


- mas um coração que tem nele uma lei -, é o fim que essa consciência vai
efetivar. Resta ver se sua efetivação corresponde a tal conceito, e se nela a
consciência de si experimentará essa lei sua como sendo a essência.

Frente a esse coração está uma efetividade; pois dentro do coração a lei primeiro
é somente para si, ainda não se efetivou, e por isso é também algo outro que o
conceito. Determina-se esse Outro, portanto, como uma efetividade - que é o
oposto do que se tem de efetivar - e sendo assim é a contradição entre a lei e a
singularidade. De um lado, pois, essa efetividade é uma lei, pela qual a
individualidade singular é oprimida: uma violenta ordem do mundo, que contradiz
a lei do coração. De outro lado, é uma humanidade padecente sob essa ordem,
que não segue a lei do coração, mas está submetida a uma necessidade
estranha.

Para a figura atual da consciência, essa efetividade que se manifesta perante ela
não é, evidentemente, outra coisa que a relação anterior, cindida entre a
individualidade e a sua verdade; relação de uma necessidade atroz pela qual a
individualidade é oprimida.

Para nós, o movimento precedente comparece ante essa nova figura; porque, em
si, essa figura emergiu dele, o momento donde provém é necessário para ela.
Manifesta-se porém esse momento como algo encontrado, enquanto ela não tem
consciência nenhuma sobre sua origem. Para essa figura, a essência consiste
antes em ser para si mesma; ou em ser o negativo contrastando com o Em si
positivo.

Essa individualidade tende, pois, a suprassumir a necessidade que contradiz a lei


do coração, como também o sofrimento por ela causado. Sendo assim, a
individualidade já não é a frivolidade da figura anterior, que somente queria o
prazer singular; mas é a seriedade de um alto desígnio, que procura seu prazer na
apresentação de sua própria essência sublimada, e na produção do bem da
humanidade. O que a individualidade torna efetiva é a lei mesma, portanto seu
prazer é ao mesmo tempo prazer universal de todos os corações. As duas coisas
lhe são inseparáveis: seu prazer é "o conforme à lei" e a efetivação da lei da
humanidade universal, o preparo de seu prazer singular; porquanto, no seu
interior, a individualidade e a necessidade são imediatamente um só, e a lei é lei
do coração.

A individualidade ainda não se deslocou de seu posto, e a unidade das duas ainda
não se efetuou através do movimento mediatizante entre elas, nem tampouco
através da disciplina. A efetivação da essência imediata indisciplinada vale como
a apresentação de uma excelência do indivíduo e como a produção do bem da
humanidade.

Ao contrário, a lei que se opõe à lei do coração é separada do coração e livre


para si. A humanidade que lhe pertence não vive na unidade bem-aventurada da
lei com o coração, mas sim, ou na separação e no sofrimento atroz; ou, pelo
menos, na privação do gozo de si mesma - no acatamento da lei; e na privação
de sua própria excelência - na transgressão da lei. Ora, como essa despótica
ordem divina e humana está separada do coração, é para este uma aparência,
que ainda deve perder o que lhe está associado; a saber, o poder e a efetividade.

Acidentalmente, pode ocorrer que essa ordem coincida no conteúdo com a lei do
coração - que nesse caso poderá tolerá-la. Mas, para esse coração, a essência
não é pura conformidade à lei como tal, e sim a consciência de si mesma que o
coração nela encontra, o fato de que nela se satisfaz. Mas onde o conteúdo da
necessidade nada é em si segundo seu conteúdo, e deve ceder à lei do coração.

O indivíduo cumpre, assim, a lei de seu coração: tornar-se ordem universal, e o


prazer, uma efetividade em si e por si conforme à lei. Mas nessa efetivação, a lei
de fato escapou do coração e tornou-se, imediatamente, apenas a relação que
deveria ser suprassumida. Por essa efetivação, justamente, a lei do coração
deixa de ser lei do coração. Nela recebe, com efeito, a forma do ser, e agora é
potência universal, à qual esse coração é indiferente; de modo que o indivíduo,
pelo fato de estabelecer sua própria ordem, não a encontra mais como sua. Com
a efetivação de sua lei, ele não produz sua lei; pois embora, em si, seja a sua,
para o indivíduo é uma efetivação estranha. O que ele faz é enredar-se na ordem
efetiva, como numa superpotência estranha, que aliás não só lhe é estranha, mas
inimiga.

O indivíduo, através de seu ato, põe-se no elemento - melhor, como o elemento -


universal da efetividade essente. Seu ato deve, até mesmo pelo sentido que lhe
confere, ter o valor de uma ordem universal. Mas assim, o indivíduo libertou-se
de si mesmo, cresce para si como universalidade, e se purifica da singularidade.
O indivíduo - que só quer conhecer a universalidade sob a forma de seu imediato
ser para si - não se reconhece nessa universalidade livre; e contudo, ao mesmo
tempo, lhe pertence, pois ela é seu agir; agir que tem, pois, a significação
pervertida de contradizer a ordem universal, já que seu ato deve ser ato de seu
coração singular, e não efetividade universal livre. Mas, ao mesmo tempo, o
indivíduo a reconheceu no ato, pois o agir tem o sentido de pôr sua essência como
efetividade livre, quer dizer, reconhecer a efetividade como sua essência.

Por meio do conceito de seu agir, o indivíduo determinou de maneira mais exata
como é que se volta contra ele a universalidade efetiva - da qual ele se fez
propriedade. Seu agir, como efetividade, pertence ao universal; mas seu
conteúdo é a própria individualidade, querendo manter-se como este singular,
oposto ao universal. Não se trata aqui do estabelecimento de qualquer lei
determinada; porém a unidade imediata do coração singular com a
universalidade, é o pensamento que deve valer e ser erigido em lei: "que todo
coração deve reconhecer-se a si mesmo no que é lei".

Mas só o coração deste indivíduo pôs sua efetividade no seu ato, que exprime seu
ser para si ou seu prazer. O ato deve valer imediatamente como universal, quer
dizer, é na verdade algo particular: da universalidade tem apenas a forma; seu
conteúdo particular deve, como tal, valer por universal. Por isso os outros não
encontram realizada nesse conteúdo a lei de seu coração, e sim a de outro. Ora,
de acordo com a lei universal, justamente - de que "cada um deve encontrar seu
coração no que é lei" -, voltam-se contra a efetividade que este indivíduo
propunha, assim como ele se voltava contra a dos outros. Por conseguinte, o
indivíduo, como antes abominava somente a lei rígida, agora acha os corações
dos próprios homens, contrários a suas excelentes intenções e dignos de
abominação.

Para essa consciência, a natureza da efetivação e da eficiência lhe é


desconhecida, porque só conhece a universalidade como imediata, e a
necessidade como necessidade do coração. Não sabe que essa efetivação como
essente é antes, em sua verdade, o universal em si - no qual some a singularidade
da consciência que a ele se confia, para ser esta singularidade imediata. Portanto,
em lugar desse Ser seu, o que ela consegue é a alienação de si mesma no ser.

Mas aquilo em que a consciência não se reconhece já não é a necessidade


morta, e sim a necessidade enquanto vivificada por meio da individualidade
universal. Essa ordem divina e humana, que encontrou vigente, a consciência a
tomou por uma efetividade morta. Nela, não teriam consciência de si mesmos,
não somente ela - que se fixa como este coração para si essente oposto ao
universal -, mas também os outros que a tal ordem pertencem. Mas antes, ela
encontra essa ordem vivificada pela consciência de todos, e como lei de todos os
corações. Faz a experiência de que a efetividade é uma ordem vivificada; e isso
justamente porque ao mesmo tempo torna efetiva a lei de seu coração. Isso
significa apenas que a individualidade se torna para si objeto como universal; um
objeto, aliás, em que não se reconhece.

Por conseguinte, o que para essa figura da consciência de si resulta como o


verdadeiro de sua experiência contradiz o que ela é para si. Mas o que é para si
tem também, para tal figura, a forma da universalidade absoluta: é a lei do
coração, que imediatamente é um só com a consciência de si. Ao mesmo tempo,
a ordem viva e subsistente é também sua própria essência e obra; não produz
outra coisa a não ser essa ordem, que está em unidade igualmente imediata com
a consciência de si. Dessa maneira, é a uma essencialidade duplicada e oposta
que essa consciência pertence - contraditória em si mesma e dilacerada no que
tem de mais íntimo.

A lei desse coração é somente aquilo em que a consciência de si reconhece a si


mesma. Porém, através da efetivação dessa lei, a ordem que vigora
universalmente se lhe tornou sua própria essência, e sua própria efetividade.
Portanto, o que se contradiz em sua consciência - a lei e o coração - estão ambos
para ela na forma da essência e da sua própria efetividade.

Quando enuncia esse momento de sua queda consciente e nisso o resultado de


sua experiência, a consciência de si mostra-se como a subversão íntima de si
mesma, como o desvario da consciência para a qual sua essência é
imediatamente inessência, sua efetividade imediatamente inefetividade. O
desvario não pode entender-se como se, em geral, algo inessencial fosse tido por
essencial, algo inefetivo por efetivo; como se o que fosse para alguém essencial
ou efetivo não o fosse para outrem; e como se a consciência da efetividade e da
inefetividade - ou da essencialidade e da inessencialidade - incidissem fora uma
da outra.

Se algo é de fato efetivo ou essencial para a consciência, em geral, mas não o é


para mim, então, na consciência de seu nada, eu - já que sou a consciência em
geral - tenho ao mesmo tempo a consciência de sua efetividade; ora, quando os
dois momentos são fixados, isso forma uma unidade que é o desvario em geral.
Contudo, nesse desvario, o que está desvairado para a consciência é apenas um
objeto; não a consciência como tal, em si e para si mesma. Porém, no resultado
da experiência que se revelou aqui, a consciência na sua lei está cônscia de si
mesma, como este Efetivo; e, ao mesmo tempo, tornou-se cônscia de sua
inefetividade, enquanto consciência de si, enquanto efetividade absoluta; porque
essa mesma essencialidade, essa mesma efetividade se lhe alienou. Ou seja: os
dois lados, segundo sua contradição, valem imediatamente como sua essência
para essa consciência - que portanto está desvairada no seu mais íntimo.

O pulsar do coração pelo bem da humanidade desanda assim na fúria de uma


presunção desvairada; no furor da consciência para preservar-se de sua
destruição. Isso, porque ela projeta fora de si a perversão que é ela mesma, e se
esforça por considerá-la e exprimi-la como um Outro. Então a consciência
denuncia a ordem universal como uma perversão da lei do coração e da sua
felicidade. Perversão inventada e exercida por sacerdotes fanáticos, por tiranos
devassos com a ajuda de seus serviçais, que humilhando e oprimindo procuram
ressarcir-se de sua própria humilhação.

Em seu desvario, a consciência denuncia a individualidade como fonte de seu


desvario e perversão; mas uma individualidade alheia e contingente. Porém o
coração, ou seja, a singularidade - que pretende ser imediatamente universal - da
consciência, é a fonte mesma desse desvario e perversão. Seu agir só tem por
resultado que essa contradição chegue à sua consciência.

Com efeito, o verdadeiro para ele é a lei do coração - algo meramente visado,
que não suportou a luz do dia, como a ordem estabelecida; mas que, ao contrário,
apenas exposto a essa luz, cai por terra. Essa lei, que é a sua, deveria ter
efetividade; nesse caso, a lei, enquanto efetividade, enquanto ordem vigente, é
para ela fim e essência. Mas também, imediatamente para ela a efetividade -
precisamente a lei como ordem vigente - é, antes, o nada.

Do mesmo modo, sua própria efetividade - o coração mesmo como


singularidade da consciência - é, para si, a essência. Ora, ele tem por fim pôr
essa efetividade como essente; logo, a essência ou o fim enquanto lei é antes,
para ele, imediatamente o seu Si como algo não singular, e por isso mesmo,
como uma universalidade que o coração seria para sua consciência mesma.

Através do agir, esse seu conceito se torna seu objeto. Com efeito, o coração
experimenta seu Si, antes como inefetivo - e a inefetividade como sua
efetividade. Assim esse coração não é uma individualidade alheia e contingente;
mas é justamente em si, sob todos os aspectos, pervertido e perversor.

Aliás, se é perversa e perversiva a individualidade imediatamente universal, essa


ordem universal - lei de todos os corações, ou seja, lei do pervertido - em si não é
menos o pervertido, como denunciava o desvario furioso.

De uma parte, na resistência que a lei de um coração encontra na lei dos outros
singulares, a ordem universal demonstra ser a lei de todos os corações. As leis
vigentes são defendidas contra a lei de um indivíduo, porque não são uma
necessidade morta e vazia, carente de consciência, e sim a universalidade e a
substância espirituais. Nelas vivem como indivíduos, e são conscientes de si
mesmos, aqueles para quem essas leis têm sua efetividade. E isso de tal modo,
que embora queixando-se dessa ordem como se contrariasse sua lei interior, e
mantendo contra ela as suposições do coração, de fato estão pelo coração ligados
a ela, como à sua essência, e tudo perdem se lhes for retirada, ou se dela se
excluírem eles mesmos. Como nisso justamente consistem a efetividade e o
poder da ordem pública, essa ordem se manifesta como a essência
universalmente vivificada, igual a si mesma; enquanto a individualidade se
mostra como sua forma.

Porém essa ordem é igualmente o pervertido.

Com efeito, por ser essa ordem a lei de todos os corações, e por serem todos os
indivíduos imediatamente esse universal, ela é uma efetividade, a qual é somente
a efetividade da individualidade para si essente, ou do coração.

A consciência, que estabelece a lei de seu coração, experimenta assim


resistência da parte dos outros, pois tal lei contradiz as leis igualmente singulares
de seus corações. Na sua resistência, nada mais fazem que estabelecer suas
próprias leis e fazê-las vigorar. O universal, que está presente, é portanto apenas
uma resistência universal, uma luta de todos contra todos, em que cada um faz
valer sua singularidade própria, mas ao mesmo tempo não chega lá, porque sua
singularidade experimenta a mesma resistência e por sua vez é dissolvida pelas
outras individualidades.

O que parece ser ordem pública é assim essa beligerância geral, em que cada
um arranca o que pode, exerce a justiça sobre a singularidade dos outros,
consolida sua própria singularidade que igualmente desvanece por obra dos
outros. Essa ordem é o curso do mundo, aparência de uma marcha constante,
mas que é somente uma universalidade visada, e cujo conteúdo é antes o jogo
inessencial da consolidação das singularidades e da sua dissolução.

Consideremos os dois lados da ordem universal, contrastando um com o outro: a


última universalidade tem por conteúdo a individualidade irrequieta, para o qual o
visar ou a singularidade é a lei - o Efetivo, Inefetivo; e o Inefetivo é o Efetivo.
Mas é, ao mesmo tempo, o lado da efetividade da ordem, porquanto lhe pertence
o ser para si da individualidade. O outro lado é o universal como essência
tranquila, mas, por isso mesmo, um interior apenas; não que seja totalmente
nada, mas também não é efetividade nenhuma: só mediante a suprassunção da
individualidade - que se arrogou a efetividade - é que pode tornar-se efetiva.
Essa figura da consciência é a virtude: consiste em tornar-se certo de si na lei, no
verdadeiro e no bem em si; e em saber, ao contrário, a individualidade como o
pervertido e o perversor; e em ter, por isso, de sacrificar a singularidade da
consciência.

c. A VIRTUDE E O CURSO DO MUNDO

Na primeira figura da razão ativa, a consciência de si era, para si, pura


individualidade, e frente a ela se postava a universalidade vazia. Na segunda
figura, cada uma das duas partes continha os dois momentos - lei e
individualidade: uma das partes, o coração, era sua unidade imediata, e a outra,
sua oposição. Aqui, na relação entre a virtude e o curso do mundo, os dois
membros são, cada um, unidade e oposição desses momentos, ou seja, são um
movimento da lei e da individualidade - um em relação ao outro, mas em sentido
oposto.

Para a consciência da virtude, a lei é o essencial, enquanto a individualidade é o


que deve ser suprassumido, tanto na sua consciência mesma quanto no curso do
mundo. Nela, a individualidade própria deve disciplinar-se sob o universal, o
verdadeiro e o bem em si. Porém, mesmo assim, fica ainda sendo consciência
pessoal: a verdadeira disciplina é só o sacrifício da personalidade toda, como
garantia de que a consciência de fato já não está presa a singularidades. Ao
mesmo tempo, nesse sacrifício singular, é extirpada no curso do mundo a
individualidade, por ser também um momento simples, comum aos dois termos.

A individualidade se comporta no curso do mundo de maneira inversa da que


tinha na consciência virtuosa, a saber: ela se faz essência, e em contrapartida
subordina a si o que em si é bom e verdadeiro. Além do que, para a virtude, o
curso do mundo não é somente esse universal pervertido pela individualidade;
mas a ordem absoluta é igualmente um momento comum aos dois termos; só
que no curso do mundo não está presente, para a consciência como efetividade
essente, mas é sua essência interior. Portanto, essa ordem não tem de ser
produzida só pela virtude, já que o produzir, enquanto agir, é consciência da
individualidade; a qual deve, antes, ser suprassumida. Porém com esse
suprassumir, somente se dá espaço ao Em si do curso do mundo, para que possa
entrar na existência em si e para si.

O conteúdo universal do efetivo curso do mundo já se deu a ver: examinado mais


de perto, não é outra coisa que os dois movimentos anteriores da consciência de
si. Deles brotou a figura da virtude; posto que são sua origem, elas os têm diante
de si; porém empreende suprassumir sua origem, realizar-se ou vir a ser para si.
O curso do mundo é, pois, de um lado, a individualidade singular que busca seu
prazer e gozo; assim agindo, encontra sua ruína, e desse modo satisfaz o
universal. Mas essa satisfação mesma - como aliás os outros momentos dessa
relação - é uma figura e um movimento pervertidos do universal. A efetividade é
somente a singularidade do prazer e do gozo, enquanto o universal é o seu oposto:
uma necessidade que é apenas a figura vazia do universal, uma reação
puramente negativa e um agir carente de conteúdo.

O outro momento do curso do mundo é o da individualidade que pretende ser lei


em si e para si, e que nessa pretensão perturba a ordem estabelecida. Na
verdade, a lei universal se mantém contra essa enfatuação, e não surge mais
como algo oposto à consciência e vazio; nem como necessidade morta, mas sim
como necessidade na consciência mesma. Porém essa lei universal, quando
existe como relação consciente da efetividade absolutamente contraditória, é o
desvario; e quando é como efetividade objetiva, então é a perversidade em geral.
Portanto o universal se apresenta, de certo, nos dois lados, como a potência de
seu movimento; mas a existência dessa potência é apenas a perversão universal.

Agora deve o universal receber da virtude sua verdadeira efetividade, mediante


o suprassumir da individualidade - do princípio da perversão. O fim da virtude é,
pois, reverter de novo o curso pervertido do mundo, e trazer à luz sua verdadeira
essência. Primeiro, essa essência verdadeira está no curso do mundo somente
como seu Em si; não é ainda efetiva. Por isso a virtude nela crê, apenas. Procede
a elevar essa fé ao contemplar, mas sem gozar dos frutos de seu trabalho e
sacrifício. Com efeito: na medida em que a virtude é individualidade, ela é o agir
da luta que trava com o curso do mundo; seu fim e sua verdadeira essência são o
triunfo sobre a efetividade do curso do mundo: a existência assim efetuada do
bem é desse modo a cessação de seu agir, ou da consciência da individualidade.

Como é que essa luta se sustenta; que experimenta nela a virtude; se, com o
sacrifício que a virtude assume, o curso do mundo sucumbe e a virtude triunfa;
são questões que se devem decidir pela natureza das armas vivas que os lutadores
empunham. Com efeito, essas armas não são outra que a essência dos próprios
lutadores, a qual só surge para ambos de modo recíproco. Ora, suas armas já se
revelaram pelo que, em si, está presente nessa luta.

O universal, para a consciência virtuosa, é verdadeiro na fé, ou em si; não é


ainda uma universalidade efetiva, e sim, abstrata: está nessa consciência como
fim, e no curso do mundo como interior. Para o curso do mundo, é justamente
nessa determinação que o universal se apresenta também na virtude, pois essa
apenas quer realizar o bem, e não o dá ainda como efetividade.
Pode-se também considerar essa determinidade de modo que o bem - enquanto
surge na luta contra o curso do mundo - se apresente como sendo para outro;
como algo que não é em si e para si mesmo, pois, aliás, não pretenderia dar-se
sua verdade mediante a subjugação de seu contrário. Dizer que o bem é só para
outro significa o mesmo já mostrado sobre o bem na consideração oposta: a
saber, que o bem é uma abstração apenas, que só tem realidade na relação, e
não em si e para si.

O bem ou o universal, tal como surge aqui, é o que se chama dons, capacidades,
forças. É um modo de ser do espiritual em que é apresentado como um
universal, o qual precisa do princípio da individualidade para sua vivificação e
movimento, e tem sua efetividade nesse princípio. Por esse princípio - enquanto
está na consciência da virtude - o universal é bem aplicado; mas enquanto está no
curso do mundo, é mal empregado: é um instrumento passivo, que, manobrado
pela individualidade livre, é indiferente ao uso que faz dele. Pode também ser
mal empregado para a produção de uma efetividade que seja sua destruição: é
uma matéria sem vida, privada da independência própria, que pode ser
modelada de um jeito ou de outro, inclusive para sua destruição.

Como esse universal está igualmente à disposição tanto da consciência da virtude


como do curso do mundo, pode-se questionar se a virtude assim armada vencerá
o vício. As armas são as mesmas: são essas capacidades e forças. Sem dúvida, a
virtude tem em reserva sua fé na unidade originária de seu fim com a essência
do curso do mundo; no decorrer da luta, essa deve cair sobre a retaguarda do
inimigo, e implementar em si o seu fim. Desse modo, para o cavaleiro andante
da virtude, seu próprio agir e lutar são propriamente uma finta, que não pode
levar a sério - já que empenha sua verdadeira valentia em que o bem seja em si
e para si - isto é, que se cumpra por si mesmo. E também, uma finta que não
deve fazer que seja levada a sério.

Com efeito, o que ele volta contra o inimigo, e encontra voltado contra si mesmo,
o que expõe à deterioração e ao desgaste, tanto nele quanto no inimigo, não deve
ser o bem mesmo, já que a luta é para sua preservação e cumprimento. O que se
põe em risco nessa luta, são apenas dons e capacidades indiferentes. Esses
porém, de fato, não são outra coisa que precisamente esse universal mesmo,
carente de individualidade, que deve ser preservado e efetivado através da luta.

Entretanto, esse universal, ao mesmo tempo, já está imediatamente efetivado


através do conceito mesmo da luta; é o Em si, o universal, e sua efetivação
significa unicamente que ele é igualmente para outro. Os dois lados acima
apresentados, segundo cada um dos quais o universal se tornava uma abstração,
já não são separados: ao contrário, na luta e pela luta o bem é posto, a um só
tempo, dos dois lados.

Mas a consciência virtuosa entra em luta contra o curso do mundo como contra
um oposto ao bem. Ora, o que o curso do mundo oferece à consciência na luta, é
o universal; e não só como um universal abstrato, mas como um universal
vivificado pela individualidade, e essente para outro: ou seja, o bem efetivo.
Assim, onde quer que a virtude entre em contato com o curso do mundo, toca
sempre posições que são a existência do bem mesmo, o qual, como o Em si do
curso do mundo, está inseparavelmente imbricado em todas as suas
manifestações e tem seu ser-aí na efetividade do curso do mundo. Esse, portanto,
é invulnerável para a virtude. Justamente tais existências do bem - e assim,
relações invioláveis - são todos esses momentos que a virtude teria de atacar e de
sacrificar.

Lutar, portanto, só pode ser um vacilar entre conservar e sacrificar - ou antes,


não pode caber nem o sacrifício do próprio, nem o ferimento do estranho.
Assemelha-se a virtude não só a um combatente, que na luta está todo ocupado
em conservar sua espada sem mancha; e mais ainda: que entrou na luta para
preservar as suas armas. Não só não pode fazer uso de suas próprias armas,
como além disso deve manter intactas as do adversário, e protegê-las contra seu
próprio ataque: porquanto são, todas, partes nobres do bem, pelo qual a virtude
entrou na luta.

Para esse inimigo, ao contrário, a essência não é o Em si, mas a individualidade.


Sua força é, pois, o princípio negativo, para o qual nada há de subsistente, nem de
absolutamente sagrado, senão que arrisca e pode suportar a perda de toda e
qualquer coisa. Por isso, a vitória é certa, tanto nela mesma como pela
contradição em que se enreda o inimigo. O que para a virtude é em si, para o
curso do mundo é apenas para ele: é livre de qualquer momento que seja sólido
para a virtude, e ao qual ela esteja ligada.

O curso do mundo tem em seu poder tal momento, que lhe vale como um
momento que tanto pode suprassumir como fazer subsistir; e assim tem em seu
poder também o cavaleiro virtuoso, a ele vinculado. Não pode desembaraçar-se
dele como de um manto que o envolvesse do exterior, e dele se libertar jogando-
o atrás, já que esse momento é para ele a essência de que não se pode desfazer.

Enfim, quanto à emboscada em que o bom Em si deveria astutamente


surpreender o curso do mundo pela retaguarda - tal esperança, em si, não vale
nada. O curso do mundo é a consciência desperta, certa de si mesma, que não se
deixa atacar por detrás mas faz frente por todos os lados. Com efeito, o curso do
mundo é tal que tudo é para ele, tudo está diante dele. Porém o bom Em si, é
para o seu inimigo; assim é na luta que acabamos de ver. Mas enquanto não é
para ele, mas em si, é o instrumento passivo dos dons e capacidades, a matéria
carente de efetividade; representado como ser-aí, seria uma consciência
adormecida, que ficou para trás, não se sabe onde.

Portanto a virtude é vencida pelo curso do mundo, pois o seu fim de fato é a
essência inefetiva abstrata, e porque, com vistas à efetividade, seu agir repousa
em diferenças que só residem nas palavras. A virtude pretendia consistir em
levar o bem à efetividade por meio do sacrifício da individualidade; ora, o lado
da efetividade não é outro que o lado da individualidade. O bem deveria ser
aquilo que é em si, e o que se põe em oposição ao que é; no entanto, o Em si,
segundo sua realidade e verdade, é o ser mesmo. Primeiro, o Em si é a abstração
da essência frente à efetividade; mas a abstração é justamente aquilo que não é
verdadeiramente, porém que é só para a consciência. Quer dizer: é o que se
chama efetivo, pois efetivo é aquilo que essencialmente é para outro, ou seja: é o
ser. Entretanto, a consciência da virtude repousa nessa diferença do Em si e do
ser que não tem verdade nenhuma.

O curso do mundo deveria ser a perversão do bem, por ter a individualidade por
seu princípio. Só que essa individualidade é o princípio da efetividade; pois é
justamente a consciência por meio da qual o em si essente é também para outro.
O curso do mundo perverte o imutável; de fato, porém, o inverte do nada da
abstração ao ser da realidade.

Assim, o curso do mundo triunfa sobre o que constitui a virtude em oposição a


ele; triunfa sobre a virtude para a qual a abstração sem essência é a essência. No
entanto, não triunfa sobre algo real, mas sobre o produzir de diferenças que não
são nenhumas; sobre discursos pomposos a respeito do bem supremo da
humanidade, e de sua opressão; e a respeito do sacrifício pelo bem, e do mau uso
dos dons. Semelhantes essências e fins ideais desmoronam como palavras ocas
que exaltam o coração e deixam a razão vazia; edificam, mas nada constroem.
Declamações que só enunciam este conteúdo determinado: o indivíduo que
pretende agir por fins tão nobres e leva adiante discursos tão excelentes, vale
para si como uma essência excelente. Tudo isso não passa de uma
intumescência, que faz sua cabeça e a dos outros ficarem grandes, mas grandes
por uma oca flatulência.

A virtude antiga tinha significação segura e determinada, porque tinha uma base,
rica de conteúdo, na substância de um povo, e se propunha como fim, um bem
efetivo já existente. Não se revoltava contra a efetividade como se fosse uma
perversão universal e contra um curso do mundo. Mas a virtude de que se trata
aqui é uma que está fora da substância, uma virtude carente de essência - uma
virtude somente da representação e das palavras, privada daquele conteúdo
substancial.

O vazio dessa retórica em luta contra o curso do mundo se descobriria de


imediato caso se devesse dizer o que sua retórica significa; por isso tal significado
é pressuposto como bem conhecido. A exigência de dizer esse bem conhecido, ou
seria atendida por uma nova torrente de retórica, ou então se lhe oporia o apelo
ao coração que diz interiormente qual sua significação. Quer dizer: teria de
confessar a impossibilidade de dizê-lo de fato.

A cultura de nossa época parece ter alcançado a certeza da nulidade dessa


retórica embora de maneira inconsciente. De fato, parece haver desaparecido
qualquer interesse por toda a massa daquele palavreado, e pelo modo de
pavonear-se com ele; perda que se exprime no fato de que tudo isso só produz
tédio.

Assim o resultado, que dessa oposição surge, consiste em desembaraçar-se a


consciência como de um manto vazio, da representação de um bem em si, que
não teria ainda efetividade nenhuma. Na sua luta, fez a experiência de que o
curso do mundo não é tão mau como aparentava, já que sua efetividade é a
efetividade do universal. Com essa experiência se descarta o meio de produzir o
bem através do sacrifício da individualidade; pois a individualidade é
precisamente a efetivação do em si essente. A perversão deixa de ser vista como
uma perversão do bem porque é, antes, a conversão do bem, entendido como um
mero fim, em efetividade; o movimento da individualidade é a realidade do
universal.

Mas de fato, por isso mesmo o que como curso do mundo defrontava a
consciência do em si essente, é vencido e desvanece. O ser para si da
individualidade ali se opunha à essência ou ao universal, e se manifestava como
uma efetividade separada do ser em si. Mas, como se demonstrou que a
efetividade está em unidade inseparável com o universal, então se demonstra que
o ser para si do curso do mundo - tanto como o Em si da virtude - são apenas
uma maneira de ver, e nada mais. A individualidade do curso do mundo pode
bem supor que só age para si, ou por egoísmo; ela é melhor do que imagina: seu
agir é ao mesmo tempo um agir universal em si essente.

Quando age por egoísmo, não sabe simplesmente o que faz. Quando assegura
que todos os homens agem por egoísmo, apenas afirma que todos os homens não
possuem nenhuma consciência do que seja o agir. Quando a individualidade age
para si, então isso é justamente o surgimento para a efetividade do que era
apenas em si essente. Portanto, o fim do ser para si, que se supõe oposto ao Em
si; suas espertezas vazias e também suas explicações sutis, que sabem detectar o
egoísmo em toda a parte, igualmente desvaneceram - como o fim do Em si e sua
retórica.

O agir e o atarefar-se da individualidade são, pois, fim em si mesmo. O uso das


forças, o jogo de sua exteriorização, são o que lhes confere vida, senão seriam o
Em si morto. O Em si não é um universal irrealizado, inexistente e abstrato; mas
ele mesmo é imediatamente essa presença e efetividade do processo da
individualidade.

C - A INDIVIDUALIDADE Q UE É PARA SI REAL EM SI E PARA SI


MESMA

A consciência de si agora captou o conceito de si, que antes era só o nosso a seu
respeito - o conceito de ser, na certeza de si mesma, toda a realidade. Daqui em
diante tem por fim e essência a interpenetração movente do universal - dons e
capacidades - e da individualidade.

Os momentos singulares de sua implementação e interpenetração - antes da


unidade na qual confluíram - são os fins considerados até aqui. Eles
desvaneceram, como abstrações e quimeras que pertencem às primeiras figuras
fátuas da consciência de si espiritual, e que só têm sua verdade no ser que
pretendem o coração, a presunção e os discursos; e não, na razão. Agora a razão,
certa de sua realidade em si e para si, já não busca produzir-se como fim, em
oposição à efetividade imediatamente essente, mas tem por objeto de sua
consciência a categoria como tal.

Isto significa que foi suprassumida a determinação da consciência de si para si


essente ou negativa, na qual surgia a razão; aquela consciência de si encontrava
uma efetividade que era o negativo seu, e só efetivava seu fim suprassumindo-a.
Como porém o fim e o ser em si se mostraram o mesmo que o ser para outro e a
efetividade encontrada, a verdade já não se separa da certeza: - quer o fim posto
se tome como certeza de si mesmo, e sua efetivação como verdade; quer o fim
se tome como verdade e a efetividade como certeza. Aliás, a essência, e o fim
em si e para si mesmo, são a certeza da própria realidade imediata - a
interpenetração do ser em si e do ser para si, do universal e da individualidade. O
agir é, nele mesmo, sua verdade e efetividade. Para o agir é fim em si e para si
mesmo, a representação ou a expressão da individualidade.

Com esse conceito, pois, a consciência de si retomou a si das determinações


opostas que a categoria tinha para ela; e que sua atitude como observadora e
depois como ativa tinha para com a categoria. Tem agora a pura categoria
mesma por seu objeto; ou, é a pura categoria que veio a ser consciente de si
mesma. Acertou as contas com suas figuras precedentes: jazem no
esquecimento, atrás dela; não se deparam com a consciência de si como seu
mundo encontrado, mas se desenvolvem apenas no interior dela como momentos
transparentes. Entretanto, na sua consciência eles ainda se põem como um
movimento que tem os momentos diferentes fora um do outro, que ainda não se
recolheu à sua própria unidade substancial. Mas em todos os momentos, a
consciência mantém firme a unidade do ser e do Si, unidade que é o gênero
deles.

Assim despojou-se a consciência de toda a oposição e de todo o condicionamento


de seu agir; sai fresca de si, não rumo a Outro, mas rumo a si mesma. A matéria
do operar e o fim do agir residem no próprio agir, já que a individualidade é, nela
mesma, a efetividade. Por conseguinte, o agir tem o aspecto do movimento de
um círculo que livre no vácuo se move em si mesmo, sem obstáculos; ora se
amplia, ora se reduz, e, perfeitamente satisfeito, só brinca em si mesmo e
consigo mesmo.

O elemento, em que a individualidade apresenta sua figura, tem o significado de


um puro assumir dessa figura: é a luz do dia, em geral, onde a consciência quer
mostrar-se. O agir nada altera, e não vai contra nada: é a pura forma de trasladar
o não tornar-se visto para o tornar-se visto. O conteúdo, que é trazido à luz do dia
e que se apresenta, é o mesmo que este agir já é em si. O agir é em si: eis sua
forma como unidade pensada; o agir é efetivo: - eis sua forma como unidade
essente; o agir é conteúdo somente nessa determinação da simplicidade, em
contraste com a determinação de seu trasladar-se e de seu movimento.

a - O REINO ANIMAL DO ESPÍRITO E A IMPOSTURA - OU A COISA


MESMA

Essa individualidade em si real é, primeiro, uma individualidade singular e


determinada. A realidade absoluta, tal como a individualidade se sabe, é portanto
- como ela se torna consciente disso -, a realidade universal e abstrata, sem
implementação nem conteúdo; apenas o pensamento vazio dessa categoria.
Vejamos como este conceito da individualidade em si mesma real se determina
em seus momentos, e como lhe entra na consciência o conceito que forma dela
mesma.
O conceito dessa individualidade - de que ela, como tal, é para si mesma toda a
realidade - inicialmente é resultado. A individualidade ainda não apresentou seu
movimento e realidade, e aqui é posta imediatamente como simples ser em si.
Mas a negatividade, que é o mesmo que aparece como movimento, está no
simples Em si como determinidade; e o ser, ou o simples Em si, torna-se uma
determinada esfera do essente. A individualidade entra em cena, pois, como
natureza originária determinada: como natureza originária, porque é em si; como
originariamente determinada, porque o negativo está no Em si; o qual, portanto, é
uma qualidade. Seja como for, essa limitação do ser não pode limitar o agir da
consciência, porque essa é aqui um perfeito relacionar se de si consigo mesma;
está suprassumida a relação para com o Outro, que a limitaria. A determinidade
originária da natureza é, pois, somente princípio simples - um elemento universal
transparente, onde a individualidade não só permanece livre e igual a si mesma,
como também aí desenvolve sem entraves as suas diferenças; e na efetivação
delas é pura ação recíproca consigo mesma.

É semelhante à vida animal indeterminada que infunde seu sopro de vida ao


elemento da água, do ar, ou da terra - e na terra ainda a outros princípios mais
determinados - e imerge nesses princípios todos os seus momentos; mas apesar
dessa limitação do elemento mantém-nos em seu poder e mantém-se na sua
unidade, permanecendo a mesma vida animal universal enquanto esta
organização particular.

Essa natureza originária determinada da consciência, que nela é livre e


permanece inteiramente, manifesta-se como o próprio conteúdo imediato e
único do que é o fim para o indivíduo. De certo, o conteúdo é determinado, mas
só é conteúdo em geral enquanto consideramos isoladamente o ser em si. Mas,
na verdade, o conteúdo é a realidade penetrada pela individualidade: a
efetividade tal como a consciência tem em si enquanto singular, e que de início é
posta, como essente, e não ainda como agente.

Mas para o agir, de um lado, essa determinidade não constitui uma limitação que
ele queira superar, porquanto tal determinidade, considerada como qualidade
essente, é a simples cor do elemento onde se move. De outro lado, porém, a
negatividade só é a determinidade no ser. Mas o agir mesmo não é outra coisa
que a negatividade: assim, na individualidade agente, a determinidade se dissolve
na negatividade, em geral; ou no conjunto de toda a determinidade.

No agir e na consciência do agir, a natureza originária simples alcança agora


aquela diferença que corresponde ao agir. Primeiro, o agir está presente como
objeto, e justamente como objeto que ainda pertence à consciência, ou seja,
como fim. Desse modo se opõe a uma efetividade presente. O segundo momento
é o movimento do fim, representado como em repouso, a efetivação como
relação do fim para com a efetividade inteiramente formal, que assim é a
representação da passagem mesma, ou o meio. O terceiro momento afinal é o
objeto - quando não é mais fim de que o agente está imediatamente cônscio
como seu, mas quando vai para fora do agente e é para ele, como Outro.

No entanto, segundo o conceito dessa esfera, esses diversos aspectos agora


devem ser estabelecidos de tal forma que neles o conteúdo permaneça o mesmo;
sem que nenhuma diferença se introduza, nem entre a individualidade e o ser em
geral, nem entre o fim e a individualidade como natureza originária, ou entre ele
e a efetividade presente; nem tampouco entre o meio e a efetividade como fim
absoluto; nem entre a efetividade efetuada e o fim ou a natureza originária, ou o
meio.

De início, a natureza originariamente determinada da individualidade, sua


essência imediata, não está ainda posta como agente, e assim chama-se
faculdade especial, talento, caráter etc. Essa colocação característica do espírito
deve ser considerada como o único conteúdo do próprio fim, e, com absoluta
exclusividade, como a realidade. Quem se representasse a consciência como
ultrapassando esse conteúdo, e querendo levar à efetividade outro conteúdo,
representar-se-ia a consciência como um nada labutando rumo ao nada.

Além disso, essa essência originária não é só o conteúdo do fim, mas também é
em si, a efetividade que aliás se manifesta como matéria dada do agir, como
efetividade encontrada que deve formar-se no agir. O agir, precisamente, é só o
puro trasladar da forma do Ser ainda não representado à forma do Ser
representado. O ser em si daquela efetividade, oposta à consciência, afundou na
pura aparência vazia. Essa consciência quando se determina a agir não se deixa
induzir em erro pela aparência da efetividade presente; e também deve
concentrar-se no conteúdo originário de sua essência, em vez de embaraçar-se
em pensamentos e fins vazios.

Sem dúvida, esse conteúdo originário só é para a consciência quando essa o


efetivou; está descartada porém a diferença entre uma coisa que é para a
consciência só dentro de si e uma efetividade em si essente que está fora dela. Só
que, para que seja para a consciência o que é em si, deve agir: ou seja, o agir é
precisamente o vir a ser do espírito como consciência. Assim, a partir de sua
efetividade, sabe o que é em si. O indivíduo não pode saber o que ele é antes de
se ter levado à efetividade através do agir.

Mas com isso parece não poder determinar o fim de seu agir antes de ter agido;
mas, ao mesmo tempo, o indivíduo, enquanto consciência, deve ter antes à sua
frente a ação como inteiramente sua, isto é, como fim. Assim o indivíduo que vai
agir parece encontrar-se em um círculo onde cada momento já pressupõe o
outro, e desse modo não pode encontrar nenhum começo. Com efeito, só a partir
da ação aprende a conhecer sua essência originária que deve ser seu fim; mas
para agir deve possuir antes o fim. Mas, por isso mesmo, tem de começar
imediatamente, e sejam quais forem as circunstancias; sem mais ponderações
sobre o começo, o meio, e o fim, deve passar à atividade, pois sua essência e sua
natureza em si essente são princípio, meio e fim: tudo em um só. Como começo,
essa natureza está presente nas circunstâncias do agir, e o interesse que o
indivíduo encontra em algo já é a resposta dada à questão: se há de agir, e o que
fazer aqui. Pois o que parece uma efetividade que foi encontrada, é em si sua
natureza originária, que tem somente a aparência de um ser: uma aparência que
reside no conceito do agir que se fraciona, mas que se exprime como sua
natureza originária no interesse que encontra nessa efetividade. Igualmente, o
como ou os meios estão determinados, em si e para si. O talento, do mesmo
modo, não é outra coisa que a individualidade originária determinada que se
considera como meio interior, ou como passagem do fim à efetividade. Mas o
meio efetivo, a passagem real, são a unidade do talento e da natureza da Coisa,
presente no interesse. No meio, o talento representa o lado do agir; o interesse, o
do conteúdo; ambos são a individualidade mesma, enquanto interpenetração do
ser e do agir.

Assim, o que está presente são as circunstâncias encontradas, que em si


constituem a natureza originária do indivíduo; em seguida, o interesse, que põe as
circunstâncias como coisa sua, ou como fim; e por último, a conjunção e a
suprassunção dessa oposição no meio. Essa conjunção incide ainda no interior da
consciência, e o todo que se acaba de considerar é um dos lados de uma
oposição. Essa aparência de oposição, que ainda resta, é suprassumida através da
própria passagem, ou do meio, por ser esse a unidade do exterior e do interior: o
contrário da determinidade, que possui como meio interior. O meio suprassume,
pois, essa determinidade e se põe a si mesmo - essa unidade do agir e do ser -
igualmente como um exterior, como a individualidade mesma que veio a ser
efetiva; isto é: posta para si mesma como essente. Dessa maneira a ação em sua
totalidade não sai de si mesma, nem como circunstâncias, nem como fim, nem
como meio, nem como obra.

No entanto, com a obra, parece introduzir-se a diferença das naturezas


originárias; a obra é algo determinado, do mesmo modo que a natureza originária
que ela exprime. Com efeito, ao ser deixado em liberdade pelo agir - como
efetividade essente - a negatividade está na obra como qualidade. Mas em
confronto com ela, a consciência se determina como o que inclui em si a
determinidade como negatividade em geral, como agir: a consciência é,
portanto, o universal em contraste com aquela determinidade da obra.

Pode então compará-la com outras obras, e daí apreender as individualidades


mesmas como diferentes: pode entender o indivíduo que abarca mais
amplamente em sua obra, por ter mais forte energia na vontade ou possuir
natureza mais rica, isto é, cuja determinidade originária é menos limitada.
Inversamente, pode entender outra natureza como mais fraca e mais pobre.

Em contraste com essa diferença inessencial de grandeza, o bem e o mal


exprimiriam uma diferença absoluta; mas aqui essa não encontra espaço. O que
for tomado como bem ou como mal é igualmente um agir e empreender; um
apresentar-se e exprimir-se de uma individualidade. Portanto, tudo é bom: não
seria possível dizer com exatidão o que deveria ser o mal. O que se denominaria
"uma obra má" é, de fato, a vida individual de determinada natureza que nela se
efetiva; vida que seria rebaixada à obra má só através de um pensamento
comparativo - aliás vazio, porque passa por cima da essência da obra, que
consiste em ser um auto-exprimir-se da individualidade; e porque busca na obra
e dela exige ninguém sabe o quê.

O pensamento comparativo só poderia levar em conta a diferença acima


exposta; mas essa, como diferença de grandeza, é, em si, diferença inessencial:
especialmente aqui, porque diversas obras e individualidades seriam comparadas
entre si. Ora, as individualidades são indiferentes umas às outras: cada uma só se
refere a si mesma. Só a natureza originária é o Em si, ou o que poderia pôr-se na
base como padrão de medida para o julgamento sobre a obra e vice-versa. Mas
as duas coisas se correspondem mutuamente: nada é para a individualidade que
não seja por meio dela, ou seja, não há nenhuma efetividade que não seja sua
natureza e seu agir; e nenhum agir, nem Em si da individualidade, que não seja
efetivo. Unicamente esses momentos devem ser comparados.

Portanto, não tem cabimento em geral nem exaltação, nem lamentação, nem
arrependimento. Coisas como essas procedem de um pensamento que imagina
outro conteúdo e outro Em si, diverso da natureza originária do indivíduo e de sua
atualização que se dá na efetividade. Seja o que for que ele faça, ou que lhe
aconteça, foi ele quem fez, e isto é ele: o indivíduo só pode ter a consciência do
simples traslado de si mesmo da noite da possibilidade para o dia da presença; do
Em si abstrato para a significação do Ser efetivo. E pode ter esta certeza: o que
vem a seu encontro na luz do dia é o mesmo que jazia adormecido na noite.

Decerto, a consciência dessa unidade é também uma comparação; mas o que se


compara tem só a aparência de oposição: uma aparência de forma que não
passa de aparência para a consciência de si da razão, certa de que a
individualidade é nela a efetividade. Assim o indivíduo, porque sabe que em sua
efetividade nada pode encontrar a não ser a unidade dela com o próprio
indivíduo, ou somente a certeza de si mesmo em sua verdade; e porque desse
modo alcança sempre o seu fim, só sente em si alegria.

Este é o conceito que forma sobre si a consciência certa de si como absoluta


interpenetração da individualidade e do ser. Vejamos se tal conceito se confirma
na experiência, e se sua realidade lhe corresponde.

A obra é a realidade que a consciência se dá. Nela, o indivíduo é para a


consciência o que é em si, de modo que a consciência para a qual ele vem a ser
na obra não é a consciência particular, mas sim a universal. Na obra em geral, a
consciência se transferiu para o elemento da universalidade: para o espaço, sem
determinidade, do ser. A consciência que se retira de sua obra é de fato a
consciência universal - porque nessa oposição se torna a negatividade absoluta,
ou o agir - em contraste com sua obra, que é determinada. A consciência, pois, se
ultrapassa enquanto obra, e ela própria é o espaço sem determinidade, que não se
encontra preenchido por sua obra. Se antes sua unidade se mantinha no conceito,
isso sucedia justamente porque a obra tinha sido suprassumida como obra
essente. Mas a obra tem de ser; resta a examinar como no seu ser a
individualidade manterá sua universalidade e saberá como satisfazer-se.

Antes de tudo, há que considerar para si a obra que veio a ser. Recebeu nela a
natureza toda da individualidade; portanto, seu próprio ser é um agir em que todas
as diferenças se interpenetram e dissolvem. A obra é assim lançada para fora em
um subsistir no qual a determinidade da natureza originária se retoma contra as
outras naturezas determinadas, nas quais interfere e que interferem nela; e nesse
movimento universal se perde como momento evanescente.

No âmbito do conceito da "individualidade real em si e para si" são iguais entre si


todos os momentos: circunstâncias, fim, meio e efetivação; e a natureza
determinada originária só vale como elemento universal. Na obra, ao contrário -
porque esse elemento universal se torna ser objetivo -, sua determinidade
enquanto tal vem à luz do dia e é em sua dissolução que encontra sua verdade.
Assim se apresenta essa dissolução, vista mais de perto: o indivíduo, como este
indivíduo, veio a ser nessa determinidade efetivo para si; determinidade que não
é só o conteúdo da efetividade, mas também sua forma. Ou seja, a efetividade
como tal, em geral, é justamente essa determinidade, de ser oposta à consciência
de si. Por esse lado se revela como uma efetividade alheia apenas encontrada,
que desvaneceu do conceito.

A obra é: quer dizer, é para outras individualidades; é como uma efetividade que
lhes é alheia. As outras individualidades devem pôr sua própria obra em lugar
dela, para obterem a consciência de sua unidade com a efetividade, através do
seu agir. Dito de outro modo: seu interesse por aquela obra, posta através de sua
natureza originária, é outra coisa que o interesse peculiar dessa obra, que por isso
se mudou em algo diverso. Em geral, a obra é assim algo de efêmero, que se
extingue pelo contrajogo de outras forças e de outros interesses, e que representa
a realidade da individualidade mais como evanescente do que como
implementada.

Assim surge para a consciência, em sua obra, a oposição entre o agir e o ser:
oposição que nas figuras anteriores da consciência era ao mesmo tempo o
começo do agir, mas aqui é somente o resultado. De fato, porém, a oposição
constituía igualmente o fundamento, quando a consciência como individualidade
em si real passava a agir; porque era pressuposto do agir a natureza originária
determinada, enquanto o Em si; e o puro implementar pelo implementar a tinha
por conteúdo. Ora, o puro agir é a forma igual a si mesma, à qual portanto a
determinidade da natureza originária é desigual.

Nesse ponto como em outros, não importa qual dos termos se chama conceito, e
qual se chama realidade: a natureza originária é o pensado, ou o Em si, em
contraste com o agir no qual tem primeiro a sua realidade. Ou seja: a natureza
originária é o ser, quer da individualidade como tal quer da individualidade como
obra; o agir, porém, é o conceito originário, como absoluta passagem ou como o
vir a ser. A consciência experimenta em sua obra essa inadequação do conceito e
da realidade que em sua essência reside; pois na obra a consciência vem a ser
para si mesma tal como é em verdade, e desvanece o conceito vazio que tinha de
si mesma.

Nessa contradição fundamental da obra - que é a verdade desta "individualidade


real em si e para si" - emergem de novo todos os lados da individualidade como
lados contraditórios; quer dizer, a obra, como conteúdo da individualidade toda,
transferida do agir - que é a unidade negativa que mantém prisioneiros todos os
momentos - para o ser, deixa agora livres estes momentos, que no elemento da
subsistência se tornam indiferentes uns aos outros. Conceito e realidade separam-
se, pois, como fim e como o que é essencialidade originária. É contingente que o
fim tenha essência verdadeira, ou que o Em si seja erigido em fim. Igualmente,
conceito e realidade se dissociam um do outro como passagem à efetividade e
como fim; ou seja, é contingente a escolha do meio que exprime o fim. E
finalmente, o agir do indivíduo é ainda contingente com referência à efetividade
em geral - tenham ou não em si uma unidade esses momentos interiores em
conjunto. A fortuna decide tanto por um fim mal determinado, e por um meio
mal escolhido, como decide contra eles.
Surge agora para a consciência em sua obra a oposição entre o querer e o
implementar, entre o fim e o meio, e também dessa interioridade em seu
conjunto e da própria efetividade - que em geral recolhe em si a contingência de
seu agir. No entanto, estão presentes também a unidade e a necessidade do agir:
um lado atropela outro, e a experiência da contingência do agir é apenas uma
experiência contingente.

A necessidade do agir consiste em que o fim é pura e simplesmente referido à


efetividade, e essa unidade é o conceito do agir: age-se porque o agir é em si e
para si mesmo a essência da efetividade. Decerto, na obra ressalta a
contingência que tem o Ser implementado em contraste com o querer e o
efetuar: tal experiência, que parece valer como a verdade, contradiz aquele
conceito da ação. Contudo, se consideramos o conteúdo dessa experiência em
sua plenitude, tal conteúdo é a obra evanescente. O que se mantém não é o
desvanecer, pois o desvanecer é por sua vez efetivo, vinculado à obra, e com ela
também desvanece. O negativo soçobra com o positivo, do qual é a negação.

Esse desvanecer do desvanecer reside no conceito da mesma "individualidade


em si real", pois aquilo onde a obra desvanece - ou que desvanece na obra - é a
efetividade objetiva que devia proporcionar, à chamada experiência, sua
supremacia sobre o conceito que a individualidade tem de si mesma. Mas a
efetividade objetiva é um momento que na própria consciência não tem mais
verdade em si: a verdade consiste somente na unidade da consciência com o
agir, e a obra verdadeira é somente essa unidade do agir e do ser, do querer e do
implementar.

Portanto, para a consciência, em virtude da certeza que está no fundamento do


seu agir, a própria efetividade oposta a essa certeza é também algo que só é para
a consciência. A oposição já não pode apresentar-se nessa forma de seu Ser para
si, em contraste com a efetividade, para a consciência que a si retomou como
consciência de si, pois para ela toda a oposição desvaneceu. No entanto, a
oposição e a negatividade, que vêm à cena na obra, não afetam apenas o
conteúdo da obra, ou ainda o conteúdo da consciência, mas a efetividade como
tal; e com isso afetam a oposição presente só nessa efetividade e por meio dela, e
o desvanecer da obra.

Assim a consciência reflete dessa maneira em si, a partir de sua obra efêmera, e
afirma seu conceito e sua certeza como o essente e o permanente em contraste
com a experiência da contingência do agir. Experimenta de fato seu conceito no
qual a efetividade é só um momento: algo que é para a consciência, e não o em
si e para si. Experimenta a efetividade como momento evanescente, que portanto
só vale para a consciência como ser em geral, cuja universalidade é uma só e a
mesma coisa com o agir.

Esta unidade é a obra verdadeira, e a obra verdadeira é a Coisa mesma, a qual


pura e simplesmente se afirma e é experimentada como o que permanece,
independente da Coisa que é a contingência do agir individual enquanto tal, das
circunstâncias, do meio e da efetividade.

A Coisa mesma só se opõe a esses momentos enquanto se supõe que devem ser
válidos isoladamente, pois ela é essencialmente sua unidade, como
interpenetração da efetividade e da individualidade. Sendo um agir - e como agir,
puro agir em geral - é também, por isso mesmo, agir deste indivíduo. E sendo
esse agir como ainda lhe pertencendo, em oposição à efetividade, isto é como
fim, também é a passagem dessa determinidade à oposta: e enfim, é uma
efetividade que está presente para a consciência.

A Coisa mesma exprime, pois, a essencialidade espiritual, em que todos esses


momentos estão suprassumidos como válidos para si; nela, portanto, só valem
como universais. Ali, a certeza de si mesma é para a consciência uma essência
objetiva - uma Coisa, objeto engendrado pela consciência de si como seu, mas
que nem por isso deixa de ser objeto livre e autêntico. A coisa da certeza sensível
e da percepção tem agora, para a consciência de si, sua significação unicamente
através dela: nisso reside a diferença entre uma coisa e a Coisa. Aqui se fará o
percurso de um movimento correspondente ao da certeza sensível e da
percepção.

Por conseguinte, na Coisa mesma, enquanto interpenetração que se tornou


objetiva da individualidade e da objetividade mesma, veio a ser para a
consciência de si seu verdadeiro conceito de si, ou chegou à consciência de sua
substância. Ao mesmo tempo a consciência de si, como é aqui, é a consciência
de uma substância; consciência que recém veio a ser e portanto é imediata.

Essa é a maneira determinada como a essência espiritual aqui se faz presente,


sem ter ainda completado seu desenvolvimento de substância verdadeiramente
real. A Coisa mesma nessa consciência imediata da substância possui a forma de
essência simples, que como universal contém em si seus diferentes momentos,
aos quais pertence; mas também é de novo indiferente para com eles, enquanto
momentos determinados; é livre para si e vale com esta Coisa mesma simples e
abstrata: vale como a essência.

Os diferentes momentos da determinidade originária ou da Coisa deste indivíduo,


de seu fim, dos meios, do próprio agir-e da efetividade - são para essa
consciência momentos singulares os quais pode deixar de lado e abandonar pela
Coisa mesma; mas de outro lado, todos só têm por essência a Coisa mesma de
modo que se encontre em cada um deles, como universal abstrato, e possa ser
seu predicado. Ela mesma ainda não é o sujeito, pois como sujeito valem aqueles
momentos por se situarem do lado da singularidade em geral, enquanto a Coisa
mesma é por ora apenas o simplesmente Universal. Ela é o gênero que se
encontra em todos esses momentos como em suas espécies e é também livre em
relação a eles.

Chama-se consciência honesta a que chegou a esse idealismo que a Coisa


mesma exprime e que de outra parte possui nela o verdadeiro como essa
universalidade formal. A consciência honesta tem de agir na Coisa mesma,
sempre e exclusivamente; por isso se atarefa nos diferentes momentos ou
espécies dela. Quando não a alcança em alguns de seus momentos ou de seus
significados, então por isso mesmo dela se apossa em outro, de forma que
sempre obtém de fato essa satisfação que segundo seu conceito lhe pertence.
Haja o que houver, a consciência honesta vai sempre implementar e atingir a
Coisa mesma, já que é o predicado de todos esses momentos como este gênero
universal.

Se a consciência não leva um fim à efetividade, pelo menos o quis; isto é: faz de
conta que o fim como fim, o puro agir que nada opera, são a Coisa mesma. Pode
dizer assim, para se consolar, que sempre alguma coisa foi feita ou posta em
movimento. Porquanto o próprio universal contém subsumidos o negativo ou o
desvanecer, também é ainda um agir seu que a obra se aniquile: ela solicitou os
outros a isso, e ainda encontra satisfação no desvanecer de sua efetividade. É
como meninos maus, que recebendo uma palmada se alegram a si mesmos, por
terem sido precisamente a causa do castigo.

Caso a consciência honesta não tenha sequer tentado, e nada feito em absoluto
para executar a Coisa mesma - é que não teve possibilidade de fazê-lo. A Coisa
mesma é para ela, justamente, a unidade de sua decisão e da realidade: a
consciência afirma que a efetividade não seria outra coisa senão o que lhe é
possível. Finalmente, se em geral algo interessante se fez sem seu concurso,
então essa efetividade para ela é a Coisa mesma, justamente pelo interesse que
ali encontra, embora não a tenha produzido. Se é uma sorte que lhe acontece
pessoalmente, a ela se apega, como se fosse ação e mérito seus. Então, se é um
acontecimento mundial, com o qual não tem nada que ver, também o faz seu; e
um interesse ineficaz vale como partido que tomou pró ou contra, que combateu
ou apoiou.

De fato a honestidade dessa consciência, bem como a satisfação que goza de


toda maneira, consistem manifestamente em não trazer para um confronto seus
pensamentos que tem sobre a Coia mesma. Para ela, a Coisa mesma é tanto
Coisa sua como absolutamente obra nenhuma; ou seja, é o puro agir, ou o fim
vazio, ou ainda, uma efetividade desativada. Faz sujeito desse predicado uma
significação depois da outra, e as esquece sucessivamente. Agora, no simples ter
querido ou ainda, não ter podido, a Coisa mesma tem a significação de fim vazio,
e de unidade pensada do querer e do implementar.

O consolo pelo fracasso do fim, pois pelo menos foi querido, pelo menos foi
puramente agido - como também a satisfação de ter dado aos outros algo para
fazerem, fazem do puro agir ou de uma obra totalmente má, a essência: porque
se deve chamar uma obra má a que não é absolutamente nenhuma. Afinal, se
num golpe de sorte a consciência honesta se encontra com a efetividade, toma
esse ser sem ação pela Coisa mesma.

Porém a verdade dessa honestidade é não ser tão honesta como parece. Com
efeito, não pode ser tão carente de pensamento a ponto de deixar caírem fora um
do outro esses momentos diversos; mas deve ter a consciência imediata de sua
oposição, já que se referem pura e simplesmente um ao outro.

O puro agir é essencialmente o agir deste indivíduo, e esse agir também


essencialmente uma efetividade ou uma Coisa. Inversamente, a efetividade só é
essencialmente como agir seu, tanto como agir em geral; e seu agir é ao mesmo
tempo, só como agir em geral, e assim é também efetividade. Quando pois
parece ao indivíduo que só lida com a Coisa mesma como efetividade abstrata,
acontece que também está lidando com ela como agir seu. Mas igualmente,
quando o indivíduo quer lidar exclusivamente com o agir e o atarefar-se, não está
tomando isso a sério mas de fato lida com uma Coisa e com a Coisa como a sua.
Quando enfim parece querer só a sua Coisa e o seu agir, novamente está lidando
com a Coisa em geral ou com a efetividade permanente em si e para si.

A Coisa mesma e seus momentos aqui aparecem como conteúdo; mas também,
com igual necessidade, estão presentes na consciência como formas. Surgem
como conteúdo apenas para desvanecer e cada um cede o lugar a outro. Devem,
pois, estar presentes na determinidade de suprassumidos; aliás, assim são
aspectos da própria consciência. A Coisa mesma está presente como o Em si ou
como reflexão da consciência em si mesma; porém a suplantação dos
momentos, uns pelos outros, assim se expressa na consciência: nela os momentos
não são postos em si, mas somente para Outro.

Um dos momentos do conteúdo é trazido pela consciência à luz, e apresentado


aos outros; mas a consciência, ao mesmo tempo, reflete fora dele sobre si
mesma, e o oposto também está presente nela: a consciência o retém para si
como o seu. Ao mesmo tempo, não há um desses momentos que apenas se limite
a projetar-se para o exterior, enquanto o outro ficaria retido só no interior; mas a
consciência os alterna porque ora de um ora de outro momento, deve fazer o
essencial para si e para os outros.

O todo é interpenetração semovente da individualidade e do universal; mas como


este todo está presente para a consciência só como essência simples, e assim,
como abstração da Coisa mesma, os momentos do todo caem fora da Coisa e
fora um do outro; como momentos dissociados. O todo como tal só será
apresentado exaustivamente por meio da alternância dissociadora do projetar
para fora e do guardar para si. E porque nessa alternância a consciência tem um
momento para si - como um momento essencial em sua reflexão -, mas tem
outro momento que é só exteriormente, nela e para os outros; - por isso surge um
jogo de individualidades, uma com a outra, jogo em que se enganam e se
encontram enganadas umas pelas outras, como se enganam a si mesmas.

A individualidade, pois, parte para executar algo: parece assim ter convertido
algo em Coisa. Age a individualidade, e no agir vem a ser para outros, e lhe
parece que está lidando com a efetividade. Então os outros tomam o agir daquela
individualidade como um interesse pela Coisa enquanto tal, e em vista do fim de
que a Coisa seja em si implementada, não importa se pela primeira
individualidade ou por eles. Assim, quando mostram esta Coisa já por eles
efetuada ou, quando não, lhe oferecem e prestam ajuda, eis que aquela
consciência já saiu do ponto onde pensam que está. O que lhe interessa na Coisa
é seu agir e atarefar-se; e quando os outros se dão conta que era isso a Coisa
mesma, se sentem também ludibriados. Mas, de fato, sua precipitação mesma
em vir ajudar não era outra coisa que a vontade de ver e de mostrar o seu agir, e
não a Coisa mesma. Isto é: queriam enganar os outros, do mesmo modo como
lamentam ter sido enganados.

Como agora se patenteou que o próprio agir e atarefar-se - o jogo de suas forças
- valem pela Coisa mesma, a consciência parece pôr sua essência em
movimento, para si e não para os outros - apenas preocupada com o agir como o
seu e não como um agir dos outros; por isso deixa os outros em paz na Coisa
deles. Só que eles se enganam mais uma vez: a consciência já está fora de onde
eles pensam que está. Já não se ocupa da Coisa como desta sua Coisa singular,
mas dela se ocupa como Coisa, como universal que é para todos. Intromete-se
então no agir e na obra deles; e, se já não pode tomar-lhes das mãos, ao menos
se interessa por isso, ocupando-se em proferir julgamentos. Imprime na obra dos
outros a marca de sua aprovação e de seu louvor, pois, no seu entender, não está
louvando somente a obra mesma, mas também sua própria magnanimidade e
moderação - em não ter danificado a obra como obra, nem sequer com suas
críticas.

Quando demonstra interesse pela obra, é a si mesma que nela se deleita.


Também a obra por ela criticada é bem-vinda, justamente por esse desfrute de
seu próprio agir que proporciona à consciência. Mas os que se sentem - ou se
mostram - ludibriados por essa intromissão, o que queriam era enganar de igual
maneira. Fazem de conta que seu agir e afã é algo só para eles, onde somente
têm por fim a si e a sua própria essência. Só que, enquanto algo fazem, e com
isso se expõem e mostram à luz do dia, contradizem imediatamente por seu ato a
pretensão de excluir a própria luz do dia, a consciência universal e a participação
de todos. A efetivação é, antes, uma exposição do Seu no elemento universal,
onde vem a ser - e tem de vir a ser - a Coisa de todos.

É também um engano de si mesmo e dos outros supor que se lida só com a pura
Coisa. Uma consciência que descobre uma Coisa, faz, antes, a experiência de
que os outros vêm voando como moscas para o leite fresco posto à mesa;
querem ver-se mexendo nele. Mas também, por seu lado, experimentam nessa
consciência que ela não trata a Coisa como objeto, e sim como algo seu. Ao
contrário, se o que deve ser essencial é só o agir mesmo, o uso das forças e
capacidades, ou o exprimir-se desta individualidade - então ambos os lados
fazem a experiência de que todos se agitam e se têm por convidados. Em lugar
do puro agir ou de um agir singular e característico, se oferece algo que é
igualmente para outros, ou uma Coisa mesma. Nos dois casos sucede o mesmo, e
só tem significação diferente e contraste com o que era aceito e devia valer.

A consciência experimenta os dois lados como momentos igualmente essenciais,


e aí também experimenta o que é a natureza da Coisa mesma.

A Coisa mesma não é somente uma Coisa oposta ao agir em geral e ao agir
singular; nem um agir que se opusesse à subsistência e que fosse o gênero livre
de seus momentos - que constituiriam as suas espécies. A Coisa mesma é uma
essência cujo ser é o agir do indivíduo singular e de todos os indivíduos e cujo
agir é imediatamente para outros, ou uma Coisa; e que só é Coisa como agir de
todos e de cada um. É a essência que é a essência de todas as essências: a
essência espiritual.

A consciência experimenta que nenhum daqueles momentos é sujeito; mas que,


ao contrário, se dissolve na Coisa mesma universal. Os momentos da
individualidade, que para essa consciência carente de pensamento valiam
sucessivamente como sujeito, se agrupam na individualidade simples, que sendo
esta, é ao mesmo tempo imediatamente universal. A Coisa mesma perde, assim,
a condição de predicado e a determinidade de universal abstrato e sem vida; ela
é, antes: a substância impregnada pela individualidade; o sujeito, em que a
individualidade está tanto como ela mesma, ou como esta, quanto como de todos
os indivíduos; o universal, que só é um ser como este agir de todos e de cada um;
uma efetividade, porque esta consciência a sabe como sua efetividade singular e
como efetividade de todos.

A pura Coisa mesma é o que acima se determinava como categoria: o ser que é
Eu, ou o Eu que é ser, mas como pensar que ainda se distingue da consciência de
si efetiva. Porém os momentos da consciência de si efetiva - enquanto os
denominamos conteúdo, fim, agir e efetividade seus - ou os chamamos sua
forma e ser para si e ser para outro - se põem aqui como um só com a própria
categoria simples; que é, portanto, ao mesmo tempo, todo conteúdo.

b - A RAZÃO LEGISLADORA

A essência espiritual no seu ser simples é pura consciência e esta consciência de


si. A natureza originariamente determinada do indivíduo perdeu seu significado
positivo, de ser em si o elemento e o fim de sua atividade: é apenas um momento
suprassumido, e o indivíduo é um Si, como Si universal. Inversamente, a Coisa
mesma formal tem sua implementação na individualidade agente que se
diferencia em si mesma, pois suas diferenças constituem o conteúdo daquele
universal. A categoria é em si, como o universal da pura consciência. É também
para si, pois o Si da consciência é também um momento seu. A categoria é o ser
absoluto, porquanto aquela universalidade é a simples igualdade consigo mesmo
do ser.

Assim, o que é objeto para a consciência tem a significação de ser o verdadeiro.


O verdadeiro é e vale no sentido de ser, e de valer em si e para si mesmo: é a
Coisa absoluta que já não sofre a oposição entre a certeza e a verdade, entre o
universal e o singular, entre o fim e sua realidade. Ao contrário; seu ser-aí é a
efetividade e o agir da consciência de si; essa Coisa é portanto a substância ética,
e sua consciência, consciência ética.

Seu objeto vale também para ela como o verdadeiro, porque reúne a consciência
de si e o ser em uma unidade. Vale como o absoluto pois a consciência de si não
pode nem quer mais ultrapassar este objeto, porque ali está junto a si mesma:
não pode, porque ele é todo o seu ser e todo o seu poder; não quer, porque ele é o
Si ou o querer desse Si. É o objeto real nele mesmo como objeto, por ter nele a
diferença da consciência. Divide-se em "massas" que são as leis determinadas da
essência absoluta. Porém são massas que não ofuscam o conceito, pois nele
permanecem incluídos os momentos do ser e da pura consciência e do Si - uma
unidade que constitui a essência dessas "massas", e que nessa diferença faz que
os momentos não se separem mais um do outro.

Essas leis ou massas da substância ética são imediatamente reconhecidas. Não é


possível indagar sobre sua origem e justificação, nem ir à busca de Outro: pois
outro que a essência em si e para si essente, seria somente a própria consciência
de si. Mas a consciência de si não é outra coisa que essa essência, pois ela
mesma é o ser para si dessa essência, a qual por isso mesmo é a verdade, por ser
tanto o Si da consciência, quanto seu Em si, ou pura consciência.

Enquanto a consciência de si se sabe como momento do ser para si dessa


substância, então exprime nela o ser-aí da lei, de tal forma que a sã razão sabe
imediatamente o que é justo e bom. Tão imediatamente ela o sabe, como
imediatamente para ela também é válido, e imediatamente diz: isto é justo e
bom. E diz precisamente: isto, pois são leis determinadas; é a Coisa mesma
implementada, cheia de conteúdo.

O que assim imediatamente se dá, deve também ser imediatamente aceito e


considerado. Há que ver como estão constituídos na certeza ética imediata, o ser
que ela exprime, ou as "massas" imediatamente essentes da essência ética -
como na certeza sensível se tinha que ver o que ela enunciava imediatamente
como essente.

Os exemplos de algumas dessas leis vão demonstrar isso; enquanto nós as


tomamos na forma de máximas da sã razão que sabe, não há por que aduzir logo
no início o momento que deve nelas valer, quando consideradas como leis éticas
imediatas.

"Cada um deve falar a verdade". Nesse dever que se enuncia como


incondicionado vai-se logo admitir a condição: "se souber a verdade". O
mandamento, pois, será agora assim enunciado: Cada um deve falar a verdade,
sempre segundo seu conhecimento e convicção a respeito dela. A sã razão,
justamente essa consciência ética que sabe imediatamente o que é justo e bom,
explicará também que essa condição já estava de tal modo unida à sua máxima
universal que ela sempre assim entendeu aquele mandamento. Mas dessa
maneira admite que, de fato, ao enunciar a máxima já a infringe,
imediatamente. Dizia: "cada um deve falar a verdade"; mas entendia: "de acordo
com seu conhecimento e convicção sobre ela". Isto é, falava uma coisa e
entendia outra; ora, falar diversamente do que se entende, significa não falar a
verdade. Uma vez corrigida a inverdade ou a inabilidade, a máxima agora assim
se exprime: "Cada um deve falar a verdade conforme o conhecimento e a
convicção que dela tenha em cada caso". Mas, com isso, a necessidade universal,
o válido em si que a máxima queria enunciar, se inverte antes numa completa
contingência.

Com efeito: que a verdade deva ser dita, depende de uma contingência: se é que
eu conheço; se é que estou convencido a respeito. Assim não se enuncia nada
mais do que isto: que se deve dizer o verdadeiro e o falso misturados, conforme
suceda que alguém os conheça, entenda ou conceba. Essa contingência do
conteúdo tem a universalidade só na forma de uma proposição sob a qual se
expressa; porém como máxima ética promete um conteúdo universal e
necessário e assim contradiz a si mesma pela contingência do conteúdo.
Finalmente, se a máxima for corrigi da dizendo que se deve evitar a contingência
do conhecimento e da convicção acerca da verdade, e que a verdade deve
também ser conhecida - isso seria um mandamento que contradiz frontalmente o
ponto de partida. Primeiro, a sã razão devia ter imediatamente a capacidade de
enunciar a verdade; mas agora se diz que devia sabê-la. Quer dizer: a sã razão
não sabe exprimi-la imediatamente.

Considerando do lado do conteúdo, esse então é descartado na exigência de que


se deve conhecer a verdade, posto que tal exigência se refere ao saber em geral:
"deve-se saber". Portanto o que é exigido é algo que está, antes, livre de todo
conteúdo determinado. Ora, o que estava em questão aqui era um conteúdo
determinado, uma diferença na substância ética. Só que essa determinação
imediata da substância ética é um conteúdo que se manifesta como uma
completa contingência; e ao ser elevado à universalidade e à necessidade - de
modo que o saber seja enunciado como lei - antes desvanece.

Outro mandamento famoso é: “Ama o próximo como a ti mesmo". É dirigido ao


indivíduo em relação aos indivíduos; a relação é afirmada como do singular para
com o singular, ou como uma relação de sentimento. O amor ativo - pois o
inativo não tem ser nenhum e portanto não está em questão - visa afastar o mal
de um homem e lhe trazer o bem. Para esse efeito é preciso distinguir o que é o
mal para o homem, e qual é o bem apropriado contra esse mal; e em geral, o
que é seu bem-estar. Quer dizer: devo amar o próximo com inteligência; um
amor ininteligente talvez lhe faria mais dano que o ódio.

Mas o bem-estar essencial e inteligente é, em sua figura mais rica e mais


importante, o agir inteligente universal do Estado. Comparado com esse agir, o
agir do indivíduo como indivíduo é, em geral, algo tão insignificante que quase
não vale a pena falar dele. Aliás, aquele agir é de tão grande potência que se o
agir singular se lhe quisesse opor - ou ser exclusivamente para si no delito, ou
então por amor a outrem - defraudando o universal quanto ao direito e à parte
que lhe cabe no singular, isso seria totalmente inútil e irresistivelmente destruído.

Resta ao bem-fazer, que é sentimento, apenas a significação de um agir


inteiramente singular: uma assistência que é tão contingente quanto momentânea.
O acaso não só determina a ocasião da obra, mas determina também se é uma
obra em geral, se ela não volta a dissolver-se logo, e mesmo a converter-se em
mal. Assim, esse agir em benefício dos outros, que se enuncia como necessário,
é de tal modo constituído que talvez possa existir, talvez não; e que, se a ocasião
se oferece fortuitamente, pode ser uma obra, talvez boa, talvez não.

