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A Teologia Pentecostal Das Assembleias de Deus

O artigo discute a possibilidade de diálogo entre a teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o paradigma do pluralismo religioso. A teologia pentecostal foi inicialmente produzida a partir de uma perspectiva exclusivista, mas as transformações sociais e religiosas no Brasil exigem uma revisão. O autor argumenta que a teologia pentecostal já vem afirmando positivamente o diálogo com outras tradições religiosas sem comprometer a identidade cristã.

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Kálita Lima
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A Teologia Pentecostal Das Assembleias de Deus

O artigo discute a possibilidade de diálogo entre a teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o paradigma do pluralismo religioso. A teologia pentecostal foi inicialmente produzida a partir de uma perspectiva exclusivista, mas as transformações sociais e religiosas no Brasil exigem uma revisão. O autor argumenta que a teologia pentecostal já vem afirmando positivamente o diálogo com outras tradições religiosas sem comprometer a identidade cristã.

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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano XI, n.

32,
Setembro/Dezembro de 2018 - ISSN 1983-2850
/ A teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o paradigma do
pluralismo religioso, 251-276 /

A teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o


paradigma do pluralismo religioso
Adriano Sousa Lima 1

DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhranpuh.v11i32.39318

Resumo: O presente artigo reflete sobre a possibilidade do diálogo entre a teologia


pentecostal e o paradigma do pluralismo religioso, proposto pelo teólogo católico francês
Claude Geffré, como o novo paradigma da teologia do século XXI. Ao longo dos anos, a
teologia cristã foi produzida desde as perspectivas do exclusivismo, inclusivismo e do
pluralismo. A teologia pentecostal das Assembleias de Deus, desde os anos iniciais foi
produzida, sobretudo, a partir do exclusivismo. Contudo, com as profundas
transformações pelas quais a sociedade brasileira está passando e, consequentemente, a
teologia cristã brasileira, há de se indagar sobre a possibilidade dos pentecostais
assembleianos dialogarem com a teologia do pluralismo religioso. A partir de uma
referência bibliográfica, o autor (que fala desde o locus assembleiano) apresenta novas
perspectivas no diálogo entre a teologia pentecostal e a teologia do pluralismo religioso e,
conclui que, dentro da perspectiva da fé, sem negociar a identidade cristã, a teologia
pentecostal já vem afirmando de forma positiva o diálogo com pessoas de outras
tradições religiosas.
Palavras-chave: Teologia Pentecostal. Pluralismo Religioso. Diálogo.

The pentecostal theology of the Assemblies of God and the


religious pluralism paradigm
Resume: The present article reflects the possibility of the dialogue between Pentecostal
theology and the paradigm of religious pluralism proposed by the French Catholic
theologian Claude Geffré as the new paradigm for theology in the 21st century. Over the
years, Christian theology has been produced from the perspectives of exclusivism,
inclusiveness and pluralism. Being the exclusivism the characteristic of the Assemblies of
God Pentecostal theology since the beginning of its history. However, due to the
profound transformations Brazilian society and Christian theology are facing it is
necessary to question the possibility of dialogue between Pentecostal Assemblies and the

1Doutor em Teologia (PUCPR), docente no Mestrado Profissional em Teologia e na graduação em


Teologia da Faculdade Batista do Paraná; na graduação em Teologia do Centro Universitário
Internacional – UNINTER; e na graduação em Teologia da Faculdade Cristã de Curitiba; Membro
da Rede Latino-americana de Estudos Pentecostais – RELEP. Email:
[email protected].

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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano XI, n. 32,
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pluralismo religioso, 251-276 /

theology of religious pluralism. From a bibliographical research, the author (who speaks
from the Assemblian locus) presents new perspectives regarding to this relation. From
the perspective of faith (without negotiating Christian identity), the text concludes that
Pentecostal theology has already affirmed in a positive way the dialogue with people of
other religious traditions.
Keywords: Pentecostal Theology. Religious Pluralism. Dialogue..

La teología pentecostal de las Asambleas de Dios y el


paradigma del pluralismo religioso
Resumen: El presente artículo reflexiona sobre la posibilidad del diálogo entre la
teología pentecostal y el paradigma del pluralismo religioso, propuesto por el teólogo
católico francés Claude Geffré, como el nuevo paradigma de la teología del siglo XXI. A
lo largo de los años, la teología cristiana se ha ido produciendo desde las perspectivas del
exclusivismo, el inclusivismo y el pluralismo. La teología pentecostal de las Asambleas de
Dios, desde los años iniciales, se ha producido, sobre todo, a partir del exclusivismo. Sin
embargo, con las profundas transformaciones por las que la sociedad brasileña está
pasando y, consecuentemente, también la teología cristiana brasileña, hay que indagarse
sobre la posibilidad de los pentecostales asamblearios dialogar con la teología del
pluralismo religioso. A partir de una referencia bibliográfica, el autor (que habla desde el
locus asambleano) presenta nuevas perspectivas en el diálogo entre la teología pentecostal
y la teología del pluralismo religioso y, concluye que, dentro de la perspectiva de la fe, y
sin negociar la identidad cristiana, la teología pentecostal ya viene afirmando de forma
positiva el diálogo con personas de otras tradiciones religiosas.
Palabras clave: Teología Pentecostal. Pluralismo Religioso. Diálogo.

Recebido em 05/09/2017 - Aprovado em 07/10/2017

Introdução
As igrejas evangélicas Assembleias de Deus, apresentam parcela significativa do
pentecostalismo brasileiro. Com pouco mais de cem anos, essa igreja conta com
aproximadamente 20 milhões de membros espalhados em todo país. Nos anos iniciais,
com poucos recursos financeiros, a igreja enfrentou diversas dificuldades para seu
estabelecimento na terra de Santa Cruz. Embora, sempre houve críticas de que os líderes
e membros dessa comunidade não tinham apreço pelos estudos formais, os
assembleianos sempre foram muito dedicados aos estudos informais 2. Contudo, diante
das mudanças culturais, religiosas e tecnológicas, bem como das profundas
transformações pelas quais passaram e vem passando a sociedade e, consequentemente, a

2 No texto, estudos informais diz respeito aos estudos bíblicos realizados nas comunidades, tais
como Escolas Bíblicas, cultos de ensino, entre outras atividades de ensino realizada na comunidade.

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teologia, as Assembleias de Deus estão cada vez mais se dedicando aos estudos formais.
Uma prova disso são as faculdades evangélicas, com cursos superiores espalhados pelo
país. A teologia chegou para ficar no ambiente pentecostal.
Contudo, como já mencionado, a teologia cristã brasileira está passando por
profundas transformações (no campo social e religioso) e estas, são provocadas pela
pluralidade religiosa e cultural, estabelecida no país. Diante das nuances culturais, a
teologia, que é feita dentro do seu contexto, precisa cada vez mais se repensar e se
refazer, na intenção de fazer sentido para as pessoas da nossa época. Diante da situação
plural, considerando o pouco tempo que os assembleianos estão inseridos no cenário
teológico, qual é o posicionamento dessa igreja frente ao paradigma do pluralismo
religioso? O que os teólogos pentecostais pensam a respeito? O tema está em debate na
comunidade pentecostal? O presente artigo quer responder tais questionamentos e
verificar em que medida a teologia pentecostal pode dialogar com o paradigma do
pluralismo religioso.

