PONTALIS, J.-B. Perder de Vista - Da Fantasia de Recuperação Do Objeto Perdido v1
PONTALIS, J.-B. Perder de Vista - Da Fantasia de Recuperação Do Objeto Perdido v1
Pontalis
PERDER DE VISTÃ
Da fantasia de recuperação
do objeto perdido
Tradução:
VERA RIBEIRO
psicanalista
. Sumário
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Achar-se ou perder-se
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no negativo
Apatia. — Mal-estar, crise.—-
Ele deu seu nome a uma doença. E no entanto, não era nem médico nem
enfermo. Foi prontamente reconhecido Como herói, o anti-herói que
considerava toda e qualquer ação inútil pior, talvez: criminosa e que
— —
9
10 O HOMEM IMÓVEL ] !.
ACHARSE ou PERDER—SE NO NEGATIVO
afinal, que ele poderá parar, respirar um pouco? Pobre homem!“ ' Dirigin- gente, oscilando entre o embotamento e o pasmo. Como que magnetizado,
do—se a quem entra no aposento, estas palavras iniciais: “Não
se aproxi— estive lá com ele.
me, você está vindo do frio.” Era freqiiente ele me entediar, continuando a me envolver ali, mas
com um tédio que não era o dele: eu me entediava por ele (pois, por sua
F ra gmentar-se, despender a alma por ninharias, como pura perda. Que tem vez, eu seria capaz de jurar que ele não conhecia o tédio). Era a lentidão
ele, portanto, a conservar, a guardar para si, a manter em si, bem aquecido, de sua fala, de seus gestos: dir-se-ia que ele nunca deixava seu roupão,
inalterado? Que bem tão precioso e tão frágil é esse, que o menor que estava sempre se preparando para... se preparar. Sua vida me parecia
movimento lhe é fragmentação, desgaste nocivo, chegada do frio? Que ar bastante pobre, mal chegava a ser uma vida, e no entanto, não era a morte.
tépido é esse que ele respira, seu sopro próprio? E, contraditoriamente, eu o representava para mim como um rio imenso,
Podemos pressenti-lo: é a infância, a enorme casa da infância. Que atravessando planícies infinitas e correndo com tal lentidão que não se
encontra ele nessa casa, naquele tempo? Já o sono, já a imobilidade. Mas distinguia nele nenhuma correnteza. Como podia aquele homem, que
o sono reinava na casa, a imobilidade no tempo. O campo, as estações, as ocupava tão pouco espaço, despertar visões tão poderosas?
festas, a cozinha (muito importante, a cozinha). Nada se mexia, era a Vez por outra ele me irritava. Era quando se queixava dos infortú-
eternidade. “Um morre, outro nasce", dizia a sabedoria do lugar. Sim, nios da época, de um credor, daquele a quem chamava de seu administra-
mas quando morreu a mãe, por sua vez, acabou-se essa calma confiança dor, ou de sua empregada, que chamava de preguiçosa (o cúmulo, vindo
na ordem da natureza. Quando morreu ela, já não nasceu outra. Ele dele que não fazia nada). Seria eu esse credor abusivo, essa empregada
renunciou a qualquer movimento. Ficou em seu lugar. negligente, mas de uma devoção a toda. prova, esse administrador sem
Como gostavam de dormir naquela casa sonolenta! Mas ele, o escrúpulos, eu, que lhe dedicava boa parte de meu precioso tempo e de
garotinho transformado no homem deitado e no homem sem idade, era meus cuidados atenciosos? É provável. Mas, exatamente como soubera,
então singularmente ativo, alegre, empreendedor. Meio imprudente, até, com total ausência de sedução, transportar—me para dentro de seu sonho,
trepando no pombal e se embrenhando mato adentro, e também dos mais ali estava ele conseguindo me arrastar para sua indolência eu não ousava
—
você vai ficar sossegado?” Não, seus olhos nem sempre eram inocentes, admitamos, sem me preocupar com o que ele me contava: os fatos
nem tampouco as histórias que se comprazia em ouvir das babás. minuciosos, realmente muito minuciosos de sua vida cotidiana.
Seria essa a chave de seu mistério: o mundo adormecido a seu redor Aconteciaime falar sobre esse homem com alguns colegas, há tanto
e ele velando, malicioso, às vezes cruel, ele observador e ativo, móvel tempo já vinha durando o caso (desde quando? - eu era totalmente incapaz
como um pião? Mas desde então, e no presente, a situação se inverteu: já de dizer). "—Nada de mudança? perguntavam-me. Não, nada. Como
—
não é a casa a adormecida, e sim ele o que dorme. E porque, senão para poderia ele mudar alguma coisa, se quer que nada se modifique? Você
—
que a casa não morra, para que permaneça fora do tempo? '
nos disse isso nos mesmos termos no ano passado. Sim, sim, eu sei, aí
—
Ã
é que está o problema. Pouco a pouco, sinto-o perfeitamente, ele vai me
Essa foi, em todo caso, a idéia que me ocorreu enquanto ele mê contava conquistando para sua causa. Aliás, eu o afirmei: ele quer.. Acabo queren—
um grande sonho que o havia transportado àquela época. Até então, do o que ele quer, tornando minha sua paixão pela imobilidade. Deve _ser
vendo-o estirado, eu dizia a mim mesmo que fazia parte daquele lote de uma paixão tão violenta quanto as outras, e talvez a úmca verdadeira.
visitantes importunos, de ativistas para quem sua apatia era mais uma Sabem, esse homem e atraente.” .
ofensa do que um enigma. Porque, afinal de contas, dizia-me ainda, não Atraente: sem dúvida era o que diziam dele seus poucos amigos, e
deixa—lo em paz, deixa-lo estar? Que loucura é essa,
que às vezes nos em particular um deles, que o conhecia desde a infância e que se chamava,
acomete, de querer mudar os outros? E depois, ao escutar esse sonho cujo creio eu, Stolz: um sujeito ativo, em perpétuo movimento, que se safa bem
relato ocupou muitos dias, e que, aliás, ele preferia chamar de divagação, nos negócios e que, sem se propor como modelo, em vão tentava a] udá-lo,
para dele melhor se alimentar e não se separar, percebi que ele me fazê-lo sair de casa.
transportaria para lá. Não foi a intensidade das imagens, como às vezes
acontece, que teve esse efeito sobre mim', elas eram basicamente banais, Conseguiu fazê-lo, um dia, e nosso homem conheceu numa reunião uma
essas imagens, próximas do lugar-comum; não, foi uma força mais secre— mulher deliciosa, que se mostrou sensível a seu encanto incomum. Recu-
ta, mais envolvente: vi-me naqueles campos, naquela mansão cheia de perei, como o amigo Stolz, uma certa esperança. Finalmente ele iria, com
12 ACHAR-SE OU PERDER—SE NO NEGATIVO O HOMEM IMÓVEL IJ
aquela moça, desde que ela não se mostrasse demasiadamente exigente, movimento, que o outro encarnasse a figura do imóvel? Ele estava curado.
abrir um pequenino espaço para esse estranho íntimo chamado desejo, sob Amor medicinal? Cura milagrosa? Pouco me importava! De qualquer
a condição de que esse intruso não o perturbasse demais! Depois disso, modo, os rumos tomados por nossos tratamentos nos são, a maioria das
podia-se esperar tudo dele. Animado pelo amor (ainda assim, a palavra vezes, misteriosos. E depois, Olga tinha uma vantagem sobre mim: era
me parecia um tanto forte), talvez uma certa animação fosse aos pouqui— uma moça, e uma moça que esperava dele, para si mesma, sua própria
nhos conquistando todo o seu território; melhor, talvez o fizesse sair de metamorfose, ao passo que eu, fazia já muito tempo, só queria uma coisa:
seu território, assegurado de que, com aquela mulher, ele sairia ganhando. que ele mudasse, ele e ele só.
Vi em Olga era esse o nome dela —, tão confiante, e no entanto maliciosa,
— Como foi, então, que não fiquei tão surpreso quando ele me veio
tão alegre, e no entanto calma, a terapeuta que eu não soubera ser. Com anunciar, friamente: “Foi um erro. Eu me deixei levar. O coração dela
toda a certeza ela não o deixaria dormir. estava à espera do amor, e quis o acaso que ela caísse em cima de mim.
Ele faltou a algumas sessões. Rejubilei-me: finalmente lhe aconte- É tudo. Escrevi-lhe a esse respeito. Acabou-se." Claro, não acabou
cera alguma coisa. Depois, retornou, inquieto: “Que é que me prova que naquele dia. Houvq novamente impaciências, frêmitos, momentos de
ela me ama? E se estiver zombando de mim?" Essa agitação, embora doçura e febre. Houve até projetos de casamento, incessantemente adiado.
assumisse nele uma forma racional, parecia-me de bom augúrio: ao Olga se cansou. Deveria eu, assim, continuar a ser o único a não se cansar?
conhecer os tormentos próprios do estado amoroso, ali estava ele pare- Porque Olga havia falhado? Só me vinham hipóteses vagas, perguntas sem
cendo—se com qualquer um nas mesmas circunstâncias. Abstive—me de lhe resposta ou respostas ocas: medo da vida, medo da mudança, medo do que
dizer isso. Ainda mais que nunca me esquecera da cena sim, da cena
— — vem depois do sonho e anuncia a morte.
que ele fizera comigo no dia em que tive a infelicidade, não sei mais em
que contexto, de invocar “os outros”. Levantara-se imediatamente do Ele parou de vir algum tempo depois. Sua imagem permanecia em mim.
divã: "— Como? O que foi que o senhor disse? Vejam só a que ponto o Eu percebera nele — como Olga, como Stolz —
recursos imensos, e
senhor chegou! Agora vou ficar sabendo que, para o senhor, sou a mesma
,.)...
aposento. Novamente deitado, após um longo silêncio, dissera-me grave- realidade afirmava o contrário, que ele tivera êxito em sua vida, que
mente: “— O senhor me magoou." Com brandura, perguntei—lhe: "—
seu destino, antes, estava consumado, e que todos aqueles, dos quais eu
aPorquê? O senhor quer que eu lhe diga? Já chegou ao menos a refletir
—
fazia parte, que tinham querido arrasta-lo para outro lugar faziam-no
sobre o que vem a ser um outro?" E me dera uma aula. O outro era o extraviar—se e se extraviavam.
horror, era aquele que trabalhava sem trégua, que pedia, que se humilhava, Tive noticias dele alguns anos depois. Soube que Stolz desposara
tudo isso porque tinha sempre novas necessidades a satisfazer. Foi então
R—__..m=.»mtmmmu
Olga, que eles tinham filhos e viviam o mais feliz dos amores possiveis.
que vi surgir uma criança plena, imaginária, sem dúvida, a quem nunca Entretanto foi o próprio Stolz quem me confidenciou —, Olga tinha às
—
teria faltado nada, uma criança incomparável, uma criança única, uma
vezes momentos de grande tristeza, a melancolia se apossava dela. "A
criança régia e regiamente servida. Era um "não—outro", era ela mesma. vida' ', dizia ela, ' 'a vida me parece incompleta nessas horas. Tenho medo
Qualquer mudança significaria sua perda. P: de que isso mude, de que pare, eu mesma não sei." Através dessas
Eis que, com o aparecimento de Olga, ele consentia em se esquecer ; palavras de Olga, foi a ele que escutei.
de seu ser, eis que ela lhe fazia falta, que ele a esperava, endoidecia com Quanto a ele, soube que passara seus últimos anos junto de uma certa
suas alterações de humor, eis que passava da angústia à exaltação. “— Ah! Agafia, uma viúva que tinha dois filhos e que não era bonita, nem
— queixava-se se ao menos a gente pudesse sentir o calor do amor sem
—
inteligente, nem rica, mas totalmente dedicada às tarefas domésticas. Era
seus tormentos!” Cheguei a inveja-la. Enquanto ele me contava algum meio gorda, tinha a pele macia e cozinhava esplendidamente. Quando ele
passeio luminoso com a moça, alguma conversa descontraída de verão, e morreu, foi difícil decidir se havia encontrado um berço ou se já estava
me tornava testemunha da incessante mobilidade da alma provocada pelo há muito tempo em seu caixão. Seja como for, Agafia nunca se recuperou,
amor nascente, eu me sentia um perfeito palerma, atarraxado a minha ela tampouco, do desaparecimento de nosso amigo. Ficou, como se diz,
poltrona. Agora, eu é que me tornava o funcionário em disponibilidade, alheia a tudo o que a cercava.
o homem sonolento que se embrulhava num roupão usado. Teria eu Uma jovem, uma viúva... Teria sido da mulher que ele fugira, aquele
tomado o lugar dele, como se fosse preciso, para que um ficasse em homem imóvel que só queria ser ele?
ACHAR-SE ou PERDER-SE NO NEGATIVO
crescimento. Uma doença que entra em sua “fase crítica” pode conhecer
um desfecho fatal ou um desenlace feliz; de qualquer modo, a fase será
decisiva, produzirá a decisão. Um “simples mal-estar" não permite nem
um diagnóstico seguro nem um prognóstico provável; desarma nosso
saber, escapa a qualquer apreensão. Os que vão consultar um psicanalista
estabelecem perfeitamente a diferença entre uma situação de crise e um
estado de mal-estar. De um lado, abandono doloroso, luto impossível,
enfraquecimento do desejo, angústia que conhece ou julga conhecer seu
objeto: o apelo para “sair disso” pode então ser premente. De outro, a
queixa ou, pior ainda, a constatação sem queixa de um mal—estar que se
enuncia precariamente, numa insipidez que reproduz a falta de relevo da
existência, na trivialidade de expressões que não pertencem a ninguém:
"sinto-me indisposto”, “não estou em parte alguma”, “não sinto real-
mente nada“, "estou vazio”. Não há aí sintomas localizáveis que, aos
próprios olhos de quem deles sofre ou com eles se regozija, façam alusão,
15
16 ACHAR-SE OU PERDER-SE NO NEGATIVO ATUALIDADE DO MAL-ESTAR I7
por sua aberração e sua insistência, a um conflito ignorado, a exigências insistência realmente pulsional, a única que é capaz de fazer a mente
opostas que, cada qual por seu turno, reclamem o que lhes é devido. Nada trabalhar sobre o que resiste a ela. Mas, onde está a inovação no Mal as
além de um mal-estar indefinível, indefinido, do qual acontece que só tar?5 Em que sinais reconhecer nele a irrupção de algum recalque do
saímos produzindo sintomas finalmente dizíveis, finalmente falantes. Os pensamento? O leitor tem inclusive muitas oportunidades de ficar surpre=
sintomas: nossa cultura privada (por isso é que há quem os “cultive“, so, irritado, ao ver Freud tirar um partido tão precário de suas próprias
nem que seja para não cair no amorfo). grandes contribuições. Assim é que a noção de pulsão de morte vê—se
reduzida a uma “tendência inata do homem para a maldade, a agressão,
Em 1919, logo após o que ainda se deve chamar a Grande Guerra, Valéry a destruição e, portanto, também para a crueldade' ', como se essa intuição
publicou La crise de l'esprit. Em 1935, na ocasião que se seguiu à tomada genial, louca, propriamente inadmissível, que alia numa só palavra, To-
do poder pelos nacional—socialistas, Husserl proferiu em Viena sua con— destrieb, aquilo que anima todos os desejos e aquilo que representa. o
ferência sobre "A Crise da Humanidade Européia e à Filosofia". Em inanimado, viesse apenas confirmar o velho adágio do Homo homim
1929, Freud escreveu O mal—estar na cultura, Das Unbehagen in der __3
reçou a sua amiga Lou Andreas—Salomé: "Este livro trata da civilização, tentação que é por demais sabido tornar—se irresistível com a idade e a
do sentimento de culpa, da felicidade e de outras coisas elevadas do consagração7 da dissertação estival? Na falta das longas caminhadas
—
mesmo gênero, e me parece, seguramente com justa razão, absolutamente pela montanha, um passeio, uma excursão8 pelas bandas das ' coisas
supérfluo, quando o comparo a meus trabalhos anteriores, que sempre elevadas”. E as coisas elevadas, sem dúvida para qualquer psicanalista,
provieram de alguma necessidade interior.2 Mas, que outra coisa podia eu e com toda certeza para Freud, são necessariamente coisas “banais”.
fazer? Não se pode fumar e jogar cartas o dia inteiro. Já não posso fazer Dessa equivalência, Freud teria a sua custa a experiência. Podemos
longas caminhadas, e a maioria das coisas que se lê deixou de me senti—lo, de ponta a ponta, pouco à vontade em seu Mal-estar, e cºm ele
interessar. Escrevo e, assim, o tempo passa muito agradavelmente. En- seu leitor. ,
quanto me entregava a esse trabalho, descobri as verdades mais banais.“3 Para isso, diversas razões. Abordar a civilização, as restrições que
A mesma constatação desiludida se repete quase no final da obra: "Ne- ela impõe e a renúncia que exige, e as aspirações que, a despeito de tudo,
nhuma me deu como esta a impressão tão viva de estar dizendo o que todo continuam vivas, inabaladas, no sentido de maior união, mais amor, para
o mundo sabe, e de usar papel e tinta e, em seguida, mobilizar tipógrafos
que enfim se consume a "bela totalidade", que grande tema seria esse,
e impressores para dizer coisas que, falando propriamente, mostram-se justamente para aquela a quem Freud confessou sua decepção diante dos
óbvias.”4 resultados de seu próprio trabalho! Sim, com que prazer se empenharia
Juízo autodepreciativo? Não é esse o estilo de Freud. Ou simples— Lou, aquela a quem Freud chamava afetuosamente sua 'entendedora", e
.“
mente lúcido? A verdade é que o livro não parece responder a uma cujo pensamento era, na opinião dele, inteiramente animado pela neces-
exigência do pensamento. Não são tanto as repetições, a retomada de sidade de síntese, em encontrar no movimento civilizatório a expressao
idéias já muitas vezes enunciadas, nem a hesitação da formulação e seus multiforme de Eros! Mas quanto a Freud, quão pouco era ele filho desse
desvios, que perturbam a leitura: Freud é useiro e vezeiro nisso. Esta deus! A ciência que fundou ele deu o nome, sem hesitação e literalmente,
justamente nisso sua maneira própria de inovar, pela repetição, pela de análise, desligamento daquilo que compõe uma massa. E lhe deu por
18 ACHAR-SE ou mansa-ss NO NEGATIVO
ATUALIDADE no MAL-ESTAR ”
objeto a exceção, o resto, o diferente, o parcial aquilo que denominou
— meiros capítulos do Mal-estar, mas igualmente protegida da análise
de "irreconciliável”, tudo o que se opunha à meta incansável por ele corrosiva. Freud talvez seja uma das últimas imagens do sábio ou do
—
atribuída a Eros: a de reunir, de manter unido. E mais: nessa ciência e no Herói aportando às margens da sabedoria a nos ser proposta pelo mundo
—
método que ela conferiu a si mesma, é o próprio espírito de seu fundador moderno. Daí sua facilidade em recusar o "palavrório sobre o ideal .
que está em ação, esse instrumento de grande precisão feito para dissecar, Todavia, esse palavrório não foi denunciado, como observou recen—
separar, decompor mas sem dilacera-lo o tecido da psique. Inúmeros
— — temente Paul-Laurent Assoun,'º em prol do ceticismo, mas em nome de
sonhos do homem Freud representam esse desejo, tão contrário à natureza um naturalismo: “Tenho muito respeito pela mente, mas acaso o terá
de Eros; e cada novo texto mobiliza e reinstaura uma pulsão de saber também a Natureza? [A mente] não passa, em suma, de um pedaço desta,
derivada da pulsão sexual, mais “selvagem” do que “civilizada". e o restante da a impressão de poder perfeitamente sair-se muito bem sem
Nopróprio principio de uma reflexão global sobre a civilização esse pedaço." “ .
haveria, portanto, algo de estranho e até de oposto ao procedimento Detenhamo—nos por um instante nessa revocaçâo à supremacra da
psicanalítico. Daí o embaraço de Freud, que encontra no seguinte um Natureza. Talvez enepntremos nela apenas um eco mais decorrente do
.—
motivo suplementar: acaso todo discurso sobre a civilização, quer denun— humor do que de uma profissão de fé, um dito espirituoso dirigido contra
cie seus malefícios, quer exalte suas realizações, não é mais ou menos o Espírito do anúncio feito por Valéry no famoso texto a que aludi há
—
idealista? Não exige ele, necessariamente, que se faça referência a ideais pouco: “Quanto a nós, civilizações..." Mas o termo de Freud diz outra
que seriam ameaçados pelo estado de coisas vigente posto que tal
— coisa. Não nos remete apenas a dura lei da vida que pretende queAtudo seja
discurso só se justifica nos momentos em que um grande abalo da História perecível. Menos ainda dá margem a idéia de que a decadenCia e a
põe em questão as próprias bases de uma civilização? Ora, Freud sempre mortalidade de uma civilização possam prender-se a um destino contrário;
teve uma posição bastante ambígua em relação àqueles a quem chamava Se a mente e suas obras não passam, no final das contas, de um “pedaço
"profissionais do ideal”. Se gostava de dialogar com eles, era para de uma Natureza indiferente, a ordem da cultura traz em si uma precarie-
chama—los à realidade, a das coisas e a do homem. Ele tinha estima
pelo dade essencial: não tem nenhuma autonomia, não se beneficia de nenhum
excelente Dr. Putnam, o norte-americano que lera Bergson, e pelo pastor privilégio. Daí a necessidade, para quem se empenha em elucida-la, de
suíço Pfister, que queria encontrar na psicanálise uma nova pedagogia, adotar um método regressivo, reducionista, se preferirmos, porém num
mas não se furtava de repreendê-los respeitosamente. "Profissionais do sentido muito particular.
ideal”: a ironia da expressão, por si só, fala da desconfiança. Não que É notável que Husserl, na Crise da humanidade européia, se formu—
faltassem ideais a Freud, não que ele não tenha obedecido, inclusive de le essa questão em termos muito similares, porém para lhes dar uma
maneira exemplar, como homem privado e público, como pesquisador e resposta totalmente diferente.12 Também ele reconhece que a ordem do
como terapeuta, às mais tradicionais virtudes, isto é, às que lhe foram espírito humano se fundamenta na physis"13 e que, por conseguinte, as
transmitidas por sua cultura. Mas realmente parece que, a seu ver, todas ciências da mente não devem —
caso tenham por ambiçao. atingir a
essas virtudes a integridade, a coragem no sofrimento, a dupla rejeição
—
exatidão, o estabelecimento de leis e o dominio através da técnica que as
das concessões e do abuso de poder eram uma coisa esperável: inútil
— ciências da natureza obtêm - considerar a mente como mente. .Se o
fazer delas um prato cheio! E, acima de tudo, dado que a função de mundo", escreveu Husserl, ' “fosse formado por duas esferas de realidade
produção de ideais decorria de uma instância intrapsiquica, em suas duas que tivessem, se nos é lícito dizê-lo, a mesma dignidade, a natureza e o
fo as, de “eu ideal" e “ideal do eu", era impossível ela se delegar sem espírito, sem que inna dependesse da outra quanto ao métodoe quanto ao
se aviltar (vide as massas que se entregam a um chefe que se ofereça para conteúdo, a situação seria diferente. Mas a simples natureza já constitui,
encamá—las). A moral de Freud e silenciosa, não legisla nem prega. Tal por si só, um mundo fechado; só ela pode ser puramente explorada como
como sua ciência, não se instala no universal, mas o encontra como que natureza, sem ruptura no encadeamento das conseqiiencms; pºis bem, ela
é o embasamento causal do espirito." “ Contudo, como havemos de
(
㺗
ACHAR-SE OU PERDER—SE NO NEGATIVO
de
A suposta dignidade do objeto, sua complexidade real, não invalidam o análises mais vigorosas e mais modernas começam finalmente a perce-
—
modelo. Mas é uma tópica subjetiva que convém constituir, e não a ber issols — das diversas modalidades do vínculo soc1al. Quanto ao
anatomia de uma coisa. Em se tratando de civilização, portanto, a questão Mal-estar, ele se situa, na maioria das vezes, num tal nível_de generalidade
que desestimula a discussão. Como rejeitar, como aceitar propoSiçoes
se desloca das obras para o trabalho, das produções para o processo. Sobre
a natureza das civilizações, sobre as múltiplas imagens que elas assumem preliminares do tipo “os homens buscam a feliCidade , das quais, nao
através do tempo e do espaço, a psicanálise nada tem de específico a dizer: obstante, decorre todo o desenvolvimento subsequente? A mescla de
são tarefas dos historiadores e etnólogos aquelas que se chamavam, na audácia e “prudência que, em outros textos, assegura ao pensamento ,de
Freud sua força demonstrativa é ali singularmente deficitaria. .Dai o
época de Freud e Husserl, “ciências do espírito". Entretanto, captar os
determinantes do “processo civilizatório", do “progresso na espirituali- mal-estar que acompanha progressivamente a leitura, por se estar lidando
dade“ (Geisti'gkeit), rastrear as vias tomadas pelo ser humano para se com o não verdadeiro nem falso.
civilizar, e avaliar o que isso lhe custa interessam—lhe diretamente. Pode-
mos até dizer que a psicanálise só cuida disso. Paradoxo: as páginas do Mal-estar que reputo. mais interessantes sao
aquelas em que Freud menos faz intervir a teoria pSicanalitica, aquelas
A que se prende, pois, a decepção trazida pelo Mal—estar? Ao fato de em que, em tom tranquilo, o velho sábio se exprime, aquelas, por exemplo,
Freud não descrever o trabalho cultural ali onde efetivamente o desnudou, em que ele estabelece uma espécie de recenseamento e balanço das
a saber, essencialmente, no destino aleatório, polimorfo e jamais realizado diferentes técnicas que utilizamos para evitar o sofrimento. Dliríse-ia que
das pulsões sexuais, ali onde uma oposição ferrenha entre o que seria da Freud experimentou todas essas técnicas, desde o uso dos toxieos ate a
ordem da natureza humana e o que decorreria da cultura perde toda e sublimação pelo trabalho intelectual ou pela contemplaçao estetica, pas-
sando pelo amor, e que se decepcionou com elas.
qualquer pertinência. Não há oposição, mas uma tensão permanente, .
atuante desde as origens. Não podemos, com Freud, pensar um estado, A droga? Ela assegura um gozo imediato, proporciona um sentimen—
nem sequer imagina-lo, seja ele o estado de natureza ou o estado de to eufórico de independência e até de triunfo maniaco em relaçao a um
civilização. Somente o movimento pode ser pensado, sendo o próprio mundo exterior hostil; mas o organismo e a realidade não tardam em fazer
pensar um movimento que ignora o que o impulsiona, bem como a forma
';
ouvir seu duro chamamento à ordem. A ioga? Inteiramente orientada para
acabada em que poderá encontrar repouso. Uma tarefa infindável, o domínio das pulsões, ela pode trazer serenidade, mas ao preço de uma
portan- "inegável diminuição das possibilidades de gozo'_; e aCima de tudo,
to; mas, em seu princípio, Freud postula a pulsão, e não o espírito.
Existe apenas o mito, tal como o narrado em Totem e tabu, observa Freud, “a alegria de satisfazer uma pulsao que permaneceu
para selvagem, não domesticada pelo ego, é incomparavelmente mais intensa
responder à questão do advento do cultural; e, como todo mito, o da horda
que a de saciar uma pulsão domada“.16 E quanto a atiVidade do criador
”
22 ACHAR-SE ou
manu
PERDER-SE NO NEGATIVO
ATUALIDADE DO
"
em 1929,
—
contava 73 anos —, mas, em sua crítica serena de nossas palavra frequentemente na pluma daquele quê: dgdicçiili suaexgcenazjdso
crenças, antecipou
mais do que adiou. Por outro lado, toda a sua avaliação se
assenta numa
idéia, numa convicção intransigente. Se o Mal—estar, muito surpreenden-
dos disturbios do pSiqmsmo. Pois
é claro o ensaio aqui
' ' aborda do
'bemFreusanza,
, em
,
duas ou
.
tres
_ .-
ocaSioes.
.
E
.'
o faz
se
-,ª
propósito de uma forma de neurose que inclm na categoria das. nªl-2230S
_
[ ão (.
nele o fundamento da religião, para reduzir esta última a necessidade de tico.“º Freud invoca,
proteção pelo pai, foi para Freud, portanto, o meio de desacreditar pro— qmca ' ' '
' ' ' Nada de]' o go de simbolização, portan to , e prevalencm d o reg ist“)
' e stase e descarga do que
gressivamente todas as tentativas que são numerosas, e que '
“ economico "'. mais' tensao " do
que conflito,
'
. “
mais
. " .
ressurgem crise, mais expressão do que criaçao, mais agir , no corpo e no exte nºr ,
—
. _
reiteradamente sob nomes que mal chegam a ser novos
que prometem
—
'
窺eºmovmle
'
nto de '
Simbolizaçao
' '
' '
nao estao_
rese rvados ao “ pensa
' erl da . .
dor" .
ciVilizaçao.
_
_
se deixa pensar como tal, principalmente quando o pensamento, Daí o recurso maciço feito por Freud, no Mal-estar da cultura,. a
que é
trabalho, que é movimento, pretende confundir-se com uma Schauung, pulsão de morte, no combate que ela trava com Eros, como se a oposgio
com uma visão. Mas o mundo se pensa, se representa, se diz, se deixa ver. mais fecunda, mais dialética e menos desrgual entre Logos e A;) e
Donde o respeito que Freud nunca deixou de votar aos grandes êxitos da tivesse que ceder seu lugar. Quão discreto se toma entao olapf ?, .ao:
civilização, desde a ciência até a arte, e aos heróis civilizadores, desde possíveis recursos de Eros, como é tímida a voz do r_nte echo t.
Édipo, o transgressor a despeito de si mesmo, até Moisés, sobretudo necessidade pode ser negociada e vencida. A morte, nas, so tirªno do
no uma outra vr a
momento em que, tomado de paixão enfurecida, ele superou seu desejo quando já não é percebida como passagem para nem“
de quebrar as Tábuas: em ambos os casos, são
pontos extremos em que se acontecimento natural, mas não pára de nos atormentar de dentro. Que
articulam a "selvageria" e a "civilização". Assim, pode-se esclarecer nos oferece nossa civilização como única certeza comum? U?“ certedía
também uma frase bastante enigmática encontrada no Mal-estar:
"A com a qual, impotentes para pensa-la,. também nao podemos azerinnâfe:
civilização e um processo particular que se desenrola acima da humani— Por isso, o vislumbrado, fim da espécie humana nos deixa qtliasse
dade."ºº Um processo sem sujeito, portanto, e sem agente, como qualquer rentes, com a indiferençiação provocando a indiferença. 0 Mad—e .
pode
:;
processo inconsciente. Assim como o inconsciente só é identificável por encerrar—se assim: “os homens de_h01e levaram tao longe o .10m 0 das
]
suas formações forças da natureza que, com a ajuda delas, tornou-se fácr para e es
diversamente de Jung, não existe um “mundo" do
ª
—
inconsciente em Freud —, ninguém, nem individuo, nem exterminar-se mutuamente, até o último.“
grupo, nem
Será a “neurose coletiva" de que sofreriamos'uma neurose atual,
'
nálise, tanto no seio da comunidade que se constituiu em torno de seu possa ser esse “si", o declínio da língua, a feiura e a tristeza encãssas
nome quanto na prática terapêutica, a distância entre a ciência do novas cidades, etc. Além disso, ora nos felicitamos por nao maisi a en:
psiquismo e seus efeitos, que assim poderíamos formular, de maneira
certamente abrupta: a psicanálise e verdade, mas, apesar disso, não
a nenhuma grande crença coletiva, emçque vemos o anúãicitz) e
futura tirania, ora gememos por não mais acreditar em'na a. ;]u ªo
_o
funciona como deveria! De Além do princípio do clínico de nossa apatia febril, não há jornal que nao saiba pân rã 0,515
terminável e interminável, Freud só faz acentuar uma
prazer até Análise mensal não saiba analisa-lo. O
é—
o afasta cada vez mais do modelo original da talking cure; a magia das ão
palavras deixa de ser operante. Com a neurose de destino, ou com o visível, ou, nos melhores casos, tornam—no legível. A consc i*ncia
e
que mais tarde se chamariam neuroses de caráter ou estruturas narcí- mal—estar só faz tornar-nos mais rabugentos e culpados.
sicas, faz—se como que um retorno às neuroses atuais. O conflito, em
vez de ser representado e, com isso, abrir-se para a mobilidade da Ainda no início do século, podíamos opor o mundo crvrlrzadt:i ao 13232:
interpretação, repete-se no presente sempre acessível do corpo e da não—civilizado.23 Já a Grande Guerra fez da Razao seu gran edcalIº
de
realidade, que continuam também a oferecer novas circunstâncias Desde então, “progredimos” e logramos mstalar a barbÉne endas
explicativas. O mal-estar existe também para Freud, nos limites na nossos muros, através de uma gestão racronal da morte.. que_:come_ as
—
salidade senão essa universalidade de fato. Mas ela é seria a pergunta diretamente abordada por Freud na Masserltpsy. Chotlgãêia e.
desprovida de Ela ressurge, latente, em seu Mal-estar, e mduz ao nosso, pc a һgilidade
legitimidade, e aliás não precisa disso. Por isso é que, paralelamente,
e e pela incerteza culpada em que nos encontramos quanto a pos51
com certa hipocrisia, podemos professar um relativismo cultural e cele- ' '
brar a diferença, sem hierarquia, entre os milhares de “culturas” de pto or ou sequer imaginar uma resposta.
distri- quanto mais nosso mundo se deixa .
conhecer em seus determina?e
.
—
,
crenças e Seus
valores, a cada qual suas opções e a cada qual suas soluções.
Sem dúvida, esta atitude de respeito
pela diversidade das culturas é
intelectualmente sadia. Mas é muito conveniente admitir
_
ela difi—
cilmente pode ser conciliada com uma criação cultural, que
seja qual for.
Que obra de arte e do espirito ter-se—ia imposto, algum
dia, se seus
autores não tivessem tido a convicção e a vontade de tornar
as outras
caducas ou inúteis?
Foi grande a surpresa, para alguns, de ver um
etnólogo que tanto fez
por nos levar a tomar consciência da complexidade e do refinamento de
culturas obscuras, desprezadas ou dizimadas, e durante muito
tempo tidas
como atrasadas, e que, correlativamente, tanto fez abater o orgulho
das grandes civilizações, escrever nos dias amais: “A por
maioria dos povos
que chamamos primitivos se autodesignam com um nome
que significa
os “verdadeiros', os “bons”, os “excelentes” ou, muito
simplesmente,
'os homens”; e aplicam aos outros qualificativos
que lhes recusam a
condição humana, como “macacos de terra' ou “ovos de
Não vamos concluir daí que esse seja um piolho'."ºª
exemplo a ser seguido!
Devemos reconhecer, no entanto, não na afirmação de
uma suprema—
cia, mas na certeza de que sua particularidade equivale
ao universal, uma
das condições de existência de uma cultura, a
menos que ela prefira seu
mal—estar a suas obras.
O Omo mmm ”
duelo que os
a cavalo, sabre desembainhado, em campo aberto —, esse
fortalecendo cada vez mais seu ' “vínculo intimo“ '. Se o que
opõe e os une,
suscita o amor e dele nos mantem cativos é o outro, e, no outro, o mais
mais
estranho, o mais desconhecido, o que cimenta o ódio, e que o torna
duradouro e mais tenaz do que o amor, é o semelhante.
ali onde ,º]? e persistente e implacável, onde se alimenta de si mesmo e sobre o ofendido, ou melhor, instituir de uma
se O derrotado tem o direito de exigir
torna o unico objeto de uma paixão desmedida. Chama-se O duelo uma equivalência entre os parceiros.
Como manda
reparação. Cada um e alternadamente ofendido pelo outro.
duelo se torna infindável.
(Díª: (322135 de cavalaria do exército napoleônico se batem em duelo. a lógica, e Conrad não se enganou nesse ponto, o
A morte de um dos combatentes
, ezes, nao importa. É sempre o mesmo duelo. Só se da durante Está, em sua essência, fadado repetição.
à
o s curtos momentos de trégua, e somente a guerra interrompe sua re ti seria seu fracasso. Nossos heróis, no entanto, não fingem bater-se. Muito
ãggàªque alguerraãàro regime do Império, não é em si um confronto
firn-e pelo contrário: quanto mais avança a narrativa, maior o encamiçamento
insana. Sonham
e as am não existem mas um e
— ' com que arremetem um contra o outro, com uma violência
_—
nªisIl 323151135“ Iliªrllrhentd: rachar—se de alto a baixo, mas, justamente, sonham com isso. Seu ódio
Napoleao e a Europa inteira (isso já,nos é dito as vivo. Se o amor
tem necessidade de um objeto muito real, de um ser muito
narrativa). Eis a história completa. Nada confere
dors irmaosem armas, igualmente valorosos e de igual se nutre da ausência, ao ódio é necessária a permanência.
pªtentlãoisroficrais, do existir. Nossos
melhor do que ele, em sua desrazâo racional, a certeza
.- omovrdoum, e assrm dotado de uma patente superior à do são frágeis. O ódio nunca o é,
cªro, nao será precxso esperar muito tempo Napoleão e a morte têm
— amores, com seu objeto improvável,
inteiramente seguro que está de seu alvo.
ãe Stigmª-823%“? oêquilíbrio se restabeleça e, com ele, a possibilidade É
e o. que essa e uma regra e é respeitada: um oficial não Entretanto, não forcemos demais a simetria entre os dois homens.
pºde. se b a [er, sem correr o risco da corte marcial, com um oficial situado bem verdade que percebemos mais ódio, mais paixão, no olhar, nas
da história, empe-
a b auto dele na hierarquia militar. Irmãos em armas,
portanto de uma palavras e na alma de Féraud. D'Hubert é o mocinho
ªpªga: gªna, edas vezes, mãos noforma sofrimento: vemo-los, na retirada da nha-se nesse confronto implacável contra sua própria vontade, convém
, pºis e_ perderem toda a humana, prestar-se assistência dizer. Mas esse é também um dos traços do ódio: é raro, é até impossível
múm a (sao _
as mais belas paginas do relato). Semelhantes na vitória e na de si próprio. O "eu odeio",
que alguém o reconheça como emanando
derrota, na glória e no infortúnio, o tenente Féraud e o tenente d'Hubert quando ousa enunciar-se, afirmar—se sem disfarces, sempre se coloca
,
ele e só ele
como uma reação: o objeto é que é intrinsecamente odíável,
.