Com isso essa lei tem um conteúdo tão pouco universal quanto a primeira já
analisada, e não exprime algo em si e para si - como deveria, enquanto lei ética
absoluta. Vale dizer: tais leis ficam somente no dever-ser, mas não têm nenhuma
efetividade: não são leis, mas apenas mandamentos.

De fato, porém, fica evidente, pela natureza da Coisa mesma, que é preciso
renunciar a um conteúdo absoluto universal, por ser inadequada à substância
simples - e esta é sua essência: ser simples - qualquer determinidade que nela se
ponha. O mandamento em sua "absoluteza" simples exprime um ser ético
imediato. A diferença que nele se mostra é uma determinidade e, portanto, um
conteúdo que se encontra sob a absoluta universalidade desse ser simples.

Já que se deve renunciar assim a um conteúdo absoluto, somente pode convir ao


mandamento a universalidade formal, isto é, que não se contradiga; pois a
universalidade sem conteúdo é a universalidade formal, e um conteúdo absoluto
significa, por sua vez, uma diferença que não é nenhuma, ou seja: a carência de
conteúdo.

O que resta à razão legisladora, portanto, é a pura forma da universalidade, ou,


de fato, a tautologia da consciência que se opõe ao conteúdo, e que não é um
saber do conteúdo essente ou autêntico, mas um saber da essência - ou da
igualdade consigo mesmo do conteúdo.

A essência ética portanto não é um conteúdo - ela mesma e imediatamente - mas


apenas um padrão de medida para estabelecer se um conteúdo é capaz de ser lei
ou não, na medida em que não se contradiz a si mesmo. A razão legisladora é
rebaixada à razão examinadora.

c - A RAZÃO EXAMINANDO AS LEIS

Uma diferença na substância ética simples é, para ela, uma contingência, que
vimos no mandamento determinado produzir-se como contingência do saber, da
efetividade e do agir. A comparação entre esse ser simples e a determinidade que
não lhe correspondia era em nós que se dava. A substância simples aí se mostrou
universalidade formal ou pura consciência, a qual, livre de conteúdo, a ele se
opõe; e que é um saber sobre ele como conteúdo determinado. Dessa maneira, a
determinidade fica sendo o que era a Coisa mesma. Porém na consciência, ela é
Outro; isto é: não é mais o gênero inerte e carente de pensamento, mas se refere
ao particular, e vale como sua potência e sua verdade.

Essa consciência parece ser, de início, o mesmo examinar que antes éramos nós.
Seu agir, parece, não pode ser outro que o já acontecido: uma comparação do
universal com o determinado, donde resultaria, como antes, sua inadequação.
Mas a relação do conteúdo para com o universal aqui é diversa; pois o universal
adquiriu outra significação - a de universalidade formal. O conteúdo determinado
é capaz dessa universalidade porque nela vem a ser considerado só em relação a
si mesmo.

No nosso examinar, a compacta substância universal estava frente à


determinidade que se desenvolvia como contingência da consciência na qual a
substância entrava. Aqui desvaneceu um dos membros da comparação: o
universal já não é a substância essente e válida, ou o justo em si e para si; mas é
o simples saber ou forma que compara um conteúdo somente consigo mesmo e
o observa, a ver se é uma tautologia.

As leis não são mais dadas, e sim examinadas. E as leis já foram dadas, para a
consciência examinadora, que acolhe seu conteúdo simplesmente como é, sem
entrar na consideração da singularidade e da contingência que aderiam à sua
efetividade, como aliás fizemos nós. A consciência examinadora fica no
mandamento como mandamento, e procede com respeito a ele de modo
igualmente simples, como é simples seu padrão de medida.

Mas por essa razão é que o examinar não vai longe, porque justamente o padrão
de medida é a tautologia: indiferente ao conteúdo, acolhe em si tanto este
conteúdo quanto o oposto.

Suponhamos esta questão: Em si e para si deve ser lei que haja propriedade; em
si e para si, não por sua utilidade para outros fins. A essencialidade ética consiste
precisamente nisto: que a lei seja igual só a si mesma, e que, mediante essa
igualdade consigo, seja portanto fundada na sua própria essência; não seja algo
condicionado. A propriedade em si e para si não se contradiz; é uma
determinidade isolada, ou posta como igual só a si mesma. A não propriedade, as
coisas sem dono, ou a comunhão de bens também não se contradizem. É uma
determinidade simples - um pensamento formal como o seu conteúdo, a
propriedade - que algo a ninguém pertença; ou esteja à disposição de quem
primeiro se apossar dele; ou pertença a todos em conjunto ou a cada um segundo
as próprias necessidades ou em partes iguais.

Sem dúvida, se a coisa sem dono vem a ser considerada como um objeto
necessário da necessidade, então é necessário que se torne a posse de um
singular qualquer; e seria contraditório erigir, antes, em lei a liberdade da coisa.
Mas por falta de dono da coisa não se entende uma absoluta falta de dono mas
sim que a coisa deve aceder à posse de acordo com a necessidade do singular;
não para ficar guardada, de certo, mas para ser imediatamente usada.

Entretanto, prover à necessidade única e exclusivamente segundo a contingência,


contradiz a natureza da essência consciente - a única de que se fala aqui. Pois a
essência consciente deve representar-se sua necessidade sob a forma da
universalidade: prover a sua existência toda, e se proporcionar um bem
permanente. Assim pois não está em consonância consigo mesmo o pensamento
de que uma coisa se torna casualmente posse da primeira pessoa viva que se
apresente, de acordo com suas necessidades.

Na comunidade de bens (onde se proveria as necessidades de maneira universal


e constante), ou cada um participa dos bens quanto precisar, e assim se
contradizem mutuamente essa desigualdade e a essência da consciência cujo
princípio é a igualdade dos indivíduos singulares; ou então a partilha igual se faria
conforme o último princípio, e assim a cota de participação não tem relação com
a necessidade; relação, aliás, que só é o seu conceito.

Mas se desta maneira a não propriedade se mostra contraditória, isso só acontece


por não ter sido deixada como determinidade simples. Dá-se o mesmo com a
propriedade quando dissolvida em momentos. A coisa singular, que é propriedade
minha, vale por isso como algo universal, consolidado, permanente. Ora, isto
contradiz sua natureza, que consiste em ser utilizada e em desvanecer. Ao mesmo
tempo vale como o Meu: todos os outros o reconhecem e dele se excluem.

Mas, em ser eu reconhecido reside, antes, minha igualdade com os outros, que é
o contrário da exclusão. O que possuo é uma coisa, isto é, um ser para outros em
geral, totalmente universal e sem a determinidade de ser só para mim; que Eu a
possua, contradiz a sua coisidade universal. Portanto, propriedade se contradiz por
todos os lados, tal como não propriedade: cada uma tem em si esses momentos
da singularidade e da universalidade, que são opostos e se contradizem.

No entanto, cada uma dessas determinidades representadas como simples, como


propriedade e não propriedade, sem ulterior desenvolvimento, é uma
determinidade tão simples quanto a outra; quer dizer, não contraditória.

O padrão de medida da lei, que a razão tem em si mesma, se ajusta igualmente


bem a tudo, e assim de fato não é um padrão de medida. Seria aliás estranho se a
tautologia, o princípio de contradição - que é reconhecido só como princípio
formal no conhecimento da verdade teórica, isto é, como algo de todo indiferente
à verdade e à inverdade - devesse ser mais para o conhecimento da verdade
prática.

Nos dois momentos, até agora considerados, da implementação da essência


espiritual antes vazia, se suprassumiu o pôr de determinidades imediatas na
substância ética, e em seguida o saber a seu respeito, examinando se são leis. O
resultado disso parece ser o seguinte: não têm cabimento nem leis determinadas,
nem um saber dessas leis. Só a substância é a consciência de si mesma como
essencialidade absoluta, a qual, portanto, não pode abdicar nem da diferença nela
presente, nem do saber a seu respeito. Se o legislar e o examinar leis
demonstraram não serem nada, isto significa que ambos, tomados singular e
isoladamente, são momentos precários da consciência ética. O movimento, em
que surgem, tem o sentido formal de que a substância ética, através desse
movimento, se apresenta como consciência.

Podem-se considerar esses dois momentos como formas da honestidade,


enquanto determinações mais precisas da consciência da Coisa mesma. A
honestidade que em outros casos se ocupava com seus momentos formais, aqui
lida com um conteúdo de dever ser - o conteúdo do bem e do justo - e com o
examinar de tal verdade sólida, entendendo possuir na sã razão e no
discernimento inteligente o que faz a força e a validez desses mandamentos.

Sem esta honestidade, porém, as leis não valem como essência da consciência;
nem vale tampouco o exame das leis como um agir de dentro da consciência. No
entanto, esses momentos, ao surgirem cada um para si, imediatamente como
uma efetividade, um deles exprime um pôr e um ser, sem validez, de leis
efetivas; e o outro exprime uma libertação dessas leis que também não é válida.
Como lei determinada, a lei tem um conteúdo contingente; o que tem aqui a
significação de ser lei de uma consciência singular com um conteúdo arbitrário.
Esse legislar imediato é também a insolência tirânica que faz do arbítrio a lei, e
faz da eticidade a obediência ao arbítrio: obediência a leis que são somente "leis"
mas que não são, ao mesmo tempo, mandamentos. Do mesmo modo o segundo
momento, enquanto isolado, significa o examinar das leis, o mover do inabalável
e a temeridade do saber que à força de raciocínios se liberta das leis absolutas e
as toma por um arbítrio estranho ao saber.
Nas duas formas, esses momentos são uma atitude negativa para com a
substância, ou para com a real essência espiritual. Ou seja: neles não tem a
substância ainda sua realidade, mas a consciência ainda a contém sob a forma de
sua própria imediatez. A substância é apenas um querer e um saber deste
indivíduo e o dever de um mandamento sem efetividade e de um saber da
universalidade formal. Mas quando esses modos se suprassumem, a consciência
retomou ao universal e aquelas oposições desvaneceram. A essência espiritual é,
pois, substância efetiva, porque esses modos não valem como singulares, mas
somente como suprassumidos; e a unidade, onde são momentos apenas, é o Si da
consciência, que posta de agora em diante na essência espiritual faz com que esta
seja efetiva, plena e consciente de si.

Por isso a essência espiritual, em primeiro lugar, é para a consciência como lei
em si essente: foi suprassumida a universalidade do examinar, que era formal,
não em si essente. Em segundo lugar, é uma lei eterna, que não tem seu
fundamento na vontade deste indivíduo, mas que é em si e para si; a absoluta
vontade pura de todos, que tem a forma do ser imediato. Não é tampouco um
mandamento que só deva ser, mas que é e vale; é o Eu universal da categoria,
que é imediatamente a efetividade e o mundo é somente essa efetividade.

Mas porque essa lei essente vale pura e simplesmente, a obediência da


consciência de si não é serviço a um senhor, cujas ordens fossem um arbítrio, e
nelas a consciência não se reconhece. Ao contrário: as leis são pensamentos de
sua própria consciência absoluta, que ela mesma tem imediatamente. Não é que
creia nelas, pois a fé contempla também a essência, mas uma essência
estranha.

A consciência de si ética faz imediatamente um só com a essência por meio da


universalidade do seu Si; a fé, ao contrário, principia de uma consciência
singular, é o movimento dessa consciência tendendo sempre rumo a essa
unidade, sem atingir a presença de sua essência. A consciência ética, ao
contrário, se suprassumiu enquanto singular, levou a cabo essa mediação; e
somente porque a levou a cabo, é consciência de si imediata da substância ética.

A diferença entre a consciência de si e a essência é, assim, perfeitamente


transparente. Por isso as diferenças na essência não são determinidades
contingentes. Ao contrário: por causa da unidade da essência e da consciência de
si - da qual somente poderia vir a desigualdade - elas são as "massas" em que se
articula a unidade, impregnando-as de sua própria vida: espíritos inconsúteis, e a
si mesmos claros, figuras celestes sem mácula que conservam em suas
diferenças a inocência intacta e a harmonia de sua essência.
A consciência de si é igualmente relação simples e clara com essas leis. Elas são,
e nada mais: é o que constitui a consciência de sua relação. Para a Antígona de
Sófocles, valem como direito divino não escrito e infalível.

"Não é de hoje, nem de ontem, mas de sempre

Que vive esse direito e ninguém sabe

Quando foi que surgiu e apareceu".

As leis são. Se indago seu nascimento, e as limito ao ponto de sua origem, já


passei além delas: pois então sou eu o universal, e elas, o condicionado e o
limitado. Se devem legitimar-se dos olhos de minha inteligência, já pus em
movimento seu ser em si, inabalável, e as considero como algo que para mim
talvez seja verdadeiro, talvez não seja. Ora, a disposição ética consiste
precisamente em ater-se firmemente ao que é justo, e em abster-se de tudo o
que possa mover, abalar e desviar o justo .

Se um depósito for feito a meus cuidados, é propriedade de outrem, e eu o


reconheço, porque assim é, e me mantenho inflexível nessa atitude. Se retiver
para mim o depósito, não incorro absolutamente em nenhuma contradição,
segundo o princípio de meu examinar, a tautologia. Com efeito, já não o
considero como propriedade alheia; ora, reter algo, que não considero
propriedade de outro, é perfeitamente consequente.

A mudança do ponto de vista não é contradição, pois o que está em questão não é
o ponto de vista, mas o objeto, o conteúdo, que não deve contradizer-se.

Quando dou um presente, posso mudar o ponto de vista de que algo é minha
propriedade, pelo ponto de vista de que é propriedade de outrem, sem tornar-me
por isso culpado de contradição; do mesmo modo, também posso seguir o
caminho inverso.

Portanto, não é porque encontro algo não contraditório que isso é justo: mas é
justo porque é o justo. Algo é propriedade de outrem: isso constitui o fundamento.
Não tenho que raciocinar a propósito, nem perquirir ou descobrir toda a sorte de
pensamentos, correlações, considerandos; nem cogitar em estatuir leis ou
examiná-las. Por tais movimentos de meus pensamentos, eu subverteria aquela
relação já que de fato poderia a meu bel-prazer fazer que seu contrário fosse
conforme a meu saber tautológico e indeterminado e erigi-lo em lei.

Entretanto é determinado, em si e para si, se é esta determinação ou a oposta que


é o justo. Eu poderia erigir para mim a lei que quisesse, ou então nenhuma; mas
quando começo a examinar, já estou num caminho não ético. Quando para mim
o justo é em si e para si, então estou dentro da substância ética, que é assim a
essência da consciência de si; mas essa é sua efetividade e seu ser-aí; seu Si e sua
vontade.
VI - O Espírito

A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e


quando) é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si
mesma. O vir a ser do espírito, mostrou-o o movimento imediatamente anterior,
no qual o objeto da consciência - a categoria pura - se elevou ao conceito da
razão.

Na razão observadora, a pura unidade do Eu e do ser, do ser para si e do ser em


si, é determinada como Em si ou como ser, e a consciência da razão se encontra.
Mas a verdade do observar é antes o suprassumir desse instinto que encontra
imediatamente, desse ser-aí carente de consciência. Na razão ativa, a categoria
intuída, a coisa encontrada, entram na consciência como o ser para si do Eu, que
agora se sabe como Si na essência objetiva. Contudo, a determinação da
categoria como ser para si - o oposto ao ser em si - é também unilateral, e é um
momento que suprassume a si mesmo. Por isso na individualidade para si real a
categoria é determinada, para a consciência, tal como é na sua verdade
universal: como essência em si e para si essente.

Essa determinação, ainda abstrata, que constitui a Coisa mesma, é só a essência


espiritual; e sua consciência é um saber formal a seu respeito, vagueando em
torno do conteúdo diversificado dessa essência. De fato, essa consciência difere
ainda da substância como algo singular; ora estatui leis arbitrárias, ora acredita
ter em seu saber as leis tais como são em si e para si; e se tem como potência
que as julga. Ou então, considerada do lado da substância, é a essência espiritual
em si e para si essente que ainda não é a consciência de si mesma. Entretanto, a
essência em si e para si essente, que ao mesmo tempo é para si efetiva como
consciência, e que se representa a si mesma para si, é o espírito.

Sua essência espiritual já foi designada como substância ética; o espírito, porém,
é a efetividade ética. O espírito é o Si da consciência efetiva, à qual o espírito se
contrapõe - ou melhor, que se contrapõe a si mesma - como mundo efetivo
objetivo. Mas esse mundo perdeu também para o Si toda a significação de algo
estranho, assim como o Si perdeu toda a significação de um ser para si separado
do mundo, - fosse dependente ou independente dele. O espírito é a substância e a
essência universal, igual a si mesma e permanente: o inabalável e irredutível
fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim e sua meta, como
também o Em si pensado de toda a consciência de si.

Essa substância é igualmente a obra universal que, mediante o agir de todos e de


cada um, se engendra como sua unidade e igualdade, pois ela é o ser para si, o Si,
o agir. Como substância, o espírito é igualdade consigo mesmo, justa e imutável;
mas como ser para si, é a essência que se dissolveu, a essência bondosa que se
sacrifica. Nela cada um executa sua própria obra, despedaça o ser universal e
dele toma para si sua parte. Tal dissolução e singularização da essência é
precisamente o momento do agir e do Si de todos. É o movimento e a alma da
substância, e a essência universal efetuada. Ora, justamente por isso - porque é o
ser dissolvido no Si - não é a essência morta, mas a essência efetiva e viva.

Por conseguinte, o espírito é a essência absoluta real que a si mesma se sustém.


São abstrações suas, todas as figuras da consciência até aqui consideradas; elas
consistem em que o espírito se analisa, distingue seus momentos, e se demora nos
momentos singulares. Esse ato de isolar tais momentos tem o espírito por
pressuposto e por subsistência; ou seja, só existe no espírito, que é a existência.
Assim isolados, têm a aparência de serem, como tais: mas são apenas momentos
ou grandezas evanescentes - como mostrou sua processão e retorno a seu
fundamento e essência; essência que é justamente esse movimento de dissolução
desses momentos.

Aqui, onde se põe o espírito - ou a reflexão dos momentos sobre si mesmos -,


pode nossa reflexão a seu respeito recordar brevemente que, por esse lado, eram
eles: consciência, consciência de si e razão. 1 - O espírito é, pois, consciência em
geral - que em si compreende certeza sensível, percepção e o entendimento -,
quando na análise de si mesmo retém o momento segundo o qual é, para ele, a
efetividade essente objetiva, e abstrai de que essa efetividade seja seu próprio ser
para si. 2 - Ao contrário, quando fixa o outro momento da análise, segundo o qual
seu objeto é seu ser para si, então o espírito é consciência de si. 3 - Mas, como
consciência imediata do ser em si e para si - como unidade da consciência e da
consciência de si -, o espírito é a consciência que tem razão; que, como o ter
indica, possui o objeto como determinado em si racionalmente, ou seja, pelo
valor da categoria; porém de tal modo que o objeto ainda não tem para a
consciência o valor da categoria. O espírito é a consciência tal como acabamos
de considerar. 4 - Essa razão, que o espírito tem, é enfim intuída por ele como
razão que é; ou como a razão que no espírito é efetiva, e que é seu mundo, assim
o espírito é em sua verdade; ele é o espírito, é a essência ética efetiva.

O espírito é a vida ética de um povo, enquanto é a verdade imediata: o indivíduo


que é um mundo. O espírito deve avançar até à consciência do que ele é
imediatamente; deve suprassumir a bela vida ética, e atingir, através de uma
série de figuras, o saber de si mesmo. São figuras, porém, que diferem das
anteriores por serem os espíritos reais, efetividades propriamente ditas; e serem
em vez de figuras apenas da consciência, figuras de um mundo.
O mundo ético vivo é o espírito em sua verdade; assim que o espírito chega ao
saber abstrato de sua essência, a eticidade decai na universalidade formal do
direito. O espírito, doravante cindido em si mesmo, inscreve em seu elemento
objetivo, como em uma efetividade rígida, um dos seus mundos - o reino da
cultura - e, em contraste com ele, no elemento do pensamento, o mundo da fé - o
reino da essência.

No entanto, os dois mundos, apreendidos pelo espírito, que dessa perda retoma a
si mesmo - apreendidos pelo conceito - são embaralhados e revolucionados pela
pura inteligência e por sua difusão, o iluminismo. O reino dividido e distendido
entre o aquém e o além retoma à consciência de si, que agora na moralidade se
apreende como essencialidade, e apreende a essência como Si efetivo. Já não
coloca fora de si seu mundo e o fundamento dele, mas faz que dentro de si tudo
se extinga; e, como boa consciência, é o espírito certo de si mesmo.

O mundo ético - o mundo cindido entre o aquém e o além - bem como a visão
moral do mundo - são assim os espíritos, cujo movimento e retorno ao simples Si
para si essente do espírito vai desenvolver-se. Surgirá, como meta e resultado
deles, a consciência de si efetiva do espírito absoluto.

A - O ESPÍRITO VERDADEIRO. A ETICIDADE

O espírito, em sua verdade simples, é consciência, e põe seus momentos fora um


do outro. A ação o divide em substância e em consciência da substância, e divide
tanto a substância quanto a consciência. A substância, como essência universal e
fim, contrapõe-se a si mesma como à efetividade singularizada. O meio-termo
infinito é a consciência de si, que sendo em si unidade de si e da substância,
torna-se agora, para si, o que unifica a essência universal e sua efetividade
singularizada: eleva à essência sua efetividade e opera eticamente; faz a essência
descer à efetividade, e implementa o fim, isto é, a substância somente pensada;
produz a unidade de seu Si e da substância como obra sua e, portanto, como
efetividade.

No dissociar-se da consciência em seus momentos, a substância simples


conservou, por um lado, a oposição frente à consciência de si, e por outro lado
apresenta nela mesma a natureza da consciência - de diferenciar-se em si
mesma, como um mundo organizado em suas massas. A substância se divide,
assim, em uma essência ética diferenciada: em uma lei humana e uma lei
divina.
Do mesmo modo, a consciência de si, que se lhe contrapõe, atribui-se, segundo
sua essência, uma dessas potências; e como saber se cinde na ignorância do que
faz e no saber a respeito disso: um saber que é, por isso, enganoso. A consciência
de si experimenta assim, em seu ato, tanto a contradição daquelas potências em
que a substância se divide, e sua mútua destruição, como também a contradição
entre seu saber sobre a eticidade da sua ação, e o que é ético em si e para si; e aí
encontra sua própria ruína. De fato, porém, a substância ética, mediante esse
movimento, veio a ser a consciência de si efetiva; ou seja, este Si se tornou algo
em si e para si essente. Mas nisso, precisamente, a eticidade foi por terra.

a - O MUNDO ÉTICO. A LEI HUMANA E A LEI DIVINA, O HOMEM E A


MULHER

A substância simples do espírito se divide como consciência. Ou seja: assim


como a consciência do ser sensível abstrato passa à percepção, assim também a
certeza imediata do ser ético real; e como, para a percepção sensível, o ser
simples se torna uma coisa de propriedades múltiplas, assim para a percepção
ética, o caso do agir é uma efetividade de múltiplas relações éticas.

Contudo, como para a percepção sensível a supérflua multiplicidade das


propriedades se condensa na oposição essencial entre singularidade e
universalidade - com maior razão para a percepção ética, que é a consciência
substancial e purificada -, a multiplicidade dos momentos éticos se torna a
dualidade de uma lei da singularidade e de uma lei da universalidade. Porém
cada uma dessas massas da substância permanece sendo o espírito todo. Se, na
percepção sensível, as coisas não têm outra substância a não ser as duas
determinações de singularidade e universalidade, aqui essas determinações
exprimem apenas a oposição superficial recíproca dos dois lados.

A singularidade tem, na essência que nós aqui consideramos, a significação da


consciência de si em geral, e não de uma consciência singular contingente.
Assim, a substância ética é nessa determinação a substância efetiva, o espírito
absoluto realizado na multiplicidade da consciência aí essente. O espírito é a
comunidade, que para nós, ao entrarmos na figuração prática da razão em geral,
era a essência absoluta; e que aqui emergiu em sua verdade para si mesmo,
como essência ética consciente, e como essência para a consciência, que nós
temos por objeto. É o espírito que é para si enquanto se mantém no reflexo dos
indivíduos, e que é em si - ou substância -, enquanto os contém em si mesmo.
Como substância efetiva, o espírito é um povo; como consciência efetiva, é
cidadão do povo.
Essa consciência tem sua essência no espírito simples, e tem a certeza de si
mesma na efetividade desse espírito, no povo total, e aí tem imediatamente sua
verdade; assim, não em algo que não é efetivo; mas em um espírito que existe e
vigora.

Esse espírito pode chamar-se a lei humana, por ser essencialmente na forma da
efetividade consciente dela mesma. Na forma da universalidade, é a lei
conhecida e o costume corrente. Na forma da singularidade, é a certeza efetiva
de si mesmo no indivíduo em geral. A certeza de si, como individualidade
simples, é o espírito como governo. Sua verdade é a vigência manifesta, exposta
à luz do dia - uma existência que para a certeza imediata emerge na forma do
ser-aí deixado em liberdade.

Contudo, outra potência se contrapõe a essa potência ética e a essa


manifestabilidade: é a lei divina. Com efeito, o poder ético do Estado tem, como
movimento do agir consciente de si, sua oposição na essência simples e imediata
da eticidade. Como universalidade efetiva, o poder do Estado é uma força
voltada contra o ser para si individual; e como efetividade em geral, encontra
ainda outro que ele mesmo na essência interior.

Como já lembramos, cada um dos opostos modos de existir da substância ética a


contém inteira, e também todos os momentos de seu conteúdo. Se a comunidade
é, pois, a substância ética como agir efetivo consciente de si, então o outro lado
tem a forma da substância imediata ou essente. Assim, essa última é, de uma
parte, o conceito interior, ou a possibilidade universal da eticidade em geral; mas
de outra parte, tem nela igualmente o momento da consciência de si. Esse
momento que exprime a eticidade nesse elemento da imediatez, ou do ser; ou
que exprime uma consciência imediata de si, tanto como de essência quanto
como deste Si em Outro, quer dizer, uma comunidade ética natural - é a família.

A família, como o conceito carente de consciência, e ainda interior, se contrapõe


à efetividade consciente de si; como o elemento da efetividade do povo, se
contrapõe ao povo mesmo; como ser ético imediato se contrapõe à eticidade que
se forma e se sustém mediante o trabalho em prol do universal: os Penates se
contrapõem ao espírito universal.

Embora o ser ético da família se determine como imediato, no entanto a família


não está no interior de sua essência ética enquanto ela é o comportamento da
natureza de seus membros, ou o relacionamento desses é a relação imediata de
membros efetivos singulares. Com efeito, o ético é em si universal, e essa
relação da natureza é essencialmente também um espírito; e somente é ético
enquanto essência espiritual. Vejamos em que consiste sua eticidade
característica.

Em primeiro lugar, por ser o ético o universal em si, o relacionamento ético dos
membros da família não é o relacionamento da sensibilidade, ou a relação do
amor. O ético parece agora que deve ser colocado na relação do membro
singular da família para com a família toda, como para com a substância, de
forma que seu agir e efetividade só tenham a família por fim e conteúdo. Mas o
fim consciente, que tem o agir desse todo, na medida em que concerne esse
próprio todo, é também o singular. A aquisição e conservação do poder e riqueza,
por um lado, só dizem respeito à necessidade, e pertencem ao desejo. Por outro
lado, em sua determinação mais alta, se tornam algo apenas mediato.

Essa determinação não incide no interior da família mesma, mas se abre ao


verdadeiramente universal, à comunidade. Quanto à família, é antes negativa e
consiste em pôr o Singular fora da família, em subjugar sua naturalidade e
singularidade, e em educá-la para a virtude, para a vida no - e para o - universal.

O fim positivo peculiar da família é o Singular como tal. Ora, para que essa
relação seja ética, nem o que age, nem aquele a quem a ação se dirige, podem
apresentar-se segundo uma contingência - como seria o caso em uma ajuda ou
serviço eventual. O conteúdo da ação ética deve ser substancial, ou seja,
completo e universal; por isso ela só pode relacionar-se com o Singular total, ou
com ele como universal. E também não se trata de algo como uma prestação de
serviço, que lhe proporcione a completa felicidade: - isso seria apenas uma
representação, pois tal serviço, como ação imediata e efetiva, só produz nele algo
singular. Nem se trata de um serviço, como a educação, que efetivamente tome
o Singular, enquanto totalidade, por objeto e em uma série de procedimentos
cuidadosos o produza como obra sua. Nesse caso, excetuando o fim negativo em
relação à família, a ação efetiva só tem um conteúdo limitado. Enfim, ainda
menos se trata de algo como um socorro, pelo qual em verdade o Singular todo
seja alvo, pois o socorro mesmo é um ato totalmente acidental, cuja ocasião é
uma efetividade qualquer, que pode ser ou não ser.

Por conseguinte, a ação que abarca a existência toda do parente consanguíneo, é


a que o tem por objeto e conteúdo: não o cidadão, pois esse não pertence à
família, nem o menino que deve tornar-se cidadão, e deixar de contar como este
Singular; e sim este Singular que pertence à família, porém tomado como uma
essência universal, subtraída à efetividade sensível, isto é, singular. Essa ação já
não concerne o vivo, mas sim o morto: aquele que da longa série de seu ser-aí
disperso, se recolheu em uma figuração acabada, e, se elevou da inquietação da
vida contingente à quietude da universalidade. Já que somente como cidadão ele
é efetivo e substancial, o Singular, enquanto não é cidadão e pertence à família, é
apenas a sombra inefetiva sem medula.

Essa universalidade que o Singular como tal alcança, é o puro ser, a morte: é o
ser que veio a ser, natural e imediato, e não o agir de uma consciência. O dever
do membro da família é, por isso, acrescentar esse lado, de forma que seu ser
último, esse ser universal, não pertença só à natureza, nem permaneça algo
irracional; mas seja um agido, e nele seja afirmado o direito da consciência. Ou
seja: como, na verdade, a quietude e a universalidade da essência consciente de
si não pertencem à natureza, o significado da ação é que seja descartada a
aparência de tal agir que a natureza se arroga, e a verdade se estabeleça. O que a
natureza faz no Singular é o lado segundo o qual seu vir a ser em direção ao
universal se apresenta como o movimento de um essente. Esse movimento recai,
sem dúvida, no interior da comunidade ética, e a tem como fim: a morte é a
consumação e o trabalho supremo, que o indivíduo como tal empreende pela
comunidade. Mas enquanto o indivíduo é essencialmente singular, é acidental que
sua morte estivesse imediatamente conexa com seu trabalho pelo universal e
fosse seu resultado. Se a morte em parte foi tal resultado, a morte é -, a
negatividade natural, o movimento do Singular como essente; nesse movimento a
consciência não retoma a si mesma, nem se torna consciência de si. Ou seja:
sendo o movimento do essente um movimento tal que o essente é suprassumido e
atinge o ser para si - a morte é o lado da cisão, em que o ser para si alcançado é
Outro que o essente, que iniciou o movimento.

Porque a eticidade é o espírito em sua verdade imediata, os lados, em que a


consciência do espírito se dissocia, incidem também nessa forma da imediatez; e
a singularidade passa àquela negatividade abstrata que, sem consolo nem
reconciliação em si mesma, deve essencialmente recebê-los mediante uma ação
exterior e efetiva. Assim, a consanguinidade completa o movimento natural
abstrato, por acrescentar o movimento da consciência, interromper a obra da
natureza e arrancar da destruição o consanguíneo. Ou melhor, já que é
necessária a destruição - seu vir a ser o puro ser - a consanguinidade toma sobre
si o ato da destruição.

Acontece por isso que também o ser morto, o ser universal, se torne um ser
retomado a si, um ser para si ou que a pura singularidade singular, carente de
forças, seja elevada à individualidade universal. O morto, por ter libertado seu
ser de seu agir, ou do Uno negativo - é a singularidade vazia, apenas um passivo
ser para Outro, abandonado a toda a individualidade irracional inferior e às
forças da matéria abstrata. Agora elas são mais poderosas que o morto: a
primeira, em razão da vida que possui, e as outras, por causa de sua natureza
negativa.
A família afasta do morto esse agir que o profana, o agir dos desejos
inconscientes e das essências abstratas; põe o seu agir no lugar do agir deles e faz
o parente desposar o seio da terra, a individualidade elementar imperecível.
Desse modo, torna-o sócio de uma comunidade que, antes, mantém subjugadas e
prisioneiras as forças das matérias singulares e as vitalidades inferiores, que
queriam desencadear-se contra o morto e destruí-lo.

Esse último dever constitui assim a lei divina perfeita, ou a ação ética positiva
para com o Singular. Qualquer outra relação para com ele - que não fique no
amor, mas seja ética - pertence à lei humana, e tem a significação negativa de
elevar o Singular acima da inclusão na comunidade natural, a que pertence
enquanto efetivo. Embora o direito humano já tenha por conteúdo e potência a
substância ética efetiva consciente de si - o povo todo - e o direito divino, a lei
ética divina, por sua vez tenham por conteúdo e potência o Singular que está além
da efetividade, nem por isso o Singular é sem potência. Sua potência é o puro
Universal abstrato, o indivíduo elementar que, como é o fundamento da
individualidade, reconduz à pura abstração - como à sua essência - a
individualidade que se desprende do elemento e constitui a efetividade,
consciente de si, do povo. Adiante se desenvolverá mais amplamente como é que
essa potência se apresenta no povo mesmo.

Ora bem, em uma lei como na outra há diferenças e graus. Com efeito, por
terem em si as duas essências o momento da consciência, dentro delas mesmas a
diferença se desdobra, constituindo seu movimento e sua vida peculiar. A
consideração dessas diferenças indica a maneira da atividade e da consciência
de si das duas essências universais do mundo ético, como também seu nexo e a
passagem de uma para a outra.

A comunidade - a lei do alto que vigora manifestamente à luz do dia - tem sua
vitalidade efetiva no Governo, como o lugar onde ela é indivíduo. O Governo é o
espírito efetivo, refletido sobre si, o Si simples da substância ética total. Sem
dúvida, essa força simples permite à essência expandir-se na organização de seus
membros e atribuir, a cada parte, subsistência e ser para si próprio. O espírito
tem aí sua realidade ou seu ser-aí, e a família é o elemento dessa realidade. Mas,
ao mesmo tempo, o espírito é a força do todo que congrega de novo essas partes
no Uno negativo, dá-lhes o sentimento de sua dependência e as conserva na
consciência de ter sua vida somente no todo.

Pode assim a Comunidade organizar-se, de um lado, nos sistemas da


independência pessoal e da propriedade, do direito pessoal e do direito real.
Igualmente, as modalidades do trabalho podem articular-se e tornar-se
associações independentes, para os fins, inicialmente singulares, da obtenção e do
gozo de bens. O espírito da universal-associação é a simplicidade e a essência
negativa desses sistemas que se isolam.

Para não deixar que se enraízem e endureçam nesse isolar-se, e que por isso o
todo se desagregue e o espírito se evapore, o Governo deve, de tempos em
tempos, sacudi-los em seu íntimo pelas guerras, e com isso lhes ferir e perturbar
a ordem rotineira e o direito à independência. Quanto aos indivíduos, que
afundados ali se desprendem do todo e aspiram ao ser para si inviolável, e à
segurança da pessoa, o Governo, no trabalho que lhes impõe, deve dar-lhes a
sentir seu senhor: a morte. Por essa dissolução da forma da subsistência, o
espírito impede o soçobrar do ser-aí ético no natural; preserva o Si de sua
consciência e o eleva à liberdade e à sua força.

A essência negativa se mostra como a potência peculiar da comunidade, e como


a força de sua autoconservação. A comunidade encontra assim a verdade e o
reforço de seu poder na essência da lei divina, e no reino subterrâneo.

A lei divina que reina na família possui, de seu lado, também diferenças em si
mesma, cujo relacionamento constitui o movimento vivo de sua efetividade. Mas
entre as três relações - homem e mulher, pais e filhos, irmão e irmã - em
primeiro lugar a relação do homem e da mulher é o imediato reconhecer-se de
uma consciência na outra, e o conhecer do mútuo ser-reconhecido. Esse
reconhecer-se, por ser o natural e não o ético, é apenas a representação e a
imagem do espírito, e não O espírito efetivo mesmo.

Mas a representação ou a imagem tem sua efetividade em Outro que ela. Essa
relação não tem, pois, sua efetividade nela mesma, mas na criança: em Outro,
cujo vir a ser é a relação mesma, e no qual a relação desvanece. Essa mudança
das gerações, que se sucedem, tem sua base permanente no povo.

A piedade mútua do marido e da mulher está, pois, misturada com uma relação
natural, e com a sensibilidade; e sua relação não tem em si mesma seu retorno a
si. O mesmo ocorre com a segunda relação, a piedade recíproca dos pais e dos
filhos. A piedade dos pais para com seus filhos está justamente afetada por essa
emoção de ter no Outro a consciência de sua efetividade, e de ver o seu ser para
si vir a ser nele, sem poder recuperá-lo; senão que permanece uma efetividade
alheia, peculiar. Inversamente, a piedade dos filhos para com os pais é afetada
pela emoção de ter o vir a ser de si mesmo - ou o Em si - em outro Evanescente,
e de só alcançar o ser para si e a própria consciência de si através da separação
da origem - uma separação em que essa origem se esgota.

Essas duas relações permanecem no interior da transição e da desigualdade dos


lados que lhes são assignados. Mas a relação sem mistura encontra lugar entre
irmão e irmã. São o mesmo sangue, o qual porém neles chegou à sua quietude e
equilíbrio. Por isso não se desejam um ao outro; não deram nem receberam
mutuamente esse ser para si, mas são individualidade livre um em relação ao
outro.

O feminino tem pois, como irmã, o mais elevado pressentimento da essência


ética; mas não chega à consciência e à efetividade da mesma, uma vez que a lei
da família é a essência interior, em si essente que não está exposta à luz da
consciência, mas permanece como sentimento interior e como o divino subtraído
à efetividade. O feminino está ligado a esses Penates, e neles intui, de uma parte,
sua substância universal, mas, de outra parte, sua singularidade; de tal maneira
porém que essa relação da singularidade não seja, ao mesmo tempo, a relação
natural do prazer.

Como filha, a mulher deve ver agora os pais desvanecerem com emoção natural
e tranquilidade ética - pois só às custas dessa relação chega ao ser para si de que
é capaz; assim, não intui nos pais seu ser para si de maneira positiva. Porém as
relações da mãe e da esposa têm a singularidade; de uma parte, como algo
natural que pertence ao prazer; de outra parte, como algo negativo, que neles só
enxerga seu desvanecer; e por isso mesmo, de outra parte como algo
contingente, que pode ser substituído por outro.

No lar da eticidade, aquilo em que se baseiam as relações da mulher não é este


marido, nem este filho, mas um marido, filhos em geral; sua base não é a
sensibilidade, mas o universal. A diferença da eticidade da mulher em relação à
do homem consiste justamente em que a mulher, em sua determinação para a
singularidade e no seu prazer, permanece imediatamente universal e alheia à
singularidade do desejo. No homem, ao contrário, esses dois lados se separam
um do outro, e enquanto ele como cidadão possui a força consciente de si da
universalidade, adquire com isso o direito ao desejo. Assim, enquanto nessa
relação da mulher a singularidade está mesclada, sua eticidade não é pura; mas
na medida em que a eticidade é pura, a singularidade é indiferente, e a mulher
carece do momento de se reconhecer como este Si no Outro.

Porém o irmão é para a irmã a essência igual e tranquila, em geral. O


reconhecimento dela está nele, puro e sem mistura de relação natural. A
indiferença da singularidade e a sua contingência ética não estão, pois, presentes
nessa relação. Mas o momento do Si singular, que reconhece e é reconhecido,
pode afirmar aqui o seu direito, porque está unido ao equilíbrio do sangue e à
relação carente de desejo. Por isso, a perda do irmão é irreparável para a irmã;
e seu dever para com ele, o dever supremo.
Essa relação é, ao mesmo tempo, o limite em que a família, circunscrita a si
mesma, se dissolve e vai para fora de si. O irmão é o lado segundo o qual o
espírito da família se torna a individualidade que se volta para Outro e passa à
consciência da universalidade. O irmão abandona essa eticidade da família -
imediata elementar e por isso propriamente negativa - a fim de conquistar e
produzir a eticidade efetiva, consciente de si mesma.

O irmão passa da lei divina, em cuja esfera vivia, à lei humana. A irmã, porém,
se torna - ou a mulher permanece - a dona da casa, e a guardiã da lei divina.
Dessa maneira, os dois sexos ultrapassam sua essência natural e entram em cena
em sua significação ética, como diversidades que dividem entre si as diferenças
que a substância ética se confere. Essas duas essências universais do mundo ético
têm, pois, sua determinada individualidade nas consciências de si diferenciadas
por natureza - já que o espírito ético é a unidade imediata da substância com a
consciência de si: uma imediatez, portanto, que se manifesta ao mesmo tempo
como o ser-aí de uma diferença natural, segundo o lado da realidade e da
diferença.

Esse é o lado que na figura da Individualidade para si mesma real se mostrava no


conceito da essência espiritual como natureza originariamente determinada.
Perde esse momento a indeterminidade que ainda possuía ali, e também a
diversidade contingente das disposições e capacidades. É agora a oposição
determinada dos dois sexos, cuja naturalidade recebe ao mesmo tempo a
significação de sua determinação ética.

No entanto, a diferença dos sexos e de seu conteúdo ético permanece na unidade


da substância, e seu movimento é justamente o constante vir a ser da mesma
substância. Pelo espírito da família, o homem é enviado à comunidade e nela
encontra sua essência consciente de si. Como desse modo a família possui na
comunidade sua universal substância e subsistência, assim, inversamente, a
comunidade tem na família o elemento formal de sua efetividade; e na lei divina,
sua força e legitimação.

Nenhuma das duas leis é unicamente em si e para si. A lei humana, em seu
movimento vital, procede da lei divina; a lei vigente sobre a terra, da lei
subterrânea; a lei consciente, da inconsciente; a mediação, da imediatez: - e cada
uma retoma, igualmente, ao ponto donde procede. A potência subterrânea, ao
contrário, tem sobre a terra sua efetividade: mediante a consciência torna-se ser-
aí e atividade.

As essências éticas universais, são, assim, a substância como consciência


universal e a substância como consciência singular; elas têm o povo e a família
por sua efetividade universal, mas têm o homem e a mulher por seu Si natural e
individualidade atuante. Nós vemos, nesse conteúdo do mundo ético, atingidos os
fins que se propunham as anteriores figuras da consciência, carentes de
substância. O que a razão aprendia somente como objeto, tornou-se consciência
de si, e o que esta só tinha dentro dela mesma, está presente como verdadeira
efetividade. O que a observação sabia como um achado, em que o Si não tinha
nenhuma parte, aqui é um costume encontrado, mas também uma efetividade
que ao mesmo tempo é ato e obra de quem a encontra.

O Singular, que busca o prazer do gozo de sua singularidade, encontra-o na


família; e a necessidade, em que o prazer desaparece, é sua própria consciência
de si como de cidadão de seu povo. Ou seja: é saber a lei do coração como lei de
todos os corações, e a consciência do Si como a ordem universal reconhecida; é
a virtude que goza dos frutos de seu sacrifício, que realiza o que tem em mira,
isto é, elevar a essência à presença efetiva, e seu gozo é essa vida universal.
Enfim, a consciência da Coisa mesma é satisfeita na substância real, que de
modo positivo contém e retém os momentos abstratos daquela categoria vazia. A
Coisa mesma encontra nas potências éticas um conteúdo autêntico, que tomou o
lugar dos mandamentos carentes de substância, que a sã razão pretendia dar e
saber. Possui assim um critério, cheio de conteúdo para o exame, não das leis,
mas do que foi feito não das normas, mas das ações.

O todo é um equilíbrio estável de todas as partes, e cada parte é um espírito


semelhante ao indígena, que não procura sua satisfação fora de si - mas a possui
dentro de si, pelo motivo de que ele mesmo está nesse equilíbrio com o todo. Por
isso esse equilíbrio na verdade só pode ser vivo, por surgir nele a desigualdade e
ser reconduzida à igualdade pela justiça. Porém a justiça nem é uma essência
estranha que se encontre no além; nem tampouco é a efetividade - indigna dela -
de uma recíproca impostura, perfídia, ingratidão, etc., que executasse a sentença
à maneira de um acaso irrefletido, como um nexo irracional e como uma ação
ou omissão destituída de consciência. Ao contrário: como justiça do direito
humano, que reconduz ao universal o ser para si que saiu do equilíbrio - isto é, a
independência dos estamentos e dos indivíduos - a justiça é o governo do povo,
que é a individualidade presente a si da essência universal, e a própria vontade,
consciente de si, de todos.

Mas a justiça, que reconduz ao equilíbrio o universal que se torna prepotente


sobre o Singular, é igualmente o espírito simples de quem sofreu o agravo. Esse
espírito não está cindido em alguém que foi agravado, e em uma essência situada
no além: ele mesmo é essa potência subterrânea, e é sua Erínie a que exerce a
vingança. Com efeito, sua individualidade, seu sangue, continua vivendo na casa:
sua substância tem uma efetividade perene. O agravo que no reino da eticidade
pode ser infligido ao Singular é somente este: que alguma coisa simplesmente lhe
aconteça. A potência que inflige esse agravo à consciência - de fazer dela uma
pura coisa - é a natureza; é a universalidade - não da comunidade, mas a
universalidade abstrata do ser; e na reparação do agravo infligido, a singularidade
não se volta contra a comunidade - pois não foi dela que sofreu o agravo - mas
contra o ser. Como vimos, a consciência do sangue do indivíduo repara esse
agravo, de modo que aquilo que aconteceu se torne antes uma obra; para que o
ser, o derradeiro estado, seja algo querido e, portanto, agradável.

Dessa maneira, o reino ético é, em sua subsistência, um mundo imaculado, que


não é manchado por nenhuma cisão. Seu movimento é igualmente um tranquilo
vir a ser - de uma potência sua para a outra - de modo que cada uma receba e
produza a outra. Nós o vemos, de certo, dividir-se em duas essências, e em sua
respectiva efetividade; mas sua oposição é, antes, a confirmação de uma pela
outra. O ponto onde imediatamente se tocam como efetivas - seu meio-termo e
elemento - é sua imediata interpenetração. Um extremo - o espírito universal
consciente de si - é concluído com seu outro extremo, sua força e seu elemento,
ou seja, com o espírito carente de consciência, mediante a individualidade do
homem. Ao contrário, é na mulher que a lei divina tem sua individualização, ou
seja, é nela que o espírito, carente de consciência, do Singular tem seu ser-aí.
Mediante a mulher, como meio-termo, esse espírito emerge da inefetividade
para a efetividade: do que não sabe e que não é sabido, para o reino consciente. A
união do homem e da mulher constitui o meio-termo ativo do todo, o elemento,
que, cindido nestes extremos da lei divina e da lei humana, é igualmente sua
unificação imediata; que faz, daqueles dois primeiros silogismos, um mesmo
silogismo e que unifica em um só os movimentos opostos: - o movimento
descendente da efetividade para a inefetividade, da lei humana que se organiza
em membros independentes, para o perigo e prova da morte; e o movimento
ascendente da lei do mundo subterrâneo para a efetividade da luz do dia e para o
ser-aí consciente. O primeiro desses movimentos compete ao homem; o segundo
a mulher.

b - A AÇÃO ÉTICA. O SABER HUMANO E O DIVINO, A CULPA E O


DESTINO

Porém a consciência de si ainda não surgiu em seu direito como individualidade


singular, devido ao modo como a oposição está constituída nesse reino ético: nele
a individualidade, por um lado, só tem valor como vontade universal; por outro
lado, como sangue da família: este Singular só vale como sombra inefetiva.
Nenhum ato foi ainda cometido; ora, o ato é o Si efetivo.
O ato perturba a calma organização do mundo ético, e seu tranquilo movimento.
O que aparece no mundo ético como ordem e harmonia de suas duas essências -
uma das quais confirma e completa a outra - torna-se através do ato uma
transição de opostos, em que cada qual se mostra mais como anulação de si
mesmo e do outro do que como sua confirmação. Transforma-se no movimento
negativo - ou na eterna necessidade do destino assustador, que devora no abismo
de sua simplicidade tanto a lei divina quanto a lei humana, como também as duas
consciências de si em que essas duas potências têm seu ser-aí, Para nós, essa
necessidade vem a dar no absoluto ser para si da consciência de si puramente
singular.

O fundamento - do qual e sobre o qual esse movimento procede - é o reino da


eticidade; mas a atividade desse movimento é a consciência de si. Como
consciência ética, ela é a pura orientação simples para a essencialidade ética, ou
seja, o dever. Nela não existe nenhum arbítrio, e também nenhum conflito,
nenhuma indecisão, já que foram abandonados o legislar e o examinar das leis;
ao contrário, a essencialidade ética é para essa consciência algo imediato,
inabalável e imune à contradição. Por conseguinte, não se oferece o triste
espetáculo de uma colisão da paixão com o dever, e ainda menos o espetáculo
cômico de uma colisão de dever contra dever; uma colisão que segundo o
conteúdo equivale à colisão entre paixão e dever, pois a paixão é também capaz
de ser representada como dever. Com efeito, o dever, quando a consciência se
retira de sua essencialidade substancial imediata para dentro de si mesma, torna-
se o Universal-formal em que se adapta igualmente bem qualquer conteúdo,
como se mostrou acima. Porém é cômica a colisão de deveres, por exprimir a
contradição, e justamente a contradição de um Absoluto oposto: assim exprime
um absoluto e imediatamente, a nulidade desse suposto absoluto, ou dever.

A consciência ética, porém, sabe o que tem de fazer e está decidida a pertencer
seja à lei divina, seja à lei humana. Essa imediatez de sua decisão é um ser em si
e tem, por isso, ao mesmo tempo a significação de um ser natural, como vimos.
O que assigna um sexo a uma lei e o outro sexo a outra, é a natureza, e não a
contingência das circunstâncias ou da escolha. Ou, inversamente: as duas
potências éticas se conferem, nos dois sexos, seu ser-aí individual e sua
efetivação.

Ora, como de uma parte a eticidade consiste nessa decisão imediata, e assim
para a consciência, só uma lei é a essência; e como de outra parte as potências
éticas são efetivas no Si da consciência, por isso recebem elas a significação de
se excluírem e de se oporem: na consciência de si elas são para si, assim como
no reino da eticidade são apenas em si.
A consciência ética, porque está decidida por uma só dessas potências, é
essencialmente caráter. Não é válida para a consciência a igual essencialidade de
ambas: a oposição se manifesta, por isso, como uma colisão infeliz do dever
somente com a efetividade carente de direito. A consciência ética está, como
consciência de si, nessa oposição; e como tal empreende submeter, pela força à
lei a que pertence, essa efetividade oposta; ou então burlá-la. Como vê o direito
somente de seu lado, e do outro, o agravo, a consciência que pertence à lei divina
enxerga, do outro lado, a violência humana contingente. Mas a consciência, que
pertence à lei humana, vê no lado oposto a obstinação e a desobediência do ser
para si interior. Os mandamentos do governo são, com efeito, o sentido público
universal, exposto à luz do dia; mas a vontade da outra lei é o sentido subterrâneo,
enclausurado no interior, que em seu ser-aí se manifesta como vontade da
singularidade, e que, em contradição com a primeira lei, é o delito,

Surge assim na consciência a oposição entre o sabido e o não sabido, como


também na substância a oposição entre o consciente e o carente de consciência -
o direito absoluto da consciência de si ética entra em conflito com o direito divino
da essência. A efetividade objetiva, como tal, tem essência para a consciência de
si como consciência; mas segundo sua substância essa consciência de si é a
unidade de si e desse oposto, e a consciência de si ética é a consciência da
substância. O objeto, enquanto oposto à consciência de si, perdeu por isso
completamente a significação de ter essência para si.

Como desvaneceram, há muito, as esferas em que o objeto é apenas uma coisa,


assim também desvaneceram as esferas em que a consciência solidifica algo de
si, e faz, de um momento singular, a essência. Contra tal unilateralidade tem a
efetividade uma força própria: alia-se à verdade contra a consciência, e lhe
mostra enfim o que é a verdade. Mas a consciência ética bebeu, da taça da
substância absoluta, o olvido de toda a unilateralidade do ser para si, de seus fins e
conceitos peculiares; e por isso afogou, ao mesmo tempo, nessa água do Estige
toda essencialidade própria e significação independente da efetividade objetiva.
É portanto seu direito absoluto que, agindo conforme a lei ética, não encontre
outra coisa nessa efetivação que o cumprimento dessa lei mesma, e o ato não
mostre outra coisa senão o agir ético.

O ético, enquanto essência absoluta e ao mesmo tempo potência absoluta, não


pode sofrer perversão de seu conteúdo. Fosse apenas a essência absoluta sem a
potência, poderia experimentar uma perversão por parte da individualidade; mas
essa, como consciência ética, com o abandonar de seu ser para si unilateral,
renunciou ao perverter. Inversamente, a simples potência seria pervertida pela
essência, caso fosse ainda tal ser para si. Graças a essa unidade, a individualidade
é pura forma da substância, que é o conteúdo; e o agir é o passar do pensamento
à efetividade, somente como o movimento de uma oposição carente de essência,
cujos momentos não possuem conteúdo e essencialidade que sejam particulares
e distintos entre si. O direito absoluto da consciência ética consiste pois nisto: que
o ato - a figura de sua efetividade - não seja outra coisa senão o que ela sabe.

Mas a essência ética cindiu-se em duas leis; e a consciência - enquanto esse


comportar-se indiviso para com a lei - é assignada a uma delas somente. Assim
como essa consciência simples insiste no direito absoluto de que se manifeste a
ela, enquanto consciência ética, a essência tal como é em si, assim também essa
essência insiste no direito de sua realidade, isto é, no direito de ser dúplice. Ao
mesmo tempo, porém, esse direito da essência não se contrapõe à consciência de
si, como se a essência estivesse alhures; mas é a própria essência da consciência
de si. Só nela tem seu ser-aí e sua potência; e sua oposição é o ato da consciência
de si. Pois ela, justamente, quando se sabe como Si, e parte para o ato, ergue-se
da imediatez simples e põe ela mesma a cisão. Abandona mediante o ato a
determinidade da eticidade - a de ser a certeza simples da verdade imediata - e
põe a separação de si mesma: em si, como o que é atuante, e na efetividade
oposta que é, para ela, negativa. Assim, pelo ato, a consciência de si torna-se
culpa. Com efeito, ela é seu agir, e o agir é sua mais própria essência. A culpa
recebe também a significação de delito, pois a consciência de si, como simples
consciência ética, consagrou-se a uma lei, mas renegou a outra e a violou
mediante seu ato.

A culpa não é uma essência indiferente e ambígua, de forma que o ato, tal como
efetivamente se expõe à luz do dia, pudesse ser o agir do seu Si; ou então não ser,
como se o agir pudesse estar vinculado a algo exterior e contingente, que não lhe
pertencesse; e assim, por esse lado, o agir fosse inocente. Ao contrário: o agir
mesmo é essa cisão, que consiste em pôr-se para si mesmo e a isso contrapor
uma efetividade exterior estranha. Depende do próprio agir - e é resultado dele -
que uma tal efetividade exista.

Inocente, portanto, é só o não agir - como o ser de uma pedra; nem mesmo o ser
de uma criança é inocente. No entanto, conforme o conteúdo, a ação ética tem
nela o momento do delito, porque não suprassume a repartição natural das duas
leis entre os dois sexos: ao contrário, como orientação indivisa para a lei,
permanece dentro da imediatez natural, e enquanto agir faz dessa unilateralidade,
a culpa. Essa culpa consiste em escolher só um dos lados da essência, e em
comportar-se negativamente para com o outro; quer dizer, em violá-lo. Adiante
se exporá com mais precisão onde incidem na vida ética universal a culpa e o
crime, o agir e o operar. É imediatamente claro que não é este Singular que
opera e que é culpado, pois como este Si é apenas sombra inefetiva, ou seja, só é
como Si universal, e a individualidade é puramente o momento formal do agir
em geral, sendo seu conteúdo as leis e os costumes, que, determinadamente para
o Singular, são os de seu estamento. É a substância como gênero, o qual, através
de sua determinidade, se torna espécie, sem dúvida; mas a espécie continua
sendo, ao mesmo tempo, o universal do gênero.

Dentro do povo, a consciência de si desce do universal somente até a


particularidade, e não até à individualidade singular, que põe no agir da
consciência de si, um Si exclusivo, uma efetividade negativa de si mesma.
Contudo, na base de seu operar, está a firme confiança no todo, à qual nada de
alheio se mistura: nem medo nem hostilidade.

A consciência de si ética experimenta agora, no seu ato, a natureza desenvolvida


do operar efetivo; quer se tenha dedicado à lei divina, quer à lei humana. A lei
que é para ela manifesta uniu-se na essência com a lei oposta. A essência é a
unidade de ambas, mas o ato só realizou uma, em contraposição à outra.
Entretanto, por estar unida com ela na essência, o cumprimento de uma evoca a
outra, e a evoca como uma essência violada, e agora hostil, reclamando
vingança; a isso o ato a reduziu. Ao operar só se expõe à luz do dia um lado da
decisão, em geral. Mas a decisão é, em si, o negativo, ao qual se contrapõe
Outro, um estranho para ele, que é o saber.

A efetividade, pois, guarda oculto nela o outro lado, estranho ao saber, e não se
mostra à consciência tal como é em si e para si. Ao filho, o pai não se mostra no
ofensor que ele fere, nem a mãe na rainha que toma por esposa. Desse modo,
está à espreita da consciência de si ética uma potência avessa à luz que, quando o
fato ocorreu, irrompe, e a colhe em flagrante. Com efeito, o ato consumado é a
oposição suprassumida do Si que sabe e da efetividade que se lhe contrapõe.
Quem opera, Édipo, não pode renegar o delito e sua culpa. O ato é isto: mover o
imóvel, e produzir o que antes só estava encerrado na possibilidade; e com isso,
unir o inconsciente ao consciente, o não essente ao ser. Nessa verdade, o ato
surge assim à luz do dia - como algo em que está unido um elemento consciente
a um inconsciente, o próprio a um estranho: como a essência dividida; a
consciência lhe experimenta o outro lado, e o experimenta também como lado
seu, mas como potência violada por ela e provocada de modo hostil.

Pode ser que o direito, que se mantinha à espreita, não esteja presente para a
consciência operante em sua figura peculiar; mas somente esteja em si, na culpa
interior da decisão e do operar. Porém a consciência ética é mais completa, sua
culpa mais pura, quando conhece antecipadamente a lei e a potência que se lhe
opõem, quando as toma por violência e injustiça, por uma contingência ética; e
como Antígona, comete o delito sabendo o que faz.
O ato consumado inverte o ponto de vista da consciência; a implementação
enuncia, por si mesma, que o que é ético deve ser efetivo, pois a efetividade do
fim é o fim do agir. O agir enuncia justamente a unidade da efetividade e da
substância; que a efetividade não é contingente para a essência, mas que, em
união com ela, não é assignada a nenhum direito que não seja o direito
verdadeiro. Devido a essa efetividade, e em virtude do seu agir, a consciência
ética deve reconhecer seu oposto como efetividade sua; deve reconhecer sua
culpa: "Porque sofremos, reconhecemos ter errado".

Esse reconhecer exprime a cisão suprassumida do fim ético e da efetividade;


exprime o retorno à disposição ética, que sabe nada ter valor a não ser o direito.
Desse modo, porém, a ação abandona seu caráter e a efetividade do seu Si, e foi
à ruína. Seu ser consiste nisto: em pertencer à sua lei ética como à sua substância.
Ora, no reconhecer do oposto, deixou essa lei de ser sua substância; e em lugar
de sua efetividade, o que alcançou foi a inefetividade, a disposição.

Sem dúvida, a substância se manifesta na individualidade, como seu pathos, e a


individualidade se manifesta como o que vivifica a substância, - e por isso está
acima dela. Mas é um pathos que ao mesmo tempo é seu caráter; a
individualidade ética, imediatamente e em si, é um só com esse seu universal; só
nele tem sua existência, e não é capaz de sobreviver à ruína que essa potência
ética sofre por causa da oposta.

Mas, com isso, tem ela a certeza de que aquela individualidade, cujo pathos é
essa potência oposta, não sofre um mal maior do que infligiu. O movimento
dessas potências éticas, uma em relação à outra, e das individualidades que as
põem em vida e ação, só atinge seu verdadeiro fim ao sofrerem ambos os lados
a mesma ruína. Com efeito, nenhuma dessas potências tem sobre a outra a
vantagem de ser um momento mais essencial da substância. A igual
essencialidade e a subsistência indiferente das duas - uma ao lado da outra -
constituem seu ser carente de si. No ato são como essência do Si, mas uma
diferente essência do Si, - o que contradiz a unidade do Si, e constitui sua carência
de direito e sua necessária ruína.

O caráter, igualmente, de uma parte pertence, segundo seu pathos ou substância,


somente a uma dessas potências. Mas de outra parte, segundo o lado do saber,
tanto um caráter como o outro está cindido em um consciente e um inconsciente.
Cada um deles - enquanto provoca essa oposição, e enquanto mediante o ato
tanto o saber como o não saber são obra sua - põe-se nessa situação de culpa que
o consome. A vitória de uma potência e de seu caráter, e a derrota do outro lado
seriam assim apenas a parte e a obra incompleta, que avança sem cessar para o
equilíbrio de ambas as potências. Só na submissão igual dos dois lados o direito
absoluto se cumpre e a substância ética emerge como a potência negativa que
devora os dois lados - ou como o destino justo e todo-poderoso.

Tomando-se as duas potências segundo o seu conteúdo determinado e segundo a


individualização deste conteúdo, o quadro de seu conflito configurado se
apresenta, pelo seu lado formal, como o conflito da ordem ética e da consciência
de si com a natureza carente de consciência e com uma contingência presente
graças a essa natureza. Essa contingência tem um direito contra a consciência de
si, por ser essa consciência somente o espírito verdadeiro, por estar somente em
unidade imediata com sua substância. Segundo o seu conteúdo, esse quadro se
apresenta como a discrepância entre a lei divina e a lei humana.

O jovem sai da essência carente de consciência do espírito da família, e se torna


a individualidade da comunidade. Mas que ele ainda pertença à natureza da qual
se arranca, isto se evidencia pelo fato de vir à cena sob a figura contingente de
dois irmãos, que com igual direito se apoderam da comunidade. A desigualdade
de um nascimento anterior ou posterior, como diferença da natureza, não tem
para eles, que entram na essência ética, nenhuma significação. Mas o Governo,
como a alma simples, ou o Si do espírito do povo, não tolera uma dualidade da
individualidade. À necessidade ética dessa unidade se contrapõe a natureza,
enquanto é a casualidade de serem mais de um.

Esses dois irmãos são, pois, desunidos, e seu igual direito ao poder do Estado os
destrói a ambos, que têm igual falta de direito. Considerando do ponto de vista
humano, quem cometeu o crime foi o que, não estando na posse do poder, atacou
a comunidade à cabeça da qual estava o outro. Ao contrário, quem tem o direito
de seu lado é o que soube tomar o outro somente como Singular, destacado da
comunidade; e que nessa situação de impotência o baniu: agrediu só o indivíduo
como tal, não a comunidade, não a essência do direito humano. A comunidade,
atacada e defendida pela singularidade vazia, se mantém; e os irmãos encontram
ambos sua mútua destruição, através um do outro. Pois a individualidade que em
seu ser para si põe em perigo o todo expulsou-se a si mesma da comunidade e
em si se dissolveu.

Entretanto, a comunidade honrará aquele que se encontrava de seu lado; mas o


Governo, a simplicidade restaurada do Si da comunidade, punirá, privando-o das
honras finais, o outro que já proclamava sua destruição sobre os muros da
cidade. Quem vem profanar o espírito supremo da consciência - espírito da
comunidade - deve ser despojado da honra devida à sua essência inteira e
acabada: da honra devida ao espírito separado.

Mas se assim o universal apara de leve o puro vértice de sua pirâmide, e obtém a
vitória sobre o princípio rebelde da singularidade - a família - com isso somente
entrou em conflito com a lei divina; o espírito consciente de si mesmo somente
entrou em luta com o espírito carente de consciência. Com efeito, esse espírito é
a outra potência essencial, que por isso não foi destruída pela primeira, e sim
apenas ofendida. No entanto, contra a lei que tem a força e que vigora à luz do
dia, só encontra ajuda, para sua execução efetiva, em uma sombra exangue.
Portanto, como lei da fraqueza e da obscuridade, logo sucumbe ante a lei do dia e
da força, pois o seu poder vigora sob a terra, e não sobre ela.

Só que o efetivo, que retirou ao interior sua honra e potência, assim fazendo
consumiu a sua essência. O espírito manifesto tem a raiz de sua força no mundo
subterrâneo. A certeza do povo, que é certa de si mesma e que se garante, só tem
a verdade de seu juramento - que reúne a todos em um só - na substância de
todos, carente de consciência e muda: nas águas do olvido. Por isso, a plena
realização do espírito manifesto se muda em seu contrário: o espírito
experimenta que seu supremo direito é o supremo agravo; sua vitória é, antes,
sua própria ruína. O morto, cujo direito foi lesado, sabe pois encontrar
instrumentos para sua vingança, que são dotados de efetividade e violência iguais
às da potência que o ofendeu. Essas potências são outras comunidades, cujos
altares os cães e as aves poluíram com o cadáver, o qual não foi elevado à
universalidade carente de consciência por sua devida restituição ao indivíduo
elementar, mas ficou sobre a terra, no reino da efetividade; e agora recebe,
como força da lei divina, uma universalidade efetiva consciente de si. Essas
potências se tornam hostis e devastam a comunidade que desonrou e despedaçou
sua força - a piedade da família.

Nessa representação, o movimento da lei humana e da lei divina encontra a


expressão de sua necessidade em indivíduos em que o universal se manifesta
como um pathos, e a atividade do movimento, como um agir individual, que dá
um semblante de contingência à necessidade desse movimento. Ora, a
individualidade e o agir constituem o princípio da singularidade em geral;
princípio que em sua pura universalidade foi chamado lei divina interior. Como
movimento da comunidade patente, tem a lei divina não apenas aquela eficácia
subterrânea ou exterior em seu ser-aí, mas tem igualmente patente, no povo
efetivo, um efetivo ser-aí e movimento. Tomado dessa forma, o que fora
representado como simples movimento do pathos individualizado recebe outro
aspecto: o delito e a destruição da comunidade motivada por ele recebem a
forma peculiar de seu ser-aí.

A lei humana assim, em seu ser-aí universal, é a comunidade; em sua atividade


em geral, é a virilidade; em sua atividade efetiva, é o Governo. Ela é, se move e
se conserva porque consome em si mesma o separatismo dos Penates, ou a
singularização independente em famílias que a feminilidade preside, e as
conserva dissolvidas na continuidade de sua fluidez. Mas a família é, ao mesmo
tempo, seu elemento em geral: a base universal ativadora da consciência
singular. Quando a comunidade só se proporciona sua subsistência mediante a
destruição da felicidade-familiar, e da dissolução da consciência de si na
consciência universal, ela está produzindo, para si mesma, seu inimigo interior
naquilo que reprime, e que lhe é ao mesmo tempo essencial - na feminilidade
em geral. Essa feminilidade - a eterna ironia da comunidade - muda por suas
intrigas o fim universal do Governo em um fim-privado, transforma sua
atividade universal em uma obra deste indivíduo determinado, e perverte a
propriedade universal do Estado em patrimônio e adorno da família. Assim faz
da sabedoria séria da idade madura um objeto de zombaria para a petulância da
idade imatura, e de desprezo para seu entusiasmo; essa idade madura que morta
para a singularidade, para o prazer e o gozo - como também para a atividade
efetiva - só pensa no universal e só dele cuida.

De um modo geral, a mulher erige a força da juventude como o que tem valor
exclusivo: o vigor do filho, no qual a mãe gerou seu senhor; o do irmão, em que a
irmã encontra o homem como o seu igual: o do jovem, graças ao qual a filha,
subtraída à sua dependência, obtém o prazer e a dignidade da esposa.

No entanto, a comunidade só se pode manter através da repressão desse espírito


da singularidade; e na verdade a comunidade igualmente o produz, por ser
momento essencial: na verdade, o produz mediante a ação repressiva contra ele,
como um princípio hostil. Mas esse princípio de nada seria capaz - já que
separando-se do fim universal é apenas o mal e o nulo em si - se a própria
comunidade não reconhecesse como força do todo, a força da juventude; a
virilidade que ainda imatura permanece dentro da singularidade.

Com efeito, a comunidade é um povo; ela mesma é individualidade e


essencialmente só é assim para si, enquanto outras individualidades são para ela;
enquanto as exclui de si e se sabe independente delas. O lado negativo da
comunidade que reprime para dentro a singularização dos indivíduos, mas que
para fora é espontaneamente ativo, possui suas armas na individualidade. A
guerra é o espírito e a forma em que o momento essencial da substância ética - a
liberdade absoluta da essência do Si ética em relação a todo o ser-aí - está
presente na efetividade e preservação daquela substância. Enquanto, por um
lado, a guerra faz sentir a força do negativo aos sistemas singulares da
propriedade e da independência pessoal, como também à própria personalidade
singular, e, por outro lado, justamente essa essência negativa se enaltece na
guerra como o que mantém o todo; o jovem corajoso, no qual a feminilidade
encontra seu prazer - o princípio da corrupção que era reprimido - brilha à luz do
dia, e é o que tem valor. Agora, o que decide sobre o ser-aí da essência ética e
sobre a necessidade espiritual, é a força da natureza, e o que aparece como
acaso da sorte. Porque o ser-aí da essência ética agora repousa na força e na
fortuna, assim já está decidido que a essência ética foi por terra.

Como anteriormente só os Penates desabaram no espírito do povo, agora são os


espíritos vivos dos povos que, através de sua individualidade, desmoronam em
uma comunidade universal, cuja universalidade simples é sem espírito e morta, e
cuja vitalidade é o indivíduo singular, enquanto Singular. A figura ética do espírito
desvaneceu, e surge outra em seu lugar.

Esse colapso da substância ética e sua passagem para outra figura são
determinados pelo fato de ser a consciência ética, de modo essencial, orientada
imediatamente para a lei. Nessa determinação da imediatez está implicado que a
natureza; em geral, intervenha na operação da eticidade. Sua efetividade revela
somente a contradição e o gérmen da corrupção que a bela unanimidade e o
equilíbrio tranquilo do espírito ético continham, justamente nessa tranquilidade e
beleza; pois a imediatez tem a significação contraditória de ser a quietude
inconsciente da natureza, e a irrequieta quietude, consciente de si, do espírito.

Por causa dessa naturalidade, o povo ético em geral é uma individualidade


determinada pela natureza - e, por isso, limitada - e assim encontra sua
suprassunção em outra. Quando porém desvanece essa determinidade - que
posta no ser-aí é limitação, mas é igualmente o negativo em geral e o Si da
individualidade - estão perdidas a vida do espírito e essa substância, consciente
dela mesma, em todos. A substância emerge neles como uma universalidade
formal: já não está imanente neles como espírito vivo, mas a solidez simples de
sua individualidade explodiu em uma multidão de pontos.

c - O ESTADO DE DIREITO

A unidade universal, a que retoma a unidade imediata viva da individualidade e


da substância, é a comunidade carente de espírito, que deixou de ser a substância
dos indivíduos, ela mesma carente de consciência. Os indivíduos têm valor nela
segundo o seu ser para si singular como essências do Si e substâncias. O
universal, estilhaçado nos átomos dos indivíduos absolutamente múltiplos - esse
espírito morto -, é uma igualdade na qual todos valem como cada um, como
pessoas.

O que no mundo da eticidade tinha o nome de lei divina oculta, de fato emergiu
de seu interior para a efetividade. Naquele mundo, o Singular somente tinha valor
e era efetivo como o sangue universal da família. Enquanto este Singular era o
espírito separado, carente de si; mas agora saiu de sua inefetividade. Uma vez
que a substância ética é apenas o espírito verdadeiro, retoma o Singular à certeza
de si mesmo; ele é essa substância enquanto universal positivo, mas sua
efetividade consiste em ser o Si negativo universal.

Nós vimos as potências e as figuras do mundo ético naufragarem na necessidade


simples do destino vazio. Essa potência do mundo ético é a substância refletindo-
se em sua simplicidade; porém a essência absoluta que reflete sobre si mesma -
justamente aquela necessidade do destino vazio - não é outra coisa que o Eu da
consciência de si.

Esse Eu, por isso, agora tem valor como essência em si e para si essente. Esse
Ser-reconhecido é sua substancialidade, que por sua vez é a universalidade
abstrata, pois seu conteúdo é esse Si rígido, e não o Si que se dissolveu na
substância.

Assim, a personalidade saiu, nessa altura, da vida da substância ética: é a


independência, efetivamente em vigor, da consciência. O pensamento inefetivo
da independência, que vem a ser para si mediante a renúncia à efetividade, foi
anteriormente encontrado como consciência de si estoica. Como ela procedia da
Dominação e Servidão, entendida como ser-aí imediato da consciência de si,
assim também a personalidade provinha do espírito imediato, que é a vontade
universal dominadora de todos, e igualmente sua obediência servidora.

O que para o estoicismo era o Em si apenas na abstração, agora é mundo efetivo.


O estoicismo não é outra coisa senão a consciência que leva à sua forma abstrata
o princípio do Estado de Direito, a independência carente de espírito. Por sua
fuga da efetividade, a consciência estoica só alcançava o pensamento da
independência; ela é absolutamente para si, porque não vincula sua essência a
um ser-aí qualquer; mas, abandona qualquer ser-aí, e coloca sua essência
somente na unidade do puro pensar. Da mesma maneira, o direito da pessoa não
está ligado nem a um ser-aí mais rico ou mais poderoso do indivíduo como tal
indivíduo, nem ainda a um espírito vivo universal; mas antes ao puro Uno de sua
efetividade abstrata - ou a ele enquanto consciência de si em geral.

Como agora a independência abstrata do estoicismo apresentava o processo de


sua efetivação, assim também essa última forma de independência, a pessoa vai
recapitular o movimento da independência estoica. A consciência estoica vem a
dar na confusão cética da consciência, em um palavreado do negativo que
vagueia informe de uma contingência do ser e do pensamento para outra.
Dissolve-as, de certo, na independência absoluta, mas, ao mesmo tempo, as
reproduz; e, de fato, é apenas a contradição entre a dependência e a
independência da consciência.

Do mesmo modo, a independência pessoal do direito é, antes, essa igual confusão


universal e dissolução recíproca. Pois o que vigora como essência absoluta é a
consciência de si como o puro Uno vazio da pessoa. Em contraste com essa
universalidade vazia, a substância tem a forma da plenitude e do conteúdo; e
agora esse conteúdo é completamente deixado livre e desordenado, já que não
está presente o espírito que o subjugava e mantinha coeso em sua unidade.