Os paradigmas teológicos
Nesse momento, convém apresentar de forma sucinta alguns paradigmas em
que se produziu teologia ao longo dos séculos, especificamente os séculos XIX e XX. Os
paradigmas escolhidos (exclusivismo, inclusivismo e pluralismo) foram adotados por
alguns autores, no entanto, foram bastante criticados por outros. Os críticos (o teólogo
Luis Carlos Susin, por exemplo) acentuam que a utilização de modelos acaba por colocar
a experiência das relações entre religiões em uma camisa de força, pois modelos não dão
conta das mais variadas possibilidades de relações. Sem ter a intenção de fazer o
desdobramento aprofundado de cada modelo (não é esse o objetivo), apresentam-se
apenas alguns traços característicos de cada um dos três modelos porque, mesmo tendo
em conta as objeções e os riscos, continuam a ser úteis quando mantidos dentro de
objetivos analíticos específicos, como é o nosso caso.
O principal paradigma em que se produziram as bases da teologia cristã foi o
exclusivista, que foi até o início do século XX o paradigma por excelência. Com raras
exceções, o exclusivismo dominou a reflexão teológica na maior parte da história do
cristianismo. A partir da sentença Extra Ecclesiam nulla salus (Fora da Igreja não há
salvação), a teologia cristã pensava todos os outros temas teológicos. O axioma atribuído
a São Cipriano foi assumido pelo Concílio de Florença em 1442 em seu decreto sobre os
Jacobitas. As palavras expressas em Florença, pela força como foram proferidas, devem
ser citadas aqui.

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(O Concílio) firmemente crê, professa e ensina que ninguém


daqueles que se encontram fora da Igreja Católica, não
somente pagãos, mas também os judeus, os hereges e os
cismáticos, poderão participar da vida eterna. Irão ao fogo
eterno que foi preparado para o diabo e seus anjos (Mt
25,4), a menos que antes do término de sua vida sejam
incorporados à Igreja. Ninguém, por grandes que sejam suas
esmolas, ou ainda que derrame sangue por Cristo, poderá
salvar-se se não permanecer no seio da unidade da Igreja
Católica (DS 1351)3

Ainda no paradigma exclusivista, agora mais específico na teologia católica, o


Papa Pio IX (1846-1878) afirmou algo interessante para essa pesquisa. Pio IX referiu-se a

esta ímpia e nociva ideia: que o caminho da salvação eterna


pode ser encontrado em qualquer religião. Certamente
devemos manter que é parte da fé que ninguém pode salvar-
se fora da Igreja Apostólica Romana, que é a única Arca da
Salvação, e quem não entra nela vai perecer no dilúvio.
Entretanto, devemos da mesma maneira defender como
certo que aqueles que se esforçam na ignorância da fé
verdadeira, se esta ignorância é invencível, nuca serão
acusados de nenhuma culpa por isso ante os olhos do
Senhor (PIO IX, 2006).

3É importante mencionar o fato de que tal expressão foi (e ainda é) interpretada muitas vezes fora
do seu respectivo contexto. E é justamente essa interpretação fora do contexto que pode estar
equivocada. A realidade da graça tem uma face invisível em que estão escondidos os santos e justos.
Nesse aspecto, a igreja tem um caráter sacramental. Na medida em que pensamos a igreja desde a
perspectiva institucional, existe salvação fora da igreja. Contudo, quando pensamos a igreja desde a
perspectiva do Mistério, uma vez que toda graça é eclesial, de fato não há salvação fora da igreja.
Portanto, o texto no qual se encontra a presente afirmação pode ser interpretado desde a
perspectiva inclusiva.

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O paradigma exclusivista na teologia cristã era exposto de forma clara. Só é


admissível a salvação real e verdadeira no cristianismo. Apenas essa religião teria sido
instituída pelo próprio Deus. Somente ela possui na sua mão a revelação verdadeira. Por
conseguinte, qualquer outra religião está fora da verdade, da salvação e do acesso à
revelação. As religiões não cristãs são deficientes, aberrantes, demoníacas, e devem ser
eliminadas para que o cristianismo triunfe.
Embora esse modelo paradigmático tenha sido abandonado quase por
completo, é necessário lembrar que ainda permanece em algumas Igrejas
fundamentalistas pentecostais. O teólogo protestante mais influente do século XX foi
sem dúvida Karl Barth4, que é um dos responsáveis pela expansão do exclusivismo no
campo protestante. Ainda no século XXI, é possível encontrar indivíduos que,
imaginando ser a sua religião a única verdadeira, demonizam as outras expressões
religiosas. Em se tratando do Brasil, o caso emblemático de alunos evangélicos que se
recusaram a fazer um trabalho escolar sobre a cultura afro-brasileira alegando questões
religiosas corrobora essa afirmação5.
Segundo Vigil, não pode passar despercebido o fato de que o cristianismo

Durante quase 98% do período de sua existência, tenha


pensado e afirmado, formal e oficialmente, de um modo
consciente, solene, beligerante e até insolente, que as outras
religiões estão fora da salvação. Não foi um erro pequeno
de cálculo, nem foi equívoco de um momento, opinião de
um setor majoritário ou simples erro num campo de menor
importância. Foi um erro majestoso acerca de si mesmo e
acerca do próprio Deus, que comprometeu a Igreja como
conjunto e a seus órgãos diretivos mais altos, e de um modo
contínuo. Foi um erro pelo qual anatematizamos muitas
pessoas e depreciamos povos, culturas e religiões inteiras
(VIGIL, 2006, p. 76).

4 A citação é feita por Paul Knitter na obra Introdução à Teologia das Religiões. Vale a observação
de que por trás da teologia dialética de Barth está a sola gratia, que não é propriamente institucional.
No exclusivismo, o peso institucional é muito grande. Contudo, teólogos como Paul Knitter o
inclui no paradigma exclusivista.
5 Disponível em:

http://acritica.uol.com.br/noticias/Amazonas-Manaus-Cotidiano-Polemica-alunos-professores-
trabalho-escolar-afro-brasileiro-evangelicos-satanismo-homossexualismo-
espiritismo_0_808119201.html Acesso em 14/10/2014.

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Antes de seguir a reflexão sobre o referido paradigma, é importante destacar que


a interpretação de Vigil não é majoritária dentro da teologia católica. Grandes teólogos
(Clodovis Boff, por exemplo) e certamente a própria igreja consideram a crítica de Vigil
como rasa, imprecisa e carente de fundamentos. O modelo exclusivista certamente não é
o mais adequado para que se produza teologia no tempo atual. A pedra exclusivista onde
o cristianismo tropeçou por muitos séculos talvez seja uma das razões proeminentes do
seu insucesso na missão. Essa passa pelo diálogo, reconhecimento e aprendizado mútuo.
Parafraseando o teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga, quando se examinam de
perto as riquezas de outras religiões, como o budismo, hinduísmo ou mesmo a grandeza
de Zaratustra, já não se pode mais continuar crendo que tudo fora da religião cristã são
trevas ou que são de origem diabólica (QUEIRUGA, 1997, p. 43). No que diz respeito ao
paradigma exclusivista, se em algum momento alguns grupos se apropriaram desse
paradigma para fazer teologia, é certo que ele não é o ideal.
O inclusivismo aparece como novo modelo paradigmático para a teologia em
meados do século XX. É a posição segundo a qual ainda que a verdade e a salvação
estejam plenamente presentes numa determinada religião também se fazem presentes de
modo mais ou menos deficientes ou imperfeitos nas outras religiões, todavia como
participação na verdade presente na única religião verdadeira. No caso específico da
teologia cristã, o inclusivismo cogita a possibilidade de que as religiões possam
desempenhar um papel na salvação da raça humana, um papel preparatório para o
Evangelho de Cristo.
A teologia católica deu o salto paradigmático rumo ao inclusivismo. Alguns anos
antes do Concílio Vaticano II circulava nos meios católicos a teoria do cumprimento,
segundo a qual, para todas as religiões, o cristianismo vem a ser seu cumprimento, ou
seja, sua consumação, sua plenitude. De acordo com esse modelo, apesar de as outras
religiões continuarem sendo naturais, elas exercem a função de preparação para o
acolhimento do evangelho. Apesar de ter avançado com relação ao exclusivismo, a teoria
do cumprimento afirma que “ser preparação evangélica” é o máximo que pode se
reconhecer nas religiões não cristãs. Jean Daniélou é um dos grandes nomes dessa
corrente. O mérito dessa corrente é não desvalorizar as religiões não cristãs como fazia
Barth.
Seguindo ainda na concepção inclusivista, o teólogo alemão Karl Rahner
elaborou a famosa teoria dos “cristãos anônimos”. Essa foi um pouco mais além e
afirmou que as religiões não podem apenas ser consideradas como naturais, uma vez que
possuem valores salvíficos positivos e, por meio delas, a graça de Cristo alcança seus
membros. Nesse aspecto, para Knitter, fundamenta-se uma crença essencial: a
misericórdia ilimitada de Deus é uma verdade fundamental em que não se podem fazer