J.=B,P.: Você diz ter tido uma confiança excessiva na eficácia de seu
Entrevista com Albert Jacquard trabalho de cientista. Não creio que você fosse tão ingênuo, na época,
quanto o afirma. Uma paixão nunca cede a uma argumentação, por mais
irrefutável que possa ser, nunca cede sequer diante dos fatos, por mais
comprobatórios que sejam, os saberes nunca têm razão frente a uma
convicção. Também não creio que você deva se mostrar, hoje em dia,
desiludido a esse ponto. Parece-me importante, de fato, que o racismo já
A'i': Para mim ficou evidente, no momento em que preparávamos o não possa, como fez por muito tempo, valer—se da ciência que lhe garantia
primeiro número de Genre humain, que era preciso dedica-lo ao tema A legitimidade. O racismo persiste como fato, mas, como doutrina, está
cténcza diante do racismo. Admitíamos,
a priori, que o racismo 6 uma morto, e morreu, em parte, sob os golpes que os cientistas, em particular
tara. Na época, parecia—me claro que, os geneticistas mas não nos esqueçamos dos etnólogos —, desferiram
para lutar contra o racismo, como
—
contra qualquer coisa, contra o diabo em geral, a melhor arma contra ele. Um discurso sobre a desigualdade das raças, como o de
ctencta. Porquê? Porque a ciência é esse esforço maravilhoso doera a Gobineau, já não e sustentável, pelo menos em voz alta. Isso é uma
humano para entrar em acordo com o universo, ser conquista. Portanto, não perca o ânimo... O que me perturba mais, e nisso
para enxergar com clareza me alia a você, é que conhecemos relativamente bem os mecanismos do
nele, para ser coerente, rigoroso, lúcido, etc. E depois,
traziamos, com a constatação da impossibilidade de uma graças à biologia, racismo e, não obstante, continuamos sem influência sobre ele, sobre sua
definição das eclosão, sobre seu desenvolvimento. Conhecemos seus mecanismos
raças humanas, um argumento decisivo. Era pretensioso, sem dúvida. Na
verdade, graças à biologia, eu, o geneticista, acreditava sociais as condições econômicas e políticas que facilitam sua emer—
—
permitir que as gência —, e cremos desvendar seus motores psicológicos. Por mais que
pessoas enxergassem com mais clareza ao lhes dizer: “Vocês falam
em saibamos que não basta definirmos os determinantes de um fenômeno
raça, mas o que vem a ser isso?' ' E lhes mostrava que não se pode defmi—la
sem arbítrio nem sem ambiguidade. Esse procedimento se para nos assenhorearmos dele, sobretudo quando se trata de fenômenos
aparenta com humanos, nem por isso ficamos menos atarantados, todas as vezes,
os teoremas mais fundamentais, aqueles que demonstram que uma
tao esta mal colocada, que é impossível decidir sobre ques- diante da recorrência do racismo. Porque a rejeição científica, porque
Em outras palavras, o conceito de uma dada afirmação.
a condenação moral, porque as inúmeras análises que se forneceram
"raça" não tem fundamento e por
consegumte, o racismo deve desaparecer. Alguns anos atrás, eu admitiria dele não têm maior, efeito?
que, tendo enunciado isso, eu fizera bem feito o meu trabalho de cientista Segundo ponto: você enfatizou o desprezo, a necessidade de des-
e de cidadão. E, no entanto, se não existem prezar, para a qual o racismo, entre outras coisas, forneceria uma saida na
certeza existe! Ainda que só houvesse na França
“raças”, o racismo com
medida certa. Sem dúvida, no racismo entra um desprezo mais ou menos
todas, a mesma forma de nariz, o mesmo formato dos pessoas que tivessem
olhos, a mesma cor confesso por outro grupo humano. Mas eu não veria nisso uma reação
de pele, continuaria a haver atitudes racistas do primária, antes a colocaria no fim da cadeia. O que me parece primordial
tipo: "Essa gente não é
como nós, eles não são como eu'." Não mais se trataria do é o pavor diante do estrangeiro, a xenofobia no sentido literal. Mas cabe
da pele, da forma do crânio critério da cor
ou do nariz. Escolheríamos um critério de imediato uma ressalva: esse pavor é um fascínio, e portanto, também
qualquer e constituir-íamos um grupo coerente, marcado uma atração. E, logo em seguida, convém corrigir: esse estrangeiro não é
ristica que o particularizasse. Se não existem por uma caracte-
um estranho qualquer, só provoca um sentimento de estranheza por ser
raças, inventa—se uma para
também meu semelhante. Os psicólogos já descreveram o que chamaram
34
36 ACHAR-SE OU PERDER-SE NO NMATIVO 37
UMA CARA QUE NÃO Aum/t
de angústia do oitavo mês, a que se apodera do bebê quando um rosto exemplo simples: quando e que vemos surgir os fenômenos racistas?
que
não é o da mãe ou o de uma pessoa de seu meio se aproxima do dele. Quase sempre, quando um grupo é ameaçado, ou se sente ameaçado, por
Podemos levantar a hipótese de que esse rosto é percebido, não em sua um grupo vizinho que possa tomar seu lugar ou faze-l_o perder o que ele
singularidade, mas simplesmente como não sendo o da mãe. Ora, essa encara como seus privilégios. Geralmente, numa srtuaçao de crise, em que
angústia, que pode chegar ao pânico, não é manifestada pelo bebê diante a identidade do grupo fica menos garantida, e é então que ele denunc1a
de um "objeto" bem mais diferente do rosto materno do que outro rosto como responsável por essa crise o grupo vizinho. Atualmente, na França,
humano, diante de um animal, por exemplo. Logo, quando é que intervém devido ao desemprego real ou virtual, o fenômeno raCista está novamente
a angústia diante do estranho? Quando o outro é simultaneamente pareci- ativo, tanto que alguns políticos concordam em explora-lo, começando,
do e diferente. Por isso é que considero falsa, ou pelo menos incompleta, naturalmente, por proclamar: “Não sou racista, mas... Voces acham
a idéia aceita de que o racismo seria testemunho de uma rejeição radical normal que vocês, franceses, fiquem privados de emprego, enquanto os
do outro, de uma intolerância essencial às diferenças, etc. Ao contrario do . imigrantes o têm?“ Subentenda-se: são eles que os privam disso, que o
que se acredita, a imagem do semelhante, do dupla, é infinitamente mais tiram de vocês. O raçismo popular é o mais dificil de extirpar.r.É também
perturbadora que a do outro. Veja os filmes de terror: eles só são eficazes o que nos deixa mais desarmados, a nós, intelectuais, cuja identidade
quando nos colocam na presença de monstros humanos, de seres que nunca é unicamente social, ao passo que um trabalhador sem emprego,
poderiam ser nós mesmos, e que só nos parecem disformes por terem um pequeno comerciante forçado a fechar seu negócio, têm a sensaçao de
quase a nossa forma. Todos vivemos essa experiência, a minima, quando não ser mais nada. '
sem querer percebemos, ao andar por uma rua, nosso reflexo na vitrine de '
uma loja: “Esse sou eu?" Um eu que é outro. Não posso negar que seja A.J.:Nessa defesa contra os que nos parecem ameaçadores, que querem
eu e, no entanto, não me reconheço naquela imagem. tomar “nosso território", acontece nos enganarmos completamente de
inimigos. Em 1940, o que nos ameaçava eram realmente os alemães. Eles
Saber que ele é outro e não ter certeza de poder distingui-lo de mim,
A.J.: estavam em nossa casa, com suas tropas e seus tanques. Mas nao se dura
é isso? Essa"imprecisão" é que, para você, estaria no ponto de partida. “que raça ruim". Havia, ao contrário, uma espécie de fascínio por
Mas estamos longe do racismo que leva aos ódios, às destruições. soldados tão bem vestidos, que marchavam com passo tão bem marcado,
e as pessoas se "voltaram contra os judeus e os franco-maçons. Ora, nao
J.-B.P.: Na minha opinião, esse é o eram eles que nos ameaçavam.
começo do processo. É a experiência
que eu situaria no ponto de partida. Na outra extremidade, temos não . _
Mais uma vez, ficamos diante da dupla constatação de uma opOSiçao
apenas a humilhação, o desprezo e o ódio, mas a destruição real. entre as causas objetivas de um comportamento e o conteúdo desse
comportamento. Volto a meu ponto de partida: para a genetica contem-
A.J.: Mas o que você está descrevendo é
puramente individual. É um porânea, a noção de “raça humana“ não existe mais. O racismo, por sua
indivíduo que faz esse efeito em mim, ao passo que no racismo há uma vez, devasta. Como compreender isso?
coletivização desse medo. É preciso que todo o conjunto dos x crie em
mim esse medo. J.-B.P.: Ha' uma noção que ainda não evocamos. Por mais que não seja nova
e se tenha vulgarizado, ela me parece continuar a fornecer uma chave para
J.-B.P.: Tomei esse exemplo no indivíduo, mas sem inferir daí
uma gene- a compreensão do fenômeno racista, tanto no individuo quanto na coleti-
ralização que se propague de indivíduo para indivíduo até se tornar um vidade: é a noção de projeção. A palavra tem dots sentidos, que, aliás,
fenômeno coletivo. Creio, porém, que encontrariamos no plano coletivo podem se unir. No estado amoroso, por exemplo, prºjeto no .mundo
o equivalente do fenômeno do espelho que me restitui uma imagem ambiente meu sentimento de elaçâo, deslumbro-me com uma nmliaria.
simultaneamente semelhante e dessemelhante. Inveisamente, se estou deprimido, tudo me parece, na melhor das hipóte—
ses, indiferente, e na pior, uma ofensa a minha dor. Pode-se dizer, em
A.J.: Então, é preciso começar por definir “meu grupo”, "minha raça". ambos os casos, que projeto, que ponho do lado de fora minha alegria ou
meu sofrimento, sem efetuar uma distinção estável entre mim e os maos.
J.-B.P.: O grupo talvez se defina a gente se coloca por oposição no
— — Além disso, há um sentido mais radical da projeção: colocar do lado
momento em que encontra um semelhante-dessemelhante. Tomemos um de fora aquilo que não quero nem posso admitir em mim, aquilo que
38 Actua-sr. ou PERDER-SE NO NEGATIVO
UMA CARA QUE NÃO xama ”
percebo como ruim, culpado, perigoso. Deposito isso no outro É justa—
racismo?“ Nesse aspecto, talvez entre no discurso científico ou ético uma
mente isso que se observa nas reações racistas: "Eles cercam nossa
Cidades, tomam nossos bens, violentam nossas certa negação.
mulheres etc " A uilcs> Mas, voltemos por um instante a noção de território que você evocou
que eu. supunha confusamente "ruim" em mim, um possível excesgo de
rapidamente. Que é preciso maneja—la com precaução, que é preciso, em
sexualidade e agressividade, passo a atribui—lo ao outro que se toma
mau objeto", o agente do Mal. Percebe-se o "lucro” dessa particular, suspeitar das extrapolações da etologia animal para a sociolo—
ãoº
opera gia humana, isso e certo: o elefante que defende seu território não autoriza
:Tudo o que um individuo rejeita ou desconhece em si a contradi; ão
—
o trator de terraplenagem! Mas fico impressionado com uma coisa: o
interna, a Violência, 0 pulsional é expulso para fora dele
expulso gra mesmo homem que tem prazer em viajar, que eventualmente enaltece, por
—
dentro do outro. E por último vem a expulsão do outro, qde vai desge o exemplo, as qualidades dos magrebinosf depois de uma estada em seus
repatn'amento para o país de ori g em até a elim'ma
. .
' '
çao fistca, passando pelo países, pode perfeitamente fazer colocações racistas, uma vez de volta a
apnsmn emo.
sua terra. Lembro-me de um dia ter dito & Sartre, com uma ingenuidade
pela qual ainda hoje tenho dificuldade de me perdoar (foi no anoem que
trata-sc de desprezo do que de um medo de si. ele escreveu La putain respectueuse, que denuncia, como você sabe, o
É;; 3153011
e esprezo,nãenos
Mas, se
. . Sou .
e onde '
vem, no racista , essa necessrdad e de dizer.'
'
racismo contra os negros nos Estados Unidos): “- Mas, na França, esse
superior a..."? racismo não existe. Claro! respondeu-me Sartre não há razão para que
— —
para fora de si, é preciso primeiro anti-racista, seguramente bem-intencionadas, mas que, inteiramente em—
ter ingerido. Só se vomita o que se engoliu. Não há
dentro do próprio corpo. Encontramos corpo estranho senão penhadas em seu combate, desacreditam como imediatamente racista o
no individual a mesma convicção
que havíamos constatado no coletivo: “O inimigo está na que tivemos ocasião de chamar, num outro contexto, expenencra do estran-
Dito isso, é verdade que vejo uma praça.” geiro". Essa experiência não deve ser afastada, cada um deve faze-la
racismo, e uma diferença que não é uma
diferença entre a xenofobia e o
conta, longe de qualquer dom, a fim de elabora—la, de transformar
pgsuaos,
simples gradação. Primeiro, a
do das seuâªd
mentali
xenofobia é um sentimento, um movimento interno tal como o fazem, por exigência ofício, o historiador es, o
que pode ou não tradu-
zir—se num
comportamento, enquanto o racismo e uma paixão etnólogo das sociedades "primitivas” ' ou o pSicanalista. É pelo fato de uma
possibilidade de se fundamentar numa doutrina. que teve a psicanálise ser o encontro de dois desconhecidos que ela proporciona uma
Depois, já não há no racista
essa oscilação ansiosa entre a atração e o medo, já não há oportunidade de se descobrir o desconhecido dentro de Si, sem que se reaja
confusa e perturbadora pelo estranho essa fascinação
e pelo estrangeiro; resta apenas o a ele pela rejeição ou pelo terror.
inimigo, a convicção, totalmente feita de ódio
e deprezo, de fato, de que o
mal está ali. Daí haver, nesse sujeito, uma A.J.: Então, mais uma vez, o geneticista que sou tem de reconhecer
espécie de amor por seu ódio. O 1gaste
racista separa - “cliva” — a atração e a rejeição fato duplo: mostrar em que sentido a noçao de raça já nao tem
que coexistem, bem ou mal,
na xenofobia: a atração, ele vai encontrá-la do lado curlsg oje
de seus irmãos no ódio, em dia é útil, sem dúvida, mas não elimma o mesmo Por outro a to, os
e a ação de rejeição e totalmente orientada "bons sentimentos" bastam tão pouco quanto os argumentos cienti icos
para o grupo maldito. Parece-me
que a xenofobia pode persistir como uma questão individual, para lutar conna o que teve ocasião de ser, ou,. quem sabe, pode vºltªíl a
racismo (5 coisa de grupo, conclama necessariamente ao passo que o
uma violência maciça. tornar-se, um dia, um flagelo social. Para o pSicanalista, o fenomtgno o
racismo teria sua origem no indivíduo, no ódio a Sl mesmo. este
A.J.: Você também havia falado numa negação... determinaria, no tim, a expulsão social do outro. Será essa uma
de afirmar que, ao dizermos que “Essa cara nao me agrada , nao mar?? a
J.-B.P.: É, uma negação cara do outro que se trata, mas da própria...?
que limita, quem sabe, a eficácia da luta contra o
racismo. Eu me explico: atualmente, vemo—nos
confrontados com duas l.-B.P.: Eis—nos outra vez diante do espelho... “Minha cara me agrada
exigências contraditórias. Por um lado, cada vez mais numerosos
—
grupos
isso vai desde um continente até uma cidade quando o espelho me restitui uma imagem em que posso me reconhecer.
reivindicam sua identi-
—
Logo , se uma cara não me agrada, é porque fica do lado de fora, e talvez
.
42 ACHAR-SE OU PERDER-SE NO NEGATIVO 4.5
UMA CARA QUE NÃO AGRADA
seja minha cara, uma cara de que não consigo me reapropríar e Quer dizer que haveria no grupo, na coletividade, um mecanismo
que, não
obstante, tem todo o jeito de ser a minha. A cara: isso é precisamente
A.J.:
o chamado racismo, cujo equivalente poderia ser srmetrrcamentedescobcra
que mais me define (não se diz: esse corpo ou esses braços não me to no interior de si mesmo. Em outras palavras, haveria em mim contra—
agradam). Daí o esforço de que falei para colocar essa cara cada dições que seriam equivalentes às que provocam o racismo. Fºi isso: scam
vez mais
longe de mim, para mantê-la a distância, para exclui-la, dúvida, que chamei de desprezo. No fundo de mim, sou uma Visao o
já que ela não
pode se reproduzir em mim. A experiência do estrangeiro é mundo. Ora, essa visão não é inteiramente coerente. Esforço—me desespe-
um vaivém:
faço meu um país estrangeiro, vou fazendo com radamente por tomá-la coerente, mas afinal, isso nunca é totalmeiite
que aos poucos se me
torne familiar, e depois disso descubro o desconhecido conseguido. Assim, se me defmo como uma Visao de mundo multip a,
familiar. Quando esse vaivém não se afetua, existe risco de meu país
em
o que a cara haveria no interior dessa visão de mundo lugar para mecamsmos homó-
se torne cada vez mais estrangeira, até que sejam aniquiladas as logos ao racismo?
pessoas
que têm essa cara.
.
_HOJe em dia, quando todo mundo fala, não sem uma certa
com la— A.J.:Exatamente. Para mim, a pessoa e' sempre evolutiva. Albert Jacquard
de “seu" inconsciente, cada um recorre está sempre por fazer, por construir. Mais ou menos como um país está
cencra, a um inconsciente Ifem
temperado, a uma realidade cuja alteridade ele certamente reconhece o — sempre por construir. E, no dia em que eu disser a mim mesmo que, agora,
inconscrente, esse outro em mim —, mas com o qual pode negociar ue 0 Albert Jacquard que vim a ser é realmente o ideal do que eu podia
no final das contas, ele pode gerir. O sonho angustiante siritgma, imaginar, estarei morto. Você me acha otimista. Provavelmente, esse
o
aborrecrdo, e até a repetição mortificante de uma situação',de fracasso otimismo é gratuito. Provém de eu ter ouvido o Sermão da Montanha e de
acabam, de fato, por ganhar sentido. Mas há uma outra experiência do ficar deslumbrado com a riqueza de todos os homens. Os conflitos não
mconscrente infinitamente mais perturbadora, que Freud designou lo passam de peripécias, ou melhor, só vemos conflitos por não sabermos
nomede Unfzeimlichkeít (a estranheza inquietante), quando o mais frªgi— ver neles uma construção. Pode a vela ser descrita como estando em
lrar vtra subitamente o mais estranho. É uma conflito com o vento?
experiência que pode ser
extremamente passageira, como um breve momento de despersonaliza âo
em que o ego perde sua sustentação. O sonho, mensageiro do inconsciegte J.-B.P.:No fundo, vóªcê se poupa da crise, da crise econômica, e também
e al go que voce sempre chega mais ou menos a elaborar,
ou até a esquecer, da crise psicológica. Como se, no momento da crise, já soubesse que
J a uma experiencia como essa não se deixa dispõe da solução. É como num filme policial. Desconhecemos o que vai
integrar. Ela questiona funda:
mentalmente nosso sentimento de identidade, confunde fronteiras acontecer, mas dizemos a nós mesmos que é preciso que o ator principal
as entre
o dentro e o fora. Porque evocar isso ao falar de racismo? esteja lá até o fim, logo, tranqiiilizamo-nos: o herói não desaparecerá nos
Porque o racismo
se transporta para ,a cena social, coloca do lado de fora o
que não é primeiros cinco minutos do filme. Para o espectador infantil, as coisas não
elaborado entre o sr e o si mesmo. funcionam assim, porque ele não sabe que o ator terá de ficar até o fim.
Pode ter um medo pavoroso, nos primeiros cinco minutos, de que o herói
A.J.: Mesmo assim, essa cisão interna é
permanentemente angustiante O morra. Pois bem, você, por sua vez, é um pouco como um ator que
que espero é. que o "eu, eu mesmo " seja unitário. Naturalmente sempre estivesse convencido de que seria encontrado no fim do filme, e portanto,
se pode analisa—lo aos pedaços. Mas o que chamo eu e algo de de que, mesmo que fosse ameaçado de assassinato, continuaria a ser
profunda-
mente umtário, que domina todo o resto. Podem me contar coisas sobre Albert Jacquard, o herói de sua própria vida. Mas, justamente, ocorre que
todos esses pedaços de mim, mas eles não me interessam, é
ao que os une os grupos sociais que se acreditam ameaçados não estão absolutamente
que. chamo eu; Como no indivíduo, não será essa dissociação que leva na seguros de serem os heróis da história. Temem ser aqueles que vão pagar
sociedade, ao racrsmo? Essa espécie de clivagem em que não se conse, ue o pato.
mtegrar tudo? Existo quando consigo integrar tudo o que esta em mim
mclusrve o que não considero admirável. Não importa. Tomo meu ró rir; A.J.:Não seria o fato de tomar qualquer diferença por superioridade ou
partido; constituo—me ao dizer: todos os aspectos parciais na verdarde lirão inferioridade uma doença infantil da humanidade? Claro que é excessiva-
sao eu. Nem sequer a soma disso tudo sou eu. É minha capacidade de mente otimista supor que a humanidade, que mal chega a ter cem mil anos,
integra—los que sou eu. Assim, também a nação é a capacidade de inte
o conjunto. E se dissocia quando rejeita pedaços de si g rar ou cinquenta mil, conforme a maneira de contar, esteja sequer saindo de
mesma. sua acne juvenil, e que o medo do outro seja um complexo que um dia
Voltando ao racismo, essa é sem dúvida uma visão meio angelical será superado. De tanto dizer isso, mesmo que ainda leve cinquenta mil
mas, paramim, a França é justamente aquilo que é capaz de ser enquantd anos o que é pouco para a história de nossa espécie —, não chegará o ser
—
ser unitano, com os meninos e meninas nascidos em Paris ou ,no Jura humano a superar esse medo do estrangeiro?
e
também os que vêm de outros lugares. É esse algo que chamo "Fran ç a,"
justamente por se compor apenas de franceses ,
J.-B.P.: É possível que um dia a espécie humana venha a se vivenciar, e
não apenas a se pensar, como uma totalidade não hierarquizada, da qual
J.-B.P.: Você é extraordinariamente, eu não diria
otimista mas confiante cada parte seria um componente. Será isso realmente o que devemos
em seu poder de integração pessoal. Parece viver uma coexistência
fica consigo mesmo. Você afirma: “Não sou Albert paci- desejar? Porque o preço a ser pago por essa espécie de reconciliação geral
Jacquard desde corre o sério risco de ser uma redução ao homogêneo. O que alguns
sempre, vrm a me tornar Albert Jacquard, e continuo tendo que me tornar chamam, um pouco apressadamente, de civilização planetária, na verda—
.Albert Jacquard.“ '
de, tem toda probabilidade de ser uma extensão de um único modelo de
'
46
ACHAR-SE OU PERDER-SE
NO NEGATIVO
g
definição, quando se trata da representação.1 Sim, podemos afirmar que
por toda parte, hoje em dia, é imperiosa e até preponderante a preocupaçãoé
de curar. Não apenas o hospital moderno, mas o conjunto da sociedade
que mereceria ser definido, na imagem ideal que
ela faz de si mesma,
“máquina de curar". É a lenta extinção das religiões da redenção
como
e do Mal, 0 apagamento progressivo do Direito em benefício da "neces-
e VI
ª sidade de segurança, o da punição em prol da “reeducação" da “rein—
e
serção” social, e a dissolução de um ensino cuja estrutura correspondeu
por muito tempo aos fins buscados.2 Por todas as brechas assim abertas,
a vontade de curar, franca ou camuflada, consegue deslizar para o primei-
ro plano. ' “A era médica pode começar' ', afirmava Knock, já se vão mais
de cinquenta anos. Estamos nela.
Mesmo aqueles, numerosos hoje em dia, que denunciam seu domí-
nio corroboram-na inadvertidamente. Fala-se, por exemplo, imitando o
jargão rejeitado, em doenças “iatrogênicas”, a saber, induzidas ou agra-
vadas pelo tratamento médico ou pelo consumo de medicamentos, mais
isso é feito para nos convidar a confiar nos médicos de pés descalços
—
* Personagem de Molieie que personifica o bom senso vulgar e que, entre outros papéis
muito diferentes. aparece como lenhador em Le médecin malgre' lui. (MT.)
47
48 Acuxnsa ou PERDER—SE NO NEGATIVO
UMA [Dam INCURÁVEL Att
neutros, indeterminados. Meu papel é determina-los, conduzi-los à entre outros que sao
exis- gritªram “bem conduzido” são identificados dãáomêã'manãilirífâm
_ _ . . 10
tência médica.” Nos dias atuais, não foi
esse objetivo atingido, até
ultrapassado? É a existência inteira que é médica, assim exªme, pelos teses
'
de laboratório. Se já quase nao '
'
' m icos
,
garantindo, para de doenças 'imaginárias, ' ' sua des confiança é ain d a ai aior quanto as curas
além de seus limites, o triunfo da ' '
medicina.3 ' ' as a f'um & ç ões do paciente:
_
'imaginárias, .
como consumada desde a época em que a medicina Vamos dar um passo suplementar, afirmando que, no pSicartiªiàstª
atribuiu a si, além de
sua função tradicional de “assistência”, a tarefa de que desvaloriza por princípio a cura sintomática, é (ânitedicooqsqâmmá
manter a saúde, tarefa cujo custo social, feitas prevenir a doença e
todas as contas, seria
'
nao o pSicanalista
' '
(nem o doente...). Na me reina, e a 0,
' . quanto o Sina vermelho" é uma
é
arbitrario
_
'
tão
_
“
economicamente menos elevado para apenas um Sinal, as vezes 1
,_
assegurar o bom funcionamento da ' ' v ezes tardiamente, pc ] o org anismº prejumca-
_
-
— —é exigência — pelo sonho. O sentido nao
50 5'
ACH/ursa ou PERDER-SE No NeoArivo UMA mm INCURAVEL
trama psiquica. Como se fabricou este sonho, este sintoma? A nhecer o “núcleo de verdade" do delirio e a "tentativa de cura" que ele
resposta nao está nem numa nem na outra extremidade da cadeia das
representa, eles são desconhecidos no sintoma neurótico. Sim, é mais do
r p n , que hora de "reabilitar" o sintoma!
O emprego de uma mesma alavra sintom
- — ' Enquanto Freud, enquanto os psicanalistas reconhecem no princípio do
portador de um duplo mal—entendidª. Conviria, púmâirampgxeÍc'grtiétiÉlrlf prazer a única regra das trocas intrapsiquicas, a cura pode realmente
gio-nos da realidade designada, em psicanálise, pelo termo sintoma- constituir um problema, mas não uma aporia. A situação continua a ser,
epois, nao nos limitarmos a transpor uma causalidade orgânica um:; definitivamente, a mesma da medicina, onde a cura é constantemente
causalidade psiquica. Dizer que um neurótico está doente de para subentendida, sem ter que ser tomada por objeto de reflexão. Somente
sua imago
ªatema ou que sofre de um superego imperativo demais é, evidentemen- quando o principio do prazer é despojado de sua soberania no mais além
—
ou uma hiperglicemia (salvo pelo fato de que estas são quando não se pode cifrar que é preciso curar.
mensuráveis) . O
pensamento que procede à maneira do “isso remete a" e que atribui Freud descobriu muito depressa os benefícios da doença. Também
, ª'º
designa—lo, um término a esse processo,6
permanece causal E isso muito cedo fez-se a constatação de que o neurótico dá mais valor a sua
qual for a causalidade invocada, e seja qual for o referencial
instancia psiquica ou trauma sofrido, relação de objeto
nª: neurose do que a si mesmo. A primeira geração de analistas, aliás, era
mais atenta do que nós - que vemos na admissão do sofrimento uma
ou funcionamento
mental, lesao orgânica ou alteração do ego, fantasia originária ou organi-x condição necessária da contratação de uma análise - à bonificação de
faâzo
libidmal. Ora,
sea psicanálise, no exercício de seu método, preserva prazer oferecida pelo sintoma, e, por conseguinte, mostrava-se mais
o s as_ suas probabilidades de
escapar da objetividade que condu desconfiada quanto ao desejo, destacado pelo paciente, de se livrar dele.
necessariamente a reduzir o sintoma a uma expressão secundária de un? Reconheciam-se, pois, de imediato, a resistência à mudança e a intensi-
processo ou de uma estrutura, ela também corre o risco quando envereda dade das fixações, o “mais gozar” no sofrimento e o caráter excepcional
pelo cammho da teoria, de se ver moldada, como que a das sublimações bem—sucedidas. Freud, no tocante a tudo isso, não tinha
despeito de si
mesma, pelo discurso causal. Não é fácil pensar diversamente do “isto a menor dúvida, a menor ilusão, mas isso não o impediu em absoluto de
inventariar as “perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica" (1910)
Superficial, Visível, enganoso) remete a (profundo, oculto, sabido pelo
No entanto, o “pensar' ' psicanalítico só advém ou de traçar, um pouco mais tarde, suas "linhas de progresso" (1918).
colíntrz) . quando a
sse pensamento seja ele médico, filosófico ou psicológico ruptura
—
lo g ra —
Tudo se modificou diante do encontro insistente com a "reação
se efetuar. Há interpretações simbólicas ou genéticas
que P erm 811806111 terapêutica negativa"7 e quando da introdução, na clínica, da pulsão de
aprismnadas no molde causal. morte. A "virada", na verdade, não foi puramente teórica, como sempre
tentaram acreditar, mas clínica: a coisa "tomava um rumo ruim". Não é
bem ou mal,
O ou tro mal—entendido a que aludi pode
agora ser mais bem apreendido Foi que, antes disso, tudo corresse como se poderia desejar, mas,
por. uma especie de concessão cega ao modelo médico que construímos e podia—se dar um jeito, de transigência em transigência, de deslocamentos
utilizamos uma semiologia erigida sobre os mesmos pressupostos Quando em retificações. Se o amor medicinal nem sempre conseguia curar do
'
dizemos, por exemplo, que um dado paciente sofre de fobias ou obsessões amor, pelo menos o tratamento podia consolidar-se num “compromisso'
sera que se trata dos sintomas dele, que ele efetivamente '
de saúde menos “dispendioso" do que o compromisso neurótico: ficava-
produziu ou dos
queo saber produz? A meu ver, é pela impossibilidade de percebera ue é se dentro dos limites de uma economia liberal... Mas será que a concepção
o Sintoma em pSicanãlise que, já se vão anos, fica—se a
repisar a raridadg das de um masoquismo originário, introduzido justamente como um "proble-
neuroses. smtomãticas e a multiplicação das “neuroses de caráter" e dos ma econômico", e sobretudo o encontro com uma força que faz do
distúrbios narciSicos". Eu diria, antes, negativo do inconsciente um poder de antivida, um desejo de não-desejo,
que para o psicanalist- não existem
neuroses assmtomáticas. Uma neurose nem sempre deixa ver seus sintomas será que esse esbarrão não veio proibir qualquer possibilidade de cura,
de imediato, mas os deixa necessariamente ouvir. A existência
de sintomas seja qual for o conteúdo que lhe demos?
transitórios, que aparecem e desaparecem no correr da análise tem ness e Um médico que acreditasse ferrenhamente, se ouso dizê-lo, na
sentido, um valor demonstrativo para todos os sintomas. ,
pulsão de morte não teria mais nada a fazer senão fechar o consultório.
“,
52 ACHAR-SE OU PERDER-SE NO NFBATIVO S',
UMA mam INCURÁVEL
Há analistas, sobretudo norte-americanos, que chegaram à mesma conclu- . . à submorte. Podemos ver . a a em
.
são, e é porisso que, da pulsão de morte, não querem nem ouvir falar. E crematório, da sobrevivencra glsso rªnge“
de
invertida uma subvida e de uma sobremane, que nossa poca se
no entanto, como adiantei há pouco, são precisamente os pacientes mais
sujeitos ao que chamei em outro texto de trabalho da morte a morte —
igualmente em administrar.
trabalhando dentro do corpo psíquicoª - que mais "vivamente“ desper- ,
.
"0
tam o desejo de curar, embora não julgassemos estar sujeitos a ele. Este Existe uma ambição de curar que e, ao meslmo tegiw,_3esa£o É) 8211233383
absoluta '
última avra 0 Sl enc . e
a morte, senhora ' cu3a pa
“
pode assumir muitas formas: de reparação (há furos por toda parte) ao C virá namo
holding (se eu não o segurar, ele desmorona), da construção da fantasia
'
curar do pswanahsta nao p ode encontrar sua fonte
' " a.( on po
_
a' morte esse desejo qu e estimula, justamente, na ª g, açao
.
' ' .
_o ne
(é uma coisa frágil, feita de pedaços e fragmentos dispersos) à fantasia de ondena—lo _
(da
um parte (ele não nasceu realmente, não nasceu para a verdade), ou até qa realidadedpstqâlàgª
de uma ressurreição (mataram-no, aniquilaram-no, enlouqueceram-no). ou da realidade externa, aliás, 'mmtas vezes, smgu
' e a l
armen e ª eq
desnuda-lo, e entao- ta 1 vez d esc “bramos
Que o analista, com isso, procura se proteger, não se deixar dominar pelas ara se revezar? Podemos preferir .
corsas do que da ldéla de cura .
_
.
gue é mais fácil nosj,curarmos de mmtas .
,“
. _
em ue curado. A queda, ou a
aprimoranilentcf><ãdczieclªfrÉ
cepçâorilríiãigáncliíssã de“ uma retificação, de um recaída, resguardaria da perda.
interna de sair:, âââªí'ZÉZÃÉSÉ-ººªiºªºdíºªªº“mª
c1v1 iza
ªºººªªiªªªº
" ou sofistic Sabemos que foi num texto que muitos consideram “testamentário”,
Freud veio
indefm' e ainda defmidor do contexto de nossa problemática atual, que
xeque só que em 233in
.
ou mantida em_
sem esàâitãl㪪esggâtâlsltada "dessa se defende
—
esbarrar e como que entregar os pontos diante força que
por
—
sua-experiencia, cada vez mais descon:
certante e à sua mane.ares mais da cura por todos os meios e quer a todo custo agarrar-se à doença e ao
antes. De ,modo que ªtªcamâude discreta), “selvagem” do que sofrimento”:3 dir-se-ia que, no cômputo final, ele a achou mais forte do que
poderíamos julgar que a reação terapêutica
a análise. Triunfo, portanto, da metáfora militar: “Tudo se
negativa tornou—se com ouv1 izer, um conceito da como se a
em que estaria eªcesso anacrônico na medida
—
batalhões mais fortes."4 É o Napoleão de
vitória tivesse que ficar com os
absoluto de uma rejeiçâldlââetgtgmªíftiod:%rmanifesm, crismlizªriª no Waterloo, e não o Bonaparte da ponte de Áreole, constatando, mais com
ocesso —, como poderíamos batalhões têm razão.“ '
,
do
realismo que por pessimismo: “Os grandes sempre
.
p
il.
Existe aí, aparentemente, uma confissão de derrota, quaSe que de
.
de medico é exigido pelos psicanalistas domesticar essa força, ou pelo menos para contornar esses grandes bata-
“
—
e na fantasia subjacente foi quase que imediatamente reconhecida, com princípio de antivida, que Freud inscreveu no coração do ser vrvohugnanã):
o lucro secundário e principalmente primário que se liga a ela. É inclusive o escândalo da pulsão de morte, que é também o do desconhecido » . o
sob a condição desse pressuposto sob a queixa manifesta, ouvir e que não se deixa conhecer, entender, captar. Nao
— há nenhum
identificar o gozo secreto que se efetua qualquer análise. domãmo,
—
nenhuma apreensão possível daquilo que exerce sobre nos a mais orte
2. Correlativamente, a “fuga para a cura” foi considerada
suspeita,
bem mais suspeita até do que seu simétrico, a "fuga 350611363: 1305
anuncia Além do princípio do prazer? Que, se há “progra-
para a doença", que
tem sobre a primeira a vantagem de testemunhar a atualização do conflito.
Não há um só desejo de cura no paciente (e no analista, tomado de “zelo mação" biológica, a programação em pauta de modo algum assegurado
amadurecimento, nem a produção do novo, nem tampouco o advento e
terapêutico”) que não mereça ser interrogado e analisado como um estruturas mais flexíveis ou mais diferenciadas, porém: essenctlaàmente; a
sintoma., A primeira geração de analistas era certamente mais atenta do
repetição do mesmo, inteiramente orientada pela atraçaodmortâ agrªriª
que nós - que vemos na admissão do sofrimento uma condição necessária Os psicanalistas ainda não se havram refeito disso quan o es arra
para o encetamento de uma análise â "bonificação de prazer" trazida
—
obstaculo constituidorpor essa lei do retomo em seu próprio campo, e nao
_
pelo sintoma. Por conseguinte, mostrava-se mais reservada em sua ava- mais do lado de fora, sob a forma, por exemplo, de uma neurose e do
liação do desejo, amiúde formulado em alto e bom som pelo paciente, de destino. Mais além das regulações que asseguram o jogo do prazer e tão
se livrar dele.
3. Mais tarde, a nova teorização do sentimento de desprazer, é o que poderíamos chamar princípio de agoniaã de gozá) e É
culpa permitida dor que está em ação. Quando impera esse princípio, eixam e se
—
pela segunda tópica das instâncias ofereceu uma explicação quase aritmé— válidas as leis da economia libidinal e narcísrca que regem o funcrona-
tica para o sofrimento - desprazer para um sistema, o
ego, prazer para mento neurótico de bom quilate - leis que, no fundo, foram retomadas por
outro, o superego e, com isso, uma possibilidade de definição relativa-
—
Freud da economia liberal. É compreensível que, ao mesmo tempo, a
mente precisa da reação terapêutica negativa. De fato, Freud viu nesta
última uma expressão deturpada do domínio exercido pelo obtenção de um compromisso de cura deixe. também. de se afigurar, em
superego: relação a tal princípio de gozo—dor, menos custosa do que o compro
“Esse sentimento de culpa fica mudo para o doente. Não lhe diz que ele misso neurótico. O cálculo dos custos e a estimativa dos lucros Ja nao
é culpado. O sujeito não se sente culpado, mas doente."6
intervêm. “Pouco importa o que isso me custe, o que,,custe a voced ,
4. A perspectiva econômica adotada dure . A
para esclarecer o paradoxo do parecem dizer-nos alguns pacientes, “desde que tlogica
o
masoquismo do prazer encontrado na dor, do “ele goza onde sofre"7
—
desprazer-prazer parece ceder lugar a (ou ser totalmente reco
—
cria pai-())
permitiu dar um passo a mais: o masoquista procura manter a qualquer uma lógica do desespero - que leva ao desespero nossa lógica, tan o a
preço, e às vezes o preço é muito elevado, uma certa “quantidade de processo primário quanto a do processo secundano. -
sofrimento". Assim, pode encontrar na situação analítica um meio de , .