Portanto, em sua realidade, esse Uno vazio da pessoa é um ser-aí contingente, e


um mover e agir carentes de essência, que não chegam a consistência alguma.
Como o ceticismo, assim o formalismo do direito, sem conteúdo próprio, por seu
conceito mesmo encontra uma subsistência multiforme - a posse - e como o
ceticismo, lhe imprime a mesma universalidade abstrata, pela qual a posse
recebe o nome de propriedade. Mas no ceticismo, a efetividade assim
determinada se chama aparência em geral, e tem apenas um valor negativo;
enquanto no direito, tem um valor positivo. Esse valor negativo consiste em que o
efetivo tenha a significação do Si enquanto pensar, enquanto universal em si. Ao
contrário, o valor positivo consiste em que o efetivo seja o Meu na significação
da categoria, como uma vigência reconhecida e efetiva.

Os dois são o mesmo universal abstrato: o conteúdo efetivo ou a determinidade


do Meu - quer se trate agora de uma posse exterior, ou então da riqueza ou da
pobreza interiores do espírito e do caráter - não está contido nessa forma vazia, e
não lhe diz respeito. O conteúdo efetivo pertence, assim, a uma potência própria,
que é algo diverso do Universal-formal; potência que é o acaso e o arbítrio. Por
isso a consciência do direito experimenta, antes, em sua própria vigência efetiva,
a perda de sua realidade, e sua inessencialidade completa; e designar um
indivíduo como uma pessoa é expressão de desprezo.

A livre potência do conteúdo determina-se de modo que a dispersão na


pluralidade absoluta dos átomos pessoais, pela natureza dessa determinidade, é
recolhida ao mesmo tempo em um só ponto, a eles estranho e igualmente
carente de espírito. Esse ponto, de um lado, tal como a rigidez da personalidade
daqueles átomos, é efetividade puramente singular; mas em oposição à sua
singularidade vazia, tem para eles, ao mesmo tempo, a significação de todo o
conteúdo, e, por isso, da essência real. É a potência universal e a efetividade
absoluta, em contraste com a efetividade daqueles átomos pessoais que se
presume absoluta mas que é, em si, carente de essência.
Esse senhor do mundo é, para si, dessa maneira a pessoa absoluta, que ao mesmo
tempo abarca em si todo o ser-aí, e para cuja consciência não existe espírito
mais elevado. É pessoa, mas a pessoa solitária que se contrapõe a todos. Esses
"todos" constituem a universalidade vigente da pessoa, pois o singular como tal só
é verdadeiro como multiplicidade universal da singularidade; separado dela, o Si
solitário é, de fato, o Si inefetivo carente de força.

Ao mesmo tempo, é a consciência do conteúdo que se pôs em oposição àquela


personalidade universal. Porém esse conteúdo, liberado de sua potência negativa,
é o caos das potências espirituais, que desencadeadas como essências
elementares em selvagem orgia se lançam umas contra as outras, frenéticas e
arrasadoras. Sua consciência de si, carente de forças, é o dique impotente e a
arena de seu tumulto. Sabendo-se assim como o compêndio de todas essas
potências efetivas, esse senhor do mundo é a consciência de si descomunal que
se sabe como deus efetivo. Mas como é apenas o Si formal - que não é capaz de
domar essas potências - seu movimento e gozo de si mesmo é também uma
orgia colossal.

O senhor do mundo tem a consciência efetiva do que ele é - a saber a potência


universal da efetividade - na violência destruidora que exerce contra o Si de seus
súditos, que se lhe contrapõe. Com efeito, sua potência não é a união do espírito
na qual as pessoas reconheçam sua própria consciência de si; enquanto pessoas,
são antes para si, e excluem a continuidade com outras, da absoluta rigidez de sua
atomicidade. Estão assim em uma relação unicamente negativa, seja umas com
as outras, seja para com o senhor do mundo, o qual é seu nexo de
relacionamento, ou sua continuidade. Enquanto tal continuidade, o senhor do
mundo é a essência e o conteúdo do formalismo das pessoas; conteúdo, porém,
que lhes é estranho, e essência que lhes é hostil; pois, antes, suprime o que para
elas tem valor como essência: o ser para si vazio de conteúdo, e, enquanto
continuidade de suas personalidades, precisamente as destrói.

A personalidade do direito, quando nela se faz vigente o conteúdo que lhe é


estranho - e aliás se faz vigente nela por ser sua realidade - experimenta, antes,
sua carência de substância. Em contrapartida, o fato de socavar arrasadoramente
esse terreno sem essência, proporciona a si mesmo a consciência de sua
onipotência; mas esse Si é puro ato de devastar, e, por conseguinte, está somente
fora de si, ou melhor, é o mesmo que jogar-fora sua consciência de si.

Assim, está constituído o lado em que a consciência de si é efetiva, como


essência absoluta. Mas a consciência, recambiada dessa efetividade a si mesma,
pensa essa sua inessencialidade. Vimos antes a independência estoica do puro
pensar atravessar o ceticismo e encontrar sua verdade na consciência infeliz: - a
verdade sobre o que constituía seu ser em si e para si. Se esse saber só aparecia
então como ponto de vista unilateral da consciência como consciência, agora se
patenteou sua verdade efetiva. Essa verdade consiste em que a vigência universal
da consciência de si é a realidade que dela se alienou. Essa vigência é a
efetividade universal do Si; mas uma efetividade que é também imediatamente a
perversão: é a perda de sua essência.

A efetividade do Si, que não estava presente no mundo ético, foi conseguida por
seu retomar à pessoa. O que no mundo ético estava unido, emerge agora
desenvolvido, mas alienado de si mesmo.

B - O ESPÍRITO ALIENADO DE SI MESMO.

A CULTURA

A substância ética mantinha a oposição encerrada em sua consciência simples; e


a consciência, em unidade imediata com sua essência. Por conseguinte, a
essência tem a determinidade simples do ser para a consciência, que está
imediatamente orientada para a essência e constitui seus costumes. Nem a
consciência conta por este Si exclusivo, nem a substância tem a significação de
um ser-aí excluído desse Si - esse ser-aí com o qual o Si só pudesse formar uma
unidade mediante a alienação de si mesmo, e ao mesmo tempo tivesse de
produzir a substância.

Mas aquele espírito, cujo Si é o absolutamente discreto, tem seu conteúdo como
uma efetividade igualmente rígida, frente a ele; e o mundo tem aqui a
determinação de ser algo exterior, o negativo da consciência de si. Contudo, esse
mundo é essência espiritual, é em si a compenetração do ser e da
individualidade. Seu ser-aí é a obra da consciência de si, mas é igualmente uma
efetividade imediatamente presente, e estranha a ela; tem um ser peculiar e a
consciência de si ali não se reconhece.

Tal efetividade é a essência exterior e o livre conteúdo do direito; mas essa


efetividade exterior, que o senhor do mundo do direito abrange dentro de si, não é
só essa essência elementar que está presente, de maneira contingente, ao Si; mas
é seu trabalho, não trabalho positivo, e sim negativo. Adquire seu ser-aí pela
própria extrusão e desessenciamento da consciência de si, que na devastação
imperante no mundo do direito parece impor-lhe a violência externa dos
elementos desencadeados. Esses elementos são, para si, somente o puro devastar
e a dissolução deles mesmos; e, contudo, essa dissolução - essa sua essência
negativa - é precisamente o Si: que é seu sujeito, seu agir e vir a ser. Ora, esse
agir e vir a ser, mediante os quais a substância se torna efetiva, é a alienação da
personalidade; com efeito, o Si vigente em si e para si, imediatamente, isto é,
sem alienação, é um Si sem substância, e joguete daqueles elementos
tumultuosos. Sua substância é, pois, sua extrusão mesma, e a extrusão é a
substância, ou seja, as potências espirituais que se ordenam para constituírem um
mundo e por isso se mantêm.

A substância, dessa maneira, é espírito, unidade consciente de si do Si e da


essência; mas os dois têm também, um para o outro, o significado da alienação.
O espírito é consciência de uma efetividade objetiva e livre para si. Contrapõe-se
porém a essa consciência aquela unidade do Si e da essência; - à consciência
efetiva se contrapõe a consciência pura.

De um lado, graças a sua extrusão, a consciência de si efetiva passa ao mundo


efetivo; e vice-versa, o mundo efetivo a ela. Mas, de outro lado, suprassume-se
justamente essa efetividade - tanto a pessoa quanto a objetividade: elas são assim
puramente universais. Essa sua alienação é a consciência pura ou a essência. A
presença tem imediatamente a oposição em seu além, que é seu pensar e ser-
pensado; como o além tem seu oposto no aquém, que é sua efetividade, alienada
dele.

Portanto, esse espírito não constrói para si apenas um mundo mas um mundo
duplo, separado e oposto. O mundo do espírito ético é sua própria presença; e por
isso cada potência dele está nessa unidade, e na medida em que as duas potências
se distinguem está em equilíbrio com o todo. Nada tem ali a significação de um
negativo da consciência de si; mesmo o espírito que partiu está presente no
sangue dos parentes, no Si da família; e a potência universal do Governo é a
vontade, o Si do povo.

Aqui porém o presente significa apenas uma efetividade puramente objetiva, que
tem sua consciência além. Cada momento singular, como essência, recebe de
Outro essa consciência, e com isto a efetividade; e na medida em que é efetivo,
sua essência é algo Outro que sua efetividade. Não há nada que tenha um espírito
nele mesmo fundado e imanente, mas tudo está fora de si em um estranho: o
equilíbrio do todo não é a unidade em si mesma permanente, ou a placidez dessa
unidade em si mesma retornada, senão que repousa na alienação do seu oposto.
Por conseguinte o todo, como cada momento singular, é uma realidade alienada
de si mesma; ele se rompe em um reino onde a consciência de si é efetiva, como
também seu objeto; e em outro reino, o da pura consciência, que está além do
primeiro, não tem presença efetiva, mas reside na fé.
Assim como agora o mundo ético, a partir da separação entre lei divina e lei
humana, e de suas figuras; e sua consciência, a partir de sua separação entre
saber e ignorância, retornam a seu destino, ao Si enquanto potência negativa
dessa oposição, assim também vão retornar ao Si esses dois reinos do espírito
alienado de si mesmo. Mas se aquele era o primeiro Si imediatamente em vigor -
a pessoa singular -, este segundo, que a si retorna de sua extrusão, será o Si
universal, a consciência que capta o conceito; e esses mundos espirituais, cujos
momentos se afirmam todos como uma efetividade fixa e uma subsistência não
espiritual, vão dissolver-se na pura inteligência. Essa, como o Si que se apreende
a si mesmo, consuma a cultura: nada apreende senão o Si, e tudo apreende como
o Si, quer dizer, tudo conceitua; suprime toda a objetividade e transmuda todo o
ser em si em um ser para si. Voltada contra a fé, como reino da essência
estranho e situado além, é o Iluminismo. O Iluminismo leva a cabo a alienação,
inclusive naquele reino onde se refugia o espírito alienado de si, como na
consciência da quietude igual a si mesma. Perturba-lhe a ordem doméstica que o
espírito administra no mundo da fé, introduzindo ali instrumentos do mundo do
aquém, que o espírito não pode renegar como propriedade sua, já que sua
consciência igualmente pertence a esse mundo.

Nessa tarefa negativa, a pura inteligência se realiza a si mesma, ao mesmo


tempo, e produz seu objeto próprio - a essência absoluta incognoscível e o útil.
Como a efetividade perdeu assim toda a substancialidade, e nela nada mais é em
si, então ruiu tanto o reino da fé quanto o do mundo real. Essa revolução produz a
liberdade absoluta; com ela, o espírito antes alienado retornou completamente a
si; abandona essa terra da cultura e passa para outra - para a terra da consciência
moral.

1 - O MUNDO DO ESPÍRITO ALIENADO DE SI

O mundo desse espírito se desagrega em um mundo duplo: o primeiro é o mundo


da efetividade ou o da alienação do espírito; o segundo, o mundo que o espírito,
elevando-se sobre o anterior, constrói para si no éter da pura consciência. Este
mundo, oposto àquela alienação, por isso mesmo não é livre dela, mas é antes
somente a outra forma da alienação, que consiste precisamente em ter a
consciência em dois mundos diversos, e que abarca ambos. O que aqui se
considera não é portanto a consciência de si da essência absoluta, tal como é em
si e para si; nem é a religião, mas a fé, enquanto é a fuga do mundo efetivo, e
assim não é em si e para si. Essa fuga do reino da presença é pois imediatamente
nela mesma uma dupla fuga. A pura consciência é o elemento no qual o espírito
se eleva, mas não é só o elemento da fé, senão também o do conceito. Os dois
entram em cena juntos e simultaneamente: e a fé é considerada somente em
oposição ao conceito.

a. A CULTURA E O SEU REINO DA EFETIVIDADE

O espírito desse mundo é a essência espiritual, impregnada de uma consciência


de si, que se sabe imediatamente presente como esta consciência de si para si
essente, e que sabe a essência como uma efetividade contraposta a si. Mas o ser-
aí desse mundo, como também a efetividade da consciência de si, descansa no
movimento pelo qual a consciência de si se extrusa de sua personalidade e assim
produz o seu mundo; frente a ele se comporta como se fosse um mundo estranho,
do qual devesse agora apoderar-se. Mas a renúncia de seu ser para si é ela
mesma a produção da efetividade, da qual assim se apodera imediatamente pela
renúncia.

Em outras palavras, a consciência de si só é algo, só tem realidade, na medida


em que se aliena a si mesma: com isso se põe como universal, e essa sua
universalidade é sua vigência e efetividade. Essa igualdade com todos não é,
portanto, aquela igualdade do direito; não é aquele imediato ser-reconhecido e
estar em vigor da consciência de si, pelo simples fato de que ela é; mas se ela
vigora, é por se ter tornado conforme ao universal através da mediação
alienadora. A universalidade carente de espírito, do direito, acolhe dentro de si e
legitima qualquer modalidade do caráter como também do ser-aí; mas a
universalidade que aqui vigora é a universalidade que veio a ser, e que é, por isso,
efetiva.

É portanto mediante a cultura que o indivíduo tem aqui vigência e efetividade. A


verdadeira natureza originária do indivíduo, e sua substância, é o espírito da
alienação do ser natural. Essa extrusão é, por isso, tanto o fim, como o ser-aí do
indivíduo; é, ao mesmo tempo, o meio ou a passagem, seja da substância
pensada para a efetividade, como inversamente da individualidade determinada
para a essencialidade. Essa individualidade se forma para ser o que é em si, e só
desse modo é em si e tem um ser-aí efetivo; tanto tem de cultura, quanto tem de
efetividade e poder. Embora o Si se saiba aqui efetivo como este Si, contudo sua
efetividade consiste somente no suprassumir do Si natural: a natureza
determinada originária se reduz, portanto, à diferença inessencial de grandeza, a
uma maior ou menor energia da vontade. Mas o fim e conteúdo da vontade
pertencem unicamente à substância universal mesma e só podem ser um
universal. A particularidade de uma natureza, que se torna fim e conteúdo, é algo
impotente e inefetivo: é uma espécie que se esfalfa, vã e ridiculamente, para
pôr-se à obra: é a contradição de atribuir ao particular a efetividade que é
imediatamente o universal. Portanto, se a individualidade for posta erroneamente
na particularidade da natureza e do caráter, não se encontram no mundo real
nem individualidades nem caracteres, mas indivíduos que têm um ser-aí igual,
uns em relação aos outros. Aquela suposta individualidade só é justamente o ser-
aí visado, que não logra estabilidade nesse mundo, onde só alcança efetividade o
que se extrusa a si mesmo, e, portanto, só o universal.

O visado vale pelo que é: por uma espécie. Espécie não é exatamente o mesmo
que espêce em francês, "o mais terrível de todos os apodos, por designar a
mediocridade e exprimir o mais alto grau de desprezo”. Espécie e bom em sua
espécie são expressões que em alemão dão a esse significado um matiz honesto,
como se não houvesse conotação pejorativa; ou como se essas expressões de fato
não incluíssem ainda em si a consciência do que é espécie, e do que é cultura e
efetividade.

O que se manifesta em relação ao indivíduo singular como sua cultura é o


momento essencial da substância mesma, isto é, o passar imediato de sua
universalidade pensada à efetividade; ou é a alma simples da substância, por
onde o Em si é algo reconhecido e ser-aí. O movimento da individualidade que se
cultiva é, pois, imediatamente, o vir a ser dessa individualidade como essência
objetiva universal, quer dizer, como o vir a ser do mundo efetivo. Esse, embora
tenha vindo a ser por meio da individualidade, é para a consciência de si algo
imediatamente alienado e tem para ela a forma de uma efetividade inabalável.
Mas, ao mesmo tempo, certa de que esse mundo é sua substância, procede a
apoderar-se dele: é pela cultura que obtém tal poder sobre o mundo. Vista desse
ângulo, a cultura aparece como fazendo a consciência de si ajustar-se à
efetividade, e quanto lhe permite a energia do caráter e do talento originários.

O que se manifesta aqui como a força do indivíduo - que tem a substância


subjugada e por isso suprassumida - é o mesmo que a efetivação da substância.
Com efeito, a força do indivíduo consiste em ajustar-se à substância, quer dizer,
em extrusar-se de seu si, e pôr-se assim como substância essente objetiva. A
cultura e a efetividade própria do indivíduo é portanto a efetivação da substância
mesma.

O Si só é efetivo para si como suprassumido. Portanto, o Si não constitui para ele


a unidade da consciência de si mesmo e do objeto; mas o objeto é para o Si o seu
negativo. Assim, mediante o Si, enquanto alma, a substância é plasmada em seus
momentos, de tal modo que um oposto vivifica o outro; e cada um, através de sua
alienação, dá subsistência ao outro, e dele igualmente a recebe. Ao mesmo
tempo, cada momento tem sua determinidade como uma vigência imutável, e
como uma firme efetividade, frente ao Outro. O pensar fixa essa diferença da
maneira mais universal mediante a oposição absoluta do bom e do mau que,
evitando-se mutuamente, não podem de forma alguma vir a ser o mesmo.
Porém esse ser fixo tem por sua alma a passagem imediata ao oposto: o ser-aí é,
antes, a inversão de toda a determinidade na sua oposta, e só essa alienação é a
essência e o sustentáculo do todo. Resta a considerar esse movimento efetivante,
e a vivificação dos momentos: a alienação se alienará a si mesma, e, através
dela, o todo se recuperará em seu conceito.

Deve-se considerar primeiro a própria substância simples na organização


imediata de seus momentos aí essentes ainda não vivificados. Ora, a natureza se
desdobra em seus elementos universais, onde o ar é a essência permanente,
puramente universal e translúcida; a água, ao contrário, a essência sempre
sacrificada; o fogo, a unidade animadora deles que tanto anula sempre sua
oposição, quanto cinde nela sua simplicidade; a terra, enfim, é o nó sólido dessa
articulação, e o sujeito dessas essências como de seu processo, seu sair e seu
retomar. Pois assim também a essência interior, ou o espírito simples da
efetividade consciente de si, se desdobra como um mundo em massas universais
semelhantes, mas espirituais. A primeira massa é a essência espiritual, em si
universal igual a si mesma. A segunda, a essência para si essente, que se tornou
desigual em si mesma, que se sacrifica e se entrega. A terceira, a essência que
enquanto consciência de si é sujeito e tem imediatamente nela mesma a força do
fogo. Na primeira essência, é consciente de si como ser em si, mas na segunda
possui o vir a ser do ser para si mediante o sacrifício do universal. Porém o
espírito mesmo é o ser em si e para si do todo, que se divide na substância como
permanente e na substância como a que se sacrifica, e que igualmente a recobra,
mais uma vez, em sua unidade, tanto como a chama que devora e consome a
substância, quanto como a sua figura permanente.

Nós vemos que essas essências correspondem à comunidade e à família do


mundo ético, mas sem possuir o espírito doméstico que elas têm: ao contrário, se
o destino é algo estranho para esse espírito, aqui a consciência de si é e se sabe
como a potência efetiva de tais essências.

Devemos considerar esses membros como são representados - quer no interior


da pura consciência, enquanto pensamentos ou essências em si essentes; - quer
na consciência efetiva, enquanto essências objetivas. A primeira essência,
naquela forma da simplicidade como a essência igual a si mesma, imediata e
imutável de toda a consciência, é o bem: a independente potência espiritual do
Em si, ao lado do qual o movimento da consciência para si essente é apenas
incidental. A segunda essência, ao contrário, é a essência espiritual passiva, ou
seja, o universal enquanto se entrega e faz os indivíduos tomarem nele
consciência de sua singularidade: é a essência nula, o mal.

Esse absoluto dissolver-se da essência é, por sua vez, permanente. Enquanto a


primeira essência é base, ponto de partida e resultado dos indivíduos, que são aí
puramente universais, a segunda, ao contrário, de uma parte é o ser para Outro
que se sacrifica, e de outra parte - e por isso mesmo - seu incessante retorno a si
mesmo como algo singular, e seu permanente vir a ser para si.

Mas esses pensamentos simples do bem e do mal são também imediatamente


alienados de si: são efetivos, e estão na consciência efetiva como momentos
objetivos. Desse modo, a primeira essência é o poder do Estado, e a segunda, é a
riqueza.

O poder do Estado é tanto a substância simples, quanto a obra universal, a


absoluta Coisa mesma, na qual é enunciada aos indivíduos sua essência - e sua
singularidade só é pura e simplesmente a consciência de sua universalidade.
Igualmente, o poder do Estado é a obra e o resultado simples em que desvanece
o fato de que se origina do agir dos indivíduos; ele permanece a absoluta base e
subsistência de todo o seu agir. Essa etérea substância simples de sua vida, por
essa determinação de sua inalterável igualdade consiga mesma, é ser, e portanto
é somente ser para Outro. É assim, em si, imediatamente o oposto de si mesma,
a riqueza. Embora a riqueza seja, sem dúvida, o passivo ou nulo, mesmo assim é
essência espiritual universal: tanto é o resultado que constantemente vem a ser do
trabalho e do agir de todos, como por sua vez se dissolve no gozo de todos. De
certo, no gozo a individualidade vem a ser para si, ou seja, como individualidade
singular; mas esse gozo mesmo é resultado do agir universal; como inversamente
a riqueza produz o trabalho universal e o gozo de todos. O efetivo tem, pura e
simplesmente, a significação espiritual de ser imediatamente universal. Nesse
momento cada Singular supõe, sem dúvida, agir por egoísmo, pois é esse o
momento em que se dá a consciência de ser para si, e por isso não toma esse
momento como algo espiritual. Aliás, visto somente por fora, assim se mostra
esse momento: no seu gozo, cada um dá a gozar a todos, e em seu trabalho, tanto
trabalha para todos, como trabalha para si e todos trabalham para ele. Portanto,
seu ser para si é, em si, universal: o interesse pessoal é só algo visado que não
pode tornar efetivo o que visa, isto é, fazer alguma coisa que não redunde em
benefício de todos.

Nessas duas potências espirituais a consciência de si reconhece, pois, sua


substância, seu conteúdo e seu fim; nelas intui sua dupla-essência: em uma das
potências, seu ser em si; na outra, seu ser para si. Mas a consciência de si
enquanto espírito, é ao mesmo tempo a unidade negativa de sua subsistência e da
separação da individualidade e do universal, ou da efetividade e do Si. Soberania
e riqueza são, portanto, presentes ao indivíduo como objetos, quer dizer, como
coisas tais de que ele se sabe livre e supõe que pode optar entre elas, ou mesmo
não escolher nenhuma das duas. O indivíduo, como esta consciência livre e pura,
contrapõe-se à essência como a algo que é somente para ele. Tem então a
essência como essência dentro de si mesma. Nessa pura consciência, os
momentos da substância para ele não são poder do Estado e riqueza, mas sim os
pensamentos de bem e de mal.

No entanto, a consciência de si é, além disso, a relação de sua pura consciência


com sua consciência efetiva, a relação do pensado com a essência objetiva: é
essencialmente o juízo. Na verdade, para os dois lados da essência efetiva, já
resultou através de suas determinações qual é o bom e qual é o mau: o bom é o
poder do Estado, o mau é a riqueza. Contudo, esse primeiro juízo não pode ser
considerado um juízo espiritual, pois nele um lado se determinou somente como
o em si essente ou o positivo, e o outro só como o para si essente, e o negativo.
Mas como essências espirituais são, cada um, a compenetração de ambos os
momentos, e assim não se esgotam naquelas determinações. A consciência de si
que com eles se relaciona é em si e para si; tem portanto de relacionar-se com
cada um deles de uma dupla maneira, pela qual se patenteará sua natureza, que
consiste em serem determinações alienadas para si mesmas.

Agora, para a consciência de si, é bom e em si aquele objeto no qual encontra a


si mesma; e mau, o objeto em que encontra o contrário de si. O bem é a
igualdade da realidade objetiva com ela; o mal, porém, é sua desigualdade. Ao
mesmo tempo, o que é bom e mau para ela, é bom e mau em si; pois a
consciência é justamente aquilo em que os dois momentos do ser em si e do ser
para si são o mesmo: - ela é o espírito efetivo das essências objetivas, e o juízo é
a demonstração de seu poder sobre elas, que faz delas o que são em si. Seu
critério e sua verdade não é como elas são em si mesmas imediatamente o igual
e o desigual, quer dizer, o Em si e o Para si abstratos, mas sim o que são na
relação do espírito para com elas: sua igualdade ou desigualdade com o espírito.

A relação do espírito para com essas essências - que postas primeiro como
objetos se convertem graças a ele no Em si - torna-se, ao mesmo tempo, sua
reflexão sobre si mesmas, mediante a qual adquirem um ser espiritual efetivo e
se põe em evidência o que é seu espírito. Mas como sua primeira determinação
imediata se distingue da relação do espírito para com elas, assim também o
terceiro momento - o seu próprio espírito - se distinguirá do segundo. Antes de
tudo, o segundo Em si dessas essências, que surge através da relação do espírito
com elas, tem já que resultar como sendo outro que o Em si imediato; pois essa
mediação do espírito antes põe em movimento a determinidade imediata e a
converte em algo diverso.

Por conseguinte, a consciência em si e para si essente encontra, de certo, no


poder do Estado sua simples essência e subsistir em geral, mas não sua
individualidade como tal. Encontra nele, sem dúvida, seu ser em si, mas não seu
ser para si; ou melhor, encontra nele o agir, como agir singular renegado e
submetido à obediência. Frente a esse poder, assim, o indivíduo se reflete sobre si
mesmo. O poder do Estado é, para ele, a potência opressora, e o mal; porque, em
lugar de ser o igual, é simplesmente o desigual em relação à individualidade. A
riqueza, ao contrário, é o bem: tende ao gozo universal, a todos se entrega e lhes
proporciona a consciência de seu Si. A riqueza em si é a beneficência universal;
se nega algum benefício, ou se não é complacente para qualquer necessidade,
isso é uma contingência que em nada prejudica sua essência necessária
universal, que consiste em comunicar-se a todos os Singulares, e em ser doadora
de mil mãos.

Esses dois juízos dão aos pensamentos de bem e mal um conteúdo contrário ao
que tinham para nós. Mas inicialmente a consciência de si se relacionou apenas
de forma incompleta com seus objetos, a saber, somente segundo o critério do
ser para si. Contudo, a consciência é também essência em si essente, e deve
tomar igualmente como critério esse lado, por meio do qual, somente, se
completa o juízo espiritual. Segundo esse lado o poder do Estado exprime para a
consciência sua essência. Esse poder, de uma parte, é lei estável e, de outra
parte, é governo e mandamento que ordena os movimentos singulares do agir
universal. Um lado é a própria substância simples; o outro, o agir dessa substância
que vivifica e conserva a si mesma e a todos. Aí o indivíduo encontra, pois, seu
fundamento e sua essência declarados, organizados e ativados. Ao contrário, no
gozo da riqueza, o indivíduo não experimenta sua essência universal, mas adquire
somente a consciência transitória e o gozo de si mesmo como uma singularidade
para si essente, e como desigualdade em relação à sua essência. Neste ponto os
conceitos de bem e mal assumem, portanto, um conteúdo oposto ao precedente.

Essas duas maneiras do julgar encontram, cada qual, uma igualdade e uma
desigualdade. A primeira consciência julgadora acha o poder do Estado desigual,
e gozo da riqueza, igual a ela: ao contrário, a segunda acha o poder do Estado
igual, e o gozo da riqueza desigual a ela. Trata-se de um duplo achar igual e de
um duplo achar desigual: o que está presente é uma relação oposta entre as duas
essencialidades reais.

Nós devemos julgar esse próprio julgar diversificado, e para isso temos que
aplicar o critério estabelecido. Assim a relação que encontra-igualdade da
consciência, é o bem; a que encontra desigualdade, é o mal; e essas duas
modalidades da relação devem ser retidas, daqui em diante, como figuras
diversas da consciência. Porque se relaciona de maneiras diversas, a consciência
cai sob a determinação da diversidade de ser boa ou má: e não porque tenha
como princípio seja o ser para si, seja o puro ser em si; já que os dois são
momentos igualmente essenciais. O duplo julgar acima considerado apresentava
separados os princípios, e por isso continha somente modos abstratos do julgar. A
consciência efetiva possui nela os dois princípios, e a diferença só recai em sua
essência, a saber, na relação de si mesma com o real.

Essa relação assume duas modalidades opostas: uma, é atitude frente ao poder do
Estado e à riqueza, como a algo igual; a outra, como a algo desigual. A
consciência da relação que encontra-igualdade é a consciência nobre. No poder
público considera o igual a si mesma; vê que nele tem sua essência simples e a
ativação dessa essência, e se coloca no serviço da obediência efetiva como no
serviço do respeito interior para com essa essência. Dá-se o mesmo com a
riqueza, que lhe proporciona a consciência de seu outro lado essencial - o do ser
para si. Por isso a consciência nobre a considera igualmente como essência em
relação a si, e reconhece por benfeitor quem lhe dá acesso ao gozo da riqueza; e
se tem como obrigada à gratidão.

Ao contrário, a consciência da outra relação é a consciência vil, que sustenta a


desigualdade com as duas essencialidades. Assim, vê na soberania uma algema e
opressão do ser para si; e por isso odeia o soberano, só obedece com perfídia, e
está sempre disposta à rebelião. Na riqueza, pela qual obtém o gozo de seu ser
para si, também só vê a desigualdade, a saber, a desigualdade com a essência
permanente. Através dela, como chega somente à consciência da singularidade e
do gozo efêmero, ama a riqueza, mas a despreza; e com o desvanecer do gozo,
considera como desvanecida também sua relação para com o rico benfeitor.

Tais relações agora exprimem unicamente o juízo, a determinação do que são as


duas essências enquanto objetos para a consciência - mas não ainda enquanto em
si e para si. A reflexão que é representada no juízo, de um lado é somente para
nós um pôr de uma como da outra determinação, e portanto um igual
suprassumir de ambas: não é ainda a reflexão delas para a consciência mesma.
De outro lado, só imediatamente são essências: nem vieram a ser isso, nem são
nelas, consciências de si. Não é ainda seu princípio vivificante, aquilo para o que
são: são predicados, que ainda não são, eles mesmos, sujeito. Devido a essa
separação, também o todo do juízo espiritual ainda reside, separadamente, em
duas consciências, cada uma delas sujeita a uma determinação unilateral.

Como inicialmente se elevava ao juízo, que é a relação de ambos, a indiferença


dos dois lados da alienação - de um lado, o Em si da consciência pura, isto é, dos
pensamentos determinados de bem e mal; e de outro lado, seu ser-aí, como
poder do Estado e riqueza - assim essa relação exterior deve elevar-se à unidade
interior, ou como relação do pensar, elevar-se à efetividade; e deve surgir o
espírito das duas formas de juízo. Isso ocorre quando o juízo se torna silogismo:
torna-se movimento mediatizante em que surgem a necessidade e o meio-termo
das duas partes do juízo.

A consciência nobre se encontra assim no juízo frente ao poder do Estado, de


modo que esse não é ainda um Si, na verdade, mas apenas a substância universal;
mas a consciência nobre está consciente de que essa substância é sua essência,
fim e conteúdo absoluto. Dessa maneira relacionando-se positivamente com ela,
comporta-se negativamente para com os seus próprios fins, para com seu
conteúdo particular e ser-aí, e os faz desvanecer. A consciência nobre é o
heroísmo do serviço: - a virtude que sacrifica o ser singular ao universal, e por
isso leva o universal ao ser-aí; - a pessoa que renuncia à posse e ao gozo de si
mesma, que age e que é efetiva para o poder vigente.

Mediante esse movimento, o universal é concluído com o ser-aí, em geral; como


também a consciência aí essente, mediante essa extrusão, se forma para a
essencialidade. A consciência, em cujo serviço se aliena, é sua própria
consciência submersa no ser-aí. Ora, o ser alienado de si é o Em si; assim a
consciência consegue, mediante essa cultura, o respeito a si mesma, e o respeito
junto aos outros.

Mas o poder do Estado, que de início era somente o universal pensado - o Em si -,


torna-se justamente por esse movimento o universal essente, a potência efetiva.
Potência que só é tal na efetiva obediência, que obtém por meio do juízo da
consciência de si, declarando que o poder do Estado é a essência; e por meio do
livre sacrifício de si a esse poder. Tal agir, que conclui a essência junto com o Si,
produz a dupla efetividade: produz a si, como o que tem efetividade verdadeira, e
o poder do Estado, como o verdadeiro que tem vigência.

No entanto, mediante essa alienação, o poder do Estado ainda não é uma


consciência de si que se sabe como poder do Estado: é apenas sua lei ou seu Em
si que tem vigência. Não possui ainda nenhuma vontade particular, pois a
consciência de si servidora ainda não extrusou seu puro Si, e assim vivificou o
poder do Estado, mas só o vivificou com o seu ser: só lhe sacrificou seu ser-aí,
mas não seu ser em si.

Essa consciência de si tem valor como consciência que é conforme à essência; é


reconhecida graças ao seu ser em si. Os outros nela encontram sua essência
ativada, mas não seu ser para si; encontram implementado seu pensar, ou pura
consciência, mas não sua individualidade. Portanto, tem valor no pensamento
deles, e desfruta da honra. É o orgulhoso vassalo, que desempenha sua atividade
em prol do poder do Estado, na medida em que esse poder não é vontade própria,
mas vontade essencial; - vassalo que só tem valor para si nessa honra, no
representar essencial da opinião pública, não na opinião agradecida da
individualidade do monarca que ele não ajudou a elevar-se a seu ser para si. Sua
linguagem, caso se referisse à vontade própria do poder do Estado, o qual ainda
não veio a ser, seria o conselho, que ele dá para o bem maior universal.

Assim, o poder do Estado ainda está sem vontade frente ao conselho. Não decide
entre as diversas opiniões sobre o bem maior universal; não é ainda Governo, e
portanto na verdade nem é ainda efetivo poder do Estado.

O ser para si, a vontade, que como vontade ainda não foi sacrificada, é o espírito
interior separatista dos estamentos, que se reserva seu bem particular, em
contraste com seu discurso sobre o bem universal, e tende a fazer dessa retórica
do bem universal um sucedâneo para o agir. O sacrifício do ser-aí, que ocorre no
serviço, na verdade só é completo quando chega até à morte; mas o perigo
superado da própria morte - a que se sobreviveu - deixa como resíduo um
determinado ser-aí e com isso um particular Para si que torna ambíguo e suspeito
o conselho para o bem universal; e que de fato se reserva, contra o poder do
Estado, a opinião própria e a vontade particular. Em consequência, ainda se
comporta desigualmente para com o poder do Estado, e recai sob a
determinação da consciência vil, que é estar sempre disposta à rebelião.

Essa contradição, que o ser para si tem de suprassumir, contém nessa forma, de
pôr-se na desigualdade do ser para si frente à universalidade do poder do Estado,
ao mesmo tempo a forma, de que aquela extrusão do ser-aí - em que ela se
completa, isto é, na morte - é ela mesma uma extrusão essente, e não uma
extrusão que retoma à consciência. Aliás, tampouco a consciência lhe sobrevive,
nem é em si e para si, mas passa somente ao seu contrário não reconciliado.

O verdadeiro sacrifício do ser para si só é pois o sacrifício em que ele se


abandona tão completamente como na morte, porém mantendo-se igualmente
nessa extrusão: assim se torna efetivo como o que é em si, como unidade idêntica
de si mesmo, e de si como o oposto. Porque o espírito interior posto à parte - o Si
como tal - emerge e se aliena, o poder do Estado é erigido ao mesmo tempo em
um Si próprio; assim como, sem essa alienação, as ações da honra, da
consciência nobre e os conselhos de seu discernimento permaneceriam algo
ambíguo que manteria ainda aquela cilada à parte - da intenção particular e da
vontade própria.
Contudo, essa alienação somente ocorre na linguagem que se apresenta aqui em
sua significação característica. No mundo da eticidade, como lei e mandamento;
no mundo da efetividade, como conselho apenas – a linguagem tem por conteúdo
a essência, e é a forma desse conteúdo. Aqui porém recebe por conteúdo a
forma mesma que é a linguagem, e tem valor como linguagem: é a força do
falar como um falar tal que desempenha o que é para desempenhar. Com efeito,
a linguagem é o ser-aí do puro Si, como Si, pela linguagem entra na existência a
singularidade para si essente da consciência de si como tal, de forma que ela é
para os outros. O Eu, como este puro Eu, não está aí de outra maneira: em
qualquer outra exteriorização está imerso em uma efetividade e em uma figura
da qual pode retirar-se; é refletido sobre si mesmo a partir de sua ação, como
também de sua expressão fisiognômica, deixando jazer inanimado tal ser-aí
imperfeito no qual está sempre tanto demasiado, como demasiado pouco.

Mas a linguagem contém o Eu em sua pureza; só expressa o Eu, o Eu mesmo.


Esse ser-aí do Eu é, como ser-aí, uma objetividade que contém a verdadeira
natureza dele. O Eu é este Eu, mas é igualmente o Eu universal. Seu aparecer
também é imediatamente a extrusão e o desvanecer deste Eu, e por isso seu
permanecer em sua universalidade. O Eu que se expressa é escutado: é um
contágio, no qual passou imediatamente à unidade com aqueles para os quais
está-aí, e é consciência de si universal.

Em ser escutado, nisso expira imediatamente seu ser-aí mesmo: esse seu ser
Outro retomou a si, e justamente isso é seu ser-aí como um agora consciente de
si: já que está aí, não mais estar-aí, - e através desse desvanecer, estar aí. Assim,
esse desvanecer é ele mesmo, imediatamente, seu permanecer; é seu próprio
saber de si, e seu saber de si como de alguém que passou para outro Si, que foi
escutado e é universal.

O espírito obtém aqui essa efetividade, porque os extremos, cuja unidade


constitui, têm de modo igualmente imediato a determinação de serem para si
efetividades próprias. Sua unidade se rompe em lados rígidos, - cada um dos
quais é para o outro um objeto efetivo excluído dele. Surge, pois, a unidade como
um meio-termo, que é excluído e diferenciado da efetividade separada dos lados;
ela mesma tem, por isso, uma objetividade efetiva distinta de seus lados, e é para
eles, quer dizer, é algo aí essente, A substância espiritual enquanto tal só entra na
existência quando ganhou, como seus lados, tais consciências de si, que sabem
este puro Si como efetividade que tem valor imediatamente; e que assim sabem
de modo igualmente imediato que isso só é através da mediação alienadora.
Mediante aquele saber, os momentos são purificados até se tornarem a categoria
que se sabe a si mesma, e por isso, até o ponto de serem momentos do espírito;
através dessa mediação alienadora o espírito entra no ser-aí como
espiritualidade.

O espírito é, desse modo, o meio-termo, que pressupõe aqueles extremos, e é


produzido pelo ser-aí deles; mas é igualmente o todo espiritual que irrompe entre
os extremos, que neles se fraciona, e só através desse contato produz cada um
deles para formarem o todo em seu princípio. O fato de que os dois extremos já
estejam em si suprassumidos e dissociados faz surgir sua unidade, a qual é o
movimento que conclui os dois conjuntamente, permutando suas determinações,
e na verdade concluindo-as juntas em cada extremo. Essa mediação põe assim o
conceito de cada um dos dois extremos em sua efetividade, ou seja, eleva ao seu
espírito o que cada um é em si.

Os dois extremos - o poder do Estado e a consciência nobre - são dissociados por


essa última: o poder do Estado divide-se no universal abstrato, ao qual se
obedece, e na vontade para si essente, que aliás ainda não se ajusta ao universal.
A consciência nobre se divide na obediência do ser-aí suprassumido, ou seja, no
ser em si do amor-próprio e da honra - e no puro ser para si ainda não
suprassumido, na vontade que ainda permanece à espreita, sem renunciar à sua
independência. Os dois momentos, em que os dois lados chegaram à pureza,
sendo por isso os momentos da linguagem, são o universal abstrato que se chama
bem maior comum, e o puro Si que no serviço renuncia à sua consciência
submersa no múltiplo ser-aí. No conceito, os dois são o mesmo; já que o puro Si é
precisamente o universal abstrato, e, portanto, é sua unidade posta como meio-
termo. Mas o Si só é efetivo no extremo da consciência, enquanto o Em si só o é
no extremo do poder do Estado. Falta à consciência isto: que o poder do Estado
tenha passado para ela não apenas como honra, mas efetivamente; e falta ao
poder do Estado que se lhe obedeça não só como ao chamado bem maior
comum, mas como a uma vontade; por outra, que ele seja o Si que decide.

A unidade do conceito em que reside ainda o poder do Estado, e no qual a


consciência alcançou sua pureza, torna-se efetiva nesse movimento mediatizante
cujo ser-aí simples, como meio termo, é a linguagem. Contudo, essa unidade não
tem ainda como um dos seus lados os dois Si presentes como Si. Com efeito, o
poder do Estado só é vivificado convertendo-se em um Si; portanto, essa
linguagem não é ainda o espírito tal como ele plenamente se sabe e se exprime.

A consciência nobre, por ser o extremo do Si, manifesta-se como aquilo donde
procede a linguagem, mediante a qual os lados da relação se configuram em
totalidades animadas. O heroísmo do serviço silencioso torna-se o heroísmo da
lisonja. Essa reflexão falante, do serviço, constitui o meio-termo espiritual que se
dissocia, e que reflete não só sobre si mesmo seu próprio extremo, mas também
o extremo do poder universal sobre ele mesmo; fazendo esse poder, que é
somente em si, tornar-se um ser para si, tornar-se a singularidade da consciência
de si. Desse modo ela se torna o espírito desse poder, que é ser um monarca
ilimitado. Ilimitado: porque a linguagem da lisonja eleva o poder à sua
universalidade purificada; como produto da linguagem, o momento do ser-aí
elevado à pureza do espírito é uma purificada igualdade consigo mesmo.
Monarca: porque a linguagem leva igualmente a singularidade a seu cúmulo.
Desse ponto de vista da simples unidade espiritual, aquilo de que a consciência
nobre se extrusa, é o puro Em si de seu pensar, seu Eu mesmo. Mais
precisamente: a linguagem eleva a singularidade - que aliás seria apenas algo
visado - à sua pureza aí essente, ao dar ao monarca o nome próprio. Pois é no
nome somente que a diferença do Singular não é apenas visada por todos os
outros, mas é feita efetiva por todos. No nome, o Singular conta como puramente
singular, não mais em sua consciência somente, mas na consciência de todos.
Portanto, graças ao nome, o monarca é completamente separado de todos, posto
à parte e isolado; no nome, o monarca é o átomo que nada pode comunicar de
sua essência, e que não tem igual a si.

O nome do monarca é, por isso, a reflexão sobre si, ou a efetividade, que o poder
universal tem nele mesmo; graças ao nome, esse poder é o monarca.
Inversamente, ele, este Singular, sabe por isso a si, este Singular, como o poder
universal: - porque os nobres não se postam ao redor do trono só para o serviço
do poder do Estado, mas também como ornamentação; e para dizerem sempre a
quem se senta no trono o que ele é.

Desse modo a linguagem do seu elogio é o espírito que no poder mesmo do


Estado concluiu juntamente os dois extremos; reflete o poder abstrato sobre si, e
lhe dá o momento do outro extremo - o ser para si que quer e que decide; e com
isso lhe confere a existência consciente de si. Ou seja, por meio disso, a
consciência de si singular, efetiva, chega a saber-se certa de si como o poder. É o
ponto do Si, aonde confluíram os múltiplos pontos, mediante a extrusão da certeza
interior.

Como porém esse espírito próprio do poder do Estado consiste em ter sua
efetividade e seu alimento no sacrifício do agir e do pensar da consciência nobre,
esse poder é a independência alienada de si mesma A consciência nobre, que é o
extremo do ser para si, recupera o extremo da universalidade efetiva em troca
da universalidade do pensar, que ela extrusou de si: o poder do Estado transferiu-
se para a consciência nobre. Somente nela a força do Estado se torna
verdadeiramente ativa. Em seu ser para si deixa de ser a essência inerte como
aparecia enquanto extremo do ser em si abstrato.

Considerado em si, o poder do Estado refletido sobre si, ou o fato de ter-se


tornado espírito, não significa outra coisa senão que esse poder se tornou
momento da consciência de si; quer dizer, só é como suprassumido, Por isso é
agora a essência, como uma essência cujo espírito é ser sacrificado e entregue;
ou seja, existe como riqueza. Na verdade, o poder do Estado ao mesmo tempo
continua subsistindo como uma efetividade, em contraste com a riqueza, na qual
se transforma sempre, segundo o conceito. Mas é uma efetividade, cujo conceito
é precisamente esse movimento de passar ao seu contrário - a extrusão do poder
- através do serviço e da homenagem pelos quais vem a ser.

Assim, pelo aviltamento da consciência nobre, o Si peculiar - que é a vontade do


poder do Estado - se torna para si a universalidade que se extrusa, em uma
completa singularidade e contingência, que se abandona a qualquer vontade mais
poderosa. O que resta a esse Si, de sua independência universalmente
reconhecida e incomunicável, é o nome vazio.

Assim, embora a consciência nobre se tenha determinado como a que se


comporta de uma maneira igual para com o poder universal, sua verdade é,
antes, conservar para si, no serviço que presta, seu próprio ser para si; e ser,
contudo, na renúncia peculiar de sua personalidade, o efetivo suprassumir e
dilacerar da substância universal. Seu espírito é a relação da completa
desigualdade: de uma parte, é reter na sua honra a vontade própria, e, de outra
parte, no abandonar dessa vontade, por um lado alienar-se de seu interior e
converter-se na suprema desigualdade consigo mesmo; e, por outro, submeter a
si desse modo a substância universal e torná-la completamente desigual consigo
mesma.

É evidente que com isso desvaneceu a determinidade que tinha no juízo contra o
que se chamava consciência vil; e, por conseguinte, ela também desvaneceu. A
consciência vil alcançou seu fim, a saber: levar o poder universal a ficar sob o
ser para si.

Assim enriquecida por meio do poder universal, a consciência de si existe como


benefício universal, ou seja, é a riqueza, que de novo é objeto para a consciência.
Com efeito, a riqueza é na verdade para a consciência o universal subjugado,
mas que ainda não retomou absolutamente ao Si, mediante esse primeiro
suprassumir. O Si não se tem ainda como Si, por objeto, e sim a essência
universal suprassumida. Como esse objeto somente veio a ser, é posta a relação
imediata da consciência com ele. A consciência, portanto, ainda não apresentou
sua desigualdade para com o objeto: é a consciência nobre, que conserva seu ser
para si no universal que se tornou inessencial; por isso o reconhece, e é
agradecida para com o benfeitor.
A riqueza já possui nela mesma o momento do ser para si. Não é o universal,
carente de si, do poder do Estado, nem a espontânea natureza inorgânica do
espírito; mas é o poder, tal como se sustenta em si mesmo por meio da vontade,
contra quem quiser apoderar-se dele para seu bel-prazer. Ora, como a riqueza só
tem a forma da essência, então esse ser para si unilateral - que não é em si, mas
é antes, o Em si suprassumido - é o retorno inessencial do indivíduo a si mesmo
no gozo da riqueza. Assim a riqueza precisa, ela mesma, da vivificação; e o
movimento de sua reflexão consiste em que a riqueza - que é só para si - se torne
um ser em si e para si; que ela, que é a essência suprassumida, se torne essência;
desse modo recebe nela mesma seu próprio espírito. Como acima já foi
analisada a forma desse movimento, aqui é suficiente determinar-lhe o
conteúdo.

Assim, a consciência nobre não se relaciona aqui com o objeto enquanto


essência em geral; ao contrário, o que é um estranho para ela, é o próprio ser
para si. Ela encontra seu Si como tal, alienado, como uma efetividade fixa
objetiva, que deve receber de outro ser para si fixo. Seu objeto é o ser para si, e,
portanto, o que é seu; mas, por ser objeto, é ao mesmo tempo imediatamente
uma efetividade alheia que é ser para si próprio, vontade própria. Quer dizer: vê
o seu Si em poder de uma vontade alheia, da qual depende conceder-lhe o seu
Si.

A consciência de si pode abstrair de cada lado singular, e por isso, seja qual for a
sujeição em que se encontre com respeito a um deles, mantém seu ser-
reconhecido e seu valer em si como de essência para si essente. Aqui porém ela
se vê, do lado de sua mais própria efetividade pura - ou de seu Eu -, fora de si e
pertencente a um Outro. Vê sua personalidade, como tal, dependendo da
personalidade contingente de Outro; do acaso de um instante, de um capricho, ou,
aliás, de uma circunstância indiferente.

No Estado de direito, o que está sob o poder da essência objetiva aparece como
um conteúdo contingente, do qual se pode abstrair; e o poder não afeta o Si como
tal: mas o Si é, antes, reconhecido. Porém aqui o Si vê a certeza de si, enquanto
tal, ser o mais inessencial; e a personalidade pura, ser a absoluta impessoalidade.
Por isso, o espírito de sua gratidão é o sentimento tanto dessa abjeção mais
profunda, como também da mais profunda revolta. Ao ver-se o puro Eu mesmo,
fora de si e dilacerado, nesse dilaceramento ao mesmo tempo se desintegrou e
foi por terra tudo o que tem continuidade e universalidade - o que se chama lei,
bom e justo. Dissolveu-se tudo o que é igual, pois o que está presente é a mais
pura desigualdade, a absoluta inessencialidade do absolutamente essencial, o ser
fora de si do ser para si. O puro Eu mesmo está absolutamente dilacerado.
Assim, embora essa consciência recupere, da riqueza, a objetividade do ser para
si e a suprassuma, contudo segundo o seu conceito não é só incompleta - como a
reflexão precedente - mas também insatisfeita para si mesma. A reflexão, na
qual o Si se recebe como algo objetivo, é a contradição imediata posta no puro
Eu mesmo. Mas, como Si, essa consciência está imediatamente, ao mesmo
tempo, acima dessa contradição: é a absoluta elasticidade que suprassume de
novo esse Ser suprassumido do Si: que rejeita essa rejeição na qual seu ser para
si se tornaria como um estranho para ela; e revoltada contra esse receber-se a si
mesma como objeto, ela é para si no ato mesmo de receber.

Como o comportamento dessa consciência está, assim, vinculado ao


dilaceramento absoluto, descarta-se em seu espírito a diferença de ser ela
determinada como consciência nobre em oposição à consciência vil; e ambas
são o mesmo. O espírito da riqueza benfeitora pode, aliás, ser diferenciado do
espírito da consciência que recebe o benefício, e tem de ser considerado à parte.
A riqueza era o ser para si carente de essência, a essência que se entregava. Mas,
por meio de sua comunicação, se torna um Em si. Enquanto cumpre sua
destinação - que é sacrificar-se - suprassume a singularidade de gozar só para si,
e como singularidade suprassumida é universalidade ou essência.

O que a riqueza comunica, o que dá aos outros, é o ser para si. Mas não se dá
como uma natureza carente de si, como aquela condição de vida que
espontaneamente se entrega; e sim, como essência consciente de si que é dona
de si mesma: não é a potência inorgânica do elemento, que é conhecida pela
consciência que recebe, como em si transitória, mas é a potência sobre o Si, que
se sabe autônoma e arbitrária, e ao mesmo tempo sabe que aquilo, que outorga, é
o Si de um outro.

A riqueza comparte, assim, a abjeção com o seu cliente; mas a arrogância toma
o lugar da revolta. Com efeito, por um lado ela sabe, como o cliente, o ser para si
como uma coisa contingente; mas ela mesma é essa contingência, em cujo
poder está a personalidade. Nessa arrogância - que acredita ter ganho um Eu
mesmo alheio em troca de um almoço, e ter assim obtido a submissão de sua
mais íntima essência - ela passa por alto a revolta interior do outro: não leva em
conta o rompimento completo de todas as cadeias, esse puro dilaceramento, para
o qual - já que se lhe tornou completamente desigual a igualdade consiga mesmo
do ser para si - todo o igual, toda a subsistência se dilacerou. Por isso se dilacerou
sobretudo a opinião e o ponto de vista do benfeitor. A riqueza está agora,
imediatamente, diante desse abismo mais íntimo; diante dessa profundeza sem
fundo onde desvanece toda a firmeza e substância; e nessa profundeza nada
enxerga senão uma coisa vulgar, um jogo de seu capricho, um acidente de seu
arbítrio. Seu espírito é ser a opinião - totalmente vazia de essência - a superfície
que o espírito abandonou.

Como a consciência de si tinha sua linguagem frente ao poder do Estado, ou seja,


o espírito surgia entre esses extremos como meio-termo efetivo, assim também
possui sua linguagem frente à riqueza; mais ainda: sua revolta tem sua própria
linguagem. A linguagem que dá à riqueza a consciência de sua essencialidade, e
com isso dela se apodera, é igualmente a linguagem da lisonja; mas da lisonja
ignóbil. Com efeito, o que exprime como essência, sabe que é a essência que se
entrega, que não é em si essente. Porém a linguagem da lisonja - como antes já
lembramos - é o espírito ainda unilateral. Pois, na verdade, seus momentos são: o
Si, que foi refinado mediante a cultura do serviço até a pura existência; e o ser
em si do poder. Mas ainda não está, na consciência dessa linguagem, o puro
conceito no qual são o mesmo o simples Si e o Em si: aquele puro Eu, e esta pura
essência, ou puro pensar. Essa unidade dos dois lados, entre os quais ocorre a
ação-recíproca, não está na consciência dessa linguagem; para ela, o objeto
ainda é o Em si em oposição ao Si, ou seja, seu objeto não é para ela, ao mesmo
tempo, seu próprio Si como tal.

Mas a linguagem do dilaceramento é a linguagem perfeita, e o verdadeiro


espírito existente de todo esse mundo da cultura. Essa consciência de si, à qual
pertence à revolta que rejeita sua rejeição, é imediatamente a absoluta igualdade
consigo mesma no dilaceramento absoluto - a mediação pura da pura
consciência de si consigo mesma. Ela é a igualdade do juízo idêntico em que
uma só e a mesma personalidade é tanto sujeito quanto predicado. Mas esse juízo
idêntico é, ao mesmo tempo, o juízo infinito; pois essa personalidade está
absolutamente cindida, e o sujeito e o predicado são pura e simplesmente
Essentes indiferentes, que nada têm a ver um com o outro, sem unidade
necessária, a ponto de cada um ser a potência de uma personalidade própria.

O ser para si tem seu ser para si por objeto, como algo simplesmente Outro; e ao
mesmo tempo, de modo igualmente imediato, como si mesmo; tem por objeto a
si como Outro, não que esse tenha outro conteúdo, mas o conteúdo é o mesmo Si
na forma de absoluta oposição, e de um ser-aí indiferente completamente
próprio. Assim está aqui presente o espírito desse mundo real da cultura: espírito
consciente de si em sua verdade e consciente de seu conceito.

Esse espírito é esta absoluta e universal inversão e alienação da efetividade e do


pensamento: a pura cultura. O que no mundo da cultura se experimenta é que
não têm verdade nem as essências efetivas do poder e da riqueza, nem seus
conceitos determinados, bem e mal, ou a consciência do bem e do mal, a
consciência nobre e a consciência vil; senão que todos esses momentos se
invertem, antes, um no outro, e cada um é o contrário de si mesmo. O poder
universal que é a substância, enquanto chega à sua espiritualidade própria através
do princípio da individualidade, recebe nele seu próprio Si apenas como o nome;
e enquanto poder efetivo, é antes a essência impotente que se sacrifica a si
mesma. Mas tal essência, carente de si e abandonada - ou seja, o Si tornado coisa
-, é antes o retorno da essência a si mesma: é o ser para si, essente para si, a
existência do espírito.

Os pensamentos dessas essências, do bem e do mal, invertem-se também nesse


movimento: o que é determinado como bom, é mau; o que é determinado como
mau, é bom. A consciência de cada um desses momentos, julgada como
consciência nobre ou vil, são consciências que em sua verdade são antes o
inverso do que devem ser tais determinações: tanto a nobre é vil e abjeta, como a
abjeção se muda na nobreza da liberdade mais aprimorada da consciência de si.
Do mesmo modo, considerado formalmente, tudo é para fora o inverso do que é
para si; em compensação, o que é para si, não o é em verdade, e sim algo outro
do que pretende ser: o ser para si é antes a perda de si mesmo, e a alienação de si
é antes a preservação de si mesmo. Assim, o que ocorre é isto: todos esses
momentos exercem uma justiça universal reciprocamente; cada um tanto se
aliena em si mesmo, quanto se configura no seu contrário, e dessa maneira o
inverte.

No entanto, o espírito verdadeiro é justamente essa unidade dos absolutamente


separados; na verdade o espírito, como seu meio-termo, chega à existência
precisamente pela livre efetividade desses extremos carentes de si. Seu ser-aí é o
falar universal e o julgar dilacerante, em que se dissolvem todos aqueles
momentos que devem vigorar como essências e membros efetivos do todo; e é
também esse jogo consigo mesmo, de dissolver-se. Esse julgar e falar é pois o
verdadeiro e incoercível, enquanto tudo subjuga; é aquilo que só
verdadeiramente conta nesse mundo real.

Cada parte desse mundo chega, pois, ao resultado de que seu espírito seja
enunciado, ou seja, que se fale dela com espírito, e se diga o que ela é. A
consciência honrada toma cada momento por uma essência permanente; e é
inculta carência de pensamento não saber que ela também faz o inverso. A
consciência dilacerada, ao contrário, é a consciência da inversão - e, na verdade,
da inversão absoluta; nela, o conceito é o que domina, e que concentra os
pensamentos amplamente dispersos para a consciência honrada. Por isso, a
linguagem da consciência dilacerada é rica de espírito.

O conteúdo do discurso que o espírito profere de si mesmo e sobre si mesmo é,


assim, a inversão de todos os conceitos e realidades, o engano universal de si
mesmo e dos outros. Justamente por isso, o descaramento de enunciar essa
impostura é a maior verdade. Esse discurso é como a extravagância do músico
que "amontoava e misturava trinta árias - italianas, francesas, trágicas, cômicas -
de todo tipo. Ora com voz grave descia até às profundezas, ora esganiçando
falsetes rasgava a altura dos ares, adotando tons sucessivos: furioso, calmo,
imperioso e brincalhão”. Para a consciência tranquila, que põe honestamente a
melodia do bem e do verdadeiro na igualdade dos tons - isto é, em uma nota só -
aparece esse discurso como "uma mixórdia de sabedoria e loucura, uma mescla
de sagacidade e baixeza, de ideias tanto corretas como falsas: uma inversão
completa do sentimento: tanto descaramento completo, quanto total franqueza e
verdade. Não pode renunciar a passar por todos esses tons, percorrendo de cima
a baixo toda essa escala de sentimentos, do mais profundo desprezo e repúdio até
à admiração e emoção mais sublimes. Nestes sentimentos deve haver um matiz
de ridículo que os desnatura; mas aqueles sentimentos devem ter, em sua própria
fraqueza, um traço de reconciliação, e, em sua estremecedora profundidade, o
impulso todo-poderoso que restitui o espírito a si mesmo".

Considerando agora, em contraste com o discurso dessa confusão, aliás clara


para si mesma, o discurso daquela consciência simples do verdadeiro e do bem,
vemos que só pode ser monossilábico, frente à eloquência, óbvia e consciente de
si, do espírito da cultura. Nada pode dizer-lhe que ele mesmo não saiba e não
diga. Se for além de seu monossilabismo, por isso diz o mesmo que o espírito da
cultura enuncia, e ainda comete a tolice de acreditar que diz algo de novo e de
diverso. Até mesmo suas sílabas, vergonhoso, vil, já são essa tolice, pois o espírito
as diz, de si mesmo.

Se esse espírito inverte em seu discurso tudo quanto é monótono - porque esse
igual a si é só uma abstração, mas em sua efetividade é a inversão em si mesma;
e se, ao contrário, a consciência reta toma sob sua proteção o bem e o nobre, isto
é, o que se mantém igual em sua exteriorização do único modo possível aqui, a
saber, sem perder seu valor por estar enredado no mal ou misturado com ele;
pois é isso sua condição e necessidade e nisso consiste a sabedoria da natureza;
então essa consciência, enquanto supõe contradizer o conteúdo do discurso do
espírito, apenas o resumiu de uma maneira trivial, carente de pensamento. Ao
fazer do contrário do nobre e do bem a condição e a necessidade do nobre e do
bem, acredita dizer outra coisa que isto: o Suposto nobre e bom é, em sua
essência, o contrário de si mesmo, assim como, inversamente, o mal é o
excelente.

A consciência simples compensa esse pensamento carente de espírito através da


efetividade do excelente, ilustrando-o com o exemplo de um caso fictício, ou de
uma anedota verdadeira; mostra, desse modo, que o excelente não é uma
palavra vazia, mas que está presente. Assim se contrapõe a efetividade universal
do agir invertido a todo o mundo real, no qual aquele exemplo constitui apenas
algo totalmente singularizado, uma espécie. Ora, apresentar o ser-aí do bem e do
nobre somente como uma anedota singular - fictícia ou verídica - é o mais duro
que dele se pode dizer.

Enfim, se a consciência simples exige a dissolução de todo esse mundo da


inversão, não pode exigir do indivíduo o afastamento dele, pois Diógenes no seu
tonel está condicionado por esse mundo; e, a exigência feita ao Singular, é
justamente o que tem valor de mal, a saber: cuidar de si enquanto Singular.
Porém, dirigi da à individualidade universal, a exigência desse afastamento não
pode ter a significação de que a razão abandone de novo a culta consciência
espiritual a que chegou, que deixe a extensa riqueza de seus momentos afundar
de volta na simplicidade do coração natural, ou então recair na selvageria e na
vizinhança da consciência animal - a que chamam natureza e inocência. Ao
contrário: a exigência dessa dissolução só pode dirigir-se ao espírito mesmo da
cultura, para que de sua confusão retome a si como espírito e atinja uma
consciência ainda mais alta.

De fato, porém, o espírito já levou a cabo isso, em si mesmo. O dilaceramento


da consciência - que é consciente dele mesmo e que se enuncia - é o riso
sarcástico sobre o ser-aí como também sobre a confusão do todo, e sobre si
mesmo; e é, ao mesmo tempo, o eco que ainda se escuta, de toda essa confusão.
Essa vaidade - que escuta a si mesma - de toda a efetividade e de todo o conceito
determinado, é a reflexão duplicada do mundo real sobre si mesmo: uma vez
neste Si da consciência, enquanto este Si; outra vez na pura universalidade do Si,
ou no pensamento. Sob o primeiro aspecto, o espírito que chegou a si dirigia seu
olhar para o mundo da efetividade, e ainda o tinha por seu fim e conteúdo
imediato. Sob o segundo aspecto, porém, seu olhar de uma parte se dirigia apenas
a si, e negativamente ao mundo, e de outra parte se afastava do mundo e se
voltava para o céu; e o além do mundo era seu objeto.

No primeiro aspecto do retorno ao Si, a vaidade de todas as coisas é sua própria


vaidade, ou seja, ele mesmo é vão. É o Si para si essente, que não só sabe julgar
e palrar sobre tudo, mas que também sabe dizer com riqueza de espírito tanto as
essências fixas da efetividade, quanto às determinações fixas que o juízo põe.
Sabe dizê-las em sua contradição, e essa contradição é sua verdade.

Considerado segundo a forma, o Si sabe tudo como alienado de si mesmo: o ser


para si separado de ser em si; o visado e o fim, separados da verdade; e o ser
para outro, por sua vez, separado de ambos; o pretexto separado do visar
autêntico e da verdadeira Coisa e intenção. Sabe assim exprimir corretamente
cada momento em contraste com o outro - em geral, a inversão de todos os
momentos. Sabe melhor que o próprio o que é cada um, seja ele determinado
como queira. Enquanto conhece o substancial pelo lado da desunião e do conflito
- que o Si unifica dentro de si -, mas não o conhece pelo lado dessa união, sabe
muito bem julgar o substancial, mas perdeu a capacidade de compreendê-lo.
Essa vaidade necessita, pois, da vaidade de todas as coisas para se proporcionar,
a partir delas, a consciência do Si: ela mesma portanto produz essa vaidade e é a
alma que a sustém.

Poder e riqueza são os mais altos fins de seu esforço. Sabe que mediante a
renúncia e o sacrifício se cultiva para ser o universal; alcança a posse do
universal, e nessa posse tem a valorização universal; pois poder e riqueza são as
potências efetivas reconhecidas. Mas essa sua valorização é vã, ela mesma: e
justamente enquanto o Si se apodera do poder e da riqueza, sabe que não são
essências do Si; mas antes, que o Si é a potência de ambos, enquanto poder e
riqueza são coisas vãs. Que assim na sua posse mesma o Si esteja fora e acima
deles, representa-o na linguagem espirituosa, que é por isso o mais alto interesse
e a verdade do todo; nessa linguagem este Si, como Si puro - que não pertence às
determinações efetivas nem às determinações pensadas - torna-se o Si espiritual,
verdadeiramente válido universalmente.

Esse Si é a natureza de todas as relações, que se dilacera a si mesma, e o


dilacerar consciente delas. Mas só como consciência de si revoltada sabe seu
próprio dilaceramento e nesse saber do dilaceramento, imediatamente se elevou
acima do mesmo. Naquela vaidade todo o conteúdo se torna um Negativo, que
não se pode mais compreender positivamente. O objeto positivo é só o puro Eu
mesmo, e a consciência dilacerada é, em si, essa pura igualdade consigo mesma
dessa consciência de si que a si retomou.

b. A FÉ E A PURA INTELIGÊNCIA

O espírito da alienação de si mesmo tem seu ser-aí no mundo da cultura; porém


quando esse todo se alienou de si mesmo, para além dele está o mundo inefetivo
da pura consciência ou do pensar. Seu conteúdo é o puramente pensado, e o
pensar, seu elemento absoluto. Mas enquanto o pensar é inicialmente o elemento
desse mundo, a consciência apenas tem esses pensamentos, mas ainda não os
pensa - ou não sabe que são pensamentos; senão que para ela estão na forma da
representação. Com efeito, ela sai da efetividade para a pura consciência;
contudo ela mesma está ainda, em geral, na esfera e determinidade da
efetividade.
A consciência dilacerada é em si apenas a igualdade consigo mesma da pura
consciência - só para nós, mas não para si mesma. Assim é somente a elevação
imediata, ainda não implementada dentro de si, e possui seu princípio oposto pelo
qual é condicionada, ainda dentro de si, sem se ter ainda assenhoreado dele pelo
movimento mediatizado. Portanto, para ela, a essência do seu pensamento não
vale como essência só na forma do Em si abstrato, mas na forma de um Efetivo-
comum, de uma efetividade que foi apenas alçada a outro elemento, sem ter
nele perdido a determinidade de uma efetividade não pensada.

Há que distinguir essencialmente tal essência do Em si, que é a essência da


consciência estoica, para a qual só valia a forma do pensamento enquanto tal,
que tem um conteúdo qualquer a ele estranho, e tomado da efetividade. Mas,
para a consciência aqui considerada, o que vale não é a forma do pensamento.
Diferencia-se também do Em si da consciência virtuosa, para a qual a essência
está, decerto, em relação com a efetividade; para a qual é essência da
efetividade mesma - mas é somente essência inefetiva. Para a consciência de
que falamos, a essência, embora esteja além da efetividade, vale contudo como
essência efetiva. Igualmente, o justo e o bem em si, da razão legisladora, e o
universal da consciência que examina as leis, não têm a determinação da
efetividade.

Portanto, se dentro do próprio mundo da cultura o puro pensar se situava como


um dos lados da alienação - a saber, como critério do abstrato bem e mal no
juízo - agora tendo atravessado o movimento do todo, se enriquece com o
momento da efetividade e, portanto, com o momento do conteúdo. Mas essa
efetividade da essência, ao mesmo tempo, é apenas uma efetividade da pura
consciência, não da consciência efetiva. Embora elevada ao elemento do pensar
não vale ainda para essa consciência como um pensamento, mas para ela, antes
está além de sua efetividade própria, pois é a fuga dessa efetividade.

Como aqui a religião - pois é claro que dela se trata - surge como a fé do mundo
da cultura; ainda não surge como é em si e para si. Ela já nos apareceu em
outras determinidades, a saber, como consciência infeliz - como figura do
movimento, carente de substância, da consciência mesma. Também na
substância ética a religião aparecia como fé no mundo subterrâneo; mas a
consciência do espírito que partiu não é propriamente fé, nem a essência é posta
no elemento da pura consciência, além do efetivo; ao contrário, ela mesma tem
uma presença imediata: seu elemento é a família.

Aqui porém a religião, por uma parte, emergiu da substância e é sua pura
consciência; por outra parte, essa pura consciência é alienada de sua consciência
efetiva: a essência é alienada de seu ser-aí. Assim, não é mais, certamente, o
movimento carente de substância da consciência, mas tem ainda a
determinidade da oposição frente à efetividade como esta efetividade em geral,
e frente à efetividade da consciência de si em particular. Portanto é
essencialmente apenas uma fé.

Essa pura consciência da essência absoluta é uma consciência alienada. Resta


examinar mais de perto como se determina aquilo de que ela é o Outro, pois a
pura consciência só deve ser examinada em conexão com esse Outro. Primeiro,
essa pura consciência parece apenas ter o mundo da efetividade em
contraposição consigo. Mas enquanto é fuga desse mundo - e portanto é a
determinidade da oposição - tem esse mundo nela: a pura consciência é pois
essencialmente alienada de si nela mesma, e a fé só constitui um de seus lados. O
outro lado já surgiu ao mesmo tempo para nós. A pura consciência é justamente
a reflexão a partir do mundo da cultura, de modo que a substância desse mundo,
bem como as massas em que se articula, se mostram como são em si: como
essencialidades espirituais, como movimentos absolutamente irrequietos, ou
determinações que imediatamente se suprassumem em seu contrário. Sua
essência, a consciência simples, é assim a simplicidade da diferença absoluta que
imediatamente não é diferença nenhuma. Por isso sua essência é o puro ser para
si; não como deste singular, mas como o Si universal em si enquanto movimento
irrequieto que toma de assalto e penetra a essência tranquila da Coisa. Assim, há
nele a certeza que se sabe imediatamente como verdade: o puro pensar como
conceito absoluto, presente na potência de sua negatividade, que elimina toda a
essência objetiva - que devesse estar contraposta à consciência - e faz dela um
ser da consciência.

Essa pura consciência é, ao mesmo tempo, igualmente simples, pois justamente


sua diferença não é diferença nenhuma. Mas, como essa forma da simples
reflexão sobre si, ela é o elemento da fé em que o espírito tem a determinidade
da universalidade positiva, do ser em si em contra posição àquele ser para si da
consciência de si. Reprimido de novo para dentro de si, a partir do mundo carente
de essência que somente se dissolve, o espírito segundo sua verdade é, em uma
unidade indivisa, tanto o movimento absoluto e a negatividade de seu aparecer,
quanto sua essência satisfeita em si mesma, e sua quietude positiva.

Entretanto, de modo geral subjazendo à determinidade da alienação, esses dois


momentos se separam um do outro como uma consciência duplicada. A primeira
consciência é a pura inteligência como o processo espiritual que se concentra na
consciência de si; processo que tem, frente a si, a consciência do positivo, a
forma da objetividade ou do representar, e se lhe contrapõe; mas seu objeto
próprio é só o puro Eu.
Inversamente, a consciência simples do positivo, ou a quieta igualdade consigo
mesmo, tem por objeto a essência interior como essência. Portanto, a pura
inteligência, de início não tem conteúdo em si mesma, porque é o ser para si
negativo; ao contrário, pertence à fé o conteúdo sem inteligência. Se a
inteligência não sai da consciência de si, a fé possui, na verdade, seu conteúdo
igualmente no elemento da pura consciência de si: mas no pensar, não no
conceituar: na pura consciência, não na pura consciência de si. Por isso a fé
decerto é pura consciência da essência, isto é, do interior simples, e assim é
pensar: - o momento-principal na natureza da fé, que é habitualmente descurado,
A imediatez, com que a essência está na fé, baseia-se nisto: em que seu objeto é
essência, quer dizer, puro pensamento.

Entretanto, essa imediatez, enquanto o pensar entra na consciência - ou a pura


consciência entra na consciência de si -, adquire a significação de um ser
objetivo, que se situa além da consciência de si. Através dessa significação, que
recebe na consciência a imediatez e a simplicidade do puro pensar, é que a
essência da fé decai do pensar para a representação e se torna um mundo
suprassensível, que seja essencialmente Outro da consciência de si.
Inversamente, na pura inteligência, a passagem do puro pensar para a
consciência tem a determinação oposta: a objetividade possui a significação de
um conteúdo, somente negativo, que se suprassume e que retoma ao Si. Quer
dizer: só o Si é propriamente o objeto para si mesmo; ou seja, o objeto só tem
verdade na medida em que tem a forma do Si.

Como a fé e a pura inteligência pertencem conjuntamente ao elemento da


consciência pura, as duas são também conjuntamente o retorno a partir do
mundo efetivo da cultura. Apresentam-se, por isso, segundo três aspectos: 1-
cada uma delas, fora de toda a relação, é em si e para si; 2- cada qual se refere
ao mundo efetivo, oposto à pura consciência; 3- cada uma delas se refere à
outra, no interior da pura consciência.