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concessões (KNITTER, 2008, p. 83). Portanto, a ação salvadora de Deus alcança toda a
história por meio da autocomunicação divina6. Os que aceitam essa autocomunicação têm
uma experiência original de Deus e entram para a categoria dos cristãos anônimos,
independentemente de ser ateu ou mesmo de outra tradição religiosa. Ou seja, o ser
humano pode ter uma experiência de Deus fora dos limites da igreja e da religião cristã. É
sem dúvida um notável avanço.
A teoria dos “cristãos anônimos” foi aceita no Concílio Vaticano II, e, da
mesma forma como foi destacado o texto de Florença sobre o exclusivismo, vale ressaltar
importante texto de Nostra Aetate, que diz:

A igreja católica nada rejeita do que nestas religiões [não-


cristãs] há de verdadeiro e santo. Considera com sincero
respeito os modos de agir e viver, os preceitos e doutrinas
que, embora discordem em muitos pontos do que professa
e ensina, não poucas vezes refletem um brilho daquela
Verdade que ilumina todos os homens... por conseguinte,
exorta a seus filhos que, com prudência e caridade, mediante
o diálogo e a colaboração com os adeptos de outras
religiões, dando testemunho da fé e da vida cristã,
reconheçam, guardem e promovam aqueles bens e morais,
assim como os valores socioculturais, que neles existem
(NA, n 02).

Nos atos solenes do Magistério da Igreja Católica, é a primeira vez que a


teologia cristã se pronunciava de forma positiva sobre as religiões não cristãs. Apesar do
avanço, o texto conciliar Nostra Aetate é muito tímido se comparado à forma contundente
e violenta do texto de Florença. No entanto, essa posição inclusivista é hoje a posição
dominante no cristianismo católico e protestante. A tese de Rahner, mesmo tendo sido
um avanço, foi inicialmente criticada em primeiro lugar pelo seu discípulo Hans Küng,
que a considerou uma forma de “conquistar mediante um abraço”. Mais recentemente,
Paul Knitter consideraria a posição rahneriana como uma forma de introduzir os nãos
cristãos na igreja pela porta de trás.

6 Trata-se de uma teoria que defende a comunicação de Deus com todo ser humano.

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Em terceiro lugar, tem-se o paradigma do pluralismo. Esse é o modelo teológico


segundo o qual todas as religiões participam da salvação de Deus, cada uma por si e a seu
modo. Nesse caso, não existe uma única religião que esteja no centro do universo. No
centro está apenas Deus, e todas as religiões, inclusive o cristianismo, gira ao redor dele.
Se no exclusivismo não há salvação fora da igreja e no inclusivismo não há salvação fora
de Cristo, no pluralismo, só Deus salva. 7 E, como já é consenso, Deus, apesar de ser
descrito em categorias cristãs, não pertence a nenhuma religião, mas deseja se doar ao
máximo em todas elas.
O grande nome do paradigma pluralista é o teólogo britânico John Hick. 8 No
ano de 1973, o inclusivismo estava nos seus anos iniciais, e Hick lança o livro God and the
Universe of Faiths. Essays in the Philosophy, no qual propõe uma “revolução copernicana”
bem como um “novo mapa” do universo da fé. A audaciosa proposta do teólogo
britânico propõe que o cristianismo é como uma religião a mais que gira em torno de
Deus que está no centro. Para Hick, é preciso construir um novo mapa em cujo centro
não esteja uma religião histórica e nem mesmo Cristo, mas apenas Deus. No modelo
hickiano, a Igreja, Cristo, e as outras religiões giram em torno de Deus.
A ideia de tirar do centro a Igreja, o cristianismo ou qualquer outra religião
histórica de fato não parece problema. A questão começou a encontrar dificuldade
quando Hick propõe que também Cristo não pode ser o centro. Para Hick, Jesus não
pode ser considerado como Deus. Apenas Deus está no centro. Embora Hick reconheça
a existência das propostas teológicas que buscaram desenvolver aproximações mais
abertas, como, por exemplo, a teoria rahneriana dos “cristãos anônimos”, a “pertença à
Igreja invisível” e o “batismo de desejo”, ele as considera como teorias artificiais.
Conforme já ficou claro, não será tratado de forma aprofundada dos três
modelos paradigmáticos nessa parte, pois não é esse o objetivo. No entanto, é
fundamental esclarecer alguns pontos importantes sobre esse modelo. Não se pode ter
uma conceitualização simplificada do pluralismo. Ele não pode ser visto simplesmente
como um modelo contrário do exclusivismo, como se defendesse que todas as religiões
são idênticas. Dentro dessa questão, outra igualmente importante é a que o pluralismo
não se limita à posição de John Hick. A posição deste está inserida em um conjunto de

7 Diretamente, o pluralismo religioso defende que cada religião tem o seu próprio Messias. As
diferentes figuras de Deus operam a salvação em cada religião específica.
8Embora falemos de Hick como uma grande referência no modelo do pluralismo religioso, é

importante ressaltar que existem defensores do pluralismo religioso, que não estão de acordo com
Hick e o consideram exagerado e relativista (Mário de França Miranda, por exemplo). Nesse
aspecto, vale destacar que algumas literaturas recentes, diferenciam pluralismo religioso e
relativismo. O primeiro não necessariamente conduz ao segundo. Contudo, isso pode acontecer,
desde a visão extremista, de Hick, por exemplo.

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muitas outras posições pluralistas. Como afirma Vigil, “o pluralismo é maior que Hick e
não depende dele” (VIGIL, 2006, p. 88).
Muitas vezes os detratores acusaram o pluralismo religioso de não respeitar a
particularidade de cada religião, dizendo que para ele todas as religiões são iguais. No
entanto, essa acusação não procede. O paradigma pluralista sensato reconhece e afirma a
particularidade de cada religião. Nas palavras do teólogo pluralista José Maria Vigil, essa
posição

Reivindica uma igualdade básica das religiões, não um


igualitarismo que queira fazê-las praticamente idênticas. O
que é essa igualdade básica? Em essência, é a negação da
possibilidade do inclusivismo. Ou seja, o paradigma
teológico pluralista sustenta que as religiões são basicamente
iguais, no sentido – é só neste sentido – de não ser apenas
delas a única verdadeira ou a depositária da salvação, da qual
todas as demais seriam devedoras, subsidiárias ou
participantes, mas sim que todas ocupam um estado
salvífico basicamente igual(VIGIL, 2006, p. 88-89).

Portanto, é importante afirmar que o pluralismo aceita e reconhece as


desigualdades das religiões concretas. Para o pluralismo, as religiões não são iguais, mas
diferentes. Com isso, afirma-se a relatividade das formas religiosas e não o relativismo
diante das religiões. Por reconhecer a relatividade de algo que foi indevidamente
absolutizado, o pluralismo não cai no relativismo. Tais esclarecimentos são fundamentais
para que se tenha uma compreensão correta sobre o que é e o que propõe esse modelo
teológico.
Tendo apresentado de forma sucinta os três modelos clássicos de se fazer
teologia, na sequência, apresentaremos o terceiro modelo, pluralismo religioso, como o
novo paradigma da teologia no atual século. Com as mudanças vivenciadas na história e
com a vitalidade das grandes religiões, não é mais possível produzir teologia cristã sem
levar em consideração as riquezas das outras tradições religiosas.