Vemo-nos confrontados, portanto, ao cabo dessa rapida apreciaçao,
.
garantir essa possibilidade; ela se transforma no lugar predileto de uma com o seguinte paradoxo: quanto mais a_teoria parece em condiçoes ge
queixa infindável ou de um processo já perdido de antemão, levar em conta a reação terapêutica negativa, quanto melhor está arma a
para vencê-la, mais esta nos desarma, mais se apresenta como irma força
S. Por fim, ao invocar uma "necessidade de punição", não foi
apenas a outra face do sentimento de culpa que se designou, mas num — irredutível, e até como um núcleo indiVislvel do ser, que nao apenas
movimento de interiorização progressiva tão característico do escapa às garras da interpretação .como mantém em xeque, em SÉ:
pensamen-
to freudianoª uma realidade inscrita no registro pulsional, ou melhor, na
—
próprias raízes e finalidade, a análise: a analise encontra em Sl ªe?)“
ordem vital. É que, nesse ponto, Freud falou em necessidade (Bedãrfnis), aquilo que a nega. Sua função, na verdade, e desligar ª; represente çom;
não em pulsão ( Trieb). A escolha desse termo é ainda mais significativa mas para ligá-las de outra mane1ra.(nesse sentido, ela e etivamen
na medida em que Freud sempre se recusou a reconhecer ao contrário— o partido de Eros, que certamente desarranja, mas para estrmu ar arranj
'os
de Jung e, mais tarde, de tantos analistas anglo-saxões a existência de
— mais sutis); ou então, ela visa a que a representaçao oe afeto se unam
qualquer impulso natural para o desenvolvimento (Entwicklungstrieb) onde estão desunidos. Ora, eis que ela esbarra, no nega-tivo e como que
que permitisse assimilar a complexidade do psiquismo ao amadurecimen- encarnada, nessa função de desligamento; eis que alguma entre os srgntçs
to progressivo de um organismo, e que fundamentasse, já não passa de um vínculo - de ódio, de amor? nao se sabe mais elndg
—
por conseguinte,
a idéia clássica (pre—analítica) de cura: restabelecer a suposta integridade, dois corpos. Mas Eros não comparece ao encontro. Passamos para o a
equilíbrio e harmonia do ser vivo. Ao contrário, foi uma força, e até um das máquinas de destruir.
58 ACHAR-SE ou Planam-sa no NEGATIVO 59
NÃO, DUAS vezes NÃO
Macbeth e Rebecca West, e, convém notar, de duas mulheres esie'reig ca, psiquiátrica ou interna. Existe resistência à, na e pela análise.
— Dito
referenc1a em que podemos ver um efeito de “anterioridade"
se consi: de outra maneira, mesmo que a palavra não tenha sido inventada pela
derarmos que a “rocha" que fundamentaria em última instância a reação psicanálise, a experiência da coisa é tão especificamente analítica que
terapeutica negativa seria, precisamente, e em ambos os sexos uma certa esclarece, em contrapartida, fenômenos decorrentes de outros campos. Já
rejeiçao da feminilidade...“ Esse fracasso diante do sucesso Freud o
'
:
3. Na medida em que se opõe à emergência de uma representação
pulmonal, so me resta fechar as portas, dizia (leviana ou gravemente
, ou de um afeto, a resistência é interpretável, e só é interpretável se a
depende) o autor de Gue'rír avec Freud [Curar com Freud].
Mas essa inversão foi também um retomo, um retorno a um representação e o afeto em questão forem designados pelo analista.
pensa- inversamente, não interpretamos uma defesa, mas a constatamos (com o
mento médico que parece ter-se reabilitado na própria época do fracasso risco, aliás, de reforça-la), ou a evidenciamos quando ela é inconsciente.
—_
diante do sucesso - da análise. A expressão “reação terapêutica nega- Nesse caso, não existe análise no sentido psicanalítico do termo a saber,
—
tiva , sempre empregada por Freud entre aspas, como se fosse extraída
desligamento entre a representação e a coisa significada —, mas, na melhor
de outro vocabulário que não o dele,12 testemunhou nesse “médico a das hipóteses, análise no sentido cartesiano. O que se chama abusivamente
contragosto“ (o termo é de Leo Stone") o movimento de rebaixamento de análise dos mecanismos de defesa pode favorecer o insight, assegurar
da pretensão terapêutica que o levou a formular a
pergunta: porque o uma conscientização do funcionamento psíquico, mas não tem como
doente reage negativamente a um tratamento prescrito com exatidão induzir efeitos de sentido.
e
corretamente conduzido? Como vimos, não faltaram respostas mas Freud Pois bem, a que assistimos e do que vimos participando há anos,
limitou cada vez mais seu alcance. Em suma, ele só reconheceu
plena- senão uma crescente assimilação da resistência às defesas? Porque essa é
'representaçâo-meta” do médico e do paciente que comparti- uma longa história, que eu remontaria de bom grado ao texto precursor de
ªí:-tiª] esma: curar no momento que ela for' radicalmente
'
—
' '
tência à descoberta das resistências" permitindo essa passagem. É assim
a morte, em sua imagem concreta d e repetição '
mststente do "dem ºnfª -
co ” , que resrste à vida!
.
compreendidos em relação às particularidades da transferência e da con- quantitativa essa intuição global da interdependência: "A toda ação se
__:
estreitamente ligado que o da ação e da paixão, um par portador de onde ela deixa de ser uma metáfora, um transporte, onde não há mobili—
imagens 'de reciprocidade, simetria, interação sem mediação. Já não dade das representações, mas se institui uma relação com o objeto em que
trata aqui de um par de opostos (paixão = contrário se
lógico da ação) mas toda a energia psíquica do sujeito parece se investir? O vínculo transfe-
de um par compensado”, ambos os termos do qual obedecem à mesma rencial é, então, dos mais estreitos. É também tenso ao extremo, tenso a
logiça. Para melhor perceber a ressonância do termo “reação” no ponto de se romper, com alternâncias súbitas e violentas de sentimentos:
semantico freudiano, consideremos a Reaktionsbildung cam 0
(formação
reafi—
admiração e desprezo, gratidão e rejeição. Tudo branco, tudo preto. Sem
va), o abreagieren (a ab—reação, que não passa de uma nuanças. A gente não se entedia com esses pacientes. Mas sofre. Nosso
reação adiada
vinda de dentro, à ação do trauma infligido de fora) ou ainda a transer “
“motor” gira em rotação muito baixa ou muito alta, sem jamais poder-se
renCia, definida comoA modalidade do agieren, e a,contratransferêncía permitir uma velocidade de cruzeiro... E a contratransferência também se
Zilmnqêsqgçío a transferenCia. Em cada uma de suas ocorrências, o modelo anuncia numa forma de agieren: apenas nosso corpo se exprime numa
tensão difusa, reproduzindo—se a imobilização física numa paralisia do
Donde uma primeira observação elementar:
, . quando se identifica na curso do pensamento.;ft atenção não “flutua” mais: focaliza-se, siderada,
analise uma reação, mesmo em ponto menor ( “Pele reagiu a minha inter- como que atingida por uma proibição.“
pretaçao, a minha ausência, com...", ou, do lado do analista “a estridên— Ação-reação: o par funciona a pleno vapor. Já não há troca possível
eia da voz. dele me exaspera, seu silêncio me
abate") isso é indício de nem circulação de sentido, mas controle e vigilância recíprocos. A pulsão'
que o analista é percebido ou se percebe como agente que sua função de de dominação parece ser a única a se exercer: quem se tornará senhor do
interprete, de suporte da transferência, vai-se apagando, ou inversamente outro? Não retornaria, então, aquilo que foi excluído nas origens da
que o analisando está, à parte as palavras que consegue dizer inteiramente
psicanálise? Com efeito, parecemos remetidos de volta à época da suges-
ocupado em exercer uma força ativa sobre geralmente contra tão e da contra-sugestão, da ação imediata, em que transferência e trans-
o
—
—
analista corno pessoa. Assim, encontramo—nos
no registro do,agir mesmo missão (dos pensamentos) - uma mesma palavra: Úbertragung — tendiam
que esse agir so seja veiculado por palavras. Essa dimensão do efeito do a se confundir, numa espécie de transfusão das energias.
discurso no psiqmsmo e no corpo do analista decerto está Não encontramos em Freud a expressão reação terapêutica positiva.
toda analise. É inclusive necessária, a presente em
meu ver, mas sob a condição de não Vejo nisso a indicação de que uma reação — no tocante às exigências da
ser prevalente, e sobretudo de ter valor de índice, de não
ponto de partida para perlaboração psicanalítica, do trabalho do aparelho de pensar —
urna_elaboração psíquica. Mas, que elaborar quando toda a relação analítica poderia, aos olhos dele, ser positiva. Vejo também aí a recordação daquilo
Ja nao passa de uma relação de forças? Quando os
“grandes batalhões" em que todos ficaríamos facilmente de acordo, a saber, que os benefícios
entram em cena, exit a liberdade de pensar. A
gente enfrenta como pode. terapêuticos, por mais necessários e desejados que sejam, não são sepa—
'
É_um dado da experiência corrente ráveis do processo de mudança intrapsíquica efetuado pela análise.
que os pacientes mais refratários
ao mov1mento da análise — movimento do
qual a associação livre é apenas Precisemos as coordenadas: a reação terapêutica negativa, que é um
uma testemunha, nem sempre a mais segura - são os que investem mais efeito de resistência maciça a esse processo de mudança, assume a
intensamente a relação analítica em sua realidade instituída
e o analista aparência de uma defesa global, quase orgânica, e surge então como
em sua atualidade, em sua presença corporal. Encontramos na história intratãvel. Mas, a menos que nos submetamos ou nos demitamos, isto é,
infantil desses pacientes — uma história pobre de lembranças e revives- que façamos nosso o sistema do paciente e soframos, obedecendo ao que
cepcias —, principalmente, palavras proferidas, na maioria das vezes pela constitui sua lei, à dominação que ele mesmo sofre, convém nos formu-
mae. Esses ditos têm valor de atos. Como veredictos lannos a pergunta: nessa defesa em que prevalece o par ação-reação, qual
sem apelação
sentenças recebidas como negações de justiça, eles não são
passíveis de é a fantasia atuante? Qual é a ilusão, ou melhor, a convicção oculta? Quais
nenhuma recomposição que os relativize e que, ao mesmo são os afetos mobilizados?
tempo relati—
vize a imagem e o poder daquele ou daquela que os enuncia. Absolutos
so podem susc1tar, em contrapartida,
uma reação. Por isso não raro vemos Joan Riviere, num belíssimo artigo, mostrou como os pacientes a propó—
sobreVir na análise desses pacientes um “agir” externo,ou somático sito dos quais ela citou a reação terapêutica negativa eram inteiramente
. A
mae e o analista são denunciados em sua fala pelo ato. tomados por um desejo eu diria, antes, uma necessidade egóica compul—
—
Nesses casos, a transferência merece plenamente siva de reparar, de remediar... Recusavam-se a "se curar", numa
F reud sob a rubrica do ter sido situada por —
agieren. Mas caberá ainda falar de transferência espécie de auto-sacrifício, enquanto não tivessem “curado" seus objetos
64 ACHAR—SB OU PERDER-SE NO NEGATIVO
NAO, DUAS vezes NÃO 65
esforço e o retorno ao ponto zero. Já não tinha validade a imagem do individualidade.24 Ninguém soube mostrar mais vigorosamente do que o
trabalho de Penélope, que ao menos nos garantiria
que a metáfora freu- autor de Mars a que forma extrema pode conduzrressa exrgencia de um
diana do ofício de tecer ficasse, em principio, ativa. “não”.” Poderíamos fazer com que toda a trajetória percorrida por Fritz
Todas as vezes que se esboçava em Fabienne um desligamento da Zorn ficasse contida nestas duas proposições: “Duvido que eu tenha apren-
dominação irrestrita da imago materna, respondia nela uma necessidade dido com meus pais a palavra “não“ [:..] o simples fato de dizer sun eraurna
de sofrer e de fazer sofrer. Passar mal, ter a experiência do mal, denunciar necessidade" (p. 33); e ainda (p. 205): “Os tumores cancerosos—em sr nao
o mal eram, para Fabienne, uma condição vital, não de incomodam; o que incomoda são os próprios órgãos sadios, que _sao compri-
gozar o gozo era
—
midos pelos tumores cancerosos. Creio que a mesma corsa se aplica à doença
monopólio da mãe —, porém, mais simplesmente, de ser. Lembremo-nos
da definição dada por Sartre, em Huis clos, à maldade (muito precipita— da alma: aonde quer que doa, sou eu."26
damente assimilada pelos psicanalistas ao sadismo): "Ter necessidade do O “ “fazer não” ' precede o “dizer não“ — mas, por vezes, chega tarde
sofrimento dos outros para se sentir existir.” Não e nisso demais. E o “não" tem que preceder o “sim".
que está contido
o paradoxo do "mau objeto"? É que ele continua
sempre disponível, não
pode ser definitivamente perdido e, por isso, corre menos risco
que o A interpretação tinha em Fabienne, mais nítida .e corporalmente do qàre
“bom' ”objeto de arrastar o sujeito no movimento de sua perda. Indestru- nos outros, um efeito de disjunção, de corte. Por rsso é que, se seu Sãntl o
tível, o mau objeto garante ao sujeito sua própria permanência. pontual podia ser aceito, seu alcance logo tinha que ser drmmu _o gu
Pensando em Fabienne e em outros, não falarei aqui em identifica- anulado. A interpretação, por si só Simplesmente enquanto doaçao _e
—
Externamente, Fabienne mostrava-se de um “altruísmo" violência. (E, incontestavelmente, colocado diante da reaçãcãterafpeutsilclª
a toda
prova: mães solteiras (o pai real era mantido fora do negativa, o analista nela descobre a perversaozconi seu djsãolgéxual
enfermos, amigos em "breakdown" [colapso] (em circuito), bebês monotonia e seu ódio secreto, porém uma perversao des oca
depreSsão "reativa"
a algum rompimento), almas e para o vital ) Mais do que se baterem com a loucura de Bros, e 1 es op mm
corpos adoecidos... ela sozinha era um
socorro permanente para toda sorte de prescritos e pelo combate antecipadamente perdido com Tanatos. da
era um comitê de defesa das causas justas e sem —
vítimas, ela sozinha
se apoiar em nenhuma
Curar-s;
lidade, curar-se do excesso de mãe, não querer se curar, é tu o a m sªiª;
convicção política, religiosa ou ética. Não, sua coisa.
lugar: a realidade exigia ser tratada, só a realidadecrença estava em outro
Entretanto, uma estupenda esperança de mudança de " renasãç;
.—
tinha prioridade absoluta. Mas essa mento” , ou de nascimento partenogênico favorecido pelo ana ]“ista—m
realidade, Fabienne o sabia era —
—
.
terapêutico" às vezes
censuramos numa medicina que imagina poder suplantar que
—
. _ .
a morte ah'. se você fosse Winnicott... Um fato, em particular,l merece aãtêrgçzziaa
desencadeado pela dificuldade extrema, ou então
—
era ' " da ' '
pela impossibilidade de depreciaçao linguagem, ou seja, do veículo da ana ise,_ uma -
êxito. Todo o querer curar vinha reagir " enraivecida ' ' às '
de uma acusaç ao f ranca, at é o
- reagir, não responder a um çao' que pod e chegar taxas
fazer morrer.
—
a constataça_o comqueua da
_ _
.
.
igual
_
totalmente diverso, obstinado,
amargo e desconfiado. A generosidade já
'
a essa recusa da linguagem, pelo q ue ela deixa pressen m de criaçao e
não tinha curso: Fabienne não deixava - . . .
nada em mim. Viera à deslocamento de sentido. É que as palavras dao continuidade,
análise para encontrar nela, segundo dizia,passar “o direito à fala“ (isso fazia contato a ortas fecnadas ' com a mãe. A linguagem. se mexe, e
mantgiãd:
indiretamefite ,
parte do clima da época, mas, para ela, efetivamente, pôr em movimento. Ela rompe a continuidade. Faz com que
eram palavras
verdadeiras). Uma demanda que parecia inteiramente
justificada por suas se perca a coisa de vista.
. .
inibições no trabalho, sua incapacidade de verbalizar A única mudança reconhecida como válida seria uma mudança
vezes intensas, reproduzida numa permeabilidade às emoções muitas efetuada na realidade. O curioso é que sucedçftomarmos a
tros ("sou uma esponja que absorve tudo, palavras dos ou-
sem filtro"). Só bem mais exi ' ' ao menos durante algum tempo ,_e nos izermos:_ com . 32:
' encia
assigm tâ,o
1111111
-
tarde é que compreendi que ela viera buscar -
na análise, ao mesmo - psicótica, tão impreVisivel, tao mcoerenteci (;_uttao abuilxaáâsg
tempo rejeita-lo, um outro direito, mais fundamental: para erse uidora ' ou com um meio p " '
recoce” tão e ei uoso,
o de fazer bem
'
—
é ele, o seduzido, que está realizando seu desejo até então inconfessado.
Não creio estar desconhecendo, com isso, a função defensiva Não há nada, tampouco, que possa evocar as técnicas requintadas da
do
recurso à realidade a que aludi há pouco. Mas não nos tortura e da confissão, da violação dos corpos e dos pensamentos, que
esqueçamos
tampouco de seu simétrico: a "defesa pela fantasia" (Lagache) ou pelo fazem da vítima seu próprio algoz. Não, em Fritz Zorn não há nada disso.
fantasymg ' (Winnicott), que impede a atividade representativa de Os pais, que de fato é preciso incriminar para apontar um culpado, não
ga—
nhar corpo, Isto é, realidade. Concordo em
que não há nada que tenha querem nada. A “margem dourada" do lago de Zurique não quer nada,
ocorrido na realidade externa, nenhum trauma,
por mais “cumulativo" nem a “burguesia”, nem o “sistema”. Nenhuma doutrinação, nenhuma
que o suponhamos,” que justifique por si só a persistência de seus efeitos violência visível. A matança se efetua silenciosamente, pela própria
na atualidade. E reconheço que, inversamente, o sujeito morte. E daí já não e' mais apenas o “espirito assassinado", ou o “assas-
do mais íntimo fragmento do real pode se apoderar
para tecer sua trama fantasmática e nos sinato da alma" do presidente Schreber em vias de se tornar o herói de
—
prender nela,.ou formar seu casulo e nele se aprisionar. Mas o que tenho nossa época... -, ou o "assassinato psíquico" cada vez mais invocado
em vista aqur não é a defesa através da realidade,
pois o que está em pelos psicanalistas, como se, por sua vez, eles tomassem a si a construção
questao nos pacientes em quem estou pensando é fazer com de seus pacientes. É, no fim das contas, a morte no corpo, o corpo
que a reali-
dade—atue, tomá-la atuante no presente da situação. A realidade assassinado depois da alma morta, e isso porque alguém “alguém"
assume a —
funçao de insistência, geralmente atribuída ao id, quando anônimo, como a morte ou uma sociedade matou a criança. Para Zorn,
passa assim a —
ocupar inteiramente o campo da fantasia e da representação: é ela que não há dúvida: seu nascimento foi uma condenação à morte. Mas e nisso
—
repetitivamente, diz o insensato. O ego, então, passa a não ser mais do reside a força do livro, que, de outro modo, seria apenas um documento
que. uma reação a essa realidade, uma reação negativa a uma suposta psicopatológico ou sociológico o aparecimento do câncer é também o
—
positividade plena, imagem do Mal. O demoníaco fica do lado de fora aparecimento de um "eu”: finalmente, ele existe. Decerto o autor começa
potencia absoluta. A capacidade de devanear fica vedada a quem assimila por nos dizer, curiosamente, que "contraiu“ o câncer, a tal ponto lhe é
a realidade externa a um pesadelo. E
que entender do “destino das preciso crer e nos convencer de que todo mal vem de um mundo externo
pulsoes”, quando é a força do destino que assim parece reter em si toda perseguidor. Entretanto, quanto mais o livro avança (na medida em que
a força das pulsões? A projeção para o exterior efetua
aí, simultaneamen- se pode perceber um movimento em sua estagnação deliberada), mais o
te, uma espécie de inversão no oposto. O mundo está contra mim
, logo só
'-
corpo estranho interno, a princípio simples internalização do Mal, trans-
posso estar contra o mundo. »
forma-se naquilo que faz Zorn viver, que lhe dá, finalmente, o sentimento
de ter alguma coisa própria, alguma coisa que seja ele. Mais uma vez, cito
Mais uma vez, Mars. Sabemos quão rofundo foi o eco que teve em seus estas palavras: "Em todo lugar onde incomoda, sou eu."
leitores esse relato autobiográfico. quue nele vemos representado sem Não estaria nisso o impulso da reação terapêutica negativa? Apa-
enfase, com uma frieza patética, numa rigorosa monotonia, o domínio de
uma convrcção tomada como explicação: a condenação a morte da rentemente, com Mars, estamos no extremo oposto dos casos que evoquei
própria anteriormente. Nada de excesso de mãe ali, nada de trauma infligido,
possrbilidade de qualquer desejo. Por isso é que o termo
autobiografia (&
conflitos espalhafatosos, cenas; e no entanto, é um excesso que se denun-
70 Actwesa ou PERDER-SE NO NEGATIVO
223%? de rlrliiimó Reduziram-me a iss; gªiª: to, em qualquer de seus termos. Mas é ininterruptamente praticado,
mostrado, atestado. A reação terapêutica negativa seria, pois, dizer não,
,.ou a . st ria de uma possessão fria.
apossando-se dele, a esse não praticado da mãe, seria recusar sua “trai-
.
. .
âlêélaiiâgãeclgssrca do psicanalista olhe o papel que você assume
ção'ºª' e conservar a esperança de fazê-la dobrar-se. Por isso é que a
—
nessa mfamia, ou nessa perturbação esse convite
ao voltar—se pªra si uánessa nao é. oportuna: no si mesmo há -, análise parece funcionar, nesse caso, como um sistema fechado, e como
Perdemos o poder ,dj apenas o Outro que repetir um incesto materno impossível, que nunca aconteceu.
“Eu te
acreditmm(:sexormsta, que também acreditava na possessão:
Tampouco que se possafabrtcaro nâo-desejo, ou amo, eu também."
de destruir o dese _o esse desejo
chama autodestruição. Julgamos, enfim que a
negação que o . _]fque ése.
inicialmente uma rejeição, uma expulsão Há de ter ficado claro que não coloco todas as análises que "não funcio-
fora, e portanto int; para nam“ na categoria da reação terapêutica negativa. De fato, está claro que
sustentado pelo desejo de um prazer sem
limites. "O ego-, rªwêramenter original aspira a mtrojetar em si tudo o que é bom toda Organização neurótica só pode opor uma resistência de inércia diante
a rejeitar para folga d tudo o que_é mm. O mim, daquilo que pretende modificar-lhe o equilíbrio. Assim como Freud, não
o que é estranho ad
ego,.o que se acha d els:i
temos que invocar, para justificar todos os nossos fracassos e todas as
idênticºs., ,
Isso é Freud, e do mªisasãglíªgríizoepãraãàe, imªiªlmente,
., o o ' ' nossas decepções, uma reação terapêutica negativa qualquer. Todo mundo
' ,
é 3333113333 ama sua neurose, e muitas vezes só é amado por ela - por essa neurose
.
externãlgze lmtrqetado? Então, é Melanie Klein,
3%
desilusão do
que se compõe da recusa da insatisfação e que não admite a
introjeção pªgªrá, ágio—de. compromisso, talvez seja esta: que, nessa amor. Em todo caso, todos a preferem... ao resto. O que considerei aqui é
ruim , encontra-se em ação um desejo de sofrida
apropriar e de control ar o estrangeiro; se de outra ordem. Já não se trata da inércia, mas de uma força e
natureza lhe esca o snjeito torna seu aquilo que por exercida: o domínio do não.
como o desconhecldo (e depois se deixa devorar
ele). Destaquemã' por Como nação, a reação terapêutica negativa vem assinalar, em cada
passo a mais e afirmemos que é na fantasia
não elaborada e ind 0; um —
um de seus termos, o retorno, no campo teórico, daquilo que é excluído
lindamente mantida - da "cena primária” ue v
se condensar esse e ruim ou colocado entre parênteses pelo psicanalista: o agir, a urgência de curar;
. originário, esse desconhecido definitivo Clã à
quanto ao “trabalho do negativo“, que é inerente ao pensamento e
linguagem, que começa
e a partir do momento em que há uma repre—
sentação da "própria coisa“, vemo-lo ser substituído, como que para
ocupar todo o espaço, por um “não" elevado ao absoluto, ou, se prefe-
Dond ' rizmos, pela pulsão de morte em estado puro. Sem dúvida, toda a questão
“negativosi,?aª(rlífl, a lpergunta,
.
ª qne é que n㺠querem renunciar os da reação terapêutica negativa deveria ser retomada, mais nitidamente do
rea mente ªº sºfnmªªtº, que mobilizaria toda a sua deter o
que o fiz, a partir da Verneinung, para apreendemos o que pode
processo da negação: de que modo a aquisição do "símbolo" da negação,
72 ACHAR-SE OU PERDER-SE NO NEGATIVO NÃO. DUAS vezes NÃO 73
que permite "à atividade de pensamento um primeiro de inde- constitui para ele muito embora ele faça questão de protege-lo aquilo
pendência em relação às consequencias do recalque",32 grau
— —
pode se cristali- que poderá converter-se em seu espaço interior, parece-me que temos que
zar, por exemplo, como negativismo. '
-
reconhecer plenamente a legitimidade de sua reaçao negativa, ou seja,
Como acontecimento, a reação terapêutica ,
aceitar nossa carência, num "muito pouco" que é, de fato,. a umca
negativa suscita uma
apreciação que pode se modificar por completo. Quando ela resposta possível a um “demais da conta“. Quando conseguimos dar
um fenômeno que pontua a análise, e sobretudo a aparece como
interpretação, ela pode forma e limites a esse espaço interno, sem que ele seja uma Simples
testemunhar a mobilização do conflito, na atualidade do duplicação do externo, quando conseguimos construí-lo sem fazer nenhu—
análise. Por isso, mais conviria falar aqui em momento da
resposta negativa — do tipo ma intromissão,” longe de ver nele um deserto, descobrimo-lo ja percor:
do "Nunca pensei nisso" que forneceu a Freud
seu argumento do que
— rido, dilacerado de ponta a ponta por forças que seria preciso grafar aqui
em reação. A interpretação que acerta o alvo incomoda, diz si
a mesmo o em letras maiúsculas, como nas pinturas alegóricas medievais: Inveja,
analista que continua confiante na análise,
suporta a transferência nega—
tiva e não tem um medo excessivo da agressividade. Orgulho, Ódio, Voracidade, Medo, _Vingança, Tristeza, etc. Oii, em nossa
alegoria moderna: Reparação, Onipotencia, Falo, Cena i'rimária, et<í:.
Mas, quando a reação terapêutica negativa define eletivamente Uma porção de palavras—coisas, uma porçao de palavras.—paixoes, inflex
o —
comportamento psíquica do paciente. e foi essa forma que reteve veis. Sim, longe de ser um deserto, trata-se de um territorio ocupado desde
nossa
—
atenção —, tr'ocamos de registro: nossas diferenciações tópicas já não têm a noite dos tempos. A reação terapêutica negativa surge entao como
serventia, nossas interpretações parecem inúteis (“é
eles que interpretamos", assinala Freud), e para nós, e não para resistência, mas, desta vez, no sentido vital e quase heróico do termo,
nossa função de analistas fica diante daquele que afirma querer apenas o nosso bem, quando tudo o que
reduzida à de um objeto utilizado, geralmente
como saco de pancadas. Em pedimos é para respirar o ar puro.
suma, vivemos a cada instante a experiência dos limites da análise de - .
e Só que, eis a questão: ex1stem maes e ex1stem analistas -' que
_
fazemos a não ser retomar, à nossa maneira, a que outra coisa precisam acreditar ou que precisam se acreditarxrealiiiente zrreszstiveis.
identificação com o Como, então, não se resistin'a impetuosamente a analise, quetcomo se
agressor pela qual nosso paciente se construiu (e destruiu)? Sem
perceber, fazemos nossa a própria meta dele de poder e pode pressentir desde o momento em que ela se inicia,.só_ da a ilusao-dg
controle, sua reencontro do objeto, de sua posse atemporal, para instituir a separaçao.
convicção de que fizeram dele o que ele é, sua exigência de
venha ao caso o “mudar o imutável“, o "curar que só A análise não é nem “reativa“ — imagem invertida da pulsao nem
—
o incurável", não "reacionária” terror enfurecido diante do que possa surgir-de novo a
—
passando o resto de palavras perdidas no ar. Para
inscrever as palavras do Outro em sua quem só pôde ,, partir do mais antigo. Ela não grita “não" na repulsa, na reªeiçao, na fuga
carne, sem nunca lograr se ou na exclusão. Ela diz o não. Não 0 representa, não_o exprime, mas OAdlZ,
inventar, sempre há de parecer que nós nos
recompensamos com pelo menos quando consegue dar nomes ao inominável. E,_ao dize-lo,
palavras. E, para ele, toda moeda é falsa. Assim, é preciso
de outra maneira. Sofrendo, que paguemos permite a decisão, que é sempre afirmação, sempre separação. Romper
por nossa vez, na carne. com o analista e preserva-lo, e não é de modo algum a mesma ecisa que
Por outro lado, no plano teórico, tendemos então
modelo biológi o 'e a desconhecer que ele não
a recair num separar-se dele.
passa de uma metáfora que
o paciente nos impõe: metáfora de um eu—corpo exclusivamente
fadado a Tentativa de definição e desarticulação da reação terapêutica negativa,
se defender da intrusão de um exterior ameaçador, esfalfando-se enunciei como subtítulo. Ao término desta reflexão,.diria que, se
em tapar
as brechas abertas pela invasão das excitações externas e funcionando
quisermos ter uma chance de desarticular, na teoria e napránca, a
apenas por reação. Ora, ao ser assim submetidos ao domínio de tal reação terapêutica negativa, mais vale fracassarmos em defini-la. Por-
representação de si, que se afirma como recusa de qualquer análise
possível, proibimo-nos, ao mesmo tempo, qualquer acesso ao fantasmáti- que, nesse caso, acreditando tê—la circunscrito, ou bem nos protegemos
dela, querendo afirmar nossa própria lei, ou bem a instalamos,_de1xan-
co. Pois é com um único e mesmo movimento do o terreno ocupado por dois desejos Similares, porem dirigidos em
que ( l) o inconsciente se
reduz ao ego ou a seu correlato, a realidade
externa; (2) o analítico se sentidos opostos em outras palavras, dois “nãos travando um!
—
reduz ao biológico ou ao social; e (3) o texto se reduz à combate entre si. Ora, não nos esqueçamos de que os "maiores bata-
capa.
Entretanto, se quisermos preservar alguma
esperança de atravessar lhões" nunca estarão no campo da analise.
com nosso paciente a terra árida, o deserto ressequido e estéril
que
Essx TRANSFERENCIA CHAMADA NEGATIVA 75
a palavra esmaga o sentido. pessoa, preferimos ser apreciados a ser desprezados, ver nossas palavras
Foi nisso que pensei ao partici ar de uma reuniâ reconhecidas a vê-las rejeitadas ou anuladas, ficamos reconfortados quan-
.
ps1canalistas em torno da questão da ' gransferência negaligalªç. 33355)? do os pacientes gostam de nós (não demais, contudo), etc. Só que a análise
não é isso, sem contar que, nela, o fogo continua a arder sob as cinzas, e
do tema me chamara a atenção: Interpretação e compreensão da transfe—
queima tão mais intensamente quanto mais longo tenha sido o tempo em
rencra negativa. Não supunha ele que a coisa estava identificada conhe—
crda, e que apenas as maneiras de enfrenta-la podiam variar? E verdade que ardeu em silêncio.
é que a Certamente, Freud foi o primeiro a falar em transferência negativa.
as diferentes exposições efetuadas mostraram que conforme os Mas, não nos esqueçamos: Freud teria dispensado de bom grado a trans—
referenciais teóricos de cada um, não se
respondia de maneira idêntica ao ferência! Por muito tempo, viu nela um obstáculo, e até mais do que um
que de comum acordo era chamado de transferência negativa. Mas
ao que se pretendia abarcar com isso, permaneci na perplexidade quanto obstáculo: “nossa cruz", escreveu a um amigo (um pastor, é verdade).
Eu Enquanto se tratava de uma transferência moderada, a cruz era suportável.
ouvn'a' repennvamente palavras como sentimentos hostis do paciente
-
74
76 ACHAKSE OU PERDER-SE NO
NEGATIVO
ESSA TRANSFERENCIA CHAMADA NWATIVA 77
.ossessâ _ - .
inerente: médiª")“ dçªlldªdº Pªl—“ªlºnª" Caberá reduzir o anta on“ mos, nesse caso, que o vínculo transferencial tão maciço que
é proíbe
bfadolílgo
em surdina à opgssipflxges, quer elas se manifestem em altos qualquer ligação e desligamento. A transferência para o objeto passa
a
orientadas Eiara o “ ça? -e I.,—"ndº 10.8 ºmº pªlªõºs dª Vidª: sulJºStªmentZ:l constituir um obstáculo às transferências das representações. Há transfe-
de destruir tudo? ªgitª; :
a P ressad os em assemelhar
,
, 85218068 de morte, supostamente
'
ce-me que os PSlcanalistas
-
-
desejosas
'
rências, qualificadas de positivas, que negam a análise, ou que a tornam
sem fim e sem começo: sobretudo, não acontece
nada! São essas as que
amor e Vida, ódio e morte. Esquecesrão ªftas?(fut e
-
.
e mais legitimamente poderíamos considerar negativas...
Desse congresso restou-me uma palavra. Foi a de uma mulher cujos
de progressos
fragmentos de análise nos foram relatados? Eis que, depois
haviam satisfeito seu analista, tudo voltou a se degringolar, lá estava
que
ela a invocar seu sofrimento. Lembro—me desse apelo, dessa confissão:
que o ódio a ' ' “Onde está meu sofrimento? Gostaria de vê-lo voltar, passei a procurar
era dos mai ªpegª: 328. 38313333 que o
vínculo entre o ódio e o objeto deveriamos meditar, e que
por ele.” Isso é realmente algo sobre o qual
amor: “Será
e amor é tão incerto uanto o ' seria muito leviano colocar na categoria do masoquismo (' “isso goza onde
o(a) amo? amda? será realmeilite (13352?
ªge gâmente isso sofre"), bem como seria imprudente situar apenas no registro
trans—
que amo?.
_
a ela
10, ao contrário,_é imperioso, humilha-lo, reduzi-lo à impotência,
e a incerteza , conhec e seu alvo; desconhece a dúvida ferencial (desestimular o analista,
acredita-se bem fundado ou confundi—lo, etc.); seria insuficiente até mesmo compreende-lo em termos
quer sê [ o a ,—
79
Confiar... sem acreditar...
de crer, purgar a alma de seus miasmas: uma catarse sempre por reefetuar,
como se houvesse um pendor natural do espírito para conferir crença
àquilo que a ele se oferece. Começaríamos por nos deixar enganar, por
nos deixar seduzir por aquilo que tanto mais tem jeito de verdade quanto
81
82
LIVRAR-SE DA CRENÇA
numa - posteriori): no
egª; t(<)1uãªsorrfllente sucessao de tempos ,templdlseãã
—
os fora.
“ludibríadosri Zaiclgáigaigerificação, da crítica ao testemunho dos sentidos Já o deprimido nos leva a dar um passo a mais (qual seria a imagem
, açao “enganadora” , do ar gumento ª' falac1oso”
' filosófica da depressão? Certamente não o niilismo, onde entram a arro-
e, ue . , .
mstalem aduvrda , . —
mªmª e .
sua pratica racronal. Uma ontogênese da cren gância e o desafio). Admitamos: na atualidade do cara a cara com o
a, com mu1to mais facilidade, a ça
“em precedência da incerteza ansiosa' deprimido, diante de sua queixa amiúde tão apagada quanto sua existên-
pro
3511536131) quem confiar?” que determina todo o
preço da apropria uãlg cia, é difícil nos defendemos do sentimento 'para não dizer da certeza
—
dúvgdª pªgªtãzzieêoquâiãfiazel”. Edo Ípercebido, então, longe de suscitªr - de que, em seu desmoªonamento, ele também está na verdade. Não diz
, es azem e mitivo'. “E u so' acreditaria a
V: , e
_ _
basta. Deus .
' '
ven a verdade, mas está na verdade. Aparentemente, com o estado ou o
emste, eu o encontrei. Esse “visto", que então adãSire
.
[São
osepesoenc e momento depressivo, a questão da verdade é efetivamente colocada sem
umzàrevelaçao, é tao mais triunfante sobre a incerteza quanto mais disfarces, num cara a cara insuportável, numa lucidez nua/do horrendo
?
—
é (mm coi sa 0 que diz Freud religioso Não ? como o esquizofrênico, ele esteja a milhares de léguas de nós, num outro
. aos filósofos que, ante a hipótese de
um pemar mundo, mas porque estaria perto demais da verdade do nosso. No curso
de uma análise, o encontro com a depressão é sempre um momento forte,
i
% sem dúvida necessário. E dizemos, sobre um número crescente de orga-
nizações neuróticas, que elas são defesas contra a depressão - um punhado
de soluções engenhosas para ' “simular' ' . O deprimido j a não sabe simular,
ou pelo menos é nisso que ele nos leva... a crer.
E nos leva a crer recorrendo, em nós, à confusão entre o real e o
ciênci verdadeiro. Seu abatimento testemunha um rebaixamento do verdadeiro
ciênciª, gªtª? oscolocariamos
cientistas podem
“
na posrçao
fazer
definitiva de crentes. Em
os nâo—cientistas
nome da
ao real. O que o ser do deprimido afirma seu ser, mais do que seus ditos
ónªmº a“,
—
clivados,
mortaiÉ qlªiela tautologia é impossível de viver, e algumas evidências são representação e pensamento, ele corre o risco de se converter em aparelho
de crença, num sistema que vem obturar, quase que de qualquer maneira,
“maiªs; Lªmenttãpgra ele, É provável que don Juan esteja mentindo ao a falha, onde quer que ela se situe: na elaboração do conflito, no funcio-
acre
1
que " ois e dois são quatro“. A prmc1 ' ' '
10 ele cre'
_ .
Ema namento mental ou do lado do ideal. O curandeiro é realmente a imagem
3112; .as x(iliiêlheres sao amáveis. Depors, sabe-se ameaçado por
.