1- O aspecto do ser em si e para si na consciência crente é seu objeto absoluto,


cujo conteúdo e determinação já se deram a conhecer. Com efeito, segundo o
conceito da fé, o objeto absoluto não é outra coisa que o mundo real elevado à
universalidade da pura consciência. Portanto a articulação do mundo real
também constitui a organização do mundo da fé - só que neste último as partes
em sua espiritualização não se alienam, mas são essências em si e para si
essentes: são espíritos que a si retomaram e junto a si mesmos permanecem. Por
conseguinte, só para nós o movimento de seu transitar é uma alienação da
determinidade em que essas partes existem em sua diferença; só para nós são
uma série necessária. Para a fé, ao contrário, sua diferença é uma tranquila
diversidade; e seu movimento, um acontecer.
Para designar brevemente essas partes, segundo a determinação exterior de sua
forma, assim como no mundo da cultura o primeiro era o poder do Estado ou o
bem, assim também o primeiro aqui é a essência absoluta, o espírito essente em
si e para si, enquanto é a substância eterna simples. Porém na realização de seu
conceito - que é ser espírito - ela se transmuta no ser para Outro: sua igualdade
consigo mesma se torna a essência absoluta efetiva que se sacrifica: torna-se o
Si, mas o Si perecível. Por isso o terceiro é o retorno desse Si alienado e da
substância humilhada à sua simplicidade primeira. Só dessa maneira a substância
é representada como espírito.

Essas essências distintas, que a si retomaram da vicissitude do mundo efetivo,


através do pensar, são os espíritos eternos imutáveis, cujo ser é pensar a unidade
que eles constituem. Embora assim retiradas da consciência de si, tais essências
nela se reintroduzem; fosse imutável a essência, na forma da primeira substância
simples, permaneceria então estranha à consciência de si. Mas a extrusão dessa
substância, e, em seguida, seu espírito, têm o momento da efetividade na
consciência de si; e deste modo se fazem comparticipes da consciência crente,
ou seja: a consciência crente pertence ao mundo real.

Conforme essa segunda relação, a consciência crente tem, por um lado, sua
efetividade no mundo real da cultura e constitui seu espírito e seu ser-aí, como já
vimos. Mas, por outro lado, defronta-se com essa sua efetividade como sendo
uma coisa vã, e é movimento de suprassumi-la. Não consiste esse movimento
em uma consciência rica de espírito, a respeito da perversão do mundo real; pois
a consciência crente é a consciência simples que tem em conta de vaidoso o rico
de espírito, porque esse tem ainda, por seu fim, o mundo real.

Contudo, ao calmo reino do seu pensar contrapõe-se a efetividade como um ser-


aí carente de espírito, que por isso se deve subjugar de uma maneira exterior.
Essa obediência do serviço e do louvor divinos faz surgir, pelo suprassumir do
saber e do agir sensíveis, a consciência da unidade com a essência essente em si
e para si, embora não como unidade efetiva intuída; mas esse serviço divino é
somente o contínuo processo de produzir, que não alcança completamente seu
fim no tempo presente. A comunidade, esta alcança-o, pois ela é a consciência
de si universal. Mas para a consciência de si singular, o reino do puro pensar
permanece necessariamente um além de sua efetividade. Ou então, quando esse
além entrou na efetividade mediante a extrusão da essência eterna, é uma
efetividade sensível não conceituada. Mas uma efetividade sensível permanece
indiferente à outra, e o além só recebeu a mais a determinação do
distanciamento no espaço e no tempo. Porém o conceito, a efetividade a si
mesma presente do espírito, permanece na consciência crente como o interior
que é tudo e que efetua - mas que não se põe, ele mesmo, em evidência.
No entanto, na pura inteligência, o conceito é o unicamente efetivo. Esse terceiro
aspecto da fé - o de ser objeto para a pura inteligência - é a relação peculiar em
que a fé aqui se apresenta. A pura inteligência, por sua vez, deve ser considerada
também sob três aspectos: A - primeiro, em si e para si; B - segundo, na relação
para com o mundo efetivo, enquanto se acha ainda presente de modo positivo,
isto é, como consciência vã; C - terceiro, na sua relação com a fé.

A - Já vimos o que a pura inteligência é em si e para si. Como a fé é a pura


consciência calma do espírito, enquanto da essência, assim a pura inteligência é
sua consciência de si: sabe, portanto, a essência não como essência, mas como Si
absoluto. Assim, procede a suprassumir toda a independência outra que a da
consciência de si - seja do efetivo, seja do em si essente - e convertê-la em
conceito. A pura inteligência não é só a certeza da razão consciente de si, de ser
toda a verdade; mas também sabe que ela é isso.

B - O conceito da pura inteligência, embora já tenha surgido, ainda não está


realizado. Por isso sua consciência ainda aparece como uma consciência singular
e contingente; e o que para ela é essência, aparece como fim a efetivar. Ela tem
somente a intenção de tornar universal a pura inteligência, isto é, de transformar
tudo o que é efetivo em conceito - e em um só conceito -, em toda a consciência
de si. A intenção é pura, pois tem por conteúdo a pura inteligência; e essa
inteligência é também pura, pois seu conteúdo é somente o conceito absoluto, que
não tem oposição em um objeto, nem é limitado nele mesmo. No conceito
ilimitado residem imediatamente os dois aspectos: - tudo o que é objetivo tem
somente a significação do ser para si, isto é, da consciência de si; - e essa tem a
significação de um universal, ou a pura inteligência se torna propriedade de toda
consciência de si.

Esse segundo aspecto da intenção é o resultado da cultura, na medida em que


nela foram por terra tanto as diferenças do espírito objetivo, as partes e as
determinações de juízo de seu mundo, como também as diferenças que se
manifestam enquanto naturezas originariamente determinadas. Gênio, talento,
capacidades particulares em geral, pertencem ao mundo da efetividade, na
medida em que esse mundo ainda possui o aspecto de ser o reino animal do
espírito que no meio da recíproca violência e confusão, a si mesmo combate e
engana-se tomando por essências do mundo real.

Certamente, as diferenças não têm lugar nesse mundo como espécies honestas;
nem se contenta a individualidade com a Coisa mesma inefetiva, nem tem
conteúdo particular e fins próprios. Mas a individualidade só conta como algo
universalmente válido, isto é, como algo cultivado; a diferença se reduz à menor
ou maior energia: uma diferença de grandeza - que é a diferença inessencial.
Contudo, essa última diversidade foi por terra porque a diferença no
dilaceramento completo da consciência se transformou em uma diferença
absolutamente qualitativa. Aqui, o que é o Outro para o Eu, é só o Eu mesmo.
Nesse juízo infinito se elimina toda a unilateralidade e peculiaridade do ser para
si originário: o Si se sabe, como puro Si, ser seu objeto; e essa igualdade absoluta
dos dois lados é o elemento da pura inteligência.

Por conseguinte, a pura inteligência é a essência simples indiferenciada em si, e


é igualmente a obra universal e a posse universal. Nessa substância espiritual
simples, a consciência de si também se dá e se conserva em todo o objeto, a
consciência desta sua singularidade ou do agir; como inversamente, sua
individualidade é aí igual a si mesma e universal. Essa pura inteligência é, assim,
o espírito que clama para todas as consciências: Sede para vós mesmas o que sois
todas em vós mesmas: sede racionais.

Portanto a consciência, fazendo-se desse modo igual ao que opera, e que é


julgado por ela, é reconhecida por esse como lhe sendo idêntica. O que opera
encontra-se não só apreendido por aquela consciência como um estranho e
desigual a ela, mas antes acha a consciência igual a ele por sua própria estrutura.
Contemplando essa igualdade e proclamando-a, confessa-se a ela, e espera
igualmente que o Outro, como se colocou de fato no mesmo nível que ela, repita
também sua fala, exprima nela sua igualdade; e que se produza o ser-aí
reconhecente. Sua confissão não é uma humilhação, vexame, aviltamento
perante o Outro, uma vez que esse declarar não é a declaração unilateral, pela
qual pusesse sua desigualdade com o Outro; ao contrário, a consciência operante
só se declara por causa da intuição da igualdade do Outro com ela; de sua parte
enuncia sua igualdade na confissão, e a enuncia porque a linguagem é o ser-aí do
espírito como Si imediato. Espera assim que o Outro contribua com o seu para
esse ser-aí.

2 - O ILUMINISMO

O objeto peculiar contra o qual a pura inteligência dirige a força do conceito é a


fé, enquanto forma da pura consciência que se lhe contrapõe no mesmo
elemento do pensamento puro. Mas a pura inteligência tem também
relacionamento com o mundo efetivo; pois, como a fé, é retorno à pura
consciência a partir dele. Devemos ver primeiro como sua atividade se constitui,
frente às intenções impuras e às intelecções pervertidas do mundo efetivo.

Já foi acima mencionada a consciência tranquila que enfrenta esse turbilhão que
dentro de si se dissolve e de novo se produz: ela constitui o lado da intenção e
inteligência puras. Mas nessa tranquila consciência não incide, como vimos,
nenhuma inteligência particular sobre o mundo da cultura: é antes esse próprio
mundo que tem o mais dolorido sentimento e a mais verdadeira inteligência
sobre si mesmo - o sentimento de ser a dissolução de tudo que se consolida, de
ser desconjuntado no suplício da roda através de todos os momentos de seu ser-
aí, e triturado em todos os seus ossos. É também a linguagem desse sentimento, e
é o discurso espirituoso que julga todos os aspectos de sua condição.

Não pode, pois, a pura inteligência ter aqui atividade e conteúdo próprios; e
assim, só pode comportar-se como o apreender fiel e formal dessa própria
inteligência espirituosa a respeito do mundo e de sua linguagem. Ora, sendo essa
linguagem dispersa, e o juízo, uma tagarelice do momento - que logo se esquece
de novo, e que só é um todo para uma terceira consciência -, essa só pode
diferenciar-se como pura inteligência quando reúne em uma imagem universal
aqueles traços que se dispersam, e então faz deles uma só inteligência de todos.

A inteligência, por esse meio simples, levará à dissolução a balbúrdia deste


mundo. Com efeito, do exposto resultou que nem as massas nem os conceitos e
individualidades determinados são a essência dessa efetividade, mas que ela tem
sua substância e seu suporte unicamente no espírito, que existe como julgar e
discutir; e que só o interesse em ter um conteúdo para esse raciocinar e tagarelar
mantém o todo e as massas de sua articulação.

Nessa linguagem da inteligência, sua consciência de si ainda é, para si, um para


si essente: este singular. Mas a vaidade do conteúdo é, ao mesmo tempo, a
vaidade do Si que sabe que o conteúdo é vão. Agora, quando a consciência que
apreende tranquilamente, de toda essa tagarelice espirituosa da vaidade, toma e
compila em uma Coletânea as versões mais pertinentes e penetrantes da Coisa -
a alma que ainda mantinha o todo, essa vaidade dos juízos espirituosos, vai por
terra com o que resta da vaidade do ser-aí.

A Coletânea mostra à maioria que há uma perspicácia melhor que a sua; ou, pelo
menos, mostra a todos que há uma perspicácia mais variada que a deles, um
melhor saber e um ajuizar em geral, como algo universal e agora
universalmente conhecido. Com isso se elimina o único interesse que ainda
estava presente, e a inteligência singular se dissolve na inteligência universal.

Entretanto, acima do saber vão, o saber da essência ainda se mantém firme; e a


pura inteligência só se manifesta em sua atividade peculiar na medida em que se
contrapõe à fé.
a. A LUTA DO ILUMINISMO CONTRA A SUPERSTIÇÃO

As diversas modalidades do comportamento negativo da consciência - de uma


parte, o ceticismo; de outra, o idealismo teórico e prático - são figuras
secundárias em relação à da pura inteligência e de sua expansão, o Iluminismo.
Com efeito, a pura inteligência nasceu da substância, sabe como absoluto o puro
Si, da consciência, e entra em disputa com a pura consciência da essência
absoluta de toda a efetividade.

Enquanto fé e inteligência são a mesma pura consciência, embora opostas


segundo a forma, a essência se opõe à fé enquanto pensamento, não enquanto
conceito; e, portanto, é algo pura e simplesmente oposto à consciência de si. Mas,
para a pura inteligência, a essência é o Si: e assim, fé e inteligência são pura
simplesmente o negativo uma da outra. Tal como surgem frente a frente,
corresponde à fé todo o conteúdo, pois em seu elemento tranquilo do pensar cada
momento ganha subsistência; mas a pura inteligência é de início sem conteúdo; é,
antes, o desvanecer do conteúdo. No entanto, através do movimento negativo
contra o negativo seu, vai realizar-se e proporcionar-se um conteúdo.

A pura inteligência sabe a fé como o oposto a ela, à razão e à verdade. Como


para ela, a fé em geral é um tecido de superstições, preconceitos e erros, assim
para ela a consciência desse conteúdo se organiza em um reino de erro. Nesse
reino, de um lado a falsa intelecção, como a massa geral da consciência, é
imediata, espontânea e sem reflexão sobre si mesma; mas tem nela também o
momento da reflexão sobre si, ou da consciência de si, separado da
espontaneidade; - como uma inteligência e má intenção que permanecem para si
no fundo da consciência, e pelas quais aquele momento da reflexão sobre si é
perturbado.

Aquela massa é a vítima da impostura de um sacerdócio que leva a termo sua


vaidade ciumenta de permanecer só na posse da inteligência, como também em
seus próprios interesses egoísticos e que, ao mesmo tempo, conspira com o
despotismo. O despotismo é a unidade sintética, carente de conceito, do reino real
e desse reino ideal; - uma essência inconsistente e peregrina. Como tal, está
situado acima da má inteligência da multidão e da má intenção dos sacerdotes, e
ainda unifica ambas em si: extrai da estupidez e confusão do povo, por
intermédio do sacerdócio impostor - e desprezando a ambos - a vantagem da
dominação tranquila e da implementação de seus desejos e caprichos; mas é, ao
mesmo tempo, o mesmo embotamento da inteligência: igual superstição e erro.
O Iluminismo não enfrenta indistintamente esses três lados do inimigo clero,
déspota e povo. Com efeito, sendo sua essência inteligência pura - o que é
universal em si e para si -, sua verdadeira relação com o outro extremo é aquela
em que o Iluminismo se dirige ao que há de comum e igual em ambos.

O lado da singularidade, que se isola da consciência espontânea universal, é seu


oposto, que ele não pode imediatamente afetar. A vontade do sacerdócio
embusteiro e do déspota opressor não é, pois, objeto imediato do agir do
Iluminismo, mas sim a inteligência, carente de vontade, que não se singulariza
em um ser para si; é o conceito da consciência de si racional, que tem na massa
seu ser-aí, embora não esteja nela presente como conceito. Mas quando a pura
inteligência faz sair dos preconceitos e erros, essa inteligência honesta e sua
essência espontânea, arranca das mãos da má intenção a realidade e o poder de
seu engano, cujo reino tem seu território e material na consciência carente de
conceito da massa comum; como o ser para si tem sua substância, em geral, na
consciência simples.

A relação da pura inteligência com a consciência espontânea da essência


absoluta tem agora duplo aspecto. Por um lado, é em si, o mesmo que ela; mas,
por outro lado, a consciência espontânea deixa que a essência absoluta - e
também suas partes - fiquem à vontade e se deem subsistência no elemento
simples do seu pensar. Só deixa que sejam válidas como seu Em si e portanto de
modo objetivo; mas nega seu ser para si nesse Em si. Segundo o primeiro
aspecto, na medida em que, para a pura inteligência, essa fé é em si a pura
consciência de si, e isso deve tornar-se só para si - a pura inteligência tem assim
nesse conceito de fé o elemento onde se realiza, em lugar da falsa inteligência.

Segundo esse aspecto - no qual as duas são essencialmente o mesmo, e a relação


da pura inteligência tem lugar através do mesmo elemento e nele -, sua
comunicação é uma comunicação imediata; e seu dar e receber, um fluxo
recíproco ininterrupto. Aliás, sejam quais forem as estacas fincadas na
consciência, ela é em si essa simplicidade em que tudo se dissolve, esquece e
descontrai; e que por isso é absolutamente receptiva ao conceito. Por esse
motivo, a comunicação da pura inteligência deve comparar-se a uma expansão
tranquila, ou ao difundir-se, como o de um vapor na atmosfera sem obstáculos. É
uma infecção penetrante, que no elemento indiferente onde se insinua não se faz
notar antes como oposto, e por isso não pode ser debelada. Só quando a infecção
se alastrou é patente para a consciência, que se lhe abandonara
despreocupadamente.

Pois o que a consciência recebia em si era, na verdade, a essência simples, igual


a ela e igual a si mesma; mas, ao mesmo tempo, era a simplicidade da
negatividade em si refletida, que mais tarde, também por sua natureza, se
desdobra como oposto, e por meio disso relembra à consciência sua anterior
maneira de ser. Essa simplicidade é o conceito, que é saber simples que se sabe,
e ao mesmo tempo sabe o seu contrário; mas sabe esse contrário nele como
suprassumido. Por conseguinte, assim que a pura inteligência é patente para a
consciência, já se alastrou: a luta contra ela denuncia a infecção já ocorrida. É
tarde demais, e qualquer remédio só piora a doença que atacou a medula da vida
espiritual, a saber, a consciência em seu conceito - ou sua pura essência mesma:
portanto, não há nela força que possa vencer a doença. Como ela está na
essência mesma, podem-se reprimir suas manifestações isoladas, e atenuar-lhe
os sintomas superficiais. O que é muitíssimo vantajoso para a doença, pois então
não dissipa a força inutilmente, nem se mostra indigna de sua essência - o que é o
caso, quando irrompe em sintomas ou erupções isoladas contra o conteúdo da fé,
e contra sua conexão com a efetividade exterior.

Mas agora ela se infiltra - espírito invisível e imperceptível - através das partes
nobres de lado a lado, e logo se apodera radicalmente de todas as vísceras e
membros do ídolo carente de consciência, e, "uma bela manhã, dá uma
cotovelada no tipo, e - bumba! - o ídolo está no chão". Numa bela manhã, cujo
meio-dia não é sangrento, se a infecção penetrou todos os órgãos da vida
espiritual. Só a memória conserva - como uma história acontecida não se sabe
como - a modalidade morta da figura precedente do espírito. E, dessa maneira, a
nova serpente da sabedoria, erigida para a adoração, apenas se despojou, sem
dor, de uma pele murcha.

Contudo, esse tecer silencioso e incessante do espírito no interior simples da


consciência, que a si mesmo oculta seu agir, é só um lado da realização da
inteligência pura. Sua difusão não consiste somente em que o igual ande junto
com o igual; e sua efetivação não é apenas uma expansão sem obstáculos. Mas o
agir da essência negativa é também essencialmente um movimento desenvolvido
que se diferencia em si mesmo; que como agir consciente deve expor seus
momentos em um ser-aí patente e determinado, e deve apresentar-se como um
grande fragor e uma luta violenta com o oposto enquanto tal.

Por conseguinte, há que ver como se comportam negativamente a inteligência e


a intenção puras frente ao outro seu oposto, que encontram. A intelecção e a
intenção puras, que se comportam negativamente, só podem ser o negativo de si
mesmas - já que seu conceito é toda a essencialidade, e nada há fora delas.
Torna-se, pois, como intelecção o negativo da pura inteligência: torna-se
inverdade e desrazão; e como intenção, torna-se o negativo da intenção pura:
mentira e desonestidade do fim.
A pura inteligência enreda-se nessa contradição, porque se empenha na luta
supondo combater algo outro. Não passa de uma suposição; pois sua essência,
como negatividade absoluta, consiste em ter o ser outro nela mesma O conceito
absoluto é a categoria; o que significa que o saber e o objeto do saber são o
mesmo. Assim, o que a pura inteligência enuncia como o seu Outro - como erro
ou mentira - não pode ser outra coisa que ela mesma: só pode condenar o que ela
é. O que não é racional não tem verdade; ou seja, o que não é concebido, não é.
Portanto, quando a razão fala de Outro que ela, de fato só fala de si mesma;
assim não sai de si.

Por conseguinte, essa luta com o oposto assume em si a significação de ser sua
própria efetivação. Essa, com efeito, consiste precisamente no movimento de
desenvolver os momentos e de recuperá-los em si mesma. Uma parte desse
movimento é a diferenciação, em que a inteligência conceituante se contrapõe a
si mesma como objeto; enquanto se demora nesse momento, aliena-se de si
mesma. Como pura inteligência, carece de qualquer conteúdo; o movimento de
sua realização consiste em que ela mesma venha a ser para si como conteúdo -
já que outro não pode tornar-se seu conteúdo, pois ela é a consciência de si da
categoria. Mas enquanto ela no seu oposto sabe o conteúdo só como conteúdo - e
não ainda como si mesma - está se desconhecendo nele. Sua implementação tem
pois o sentido de reconhecer como seu o conteúdo que inicialmente para ela era
objetivo. Mas assim, seu resultado não será nem o restabelecimento dos erros
que combate, nem apenas seu conceito primeiro, e sim uma inteligência que
reconhece a absoluta negação de si mesma como sua própria efetividade - e que
a reconhece como a si mesma, ou seja, como seu conceito reconhecedor de si
mesmo.

Essa natureza da luta do Iluminismo contra os erros que consiste em combater-se


a si mesmo neles, e em condenar neles o que afirma - é para nós; ou seja, é o
que o Iluminismo e sua luta são em si. Mas o primeiro lado desse combate, a
impureza contraída por acolher o comportamento negativo em sua pureza igual a
si mesma, é a maneira como o Iluminismo é objeto para a fé; que assim o
experimenta como mentira, desrazão e má intenção; da mesma forma como a
fé para ele é erro e preconceito. No Que concerne o seu conteúdo, o Iluminismo
é, antes de tudo, a inteligência vazia, cujo conteúdo se manifesta como Outro:
encontra portanto nessa figura, em que o conteúdo não é ainda o seu, o seu
conteúdo como um ser-aí totalmente independente dele: encontra-o na fé.

O Iluminismo assim apreende seu objeto primeiramente e em geral, tomando-o


como pura inteligência, e desse modo o declara - não reconhecendo nele a si
mesmo - como um erro. Na inteligência como tal, a consciência apreende um
objeto de maneira que se converte em essência da consciência, ou seja, um
objeto que a consciência penetra e no qual se mantém, fica junto de si, e
presente a si mesma; e sendo assim a consciência o movimento do objeto, ela o
produz. O Iluminismo acertadamente enuncia a fé como uma consciência desse
tipo, ao dizer que é um ser de sua própria consciência - seu próprio pensamento,
um produto da consciência - aquilo que para a fé é a essência absoluta. Com isso
declara a fé como sendo um erro, e uma ficção poética sobre o mesmo que o
Iluminismo é.

Querendo ensinar à fé a nova sabedoria, o Iluminismo com isso nada lhe diz de
novo, porque para a fé seu objeto é também justamente isto: pura essência de
sua própria consciência. Assim ela não se põe como perdida e negada no objeto,
mas antes a ele se fia, quer dizer, encontra-se precisamente no objeto como esta
consciência, ou como consciência de si. Eu confio naquele cuja certeza de si
mesmo é para mim, a certeza de mim mesmo: conheço meu ser para mim nele,
conheço que ele o reconhece, e que para ele é fim e essência. Mas confiança é a
fé: porque sua consciência se refere de modo imediato a seu objeto, e assim
também intui que é um só com seu objeto, e que é nele. Além disso, já que para
mim é objeto aquilo em que reconheço a mim mesmo, eu estou nele para mim
ao mesmo tempo, em geral, como outra consciência de si, isto é, como uma
consciência de si que no objeto se alienou de sua singularidade particular, ou
seja, de sua naturalidade e contingência; embora, por uma parte, ali permaneça,
consciência de si, e, por outra, seja ali justamente consciência essencial, como o
é a pura inteligência.

No conceito da inteligência está compreendido não só que a consciência se


conheça a si mesma no seu objeto intuído e nele imediatamente se possua, sem
primeiro abandonar o objeto pensado, e retomar dele a si mesma, - mas também
que a consciência seja consciente de si mesma como movimento mediatizante,
ou de si como sendo o agir ou o produzir; desse modo é patente para ela no
pensamento essa unidade de si mesma como unidade do Si e do objeto.

Ora, também a fé é justamente tal consciência. A obediência e o agir são um


momento necessário, mediante o qual se estabelece na essência absoluta a
certeza do ser. Sem dúvida, esse agir da fé não se manifesta como se a essência
absoluta mesma fosse produzida desse modo. Mas a essência absoluta da fé
essencialmente não é a essência abstrata que se encontre além da consciência
crente; é, sim, o espírito da comunidade, é a unidade da essência abstrata e da
consciência de si. Que a essência absoluta seja o espírito da comunidade, nisso
está implícito que o agir da comunidade é um momento essencial: ele só é
mediante o produzir da consciência - ou melhor, não é sem ser produzido pela
consciência. Com efeito, por essencial que seja o produzir, é igualmente
essencial que não seja o fundamento único da essência, mas apenas um
momento. A essência é ao mesmo tempo em si e para si mesma.

Do outro lado, o conceito da pura inteligência é, para si mesmo, outro que seu
objeto: pois é exatamente essa determinação negativa que constitui o objeto. Do
outro lado, a pura inteligência exprime também assim a essência da fé, como
algo estranho à consciência de si, que não é sua essência, senão que toma seu
lugar; - como um bebê trocado no berço por ela. Mas aqui o Iluminismo é
completamente insensato: a fé experimenta-o como um discurso que não sabe o
que diz, não compreende o assunto quando fala de impostura dos sacerdotes e de
ilusão do povo. Fala disso como se por um passe de mágica dos sacerdotes
prestidigitadores deslizasse sorrateiramente para dentro da consciência algo
absolutamente estranho e Outro em lugar da essência; e diz ao mesmo tempo em
que se trata de uma essência da consciência que nela crê, confia nela e procura
fazê-la propícia. Quer dizer: a consciência intui nela tanto sua pura essência,
quanto sua individualidade singular e universal; e mediante seu agir produz essa
unidade de si mesma com a sua essência. O Iluminismo enuncia imediatamente
como sendo o mais próprio da consciência o que enuncia como algo a ela
estranho. Como pode, assim, falar de impostura e de ilusão? Ao expressar de
modo imediato a respeito da fé o contrário do que afirma dela, o Iluminismo se
mostra à fé, antes, como a mentira consciente. Como pode dar-se impostura e
ilusão ali, onde a consciência tem imediatamente em sua verdade a certeza de si
mesma? Onde ela possui a si mesma no seu objeto, porque nele tanto se encontra
como se produz? A diferença não existe mais, nem mesmo nas palavras.

Quando foi formulada a pergunta geral "se era permitido enganar um povo", a
resposta de fato deveria ser que a questão estava mal colocada, porque é
impossível enganar um povo nesse terreno. Sem dúvida, é possível em algum
caso vender latão por ouro, passar dinheiro falso por verdadeiro; pode ser que
muitos aceitem uma batalha perdida como ganha; é possível conseguir que se
acredite por algum tempo em outras mentiras sobre coisas sensíveis e
acontecimentos isolados. Porém, no saber da essência, em que a consciência tem
a certeza imediata de si mesma, está descartado completamente o pensamento
do engano.

Vejamos agora como a fé experimenta o Iluminismo nos diferentes momentos


de sua consciência, a que o ponto de vista anterior se referia apenas de modo
geral. São esses momentos: lº- o puro pensamento, ou, enquanto objeto, a
essência absoluta em si e para si mesma. Em seguida, 2º - sua relação - enquanto
é um saber - para com essa essência: o fundamento de sua fé; e por último, 3º - a
relação da consciência crente com a essência em seu agir, ou seu serviço divino.
Assim como na fé a pura inteligência em geral se tinha desconhecido e negado,
assim também nesses momentos se comportará de modo igualmente invertido.
1 º - A pura inteligência se comporta negativamente em relação à essência
absoluta da consciência crente. Essa essência é puro pensar, e o puro pensar é
posto dentro de si mesmo como objeto ou como a essência. Na consciência
crente, esse Em si do pensamento recebe ao mesmo tempo, para a consciência
para si essente, a forma - mas só a forma vazia - da objetividade. Esse Em si está
na determinação de um representado. Mas para a pura inteligência, enquanto é a
pura consciência segundo o lado do Si para si essente, o Outro aparece como um
negativo da consciência de si. Por sua vez, esse Outro poderia ser tomado seja
como o puro Em si do pensar, seja como o ser da certeza sensível. Mas, como é
ao mesmo tempo para o Si - e esse, como Si que tem um objeto, é consciência
efetiva -, assim o seu mais peculiar objeto como tal é uma coisa ordinária
essente da certeza sensível. Esse seu objeto se lhe manifesta na representação da
fé.

A pura inteligência condena essa representação, e nela condena seu próprio


objeto. Mas nisso já comete contra a fé a injustiça de lhe apreender o objeto
como se fosse o seu próprio. Diz, por isso, da fé que sua essência absoluta é um
pedaço de pedra, um toco de madeira, que tem olhos e não vê; ou ainda, um
pouco de pão que brotou do campo, foi elaborado pelo homem e é restituído ao
campo. Ou, seja qual for a forma como a fé antropomorfize a essência e a torne
objetiva e representável para si.

O Iluminismo, que se faz passar como puro, reduz neste ponto o que para o
espírito é vida eterna e Espírito Santo, a uma coisa perecível efetiva, e o
contamina com o enfoque, em si nulo, da certeza sensível, que não tem nada a
ver com a fé adoradora; é pura mentira atribuir isso à fé. O que a fé adora não é
para ela em absoluto, nem pedra ou madeira ou pão, nem qualquer outra coisa
sensível temporal. Se ocorre ao Iluminismo dizer que o objeto da fé é isso
também, ou mesmo que é isso em si e em verdade, precisa notar que a fé, de um
lado, conhece igualmente aquele também, mas para ela está fora de sua
adoração; porém de outro lado, coisas como pedra, etc., em geral para ela nada
são em si; para ela só é em si a essência do puro pensar.

2º O segundo momento é a relação da fé, como consciência que sabe, para com
essa essência. Para a fé, como pura consciência pensante, essa essência é
imediata; mas a pura consciência é igualmente relação mediatizada da certeza
com a verdade; relação que constitui o fundamento da fé. Para o Iluminismo,
esse fundamento se torna um saber contingente de eventos contingentes. Ora, o
fundamento do saber é o universal que sabe, e em sua verdade é o espírito
absoluto - que na pura consciência abstrata, ou no pensar enquanto tal, é somente
a essência absoluta; porém, como consciência de si, é o saber de si.
A pura inteligência põe igualmente como negativo da consciência de si esse
universal que sabe, o espírito simples que se sabe a si mesmo. Ela é, de certo, o
puro pensar mediatizado, isto é, o pensar que se mediatiza consigo mesmo: é o
puro saber. Mas, enquanto é pura inteligência, puro saber, que ainda não se sabe a
si mesmo – ou seja, esse puro movimento mediatizante ainda não é para ela -
esse movimento, como tudo o que ela é, se lhe manifesta como Outro. Portanto,
concebida em sua efetivação, desenvolve esse momento que lhe é essencial;
contudo ele se lhe manifesta como pertencente à fé; e em sua determinidade de
lhe ser algo exterior, como um saber contingente de histórias efetivas realmente
banais.

Neste ponto a pura inteligência inventa, a propósito da fé religiosa, que sua


certeza se funda em alguns testemunhos históricos singulares, que considerados
como testemunhos históricos não forneceriam, sem dúvida, o grau de certeza
sobre o seu conteúdo que nos dão os jornais sobre um evento qualquer. Além
disso inventa que sua certeza se baseia sobre o acaso da conservação desses
testemunhos - de um lado, pela preservação dos códices, e, de outro, pela
competência e honestidade dos copistas; e finalmente pela correta compreensão
do sentido das palavras e letras mortas. Mas, de fato, a fé não pretende vincular
sua certeza a tais testemunhos e contingências. Em sua certeza, a fé é relação
espontânea para com seu objeto absoluto, um puro saber desse objeto que não
mistura com sua consciência da essência absoluta caracteres, códices e copistas:
e por isso não se mediatiza através de coisas dessa espécie.

Ao contrário, a consciência crente é o fundamento - que se mediatiza a si mesmo


- de seu saber: é o espírito mesmo, que é testemunho de si, tanto no interior da
consciência singular, quanto por meio da presença universal da fé de todos nele.
Se a fé pretende também dar-se a partir do histórico aquela maneira de
fundamentação ou pelo menos de confirmação de seu conteúdo - de que fala o
Iluminismo -, e seriamente supõe e age como se dependesse disso, é que já se
deixou seduzir pelo Iluminismo. Seus esforços para se fundar, ou se consolidar
dessa maneira, são somente sinais que dá de sua contaminação.

3º - Resta ainda o terceiro lado, a relação da consciência para com a essência


absoluta, como um agir. Esse agir é o suprassumir da particularidade do
indivíduo, ou do modo natural de seu ser para si, do qual lhe provém a certeza de
ser a pura consciência de si, conforme seu agir; quer dizer, como consciência
singular, para si essente, de ser uma só coisa com a essência. Como no agir se
distinguem conformidade ao fim e fim, e também a pura intenção se comporta
negativamente em relação a esse agir - e como nos outros momentos a si mesma
se renega - a pura inteligência, com respeito à conformidade ao fim, deve
apresentar-se como não entendimento. Enquanto a inteligência está unida com a
intenção, a consonância do fim com o meio lhe aparece como Outro; - ou
melhor, como o contrário. Porém com respeito ao fim, a pura inteligência deve
fazer do mal, do gozo e da posse o seu fim, e desse modo manifestar-se como a
intenção mais impura; - enquanto igualmente a pura intenção, como Outro, é
intenção impura.

De acordo com isso, vemos que o Iluminismo, quanto à conformidade com o


fim, acha insensato que o indivíduo crente se atribua a consciência superior de
não estar preso ao gozo e ao prazer naturais, que se abstenha efetivamente de
ambos, e demonstre através do ato que o desprezo que tem deles não mente, mas
é um desprezo verdadeiro. O Iluminismo acha igualmente insensato que o
indivíduo, por renunciar à sua propriedade, se exima de sua determinidade de ser
absolutamente singular, excluindo todas as outras singularidades, e possuindo sua
propriedade. Com isso mostra que na verdade não toma a sério seu isolar-se, mas
que se elevou acima da necessidade natural, que é singularizar-se e negar, nessa
singularização absoluta do ser para si, os outros como uma mesma coisa consigo.

A pura inteligência acha as duas coisas tanto não conformes ao fim quanto
injustas. Acha não conforme ao fim renunciar ao prazer e abdicar da posse para
mostrar-se livre do prazer e da posse; assim seria declarado, ao contrário, como
louco quem para comer lançasse mão dos meios para comer efetivamente.
Acha também injusto abster-se da comida: não, renunciar à manteiga e aos ovos
por dinheiro, ou ao dinheiro por ovos e manteiga: mas renunciar à comida sem
adquirir nada de volta. Quer dizer, declara a comida ou a posse de tais coisas um
fim em si mesmo, e nisso se mostra de fato uma intenção muito impura, que se
ocupa de modo totalmente essencial com tal gozo e posse. De novo, também
afirma, como intenção pura, a necessidade da elevação por cima da existência
natural e da avidez pelos meios de subsistência: mas acha insensato e injusto que
essa elevação se demonstre através do ato. Ou seja: na verdade, essa pura
intenção é impostura, que simula e reclama uma elevação interior; mas declara
como supérfluo, insensato e injusto tomá-la a sério, pô-la efetivamente em obra,
e demonstrar sua verdade. Assim, tanto se nega como pura inteligência, porque
renega o agir imediatamente conforme ao fim, como também se nega enquanto
pura intenção, porque renega a intenção de mostrar-se liberada dos fins da
singularidade.

Assim O Iluminismo se dá a experimentar à fé. Apresenta-se sob esse aspecto


feio, porque precisamente por sua relação com Outro assume uma realidade
negativa, ou seja, apresenta-se como o contrário de si mesmo; mas é preciso que
a pura inteligência e intenção assumam essa relação, já que ela é sua efetivação.
Essa efetivação se manifestava de início como realidade negativa. Talvez sua
realidade positiva seja melhor constituída: vejamos como se comporta. Quando
são banidos todos os preconceitos e superstições, então surge a pergunta: e agora,
que resta? Que verdade o Iluminismo difundiu em lugar dos preconceitos e
superstições?

O Iluminismo já expressou esse conteúdo positivo em sua extirpação do erro,


pois aquela alienação dele mesmo é igualmente sua realidade positiva. Naquilo,
que para a fé é espírito absoluto, o Iluminismo interpreta, como coisas singulares
efetivas, o que aí mesmo descobre na forma de determinação como por
exemplo madeira, pedra, etc. Ao conceber em geral toda a determinidade, isto é,
todo o conteúdo e sua implementação, dessa maneira, como uma finitude, como
essência e representação humana, a essência absoluta torna-se para ele um
vazio, a que não se podem atribuir determinações nem predicados.

Tal conúbio entre a essência absoluta e a representação humana seria, em si,


condenável; pois é justamente nele que foram engendrados os monstros da
superstição. A razão, a pura inteligência, certamente não é vazia, ela mesma,
porque o seu negativo é para ela, e é o seu conteúdo; mas ela é rica, embora
somente em singularidade e limitação. Não permitir que nada semelhante
aconteça à essência absoluta, nem que lhe seja atribuído, é a conduta
circunspecta da inteligência que sabe por em seu lugar a si mesma e a sua
riqueza de finitude, e tratar dignamente o absoluto.

Como segundo momento da verdade positiva do Iluminismo está, em contraste


com essa essência vazia, a singularidade em geral - da consciência e de todo o
ser - excluída de uma essência absoluta, como absoluto ser em si e para si. A
consciência que na sua efetividade primeira de todas era certeza sensível e visar
aqui retoma do caminho completo de sua experiência e é, de novo, um saber do
puramente negativo de si mesma, ou das coisas sensíveis - quer dizer, essentes -
que se contrapõem indiferentemente ao seu ser para si. Porém aqui ela já não é
consciência natural imediata, mas veio a ser para si tal consciência.

Inicialmente abandonada a toda confusão, em que se emaranhava por seu


desdobramento, ela foi agora reconduzida, mediante a pura inteligência, à sua
figura primeira; e a experimentou como resultado. Fundada sobre a inteligência
da nulidade de todas as outras figuras da consciência, e assim, de todo o Além da
certeza sensível, essa certeza sensível já não é mais um visar mas antes, a
verdade absoluta. Sem dúvida, essa nulidade de tudo o que ultrapassa a certeza
sensível é somente uma prova negativa dessa verdade; contudo não é capaz de
outra prova, pois a verdade positiva da certeza sensível é, nela mesma,
justamente o ser para si não mediatizado do conceito mesmo, enquanto objeto, e
de certo na forma do ser Outro. Com efeito para cada consciência é
absolutamente certo que ela é, e há outras coisas efetivas fora dela; e que em seu
ser natural ela, como também essas coisas, é em si e para si, ou é absoluta.

O terceiro momento da verdade do Iluminismo, enfim, é a relação da essência


singular para com a essência absoluta, a relação dos dois primeiros momentos. A
inteligência, como pura inteligência do igual e do ilimitado, ultrapassa também o
desigual, a saber, a efetividade finita, ou ultrapassa a si mesma como simples ser
Outro: tem o vazio como sendo o além desse ser Outro com o qual relaciona,
assim, a efetividade sensível. Na determinação dessa relação, os dois lados não
entram como conteúdo, pois um deles é o vazio, e assim um conteúdo só está
presente pelo outro lado, que é a efetividade sensível. Mas a forma dessa relação,
para cuja determinação contribui o lado do Em si, pode ser modelada à vontade,
pois a forma é o negativo em si, e por isso o oposto a si: é tanto ser, como nada;
tanto Em si como o contrário; ou, o que vem a dar no mesmo, a relação da
efetividade com o Em si, enquanto além, é tanto um negar quanto um pôr dessa
efetividade.

A efetividade finita portanto pode, a rigor, ser tomada como melhor convenha.
Assim, o sensível agora é referido positivamente ao absoluto como ao Em si, e a
efetividade sensível é, ela mesma, em si; o absoluto a faz, a sustém e cuida dela.
Por sua vez, a realidade sensível é referida ao absoluto como ao seu contrário,
como a seu não ser; segundo essa relação, ela não é em si, mas é somente para
Outro. Se na anterior figura da consciência os conceitos da oposição se
determinavam como bem e mal, agora, ao contrário, se tornam para a pura
inteligência as abstrações ainda mais puras, do ser em si e do ser para Outro.

Ora, os dois modos de considerar a relação do finito para com o Em si - tanto o


positivo quanto o negativo - de fato são igualmente necessários; e assim, tudo
tanto é em si, como é para Outro, ou seja: tudo é útil. Tudo se entrega a outros:
ora se deixa utilizar por outros e é para eles; ora se põe em guarda de novo, e, por
assim dizer, se torna arisco frente ao Outro: é para si, e por sua vez utiliza o
Outro.

Daí resulta para o homem, enquanto é a coisa consciente dessa relação, sua
essência e sua posição. O homem, tal como é imediatamente, como consciência
natural, é, em si, bom; como Singular é absoluto e o Outro é para ele. E na
verdade, já que os momentos têm a significação da universalidade para ele,
como o animal consciente de si - tudo é para o seu prazer e recreação; o homem,
tal como saiu das mãos de Deus, circula nesse mundo como em um jardim por
ele plantado. Deve também ter colhido os frutos da árvore do conhecimento do
bem e do mal. Possui assim uma utilidade que o distingue de todo o resto, pois,
por coincidência, sua natureza boa em si é também constituída de tal modo que o
excesso do deleite lhe faça mal, ou antes, sua singularidade tenha também seu
além nela: pode ir além de si mesma e destruir-se.

Ao contrário, a razão é para o homem um meio útil de restringir adequadamente


esse ultrapassar, ou melhor, de se preservar a si mesmo nesse ultrapassar sobre o
determinado, pois isso é a força da consciência. O gozo da essência consciente,
em si universal, não deve ser quanto à variedade e à duração algo determinado,
mas universal. A medida tem, por isso, a determinação de impedir que o prazer
seja interrompido em sua variedade e duração. Isso significa que a determinação
da medida é a desmedida.

Como tudo é útil ao homem, assim também o homem é útil a tudo: sua vocação é
igualmente fazer-se um membro útil à comunidade e universalmente prestativo.
Na medida em que cuida de si, na mesma exata medida deve dedicar-se aos
outros; e quanto se dedica, tanto vela por si mesmo: uma mão lava a outra. Onde
quer que se encontre, está no lugar certo; utiliza os outros e é utilizado.

As coisas são úteis umas às outras de outras maneiras, mas têm todas essa
reciprocidade útil por sua essência, a saber, relacionar-se com o absoluto de
dupla maneira: uma a positiva, mediante a qual elas são em si e para si mesmas;
outra a negativa, pela qual são para outras. A relação para com a essência
absoluta, ou a religião, é portanto, entre todas as utilidades, a mais útil de todas,
pois é a pura utilidade mesma: é esse subsistir de todas as coisas, ou seu ser em si
e para si; e o cair de todas as coisas, ou seu ser para outro.

Com certeza, é uma abominação para a fé esse resultado positivo do Iluminismo,


tanto como sua relação negativa para com ela. Para a fé é absolutamente
abominável essa inteligência da essência absoluta que nela nada vê, a não ser
justamente a essência absoluta, ou o ser supremo ou o vazio; - essa intenção de
que tudo, em seu ser-aí imediato, é em si ou bom; - ou enfim, o conceito da
utilidade expressando exaustivamente a relação do ser consciente singular com a
essência absoluta: a religião. Essa sabedoria própria do Iluminismo aparece-lhe,
necessariamente, como a banalidade mesma, e ao mesmo tempo como a
confissão da banalidade. Com efeito, ela consiste em nada saber da essência
absoluta ou - o que é o mesmo - só saber a seu respeito esta verdade, de todo
banal, de que ela justamente é só a essência absoluta; e inversamente em saber
somente da finitude, e em sabê-la certamente como o verdadeiro; e esse saber
da finitude como o verdadeiro, como o supremo saber.

A fé tem o direito divino, O direito da absoluta igualdade consigo mesma ou do


puro pensar, contra o Iluminismo; e sofre de sua parte agravo completo, pois ele
distorce a fé em todos os seus momentos e faz deles uma outra coisa do que são
na fé. Mas o Iluminismo tem contra a fé - e como sua verdade - somente um
direito humano; pois o agravo que comete é o direito da desigualdade, e consiste
no inverter e no alterar - um direito que pertence à natureza da consciência de si,
em contraposição à essência simples ou ao pensar.

Ora, enquanto o direito do Iluminismo é o direito da consciência de si, o


Iluminismo não apenas manterá também o seu direito - de forma que dois
direitos iguais do espírito se defrontem mutuamente, sem que um deles possa
contentar o outro - senão que pretenderá o direito absoluto, porque a consciência
de si é a negatividade do conceito, que não só é para si mas ainda invade o
terreno de seu contrário; e a própria fé, por ser consciência, não poderá recusar-
lhe seu direito.

Com efeito, o Iluminismo procede contra a consciência crente arguindo não com
princípios peculiares, mas com princípios que a mesma fé tem nela. Somente lhe
apresenta reunidos seus próprios pensamentos, que nela incidiam carentes de
consciência e dissociados; apenas lhe recorda, a propósito de uma das suas
modalidades, as outras que ela também tem, mas sempre esquece uma quando
está com a outra. Em contraste com a fé, mostra-se como pura inteligência,
justamente porque, por ocasião de um momento determinado, vê o todo e assim
evoca o oposto que se refere àquele momento; e invertendo um no outro, produz
a essência negativa dos dois pensamentos - o conceito. O Iluminismo aparece
ante a fé como deturpação e mentira, porque indica o ser Outro de seus
momentos; parece-lhe, com isso, fazer deles imediatamente outra coisa do que
são em sua singularidade. Mas esse Outro é igualmente essencial, e, na verdade,
está presente na própria consciência crente - só que ela não pensa nisso, mas o
tem em um lugar qualquer; portanto, nem é estranho à fé, nem pode ser
desmentido por ela.

Contudo, o próprio Iluminismo, que recorda à fé o oposto de seus momentos


separados, é igualmente pouco iluminado sobre si mesmo. Comporta-se de modo
puramente negativo para com a fé, na medida em que exclui da sua pureza o
conteúdo da fé, e o toma por negativo dele mesmo. Portanto, nem reconhece a si
mesmo nesse negativo - no conteúdo da fé; nem tampouco reúne, por esse
motivo, os dois pensamentos: o pensamento que traz, e o que aduz contra ele.

Enquanto não reconhece que é imediatamente seu próprio pensamento o que


condena na fé, o Iluminismo está na oposição dos dois momentos: só reconhece
um deles, a saber, sempre o que é oposto à fé; mas dele separa o outro,
justamente como faz a fé. Portanto, não produz a unidade de ambos como
unidade dos mesmos - isto é, o conceito; mas o conceito lhe surge por si mesmo,
ou seja, o Iluminismo só encontra o conceito como um dado.
Em si, pois, é justamente isto a realização da pura inteligência: que ela, cuja
essência é o conceito, se torna primeiro para si mesma como um absolutamente
Outro, e se renega, já que a oposição do conceito é a oposição absoluta; e desse
ser Outro vem para si mesma, ou para seu conceito. Mas o Iluminismo é
somente esse movimento: a atividade, ainda carente de consciência, do puro
conceito. Embora essa atividade chegue a si mesma como objeto, toma-o por
Outro; também não conhece a natureza do conceito, a saber, que o não diferente
é o que se separa absolutamente.

Assim, contra a fé, a inteligência é a força do conceito, enquanto é o movimento


e o relacionar-se dos momentos que estão dissociados um do outro na
consciência da fé; um relacionar-se em que vem à luz a contradição dos
momentos. Repousa nisso o direito absoluto do ascendente que a pura inteligência
exerce sobre a fé; mas a efetividade, à qual a inteligência conduz esse
ascendente, está justamente em que a própria consciência crente é o conceito, e
portanto ela mesma reconhece o oposto que a pura inteligência lhe põe diante. A
pura inteligência mantém seu direito contra a consciência crente, pelo motivo de
que faz valer nela o que lhe é necessário, e o que nela mesma possui.

O Iluminismo afirma primeiro que o momento do conceito é um agir da


consciência; afirma contra a fé que a essência absoluta da fé é essência da sua
consciência, enquanto um Si; ou, que é produzida por meio da consciência.

Para a consciência crente, sua essência absoluta, assim como é para ela Em si,
ao mesmo tempo não é como uma coisa estranha, que nela estivesse sem se
saber como e donde viera; ao contrário, sua confiança consiste precisamente em
encontrar-se nela como esta consciência pessoal; e sua obediência e seu serviço
consistem em produzi-la como sua essência absoluta através de seu agir. Neste
ponto o Iluminismo, a rigor, só isso recorda à fé, quando ela exprime puramente
o Em si da essência absoluta para além do agir da consciência. Mas quando o
Iluminismo, na verdade, aduz perante a unilateralidade da fé o momento oposto,
o do agir da fé em contraste com o ser - no qual a fé pensa aqui unicamente, mas
sem compatibilizar seus pensamentos -, então o Iluminismo isola o momento do
agir, e declara a respeito do Em si da fé que este é apenas um produto da
consciência. Mas o agir isolado, oposto ao Em si, é um agir contingente, e
enquanto agir representativo é um fabricar de ficções - de representações que
não são nada em si. É assim que considera o conteúdo da fé.

Mas, em sentido inverso, a pura inteligência diz também o contrário. Quando ela
afirma o momento do ser Outro que o conceito tem nele mesmo, enuncia a
essência da fé como uma essência que nada tem a ver com a consciência: está
além dela e lhe é estranha e desconhecida, O mesmo se dá com a fé. De um
lado, confia em sua essência e ali possui a certeza de si mesma; de outro lado, ela
é inescrutável em seus caminhos, e inacessível em seu ser.

Além disso, o Iluminismo afirma contra a consciência crente, neste ponto, algo
correto - que essa mesma lhe concede -, quando o Iluminismo considera o objeto
da adoração da consciência crente como pedra, madeira, ou aliás como uma
determinidade antropomórfica finita. Pois como a consciência crente é essa
consciência cindida, ao ter um além da efetividade e um puro aquém desse
além, está de fato presente nela também este ponto de vista da coisa sensível,
segundo o qual a coisa sensível tem valor em si e para si. Entretanto, a
consciência crente não compatibiliza esses dois pensamentos do essente em si e
para si, que para ela ora é a pura essência ora uma coisa sensível banal.

Mesmo sua consciência pura está afetada por esse último ponto de vista; pois as
diferenças de seu reino suprassensível - porque este carece do conceito - são
uma série de figuras independentes, e seu movimento, um acontecer; isto é, só
existem na representação e tem nelas o modo do ser sensível. O Iluminismo, de
seu lado, isola assim a efetividade, como uma essência abandonada pelo espírito,
e a determinidade, como uma finitude inabalável, que não seria no movimento
espiritual da essência mesma, um momento: não um nada, nem tampouco um
algo essente em si e para si, mas sim um evanescente.

É claro que ocorre o mesmo com o fundamento do saber. A própria consciência


crente reconhece um saber contingente; pois ela tem um relacionamento com as
contingências, e a essência absoluta mesma está para ela na forma de uma
efetividade comum representada. Por isso, a consciência crente é também uma
certeza que não possui a verdade nela mesma, e se confessa como tal
consciência inessencial, aquém do espírito que a si mesmo se certifica e verifica.
Mas ela esquece esse momento, no seu saber espiritual imediato da essência
absoluta.

No entanto o iluminismo, que lhe recorda isso, por sua vez somente pensa no
saber contingente e esquece o Outro. Pensa apenas na mediação que se
estabelece através de um terceiro estranho, e não na mediação na qual o
imediato é para si mesmo um terceiro através do qual se mediatiza com o Outro,
a saber, consigo mesmo.

Enfim, em seu ponto de vista sobre o agir da fé, o Iluminismo acha injusto, e não
conforme ao fim, o rejeitar do gozo e da posse. No que toca à injustiça, tem o
acordo da consciência crente que reconhece essa efetividade de possuir,
conservar e gozar a propriedade. Na defesa da propriedade se comporta de
modo tanto mais egoístico e obstinado, e se entrega a seu gozo de maneira tanto
mais brutal, quanto seu agir religioso, renunciando à posse e ao gozo, incide para
além dessa efetividade e por esse lado lhe resgata a liberdade.

Esse serviço divino do sacrifício de impulsos e gozos naturais não tem de fato
nenhuma verdade devido a essa oposição: a retenção tem lugar ao lado do
sacrifício; esse é um símbolo apenas, que cumpre o sacrifício efetivo só em
pequena parte, e portanto de fato somente o representa.

Do ponto de vista da conformidade ao fim, o Iluminismo considera inepto o


rejeitar de um bem, para saber e mostrar-se liberado do bem; a renúncia a um
gozo para se saber e mostrar livre do gozo. A própria consciência crente
compreende o agir absoluto como um agir universal; não só o operar de sua
essência absoluta como seu objeto, é para ela um operar universal, mas também
a consciência singular deve demonstrar-se liberada total e universalmente de sua
essência sensível.

Ora, o rejeitar de um bem singular, ou o renunciar a um gozo singular, não é essa


operação universal. E como na operação, essencialmente o fim, que é universal,
e a execução, que é um singular, deveriam apresentar-se perante a consciência
em sua incompatibilidade, a ação se mostra como um operar em que a
consciência não tem parte alguma, e por isso esse operar se mostra propriamente
como demasiado ingênuo, para ser uma operação. É demasiado ingênuo jejuar
para libertar-se do prazer da comida; demasiado ingênuo extirpar do corpo outros
prazeres, como Orígenes, para mostrar que foram abolidos. A ação mesma
mostra-se como um agir externo e singular; mas o desejo mostra-se intimamente
enraizado, e algo universal: seu prazer não desvanece nem com o instrumento,
nem por meio da abstenção singular.

Neste ponto o Iluminismo isola de seu lado o interior, o inefetivo, em contraste


com a efetividade - como antes retinha a exterioridade da coisidade em contraste
com a interioridade da fé, em sua intuição e em seu fervor. Ele põe o essencial
na intenção, no pensamento, e com isso dispensa o implementar efetivo da
libertação dos fins naturais. Essa interioridade, ao contrário, é o elemento formal
que tem a sua implementação nos impulsos naturais, que são justificados
precisamente por serem interiores, por pertencerem ao ser universal, à natureza.

Portanto, o Iluminismo tem um poder irresistível sobre a fé, porque se encontram


na consciência mesma da fé os momentos que ele estabelece como válidos.
Observando mais de perto o efeito dessa força, seu comportamento em relação à
fé parece dilacerar a bela unidade da confiança e da certeza imediata, poluir sua
consciência espiritual mediante os pensamentos baixos da efetividade sensível,
destruir-lhe o ânimo seguro e tranquilo em sua submissão, por meio da vaidade
do entendimento e da própria vontade e desempenho. Mas, de fato, o Iluminismo
introduz, antes, a suprassunção da separação carente de pensamento, ou melhor,
carente de conceito, que está presente na fé.

A consciência crente emprega dois pesos e duas medidas, tem dois tipos de olhos
e de ouvidos, dois tipos de língua e de linguagem; tem duplicadas todas as
representações, sem por em confronto essa ambiguidade. Ou seja: a fé vive em
percepções de dois tipos: - uma, a percepção da consciência adormecida, que
vive puramente em pensamentos carentes de conceito; outra, a da consciência
desperta, que vive puramente na efetividade sensível; cada uma leva seu próprio
teor de vida.

O Iluminismo ilumina aquele mundo celestial com as representações do mundo


sensível, e lhe faz ver essa finitude que a fé não pode desmentir, pois a fé é
consciência de si, e, portanto, é a unidade a que pertencem os dois tipos de
representações e onde não estão dissociadas uma da outra; com efeito,
pertencem ao mesmo Si simples e indivisível, ao qual a fé passou.

Por conseguinte a fé perdeu o conteúdo que preenchia seu elemento; e colapsa


em um surdo tecer do espírito dentro dele mesmo. Foi expulsa de seu reino, ou
esse reino foi posto a saque; enquanto a consciência desperta monopolizou toda a
diferenciação e expansão do mesmo, reivindicou e restituiu à terra todas as
partes como propriedade dela. Mas a fé nem por isso se dá por satisfeita, pois,
mediante essa iluminação, por toda a parte só veio à luz a essência singular, de
modo que só interessa ao espírito a efetividade carente de essência, e a finitude
por ele abandonada.

A fé é uma pura aspiração, por ser sem conteúdo e não poder ficar nesse vazio;
ou porque, ao ultrapassar por sobre o finito, só encontra o vazio. Sua verdade é
um Além vazio, para o qual não se pode achar mais nenhum conteúdo adequado,
já que tudo se transmudou diversamente.

Por isso, a fé tornou-se de fato a mesma coisa que o Iluminismo, a saber, a


consciência da relação do finito essente em si com o absoluto sem predicados,
desconhecido e incognoscível: só que ele é o Iluminismo satisfeito, mas ela é o
Iluminismo insatisfeito. Contudo, vai-se mostrar no Iluminismo se ele pode
permanecer na sua satisfação: está à sua espreita aquela aspiração do espírito
sombrio que lamenta a perda de seu mundo espiritual. O próprio Iluminismo tem
nele essa mácula da aspiração insatisfeita: - como puro objeto, em sua essência
absoluta vazia; - como agir e movimento, no ir além de sua essência singular
rumo ao além não preenchido; - e como objeto preenchido na carência de si do
útil. O Iluminismo irá suprassumir essa mácula; do exame mais acurado do
resultado positivo, que é a verdade do Iluminismo, mostrar-se-á que, em si, essa
mácula já está ali suprassumida.

b. A VERDADE DO ILUMINISMO

Assim, o surdo tecer do espírito, que nada mais em si distingue, adentrou-se em si


mesmo, para além da consciência; e essa, ao contrário, tornou-se clara. O
primeiro momento dessa clareza é determinado em sua necessidade e condição
porque se efetiva a pura inteligência - ou a inteligência que em si é conceito; isso
ela faz quando põe em si o ser Outro ou a determinidade. Dessa maneira é pura
inteligência negativa, isto é, negação do conceito; negação que também é pura.
Desse modo veio a ser a pura coisa, a essência absoluta, que aliás não tem
determinação ulterior alguma.

Determinando isso mais de perto: a pura inteligência, como conceito absoluto, é


um diferenciar de diferenças que já não são tais; de abstrações ou puros
conceitos, que já não se sustentam a si mesmos, mas que só têm apoio e
diferenciação mediante o todo do movimento. Esse diferenciar do não diferente
consiste precisamente em que o conceito absoluto faz de si mesmo seu objeto, e
se contrapõe como a essência àquele movimento. Por isso lhe falta o lado em
que as abstrações ou diferenças se mantêm separadas umas das outras e assim se
torna o puro pensar como pura coisa.

Portanto é isso justamente aquele tecer do espírito dentro de si mesmo - tecer


surdo e carente de consciência em que afundou a fé ao perder seu conteúdo
diferenciado. E, ao mesmo tempo, é aquele movimento da consciência de si,
para o qual ela deve ser o além absolutamente estranho. Com efeito, uma vez
que essa pura consciência de si é o movimento em conceitos puros, em
diferenças que não são tais, ela de fato colapsa no tecer carente de consciência,
isto é, no puro sentir ou na pura coisidade.

Mas o conceito alienado de si mesmo, por ainda se manter aqui no nível dessa
alienação, não reconhece essa igual essência dos dois lados - do movimento da
consciência de si e de sua essência absoluta; não conhece a igual essência deles,
que é de fato a substância e subsistência desses lados. E por não reconhecer essa
unidade, a essência para ele só conta na forma do além objetivo; no entanto, a
consciência diferenciadora, que tem dessa maneira o Em si fora dela, conta
como uma consciência finita.

A propósito daquela essência absoluta, o próprio Iluminismo entra consigo


mesmo no conflito, que antes tinha com a fé; e divide-se em dois partidos. Um
partido se comprova como vencedor somente porque se decompõe em dois
partidos: pois nisso mostra possuir nele mesmo o princípio que combatia, e com
isso ter suprassumido a unilateralidade em que anteriormente se apresentava. O
interesse que se dividia entre ele e o outro, agora recai nele totalmente; e esquece
o outro, já que encontra nele mesmo a oposição que o preocupava. Mas ao
mesmo tempo a oposição se elevou ao elemento superior vitorioso, em que se
apresenta purificada. Assim que a divisão nascida em um partido, e que parece
uma desgraça, se mostra antes sua fortuna.

A pura essência mesma não tem diferença nela; por conseguinte, a diferença lhe
advém pelo fato de surgirem para a consciência duas puras essências tais; ou
então, uma dupla consciência da mesma essência. A pura essência absoluta está
somente no puro pensar; melhor, é o puro pensar mesmo. Assim está pura e
simplesmente além do finito, da consciência de si, e é só a essência negativa.
Mas dessa maneira é precisamente o ser, o negativo da consciência de si. Como
negativo seu, é também relativo a ela: é o ser exterior, que referido à consciência
de si, dentro da qual recaem as diferenças e determinações, recebe nela as
diferenças de ser saboreado, visto, etc.; - e a relação é a certeza sensível e a
percepção.

Partindo-se desse ser sensível, para o qual passa necessariamente aquele além
negativo, mas abstraindo desses modos determinados da relação da consciência,
resta assim a pura matéria como surdo tecer e mover dentro de si mesmo. É
essencial aqui considerar que a pura matéria é só o que fica de resto se
abstraímos do ver, tocar, gostar, etc. O que se enxerga, apalpa e saboreia, etc.,
não é a matéria, e sim, a cor, uma pedra, um sal, etc. A matéria é antes a pura
abstração; e desse modo está presente a pura essência do pensar, ou o puro
pensar mesmo, como o absoluto sem predicados, não diferenciado e não
determinado em si.

Um dos Iluminismos denomina essência absoluta esse absoluto sem predicados


que está no pensar, para além da consciência efetiva e do qual se partiu; o outro,
o chama matéria. Se se distinguissem como natureza e espírito ou Deus, então
faltaria ao tecer carente de consciência dentro de si mesmo, para ser natureza, a
riqueza da vida desenvolvida; e faltaria ao espírito ou Deus a consciência que em
si mesma se diferencia. Os dois são pura e simplesmente o mesmo conceito,
como vimos. A diferença não reside na Coisa, mas puramente apenas nos
diversos pontos de partida das duas culturas, e no fato de que cada uma se fixa
em um ponto próprio no movimento do pensar. Se fossem mais adiante, teriam
de se encontrar, e de reconhecer como o mesmo, o que para um - como ele
pretende - é uma abominação; e para o outro, uma loucura.
Com efeito, para um Iluminismo a essência absoluta está em seu puro pensar; ou
seja, imediatamente para a pura consciência, fora da consciência finita, é o
Além negativo da mesma. Se ele refletisse em que, de uma parte, aquela
imediatez simples do pensar não é outra coisa que o puro ser, e de outra parte,
aquilo que é negativo para a consciência, ao mesmo tempo a ela se refere; e
enfim que no juízo negativo, o "é" - a cópula - reúne os dois termos separados,
então se manifestaria a relação desse Além na determinação de um essente
exterior à consciência e portanto, como o mesmo que se chama pura matéria: e
seria recuperado o momento, que falta, da presença.

O outro Iluminismo parte do ser sensível, e logo abstrai da relação sensível do


gostar, do ver, etc., e faz disso o puro Em si, a matéria absoluta, o que não é
tocado nem saboreado. Desse modo, tornou-se esse ser o Simples sem
predicados, a essência da consciência pura: é o puro conceito como em si
essente, ou o puro pensar dentro de si mesmo. Em sua consciência, essa
inteligência não dá o passo em sentido oposto: do essente que é puramente
essente, ao pensado, que é o mesmo que o puramente essente; ou seja, não dá o
passo do puro Positivo ao puro Negativo. Ora, enquanto positivo só é pura e
simplesmente por meio da negação, ao invés o puramente negativo, enquanto
puro, é igual a si dentro de si mesmo; e, justamente por isso, é positivo.

Em outras palavras: os dois Iluminismos não chegaram ao conceito da metafísica


cartesiana, de que o ser e o pensar são em si o mesmo; nem ao pensamento de
que o ser, o puro ser, não é uma efetividade concreta, mas a pura abstração; e
inversamente, o puro pensar, a igualdade consigo mesmo ou a essência, é por
uma parte o negativo da consciência de si, e, por conseguinte, ser; por outra
parte, como simplicidade imediata, também não é outra coisa que o ser: o pensar
é coisidade, ou coisidade é pensar.

A essência tem aqui a cisão nela de tal modo que se presta a dois tipos de
considerações: por um lado, a essência deve ter nela mesma a diferença; por
outro lado, os dois modos de considerar convergem, justamente nisso, em um só.
Com efeito, os momentos abstratos do puro ser e do negativo, pelos quais eles se
distinguem, são reunidos depois no objeto desses modos de considerar.

O universal, que lhes é comum, é a abstração do puro estremecer em si mesmo,


ou do puro pensar a si mesmo. Esse movimento simples de rotação deve
desdobrar-se, pois ele mesmo só é movimento enquanto diferencia seus
momentos. A diferenciação dos momentos deixa atrás o imóvel, como a casca
vazia do puro ser, que não é mais pensar efetivo, nem vida em si mesmo: porque
essa diferenciação é, enquanto diferença, todo o conteúdo. Mas, ao colocar-se
fora daquela unidade, é por isso a alternância - que a si mesma não retoma - dos
momentos do ser em si, do ser para Outro, e do ser para si; é a efetividade, tal
como é objeto para a consciência efetiva da inteligência pura: - a utilidade.

A utilidade, por pior que possa parecer à fé ou à senti mentalidade, ou ainda à


abstração que se denomina especulação e que se fixa o Em si, mesmo assim é
nela que a pura inteligência consuma sua realização, e é objeto para si mesma; -
objeto que agora não renega mais, e que também não tem para ela o valor de
vazio ou de puro Além. Com efeito, a pura inteligência, como vimos, é o próprio
conceito essente, ou a pura personalidade igual a si mesma, que de tal modo se
diferencia em si, que cada um dos termos distintos é, por sua vez, puro conceito,
quer dizer, que é imediatamente não diferente. É a simples consciência de si pura
que tanto é para si quanto é em si, em uma unidade imediata.

Seu ser em si não é, portanto, ser permanente, mas deixa imediatamente de ser
algo, em sua diferença; ora, tal ser que imediatamente não tem firmeza, não é
em si mas essencialmente para Outro, que é a potência que o absorve. Contudo,
esse segundo momento oposto ao primeiro, ao ser em si, desvanece tão
imediatamente quanto o primeiro: ou melhor, como ser só para Outro é, antes, o
desvanecer mesmo, e o que está posto é o ser-retomado a si mesmo, o ser para
si. Mas esse ser para si simples é, antes, como a igualdade consigo mesmo, um
ser; ou por isso, um ser para Outro.

O útil exprime essa natureza da pura inteligência no desdobramento de seus


momentos, ou seja, exprime-a como objeto. O útil é algo subsistente em si, ou
coisa; esse ser em si, ao mesmo tempo, é apenas puro momento; assim ele é
absolutamente para Outro, mas é tanto para Outro somente quanto é em si. Esses
momentos opostos retornaram à unidade inseparável do ser para si. Mas se o útil
exprime bem o conceito da pura inteligência, não é, contudo, a inteligência como
tal, e sim enquanto representação ou enquanto seu objeto. O útil é apenas a
alternância incessante daqueles momentos, um dos quais, na verdade, é o próprio
ser retomado a si mesmo, mas só como ser para si, isto é, como um momento
abstrato, que aparece de um lado em contraste com os outros momentos. O útil
mesmo não é a essência negativa, de ter em si esses momentos em sua oposição
ao mesmo tempo indivisos sob um só e o mesmo aspecto, ou como um pensar
em si, como são enquanto pura inteligência. Embora haja no útil o momento do
ser para si, não é de modo que se sobreponha aos outros momentos - ao Em si e
ao ser para outro - e por isso, seja o Si.

A pura inteligência tem assim no útil seu próprio conceito, em seus momentos
puros, por objeto. Ela é a consciência dessa metafísica, mas ainda não é seu
conceituar, não chegou ainda à unidade do ser e do conceito mesmo. Porque o
útil tem ainda a forma de um objeto para ela, a inteligência na verdade não tem
mais um mundo essente em si e para si; contudo, tem ainda um mundo que ela
diferencia de si. Quando porém chegam as oposições ao ápice do conceito, a
fase seguinte será aquela em que colidem uma com a outra, e em que o
Iluminismo saboreia o fruto de seus atos.

Considerando o objeto alcançado em relação a toda essa esfera, vê-se que o


mundo efetivo da cultura se resumiu na vaidade da consciência de si: - no ser
para si que tem ainda por seu conteúdo a confusão daquele mundo, e ainda é o
conceito singular, não o universal para si. Mas esse conceito, retomado a si, é a
pura inteligência - a consciência pura como o puro Si, ou a negatividade: assim
como a fé é exatamente o mesmo que o puro pensar ou a positividade. A fé tem
naquele Si o momento que a leva à perfeição; mas perecendo por causa dessa
plenitude, é agora na pura inteligência que nós vemos os dois momentos: - um
como a essência absoluta que é puramente pensada, ou o negativo; e o outro
como matéria, que é o essente positivo.

Ainda falta à perfeição da fé aquela efetividade da consciência de si, que


pertence à consciência vaidosa: - o mundo, do qual o pensar se elevava a si
mesmo. Na utilidade alcança-se isso que falta, na medida em que a pura
inteligência atinge aí a objetividade positiva: por isso a utilidade é consciência
efetiva satisfeita em si mesma. Essa objetividade constitui agora o seu mundo:
tornou-se a verdade de todo o mundo anterior, tanto ideal como real. O primeiro
mundo do espírito é o reino expandido de seu ser-aí que se dispersa, e da certeza
singularizada de si mesmo; tal como a natureza dispersa sua vida em figuras
infinitamente diversas, sem que o gênero delas esteja presente. O segundo
mundo contém o gênero e é reino do ser em si ou da verdade, oposto àquela
certeza. Mas o terceiro mundo, o útil, é a verdade que é igualmente a certeza de
si mesma.

Ao reino da verdade da fé, falta-lhe o princípio da efetividade ou da certeza de si


mesmo como deste Singular. À efetividade ou à certeza de si mesmo como este
Singular, falta-lhe o Em si. No objeto da pura inteligência estão os dois mundos
reunidos. O útil é o objeto na medida em que o penetra o olhar da consciência de
si, e a certeza singular de si mesmo tem nele seu gozo - seu ser para si. A
consciência de si penetra o objeto, e essa inteligência penetrante contém a
verdadeira essência do objeto - que é ser algo penetrado pelo olhar ou ser para
Outro. Assim, a inteligência mesma é o saber verdadeiro, e a consciência de si
tem de modo igualmente imediato a certeza universal de si mesma; tem sua
consciência pura nessa relação em que se reúnem assim tanto verdade, quanto
presença e efetividade. Estão reconciliados os dois mundos, e o céu baixou e se
transplantou para a terra.
3 - A LIBERDADE ABSOLUTA E O TERROR

Na utilidade, a consciência encontrou seu conceito. Mas ele, de um lado, é ainda


objeto, e de outro lado, e por isso mesmo, é ainda fim, em cuja posse a
consciência ainda não se encontra imediatamente. A utilidade é ainda predicado
do objeto; não é ela mesma, sujeito; ou seja, não é sua efetividade única e
imediata. É o mesmo que antes já aparecia: que o ser para si ainda não se
mostrava como a substância dos demais momentos, de modo que o útil não fosse
imediatamente outra coisa que o Si da consciência, e que ela assim estivesse em
sua posse. No entanto, já aconteceu em si essa revogação da forma da
objetividade do útil; e dessa revolução interior surge agora a revolução efetiva da
efetividade - a nova figura da consciência, a liberdade absoluta.

De fato, o que está presente não é mais que uma vazia aparência de objetividade,
separando da posse a consciência de si. Com efeito, de um lado, retomou a essa
determinação simples - como a seu fundamento e espírito - em geral toda a
subsistência e vigência dos membros determinados da organização do mundo
efetivo e do mundo da fé. De outro lado, porém, essa determinação simples nada
mais tem de próprio para si; é antes pura metafísica, puro conceito ou saber da
consciência de si.

Sobre o ser em si e para si do útil como objeto, a consciência sabe de certo que
seu ser em si é essencialmente ser para Outro; o ser em si como o carente de si é
na verdade o passivo, ou o que é para outro Si. Mas o objeto é para a consciência
nessa forma abstrata do puro ser em si, pois é puro ato de intelecção cujas
diferenças estão na pura forma dos conceitos.

No entanto o ser para si ao qual retoma o ser para Outro - o Si - não é um Si


diverso do Eu, um Si próprio daquilo que se chama objeto; porque a consciência,
como pura inteligência, não é um Si singular ao qual o objeto igualmente se
contraponha como Si próprio; senão que é o puro conceito - o contemplar-se do
Si no Si, o absoluto ver-se a si mesmo em dobro. A certeza de si é o sujeito
universal, e seu conceito que sabe é a essência de toda a efetividade.

Assim, se o útil era só a alternância dos momentos que não retomavam à sua
própria unidade, e por isso era ainda objeto para o saber, agora deixa de ser isso:
pois o saber mesmo é o movimento daqueles momentos abstratos: - é o Si
universal, tanto o seu Si como o Si do objeto; e, enquanto universal, é a unidade,
que a si retoma, desse movimento.
O espírito assim está presente como liberdade absoluta; é a consciência de si que
se compreende de modo que sua certeza de si mesma é a essência de todas as
massas espirituais, quer do mundo real, quer do suprassensível; ou, inversamente,
de modo que a essência e a efetividade são o saber da consciência sobre si
mesma. Ela é consciente de sua pura personalidade, e nela de toda a realidade
espiritual: e toda a realidade é só espiritual. Para ela, o mundo é simplesmente
sua vontade, e essa é vontade universal. E, sem dúvida, não é o pensamento vazio
da vontade que se põe no assentimento tácito ou representado, mas é a vontade
realmente universal, vontade de todos os Singulares enquanto tais.

Com efeito, a vontade é em si a consciência da personalidade, ou de um Cada


qual, e deve ser como esta vontade efetiva autêntica, como essência consciente
de si, de toda e cada uma personalidade, de modo que cada uma sempre
indivisamente faça tudo; e o que surge como o agir do todo é o agir imediato e
consciente de um cada qual.

Essa substância indivisa da liberdade absoluta se eleva ao trono do mundo sem


que poder algum lhe possa opor resistência. Por ser só a consciência, na verdade,
o elemento em que as essências espirituais ou potências têm sua substância,
colapsou todo o seu sistema que se organizava e mantinha pela repartição em
massas enquanto a consciência singular compreende o objeto de modo a não ter
outra essência que a própria consciência de si, ou seja, enquanto compreende
que o objeto é absolutamente o conceito.

Ora, o que fazia do conceito um objeto essente era sua diferenciação em massas
subsistentes separadas; quando porém o objeto se torna conceito, nada mais de
subsistente nele existe: a negatividade penetrou todos os seus momentos. Ele entra
na existência de modo que cada consciência singular se eleva da esfera à qual
era alocada, não encontra mais nessa massa particular sua essência e sua obra;
ao contrário, compreende seu Si como o conceito da vontade, e todas as massas
como essência dessa vontade; e, por conseguinte, também só pode efetivar-se
em um trabalho que seja trabalho total.