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O pluralismo religioso como paradigma teológico


O teólogo Claude Geffré foi bastante influenciado pelo teólogo alemão Paul
Tillich. Para desenvolver o método hermenêutico de fazer teologia, Geffré tem como
base o método tillichiano de correlação. O método hermenêutico desenvolvido por
Geffré capacitou-o a ter uma nova percepção do pluralismo religioso presente na atual
sociedade. Se no primeiro momento a teologia era construída tendo como base um saber
constituído e seguro, nos dias atuais se faz teologia a partir de interpretação plural.
O teólogo dominicano era muito preocupado com questões de teologia
fundamental, e estava consciente de que, em décadas passadas, as questões da descrença
moderna e a indiferença religiosa norteavam a produção teológica. No entanto, sob a
inspiração de Paul Tillich, Geffré acredita que o pluralismo religioso é o novo paradigma
da teologia. Nas palavras do próprio teólogo,

Como já vimos, não há teologia sem tomar a sério a


correlação entre experiência fundamental da primeira
comunidade cristã, aquela que se traduziu nos textos
fundadores do cristianismo, e nossa experiência histórica
como homens e mulheres do século XXI. Ora, nesta
experiência histórica é preciso mencionar como um fato
importante a questão do pluralismo religioso. É à luz deste
pluralismo religioso que somos convidados a reinterpretar
algumas verdades fundamentais do cristianismo. Se
podemos falar legitimamente de uma virada hermenêutica
da teologia, é em grande parte porque o pluralismo religioso
exerce praticamente a função de um novo paradigma
teológico (GEFFRÉ, 2004, p. 131).

Para Geffré, as grandes tradições religiosas colocam questões cruciais ao


cristianismo. Para esse autor, tais questões são mais temíveis do que as questões do
ateísmo e da indiferença religiosa. Geffré faz uma pergunta fundamental: “como não cair
num certo relativismo, como conciliar as exigências do diálogo e as exigências da
fidelidade à unicidade do cristianismo entre as religiões do mundo?”(GEFFRÉ, 2004, p.
131). Uma das possibilidades é tomando a palavra relativismo no sentido de relacional e
não como sendo o contrário de absoluto. Nesse aspecto, a verdade cristã como
hermenêutica da palavra de Deus é sempre relativa. Sobre a unicidade do cristianismo, diz

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Geffré que “não é nem uma unicidade de exclusão nem uma unicidade de inclusão.
Trata-se de uma unicidade relativa em sentido relacional” (GEFFRÉ, 2013, p. 40).
A legitimidade das religiões começa a se desenhar com as afirmações positivas
sobre as outras tradições religiosas feitas no Vaticano II. Apesar da timidez dos
pronunciamentos conciliares, ninguém pode negar que houve um grande avanço por um
lado e, por outro, a abertura de novos caminhos teológicos. A partir do encontro de
Assis, ocorrido em 17 de outubro de 1986, compreende-se melhor a nova situação
histórica da teologia cristã. O pluralismo religioso não deverá mais ser visto como
ideologia que relativiza os valores absolutos e prejudica a fé da Igreja. Pelo contrário, nos
dias atuais, quando sabemos melhor que o futuro do cristianismo não se coloca mais
principalmente no Ocidente, o pluralismo religioso é o destino da Igreja.
O paradigma do pluralismo como questão teológica deverá ser o horizonte de
toda reflexão sobre Deus, cristologia, eclesiologia e missão. O último concílio, o Vaticano
II, abriu caminhos fecundos para que a teologia cristã possa aos poucos ser uma teologia
relacional, que dialogue de igual modo (?) com outras teologias. O eurocentrismo da
teologia cristã vem aos poucos dando lugar a uma reflexão policêntrica que pode ser
terreno de fecundação mútua. O paradigma emergente do pluralismo religioso busca
conscientizar a todos que todas as teologias devem dialogar entre si tendo como objetivo
final a plenitude humana.
O pluralismo religioso está dividido em duas vertentes: o pluralismo de fato e o
pluralismo de princípio. A primeira diz respeito à própria pluralidade ou diversidade de
tradições religiosas existentes, todas elas. Tal diversidade existe de fato e não pode ser
negada. No entanto, a existência desse pluralismo de fato leva o teólogo Claude Geffré a
se questionar se “nós não somos convidados a pensar na possibilidade de um pluralismo
de princípio que dependeria do próprio desígnio de Deus” (GEFFRÉ, 2004, p. 135).
O debate sobre a aceitação decidida de um pluralismo de princípio suscita
divergência de opiniões no universo da teologia. Entre os teólogos que defendem essa
corrente, é possível encontrar nomes como E. Schillebeeckx, J. Dupuis, M. Amaladoss,
Roger Haight e Geffré. Para o teólogo brasileiro Mário de França Miranda, defensor de
um pluralismo de fato, esse debate é secundário, visto que as religiões “não estão aí para
completar o que faltou em Jesus Cristo, mas sim o que falta em nossa apropriação desta
verdade última sobre Deus e sobre nós, que é inevitavelmente contextualizada e
histórica” (MIRANDA, 2002, p. 35). Geffré faz um questionamento que, devido à sua
importância, merece ser citado:

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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano XI, n. 32,
Setembro/Dezembro de 2018 - ISSN 1983-2850
/ A teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o paradigma do
pluralismo religioso, 251-276 /

A questão teológica que é preciso ser colocada é de se


perguntar se essa vitalidade das religiões não cristãs é
simplesmente devida seja à cegueira e ao pecado dos
homens, seja a um certo fracasso da missão cristã, ou se esse
pluralismo religioso corresponde a um querer misterioso de
Deus (GEFFRÉ, 2004, p. 135).

Nas palavras citadas, podem-se observar três questões interessantes: 1) As


pessoas que pertencem às outras tradições religiosas são “cegas”, limitadas e fechadas à
revelação divina?; 2) A Igreja cristã em sua missão não consegue anunciar o mistério
trinitário com competência?; 3) Ou o pluralismo religioso é um querer misterioso de
Deus, um desígnio de Deus para a humanidade? Apesar de ter consciência de que, no
primeiro momento, a Bíblia faz um juízo pessimista sobre as outras religiões, Geffré
acredita que a diversidade dos fenômenos religiosos deve ser afirmada à luz de textos
neotestamentários. Com base em textos como I Tm 2,4, “Deus quer que todos os
homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade”, e em At 10, 34-35,
“Verifico que Deus não faz acepção de pessoas, mas que, em qualquer nação, quem o
teme e pratica justiça lhe é agradável”, Geffré vai optar pela terceira questão e afirmar que
“o pluralismo religioso pode ser considerado como um desígnio misterioso de Deus cuja
significação última nos escapa” (GEFFRÉ, 2013, p. 52).
Os dias atuais são desafiadores para a teologia cristã. Se “a atual crise do
cristianismo é em grande parte uma crise de linguagem” (MIRANDA, 2004, p. 12), o
paradigma do pluralismo religioso não admite linguagens desclassificadoras. É momento
de sensibilidade e respeito pelas diversas tradições religiosas, que são caminhos
constitutivos de salvação. Afirma Haight:

Em nenhuma outra época as pessoas tiveram tanto senso da


diferença dos outros, do pluralismo das sociedades, das
culturas e das religiões, bem como da relatividade que isso
implica. Já não é possível a centralidade da cultura ocidental,
a supremacia de sua perspectiva, ou o cristianismo como a
religião superior, ou o Cristo como o centro absoluto em
relação ao qual todas as demais mediações históricas são
relativas (HAIGHT, 2003, p. 384-385).