“arit- mais comum daquele que se oferece para que creiam nele. O profeta, o
rca i 'erentenrente severa". Mille e tre = zero. Tensão
ansiosa q ue o condutor do povo, como antigamente o rei, tem que ser um taumaturgo.
faz preferir a corrida a imobilidade da largada. é?
estado decisiva, essa que faz passar da tau tologia Todo aparelho de crença e uma promessa de saúde.
à metáfolrlªª. 311312338dã epressão —
quando não por seu inverso com le-
.
triunfo maníaco ao descobrir O traço mais evidente do aparelho de crença é que ele vem substituir o
ããitar, ouma
.
—
ou encontrar 0 “há” quepfaz
coisa também seja outra coisa. O modelo da percepção deve trabalho do pensamento. O pensar questiona, dá a si mesmo respostas
bque
S r
_e uscado, dizia mais ou menos Merleau-Ponty, no sonho ou na estética
a limitadas, provisórias. É, por natureza, experimental, exploratório, curio-
que sao capacrdades infimtas de transformação —, e não na informática , so. Conclama a contradição, reflete-se, e' polêmico consigo mesmo.
laboratório. Já a crença - inabalável, infalível, indissuadível, mas saben—
%
história tem um sentido, ou de que existe uma ,ordelrln dª saber se compraz em admitir zonas de ignorância (ainda não sabemos): a
garantia da estimula conquistas. Mas ele se
mundo. A unica certeza necessária é a de existência de uma terra incognitq suas
que não há entre o sujeito e ::
recusa a transformar, por um golpe de força, o desconhecido em conheci—
86 87
[Nm-se DA
cama, CONFIAR... SEM ACREDITAR...
.
oarbn ' em seu : Pºd? ªté dººm". mªlªir
. se
-
Não há partido
_
nªrárlº Prºººdlmento: que não exija referência a seu grande ou pequeno - livro.
o axioma ref º
—
º realmente E havia
.
ecorrentes da cre nça. Uma tese tificas podem ser igualmente designadas como “discursos” que obede-
exem p ! o, como for. recente e ' são inseridas em
cem às mesmas “regras de formação dos enunciados", e
ª
. possivel a Kepler, sem contrariª)" de
tentaculares, geradoras de “efeitos
"práticas discursivas" anônimas, de maneira
julgava ter estabelecido' ' .
a exrstencia de uma alma da Terra e a poder". Sucede utilizar-se a iniciativa de Michel Foucault -
toda
p ausi b ili- totalmente abusiva, a meu ver para desacreditar a ciência e rejeitar
1
. —
Trmdade, etc. Não se Pºde fªlª; :Éufªª esfera o símbolo da Divina raiz.
.
mal ser extirpado pela
' 1: numa sim les ' “ ' e qualquer forma de saber, que constituiria o a
crenças e n
todp;
.
De Kepler para nóspe já 222136110" de O fato é que não cai bem, hoje em dia (não, já era assim antes) apresen—
e com ciªirãteicrentitico.
. escar tar—se como "aquele que sabe". Nesse sentido, podemos
ver em toda
e v oces ,
para mim, ª concepção do plausíveltíse,
.
.
modlfÍCª; arqueologia do saber que ultrapassa amplamente a
— epistemologia no
Por sua vez toda má uin d indireta à influência da crença, às
&
sentido estrito uma homenagem
' ª ºº'"
" —
«W;,
tomar pela causa, na verdade, do acontecimento. Nesse sentido, crenças
"vulgares" como o espiritismo ou “sofisticadas” como a ciência politica
“
constgôi . ::
uanto à prática etnoló gica, '
ela só pode confirmar
&,
ªs) nossas crenças as quais enqtilítfts: “iºdet-nª descrer' ' descrita por Didier Anzieu'ª não é antagônica à máquina de fazer
:>"
pensar, já que elas determinam inclusive crer; e a mesma máquina, consistindo sua finalidade, ao levar a crer nela
cªrgª?,
15,34%“-
nossas o as
O etnólogo ao analisar fu ' e apenas nela, em forçar o sujeito a não mais acreditar - a não mais confiar
o ncionatnento de outro '
o seu. Ma
,
SlStemª, ' ' - naquilo que ele percebe, julga e pensa, e, mais fundamentalmente, em
'
Pode desligar—se dele “pode relattvtzar
&
ÍnTso pode analisa-lo. fazê-lo negar qualquer legitimidade a seu próprio modo de funcionamen-
vertigem , será reapnsronado ao pensa—lo pe prazo de uma
,
to. Assim destituído, só lhe resta entregar-se ao Outro, que determinará
em seu lugar, do qual ele foi despojado, aquilo que é objetivo.
Há psicanalistas
_ que se consolam com esse deslocamen . começo da análise, marcado por uma concordância excessiva em que se
—
çºes, Znue
31:13.pr
.
çapgãªlígllliltde uma crítica de natureza interroga, dwarmado: mas, como pode ele (ou ela) se impor esse sofrimento?
na Fr epistemológica
umª dººúªºiª dº ªbusº
Castel acima de mim' pªrª ªº
Pºdêr (Degleixa Ou seja lá o que for; ele ganhará, vivendo essa distância, a apreensão de sua
outrºs), E“ veria nissº, muito mais, o sinal de É; própria singularidade (singular também designa o único e o bizarro), na
ª Psicanálise comºtºs medida em que ela lhe é revelada por cada paciente a partir de uma outra
pru entemente posição. A distância mantida entre dois aparelhos psíquicos, isto é, regidos
'
. .
pnos PSlºªnªllstas), corre o risco de não ser maiseiilci) 21%: diª): los pró-
_
de:
e, acima —-
de onde sairia, anos depois Le livregu A cura situa-se fora do poder médico."
_
_
.
[O,Íuas Cácnferencras) alguns
ça Estaria Groddeck projetando em Schweninger, nesse ponto, o que
nenhmui:rgcCgsstitáâdApâtrentemente, portanto, ele não tinha, em 1917
e e recorrer a Freud . Já se t ,
ornara ele mesmo constituía sua própria intuição fundamental? Porque, no que concerne ao
tomando ,
poder médico, Schweninger o exercia plenamente. A maneira como tratou
_
”
_
ensmado tudo?
uma Natureza que era a única a deter o privilégio de curar a doença, já
relaçâldaZm-eãsâspãrogiung, que vai muito além das particularidades da que ela é que a havia criado. Groddeck lhe devia, ou lhe atribuía, uma
de
s omens , podemos ima gmar '
Fm _ d'iversas res os . suas idéias fundamentais, tão contrária à ética médico-social de hoje, que
tedgçsáããtãustzªg, por exemglo, afirma num livro recente2 que Grgddeacsk nos atribui, sob a capa do direito à saúde, o dever de sermos sadios. Se
, convenci o da originalidade (! e seu
Groddeck, por sua vez, nos concedeu o direito de ficar doentes, foi porque
—
. “
ideias, mas duvidando , aquele original ' ' percurso e suas
de estar re a lm ente na ar:'
seu .. a seu redor , toda em o sintoma, a seus olhos, era menos uma linguagem a ser interpretada, isto
parte, precisamentí corri?
—
umªplínãsaêªegtg pordougir por
ome e reud. "Quando a pren d' a conhecer é, no final das contas, a ser traduzida, do que, como a obra de arte, uma
,
as obras de criação do id no corpo. Ou melhor, havia para ele, em última análise, uma
1
Freud, tive que tem nciar .
a ser eu mesmo um descob tl'd Ot "
.
ria. Assim, não havia outro recurso " , CºnfidenClª- '
indiferenciação entre a linguagem e o corpo. 0 “isso goza onde isso
senao ' “
freud;
_
. _
toma r - se aceito no círculo” fala” ', que hoje se declina em todos os sentidos, foi Groddeck que nos fez
mal—e [1113311135 gªga gªlã“ ciar? que
nao lhe era devedor em nada. Daí
vamen
o apreender seu começo. Em seus livros, tanto podemos ver a expressão de
e persiste e ins'[se t ao lon o de toda
Corre spondenc1a . . 3e
que, longe de se dlSSlpaf, só faria agravarg-se. Segund:
. . um simbolismo desenfreado - ele é de fato o único "psicanalista" que
90
92 "
LlVRAR—SE DA CRENÇA
Em GRODDECK E FREUD 93
fªzzãir
—
quanto a explosão de um corpo que já não
g consegue conter seu momento, em atribuir como objeto ao pensamento aquilo que este havia
piu seu sofrimento. Com ele, todas as barreiras caíram, a
[ as começar excluido de seu âmbito o insensato —, ela consistiu, num segundo
—
pia uan3oidentidade pessoal. A submissão ao ld era a divagação do Eu momento, em não ceder ao poder do pensamento, em nunca tomar as
se diz: eu penso, eu Vivo, isso é uma mentira e uma deforma ão
Dever—se—ia dizer: isso
pensa, isso vive."õ
ç . palavras pela coisa. Os limites da psicanálise, ele fez mais do que reco-
No Id, no Deus-Natureza, residia a nhece—los, habitou neles. É o que se costuma chamar seu pessimismo...
onipotência da qual o médi 00, Groddeck chegou, portanto, na hora certa, num momento de crise,
por reconhece—la , p odia ser me d'iador. A causa da
_ doença, bem como a da e a meu ver, é uma apreciação precária de sua contribuição indireta a
curª , nao p od“ia ser localizadavnum indivíduo—agente. O ser humano nunca
passava de um pedaço da Natureza". Freud reduzi-la ao empréstimo que este faria do simples termo id.
Groddeck, portanto, Freud era prudente demais. A questão dos limites nunca deixou de estar silenciosamente em
de miar; n os poderes propriamente exorbitantes
Porque, depois ação na empreitada freudiana. A interrogação de Groddeck, que, por sua
limitav a e lecer do inconsciente vez, não reconhecia barreiras entre corpo e alma, ciência e jogo, consciên-
e a_ operaçao analítica â “circunscrição
nã das neuroses"? Porque '
.
buscou em Freud algo como uma
altª;—mada, proteção. Contra quê? de que não o seguiria nesse terreno. E como poderia fazê—lo, ele, o homem
;;;/11d, crm 19173dquando Groddeck resolveu dirigir-se a ele, onde da definição e da nomenclatura, que nomeava, designava, interpretava,
estªva?. cc 0 senti o, sua obra estava co ncluída' '
, . o campo do inte r— ligava e desligava pela análise? Ele, o clínico que havia começado por
fora explorado, os
conceitos fundamentais definidos e
_
píãtlave:
postos à desemaranhar, na ª “bagunça do armário” em que os médicos de sua época
po taa, raçados os eixos principais da metapsicologia. Obra acabada
dispunham as “doenças nervosas“, as neuroses atuais (as afecções psi-
gbr nto, se a identificarmos com sua fase de conquista e instauração Mas cossomáticas de hoje) e as psiconeuroses? Ele, que estava sempre pronto
ircaa 351%.
inteiramtªnte retomada, se virmos a essência do pensamento a fazer surgir o " par de opostos" no seio da aparente unidade, que
ps co no con ronto com aquilo
que resist e a ele na " ' d
negativo que ele faz inelutavel mente. Ora depºis' da , & experienCia
.
.
ria." Groddeck, por seu turno, não dissimulava o fato de que as reservas
94
LIVRAR-SE DA CRENÇA
introduzi—lo de contrabando da
próxima vez.” 'ª para :l umas semanas depois do Livro do id,_o .
termo id — o termo,
.
a
_
mall;l 203111116;
'
saber o que fazer com Groddeck. Ignorou-o por muito de uma saudade, pelo menos a cons tataçao de uma renunc ia necessám.
_ , _
freudiana.
precursor. A verdade é que, em sua extensão
operações do “id simbolizador”, Groddeck situa-se
a todo o orgânico das '
deixar o id falar, no extremo de sua se lvagena ou sua so isticaç ão , em ceder
'
'
_
f _
não existe... Já é hora, seja de eliminar fiel ou revoltado retoma a palavra glsrigâªqlêsig,
as palavras corpo e alma, seja de ' '
defini—las de novo”“ Foi
justamente mas o filho na psrcanálise, que vem repetidamente, por s ,
isso que Freud, censurando
Groddeck por seu "panpsiquismo", por abalar o conquistado, o construido, os oãârtelqcées dqzsggiàlgiziapgêªvú ue
.
Só que o id não é um
conceito! E não é como o iniciador de
uma nova teoria que convém ler
Groddeck. Aquilo a que ele nos convida
é, muito antes, a nos perguntar—
mos de que são feitas nossas teorias:'ª
alimentadas por fantasias em seu pulsionais em sua origem, e
conteúdo, eles sempre estiveram mais
ou menos aliadas ao ego em sua finalidade
de dominação. Se é verdade
que a psicanálise e experiência do descentramento, ela
trar-se nem na função teórica do não pode recen—
ego nem na potência criadora de um id.
Por isso mesmo, Groddeck se
presta menos para ler do que dá a entender.
E o que ele da a entender, disse-0
sem rodeios a seu amigo Ferenc7i.
de quem se sabia intimo
(não foi por Ferenczi, mais analista
descobertas e suas audácias, que Freud por sua:
se deixou comover, ao passo que
guardou distância de Groddeck?): ' “Pessoalmente,
não produzo nada, sou
excessivamente maternal, orientado
para o deixar conceber e o deixar
crescer; minhas brincadeiras com minha irmã, aliás
chamadas por nós de mãe e filho, e mais velha, eram
eu era sempre a mãe." E em outro
ponto da mesma carta: "Você tem obrigação de
coisas, e eu, por minha vez, tenho obrigação de querer compreender as
Sinto—me bem na
não querer compreender.
imago do corpo materno, enquanto você
dela” (e, nesse aspecto, ele se dirigiu mais quer ficar longe
a Freud do que a Ferenczi).
O inconsciente como
matriz, lugar efetivo do indiferenciado e do
indiviso. Foi essa a principal
inspiração ou aspiração de
propósito: como despertar o maternal do homem? Mas Groddeck. E seu
recurso a Freud consistiu em Groddeck ter-se o paradoxo de seu
voltado para ele como para
um Pai, detentor do saber, do sentido da
e lei, ao mesmo tempo desejando,
ao preço de que empenho e
que decepções, converte—lo numa mãe
precisasse dele! Fantasia confessa de que só
re-uniâo, que só podia retardar a
experiência da ruptura, da divisão, do des—ligamento.
Os VASOS NÃO oortumcmns 99
duquesajum acidente absurdo: Peter, sem que o desejasse, mata seu tio —
o cruel coronel Ibbetsbn —, que, por despeito, havia caluniado sua mãe,
designando—o como bastardo. Após o quê, assassino a sua revelia, ele
passa todo o resto da existência na prisão, onde encontra a felicidade. A
prisão, para ele, é fuga. *
98
100 LlVRAR-SE DA CRENÇA
Os vasos NÃO oomumcmnas 101
Os vasos
comunicantes: e se isso não fosse apenas o titulo de um livro., Breton, uma vontade irritante de incorporar, como colecionador que era,
mas a metafora central de Breton, que vemos todas as obras de arte ou do pensamento com que entrava em ressonância?
em ação nos variadíssimo S A primeira vista, ficamos tentados a achar que a incompreensão não
campos que ele explorou?
era inevitável. É que, pelo menos do lado de Breton, as coisas pareciam
Sonhar a verdade foi o que guiou sua inspiração. bem encaminhadas. Mas é preciso olhar mais de perto.
Primeiro, Breton tivera uma experiência psiquiátrica que foi, creio
eu, decisiva em sua formação, e cuja importância tem sido subestimada.
âlsltêãrªílgªf] lãlrãton, e pouco dizer que o princípio dos vasos comunican- Aos vinte anos, estudante jovem e descuidado de medicina, já apaixonado
pela poesia, Breton ficou afeito, durante o verão de 1916, ao centro
Separâãtpn/Freud. os vasos nao comunicantes. Onde traçar a barra de neuropsiquiátrico de Saint-Dizier. Ali tomou conhecimento um conhe—
—
Quarenta anos depois, com uma honestidade que há de se saudar hoje Em Point du jour (1929): "Conheci durante a guerra um louco que
em dia, quando o elogio da loucura passa alegremente à margem do indizível
não acreditava na guerra. Segundo ele, as pretensas hostilidades não
sofrimento do "louco", Breton continuava a reconhecer como amante nele passavam, numa vastíssima escala, daimagem de um tormento inf'ligido
a mesma atitude mesclada de atração e repulsa: de um lado, ' "viva curiosidade unicamente a ele, muito embora não soubesse dizer com que finalidades“
e grande respeito pelo que se convencionou chamar desvarios da mente (mas, acrescentou Breton, "éramos muitos na mesma situação").
humana", e de outro lado, a "preocupação de se precaver contra esses Nas Entrevistas que concedeu em 1952 à Radiodifusão Francesa,
desvarios, considerando as intoleráveis condições de vida que eles acarre- ele se mostrou mais explicito: "Encontrei entre aquelas paredes [Saint-
tam.” .ª Sem dúvida estava pensando em Antonin Artaud.
Dizier] um personagem cuja lembrança nunca se apagou. Tratava-se de
Aí, nessa confissão lúcida, encontra—se a força— e a limitação - da um homem moço, culto, que na linha de frente se havia destacado, para
aventura surrealista, no que ela tem de mais conhecido e mais tangível: inquietação de seus superiores hierárquicos, por uma temeridade levada
uma atividade intensiva de prospecção, destinada a captar aquilo que por ao cúmulo: de pé sobre um parapeito em pleno bombardeio, dirigia com
natureza escapa à consciência. A estranheza inquietante transmuda-se em o dedo as granadâs que passavam. Sua justificativa perante os médicos
arte de surpresa; o desregramento sistemático de todos os sentidos, ope- foi das—mais simples: contrariando todas as probabilidades, nunca fora
ração de alto risco, às vezes sem retomo, em programa de trabalho. Temos ferido.
que render homenagem a esse esforço de destravar o homem, mas temos "A suposta guerra não passava de uma simulação, os simulacros de
também que nos perguntar, agora que há na modificação da sensibilidade
granadas não podiam fazer mal algum, os aparentes ferimentos decorriam
assim obtida um fato consumado, se as técnicas surrealistas poderiam
apenas de maquilagem e, além disso, a assepsia se opunha a que, para tirar
produzir algo diferente de uma imitação bem arranjada de um inconscien- as coisas a limpo, se desfizessem os curativos."
te já representável e já posto em palavras. Criação ou manipulação?
As palavras foram libertadas — "faziam amor" - ou até deixadas à
Como a maioria dos homens de sua geração, Breton reconheceu na
Grande Guerra essencialmente um engodo: “essa carnificina injustificá-
deriva, mas os fios que iriam prendê-las ficaram bem firmes na mão. Para
vel, essa burla monstruosa“, foram suas palavras. 0 que deve tê-lo
evocar o desconhecido, Breton se valeu de um estilo encantador, natural—
mente oratório, sem desdenhar dos encantos de uma bela língua, na perturbado no caso evocado foi, juntamente com o delírio de interpreta-
tradição dos grandes prosadores. A soberania às vezes altiva de sua ção, a negação sistemática da realidade: encarnação exemplar de um
idealismo suficientemente soberano para colocar sob suspeita o estatuto
linguagem nunca seria contestada.
Denunciou-se muito cedo entre os surrealistas um gosto excessivo da realidade. Todo o famoso “Discurso sobre a escassez de realidade",
pelo simulacro. Um grupo de poetas inicialmente próximo deles separou- que inaugurou a posição doutrinária do surrealismo, encontra-se em
se, intitulando seu movimento, para marcar bem a distância, de Le grand germe nesse passe de mágica que denunciou o real como aparência. Assim
como Peter Ibbetson sonhava a verdade, poderíamos dizer desse homem
jeu [O grande jogo], em contraste com o que denominou de “joguinhos
de salão“ dos surrealistas. que, aos olhos de Breton, ele delirava a verdade. No mesmo texto de Point
du jour, ele homenageou "essas criaturas da dúvida, tão desvairadas,
Mas a noção de simulacro é co—subsiancial no surrealismo. A arte,
o artifício e a trucagem vieram corresponder, nele, a uma experiência da
capazes de testar a cada instante nossa faculdade de resistência diante do
que se faz passar por ser, a ponto de tornar mais ou menos impossivel
simulação efetivamente autêntica, uma experiência que não foi simulada. aquilo que não é".
No percurso de cada escritor inovador encontra-se uma experiência
Que esse breve encontro com o “espírito maligno“ de Saint-Dizier
subjetiva que desencadeia sua mutação. E se, no caso de Breton, fosse a da teve um valor de súbita inspiração é algo cuja prova vejo num dos
simulação? Breton, que retraçou cem vezes seu itinerário, era avaro em
primeiríssimos textos de Breton a ecoar manifestamente esse episódio. De
confidências pessoais. Sobre seus encontros com os poetas, os artistas, os
fato, nele encontramos os mesmos termos, até mais acentuados: simula-
livros, os lugares e os objetos, bem como sobre a história do movimento com
ção, encenação, impostura, representação. Dessa vez, porém, é um eu que
o qual ele quis confundir seu próprio destino, estamos bem informados. Mas fala, um eu anônimo, como se Breton tornasse a seu encargo, ao encargo
houve um encontro mais íntimo e capital, que se deu menos com um homem de todo Eu, o desvio de sentido (significação e direção) efetuado pelo
do que com uma disposição propriamente revolucionária da mente » revolu— doente, como se reconhecesse ali, numa certeza antecipada, o que nunca
cionária no sentido de inverter, de consumar a “revolução” ' da atitude
deixaria de orientar sua linha de vida: a afirmação, a ser feita em todas as
moral. Breton referiu-se a ela em duas ocasiões em sua obra. (:*ircunstâncias, das prerrogativas do espírito, do possivel, diante do apa—
104
lem-sr DA CRENÇA
Os vasos NÃO comumcm 105
“ _Nessa
1
a tríplice expe-
riencia da loucura, da guerra e do idealismo em estado puro, ' “selvagem” A primeira grande tentativa teórica de Freud no campo da psicologia
O importante '.
éque essa experiência tenha sido conjunta: ela determinou e da psicopatologia foi uma genial transposição da neurologia.6 Depois
uma postura militante e coletiva. dela, Freud não mais falaria em neurônios, mas em cadeias de repre-
Tratava-se de enfrentar o real através da sentações, não mais em barreiras de contato, mas em resistência, não mais
distorção de sua função:
uma resposta necessariamente marcada pelo desafio. A em escoamento da energia, mas em processo primário, não mais em
em transmudar a realidade numa aparência operação consistia
anulasse quantidade, mas em pulsão. O modelo nem por isso deixou de ser o
ela se arroga em nome da evidência funcional: que os poderes que
havia como que um dever mesmo. Liberto de seu substrato neurológico com a Traumdeutung, ele
de msubmrssâo diante de um continuou extraordinariamente ativo, uma vez deslocado para o domínio
princípio de realidade que pretenderia
constituir a lei. A polêmica, o contra—ataque e a provocação não foram mental: “fluxos de pensamento", com suas vias, suas comutações, seus
acidentais no surrealismo, mas essenciais. Entretanto, a pontos nodais, seus trajetos e entroncamentos, imagens e termos que tanto
distorção não chegou a constituir, frente àlrealidade, operação de evocam o sistema nervoso quanto uma rede ferroviária. Podemos até
—
a da. ficção, da arte, da poesia: em
uma outra' realidade
mesmo ver no consultório do prof. Freud a transposição de seu laboratório
certo sentido, não havia obra de observação e pesquisas de neurologista. Era um laboratório da psique,
surrealista possível. O processo da “colagem”, que articulava de
outra pois a própria psique é um laboratório que trata sem cessar as excitações
maneira fragmentos de realidade utensílios, objetos, imagens e palavras
—
de Hªir—gp;: do corpo do sonho seu realização do dese'o O sonho, portanto, não foi para Freud um outro mundo que, em sua
deu sem soft-iªrª“! segredo. E isso nem sempre se
abundância de representações, viesse duplicar e enriquecer este aqui,
tica . Trabalho gªtçlefââ—selem trabalho, e não em revelação psicanalf - sumamente desolado. Não foi nem sur-realidade nem sub-realidade, nem
e , eva do ao encontro de
trabalho. uma verdade como fantasma vago nem visitação do Espirito Santo (o sonho não é a divaga—
uan ' '
naraszeu sªíremn e seus “amigos se interessaram pelo sonho consi - ção). Ele próprio é produto de um trabalho, e foi unicamente esse trabalho
ate, inspirando—se no método freudiano retiaçararrgr que reteve a atenção de Freud. “Por muito tempo confundiram-se os
exercendo um ong mo de controle, 6 ' , sonhos com o conteúdo manifesto. Não vamos agora confundi-los com
as 'assocrações"
qual foi , atingiu, a por ele suscitadas,,
,
meta buscada? Aumentar o campo da consciên ' um inconsciente misterioso", escreveu ele visando a Jung, mas isso
ampliar o espaço do SUjelto, estabelecendo poderia ter sido uma advertência dirigida ao futuro autor de Arcano 17.
_
uma comunicação entre o $$$
Não, decididamente, Freud e Breton não compartilharam o mesmo sonho.
indicado o ' “ ' '
[ªç㺠das gprrêslgàCSIntlgrpiretaçao, sim, sempre, mas, acima de tudo, liber.
De Goethe, Freud retomou, justamente a propósito do trabalho do
sonho - mas isso também se aplica à formação do sintoma —, a imagem
dos poderes originais 36103331: 53713823: _, com ViStªS à recuperaç㺠do tecelão: “A cada pedalada movem—se os fios aos milhares / As
d . .
.
-se, recusar o ence
lançadeiras vão e vêm / Os fios deslizam, invisíveis / Cada lançadura os
.
5320521123! gagª for esse o desejo de todos os que buscaram 53511123?
.
artifictais ou na promessa de um liga aos milhares.” O que a tecelagem liga, a análise desliga: ela tece de
miragens de um “aflitª? essos,. além, as outra maneira. Mas - e é isso que torna tão difícil a apropriação do método
moderna metamorf ose dessa Nesse caso, não passaria o surrealismo da
. tradiçao? Será que o culto dos freudiano, inclusive pelos psicanalistas os fios entrecruzados conduzem
—
Aliás, muito pelo conãgolãɪg (13:33? restrição lógica ou moral, essa afirmação, mas estava errado ao falar de metáfora, pois, onde há
eàver
'
.oso onãoesca aà
vm pesadelo, Chegª ª flºªt Sgbre iºgª vasos comunicantes, não pode, por definição, haver metáfora. Na verdade;
_
superegg'gnloígrfsªrozezcçsílguªndo
o ronta-nos com todas as imagens então não há transporte, mas passagem, não há transformação da energia,
do incesto,
-
Cºloca-nos caraa
festocªm com ª cªbeçª dª Medusa. QUanto à decerto mas igualação dos níveis, não há um outro,,mas o mesmo.
o sonho mani lógica,
n㺠Passa de uma fantasia desen- E foi justamente isso o que fez o surrealismo: arte, não da metáfora,
freada. Mas os gªme escapar-lhe,
desenham uma 1%6g ic a mentos DIZ
do sonho, na complexidade
de sua rede mas do encontro, como se a multiplicação das imagens rompesse o
rigorosa.
Freud li g 3 numa só palavra
Breton: ”Trajetória de
sonho . " Ja: processo metafórico, reconduzisSe'a metáfora, que é perda, â metonímia,
sonho e interpretação:
Traum-deutung que é vínculo. Encontro de dois objetos que nada, na ordem da natureza,
Breto “ ' 18n0r_ªV_ª, . . do hábito ou do uso de utensílios, destina a se encontrarem, encontro de
e o latente Rªiº é.claro, a distinção freudiana entre o manifesto
palavras e imagens. O surrealismo, dizia Breton, suprime a palavra “co—
distinção ve sua importância decisiva esfumar—se
ser ªssemelhada acªsaistmçao entre ao mo" . “Proponho, para o que se toma pelo imbecil [é ele falando], aquele
um discurso falsificado truncado
verdade escondida,
' ' e uma
mtegral. Passa-se então “a considerar , que ainda se recuse, por exemplo, a ver um cavalo galopar sobre um
apressadamen tomate.” Mas eu pergunto [desta vez, sou eu falando] st“ ) ato poético não
é, à semelhança do que advém no sonho, a metamorfose silenciosa que se
produz no seio do mesmo sujeito e do mesmo objeto: o invisível passa ao
visível, o visto demais ao invisível e, se o cavalo fica vermelho (como
108
lavam-sr: DA CRENÇA
Os VASOS NÃO COMUNlCANTES wa
' , ladea—
fre "
secretam ente entre sr bulevares muito vel", bastam para mostrar que a esperança continua.
nEtlue nàesmlpe lançou passarelas entre as mais distantes formas
de (Sªpucªí); Qual o fio que liga entre si essas diferentes expectativas? Nosso
.ªvi-LU»
ha, soluçao
_
fora do amor").
,
'
' '
ç ao do amor desvalrad0( " nao ' que brotasse de uma fonte viva.
O paradoxo da situação de Freud em nossa cultura se atém, falando
meme—SÉ comumcaçao imediata entre sujeitos falantes, se eles simples—
rapidamente, ao seguinte. Ele veio, simultaneamente, dizer-nos que o que
ao poder da linguagem, se se deixarem imantar nos move a todos, por toda parte e sempre, e' o desejo inconsciente;
ela . Penseentregarem'
mos nas inumeras obras produzidas por
por Breton com seus amigos
poetas, obras que p renunciara m a palavra de ordem.' '
obra de todos. a poeSia há de ser * Jogo entre réve (sonho) e re'valun'on (revolução), qualquer coisa como revolução sonhada,
' ' revolussonho ' '. (N.T.)
110
Uvm-sa DA car-mca Os vasos NAO COMUNICANTES 111
confiança nos
,
—
contrário, sua “super—
valorização" romântica ou mistª ;a —, mas desmontou-lhe os truísse como arquiteto nosso (meu) pensamento.
mecanismos;
jamais glorificou o amor de arado, nem o sensato.
"Cientista”, anali-
sou as “condições" determuiantes da escolha do objeto
amoroso. "Me-
tafísico", subordinou Eros a Tanatos. Ilusão, a religião, ilusão, a
política
que afirma assegurar a felicidade, encarnar a utopia; ilusão até
mesmo o
poder da psicanálise, como se não tivéssemos outra escolha senão
trocar
um compromisso neurótico por outro, menos custoso. Somente
a arte
escapa a suspeita, porque não pretende enganar, mas se dá pelo
que é:
ficção. Assim, cabe nos entendermos aqui no tocante à
palavra desilusão,
e talvez preferir-lhe “desiludimento”,
que pressupõe, como o trabalho de
luto, antes um processo que um, estado. De fato, nada há
em Freud que
mas E vmnas 113
'
—
lª - entre
case history,“ a abundância de referências bibliográficas (l937c, 1972a,
'
- continua ativa , atuais a uma distensão Vlgl ' 'l
opostçao
_
. Oposição na t
',
cena na técnica ' ante, a
etc.), atestando a seriedade e a modéstia "científicas", o recurso a
, .
analise, bem como na extens'ao das zonas de ,'
influência , o posi窺 ' "
º
e no b'Jenvo ' da
citações sem surpresa do Freud da chamada edição Standard ( ! quote, End
pronta a se reavivar, a despeito da exrstenc1a ' “ ' do ' & Oshamempre of the quote..."'), dai enfim, para dar o personal touch,"" o apelo ao
middle group, do qual Win mcott
.
q ue se Vºlº ªr
' '
fº]' um dos mcentivad orcs. O ra, nesse vivido, sob o título doravante obrigatório da contratransferência: "At that
grupo mediador e particularmente inv entivo '
(dele fazem arte ho 'e entre
outros, Marion Milner . _
4 l
114
Iam-sa DA CRENÇA
[DAS E VINDAS 1 15
(e não numa fita de gravador ou na folha de papel) de uma dada diana - que diz: “a cura, lucro adicional". Adota-la Significa nos preo-
sessão,
de um dado momento da análise?" Não se trata ai da
“ilustraçãoclínicá ' cuparmos com o paciente como com o azar. Rejeita-la, desacreditar a
ou do fragmento de discurso que, num dado momento, vem ilustrar a tese
titi si
preconcebida. Trata-se, muito pelo contrário, de tentar transformar o outro assimilar o término da análise a um estado de bem-estar. A questao nao é
numa testemunha do trabalho efetuado entre certo paciente e certo ana- essa, pois que analista se reconheceria numa ou noutra dessas atitudes?
lista, entre eles e em cada um deles. Tarefa impossível e inútil, dirão Mas, talvez por se ari'iscarem a aceitar em tratamento paCientes .mais
alguns: não há transposição, sobretudo quando se pretende honesta, “doentes" que os nossos, talvez por trazerem em Sl uma preocupação de
não seja travestimento eresistência. Pois seja. Mas, nesse que
caso, porque "care' encontrada em todas as suas instituições, e não apenas nas médicas,
tantos colóquios, revistas e livros? Simplesmente para levantar o moral? talvez, enfim, porque a psicanálise não tem entre eles nenhuma chance de
Não creio nisso. se diluir na cultura ambiental e no discurso da época, os ingleses nao
Um velho dito de La gache voltou-me à memória ao ouvir
ao ouvir, — correm o risco de desmembrar o homem ou a mulher que a eles se confia
mais do que ao ler meus colegas ingleses: “A teoria, numa máquina de associar, numa combinação de instâncias ou num
para o psicanalista,
—
freudiana sobre a própria instauração da situação analítica. ção “divanizada”, tem-se muita vez a sensação de. que fazer análise
Hoje, porém,
eu lhe daria uma importância diferente. confere ao sujeito o atributo de alguma substância diVina. Metamorfo-
O atual pluralismo das "teorias" psicanalíticas em última se moderna do cogita: estou em análise, logo extsto. Mas só oanalista
instân-
—
é que fica em análise por toda a vida... O humor 'deiim Winnicott,
cia, cada um tem a sua, o que Jean Laplanche chamou de ”metapsicolo—
giazinha portatil" não deve ser compreendido como um ecletismo
—
relembrando—nos que a psicanálise não é a way of life, pode Vir bem
a calhar.
me caso de
Winnicott parece prática, sua concepção, embora de alcance maior, do espaço potencial —
do “ambiente ªgirá]:oraºmpilamente desenvolvida nos menores detalhes , nem objeto, nem instância.
' a a uma .
dª" .
_ _
., a "mãe sufic'ientemente boa " , etc. , e' secun—
inmiçao nascida,
Alinnei que sua teoria do desenvovimento foi secundária a uma
ela smi, na clínica analítica
.
viVer" , onde es sa em e particularmente destacada º O título, ', contatos, braços que amparam 0 que se chama, na falta de coisa melhor,
1
—
: por si 5 O,
_
'
ramente , de determinar
' "
a funçao desempenhada na economia psíquica
por * Sonhar e ViVºfv (NT-)
1 18
LIVRAR-SE DA CRENÇA
IBAS E VINDAS 119
" ' .
dº nªcªo como o podem
só que ser a [gumas
ªfmªçººsflãáfífâfomas
_
ou :
tradição britânica.
sempre dessa época e desse
tanto quanto ela o cria. espaço mdivididos em que o filho cria ' '
a nua em glºbªl dª Pªlºª nálise. inglesª, ªcªbºlº se m sequer
. .
a mãe - .
ª
'A psique e extensão; nada Pªmgfcgªfiia
me RP pasiªªºm» Pºr “fºº“ w
. - é
to ele nao
cite essa nota de Freud,4 sabemos dela." Embora Winnicott estªiclíglãittgnsoãinhºy
talvez somente com ele é não .
tºda & psic análise inglesa, longe dlSSO, está até a mas
que ela deixe de ser um Tªlvez nem venha a ter um
sempre so zinho com alguém”- mesmob e m assim Com
é
sucessor, mngll .maÉáÍ/ise ue invoque seu aval. E está muito
ao mesmo tempo mais
matrzadas os a te pode sobreviver pºr algum tempº. S em loucos
imago kleiniana do “bom” do e mais distantes do fantasmático, da mesuâês fãn uma chance de viver .
'
_ -
O SEU DO MEU
Uma invenção em psicanálise
nunca é uma técnica. Só é fecunda
autor. Como o squiggle para
Sua vez de jogar; é game, por exemplo. "Eu começo; agora é sua seu
minha.” Sim, mas não vez.
que um imponha seu jogo ao para marcar pontos, não para
outro, a fim de prende—lo e
não, um jogo para procurar encerra—lo ali;
juntos o que ignoramos.
Misturemos, desmis-
perdido isso!
Todavia, todo leitor pode
de troca ue se instaura encontrar um equivalente dela
últimos. que, por ª com o autor em alguns textos no estilo
vezes, há em Winnicott uma transiçãoprincipalmente
a escrita; por certo ele não é
—
do squiggle para
os
um autor fácil de
ainda é antecipar-se a ele. acompanhar,
Descoberta genial e elaborações mas menos
trabalhosas,
x_—
*
**
Manejo, modo de tratar.
(N.T.)
Sustentação, capacidade de
conter. (N.T.)
Pmmxos no ermo Wmmoorrr 121
WINNICO'IT
pretende como figura principal: nunca se propôs como a imagem do
Entrevista a Anne Clancier Mestre. Isso também me agradou, incontestavelmente.
Assim, foi o clima desses colóquios um clima que sem dúvida
—
r o tao mequreto,
os sua fala ao mesm que ele dava à "consulta terapêutica”: muitas vezes, algumas páginas
pa avras buscadas e extraviadas—
dele, em análises difíceis ou estagnadas, deram-me uma liberdade de
movimento que eu não me autorizava. .
-
distante. Eu sabia que ele perdera os pais ainda muito pequeno. Sabia
! &
a o ºgº dª disso, mas só podia, como ele, constatar a coisa: “É assim." Só constatar
, n a pobreza das lembranças de sua primeira infância. Só constatar o que
viera em lugar disso: um investimento ativo e incessante nas palavras.
Foi—nos possivelfa partir dessa sessão,'deixar a mãe surgir na análise. A
g
! s
ª
good enough mother, não a mãe boa nem má, porém, no sentido literal do
inglês, aquela que basta, aquela que é suficientemente conveniente para
!
,
p que, chegado o momento, seja possível prescindir dela. Mas, para poder
prescindir dela, continua a ser preciso que ela exista: mais um paradoxo!
A.C.: São momentos como esse, que você acaba de evocar, que nos
ensinam muitas coisas sobre nossos pacientes, sobre nós, e nos permitem
captar o que está em jogo numa análise. ,
' '
'
' ' .