Nessa liberdade absoluta são assim eliminados todos os estados que são as
potências espirituais, em que o todo se organiza. A consciência singular, que
pertencia a algum órgão desses, e no seu âmbito queria e realizava, suprimiu suas
barreiras: seu fim, é o fim universal; sua linguagem, a lei universal; sua obra, a
obra universal.

O objeto e a diferença perderam aqui a significação da utilidade, que era o


predicado de todo o ser real. A consciência não inicia seu movimento no objeto
como em algo estranho, do qual retornasse a si mesma, mas para ela o objeto é a
consciência mesma; assim a oposição consiste só na diferença entre a
consciência singular e a universal. Ora, a consciência singular é imediatamente
para si aquilo mesmo que de oposição tinha apenas a aparência: é consciência e
vontade universal. O além dessa sua efetividade adeja sobre o cadáver da
independência desvanecida do ser real ou do ser acreditado pela fé, apenas como
a exalação de um gás insípido, do vazio ser supremo.

Depois da suprassunção das massas espirituais distintas e da vida limitada dos


indivíduos, como de seus dois mundos, só se acha presente, portanto, o
movimento da consciência de si universal dentro de si mesma, como uma ação
recíproca da consciência na forma da universalidade, e da consciência pessoal. A
vontade universal se adentra em si, e é a vontade singular, a que se contrapõem a
lei e a obra universal. Mas essa consciência singular é, por igual, imediatamente
cônscia de si mesma como vontade universal: é consciente de que seu objeto é
lei dada por ela, e obra por ela realizada. Assim, ao passar à atividade e ao criar
objetividade, nada faz de singular mas somente leis e atos de Estado.

Esse movimento é portanto a ação recíproca da consciência consigo mesma, em


que a consciência nada abandona na figura de um objeto livre que a ela se
contraponha. Daí se segue que não pode chegar a nenhuma obra positiva - nem
às obras universais da linguagem, nem às da efetividade, e nem a leis e
instituições universais da liberdade consciente, nem aos feitos e às obras da
liberdade querente. A obra à qual poderia chegar a liberdade, que toma
consciência de si, consistiria em fazer-se objeto e ser permanente como
substância universal. Esse ser Outro seria a diferença na liberdade, segundo a
qual ela se distinguiria em massas espirituais subsistentes, e nos membros dos
diversos poderes. Essas massas seriam: de uma parte, as coisas de pensamento
de um poder separado em legislativo, judiciário e executivo; de outra parte,
porém, as essências reais que se encontravam no mundo real da cultura, e que
para uma observação mais atenta do conteúdo do agir universal seriam as
massas particulares do trabalho, que serão posteriormente diferenciadas como
estados mais específicos.

A liberdade universal, que dessa maneira se dissociaria em seus membros e por


isso mesmo se converteria em substância essente, seria assim livre da
individualidade singular, e repartiria a multidão dos indivíduos entre seus diversos
segmentos. Mas o agir e o ser da personalidade se encontrariam desse modo
limitados a um ramo do todo, a uma espécie do agir e do ser. A personalidade,
posta no elemento do ser, obteria a significação de uma personalidade
determinada; deixaria de ser uma consciência de si universal, na verdade. Ora,
essa consciência de si não deixa que a defraudem na sua efetividade pela
representação da obediência sob leis dadas por ela mesma, que lhe assignariam
uma parte no todo; nem por sua representação no legislar e no agir universal;
nem pela efetividade que consiste em dar ela mesma a lei, e em desempenhar
não uma obra singular mas o universal mesmo. Com efeito, onde o Si é somente
representado e por procuração, não é efetivo: onde é por procuração, o Si não é.

Como nessa obra universal da liberdade absoluta a consciência de si singular não


se encontra enquanto substância aí essente, tampouco ela se encontra nos atos
peculiares e nas ações individuais de sua vontade. Para que o universal chegue a
um ato, precisa que se concentre no uno da individualidade, e ponha no topo uma
consciência de si singular; pois a vontade universal só é uma vontade efetiva em
um Si que é uno. Mas dessa maneira, todos os outros singulares estão excluídos da
totalidade desse ato, e nele só têm uma participação limitada; de modo que o ato
não seria ato da efetiva consciência de si universal. Assim a liberdade universal
não pode produzir nenhuma obra nem ato positivo: resta-lhe somente o agir
negativo: é apenas a fúria do desvanecer.

Mas a efetividade suprema, e a mais oposta à liberdade universal, ou melhor, o


único objeto que ainda vem a ser para ela, é a liberdade e singularidade da
própria consciência de si efetiva. Com efeito, essa universalidade que não se
deixa chegar à realidade da articulação orgânica, e que tem por fim manter-se
na continuidade indivisa, ao mesmo tempo se distingue dentro de si por ser
movimento ou consciência em geral. De certo, em virtude de sua própria
abstração, divide-se em extremos igualmente abstratos: na universalidade fria,
simples e inflexível, e na rigidez dura, discreta e absoluta, e pontilhismo egoísta,
da consciência de si efetiva. Depois que levou a cabo a destruição da organização
real, e agora subsiste para si, é isso seu único objeto - um objeto que não tem
nenhum outro conteúdo, posse, ser-aí e expansão exterior, mas que é somente
este saber de si como um Si singular, absolutamente puro e livre. Esse objeto, no
que pode ser captado, é só seu ser-aí abstrato em geral.

Por conseguinte, a relação entre esses dois termos, já que são indivisamente e
absolutamente para si, e assim não podem destacar parte alguma para o meio-
termo através do qual se enlacem - é a pura negação totalmente não
mediatizada; e na verdade é a negação do singular como essente no universal. A
única obra e ato da liberdade universal são portanto a morte, e sem dúvida uma
morte que não tem alcance interior nem preenchimento, pois o que é negado é o
ponto não preenchido do Si absolutamente livre; é assim a morte mais fria, mais
rasteira: sem mais significação do que cortar uma cabeça de couve ou beber um
gole de água.

Na banalidade dessa sílaba consiste a sabedoria do governo; o entendimento, da


vontade universal, de fazer-se cumprida. O governo não é outra coisa, ele
mesmo, que um ponto que se fixa, ou a individualidade da vontade universal. O
governo, um querer e executar que procede de um ponto, ao mesmo tempo quer
e executa uma determinada ordenação e ação. Assim fazendo, exclui por um
lado os demais indivíduos de seu ato, e por outro lado se constitui como um
governo que é uma vontade determinada, e, por isso, oposta à vontade universal;
não pode pois apresentar-se de outro modo senão como uma facção. O que se
chama governo é apenas a facção vitoriosa, e no fato mesmo de ser facção,
reside a necessidade de sua queda, ou inversamente, o fato de ser governo o
torna facção e culpado.

Se a vontade universal se atém ao agir efetivo do governo como a um crime


cometido contra ela, o governo ao contrário nada tem de determinado ou externo
por onde se manifestasse a culpa da vontade que se lhe opõe; porquanto, frente a
ele, como vontade universal efetiva, só está a pura vontade inefetiva, a intenção.
Ser suspeito toma o lugar - ou tem a significação e o efeito - de ser culpado; e a
reação externa contra essa efetividade, que reside no interior simples da
intenção, consiste na destruição pura e simples desse Si essente, do qual aliás
nada se pode retirar senão apenas seu próprio ser.

A liberdade absoluta torna-se objeto para si mesma nessa sua obra peculiar, e a
consciência de si experimenta o que é essa liberdade. Em si, ela é precisamente
essa consciência de si abstrata, que elimina dentro de si toda a diferença e toda a
subsistência da diferença. Como tal, ela é objeto para si mesma: o terror da
morte é a intuição dessa sua essência negativa. Mas a consciência de si
absolutamente livre acha essa sua realidade de todo diversa da que era seu
conceito sobre ela mesma, a saber, que a vontade universal seria apenas a
essência positiva da personalidade, e que essa saberia que estava só de modo
positivo, ou conservada, na vontade universal. Mas aqui a passagem absoluta de
uma essência para a outra está presente, em sua efetividade, a essa consciência
de si, que como pura inteligência separa pura e simplesmente sua essência
positiva e sua essência negativa - o absoluto sem predicados como puro pensar e
como pura matéria.

A vontade universal, como consciência de si efetiva absolutamente positiva, por


ser essa efetividade consciente de si erigida em puro pensar ou em matéria
abstrata, se transforma na essência negativa, e se revela ser desse modo o
suprassumir do pensar se a si mesmo, ou da consciência de si.

A liberdade absoluta assim tem nela, como pura igualdade consigo mesma da
vontade universal, a negação e por isso a diferença em geral; e, por sua vez, a
desenvolve como diferença efetiva. Com efeito, a pura negatividade tem na
vontade universal igual a si mesma o elemento do subsistir ou a substância onde
se realizam seus momentos; tem a matéria que pode converter em sua
determinidade. E na medida em que essa substância se mostrou como o negativo
para a consciência singular, forma-se assim de novo a organização das massas
espirituais, entre as quais se reparte a multidão das consciências individuais. Essas
consciências, que sentiram o temor de seu senhor absoluto - a morte -, resignam-
se novamente à negação e à diferença, enquadram-se nas massas e voltam a
uma obra dividida e limitada; mas assim retornam à sua efetividade substancial.

Desse tumulto seria o espírito relançado ao seu ponto de partida, ao mundo ético
e ao mundo real da cultura, que se teria apenas refrescado e rejuvenescido pelo
temor do senhor, que penetrou de novo nas almas. O espírito deveria percorrer
de novo esse ciclo da necessidade, e repeti-lo sem cessar, se o resultado fosse
somente a compenetração efetiva da consciência de si e da substância. Seria
uma compenetração em que a consciência de si, que experimentou contra ela a
força negativa de sua essência universal, não quereria saber-se nem encontrar-se
como este particular, mas só como universal; portanto também poderia arcar
com a efetividade objetiva do espírito universal, a qual a exclui enquanto
particular.

No entanto, na liberdade absoluta não estavam em interação, um com o outro,


nem a consciência que está imersa no ser-aí multiforme ou que estabelece para
si determinados fins e pensamentos; nem um mundo vigente exterior, quer da
efetividade, quer do pensar. Ao contrário, o mundo estava pura e simplesmente
na forma da consciência, como vontade universal; e a consciência, do mesmo
modo, estava retirada de todo o ser-aí, de todo o fim particular ou juízo
multiforme, e condensada no Si simples.

A cultura, que a consciência de si alcança na interação com aquela essência, é


por isso a suprema e a última: consiste em ver sua pura efetividade simples
desvanecer imediatamente e passar ao nada vazio. No próprio mundo da cultura,
a consciência de si não chega a intuir sua negação ou alienação nessa forma da
pura abstração; mas sua negação é a negação repleta de conteúdo, seja a honra
ou a riqueza que obtém em lugar do Si, do qual ela se alienou; seja a linguagem
do espírito e da inteligência que a consciência dilacerada adquire; ou o céu da fé,
ou o útil do Iluminismo.

Todas essas determinações estão perdidas na perda que o Si experimenta na


liberdade absoluta: sua negação é a morte, carente de sentido, o puro terror do
negativo, que nele nada tem de positivo, nada que dê conteúdo. Mas ao mesmo
tempo, essa negação em sua efetividade não é algo estranho. Não é a
necessidade universal situada no além, onde o mundo ético soçobra; nem é a
contingência singular da posse privada, ou do capricho do possuidor, do qual a
consciência dilacerada se vê dependente: ao contrário, é a vontade universal, que
nessa sua última abstração nada tem de positivo, e que por isso nada pode
retribuir pelo sacrifício. Mas por isso mesmo, a vontade universal forma
imediatamente uma unidade com a consciência de si, ou seja: é o puramente
positivo, porque é o puramente negativo; e a morte sem sentido, a negatividade
do Si não preenchida transforma-se, no conceito interior, em absoluta
positividade.

Para a consciência, sua unidade imediata com a vontade universal, sua exigência
de saber-se como este ponto determinado na vontade universal, converte-se na
experiência absolutamente oposta. O que nessa experiência desvanece para ela,
é o ser abstrato, ou a imediatez do ponto carente de substância; essa imediatez
que desvaneceu, é a vontade universal mesma, tal como ela agora se sabe,
enquanto é imediatez suprassumida, enquanto é puro saber ou vontade pura.
Desse modo, a consciência sabe a vontade pura como a si mesma, e se sabe
como essência, mas não como a essência imediatamente essente; não a vontade
como governo revolucionário, ou como anarquia que se esforça por estabelecer
a anarquia; nem a si mesma como centro dessa facção ou da oposta. Mas a
vontade universal é o seu puro saber e querer; e a consciência é a vontade
universal, como este saber e querer. Aqui ela não se perde a si mesma, pois o
puro saber e querer são muito mais ela mesma que o ponto atômico da
consciência. Portanto, ela é a interação do puro saber consigo mesmo; o puro
saber como essência é a vontade universal, mas essa essência é o puro saber,
simplesmente.

Assim, a consciência de si é o puro saber da essência como do puro saber. Além


disso, como Si singular, é somente a forma do sujeito ou do agir efetivo, que é
conhecida por ela como forma. Do mesmo modo, para ela, a efetividade
objetiva, o ser, é pura e simplesmente a forma carente de consciência, pois essa
efetividade seria o não conhecido; ora, esse puro saber sabe o saber como a
essência.

A liberdade absoluta conciliou assim a oposição entre a vontade universal e a


singular, consigo mesma; o espírito alienado de si, levado até o cúmulo de sua
oposição, em que são ainda diferentes o puro querer e o puro querente, reduz tal
oposição a uma forma transparente, e nela encontra-se a si mesmo.

Como o reino do mundo efetivo passa ao reino da fé e da inteligência, assim


também a liberdade absoluta passa de sua efetividade que a si mesma se destrói,
para outra terra do espírito consciente de si; e ali, nessa inefetividade, ela tem o
valor de verdadeiro. No pensamento do verdadeiro o espírito se reconforta, na
medida em que o espírito é pensamento, e pensamento permanece; e sabe que
esse ser, encerrado na consciência de si, é a essência perfeita e completa. Surgiu
a nova figura do espírito moral.

C - O ESPÍRITO CERTO DE SI MESMO. A MORALIDADE

O mundo ético mostrava, como seu destino e sua verdade, o espírito que nele só
tinha partido, - o Si singular. Já aquela pessoa do direito tem sua substância e seu
conteúdo fora dela. O movimento do mundo da cultura e da fé suprassume essa
abstração da pessoa, e por meio da completa alienação, por meio da suprema
abstração a substância se torna, para o Si do espírito, primeiro a vontade
universal, e finalmente sua propriedade. Parece assim que afinal o saber se
tornou aqui perfeitamente igual à sua verdade, já que essa verdade é esse saber
mesmo, e desvaneceu toda a oposição dos dois lados. Na verdade, isso se deu não
para nós ou em si, mas para a própria consciência de si. É que a consciência de si
obteve o domínio sobre a oposição da consciência mesma. Essa repousa na
oposição entre a certeza de si mesma e o objeto, mas agora o objeto para ela
mesma é a certeza de si, o saber; assim como a certeza de si mesma, enquanto
tal, não tem mais fins próprios, assim também não está mais na determinidade,
mas é puro saber.

O saber da consciência de si é portanto, para ela, a substância mesma. Para ela,


a substância é em uma unidade indivisível tanto imediata, quanto absolutamente
mediatizada. É imediata: como consciência ética, sabe e cumpre ela mesma o
dever, e lhe pertence como à sua natureza. Mas não é caráter como a
consciência ética, que em razão de sua imediatez é um espírito determinado, só
pertence a uma das essencialidades éticas, e tem o lado de não saber. É
mediação absoluta, como a consciência que se cultiva e a consciência crente;
pois é essencialmente o movimento do Si: suprassumir a abstração do ser-aí
imediato, e tornar-se algo universal; mas isso não se dá nem por meio da pura
alienação e pelo dilaceramento de seu Si e da efetividade, nem pela sua fuga. Ao
contrário, essa consciência está imediatamente presente em sua substância, pois
ela é seu saber, é a pura certeza intuída de si mesma; e justamente essa
imediatez, que é sua própria efetividade, é toda a efetividade; porque o imediato
é o ser mesmo; e enquanto pura imediatez, clarificada pela negatividade
absoluta, é o puro ser, é o ser em geral ou todo o ser.

A essência absoluta não se esgota, pois, na determinação de ser a simples


essência do pensar, mas é toda a efetividade; e essa efetividade só existe como
saber. O que a consciência não soubesse, não teria sentido; nem pode ser um
poder para ela. Na sua vontade sabedora, recolheu-se toda a objetividade, e todo
o mundo. É absolutamente livre porque sabe sua liberdade, e precisamente esse
saber de sua liberdade é sua substância e fim e conteúdo único.

a - A VISÃO MORAL DO MUNDO

A consciência de si sabe o dever como a essência absoluta. Só está ligada pelo


dever, e essa substância é sua própria consciência pura, para a qual o dever não
pode assumir a forma de algo estranho. Mas encerrada desse modo em si
mesma, a consciência de si moral ainda não é posta nem considerada como
consciência. O objeto ainda é o saber imediato; e tão puramente penetrado pelo
Si, não é objeto. Mas sendo essencialmente a mediação e negatividade, essa
consciência de si tem em seu conceito a relação para com um ser Outro, e é
consciência. Para ela esse ser Outro, de um lado, é uma efetividade
completamente privada de significação, pois o dever constitui seu único e
essencial fim e objeto. Mas, porque essa consciência está tão perfeitamente
encerrada em si mesma, comporta-se, em relação a esse ser Outro, de modo
perfeitamente livre e indiferente; e de outro lado, o ser-aí é por isso um ser-aí
completamente abandonado pela consciência de si, referindo-se igualmente só a
si mesmo. Quanto mais livre se torna a consciência de si, tanto mais livre
também o objeto negativo de sua consciência. Por esse motivo, ele é um mundo
perfeito dentro de si, que chegou à própria individualidade; é um Todo autônomo
de leis peculiares, como também um curso independente e uma efetivação livre
dessas leis. É uma natureza em geral, cujas leis e também o seu agir, só a ela
mesma pertencem, como a uma essência que não se preocupa com a
consciência de si moral, como esta tampouco se preocupa com ela.

A partir dessa determinação forma-se uma visão moral do mundo, que consiste
na relação entre o ser em si e para si moral e o ser em si e para si natural. Serve
de fundamento a essa relação não só a total indiferença e independência própria
da natureza, e dos fins e atividade morais reciprocamente, mas também, de outra
parte, a consciência da exclusiva essencial idade do dever, e da completa
dependência e inessencialidade da natureza. A visão moral do mundo contém o
desenvolvimento dos momentos que estão presentes nessa relação de
pressupostos tão completamente conflitivos.

Assim, primeiro se pressupõe a consciência moral em geral. O dever, para ela,


vale como essência: para ela, que é efetiva e ativa, e cumpre o dever em sua
efetividade e em seu ato. Mas ao mesmo tempo, para essa consciência moral
existe a liberdade pressuposta da natureza, ou seja, ela experimenta que a
natureza não se importa com lhe dar a consciência da unidade de sua efetividade
com a dela; e assim, talvez a deixe ser feliz, talvez não.

A consciência não moral, ao contrário, talvez ache casualmente sua efetivação


onde a consciência moral só encontra ocasião para o agir, mas não vê que por
meio do seu agir possa lhe advir a felicidade da realização e o gozo do
desempenho. Por isso encontra, antes, motivo para lamentar-se sobre tal estado
da inadequação sua e do ser-aí, e sobre a injustiça que a restringe a ter seu objeto
apenas como puro dever; e lhe nega ver efetivados esse objeto e a si mesma.

A consciência moral não pode renunciar à felicidade, nem descartar de seu fim
absoluto esse momento. O fim, enunciado como puro dever, implica
essencialmente nele que contém esta consciência singular. A convicção
individual, e o saber a seu respeito, constituem um momento absoluto da
moralidade. Esse momento no fim que se tornou objetivo, no dever cumprido, é
a consciência singular que se intui como efetivada; ou seja, é o gozo. O gozo, por
isso, reside no conceito da moralidade; de certo, não imediatamente, da
moralidade considerada como disposição, mas só no conceito de sua efetivação.

Ora, dessa maneira, o gozo também reside nela como disposição, porque a
moralidade tende a não permanecer disposição, em oposição ao operar; mas a
agir, ou a efetivar-se. O fim como o todo, expresso com a consciência de seus
momentos, consiste, pois, em que o dever cumprido seja tanto pura ação moral,
quanto individualidade realizada; e que a natureza, como o lado da singularidade,
em contraste com o fim abstrato, seja um com o fim. Por necessária que seja a
experiência da desarmonia dos dois lados - porque a natureza é livre - mesmo
assim, só o dever é o essencial; e a natureza, em contraste com ele, é algo
carente de si. Aquele fim total, que a harmonia constitui, contém em si a
efetividade mesma. Ao mesmo tempo, é o pensamento da efetividade. A
harmonia da moralidade e da natureza, ou harmonia da moralidade e da
felicidade - pois a natureza só é tomada em consideração enquanto a consciência
experimenta sua unidade com ela - essa harmonia é pensada como algo
necessariamente essente, ou seja, é postulada. Com efeito, exigir significa que se
pensa algo essente que ainda não é efetivo: uma necessidade não do conceito
como conceito, mas do ser. Contudo, a necessidade é ao mesmo tempo,
essencialmente, a relação através do conceito. O ser exigido não pertence assim
ao representar da consciência contingente, senão que reside no conceito da
moralidade mesma, cujo verdadeiro conteúdo é a unidade da consciência pura e
da consciência singular. A essa última compete que essa unidade seja para ela
como uma efetividade; o que no conteúdo do fim é felicidade, mas, na sua
forma, é ser-aí em geral. Esse ser-aí exigido, ou a unidade dos dois, não é por
isso um desejo, ou - considerado como fim - não é um fim cuja obtenção seria
ainda incerta, mas é uma exigência da razão; ou seja, é imediata certeza e
pressuposição da razão mesma.

Aquela primeira experiência e esse postulado não são os únicos, mas abre-se um
ciclo inteiro de postulados. É que a natureza não somente é essa modalidade
exterior totalmente livre, na qual a consciência teria de realizar seu fim, como
em um puro objeto. Nela mesma, a consciência é essencialmente uma
consciência para a qual existe esse outro Efetivo livre; quer dizer, ela mesma é
algo contingente e natural. Essa natureza que para a consciência é a sua - é a
sensibilidade, que na figura do querer como impulsos e inclinações tem para si
essencialidade determinada própria, ou fins singulares; assim é oposta à vontade
pura e a seu fim puro. Mas em contraste com essa oposição, o que é a essência
para a consciência pura é, antes, a relação da sensibilidade com ela: a unidade
absoluta da consciência com a sensibilidade. Os dois termos, o puro pensar e a
sensibilidade da consciência, são em si uma consciência; e o puro pensar é
precisamente aquilo para o qual e no qual existe essa unidade pura; mas para ela,
como consciência, é a oposição de si mesma e dos impulsos.

Nesse conflito entre a razão e a sensibilidade, a essência, para a razão, é que o


conflito se resolva; e que emerja, como resultado, a unidade dos dois - que não é
a unidade originária em que ambos estão em um indivíduo só, mas uma unidade
que procede da conhecida oposição dos dois. Tal unidade somente é a moralidade
efetiva porque nela está contida a oposição pela qual o Si é consciência - ou só
agora é efetivo; e de fato, é Si e ao mesmo tempo, é um universal. Ou seja, está
aí expressa aquela mediação que, como vimos, é essencial à moralidade. Como,
entre os dois momentos da oposição, a sensibilidade é simplesmente o ser Outro
ou o negativo - e ao contrário, o puro pensar do dever é a essência da qual nada
se pode abandonar - parece que a unidade resultante só pode efetuar-se mediante
o suprassumir da sensibilidade. Ora, como ela mesma é um momento desse vir a
ser - o momento da efetividade - assim há que contentar-se por enquanto, no que
respeita à unidade, com a expressão de que a sensibilidade é conforme à
moralidade.

Essa unidade é igualmente um ser postulado; ela não é ai, pois o que é ai é a
consciência, ou a oposição da sensibilidade e da consciência pura. Mas, ao
mesmo tempo, não é um Em si como o primeiro postulado, em que a natureza
livre constitui um lado, e a sua harmonia com a consciência moral incide,
portanto, fora dela. Aqui, ao contrário, a natureza é a que se encontra na
consciência mesma; e trata-se aqui da moralidade enquanto tal, de uma
harmonia que é a própria do Si operante. A consciência mesma tem, pois, de
efetuar essa harmonia, e de fazer sempre progressos na moralidade. Mas a
perfeição dessa harmonia tem de ser remetida ao infinito, pois se ela
efetivamente ocorresse, a consciência moral se suprimiria.
Com efeito, a moralidade só é consciência moral enquanto essência negativa,
para cujo dever puro a sensibilidade tem apenas uma significação negativa, é só
não conforme. Na harmonia, porém, a moralidade desvanece como consciência
ou como sua efetividade; assim como na consciência moral ou na efetividade,
sua harmonia desvanece. A perfeição, portanto, não há que atingi-la
efetivamente, mas só há que pensá-la como uma tarefa absoluta, isto é, como tal
que permanece tarefa, pura e simplesmente. No entanto há que pensar, ao
mesmo tempo, o conteúdo dessa tarefa como um conteúdo que simplesmente
deva ser, e que não permaneça tarefa; quer se represente ou não, nessa meta, a
consciência totalmente abolida. O que ocorre de fato, não se consegue distinguir
nos longes obscuros da infinitude - para onde se deve protelar, por esse motivo, a
obtenção da meta.

Deve-se dizer que, a rigor, a representação determinada não deve interessar nem
ser procurada, pois isso leva a contradições: uma tarefa que deve permanecer
tarefa e, contudo, ser cumprida; uma moralidade que não deve mais ser
consciência, não deve mais ser efetiva. Pela consideração de que a moralidade
consumada encerra uma contradição, se lesaria a santidade da essencialidade
moral, e o dever absoluto pareceria como algo inefetivo.

O primeiro postulado era a harmonia da moralidade e da natureza objetiva, o


fim-último do mundo; o segundo era a harmonia da moralidade e da vontade
sensível, o fim-último da consciência de si como tal. O primeiro era, pois, a
harmonia na forma do ser em si, o segundo na forma do ser para si. Mas o que
une, como meio-termo, esses dois fins-últimos extremos que são pensados, é o
movimento do agir efetivo mesmo. Esses fins são harmonias cujos momentos
em sua diferenciação abstrata não se tornaram ainda objetos; isso acontece na
efetividade, em que os dois lados surgem na sua consciência propriamente dita,
cada um como o outro do outro. Os postulados que assim se originam, como
antes só continham harmonias em si essentes separadas das harmonias para si
essentes, agora contêm harmonias em si e para si essentes.

A consciência moral, como simples saber e querer do puro dever, refere-se no


agir ao objeto oposto à sua simplicidade, à efetividade do caso multiforme, e tem
por isso um relacionamento moral multiforme. Surgem aqui, segundo o
conteúdo, as leis múltiplas, em geral; e segundo a forma, as potências
contraditórias da consciência que sabe e do carente de consciência.

Em primeiro lugar, no que se refere aos múltiplos deveres, para a consciência


moral só tem valor neles o dever puro. Os deveres múltiplos, como múltiplos, são
determinados, e por isso, como tais, nada são de sagrado para a consciência
moral. Mas ao mesmo tempo, por meio do conceito do agir, que inclui em si uma
efetividade multiforme e portanto uma relação moral multiforme,
necessariamente, esses deveres devem ser considerados como essentes em si e
para si. Como além disso os deveres só podem existir dentro de uma consciência
moral, eles subsistem ao mesmo tempo, em uma consciência diversa daquela
para a qual só o puro dever, como puro, é em si e para si sagrado.

Postula-se assim que seja outra consciência, que os consagre; ou que os saiba e
queira como deveres. A primeira consciência contém o dever puro, indiferente a
todo o conteúdo determinado; e o dever é somente essa indiferença para com o
conteúdo. Mas a outra consciência contém a relação igualmente essencial para
com o agir e a necessidade do conteúdo determinado. Como os deveres têm
valor para essa consciência como deveres determinados, por isso o conteúdo lhe
é tão essencial quanto à forma, graças a qual o conteúdo é dever. Por
conseguinte, essa consciência é uma consciência em que o universal e o
particular são simplesmente um; e seu conceito é, assim, o mesmo que o
conceito da harmonia da moralidade e da felicidade.

Com efeito, essa oposição exprime igualmente a separação da consciência


moral, igual a si mesma, e da efetividade, que, como ser multiforme, colide com
a essência simples do dever. Mas se o primeiro postulado só exprime a harmonia
essente da moralidade e da natureza, porque ali a natureza é o negativo da
consciência de si, é o momento do ser; - agora, ao contrário, esse Em si é posto
essencialmente como consciência, porque agora o essente tem a forma do
conteúdo do dever, ou seja, é a determinidade no dever determinado. O Em si,
portanto, é a unidade desses termos que como essencialidades simples são
essencialidades do pensar e por isso só estão em uma consciência. Essa
consciência, de agora em diante, é assim um senhor e soberano do mundo que
produz a harmonia da moralidade e da felicidade, e que ao mesmo tempo
consagra os deveres como múltiplos. Isso significa que, para a consciência do
dever puro, o dever determinado não pode ser imediatamente sagrado; mas
porque, em virtude do agir efetivo - que é um agir determinado - é igualmente
necessário, então essa necessidade incide fora daquela consciência, em outra:
que desse modo é a mediadora entre o dever determinado e o dever puro, e a
razão de que o dever determinado tenha valor também.

Entretanto, na ação efetiva a consciência se comporta como este Si, como uma
consciência completamente singular: está dirigida à efetividade enquanto tal, e
tem-na por fim, pois quer implementá-la. O dever em geral recai assim fora
dela, em outra essência, que é a consciência e o sagrado legislador do dever
puro. Para a consciência atuante, justamente porque é atuante, tem valor
imediatamente o Outro do dever puro; assim, esse é conteúdo de outra
consciência, e só mediatamente - a saber, nessa consciência - é sagrado para a
consciência atuante.

Por estar estabelecido, desse modo, que o valor do dever, como algo sagrado em
si e para si, incide fora da consciência efetiva, essa se encontra em geral de um
lado, como consciência moral imperfeita. Assim como, segundo seu saber, ela se
conhece como uma consciência cujo saber e convicção são imperfeitos e
contingentes, assim também, segundo seu querer, se sabe como uma consciência
cujos fins estão afetados pela sensibilidade. Portanto, devido a sua indignidade,
não pode considerar a felicidade como necessária, mas como algo contingente; -
e esperá-la somente da graça.

Embora sua efetividade seja imperfeita, contudo o dever vale como a essência
para o seu puro querer e saber. No conceito, enquanto oposto à realidade, ou no
pensar, a consciência moral é, assim, perfeita. Ora, a essência absoluta é
precisamente esse ser pensado e postulado além da efetividade; é pois o
pensamento no qual o saber e querer moralmente imperfeitos contam como
perfeitos; e por isso também, ao tomá-los como plenamente válidos, outorga a
felicidade conforme a dignidade, quer dizer, conforme o mérito que lhes é
atribuído.

Nesse ponto, a visão moral do mundo está consumada. De fato, no conceito da


consciência de si moral estão postos em uma unidade os dois lados, dever puro e
efetividade; e por isso, um como o outro, não como essente em si e para si, mas
como momento ou como suprassumido. Isso vem a ser para a consciência na
última parte da visão moral do mundo, a saber, a consciência põe o dever puro
em outra essência, diversa do que ela mesma é; quer dizer, põe-no, de uma
parte, como algo representado, e de outra parte como algo que não tem valor em
si e para si; ao contrário, o não moral é que antes é valorizado como perfeito. Do
mesmo modo, ela se põe a si mesma como uma consciência cuja efetividade -
que não é conforme ao dever - é suprassumida; e como suprassumida, ou na
representação da essência absoluta, já não contradiz a moralidade.

Todavia, para a consciência moral mesma, sua visão moral do mundo não tem a
significação de que a consciência desenvolva nessa última seu próprio conceito, e
o converta em objeto para si. Não tem consciência nem dessa oposição segundo
a forma, nem também da oposição segundo o conteúdo.

Não correlaciona nem compara os termos dessa oposição, mas avança em seu
desenvolvimento, sem ser o conceito que mantém unidos os momentos. Pois a
consciência moral só sabe a pura essência, ou o objeto, na medida em que é
dever, na medida em que é objeto abstrato de sua consciência pura, como puro
saber ou como si mesma. Comporta-se assim só pensando, e não conceituando.
Por isso ainda não lhe é transparente o objeto de sua consciência efetiva; ainda
não é o conceito absoluto, o único que compreende o ser Outro como tal, ou que
compreende seu contrário absoluto como a si mesmo.

Para a consciência moral, sua efetividade própria, assim como toda a efetividade
objetiva, na verdade conta como o inessencial; mas sua liberdade é a liberdade
do puro pensar, e ao mesmo tempo, em contraposição com ela, surgiu a natureza
como algo igualmente livre. Como na consciência moral estão da mesma
maneira as duas coisas - a liberdade do ser e a inclusão desse ser na consciência
-, seu objeto vem a ser como um objeto essente, que ao mesmo tempo é apenas
pensado. Na última parte de sua visão moral do mundo, o conteúdo é
essencialmente posto de modo que seu ser é um ser representado, e essa união do
ser e do pensamento é enunciada como o que ela é de fato: como o representar.

Considerando a visão moral do mundo de modo que essa modalidade objetiva


não seja outra coisa que o conceito da própria consciência de si moral, que ela
faz objetivo para si, resulta uma nova figura de sua apresentação mediante essa
consciência sobre a forma de sua origem. Com efeito, o primeiro ponto donde se
parte, é a efetiva consciência de si moral, ou seja, que há uma consciência
moral. Pois o conceito põe a consciência moral na determinação de que para ela,
em geral toda a efetividade só tem essência na medida em que é conforme ao
dever, e o conceito põe essa essência como saber, isto é, em unidade imediata
com o Si efetivo; por isso, essa unidade é ela mesma efetiva, é uma efetiva
consciência moral.

Agora como consciência, ela se representa seu conteúdo como objeto, quer
dizer, como fim-último do mundo, como harmonia da moralidade e de toda a
efetividade. Mas, enquanto representa essa unidade como objeto, e ainda não é o
conceito que tem poder sobre o objeto como tal, para ela essa unidade é um
Negativo da consciência de si, ou seja, recai fora dela, como um além de sua
efetividade, mas ao mesmo tempo como um além que é também como essente,
embora somente pensado.

O que lhe resta, pois, a essa consciência de si que como tal é Outro que seu
objeto, é a não harmonia de sua consciência do dever com a efetividade: e na
verdade, com sua própria efetividade. Por isso a proposição agora se enuncia
assim: não há consciência de si efetiva moralmente perfeita. Ora, como o moral
em geral só é enquanto perfeito, pois o dever é o puro Em si sem mescla, e a
moralidade consiste somente na adequação com esse Puro; - logo, essa segunda
proposição significa em geral que não existe o moralmente efetivo.

Mas como, em terceiro lugar, a consciência moral é um Si, então é em si a


unidade do dever e da efetividade; essa unidade portanto se lhe torna objeto,
como a moralidade perfeita; - mas como um além de sua efetividade que, não
obstante, deve ser efetivo.

Nessa meta final da unidade sintética das duas primeiras proposições, tanto a
efetividade consciente de si quanto o dever são postos somente como momentos
suprassumidos; pois nenhum é singular. Mas eles, em cuja determinação
essencial está serem livres um do outro, assim na unidade não são mais livres um
do outro: cada um é, portanto, suprassumido. Por isso, segundo o conteúdo,
tornam-se, como tais, objeto em que cada um vale pelo outro; e segundo a forma
isso se dá de modo que essa permuta dos mesmos, ao mesmo tempo, é só
representada. Em outros termos: o que é efetivamente não moral, por ser
igualmente puro pensar e elevado sobre sua efetividade, contudo na
representação é moral, e aceito como plenamente válido. Portanto a primeira
proposição que há uma consciência moral é restabelecida, mas unida com uma
segunda, que não há consciência moral; quer dizer, há uma, mas só na
representação. Ou seja: não há consciência moral, na verdade; mas, por outra
consciência, se faz contar como se fosse.

b - A DISSIMULAÇÃO

Na visão moral do mundo vemos, de uma parte, a consciência mesma criar seu
objeto conscientemente; vemos que ela nem encontra seu objeto como algo
estranho, nem tampouco o objeto vem a ser para ela de modo inconsciente. Ao
contrário, a consciência procede em toda a parte segundo um fundamento, a
partir do qual se põe a essência objetiva. Sabe a essência, pois, como a si mesma,
porque se sabe como o princípio ativo que a produz. Por isso parece chegar aqui
à sua quietude e satisfação que só pode encontrar onde não precisa mais ir além
de seu objeto, porque o objeto não vai mais além dela. Mas, por outro lado, a
consciência mesma antes põe o objeto fora de si, como um além de si. Porém
esse em si e para si essente é igualmente posto como um ser que não é livre da
consciência de si, mas que existe em função dela e por meio dela.

Portanto, a visão moral do mundo não é, de fato, outra coisa que o


aprimoramento dessa contradição fundamental em seus diversos aspectos; para
usar uma expressão kantiana, que aqui se ajusta ao máximo, é um ninho inteiro
de contradições carentes de pensamento. A consciência se comporta assim nesse
desenvolvimento: fixa um momento e daí passa imediatamente a outro, e
suprassume o primeiro; mal porém acaba de estabelecer esse segundo, também
o dissimula de novo e faz, antes, o contrário ser a essência.
Ao mesmo tempo, a consciência é também consciente de sua contradição e de
seu dissimular, pois passa de um momento imediatamente, em relação com esse
momento mesmo, ao oposto; porque um momento não tem realidade para ela,
põe precisamente esse momento como real, ou, o que é mesmo: para afirmar
um momento como em si essente, afirma o oposto como o momento em si
essente. Com isso, confessa que de fato não toma a sério nenhum deles. É o que
vamos ver mais de perto nos momentos desse movimento desvairado.

Deixemos de lado, por ora, a hipótese de que há uma consciência moral efetiva,
pois essa hipótese não se faz imediatamente em relação com algo precedente.
Voltemo-nos para a harmonia da moralidade e da natureza - o primeiro
postulado. A harmonia deve ser em si e não para a consciência efetiva, não deve
ser presente; ao contrário, o presente é antes apenas a contradição das duas,
natureza e moralidade. No presente, a moralidade se toma como dada, e a
efetividade é posta de tal modo que não esteja em harmonia com ela. Mas a
consciência moral efetiva é uma consciência atuante: nisso consiste justamente a
efetividade de sua moralidade. Contudo, no operar mesmo, aquela posição é
imediatamente dissimulada; pois o operar não é outra coisa que a efetivação do
fim moral interior, não é outra coisa que a produção de uma efetividade
determinada através do fim; ou a harmonia entre o fim moral e a efetividade
mesma.

Ao mesmo tempo, o desempenho da ação é para a consciência; é a presença


dessa unidade da efetividade e do fim. E porque, na ação consumada, a
consciência se efetiva como esse Singular, ou intui o ser-aí retomado a si - e nisso
consiste o gozo - segue-se que na efetividade do fim moral está também contida,
ao mesmo tempo, aquela forma de efetividade que se denomina gozo e
felicidade. Assim, o agir desempenha de fato, imediatamente, o que era proposto
como não tendo lugar, e que deveria ser apenas um postulado, só um além. Logo,
a consciência exprime, através do ato, que não toma a sério o postular, já que o
sentido do agir consiste, antes, em fazer aceder à presença o que não deveria
estar na presença. E como a harmonia é postulada por motivo do agir - o que por
meio do agir deve tornar-se efetivo, tem de ser em si, aliás a efetividade não
seria possível - então a conexão do agir e do postulado é constituída de modo que
por motivo do agir - isto é, da harmonia efetiva do fim e da efetividade - essa
harmonia é posta como não efetiva, como além.

Quando se age, portanto, não se toma a sério a inadequação entre o fim e a


efetividade em geral; pelo contrário, o agir mesmo parece ser coisa séria. Mas
de fato, a ação efetiva é só a ação da consciência singular; assim ela mesma é
apenas algo de singular, e a obra, contingente. No entanto, o fim da razão, como
fim universal que tudo abrange, não é nada menos que o mundo inteiro: um fim-
último que vai muito além do conteúdo dessa ação singular, e por isso em geral
deve colocar-se além e acima de toda a ação efetiva. Porque se deve executar o
bem maior universal, nada de bom se faz. Mas de fato, a nulidade do agir efetivo
e a realidade só do fim total - que agora são propostos - são também dissimulados
novamente por todos os lados.

A ação moral não é algo de contingente e limitado, pois tem o dever puro por sua
essência. Esse dever constitui o único fim total, e a ação portanto, como
efetivação sua, é a implementação do fim total absoluto, a despeito de qualquer
limitação do conteúdo. Em outras palavras: se a efetividade for tomada, por sua
vez, como natureza que tem suas leis próprias, e é oposta ao dever puro, de modo
que o dever não pode assim realizar nela sua lei, então - enquanto o dever como
tal é a essência - de fato não se trata do cumprimento do dever puro, que é o fim
total; pois o cumprimento teria antes por fim não o dever puro mas o seu oposto:
a efetividade. Mas a proposição de que não se trata da efetividade, é por sua vez
dissimulada; porque, segundo o conceito do agir moral, o dever puro é
essencialmente consciência ativa. Assim, de toda maneira, deve-se agir: o dever
absoluto deve ser expresso na natureza inteira, e a lei-moral tornar-se lei-natural.

Admitamos, pois, que esse bem supremo vale como a essência; então é a
consciência que não leva a sério a moralidade em geral. Com efeito, nesse bem
supremo a natureza não tem outra lei da que tem a moralidade. Com isso é
excluída a ação moral mesma, pois o agir só é na hipótese de um Negativo a ser
suprassumido por meio da ação. Ora, se a natureza é já conforme à lei ética,
essa lei seria violada pelo agir, pelo suprassumir do essente.

Assim, na hipótese acima, admite-se como essencial uma situação em que o agir
moral é supérfluo, e não encontra absolutamente lugar. O postulado da harmonia
entre a moralidade e a efetividade - uma harmonia que é posta pelo conceito do
agir moral, que consiste em levar a acordo os dois termos - segundo esse aspecto
também se exprime assim: porque o agir moral é o fim absoluto, o fim absoluto é
que não se dê de modo algum o agir moral.

Confrontando esses momentos, através dos quais a consciência se dissimulava


em sua representação moral, é claro que a consciência suprassume cada um de
novo em seu contrário. Ela parte de que para ela a moralidade e a efetividade
não se harmonizam. Mas a consciência não toma isso a sério, porque na ação
existe para ela a presença dessa harmonia. Mas também não leva a sério esse
agir, por ser algo de singular; enquanto ela tem um fim tão alto, o bem supremo.
De novo, porém, isso é apenas uma dissimulação da Coisa, porque assim
estariam excluídos todo o agir e toda a moralidade. Ou seja: a consciência não
leva propriamente a sério o agir moral, senão que o mais desejável, o absoluto, é
que o bem supremo seja levado a termo, e o agir moral seja supérfluo.

A partir desse resultado, a consciência moral deve dissimular-se mais em seu


movimento contraditório, e dissimular de novo necessariamente o suprimir do
operar moral. A moralidade é o Em si; e para que ela tenha lugar; o fim último
do mundo pode não ser levado a termo, mas a consciência moral deve ser para si
e encontrar uma natureza que lhe seja oposta. Ora, a consciência moral deve ser
cabalmente realizada nela mesma. Isso conduz ao segundo postulado, da
harmonia dela e da natureza que está na consciência imediatamente - a
sensibilidade.

A consciência de si moral estabelece seu fim como puro, como independente dos
impulsos e inclinações, a ponto de ter eliminado dentro de si os fins da
sensibilidade. Mas ela distorce mais uma vez essa proposta supressão da essência
sensível. A consciência de si opera: leva seu fim à efetividade; e a sensibilidade
consciente de si, que deveria ser suprimida, é justamente esse meio-termo entre
a pura consciência e a efetividade: - é o instrumento, ou o órgão, da consciência
pura para a sua efetivação, e o que se chamou impulso, tendência. Portanto não
leva a sério o suprimir das inclinações e impulsos, pois precisamente eles é que
são a consciência de si que se efetiva. Mas tampouco devem ser reprimidos, e
sim apenas ser conformes à razão. Aliás, lhe são conformes, pois o agir moral
não é outra coisa que a consciência que se efetiva, e que assim dá a si própria a
figura de um impulso: quer dizer, é imediatamente a harmonia presente do
impulso e da moralidade.

De fato, porém, o impulso não é só essa figura vazia que pudesse ter em si outra
mola que o próprio impulso, e ser impelido por ela. Pois a sensibilidade é uma
natureza, que tem em si mesma suas próprias leis e molas de arranque, e por isso
não pode a moralidade levar a sério isso de ser a mola impulsionadora dos
impulsos, o ângulo de inclinação das inclinações. Com efeito, como elas têm sua
própria determinidade fixa e seu conteúdo peculiar, seria antes a consciência, à
qual deveriam conformar-se, que seria conforme a elas: uma conformidade que
a consciência de si moral se proíbe. Assim, a harmonia dos dois termos é apenas
em si e postulada.

Na ação moral foi, há pouco, estabelecida a harmonia presente da moral idade e


da sensibilidade, mas agora isso é dissimulado: a harmonia se encontra além da
consciência em uns longes nebulosos onde nada mais se pode distinguir nem
conceber com exatidão, já que não teve êxito o conceituar dessa unidade que nós
tentamos há pouco. Mas no Em si dessa harmonia, a consciência em geral
renuncia a si mesma. Esse Em si é sua perfeição moral, em que cessou o conflito
entre a moralidade e a sensibilidade, e em que a sensibilidade se conformou com
a moralidade de uma maneira que não se pode compreender.

Por isso, essa perfeição é de novo somente uma dissimulação da Coisa, pelo
motivo de que, de fato, a moralidade nela renunciaria, antes, a si mesma: pois ela
é apenas consciência do fim absoluto como puro, portanto em oposição a todos os
outros fins. Igualmente, a moralidade é a atividade desse fim puro, enquanto é
consciente de se elevar acima da sensibilidade, e consciente da intromissão da
sensibilidade, e de sua oposição e luta contra ela. A consciência mesma declara
imediatamente que não leva a sério a perfeição moral, ao dissimulá-la para a
infinitude; isto é, ao afirmar que a perfeição nunca é perfeita.

Assim, o que é válido para a consciência é, antes, somente esse estado-


intermédio da imperfeição; um estado que, não obstante, deve ser pelo menos
um progredir para a perfeição. Mas também não pode ser isso, pois um progredir
na moralidade seria antes um avançar para a sua ruína. A meta seria, pois, o
nada antes mencionado; ou o suprimir da moralidade e da consciência mesma.
Ora, aproximar-se sempre mais e mais do nada significa diminuir. Além disso,
em geral, tanto progredir como diminuir suporiam diferenças de grandeza na
moralidade; ora, de tais diferenças não se poderia falar na moralidade. Nela,
enquanto consciência para a qual o fim moral é o dever puro, não há que pensar
em uma diversidade em geral, e muito menos nas diversidades superficiais da
grandeza: só há uma virtude, só um dever puro, só uma moralidade.

Como portanto não toma a sério a perfeição moral, mas antes o estado-
intermédio - isso é, como acima discutimos, a não moralidade -, assim
retomamos de um outro lado ao conteúdo do primeiro postulado. É que não se vê
como se poderia exigir para essa consciência moral a felicidade por causa de seu
merecimento. Ela é consciente de sua imperfeição, e portanto não pode de fato
exigir a felicidade como mérito, nem como algo de que fosse digna; mas
somente esperá-la de uma livre graça. Quer dizer: pode ansiar pela felicidade
como tal, em si e para si, mas não pode esperá-la com base no motivo absoluto
do mérito, e sim esperá-la por sorte ou arbítrio. A não moralidade aqui exprime
exatamente o que ela é: que não se trata da moralidade, mas da felicidade em si
e para si, sem referência à moralidade.

Por esse segundo lado da visão moral do mundo, exclui-se também a outra
afirmação do primeiro lado em que se pressupunha a desarmonia entre a
moralidade e a felicidade. É que se pretende ter sido efetuada a experiência de
que neste mundo presente muitas vezes as coisas vão mal para o indivíduo moral,
e, ao contrário, com frequência vão bem para o imoral. Contudo, o estado-
intermédio da moralidade imperfeita, que se apresentou como o essencial,
mostra claramente que essa percepção e pretendida experiência é apenas uma
dissimulação da Coisa. Com efeito, já que a moralidade é incompleta, - isto é, a
moralidade de fato não é - que pode ser na experiência o sentido de que as coisas
lhe vão mal?

Como ao mesmo tempo se patenteou tratar-se da felicidade em si e para si, é


evidente que no julgamento de que tudo vai bem para o indivíduo imoral não se
supunha que houvesse aqui uma injustiça. A designação de um indivíduo como
um indivíduo imoral, já que a moralidade em geral é imperfeita, está em si
excluída; tem pois só um fundamento arbitrário. Por isso, o sentido e conteúdo do
juízo da experiência é apenas este: que a felicidade em si e para si não deveria
caber a certa gente; quer dizer, é a inveja que se cobre com o manto da
moralidade. Mas a razão pela qual a felicidade, assim chamada, deva ser
concedida a outros, é a boa amizade, que a eles e a si mesma concede e deseja
essa graça, isto é, essa sorte.

Na consciência moral, portanto, a moralidade é imperfeita: é isso que agora se


estabelece. Ora a essência da moralidade é ser somente o puro perfeito; por isso
a moralidade imperfeita é impura, ou seja, ela é imoralidade. A moralidade
mesma está assim em uma essência outra que na consciência efetiva: é ela um
sagrado legislador moral. A moralidade imperfeita na consciência, que é o
fundamento desse postular, tem antes de tudo a significação de que a moralidade,
enquanto é posta na consciência como efetiva, está na relação com um Outro -
com um ser-aí; assim recebe nela o ser Outro ou a diferença, donde nasce uma
múltipla diversidade de mandamentos morais. Mas ao mesmo tempo, a
consciência de si moral tem esses múltiplos deveres por inessenciais, pois só se
trata de um dever puro, e para ela os outros enquanto são deveres determinados
não têm verdade alguma. Assim só podem ter sua verdade em Outro; e, por
meio de um sagrado legislador, são sagrados - o que não são para a consciência
moral.

Mas, novamente, isso é apenas uma dissimulação da Coisa. Com efeito, a


consciência de si moral é, para si, o absoluto; e dever é pura e simplesmente o
que ela sabe como dever. Ora, ela só sabe como dever o dever puro: o que não
lhe é sagrado, não é sagrado em si; e o que em si não é sagrado, não pode ser
consagrado pela essência sagrada. Por isso, para a consciência moral, também
em geral não é sério fazer que algo seja consagrado por outra consciência que
não seja ela; pois para ela só é sagrado simplesmente, o que é sagrado por ela e
nela mesma. Assim tampouco é sério dizer que essa outra essência seja uma
essência sagrada, porque nela deveria chegar à essencialidade o que para a
consciência moral - isto é, em si - não tem essencialidade.

Se a essência sagrada fosse postulada de modo que nela tivesse sua validade o
dever não como dever puro, mas como uma multiplicidade de deveres
determinados, seria preciso dissimulá-la de novo, e a outra essência só seria
sagrada na medida em que nela só tivesse validade o dever puro. De fato, o
dever puro também só tem validade em outra essência, não na consciência
moral. Embora pareça que nela só vale a moralidade pura, contudo deve-se pôr
de outro modo a consciência moral, pois é, ao mesmo tempo, consciência
natural. A moralidade está nela afetada e condicionada pela sensibilidade; assim,
não é em si e para si, mas uma contingência da vontade livre. No entanto é nela,
como vontade pura, uma contingência do saber; portanto, em si e para si a
moralidade está em outra essência.

Assim essa essência é aqui a moralidade puramente perfeita, já que a


moralidade não está nela em relação com a natureza e a sensibilidade. Só a
realidade do dever puro é sua efetivação na natureza e na sensibilidade. A
consciência moral coloca sua imperfeição no fato de ter nela a moralidade uma
relação positiva com a natureza e a sensibilidade, já que para a consciência
moral conta, como um momento essencial da moralidade, que tenha com elas
uma relação única e exclusivamente negativa. Ao contrário, a pura essência
moral, porque está acima do conflito com a natureza e sensibilidade, não está em
uma relação negativa para com elas. De fato, só lhe resta assim a relação
positiva com a natureza e sensibilidade, isto é, justamente aquilo que há pouco
contava como o imperfeito, como o imoral.

Entretanto, a moralidade pura, de todo separada da efetividade, a ponto de não


ter mais nenhuma relação positiva com ela, seria uma abstração carente de
consciência e inefetiva, na qual estaria pura e simplesmente abolido o conceito
da moralidade: o de ser o pensar do dever puro, e uma vontade e agir. Essa
essência, tão puramente moral, é portanto novamente uma dissimulação da
Coisa, e deve-se rejeitar.

Contudo, nessa essência puramente moral, aproximam-se os momentos da


contradição, em que vagueia esse representar sintético; e os também opostos, que
esse representar - sem compatibilizar esses seus pensamentos - faz que se
sucedam uns aos outros. Faz um contrário ser sempre substituído pelo outro, a tal
ponto que a consciência deve aqui abandonar sua visão moral do mundo e refluir
para dentro de si mesma.

A consciência moral conhece portanto sua moralidade como não perfeita, porque
está afetada de uma sensibilidade e natureza que lhe é oposta; que, por um lado,
turva a moralidade mesma como tal, e, de outro lado, faz surgir uma multidão de
deveres. Por eles, no caso concreto do agir efetivo, a consciência cai em
perplexidade, pois cada caso é a concreção de muitas relações morais; como um
objeto da percepção em geral é uma coisa de muitas propriedades. Ora,
enquanto o dever determinado é fim, tem um conteúdo - e seu conteúdo é uma
parte do fim, e a moralidade não é pura. Logo, a moralidade tem sua realidade
em outra essência. Mas essa realidade não significa outra coisa senão que a
moralidade aqui seja em si e para si: para si, isto é, que a moralidade seja uma
consciência; em si, isto é, que tenha ser-aí e efetividade.

Naquela primeira consciência imperfeita, a moralidade não se realizava; ali ela


era o Em si, no sentido de uma coisa de pensamento, por se achar associada com
a natureza e a sensibilidade, com a efetividade do ser e da consciência,
efetividade que constituía seu conteúdo; ora, natureza e sensibilidade são o
moralmente nulo. Na segunda consciência, a moralidade está presente como
perfeita, e não como uma coisa de pensamento irrealizada. Mas essa perfeição
consiste, precisamente, em que a moralidade em uma consciência tenha
efetividade, assim como efetividade livre, ser-aí em geral; - que não seja o vazio,
mas o repleto, o cheio de conteúdo. Isso significa que a perfeição da moralidade
agora está posta em que esteja presente nela, e dentro dela, o que há pouco era
determinado como o moralmente nulo. A moralidade deve, a um tempo, só ter
valor exclusivamente como inefetiva coisa de pensamento da pura abstração;
mas igualmente não deve ter valor dessa maneira. Sua verdade deve consistir em
ser oposta à efetividade, e totalmente livre dela e vazia; e ali, de novo, ser
efetividade.

O sincretismo dessas contradições, que está analisado na visão moral do mundo,


colapsa dentro de si; porquanto a distinção em que repousa - pela qual algo
necessariamente deveria ser pensado e posto, e não obstante seria ao mesmo
tempo inessencial - torna-se uma distinção que já não reside sequer nas palavras.
No fim, o que se põe como algo diferente, seja como o nulo, seja como o real, é
uma só e a mesma coisa: o ser-aí e a efetividade. E o que deve ser
absolutamente só como o além do ser efetivo e da consciência - e também estar
só na consciência, e como um além ser o nulo - é o dever puro, e o saber do
dever como da essência. A consciência que faz essa distinção - que não é
distinção - e declara que a efetividade é ao mesmo tempo o nulo e o real, e que a
moralidade pura é tanto a verdadeira essência como algo carente de essência,
agora exprime juntos os pensamentos que antes separava. Ela mesma proclama
que não toma a sério essa determinação e dissociação dos momentos do Si e do
Em si, mas que antes guarda encerrado no Si da consciência de si o que enuncia
como o essente absoluto fora da consciência; e o que enuncia como
absolutamente pensado ou Em si absoluto, justamente por isso o toma como algo
que não tem verdade.

Para a consciência vem a ser claro que o dissociar desses momentos é uma
dissimulação; e que seria uma hipocrisia se ela, apesar disso, neles persistisse.
Contudo, como pura consciência de si moral, recua com horror para dentro de si,
fugindo desse desacordo de seu representar com aquilo que é sua essência; dessa
inverdade, que enuncia como verdadeiro o que para ela conta como não
verdadeiro. É a boa consciência pura que repudia tal representação moral do
mundo: é, dentro de si mesmo, o espírito simples, certo de si, que sem a
mediação daquelas representações opera de modo imediato conscienciosamente,
e tem sua verdade nessa imediatez.

Mas se esse mundo da dissimulação não é outra coisa que o desenvolvimento da


consciência de si moral em seus momentos, e por isso é sua realidade, ela não
vai tornar-se, segundo sua essência, nada diverso pelo fato de seu retomar a si;
seu retomar a si é antes somente sua consciência alcançada de que sua verdade é
uma pretensa verdade. A consciência deveria ainda sempre fazê-la passar por
sua verdade, já que tem de se expressar e apresentar como representação
objetiva; mas saberia que é uma dissimulação apenas. Isso seria, de fato, a
hipocrisia e aquele repudiar de tal dissimulação já seria a primeira exteriorização
da hipocrisia.

c - A BOA CONSCIÊNCIA - A BELA ALMA, O MAL E O SEU PERDÃO

A antinomia da visão moral do mundo - de que há uma consciência moral, e de


que não há; ou de que a vigência do dever está além da consciência, e
inversamente, que só nela tem lugar - essa antinomia se condensava na
representação de que a consciência não moral vale por consciência moral, seu
saber e querer contingentes são aceitos como ponderáveis, e a felicidade é
concedida à consciência por uma graça. Essa representação que a si mesma
contradiz, a consciência de si moral não a tomava sobre si, mas a transferia para
outra essência que ela. Mas esse transpor para fora de si mesma, daquilo que
deve pensar como necessário, é tanto a contradição segundo a forma, quanto a
primeira é a contradição segundo o conteúdo.

Entretanto, porque o que se manifesta como contraditório - e em cuja separação


e dissolução reiterada se debate a visão moral do mundo - é em si exatamente o
mesmo, a saber, o dever puro como o puro saber não é outra coisa que o Si da
consciência, e o Si da consciência é o ser e a efetividade. Igualmente, o que deve
ser além da consciência efetiva, não é outra coisa que o puro pensar; é assim, de
fato, o Si. Desse modo, para nós ou em si, a consciência de si retoma a si, e sabe
como a si mesma aquela essência na qual o efetivo é ao mesmo tempo saber
puro e dever puro. A consciência é para si mesma o que é plenamente-válido em
sua contingência, o que sabe sua singularidade como puro saber e agir, como a
verdadeira efetividade e harmonia.

Esse Si da boa consciência, o espírito imediatamente certo de si mesmo como da


verdade absoluta e do ser, é o terceiro Si, que para nós veio a ser a partir do
terceiro mundo do espírito. Deve ser comparado brevemente com os anteriores.

1 º - A totalidade ou efetividade, que se apresenta como a verdade do mundo


ético, é o Si da pessoa. Seu ser-aí é o ser reconhecido. Como a pessoa é o Si vazio
de substância, esse seu ser-aí é igualmente a efetividade abstrata: a pessoa vale e
de certo, imediatamente; o Si é o ponto que repousa imediatamente no elemento
do seu ser. Não se separa de sua universalidade; por isso, a universalidade e o Si
não estão mutuamente em movimento e relação. No Si, o universal está sem
diferenciação: nem é conteúdo do Si, nem é o Si preenchido por si mesmo.

2º - O segundo Si é o mundo da cultura, chegado à sua verdade, ou o espírito da


cisão restituído a si mesmo: a liberdade absoluta. Nesse Si dissocia-se aquela
primeira unidade imediata da singularidade e da universalidade. O universal, que
igualmente permanece essência puramente espiritual - o ser-reconhecido, ou
universal vontade e saber -, é objeto e conteúdo do Si e sua efetividade universal.
Contudo, ele não tem a forma do ser-aí que está livre do Si. Nesse Si, o universal
não chega, pois, a nenhuma implementação e a nenhum conteúdo positivo; não
chega a mundo algum.

3º - A consciência de si moral deixa livre certamente sua universalidade, de


modo a tornar-se uma natureza própria, e igualmente a retém dentro de si como
suprassumida. Mas ela é somente o jogo dissimulado da alternância dessas duas
determinações. É como boa consciência que tem primeiro em sua certeza de si
mesma o conteúdo para o dever anteriormente vazio, assim como para o direito
vazio e para a vazia vontade universal; e como essa certeza de si é igualmente o
imediato, nela, a consciência de si moral tem o ser-aí mesmo.

Chegada pois a essa sua verdade, a consciência de si moral abandona, ou melhor,


suprassume dentro de si mesma, a separação donde nascera a dissimulação; a
separação do em si e do Si, do dever puro como puro fim, e da efetividade como
uma natureza e sensibilidade oposta ao puro fim. Retornada desse modo a si
mesma, é o espírito moral concreto, que na consciência do dever puro não adota
para si um padrão de medida vazio, que fosse oposto à consciência efetiva. Ao
contrário: o dever puro, tanto como a natureza a ele oposta, são momentos
suprassumidos. O espírito moral é, em unidade imediata, essência moral que se
efetiva; e a ação é figura moral imediatamente concreta.
Seja dado um caso do agir: trata-se de uma efetividade objetiva para a
consciência que sabe. Esta, como boa consciência, conhece o caso de uma
maneira concreta imediata; e ao mesmo tempo o caso é só como ela o sabe.
Contingente é o saber, na medida em que é outro que o objeto; mas o espírito
certo de si mesmo não é mais tal saber contingente, nem o produzir de
pensamentos dentro de si, dos quais seria diferente a efetividade. Ao contrário:
como foi suprassumida a separação do Em si e do Si, o caso, na certeza sensível
do saber, é imediatamente como é em si e só é em si como é nesse saber.

O agir como efetivação é, por isso, a forma pura da vontade: a simples


conversão da efetividade - como um caso essente - em uma efetividade
efetuada, e do simples modo do saber objetivo, no modo do saber da efetividade
como algo produzido pela consciência. Assim como a certeza sensível é
imediatamente assumida - ou melhor, convertida - no Em si do espírito, assim
também essa conversão é simples e não mediatizada: é uma passagem através
do puro conceito sem alteração do conteúdo; conteúdo determinado pelo
interesse da consciência que sabe a seu respeito.

Além do mais, a boa consciência não discrimina em deveres diferentes as


circunstâncias do caso. Não se comporta como meio universal positivo onde os
múltiplos deveres recebessem uma substancialidade inabalável, cada um para si;
de modo que ou não fosse absolutamente possível ter-se agido - pois cada caso
concreto contém a opção em geral, e como caso moral, a oposição de deveres; e
assim na determinação do agir, um lado, um dever, seria sempre violado; - ou
que, agindo-se, ocorresse efetivamente a violação de um dos deveres opostos.

A boa consciência é, antes, o Uno negativo ou o Si absoluto, que elimina essas


diferentes substâncias morais: é simples agir de acordo com o dever, que não
cumpre este ou aquele dever, mas que sabe e faz o que é no caso direito
concreto. Por isso, em geral, ela é somente o agir moral como agir, para o qual
se transferiu a anterior consciência inoperante da moralidade. A figura concreta
do ato pode ser analisada pela consciência diferenciadora em diversas
propriedades; isto é, aqui, em diversas relações morais. Cada uma delas tanto
pode ser declarada por absolutamente válida - como deve ser, se tem de ser
dever -, quanto também ser comparada e comprovada. Na simples ação moral
da boa consciência os deveres estão de tal modo entulhados que todas essas
essências singulares são demolidas imediatamente; e na certeza inabalável da
boa consciência não tem absolutamente lugar dar uma sacudidela no dever para
testá-lo.

Tampouco se encontra na boa consciência a incerteza oscilante da consciência,


que ora põe a assim chamada moralidade pura fora de si, em outra essência
sagrada - e a si mesma se avalia como não sagrada - ora torna a colocar dentro
de si a pureza moral, e transfere para a outra essência a união do sensível com o
moral.

A boa consciência renuncia a todas essas colocações e dissimulações da visão


moral do mundo, ao renunciar à consciência que apreende como contraditórios o
dever e a efetividade. Segundo essa última consciência, eu ajo moralmente
quando para mim estou consciente de cumprir só o dever puro e não outra coisa
qualquer; quer dizer, de fato, quando eu não ajo. Mas quando ajo efetivamente,
eu sou consciente de outro, de uma efetividade que está presente, e de uma que
quero produzir. Tenho um determinado fim e cumpro um dever determinado;
nisso já há algo outro que o dever puro, o qual somente deveria ser colimado.

A boa consciência, ao contrário, é a consciência de que, se a consciência moral


enuncia o dever puro como essência de seu agir, esse puro fim é uma
dissimulação da Coisa; pois a Coisa mesma é que o dever puro consista na
abstração vazia do puro pensar, e que só tenha sua realidade e conteúdo em uma
efetividade determinada - uma efetividade que é a efetividade da consciência
mesma, e da consciência não como uma coisa de pensamento, mas como um
Singular. A boa consciência tem para si mesma sua verdade na certeza imediata
de si mesma. Essa concreta certeza imediata de si mesma é a essência; se for
considerada segundo a oposição da consciência, é a própria singularidade
imediata, o conteúdo do agir moral e sua forma é precisamente esse Si como
puro movimento, quer dizer, como o saber ou como a convicção própria.

Se for considerada mais de perto em sua unidade e na significação dos


momentos, vemos que a consciência moral só se apreendeu como o Em si ou
essência; mas como boa consciência apreende seu ser para si ou o seu Si. A
contradição da visão moral do mundo se dissolve; isto é, a diferença, que lhe
serve de base, se revela não ser diferença alguma, e colapsa na pura
negatividade. Ora, essa negatividade é justamente o Si; um simples Si que tanto é
saber puro quanto é saber de si como desta consciência singular. Esse Si constitui
portanto o conteúdo da essência antes vazia, pois é o Si efetivo, que não tem mais
a significação de ser uma natureza estranha à essência e independente nas leis
próprias. Como o negativo, é a diferença da pura essência - um conteúdo, e na
verdade um conteúdo que é válido em si e para si.

Além do mais, esse Si - como puro saber igual a si mesmo - é algo pura e
simplesmente universal; de modo que precisamente esse saber, como seu próprio
saber, como convicção, é o dever. O dever já não é o universal que se contrapõe
ao Si; ao contrário, sabe-se não ter nenhuma validade nessa separação. Agora é a
lei que é por causa do Si, e não o Si por causa da lei. Contudo a lei e o dever têm,
por isso, não só a significação do ser para si, mas também a do ser em si: pois
esse saber, em razão de sua igualdade consigo mesmo, é justamente o Em si.
Dentro da consciência, esse Em si se separa também daquela unidade imediata
com o ser para si; contrapondo-se assim, ele é ser, ser para Outro.

Agora o dever justamente se sabe, como dever abandonado pelo Si, que é um
momento apenas. De sua significação, que era ser a essência absoluta, decaiu até
o ponto do ser que não é Si, nem é para si, e portanto é ser para Outro. Mas esse
ser para Outro permanece, por isso mesmo, momento essencial; porque o Si,
como consciência, constitui a oposição do ser para si e do ser para Outro, e agora
o dever é nele algo imediatamente efetivo, e não mais simplesmente a pura
consciência abstrata.

Esse ser para Outro é assim a substância em si essente, distinta do Si. A boa
consciência não abandonou o dever puro ou o Em si abstrato, mas o dever puro é
o momento essencial, o de relacionar-se, como universalidade, com os outros. A
boa consciência é o elemento comum das consciências de si; elemento que é a
substância em que o ato tem subsistência e efetividade: o momento do tornar-se
reconhecido pelos outros. A consciência de si moral não tem esse momento do
ser-reconhecido, da consciência pura que é-aí; e por isso, em geral não é
operante, não é efetivante. Para a consciência de si moral seu Em si, ou é a
essência inefetiva abstrata, ou é o ser como uma efetividade, que não é espiritual.
Ao contrário, a efetividade essente da boa consciência é uma efetividade que é
um Si, quer dizer, um ser aí consciente de si, o elemento espiritual do tornar-se
reconhecido.

Portanto, o agir é somente o trasladar de seu conteúdo singular para o elemento


objetivo, onde o conteúdo é universal e reconhecido: e isso justamente - o fato de
ser reconhecido - faz que a ação seja efetividade. Reconhecida, e portanto
efetiva, é a ação porque a efetividade aí essente se vincula imediatamente com a
convicção ou com o saber; ou seja, o saber de seu fim é imediatamente o
elemento do ser-aí, o universal reconhecer. Com efeito, a essência da ação, o
dever, consiste na convicção da boa consciência a seu respeito: essa convicção é
justamente o próprio Em si: é a consciência de si, em si universal, ou o ser-
reconhecido e por conseguinte, a efetividade. O que é feito com a convicção do
dever é assim imediatamente algo que tem consistência e ser-aí.

Assim, não se fala mais aqui de uma boa intenção que não se efetua, ou de que
as coisas vão mal para quem é bom. Ao contrário, o que é sabido como dever se
cumpre e chega à efetividade, pois justamente o que é conforme ao dever é o
universal de todas as consciências de si: o reconhecido, e portanto o essente. Mas
tomado isoladamente e só, sem o conteúdo do Si, esse dever é o ser para outra, o
transparente, que tem só a significação da essencialidade carente de conteúdo
em geral.

Voltando a examinar a esfera com a qual surgia a realidade espiritual em geral,


vemos que o conceito era: o expressar da individualidade, o em si e para si: Mas
a figura que exprimia imediatamente esse conceito era a consciência honesta
que se afanava em torno da Coisa mesma abstrata. Essa Coisa mesma era ali
predicado; mas na boa consciência, pela primeira vez é sujeito, que tem postos
nele todos os momentos da consciência, e para o qual estes momentos todos: -
substancialidade em geral, ser-aí exterior e essência do pensar - estão contidos
nessa sua certeza de si mesmo.

Na eticidade, a Coisa mesma tem a substancialidade em geral; na cultura, seu


ser-aí exterior; na moralidade, a essencialidade do pensar, sabedora de si
mesma; e na boa consciência, ela é o sujeito que sabe esses momentos nele
mesmo. Se a consciência honesta só abraça sempre a Coisa mesma vazia, a boa
consciência, ao contrário, consegue-a em seu pleno desempenho, que lhe
confere por meio de si mesma. A boa consciência é esse poder, porque sabe os
momentos da consciência como momentos; e os domina, como sua essência
negativa.

Consideremos a boa consciência em relação às determinações singulares da


oposição que se manifesta no agir, e sua consciência sobre a natureza dessas
determinações. Primeiro, ela se comporta como sabedora em relação à
efetividade do caso em que se tem de agir. Na medida em que o momento da
universalidade pertence a esse saber, compete ao saber do agir consciencioso
abarcar de maneira irrestrita a efetividade que tem diante, e assim conhecer
exatamente e ponderar as circunstâncias do caso. Ora, esse saber, porque
conhece a universalidade como um momento, é um saber dessas circunstâncias
que é consciente de não abarcá-las; ou seja, de não ser consciencioso neste
ponto.

A relação verdadeiramente universal e pura do saber seria uma relação com


algo não oposto, uma relação consigo mesmo; mas o agir, pela oposição que nele
é essencial, relaciona-se com um Negativo da consciência, com uma efetividade
em si essente. Em contraste com a simplicidade da consciência pura, com o
Outro absoluto ou a variedade multiforme em si, essa efetividade é uma
pluralidade absoluta de circunstâncias que se divide e estende até o infinito: - para
trás em suas condições, para o lado em seus concomitantes, para frente, em suas
consequências.

A consciência conscienciosa é consciente dessa natureza da Coisa, e de sua


relação com ela; sabe que não conhece, conforme essa universalidade exigi da, o
caso em que opera, e que é nula sua pretensão de ter essa ponderação
conscienciosa de todas as circunstâncias. No entanto, não está de todo ausente
esse conhecimento e avaliação de todas as circunstâncias; mas só está presente
como momento, como algo que só é para outros; e seu saber imperfeito, porque
é seu saber, é valorizado como saber suficiente completo.

Da mesma maneira se passam as coisas com a universalidade da essência, ou


com a determinação do conteúdo através da consciência pura. Passando ao agir,
a boa consciência se relaciona com os múltiplos lados do caso. O caso se
desdobra em muitos, e igualmente a relação da consciência pura com ele se
desdobra; e desse modo, a multiplicidade do caso é uma multiplicidade de
deveres. Sabe a boa consciência que tem de optar e decidir entre deveres,
porquanto nenhum deles é absoluto em sua determinidade ou em seu conteúdo,
mas somente o dever puro. Mas esse abstrato adquiriu em sua realidade a
significação do Eu consciente de si. O espírito certo de si mesmo repousa, como
boa consciência, dentro de si; e sua universalidade real, ou seu dever, repousa em
sua pura convicção do dever. Essa pura convicção é, como tal, tão vazia quanto o
dever puro: puro no sentido de que nada nele - nenhum conteúdo determinado - é
dever. Mas, agir é preciso: algo tem de ser determinado pelo indivíduo; e o
espírito certo de si mesmo, no qual o Em si adquiriu a significação do Eu
consciente de si, sabe que tem essa determinação e esse conteúdo na certeza
imediata de si mesmo. Essa é, como determinação e conteúdo, a consciência
natural, isto é, os impulsos e as inclinações.

A boa consciência não reconhece conteúdo algum como absoluto para ela,
porque é a absoluta negatividade de tudo que é determinado. De si mesma, ela
determina; mas o círculo do Si, em que incide a determinidade como tal, é a
assim chamada sensibilidade: para ter um conteúdo derivado da certeza imediata
de si mesmo, nada se encontra à mão a não ser a sensibilidade. Tudo o que nas
figuras precedentes se apresentava como bem ou mal, como lei e direito, é outro
que a certeza imediata de si mesmo; é um universal que agora é um ser para
Outro; ou, considerando de outro modo, um objeto que mediatizando a
consciência consigo mesma, se introduz entre ela e sua própria verdade; e que
antes a separe de si, do que seja sua imediatez. Mas, para a boa consciência, a
certeza de si mesma é a pura verdade imediata; e portanto essa verdade é sua
certeza imediata de si mesma representada como conteúdo, quer dizer, em geral,
é a arbitrariedade do Singular e a contingência de seu ser-aí natural carente de
consciência.