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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano XI, n. 32,
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/ A teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o paradigma do
pluralismo religioso, 251-276 /

O pluralismo religioso é uma questão que a teologia cristã deverá encarar com
muita seriedade. Não se trata apenas de “acrescentar um capítulo ao edifício solidamente
construído da teologia clássica” (GEFFRÉ, 2013, p. 27), mas assumir o risco de
reinterpretações dos principais capítulos da teologia cristã com a finalidade de dialogar
com o mundo de hoje, respeitando a consciência autônoma e histórica de cada indivíduo.
De acordo com Schillebeeckx, a teologia cristã precisa reconhecer que “a certeza
inabalável de que continuamos possuindo a verdade, enquanto os demais estão errados,
não é mais uma possibilidade”. Ainda: “a multiplicidade de religiões não é um mal que
precisa ser removido, mas antes uma riqueza que tem de ser bem vinda e por todos
desfrutada [...] Há mais verdade religiosa em todas as religiões juntas do que em uma
religião determinada [...] isso se aplica também ao cristianismo” (SCHILLEBEECKX,
2008, p. 25). Em perfeita sintonia, Geffré afirma:

A pluralidade das religiões, longe de ser um mal que é


preciso progressivamente eliminar, pode contribuir para
uma manifestação mais perfeita da riqueza multiforme do
mistério de Deus. Mas encontramos imediatamente a
objeção: será que isso não leva, necessariamente, a
relativizar o cristianismo, que tem a pretensão de ser a única
religião, visto que ele só tem sentido em relação à
manifestação completa e definitiva de Deus em Jesus
Cristo? (GEFFRÉ, 2013, p. 73).

Para Geffré, a questão posta da manifestação de Deus em Jesus Cristo é de


fundamental importância dentro do novo paradigma do pluralismo religioso. Ele critica
os vários teólogos que buscam sacrificar o cristocentrismo em detrimento do
teocentrismo. Para esse autor, não se pode aderir ao teocentrismo radical que exclui o
cristocentrismo (GEFFRÉ, 2013, p. 80). Mas é cabível a pergunta do outro lado da
moeda: é possível produzir teologia a partir do paradigma do pluralismo religioso
abraçado em um cristocentrismo radical que exclui o teocentrismo? Geffré busca uma
dialética mais geral e afirma:

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Como já sugeri, em vez de apelar para um teocentrismo


muito geral, é a partir da própria mensagem cristã, a saber, a
manifestação de Deus na particularidade histórica de Jesus
de Nazaré, que se deve provar o caráter não imperialista e
necessariamente dialogal do cristianismo. É exatamente
porque o cristianismo reivindica, a justo título, ser a religião
da revelação final, que nenhum dos diversos cristianismos
históricos, depois de vinte séculos, pode pretender definir a
essência do cristianismo como religião da revelação última
sobre Deus. Estamos, portanto, livres para negar o caráter
absoluto do cristianismo como religião histórica (GEFFRÉ,
2013, p. 37).

A opção de Geffré é pelo pluralismo religioso de princípio e não apenas de fato.


Ele opta por valorizar todas as tradições religiosas como estando dentro do misterioso
desígnio de Deus. Nessa virada paradigmática, o pluralismo religioso querido e desejado
por Deus admite que as outras tradições religiosas não são projeções das preparações de
uma única verdade. Elas têm simplesmente o estatuto de uma verdade diferente. E é
fundamental que haja por parte da revelação cristã o reconhecimento de que a própria
revelação cristã é inadequada em relação à plenitude da verdade última que está
unicamente em Deus. Sem dúvida, não é uma empreitada fácil. Nas palavras de Teixeira,
“trata-se de uma tarefa difícil, exigente e provocadora” (TEIXEIRA, 2007, p. 25).
Portanto, o pluralismo religioso de princípio diz respeito à riqueza do mistério
divino que não pode ser capturado somente por uma tradição religiosa. A diversidade
cultural, por sua vez, reflete a beleza do ser humano como ser de criatividade, de modo
que as diferentes religiões testemunham essa dimensão criativa na maneira de captar o
mistério divino que transcende o humano. Por isso, é possível concordar com a belíssima
afirmação de Dupuis: “o pluralismo religioso de princípio se fundamenta na imensidão de
um Deus que é Amor” (DUPUIS, 1999, p. 528).
A teologia produzida tendo como paradigma o pluralismo religioso deverá
sempre buscar ao lado dos membros de outras tradições religiosas a promoção do Reino
de Deus. Se, nos outros paradigmas (exclusivista e inclusivo), os membros das outras
religiões estavam excluídos ou sendo preparados respectivamente, no paradigma do
pluralismo religioso os membros de outras tradições religiosas que respondem ao apelo
de Deus são membros do Reino de Deus. Nessa virada paradigmática, “pode-se,

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portanto, fazer parte do Reino de Deus sem fazer parte da Igreja e sem passar pela sua
mediação” (GEFFRÉ, 2013, p. 79).
Dessa forma, todas as vezes que homens e mulheres pertencentes às outras
tradições religiosas trabalham em favor da paz, da justiça, da liberdade, da fraternidade,
contribuem misteriosamente para o advento do Reino de Deus na história. Nesse
aspecto, vale salientar que os conteúdos do Reino dizem respeito à humanidade de modo
geral e não simplesmente à religião. Portanto, o caminho de Jesus não diz respeito a um
centrismo fechado como considerado pela cristologia exclusivista, mas pode ser
considerado como uma encruzilhada de muitos caminhos. Seguindo o horizonte do
Reino de Deus, que estava no centro da mensagem e da vida de Jesus, o próprio
pentecostalismo poderá dialogar com outras tradições religiosas e estas podem cooperar
juntas para a promoção e proclamação de um mundo de paz e justiça, onde o amor de
Deus pelo Espírito Santo possa fluir livremente no coração de cada ser humano.

A teologia pentecostal assembleiana e o paradigma do pluralismo religioso


Inicialmente, é preciso esclarecer algo sobre o que foi apresentado até o
presente momento no texto. A descrição dos modelos de teologias do pluralismo
religioso, apresentados por Geffré, Vigil, Haight, Queiruga, são apenas para efeito de
informação e atualização do tema. Sendo eles de tradição católica, é necessário informar
que suas perspectivas teológicas foram (e ainda são) criticadas e em parte rejeitadas pela
igreja, conforme é possível perceber em diversos documentos, tais como Dominus Iesus,
Redemptoris Missio, Diálogo e Anúncio, entre outros. Embora os documentos não façam
citação nominal de nenhum deles, a posição da igreja no que se refere ao tema é
divergente do que propõem os referidos teólogos.
A teologia pentecostal brasileira, tal como se apresenta de fato nos dias de
hoje, não admite o método do pluralismo religioso, sob hipótese nenhuma. Nem mesmo
o inclusivismo está sistematizado no terreno teológico dos pentecostais. A teologia
pentecostal de modo geral, e a teologias assembleianas, de forma específica, trabalham
com o método exclusivista. A partir de uma leitura literalista da Escritura, essa tradição
cristã entende que as outras religiões não são oriundas de Deus, que não são inspiradas
pelo Espírito Santo. Logo, todas necessitam, caso queiram encontrar a salvação, se
arrepender dos seus caminhos de idolatria e voltar para o senhor Jesus Cristo. Seriam
religiões idólatras, que adoram outros deuses. Essa compreensão aplicaria-se inclusive a
algumas tradições cristãs, como no caso do catolicismo. Mesmo para o diálogo
ecumênico, os pentecostais não admitem uma possibilidade do mesmo, visto que os
membros das outras igrejas cristãs (na sua maioria) são idólatras, pois não adoraria o
Deus verdadeiro. Sendo assim, eles precisariam “aceitar a Jesus” como salvador. Essa é a