'f'
outras conotaçoes ideolo'g mas. o que seria especr ic amente ma. t em o ,
. pa ] avras p ªra tudo Issº)? o
º
take care of; a devonon (o s ingleses tem
_
'
Atâição
' . _
ma temo urifica a mae, exorci za a seduçao recíproca,
. .
a brandaa famasm,
.
.
não é animado por um olhar. Nesse para não confundir a referencia ao materno com a reveren
_
—
' ,,
, . paterna, a precedenCia
º
ter ceiro. .
Entretanto, começamos a avaliar até que ponto certas fórmulaz gee
moeda corrente, como, de um lado, a “relaçao fuswnal com a mae ,
me (m.)
125
126 LIVRAR-SE DA CRENÇA
DA MÃE, 0 MATERNO 127
ao
Não existe um desejo de renúncia. É claro, todos satisfazer efetivamente a mãe, e justificar a retirada de investimen qu e
renunciam à satisfação de ele sofre.
seus desejos, mas em nome de exigências vindas da
Não vejo como possa haver na renúncia
- realidade, do superego.
um desejo que se afirme. E o
Freud: a mãe é inicialmente edipiana, tardiamente
masoquista? — Uma vítima que não larga sua
presa. E a grande histérica, reconheciílz:l como
transformada em grande renunciadora?
Fiquemos atentos... pré—edipiana, e sempre sexual. Na falta, sem duv1da, de ter articu a
Glºriª:
precisão o sexual e o “pré-sexual”, isto é, o tempo em que o sexua
Ersatz: produto de substituição, se diferencia como tal,?sua concepção deu ampla margem _
peça de reposição, objeto que “faz as cui " dos ingleses e, com isso, à mãe real que_mventar_nos. mªlÍIquÍe
vezes de”. Palavra sinistra (especialmente
Não há Ersatz aceitável da mãe. para os ouvidos franceses). elalrea
fazia os gestos, mas seu coração não estava ali, ou entao ela a meu &.
mas sem ninar, ou ainda: ela falava, mas sem tocar. N_unca se cansaria “;
.
Mudança de pai, sim (vide Fi liations, de Granoff). Mas os analistas, menos de fazer do que de refazer? mae? Nao estariam,
de mãe. Donde a vontade de mudar não se pode mudar também eles, apenas procurando modificar a mae? E, para começar, a
a mãe. Vontade, até
mesmo obstinação deles.
de modifica-la em sua realidade, tão
patente naquilo a que chamamos
reação terapêutica negativa, onde o ódio esconde
tenho que muda-la, curá—la, eu sozinho, o amor desvairado:
para que ela exista só para mim.
A mesma loucura, a mesma
obstinação, a mesma intolerância, a
mesma hiperlucidez quanto ao outro e a
mesma cegueira quanto a si
(paranóia) em certas formas da paixão amorosa:
a demanda é de amor, o
comportamento, de ódio.
A “mãe morta" de
que fala André Green num texto de intensas ressonân-
cias. A que dá e toma. Mas André Green
tem que invocar uma depressão
da mãe, consecutiva a uma
perda de objeto, tão intolerável é o fato de
que, * Absorta em si mesma. (N.T.)
O QUARTO nas CRIANÇAS 129
fixos, deixar o cordão umbilical ser cortado pelo obstreta ou pelo pai,
iniciar a aprendizagem da leitura aos cinco anos ou aos cinco anos e meio,
trancar-se ou não no banheiro“)... Não há um só comportamento relacio-
nado à criança, de perto ou de longe, que não disponha agora de suas
prescrições.
O quarto das crianças Quando surge a criança e ela não pára de surgir —, cada qual tem,
—
a outra pelos conflitos, traumas, fantasias e estranha inversão, particularmente sensivel no lento declínio, tantas vezes
desejosdacrian a?aRponta fixaçao, repetição, recalque, transferência“ descrito, do papel do mestre-escola, e depois no declínio atual do papel
não há um só coçl
.
egressao,
do professor. Já não é o adulto que institui a criança, mas a criança que
_
Jamais conseguirá dar provas suficientes de social. Tomemos, por exemplo, a Justiça. É comum pensar-se que a
dºma ,solicitulãe di: nattdtàlta e a criança. Já que é a cr'rança criação relativamente recente dos “juízes de causas da criança”, dos
o adulto, ela não pºde ser outra corsa que faz e desfaz
—
' "centros sócioeducativos“, bem como a instauração progressiva de um
—
.
'
senã o nosso capital ' '
Nao- ha, como deixei—lo mais precioso.
“dormir" . sistema de educação vigiada, tenham vindo unicamente responder ao
P . ' infância e
problema levantado para a sociedade pela existência de uma
,
pringícrlãglgã (tlàfzerrirfquanto aos metodos de gestão, mas o acordo quanto
ao mais Mas aquilo
e orçar-se com isso . Deve - se '
praticar uma educa ã uma juventude "abandonadas“, cada vez numerosas.
ªmo ntarra
, .
_
constituiria
_
ou permrssrva, .
amamentar conforme a demanda ou em horárçios) daquela a exceção
que se aplica à criança, na qualidade que
128
130
LlVRAR-SE DA CRENÇA
a in
anciã, como idade (frágil) e como estado (de necessária pelo mundo da criança, seja observando—a de fora, de maneira cada vez
de ndên
nãpetªrda Zªt por parte dos adultos preocupações particulares
ex1gmdcl>.
e genera mar para a totalidade do ' ' ,
mais minuciosa, seja explorando-a em seu interior mais recôndito. A
curiosidade analítica parece ter-se deslocado do quarto dos pais para o
. cor posoc1al.F01 or '
ISSO
211331215 gzsrpntmeiãos de nossos legisladores encarregados deppropor
_
quarto das crianças: que tramam elas lá dentro? Como se ali é que se
_
ç ão . 4R ecºnstltmr,
' ' º modo de acesso privilegiado ao inconsciente, a nova "via real"? Enquan-
a partir do delito , o curso da hi stória
determmames nª quilo .
'
pessoal ,
que a criança suportou e “ psrco
_
b uscar suas condiçoes
' '
'
" -ou r
' to o sonho não passa de uma formação, uma produção do inconsciente —
eleita por Freud como modelo de todas as outras —, assistiriamos, ao
fim “ . . . " a _
é tudo
l ogizar
penetrar no quarto mental da criança, à própria formação do inconsciente.
_
” , 5 ,e. . .
'
quanto em função da experiência. Acontece que a análise de crianças, por
portanto, um criminoso mecuperável, quer se veja em mais precoce que seja, de modo algum nos torna contemporâneos da
_
selrltsâietªigionail
e v1t1ma a
.ªm als. fino imagem de um "carrinho abandonado" ª que "concepção" e do “nascimento" do inconsciente (seria essa a fantasia
_]
ara outra coisa senao acelerar sua queda de cena primária própria dos analistas?); ela não nos faz descobrir um ser
em pauta continua mabalada. vertiginosa , a conv,i cçao "
mais simples, porém uma outra complexidade; mostra-nos em ação menos
as pulsões em estado bruto, ou os afetos sob forma rudimentar, do que
uma lógica tão sofisticada quanto a nossa, mas cujas operações e, em
parte, cujos objetos diferem.
Assim, só resta à psicanálise fazer a mesma revisão, dolorosa ou
não, experimentada faz algum tempo pela etnologia: o pensamento selva—
51313582: a dcnança, esse selvagem, fosse ele bom ou
, a estrada (ou readestrada, em mau, tinha que ser gem não é um pensar primitivo; ou ainda: se existe, incontestavelmente,
caso de fracasso), “civilizada", uma elaboração progressiva dos processos secundários, nem por isso ela
saber do que uma mudança de estado. Pois bem se desenvolve a partir dos processos primários; as leis que regem o
?âgilsiãçaio die funcionamento primário do pensamento e as que regem seu funcionamen-
essa.
alíançaa dª] tetrlãoªpããe; Pregamos a “pedagogia dos adultos” ' (estianha to secundário nunca deixam de coexistir e de se opor. Paradoxalmente, é
gomcos que tem feito fortun ª), e eXlglmos' '
"formação permane nte " , em vez de lim1tar uma a psicanálise de crianças que nos deveria livrar, mais radicalmente do que
.
' '
'
c
no passado, aos “anos de aprendi o te mpo da forma ç ao , cºmº a psicanálise de adultos, da “ilusão arcaica".
zagem “ , que devram
«,,-..,”
'
permitir aca d ªum
encontrar e assegurar sua identidade
, .
'
própria.
novas praticas na idéia de que o e stado
'
Nao se justifi Camo essas ' '
.
Não obstante, essa é uma ilusão que os analistas continuam a
alimentar. E nem poderiam deixar de fazê—lo. A referência ao infantil de
adulto , lon g e d e constituir
' '
uma
_
co nclusao qualquer, e' uma perda, fato é, reafirmemos, a própria mola, o pressuposto fundamental de seu
uma lenta decadência em relação às
potencialidades , supostamente inf, mta
' trabalho. Mas essa referência necessária também corre o risco de se tomar,
, s , do estado infantil? A
. . -
tambem é nosso modelo. 011ng para empregarmos a fórmula de Bachelard, um “obstáculo epistemológi-
co", ou, em outras palavras, uma forma particular de resistência do
Di ,
Ícªrº;ezpsrcanálise
.
analista, que entra em ressonância com a do analisando: essa é a criança
_ _ .
tem alguma corsa a ver com .
ela! essa evolução que
concessões cada vez mai orcs, ao
passo que as outras
, que você foi; esta é a criança (sua) que sou...
disciplinas , se gumdo
.
o movtmento inverso
. _
dizer nã '
deterinin: 111361388?“ a Freud, quesó pretendia apreender os elementos oral”? E mais,
's erivados do infantil. Fragmentos luto, ou que a retirada do seio signifique uma “castração
ressunei _ integral do passado. Entretanto, dessa arqueológicos e não quando falamos, por exemplo, como se faz por toda parte, numa "relação
por
Freuâªo' criança “construída” simbiótica mãe-bebê”, não estaríamos projetando num comportamento
Gréciª-n?º» perfeitamente possível, a nós leitores, como assinalou
André , azer uma image .7 Faz parte da família não observável em lugar nenhum (nem mesmo in utero) uma fantasia
Hans com s aquele pequeno materna, ou uma fantasia retroativa do adulto-menino que se tivesse
e sua girafa aman-otada' E qualquer
um p;)deria Eustgavalosªassustadores
º
m r um retrato de Dora” ' ; apossado dessa idéia? Que observador, armado do saber psicanalítico,
de crianças catª] agudas, no estilo quando menina. Ja a multidão
. .
liçao e importante e é dupla. Primeiro, Há algo mais grave: ao se dedicar ao estudo do desenvolvimento —
(sia a nos mantemos à
es reira se passa no quarto das crianças quer fiquemos seja ele o das funções do ego, dos mecanismos de defesa, dos estágios
à [portª se 3111; —
plantados libidinais ou até das prganizações fantasmáticas —, a psicanálise privilegia
,q ompamos quarto adentro , corremos o forte risco '
a mas , . .
—
de ouvir necessariamente a ontogênese, correndo assim o risco de retroceder jus—
nªme :fªãrâililodde seu proprio discurso interno.ª Depois , e principal _
.
a as origens, que subjaz eletiv tamente âquilo que tanto contribuiu para abalar: a idéia de um indivíduo
,
amente a' investi
' '
a ão
anal“
pouêãtÉotÍ-lgª quanto, observemos, estimula a da
_
últ'
una numa '
realidade.
de e ssa realidade ser concebida
. .
Wª
_ [38 q _ rial de seu corpo e de seus movimentos, pode ser (também), para o
"
?
' ' Basta pensarmos em Winnicott. Sem afirmar, como indica erroneamente
prescindir de um mito das origens que lhe sirva
etàmlaiccultura pode
pªrª a organizaçao de seu mundo. Estaria o título de uma de suas obras, que ele tenha ido da pediatria à psicanálise,
mito napºmar a nossa buscando esse
tenho certeza de que, se não tivesse mantido por toda a vida seu contato
35125321? Nao e que ela celebre, como se diz muito
damente , () criança-soberana , por q ue sa b e maltratar as apressa
-
com as crianças, ele não teria descoberto, como o fez, toda uma área do
'
p sf q ui ca e fisicamente,
. crian a funcionamento mental. Só que, vejam: Winnicott nâo observava as crian-
como qualquer outra. Mas tende a fazer da criaÍiçsai'
sua causa. Foi nesse sentido ue afirmei' há ças; podemos até dizer que tampouco as interpretava, mas sabia, mais
.
respeito dela têm um ar teolóªico. pºucº que tºdºs OS debªtes ª visivelmente em sua prática do que em sua teoria, deixar surgir o sentido,
e também respeitar o contra-senso delas. Para ser mais exatos, digamos
Todav' ' '
psicanâisgª: vamos conclu1r do que fºi dito acima que o encontro da
'
que ele interpretava à sua maneira. É que não se pode deixar de interpre-
mais ou me 32; afgrriaiâça
mesmo que se trate sempre de um
—
encontro tar a criança. Isso é até, nos primeiros tempos de vida, uma condição de
. ça o por uma das partes
,
' | . , '
açao jªdiciana apos o inquérito preliminar.
a
. , p r encerrou a
anos que precederam a publicação de Die Frage, a situação se tomara,
favºr d (5:53 2:12):tinte—s, Frggd já tivera oportunidade de se posicionar a mais tensa, e precisamente a propósito do exercício da psicanálise por
s nao-m icos. Testemunho d'ISSO é ' não-médicos. Alguns norte—americanos, vindos do outro lado do Atlântico
Kar . “ _
. . uma carta escrita a
riorldâlgâªâgliha (2 2321081“ Dung, que é membro do Conselho Supe- para se fazer analisar por Freud, passavam a praticar a análise, uma vez
. .- , anto um personagem oficiali ' ' ' de volta aos Estados Unidos, numa situação que a Sociedade Psicanalítica
opiniao sobre a análise lei ga (Latenanalyse)
' sslmo, pedlu minhas
.
e depors conversei com el e sobre . Eu lhat tªnsmlll pºr eSCfltO
' ' ' Americana não podia admitir. Porquê? Se a psicanálise abrisse as portas
,
essa questão . Ch egªmOS & um a pessoas que não tivessem a habilitação médica, ela se ofereceria, ao
acordo."2 É muito prováv el '
que tenha srdo esse a ] to funCionario
ªmplº
“homem de inclina çao _
' ' ' esse mesmo tempo, à mais grave das críticas: não mais se diferenciada das
benevolente e de uma inte 'dad ' ,
” ,3 terapias, das seitas e das falsas ciências sempre aptas a proliferar em solo
quem serviu de modelo p ara a figura do ' grl e Incomum
interlocutor imparcial norte—americano, e cairia, por sua vez, sob a acusação de charlatanismo.
'
Frage. de Die
,
ao rante conservado por muito tempo por Heinz Hartmann não se explica de
ar ate que ponto sua tomada de
posição, em sua firmeza , em sua outra maneira. Nem tampouco a vontade de integrar a psicanálise a
134
136
LlVRAR-SE DA CRENÇA
FORA DO mmm 137
dis . .
. . . .
cOgcliptlilxnaasnsupostamente Vizinhas: a blologla, a etiologia e a psicologia
tao patente nas publicações, de sua especificidade como teoria, como método e como prática, uma espe—
os dados ,dªzmhjigíeocupaçaã,
eses, ou e reproduzir in extenso como o faria
distinguir
' um cliicidade fundamentada, por sua vez, na de seu objeto. Por isso é que só
gravador, uma sessao _" , tardiamente (a partir do capítulo 'VI) a questão das relações entre a
. Ou amda a d e aferir os
. '
resultados das ªnª'1'1865. Por
psicanálise e a medicina foi efetivamente abordada em suas modalidades
pouco, se fosse possivel , invent ar—se-ia
calcular, por exemplo, o preço do complexo de
' '
um aparelho de mensur a ç ao ar ' p ª concretas, a despeito da pressão exercida pelo interlocutor,. É que, primei-
castração.
ro, era preciso, com palavras deliberadamente simples, como que para
113; laio v1enense, o peso de uma instituição estava igualmente
jogo em melhor se diferenciar do vocabulário especializado da medicina, estabe—
a médica que se tratava de defender,
mªs ;; prãpriaeíplgtritãgãra mstitlilíçao lecer a autonomia, o ineditismo irredutível da psicanálise. Podemos até
ao pstcana tica bem e '
,
nava exercer sobre todos os que dela sãvalessãtªciªieggârcªgâ ªtleticª?!)— considerar que, inteiramente voltado para essa preocupação, Freud aca—
bou por se exceder um pouco: preferiu assinalar sua dívida para com a
pâçgãilrillxgãialtliêdqe editar suas próprias normas, principalmente a dª nãã
- cos em seu seio, e uivalería '
mitologia ou o saber popular a reconhecer alguma filiação entre a medi-
curto, a impossibilitar qualquer ª'cªmunidadefªlar?;iízticsªf'ssªudfrªg:
_
cina e a psicanálise. % que, no tocante a essa questão, ele não tinha
nenhuma dúvida: a oposição à Lai enanalyse, que se manifestava inclusive
223222111: la:ntliilxlflersas sociedades, isto é, se lhes atribuirmos o direito de em seu campo, era a ' “última máscara da resistência a psicanálise, e a mais
es aprouver ,
Wim um a ruptura em _ escreveu Freud a Eitingon,8 “isso talvez perigosa de todas”.'2
termos imediatos, mas perderemos o privilégio de .
podia
_
tem por objeto precisamente essas operações e essas produções não , gde nos podemos expressar, um “corpo estranho". Essa mesma preocupação
deixar de constituir uma ruptura em de manter viva, atual e inquieta a experiência da alteridade comanda de
relação a qualquer aprendizagelin a
qualquer domínio que vise a se apropriar setorialmente da ,
ponta a ponta o percurso analítico, onde quer que ele se efetue. Todo
realidade.
hA/Ias, supondo—se que esse princípio seja aceito, isso não
analista e "leigo", no sentido de que nunca pode se identificar com um
nada . o contrario, começam as dificuldades. resolve saber, nem sacralizá-lo, não constituindo o saber analítico uma exceção.
A questão da análise
nos faz entreve-las. De fato, se prescindirmos da leiga preciso que ele fique fora do templo, fora de qualquer igreja, inclusive
“garantia” oferecida da que a psicanálise erigiu.
mesmo que ilusoriamente, pela instituição médica torna-se grande a
tentação de buscar uma garantia na instituição analítica. Se a análise Mas, para dar peso a essa alteridade, para que não venha a ser
não
A
e propriedade dos'profissionais de comodamente evocada como um álibi, é preciso que ela ganhe corpo. Para
de um
medicina, não se tomará ela em nome
mesmo critério de competência, de recurso ao ue que o psiquismo seja reconhecido como realidade — o que a psicanálise
confere autoridade, propriedade exclusiva dosum mesmo exige —, é necessário que ele possa, num primeiro momento, diferenciar-se
profissionais da análise? O
fortalecrrnento da instituição psicanalítica decorria necessariamente de uma outra realidade e até opor-se a ela, e que esta também tenha sua
de
seu desligamento da medicina. Assim, convinha criar e desenvolver consistência própria, sua própria coerência. Devemos inquietar—nos ao
institutos de psicanálise, a tim de satisfazer a exigência que pretendia
_
que ver, como frequentemente acontece hoje em dia, analistas que parecem
praticasse a _análise sem ter adquirido o direito a isso nunca ter tido a experiência de outra coisa a não ser a análise: criados num
d nrdnguern através
meio restrito, sem ter lido nada além de Freud ou Lacan, ei—los dispensa-
teendetermãnada formaçao" (p. 113). Acontece que Freud estava comba-
o em uas frentes. nao entregar a analise aos médicos dos da experiência decisiva do estrangeiro e da ruptura a que fiz alusão.
e não abando-
Ҽ LIVRAR-SE DA CRI-INCA
!
empenhado em seu
combate, ele tenha negligenciado o fato de que só é
i
possível comprome-
ter-se com a psicanálise, como fez ele (
o momento,
por ter investido neles apaixonadamente.
“
Afastar-se do visível
www-m.
A linguagem na luta. —
Emigrar na própria língua. —
Recusar—se à imagem. - Aquela que estimula. —
141
A melancolia da linguagem
vt
.,
Nestas palavras de Freud para descrever o trabalho do luto "A tarefa é
—
HJ
144
Aus-ranma DO VlSlVEL
A MELANmLIA DA LINGUAGEM 145
-
nenhum compromisso de fidelidade pode fazer-nos msg,
chegar a ela. Entre- ia com a eloquência. E, quanto mais a eloquencra (que poderia
e..».
seãgrese
uma coisa que .
uma poesia que se encantasse com ela mesma) fica segura de Íeus podá
se declararia por si, tal como é. Se não é nem nossa
futuro, continua a ser nosso horizonte origem nem nosso mais dura e a queda; O "empolado", que se ama em suas pa avras, u “;
permanente. Só ela assegura a grande deprimido.
tensão da fala na sessão, que é levada ao extremo. '
Palavras “impróprias, imperfeitas, impotentes A informática não e'meu forte. Será a incompetência que motiva minha
para..., incapazes de...“
(como a sexualidade, a linguagem chega ao homenzinho
cedo demais ou repulsa, ou outra coisa? No decantado triunfo do computador, vejo a
tarde demais; como aquela, perturba o vivo). linguagem e a língua humilhadas.
Como prescindir dessa
queixa? Ela é necessária. Quem a ignorasse desconheceria
da linguagem e, com isso, desviar-se-ia de também o luto '
No extremo oposto, seu complemento.' a exaltaçao (através de urlrlr a
uma vez por todas da coisa profusão de palavras...) do “pré—verbal” - das trocas, efusoes e comu 1—
mim". Faz parte de sua própria natureza ir em direção ponto, não mudei de opinião: digo a mim mesmo que eles mventararãt uma
Já que nasceu da perda e que nada tem ao que não é ela.
que lhe pertença, seu apetite e língua (simultaneamente língua-lmguagem-fala) para nada, para na a que
enorme! Ela pode e deve, para viver, “incorporar” ª tudo, lhes pudesse ser útil, e que essa língua lhes era necessariamente estran
inclusive o corpo
e mais do que ele: seduz melhor do geira. Não tinha relação com seus gestos ou seus'gritos, nem com seus
que o sexo, comove mais profunda-
mente que as lágrimas, convence com mais vigor do sinais, com tudo o que já fazia com que se exprimissem e se comunica—s-
que um fere,
entorpece, aturde... tem todos os poderes. Nesse movimento murro, sem. Ela rompía com o corpo. Eu seria capaz de Jurar que eles nao
que a leva da
dominação, da magia, à consciência de sua vacuidade
essencial, ela oscila “inventaram" a linguagem para falar entre sz, mas para falar com o
entre o triunfo maníaco e a melancolia. Mas a melancolia desconhecido: seria a morte? seriam nossos deuses?
revela sua
natureza, e a mania, apenas seu esforço.
Por isso é que não devemos opor aquilo Que indicam as censuras que formulamos contra as palavras? Há nisso,
que, sem muita dificuldade,
pode ser posto em palavras, ao que estaria fadado ao indizivel. É como em outras coisas, um imenso amor frustrado: a loucura de segurar,
própria operação de linguagem inscreve-se a impossibilidade de que na a obstinação de reter, a convicção de deter a corsa em Si.
satisfazer
sua exigência. A não—realização do desejo está nela, '
p f
nao mais proclama o que lhe falta, e encontra nisso
seu recurso infinito.
Para permanecer em relação com a
coisa, é preciso que tenha che ado
momentode desfazer o vínculo com o objeto (término da análise? 'Parao
ww
Nada me autoriza, nem mesmo em algumas notas, fadadas por seu objeto
a se contradizer, a discorrer sobre a tradução. Minha experiência como
tradutor e muito reduzida, muito esporádica, e já não é atual. Pois bem,
como acontece com a análise sobre a qual todos podem discorrer, da
—
147
148
AFASTAR—SE DO VISÍVEL
MAIS UMA PROFISSÃO massiva 149
ª“ªgiâiiiããçiiã-
. . - -
gm aprªxnnaçao, e nao tem outra alternativa. Pode vencer
a e, isto , em seu caso contorna - l a '
lente, porque não é uma moeda conversivel, por mais, que eu saiba que
e] . . , , mas nunca tnunfa so b re Phantasíe não é fantasia, nem pulsão Tríeb, que Wunsch não é desejo, ou
nãmlânpossiveis os momentos de exaltaçao _
que o autor conhece. Para ele anseio, ou aspiração, que der Dichter não é o poeta ”e, em última análise,
láxtmo, uma vez terminado o trabalho, feitos os pontos de sutura uni
"vá , e mais ou menos isso !, . O tradutor
'
sabe que poderão opor que Bro: ou bread não 6 pão, continuo fascinado pela impossibilidade da
ao palavra exata. Como escritor, também posso vivenciar essa preocupação,
até as raias da paralisia. Mas sua motivação é muito diferente. O escritor,
e não apenas o poeta, é o homem da nomeação (se é digno ou indigno
desse poder, já é outra história). Seu “referencial” continua a sera coisa.
gãsãçtzâ Sªas próprias palavras, e nao tem o poder de restituir as palavras Ele é filho da linguagem, numa acepção dupla e paradoxal: 'a linguagem
. es ino injusto, o dele: quanto mais rofu d ' ' '
com a língua estrangeira , quanto mais ' p n a é suª Intlm1dªde o precede e ele tem que inventa—la. Nele, 0 i nfans e o scriptor se reúnem.
se sente em casa 11e l ª, menºs ele A fantasia de dizer, de tocar “pela primeira vez" o anima. A “palavra
conhece os meios de retranspor a fronteira. '
Quem não sonh ºu, ªº Iraduer, '
exata", portanto, é;,essencialmente a que for exata para ele, de uma
em acabar com essa moradia atr aves ' da ' ' solução aceitáv
umca l'
e . re rodu- exatidão absolutamente interna, numa adequação a... ele desconhece o
l ir tal e qual o texto original?
. . .
(A ediçao . _
bilíngiie realiza algo desse sªnho )
.
quê. Se o intimarmos a esclarecer, responderá: ao que penso ou ao que
Há - . . percebo, a minha lembrança ou àquilo que sonho, ou à frase, ou ao tom
ª"Durãrlirzlitexgressao pretenSiosa que desrgna, a meu ver, menos o tradutor
do conjunto, mas sem se deixar enganar por sua resposta forçada. Na
denâtin—º (; que aquele que se esquece de seus limites: "tradução
um escritor indicar, sob o título de um de verdade, a ilusão de que a coisa possa se realizar, de que possa vir
“temo defiilitl'weflºe as seus livros , inteirinha, não a se representar, mas a se apresentar em suas palavras, o
_
.
'
, nao ex1ste hi ª t 0. Quªntº
' demais ou obscuro demais, e pode experimentar a vergonha de reconhe-
ao tradutor, ele reside nesse hiato '
.
'
. Por isso P ar a se
,
'
ver livre del e é cer, no que acreditava ser sua própria voz, o som de outras vozes admira-
inversamente atraído , pelo lad o do das. Mas nunca, seja ela qual for, move uma queixa contra sua língua,
ue o . . pensamento , para a pergunta: " ue é
gem nª:;lolrnquis dizer aqui? , e, como tem que responder a essa pergunta
.
salvo nos momentos de amarga constatação de sua própria impotência.
a certeza, vai sendo conduzido
lá;-io ineo f a contragosto para o comen- Na tradução, a experiência é inversa: uma vez deportado para a
opacidade-n 851851? pu entar; se restringe aos enunciados, aceitando sua lingua estrangeira, eis que invariavelmente o tradutor a julga mais “rica” ',
ri o ou a dra. a essa altern ativa ' ' mais "matizada", mais “metafórica", mais "musical” do que a sua, e
.
. odiosa , q u e O autºr
ignora, e, que o tradutor fica 5 ubmetido '
— a de um redator de enu neiados ' , sem poder
'
esc ªpara suª Cºndl窺 ' " percebe nela uma profundeza de sentido que sua língua teria perdido. Sim,
-
p me uraçao, o lugar sempre incerto, e, .
que renunCiou a alcan ç ar m esmo r sua lingua lhe parece descamada, esquelética e exangue em comparação
verdade, do sujeito da,enunciaçgg com aquela em que a linguagem veio agora se encarnar. Daí a idéia,
A b prudentemente proposta por Berman num ponto qualquer de seu livro, de
ç
' ª. uªduçªo que "o motor da pulsão de traduzir” bem poderia ser o ódio a língua
materna. Conviria fazer do “esquizo” (ver Wolfson), mais do que de são
Jerônimo (ver Larbaud), o santo padroeiro dos tradutores?
150
Aaxsrxnsa Do vrstvEL
Mus UMA momssxo umsstvm. 151
Só duas teorias seriam
capazes de livrar o tradutor de seu tormento:
que fizesse de nossas línguas, em sua uma
diversidade, sua dispersão e sua e ªt é os "contra-sensos" revelados numa tradução são pecados &???
é
MaS, p0_der dizer que um texto cheira a traduçao, isso inacei. 'da
bem-intencionada da "miscigenaçao das culturas ºu
crença arcaica numa língua originária,
menos universal do que sagrada, invocaçaod
lin uas' ' não muda nada nessa história. O cheiro de du ç ãº
da qual as línguas atuais seriam
os dialetos leigos; do outro, a moderna égªªrª caseirogde tªs
cozinha: corta o apetite e tira o sabor dos pra .
celebração (conviria dizer "pós—moderna”?)
da informática. Discutir
fundamentação dessas concepções a .
por sua paixão. Para ele, o absoluto e contraditas por seu trabalho, mos de ser (Sie us roprietários e senhores, à ilusão de que po díamos disiªpgcr
língua vernacular que lhe parece irredutível“dialeto": não é apenas cada
o dela como e uiª bem a nosso bel-prazer. É atravessar a experiencesmo
a alguma outra, mas o mesmo lin ua due já conhecemos - a nossa e, nesse mla
—
ªpreilrgãlntlomãos dgiãrarmos
grandiosa da “versatilidade infinita" das mov , despojar desse saber, desse uso, dessa re ç âo
línguas pode seduzir qualquer
um, exceto aquele que se dedica, até as tranquili'lrtdu
raras de vertigem, a discernir a zir (transferir): menos mudar de língua do que mudaâgâaãógãa
diferença e a distância de uma língua
a outra e, no seio de uma língua, língua e nela, reencontrar o estrangeiro da linguagem. Emigr
—
do sentido a mais ,
que uma obra pode dar aos nomes ' '
mltlr a mi ração das palavras:
desvario do tradutor, só existissem comuns, como se, no
estrangeiras. Todas voam de um um ndo p ara
<?I'lfdnzlrls
nomes próprios... lignguas são
as ,
OlltI'O.
Tradutor, será ele uma placa de vidro
nf CUJO único ofício e deixar
ll lw luz? Um mensageiro, um passar a
go between que transmite a mensagem, e
que
emissor e as expectativas do
Essas imagens, que sob diversas
formas já foram muito úteis, receptor?
parecem se impor. Os próprios tradutores
retomam a sua maneira, colocando as
seu de honra na humildade,
opondo à eterna acusação de traição ponto
seu ideal de fidelidade. Debate
cansativo, mas inevitável. Na época em
posição sumamente cômoda, ali como que trabalhei com tradutores na—
'
_
“
de um em d o pºlme]. ' ' ”2
Sartre acertou prontame nte a
_
'
importante na primeira versão, especialmente Wilhelm Fliess, o amigo
. .
proposta
. .
. a soma oferecida era sr 111 ' '
berlinense de Freud, mas acrescentou cenas novas, novos personagens,
21331111; edele precrsava de dinheiro. Trabalho circunstancia? pªcmatlíâ,
e encomenda e até falimentar”, mas do ampliou as exposições teóricas e didáticas e, em suma, escreveu outro
101?ng qual ele se apossaria roteiro. De fato, segundo os manuscritos e transcrições datilografadas que
e
guamo pªrir? IÉIO qualdse dedicaria por alguns meses com tanto prazer pudemos consultar, graças à infalível gentileza de Arlette El Kaim-Sartre,
. .
ao. o lm e 1958, Sartre fez che
_
_
'
gar as '
maos de Huston parece que ele não levou inteiramente a termo essa segunda versão.
ãiâãªsger 35:12:13 sunplesdmeilite “Freud”, e que contava com 95 páginª:; Entretanto, com toda certeza, ela chegou às mãos de Huston: diversas
espaço up 0. Esse “trabalho pre l'lmmar ' ” datado de 15
de dezembro, foi aceito . N o ano ' , sequências que só figuram nessa segunda versão (por exemplo, o “sonho
.
segurnte , ele escreveu o rot um. '
Cºnhe— da montanha”) seriam retomadas no filme, mais ou menos sitnplificadas.
cemos a contmuação da história ou pelo
.
'
menos ,' éassrm q ue e ] & costuma
,
Que houve exatamente entre Sartre e Huston? Faltam informações
'
.
ser narrada: o diretor pediu a Saftre algumas modifi
fez concessões , pºdo u, alterou , e depois se caçoes e cortes, Sartre precisas. Mas dispomos de depoimentos dos dois interessados que é
.,
acabaria sendo consideravelm ente
_
_
'
can Sºu- N O fim, O rºteiro '
divertido cotejar. Em outubro de 1959, Sartre passou algumas semanas na
reduzrdo e transf mmª d '
.
nais do cinema, Charles Ka ufmann e ºpor prºt—[SSID-
Wolfgang Reinhardt amr' os d
à
_
. .
53151203; Sªge extgiria que seu nome não figurasse na ficha técngica
ro o em 1961 e lançado nas telas no ano * Respectivamente, “Freud. a paixão secreta“ e "Freud. desejos inconfessados". No Brasil, o
seguinte, com o título filme recebeu o titulo de “Freud além da alma“. (N.T.)
152
154 AFASTAR-SE no VistvEL
FREUD POSTO EM manaus nas
que trabalheira! Quanta ruminaçâo intelectual depoimentos sobre Freud, é difícH avaliar a soma de informações novas
aqui'. Todª) tªl::ãah; o em seus complexos , e isso ' por
que traziam. Até então, ignorava—se quase tudo sobre a pessoa e a
história
fem vai' do mas msmo ' '
desde muito pretendendo,
_
de Freud, como ele mesmo havia desejado cedo,
_
Aiqtes nun?
eno ãiªggaªiopfrgfá .
poréán, estamos no Inferno.
mun o esqãe morto , com os complexos congela- ,
ao que dizia com uma mescla de ironia e orgulho, “tornar árdua a tarefa
dos . A ammação
.
é pouquinha,.
" de seus futuros biógrafos”, e pretendendo acima de tudo, ao que me
pouquinha . E maiS'. “H uston usou É
_
ele
eêgrâãsolfngªçada para falar de seu “inconsciente” a propósito de prªtª? parece, confundir seu destino com o da “causa” psicanalítica. que
.
nada. E o tom indicava o sentido: mais temia, provavelmente com razão, que as verdades da ciência que havia
velhos deseª'º . nada, nem sequer
trabiiollsi inchíifessáveis.
Uma imensa lacuna. Imagine
como é fácil fundado, tidas por ele como simultaneamente singulares e universais,
fazê—lo
porque ele o entristece. Esta- ficassem comprometidas, uma vez que se desnudassein os determinantes
mos todos “magºs Sªge dp pensamrãilto,
a sa a reserva aos fum an te 5 todos pessoais, familiares egculturais que haviam possibilitado sua descoberta.
do . conversan-
de plena Ora, embora se tratasse, de um lado, de uma biografia “oficial”,
em _
coàse repente, discussao, ele desaparece. É muita sorte
gu1rmos teve—lo antes do almoço ou do jantar.” construída por um guardião da ortodoxia e discípulo vigilante (até as
aI-Illiliston, por sua vez, guardou dessa mesma estada uma lembrança sombras se destinam a fazer ressaltar a luz do herói), Jones trouxe, a
mais propósito do homem Freud, dados então insuspeitadosJº Quanto à corres—
sªrngriê. ImNgãcz; trabalhei com ninguém tâo teimoso e categórico
quanto ss vc ter uma conversa com ele . Im DOSSíVel 'mta—rom— pondência com Fliess, ela atestava, entre outras coisas, a intensidade do
»
.
.
pe-lo. Sem parar para respirar el
, e me afogava numa t
'
vínculo que unira os doishomens, principalmente Freud a Fliess; sem essa
[...]. Sucedia, .
oucmezumdepªlavrªs
&
esgotado pelo esforço, eu deixar
'
o cômod 0. O '
bldo de paixão, sem essa transferência ainda por nomear, teria a psicanálise algum
sua voz me acompanhava por um in stante dia vindo à luz?
e, quando eu voltava ele n
:$
.
::?rillfiroªgfiâ ãeepârcâtâo que!-: eu msíaíra."7 Além disso, no capítulo de Não há dúvida de que essas leituras transformaram radicalmente a
0 ao re , a amargura transparece a c ada '
imagem que Sartre fazia de Freud. Elas lhe mostraram uma personalidade
contundentes não poupam ninguém: colaboragâfelªae
_
Em
numa tradução &&:cíggziguiiçao. ]1958, precisamente, foi publicado —
naissance de la 2322213133,
_
as carta '
de Freud a Wilhelm '
Fliess possuía (e como abrir um cofre forte cuja chave esta no interior?). Neurose
à cºrte:p ::::áiperadas
e os manuscritos anexos
encia, que, mesmo para os especialistas, constituíram e criação: tema de dissertação, desde que se opusessem entidades, mas
uma caminho a ser sempre reaberto em seu “universal singular”, caminho, pelo
156-
AFASTAR—SE no VISIVEL
FREUD POSTO EM IMAGENS I57
5 como compreender
Que uma existência inteira fosse
freqiiente serem as mesmas concluirâo
—
que seu docu—
mentação não foi nem considerável nem muito preciso. Que seja. Mas,
158 AFASTAR—SE DO FREUD POSTO EM IMAGENS lSº
VlSlVEL
ração com O idiota da família —, o projeto de Sartre e a descoberta freudianas, como o fez, na relaçao com o
não escapou à meta pªli-iamente
“total” que pareceu encontrar sua mostrou, ao mesmo tempo, que essa relaçao nao estava nelcessàa
realização plena no “Flaubert“. A fadada â desgastante alternância entre a submrssao e a revo ta, osi ão
tentativa grandiosa e, temo eu, propriamente
palmente de compreender, tudo de um homem,
absurda de saber, e princi- nítida entre a passividade e o ato puro; talvez tenha a_té perce
s㺠(the
tentativa durªnte:
explicitamente nessa “súmula”, era sem dúvida um velho que se afirmou querendo prescindir do pai, corre—se o sério risco de nao passarªível
(um desafio a Deus, de
desafio de Sartre toda a vida, de um filho das palavras..._A vantagem e o amen das
quem essa seria a vez de se tornar uma “paixão palavras e' que elas só se ligam entre sr. Quem se. recusa a rec cher e 3
inútil”). Mas me parece mais fácil acreditar
litado o “Flaubert”. Com L 'Idiot de la que o “Freud” tenha possibi- transmitir fica sempre com medo de ser um falsárro, um ser ver bal , um
famille, o desafio (quase) foi aceito. fazedor de gestos.