Esse conteúdo ao mesmo tempo vale como essencialidade moral ou como dever.
Porque, como já resultou do examinar das leis, o dever puro é de todo indiferente
a qualquer conteúdo, e suporta qualquer conteúdo. Aqui o puro dever tem ao
mesmo tempo a forma essencial do ser para si, e essa forma da convicção
individual não é outra coisa que a consciência da vacuidade do dever puro, e de
que o dever puro é só um momento; que sua substancialidade é um predicado
que tem seu sujeito no indivíduo, cujo arbítrio lhe dá o conteúdo. Pode associar a
essa forma qualquer conteúdo, e vincular-lhe sua conscienciosidade.

Um indivíduo aumenta sua propriedade de certa maneira. É dever que cada um


cuide de sua conservação própria, como também de sua família, e não menos
que cuide da possibilidade de tornar-se útil a seu próximo e de fazer bem aos
necessitados. Está consciente o indivíduo de que isso é dever, pois esse conteúdo
está contido imediatamente na certeza de si mesmo; além disso, percebe que
cumpre esse dever neste caso. Outros, talvez, considerem como impostura essa
maneira correta de proceder; é que eles se atêm a outros aspectos do caso
concreto, enquanto ele o proprietário mantém com firmeza este aspecto, por
estar consciente da ampliação da propriedade como puro dever. Assim, o que
outros chamam prepotência e injustiça cumpre o dever de afirmar sua
independência perante os outros; o que chamam covardia, cumpre o dever de se
preservar a vida e a possibilidade de ser útil ao próximo; porém o que eles
chamam valentia, viola, antes, ambos os deveres.

Entretanto, não se permite à covardia ser tão desastrada a ponto de não saber que
a conservação da vida e a possibilidade de ser útil aos outros são deveres; ser tão
inepta para não estar convencida da conformidade de seu agir com o dever, e
ignorar que no saber consiste a conformidade ao dever; aliás a covardia
cometeria a inépcia de ser imoral. Porque a moralidade reside na consciência de
ter cumprido o dever, essa não faltará ao agir que chamam covardia, nem
tampouco ao que chamam valentia. O abstrato, que se denomina dever, é capaz
de receber tanto este conteúdo como qualquer conteúdo. O agir, portanto, sabe o
que faz como dever; e enquanto o sabe, e enquanto a convicção do dever é a
própria conformidade com o dever, então é reconhecido pelos outros; por isso a
ação tem valor e ser-aí efetivo.

Frente a essa liberdade que introduz, no meio passivo universal do puro dever e
saber, qualquer conteúdo, tanto serve um como qualquer outro; não adianta
afirmar que um outro conteúdo deveria ser introduzido: pois, seja qual for, terá
nele a mácula da determinidade, da qual o saber puro está livre, e que tanto pode
rejeitar como acolher. Todo o conteúdo, por ser um conteúdo determinado, está
na mesma linha que o outro, embora pareça ter justamente o caráter de que o
particular esteja nele suprassumido.

Quando no caso efetivo o dever se cinde na oposição em geral, e por isso na


oposição da singularidade e universalidade, pode parecer que aquele dever, cujo
conteúdo é o universal mesmo, possua imediatamente nele a natureza do dever
puro. Com isso, forma e conteúdo se ajustariam totalmente de modo que, por
exemplo, a ação pelo bem maior universal seria preferível à ação pelo
individual. Só que esse dever universal é o que está presente, em geral, como
substância essente em si e para si; como direito e lei, e o que tem valor,
independentemente do saber e da convicção como também do interesse imediato
do Singular. É pois justamente aquilo contra cuja forma está dirigida a
moralidade em geral. Mas no que concerne ao seu conteúdo, é também um
conteúdo determinado, na medida em que o bem maior universal é oposto ao
bem singular. Sua lei é por isso uma lei da qual se sabe totalmente livre a boa
consciência, que se concede a autorização absoluta de lhe acrescentar ou retirar,
de negligenciar ou de cumprir.

Então, além disso, aquela distinção do dever - para com o Singular, para com o
universal - nada tem de rígido, segundo a natureza da oposição em geral. Mas
antes, o que o Singular faz para si, redunda em benefício para o universal: quanto
mais cuidou de si, tanto maior é não só sua possibilidade de ser proveitoso aos
outros, mas também sua efetividade mesma é somente isto: ser e viver em
coesão com os outros. Seu gozo singular tem por isso essencialmente a
significação de entregar aos outros o que é seu, e de ajudá-los na obtenção de seu
próprio gozo. No cumprimento do dever para com o Singular - portanto para
consigo - cumpre-se assim também o dever para com o universal.

A ponderação e a comparação dos deveres, que aqui se introduzam, levariam ao


cálculo da vantagem que o universal teria de uma ação. Ora, a moralidade, de
uma parte, ficaria assim à mercê da necessária contingência da intelecção; e de
outra parte, a essência da boa consciência é precisamente eliminar esse calcular
e ponderar, e decidir por si mesma, sem tais motivos.

Dessa maneira, a boa consciência opera e se mantém assim na unidade do ser


em si e do ser para si, na unidade do puro pensar e da individualidade: é o espírito
certo de si mesmo que tem nele mesmo sua verdade, no seu Si, no seu saber; e
neste, como no saber do dever. Esse espírito aí se mantém justamente porque o
que na ação é algo positivo - tanto o conteúdo como a forma do dever, e o saber
a seu respeito - pertencem ao Si, à certeza de si; mas o que, como um Em si
próprio, quer contrapor-se ao Si, conta como algo não verdadeiro, só como
suprassumido, só como momento.

Portanto, o que conta não é o saber universal em geral mas seu conhecimento
das circunstâncias. No dever, como ser em si universal, o Si introduz o conteúdo,
que extrai de sua individualidade natural; pois é o conteúdo presente nele mesmo.
Esse conteúdo se torna, através do meio universal em que está, o dever que ele
pratica; e por isso mesmo, o puro dever vazio é posto como algo suprassumido ou
como momento. Esse conteúdo é o seu vazio suprassumido, ou o seu
preenchimento.

Mas a boa consciência está igualmente livre de qualquer conteúdo em geral: ela
se absolve de qualquer dever determinado que deva ter o valor de lei. Na força
da certeza de si mesma, tem a majestade da autarquia absoluta - o poder de atar
e desatar. Essa autodeterminação é, pois, imediatamente o que é pura e
simplesmente conforme ao dever. O dever é o saber mesmo; essa simples
ipseidade, porém, é o Em si, pois o Em si é a pura igualdade consigo mesmo, e
ela está nessa consciência.

Esse saber puro é imediatamente ser para Outro, pois como pura igualdade
consigo mesmo é a imediatez ou o ser. Esse ser porém é ao mesmo tempo o puro
universal, a ipseidade de todos; ou seja, o agir é reconhecido, e por isso efetivo.
Esse ser é o elemento por meio do qual a boa consciência está imediatamente
em relação de igualdade com todas as consciências de si; e o significado dessa
relação não é a lei carente de si, mas o Si da boa consciência.

No entanto, porque o justo que a boa consciência pratica é ao mesmo tempo ser
para outro, parece que uma desigualdade a atinge. O dever que cumpre é um
conteúdo determinado; na verdade, esse conteúdo é o Si da consciência e nisso é
seu saber de si, sua igualdade consigo mesmo. Mas uma vez consumada, posta no
meio universal do ser, essa igualdade não é mais saber, não é mais esse
diferenciar que suprassume também imediatamente suas diferenças. Ao
contrário: no ser a diferença é posta subsistindo, e a ação é uma ação
determinada, desigual com o elemento da consciência de si de todos, e assim,
não necessariamente reconhecida.

Os dois lados, a boa consciência operante e a consciência universal, que


reconhece essa operação como dever, são igualmente livres da determinidade
desse agir. Em razão dessa liberdade, a relação no meio comum de sua conexão
é, antes, uma relação de perfeita desigualdade; por esse motivo, a consciência
para a qual a ação existe, se encontra em uma completa incerteza sobre o
espírito operante certo de si mesmo. O espírito age: põe uma determinidade
como essente. Os outros se atêm a esse ser como à verdade do espírito, e nele
são certos de si mesmos; o espírito exprimiu ali o que para ele conta como dever.
Só que ele é livre de um dever determinado qualquer; está fora do lugar onde os
outros acreditam que ele esteja efetivamente; e esse meio do ser mesmo, e o
dever como em si essente, valem para ele apenas como momento. Assim, o que
põe diante deles, também de novo dissimula, ou melhor, já o dissimulou
imediatamente. Com efeito, sua efetividade não é para ele esse dever e
determinação que externou, mas o dever e determinação que tem na absoluta
certeza de si mesmo.

Assim, os outros não sabem se essa consciência é moralmente boa ou má; ou,
antes, não só não podem saber, mas ainda devem tomá-la por má. Pois, como a
consciência está livre da determinidade do dever - e do dever como em si
essente - também eles são igualmente livres. Eles mesmos sabem dissimular o
que aquela consciência lhes coloca diante: é algo pelo qual só está expresso o Si
de outro, não o seu próprio. Não só se sabem livres disso, senão que devem
dissolvê-la em sua própria consciência, reduzir a nada pelo julgar e explicar, a
fim de preservar o seu Si.

Contudo, a ação da boa consciência não é apenas essa determinação do ser,


abandonada pelo puro Si. O que deve ser valorizado e reconhecido como dever,
só o é mediante o saber e a convicção a seu respeito como dever, mediante o
saber de si mesmo no ato. Se o ato deixa de ter nele esse Si, deixa de ser o que
unicamente é sua essência. Seu ser-aí, abandonado por essa consciência, seria
uma efetividade ordinária, e a ação se nos revelaria como um implementar de
seu prazer e desejo. O que deve ser aí é, neste ponto, sua essencialidade apenas,
porque é sabida como individualidade que se expressa a si mesma - e esse ser-
sabido é aquilo que é reconhecido, e o que como tal deve ter ser-aí.

O Si entra no ser-aí como Si; o espírito certo de si mesmo existe, como tal, para
outros: não é sua ação imediata o que é válido e efetivo; não é o determinado
nem o em si essente que é reconhecido; mas só o Si que se sabe, como tal. O
elemento da subsistência é a consciência de si universal; o que entra nesse
elemento não pode ser o efeito da ação, pois a ação aí não se sustém, nem ganha
permanência. Ao contrário, é somente a consciência de si que é o reconhecido e
que ganha a efetividade.

Vemos assim a linguagem novamente como o ser-aí do espírito. A linguagem é a


consciência de si essente para outros, que está imediatamente presente como tal
e que é universal como esta consciência de si. É o Si separando-se de si mesmo
que como puro Eu = Eu se torna objetivo e nessa objetividade tanto se mantém
como este Si quanto se aglutina imediatamente com os outros e é a consciência
de si deles. Tanto se percebe como é percebido pelos outros, e o perceber é
justamente o ser-ai que se tornou Si.

O conteúdo, que a linguagem aqui adquiriu, não é mais o Si perverso e


pervertedor e dilacerado do mundo da cultura; mas é o espírito que retornou a si,
certo de si e certo de sua verdade em seu Si - ou do seu reconhecer - e
reconhecido como esse saber.

A linguagem do espírito ético é a lei e o simples mandamento, e a lamentação


que é mais uma lágrima derramada sobre a necessidade. Ao contrário, a
consciência moral é ainda muda, fechada em si no seu íntimo, pois nela o Si não
tem ainda ser-aí, mas o ser-aí e o Si estão somente em relação exterior
recíproca. No entanto, a linguagem surge apenas como o meio-termo entre
consciências de si independentes e reconhecidas; o Si ai essente é o ser
reconhecido, imediatamente universal, múltiplo e contudo simples nessa
multiplicidade. O conteúdo da linguagem da boa consciência é o Si, sabedor de si
como essência. A linguagem exprime somente isso: e esse exprimir é a
verdadeira efetividade do agir e a validade da ação.

A consciência exprime sua convicção: é só nessa convicção que a ação é dever.


Também só vale como dever porque a convicção é expressa. Com efeito, a
consciência de si universal é livre da ação determinada apenas essente; esta,
como ser-ai, não vale para a consciência de si, e sim, a convicção de que a
mesma ação é dever, e essa convicção é efetiva na linguagem. Efetivar a ação
não significa, aqui, trasladar seu conteúdo da forma do fim ou do ser para si para
a forma da efetividade abstrata; mas da forma da imediata certeza de si mesmo
- que sabe como essência seu saber ou ser para si - para a forma da asseveração
de que a consciência está convencida do dever e sabe, de si mesma, como boa
consciência, o dever. Assim essa asseveração assevera que a consciência está
convencida que sua convicção é a essência.

Perante a boa consciência, não têm sentido questões ou dúvidas como estas: - se
é verdadeira a asseveração de agir por convicção do dever; se é efetivamente o
dever o que foi feito. Naquela questão se a asseveração é verdadeira estaria
pressuposto que a intenção interior é diversa da que foi manifestada, isto é, que o
querer do Si singular possa separar-se do dever, da vontade da consciência
universal e pura. Essa última residiria nas palavras, enquanto a primeira seria
propriamente a verdadeira mola da ação. Só que essa diferença entre a
consciência universal e o Si singular é justamente o que se suprassumiu; e o seu
suprassumir é a boa consciência. O saber imediato do Si, certo de si, é lei e
dever: sua intenção, por ser sua intenção, é o justo. Só se exige que o saiba, e que
diga essa convicção de que seu saber e querer é o justo.

O enunciar dessa asseveração suprassume em si mesmo a forma de sua


particularidade; reconhece nisso a necessária universalidade do Si. Ao chamar-se
boa consciência, chama-se puro saber si mesma, e puro querer abstrato. Quer
dizer: chama-se um universal saber e querer, que reconhece os Outros, lhes é
igual: pois eles são justamente esse puro saber-se e querer-se, e o que, por isso, é
também reconhecido por eles. A essência do justo reside no querer do Si certo de
si, nesse saber de que o Si é a essência. Portanto, quem diz que age assim de boa
consciência, diz a verdade, pois sua boa consciência é o Si sabedor e querente.
Mas é essencial que o diga, já que esse Si deve ser, ao mesmo tempo, Si
universal. Ele não é universal no conteúdo da ação, pois esse é em si indiferente,
devido à sua determinidade; mas a universalidade reside na forma da mesma
ação. É essa forma que se deve pôr como efetiva: ela é o Si, que como tal é
efetivo na linguagem, que se declara como o verdadeiro e por isso mesmo
reconhece todos os Si, e é reconhecido por eles.

Assim, a boa consciência, na majestade de sua elevação sobre a lei determinada


e sobre qualquer conteúdo do dever, põe o conteúdo que lhe apraz em seu saber e
querer: é a genialidade moral, que sabe a voz interior de seu saber imediato
como sendo a voz divina, e enquanto nesse saber sabe de modo igualmente
imediato o ser-aí: é a criatividade divina, que tem em seu conceito a vitalidade. É
igualmente serviço divino em si mesma, porque seu agir é o contemplar dessa
sua própria divindade.

Esse serviço divino solitário é ao mesmo tempo essencialmente o serviço divino


de uma comunidade, e o puro interior saber-se e perceber-se a si mesmo passa a
ser momento da consciência. A contemplação de si é seu ser-aí objetivo, e esse
elemento objetivo é o enunciar de seu saber e querer, como de um universal. Por
meio desse enunciar, o Si se torna algo vigente, e a ação torna-se ato efetuante. A
efetividade e a subsistência de seu agir são a consciência de si universal; mas o
enunciar da boa consciência põe a certeza de si mesma como Si puro e por isso,
como Si universal. Os outros valorizam a ação por causa desse discurso, no qual o
Si é expresso e reconhecido como a essência.

Assim, o espírito e a substância de sua união é mútua asseveração de sua


conscienciosidade, de suas boas intenções, o jubilar-se por essa pureza recíproca
e o deleitar-se com a sublimidade do saber e enunciar, do guardar e cultivar tal
excelência. Na medida em que essa boa consciência ainda distingue sua
consciência abstrata de sua consciência de si, tem sua vida somente recôndita em
Deus. Na verdade, Deus está imediatamente presente ao seu espírito e coração,
ao seu Si: mas o revelado, sua consciência efetiva e o movimento mediatizante
da mesma, são para ela outra coisa que aquele Interior recôndito e a imediatez
da essência presente.

Contudo, na realização plena da boa consciência, suprassume-se a diferença


entre sua consciência abstrata e sua consciência de si. Ela sabe que a consciência
abstrata é precisamente este Si, este ser para si certo de si; sabe que na imediatez
da relação do Si com o Em si - o qual posto fora do Si é a essência abstrata e o
recôndito para ela - é suprassumida justamente a diversidade. Com efeito, aquela
relação em que os termos relacionados não são, um para o Outro, uma só e a
mesma coisa, mas Outro, e somente são Um em um terceiro - é uma relação
mediatizante. Ao contrário, a relação imediata de fato não significa outra coisa
que a unidade. A consciência, elevada acima da carência de pensamento - que é
manter ainda como diferenças essas diferenças que não são tais - sabe a
imediatez da presença da essência como sendo nela unidade da essência e do seu
Si. Assim, sabe o seu Si como o Em si vivente, e sabe esse seu saber como a
religião. A religião, como saber intuído ou aí essente, é o falar da comunidade
sobre o seu espírito.

Vemos assim aqui a consciência de si retornada ao seu mais íntimo, para o qual
desvanece toda a exterioridade como tal; retornada à intuição do Eu = Eu, em
que esse Eu é toda a essencialidade e ser-aí. A consciência de si afunda nesse
conceito de si mesma, por ser impelida ao ápice de seus extremos. Sem dúvida
isso se dá de modo que os diversos momentos, pelos quais ela é real, ou é ainda
consciência, não são para nós esses puros extremos; ao contrário, o que ela é
para si, e o que para ela é em si, e o que para ela é ser-aí, se volatiliza em
abstrações, que para a consciência não têm mais nenhuma firmeza, nenhuma
substância; e tudo o que até agora era essência para a consciência, retrocedeu
nessas abstrações.

A consciência, refinada até essa pureza, é a sua figura mais pobre; e a pobreza,
que constitui seu único patrimônio, ela mesma é um desvanecer; essa absoluta
certeza em que a substância se dissolveu, é a absoluta inverdade, que colapsa
dentro de si; é a consciência de si absoluta em que a consciência afunda.

Considerando esse afundar dentro de si mesma, vê-se que a substância em si


essente é para a consciência o saber como seu saber. Como consciência, está
dividida na oposição de si e do objeto que para ela é a essência; mas esse objeto
é, a rigor, o perfeitamente translúcido - é o seu Si; e sua consciência é apenas o
saber de si. Toda a vida, toda a essencialidade espiritual retornaram a esse Si, e
perderam sua diversidade em relação ao Eu Mesmo. Os momentos da
consciência são, pois, essas abstrações extremas. Nenhuma delas fica estável,
mas cada uma se perde na outra e a engendra. É a alternância da consciência
infeliz consigo, mas que ocorre agora para a consciência mesma no interior de si;
e está consciente de ser o conceito da razão, que a consciência infeliz é somente
em si. A certeza absoluta de si mesma muda-se assim para ela, como
consciência, imediatamente em um som que esmaece na objetividade do seu ser
para si. Mas esse mundo criado é sua fala, que ela escutou de modo igualmente
imediato, e cujo eco apenas lhe retorna.
Portanto, esse retorno não significa que a consciência ali esteja em si e para si,
pois a essência para ela não é um Em si, mas ela mesmo; tampouco tem ser-aí,
porque o objetivo não chega a ponto de ser um negativo do Si efetivo, assim
como este não chega à efetividade. Falta-lhe a força da extrusão, a força para se
fazer coisa e para suportar o ser. Vive na angústia de manchar a magnificência
de seu interior por meio da ação e do ser-aí; para preservar a pureza de seu
coração, evita o contato da efetividade, e permanece na obstinada impotência: -
de renunciar a seu Si, aguçado até a última abstração; - de se conferir
substancialidade, ou transmudar seu pensar em ser; - e de confiar-se à diferença
absoluta.

O objeto vazio, que para si produz, enche-o assim com a consciência de sua
vacuidade; seu agir é o anelo que somente se perde no converter de si mesmo
em objeto carente de essência. Ultrapassando essa perda e tornando a cair em si,
encontra-se somente como perdido. Nessa transparente pureza de seus
momentos arde, infeliz, uma assim-chamada bela alma consumindo-se a si
mesma, e se evapora como uma nuvem informe que no ar se dissolve.

Esse silencioso confluir das essencialidades inconsistentes da vida que se


evaporou deve porém tomar-se ainda na outra significação: - a da efetividade da
boa consciência e na manifestação do movimento desta; a boa consciência deve
ser considerada como operando. O momento objetivo nessa consciência
determinou-se acima como consciência universal; o saber que se sabe a si
mesmo é, como este Si particular, distinto de outros Si; a linguagem em que todos
mutuamente se reconhecem como agindo conscienciosamente - essa igualdade
universal - decai na desigualdade do ser para si singular; cada consciência
igualmente se reflete simplesmente em si mesma a partir de sua universalidade.
Desse modo entra em cena necessariamente a oposição da singularidade frente
aos outros singulares e frente ao universal; há que considerar essa relação e seu
movimento. Em outras palavras, essa universalidade e o dever têm a significação
absolutamente oposta à da singularidade determinada, que se separa do universal;
para ela, o dever puro é apenas a universalidade que aparece na superfície e se
volta para fora; o dever reside unicamente nas palavras, e conta como um ser
para outro.

A boa consciência, que de início só negativamente se orientava contra o dever


como este dever determinado e dado, agora se sabe livre dele. Mas ao preencher
o dever vazio com um conteúdo determinado, extraído de si mesma, tem a
consciência positiva de que, como este Si, faz para si o conteúdo. Seu puro Si,
como saber vazio, é algo privado de conteúdo e de determinação. O conteúdo
que a boa consciência lhe dá, é tomado do seu Si, como este determinado Si; é
tirado de si como individualidade natural; e, no falar sobre a conscienciosidade de
seu agir, é bem consciente de seu puro Si. Contudo, no fim de seu agir - como
num conteúdo efetivo - é consciente de si como este Singular particular, e da
oposição entre o que é para si e o que é para outro; da oposição entre a
universalidade ou o dever, e o seu ser-refletido a partir da universalidade ou
dever.

Se assim se exprime em seu interior a oposição em que a boa consciência entra


como operando, essa oposição é, ao mesmo tempo, a desigualdade segundo o
exterior, no elemento do ser-aí: - a desigualdade de sua singularidade particular
em relação a outro Singular. Sua particularidade consiste nisto: os dois momentos
constitutivos de sua consciência - o Si e o Em si - são desiguais em valor; na
verdade, valem na consciência com a determinação de que a certeza de si
mesmo é a essência, em contraposição ao Em si ou ao universal, que só vale
como momento. Contrapõe-se assim a essa determinação interior o elemento do
ser-aí, ou a consciência universal para a qual, antes, a universalidade - o dever -
é a essência; e ao contrário, a singularidade, que em contraste com o universal é
para si, só vale como momento suprassumido. Para esse ater-se com firmeza ao
dever, a primeira consciência conta como o mal, por ser a desigualdade de seu
ser dentro de si em relação ao universal; e enquanto ela exprime ao mesmo
tempo seu agir como igualdade consigo mesma, como dever e
conscienciosidade, essa consciência conta como hipocrisia.

O movimento dessa oposição é, em primeiro lugar, o estabelecimento formal da


igualdade entre o que é o mal dentro de si, e o que ele declara. É preciso que
venha à luz que ele é mau, e desse modo seu ser-aí se torne igual à essência: a
hipocrisia deve ser desmascarada. Esse retorno à igualdade, da desigualdade
presente na hipocrisia, já não ocorreu porque a hipocrisia - como se costuma
dizer - demonstra seu respeito pelo dever e pela virtude, justamente ao tomar-
lhes a aparência e usá-la como máscara para sua própria consciência, e não
menos para a consciência alheia: nesse reconhecimento do oposto estariam
contidas em si a igualdade e a concordância.

Contudo, a hipocrisia ao mesmo tempo está fora igualmente desse reconhecer da


linguagem, e refletida sobre si mesma; e no fato de utilizar o em si essente só
como um ser para outro, está antes contido o seu próprio desprezo do em si
essente, e a exposição para todos de sua carência de essência. Com efeito, o que
se deixa utilizar como um instrumento externo, mostra-se como uma coisa que
não tem peso próprio em si mesma.

A essa igualdade também não se chega mediante a persistência unilateral da má


consciência em si mesma, nem mediante o juízo do universal. Se a má
consciência renega-se frente à consciência do dever, e afirma, como um agir
conforme à lei interior e à boa consciência, o que essa declara como maldade,
como desigualdade absoluta em relação ao universal - mesmo assim permanece
ainda, nessa afirmação unilateral da igualdade, sua desigualdade com o Outro:
porque ele não acredita nela nem a reconhece. Ou então, porque o persistir
unilateral em um extremo dissolve-se a si mesmo, o mal se confessaria
certamente como mal; mas nisso se suprassumiria imediatamente - e não seria
hipocrisia, nem se desmascararia como tal.

O mal confessa-se, de fato, como mal pela afirmação de que opera segundo sua
interior lei e boa consciência, em oposição ao universal reconhecido. Com efeito,
se essa lei e boa consciência não fosse a lei de sua singularidade e arbitrariedade,
não seria algo de interior, de próprio; mas o universalmente reconhecido.
Portanto, quem diz que age contra os outros segundo sua lei e boa consciência, diz
de fato que os maltrata. Contudo, a boa consciência efetiva não é esse persistir no
saber e querer, que se opõe ao universal; mas o universal é o elemento de seu
ser-aí e sua linguagem exprime seu agir como o dever reconhecido.

Mas tampouco o persistir da consciência universal em seu juízo é


desmascaramento e dissolução da hipocrisia. Ao denunciar a hipocrisia como
má, baixa, etc. a consciência universal apela nesses juízos para a sua própria lei,
como a má consciência para a lei que é sua. Pois uma entra em oposição com a
outra, e por isso se mostra como uma lei particular. Não tem, pois, nenhuma
vantagem sobre a outra, mas antes a legitima; e esse zelo faz precisamente o
contrário do que imagina fazer, isto é, mostrar como algo não reconhecido o que
chama verdadeiro dever e que deve ser reconhecido universalmente. Assim
fazendo, confere à outra o igual direito do ser para si.

Entretanto esse juízo moral tem ao mesmo tempo outro lado, pelo qual se torna a
introdução ao desenlace da oposição existente. A consciência do universal não se
comporta como uma consciência efetiva e operante contra a primeira
consciência, pois esta é antes o efetivo. Comporta-se porém em oposição a ela
como algo que não ficou retido na oposição da singularidade e da universalidade
que se introduz no agir. Permanece na universalidade do pensamento, comporta-
se como consciência que apreende, e sua primeira ação é somente o juízo.
Mediante esse juízo, como já se observou, ela se coloca ao lado da primeira; e
esta, graças a essa igualdade, chega à contemplação de si mesma nessa outra
consciência.

Pois a consciência do dever se comporta como apreendente, passivamente. Mas


por isso está em contradição consigo, enquanto vontade absoluta do dever; em
contradição consigo, enquanto é o que se determina pura e simplesmente por si
mesmo. Ela se preservou bem na pureza, por não operar; é a hipocrisia que quer
que se tome por ato efetivo o julgar, e demonstra a retidão pelo proclamar de
excelentes intenções, em vez de mostrá-la pela ação. Ela é assim constituída em
tudo e por tudo, como aquela consciência que se critica por colocar o dever
somente em seu discurso. Em ambas, o lado da efetividade é igualmente diverso
do discurso: em uma, pelo fim egoístico da ação; na outra, pela ausência do agir
em geral. A necessidade do agir reside no próprio falar do dever, pois dever sem
ato não possui absolutamente nenhuma significação.

Mas o julgar deve ser considerado também como uma ação positiva do
pensamento, e tem um conteúdo positivo. Por esse lado, se torna ainda mais
completa a contradição que está presente na consciência apreendente, e sua
igualdade com a primeira consciência. A consciência operante exprime como
dever esse seu agir determinado, e a consciência judicante não pode desmenti-la
nisto, porque o dever mesmo é a forma carente de conteúdo e capaz de qualquer
conteúdo. Por outras palavras: a ação concreta, em si mesma diversa em sua
multilateralidade, contém nela tanto o lado universal, que é aquele que se tomou
por dever, - como o lado particular, que constitui a quota-parte e o interesse do
indivíduo na ação. A consciência judicante agora não se situa naquele lado do
dever, nem no saber do operante pelo motivo de que seja esse seu dever, a
condição e o estatuto de sua efetividade. Ao contrário, ela se atém ao outro lado,
joga a ação para o interior, e a explica por sua intenção - que é diferente da ação
mesma - e por sua motivação egoística.

Como toda a ação é susceptível de ser considerada em sua conformidade com o


dever, assim também é susceptível dessa outra consideração da particularidade;
porque, como ação, é a efetividade do indivíduo. Esse juízo coloca pois a ação
fora de seu ser-aí, e a reflete no interior ou na forma da particularidade própria.
Se a ação vai acompanhada pela fama, o juízo sabe esse interior como ambição
de glória, etc. Se a ação se ajustar, em geral, à condição do indivíduo sem ir
além dela, e for de tal modo constituída que a individualidade não assuma o status
como uma determinação externa, suspensa a ela, mas preencha por si mesma
essa universalidade mostrando-se, por isso mesmo, capaz de algo mais elevado, -
então o juízo saberá o interior dela como cobiça da honra, etc. Como na ação,
em geral, o operante alcança a intuição de si mesmo na objetividade, ou o
sentimento de si mesmo em seu ser-aí, e assim chega ao gozo - do mesmo modo
o juízo sabe o interior como impulso para a felicidade própria, mesmo que ela só
consista na vaidade moral interior, no gozo da consciência da própria excelência,
e na prelibação da esperança de uma felicidade futura.

Nenhuma ação pode escapar a tal julgar, porque o dever pelo dever - esse fim
puro - é o inefetivo; no agir da individualidade é que tem sua efetividade, e por
isso a ação possui nela o lado da particularidade. Ninguém é herói para seu
criado de quarto; não porque o herói não seja um herói, mas porque o criado de
quarto é criado de quarto, com quem o herói nada tem a ver enquanto herói, mas
só enquanto homem que come, bebe e se veste; quer dizer, em geral, como
homem privado, na singularidade da necessidade e da representação. Do mesmo
modo, para o julgamento não há ação em que ele não possa contrapor o lado da
singularidade e da individualidade, ao lado universal da ação, e desempenhar
para com aquele que age o papel de criado de quarto da moralidade.

Essa consciência judicante é, ela mesma, vil, porque divide a ação, produz e fixa
sua desigualdade consigo mesma. Além disso, é hipocrisia, porque não faz passar
tal julgar por outra maneira de ser mau, e sim pela consciência reta da ação.
Nessa sua inefetividade e vaidade do saber-bem e saber melhor, coloca-se a si
mesma acima dos fatos desdenhados, e quer que suas palavras inoperantes
sejam tomadas por uma efetividade excelente.

Portanto a consciência, fazendo-se desse modo igual ao que opera, e que é


julgado por ela, é reconhecida por esse como lhe sendo idêntica. O que-opera
encontra-se não só apreendido por aquela consciência como um estranho e
desigual a ela, mas antes acha a consciência igual a ele por sua própria estrutura.
Contemplando essa igualdade e proclamando-a, confessa-se a ela, e espera
igualmente que o Outro, como se colocou de fato no mesmo nível que ela, repita
também sua fala, exprima nela sua igualdade; e que se produza o ser-aí
reconhecente. Sua confissão não é uma humilhação, vexame, aviltamento
perante o Outro, uma vez que esse declarar não é a declaração unilateral, pela
qual pusesse sua desigualdade com o Outro; ao contrário, a consciência operante
só se declara por causa da intuição da igualdade do Outro com ela; de sua parte
enuncia sua igualdade na confissão, e a enuncia porque a linguagem é o ser-aí do
espírito como Si imediato. Espera assim que o Outro contribua com o seu para
esse ser-aí.

Mas à confissão do malvado: Sou eu quem fez isto, não se segue essa réplica da
igual confissão. Não era isso o que a consciência judicante entendia; muito pelo
contrário. Ela repele de si essa solidariedade; é o coração duro, que é para si, e
rejeita a continuidade com o Outro. Assim, a cena se inverte. A consciência que
se confessava vê-se rejeitada, e vê na injustiça o Outro, que se recusa a sair de
seu interior para o ser-aí do discurso, e que opõe a beleza de sua alma ao
malvado; mas à confissão opõe o pescoço duro do caráter sempre igual a si
mesmo, e o mutismo de guardar-se para si mesmo e não se rebaixar perante
outro.

Aqui se dá a suprema revolta do espírito certo de si mesmo; pois ele se


contempla como esse simples saber do Si no Outro; e na verdade, de modo que a
figura extrema desse Outro não seja, como na riqueza, o carente de essência,
não seja uma coisa; - ao contrário o que se contrapõe aqui ao espírito é o
pensamento, o saber mesmo. Ora. é essa a continuidade absolutamente fluida do
puro saber, que se recusa a estabelecer sua comunicação com ele; - com ele,
que em sua confissão já tinha renunciado ao ser para si separado, e se pusera
como particularidade suprassumida, e portanto como a continuidade com o
Outro, como Universal.

Contudo, o Outro retém nele mesmo seu ser para si que não se comunica; e no
penitente retém justamente o mesmo que, aliás, já foi por este rejeitado. Mostra-
se, assim, como consciência abandonada pelo espírito, e que renega o espírito; já
que não reconhece que o espírito, na certeza absoluta de si mesmo, é o senhor de
todo o ato e efetividade, e que pode rejeitá-los e fazê-los não acontecidos. Ao
mesmo tempo, não reconhece a contradição, que comete, não deixando que a
rejeição ocorrida no discurso conte pelo verdadeiro rejeitar, enquanto ela
mesma tem a certeza de seu espírito, não em uma ação efetiva, e sim em seu
interior; e tem o ser-aí desse interior no discurso de seu julgamento. Portanto é
ela mesma que impede o retorno do Outro, desde o ato ao ser-aí espiritual do
discurso, e à igualdade do espírito: e por essa dureza produz a desigualdade que
ainda está presente.

Agora, enquanto o espírito, certo de si mesmo como bela alma, não possuir a
força da extrusão do saber de si mesmo que se mantém em si, não pode alcançar
a igualdade com a consciência rejeitada, e sim tampouco a unidade contemplada
dele mesmo no Outro, nem o ser-aí. Portanto, a igualdade só se efetua
negativamente, como um ser carente de espírito. A bela alma, carente de
efetividade, vive na contradição entre seu puro Si e a necessidade que ele tem de
extrusar-se para tornar-se ser e converter-se em efetividade, na imediatez dessa
oposição consolidada; uma imediatez que é só o meio-termo e a reconciliação da
oposição elevada à sua abstração pura, e que é o puro ser ou o vazio nada. Essa
bela alma portanto, como consciência dessa contradição de sua imediatez não
reconciliada, é transtornada até à loucura, e definha em tísica nostálgica. Com
isso abandona, de fato, o duro obstinar-se do seu ser para si; mas produz somente
a unidade – carente de espírito - do ser.

A igualação verdadeira, isto é, consciente de si e ai essente, já está contida,


segundo sua necessidade, no que precede. O romper do coração duro e sua
elevação à universalidade, é o mesmo movimento que estava expresso na
consciência que se confessava. As feridas do espírito curam sem deixar
cicatrizes. O fato não é O imperecível, mas é reabsorvido pelo espírito dentro de
si; o que desvanece imediatamente é o lado da singularidade presente no fato -
seja como intenção, seja como negatividade e limitação aí essente do fato. O Si
efetivante - a forma da sua ação - é só um momento do todo, e igualmente o
saber que pelo juízo determina e que fixa a distinção entre o lado singular e o
universal do agir. Aquele malvado põe essa extrusão de si, ou se põe como
momento, ao ser atraído, para o ser-aí que se confessa, pela visão de si mesmo
no Outro. Mas para esse Outro deve romper-se seu juízo unilateral e não
reconhecido, assim como para o primeiro o que deve romper-se é seu ser-aí
unilateral e não reconhecido. Como um demonstra a potência do espírito sobre
sua efetividade, assim o outro demonstra a potência sobre seu conceito
determinado.

Aliás, esse que ouve a confissão renuncia ao pensamento divisor e à dureza do


ser para si que se lhe aferra, porque de fato se contempla no primeiro que se
confessa. Esse que se desfaz de sua efetividade, e se torna um este suprassumido,
apresenta-se assim, de fato, como universal. De sua efetividade exterior retoma
a si como essência: por isso a consciência universal nele se reconhece a si
mesma.

O perdão, que concede à primeira consciência, é a renúncia a si mesma - à sua


essência inefetiva, à qual equipara a outra consciência que era o agir efetivo.
Agora reconhece como bem o que era chamado mal, pela determinação que o
agir recebia no pensamento; ou, melhor dito, abandona tanto essa diferença do
pensamento determinado como seu juízo determinante para si essente, assim
como a outra consciência abandona o determinar, para si essente, da ação. A
palavra da reconciliação é o espírito ai essente, que contempla o puro saber de si
mesmo, como da essência universal em seu contrário, - no puro saber de si como
singularidade absolutamente essente dentro de si: um recíproco reconhecer, que
é o espírito absoluto.

O espírito absoluto só entra no ser-aí no ponto culminante, onde seu puro saber de
si mesmo é a oposição e permuta consigo mesmo. Sabendo que seu puro saber é
a essência abstrata, ele é esse dever que sabe: em absoluta oposição com o saber
que sabe ser ele próprio a essência, como singularidade absoluta do Si. O
primeiro saber é a continuidade pura do universal: ele sabe que a individualidade,
sabedora de si como a essência, é o nulo, é o mal. Ao contrário, o segundo saber
é a discrição absoluta, que sabe a si mesma absoluta em seu puro Uno, e sabe
aquele universal como o inefetivo, como o que é só para Outros. Os dois lados
são refinados até essa pureza, onde neles não há mais nenhum ser-aí carente de
si, nenhum negativo da consciência; mas um lado, o dever, é o caráter - que
permanece igual a si - do seu saber de si mesmo; o outro lado é o mal, que tem
igualmente seu fim em seu ser dentro de si, e sua efetividade em seu discurso. O
conteúdo desse discurso é a substância do seu subsistir; o discurso é a asseveração
da certeza do espírito dentro de si mesmo.
Os dois espíritos certos de si mesmos não têm outro fim que seu puro Si, nem
outra realidade e ser-aí a não ser, justamente, esse puro Si. Mas ainda são
diversos; e a diversidade é a diversidade absoluta, por estar posta no elemento do
puro conceito. Aliás, não é uma diversidade só para nós, senão para os conceitos
mesmos que estão nessa oposição. Com efeito, esses conceitos são na verdade
reciprocamente determinados, mas ao mesmo tempo universais em si, de sorte
que enchem todo o âmbito do Si; e esse Si não tem outro conteúdo senão sua
determinidade, que nem vai além dele, nem é mais restrita que ele. Pois uma das
determinações - o absolutamente universal - é tanto o puro saber se a si mesmo,
quanto a outra é a absoluta discrição da singularidade: e ambas são somente esse
puro saber-se. As duas determinidades são, assim, os conceitos puros que sabem,
cuja determinidade mesma é imediatamente saber, ou cujo relacionamento e
oposição é o Eu. Por isso elas são, uma para a outra, esses absolutamente
Opostos: é o perfeitamente interior, que dessa maneira se contrapõe a si mesmo
e entra no ser-aí: as duas determinidades constituem o puro saber que mediante
essa oposição é posto como consciência. Mas não é ainda consciência de si:
obtém essa efetivação no movimento dessa oposição. Com efeito, essa oposição
é antes a continuidade indiscreta e igualdade do Eu = Eu, e cada Eu para si,
justamente se suprassume em si mesmo, por meio da contradição de sua pura
universalidade, que ao mesmo tempo ainda resiste à sua igualdade com o outro, e
dali se separa.

Mediante tal extrusão, esse saber cindido em seu ser-aí retorna à unidade do Si; é
o Eu efetivo, o saber universal de si mesmo em seu Contrário absoluto, no saber
essente dentro de si, que devido à pureza de seu isolado ser dentro de si é ele
mesmo o perfeitamente universal. O sim da reconciliação - no qual os dois Eus
abdicam de seu ser-aí oposto - é o ser-aí do Eu expandindo-se em dualidade, e
que aí permanece igual a si; e que em sua completa extrusão e em seu perfeito
contrário, tem a certeza de si mesmo: é o deus que se manifesta no meio
daqueles que se sabem como sendo o puro saber.
VII - A Religião

Nas figuras até agora vistas, que se distinguiam em geral como consciência,
consciência de si, razão e espírito, decerto já se apresentou também a religião
como consciência da essência absoluta em geral - mas só do ponto de vista da
consciência, que é consciente da essência absoluta. Contudo, naquelas formas
não aparecia a essência absoluta em si e para si mesma, não aparecia a
consciência de si do espírito.

Já a consciência enquanto é entendimento se torna consciência do suprassensível,


ou do interior do ser-aí objetivo. Mas o suprassensível, eterno - ou como aliás
queiram chamá-lo -, é carente de si: é apenas inicialmente o universal que ainda
está muito longe de ser o espírito que se sabe como espírito.

Depois, era a consciência de si, que na figura da consciência infeliz tem sua
implementação; - era somente a dor do espírito lutando por chegar de novo à
objetividade, mas sem consegui-la. A unidade da consciência de si singular e de
sua essência imutável, a que se dirige, permanece portanto um além da
consciência infeliz. O ser-aí imediato da razão, que para nós brota dessa dor, e
suas figuras peculiares, não têm religião: porque sua consciência de si se sabe -
ou se busca - no imediato Presente.

No mundo ético, ao contrário, víamos uma religião, e, na verdade, a religião do


mundo ctônico. Essa religião é a crença na noite do destino, assustadora e
desconhecida, e na Eumênide do espírito que partiu. Aquela crença é a
negatividade pura sob a forma da universalidade; esta Eumênide é a negatividade
na forma da singularidade. A essência absoluta, nessa última forma, é, sem
dúvida, o Si, e algo presente - como o Si não existe de outra maneira; - só que o Si
singular é esta sombra singular, que separou de si a universalidade que é o
destino. Na verdade, é sombra, um Este suprassumido e, por isso, Si universal;
mas aquela significação negativa ainda não se mudou nessa significação positiva,
e, por isso, ao mesmo tempo, o Si suprassumido ainda significa, imediatamente,
esse particular e carente de essência. Mas o destino, sem o Si, permanece a noite
carente de consciência que não chega à distinção dentro dela, nem à clareza do
saber de si mesma.

Essa crença no nada da necessidade e no mundo ctônico torna-se a crença no


céu, uma vez que o Si separado tem de unir-se à sua universalidade, nela
desdobrar o que contém, e assim vir a ser claro a si mesmo. Tínhamos porém
visto que esse reino da fé somente no elemento do pensar desdobrava seu
conteúdo sem o conceito e por isso soçobrava em seu destino, a saber, na religião
do Iluminismo. Nessa religião se reinstaura o Além suprassensível do
entendimento, mas de modo que a consciência de si fica satisfeita no aquém, e
não sabe nem como Si, nem como potência o além suprassensível, o Além vazio
que não há que reconhecer nem temer.

Enfim, na religião da moralidade, se estabelece de novo que a essência absoluta


é um conteúdo positivo; no entanto, esse conteúdo está unido à negatividade do
Iluminismo. É ele um ser, que igualmente retomou ao Si, e aí permanece
encerrado; e é um conteúdo diferenciado cujas partes são negadas tão
imediatamente como são estabelecidas. Contudo o destino no qual sucumbe esse
movimento contraditório, é o Si consciente de si como sendo o destino da
essencialidade e da efetividade.

Na religião, o espírito sabedor de si mesmo é imediatamente sua própria


consciência de si pura. As figuras do espírito que foram consideradas, A - o
espírito verdadeiro, B- o espírito alienado de si mesmo, e C - o espírito certo de si
mesmo, - constituem, em conjunto, o espírito em sua consciência o qual,
confrontando-se ao seu mundo, nele não se reconhece. Mas na boa consciência,
o espírito submete a si tanto seu mundo objetivo em geral quanto também sua
representação e seus conceitos determinados; e é consciência de si essente junto
de si. Nela o espírito, representado como objeto, tem para si a significação de ser
o espírito universal, que em si contém toda a essência e toda a efetividade.
Contudo, o espírito não está na forma de livre efetividade ou da natureza que se
manifesta de modo independente. Tem, sem dúvida, figura ou a forma do ser,
enquanto é objeto da sua consciência; mas como esta na religião está posta na
determinação essencial de ser consciência de si, é a figura perfeitamente
translúcida para si mesma; e a efetividade que o espírito contém está nele
encerrada - ou está suprassumida nele - justamente na maneira como dizemos
toda a efetividade: trata-se da efetividade universal pensada.

Assim, enquanto na religião a determinação da consciência peculiar do espírito


não tem a forma do livre ser Outro, seu ser-aí é distinto de sua consciência de si,
e sua efetividade peculiar incide fora da religião. É, na verdade, um só o espírito
de ambas, mas sua consciência não abarca a ambas de uma vez; - e a religião
aparece como uma parte do ser-aí, e do agir e ocupar-se - sendo sua outra parte
a vida em seu mundo efetivo.

Como nós agora sabemos que o espírito no seu mundo, e o espírito consciente de
si como espírito - ou o espírito na religião - são o mesmo, a perfeição da religião
consiste em que os dois espíritos se tornem iguais um ao outro; não apenas que a
efetividade seja compreendida pela religião, mas inversamente, que o espírito -
como espírito consciente de si - se torne efetivo e objeto de sua consciência.
Na medida em que o espírito na religião se representa para ele mesmo, ele é
certamente consciência, e a efetividade incluída na religião é a figura e a
roupagem de sua representação. Mas nessa representação não se atribui à
efetividade seu pleno direito, a saber, o direito de não ser roupagem apenas, e
sim um ser-aí livre independente. Inversamente, por lhe faltar sua perfeição em
si mesma, é uma figura determinada, que não atinge o que deve apresentar: isto
é, o espírito consciente de si mesmo.

Para poder exprimir o espírito consciente de si, sua figura não deveria ser outra
coisa que ele; e ele deveria manifestar-se, ou ser efetivo, tal como é em sua
essência. Só assim também seria alcançado o que parece ser a exigência do
contrário; a saber, que o objeto de sua consciência tenha ao mesmo tempo a
forma de efetividade livre. Mas só o espírito, que para si é objeto como espírito
absoluto, tanto é para si uma efetividade livre, quanto aí permanece consciente
de si mesmo.

1- Como primeiro se distinguem a consciência de si e a consciência


propriamente dita - a religião e o espírito em seu próprio mundo, ou o ser-aí do
espírito - assim este ser-aí consiste na totalidade do espírito enquanto expõe a si
seus momentos como dissociando-se uns dos outros e cada um para si.

2- Ora, estes momentos são: a consciência, a consciência de si, a razão e o


espírito, quer dizer, o espírito como espírito imediato, que não é ainda a
consciência do espírito. Sua totalidade tomada em conjunto constitui o espírito em
seu ser-aí mundano, em geral; o espírito como tal contém as figuras precedentes
nas determinações gerais, nos momentos acima designados. A religião pressupõe
todo o curso desses momentos, e é a totalidade simples ou o Si absoluto dos
mesmos. De resto, não há que representar no tempo o curso desses momentos
em referência à religião. Só está no tempo o espírito total; e as figuras que são
figuras do espírito total, como tal, se apresentam em uma sucessão temporal
porque somente o todo tem efetividade propriamente dita, e por isso tem a forma
da pura liberdade perante o Outro - forma que se exprime como tempo. Porém
os momentos do todo - consciência, consciência de si, razão e espírito - por
serem momentos, não têm ser-aí distinto um do outro.

3- Em terceiro lugar, assim como o espírito se distinguia de seus momentos,


ainda se deve distinguir, desses momentos mesmos, sua determinação
singularizada. Nós vimos, sem dúvida, cada um daqueles momentos diferenciar-
se nele mesmo em um curso próprio, e em figuras diversas; como por ex. na
consciência se distinguia a certeza sensível e a percepção. Esses últimos lados se
separam um do outro no tempo, e pertencem a um todo particular. Com efeito, o
espírito desce de sua universalidade através da determinação para a
singularidade. A determinação ou meio-termo é consciência, consciência de si,
etc. A singularidade, contudo, constituem-na as figuras desses momentos; elas
apresentam, pois, o espírito em sua singularidade ou efetividade, e se distinguem
no tempo; mas de tal modo que a figura seguinte contém nela as anteriores.

Portanto, se a religião é a perfeição do espírito, ao qual seus momentos singulares


- consciência, consciência de si, razão e espírito - retomam e retomaram como
ao seu fundamento, eles em conjunto constituem a efetividade ai essente do
espírito total, que é somente como O movimento que diferencia esses seus lados
e a si retoma. O vir a ser da religião em geral está contido no movimento dos
momentos universais.

Ora, como cada um desses atributos foi apresentado não apenas como se
determina em geral, mas como é em si e para si - quer dizer, como ele segue seu
curso dentro de si mesmo como um todo - e por isso o que surge aqui não é
somente o vir a ser da religião em geral; mas aqueles processos completos dos
lados singulares contêm, ao mesmo tempo, as determinidades da religião
mesma.

O espírito total, o espírito da religião, é por sua vez o movimento desde sua
imediatez até alcançar o saber do que ele é em si ou imediatamente; e o
movimento de conseguir que a figura, em que o espírito aparece para sua
consciência, seja perfeitamente igual à sua essência, e que ele se contemple tal
como é. Nesse vir a ser, o espírito está assim em figuras determinadas, que
constituem as diferenças desse movimento; ao mesmo tempo, a religião
determinada tem por isso igualmente um espírito efetivo determinado. Se
portanto ao espírito que se sabe pertencem, em geral, consciência, consciência
de si, razão e espírito, assim pertencem às figuras determinadas do espírito que se
sabe as formas determinadas que dentro da consciência, da consciência de si, da
razão e do espírito, se desenvolveram em cada qual de modo particular. A figura
determinada da religião extrai para seu espírito efetivo, das figuras de cada um
de seus momentos, aquela que lhe corresponde. A determinidade única da
religião penetra por todos os lados de seu ser-aí efetivo, e lhes imprime esse
caráter comum.

Dessa maneira, agora se ordenam as figuras que tinham surgido até aqui,
diversamente de como apareciam em sua série. Sobre esse ponto precisa antes
fazer notar brevemente o indispensável. Na série considerada, cada momento
aprofundando-se em si mesmo se modelava, dentro de seu princípio peculiar, em
um todo; e o conhecer era a profundeza - ou o espírito - em que possuíam sua
substância os momentos que para si não tinham subsistência alguma.
No entanto, a partir de agora, essa substância se fez patente: ela é a profundeza
do espírito certo de si mesmo, que não permite ao princípio singular isolar-se e
fazer-se um todo dentro de si mesmo: ao contrário, reunindo e mantendo juntos
todos esses momentos dentro de si, avança em toda essa riqueza de seu espírito
efetivo, e todos os seus momentos particulares tomam e recebem em comum
dentro de si a igual determinidade do todo. Esse espírito certo de si mesmo, e seu
movimento, é sua verdadeira efetividade e o ser em si e para si que a cada
Singular corresponde.

Se assim a série única até aqui considerada, no seu desenrolar marcava nela com
nós os retrocessos, mas retomava desses nós a marcha única para frente, agora é
como se estivesse quebrada nesses nós - os momentos universais - e rompida em
muitas linhas. Essas linhas, reunidas em um único feixe, se juntam
simetricamente, de modo que coincidam as diferenças homologas em que se
moldou, dentro de si, cada linha particular.

Aliás é por si mesmo evidente, do conjunto da exposição, segundo a qual se há de


entender aqui a coordenação das direções gerais, que se torna supérfluo fazer a
observação de que essas diferenças essencialmente só devem ser tomadas como
momentos do vir a ser, e não como partes. No espírito efetivo, são atributos de
sua substância; mas na religião são antes somente predicados do sujeito.
Igualmente, em si ou para nós, certamente estão contidas todas as formas em
geral no espírito e em cada espírito; mas no que se refere à efetividade do
espírito, só importa saber qual é, em sua consciência, a determinidade na qual ele
exprime o seu Si; ou em que figura o espírito sabe sua essência.

A distinção que foi feita entre o espírito efetivo e o que se sabe como espírito, ou
entre si mesmo como consciência e como consciência de si, está suprassumida
no espírito que se sabe segundo sua verdade: sua consciência e sua consciência
de si estão igualadas. Como porém a religião é aqui somente imediata, essa
diferença ainda não retomou ao espírito. O que está posto é só o conceito da
religião; conceito em que a essência é a consciência de si, que é para si toda a
verdade e contém nessa verdade toda a efetividade. Essa consciência de si tem,
como consciência, a si mesma por objeto. O espírito, que só se sabe
imediatamente, é assim para si o espírito na forma da imediatez; e a
determinidade da figura em que aparece para si, é a do ser.

Na verdade, esse ser não é preenchido nem com a sensação nem com a matéria
multiforme, nem com quaisquer outros unilaterais momentos, fins e
determinações; senão que é preenchido com o espírito e é conhecido de si
mesmo como sendo toda a verdade e efetividade. Tal preenchimento, dessa
maneira, não é igual à sua figura: o espírito, como essência, não é igual à sua
consciência. Só como espírito absoluto ele é efetivo, enquanto para si está
também em sua verdade, como está na certeza de si mesmo, ou seja: os
extremos em que se divide como consciência estão um para o outro na figura de
espírito.

A figuração, que o espírito assume como objeto de sua consciência, fica


preenchida pela certeza do espírito como pela sua substância; mediante esse
conteúdo desvanece o degradar-se do objeto na pura objetividade, na forma da
negatividade da consciência de si. A unidade imediata do espírito consigo mesmo
é a base, ou pura consciência, no interior da qual a consciência se dissocia em
sujeito e objeto. Dessa maneira encerrado em sua pura consciência de si, o
espírito não existe na religião como o criador de uma natureza em geral; mas o
que produz nesse movimento são suas figuras como espíritos, que em conjunto
constituem a plenitude de sua manifestação. Esse movimento mesmo é o vir a
ser de sua completa efetividade, através de seus lados singulares, ou seja, através
de suas efetividades incompletas.

A primeira efetividade do espírito é o conceito da religião mesma, ou a religião


como imediata, e, portanto, natural; nela o espírito se sabe como seu próprio
objeto em figura natural ou imediata. Mas a segunda efetividade é
necessariamente aquela em que o espírito se sabe na figura da naturalidade
suprassumida, ou seja, na figura do Si. Assim, essa efetividade é a religião da
arte; pois a figura se eleva à forma do Si, por meio do produzir da consciência, de
modo que essa contempla em seu objeto o seu agir ou o Si. A terceira
efetividade, enfim, suprassume a unilateralidade das duas primeiras: o Si é tanto
um imediato quanto a imediatez é Si. Se na primeira efetividade o espírito está,
em geral, na forma da consciência; na segunda, na forma da consciência de si;
então na terceira está na forma da unidade de ambas: tem a figura do ser em si e
para si; e assim, enquanto está representado como é em si e para si, é a religião
revelada.

Mas embora o espírito certamente alcance na religião revelada sua figura


verdadeira, justamente sua figura mesma e a representação ainda são o lado não
superado, do qual o espírito deve passar ao conceito, para nele dissolver
totalmente a forma da objetividade: - nele que inclui dentro de si igualmente esse
seu contrário. É então que o espírito abarcou o conceito de si mesmo, como nós
somente o tínhamos inicialmente captado; e sua figura - ou o elemento de seu
ser-aí - enquanto é o conceito, é o espírito mesmo.

A - A RELIGIÃO NATURAL
O espírito, que sabe o espírito, é consciência de si mesmo, e é para si na forma
de algo objetivo; ele é - e ao mesmo tempo, é o ser para si. O espírito é para si, é
o lado da consciência de si, e na verdade, em contraste com o lado de sua
consciência, ou com o lado do referir-se a si como objeto. Está na sua
consciência a oposição e, por isso, a determinidade da figura em que o espírito se
manifesta e se sabe. Nessa consideração da religião só se trata dessa
determinação, pois já se produziu sua essência não figurada ou seu conceito puro.
Porém a diferença entre a consciência e consciência de si recai, ao mesmo
tempo, no interior dessa última: a figura da religião não contém o ser-aí do
espírito, nem enquanto ele é natureza, livre do pensamento, nem enquanto é
pensamento, livre do ser-aí; mas essa figura é o ser-aí mantido no pensar, assim
como é um Pensado que para si é aí.

Distingue-se uma religião de outra de acordo com a determinidade dessa figura


em que o espírito se sabe. Mas ao mesmo tempo é mister notar que a exposição
desse seu saber sobre si, conforme essa determinidade singular, de fato não
esgota o todo de uma religião efetiva. A série das diversas religiões, que vão
produzir-se, só apresenta igualmente de novo os diversos lados de uma única
religião, e na verdade, de cada religião singular; e em cada religião ocorrem as
representações que parecem distinguir uma religião efetiva de outra. Aliás, deve-
se considerar ao mesmo tempo a diversidade também como uma diversidade da
religião.

Enquanto, pois, o espírito se encontra na diferença entre a sua consciência e a sua


consciência de si, o movimento tem a meta de suprassumir essa diferença-
capital e de dar à figura, que é objeto da consciência, a forma da consciência de
si. Mas essa diferença não está suprassumida já pelo fato de que as figuras, que
aquela consciência contém, tenham também nelas o momento do Si, e o deus
seja representado como consciência de si. O Si representado não é o efetivo.
Para que o Si, como qualquer determinação mais precisa da figura, pertença na
verdade a essa forma da consciência de si, por uma parte deve ser posta nela
mediante o agir da consciência de si; por outra parte, a determinação inferior
deve mostrar-se suprassumida e conceituada pela determinação superior. Com
efeito, o representado só deixa de ser representado e de ser estranho a seu saber,
quando o Si o produziu, e assim contempla a determinação do objeto como a sua
determinação; - portanto, se contempla no objeto.

Por meio dessa atividade, a determinação inferior ao mesmo tempo se


desvaneceu; porque o agir é o negativo, que se realiza às custas de um outro. Na
medida em que a determinação inferior ainda ocorre, é que se retirou para a
inessencialidade; assim como, inversamente, onde a inferior ainda predomina, e
contudo a superior também ocorre, uma determinação carente de si ocupa o
lugar junto da outra. Quando, pois, as diversas representações, dentro de uma
religião singular, apresentam na verdade o movimento completo de suas formas,
o caráter de cada uma é determinado pela unidade peculiar da consciência e da
consciência de si; isto é, porque a consciência de si abarca dentro de si a
determinação do objeto da consciência, ela através do seu agir se apropria
completamente dessa determinação, e a sabe como a essencial, em contraste
com as outras determinações.

A verdade da fé, em uma determinação do espírito religioso, mostra-se no fato


de que o espírito efetivo é assim constituído como a figura na qual ele se
contempla na religião; como por exemplo, a encarnação de Deus que tem lugar
na religião oriental, não tem verdade, porque seu espírito efetivo é sem essa
reconciliação. Não tem aqui cabimento retroceder da totalidade da determinação
para a determinação singular, e mostrar em que figura, no interior dessa
totalidade, e de sua religião particular, está contida a plenitude das demais. A
forma superior, reinstalada sob uma forma inferior, perde sua significação para
o espírito consciente de si: pertence só superficialmente a ele e à sua
representação. Deve portanto ser considerada em sua significação peculiar e ali,
onde é o princípio dessa religião particular e confirmada por seu espírito efetivo.

a - A LUMINOSIDADE

O espírito como a essência que é consciência de si, ou a essência consciente de si


que é toda a verdade e sabe toda a efetividade como a si mesma, em contraste
com a realidade que o espírito se confere no movimento de sua consciência, é
apenas o seu conceito. Esse conceito, em relação ao dia dessa plena expansão, é
a noite de sua essência: em relação ao ser-aí de seus momentos como figuras
independentes, é o mistério criador de seu nascimento. Esse mistério tem em si
mesmo sua revelação; pois o ser-aí tem nesse conceito sua necessidade, por ser o
espírito que se sabe: portanto tem em sua essência o momento de ser consciência
e de representar-se objetivamente. É o puro Eu que em sua extrusão tem em si,
como em objeto universal, a certeza de si mesmo; ou seja, esse objeto é para o
Eu a interpenetração de todo o pensar e de toda a efetividade.

Na primeira cisão imediata do espírito absoluto que se sabe, sua figura tem
aquela determinação que convém à consciência imediata, ou seja, à certeza
sensível. O espírito se contempla na forma do ser; - contudo não na forma do ser
carente de espírito, preenchido com determinações contingentes da sensibilidade
e que pertence à certeza sensível; mas é o ser preenchido pelo espírito. Ele
encerra igualmente dentro de si a forma que aparecia na consciência de si
imediata: a forma do senhor ante a consciência de si do espírito que se retira de
seu objeto.

Esse ser, que é preenchido pelo conceito do espírito, é assim a figura da relação
simples do espírito para consigo mesmo, ou a figura da carência de figura.
Devido a essa determinação, ela é a pura luminosidade do raiar do sol, que tudo
contém e tudo preenche, e que se conserva em sua substancialidade sem forma.
Seu ser Outro é o negativo igualmente simples - as trevas. Os movimentos de sua
própria extrusão, suas criações no elemento sem resistência de seu ser Outro, são
efusões de luz. São em sua simplicidade, ao mesmo tempo, seu vir a ser para si e
retorno a partir do seu ser-aí: são torrentes de fogo que devoram a figuração. A
diferença, que essa essência se dá, propaga-se de certo na substância do seu ser-
aí, e modela-se nas formas da natureza; mas a simplicidade essencial do seu
pensar vagueia nelas sem consistência e sem inteligência - amplia seus limites
até o incomensurável e dissolve, em sua sublimidade, sua beleza exaltada até o
esplendor.

O conteúdo que esse puro ser desenvolve - ou seja, seu perceber - é portanto um
jogo carente de essência naquela substância, que apenas vem à tona, sem ir a
fundo dentro de si mesmo, sem tornar-se sujeito e sem consolidar suas
diferenças por meio do Si. Suas determinações são atributos apenas, que não
adquirem independência, mas que só permanecem como nomes do Uno
plurinominal. Encontra-se revestido esse Uno com as forças multiformes do ser-
aí, e com as figuras da efetividade, como com um ornamento carente de si: são
somente mensageiros de seu poder, privados de vontade própria; são visões de
sua glória, e vozes de sua louvação.

No entanto, essa vida vacilante deve determinar-se como ser para si, e dar
consistência às suas figuras evanescentes. O ser imediato, em que essa vida se
contrapõe à sua consciência, é ele mesmo a potência negativa que dissolve suas
diferenças: é pois, em verdade, o Si; e o espírito, portanto, passa a saber-se na
forma do Si. A pura luz refrata sua simplicidade como uma infinidade de formas
separadas, e se oferece por vítima ao ser para si, de modo que o Singular tome
subsistência em sua substância.

b - A PLANTA E O ANIMAL

O espírito consciente de si, que a si retomou a partir da essência carente de figura


- ou que elevou sua imediatez até o Si em geral -, determina sua simplicidade
como uma múltipla variedade do ser para si; e é a religião da percepção
espiritual em que o espírito se desagrega na pluralidade inumerável de espíritos,
mais fracos e mais fortes, mais ricos e mais pobres.

Esse panteísmo, de início a tranquila subsistência desses átomos de espírito,


converte-se no movimento agressivo dentro de si mesmo. A inocência da religião
das flores, que é somente a representação carente de si do Si, passa à seriedade
da vida guerreira, à culpabilidade da religião dos animais; a tranquilidade e
impotência da individualidade contemplativa passam ao ser para si destruidor. De
nada serve ter retirado, às coisas da percepção, a morte da abstração, e tê-las
elevado à essência da percepção espiritual; a animação desse reino dos espíritos
tem nela essa morte, pela determinidade e a negatividade que invadem sua
inocente indiferença. Por meio delas, a dispersão em uma multiplicidade de
tranquilas figuras vegetais torna-se um movimento agressivo, em que as faz
inchar o ódio de seu ser para si.

A consciência de si efetiva desse espírito disperso é uma multidão de espíritos de


povos, isolados e insociáveis, que em seu ódio se combatem até à morte e se
tornam conscientes de figuras animais determinadas como de sua essência,
porque não são outra coisa que espíritos animais, vidas animais que se isolam
conscientes delas sem universalidade.

Mas nesse ódio desgasta-se a determinidade do ser para si puramente negativo, e,


através desse movimento do conceito, o espírito entra em outra figura. O ser para
si suprassumido é a forma do objeto que foi produzido por meio do Si; ou melhor:
é o Si produzido, desgastando-se: quer dizer, convertendo-se em coisa. Acima
desses espíritos animais que só se dilaceram, o artesão mantém sua
superioridade; sua ação não é apenas negativa, mas sim tranquila e positiva.

Assim, a consciência do espírito é agora o movimento que está acima e além do


ser-aí imediato, como do ser para si abstrato. Enquanto o Em si, por meio da
oposição, é rebaixado a uma determinidade, ele não é mais a forma própria do
espírito absoluto, mas uma efetividade, que sua consciência encontra oposta a si
como o ser-aí ordinário - e que suprassume. Ao mesmo tempo essa consciência
não é só o ser para si que suprassume, mas produz também sua representação - o
ser para si que é externado na forma de um objeto. Contudo, esse produzir ainda
não é o perfeito, mas uma atividade condicionada e o formar de um material já
dado.

c- O ARTESÃO
Assim o espírito aqui se manifesta como o artesão, e seu agir, por meio do qual
se produz a si mesmo como objeto - embora ainda não tenha captado o
pensamento de si -, é um trabalhar instintivo, como as abelhas fabricam seus
favos.

A primeira forma, por ser a imediata, é a forma abstrata do entendimento, e a


obra não está ainda, nela mesma, preenchida pelo espírito. Os cristais das
pirâmides e dos obeliscos, simples combinações de linhas retas com superfícies
planas e proporções iguais das partes - em que é eliminada a
incomensurabilidade da curva - tais são os trabalhos desse artesão da rigorosa
forma. Devido à mera inteligibilidade da forma, ela não é sua significação nela
mesma; não é o Si espiritual. As obras, assim, só recebem o espírito; ou o espírito
em si, como um espírito estranho e separado, que abandonou sua compenetração
viva com a efetividade, e como é ele mesmo morto, se aloja nesses cristais
desprovidos de vida; ou então, as obras se referem externamente ao espírito; -
como a um espírito que é aí exteriormente, e não como espírito; como à luz
nascente que projeta sobre as obras sua significação.

A divisão, de que parte o espírito do artesão - a do ser em si, que se converte no


material que ele elabora, e do ser para si, que é o lado da consciência de si que
trabalha - essa divisão em sua obra se tornou objetiva. Seu esforço ulterior deve
tender a suprassumir essa separação da alma e do corpo; a revestir e a modelar a
alma nela mesma; e, por sua vez, a infundir alma no corpo. Os dois lados, ao
serem aproximados um do outro, conservam com isso respectivamente a
determinidade do espírito representado, e do envoltório que o reveste: sua
unidade consigo mesmo contém essa oposição da singularidade e
universalidade.

Enquanto a obra se aproxima de si mesma em seus lados, com isso sucede ao


mesmo tempo também outra coisa; aproxima-se da consciência de si que
trabalha, e esta chega na obra ao saber de si, tal como é em si e para si. Mas
desse modo a obra só constitui o lado abstrato da atividade do espírito, que em si
mesmo não sabe ainda o seu conteúdo; mas sabe-o em sua obra, que é uma
coisa. O próprio artesão - o espírito total - não se manifestou ainda; mas é a ainda
íntima e recôndita essência, que só se faz presente como todo, cindida na
consciência de si ativa e em seu objeto produzido.

Portanto, a morada circundante, a efetividade externa, que só agora foi elevada à


forma abstrata do entendimento, o artesão a elabora em uma forma que tem
mais alma. Para isso, serve-se da vida vegetal, que não é mais sagrada, como o
era para o débil panteísmo anterior; mas que é tomada pelo artesão, que se
apreende como a essência para si essente, como algo utilizável; e é reduzida ao
aspecto exterior e à decoração. Mas não se utiliza inalterada, senão que o artesão
da forma consciente de si elimina, ao mesmo tempo, a efemeridade que a
existência imediata dessa vida tem nela, e aproxima suas formas orgânicas das
formas mais rigorosas e mais universais do pensamento. Ao ser deixada em
liberdade, a forma orgânica continua propagando-se na particularidade - mas ao
ser por um lado subjugada à forma do pensamento, eleva, por outro lado, a
curvas animadas essas figuras retilíneas e planas: uma combinação que se torna
a raiz da livre arquitetura.

Essa morada - o lado do elemento universal, ou da natureza inorgânica do espírito


- agora encerra dentro de si também uma figura da singularidade, que aproxima
da efetividade o espírito antes separado do ser-aí, interior ou exterior a ele; e
assim fazendo, torna a obra mais igual à consciência de si ativa. O artesão
recorre inicialmente à forma do ser para si em geral, à figura-animal. Mas na
vida animal o artesão não é mais imediatamente consciente de si, o que
demonstra ao constituir-se frente a essa vida como a força que a produz, e ao
saber-se nela como em obra sua; por isso a figura-animal é ao mesmo tempo
uma figura suprassumida, e se torna o hieróglifo de outra significação: a de um
pensamento. Por conseguinte ela não é mais usada só e inteiramente pelo
artesão, mas combinada com a figura do pensamento, com a figura humana,

No entanto, falta à obra ainda a figura e ser-aí em que o Si existe como Si: ainda
lhe falta exprimir nela mesma que encerra dentro de si uma significação interior;
falta-lhe a linguagem, o elemento em que está presente o sentido mesmo que a
preenche. Portanto a obra, embora se tenha purificado totalmente do elemento
animal, e só traga nela a figura da consciência de si, é ainda a figura muda que
necessita do raio do sol nascente para ter som, que, produzido pela luz, ainda é
somente ressonância, e não linguagem: denota apenas um Si exterior, não o Si
interior,

A esse Si exterior da figura se contrapõe a outra figura, que sinaliza ter nela um
interior. A natureza, que retoma à sua essência, rebaixa sua múltipla variedade
viva, que se individualiza e se perde em seu movimento, a um habitáculo
inessencial, que é a coberta do interior. Esse interior é ainda, de início, a
escuridão simples, o imoto, a pedra negra e informe.

As duas apresentações contêm a interioridade e o ser-aí - os dois momentos do


espírito; e as duas apresentações contêm, ao mesmo tempo, os dois momentos
em relação oposta: tanto o Si como interior, quanto o Si como exterior. Há que
unificar as duas apresentações. A alma da estátua de forma humana ainda não
deriva do interior; não é ainda a linguagem, o ser-aí que nele mesmo é interior. O
interior do ser-aí multiforme é ainda algo mudo, que não se diferencia dentro de
si mesmo; e algo ainda separado de seu exterior, a que todas as diferenças
pertencem. O artesão unifica, pois, os dois momentos da combinação da figura
natural e da figura consciente de si. Essas essências ambíguas, para si mesmas
enigmáticas - o consciente lutando com o inconsciente, o interior simples com o
exterior multiforme; a obscuridade do pensamento juntando-se com a clareza da
expressão - todos eles irrompem na linguagem de uma sabedoria profunda,
difícil de entender.

Nessa obra cessa o trabalho instintivo que, em contraste com a consciência de si,
produzia a obra carente de consciência; pois nesse trabalho se contrapõe à
atividade do artesão - que constitui a consciência de si - um interior igualmente
consciente de si que se expressa. No seu ofício, o artesão galgou por seu esforço
até à cisão de sua consciência, onde o espírito se encontra com o espírito. Nessa
unidade do espírito consciente de si consigo mesmo, na medida em que o espírito
é para si figura e objeto de sua consciência, se purificam pois suas combinações
com o modo carente de consciência da figura imediata da natureza. Esses
monstros - na figura, fala e ação - se dissolvem em uma figuração espiritual: em
um exterior que se recolhe em si; em um interior que se exterioriza a partir de si
e em si mesmo; no pensamento, que é claro ser-aí que se engendra e mantém
sua figura conforme a ele. O espírito é artista.

B - A RELIGIÃO DA ARTE

O espírito elevou sua figura, na qual é presente para sua consciência, à forma da
consciência mesma; e produz para si tal forma. O artesão abandonou o trabalho
sintético, o combinar de formas heterogêneas do pensamento e do objeto natural:
quando a figura adquiriu a forma da atividade consciente de si, o artesão se
tornou trabalhador espiritual.

Se indagamos por conseguinte qual é o espírito efetivo que na religião da arte tem
a consciência de sua essência absoluta, resulta que é o espírito ético ou o espírito
verdadeiro. Ele não é só a substância universal de todos os Singulares; mas
enquanto esta tem para a consciência efetiva a figura da consciência, isso
significa que a substância, que tem individualização, é conhecida pelos Singulares
como sendo sua própria essência e obra. A substância não é desse modo, para
eles, a luminosidade, em cuja unidade o ser para si da consciência de si só está
contido negativamente, só de maneira transitória, e nela contempla o senhor de
sua efetividade; nem é o incessante entre-devorar-se de povos que se odeiam;
nem sua subjugação a um sistema de castas, constituindo em conjunto a
aparência da organização de um todo perfeito, mas a que falta a liberdade
universal dos indivíduos. Ao contrário, esse espírito é o povo livre, no qual os
costumes constituem a substância de todos, e cuja efetividade e ser-aí, todo e
cada Singular sabe como sua vontade e seu ato.