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visão básica dos assembleianos brasileiros. Isso não impede que a próprias assembleias de
Deus, a partir da sua própria matriz pentecostal, possa se abrir para um fecundo diálogo
inter-religioso, em base aos próprios elementos já presentes dentro da sua própria
doutrina.
A perspectiva atual dos pentecostais clássicos no que se refere ao
ecumenismo e ao diálogo inter-religioso não é gratuita. As assembleias de Deus, nos seus
anos iniciais no Brasil, sofreu muitas perseguições de outras igrejas cristãs, sobretudo, da
igreja Católica. Isael de Araújo dedica um longo espaço no Dicionário do Movimento
Pentecostal para detalhar algumas perseguições que a igreja sofreu. Logo no início da
definição da palavra “Perseguição”, Araújo afirma que se trata de um

conjunto de ações repressivas realizadas por um grupo


específico sobre outro, o qual se demarca por determinadas
características religiosas, culturais, políticas ou étnicas. O
cenário mais comum consiste na opressão de um grupo
minoritário por parte de uma maioria, já que o inverso é, na
maior parte dos casos, muito improvável. A perseguição
pode ser classificada em dois tipos: 1) perseguição aberta,
em que a ação física e material infligida diretamente sobre
quem e o que se deseja atacar; e 2) perseguição oculta, em
que a ação velada e disfarçada, infligida, de forma indireta,
por meio de leis, restrições, proibições e discriminações.
Quando o Movimento Pentecostal moderno surgiu, no
início do século 20, os pentecostais encontraram oposição e
hostilidade em toda parte (ARAÚJO, 2014, p. 637).

As palavras do historiador das Assembleias de Deus não justificam o


fechamento da denominação no que se refere ao tema do diálogo ecumênico e inter-
religioso. Contudo, apresenta explicações importantes. Em momento posterior da
presente pesquisa, as perseguições sofridas pelos pentecostais serão detalhadas. Por ora, é
fundamental entender que a perseguição sofrida contribuiu muito para a postura atual da
igreja, levando os pastores a ensinar que “ecumenismo é uma obra do diabo”9. O mesmo
autor do artigo supramencionado escreveu outro artigo refletindo sobre o ecumenismo

9Esseé o título de um artigo do pastor Ciro Sanches Zibordi, publicado no Jornal Oficial das
Assembleias de Deus – “Mensageiro da Paz” em março de 2012.

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pluralismo religioso, 251-276 /

no site de notícias da denominação (CPAD News) 10. Desta feita, Sanches utiliza-se do
texto bíblico (2 Coríntios 6. 14-18) para afirmar que o ecumenismo é também jugo
desigual. Nas suas próprias palavras, apesar de “os pregadores e ensinadores comumente
usarem o termo jugo desigual para referirem ao casamento misto, o sentido da mensagem
contida em 2 Co 6.14-18 é muito mais amplo e abarca todos e quaisquer tipos de
comunhão com incrédulos”. E mais: “Jesus não veio ao mundo para pregar uma
convivência ecumênica ou promover uma união de paz entre as religiões, por mais
intolerante e politicamente incorreto que isso possa parecer” (SANCHES, 2015). O
pastor Ciro Sanches, para o bem ou para o mal, é um dos escritores assembleianos mais
lidos no meio pentecostal na atualidade. Seus livros sempre figuram na lista dos mais
vendidos da Editora Casa Publicadora das Assembleias de Deus - CPAD . A percepção
do referido pastor no que se refere ao tema do ecumenismo (e diálogo inter-religioso) é
basicamente a percepção da comunidade, dos pastores, líderes, etc.
Para os pentecostais o ecumenismo e o pluralismo religioso são perspectivas
inadequadas para o seguidor de Jesus. Existem dois problemas que devem ser destacados
na compreensão pentecostal sobre o ecumenismo: o primeiro é que os pentecostais não
fazem diferença entre o movimento que busca a unidade dos cristãos (ecumenismo) e a
busca pela justiça, paz e a ecologia entre as religiões (pluralismo religioso). No artigo
supramencionado, o pastor Sanches afirma que “o ecumenismo aparenta ser um bom
caminho, em razão de pregar a tolerância à diversidade religiosa” (SANCHES, 2015).
Percebe-se claramente a definição equivocada de ecumenismo. Tal definição adequa-se ao
pluralismo religioso. A segunda questão, ainda mais grave, é o fato de que, para os
evangélicos pentecostais (especificamente os assembleianos), os católicos não são
cristãos. Aqui reside provavelmente o maior obstáculo para os assembleianos serem
ecumênicos. A compreensão elementar é que os católicos são aqueles que precisamos
“evangelizar”, “convertê-los”. Dessa forma, para os pentecostais brasileiros, não existe
possibilidade de unidade nem ecumênica, muito menos inter-religiosa.
Essa tradição é proveniente da perspectiva fundamentalista norte-americana. Os
missionários que vinham daquela região para contribuir com a igreja brasileira tinham
uma perspectiva extremamente pessimista quanto ao assunto em questão. O historiador
das assembleias de Deus brasileira, Isael de Araújo, no “Dicionário do Movimento
Pentecostal”, definindo o verbete “Pentecostal Teologia”, explica a diferença entre a
teologia escandinava e a norte-americana. Em determinado momento, diz Araújo:

10 Conforme acesso em 05/10/2017: http://www.cpadnews.com.br/blog/cirozibordi/apologetica-


crista/146/o-ecumenismo-religioso-e-o-jugo-desigual-.html

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Se os escandinavos fizeram um bom trabalho de base e de


estabelecimento da identidade pentecostal, os norte-
americanos fizeram um bom trabalho preventivo em relação
a modismos. Antes que determinadas doutrinas que já eram
populares nos EUA ganhassem força no Brasil, eles
preveniam os obreiros sobre elas. Por exemplo, na
Convenção Geral de 1962, em Recife, são o missionário
Lawrence Olson e o pastor Raymond Carson, então
presidente do Instituto Bíblico da AD em Minessota, que
viria a ser líder do Concílio Geral das ADs nos EUA, que
previnem os obreiros, em estudo bíblico, sobre os perigos
do ecumenismo, uma onda nova na época. Ao final daquela
convenção, Olson, Bergstén e o pastor Alcebíades
Vasconcelos, representando os obreiros brasileiros,
assinaram um documento, em nome da CGADB, contra o
ecumenismo (ARAÚJO, 2014, p. 561).