Com o roteiro, ficou em aberto, na
própria medida em fracassou. É
que Sartre pretendeu segurar diversos fios ao mesmo que Não creio - o leitor poderá julgar que Sartre tenha propostoéçãrãl
—
nenhum. Na verdade, ser-lhe-iam necessários tempo e não soltar seu roteiro, uma “interpre tação” pessoal e original de Freud. Ao cor:= :aso,
milhares e milhares de' agrada-me acreditar que Freud, mesmo que, comoacontecepártress
páginas, dentro de sua perspectiva totalizante,
juntos, o Freud judeu e o Freud burguês, o Freud-filho para tornar inteligíveís, tenha sido recortado em linhas gerais (o _corte. crnematog bri ;
e o Freud-Fliess, rego—o ãe
o Freud neurologista e o Freud a isso), tenha interpretado Sartre. N_ão for depors de sua freq a 0311666—
neurótico, o Freud civilizador e o Freud gn
pulsional, o Freud da “Viena de fim de século” e Freud Freud que Sartre iniciou uma autobiografia., da qual por ora Sr
o sem fronteiras... ctarnbém
Como, acima de tudo, tornar visível a realidade mos o titulo (Jean sans terre, Jean sem par...)? Desse .prºje_o,.
objeto da psíquica, que é o único inacabado, derivariam Les mots e, em seguida, por vra mais direta
psicanálise? A realidade psíquica e não o mt bio;
ventre macio —, feita de representações distribuídas
—
“psiquismo”, esse L 'Idiot de. la famille. Lembro—me que, para ”levar a bom termo a
att; oseus
em redes, como grafia que tomava o rumo da “auto—análise Sartre
nervos com suas sinapses, trilhos com suas , resolveu ano rle
e regida por mecanismos. O problema é comutações, submetida a leis sonhos, ele, o homem do dia, e se submeter a testes prºjetàvos, e o
lancinante de Sartre “Que podemos saber que, ante a indagação abrupta e homem do “projeto"; que chegou até a contemplar e verda ,10
—
de um homem?”
-, ante essa
—_
e,?“ pºeue
indagação que não lhe pertencia, a psicanálise só espaço de uma brevissima conversa a ideia de inicrar “Em anjhrseúnen—
—
ordem teorica, foi uma questão de princípio, relacionando-se com a nações, descrições dos locais, de objetos, etc. tem, idealmente, que ser
—
propria essência da coisa. Eis como Freud o formulou: "Minha principal transposto em imagens. Caso contrário, é uma perda completa. A “repre-
objeção continua a ser que não me parece possível fazer de nossas sentação plástica”, a figurabilidade, de simples condição, torna-se lei. O
abstraçoes uma representação plástica minimamente respeitável. ' 7 Afinal “não-figurativo” (as “abstrações”) fica assim submetido ao “figurativo”:
nao daremos nossa concordância a uma coisa insípida [...] O pequent; tudo, sem que nos apercebamos disso, tem que se reduzir à imagem. Tudo
ãxemplo que você menciona, a apresentação do recalcamento por meio aquilo que-constitui a investigação analítica, a saber, o funcionamento
1583112132- gomparaçao de Worcester,18 parece-me mais ridículo do que superposto da pulsão e daquilo a que ela delega seus poderes: afetos e
sinais, na maioria das vezes pontuais, “insignificantes”, fora do contexto
e fora do texto. A pulsão opera e, ao cabo de suas operações de pensamen-
Que pretendeu Freud dizer exatamente com “abstrações”? As gran-—
.
des instancias tópicas, ego, id e superego? As operações psíquicas to, atravessa a imagem; ela produz sinais, não produz imagem. Daí muitas
o recalcamento ou a projeção? Certamente, mas creio
como incompreensões, das quais o relativo fracasso do “cinema psicanalítico”
que é preciso é apenas uma manifestação, aliás benigna. O equívoco não cessa — e
estender o alcance da palavra e portanto, da objeção ao conjunto da
—
deveria cessar? depois de se haver dito e mostrado cem vezes que a coisa
—
imagem sexual freudiana não é reduti'vel às coisas do sexo, e que vive dessa
sem falseamento. A recusa peremptória que Freud opôs a Abraham só
teria feito enunciar uma rec usa categorica
' '
acolhe o inconsciente.
' ' ' '
primordial' '
'
. a ima g em n ªo
aºs
#
'º
A que se prende o encanto da Gradiva? Já desponta uma hesitação ao se
escrever essa palavra, “Gradiva”. Que designa ela, exatamente? A narra—
tiva de Jensen ou a de Freud, que mais faz duplicar a primeira do que
interpreta-la? O mármore do museu Chiaramonti? O fantasma perseguido
Zoé
por um rapaz a quem as mulheres de carne e osso apavora mm, ou
Bertgang, cujo prenome significa “vida”? Como poderíamos separar a
“fantasia pompeiana” do comentário erudito, como poderíamos dissociar
a escultura que um velho autor, num dia de inspiração, retirou do esque-
cimento, e a história que ele inventou, uma história que encantou Jung,
depois Freud, depois os surrealistas, depois tantos outros, e que oxalá não
tenha parado de conquistar leitores? O herói, o dr. Norbert Hanold,
diz—nos Jensen, havia pendurado um molde do baixo-relevo em seu
gabinete de arqueólogo; o dr. Sigmund Freud colocou outro aos pés de
seu divã de analista: assim, seus pacientes imóveis tinham continuamente
diante dos olhos aquele andar inimitável. Gradiva, a que avança, tal qual
o deus Marte gradivus- rumando para o combate, só que, neste caso, o
combate do amor. E Gradiva rediviva, a que revive e dá vida, forma e
objeto ao desejo. Que promessa para as histéricas da Berggasse, que
ilusão para todos nós!
Foi Jung quem recomendou a Freud a leitura de Gradiva. O ano era
1906. Na época, nenhuma nuvem, nenhum conflito entre os dois homens,
Freud não
que mal se conheciam (apenas pela troca de algumas cartas).
resistiu ao encanto do romance nem ao de Jung. De imediato, em suas
férias de verão, como que tomado pelo mesmo impulso contagiante que
levara Jensen a contar sua história e Norbert Hanold a empreender sua
viagem, ele redigiu seu comentário, que seria publicado no ano seguinte
Seelenkun-
para inaugurar uma série intitulada Schrijien "zur angewandten
M...—__,
de [Escritos sobre o conhecimento animico aplicado], que se destinava a
ampliar o campo de aplicação e, com isso, o público da psicanálise.' Jung
,...
narrativo e visual, que nossos atos que tempo mente vivos, mas suspensos no tempo por um ªshtaii , riância. quer esse
i,.
amoroso. Noções difíceis de admitir âaquela hora quente do meio—dia em que o vapor ve os
_
vrs í .
veis dela . E Freud
e que, prontamente, a ciência trabalhosa ilustrada de Philippson sao ps s mais
adquiriu a graça e a leveza de
uma mocinha maliciosa e repleta do único saber Edgªrtilhou essa paixão com a maioria de seus . _
grande coisa. Nesses dois lugares sagrados, a do leva a crer que de fragmen to em fragmento, d e resto em resto, ,
imagem do Pai comparecera dª gina em ruína, todo ,o perdido pode ser traZido .
de novo a
.
la.
*
conservado, que por pouco seria possivel Por exemplo, havemos de lembrar quet, nos_Estuzfââis;brã:
cruzar com os habitantes da ' ' ' " de estrati icaçao ps
antiga cidadezinha e conversar com eles, meio o a á se impusesse a ideia ,
em grego ou latim, meio Zililptergogtas desordem Freud evocou, ou 5 ej & ,
, foram os arquivos em que
166
AFASTAR-SE DO VlSlVEL
A MOÇA 107
inscrições, enigmas cifrados e hieroglifos,
números e letras, e não objetos,
mesmo que fragmentados. Arquivos . .
tuir, lacunas por situar, linguas mortaspor decifrar, classificar e reconsti— e imensamente distante, onde nada do que um diia se 5531133333;-se
de Schliemann. E, mesmo a traduzir. Champollion mais além perdido e onde todas as fases de seu desenvo Vim. &
atrªcªm
quando a analogia com subsistir ao lado das anitiâas.“i Pºlãgfnnã,á)ª(âlgpllii%81iicarlãºacessível nesse
Império, ou do
arqueólogo com o seu, a assemelhar seus instrumentos
enxadas e sua finalidade desenterrar
—
—
picaretas, pás e
—
ções, para reencontra-lo tal e qual. Por maissurgir, cercando-se de precau— 3:15:33]: gg
do sepulto e do exumado, ela é falsa. O tentadora que seja a imagem estamos ontem, hoje ou amanha, nem se o ontem
recalcado não é o sepulto,'o papado. É uma Roma surrealista, no estilo de Max Ern St, q ue a compara—
.—
ªi
|W“
enterrado, simultaneamente mantido intacto e
do recalcamento, força ativa inerte; ele não escapa à ação ç ão do Mal-estar permite entrever.
que dissimula, deforma e nunca deixa . .
Nada ganhariamos ao querer definir estritamentetâimrgiãçêããigtrãr: -
estar em ação no presente. E aquilo a de
não é um ressurgimento em plena luzque chamamos retorno do recalcado psicanálise e arqueºlogia. Bgaiªcxiiâegnciíãsnâílsgerixmos.
a
do dia, pois esse retomo ' Ora reduz a
por vias indiretas, complicadas, diferentes das se efetua vável. O ró rio reu o
que produziram o recalca- allililãrSgia umapfangasia, . . ” -
.
o
mento. A análise daí seu nome não é a e até a um
—
uma “:diveªiircnâpªtgsgiªoâpmãgrgêmíãscslo
interprete ou reconstrua", ela opera com base simples exumação; quer
—
num de seus ultimíssimos textos - ve no
em elementos disjuntos, ólo o: “Seu trabalho de construçao, ou, se pre fe ritmos , de recons—
rearranja um passado, ele próprio
por mais longe, por mais a fundo que
—
32150, airesenta uma profunda semelhança com o ue
possamos ir já submetido a rearranjos: já ficção.
—
proustiano do que Freud: o tempo não foi Não há nada menos desenterra uma moradia destruida e sepulta, ou
0qu Égªqgquo
ser “encontrado”. “perdido”, e portanto, não pode Pªssado. No fundo, é idêntico a ele, com a unicaIldi diferença de que o
analista trabalha em melhores condiçoes: Essas co regais ões mais favorá-
A famosa formulação de vivos que &
que “O inconsciente desconhece o veis são que o analista, por sua vez, lida com ma
tem feito com que se digam muitas tolices. tempo”
Sim, ele está fora do tempo repetição na transferência não pára de atualizar, :, e nunca existe, no
linear, irreversível e secundarizado, não dá tota suma , º analista
(113211
visível , o passado é o atual . Quando ' ' Nela, por um instante precário a jovenzinha se transforma muito depres-
a própria corsa está resent f
—
.
livre o espaço para alucmar!
.
Para Norbert, o
arqueólogo logico, 81381113 sa na solteirona, e Zoé Bertgang nâo desconhece isso, donde sua pressa
ll , pªl
, l' em concluir —, encama-se uma frágil aliança dos contrários, toda feita de
harmonia e tensão. Jensen sabe mostrá—la ao esboçar o retrato, tanto físico
Concordancras são algo que o texto de .
.
pela, esse “ '
desaparecimento conse rva ao do —
' reconhecer “uma aptidão real para ver as coisas com clareza e uma serena
pªscªcâeàtiogglàiªaarséne de ouârªs correspondências se impõe vem concentração em seus pensamentos". Indicações como essas, que encon-
%:
quaisquer i iculdades teóricas e pr á ticas: ' tramos desde as primeiras linhas, pontuam a narrativa. Em tom menor,
recalcamento e o retorno do te calcado entre o elas sugerem, como ,? pode fazer a repetição de algumas notas numa
. .
,
"o recalcado u ando
—
com prªiª;:
,
.
33:33); surge hdmi—tância recalcadora”, o que é ilustradª fantasia musical," uma contradição, porém sempre móvel, jamais cristali-
gravura e icien Rops , entre a inv ' ª do
tratamento, entre o tratamento amoroso sutilmente '
estigaçao
—
deli no ' '
e seu'
zada: o milagre de uma estátua que se mexe... Ela é para Jensen, na
sedução de Norbert Hanold, no pavor, a vida mesma e a jovem outra...
o método catártico entre a vida ( ' do ' ' cond 'd
uzt o por Zºé e
ps q uma mdividu o e os estagios ' ' de “O encanto simples e natural de uma moça, encanto que parecia ser
.
desenvolvtmento da hu mamdade '
inspiração da própria vida.” São essas as palavras, também simples, de
, entre ic
o ps ana l'ista e o escritor. Mas
'
toda S essas como rdan , ºi as ficariam _
' Jensen.
sem efeito , p em anecertam ' '
'
.
genéricas, de excessiva simplicidad e se teoricas,
nao fossem ' Inevitavelmente, os psicanalistas, por sua vez, ao se apossarem do
W _
ms _ , s ugeridas a todo
lévãnâgg 533513? grãogãaelãto, por mil. smais discretos, insistentes e relato, iriam propor outras palavras, mas sem que estas conseguissem
_
a
emoções, o mistério guardado e desvendado de Zoé e, é claro, seu andar.
gróãigszºãªímãi? gllá um bestiário delicioso na Gradiva), e até os nomes Serge Viderman soube mostrar, recentemente, seguindo o texto muito de
ummoso, com aquela luz va porosa perto, como a Gradiva representava, não “a mulher fálica ou castrada, mas
.
.
cºls _ .
umhvéu tao tenue _ que banha as
fmoasuiºgl que nao é .
preciso arranca-lo ou rasga—lo tão sim fálica e castrada“?
ao encobre nada e, ao contrário,
q É notável que Freud, em seu comentário, não tenha enveredado por
aguça a acuidade do olhar
Daí rede ao mesmo tempo sutil' e
dªs “máfiªs?22:21:10. Mats, o acentua seu efeito,
transparente de concordân- esse caminho. Provavelmente o título que deu a seu texto (Delírios e
—
fascinio quse o que garante o doce sonhos) e testemunho disso —, não era esse seu propósito, deliberadamente
que el ce so re n 5, prende-se a um '
motivo '
mas' Singular. limitado. Mas outros motivos devem ter intervindo. O fato de a Gradiva
,
O prazer das concordancias
só tem essa intensidade
_
confirmação da hipótese.
'
cramento do prazer encontrado em ler e em reescrever a G rad'va i a sua
As cartas de Jensen a Freud
contradizem um pouco a lenda maneira, a ponto de resumi'-la.' 'ª Em Vinte anos, Freud p ôde me dir toda. ª
' .
afirma que Jensen se teria mostrado reticente que
diante das perguntas de seu ' ”
distancia ' entre Pompéia ' e Viena, e ntre Norbert Hanoi d e e 1 . o idílio
e,
interlocutor.12 A segunda
carta, em particular, descreve com refinamento ' ' e a psrcanálise
' .
efetivamen te caíra de m ºd a.
perfeito entre a arqueo logia
_
e modéstia as circunstâncias
que favoreceram a composição do relato. A análise ' ' a nao
" .
era um tratamen to amoroso.. o ód'10, a Vl'olêncm e a morte
Somente na terceira e última carta é
que Jensen opôs um não firme: “Não, a povoavâin; .
a repetição do mesmo passara a ser sºfrislmegotgbitifãgª
_
“trata—se inteiramente de
uma fantasia; ela avança por uma aresta or sua vez soubera conservar o dela. Mesmo que as p edras deixassem
é mais larga que a lâmina de que não ãe
uma faca, com passo sonambúlico. No nos falar: ainda assim ela continuaria a ser para nós aquela que av an ç 8 ,
. _
Em . . .
“Quais são seus dez livros favori— do romance Merej kovski, imaginando um Diário supostamente mantido
—
tºw”, Frelrãsfpeãsãâstªguesnonárro,
e'sua lista O romance de Leonardo da Vinci do por um jovem discipulo, soube integrar em seu relato as
reflexões que
escritor russo D mim Merc-lkovskr.2 Romance
. . , Leonardo consignou em seus manuscritos (que nunca comporiam os
de um “roman ce ” , de fato, mais
º
mais d qu Tratados projetados). Reflexões, como sabemos, concernentes aos
mentado, e que faz reviver, num afresco histó ' ' diversos domínios anatomia, ótica, botânica, geologia, etc. —, e que
—
rico extraordmariam
ex ress' misturam, sempre sob a forma de fra gmentgs e sem organização temática,
—
.
QuE; 01:23 (na? 353%; peâonalrdade de Leonardo, mas a Toscanaeliitcí=
m-
, o ouro e Savonarola, todo um meio social pensamentos filosóficos, invenções técnicas (ceifadeiras e máquinas voa—
artístico e político 3 A1“ vemos doras), alegorias e chistes. O artifício do “Diário de Giovanni Beltraffro”
citada a famosa lembrança infantil, mas ativida—
sem que um valor. ml lhe seja atribuído.4 Um “romance”, permitiu a Merejkovski tornar—nos testemunhas dessa prodigiosa
convém notar que Iªtieúdcular pois e de mental, ao mesmo tempo que nos forneceu as reações do rapaz, ora
perguntou se ele mesmo não teria feito outra
cºisa sen㺠escrever um “seomance psrcanalítrco”.s Em seu próprio ensaio, repleto de admiração, ora de pavor, e sempre desconcenado. Assim, o
Freud presta uma homenagem de
passagem ao livro de Merejkovski e o “caso Leonardo” é apresentado ao vivo, tal como nos apareceria numa boa
observação psicopatológica (se esse gênero, infelizmente, não se houves-
oferece
'“ conhecedor
de almas” soubera se perdido nos dias atuais); logo, já é um “quase-paciente" que se
exprimir suª concep ão “ 1(;_romanasta à investigação freudiana. Ali vemos Leonardo abandonar repentinamente
ao palavras exangues, mas, à maneira do mal
poeta, numa lin “& (Em ,lá strcaeu; . Em diversas seu afresco para se ocupar com asas de mosca, e proibir que fizessem
Freud se refer eg exg Heil; passagens, como veremos até às embora vegetariano convicto se delei—
mente a.MereJlrovski, mas não foram apenas aos animais e plantas, esse
informações mºdºs tasse com o espetáculo de uma aranha sugando sua presa.
Vemo—lo a
l_ertura dele, e sim, sem nenhuma
dúvidª pºsswel maãgugueãxtraiu'da
vo e inspiraçao, como acontece ao desenhar “bombardas enormes, balas explosivas, canhões com bocas
mos pintada peãºlmo , e m sua complexidade, encontrar- múltiplas e outros engenhos de guerra, tratados com a mesma delicadeza
e exaltada em sua grandeza
solitária , ª imagem etérea de luz e sombra dos rostos de suas mais belas Madonas”. Leonardo,
.
de um de nossos heróis
secretos.
172
174
AFASTAR-SE DO vrstvat A AmÇÁO DOS PÁSSAROS ”&
sua vez , se; emªtggãadçaI—Zãlud reso ver o eni g m aenaoa " por bem singulares. A princípio, o enigma residia nisso; ele convidava a
e] ementos. Buscarra . enase m reunir' seus estabelecida
e acredltarla encontrar-lhe a “clfave” pensar, com base num exemplo ilustre, sobre a constatação já
. _
Houve outras fontes de a ' ª ' “ ' ' Freud em sua análise da coisa sexual, a saber, que as mais nobres
parencra mais seria”, re'm às ' por
dessa ve “sublimações” vão beber no mesmo fundo pulsional das mais estranhas
,
própzáfrãggjârâcoír/Ieudepms de ja ter tomado a dedigão de escªlª/les;
seu
Herzfeld, autora de uma obra importante “aberrações", por vezes as mais chocantes: “No campo da sexualidade”,
sºbre “Leonardo da Ví.neiane
, pensador, pesqursador e poeta” e escreveu ele em 1905 nos Três ensaios, “as coisas mais elevadas e as mais
da primeira edição cmi prefaciadora vis ligam-se umas às outras por toda parte, da maneira mais intima.”“
da pintura; Edmondo Seal, estabelecida por Heinrich Ludwig, do Tratado Portanto, Freud se infortnou bastante antes de iniciar seu Leonardo.
cup biografia de Leonardo fora traduzida
parª o alemão em 190;, I?ll,mo Smiragha Teve acesso aos trabalhos mais seguros da época. E, se outros trabalhos
novos documentos , Scognamiglío que lhe traria
posteriormente publicados invalidam, ou pelo menos tornam incertos
'
juventude de seu háónãgaclãentemente esperados, sobre a infância e a
warm-1,1 .- . Richter,.um dos primeiros compiladores dos diversos dados factuais a que ele deu crédito particularmente no tocante
—
manUScriros.9 E Vasari, autor que Freud estimava aos primeiros anos de Leonardo —, não podemos censura-lo por isso, na
em italiano e c:]jª Vita grego, da Vinci (1550) continua a que
e lia
medida em que persiste uma dúvida sobre muitos fatos.
hoje, ª despeito de snªas il onardo ser ainda
houvesse desenhado de
ncorreçoes, uma referência obrigatória, como
se Dito isso, que foi que impeliu Freud, que não era nem historiador
A maioria dos trªços “uma vez. por
todas o retrato ou a lenda do pintor.lo da arte nem das ciências, e que, ele mesmo reconhecendo não ser um
sua pesquisa acha-se ;;]. %consntuirlam para
Freud o ponto de partida de “visual”, tampouco se mostrou grande conhecedor de pintura, a iniciar'º
“ser admirável e celestialímlíglzlellt: 133513
dª!
Leºnªfgº é quªlificªdº de esse ensaio e a se dedicar a ele com o ardor de que Jones foi testemunha?
“seu e .
,
,
. .
quer corsa e sobre- ” Vejo várias razões para isso.
entregzstpzfrltgd [21:53 €pítlralde destilar invenções sutis”, mas ele triltlriglêriliºse, Primeiramente, Freud nunca excluiu da investigação psicanalítica
os escritores e os artistas. Num de seus manuscritos endereçados a Fliess,
e e misteriosamente atraído
mas fisionomiªs bizarre puTcuras , por “algu-
ria que se tomºu cél re. Passandoencontramos narrada na Vita a histó-
las .. »ambem encontramos um estudo (1898) sobre uma narrativa de Conrad Ferdinand
de
tirava de suas gªiºlª: pelo mercado de pássaros, ele os Meyer, Die Richterin [A juíza]. O comentário consagrado à Gradiva
solicitado e os deixava alçar vôo Jensen data de 1907. Em ambos os casos, observa—se que a escolha do
restituindo-lhes ª libe,rcll):dgavª (ªpreço
ida.
per 'Que voassem os pássaros, batendd tema, aos olhos de Freud, fora determinada no escritor por uma lembrança
ªs asas com forçª e ª ualequer
lar-mente, nª inconclugão preço. Mas Yasari insiste, muito particu— infantil recalcada, que uma experiência atual viera redespertar. Em 1908
atribui tªnto ª sua ineo nstancra que sena caracteristica de Leonardo, e
que ele foi publicado Der Dichter und das Phantasíeren: desta feita, foram
ido muno ]on g e n o saber e no quanto ao culto da perfeição: “Ele teria essencialmente a imaginação e os rumos tomados pela criação que foram
.
aprofundamento da cultura, se não fosse tão considerados, e, numa carta a Jung, Freud anunciou que realmente tinha
176
AFASTAR-SE DO VlSÍVEL [77
A ATRAÇÃO nos PÁSSAROS
Numa _outra cana, afirmou com vigor ainda meu ver, foi a descoberta do que levou à elaboração das teorias sexuais
maior sua Vontade ;;eisnc infantis (0 artigo que traz esse nome data de 1908 e, portanto, precedeu
minha convi6ção de q ue ºl'poraçªf); Alegra-me que voce Cºmpartilhe de pouco 0 Leonardo) que serviu de condição desencadeadora. Esta
Pºr nós (...). O cam daabl?mºloglª deve ser lnteirameme conquistada confidência feita a Jung o confirma: “Posso revelar—lhe o segredo. Lem-
Por fim p odemos £?ent-nºs lºgfªfla deve igualmente tornar-se nosso.”" bra-se de meu comentário, nas Teorias sexuais infantis, sobre o fracasso
ª dlscussao que, numa das reuniões das
_
Quartas-feiras se uiu inelutável da investigação primitiva das crianças e sobre o efeito parali-
de Graf sobre os métodos de sante que resulta desse primeiro fracasso? Releia essas palavras; na
ªbordagem da psigcolo—S'c aduma exposlçao Nessa
deria ter sido mais claglª. “os escritores,” ººªSi㺺 Freud n㺠Pºª ocasião, elas não foram compreendidas com tanta seriedade quanto as
ro: A [751an31186 merece ser colocada acima da
pªtografia pois fom compreendo agora. Pois bem, o grande Leonardo, que era sexualmente
sobreo processo da criação. Qual- inativo ou homossexual, era igualmente um homem que cedo converteu
quer escrifo r pode secicebinformaçoes de patografia, mas esta não nos ensina
nada de novo.” Assim Zvjiãto uma
enc1ar, a semelhança das Patografias, os
sua sexualidade numa pulsão de saber e que permaneceu agarrado ao
neuróticos ou perversos d traços cunho exemplar do inacabado. Encontrei recentemente seu homólogo
ou daquele artista não era a
Freud. A pSícanálise era este preocupação de (sem sua genialidadefhum neurótico.“ls
num outro sentido! Não se tratava de
descobrir o neurótic o no inovadora(grande Assim, na lembrança do romance de Merejkovski lembrança que
—
coisa! ...), mas de considerar
processo da cria ão l:):riador
no modelo da constituição de neurose. As
o havia permanecido ainda mais viva na medida em que Freud pudera
pulsões e seus dZstinÍZI-n asle
era o destino pulsional de Leonardo, encontrar correspondência entre Leonardo e ele mesmo veio enxertar—se
—
pudera ele tornar-se ª hqlua como um projeto “colonizador”: marcar com o selo da psicanálise a psicobio-
'e e Itlultiplo, aquele pintor único e
sempre insatisfeito - eq pãsqmsador grafia. Esta encontraria seu ponto de aplicação privilegiado se o persona-
aquele sorriso —, aquele apaixonado platô—
nico por rapazolas? F ºlpintor gem escolhido fosse um escritor, um artista ou um pensador, posto que
SUStentava todos e' ÍÉSSª ª Pergunta feita por Freud. E tudo isso se
cada um deles, segundo modalidades diferentes, nunca fazia outra coisa,
realmente deviam conjugar-se num ponto
nodal, Foi ,esse o prªses _tlos
posi o, que pressupºs, tªl cºmº º tratamento PSÍCª- pintor, filósofo ou sonhador, senão dar forma a suas representações. Mas
nalítico, uma investi ga窺 que
nªº desprezasse nenhum detalhe e uma o que possibilitou a realização do projeto por Freud, inclusive com o
constru ç ão 8 em fa lh as. Tratava-se de sentimento de urgência que a descoberta e capaz de dar, foi a conjugação,
acompanhar Leonardo, traço após
8. descoberta na criança, entre a sexualidade e o pensamento: a criança,
n gl g confrontada com o “enigma” da concepção, do nascimento e da diferença
!
! 1
Claro " ' entre os sexos, entregue à questão das origens, era o primeiro teorizador,
condições
(3522111302)? pretendia,.ao executar esse programa, ficar em perplexo e desnorteado, porém talvez o mais “genial”.'9 Acionado pela
ªrtística“ escreveu Clear; o m1sterlo daarte:
“A essência da realização sexualidade - desejo de saber sexual, desejo sexual de saber —, o pensa-
nes: “Não depos“ de,
e—nos pswanallticamente inacessível”;ló e a Jo- mento nunca rompia esse elo originário. Tal como a sexualidade, ele
encontrar nele o segredrgaãaªgirgesªegnça nZSSC
Leºnªrdº- N㺠espere conhecia “a excitação, a tensão, o contato, o encontro surpreendente, o
problema da Gioconda.”'7 No entanto? ;;;)” veiªífántílgaªasgclzifãgsfrízlãg prazer, a insatisfação e o fracasso, e a Abirrung, a desorientação”.ºº
do livro a nos fornecer o segredo desse Freud viu em Leonardo da Vinci a ilustração mais convincente —
Em ue ' poder produzir, para ser realmente convincente, uma prova. Essa prova
da Vinci., foi,. aos olhos de ele foi encontrar na prima ricordatione della mia infantia: primeira e
o
construí .,
Ving?) gor grená, ja que nessa cena imaginária, nessa Leda fantástica
. . ,
teria
que compusera a realidade de Leonardo,. Freud teria percebido uma relação entre o procedimento intelectual
A cada um su): ªnim-se tgdãªo de Leonardo e o seu. Como se fabricavam uma neurose, um sonho ou uma
. aaroua ”acadau
,
, as maos
m sua " Rosebud“ º ue ale ri ª
deVe ter srdo
para Freud por _
nessa lembrança, uma alegria qfe multidão? Como se fabricavam um quadro, um corpo ou um filho? Que
vinha a ser um fóssil? Ou então: que é que se procurava adivinhar numa
adivinhação? Acaso as pesquisas de Leonardo sobre a anatomia e suas
dissecações, tão novas em sua-época, não exibem uma certa equivalência
A inc '' " destacamos
que Freud fez dela o principal “sintoma” com as de Freud sobre a tópica animica? Os diagramas minuciosos e
de Legªgliàsaqãja
ep]; ;;;/(23,5%
ele tomado conhecimento do texto de
um jovem fantasiosos do primeiro, com os esquemas, às vezes tão estranhos, do
publicado , provavelmente teria a p reend'ido com 111 318 segundo? A cada um sua terra incognita, a cada um sua vontade de
1
' ' "
o que eram a ambiçao . _ ' " exatldao
" '
, a paixao e o metodo” de L Cºnªrdº dª VmCl- ' '
AO circunscrever e reduzir suas fronteiras. Um nos arrasta para o estúdio do
enfatizar no pintor a diflculdade de
.
'
terminar suas obras e s uam '
d '
lferen pintor, para nele reconhecer a ordem orgânica das coisas, e o outro para
ªnte ()
.
delas, ao tomar por falta de firmeza a
de seusdtieãino extrema diversidadel o estúdio do sonho, para nele reconhecer o que ordena o sujeito dividido.
eresses, e sobretudo ao pressupor um conflito entre a Ambos seguem a mesma trilha, que desafia a proibição de pensar.
investi-
Releiamos, em Leonardo, o elogio admirável do olho, “por onde a
tal de Leonardo? alma “contempla a beleza do universo e se compraz com ela". O olho,
cuãtãtsqdâalªafêãrrliããco Por um lado, de fato, o objeto da “senhor da astronomia, autor da cosmografia, conselheiro e retificador de
refenaessencialmente ao que Valéry chamaria todas as artes humanas. (...) Ele é o príncipe da matemática. Suas disci—
operações do espíritª???
Registros de Leonardo) 3335310? Sªder-"ºf n㺠deixªm de lembrªr OS plinas são absolutamente certas (...). Ele permitiu o anúncio de aconteci-
o a o, a ideia—de
pudessem entrªr em cohflito provavelmente que a arte e a ciência mentos futuros, graças ao curso das estrelas; gerou a arquitetura, a
para Leonardo, A arte d e _ nao tinha nenhum sentido
perspectiva, a divina pintura. 0h, mais excelsa de todas as criaturas de
mais imperativamente pintíar era, para os artistas do Renascimento, e Deus!"23 Todos conhecem, igualmente, a obstinação de que ele deu
e e doque para qualquer
ºbservações e nos conhpara um, baseada nas mostras para afirmar a supremacia da pintura, essa “poesia muda"?l frente
Cientificos. A aliança entre a ciência
& arte
em consagrada Tormentas que era e à poesia, “pintura cega”; frente à música, essa “infeliz” que, forçada a se
“conhecimento supremo”: essa desenrolar no tempo, ignora a simultaneidade oferecida pela imagem
em ª religião de Leo pear âpmtura,
o: E e celebrada a cada página do Tratado de
pintura, Logº não f sentido sustentar, como o fez Freud, (“tornar visível de uma só vez”); e até frente a escultura e seu “discurso
Leonardo teriª sacriª'z nàuito dons artisticos à ciência. que sumário”. Leonardo estava menos preocupado, portanto, em fazer preva-
Valéry, prefaciando o??? oiseus Novamente lecer a arte em que se distinguia do que em "descobrir o lugar onde se
se cansava de exaltar egtstros daquele cuja soberania intelectual não
seu proprio ideal —, escreveu: “Era
— pudesse refletir e representar a conjugação do matemático (demonstração)
Alguém que podia olh mesmo espetáculo ou o mesmo objeto,
uma vez e do sensível (exibição). A pintura era, idealmente, a mais perfeita ciência
como O teria olhado umar'o ora como naturalista; ora como médico
ora das qualidades. Era a “anunciação” que falava da realização do espirito
outras vezes como eâintor, e, nos corpos figurados.
, e dessas VlSõeS era superficial.” Os
“pontos de Vastª” popdqª m e áienhuma.
evram diferir (a perspectiva é isso) Assim, poderiamos autorizar-nos, sem forçar demais a analogia, a
objeto visado confinuava o mesmo: chamava-se mas o
“Natureza“. Por isso, aproximar o projeto leonardiano do projeto freudiano, avaliando logo em
se
seguida a distância entre eles. Freud, apoiando-se intensamente no “eco-
no chamad ' ' ' ,
nômico”, nas quantidades móveis de energia capa zes de investir qualquer
do foi um iª 5281222 gingª?) 30 que no
de suas obras pictóricas: Leonar-
objeto e qualquer forma de atividade, pretendendo-se o fundador, contra
mªs; prefigurundo a maioria das inven«
—
ções modernas _ e não um tor de teorias gerais. Continua a todas as dificuldades, de uma ciência, também tentou reduzir a oposição
nisso que ele nos Zieslu m b ser
entre o inteligível e o sensivel: o afeto era medido, o delírio era decifrado;
.
que nunca passaram pela experiência???rfãtgnrtãâltítªade mm'lftªs' rªZõeS nardo reconheceram equivalências e permutações possíveis entre organi-
unica mestra” que ele reconhecia.22 , expenenc1a era ª
zações aparentemente heterogêneas. Só que o grande X a que tudo
reconduzia, definitivamente, chamava-se, em Leonardo, Natureza, uma
180
AFASTAR-SE DO vrslvm.
PÁSSAROS 1.81.
A ATRAÇÃO nos
nature
adªgª?0,Leiaose Sinais,
' '
que produzm formas, e em Freud, Libido fadada
o ao parcial: o objeto total estava perdido nosos, quando, esgueirando—se no escuro por baixo das cobertas, na cama
, de Catarina, ele se comprimia contra ela com o corpo todo“.27 No correr
dessas páginas, Freud pôde perceber também o enigma do sorriso da Mona
Lisa — e de muitas outras, como se o pintor nunca tivesse desejado
representar outra coisa além disso: “Leonardo recordava sua mãe como
de seu sorriso
' que através de um sonho. Lembrava-se particularmente
, em luta com o meio malicioso, estranho naquele
'
rea v !' v ar
.
.
, .
sua primeira mfancra
. _ .
e, antes de mais nada , a fi tasse discretamente em sua biografia, e depois Strachey na Standard
Edition.32 Mas foi preciso, principalmente, que o grande historiador de
arte norte-americano Meyer Schapiro publicasse seu estudo intitulado
o psicanalista atento e o
& “
beleS misteriosos e quase crimi- Leonardo and Freud para que a comunidade psicanalítica se mexesse.33
Kurt Eissler, sempre pronto a quebrar lanças contra o inimigo, com tanto
182 AFASTAR—SE no VISÍVEL A ATRAÇÃO DOS PÁSSAROS t tu
.“
encon-
“questões novas e importantes ' '
ue se lesse o rote irodeum ime sucesso
sobre a personalidade de Leonardo, pactentes atua is em q'ltima .
questões em que ninguém havia
pensado até então e que ainda não encontraram 'a sua motivação u no filme, e nao_
na
.
historia ,_
ou no imagina no
resposta melhor”, etc. O :lrãrêonhador Por mais
que o
.
historiador
. .
multiplique
.
as refer ências ªos
' ' ' ' verá neles outra coisa
'
única imagem." lmedlatªâ história o descaso de Freud no tocante ao rubro pong sdar
01111111
—
(5333133112) de
outra maneira. De fato, se Freud leu abutre no te
186 187
AFASTAR-SE DO VISÍVEL A ATRAÇÃO DOS PÁSSAROS
lembrança, e se leu a Mout egípcia em Matter [mãe], Como ler essa Lembrança da infância? Como lê-la hoje, engªtª nfcãsrâtxiã
e se, mais tarde,
Pfister, como discípulo zeloso, tornou visível o conhecrmentos ' sobre a vtda '
de Leonardo , que contmuam esc
que Freud tinha lido e ,
enxergou a forma do abutre no quadro, é porque o abutre, sao um ito mais ricas dº
' . _
segundo a lenda, precisados, em que as pesq uisas da iconografia
se reproduz de uma maneira muito particular: todos - da
os abutres são fêmeas que na época" de ' Freud, em que tam bé m a vontade de expansao
-
“
_, cºmºparmtantºs nos tem
Abutre vindo do Egito distante, ou milhafre, ' com sua a d uaçao " a “
rea lá 1 a de“ ou com sua
“
expulsar o pai, para que ele é que se torne ilegítimo? ' porêããez;
Qual será o mais apto e ue também só progndem a través do erro e no exagero. ,
a resolver o paradoxo de preservar a mãe do duacllificaçâo de “romance . ” . .
horror da copulação, ao psicanalítico só é pejorativadaos 01323 (daqui;&
mesmo tempo garantindo ao filho um vínculo carnal lies
como rainha Lªchearrdo gªmeso
não nasceriamos de um simples com ela?43 Porque que nunca encarªm a imaginação '
sopro... ou de um vento? Que estranha en tirm os em ler dessa maneira o ensaio so re ,
história de pássaros! Z:;tsados . _ . .
por seu movimento próprio, pela augáciâ antª?) 333231 3558310
S
demos adnutir.
convida a fazer, nem por isso a diferença será âesafiaª qualÉuer inteligibilidade, como se estabelece a . on-
Ali já não há nada que signifique ordem menos impressionante.“ allagadqgsaçes?
a das gerações, tão evidente nas trários , como chegar ao ponto secreto em que se ;mmmoZm
Metterze tradicionais, clássicas ou populares, nder a essas perguntas, querer delimitar a tgu discussão é
em que Ana era a “matto- ªccesespªariamente - .
na”, a avó majestosa, e não há mais nada mesclar verdade e ficção... e se expor ao desmentido .
que indique um eixo vertical.