No entanto, a religião do espírito ético é a elevação desse espírito por sobre sua
efetividade, o retomar desde sua verdade ao puro saber de si mesmo. Enquanto o
povo ético vive na imediata unidade com sua substância, e não tem nele o
princípio da singularidade pura da consciência de si, sua religião só aparece em
sua perfeição no separar-se de sua subsistência. Com efeito, a efetividade da
substância ética repousa, por um lado, em sua tranquila imutabilidade, em
contraste com o movimento absoluto da consciência de si; e por isso, no fato de
que esta ainda não retomou a si de seus costumes imperturbados, e de sua sólida
confiança. Por outro lado, na organização da consciência de si repousa em uma
pluralidade de direitos e deveres, como também na repartição nas massas dos
estamentos, e do agir particular deles que coopera para formar o todo. Por isso a
substância ética repousa em que o Singular esteja satisfeito com a limitação de
seu ser-aí, e ainda não tenha captado o pensamento sem limites de seu livre Si.
Mas aquela tranquila confiança imediata da substância retrocede à confiança em
si e à certeza de si mesmo. E a pluralidade de direitos e deveres, assim como o
agir limitado, são o mesmo movimento dialético do ético que a pluralidade das
coisas e de suas determinações. É um movimento que só encontra sua quietude e
estabilidade na simplicidade do espírito certo de si.

A consumação da eticidade ao converter-se na livre consciência de si, e o destino


do mundo ético são, portanto, a individualidade que se adentrou em si, a absoluta
leveza do espírito ético, que dissolve dentro de si todas as diferenças fixas de sua
subsistência, e as massas de sua articulação orgânica; espírito que plenamente
seguro de si chegou à alegria sem limites e ao mais livre gozo de si mesmo. Essa
certeza simples do espírito dentro de si é algo ambíguo, por ser tanto calma
subsistência e verdade firme, quanto inquietude absoluta e o perecer da eticidade.
Mas é nessa última alternativa que ela se converte, pois a verdade do espírito
ético ainda é, somente, essa substancial essência e confiança, na qual o Si não se
sabe como singularidade livre, e que assim perece nessa interioridade - ou no
libertar-se - do Si.

Assim, ao romper-se a confiança, ao quebrar-se por dentro a substância do povo,


o espírito, que era o meio-termo dos extremos inconsistentes, passa agora para o
extremo da consciência de si que se apreende como essência. Essa consciência
de si é o espírito certo dentro de si, que chora a perda de seu mundo; e agora, da
pureza do Si, produz sua essência, elevada acima da efetividade.

Em tal época surge a arte absoluta. Antes, a arte é o trabalho instintivo que,
submerso no ser-aí, trabalha para dentro e para fora dele; não tem na eticidade
livre sua substância, e por isso também não possui a livre atividade espiritual com
respeito ao Si que trabalha. Mais tarde, o espírito transcende a arte para atingir
sua suprema apresentação, a saber, não ser apenas a substância que nasceu do Si,
mas ser, em sua apresentação como objeto, este Si: não só engendrar-se de seu
conceito, mas ter seu conceito mesmo por figura, de modo que o conceito e a
obra de arte produzida se saibam mutuamente como uma só e a mesma coisa.

Assim, enquanto a substância retomou de seu ser-aí à sua pura consciência de si,
é esse o lado do conceito ou da atividade, com que o espírito se produz como
objeto. Atividade que é a forma pura; porque o Singular na obediência e serviço
éticos tanto desgastou todo ser-aí carente de consciência, e toda a determinação
fixa, como a substância mesma se tornou essa essência fluida. Essa forma é a
noite em que a substância foi traída e se transformou em sujeito; e dessa noite da
pura certeza de si mesmo é que ressuscita o espírito ético, como a figura que se
libertou da natureza e de seu ser-aí imediato.

A existência do conceito puro, para a qual o espírito fugiu de seu corpo, é um


indivíduo que o espírito escolheu para receptáculo de sua dor. Nele, o espírito está
como seu universal e sua potência, da qual sofre violência; como seu pathos, ao
qual, entregue e abandonada, sua consciência de si perdeu a liberdade. Mas
aquela potência positiva da universalidade é subjugada pelo puro Si do indivíduo,
como a potência negativa. Essa atividade pura, consciente de sua força
imperdível, luta com a essência não figurada; assenhoreando-se dela, fez do
pathos sua matéria, e se deu o conteúdo dela. Essa unidade emerge como obra: é
o espírito universal individualizado e representado.

a - A OBRA DE ARTE ABSTRATA

A primeira obra de arte, como obra imediata, é a obra abstrata e singular. Por seu
lado, tem de mover-se saindo do modo imediato e objetivo em direção da
consciência de si; enquanto essa, por outro lado, procede a suprassumir no culto a
diferença que primeiro ela se atribui em relação a seu espírito, e a produzir,
assim, a obra de arte nela mesma vivificada.

O primeiro modo, em que o espírito artístico afasta ao máximo uma da outra, sua
figura plástica e sua consciência ativa, é o modo imediato em que aquela figura é
aí como coisa em geral. A figura se cinde nela, na distinção entre a singularidade
que a figura do Si possui, e a universalidade que apresenta a essência inorgânica
em relação à figura, como seu ambiente e morada. Graças à elevação do todo
ao conceito puro, essa figura ganha sua forma pura que compete ao espírito. Não
é o cristal forma característica do entendimento, que aloja o morto ou é
iluminado pela alma que está fora; nem é a combinação - que primeiro resultou
da planta - das formas da natureza e do pensamento, cuja atividade aqui é ainda
uma imitação. Mas o conceito despoja aquilo que da raiz, da ramaria e da
folhagem está ainda aderente às formas, e as purifica em imagens onde o
retilíneo e plano do cristal é elevado a proporções incomensuráveis; a ponto que a
animação do orgânico é acolhida na forma abstrata do entendimento, e ao
mesmo tempo é preservada para o entendimento sua essência, que é a
incomensurabilidade.

Contudo, o deus que mora dentro é a pedra negra, extraída da ganga-animal e


penetrada pela luz da consciência. A figura humana despoja-se da figura animal
com que estava mesclada; o animal é para o deus apenas uma roupagem
contingente; passa ao lado de sua figura verdadeira, e não vale mais por si
mesmo, mas foi rebaixado à significação de Outro; a mero símbolo. Por isso
mesmo, a figura do deus se despoja, em si mesma, também da penúria das
condições naturais do ser-aí, e sinaliza as disposições interiores da vida orgânica,
fundidas em sua superfície e só pertencentes a esta.

A essência do deus é aliás a unidade do ser-aí universal da natureza e do espírito


consciente de si, que em sua efetividade se manifesta contrapondo-se ao
primeiro. Ao mesmo tempo, é antes de tudo uma figura singular; seu ser-aí é um
dos elementos da natureza, como sua efetividade consciente de si é um singular
espírito de povo. Mas o ser-aí universal da natureza é nessa unidade o elemento
refletido no espírito, a natureza transfigurada pelo pensamento, unida com a vida
consciente de si. A figura dos deuses tem, pois, o seu elemento de natureza como
um elemento suprassumido, como uma obscura reminiscência dentro dela. A
essência caótica e a luta confusa do livre ser-aí dos elementos - o reino a-ético
dos Titãs - são vencidos e expulsos para a orla da efetividade que se tornou clara
a si mesma, para os turvos confins do mundo que no espírito se encontra e se
acalma.

Essas divindades antigas, em que primeiro se particulariza a luminosidade


acasalando-se com as trevas - o Céu, a Terra, o Oceano, o Sol, o Fogo cego e
tifônico da Terra, etc. -, são suplantadas por figuras que nelas ainda possuem
apenas o eco apagado que recorda aqueles Titãs; mas já não são essências da
natureza, e sim claros espíritos éticos dos povos conscientes de si mesmos.

Assim, essa figura simples aboliu em si e recolheu, na individualidade tranquila, a


inquietude da singularização infinita: tanto da figura enquanto elemento da
natureza - o qual só se comporta de modo necessário como essência universal,
mas se comporta de modo contingente em seu ser-aí e movimento - quanto dela
enquanto povo que, disperso nas massas particulares do agir e nos pontos
individuais da consciência de si, tem um ser-aí multiforme de sentido e de agir.
Portanto, o momento da inquietude se contrapõe a essa individualidade tranquila:
a ela - que é a essência - se contrapõe a consciência de si que, como lugar de
nascimento da mesma, nada reteve para si senão o fato de ser atividade pura.

O que pertence à substância, o artista deu-o inteiramente à sua obra: porém a si


mesmo, como a uma individualidade determinada, não deu efetividade em sua
obra: só lhe poderia conferir a perfeição caso se extrusasse de sua
particularidade, se desencarnasse e se elevasse à abstração do agir puro. Nessa
primeira produção imediata, ainda não se reunificou a separação entre a obra e
sua atividade consciente de si; portanto a obra não é para si algo efetivamente
vivificado, mas é um todo somente junto com seu vir a ser. O que é comum na
obra de arte - ser gerada dentro da consciência e elaborada por mãos humanas -
é o momento do conceito existente como conceito, que se contrapõe à obra.

Ora, se esse conceito - como artista ou como espectador - for bastante


desinteressado para declarar a obra de arte absolutamente inspirada nela mesma;
e para esquecer a si, o autor ou contemplador, deve-se contra isso sustentar o
conceito do espírito, que não pode prescindir do momento de ser consciente de si
mesmo. Mas esse momento se contrapõe à obra, porque nessa sua primeira cisão
o conceito dá aos dois lados suas determinações abstratas recíprocas do agir e do
ser-coisa; não ocorreu ainda seu retomo à unidade donde eles provêm.

O artista experimenta assim, em sua obra, que não produziu nenhuma essência
igual a ele. Sem dúvida, de sua obra lhe retoma uma consciência, já que um
público maravilhado o honra como o espírito que é sua essência. Mas essa
inspiração, ao restituir-lhe sua consciência de si somente como admiração, é
antes uma confissão feita ao artista de que essa inspiração não se iguala a ele.
Enquanto a obra retoma ao artista como alegria em geral, o artista nela não
encontra nem a dor de sua formação e criação, nem o esforço de seu trabalho.
Pode também o público julgar ainda a obra, ou lhe oferecer sacrifícios; pode
colocar nela, seja de que maneira for, sua consciência. Se o público se põe, com
seu conhecimento, acima da obra, sabe o artista quanto seu ato vale mais que o
entender e o falar do público. Se ao contrário se põe abaixo da obra, e nela
reconhece sua essência que o domina, o artista se sabe como o senhor dessa
essência.

A obra de arte requer, pois, outro elemento de seu ser-aí; o deus exige outra saída
que essa, em que da profundeza de sua noite criadora desaba no contrário - na
exterioridade, na determinação da coisa carente de consciência de si. Esse
elemento superior é a linguagem - um ser-aí que é a existência imediatamente
consciente de si. Como a consciência de si singular é aí na linguagem, ela está
igualmente presente como um contágio universal: a completa particularização do
ser para si é, ao mesmo tempo, a fluidez e a unidade universalmente
compartilhada dos muitos Si: é a alma existente como alma.

Assim o deus, que tem a linguagem por elemento de sua figura, é a obra de arte
nela mesma inspirada, que tem imediatamente dentro de seu ser-aí a pura
atividade que se lhe contrapunha; - a ele que existia como coisa. Ou seja, a
consciência de si permanece imediatamente junto a si no objetivar-se de sua
essência. Estando assim, dentro de sua essência, junto a si mesma, é puro pensar;
ou é a devoção cuja interioridade tem ao mesmo tempo seu ser-aí no hino. O
hino conserva dentro dele a singularidade da consciência de si; e essa
singularidade, ao ser escutada, é aí ao mesmo tempo como universal. A devoção,
que em todos se acende, é a correnteza espiritual, que na multiplicidade das
consciências de si é cônscia de si como de igual agir de todos, e como de um ser
simples. O espírito, como essa consciência de si universal de todos, tem em uma
unidade sua pura interioridade, como também o ser para Outros e o ser para si
dos Singulares.

Essa linguagem se distingue de outra linguagem do deus que não é a linguagem


da consciência universal. O oráculo, seja do deus da religião da arte, seja do deus
das religiões anteriores, é a sua primeira linguagem necessária. Com efeito,
reside em seu conceito que o deus é tanto a essência da natureza quanto a do
espírito, e portanto tem um ser-aí não só natural, mas também espiritual. Na
medida em que esse momento reside somente em seu conceito e ainda não está
realizado na religião, a linguagem para a consciência de si religiosa é linguagem
de uma consciência de si estranha. A consciência de si alheia à sua comunidade
ainda não é ai, tal como o exige seu conceito. O Si é o ser para si simples, e por
isso é pura e simplesmente ser para si universal; mas aquele, que se separou da
consciência de si da comunidade, é apenas um Si singular.

O conteúdo dessa linguagem própria e singular resulta da universal


determinidade, em que o espírito absoluto é posto em sua religião em geral.
Assim o espírito universal do raiar do sol, que ainda não particularizou seu ser-aí,
enuncia sobre a essência proposições igualmente simples e universais, cujo
conteúdo substancial é sublime em sua verdade simples; mas graças a essa
universalidade, parece ao mesmo tempo trivial para a consciência de si que se
cultiva ainda mais.

O Si mais amplamente cultivado, que se eleva ao ser para si, é o senhor que
impera sobre o puro pathos da substância, sobre a objetividade da luminosidade
do sol nascente. E sabe aquela simplicidade da verdade como o em si essente,
que não tem a forma do ser-aí contingente por meio de uma linguagem estranha;
sabe-a. ao contrário como a lei segura e não escrita dos deuses, que vive
eternamente, e da qual ninguém sabe quando apareceu.

Como a verdade universal, que foi revelada pela luminosidade, aqui se retirou ao
interior ou ao mundo inferior, e por isso se subtraiu à forma do fenômeno
contingente, assim ao contrário na religião da arte - porque a figura do deus
assumiu a consciência e com isso a singularidade em geral - a linguagem própria
do deus, que é o espírito do povo ético, é o oráculo, o qual conhece a situação
particular desse povo e dá a conhecer o que é útil a respeito. Contudo, as
verdades universais por serem conhecidas como o em si essente, reivindica-as
para si o pensar que sabe, e a linguagem delas não lhe é mais uma linguagem
estranha, mas a sua própria.

Assim como aquele sábio da Antiguidade Sócrates buscava, em seu próprio


pensar, o que era bom e belo, e, pelo contrário, deixava ao demônio saber o mau
conteúdo contingente do conhecimento - se era bom para ele frequentar esta ou
aquela pessoa; ou se era bom para um conhecido fazer esta viagem, e coisas
insignificantes parecidas; - igualmente, a consciência universal tira o saber, a
respeito do contingente, dos pássaros, das árvores, ou da terra em fermentação,
cujo vapor arrebata à consciência de si sua capacidade de reflexão. Com efeito,
o contingente é o irrefletido e estranho; e a consciência ética se deixa também
assim determinar quanto a isso de uma maneira irrefletida e estranha, como por
meio de um jogo de dados.

Se o Singular se determinar por seu entendimento, e escolher com ponderação o


que lhe for útil, então, como fundamento dessa autodeterminação está a
determinidade do caráter particular. Ora, essa determinidade mesma é algo
contingente, e aquele saber do entendimento sobre o que é útil ao Singular, é
portanto um saber do mesmo tipo que o daqueles oráculos ou da loteria. Somente,
quem interroga o oráculo ou a loteria exprime com isso a disposição ética da
indiferença para com o contingente; enquanto pelo contrário, o outro trata o que é
em si contingente como o interesse essencial de seu pensar e saber. No entanto, o
superior a ambos é, na verdade, fazer da ponderação o oráculo do agir
contingente, mas saber também essa mesma ação ponderada como algo
contingente, devido a seu lado da relação ao particular e à sua utilidade.

O verdadeiro ser-aí consciente de si, que o espírito recebe da linguagem - que


não é a linguagem da consciência de si estranha e portanto contingente, não
universal- é a obra de arte que acima vimos: o hino. Ele está em contraste com o
caráter de coisa da estátua. Como a estátua é um ser-aí estático, o hino é o ser-aí
evanescente; como nesse ser-aí estático a objetividade deixada livre carece do Si
imediato próprio, assim no hino, ao contrário, fica a objetividade demasiado
encerrada no Si, chega demasiado pouco à figuração; e, tal como o tempo,
imediatamente já não é aí quando é aí.

O culto combina o movimento de dois lados, em que abandonam mutuamente


sua determinação diferente, a figura divina movida no puro elemento sensível da
consciência de si, e a figura divina em repouso no elemento da coisidade; e assim
chega ao ser-aí a unidade que é o conceito da essência divina. No culto, o Si se
proporciona a consciência da descida da essência divina desde o seu além até
ele; desse modo, a essência divina que anteriormente é o inefetivo e somente
objetivo, adquire a efetividade própria da consciência de si.

Esse conceito do culto já está, em si, contido e presente no caudal do canto dos
hinos. Essa devoção é a pura satisfação imediata do Si, por si e dentro de si
mesmo. É a alma purificada, que nessa pureza é imediatamente apenas essência
e um só com a essência. Graças à sua abstração, essa alma não é a consciência
que distingue de si seu objeto; e assim, é somente a noite de seu ser-aí, e o lugar
preparado de sua figura. Portanto, o culto abstrato eleva o Si a ser esse puro
elemento divino. A alma cumpre essa purificação conscientemente; contudo, não
é ainda o Si que descendo a suas profundezas se sabe como o mal; mas é um
essente, uma alma que purifica sua exterioridade com abluções, que a cobre de
vestes brancas; que faz sua interioridade percorrer o caminho imaginado dos
trabalhos, penas e recompensas: - o caminho da cultura em geral que extrusa a
particularidade. Através desse caminho, a alma alcança as moradas e a
comunidade da beatitude.

De início, esse culto é somente um desempenhar secreto, isto é, apenas


representado e inefetivo; deve ser ação efetiva, pois uma ação inefetiva se
contradiz a si mesma. A consciência propriamente dita se eleva, desse modo, à
sua consciência de si pura. Nela, a essência tem a significação de um objeto
livre; o qual, através do culto efetivo, retorna ao Si, e na medida em que esse
objeto tem na consciência pura a significação da essência pura que reside além
da efetividade, essa essência desce de sua universalidade através dessa mediação
até à singularidade, e se conclui assim com a efetividade.

Deste modo se determina como entram em ação os dois lados: para o lado
consciente de si, enquanto é consciência efetiva, a essência se apresenta como a
natureza efetiva; de uma parte, a natureza pertence à consciência como posse e
propriedade sua, e vale como o ser-aí não em si essente; por outra parte, a
natureza é sua própria efetividade imediata e singularidade, que pela consciência
é igualmente considerada como inessência e suprassumida.
Mas, ao mesmo tempo, aquela natureza exterior tem para sua consciência pura a
significação oposta, isto é, a de ser a essência em si essente, perante a qual o Si
sacrifica sua inessencialidade; assim como, inversamente, ele sacrifica a si
mesmo o lado inessencial da natureza. A ação é assim movimento espiritual
porque é esse processo bilateral de suprassumir a abstração da essência, tal como
a devoção determina o objeto, e convertê-lo em efetivo; e de elevar o efetivo, tal
como o agente determina seu objeto e a si mesmo, à universalidade e dentro da
universalidade.

A ação do culto mesmo começa, pois, como o puro abandono de uma posse, que
o dono aparentemente descura como de todo inútil para ele ou faz evolar-se em
fumaça. Nisso renuncia, perante a essência de sua consciência pura, à posse e ao
direito de propriedade, e ao seu gozo: renuncia à personalidade e ao retorno do
agir ao Si, e faz refletir a ação antes no universal ou na essência que em si
mesmo. Inversamente, porém, a essência essente nisso também vai por terra. O
animal que é sacrificado é o símbolo de um deus; os frutos que se comem são os
próprios Ceres e Baco, vivos. Morrem no animal as potências do direito de cima,
que têm sangue e vida efetiva; mas em Ceres e Baco, morrem as potências do
direito de baixo, que embora incruento possui misterioso e astuto poder.

Enquanto é agir, o sacrifício da substância divina pertence ao lado consciente de


si; para que seja possível esse agir, a essência deve em si já ter sacrificado a si
mesma. Ela já o fez, quando se conferiu ser-aí, e se converteu no animal singular
e no fruto. Essa renúncia, que assim a essência já consumou em si, o Si operante
apresenta no ser-aí, e para a sua consciência; e substitui essa efetividade imediata
da essência pela efetividade superior, a saber, pela efetividade de si mesmo.
Com efeito, a unidade produzida - que é o resultado de terem sido suprassumidas
a singularidade e a separação dos dois lados - não é o destino apenas negativo,
senão que tem significação positiva.

Somente à abstrata essência ctônica é que se abandona completamente o que lhe


é sacrificado, e por isso a reflexão da posse e do ser para si sobre o universal se
caracteriza como distinta do Si como tal. Mas isso, ao mesmo tempo, é só uma
parte insignificante, e o outro sacrificar é apenas a destruição do que não tem
serventia; é, antes, a preparação do que foi sacrificado para o banquete: - uma
festa que defrauda a ação de seu significado negativo. O sacrificante retém,
naquele primeiro sacrifício, a maior parte; e guarda, desse outro, o que é útil ao
seu gozo. Esse gozo é a potência negativa que suprassume tanto a essência quanto
a singularidade; e ao mesmo tempo, é a efetividade positiva, na qual o ser-aí
objetivo da essência é transformado no ser-aí consciente de si; e o Si tem a
consciência de sua unidade com a essência.
Aliás esse culto é, na verdade, uma ação efetiva; contudo sua significação só
reside mais na devoção; o que pertence à devoção não é produzido
objetivamente, assim como no gozo o resultado se defrauda de seu ser-aí.
Portanto, o culto vai mais longe e compensa tal deficiência dando à sua devoção
uma subsistência objetiva, por ser o culto o trabalho coletivo ou singular, que
cada um pode desempenhar, e que produz a morada e o adorno do deus para
honrá-lo.

Desse modo se suprassume por um lado a objetividade da estátua, pois através


dessa consagração de suas oferendas e trabalhos, o trabalhador torna o deus
benévolo a si, e contempla seu Si como pertencendo ao deus. Por outro lado,
também esse agir não é o trabalho singular do artista, mas essa particularidade é
dissolvida na universalidade. No entanto, o que se produz não é só a honra do
deus, e a bênção de sua graça não se derrama apenas na representação sobre o
trabalhador; mas o trabalho tem uma significação inversa à primeira que era a
da extrusão e da honra alheia.

As moradas e os pórticos do deus são para uso do homem; os tesouros neles


guardados são, em caso de necessidade, os seus. A honra que o deus desfruta em
seus ornamentos, é a honra do povo magnânimo e artisticamente talentoso. Na
festa, o povo adorna igualmente suas próprias residências, suas vestes e também
suas cerimônias, com graciosas decorações. Recebe, dessa maneira, por seus
dons a recompensa do deus agradecido, e as provas de sua benevolência, na qual
se uniu ao deus por meio de seu trabalho - não na esperança e em uma
efetividade futura; mas tem imediatamente o gozo de sua própria riqueza e
magnificência, nas honras tributadas e na apresentação dos dons.

b - A OBRA DE ARTE VIVA

O povo, que no culto da religião da arte se aproxima do seu deus, é o povo ético
que sabe seu Estado e as atuações do Estado como a vontade e o desempenho de
si mesmo. Esse espírito, que contrasta com o povo consciente de si, não é pois a
luminosidade, que sendo carente de si, não contém em si a certeza dos
Singulares, mas antes, é apenas sua essência universal, e a potência do senhor,
onde os Singulares desvanecem. O culto da religião dessa essência simples e sem
figura, em geral só dá a seus fiéis este retorno: de serem o povo do seu deus. Só
lhes assegura sua subsistência e substância simples em geral, mas não seu ser
efetivo, que antes é rejeitado. Pois veneram seu deus como a profundeza vazia,
não como espírito.
De outra parte, contudo, o culto da religião da arte carece dessa abstrata
simplicidade da essência, e, portanto, da profundeza da mesma. Mas a essência,
que é imediatamente unida ao Si, é em si o espírito e a verdade que sabe: -
embora ainda não seja a verdade que é sabida, ou que se sabe a si mesma em
sua profundeza. Portanto, já que a essência aqui tem nela o Si, sua manifestação
é benévola para a consciência, que no culto recebe não só a justificação
universal de sua subsistência, mas também seu ser-aí consciente nele mesmo;
assim como, inversamente, a essência não tem efetividade carente de si em um
povo rejeitado, cuja substância só é reconhecida - e sim no povo, cujo Si é
reconhecido dentro de sua substância.

Por conseguinte, do culto procede a consciência de si satisfeita em sua essência,


e o deus se aloja nela como em sua morada. Essa morada é para si a noite da
substância, ou a pura individualidade da substância; porém já não é a tensa
individualidade do artista, que ainda não se reconciliou com sua essência que se
torna objetiva, mas é a noite tranquilizada que, sem de nada ter falta, tem nela o
seu pathos porque retoma da contemplação, ou da objetividade suprassumida.
Esse pathos é, para si, a essência do raiar do sol mas que de agora em diante
declinou dentro de si: e tem em si mesmo o seu ocaso - a consciência de si - e
com isso, ser-aí e efetividade.

Neste ponto, essa essência já tem percorrido o movimento de sua efetivação.


Descendo de sua pura essencialidade até uma objetiva força da natureza e a suas
exteriorizações, é um ser-aí para o Outro: para o Si pelo qual é consumida. A
silenciosa essência da natureza carente de si atinge em seu fruto o patamar em
que, preparando a si mesma para ser servida e digerida, se oferece à vida que
tem forma de Si. Na utilidade de poder ser comida e bebida, atinge sua mais alta
perfeição, pois aí ela é a possibilidade de uma existência superior, e entra em
contato com o ser-aí espiritual. De uma parte, o espírito da terra, em sua
metamorfose, desenvolveu-se até à substância silenciosamente poderosa, e por
outra parte, até a fermentação espiritual; ou seja ali se desenvolveu no princípio
feminino da nutrição, e aqui no espírito masculino da força, que se propele, do
ser-aí consciente de si.

Assim, aquela luminosidade nascente revela nesse gozo o que ela é: o gozo é o
seu mistério. Pois o místico não é o ocultamento de um segredo ou ignorância,
mas consiste em que o Si se sabe um só com a essência; e esta é, assim,
revelada. Só o Si é manifesto a si mesmo, ou seja, o que é manifesto, só é tal na
certeza imediata de si. Nessa certeza, porém, a essência simples é posta
mediante o culto. E como coisa que se pode usar não tem somente o ser-aí, que é
visto, cheirado, saboreado; mas é também objeto do desejo, e pelo gozo efetivo
torna-se uma só Coisa com o Si; e desse modo, perfeitamente desvelada nele e
para ele manifesta. O que se diz ser manifesto à razão, ao coração, de fato é
ainda secreto, por faltar-lhe ainda a certeza efetiva do ser-aí imediato, tanto a
certeza objetiva, como a certeza gozosa: que na religião, porém, não é só a
imediata, carente de pensamento, mas é, ao mesmo tempo, a certeza que sabe
puramente o Si.

O que desse modo, mediante o culto, se tornou manifesto ao espírito consciente


de si nele mesmo, é a essência simples: por um lado, como o movimento de
emergir de seu segredo noturno à consciência, para ser sua substância que nutre
em silêncio, mas por outro lado, também, como o movimento de perder-se de
novo na noite ctônica, no Si, e de demorar-se sobre a terra apenas como
silenciosa saudade-materna. Mas o ímpeto mais forte é a plurinominal
luminosidade do sol nascente, e sua vida tumultuosa, que abandonada igualmente
por seu ser abstrato, se concentra primeiro no ser-aí objetivo do fruto, e depois,
ao entregar-se à consciência de si, nela atinge sua verdadeira efetividade; agora
vagueia de um lado para o outro, como uma horda de mulheres frenéticas:
delírio indômito da natureza em figura consciente de si.

Entretanto, o que se desvela à consciência é ainda somente o espírito absoluto,


que é essa essência simples - e não o espírito como é nele mesmo; ou seja, é
somente o espírito imediato, o espírito da natureza. Sua vida consciente de si é,
portanto, apenas o mistério do pão e do vinho - de Ceres e de Baco - e não o
mistério dos outros deuses verdadeiramente superiores, cuja individualidade
encerra em si, como momento essencial, a consciência de si como tal. Portanto,
ainda não se lhe sacrificou o espírito, como espírito consciente de si; e o mistério
do pão e do vinho não é ainda mistério da carne e do sangue.

Essa embriaguez desenfreada do deus deve acalmar-se convertendo-se em


objeto, e o entusiasmo que não chegou a ser consciência, deve produzir uma obra
que se lhe contraponha, como a estátua ao entusiasmo do artista precedente:
como uma obra igualmente perfeita, na verdade, mas não como um Si carente
de vida nele, senão como um Si vivente. Tal culto é a festa que o homem se dá
em sua própria honra, embora ainda não coloque em um culto, como esse, a
significação da essência absoluta; pois ao homem só a essência se manifestou,
não ainda o espírito: não como uma essência tal que essencialmente assume a
figura humana. Mas esse culto lança o fundamento para tal revelação, e
desdobra, um a um, seus momentos. Aqui é o momento abstrato da corporeidade
viva da essência, como anteriormente a unidade dos dois no devaneio carente de
consciência. O homem coloca, pois, no lugar da estátua, a si mesmo como figura
produzida e elaborada para o movimento perfeitamente livre; assim como a
estátua é a quietude perfeitamente livre.
Se cada Singular sabe apresentar-se pelo menos como portador de tocha, acima
deles um se eleva, que é o movimento figurado, a serena elaboração e força
fluida de todos os membros: uma obra de arte inspirada e viva, que une a
potência com sua beleza, e à qual são atribuídos, como prêmio de seu vigor, os
ornatos com que se honrava a estátua; - e a honra de ser, no meio de seu povo, a
mais alta apresentação corpórea da sua essência, em vez do deus de pedra.

Nas duas apresentações que acabamos de ver, está presente a unidade da


consciência de si e da essência espiritual; mas falta-lhes ainda seu equilíbrio. No
entusiasmo báquico, está o Si fora de si, enquanto na bela corporeidade está fora
de si a essência espiritual. Aquele embotamento da consciência e seu balbuciar
selvagem devem ser acolhidos no claro ser-aí da corporeidade, cuja clareza
carente de espírito deve ser acolhida na interioridade do entusiasmo báquico. O
elemento perfeito em que tanto a interioridade é exterior, como a exterioridade é
interior, é, mais uma vez, a linguagem; mas não é a linguagem do oráculo, de
todo contingente e singular em seu conteúdo; nem o hino, ainda emocional e
louvando somente o deus singular; nem o balbuciar, carente de conteúdo, do
frenesi báquico.

A linguagem, entretanto, ganhou seu conteúdo claro e universal: - seu conteúdo


claro porque o artista, a partir do seu primeiro entusiasmo totalmente substancial,
se elaborou até alcançar a figura, que é um ser-aí próprio e convivial, penetrado
em todos os seus movimentos pela alma consciente de si; - seu conteúdo
universal porque nessa festa, que é a glória do homem, desvanece a unilateral
idade da estátua que contém somente um espírito nacional, um caráter
determinado da divindade. O belo ginasta é, na verdade, a glória de seu povo
particular, mas é também uma singularidade corpórea na qual desapareceram a
minuciosidade e o rigor da significação, e o caráter interior do espírito que
sustém a vida particular, as disposições, as necessidades e os costumes de seu
povo. Nessa extrusão para a corporeidade perfeita, o espírito depôs as impressões
particulares, e as ressonâncias da natureza, que ele encerrava dentro de si como
o espírito efetivo do povo. Por conseguinte, seu povo não está mais consciente
nele de sua particularidade, mas antes, da abdicação dessa particularidade; está
consciente da universalidade de seu ser-aí humano.

c - A OBRA DE ARTE ESPIRITUAL

Os espíritos dos povos, que se tornam conscientes da figura de sua essência em


um animal particular, confluem em um espírito; assim reúnem-se os peculiares
belos espíritos dos povos em um único Panteão, cujo elemento e morada é a
linguagem. A pura contemplação de si mesmo como de humanidade universal
tem na efetividade do espírito do povo a forma de unir-se com os outros, com os
quais pela própria natureza constitui uma nação, para uma empresa comum;
para tal obra forma um povo-integrado e por isso um céu-coletivo.

Essa universalidade a que o espírito chega em seu ser-aí, é contudo somente a


universalidade primeira, que deriva inicialmente da individualidade do mundo
ético; não ultrapassou ainda sua imediatez, nem formou um Estado a partir dessas
tribos. A eticidade do espírito efetivo do povo repousa por um lado sobre a
confiança imediata dos Singulares no todo do seu povo, e por outro lado sobre a
parte imediata que todos tomam, apesar da diferença de estamentos, nas
decisões e ações do Governo. Essa liberdade de participação de todos e de cada
um é provisoriamente posta de lado na união que não constitui, de início, uma
ordem permanente, mas que se efetua apenas para uma ação comum. Portanto
essa primeira comunidade é mais um agrupamento de individualidades que o
domínio do pensamento abstrato que tivesse espoliado os Singulares de sua
participação consciente na vontade e ato do todo.

O agrupamento dos espíritos dos povos constitui um ciclo de figuras que agora
abarca toda a natureza, como também todo o mundo ético. Aliás esses estão sob
a hegemonia de um, mais que sob sua soberania. São, para si, as substâncias
universais daquilo que a essência consciente de si em si é e faz; mas ela constitui
a força, e inicialmente ao menos o centro em torno do qual se atarefam aquelas
essências universais, mas centro que no começo parece só unir seus
empreendimentos de forma contingente. Mas é o retorno da essência divina à
consciência de si o que já contém o motivo por que ela forma o centro daquelas
forças divinas, e de início oculta a unidade essencial sob a forma de uma relação
externa amistosa dos dois mundos.

Essa mesma universalidade, que corresponde a esse conteúdo, tem


necessariamente também a forma da consciência, sob a qual forma aparece.
Não é mais o agir efetivo do culto, mas um agir que na verdade ainda não se
elevou ao conceito mas só à representação, à conexão sintética do ser-aí
consciente de si com o ser-aí exterior. A linguagem - o ser-aí dessa representação
- é a primeira linguagem: a epopeia como tal, que contém o conteúdo universal,
ao menos como totalidade do mundo, embora não como universalidade do
pensamento.

O aedo é o Singular e o efetivo, pelo qual esse mundo é engendrado e mantido


como por seu sujeito. Seu pathos não é a força atordoante da natureza, e sim a
Mnemósina, despertar da consciência e a interioridade que veio a ser, a
recordação da essência anteriormente imediata. O aedo é o órgão evanescente
em seu conteúdo; seu próprio ser não conta, mas sua Musa, seu canto universal.
No entanto, o que está presente de fato é o silogismo em que o extremo da
universalidade, o mundo dos deuses, através do meio-termo da particularidade
está unido com a singularidade; com o aedo. O meio-termo é o povo em seus
heróis, que são homens singulares como o aedo, mas apenas representados e por
isso, ao mesmo tempo, universais; como o são o livre extremo da universalidade,
os deuses.

Apresenta-se nessa epopeia, portanto, à consciência em geral o que no culto se


efetua em si; a relação do divino com o humano. O conteúdo é uma operação da
essência consciente de si mesma. O operar perturba a quietude da substância, e
excita a essência de modo que sua simplicidade se divide e é aberta no mundo
múltiplo das forças naturais e éticas. A ação é a violação da terra tranquila; é a
fenda, que vivificada pelo sangue evoca os espíritos que partiram; os quais,
sedentos de vida, a conseguem no agir da consciência de si.

A tarefa sobre a qual se aplica o esforço universal possui os dois lados: - o lado do
Si, em que a tarefa é cumprida por um conjunto de povos efetivos e de
individualidades que se encontram à sua testa; e o lado universal, com a tarefa a
ser cumprida por suas potências substanciais. Porém a relação entre os dois lados
se determinou precedentemente assim: é a união sintética do universal e do
singular, ou seja, é o representar. Dessa determinidade depende o juízo que se faz
desse mundo.

A relação dos dois é, assim, uma mistura que divide de maneira inconsequente a
unidade do agir, e lança superfluamente a ação de um lado para outro. As
potências universais têm nelas mesmas a figura da individualidade e, por isso, o
princípio da ação: seu efetuar se mostra, portanto, como um agir totalmente
oriundo delas, tão livre quanto o agir dos homens. Por conseguinte, tanto os
deuses, como os homens, faziam uma só e a mesma coisa. A seriedade daquelas
potências divinas é uma ridícula superfluidade, já que estas potências, as
humanas são, de fato, a força da individualidade operante; e o tenso esforço e
trabalho desta individualidade humana é uma fadiga igualmente inútil, porque são
antes os deuses que dirigem tudo.

Os mortais efêmeros - que são o nada - ao mesmo tempo, são o Si poderoso que
submete a si as essências universais, ofende os deuses e lhes proporciona, em
geral, a efetividade e um interesse do agir. Assim como, inversamente, essas
impotentes universalidades, que se nutrem das dádivas dos homens e só graças a
esses têm o que fazer, são a essência natural e a matéria de todos os
acontecimentos, e igualmente a matéria ética e o pathos do agir. Se suas
naturezas elementares só são levadas à efetividade e ao relacionamento ativo por
meio do livre Si da individualidade - elas são igualmente o universal que se retira
dessa união, permanece irrestritamente em sua determinação e através da
incoercível elasticidade da sua unidade extingue o pontilhismo do elemento ativo
e suas figurações: mantém-se puro e dissolve todo o individual em sua fluidez.

Assim como os deuses recaem nessa relação contraditória com a natureza do Si,
que lhes é oposta, assim também conflita sua universalidade com sua própria
determinação, e sua relação com os outros deuses.

Os deuses são os belos indivíduos eternos que, repousando em seu próprio ser-aí,
são imunes à caducidade e à violência alheia. Ao mesmo tempo, contudo, são
elementos determinados, deuses particulares, que assim se relacionam com
outros. Mas a relação com outros, que segundo sua natureza de oposição é um
conflito com eles, é um cômico esquecimento de si mesma de sua natureza
eterna. A determinidade tem raízes na subsistência divina e possui, em sua
limitação, a independência da individualidade total; por essa independência, seus
caracteres ao mesmo tempo perdem a nitidez da peculiaridade e se misturam na
sua ambiguidade. Um fim qualquer da atividade e sua atividade mesma - porque
é dirigi da contra Outro, e por isso contra uma força divina invencível - é uma
fanfarronice vazia e contingente, que igualmente se esfuma, e que transforma a
aparente seriedade da ação em um jogo sem perigo, seguro de si mesmo, sem
resultado e sem êxito.

Mas se na natureza de sua divindade o negativo ou a determinidade dessa


natureza só se manifesta como a inconsequência de sua atividade e a contradição
do fim e do resultado; e se aquela segurança independente mantém a
preponderância sobre o determinado, então, justamente por isso, a pura força do
negativo se lhe contrapõe, e na verdade como sua última potência contra a qual
nada podem fazer os deuses. Eles são o universal e o positivo em contraste com o
Si singular dos mortais, que não pode resistir contra sua força divina. Mas o Si
universal paira com igual liberdade sobre eles, e sobre esse mundo total da
representação, ao qual todo o conteúdo pertence, como o Vazio, carente de
conceito, da necessidade, um acontecer ante o qual os deuses se comportam
como carentes de si e angustiados, porque essas naturezas determinadas não se
encontram em tal pureza.

Contudo, essa necessidade é a unidade do conceito, a que se acha submetida a


substancialidade contraditória dos momentos singulares, na qual se ordena a
inconsequência e a contingência de seu agir; e o jogo de suas ações adquire nelas
mesmas sua seriedade e valor. O conteúdo do mundo da representação
desenvolve para si sem restrições seu movimento no meio-termo, reunido em
torno da individualidade de um herói, que no entanto, em sua força e beleza sente
sua vida quebrada, e se entristece encarando uma morte prematura. Com efeito,
a singularidade, em si firme e efetiva, é excluída na extremidade, e cindida em
seus momentos, que ainda não se encontraram nem unificaram. Um momento, o
Singular, o Inefetivo abstrato, é a necessidade que não participa da vida do meio-
termo; como aliás tampouco participa o outro momento, o Singular efetivo - o
aedo - que se conserva fora dela e perece em sua apresentação. Os dois
extremos devem aproximar-se do conteúdo; um, a necessidade, tem de
preencher-se com o conteúdo; o outro, a linguagem do aedo, deve participar
dele; e o conteúdo, anteriormente abandonado a si mesmo, deve receber nele a
certeza e a firme determinação do negativo.

Essa linguagem superior, a tragédia, abarca assim mais estreitamente a dispersão


dos momentos do mundo essencial e do mundo operante. Conforme a natureza
do conceito, a substância do divino dissocia-se em suas figuras, e seu movimento
está igualmente em conformidade com o seu conceito. No que concerne a
forma, ao penetrar o seu conteúdo, a linguagem deixa de ser narrativa, assim
como o conteúdo deixa de ser um conteúdo representado. É o herói mesmo
quem fala, e a representação mostra ao ouvinte - que ao mesmo tempo é
espectador - homens conscientes de si, que sabem e sabem dizer seu direito e seu
fim; a força e a vontade de sua determinidade. São eles artistas que não
exprimem o exterior de suas decisões e empreendimentos de modo inconsciente,
natural e ingênuo, como o faz a linguagem que acompanha na vida efetiva o agir
rotineiro; mas exteriorizam a essência interior, demonstram o direito de seu agir;
e afirmam refletidamente e exprimem determinadamente, em sua
individualidade universal, o pathos a que pertencem - livre das circunstâncias
casuais e do particularismo das personalidades.

O ser-aí desses caracteres são enfim homens efetivos, que assumem os


personagens dos heróis, e os apresentam em linguagem efetiva, não narrativa,
mas própria. Como é essencial à estátua ser obra de mãos humanas, assim é
essencial o ator à sua máscara: - não como uma condição externa de que a
consideração artística deva abstrair. Ou seja: quando se diz que a consideração
artística deve absolutamente abstrair da máscara, com isso se diz justamente que
a arte ainda não contém nela o verdadeiro e próprio Si.

O terreno universal em que avança o movimento dessas figuras produzidas a


partir do conceito é a consciência da primeira linguagem representativa, e de seu
conteúdo carente de si e entregue à desagregação. É o povo comum, em geral,
cuja sabedoria encontra expressão no coro dos Anciãos. O povo tem seu
representante nessa fraqueza, já que ele mesmo constitui apenas o material
positivo e passivo da individualidade do governo que se lhe contrapõe. Faltando-
lhe a força do negativo, não tem condições de concentrar e de dominar a riqueza
e a plenitude variegada da vida divina, mas deixa dispersar os momentos, e em
seus hinos de adoração exalta cada momento singular como um deus
independente; ora um, ora outro. Porém, quando se dá conta da seriedade do
conceito - como ele avança sobre essas figuras, despedaçando-as; quando chega
a ver como se saem mal esses deuses venerados que se aventuram nesse terreno
onde impera o conceito, então o coro mesmo não é a potência negativa que
intervém atuando. Ao contrário: mantém-se no pensamento carente de si, dessa
potência, na consciência do destino estranho; e produz o vão desejo do sossego, e
o débil discurso do apaziguamento. No temor das potências superiores, que são os
braços imediatos da substância, no temor do conflito mútuo entre elas, e do Si
simples da necessidade, que tanto esmaga os deuses como os viventes que lhes
estão unidos - no compadecer com eles, que ao mesmo tempo sabe serem o
mesmo consigo - só há para o coro o temor inoperante desse movimento, o pesar
igualmente desamparado; e como fim, a paz vazia da capitulação ante a
necessidade, cuja obra não é entendida em si mesma como a necessária ação do
caráter nem como o agir da essência absoluta.

Perante essa consciência espectadora do coro como terreno indiferente do


representar, o espírito não aparece em sua multiplicidade dispersa, mas no
desdobramento simples do conceito. A substância do espírito mostra-se, pois,
somente desmembrada em suas duas potências extremas. Essas essências
universais elementares são, ao mesmo tempo, individualidades conscientes de si:
- heróis que põem sua consciência em uma dessas potências, nela possuem a
determinidade do caráter, e constituem sua ativação e efetividade. Essa
individualização universal desce ainda, como já se mencionou, à efetividade
imediata do autêntico ser-aí do ator e se apresenta a uma multidão de
espectadores que têm no coro sua cópia, ou melhor, sua própria representação
exprimindo-se a si mesma.

O conteúdo e o movimento do espírito, que aqui é objeto para si, já foram


considerados como natureza e realização da substância ética. Na sua religião, o
espírito alcança a consciência sobre si, ou seja, apresenta-se à sua consciência
em sua forma mais pura e figura mais simples. Se portanto a substância ética,
mediante seu conceito e segundo seu conteúdo, se dividia nas duas potências que
foram determinadas como direito divino e direito humano, do mundo subterrâneo
e do mundo de cima - aquele era a família, e este, o poder do Estado; o primeiro
deles era o caráter feminino, e o segundo, o masculino - então o círculo dos
deuses, anteriormente multiforme e vacilante em suas determinações, se
restringe às potências que mediante essa determinação se aproximam da
individualidade propriamente dita. Com efeito, a precedente dispersão do todo
em forças múltiplas e abstratas, que aparecem hipostasiadas, é a dissolução do
sujeito, que as concebe somente como momentos dentro de seu Si, e por isso a
individualidade é apenas a forma superficial dessas essências. Inversamente,
uma distinção de caracteres, mais precisa que a já mencionada, deve ser
atribuída à personalidade contingente e em si exterior.

Ao mesmo tempo, a essência se divide segundo sua forma ou segundo o saber. O


espírito operante se contrapõe, como consciência, ao objeto sobre o qual é ativo e
que por isso é determinado como o negativo daquele que sabe: o operante se
encontra, desse modo, na oposição do saber e não saber. Deriva seu fim de seu
caráter, e o sabe como a essencialidade ética; mas, pela determinidade do
caráter, sabe somente uma potência da substância, e a outra está oculta para ele.
A efetividade presente é pois em si uma coisa, e para a consciência, outra. O
direito de cima e o de baixo adquirem respectivamente a significação da
potência que sabe e que se manifesta à consciência, e a significação da potência
que se esconde e espreita na emboscada. Uma é o lado da luz, o deus do oráculo,
que, segundo o seu momento natural brotando do sol que tudo ilumina, sabe e
revela tudo: Febo, e Zeus, que é seu pai. Mas os mandamentos desse deus
verídico e seus avisos daquilo que é, são antes enganadores.

Com efeito esse saber é, em seu conceito imediatamente, o não saber, porque no
agir a consciência é, em si mesma, essa oposição. Aquele que era capaz de
decifrar o enigma da Esfinge, Édipo como o que era confiante de modo infantil
Orestes são enviados à sua perdição pelo oráculo que o deus lhes revela. Essa
sacerdotisa, por cuja boca fala Apoio, o deus formoso, não é diferente das
bruxas, irmãs ambíguas que impelem Macbeth ao crime por suas promessas; e,
na ambiguidade do que dão como segurança, enganam quem se deixa levar pelo
sentido manifesto. Portanto Hamlet, a consciência mais pura do que a última a
qual crê nas bruxas, e mais prudente e melhor fundamentada que a primeira,
confiante na sacerdotisa e no deus formoso, hesita em vingar-se com base na
revelação feita pelo espírito mesmo de seu pai sobre o crime que o matou; e
estabelece ainda outras provas, pelo motivo de que esse espírito revelador
poderia também ser o demônio.

É fundamentada essa desconfiança, porque a consciência sabedora se situa na


oposição entre a certeza de si mesma e a essência objetiva. O direito do ético -
de que a efetividade em si nada é em oposição à lei absoluta - experimenta que
seu saber é unilateral; que sua lei é apenas lei de seu caráter; que captou somente
uma potência da substância. A ação mesma é essa inversão do sabido em seu
contrário, o ser; é a inversão do direito do caráter e do saber, no direito do oposto,
com o qual aquele está unido na essência da substância: inversão nas Fúrias ou
nas Erínias da outra potência e do outro caráter, hostilmente excitadas. Esse
direito ctônico senta-se com Zeus no trono, e goza de igual consideração junto
com o deus que se revela e que sabe.
A essas três essências o mundo dos deuses do coro é limitado pela individualidade
operante. A primeira é a substância, que tanto é a potência do lar e o espírito da
piedade-familiar como é a potência universal do Estado e do Governo. Enquanto
essa diferença pertence à substância enquanto tal, não se individualiza para a
representação em duas figuras distintas, senão que tem na efetividade os dois
personagens de seus caracteres. Ao contrário, a diferença entre saber e não
saber incide em cada uma das consciências de si efetivas, e somente na
abstração, no elemento da universalidade, se reparte em duas figuras
individuais.

Com efeito, o Si do herói só tem ser-aí como consciência total, e é portanto


essencialmente a diferença total que pertence à forma; mas sua substância é
determinada, e lhe pertence apenas um lado da diferença do conteúdo. Portanto,
os dois lados da consciência, que na efetividade não têm individualidade separada
- cada um a própria -, recebem, na representação, cada lado sua figura peculiar;
uma figura é a do deus manifestante; a outra, a figura da Erínia que se conserva
oculta. De uma parte, ambas gozam de honra igual; de outra parte, a figura da
substância, Zeus, é a necessidade da relação mútua das duas. A substância é a
relação pela qual o saber é para si, mas tem no simples sua verdade; a diferença,
mediante a qual existe a consciência efetiva, tem seu fundamento na essência
interior que destrói essa diferença; - a segurança clara para si mesma, da
certeza, tem sua confirmação no olvido.

Por meio do agir, a consciência tornou patente essa oposição: agindo conforme o
saber revelado, experimenta o logro de tal saber; e dedicando-se, segundo o
conteúdo, a um atributo da substância, ofendeu o outro e desse modo lhe deu
direito contra si. Seguindo o deus que sabe, o que antes apreendeu foi o não
revelado, e é castigada por ter confiado no saber cuja ambiguidade - pois esta é
sua natureza - deveria estar presente também para essa consciência, e servir-lhe
de advertência. O frenesi da sacerdotisa, a figura desumana das bruxas, a voz da
árvore, do pássaro, o sonho, etc., não são modos em que a verdade apareça, mas
sinais de advertência do embuste, da irreflexão, da singularidade e contingência
do saber. Ou - o que é o mesmo - a potência oposta, ofendida pela consciência,
está presente como lei promulgada e direito vigente: seja a lei da família, ou do
Estado. A consciência seguiu, ao contrário, o próprio saber, e ocultou a si mesma
o que era manifesto.

Entretanto, a verdade das potências do conteúdo e da consciência, que se


enfrentam uma à outra, é o resultado de que ambas têm igual direito, e por isso
em sua oposição - que o agir produz - têm a mesma falta de direito. O
movimento do agir mostra sua unidade no ocaso mútuo das duas potências, e dos
dois caracteres conscientes de si. A reconciliação da oposição consigo é o Letes
do mundo inferior, na morte - ou o Letes do mundo superior como absolvição -
não da culpa, pois essa, a consciência, não pode desmentir, uma vez que agiu -
mas do crime, e de seu aplacamento expiatório. Os dois são o olvido, o ser-
desvanecido da efetividade e do agir das potências da substância - de suas
individualidades - e das potências do pensamento abstrato do bem e do mal. Com
efeito, nenhuma delas é para si a essência, senão que a essência é o repouso do
todo dentro de si mesmo, a unidade imóvel do destino, o tranquilo ser-aí, e por
isso é a inatividade e falta de vitalidade da família e do Governo; é a honra igual,
e, portanto, a inefetividade indiferente de Apoio e da Erínia, e o retorno de seu
entusiasmo e atividade ao Zeus simples.

Esse destino completa o despovoamento do céu - a combinação, carente de


pensamento, da individualidade e da essência - uma combinação pela qual o agir
da essência aparece como um agir inconsequente, casual, indigno de si; pois a
individualidade,só superficialmente unida à essência, é a individualidade
inessencial.

O banimento de tais representações carentes de essência, que foi exigido por


filósofos da Antiguidade, começa assim já na tragédia em geral, enquanto nela a
divisão da substância está dominada pelo conceito, e com isso a individualidade é
a individualidade essencial, e as determinações são os caracteres absolutos. A
consciência de si que é representada na tragédia, desse modo só conhece e
reconhece um poder supremo, Zeus e a esse Zeus, só como o poder do Estado ou
do lar; e na oposição do saber, só como o pai do saber do particular, saber que se
converte em figura; e como o Zeus do juramento e da Erínia - o Zeus do
universal do interior que habita no recôndito. Ao contrário, os momentos que
ulteriormente se dispersam do conceito para a representação, e que o coro
acentua um depois do outro, não são o pathos do herói, mas nele se rebaixam ao
nível da paixão: - a momentos contingentes e carentes de essência que embora o
coro, carente de si, os exalte, no entanto não são capazes de constituir o caráter
dos heróis nem de ser enunciados e respeitados por eles como sua essência.

Aliás, também os personagens da essência divina mesma, como os caracteres de


sua substância, confluem na simplicidade do que carece de consciência. Em
contraste com a consciência de si, essa necessidade tem a determinação de ser a
potência negativa de todas as figuras que aparecem, de não se reconhecer a si
mesma nessa potência, mas antes de perecer nela. O Si aparece somente como
assignado aos caracteres, e não como o meio termo do movimento. Contudo, a
consciência de si, a certeza simples de si, de fato é a potência negativa, a unidade
de Zeus, da essência substancial e da necessidade abstrata; é a unidade espiritual
a que tudo retoma.
Pelo fato de que a consciência de si efetiva se distingue ainda da substância e do
destino, por uma parte é o coro, ou antes, o público espectador, que esse
movimento da vida divina enche de terror, como algo estranho; ou em que esse
movimento, como algo próximo, só produz a emoção do compadecer inativo.
Por outra parte, na medida em que a consciência coopera nesse movimento e
pertence aos caracteres, essa união é uma união externa, uma hipocrisia, porque
ainda não se deu a verdadeira unificação: a do Si, do destino e da substância. O
herói, que aparece frente ao espectador, se dissocia em sua máscara e no ator -
no personagem e no Si efetivo.

A consciência de si dos heróis deve sair de sua máscara, e apresentar-se tal como
ela se sabe: - como o destino tanto dos deuses do coro, quanto das potências
absolutas mesmas; e então não está mais separada do coro, da consciência
universal.

Por conseguinte, a comédia tem antes de tudo o aspecto de que nela a


consciência de si efetiva se apresenta como o destino dos deuses. Essas essências
elementares, como momentos universais, não são um Si, nem são efetivas.
Embora estejam dotadas da forma da individualidade, essa forma lhes é apenas
atribuída, e não lhes compete em si e para si: o Si efetivo não tem, por sua
substância e conteúdo, um tal momento abstrato. Ele, o sujeito, está, pois, elevado
acima de tal momento, como acima de uma propriedade singular; e revestido
dessa máscara, exprime a ironia de tal propriedade querer ser alguma coisa para
si. O pretender à universal essencialidade é delatado no Si: ele se mostra
aprisionado em uma efetividade, e faz cair a máscara, justamente quando quer
ser algo de justo. O Si, entrando em cena, aqui na sua significação de efetivo,
representa com a máscara, uma vez que a pôs para desempenhar seu
personagem; mas logo torna a sair dessa aparência e se apresenta em sua própria
nudez e condição costumeira, que mostra não ser diferente do Si próprio: - do
ator como igualmente do espectador.

Essa dissolução universal da essencialidade figurada em geral na sua


individualidade torna-se mais séria em seu conteúdo e por isso mais ambiciosa e
mais amarga na medida em que o conteúdo adquire sua significação mais séria e
mais necessária. A substância divina reúne em si a significação da essencialidade
natural e da essencialidade ética.

No que concerne o elemento natural, a consciência de si efetiva, já no emprego


desse para seu adorno, morada, etc., e no banquete que faz de sua vítima,
mostra-se como o destino ao qual foi revelado o segredo de sua relação com a
auto essencial idade da natureza. No mistério do pão e vinho, apropria-se dela,
junto com a significação da essência interior; e na comédia, tem a consciência
da ironia dessa significação em geral. Ora, na medida em que essa significação
contém a essencialidade ética, ela é, por uma parte, o povo em seus dois
aspectos: do Estado - ou demos propriamente dito - e da singularidade da família;
mas, de outra parte, é o puro saber consciente de si, ou o pensar racional do
universal.

Aquele demos, a massa universal, que se sabe como senhor e governante, e


igualmente como entendimento e inteligência que exigem respeito, se constrange
e se engana pela particularidade de sua efetividade; e apresenta o contraste
ridículo entre sua opinião sobre si e seu imediato ser-aí; entre sua necessidade e
sua contingência, entre sua universalidade e sua banalidade. Se o princípio de sua
singularidade, separado do universal, emerge na figura peculiar da efetividade e
abertamente usurpa e controla a comunidade, de que é o mal secreto, descobre-
se então imediatamente o contraste entre o universal, como uma teoria, e aquilo
em torno de que se tem de agir na prática. Ressalta a completa emancipação dos
fins da singularidade imediata, em relação à ordem universal; e o desprezo que a
singularidade tem por essa ordem.

O pensar racional liberta a essência divina de sua figura contingente, e em


contraste com a sabedoria carente de conceito do coro - que aduz máximas
éticas de todo o tipo e faz vigorar uma multidão de leis e conceitos determinados
de deveres e direitos - eleva-os às ideias simples do belo e bom. O movimento
dessa abstração é a consciência da di ai ética, que essas máximas e leis nelas
possuem, e por isso a consciência do desvanecer da validade absoluta sob a qual
apareciam antes. Enquanto desvanece a determinação contingente e a
individualidade superficial - que a representação atribui às essencialidades
divinas - elas, segundo seu lado natural só têm ainda a nudez de seu ser-aí
imediato: são nuvens, uma névoa evanescente como aquelas representações.

Segundo a sua essencialidade pensada, tornaram-se pensamentos simples do belo


e do bem, e suportam ser preenchidos por qualquer conteúdo. A força do saber
dialético abandona as leis e máximas determinadas do agir ao prazer e à
leviandade da juventude - por isso mesmo - transviada; e fornece armas para
ilusão, à ansiedade e preocupação da velhice que se restringe à singularidade da
vida. Os pensamentos puros do belo e do bem, mediante a libertação da opinião
que contém tanto sua determinidade, enquanto conteúdo, como sua
determinidade absoluta - que é o manter-se firme da consciência nessa
determinidade-, apresentam esse espetáculo cômico de se tornarem vazios, e,
justamente por isso, joguete da opinião e do capricho da individualidade
contingente.

Aqui portanto se reúne com a consciência de si o destino - antes carente de


consciência - que consistia no vazio repouso e olvido, e era separado da
consciência de si. O Si Singular é a força negativa pela qual e na qual
desvanecem os deuses, assim como seus momentos - a natureza aí essente e os
pensamentos de suas determinações. Ao mesmo tempo, o Si singular não é a
vacuidade do desvanecer, mas se conserva nessa nulidade mesma: está junto a
si, e é a única efetividade.

A religião da arte consumou-se nesse Si, e retomou completamente para dentro


de si. Por ser a consciência singular na certeza de si mesma, que se apresenta
como essa potência absoluta, perdeu a forma de algo representado, separado da
consciência em geral e a ela estranho, como eram a estátua e também a bela
corporeidade viva ou o conteúdo da epopeia e as potências e personagens da
tragédia. A unidade tampouco é a unidade carente de consciência do culto e dos
mistérios, mas o Si peculiar do ator coincide com seu personagem; assim como o
espectador se sente perfeitamente em casa no que lhe é representado, e vê a si
mesmo representando em cena. O que esta consciência de si intui é que nela, o
que assume frente a ela a forma da essencialidade, antes se dissolve e se
abandona em seu pensar, ser-aí e agir; é o retorno de todo o universal à certeza
de si mesmo, e, por conseguinte, essa completa ausência de temor e de essência,
de tudo o que é estranho. É um bem-estar e um abandonar-se ao bem-estar da
consciência, como não se encontram mais fora dessa comédia.

C - A RELIGIÃO MANIFESTA

O espírito avançou da forma da substância à forma do sujeito através da religião


da arte, pois ela produz a figura do espírito e assim põe nela o agir ou a
consciência de si - que na substância aterradora só desvanece, e que na
confiança não se apreende a si mesma. Essa encarnação da essência divina
começa na estátua, que só tem nela a figura externa do Si, enquanto o interior -
sua atividade - incide fora dela. No culto, porém, os dois lados tornaram-se um;
no resultado da religião da arte, essa unidade em sua plenitude passou também,
ao mesmo tempo, ao extremo do Si. No espírito, que é totalmente certo de si na
singularidade da consciência, toda a essencialidade soçobrou. A proposição que
enuncia essa leveza soa assim: o Si é a essência absoluta. A essência, que era
substância, e em que o Si era a acidentalidade, afundou até ao nível do predicado,
e o espírito perdeu sua consciência nessa consciência de si, à qual nada se
contrapõe na forma da essência.

Esta proposição: o Si é a essência absoluta pertence, como é evidente, ao espírito


efetivo, ao não religioso. Convém lembrar qual a figura do espírito que exprime o
Si. Ela deve conter ao mesmo tempo o movimento e sua inversão, que degrada o
Si a predicado e eleva a substância a sujeito. Desse modo, não é que a proposição
invertida faça em si ou para nós, da substância, sujeito; ou, o que é o mesmo,
reinstaure a substância de modo que a consciência do espírito seja retrotraida a
seu começo, à religião natural; ao contrário, essa inversão é produzida para a
consciência de si e através dela mesma.

A consciência de si, ao abandonar-se conscientemente, conserva-se em sua


extrusão, e permanece o sujeito da substância; mas, justamente ao extrusar-se
desse modo, tem ao mesmo tempo a consciência da substância. Ou seja: ao
produzir mediante seu sacrifício a substância como sujeito, o sujeito permanece
seu próprio Si. Se nas duas proposições - na primeira, a da substancialidade, o
sujeito somente desvanece; na segunda, a substância é somente predicado, e
assim ambos os lados estão presentes em cada proposição com a desigualdade
oposta do valor - consegue-se, desse modo, que se produza a união e a
interpenetração das duas naturezas, em que as duas, com igual valor, tanto são
essenciais, como também são momentos apenas. Por isso o espírito é tanto
consciência de si - de si como sua substância objetiva - quanto é consciência de si
simples que permanece dentro de si.

A religião da arte pertence ao espírito ético, que mais acima vimos perecer no
Estado de Direito, isto é, na proposição: o Si como tal, a pessoa abstrata é a
essência absoluta. Na vida ética, o Si submergiu no espírito do seu povo, é a
universalidade preenchida de conteúdo. Mas a singularidade simples se eleva
desse conteúdo, e sua leveza a purifica convertendo-a na pessoa, na
universalidade abstrata do direito. Nessa pessoa de direito se perdeu a realidade
do espírito ético: os espíritos, carentes de conteúdo, de povos-individuais, são
reunidos em um panteão; não em um panteão da representação, cuja forma
impotente deixa fazer a cada um, e sim no panteão da universalidade abstrata, do
pensamento puro que os desincorpora e confere ao Si carente de espírito - à
pessoa singular - o ser em si e para si.

No entanto este Si, por seu esvaziamento, libertou o conteúdo: a consciência só é


essência dentro de si; seu ser-aí próprio, o jurídico ser-reconhecido da pessoa, é a
abstração não preenchida; portanto, antes possui somente o pensamento de si
mesma, ou seja, tal como é aí, e tal como se sabe como objeto, é a consciência
inefetiva. Por conseguinte, é somente a independência estoica do pensar; e esta,
atravessando o movimento da consciência cética, encontra sua verdade naquela
figura que foi denominada a consciência de si infeliz.

Sabe essa consciência qual a situação da vigência efetiva da pessoa abstrata, e


também de sua vigência no pensamento puro. Sabe que tal vigência é antes a
completa perdição; ela mesma é essa sua perdição consciente, e a extrusão de
seu saber de si.

Nós vemos que essa consciência infeliz constitui o reverso e o complemento da


consciência completamente feliz dentro de si - da consciência cômica. A
essência divina toda retoma para essa última consciência, ou seja, ela é a
perfeita extrusão da substância. Ao contrário, a consciência infeliz é o destino
trágico da certeza de si mesmo, que deve ser em si e para si. É a consciência da
perda de toda a essencialidade nessa certeza de si; e justamente da perda desse
saber de si - da substância como do Si. É a dor que se expressa na dura palavra:
Deus morreu.

Assim, no Estado de Direito, o mundo ético e sua religião soçobraram na


consciência cômica; e a consciência infeliz é o saber dessa perda total. Para ela,
está perdida tanto a autovalorização de sua personalidade imediata, quanto de sua
personalidade mediatizada, da personalidade pensada. Emudeceu tanto a
confiança nas leis eternas dos deuses, como nos oráculos que tratavam de
conhecer o particular. As estátuas são agora cadáveres cuja alma vivificante
escapou, como os hinos são palavras cuja fé escapou; as mesas dos deuses
ficaram sem comida e bebida espirituais, e de seus jogos e festas já não retoma
à consciência sua unidade jubilosa com a essência. Falta à obra das musas a
força do espírito, esse espírito para o qual, do esmagamento dos deuses e dos
homens, surgira a certeza de si mesmo. São agora o que são para nós: belos
frutos caídos da árvore, que um destino amigo nos estende, como uma donzela
que oferece frutos. Não há a vida efetiva de seu ser-aí, nem a árvore que os
carregou, nem a terra e os elementos que constituíam sua substância, nem o
clima que constituía sua determinidade, nem a alternância das estações que
presidiam o processo de seu vir a ser.

Assim, o destino nos entrega, com as obras daquela arte, não o seu mundo nem a
primavera e o verão da vida ética, em que elas floresceram e amadureceram,
mas somente a recordação velada dessa efetividade. Nosso agir, no gozo dessas
obras de arte, não é, pois, o agir do serviço divino, em que se faria presente à
nossa consciência sua perfeita verdade que a cumularia; ao contrário, é o agir
externo que limpa esses frutos de algumas gotas de chuva ou grãos de areia. Em
lugar dos elementos interiores da efetividade do ético, que os rodeia, engendra e
vivifica, esse agir constrói uma prolixa armação dos elementos mortos de sua
existência externa - da linguagem, do histórico, etc. - não para viver dentro deles,
mas somente para representá-los dentro de si.

Entretanto, a donzela que oferece os frutos colhidos é mais que a natureza que
imediatamente os apresentava - a natureza diversificada em suas condições e
elementos, a árvore, o ar, a luz, etc.; porque a donzela reúne, em uma forma
superior, tudo isso no brilho do olhar consciente de si, e no gesto de oferecer.
Assim, o espírito do destino que nos oferece essas obras de arte é mais que a vida
ética e a efetividade daquele povo, pois é a recordação, reviver no íntimo do
espírito ainda exteriorizado nelas; é o espírito do destino trágico que reúne todos
esses deuses individuais e atributos da substância no Panteão uno: no espírito
consciente de si como espírito.

Estão dadas todas as condições de seu nascimento, e essa totalidade de suas


condições constitui o vir a ser, o conceito ou nascer em si essente do conceito. O
circulo das produções da arte abrange as formas das extrusões da substância
absoluta, a qual está na forma da individualidade, a - como uma coisa, como
objeto essente da consciência sensível; b - como a linguagem pura, ou o vir a ser
da figura, cujo ser-aí não sai do Si, e é objeto puramente evanescente; c- como
unidade imediata com a consciência de si universal, em sua inspiração, e como
unidade mediatizada no agir do culto; d - como a bela corporeidade do Si, e,
finalmente, e - como o ser-aí sublimado na representação, e sua expansão em
um mundo que afinal se concentra na universalidade, que é, igualmente, f - a
pura certeza de si mesmo.

Essas formas, e, do outro lado, o mundo da pessoa e do direito; a selvageria


destruidora dos elementos do conteúdo, deixados soltos; igualmente a pessoa
pensada do estoicismo, e a inquietude incansável da consciência cética - todas
elas constituem a periferia das figuras, que aguardando e apinhando-se rodeiam
o berço do espírito que se torna consciência de si. A dor e a saudade da
consciência infeliz, que as impregnam todas, é o seu centro; e a dor de parto
comum de seu nascimento - a simplicidade do conceito puro, que contém
aquelas figuras como momentos seus.

O espírito tem nele os dois lados que foram acima representados como as duas
proposições inversas; - um lado, é que a substância se extrusa de si mesma, e se
torna consciência de si; o outro, ao contrário, é que a consciência de si se extrusa
de si, e se converte em coisidade ou em Si universal. Vieram desse modo os lados
um ao encontro do outro, e assim se produziu sua verdadeira unificação. A
extrusão da substância, seu converter-se em consciência de si, exprime a
passagem ao oposto: a passagem, carente de consciência, da necessidade; ou
seja, exprime que a substância é em si consciência de si. Inversamente, a
extrusão da consciência de si exprime que ela é em si a essência universal, ou -
porque o Si é o puro ser para si, que em seu contrário permanece junto a si -
exprime que é para o Si que a substância é consciência de si, e justamente por
isso é espírito.
Desse espírito, que abandonou a forma da substância e entra no ser-aí na figura
da consciência de si, pode-se dizer - caso se prefira utilizar relações tomadas da
geração natural - que o espírito tem uma mãe efetiva, mas um pai em si essente.
Com efeito, a efetividade ou a consciência de si, e o Em si como a substância,
são os seus dois momentos, pela extrusão mútua dos quais - tornando-se cada um
deles o outro - o espírito entra no ser-aí como sua unidade.

Na medida em que a consciência de si unilateralmente só apreende sua própria


extrusão - quando para ela seu objeto já é tanto ser quanto Si, e ela sabe todo o
ser-aí como essência espiritual - contudo, nem por isso o espírito verdadeiro
ainda veio a ser para ela. Quer dizer: na medida em que, em si, o ser em geral ou
a substância, de seu lado, igualmente não se extrusou dele mesmo, e se converteu
em consciência de si. Porque então todo o ser-aí só é essência espiritual do ponto
de vista da consciência, e não em si mesmo. Dessa maneira, o espírito está no
ser-aí só como imaginário: esse imaginar é a fantasmagoria, que impinge tanto à
natureza quanto à história, tanto ao mundo quanto às representações míticas das
religiões do passado, um sentido interior diverso do que apresentavam
imediatamente à consciência em sua manifestação; no caso das religiões, um
sentido diverso do que nelas sabia a consciência de si, cujas religiões eram.
Contudo, essa significação é uma que se tomou emprestada, e uma roupagem
que não cobre a nudez do fenômeno, e não ganha para si fé e veneração, mas
que permanece a noite turva e o próprio arrebatamento da consciência.

Para que essa significação do objetivo não seja, assim, pura fantasia, deve ser
em si; quer dizer: em primeiro lugar, brotar do conceito para a consciência, e
surgir na sua necessidade. Para nós, desse modo o espírito que se sabe a si
mesmo nasceu, através do conhecer da consciência imediata, ou da consciência
do objeto essente, através de seu necessário movimento. Em segundo lugar, esse
conceito, que como conceito imediato tinha também a figura da imediatez para
sua consciência, deu a si mesmo a forma da consciência de si em si, isto é,
justamente segundo a necessidade do conceito, como o ser ou a imediatez, que é
o objeto carente de conteúdo da consciência sensível - esse conceito extrusa-se
de si e se torna o Eu para a consciência.

Entretanto, o Em si imediato ou a necessidade essente mesma se diferenciam do


Em si pensante ou do conhecer da necessidade. Mas é uma diferença que ao
mesmo tempo não reside fora do conceito, porque a unidade simples do conceito
é o próprio ser imediato. O conceito tanto é o que se extrusa, ou o vir a ser da
necessidade intuída, quanto o que nessa necessidade está junto a si, e que a
conhece e a conceitua. O Em si imediato do espírito, que se confere a figura da
consciência de si, não designa outra coisa senão o que o efetivo espírito do mundo
chegou a esse saber de si; só então esse saber entra também na sua consciência e
como verdade. Como isso ocorreu, já se expôs mais acima.

Que o espírito absoluto se tenha dado a figura da consciência de si em si, e


portanto também para sua consciência, isso agora aparece assim: a fé do mundo
é crer que espírito é aí como uma consciência de si, quer dizer, como um
homem efetivo; que o espírito é para a certeza imediata; que a consciência
crente vê e toca e ouve esta divindade. Assim, essa consciência de si não é
fantasia, mas é efetivamente no crente.

A consciência então não sai do seu interior, do pensamento, concluindo dentro de


si o pensamento de Deus juntamente com o ser-aí; ao contrário, sai do ser-aí
presente imediato, e reconhece a Deus nele.

O momento do ser imediato está presente no conteúdo do conceito de modo que


o espírito religioso, no retorno de toda a essencialidade à consciência, se tornou
um Si positivo simples, assim como o espírito efetivo, como tal, na consciência
infeliz se tornou justamente essa simples negatividade consciente de si. O Si do
espírito aí essente tem, por isso, a forma da perfeita imediatez; não se põe nem
como pensado ou representado, nem como produzido como é o caso do Si
imediato, quer na religião natural, quer na religião da arte, Ao contrário, esse
Deus vem a ser imediatamente como Si, como um efetivo homem singular,
sensivelmente intuído; só assim ele é consciência de si.

Essa encarnação da essência divina, ou o fato de que ela tem essencial e


imediatamente a figura da consciência de si, é o conteúdo simples da religião
absoluta. Nela, a essência é sabida como espírito; vale dizer, essa religião é sua
consciência, sobre si mesma, de ser espírito. Com efeito, o espírito é o saber de si
mesmo em sua extrusão: é a essência que é o movimento de preservar no seu ser
Outro a igualdade consigo mesma. Ora, isso é a substância, na medida em que
ela, em sua acidentalidade, é igualmente refletida sobre si, e não, ao contrário,
como indiferente a algo inessencial, e que por isso se encontrasse em algo
estranho; senão que ali nos seus acidentes a substância está dentro de si, isto é,
enquanto a substância é sujeito ou Si.

Por conseguinte, a essência divina é revelada nessa religião. O seu ser-revelado


consiste manifestamente em que se sabe o que ela é. Mas ela é conhecida
justamente enquanto é conhecida como espírito - como essência que é
essencialmente consciência de si. Para a consciência há então algo oculto em seu
objeto, se esse objeto é Outro ou um estranho para ela, e se não sabe esse objeto
como a si mesma. Esse ser oculto cessa quando é objeto da consciência a
essência absoluta como espírito, porque assim o objeto está em sua relação com
a consciência como um Si. Em outras palavras: a consciência se sabe
imediatamente nele, ou seja, a consciência é manifesta a si no objeto. Ela
mesma só é manifesta a si na certeza própria de si; ora, aquele objeto é o Si; mas
o Si não é algo estranho, e sim a unidade inseparável consigo, o universal
imediato. É o puro conceito, o puro pensar ou o ser para si; o ser imediato, e por
isso, o ser para Outro e, como esse ser para Outro, imediatamente retomado a si
e junto a si mesmo; é, assim, o que só e verdadeiramente é revelado.