Como é possível perceber, a posição teológica pentecostal brasileira foi (e ainda


é) bastante influenciada pelos norte-americanos. Eram eles que determinavam qual a
perspectiva teológica que a igreja brasileira deveria seguir. Tanto no que se refere aos
temas sobre ecumenismo e pluralismo religioso como em outras temáticas. Araújo lembra
que “havia também os estudos norte-americanos sobre os erros do evolucionismo, o
liberalismo teológico, a Teologia da Libertação etc.” (ARAÚJO, 2014, p. 561). A respeito
de todos os temas supramencionados, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus - IEAD
brasileira mantém suas convicções. No fundo, a preocupação com a identidade cristã faz
com que essa denominação e seus respectivos líderes continuem pregando e ensinando
contra o pluralismo religioso.
A boa notícia é que nos últimos anos teólogos pentecostais vêm dedicando-se a
estudar o tema do pluralismo religioso. Algo que em outro momento não era sequer
imaginado. Embora esses estudiosos sejam oriundos de outros países, na sua maioria,
americanos, são, sem dúvida um sinal muito positivo. O principal teólogo pentecostal que
tem dedicado seus estudos sobre o tema é Amos Yong. Teólogo das Assembleias de
Deus americanas, publicou no ano 2000 na Universidade de Boston sua tese doutoral
intitulada “Discernindo os Espíritos – Uma contribuição Pentecostal Carismática para a

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Teologia Cristã das Religiões”11. Três anos depois (2003), Yong publicou a obra “Além
do Impasse – Em direção a uma Teologia Pneumatológica das Religiões” 12.
Logo na introdução da sua tese doutoral, expressando suas motivações para
estudar o tema, Yong afirma: “Uma teologia das religiões está intimamente ligada ao
diálogo das religiões e os pentecostais precisam estar envolvidos nessas conversas”
(YONG, 2000, p. 24). Sobre o entendimento pentecostal a respeito das outras religiões, o
teólogo americano afirma:

O entendimento pentecostal clássico de outras religiões


apela para o testemunho evangelístico levando à conversão.
Proselitismo, no entanto, é atualmente um termo pejorativo
em círculos inter-religiosos. Isso não significa que os
pentecostais devam desistir de suas atividades evangelísticas.
Significa simplesmente que o anúncio deve ser realizado em
tensão com outros modos de se relacionar com os de outras
religiões. Isso pode incluir serviços organizados, debates,
fóruns abertos, etc., o que chamamos de escuta, bem como
falar. Diálogo inter-religioso no sentido mais amplo cobre
esse amplo espectro de atividades. Considerando
visualizações pentecostais anteriores de outras tradições não
ter predisposto a engajar-se em mais do que testemunho
kerigmática, o cultivo desta atitude mais flexível é agora uma
tarefa urgente (YONG, 2003, p. 24-25).

O teólogo Amos Yong lembra que a abordagem dos pentecostais clássicos


sobre as outras religiões sempre se deu com finalidades proselitistas. O termo
proselitismo, de acordo com o próprio autor, tornou-se pejorativo nos dias atuais.
Contudo, Yong faz questão de dizer que tal situação não pode conduzir os pentecostais a
desistirem da evangelização, algo que para ele faz parte da identidade cristã e, por isso,
sob hipótese nenhuma deve ser abandonado. O teólogo ainda elenca algumas atividades
(debates, fóruns, serviços organizados) que podem envolver os pentecostais em conversas
sobre o diálogo inter-religioso. Finalmente, Yong afirma que a aproximação dos
pentecostais no diálogo das religiões é agora uma tarefa urgente.

11Discerning the Spirit(s) – A Pentecostal-Charismatic Contribution to Christian Theology of


Religions”.
12Beyond the Impasse – Toward a Pneuamatological Theology of Religions.

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O referido teólogo pentecostal está atento às metodologias adotadas dentro da


tradição cristã para a abordagem teológica das outras religiões. Ele lembra que “em
meados da década de 1980, a discussão sobre a teologia cristã das religiões foi dominada
pelas categorias de exclusivismo, inclusivismo e pluralismo” (YONG, 2003, p. 22). Longe
de uma postura exclusivista, Yong reconhece que a perspectiva inclusivista é uma das
mais adequadas. Nas suas próprias palavras, “a tese do cristianismo anônimo tem sido até
agora a mais produtiva não só no avanço do pensamento católico em teologia das
religiões, mas também em provocar contra repostas” (YONG, 2000, p. 42). A
centralidade da salvação em Jesus Cristo é inegociável para a fé cristã de modo geral e
especificamente para um pentecostal. Mesmo que a teologia passe do cristocentrismo
para o teocentrismo, como querem os pluralistas, Yong acredita que não é suficiente,
“uma vez que existem tradições, tais como Theravada e Zen Budismo e Taoísmo
filosófico que são essencialmente não-teístas” (YONG, 2000, p. 45). Mas as críticas do
teólogo americano à perspectiva pluralista se dão, sobretudo, no âmbito cristológico:

O que acontece com Cristo de Hick na "revolução


copernicana"? Em conjunto com a sua perspectiva de
pluralismo no início de 1970, Hick viu claramente que a
cristologia ortodoxa teve que ser radicalmente
reinterpretada. Sua própria contribuição para o mito do
Deus encarnado que ele editou em 1977 sinalizou seu
alijamento de pontos de vista cristológicos tradicionais,
uma posição que ele tem em grande parte mantida até o
presente. Jesus na teologia teocêntrica das religiões de
Hick não é o Filho de Deus encarnado, mas sim um
homem ungido pelo Espírito de Deus num grau maior
do que outras pessoas. O conceito de encarnação é uma
mera metáfora que chama a nossa atenção para a
presença de Deus no homem Jesus ao destacar sua
obediência à vontade divina (1989b, 1989c, 1995: 57-
59). O que aconteceu na teologia pluralista das religiões
de Hick (é claro,) é que o aspecto universal da relação
divina com seres humanos tem sido enfatizada em
detrimento do absoluto do núcleo cristológico da fé
crista (YONG, 2000, p. 45-46).

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Nas palavras de Amos Yong, a cristologia de Hick é alijada, uma vez que Jesus
não é o Filho de Deus encarnado, mas apenas um homem ungido pelo Espírito. A
encarnação é apenas uma metáfora e não um fato histórico que mudou a própria história
da humanidade, como sustentava o teólogo alemão Wolfharth Pannenberg (2009). Como
um bom teólogo pentecostal, Yong não admite esse reducionismo da pessoa de Jesus
Cristo, como pressuposto para que os cristãos participem do diálogo inter-religioso. A
sentença de Yong é clara: é inadmissível que o núcleo da fé cristológica seja relativizado
em detrimento do aspecto universal da relação divina com os seres humanos. Deve ser
justamente o contrário: é na ênfase da fé em Cristo e no seu Espírito que melhor pode ser
compreendido o aspecto universal da relação de Deus com os seres humanos.
No Brasil, a teologia assembleiana sempre se desenvolveu desde a perspectiva
clássica, ortodoxa e conservadora. As grandes transformações pelas quais a sociedade
passou (e vem passando) não foram suficientes para provocar mudanças no contexto
teológico das assembleias de Deus. Dessa forma, a perspectiva no que se refere às
religiões não cristãs sempre foi negativa, conforme já foi observado pelos textos do
pastor Ciro Sanches. Ainda nos tempos atuais é comum você ouvir um líder de uma
comunidade e até mesmo teólogos pentecostais se referirem às religiões não cristãs como
“obras do diabo”.
Em passos lentos e ainda tímidos, teólogos assembleianos estão interessados no
tema do pluralismo religioso. Já é possível encontrar reflexões teológicas no contexto da
IEAD que objetivam repensar alguns temas, dialogar com outras perspectivas e até
mesmo propor mudança de paradigma. Nesse aspecto, o teólogo paraibano Esdras Costa
Bentho tem sido um dos principais proponentes de uma nova reflexão teológica
pentecostal. Em artigo publicado no site de notícias da denominação (CPAD News),
Bentho refletiu sobre o tema: “Teologia e novos paradigmas: desafios ao pentecostalismo
contemporâneo”.13 O teólogo pentecostal destacou as propostas apresentadas por dois
teólogos católicos, a saber, Andrés Torres Queiruga e Hans Küng. Em sintonia com
Quieruga e Küng e espírito ecumênico, Bentho afirma que “no bojo dos novos
paradigmas a modernidade trouxe duas dimensões da vida humana que é inútil combatê-
las, cabendo-nos o compromisso de redirecioná-las: a autonomia e a historicidade”
(BENTHO, 2013). A proposta em si já é bastante otimista. É um teólogo pentecostal,
pastor das assembleias de Deus, que expressa o desafio de mudança paradigmática na
teologia pentecostal. Após expor de forma resumida as propostas dos teólogos católicos,
Bentho conclui seu texto com palavras provocadoras: “Nenhuma tradição é obrigada a