Tudo sinuosidade e envolvimento, tudo é olhar
e' '
Se o retrato traçado por Freud é julgado pouco .verwsíísn; çâºo
e sorriso, e o movimento
dos gestos retrata menos o instante frágil do retrato-ou , melhor dizendo, o desenho ou o âsblocço, e
O mistério se toma visível, é mistério que uma serena eternidade.
tásttco ' uanto alguns desenhos de anatomia
.
e
tf; Príãmitamos
ona o ,
encarnado, fusão do terrestre com
_-
descende delas, só um tantinho apressado pelo menino que Ademais e por isso é que foi preciso voltar [ao magâstzlluelsntpodgâz
—
'
r Scha tro o ensaio dá acesso, tanto_ parao istona. o
em se livrar de sua meiga ' —
dominação. '
?;ZiZanalisª a novas pistas para a reflexao. Acaso o hisctiorttªalcllltêr gag?)
_
suas análises mais arriscadas: sim, esse quadro só nossas ªlbedbjetivo entre o fora e o dentro deixa de .mtervrr.. quem poderá algu m _
Gostaríamos de poder ler pássaros, da atração que exerce também sobre nossa lmguagãgipsãã㺠"o
seus Registros fora de qualquer classificação
desordem associativa de sua redação, por categorias, na aparente rumo ao longe? Aqui, é a um outro “profeta , mais próximo
que sempre imaginamos feita às que foi Leonardo, que convém passar a palavra:
pressas, na urgência de dar forma, de dar corpo ao vinha à mente:
palavras, desenhos, chistes, pensamentos profundos que
'
:- ais
'
Todos os pássaros intrépidas que alçam vôo
tes de uns aos outros (os Registros ou Einfalle' de
e passagens incessan- rumoniâºdgãretçâ
extrema distância — claro, vtrá o momento:? em qleecife
:“?
de ioga, sim, mas também controle Leonardo...). Doação Ian3 e e pousarão num mastro ou num m em r. gratos ainda por
,d'
imediato, a fim de manejar o leque com esse rejiígio miserável! Mas, quem teria o. irei“to de concluir
das idéias que alçam vôo e ª?:sguque já não se abre diante deles uma imensa via I'v'aerideesqunístres
eles
partem não se sabe para onde, como os
pássaros.“ voaram tão longe êuanto se pode voar? Todos os
ZSÉZâígh
Por outro lado, postular com o psicanalista e predecessores acabaram por se deter, e o gesto que se detém
8como
que o aparelho de pensar não é nem o mais nobre, nem o mais gracioso. a mªn,“
.
a ti isso
trata, qual uma máquina, dos mais diversos materiais também acontecerá! Mas, que me .importa, e gue rta! 0,“th
sensações fugazes,
—
pºvoa com eles
representações fixas, lembranças, cenas, crenças e pássªrºsvºª'ªº mªiªlºªªº'ª Eªª'ãéªííªr'áíªêãããíalêíâiªafâsascomforça
trabalho de si sobre si mesmo, onde que só pode ser um
—
Pachet ,
fala ª em seu nome. ESCI'C V era O seguinte: A fªlª de Declarei que a incerteza quanto ao sujeito e o mal-estar daí resul—
V
lIlOI'tO ped ti
para falar atraves de mim, como meu pª . tante para nós iam progressivamente ganhando terreno. Ambos atingiram
nunca falou , mais além dª
o auge quando, ao avançar mais na leitura, a alteridade ganhou corpo. O
título do livro, retrospectivamente, passou a se impor como o único
A quem pedia necessário, deixou de ser engenhoso para se fundamentar na infelicidade.
&
para falar
dificul da de em se perdoar por nãísíâãªçlyªw'a sepulta'tAo filhº, que tinha
.
O pai, na verdade, fora atingido por uma doença sem nome. Ela afetara
sua visão, depois sua memória, seu pensamento, e todas as relações.
Obcecara-o. Sim, essa doença não recebera nome: a princípio, tentamos
dar-lhe um demência pré»senil, afecção cerebral —, mas essa necessidade
—
morte fez um ausente definitivo, e qu e talvez de designa-la, sentimos, destinava—se apenas a nosso próprio apazigua-
daqutlo que se chama vida? Sim ei sempre tenha estado ausente mento. Leitor como o filho, como Pierre Pachet, recusamo—nos a nomeá—
, s-nos tambem convocados a
rumo à ausência. avançar la, sabíamos que haveria nisso uma fuga, que o nome dado, que o
Temí ' " " diagnóstico neurológico ou psiquiátrico não faria uma brecha no muro,
belo, tao
não pªssassglàí (31:21:33?an
1
perturbador, tão rico em ressonâncias
1c10. Temos. conflrmado mas, ao contrário, o fortificaria.
em que se d'1st1ngu1a
. ' num primeiro momento-,
essa “autobiografia” de uma É que esse homem estava dentro de seus muros. Um homem murado
biografia? Que a
190
em seu silêncio, ou uma fala murada num corpo? Esse outro, esse estranho
192 AFASTAR-SE DO VISlVEL
ÚLTIMAS. PRIMEIRAS PALAVRAS 1.93
'
ue
ª, “o [1511112038
;;;: ªtªlhoesmo.
tornou-se, sd que corporalmente, cotidianamen-
Meu cerebro. tornou-se um estranho grafias que continuam a ter como protótipo, na França, as Confissões
de
mim, comunicava-me para Rousseau. Contudo e isso é justamente um traço que as diferencia das
—
recordações vagas, quase
sempre incongmemes (comhfondescendencra Memórias —, não serão as autobiografias sempre movidas pela vontade de
conhecidº, incoerente, indomílniªfíªªtªíildlbfgsgeíggl num eSpªçº dªs. descobrir a nós mesmos e de descobrir nosso ser, através da recusa,
ram essas as a - sucessão dos
"ªs do ͪhgãfaãanlíiopelo pai,. tentando, num movimento
.
a mim,. vou dizer, e dizer tudo. Meus atos: é meu coração que
: os casos, e restituir um desnudado: “Ninguém no mundo me conhece a não ser eu
nem
. ,
meu coração
galavrgstgãísãgzrfªo e, em ultima instância, de inventar, conformíuaª
, . _
mesâgsemeorsa foi
quanto por nós projeto era antigo, e inúmeros eram os estímulos vindos de terceiros
—
quando fingimos desservir-nos na difamação
na confissão das infâmis, atá, as vergonhas. Sermos a publicação de um libelo anônimo (na verdade, de Voltaire)
revelando
autores de nossa própria
orªção fúnebre sem as, de ao mundo o abandono de seus filhos.5 Uma injúria (injuria, recusa
de
comº o herói (je umotsexestemunhas nossa morte, podermos escrever exigia menos reparação em
o pouco conhec1do de Zola, justiça) que, vindo depois de tantas outras,
anúndo: “Foi num sáb d 0, que começa peld confissão
mesmas
horas da manhã, que morri.”3 Dizer que o prescrito se tornasse acusador do que confissão, mas
respeito de nós aslseis
as rimas palavras: esse desejo, essa fantasia
o completa, confissão que fosse toda feita de luz: “Eu gostaria de poder, de
certªmente é amªnte M :; algum modo, tomar'minha alma transparente ao leitor:“ a fim dezque ele
o mesmo modo, dizer de nós as primeiras '
palavras, e com isso. así“azer o desejo si
pudesse julgar por o princípio que a produziu.”
cuja contradição interna toda
autobiografia ex erimsans. autor de minha vida (autobiografia Transparência: Starobinski fez dela o termo chave da iniciativa de
de meu pai, pai dª mijª?" fazer“-me
lª...), e me fazer autor dela inclusive ali Rousseau. E a pareou, justificadamente, com obstáculo. Com obstáculo,
onde sou mais assujeitad 'rogra e não com seu antônimo, que seria opacidade. que, para Rousseau, nada,
É
o. wo es war... e, como perspectiva, funciona
comº se me fosse permrtldo ser o autor da linguagem. Grafia: o eu se por menos que se dissimulasse deliberadamente, constituía de dentro um
obstáculo à transparência. 0 obstáculo estava fora, como as portas da
cidade de Genebra, encontradas fechadas certa noite, num incidente de
juventude que, a lhe dar crédito, teria decidido seu destino. O obstáculo
Autobio r e o inferno eram os outros... A alusão de Diderot de que “Apenas o mau
É;
' ' '
proponhª gla registro obituário e/ou ato de nascimento? 0 que
issesrá
e solitário” (alusão feita, ainda por cima, em Ojilho natural), Rousseau
acerto por todos no
autobiográficos (1:11 ossa epoca. É mais que concerne a alguns escritos retrucou: “O inferno do mau é ficar reduzido a viver sozinho consigo
difícil reconhece-lo nas autobio-
mesmo, mas esse é o paraíso do homem de bem.”
194
AFASTAR-SE DO VISlVEL ÚLTIMAS, rmams PALAVRAS 195
&
como a sinto, como a vivo, sem realmente nos dá uma emoção diferente da presença do próprio objeto
rebuscamento, sem cerimônia sem me de
, embaraçar com a bizarria. Entre- (...). Ao ver uma pessoa aflita, dificilmente vos comovereis a ponto
chorar, mas basta dar-lhe o tempo de dizer tudo o que ela está sentindo e
A paixão precisa da linguagem; é
logo vos debulhareis em lágrimas."10
* .
Devaneios de um caminhante solitário. (N.T ) ela, mais do que as exigências da vida social, que a inventa. “A linguagem
196 AFASTAR-SE no vrstva. ÚLTIMAS, rumam PALAVRAS m
fi ..
a primeira
I
.
a nascer; o sentido º
d 5333505 paixao precisa do
próprio foi o último a ser impossível, a palavra reúne três termos que são todos problemáticos: auto,
ada tempo e do desvio, precisa da metáfora
Re bio e grafia. Não basta dizer que o pensamento moderno, a começar pela
cadceci); ªªa: Cprgfissoes, mas agora isso assume outra importância'.
psicanálise, fez recair a suspeita sobre cada um desses termos. Combina-
uma en tmentos , uma cadeia de patxoes.
diríamos'. uma cad ela.
.
'
(Por nossa vez ,
de representações cade“1a de s1gn1ficanteS'
' '
' los num só parece ainda mais absurdo, principalmente aos olhos dos
.
. ,
cadeia?)
só psicanalistas (de outro modo, para que serviriam eles?). Mas são justa-
1853115 5:38:33 ttr'ocar [de Toma—se então compreensível 00111110:
mente essa suspeita, essa impossibilidade mesma, que estimulam o tempo
, .
e ormu ar, quanto a sua meta du as
mente contrarias- “ Aqut. é de m ,
'
proposr ç oes a parente
'
' —
"
lâmina de
pode eo nsumar-se or uco ue sorriu gentilmente: “Mostre a língua.” Depois, expôs a um
d elxe seduznr, sem nele se reabsorver,
pelo mito de Jafa ligªva niiltui'jle
_ _
_
estejdz:ª por
toda p arte e cada vez mais (a menos
que sejãeããlgàêãgm
encerra num “gênero” a q ue deva ºbedecer). Nº
,
romance: vejamos
. , '
Mila
como '
n Kundera, em seu últim o llVI'O re ' linguagem pudesse ser salva. E então, roubada, perdida ou cortada?
—
'
ªiªtpásiândgtgorâance, nas multiplas formas que este assumiu, ,desãgçâiª_
.
Certamente ameaçada, no caso de Elias, por ter esbarrado na proibição de
_
govenllgnrposszrel: mas tudo que nos interessa é “impossível” educar Não obstante, se Canetti pôde intitular seu livro de recordações de
—
foi a de
alemão e não es anh [ cuja demanda manifesta foi o reconhecimento, e cuja expectativa
bulgaro, como era comum. O pequeno Elias sombra da morte.
desconhecia o alpmâºo Pou um novo nascimento está — inteiramente marcada pela
recusou a elucidar, por mªdobeãhgdlenlgoâshrªnhd) fânômcnº que ele se O exemplo mais evidente nos é oferecido por 'Age
L d'homme [A
. , os, e estruir o ue— '
de .
livro foi um modelo para
tenãªlãelãããlãiofotrºdês as suas lembranças, inclusive as dzisqcenfllsixiilizl idade do homem]. Em minha mocidade, esse
verdade,
stemunha, as dos contos apavorantes com que seu mim. Eu ainda não havia deparado com a análise, pressentia, na
meiº infantil () embal ilusória, tinha esgotado as delícias e o aca-
hºrror do Sécmº t(ªndava, e que antecrpavam sombrias e vermelhas 0 —
— que & autotransparência era conservava a
a a vrolencra e a loucura lhe vinham à mente brunhamento da inupspecção, esse prazer solitário, mas
em
palavras alemãs ,“Es convicção de que dª autoconhecimento estava ao alcance de quem o
mmm], n㺠tento eâªãâfâííªí ?âpªlííãíªàªº ɺªãººmº'º'ªmºª” ou menos cartesianos, tinham—
e es mu ando ou di desejasse. Nossos professores, todos mais
cendo em
nos ensinado que não se podia duvidar da própria existência, mas que,
—
'
ou tr a c oisa a não ser Isso
.
.
_
que, apos minha leitura dinªsãªgºh naº
.
do homem. Continuo a consigo
considera-lo uma obra-prima, no
talvez seja essa sua falha principal,
que ele persegue infalivelmente —
e
' '
encontrei nada de mais p temente a fazer senao, po r m ' , ao
' ' ” proceder a u m invcntáno .
esse domínio contínuo o projeto de
— encontro de minha “ Áfric a fantasma ,
cons—
enunciar, em suas camadas e suas dobras, uma '
cienCioso
'
de minhas'
fantas ias .inconsc1entes(.), . ' 19 reum't à mmha .
mªneuª,
.
que convém aqui, pois o limite que obceca Leiris é da ' '
diferenciaria apenas pelo fato de o personagem p
'
, ªo
a única marca irrecusável da finitude. Com o morte: para ele, “ ” ”
menos idealmente, com o autor. Mas o prefixo auto , o ãempoma: to se
&
a linguagem, acessível ao
duplo e ao triplo sentidos, à infinidade de médo
assenhorear-se dela: “glossário, nele estreito
sentidos, ele pode brincar, pode assim me posso expressar e que nao se deve ͺnqunvirdíoquando
—
! um
ao inconsciente (desculpe, Canettil), navegar na galera! Quanto megalomaniª, afâtâgââomªis
com a linha de separação que ele coeficiente de «escassez de realidade”, mais forte] e iºuitrruos.
instaura, Leiris julga possível, esse velho
surrealista, senão domina-lo, ao perturbador dº q ue quando se trata da e xistenCia os . . forçados ª
menos delimita—lo. A idade do homem e' uma ' ' _
por isso mesm o lhes garantimos uma identidade , nao temos
tentativa de objetivação do ' ' ' _
senhor. Conhecemos seu pesar, a obsessão escravo. Mas a morte é seu de ser um simples meio de dizer o objeto, ela emfsr e oi 38111716; Ereditando no curso
que o atormenta: “Não posso, da enunciaçao. '
' ' eu me escr evo. Onde esta' o re eren c
propriamente falando, dizer que
lenta ou não, só assisto a uma morro, já que, morrendo d dedicar-se' ' . '
a sua afirmaçao excluswa, a manifestaçao de sua diferença,
-
. _ .
raramente, pelo menos naquela época ilustrªtivos de Montaigne, Rousseau e Freud, ao papel da aluna .
de nª
(1939), a confissão de um imaginário íntimo, de
e de uma gramática imóvel tivesse sido um dicionário particular experiência de si).20
levada tão longe, o autor não
estava presente, quer dizer, o autor no
narrado, descrito, dissecado, e não o sujeito presente; a “auto” ali é o objeto De que sucessão de lutos é hoje portadora a autobiografia? Creio-os mais
falante, escrevendo, divagan- à flor da pele do que no romance, seu irmao mais velho.
202 AFASTAR-SE no VISIVEL 203
ÚLTIMAS, PRIMEIRAS PALAVRAS
lhe atribuir um começo? A toda gênese faz—se necessário um primeiro dia vras, ”minha vida', sem conter as lágrimas”, nem dizer “eu mesmo” sem
uma série de primeiras vezes.
' , rir às gargalhadas do espelho, que resta ao infeliz autobiógrafo? Talvez
Essas perdas não deixam de ter efeito na narração. Não tendo apenas isto: traços que lhe retornam da folha em branco, traços que ele
. não sabe muito bem se deve inscrever no presente, ou se já estão inscritos
ninguém a convencer, nenhum deus a quem rezar, nenhuma evidência a nele, e que não espera que lhe restituam um Eu ou lhe dêem a vida; apenas
impor, qualquer narrativa autobiográfica tem todas as probabilidades de oferece a si mesmo a ilusão de não ter perdido inteiramente nem um nem
se afigurar uma ficção mais pobre do que o romance, que ao menos tem a outra, pelo menos durante o tempo da grafia. Porque a transferência da
o meritode pôr em cena, com a variedade de seus personagens uma— escrita, assim como a transferência analítica, não é simples reporte nem
multiplimdade de egos imaginários, ao passo que aqui existe apenas um reportagem. Ela cria um outro tempo e um outro espaço, que provocam
e sempre muito apaixonado por sua insubstituível singularidade. Duran to; novos objetos.
muito tempo, a narrativa autobiográfica pôde encontrar seu modelo na
ideia poderosa da Bildung: através de uma série de provas, de experiências “Em vez de me deixar entrar em desespero”, escreveu Van Gogh a seu
do estrangeiro em si fenomenologia do espírito ou anos de aprendizagem
—
irmão Téo, *tomei o partido da melancolia ativa, porquanto tinha o poder
—, o eu acabava por conquistar sua própria identidade, afirmava-se
como da atividade, ou, em outras palavras, preferi a melancolia que espera e
o produto dessa formação, que aqui convém entender em seu sentido aspira e procura àquela que, morna e estagnante, desespera.”22
amplo,'Simultaneamente ético e estético, de acesso a uma forma plena Melancolia ativa: intrigante aliança de contrários. Essa carta data
onde a invenção e a tradição, o exílio e a terra natal consigam, ao términci
de julho de 1880. Van Gogh conheceu então uma “fase de mudança”23 da
de uma longa viagem, constituir um só.21 Também da Bildung tivemos
qual pôde sair “como que renovado”: efetivamente, do evangelista nasce-
que fazer nosso luto, bem como o de uma psique que pudesse apreender-se ria o pintor. E essa carta é uma das raras e foi a primeira a ser escrita
— —
Perder de vista
,
&&
palavrªs, a seremditas em duas línguas, mas con'ruma única mun».
lutos, e como que tomada pela “melancolie mui OneStlmmªdª por seus
&
cªiaíitovfie 3111521136 :::tu'ªr
transmutação do objeto perdido em espaço
11!
'
pais de fundo” distante do país, um exílio voluntário. Uma dªtinizlãgnê Um homem que desde a juventude dedicara sua vida à interrogação
realmente o mínimo nesta situação, que corre o riso 0 de filosófica, um homem de linguagem e pensamento que, segundo confiava,
ser apenas when—mmm!“
tivera a tara oportunidade de fazer de sua paixão seu ofício, perdeu a mãe.
autobiográfica.
Por longos anos ela conhecera o sofrimento no corpo. Um parente desse
filósofo, tentando, na banalidade que se impõe nesses momentos, mitigar
-.
ii
não tolera a imprecisão. Mantém o objeto a distância, dizem'. “I saw God, she is black." Fºi. um norte-amentc'anq (NÉ: irmã-
exige que ele seja
inteiramente visível visível, mas não vidente, pois ela desconhece trong). Aquilo que
' ' '
nao vejo , afirma o olho que a ecniea . rn ta
' Aco ntece ques ó acre di tam os no
—
a ' ' .
eXiste.
reciprocidade, exclui qualquer troca. É o olho que observa. E, quando o pod CIOSO, nªº e Xiste. O que vejo,
. E a cada um seu
'110
olho não basta, e' o microscópio. ue vemos porque vemos aqu em que acre d'tamos i
(c]redo secreto (She is black, porque
.
até o credo e 0 m etc
A invenção do microscópio (composto: diferente da , divulgado ou!
lupa) deve
mais ou menos contemporânea da do telescópio (de reflexão: diferente ser
,,
lapsos...). ' .
da '
Skopein: observar, examinar, julgar (as vezes, espiar). Skopta diª?"
_
-
luneta). Uma visita ao Museu de História das Ciências, em
Florença, a E um cetico (a raiz
dois passos do UjYízzi, vale o desvio. Ali se vêem na a torre de observação. que vem ser a érª mgrsoibin
expostos, entre outros
instrumentos, microscópios e telescópios admiráveis, feitos de materiais '
ao a uele ue observa, passa pe lo crivo
tsiílílhescªlualqger vôo impulsivo e denunc1ando-os como ilusoes de otica ?.
nossos pensamen_ os, , . -
.
.
.
é a janela do corpo humano, pela qual a,alma é que todos os debates que agi taram por tanto tempo os a respeito
contempla e desfruta das ' '
.
ou da anteriorida de deste ou daquele sen ndo _ uns se
' ' '
belezas do universo, e suporta essa prisão do reeminenCia
corpo que, sem ele, seria um .
iiiilclpinando
pelo tato ou pelo olfato (Condillac) _ hºj e
_
pintores, com
9
uma
'
predileçao ' pelos
'
pintores que romperam com a s “leis”
que traduz o grego op tike' , ciência
mente limitados. Mas esses instrumentos, justamente em decorrência de ' da visão).
tiva nome latino , ' .
suas explorações ver melhor, ver mais e mais longe, fazer com dEaissãngãongcf toda obra, desde Le de
—
de a sua dente Cezdnne [AFUVIdÍ—
que se
de Cézanne] redigido em 1942, até o seu último texto, oeil etl espriix
veja o interior do corpo e o do nosso reduzem a visão ao escópico. L
—
O
ganho, para a ciência e para a medicina, é imenso. Já não funcionamos às [O olho e a mente] (1960), passando por
Le langage indirect et es vo
cegas, aquilo que tomávamos por eorpúsculos indivisíveis revela-se com-
posto de elementos discemíveis, o imóvel é agitado por movimentos
incessantes, e a fronteira entre a matéria e a vida se assim como se " ' la é ne ra.“ (NT,)
reduz hoje, graças à extensão da noção de “código”, apaga, :* .
Dílxgtszvsíeptikoí pensativo, e de skeptomaz, olhar em volta, examinar.
.
(NT.)
o corte entre a ordem
208 AFASTAR-SE DO VlSÍVEL
/
,,
PERDER DE VISTA 209
silêncio] Foi no são exata no conteúdo visual do sonho.” Exprime-se de acordo coªlizãº
estúdio dos pintores meditando sobre seu trabalho, sobre(1952).
o trabalho da poética de imagens no sonho. Enuncta—se de outra maneir'fa. nasse
mão, mais do que ntemplando suas obras acabadas,
que ele buscou a formações do inconsciente; lapsos, atosilfªlsriqãvsªrgaesfôgsnêmºs
(mºª
resposta para a pe uma o que e' ver? e, nessa pergunta, a via de ' ueci mais
acesso a isso é como
33335: gªlaas imagem (ªonhada
todas as demais,,fnclusive o que e' pensar? es o, se, ,
do que pelo relato, e mais mªltª-111313;
_
nas obras de arte dissimula. Pode—se interpretar um sonho, mas nao se interpre um
visíveis quanto nos textos que Freud
encoptrou aquilo que desencadeou ma.
nele a exigência de pensar, como se ele tivesse - '
que se livrar do fascínio
. .
Segunda hipótese: a relação entre o. visual e o mqomcªrgªnzgne
"
m I
“&
iii
através da observação (o Moisés de S. Pietro in
Vincoli), do mistério contingente, mas essencial. A Via regressiva tomada-pedo so ressáo
através da investigação (a Sant 'Anna) e do encanto
através da interpreta- foi
W ção (a Gradiva). Mas, a principio,'ele se deixou arrebatar, juntamente, regressão para a imagem Visual (a_noçao e regra
imagem, um movimento ou um andar, numa captar por uma ão
inicialmente introduzida por Freud em sua acepçao topica) e a . çi ag; lo
captura que é a única passível
de provocar o despojamento de si e a falência de recalcado. A atração exercida pelo _recalcado, portanto, estátua [%]-endà
qualquer pensamento atração pelo visual. Ao final dessa Via, ficticiamente retraça arpmo1
garantido. E Freud, esse não-visual que um dia se emocionam
com itiva da
Charcot, por sua vez um grande “visual”, guardaria que encontramos? A identidade de percepçao, a alucmaçao p
de casa, em seu consultório, ao alcance do por toda a vida dentro experiência de satisfação. A imagem visual, e mesmlo quaraqªna re re-
olhar, as obras que o haviam 555
fascinado, encantado e inquietado. A Bíblia legada pelo sentação que se da a ver, tenderia, sem Jamais alcança- (a;, paºr nª; da
ilustrada. Em todas as páginas. O Livro pai era uma biblia coisa em sí, tal como esta pode ser representada, fixa a, .p cena
que ditava a Lei era um livro de cristalizada por toda a eternidade. Como o ícone, ela serrariª:lenos umª
figuras.
seria o
Em seus escritos científicos, não foram
os pintores que Freud
“ºrºªºª'ªºªº dºmª? dº ª"? Sãº; à'iíâífaíãaífããããâofa ; religião
lei a e ora ao e
convocou, mas o sonho. E nisso, no que concerne ao estatuto do
ficamos na ambiguidade. O sonho, visual, $$;ch ãZrÉcÍssasgmemórifs? François Gantheret, . interrogandot—ªsttâ:l 8521":
como se sabe, embora comporte o que poderia efetivamente fundamentar, alem da Simples cons enª es,“:
ocasionalmente outros ingredientes, e essencialmente
composto de ima- prevalência do visual em nossas representaçoes, acentuog Vivarª-reªlizado
gens visuais. Essa é a constatação, mas, como interpreta-la?
Há duas hipóteses possíveis, de igual valor. ponto: “A representação”, diz ele, “na medida em que e o esejo
Podemos afirmar que, “ªº “ºm ººmººº' ”º“ do ( ) É
ao se apresentar como visual, o sonho faz obedecer a
uma condição, a ' “fªrªº“ ºªºªºsããáâbªãâãí'âêªãí
resenta ão visua o erece essa
Íãfªêfãffguàim
condição de figurabilidade: já não tendo a seu dispor ?;oalfãâado, regresentação da . .
articulada nem a motricidade, só restam àquele nem a linguagem rea lização do desejo atemporalllpâenàeêiàu;
que dorme, para falar e do (vor-gestellt) dianzte de um sujeito que ah suspende seu o ,
para se mover, as imagens. Assim, ele passa a falar
mover na sucessão delas. Em suma, faz da necessidade por imagens e a se todo e ara sem re."
uma virtude. Prodemos ãesfazer-nos .
Virtude, sim, porque o cerceamento a que ele fica submetido de nosso desejo de analogia. entre o
sertãrio
como pode fazê—lo a submissão às regras na poesia, favorece, visível? E deveremos desfazer—nos dele? Entre as duas hipotleseiâtêcun-
a condensação e o zadas pela Traumdeutung - a da representablltdade como conrilãçãurªme
deslocamento. “O desejo sexual”, escreveria Freud,
“encontra sua expres— daria, específica apenas de um aparelho psíquico que so O
2 10
AFASTAR-SE no VlSlVEL
PERDER DE VISTA 211
fazê-lo porque me foi permitido, inicialmente, Permaneço calmo ao ' horizo nte da cºisa, seu p ano de
ser eu mesmo um caos. prCCISO desapre nder a ver para que o
fundo, se de' a ver em seu imedia tismo , para que o mv isível apareça através
' ' ' '
Essa e' a mão materna. Diante da superfície branca,
era frequente eu ficar
do Visível. Tornar Visível, diz Klee: logo, havíamos per. d'd i o isso que
' '
trêmulo e tímido. Mesmo assim, eu me sacudia e W.;»ww—nu—l—
'
me obrigava à estreiteza tivéssemos tido ,
das representações lineares.”3 Caos, ' '
ter diante de'nós. Pode até ser que nunca o
porém na calma, quando a mão pensªvamºs ' ' ' ' .
Visão do e a
_
materna o contém, medo e im'bição diante da superfície em branco nunca o tivessemos Visto,. nunca Visto nascer. A pintor . -
da tela, . -
da página... ou da sessão, estreiteza das transferência na análise dariam lugar a isso. A Visao como perqaoiªe- “Sªo:
, _
'
cego Vidente, vendo q, qu e a Vista oculta na ev1 encra ,
desenho, no grafismo. Só
que, justamente, como mostrou Michaux num texto esplêndido, a
linha,
'
eiclo dotado nao de um ' olho amenos , masdeumo 1h oam ais?. O .
ciclope
deus do
para os seres humanos, o que tem apenas dºis olhos, o
.
em Klee, é uma aventura, e não um traço que delimita. tamlbíãm,
Ouçamos'Michaux: é
"A linha s'onha. Até então, nunca haviam
.t'wvngvimf-
ue
apaixonada e atual. Uma [faíââãgda
que, à sua maneira, disse a si mesma os meios de ver e de conduzir
o amor pela psicanálise essa aventura de linhas. para '
se 'impoe. Da filosofia, da literatura , e conceb ve . as em se . _
' ' '
apenas como um d o 5 modelos d a Visao , uma
' '
que aqu i evoco
— —
plntura' —
'
Mas, quanto a essas linhas, tal como não lhes podemos ' ' l queri dela de progresso ,
_ _
- e,
0 13301130
caso) visa a que a É: nigga 313%
representação linear ou a representação verbal não seja
—
—
pura perda, a
'
desvmculavel ' '
da representaçao, masestáinc ut one a, o
attle qàie
,
que algo do “caos na calma” esteja presente nela, a algo que contradiz nossa exp eriênc1a imediata, a da. reve aça , ª q “elª que
.
' _ .
l _o
que a mão do pintor
faz com que possamos, sem nenh um esforço, sentir—nos e ontem p erªmos
A
"
nos fornece de em relaçao
uma amostra, em suma, suportável. de representações. ' É verdade q ue
_
eXistem revoluçoes
. .
_
_
.
pic«táticas (por
- da
menos que isso seja proc lamado , mesmo aSSim eXiste), r evo uçoes
' ' 1
“A arte não reproduz o visível. Ela torna
visível.” O axioma que ' ' ão , testemunham e as vezes . ªmem p ªm -
_ .
abre a Confession cre'atri'ce [Confissão Visao que, como "toda revoluç
—
't
_
modelo
(“duas línguas diferentes”, o texto original e o texto traduzido) e o
da expressão (Ausdruck), Freud não hesita: o primeiro se impõe. Ao ler
ver 6 am
” aa
,
6
f
trmar que nao há na dª pªrª
-—
a sencra e a presença, o falso e o verdadeiro. Com fiquei tentado a puxar a coisa para a composição pictórica (ou musical),
pseudos oc o trompe-l'oeil, 0 desmentido sequência da exposição freudiana. Na
“
o que certamente
é pela
semblanligª 50352: tenção a custa da mime'sis. Passamos da semelhança
ªº , sem ante a que Laca n re d uzma ' '
pro ressiva
verdade, as Fú'gungsgesetze são leis de ensambladura, de montagem
são
de
sua come pç ã o do imaginario, de marcenaria); aqui, para
peças fabricadas (Fâgung é um termo
. . , . .
mmto embora sua teorizaçãogdo estágiãxtlltã
Freud, as leis de uma junção de sinais, e Strachey, que as traduz por
não
syntactic laws [leis sintáticas], sendo nisso lacaniano sem o saber,
está equivocado. De onde veio, portanto, meu erro apressado de leitura?
Ao evocar há Terá vindo de eu fazer questão de manter uma ambiguidade onde Freud
hipoteses que a Traumdeutu não a revelou, inteiramente tomado que estava por seu desejo de tornar o
terei formulado bem o problema? Não sonho, com exceção de seu umbigo, interpretável? Para ele, a imagem
te É
oferece um sentido, mas esse sentido oferecido oculta o sinal. engana—
que lhe seria não leva à derrota
- deslocamento,especifica
, ao tom dor, trapaceiro. Acaso a denúncia do culto da imagem
por certo que as outras
daria _ funcionariam em
—
condensação, elaboração secuiif de qualquer imagem visual?
ros da mesma maneira e obedecendo
às mesmas leis? “O trab a lll“o do lugares, Essa ambiguidade intrínseca é algo que reencontro nos processos
sonholimita-sea transformar.” Seja . Mas
qual é a natureza de
transformaçao que o sonho faz ºs pe , descritos. A Entstellung: convirá considera-la como uma transposição,
sofrerem? A tespostassª
. qàie se
da essa pergunta não se limita ao sonh uma translação (translation, em inglês, equivale a tradução), uma passa—
a_
ou como uma
como tal , e menos am a a maneira como convém utilizar
o sonho nb) gem de um registro para outro, de um código para outro, de
modificação do volume, do conteúdo? Ver nessa mudança lugar uma
traduzir Entstellung em francês) não
deformação (termo proposto para
,, T écmca
.
de pintura
. . . resolve o problema. Podemos dizer de um texto que sua transcrição o
que, a distancia, da uma ilusão de realidade
uma espécie de “tapação do olhar”. (N.T.) e em pªrticular. de Elevº -
deforma, e posso dizer a meu interlocutor que ele esta' deformando meu
El Greco ou
pensamento, mas não no mesmo sentido em que digo que
214 AFASTAR—SE DO ZIS
vrstvizr. PERDER DE VISTA
"g m q
l ,
,
, istº é '
, uma soluçao que V enha mais .
no pamleloªranil: cÍ'o;_nprorr,z,i.s'so, ne
da imagem mês“ima
e orças , o mecanismo do
e deslocamentoº “No! lembranças, e esses traços são secundariamente representados sob forma
, originariamente justificada sobrevém outra imalglâl plástica e visual. A consideração à reptesentabilidade só funciona no
,
g sonho. Os traços se inscrevem, a lembrança da forma. Ela representa,
não ter
numa sequência ordénada de imagens, traços pontuais que podem
em si nenhum conteúdo representativo e que, tendo sido gravados em
-nos a isso, de nos contentarmos 'us
te com o ue de -
circunstâncias e épocas muito diferentes, são passíveis de se combinar
toda lembgançífgulitísriznªdo
lnlClO como uma
resposta inzldeãllalâª'
entre si, por condensação e deslocamento, segundo leis e segundo uma
lil
rw
gemis, é extrem amente convmcente: que em t ermºs
_
. a de que não temos lenibran cinho da impressão, algo como a impressão leve deixada por uma pegada
não conhece
na areia, mas já uma perda, já o impresso. Ora, o impresso
outra matéria a não ser os sinais. É desprovido de qualquer referência ao
sensível. Reencontramos nossa pergunta: será a tradução uma mudança
de
de língua, de código, de registro? Ou será uma mudança de estado,
Será ue '
à fºrmaçãoqdª iliâgãfaãsfumam nessa concepção alguns traços essenciais
regime, mutação violenta, metamorfose, exilio num outro lugar? Inclino-
a começar pelo dele próprio me pela segunda hipótese.
Freud nos conãdencia??'encwndorª, que
ao retomarei a análise da referida
lembrança tal Na própria análise da lembrança que nos é relatada por Freud, em
comº feita pºr Freud ret
seu conteúdo, não faltam indicações de lugares e de rupturas com
os
Granoff. 12 Indico gªs Oíllada por Didier Anzieu e seguida por Wladimir
ª ªedes guns traços. estruturais que concemem à lugares: Freiberg, a partida forçada, o retorno aos dezessete anos à terra
psíquica dº visual função
natal e, três anos depois, a visita a Manchester. Lugares sempre evocados
&;
,
su . . - sexual: arrancar
sofíleãlgokoexcessivo da excitaçao recomendando
as flores O im
o rigatoriamente a morte do sensivel, do visual: suas atribuições anteriores. Ele chegou a esse resultado
na China clã-:$ de das linhas gerais de
, que se desviasse o olhar da impressão conjunto ou
de detalhes
um quadro e se pusesse em relevo a importância característica
secundários, de bagatelas como a representação das unhas das mãos, dos
lóbulos das orelhas, das auréolas e de outras coisas que o copista se
Detalhes. todo artista executa de uma maneira
do que ºugítallhzsdtâieamtognam uma mulher mais desejável (ou o inverso) esquece de imitar e que, no entanto,
etermmado objeto de um valor inestimável e E Freud conclui sublinhando o parentesco entre esse
sobretudo qu,eqnºs que o caracteriza.” ela esta habituada a
estarmos lidando com o original, com, o procedimento e a técnica da psicanálise. “Também
único. (Entre Parêntgarantem
eses, será possível dizer que existe original de um adivinhar coisas secretas e ocultas a partir de traços subestimados, a partir
temo?) do refugo, dos dejetos, da observação?” O parentesco é sublinhado, mas
O - - do visual.
tos, de
2332112128 3125130 fragmentos. Nossa memória é feita de fragmen— o que não se enfatiza é o fato de ele ser reconhecido no campo
os, e e por isso que, como as minas, está
Se, por curiosidade, vocês se reportarem às pranchas de Morelli,
em condições,d e a le sempre
imentar nossa nostalgia. Mas ela é estimulada excitada entrarão, não numa galeria de quadros, mas naquilo que, uma vez figura—
por detalhes e por é
ISIS? _que também desenha nosso futuro. Então se pode de objetos “pequeno a”, como se a
estabelecer ; e mamfesta no caso da lembrança encobridora
do, poderia parecer um repertório
em
figuração transformasse o detalhe sensível, mas despercebido, frag—
entre lembran çqrizafencia,
antasra, ambos colagens, montagens quimeras : mento; ali verão desenhadas sequências de orelhas ou
de dedos, e indicada
artifícios que norteiam
.
e desnorteiam toda nossa vida, tornando-a
cada a posição e a flexibilidade de cada um deles, com uma atenção idêntica à
de Freud em seu estudo sobre o Moisés, estudo realizado com uma
verdadeira paixão pelo detalhe. A preocupação de Morelli, preocupação
todo Zªíraããenâgs, somados, reunidos, permitem a reconstituição do do conhecedor de arte, bem como do clínico, foi identificar indices tão
p, _endo ate pretender valer pelo todo (cf. na literatura do original, índices que não
ªf(,)tísmºq seguros que pudessem diferenciar uma cópia
O a maxrma, tao bem denominada,
que transmitida toda de Filippo Lippi, os lóbulos de
, a,
enganassem (os dedos de Botticelli e ainda menos
S
Signorelli, só faltou o pé de Zoé Bertgang), e que fossem
enganadores por terem escapado ao artista, tão absorto na figuração
Assim, o era negado pelo olhar voltado para o
Ane publicou, numa revista alemã de História da
<ªtingem;r8ttl>4Leiinsr<71lleff quanto o espectador. que
inicial
Schvvarze
e
6, umasérie de estudos traduzidos
por um incerto todo foi evidenciado pelo procedimento de Morelli. A justificação
A1 guns
do processo foi policial: tratava-se de identificar. Aliás, foi mais ou menos
“. anos depºis, o autor se desfez da dupla máscara r
trás da de Polícia de
na mesma época que se aperfeiçoou, dessa vez na Chefatura
] italialri?)