O bondoso, o justo, o santo, o criador do céu e da terra, etc., são predicados de


um sujeito: - momentos universais que têm neste ponto seu apoio, e que somente
são no retomar da consciência para o pensar. Enquanto eles são conhecidos,
ainda não está manifesta o sujeito mesmo, seu fundamento e essência; e
igualmente, esses predicados são as determinações do universal, não este
universal mesmo. O sujeito mesmo, e por isso também este universal puro, é
revelado como Si, porque ele é precisamente esse interior refletido sobre si, que
é aí imediatamente e que é a certeza própria daquele Si, para o qual é aí. Ora, ser
o revelado segundo o seu conceito é assim a verdadeira figura do espírito; e essa
sua figura, o conceito, é igualmente apenas sua essência e substância. O espírito é
conhecido como consciência de si, e é imediatamente revelado a esta por ser ela
mesma. A natureza divina é o mesmo que a humana, e é essa unidade que é
intuída.

Por conseguinte, aqui a consciência ou a maneira como a essência é para a


consciência mesma - sua figura - é de fato igual à sua consciência de si. Essa
figura é, ela mesma, uma consciência de si; é por isso, ao mesmo tempo, objeto
essente, e esse ser tem também imediatamente a significação do pensar puro, da
essência absoluta. A essência absoluta, que como uma consciência de si efetiva é
aí, parece ter descido de sua simplicidade eterna; mas de fato, assim só alcançou
sua essência suprema.

Com efeito, o conceito da essência, só quando atingiu sua pureza simples, é a


abstração absoluta, que é o puro pensar, e por isso é a pura singularidade do Si;
assim como, devido à sua simplicidade, é o imediato ou ser. O que se denomina
consciência sensível é justamente essa abstração pura: é esse pensar, para o qual
o ser é o imediato. O ínfimo é, ao mesmo tempo, o supremo; o manifesto, que
aparece completamente na superfície, é justamente nisso o mais profundo. Que
a essência suprema seja vista, ouvida, etc., como uma consciência de si essente,
isso é, pois, de fato, a plena realização de seu conceito; e por meio dessa
realização plena a essência é aí tão imediatamente como ela é essência.

Esse ser-aí imediato não é só e simplesmente consciência imediata, mas ao


mesmo tempo é consciência religiosa. A imediatez tem inseparavelmente a
significação não só de uma consciência de si essente, mas também da essência
puramente pensada ou absoluta. A consciência religiosa é, para si, consciente
daquilo que para nós somos conscientes em nosso conceito: de que o ser é
essência. Essa unidade do ser e essência, do pensar que é imediatamente ser-aí -
do mesmo modo que ela é o pensamento dessa consciência religiosa ou seu saber
mediatizado, assim também é seu saber imediato. Com efeito, essa unidade do
ser e pensar é a consciência de si, e ela mesma é aí; ou seja, a unidade pensada
tem ao mesmo tempo essa figura do que ela é.

Deus é assim revelado aqui como ele é: ele é aí assim como ele é em si; ele é aí
como espírito. Deus só é acessível no puro saber especulativo, e é somente nesse
saber; e só é esse saber mesmo, porque Deus é o espírito, e esse saber
especulativo é o saber da religião revelada. Um saber que sabe Deus como
pensar, ou pura essência, e esse pensar como ser e como ser-aí, e o ser-aí como
a negatividade de si mesmo; por isso, como Si - este Si, e Si universal. É
justamente isso o que sabe a religião manifesta.

As esperanças e expectativas do mundo precedente impeliam somente a esta


revelação: a contemplar o que é a essência absoluta, e a encontrar-se nela a si
mesmo. Essa alegria vem a ser para a consciência de si, e abrange o mundo
inteiro para se contemplar na essência absoluta, pois ela é espírito, é o
movimento simples desses momentos puros, que exprime isto mesmo: que a
essência é sabida como espírito somente quando é contemplada como
consciência de si imediata.

Esse conceito do espírito que sabe a si mesmo como espírito, é ele mesmo o
conceito imediato, e ainda não desenvolvido. A essência é espírito, ou seja, é
apareci da, é manifesta. Esse primeiro ser manifesto é, por sua vez, imediato;
ora, a imediatez é igualmente mediação pura ou pensar; logo, deve apresentar
isso nela mesma, como tal.

Considerando este ponto mais precisamente: o espírito, na imediatez da


consciência de si, é esta consciência de si singular oposta à universal; é Uno
exclusivo que tem a forma, ainda não dissolvida, de Outro sensível para a
consciência para a qual é aí. Esse Outro não sabe ainda o espírito como sendo o
seu, ou seja: o espírito, enquanto é este Si singular, ainda não é aí igualmente
como Si universal, como todo Si. Em outras palavras, a figura não tem ainda a
forma do conceito, isto é, do Si universal, do Si que em sua imediata efetividade é
também Si suprassumido, é pensar, é universalidade, sem perder na
universalidade a efetividade.

No entanto, a forma mais próxima - e ela mesma imediata dessa universalidade


já não é a forma do pensar mesmo, do conceito como conceito, mas a
universalidade da efetividade, a todidade dos Si, e a promoção do ser-aí à
representação. Como sempre, e para aduzir um exemplo determinado, o isto
sensível suprassumido é primeiro a coisa da percepção; não ainda o universal do
entendimento.

Este homem singular portanto, como o homem que a essência absoluta se


revelou ser, consuma nele enquanto Singular o movimento do ser sensível. Ele é
o Deus imediatamente presente: assim, o seu ser passou para o ter sido. A
consciência, para a qual ele tem essa presença sensível, deixa de vê-lo, de ouvi-
lo: ela o tinha visto e ouvido - e só porque o tinha visto e ouvido, torna-se ela
mesma consciência espiritual. Ou seja: como antes ele nasceu para ela como
ser-aí sensível, agora ressurge no espírito.

Com efeito, como uma consciência que o vê e ouve sensivelmente, ela mesma é
apenas consciência imediata, que não suprassumiu a desigualdade da
objetividade, nem a recuperou no puro pensar, senão que sabe como o espírito
este Singular objetivo, mas não a si mesma. No desvanecer do ser-aí imediato do
que é conhecido como essência absoluta, o imediato recebe seu momento
negativo; o espírito permanece o Si imediato da efetividade, mas como a
consciência de si universal da comunidade; consciência de si que em sua própria
substância repousa, assim como esta é sujeito universal na consciência de si. O
que constitui o todo completo desse espírito não é o Singular só, mas sim o
Singular junto com a consciência da comunidade e o que ele é para a
comunidade.

Contudo, passado e distanciamento são apenas a forma imperfeita segundo a qual


o modo imediato é mediatizado, ou posto universalmente. Só superficialmente
esse modo está imerso no elemento do pensar, nele se conserva como uma
modalidade sensível, e não faz um com a natureza do pensar mesmo. Só existe
elevado ao representar, já que este é a união sintética da imediatez sensível e de
sua universalidade, ou do pensar.

Essa forma do representar constitui a determinidade em que o espírito se torna


consciente de si nessa sua comunidade. Ainda não é a consciência de si do
espírito, que avançou até o seu conceito como conceito: a mediação é ainda
imperfeita. Há assim nessa união do ser e pensar o defeito de estar a essência
espiritual ainda afetada por uma cisão, não reconciliada, em um aquém e além.
O conteúdo é o verdadeiro, mas todos os seus momentos, postos no elemento do
representar, têm o caráter de não serem conceituados, mas de aparecerem
como lados totalmente independentes, que se relacionam exteriormente um com
o outro. Para que o verdadeiro conteúdo receba também sua verdadeira forma
para a consciência, faz-se mister a mais alta formação cultural dessa
consciência: há que elevar ao conceito sua intuição da substância absoluta,
igualar, para ela mesma, sua consciência com sua consciência de si: - como para
nós, ou em si, já ocorreu.

Esse conteúdo tem de considerar-se na maneira como é em sua consciência. O


espírito absoluto é conteúdo: assim é, na figura de sua verdade. Ora, sua verdade
é não apenas ser a substância da comunidade ou o em si da mesma, nem ainda
somente sair dessa interioridade para a objetividade do representar; - mas é
tornar-se o Si efetivo, refletir-se dentro de si, e ser sujeito. É isso portanto o
movimento que desempenha em sua comunidade, ou seja: é isso a sua vida.

O que seja em si e para si esse espírito que se revela, não se patenteia por
desembaraçar, de algum modo, sua rica vida na comunidade, ou por se reduzir a
seu fio primitivo - por exemplo, às representações da comunidade primitiva
imperfeita, ou mesmo ao que o homem efetivo tenha dito. Na base dessa volta às
origens reside o instinto de ir ao conceito; mas ela confunde a origem, como o
ser-aí imediato da primeira manifestação, com a simplicidade do conceito.
Devido a esse empobrecimento da vida do espírito, devido a esse remover da
representação da comunidade e de seu agir sobre sua representação, surge pois,
em vez do conceito, antes a mera exterioridade e singularidade, a maneira
histórica da revelação imediata, e a recordação, carente de espírito, de uma
figura singular visada e de seu passado.

O espírito é conteúdo de sua consciência, inicialmente na forma da substância


pura; ou, é conteúdo de sua consciência pura. Esse elemento do pensar é o
movimento que desce ao ser-aí ou à singularidade. O meio-termo entre eles é
sua união sintética, a consciência do tornar-se Outro, ou o representar como tal.

O terceiro momento é o retorno a partir da representação e do ser Outro, ou o


elemento da consciência de si mesma. Esses três momentos constituem o
espírito: seu dissociar-se dentro da representação consiste em serem de uma
maneira determinada; mas essa determinidade não é outra coisa que um dos seus
momentos. Seu movimento desenvolvido é, pois, o movimento de expandir sua
natureza em cada um de seus momentos, como em um elemento: e enquanto
cada um desses círculos se completa dentro de si, essa sua pura reflexão-dentro
de si é, ao mesmo tempo, a passagem para o outro círculo.

A representação constitui o meio-termo entre o puro pensar e a consciência de si


como tal, e é somente uma das determinidades. Mas, ao mesmo tempo, como se
mostrou, seu caráter de ser a união sintética se estende por todos esses elementos,
e é sua determinidade comum.
O conteúdo mesmo, que temos a considerar, já apareceu em parte como a
representação da consciência infeliz, e da consciência crente. Mas na primeira,
aparecia na determinação de um conteúdo que foi produzido da consciência e
almejado por ela, no qual o espírito não pode saciar-se nem encontrar repouso,
porque ainda não é seu conteúdo em si ou como sua substância. Ao contrário, na
consciência crente, o conteúdo foi considerado como a essência, carente de si, do
mundo, ou como o conteúdo essencialmente objetivo do representar: um
representar que foge à efetividade em geral, e, portanto, não tem a certeza da
consciência de si. Essa certeza se separa de seu conteúdo, de uma parte, como
vaidade do saber, e de outra como inteligência pura. A consciência da
comunidade, pelo contrário, tem esse conteúdo por sua substância; como
também esse conteúdo é a certeza que tem de seu próprio espírito.

O espírito, representado primeiro como substância no elemento do puro pensar, é


por isso, imediatamente, a essência eterna, simples e igual a si mesma, mas que
não tem essa significação abstrata da essência, e sim a significação do espírito
absoluto. Porém o espírito consiste em ser, não significação, não o interior, mas o
efetivo. Portanto, a eterna essência simples seria espírito somente segundo uma
palavra vazia, se permanecesse na representação e na expressão da eterna
essência simples. Mas a essência simples, por ser a abstração, de fato é o
negativo em si mesmo, e, na verdade, a negatividade do pensar, ou a
negatividade como ela é em si na essência. Quer dizer: a essência simples é a
diferença absoluta de si, ou seu puro tornar-se Outro. Como essência, é somente
em si ou para nós; mas enquanto essa pureza é precisamente a abstração ou a
negatividade, ela é para si mesma, ou seja, é o Si, o conceito.

A essência eterna é portanto objetiva: e enquanto a representação apreende e


exprime como um acontecer a necessidade, acima mencionada, do conceito,
deve dizer-se que a essência eterna engendra para si um Outro. Contudo, nesse
ser Outro retorna também imediatamente a si; porque a diferença é a diferença
em si; isto é, ela imediatamente é diferente só de si mesma, e assim, é a unidade
que a si mesma retornou.

Portanto, distinguem-se os três momentos: 1- o da essência; 2- o do ser para si


que é o ser outro da essência, e para o qual é a essência; 3- o do ser para si, ou do
saber a si mesmo no Outro. A essência só contempla a si mesma em seu ser para
si; nessa extrusão está somente junto de si. O ser para si que se exclui da essência
é o saber de si mesma da essência; é o Verbo que, pronunciado, deixa atrás o
pronunciante extrusado e esvaziado; mas também é ouvido de modo não menos
imediato; e o ser-aí do Verbo é somente esse ouvir-se a si mesmo. Assim as
diferenças que se fazem dissolvem-se tão imediatamente quanto são feitas, e tão
imediatamente se fazem quanto se dissolvem. O verdadeiro e efetivo é
justamente esse movimento que gira dentro de si.

Esse movimento dentro de si mesmo exprime a essência absoluta como espírito;


a essência absoluta, que não é apreendida como espírito, é só o vazio abstrato; -
assim como o espírito que não é compreendido como esse movimento, é apenas
uma palavra vazia. Enquanto seus momentos são captados em sua pureza, são os
conceitos sem repouso, que somente são, sendo seu contrário em si mesmos, e
tendo seu repouso no todo.

No entanto, o representar da comunidade não é esse pensamento conceituante;


mas tem o conteúdo sem sua necessidade, e em lugar das formas do conceito
leva, para o reino da consciência pura, as relações naturais de Pai e Filho. Ao
comportar-se, desse modo, representando-se no pensar mesmo, certamente a
essência lhe é revelada; mas, de uma parte, os momentos dela devido a essa
representação sintética dissociam-se um do outro, a ponto de não se
relacionarem mutuamente por meio de seu próprio conceito; de outra parte, essa
consciência se retira desse seu objeto puro, e se lhe refere apenas exteriormente.
O objeto lhe é revelado por algo estranho, e nesse pensamento do espírito não
reconhece a si mesma, não reconhece a natureza da consciência de si pura.

Como acima foi lembrado, a propósito de outro aspecto, esse processo de


ultrapassar deve ser considerado como um urgir do conceito, enquanto se deve
ultrapassar a forma do representar e daquelas relações derivadas do natural; e
assim, especialmente, se deve ultrapassar esse tomar os momentos do
movimento - que é o espírito - como substâncias isoladas e inabaláveis, ou
sujeitos; em vez de tomá-las por momentos transitórios. Mas, por ser apenas
instinto, ele se desconhece; joga fora, com a forma, também o conteúdo, e - o
que é o mesmo - rebaixa-o a uma representação histórica, e a uma herança da
tradição. Aqui, só se retém o puro exterior da fé, e, por isso, como algo morto,
carente de conhecimento; mas seu interior desvaneceu, pois esse interior seria o
conceito que se sabe como conceito.

O espírito absoluto, representado na pura essência, não é de certo a pura essência


abstrata; mas antes, essa, justamente por ser só um momento do espírito, afundou
até o nível de elemento. Porém a apresentação do espírito nesse elemento tem
em si, quanto à forma, o mesmo defeito que a essência como essência. A
essência é o abstrato, e, por isso, o negativo da sua simplicidade: é Outro.
Igualmente, o espírito no elemento da essência é a forma da unidade simples,
que por isso, também essencialmente, é um vir a ser Outro. Ou, o que é o
mesmo, a relação da essência eterna com seu ser para si é a relação
imediatamente simples do puro pensar. Nesse simples contemplar a si mesmo no
Outro, portanto, não é posto o ser Outro, como tal; ele é a diferença que no
pensar puro imediatamente não é diferença alguma: é um reconhecer do amor,
em que os dois não se opõem segundo sua essência. O espírito que é enunciado
no elemento do puro pensar, é ele mesmo essencialmente isto: não estar só nesse
elemento, mas ser Efetivo, pois em seu conceito reside o próprio ser Outro; quer
dizer, o suprassumir do puro conceito somente pensado.

O elemento do puro pensar, porque é o elemento abstrato, é ele mesmo antes o


Outro de sua simplicidade, e portanto passa para o elemento particular do
representar; - o elemento em que os momentos do conceito puro tanto adquirem
um em relação ao outro, um ser-aí substancial, como são sujeitos, que não têm
para um terceiro a indiferença recíproca do ser; mas refletidos sobre si mesmos,
se separam e se contrapõem, um em relação ao outro.

Assim, o espírito somente eterno ou abstrato torna-se para si Outro, ou seja, entra
no ser-aí e entra imediatamente no ser-aí imediato. Cria, portanto, um mundo.
Esse criar é a palavra da representação para o conceito mesmo, segundo o seu
movimento absoluto, ou para significar que o Simples enunciado como absoluto,
ou o pensar puro, por ser o abstrato, é antes o negativo; e assim é o oposto a si, ou
Outro. Ou então, para dizer o mesmo ainda de outra forma, porque o que é posto
como essência, é a imediatez simples ou o ser; porém como imediatez ou ser
carece do Si, e assim privado de interioridade é passivo ou ser para Outro.

Esse ser para Outro ao mesmo tempo é um mundo: o espírito na determinação


do ser para Outro é a tranquila subsistência dos momentos antes incluídos no
pensar puro, portanto a dissolução de sua universalidade simples e dissociação
dela em sua própria particularidade.

Entretanto, o mundo não é apenas esse espírito jogado fora e disperso na


totalidade e na respectiva ordem exterior; mas, por ser essencialmente o Si
simples, está igualmente esse Si presente no mundo: o espírito ai essente, que é o
Si singular, que possui a consciência, e se distingue de si como Outro ou como
mundo. Como esse Si singular só foi posto imediatamente, ainda não é o espírito
para si; portanto, não é como espírito; pode chamar-se inocente, mas bom
mesmo, não pode. Para que de fato seja Si e espírito, deve também, antes de
tudo, tornar-se primeiro para si mesmo Outro, assim como a essência eterna se
apresenta como o movimento de ser igual a si mesma no seu ser outro. Por ser
determinado esse espírito como só imediatamente aí essente, ou como disperso
na variedade de sua consciência, seu tornar-se Outro é o adentrar-se em si do
saber em geral.

O ser-aí imediato se converte no pensamento, ou a consciência apenas sensível


na consciência do pensamento. Na verdade, porque é o pensamento derivado da
imediatez - ou é pensamento condicionado -, não é o saber puro, mas o
pensamento que nele tem o ser Outro; e portanto o pensamento, a si mesmo
oposto, do bem e do mal. O homem é representado assim: aconteceu - como
algo não necessário - que perdeu a forma da igualdade consigo mesmo, por
colher o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal; e foi expulso do
estado da consciência inocente, da natureza que se oferecia sem trabalho, e do
paraíso - do jardim dos animais.

Ao determinar-se imediatamente esse adentrar-se em si da consciência aí


essente como o tornar-se desigual a si mesma, o mal aparece como o primeiro
ser-aí da consciência adentrada em si; e porque os pensamentos do bem e do mal
são pura e simplesmente opostos, e ainda não se resolveu essa oposição -
essencialmente essa consciência é só o mal. Mas ao mesmo tempo, justamente
por causa dessa oposição, está também presente a consciência boa, em contraste
com ela, e também sua relação recíproca.

Na medida em que o ser-aí imediato se transmuda no pensamento, o ser dentro


de si é, de um lado, pensar, e, de outro lado, fica assim determinado com mais
rigor o momento do tornar-se Outro da essência; então, o tornar-se mau pode ser
deslocado bem atrás para fora do mundo aí essente, já no primeiro reino do
pensar. Pode-se dizer, assim, que o filho primogênito da luz, como o que se
adentrou em si, seja o que se precipitou; mas logo em seu lugar, outro filho foi
gerado. Tais formas de expressão como precipitar-se, assim como filho,
pertencem simplesmente à representação, não ao conceito; além disso, rebaixam
ou deslocam para o representar os momentos do conceito invertendo-os; ou
transferem o representar para o reino do pensamento.

É igualmente indiferente coordenar na essência eterna, sob o pensamento


simples do ser Outro, ainda uma multiplicidade de outras figuras; e transferir
para elas o adentrar-se em si. Essa coordenação deve, por isso, ser ao mesmo
tempo aprovada; porque graças a isso, este momento do ser Outro exprime ao
mesmo tempo, como deve, a diversidade: e de certo, não como pluralidade em
geral, mas como diversidade determinada. E, desse modo, uma parte - o filho - é
o simples que sabe a si mesmo como essência; a outra parte, porém, é a extrusão
do ser para si, que vive somente no louvor da essência. Então, pode ser também
situada nessa parte de novo a recuperação do ser-aí extrusado, e o adentrar-se
em si do mal.

Na medida em que o ser Outro se divide em dois, o espírito seria expresso mais
determinadamente em seus momentos - e se fossem eles contados - como
quadrunidade; ou então, já que a multiplicidade se divide de novo em duas partes
- a saber, na que permaneceu boa e na que se tornou má - como quinunidade.
Mas pode-se considerar em geral como inútil contar os momentos; de um lado,
porque o indiferenciado mesmo é igualmente apenas um, a saber, precisamente
o pensamento da diferença, que é só um pensamento, assim como ele é esse
termo diferenciado, o segundo em oposição ao primeiro. Mas, por outro lado,
porque o pensamento que abrange o múltiplo no Uno deve ser dissolvido a partir
de sua universalidade, e diferenciado em mais de três ou quatro distintos, sua
universalidade frente à absoluta determinidade do Uno abstrato, do princípio do
número, aparece como indeterminidade em relação ao número mesmo. Desse
modo seria possível falar somente de números em geral, isto é, não de uma cifra
de diferenças. Assim, aqui é de todo supérfluo, em geral, pensar no número e em
contar; como também, aliás, a simples diferença de grandeza e quantidade é
carente de conceito e nada diz.

O bem e o mal eram as determinadas diferenças do pensamento que se


apresentavam. Por não ter sido resolvida ainda sua oposição, e se representarem
como essências do pensamento, cada uma das quais é independente para si,
então é o homem o Si carente de essência e o terreno sintético de seu ser-aí e de
sua luta. Mas essas potências universais igualmente pertencem ao Si; ou seja, o Si
é efetividade delas. Acontece, pois, segundo esse momento - como o mal não é
outra coisa que o adentrar-se em si do ser-aí natural do espírito - que o bem,
inversamente, entra na efetividade e aparece como uma consciência aí essente.

O que foi esboçado apenas de modo geral no espírito puramente pensado, como
o tornar-se Outro da essência divina, aqui se aproxima de sua realização para o
representar; realização que consiste, para ela, na auto-humilhação da essência
divina, que faz renúncia à sua abstração e inefetividade. O representar toma o
outro lado, o mal, como um acontecer alheio à essência divina. Captar o mal
nessa essência mesma, como a sua cólera, é o esforço extremo e mais árduo do
representar em conflito consigo mesmo; - esforço que, por carecer de conceito,
permanece infrutífero.

A alienação da essência divina se coloca, pois, em sua dupla modalidade: o Si do


espírito e seu pensamento simples são os dois momentos cuja unidade absoluta é
o espírito mesmo; sua alienação consiste em se dissociarem esses momentos e
em terem um valor desigual, um em relação ao outro. Tal desigualdade é por isso
desigualdade dupla: e surgem duas uniões, cujos momentos comuns são os
indicados. Em uma delas a essência divina conta como o essencial, enquanto o
ser-aí natural e o Si contam como o inessencial e o que se deve suprassumir. Ao
contrário, na outra união, o ser para si conta como o essencial, e o Divino simples
como o inessencial. Seu meio-termo, ainda vazio, é o ser-aí em geral, a simples
comunidade de seus dois momentos.
A solução dessa oposição não sucede pela luta desses dois momentos que são
representados como essências separadas e independentes. Sua independência faz
que em si, mediante seu conceito, cada um deva dissolver-se nele mesmo. A luta
só recai onde os dois deixam de ser essa combinação de pensamento e de ser-aí
independente; e onde se contrapõem, um ao outro, somente como pensamentos.
Pois só então, como conceitos determinados, estão essencialmente só na relação
de opostos; ao contrário, como independentes, têm sua essencialidade fora da
oposição: seu movimento é, assim, o movimento próprio e livre, deles mesmos.

Como assim o movimento dos dois é o movimento em si - porque neles mesmos


tem de ser considerado -, assim também o que começa o movimento é aquele
que é determinado como o em si essente, em contraste com o outro. Representa-
se isso como um agir voluntário; mas a necessidade de sua extrusão se baseia no
conceito de que o em si essente - que só na oposição é assim determinado - por
isso mesmo não tem subsistência verdadeira. Por conseguinte, o momento para o
qual conta como essência, não o ser para si mas o simples, é o momento que se
extrusa a si mesmo, vai à morte e por isso reconcilia a essência absoluta consigo
mesmo.

Com efeito, nesse movimento ele se apresenta como espírito. A essência abstrata
se alienou, tem ser-aí natural e efetividade própria do Si. Esse seu ser Outro - ou
sua presença sensível - se retoma por meio do segundo tornar-se outro, e é posto
como suprassumido, como universal. Mediante isso, a essência veio a ser para si
mesma nessa presença sensível; o ser-aí imediato da efetividade deixou de ser
estranho ou exterior a ela, por ser suprassumido, universal. Esta sua morte é
portanto seu ressurgir como espírito.

A presença imediata suprassumida da essência consciente de si é essa essência


como consciência de si universal. Esse conceito do Si singular suprassumido - que
é a essência absoluta - exprime por isso, imediatamente, a constituição de uma
comunidade que, tendo-se demorado até então no representar, agora a si retorna
como ao Si; e o espírito passa assim do segundo elemento de sua determinação -
do representar - ao terceiro, que é a consciência de si como tal.

Considerando ainda a maneira como esse representar se comporta em seu


desenvolvimento, vemos primeiro que se exprime isto: a essência divina assume
a natureza humana. Aí já está enunciado que em si as duas não estão separadas.
Como também ao dizer que a essência divina se extrusa a si mesma do seu
princípio, que seu ser-aí se adentra em si e se torna mau, não está expresso, mas
aí está implícito que em si esse ser-aí mau não lhe é algo alheio. A essência
absoluta só teria um nome vazio se houvesse em verdade Outro para ela, se
houvesse uma queda a partir dela. O momento do ser dentro de si constitui, antes,
o momento essencial do Si do espírito.

Ora que o ser dentro de si e por isso a efetividade pertençam à essência mesma -
isso, que para nós é conceito e, enquanto é conceito, aparece à consciência
representativa como um acontecer inconcebível: o Em si assume para ela a
forma do ser indiferente. Mas o pensamento de que não estão separados aqueles
dois momentos que parecem evitar-se - o da essência absoluta e do Si para si
essente - manifesta-se também a esse representar, pois ele possui o conteúdo
verdadeiro; mas só mais tarde se manifesta, na extrusão da essência divina que
se faz carne. Tal representação, que desse modo é ainda imediata, e portanto não
espiritual, ou que primeiro sabe a figura humana da essência divina só como
figura particular, e ainda não universal, torna-se espiritual para essa consciência
no movimento da essência figurada; movimento que é sacrificar de novo seu ser-
aí imediato, e retomar à essência. A essência só como refletida sobre si é o
espírito.

Portanto, está aí representada a reconciliação da essência divina com o Outro em


geral, e precisamente com o pensamento desse Outro, com o mal. Se essa
reconciliação, segundo o seu conceito, for enunciada de modo que consista em
que o mal em si é o mesmo que o bem, ou ainda, em que a essência divina é a
mesma coisa que a natureza em toda a sua amplitude, assim como a natureza
separada da essência divina é apenas o nada; - isso deve ser visto como uma
maneira não espiritual de expressar-se, que necessariamente deve suscitar mal-
entendidos. Enquanto o mal é o mesmo que o bem, justamente o mal não é o
mal, nem o bem é o bem, mas ambos antes estão suprassumidos: o mal em geral
é o ser para si essente dentro de si; e o bem, é o Simples carente de si. Ao serem
os dois assim enunciados segundo seu conceito, é evidente ao mesmo tempo sua
unidade; pois o ser para si, essente dentro de si, é o saber simples; e o Simples,
carente de si, é igualmente o puro ser para si, essente dentro de si.

Portanto, assim como deve ser dito que o bem e o mal, segundo seu conceito -
isto é, enquanto não são o bem e o mal -, são a mesma coisa; assim também
deve dizer-se que não são o mesmo, e sim pura e simplesmente diversos; porque
o ser para si simples, ou ainda, o puro saber, são de igual maneira a negatividade
pura ou a diferença absoluta neles mesmos. Só essas duas proposições tornam
completo o todo; e à afirmação e asseveração da primeira deve fazer frente,
com igual obstinação, o manter-se firme na outra. Ao terem as duas o mesmo
direito, ambas se acham igualmente sem direito, e sua falta de direito consiste
em tomar tais formas abstratas, como o mesmo e não o mesmo, a identidade e a
não identidade, por algo verdadeiro, sólido, efetivo; e em apoiar-se nessas
formas. Não tem verdade nem uma nem outra; mas o que tem verdade é
justamente o movimento delas, em que o Mesmo simples é a abstração, e, por
isso, a diferença absoluta; mas esta, como diferença em si, é diferente de si
mesma e, assim, é a igualdade consigo mesma.

Ora, é exatamente isso o que ocorre com a mesmeidade da essência divina, e da


natureza em geral, e da natureza humana em particular: aquela é a natureza
enquanto não é essência; a outra, é divina segundo sua essência: mas o espírito,
no qual os dois lados abstratos são postos como são em verdade - a saber, como
suprassumidos -, é um pôr que não pode ser expresso mediante o juízo e por sua
cópula, o é carente de espírito. Igualmente a natureza nada é, fora de sua
essência; mas este nada também é: é a abstração absoluta, e assim o puro pensar,
ou ser dentro de si; e, com o momento de sua oposição à unidade espiritual, é o
mal. A dificuldade que se encontra nesses conceitos é somente o fato de manter-
se no é e o esquecer do pensar, no qual os momentos tanto são como não são:
apenas são o movimento que o espírito é.

Essa unidade espiritual - ou a unidade em que as diferenças só são como


momentos ou como suprassumidas - é o que nessa reconciliação veio a ser para
a consciência representativa; e enquanto essa unidade é a universalidade da
consciência de si, deixou esta de ser representativa; o movimento retornou à
consciência de si.

O espírito, assim, é posto no terceiro elemento, na consciência de si universal. Ele


é sua comunidade. O movimento da comunidade, enquanto consciência de si que
se diferencia de sua representação, consiste em produzir o que em si já veio a
ser. O homem divino morto ou Deus humano, é em si, a consciência de si
universal; ele tem de tornar-se isso para esta consciência de si. Ou seja, enquanto
ela constitui um lado da oposição da representação - a saber, o lado mau, para o
qual contam como essência o ser-aí natural e o ser para si singular - esse lado,
que como independente ainda não é representado como momento, deve por sua
independência elevar-se ao espírito, em si mesmo e para si mesmo; ou, deve
apresentar nele o movimento do espírito.

Esse lado é o espírito natural: o Si tem de retirar-se dessa naturalidade e adentrar-


se em si - o que significa tornar-se mau. Ora, esse lado já é em si mau; o
adentrar-se em si consiste em convencer-se de que o ser-aí natural é o mal.
Incidem na consciência representativa tanto o ai essente fazer-se mau e o ser
mau do mundo, com a ai essente reconciliação da essência absoluta. Mas na
consciência de si, como tal, esse representado só recai segundo a forma, como
momento suprassumido; pois o Si é o negativo, portanto é o saber. - um saber, que
é um puro agir da consciência dentro de si mesma.

Esse momento do negativo deve exprimir-se igualmente no conteúdo. É que,


enquanto a essência em si já se reconciliou consigo, e é unidade espiritual, na
qual as partes da representação são suprassumidas ou momentos - isso se
exprime de modo que cada parte da representação recebe aqui a significação
oposta à que tinha antes. Por isso, cada significação se perfaz na outra, e só assim
o conteúdo é um conteúdo espiritual; enquanto a determinidade é também o seu
oposto, é consumada a unidade no ser Outro: o espiritual. Foi assim que antes se
unificaram para nós ou em si as significações opostas, e se suprassumiram até
mesmo as formas abstratas do mesmo e do não mesmo; da identidade e da não
identidade.

Se assim, na consciência representativa, o interiorizar-se da consciência de si


natural era o mal ai essente, então o interiorizar-se no elemento da consciência
de si é o saber sobre o mal, como um mal que em si está no ser-aí, Assim, esse
saber é evidentemente um vir a ser do mal, mas só um vir a ser do pensamento
do mal; e é por isso reconhecido como o primeiro momento da reconciliação.
Pois, como um retornar a si desde a imediatez da natureza, que é determinada
como o mal, esse saber é um desistir dessa imediatez e um morrer ao pecado.
Não é o ser-aí natural, como tal, que é abandonado pela consciência, mas um ser
natural que é ao mesmo tempo sabido como mal.

O movimento imediato do adentrar-se em si é também um movimento


mediatizado: pressupõe-se a si mesmo, ou seja, é seu próprio fundamento. O
fundamento do adentrar-se em si é que a natureza, em si, nela já se adentrou; e,
por causa do mal, o homem deve adentrar-se em si; ora, o mal é ele mesmo o
adentrar-se em sí. Esse primeiro movimento é, por isso mesmo, somente o
conceito imediato ou seu conceito simples; porque é o mesmo que seu
fundamento. O movimento - ou o tornar-se Outro - deve portanto aparecer ainda
em sua forma mais peculiar.

Além dessa imediatez é portanto necessária a mediação da representação. Em si


o saber da natureza, como do ser-aí não verdadeiro do espírito, e essa
universalidade do Si, que veio a ser dentro de si, são a reconciliação do espírito
consigo mesmo. Esse Em si, para a consciência de si não conceituante, recebe a
forma de algo essente e que lhe é representado. Assim, para ela, o conceituar
não é um compreender desse conceito, que sabe a naturalidade suprassumida
como universal, e portanto como reconciliada consigo mesma; mas é um
compreender daquela representação de que a essência divina se reconciliou com
seu ser-aí por meio do acontecer da própria extrusão da essência divina, por
meio de sua aconteci da encarnação e de sua morte.

O compreender dessa representação exprime agora mais precisamente o que


antes era denominado nela o ressurgir espiritual, ou o converter-se de sua
consciência de si singular na universal ou na comunidade. A morte do homem
divino, como morte, é a negatividade abstrata, o resultado imediato do
movimento, que só se consuma na universalidade natural. A morte perde essa
significação natural na consciência de si espiritual, ou seja, torna-se seu conceito
indicado acima: a morte daquilo que imediatamente significa, do não ser deste
Singular se transfigura na universalidade do espírito, que vive em sua
comunidade, e nela cada dia morre e ressuscita.

O que pertence ao elemento da representação - isto é, que o espírito absoluto,


como um espírito singular, ou melhor, um particular, representa em seu ser-aí a
natureza do espírito - aqui se transfere pois à própria consciência de si, ao saber
que se preserva em seu ser Outro. Essa consciência portanto não morre
efetivamente - como se representa que o ser particular morreu efetivamente -
mas sua particularidade morre em sua universalidade; quer dizer, morre em seu
saber, que é a essência reconciliando-se consigo.

Assim, o elemento, imediatamente anterior, do representar é posto aqui como


suprassumido; ou seja, retomou ao Si, ao seu conceito: o que nele era essente
apenas, converteu-se no sujeito. Por isso mesmo, também o primeiro elemento,
o pensar puro e o espírito eterno nele, já não estão além da consciência
representativa, nem do Si, mas o retorno do todo a si mesmo é justamente isto:
conter dentro de si todos os momentos. A morte do mediador, apreendida pelo Si,
é o suprassumir de sua objetividade ou de seu ser para si particular. Esse ser para
si particular tornou-se consciência de si universal.

De outro lado o universal tornou-se, por isso mesmo, consciência de si; e o


espírito puro ou inefetivo do mero pensar tornou-se efetivo. A morte do mediador
não é só a morte do seu lado natural, ou de seu ser para si particular; não morre
somente o invólucro já morto, despojado da essência, mas morre também a
abstração da essência divina. Com efeito, o mediador, na medida em que sua
morte ainda não consumou a reconciliação, é o unilateral, que sabe o simples do
pensar como a essência, em oposição à efetividade: esse extremo do Si não tem
ainda valor igual à essência; isto, o Si só o tem no espírito. A morte dessa
representação contém pois, ao mesmo tempo, a morte da abstração da essência
divina, que não é posta como Si.

A morte é o sentimento dolorido da consciência infeliz, de que Deus mesmo


morreu. Essa dura expressão do simples saber de si mais íntimo, o retorno da
consciência às profundezas da noite do Eu = Eu, que nada mais distingue nem
sabe fora dela. Assim, esse sentimento é de fato a perda da substância e de seu
contrapor-se à consciência; mas é, ao mesmo tempo, a pura subjetividade da
substância, ou a pura certeza de si mesma que faltava à substância - seja
enquanto objeto, seja enquanto o imediato, seja enquanto pura essência. Esse
saber é, pois, a animação pela qual a substância se tornou sujeito. Morreu sua
abstração e carência de vida, e assim a substância se tornou consciência de si
simples e universal.

O espírito é, desse modo, o espírito que se sabe a si mesmo: ele se sabe; o que
para ele é objeto, é. Ou seja, sua representação é o verdadeiro conteúdo
absoluto; exprime, como vimos, o espírito mesmo. Ao mesmo tempo, não é
somente conteúdo da consciência de si, nem é somente objeto para ela, mas é
também espírito efetivo. O espírito é isso, ao percorrer os três elementos de sua
natureza - esse movimento através de si mesmo que constitui sua efetividade: 1-
o que se move é ele; 2- ele é o sujeito do movimento, e 3- ele é igualmente o
mover mesmo, ou a substância através da qual passa o sujeito.

O conceito de espírito já tinha vindo a ser para nós, ao entrarmos na religião; - a


saber, como o movimento do espírito certo de si mesmo que perdoa o malvado e
com isso se despoja, ao mesmo tempo, de sua própria simplicidade e dura
imutabilidade, - ou seja, como o movimento em que o absolutamente oposto se
reconhece como o mesmo, e esse reconhecer irrompe como o sim entre esses
extremos. É esse conceito que intui a consciência religiosa, à qual se revelou a
essência absoluta: suprassume a distinção entre seu Si e seu objeto intuído; e
como é sujeito, assim também é substância, e portanto ela mesma é o espírito:
justamente porque é, e enquanto é, esse movimento.

Essa comunidade porém ainda não está consumada nessa sua consciência de si:
seu conteúdo, para ela, está em geral na forma do representar, e a espiritualidade
efetiva dessa comunidade - seu retorno desde seu representar - tem também essa
cisão ainda nela, tal como estava afetado de cisão o próprio elemento do pensar
puro. Ela não tem ainda a consciência sobre o que ela é; é a consciência de si
espiritual, que não é, como esta consciência de si, objeto para si. Ou seja, não se
abre à consciência de si mesma mas, na medida em que é consciência, tem
essas representações que foram consideradas.

Nós vemos a consciência de si interiorizar-se no seu último ponto de reversão e


chegar ao saber do ser dentro de si; nós a vemos extrusar seu ser-aí natural e
adquirir a pura negatividade. Mas a significação positiva - a saber, que essa
negatividade ou interioridade pura do saber é igualmente a essência igual a si
mesma, ou seja, que a substância conseguiu neste ponto ser a consciência de si
absoluta - isso para a consciência piedosa é outro. Ela apreende este lado - de que
o puro interiorizar-se do saber é em si a simplicidade absoluta, ou a substância -
como a representação de algo que não é assim segundo o conceito, mas como a
operação de uma satisfação alheia. Ou seja: para tal consciência, não é claro que
essas profundezas do Si sejam a força pela qual a essência abstrata se faz descer
de sua abstração, e é elevada ao Si pelo poder dessa pura devoção.

O agir do Si conserva, pois, essa significação negativa em contraste com a


consciência devota; porque de seu lado a extrusão da substância é, para essa
consciência, um Em si que ela igualmente não apreende nem conceitua, ou que
não encontra em seu agir como tal. Ao efetuar-se em si essa unidade da essência
e do Si, a consciência tem ainda também essa representação de sua
reconciliação, mas como representação. Obtém a satisfação ao acrescentar
exteriormente, à sua pura negatividade, a significação positiva da unidade de si
com a essência: assim sua satisfação fica afetada pela oposição de um além. Sua
própria reconciliação entra, pois, como um longe na sua consciência; como um
longe do futuro, assim como a reconciliação, que o outro Si realizou, aparece
como um longe do passado. Como o homem divino singular, tem um pai em si
essente, e somente uma mãe efetiva, assim o homem divino universal - a
comunidade - tem por seu pai o próprio agir e saber, e, por sua mãe, o amor
eterno que ela apenas sente, mas que não contempla em sua consciência como
objeto imediato efetivo.

Por conseguinte, sua reconciliação está em seu coração, mas ainda cindida com
sua consciência; e ainda está rompida sua efetividade. O que entra em sua
consciência como o Em si, ou como o lado da pura mediação, é a reconciliação
residente além. Mas o que nela entra como presente, como o lado da imediatez e
do ser-aí, é o mundo, que ainda tem de aguardar sua transfiguração. Certamente
em si, o mundo está reconciliado com a essência; e da essência, sabe-se bem que
não conhece mais o objeto como alienado de si, mas como igual a si no seu
amor. Mas, para a consciência de si, essa presença imediata não tem ainda figura
de espírito. Assim está o espírito da comunidade, em sua consciência imediata,
separado de sua consciência religiosa, que na verdade declara que essas
consciências não estão separadas em si. Mas é um Em si que não se realizou, ou
que ainda não se tornou igualmente ser para si absoluto.
VIII - O Saber Absoluto

O espírito da religião manifesta ainda não ultrapassou sua consciência como tal; -
ou, o que é o mesmo - sua consciência de si efetiva não é o objeto de sua
consciência. Esse espírito em geral, e os momentos que nele se distinguem,
incidem no representar e na forma da objetividade. O conteúdo do representar é
o espírito absoluto, e o que resta ainda a fazer é só o suprassumir dessa mera
forma da objetividade, ou melhor, já que ela pertence à consciência como tal,
sua verdade deve já ter-se mostrado nas figuras da consciência.

Essa superação do objeto da consciência não se deve tomar como algo unilateral,
em que o objeto se mostrasse como retomado ao Si; mas, de modo mais
determinado, em que o objeto como tal se mostrasse ao Si como evanescente.
Melhor ainda, toma-se de modo que é a extrusão da consciência de si que põe a
coisidade, e que essa extrusão não tem só a significação negativa, mas a positiva;
não só para nós ou em si, mas para ela mesma. Para a consciência de si, o
negativo do objeto, ou o suprassumir do objeto a si mesmo, tem significação
positiva; ou seja, ela sabe essa nulidade do objeto, de uma parte, porque se
extrusa a si mesma, pois nessa extrusão se põe como objeto, ou põe o objeto
como a si mesma em razão da inseparável unidade do ser para si. De outra parte,
aí reside ao mesmo tempo esse outro momento, que a consciência de si também
tenha igualmente suprassumido e recuperado dentro de si essa extrusão e
objetividade: assim está junto de si no seu ser outro como tal.

É isso o movimento da consciência, e nesse movimento ela é a totalidade de seus


momentos. A consciência deve igualmente relacionar-se com o objeto segundo a
totalidade de suas determinações, e deve tê-lo apreendido conforme cada uma
delas. Essa totalidade de suas determinações faz do objeto em si a essência
espiritual; e isso ele se torna em verdade para a consciência, mediante o
apreender de cada determinação sua singular como o Si, ou pelo relacionamento
espiritual para com elas, acima mencionado.

O objeto é assim, de uma parte, ser imediato, ou uma coisa em geral, o que
corresponde à consciência imediata. De outra parte é um tornar-se outro de si,
sua relação ou ser para outro e ser para si: a determinidade - o que corresponde à
percepção. E ainda por outra parte, é essência ou é como universal, o que
corresponde ao entendimento. Enquanto todo, o objeto é silogismo ou o
movimento do universal, através da determinação, para a singularidade - como é
também o movimento inverso da singularidade, através da singularidade como
suprassumida, ou da determinação, para o universal.
A consciência, portanto, deve saber o objeto como a si mesma, segundo essas
três determinações. Contudo, não se fala aqui do saber como conceituar puro do
objeto, mas esse saber deve ser indicado somente em seu vir a ser ou em seus
momentos, segundo o lado que pertence à consciência como tal; e os momentos
do conceito propriamente dito, ou do saber puro, devem ser indicados na forma
de figurações da consciência. Por isso, na consciência como tal, ainda não
aparece o objeto como a essencialidade espiritual, do modo como acima foi
expressa por nós; e o comportar-se da consciência para com ele não é a
consideração do objeto nessa totalidade; como tal, nem em sua pura forma de
conceito; mas é, de uma parte, a figura da consciência em geral, e de outra,
certo número de tais figuras, que nós reunimos, e nas quais a totalidade dos
momentos do objeto e do comportamento da consciência só se pode mostrar
dissolvida nos momentos dessa totalidade.

Por isso, a propósito desse aspecto do apreender do objeto, tal como é na figura
da consciência, há que rememorar somente as figuras anteriores da consciência
que já foram encontradas. Assim, do ponto de vista do objeto que enquanto
imediato é um ser indiferente, vimos a razão observadora buscar e encontrar a si
mesma nessa coisa indiferente. Quer dizer: vimos essa razão ser para si tão
consciente de seu agir como algo exterior, quanto é consciente do objeto só como
objeto imediato. Vimos também em seu ponto culminante declarar sua
determinação no juízo infinito de que o ser do Eu é uma coisa: E na verdade,
uma coisa sensível imediata; se o Eu se denomina alma, também assim é
representado, sem dúvida, como coisa; mas, de fato, como um ser invisível,
insensível, etc., portanto não como ser imediato, nem como o que se entende ao
falar de uma coisa. Aquele juízo, tomado assim como imediatamente soa, é
carente de espírito; ou melhor, é a própria carência de espírito. Mas quanto ao
seu conceito, é de fato o mais rico de espírito; e esse seu interior, que nele ainda
não está disponível, é o que exprimem os dois outros momentos que passamos a
considerar.

A coisa é Eu: de fato, nesse juízo infinito a coisa está suprassumida: a coisa nada
é em si; só tem significação na relação, somente mediante o Eu, e mediante sua
referência ao Eu. Para a consciência, apresentou-se esse momento na pura
inteligência e no Iluminismo. As coisas são pura e simplesmente úteis, e só
segundo sua utilidade há que considerá-las. A consciência de si cultivada - que
percorreu o mundo do espírito alienado de si, produziu por sua extrusão a coisa
como a si mesma: portanto, conserva-se ainda a si mesma na coisa e sabe a falta
de independência da coisa, ou sabe que a coisa é essencialmente apenas ser para
outro; ou, para exprimir perfeitamente a relação - isto é, o que constitui aqui
somente a natureza do objeto - a coisa para ela vale como algo para si essente.
Ela enuncia a certeza sensível como verdade absoluta, mas esse mesmo ser para
si como momento que apenas desvanece e passa ao seu contrário: ao ser que ao
outro se abandona.

Mas a essa altura, o saber da coisa ainda não chegou à perfeição: a coisa deve
ser conhecida não somente segundo a imediatez do ser e segundo a
determinidade, mas também como essência ou interior: como o Si. Isso está
presente na consciência de si moral. Ela sabe seu saber como a absoluta
essencialidade, ou seja, sabe o ser pura e simplesmente como a pura verdade ou
o puro saber, e nada mais é que essa vontade e saber somente. A outra
consciência que não à consciência moral compete só o ser inessencial, isto é, não
essente em si; só sua casca vazia. A consciência moral, enquanto em sua
representação do mundo, desprende do Si o ser-aí, ela igualmente o recupera
dentro de si mesma. Como boa consciência, enfim, não é mais esse colocar e
deslocar, alternadamente, do ser-aí e do Si; mas sabe que seu ser-aí, como tal, é
a pura certeza de si mesma: o elemento objetivo, para o qual se traslada
enquanto operante, não é outra coisa que o puro saber do Si sobre si mesmo.

Esses são os momentos dos quais se compõe a reconciliação do espírito com sua
própria consciência. Para si, os momentos são singulares, e só sua unidade
espiritual é que constitui a força dessa reconciliação. O último desses momentos,
porém, é necessariamente essa unidade mesma, e de fato reúne - como é
evidente - a todos dentro de si. O espírito, certo de si mesmo em seu ser-aí, não
tem por elemento do ser-aí outra coisa que esse saber de si mesmo. Declarar que
aquilo que faz, faz segundo a convicção do dever, essa sua linguagem é o
legitimar de seu agir. O agir é o primeiro separar em si essente da simplicidade
do conceito, e é o retorno desde essa separação. Esse primeiro momento se
converte no segundo, enquanto o elemento do reconhecer se contrapõe, como
saber simples do dever, à diferença e à cisão que residem no agir como tal; e
dessa maneira formam uma efetividade férrea contra o agir. No perdão, porém,
nós vimos como essa dureza abdica de si mesma e se extrusa.

A efetividade, portanto, como ser-aí imediato, não tem aqui para a consciência
de si outra significação que ser o saber puro; assim também, como ser-aí
determinado, ou como relação, o que se lhe contrapõe é um saber. Esse saber é,
de uma parte, saber desse Si puramente singular; de outra parte, do saber como
universal. Nisso está, ao mesmo tempo, posto que o terceiro momento - a
universalidade ou a essência - para cada um dos dois lados contrapostos só conta
como saber: e afinal, eles igualmente suprassumem essa oposição vazia que
ainda resta, e são o saber do Eu = Eu: este Si singular que é imediatamente saber
puro ou universal.

Essa reconciliação, da consciência com a consciência de si, mostra-se portanto


como efetuada dos dois lados: primeiro, no espírito religioso; outra vez, na própria
consciência como tal. Os dois lados se diferenciam, um do outro, por ser o
primeiro a reconciliação na forma do ser em si, e o outro, na forma do ser para
si. Tais como foram considerados, eles incidem inicialmente fora um do outro; a
consciência, na ordem em que se apresentavam para nós suas figuras, de uma
parte chegou aos momentos singulares dessas, e de outra parte atingiu, há muito,
sua unificação; antes que a religião também tivesse dado a seu objeto a figura de
consciência de si efetiva.

A unificação dos dois lados não está ainda indicada; é ela que conclui essa série
de figurações do espírito, já que o espírito chega a saber se nela não só como é
em si, ou segundo seu conteúdo absoluto; nem só como é para si, segundo sua
forma carente de conteúdo, ou segundo o lado da consciência de si; senão como
o espírito é em si e para si.

Mas essa unificação já aconteceu em si: sem dúvida, ocorreu também na


religião, - no retorno da representação à consciência de si; mas não se deu
segundo sua forma autêntica, porque o lado religioso é o lado do Em si, que se
contrapõe ao movimento da consciência de si. A unificação pertence, pois, a esse
outro lado, que na oposição é o lado da reflexão sobre si, e assim é aquele que
contém a si mesmo e o seu contrário; e não só em si, ou de uma maneira
universal, mas para si ou de uma maneira desenvolvida e diferenciada. O
conteúdo, assim como o outro lado do espírito consciente de si, enquanto é o outro
lado, se fazem presentes e se mostram em sua integralidade: a unificação que
ainda falta é a unidade simples do conceito.

Esse conceito já está também presente no lado da própria consciência de si; mas
tal como se apresentou no que precede, tem, como todos os demais momentos, a
forma de ser uma figura particular da consciência. É assim aquela parte da
figura do espírito certo de si mesmo, que permanece firme dentro de seu
conceito, e que se chama a bela alma. É que a bela alma é seu saber sobre si
mesma, em sua pura unidade translúcida; é a consciência de si que sabe como
sendo o espírito esse puro saber sobre o puro ser dentro de si; não é somente a
intuição do divino, mas a auto intuição do divino. Enquanto esse conceito se
mantém oposto à sua realização, ele é a figura unilateral, cujo desvanecer em
névoa vazia nós vimos; mas também vimos sua extrusão positiva e movimento
para a frente.

Graças a essa realização, suprassume-se o obstinar-se em si dessa consciência de


si carente de objeto, a determinidade do conceito contra sua implementação. Sua
consciência de si ganha a forma da universalidade, e o que lhe resta é seu
conceito verdadeiro, ou o conceito que ganhou sua realização. É o conceito em
sua verdade, isto é, na unidade com sua extrusão: - o saber do saber puro, não
como essência abstrata, que é o dever, mas do saber puro como essência que é
este saber, esta consciência de si pura, que assim ao mesmo tempo é o
verdadeiro objeto, pois é o Si para si essente.

Esse conceito se conferiu sua implementação, de uma parte no espírito operante,


certo de si mesmo; de outra parte, na religião. O conceito ganhou na religião o
conteúdo absoluto, como conteúdo; ou seja, na forma da representação, na
forma do ser Outro para a consciência. Ao contrário, na figura do espírito
operante, a forma é o próprio Si, porque ela contém o espírito operante, certo de
si mesmo; o Si leva a termo a vida do espírito absoluto. Essa figura é, como
vemos, aquele conceito simples, mas que abandona sua essência eterna, é aí, ou
opera. Tem, na pureza do conceito, o cindir-se ou o emergir, já que essa pureza é
a absoluta abstração, ou negatividade. Igualmente, o conceito tem o elemento de
sua efetividade, ou do ser, dentro dele: no puro saber mesmo. Com efeito, esse
saber puro é a imediatez simples, que é tanto ser e ser-aí quanto essência. O
primeiro, é o pensar negativo; o segundo, é o positivo pensar mesmo. Enfim, esse
ser-aí é também o ser refletido sobre si mesmo para fora do puro saber - seja
como ser-aí, seja como dever; é o ser mau.

Esse adentrar-se em si constitui a oposição do conceito, e é, por isso, o surgir do


saber puro, inoperante e inefetivo, da essência. Porém esse seu surgir nessa
oposição é a participação nela: o saber puro da essência extrusou-se, em si, de
sua simplicidade, pois é o cindir-se ou a negatividade que é o conceito. Na
medida em que esse cindir-se é o vir a ser para si, ele é o mal; na medida em
que é o Em si, ele é o que permanece bom. Ora, o que de início acontece em si,
ao mesmo tempo é para a consciência, e é também duplo, ele mesmo: tanto é
para a consciência quanto é seu ser para si ou seu próprio agir. O mesmo que em
si já foi posto, repete-se, pois, agora como o saber da consciência sobre ele, e
como agir consciente. Cada momento abdica, em favor do outro, da
independência da determinidade em que surge contra ele. Esse abdicar é o
mesmo ato de renúncia à unilateralidade do conceito, que em si constituía o
começo; mas de agora em diante, é seu ato de renúncia: - como o conceito, ao
qual renuncia, é o seu conceito.

Em verdade, aquele Em si do começo é igualmente como negatividade o Em si


mediatizado. Agora se põe tal como é em verdade; e o negativo é como
determinidade de cada um para com o outro, e é em si o que suprassume a si
mesmo. Uma das duas partes da oposição é a desigualdade do ser dentro de si
em sua singularidade, em contraste com a universalidade; a outra, é a
desigualdade de sua universalidade abstrata em contraste com o Si. O primeiro
Em si morre ao seu ser para si, se extrusa e se confessa; este outro renuncia à
dureza de sua universalidade abstrata, e morre ao seu Si sem vida e à sua
universalidade inconcussa; de modo que assim o primeiro Em si se completou
através do momento da universalidade que é a essência, e o segundo, através da
universalidade que é o Si. Mediante esse movimento do agir, o espírito - que só é
espírito porque é aí, porque eleva seu ser-aí ao pensamento e por isso à oposição
absoluta, e desta, por ela e nela mesma retoma; - o espírito surgiu como pura
universalidade do saber, que é consciência de si. Como consciência de si, é a
unidade simples do saber.

Por conseguinte, o que na religião era conteúdo ou forma do representar de


outro, isso mesmo é aqui agir próprio do Si: o conceito o obriga a que o conteúdo
seja o agir próprio do Si; pois esse conceito é, como vemos, o saber do agir do Si
dentro de si como saber de toda a essencialidade e de todo o ser-aí: o saber sobre
este sujeito como sendo a substância, e da substância como sendo este saber de
seu agir. O que aqui acrescentamos é, de uma parte, somente a reunião dos
momentos singulares, cada um dos quais apresenta em seu princípio a vida do
espírito todo; e de outra parte, o manter se firme do conceito na forma do
conceito, cujo conteúdo já havia resultado naqueles momentos, e na forma de
uma figura da consciência.

Essa última figura do espírito - o espírito que ao mesmo tempo dá ao seu


conteúdo perfeito e verdadeiro a forma do Si, e por isso tanto realiza seu conceito
quanto permanece em seu conceito nessa realização - é o saber absoluto. O saber
absoluto é o espírito que se sabe em figura de espírito, ou seja: é o saber
conceituante. A verdade não é só em si perfeitamente igual à certeza, mas tem
também a figura da certeza de si mesma: ou seja, é no seu ser-aí, quer dizer,
para o espírito que sabe, na forma do saber de si mesmo. A verdade é o conteúdo
que na religião é ainda desigual à sua certeza. Ora, essa igualdade consiste em
que o conteúdo recebeu a figura do Si. Por isso, o que é a essência mesma, a
saber, o conceito, se converteu no elemento do ser-aí, ou na forma da
objetividade para a consciência. O espírito, manifestando-se à consciência nesse
elemento, ou, o que é o mesmo, produzido por ela nesse elemento, é a ciência.

A natureza, os momentos e o movimento desse saber se mostraram, pois, de


modo que esse saber é o puro ser para si da consciência de si; o saber é o Eu, que
é este e nenhum outro Eu, e que é igualmente o Eu universal, imediatamente
mediatizado ou suprassumido. Tem um conteúdo que distingue de si, pois é a
negatividade pura ou o cindir-se: o Eu é consciência. Esse conteúdo é, em sua
diferença mesma, o Eu, por ser o movimento do suprassumir a si mesmo; ou
essa mesma negatividade pura que é o Eu. O Eu está no conteúdo como
diferenciado, refletido sobre si: o conteúdo é conceituado somente porque em seu
ser outro está junto de si mesmo. Esse conteúdo, determinado com mais rigor,
não é outra coisa que o movimento mesmo que acabamos de expor: pois é o
espírito que se percorre a si mesmo, e certamente o faz para si como espírito,
porque tem a figura do conceito na sua objetividade.

Mas no que concerne ao ser aí desse conceito, a ciência não se manifesta no


tempo e na efetividade antes que o espírito tenha chegado a essa consciência
sobre si mesmo. Como o espírito que sabe o que ele é, não existe antes, aliás não
existe em parte alguma, senão depois do cumprimento do trabalho de dominar
sua figuração imperfeita, de se criar para a sua consciência a figura de sua
essência, e, dessa maneira, igualar sua consciência de si com sua consciência. O
espírito essente em si e para si, diferenciado em seus momentos, é saber para si
essente, o conceituar em geral, que como tal não atingiu ainda a substância; ou
seja, não é saber absoluto em si mesmo.

Ora, na efetividade a substância que sabe é aí antes que sua forma ou figura
conceitual. Com efeito, a substância é o Em si ainda não desenvolvido, ou o
fundamento e o conceito em sua simplicidade ainda inconcussa; é, pois, a
interioridade ou o Si do espírito que ainda não é aí. O que é aí, está como o ainda
não desenvolvido Simples e Imediato, ou como o objeto da consciência
representativa em geral. Inicialmente, o conhecer só tem um objeto pobre, pelo
motivo de ser a consciência espiritual, para a qual o que é em si só é enquanto é
ser para o Si, e ser do Si ou conceito: em contraste com esse objeto pobre, a
substância e a consciência dela são mais ricas.

A manifestabilidade, que a substância tem na consciência, de fato é ocultamento:


já que a substância é o ser ainda carente de si, e só a certeza de si mesma é para
si manifesta. Portanto de início, da substância, só pertencem à consciência de si
os momentos abstratos; porém, enquanto esses momentos, como movimentos
puros, impelem para diante a si mesmos, a consciência de si se enriquece até
extrair da consciência a substância toda, a estrutura completa de suas
essencialidades. E enquanto esse comportamento negativo para com a
objetividade é igualmente positivo, é um pôr, ela engendrou a partir de si esses
momentos, e por isso, ao mesmo tempo, os restaurou para a consciência.

No conceito que se sabe como conceito, os momentos se apresentam, pois,


anteriormente ao todo implementado, cujo vir a ser é o movimento desses
momentos. Na consciência, ao contrário, é anterior a esses momentos o todo,
mas o todo não conceituado. O tempo é o conceito mesmo, que é-ai, e que se faz
presente à consciência como intuição vazia. Por esse motivo, o espírito se
manifesta necessariamente no tempo; e manifesta-se no tempo enquanto não
apreende seu conceito puro; quer dizer, enquanto não elimina o tempo. O tempo
é o puro Si exterior intuído mas não compreendido pelo Si: é o conceito apenas
intuído. Enquanto compreende a si mesmo, o conceito suprassume sua forma de
tempo, conceitua o intuir, e é o intuir concebido e conceituante.

O tempo se manifesta, portanto, como o destino e a necessidade do espírito, que


ainda não está consumado dentro de si mesmo; como a necessidade de
enriquecer a participação que a consciência de si tem na consciência, e de pôr
em movimento a imediatez do Em si - a forma em que está a substância na
consciência. Ou, inversamente - tomando o Em si como o interior - como a
necessidade de realizar e de revelar o que é somente interior; isto é, de
reivindica-lo para a certeza de si mesmo.

Por essa razão deve-se dizer que nada é sabido que não esteja na experiência; -
ou, como também se exprime a mesma coisa - que não esteja presente como
verdade sentida, como Eterno interiormente revelado, como o sagrado em que se
crê, ou quaisquer outras expressões que sejam empregadas. Com efeito, a
experiência é exatamente isto: que o conteúdo - e ele é o espírito - seja em si
substância, e assim, objeto da consciência. Mas essa substância, que é o espírito,
é o seu vir a ser para ser o que é em si; e só como esse vir a ser refletindo-se
sobre si mesmo ele é em si, em verdade, o espírito. O espírito é em si o
movimento que é o conhecer - a transformação desse Em si no Para si; da
substância no sujeito; do objeto da consciência em objeto da consciência de si;
isto é, em objeto igualmente suprassumido, ou seja, no conceito.

Esse movimento é o círculo que retoma sobre si, que pressupõe seu começo e
que só o atinge no fim. Assim, pois, enquanto o espírito é necessariamente esse
diferenciar dentro de si, seu todo intuído se contrapõe à sua consciência de si
simples. E já que esse todo é o diferenciado, diferencia-se em seu conceito puro:
no tempo, e no conteúdo - ou no Em si. A substância, como sujeito, tem nela a
necessidade, inicialmente interior, de apresentar-se nela mesma como o que ela
é em si, como espírito. Só a exposição completa e objetiva é, ao mesmo tempo, a
reflexão da substância, ou seu converter-se em Si. Portanto, o espírito não pode
atingir sua perfeição como espírito consciente de si antes de ter-se consumado
em si, antes de ter-se consumado como espírito do mundo. Por isso o conteúdo da
religião proclama no tempo, mais cedo que a ciência, o que é o espírito; mas só a
ciência é o verdadeiro saber do espírito sobre si mesmo.

O movimento, que faz surgir a forma de seu saber de si, é o trabalho que o
espírito executa como história efetiva. A comunidade religiosa, enquanto é
inicialmente a substância do espírito absoluto, é a consciência tosca que tem um
ser-aí tanto mais bárbaro e rude, quanto mais profundo é seu espírito interior; e
tanto mais duro trabalho tem seu Si obtuso com sua essência; com o conteúdo,
para ele estranho, de sua consciência. Só depois que renunciou à esperança de
suprassumir o ser estranho de uma maneira exterior, isto é, estranha, é que volta
a si, porque a maneira estranha suprassumida é o retorno à consciência de si:
volta a si mesma, a seu próprio mundo e a seu presente; descobre-os como
propriedade sua, e assim deu o primeiro passo para descer do mundo-intelectual,
ou melhor, para vivificar com o Si efetivo o elemento abstrato desse mundo. Por
um lado, através da observação encontra o ser-aí como pensamento, e o
conceitua; e inversamente, encontra em seu pensar o ser-aí.

Ora, enquanto essa consciência assim exprimia, de início, a unidade imediata do


pensar e do ser, da essência abstrata e do Si, embora abstratamente, e fazia
renascer a luminosidade primeira sob forma mais pura, a saber, como unidade
da extensão e do ser - porque a extensão é a simplicidade mais equivalente que a
luz ao puro pensar - ressuscitou com isso no pensamento a substância do
amanhecer. Ao mesmo tempo, o espírito se horroriza ante essa unidade abstrata -
essa substancialidade carente de si - e afirma contra ela a individualidade.

Contudo, somente depois de ter na cultura extrusado sua individualidade,


tornando-a desse modo ser-aí, e fazendo-a prevalecer em todo o ser-aí; só depois
de ter chegado ao pensamento da utilidade, e de ter captado na liberdade absoluta
o ser-aí como sua vontade, é que o espírito desentranha o pensamento de sua
mais íntima profundidade, e enuncia a essência como Eu = Eu. Mas esse Eu = Eu
é o movimento que se reflete sobre si mesmo; pois sendo essa igualdade, como
negatividade absoluta, a absoluta diferença - a igualdade do Eu consigo mesmo
se contrapõe a essa diferença pura, que enquanto diferença pura é ao mesmo
tempo objetiva para o Si que se sabe -, há que exprimir-se como o tempo; de
modo que a essência, que antes era expressa como unidade do pensar e da
extensão, deveria ser apreendida agora como unidade do pensar e do tempo. Mas
a diferença deixada a si mesma - o tempo sem repouso e sem pausa - antes
colapsa dentro de si mesma: é a quietude objetiva da extensão. Ora, essa é a pura
igualdade consigo mesma - o Eu.

Em outras palavras: o Eu não é apenas o Si, mas é a igualdade do Si consigo; essa


igualdade porém é a perfeita e imediata unidade consigo mesmo, ou seja, este
sujeito é igualmente a substância. A substância; por si só, seria o intuir vazio de
conteúdo, ou o intuir de um conteúdo que, como determinado, só teria
acidentalidade, e seria sem necessidade. A substância só valeria como o absoluto
na medida em que fosse pensada ou intuída como a unidade absoluta; e todo o
conteúdo, segundo sua diversidade, devesse recair fora dela, na reflexão. Ora, a
reflexão não pertence à substância, pois a substância não seria sujeito, nem o que
se reflete dentro de si e sobre si; ou seja, não seria conceituada como espírito.
Ora bem, se ainda se devesse falar de conteúdo, seria, de uma parte, para lançá-
lo no vazio abismo do absoluto, e, de outra parte, ele seria recolhido
externamente da percepção sensível: o saber pareceria ter chegado às coisas, à
diferença dele mesmo e à diferença das coisas múltiplas - sem que se
conceituasse como e donde chegou lá.

O espírito porém se mostrou a nós não somente como o recolher-se da


consciência de si para estar na sua pura interioridade, nem como a mera
submersão da consciência de si na substância e não ser da sua própria diferença.
Ao contrário, o espírito é esse movimento do Si, que se extrusa de si mesmo e se
submerge em sua substância, e que tanto saiu dessa substância como sujeito, e se
adentrou em si, convertendo-a em objeto e conteúdo - quanto suprassume essa
diferença entre a objetividade e o conteúdo. Aquela primeira reflexão, que parte
da imediatez, é o diferenciar-se do sujeito em relação à sua substância, ou o
conceito que se cinde: - o adentrar-se em si e o vir a ser do puro Eu, Enquanto
essa diferença é o agir puro do Eu = Eu, o conceito é a necessidade e o eclodir do
ser-aí, que tem a substância por sua essência, e subsiste para si.

Ora, o subsistir do ser-aí para si é o conceito posto na determinidade, e por isso é


igualmente seu movimento, nele mesmo, de ir mais fundo dentro da substância
simples, que só é sujeito enquanto é essa negatividade e movimento, O Eu
tampouco tem que aferrar-se à forma da consciência de si, contra a forma da
substancialidade e objetividade, como se tivesse pavor de sua extrusão. A força
do espírito consiste, antes, em permanecer igual a si mesmo em sua extrusão, e
como o essente em si e para si, em pôr tanto o ser para si quanto o ser em si
apenas como momento. O Eu também não é um terceiro termo que rejeite as
diferenças, lançando-as no abismo do absoluto, e que proclame sua igualdade
dentro desse abismo. Ao contrário: o saber consiste muito mais nessa aparente
inatividade que só contempla como é que o diferente se move nele mesmo, e
retoma à sua unidade.

No saber, portanto, o espírito concluiu o movimento de seu configurar-se


enquanto esse configurar-se é afetado pela diferença não superada da
consciência. O espírito ganhou o puro elemento do seu ser-aí - o conceito. O
conteúdo é, segundo a liberdade de seu ser, o Si que se extrusa, ou a unidade
imediata do saber-se a si mesmo. O puro movimento dessa extrusão, considerado
no conteúdo, constitui a necessidade desse mesmo conteúdo. O conteúdo
diversificado está como determinado na relação; não é em si. Sua inquietude é
suprassumir-se a si mesmo, ou a negatividade: assim é a necessidade ou a
diversidade; é tanto o Si quanto é o ser livre; e nessa forma de Si, em que o ser-aí
é imediatamente pensamento - o conteúdo é conceito.

Quando, pois, o espírito ganhou o conceito, desenvolve o ser-aí e o movimento


nesse éter de sua vida, e é ciência. Os momentos de seu movimento já não se
apresentam na ciência como figuras determinadas da consciência, mas, por ter
retomado ao Si a diferença da consciência, apresentam-se como conceitos
determinados, e como seu movimento orgânico, fundado em si mesmo. Se na
fenomenologia do espírito cada momento é a diferença entre o saber e a
verdade, e é o movimento em que essa diferença se suprassume; - ao contrário,
a ciência não contém essa diferença e o respectivo suprassumir; mas, enquanto o
momento tem a forma do conceito, reúne em unidade imediata a forma objetiva
da verdade e a forma do Si que sabe. O momento não surge mais como esse
movimento de ir e vir da consciência ou da representação para a consciência de
si e vice-versa: mas sua figura pura, liberta de sua manifestação na consciência -
o conceito puro e seu movimento para diante - dependem somente de sua pura
determinidade.

Inversamente, a cada momento abstrato da ciência corresponde em geral uma


figura do espírito que se manifesta. Como o espírito aí essente não é mais rico
que a ciência, assim também não é mais pobre em seu conteúdo. Conhecer os
conceitos puros da ciência, nessa forma de figuras da consciência, constitui o
lado de sua realidade segundo o qual sua essência - o conceito - que nela está
posto em sua simples mediação como pensar, dissocia um do outro os momentos
dessa mediação, e se apresenta segundo a oposição interna.

A ciência contém, nela mesma, essa necessidade de extrusar-se própria da


forma do puro conceito; e contém a passagem do conceito à consciência. Pois o
espírito que se sabe a si mesmo, precisamente porque apreende o seu conceito, é
a igualdade imediata consigo mesmo, a qual em sua diferença é a certeza do
imediato, ou a consciência sensível - o começo donde nós partimos. Esse
desprender-se da forma de seu Si é a suprema liberdade e segurança de seu
saber de si.

Essa extrusão, contudo, é ainda incompleta: exprime a relação da certeza de si


mesmo com o objeto, que não ganhou sua perfeita liberdade, justamente porque
está na relação. O saber conhece não só a si, mas também o negativo de si
mesmo, ou seu limite. Saber seu limite significa saber sacrificar-se. Esse
sacrifício é a extrusão, em que o espírito apresenta seu processo de vir a ser o
espírito, na forma do livre acontecer contingente, intuindo seu puro Si como o
tempo fora dele, e igualmente seu ser como espaço. Esse último vir a ser do
espírito, a natureza, é seu vivo e imediato vir a ser. Ora, a natureza - o espírito
extrusado - em seu ser-aí não é senão essa eterna extrusão de sua subsistência, e
o movimento que estabelece o sujeito.

Mas o outro lado de seu vir a ser, a história, é o vir a ser que sabe e que se
mediatiza - é o espírito extrusado no tempo. Mas essa extrusão é igualmente a
extrusão dela mesma: o negativo é o negativo de si mesmo. Esse vir a ser
apresenta um movimento lento e um suceder-se de espíritos, um ao outro; uma
galeria de imagens, cada uma das quais, dotada com a riqueza total do espírito,
desfila com tal lentidão justamente porque o Si tem de penetrar e de digerir toda
essa riqueza de sua substância. Enquanto sua perfeição consiste em saber
perfeitamente o que ele é - sua substância - esse saber é então seu adentrar-se
em si, no qual o espírito abandona seu ser-aí e confia sua figura à rememoração.
No seu adentrar se em si, o espírito submergiu na noite de sua consciência de si;
mas nela se conserva seu ser-aí que desvaneceu; e esse ser-aí suprassumido - o
mesmo de antes, mas recém nascido agora do saber - é o novo ser-aí, um novo
mundo e uma nova figura de espírito. Nessa figura o espírito tem de recomeçar
igualmente, com espontaneidade em sua imediatez; e partindo dela, tornar-se
grande de novo - como se todo o anterior estivesse perdido para ele, e nada
houvesse aprendido da experiência dos espíritos precedentes. Mas a
rememoração os conservou; a rememoração é o interior, e de fato, a forma
mais elevada da substância. Portanto, embora esse espírito recomece desde o
princípio sua formação, parecendo partir somente de si, ao mesmo tempo é de
um nível mais alto que recomeça.

O reino dos espíritos, que desse modo se forma no ser-aí, constitui uma sucessão
na qual um espírito sucedeu a outro, e cada um assumiu de seu antecessor o reino
do mundo. Sua meta é a revelação da profundeza, e essa é o conceito absoluto.
Essa revelação é, por isso, o suprassumir da profundeza do conceito, ou seja, sua
extensão, a negatividade desse Eu que em si se adentra: negatividade que é sua
extrusão ou sua substância. Essa revelação é seu tempo, em que essa extrusão se
extrusa nela mesma, e desse modo está, tanto em sua extensão quanto em sua
profundeza, no Si. A meta - o saber absoluto, ou o espírito que se sabe como
espírito - tem por seu caminho a rememoração dos espíritos como são neles
mesmos, e como desempenham a organização de seu reino. Sua conservação,
segundo o lado de seu ser-aí livre que se manifesta na forma da contingência, é a
história; mas segundo o lado de sua organização conceitual, é a ciência do saber
que se manifesta. Os dois lados conjuntamente - a história conceituada - formam
a rememoração e o calvário do espírito absoluto; a efetividade, a verdade e a
certeza de seu trono, sem o qual o espírito seria a solidão sem vida; somente

"do cálice desse reino dos espíritos

espuma até ele sua infinitude".

Schiller

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