13 Conforme acesso em 05/10/2017: http://www.cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/cultura-


crista/83/teologia-e-novos-paradigmas:-desafios-ao-pentecostalismo-contemporaneo.html

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aceitar tais proposições, mas é sensato considerá-las seriamente, se de fato há algum


interesse em dialogar com a pós-modernidade e fazer a fé inteligível no mundo de hoje”.
E deixa um conselho para a teologia pentecostal: “Cabe à teologia pentecostal encontrar
seu próprio caminho num mundo que se fechou para ouvir as vozes teológicas fincadas
em paradigmas ultrapassados” (BENTHO, 2013).
Dentro do contexto atual das assembleias de Deus, Bentho tem apresentado
reflexões teológicas que tratam dos problemas da pós-modernidade, inclusive, o
pluralismo religioso. No verão de 2013, ele publicou um artigo no site oficial de notícias
da IEAD (CPAD News), cujo título é: “John Hick e a Teologia do pluralismo
religioso”.14 Nesse artigo, Bentho apresenta aos seus irmãos pentecostais a perspectiva do
teólogo inglês sobre o pluralismo religioso. Após apresentação sintetizada, Bentho afirma
que o problema que Hick tem que enfrentar é a exclusividade da pessoa de Jesus Cristo.
Para isso, é necessário descontruir a fé, tal como se encontra apresentada pelos Concílios.
Bentho lembra com razão que “essa posição dificilmente seria aceita pelos primeiros
teólogos da igreja nascente, e provavelmente, seria condenada pelos primeiros concílios”
(BENTHO, 2013). Já no verão de 2014, o teólogo paraibano, em outro artigo no mesmo
site, perguntou: “Jesus Cristo, obstáculo ao diálogo inter-religioso?”. A partir dessa
pergunta, Bentho mais uma vez apresenta uma reflexão pentecostal sobre o pluralismo
religioso. Desta feita, ele mantém as críticas às posições que relativizam a pessoa de Jesus
Cristo e reafirma sua posição teológica ao lado da perspectiva “que não apenas afirma que
Jesus é a manifestação salvífica, mas o próprio realizador exclusivo, singular e definitivo
da salvação” (BENTHO, 2014). O propósito do artigo supramencionado é refutar a
perspectiva pluralista que reduz e atenua a revelação de Deus em Jesus Cristo e a
singularidade da salvação por ele mediada e efetuada. Bentho aponta cinco pontos para
refutar a proposta pluralista. Por questões metodológicas, destacam-se aqui o quarto e o
quinto:

Quarto, aceitar novos mediadores na mesma categoria de


Jesus Cristo é negar o núcleo da fé cristã. Jesus não é apenas
mais alguém na história que revela mais alguma coisa de
Deus na imperfeição própria da condição humana. Ele é o
único Salvador, não somente mediação manifestativa ou
normativa, mas constitutiva da salvação. Ele é o filho de
Deus e por isso mediador único e universal da salvação e do

14 Acesso em 05/10/2017: http://www.cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/cultura-


crista/65/john-hick-e-a-teologia-do-pluralismo-religioso.html

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Setembro/Dezembro de 2018 - ISSN 1983-2850
/ A teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o paradigma do
pluralismo religioso, 251-276 /

próprio Deus. Jesus é uma pessoa concreta da revelação


única e exclusiva de Deus e não uma expressão
contextualizada dessa revelação. Quinto, a ação do Espírito
Santo como testemunhada pelas Escrituras não se acha da
mesma forma ou equivalente noutras religiões. Ele se
manifesta fora do corpo visível da Igreja mas não atua nos
adeptos dessas religiões, como ministra aos fiéis em Cristo,
transformando-os em “outros Cristos” “filhos no Filho”,
assumindo a natureza concreta de Jesus (BENTHO, 2014).

A perspectiva do teólogo pentecostal está pautada dentro da perspectiva clássica


da fé cristã. Nada de abrir mão da singularidade da salvação de Jesus Cristo. Nada de
reducionismos em relação à pessoa e à obra salvífica por Ele efetuada e realizada. São
questões que dizem respeito ao núcleo central da fé cristã e, portanto, atingem
diretamente a identidade cristã pentecostal. E isso, nem Bentho nem os pentecostais
estão dispostos a colocar de lado. Contudo, isso não significa absolutamente que os
pentecostais não queiram o diálogo com pessoas de outras religiões.
O mesmo teólogo Esdras Costa Bentho elaborou uma revista para a Escola
Bíblica Dominical, que foi estudada em todas as igrejas das Assembleias de Deus no
Brasil, durante o quarto trimestre do ano de 2015. A revista tinha como título
“Estabelecendo relacionamentos saudáveis – vivendo e aprendendo a viver”. A lição de
número 8 (oito), no dia 22 de novembro, trazia como tema “O relacionamento com
pessoas de uma fé diferente”. Logo no início da lição, Bentho afirma que “a fé cristã está
fundamentada na revelação de Deus em Cristo, e nisto se distingue das demais crenças e
religiões, embora reconheça o direito de todos expressarem livremente suas crenças”
(BENTHO, 2015, p. 38). É uma perspectiva inovadora, que aponta para um futuro
promissor nas Assembleias de Deus brasileiras. É uma revista de Escola Dominical dessa
denominação, que ensina aos seus fiéis que “o relacionamento do cristão com pessoas de
outras religiões deve ser com respeito, sincero e firme”. Rompendo com o exclusivismo,
o teólogo pentecostal ensina a comunidade que “há salvação fora das instituições
religiosas”, mas lembra que “não há salvação fora de Jesus”. E mais: “o diálogo com
pessoas de crenças diferentes está presente em todos os relacionamentos cristãos onde a
segunda pessoa professa um credo distinto ou procede de outra religião. Jesus (Jo 4.1-30)
e Paulo (At 17) deram profundas lições no que concerne ao diálogo religioso”
(BENTHO, 2015, p. 42). Portanto, é perceptível que a IEAD e seus fiéis estão vivendo
um novo momento na história.

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pluralismo religioso, 251-276 /

Conclusão
O presente artigo apresentou os clássicos modelos pelos quais a teologia é
produzida. De modo geral, é possível afirmar que, em diferentes lugares, cada um dos
modelos apresentados (exclusivista, inclusivista e pluralista) encontram seus
representantes, alguns mais outros menos. Seguindo o teólogo francês Claude Geffré, foi
apresentado o pluralismo religioso como um paradigma para se fazer teologia. Diante
desse novo paradigma, é necessário o cristianismo repensar temas fundamentais, sem,
contudo, negociar sua identidade. Esse é o caminho para se fazer teologia desde o
paradigma emergente. A partir dessa premissa, a teologia pentecostal está inserindo-se aos
poucos no diálogo com a teologia do pluralismo religioso.
Passado o seu primeiro centenário, é possível afirmar que as igrejas evangélicas
Assembleias de Deus, agora está, ainda que de forma bastante lenta, se abrindo para o
diálogo inter-religioso, ensinando os seus membros que esse diálogo tem em Jesus o
respaldo e que deve ser feito com respeito e sinceridade. Esse respeito,
consequentemente, precisa ser com as pessoas de outras religiões e o fato de suas crenças.
A questão fundamental para os pentecostais e para qualquer outro cristão é o núcleo da
fé, que não pode ser negociado nem relativizado. Para os cristãos, principalmente para os
pentecostais e para as pessoas de outras religiões em geral, ter uma identidade sólida é
pressuposto indispensável para qualquer tipo de participação no diálogo inter-religioso.
Nesse sentido, é possível afirmar uma nova primavera na teologia pentecostal, em que
essa significativa tradição cristã olha de forma positiva para o diálogo inter-religioso.

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