Morelliêãnds: shalria disstmulado.“ Tratava-se de um medico
o
warze equivalente de seu nome, do qual Lermolieff Paris, a chamada “bertillonagem”, a partir do nome de seu inventor, que,
constituía um anc imperfeito). Freud leu Morelli, havendo em sua irritado com a precariedade dos depoimentos humanos e com a pobreza
d::grabma
biblioteca uma 5 o ras dele, com sua data de
aquisição (14 de setembro das descrições inspiradas pelos rostos aos empregados da Chefatura
de 1898) É de identidade, que
recprglxldvel que o conhecesse antes. Prestou-lhe uma homena- (“forma oval”, “nariz médio”), inventou a fotografia
gem sem. sua dívida para com ele, no considerava “infalsificável”. Ela era o melhor dos indicadores:
segunda se 5: d eget plenamente começo da (já!)
identificado nessa imagem acu—
própíio ng Moisés de Michelangelo”, que publicou
disfarçando- “Todo ex-condenado está obrigado a ser
se, ele (estranha concordãncia com Morelli usando satória”, escreveu alguém de sobrenome Lacan e prenome Ernest na
um pseudônimo: ªmªrga]? se fizeram inv1siveis para revelar o década de sessenta do século passado.16
“She] não
que capta 0 01h al('))i'nens
Poderíamos perder o rumo se levássemos longe demais a analogia
“M ' ela merecesse
eu pudesse ouvxr entre o olho clínico de Morelli e o olho do policial (embora
.
falar em psicanálise”, diz-nos
Freud , “tZÃZiÉytãlsl que lado de Charcot: as poses e estigmas,
ferimento de que um amante da arte, de nacionalidade ser estendida, principalmente pelo
russa Ivan Lerm ie , havia. da Morelli não é Bertillon. De sua parte, é mais
européias ao revo provocado uma revolução nas galerias a iconografia Salpêtriêre),
ele
a imagem que ele coloca sob acusação. Os indícios perseguidos por
de inúmeros quadros a este ou
pintor ao,ensinare; âatribuiçao àquele
certeza as cópias dos originais e ao imagem pode fazer surgir, porque estão
constric ir istinguir com são aqueles que só uma leitura da
o olho
.
novas individualidades artísticas & partir das obras libertas
.
olho—leitor
inseridos, fundidos, captados nela, que nos capta. O
—
de
220 AFASTAR-SE DO VISIVEL
PERDER DE vxsrx 221
' .
entre as fotografias
livro, composto, como se sabe, quando ele estavaque considero seu mais belo
Síggdas tor e o olhar apaixonado da me ancolia 1“
amorosa,
de um Nadar,“ que revelam a interioridade, e a metralllâingoo
. . .
às voltas com um luto
do qual não saiu. Barthes trata da
fotografia e, através dela, paradoxal- repórter profissional, que pulveriza a superficie. Logo,bsolt>(i)'e o Vis
mente, do invisível, porque uma fotografia, mesmo
de você e de mim neste instante, atual, mesmo sendo há visão de conjunto, inadequada por natureza Sa
se; Omi;! ; Geistigkeit
ausência. Quanto mais os indícios"
nunca representa outra coisa a não ser a
parecem é ela mesma,
'
A opos1çao ' comumente invoc
'
' ada entre mn ic ,
sim, é exatamente seu sorriso —, mais ele se seguros sim, subscrevo-a de bo m g tado., com a
' ' '
e sensorialidade e espiritua lidade
—
observa Albertine adormecida, sua inquietação da Busca Somente a arte, ocasionalmente, e alguns momentos gerindo?) têem º trata—
e seu ciúme conhecem um mento analítico nos levam a crer que o Sinn esta no elS no
momento de calmaria. Ela “se tornou uma planta”, ele '
habitar me
seno
em suas
a “mantém sob seu '
Smn. O olhar nunca renunCia a o espmto, nem
olhar”, ela fica como que “encerrada em seu '
' Vidades ' elevadas. Um se m-numero , de nossas pa lavras da teste-
,
corpo” e deixa de ser, em seu mais
sono profundo, aquele “ser de fuga” que escapole a todo gªnho disso. Entre outras: adm1raçao,
podia”, escreve Proust, “sonhar com ela.”17 Mas, tivesse ele momento. “Eu - respeito, _
. . _ . .
ev1denc13,l:intu(ilçi;giie tªm
_
º
pelo desejo louco de captar o que ela sonhava, de tê-la
sido tomado o movimento do iluminismo, da Aufklarung, do .qual reu ,
juntos, viviam as mesmas aventuras, moviam-se “Vê-la como vejo ' voce,”
*
Paul se ouViu
no mesmo espaço visivel,
retrocediam no curso do tempo, ressuscitavam a quem ele não via e que o escutava, mas qule, ao e s:;utáJo sem bem me
seu passado, o de seus
ancestrais e, finalmente, o de toda a '
dar conta disso,
'
acolhia apenas , de suas pa avras e re Iates, , () que havia
espécie humana. Então podiam ' Durante meses, anos talvez, ele procura rª indícios .
de sua
exclamar: “Nada, nada se perdeu!” A visão onirica les de valio.
'
tornara tudo visível. ªfãe apagada. Apagada no real, sem memorial, sem o _
.
10 e
_
que seriam ele e Martha, seu duplo que Freud, por tanto tempo desconherãdo ou rªting:),
invertido, aqueles cujo rosto se esfumaçaria desde então sim les pesquisador, viu-se chamado a ocupar o lugar de gran e pensa ,
lembrança, que provocariam todas as palavras aos olhos da 203113“me & responder não mais às
perguntas que seu traba lho lhe colocava e nos ' cºmum ºs
que acabamos de ler. Para qb,:lhTZram próprios, mas às que os “tempos atuais“ ' supostamente formulavam, pa
ouvir, para dizer, é preciso, ao mesmo tempo, .
que a imagem, em sua .
mumª rapostaimediata.
—
começo. Quando a perda está na visão, ela deixa de ser um luto intermi—
nável. com o fato isolado e que “pelo que dele brote por sr só o umversa .
10 . Cf Fluid às voltas com o ideal, em Ideaux, nª 27 da Nouvelle revue de psy Mªndy” ,
l9à3. Também extrai de P.-L. Assoun a citação que se segue.
d 7 de fevereiro de 1930.
% gatti-111255252 cerise de l'humanite' européenne et la phrlosophze . . .
(1935). Refenmo—nos
in Revue de métaphysíque et de morale, nª 3, l950, pp.
aqui à tradução de Paul Ricoeur,
22.5-258.
13. Ibiá, p. 231.
1: gfída'sli'efeªãtes
obras de Serge Moscovici, L'Áge desfoules, Fayard, 1981, e de Eugene
* Entre “Ia voir“ e 'l'avoir". é completa a homofonia em francês, que se perde na tradução. Enriquez, De la horde :) I'état, Gallimand, 1983.
(N."l'.) 16. Malaíse..., op.cír., p. 24.
17. Ibiá, p. 27.
223
224 NOTAS 225
PERDER DE VISTA
18. 2. Alusão ao título deum texto de Freud: ' 'Um caso de paranóia que contradiz [grifo meu]
ficªsªegâopgg ocasião daicolnferência proferida por ele para
' ”
comemorar o octogesimo
da doença".
scrrneno e reud. Cf. "Fre “ det [ ' ªvªtªr (1936). "ªd. frªncesª m' a teoria psicanalítica
S.E.. XXIII; trad. franc. in
Noblesse de l'espril, Albin Michel l960 . 3. "Análise terminável e interminável", 1937, G.W., XV];
lmago, vol. XXIII.]
19 .A meu ver , as “modernas" conce '
pçoes da somatização' A
e a distin ' ' Résultat; idées, problemas, ll, PUF, 1985. [E. Standard Brasileira,
coiízosãggªrãgfnzlas 4. Ibid.
tentahrª'estabelecer com a conversão histérica não fazem outra l' ª traduzido no
teoria freudiana das neuroses amais a que faço alusão aqui. 5. Cf., por exemplo, o artigo de H. Nunberg, "Du desir de guérion" 0925),
20. Mvel
a arse, op. en., pp. 46 e 77. Freud deixa claro que essa intuição se im ós
_
lalª ”ªªª"
22. "letr-avail de la mort", in Entre le rêve et la douleur, Gallimard, l977.
Open., p. 107. 8. Cf. L-B Pontalis,
23. 9. Recordemos estas linhas de "Análise terminável e interminável":
"Foi com justa razão
5132385 essa diferença canônica ainda em ação, ,apesar de tudo, na conferênciª de inteiramente à doença e aos sofrimentos] ao
que atribuímos essa força [que se agarra entre
24. Cf. o ensaio ' .. sentimento de culpa e à necessidade de autopunição, e que a situamos nas relações
. ,
ºªªªªª'ª' o ego e o superego. Mas tinta-se apenas da parte psíquicamente ligada pelo superego, e
ii: elementos dessa mesma força devem, livres ou
“projeto de sºdª que assim se toma eognoscível; outros
dade", '?propósito gm㪪tà?gggã?ââsãªgxgªÍmemº: não, atuar não sabemos onde." (Grifos meus.)
10. A tradução francesa do texto que traz esse título pode ser
encontrada em "Alguns tipos
er autres
de caráter encontrados no trabalho psicanalítico", L'Inqur'e'tante e'trangeté
essais, Gallimard, 1986. [E.S.B., vol. XIV.]
11. Cf. “Análise terminável...", art. citado.
12. Não consegui descobrir a que corrente da medicina da época se ligava essa
expressão.
Uma idéia incurável (pp. 47-53) l96l.
13. L. Stone, The psychoanalytic situation, International Universities Press,
14. Cf. esta passagem de "Análise terminável...": "Ninguém
utiliza todos os mecanismos
Ligªr/5233115333 :::atesdsobre os filmes de violência ou pornografia São eles
de defesa, mas apenas alguns. Estes se foram no ego e costumam transformar-se em modos
'.
saú do e corpo social? Fal ª - Sº d e [ 65 cºmº dº mºdlºªmºfltºs- de reação de seu caráter, em instituições." (Grifos meus.)
2. A escola leiga e obrigatória era uma escola de laicidade
e abri a ões 15. Digo "precursor" porque muitos dos traços que é costumeiro
creditar—se à psicanálise
professor [mstituteur] institula o cidadão. As 'g'hãmagdígãsêçgiggmmamqa -
_
2:15:11 ?nrrso; o contemporânea já tinham sido delineados com mão firme por Abraham: a aparente
, enam-no numa tradição de cultura . A univ em'd & d ' '
identificação com o analista fazendo as vezes da transferência, o
sal, cºm seus valores p ró pnos. . . etransmitraosaberuniver— submissão regra, a
à
O conjunto for. chamado Ensrno Público, e depois,
Educação Nªºum“. desafio, a inveja e, acima de tudo, o narcisismo.
O homem dos ratos.
3. Esse é , como o leitorhá de lemb m o su b titulo da 16. Encontramos a expressão "reação negativa" já em l9l0, em
peça de Jules Romams. [A peça, escrita
. trad. franc. in La technique
17. S. Freud, "Sobre a psicoterapia“ (1905), G.W., V; S.E.. VII;
.
,
1923. intitula-se “,an (NJ,)S
Em
4 . f. Michel Foucault "La politique psychanalytique, PUF, p. l4. [ES.B., vol. VII.]
,
' '
de la santé a ' " m ' Les mªChlneS
' & 18. A expressão é de François Gantheret.
obra coletiva, Instituto do Meio Ambiente:]PÍrxlrsmlÉâÉde ,
.
5. gfrrr, 19. Cf. ) . Starobinski, "Reaction. Le mot et ses usages". in Confrontations psychiatriques,
serve-'se, alias que Lacan intitulou um de seus textos de "La direction d [ ª ºu” ªt
[ es
prmcrpes de son pouvoir".
ª nª 12, 1974.
20. Fórmulas relembradas por StarobinSld, art. citado.
[“A dire ç do d o tr atamento e os princípios
' ' ' “Bornes ou
21. Descrevi mais detidamente esse estado, já assinalado por Ferenczi, em
de seu poder"] (termos sublinhados
mim). por
6. N , confrns'Z", Entre le re've et la douleur, op. cit.
. .
termo e conveniente, pors ha de fato a imputação do mal a um agente
.
reaction", J.
7. Eãsrgspsgztoàoe, 22. Joan Rivier—e, "A contribution to the analysis of the negative therapeutic
sr só: devem sacudir os
"por que tiram partido da denúncia freudianado Psycho. Anal., l936, xvu, pp. 304-320.
zelo e dº
(o);
disso que Freud não se interessava pelo 23. Cf. H. Sendas, Le contre-transfert, Gallimard, l98l, e, mais particulamente, o
capítulo
benefício
8. Cf. Entre le
dargculmoàírªãelrgsicos-para
re” ve
.
dconcluir
,, ca :
et la douleuªmêallimgãlíªifeªçao,
' ' ' '
lefªPºªªºª' ' '
“gªmª. intitulado "Le patient, thérapeute de son analyste".
24. Sucede descobrirmos que nossos pacientes... e nossos colegas, em sua complacência para
do Mestre, carecem
com a regra e para com nossos ditos. ou em sua submissão ao código
singularmente de reação.
25. Fritz Zorn, Mars, Gallimard, 1979.
minha em "Sur Ia douleur
Não, duas vezes não (pp. 54-73) 26. Grifo meu. Essas palavras condensam uma formulação
psychique", in Entre le reªve et la douleur, op.cit.
-
environment' '
1. Terceira Conferência da Federação Européia de Psicanálise, Londres 27. A "good enough mother" [mãe suficientemente boa] ou o "good enough
outubro de 1979 de Winnicott não significam, de maneira nenhuma, um
[ambiente suficientemente bom]
' ' foram publicadas
As comunica ç ões a p res entadas nessa conferencra '
no Bulletin (nº ló) da apelo à boa mãe, como crêem os que torcem o nariz diante dessa expressão supostamente
Federação,
226 PERDER DE VISTA
NOTAS 227
ingênua. Na verdade, good enough e bad enough são a mesma coisa. Winnicott não é
Melanie Klein. Toda a sua problemática visa inclusive a
rejeitar o maniqueismo kleiniano
do porn objeto e do mau objeto. ' 'It is good enough for me' ' Gorgias: - De maneira alguma. Sócrates: - Ciência e crença, portanto, não são a mesma
isso quer dizer: ' 'Não me é preciso coisa. Gorgías: - Exatamente. Sócrates: - No entanto, a persuasão é igual entre os que
mais,
. me basta perfeitamente." ,
tipº- 5. Cf. a biografia de Bismarck assinada por Emil Ludwig, Payot, 1929, p. 453.
que confere a este volume seu “mªtºs
4. Ver adiante, p. 205, o capitulo
6. ln La maladie, l'art et le symbole, Gallimard, 1969.
5. Novalis, Fragments, 176 98, col.
e "Le cabinet cosmopolite", Stock. 7. A expressão é de Freud, antes de conhecer Groddeck. [Cf. História do movimento
6. Cf..A. Green, "Le credo du
psychanalyste", N.R.P. nº 18, 1978. psicanalítico, E.S.B. vol. XIV (N.T.).]
7.
Xeja-se'esta passagem chave do Gorgias: Sócrates: Existe alguma coisa a chamei 8. Carta de 6 de abril de 1916 a Emmy von Voigt.
saber ? Gargr'as: Sim. Sócrates: — E alguma coisa a que chamas "crer“ '?que
—
9. Freud não chegaria a escrever todos os textos previstos, e teria destruido outros". O que
—
prova. Se te perguntasseml- ' 'Haverri 10. Carta de 6 de agosto de 1921 (grifo meu).
urna crença falsa ou verdadeira?", responderias, penso eu, afirmativamente. Corgias' — 11. Carta de 7 de setembro de 1927.
Sun. Sócrates: — Mas haverá também uma ciência
(Episteme) falsa e uma verdadeira? 12. Freud havia aproximado os nomes de Stekel - a quem, como era público e notório,
detestava - e de Groddeck. Este, como é compreensível. ficou profundamente magoado.
228 PERDER DE VISTA
Il
230 PERDER DE VISTA
» NOTAS
condições muito estritas. Na verdade, parece que eles são mais aceitos
como "pesquisa—
dores", particularmente no campo psicossocial, do
que como praticantes. crédito ao primeiro volume, que retraça os anos de formação de Freud. A ' “horda" ainda
8. Carta de 22 de março de 1927, citada - hav1a. . . . - . .
por Jones, op. cit., p. 335 [da ed. francesa]. não existia, nao nem o par pnmevo nem os irmaos mtrmg os.
9. Grifo meu. _
11 ' Era preciso, diz Sartre na entrevista a Kenneth Tynan, mostrar Freud, nao
10. Carta de 3 de abril de 1928,
quandº 15:22
um trecho da qual foi citado por Jones, ibid. teorias já o haviam celebrizado, mas na época em que, por voltados trintã anos,!ªdd.
11. A título de exemplos, a Sociedade Psicanalítica completamente, e em que suas idéias o conduznam a um impasse escape
de Paris conta entre seus membros
com enganou
aproximadamente 1/4 de não-médicos; a Associação Psicanalítica (loc. cit.).
Francesa, com 1/3; e
a Sociedade Britânica, com 1/3. Ao que saibamos, título de . E Les mots, Gallima rd , p. 20 .
o médico não interfere na 1123.
C? in L'ldior de la famille, (1854— 1861) que Sartre consagrou ao
.
seleção dos candidatos. Gallimard, as paginas
12. Carta a Ferenczi de 11 de maio de denominou de “compromisso histérico".
1920, in Jones, op. cit.
14 ?::páginas indicadas são as de minha“ edição do Scenario Freud, Galhmard, 1984.
, .
13. Assim foi que, tendo corrido o boato de
_
16. O tilme seria finalmente rodado, com a colaboraçao de Abraham e Sachs, 331355 tservneat d:
_
maior do que antes, diante da
evidente tendência dos norte-americanos a transformar Freud: Geheimnisse einer Seele (Segredos de uma alma), dirigido por 96?)
quiatria" (carta de 5 de julho de 1938, citada por Jones,
a psicanálise em criada da psi-
propósito desse episódio, a Carrespondance F reud-Abrahatn, Galhmard, 1 ,
.bmào
14. "0 desenvolvimento interno da op. cit., p. 342 [da ed. francesaD. SOP
as pp. 388—391. Ver também o estudo "Chambre à part" (in Nouvelle Revue de sycfha
—
.
%Íafszade . .
uma comparação proposta por Freud numa das conferencias que profenu em
_
1909 em Worcester (as Cinco lições), entre o desejo recalcado que msrste em retomarl:
um personagem intrometido, do tipo "A gente o põe porta afora e ele toma a entrar pe
' ela".
Freud posto em imagens (pp. 152-162) "
19. jêznfusão, mais do que lapso, feita com frequencia por quem relata um sodn'lio.. "hljessa
.
hora do filme..." Ver também os trabalhos de Bertram Lewrn sobre a tela son .
1. Segundo Huston, que já dirigira a encenação teatral de Huis elos 20 . Essa exigência pode acarretar longos desvios atraves da imagem para que a m:;sage m
em Nova York, em 1946, seja transmitida. Por exemplo, para que a palavra court [curto, pequeno], com tl. ª.ª sgªa
e que imaginam levar às telas Le diable et le bon Dieu, Sartre
era “o autor ideal": “Ele
conhecia a fundo a obra de Freud e poderia trata-la carga semântica e suas referências sexuais, possa transpor com segurança o tâmagdo
com objetividade e lucidez.“ (An consciência, ela é visualizada sob a forma de imagens de campo [court] de tems, e t;)
Open Book, Vaybrama, 1980; trad. franc. John Huston
1982, p. 275.)
por John Huston, Pygmalion, [cour], de corrida [course], ou de um personagem quese chame sr. CourtÃIt, :: c. A
2. Entrevista de John Huston a Robert insistência, nesse caso, só aparece no relato do sonho, o unrco que se oferece rn erpr&.
Benayoun, Positífnª 70, junho de 1965.
3. Em sua autobiografia (op. cit.), Huston diz tação.
ter pensado em contratar Marilyn Monroe para
o papel de Cecily, que seria finalmente
representado por Susannah York. Anna Freud
teria feito oposição a esse projeto.
Montgomery Clift e Marilyn Monroe haviam traba-
lhado juntos no filme anterior de Huston, The mis-fits
(Les de'saxe's, 1960 [no Brasil, Os
desajustadosD.
A moça (pp. 163—171)
—
mªgnª:
1956; Emil Ludwig, Schliemann de Troie, Nouvelles I::drttons latinos, p
19,8e2p
9. Na verdade, provavelmente fiz mal mente a peça de Bruno Bayen, Schliemann, episodes tgnores, Gallrmar d ,
em invocar as contingências editoriais. É ln"): E. 3 . B
de fato, que a biografia de Jones provável, 4. S. Freud, Malaise dans la Civilisation, PUF, 1972, p. 13 [O mal-estar na cu
publicada nos Estados Unidos em 1953 é que tenha dado , .,
a Huston a idéia de fazer um filme sobre Freud.
10. A parcialidade às vezes wªoísfrlticltàrlgnshgzglllmlyse“ (1937), in Re'sultats,
vingativa de Jones aparece em especial quando, com a constitui— S. ide'es, proble'mes, vol. II, P.U.F.,
ção do “movimento", os rivais entram em cena. No 1985 [“Construções na análise", E.S.B., vol. XXIII, R10,Imaºgo].
conjunto, entretanto, podemos dar 6. L. Kahn, "Une ruine en son absence", in L'Écnt du temps, n 1 1, 198 6 .
232 PERDER DE VISTA 1 NOTAS 233
7. Ein Phantasiestu'ck: é assim que Jensen qualifica seu romance no subtítulo, à maneira de 12. Cf. Ernest Jones, La vie etl'oeuvre de Sigmund Freud, PUF., 1961, vol. II, p. 82, [A vida
Hoffmann ou de Schumann. e a obra de Sigmund Freud, 3 vols., Rio, Imago, [989.1
8. Cf. Otto Fenichel, ”The symbolic equation: Girl = Phallus" (1936), in Collected
papers, 13. Cf., in Correspondance S. Freud-C. G. Jung, Gallimard, 1975, a carta de 8 de dezembro
11, Nova York, 1954. de 1907.
9. Cf. S. Viderman, Le ce'leste et le sublunaire, P.U.F., 1977, capitulo V. 14. Ibid, carta de 17 de outubro de 1909 (grifo meu).
10. Cf. W. Granoff, La pense'e et lefe'mim'n, Éd. de Minuit, 1976. 15. Cf., in Minutesde la société psychanalytique de Vienne, vol. I, Gallimard, 1976, a ata da
11.
fgforln
Minutes de la société psychanalytique de Vienne, a sessão de 11 de dezembro de sessão de 11 de dezembro de 1907, p. 275 e seguintes.
16. Cf. Un souvenir d'enfance de Le'onardde Vinci, nova tradução, Gallimard, 1987, p. 171.
12. O texto dessas cartas pode ser encontrado como apêndice na nova tradução de Le de'lire 17. Cf. E. Jones, op. cit., p. 369.
et les rêves dans la “Gradiva“ de W. Jensen, Gallimard, 1986. 18. Cf. Correspondence 8. F feud-C. G. Jung, op. cit., carta de 17 de outubro de 1909.
13. Grifo meu. 19. Essa foi a palavra com que Freud qualificou as "soluções" dadas pela criança aos
14. O artigo ' “Der Dichter und das Phantasieren" (O criador literário e a fantasia) seguiu de ' '
enigmas do sexo, em oposição tanto às 'fábulas' com que os adultos a entretém quanto
perto (1908) a publicação de Delírios e sonhos... às informações que eles lhe dispensam.
15. Cf. a Nota do editor, vol. IX da Edição Standard. 20. Retorno essas palavras do prefácio de Michel Gribinski aos Trois essais, op. cit.
16. Em seu Freud, col. “Écrivains de toujours", Le Seuil, 1968. 21. Paul Valéry tinha 24 an'os quando publicou, em La Nouvelle Revue, sua Introduction à
17. Cf. Sigmund Freud pre'sente' por lui-même, Gallimard, 1985, p. 111. ["Um estudo la méthode de Le'onardde Vinci. [Introdução ao método de Leonardo da Vinci.]
autobiográfico", ES. B., vol. XX.] 22. Cf. os Carnets de Leonardo da Vinci, col. "Tel", Gallimard, 1987, p. 60.
18. Sarah Kofman salientou acertadamente (em Quatre romans analytiques, Galilée, 1973) 23. Traité de la peimure, op. cit., p. 89.
como Freud rnfringiu as regras de seu próprio método ao resumir, não apenas o romance 24. Fórmula que podemos ligar a esta recomendação surpreendente: para representar a mente
de Jensen, mas os sonhos de Norbert. Quereria também “resumir" o escritor em sua de um personagem, o pintor devia ater-se à observação dos gestos e movimentos dos
infância e a fantasia na realidade? mudos, como se neles fosse encontrar menos artificio: uma expressão pura do estado
mental (Traité dela peinture, op. cit., p. 246).
25. E. Jones, op. cit., 456.
26. Novos documentos determinaram, de um lado, que leonardo, nascido em 1452, teria
passado apenas alguns meses junto à mãe, sendo então confiado à família paterna, e, de
A atração dos pássaros (pp. 172—189) outro lado,que Catarina, tendo contraído matrimônio, teve outro filho em 1454.
27. D. Merejkovski, op. cit., p. 342.
'
biblioteca, mas que não pudemos conanltar, tem anotações. O romance foi traduzido para 30. Jones, pelo menos, não desconhecia a revista. Numa outra situação, dois anos antes,
o francês [Le roman de Le'onard de Vinci] (Gallimand, 1934). soubera encaminhar a Freud um número que dizia respeito, dessa vez, ao ensaio sobre o
4. D. Merejkovski, op. cit., p. 353. Assim, não é inteiramente exato creditar a Freud, Moisés de Michelangelo.
como 31. Em defesa dos psicanalistas, convém dizer que, por seu lado, os especialistas em
o faz a maioria dos comentaristas, inclusive Myer Schapiro, o mérito de ter sido o primeiro
a exumar essa lembrança, à qual, segundo eles, ninguém antes dele prestam atenção. Leonardo da Vinci, com exceção de sir Kenneth Clark, negligenciaram completamente
5. S. Freud, Un souvenir d'enfance de Le'onardde Vinci, Gallimard, 1987, o ensaio de Freud, ou então trataram-no com ironia dasdenhosa.
p. 174. ["Uma 32. Cf. sua introdução à Lembrança da infância..., S.E., XI, pp. 59-62 [E.S.B., Xl].
lembrança da infância de Leonardo da Vinci", E.S.B., vol. XI, Rio, [mago.]
6. Ibid., pp. 73 e 127. 33. Esse estudo, publicado em 1956 in The Journal of History of Ideas, XVII, nº 2, pp.
147—148, foi traduzido para o francês na coletânea Style, artiste et société, Gallimard,
ª
18.
cronista, e acrescentamos que, não sendo nosso oficio o de romancista, mas o de
historiador, não nos deteremos em extrair desse texto um horóscopo que o próprio 35. Para discutir o erro-lapso, vamos reportar-nos principalmente a Serge Vidennan, La
Leonardo não teve nenhuma preocupação de pedir aos astrólogos de sua época.” construction de l'cspace analytique, Denoêl, 1970, e a Jean Laplanche, ldsublimarion
.Sou grato a J .-P. Maidani-Gérard por esse esclarecimento.
(Problémtiques III), P. U.F., 1980.
9. Indicº aqui as principais obras a que Freud se referiu; ele mesmo indicou outras 36. Desde o “sonho com a mãe querida e com personagens com bicos de pássaros“, sonho
em seu infantil de angústia relatado na Interpretação dos sonhos, até o Moisés egipcio de Moisés
texto ou em suas notas.
10. O texto de Vasari encontra.-se reproduzido na edição recentemente estabelecida e o monoteísmo, não faltam sinais do interesse de Freud pela mitologia e pela religião
por André egípcias. Gérard Huber preferiu seguir essa pista em seu livro L'Égpte ancienne dans la
Chastel para o Tratado da pintura de Leonardo (Traire' de la peinture, Berger—Levrault '
1987). Nossas citações foram extraídas dessa edição.
,
psychanulyse, Maisonneuve et Larose, 1987. »
37. ' “Dividi o tratado sobre os pássaros em quatro livros. O primeiro-“viera sobre seu vôo pelo
ll. Trois essais sur la the'orie sexuelle, Gallimard, 1987, p. 74..I[Tre's ensaios sobre a teoria
,
batimento das asas; o segundo, sobre seu vôo sem batimento das asas e a favor do vento;
da sexualidade, E.S. B., vol. VII, Rio, [mago.] :
234 PERDER DE VISTA NOTAS 235
0 terceiro, sobre o vôo em geral, como o dos pássaros, morcegos, peixes, animais e insetos; Últimas, primeiras palavras (pp. 190-204)
e o último, sobre o mecanismo desses movimentos" (Carriers, op. cit., p. 421).
38. Cf. adiante, nota 48, o fragmento Della Verga.
1. Pierre Pachet, Autobiographr'e de mon pêre, Belin, 1987.
39. Cf. Un souvenir d'enfarrce..., op. cit., pp. 139 e 178.
2.1br'd., p. 118.
40. É frequente confundir-se imaculada concepção com maternidade virginal. Na verdade, a
3. Émile Zola, La mort d'Olr'vier Be'caille, in Comes e nouvelles, La Pléiade, pp. 803—830.
primeira pressupõe que Maria foi concebida pela união entre Ana (até então estéril) e 4. Jean-Jacques Rousseau, Oeuvres completes, la Pléiade, vol. I, p. 1.133.
Joaquim união que, segundo alguns, teria consistido apenas num beijo, num suspiro
—
-, 5. Cf. meu prefácio às Confissões in “Folio", reproduzido em Entre le réve et la douleur,
mas livre do pecado original: teria havido um milagre. A segunda pressupõe que Maria
concebeu sem conhecer homem, pela intervenção do Espirito Santo: mais mistério do Gallimard, 1977.
que 6. Jean Starobinslci, La transparence e! l'obstacle, Gallimard, 1971, p. 217. Faremos
milagre. Sabemos que somente em 1854, sob o pontificado de Pio IX, é que a imaculada
referência particularmente ao cap. Vll, “Problemas da autobiografia", do qual extrai a
concepção de Maria por Ana foi proclamada e se tornou um dogma. maioria de minhas citações de Rousseau.
Religião da boa mãe, religião do Nome-do—Pai: prossegue o debate na "igreja" psicana- 7. Grifo meu.
lítica... '
8. Oeuvres comple'tes, La Pléiade, vol. I, p. 1.154.
41. E talvez, também, com algumas de suas recordações infantis... De fato,
segundo uma 9. Grifo meu.
pesquisa recente, conduzida por lean-Pierre Maidani-Ge'rard, Freiberg/Pribor, a cidade- “,
10. Essai sur [ ”origina des lhngues, trecho citado por J. Starobinski, op. cir., pp. 371-372.
zinha da Morávia onde Freud nasceu e passou seus primeiros anos de vida, era um bolsão
11. Milan Kundera, L'Art du roman, Gallimard, 1986, p. 45.
católico marcado pela devoção mariana: sua igreja era dedicada à Natividade de Maria e
12. Inicialmente, esse texto foi objeto de uma exposição num colóquio do qual Jacques Cain
à Imaculada Conceição.
42. M. Schapiro assinala que os Patriarcas da Igreja viam no abutre um e Alain de Mijolla foram os organizadores.
protótipo natural da 13. Cf. Michel Schneider, "Elias Canetti: la défusion des langues", in Le temps de la
Virgem, op. cit., p. 95.
re'flexr'on, II, Gallimard, 1981, pp. 384-402.
43. "O ato da copulação e os membros que concorrem
para ele são de um horror tamanho 14. Cf. Elias Canetti, La langue sauve'e, Albin Michel, 1980.
que, não fora a beleza dos rostos, os adornos dos atores e a discrição, a natureza perderia 15. Nathalie Sarraute, L'Usage de la parole, Gallimard, 1980, p. 11.
a espécie humana" (Carriers, op. cit., p. 104). '
16. Lembremos Henry Brulard: "Vou fazer cinquenta anos, realmente já era tempo de me
Essa célebre passagem deve ser aproximada desta outra, menos conhecida, onde
se lê conhecer."
todo o desprezo pela animalidade humana: "Parece-me que os homens grosseiros, de
17. Claude Lévi-Strauss, Anlhropologr'e structurale, Plon, 1958, p. 231 [Antropologia estru—
costumes vis e inteligência reduzida, mereceriam, não um organismo tão sutil quanto
aqueles que são dotados de idéias e de grande inteligência, mas um simples saco em que rural ].
18. Michel Leiris, L'Áge d'homme, Gallimard, 1939, p. 86.
seu alimento entrasse e de onde saísse (...). Não me parece que eles tenham nada em
19. Não nos apressamos muito em sorrir, porque, quando falamos de nossa contratransferên—
comum com a espécie humana" (ibid, p. 142).
44. Convém destacar, no entanto, no Traire' de la peinture (op. cit., Cia, de nossª autofanálise, não estaremos sendo tão ingênuos, tão pretensiosos quanto o
p. 250), as indicações
precisas dadas por Leonardo para caracterizaras idades: ' 'Que as velhas sejam mostradas rapazola de então?
20. Cf. Masud Khan, Le soi cache', Gallimard, pp. 135-148. [Psicanálise: teoria, técnica e
decididas e sem moderação, com movimentos de cólera como as fúrias do inferno", etc.
45. Jean-Pierre Maidani—Gérard, num artigo publicado in Psychanalyse a“ ! 'Universite' casos clínicos, Rio, Francisco Alves, 1977.]
(vol.
,
8, nº 32, 1983), e depois em sua tese de doutorado ainda inédita, Le'onard de Vinci, 21. Cf. Antoine Berman, L'Épreuve de l'e'tranger, Gallimard, 1984, e, do mesmo autor,
Sigmund Freud, estudou particularmente o problema da Arma Menem: e de suas impli- "Bildung et Bildungsroman", in Le temps de la reff'lexíon, IV, Gallimard, 1983, pp.
14 1- 159.
cações “mariológicas”.
46. Freud —,-- Schapiro --— Eissler (cujo livro vale mais 22. Correspondance complete de Vmcem Van Gogh, Gallimard/Grasset, 1960, vol. I, carta
por suas próprias contribuições do que 133, p. 190. Essa correspondência, sobretudo as cartas a Téo, não constituirá & autobio—
por sua polêmica), sem contar os trabalhos de muitas outras mentes curiosas, igualmente
movidas pela infatigável "pulsão de investigação". grafia de Vincent?
47. Sabemos do interesse que Freud demonstrou pela técnica de Giovanni 23. Essa expressão aparece na carta.
Morelli, que
permitia a atribuição dos quadros e a identificação das falsificações a panir de detalhes
involuntários por parte do pintor e despercebidos pelo espectador. Cf. "Le Moi'se de
Michel-Ange“ ', in L 'Inquie'lante e'rmngere' et autres essais, Gallimard, 1986. ["O Moisés
de Michelangelo", E.S.B., vol. XlIl, Rio, Imago.]
48. Um fragmento dos Registros frequentemente citado, sobretudo Perder de vista (pp. 205—222)
por Eissler (op. cit., p.
175), e' muito revelador a esse respeito: trata-se do Della Verga (Da virgem): "(...) às
vezes ela possui inteligência própria; a despeito da vontade que deseja estimulá-la, ela se N—
Leonardo da Vinci, Traite' de la peinture, Berger-Levrault, 1987, p. 89.
.
obstina e age a seu critério, por vezes movimentando-se sem a autorizªção do homem, F. Gantheret, "Étude d'un modéle perspectif en psychanalyse", in Psychanalyse &
.
ou até sem o conhecimento dele; (...) segue apenas seu impulso; muitas vezes, o homem [ 'universire', nº 40, outubro de 1985, p. 499.
dorme e ela fica velando, e sucede o homem estar acordado e ela dormir; muitas 3. Paul Klee, Journal, “Grasset, 1959, p. 178 (grifo meu).
vezes,
o homem quer se servir dela, que se recusa a isso; muitas vezes, ela o quereria, e o homem 4. Henri Michaux, "Aventures de lignes". prefácio do livro de W. Grohmann, Paul Klee,
lho proibe" (trad. franc. Servicen, p. 128). Não há dúvida de que, se houvesse conhecido Flinker, 1954.
essa passagem, Freud a teria aproximado da lembrança infantil. 5. E. Panofski, La perspective comme forme symbolique, Minuit, 1975, p. 41.
236 PERDER DE VISTA
xm: 151%,
[mªgo.],
.
publicação inicial.
16. Christian Phéljne, "L'Image
accusatrice", in Cahiers de la photographie, nº 17, 1985.
17. Marcel P rous t , Á la recherche du " "L'Homme immobile”, Nouvelle revue de psychanalyse (N.R.P. ), nº 35,
temps perdu, La Plerade, vol. [II; La Prisonm'êre, p.
69 s. 1987.
18. Cf. acima, p. 98, "Os vasos não comunicantes“. “Actualité du malaise", Le Temps de la re'flexion, IV, Gallimard, 1983.
“La haine illégitime", N.R.P., nº 35, 1987.
“Une tête qui ne revient pas“, Le Genre humain, nº 11, 1985.
“Une idée incurable“, N.R.P., nº 17, 1978.
"Non, deux fois non", N.R.P., nº 24, 1981.
“Ce transfert qu'on appelle négatif' ', redigido a partir de uma intervenção
__,i
237
238
PERDER DE VISTA