A Teologia Pentecostal Das Assembleias de Deus
A Teologia Pentecostal Das Assembleias de Deus
32,
Setembro/Dezembro de 2018 - ISSN 1983-2850
/ A teologia pentecostal das Assembleias de Deus e o paradigma do
pluralismo religioso, 251-276 /
DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhranpuh.v11i32.39318
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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano XI, n. 32,
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pluralismo religioso, 251-276 /
theology of religious pluralism. From a bibliographical research, the author (who speaks
from the Assemblian locus) presents new perspectives regarding to this relation. From
the perspective of faith (without negotiating Christian identity), the text concludes that
Pentecostal theology has already affirmed in a positive way the dialogue with people of
other religious traditions.
Keywords: Pentecostal Theology. Religious Pluralism. Dialogue..
Introdução
As igrejas evangélicas Assembleias de Deus, apresentam parcela significativa do
pentecostalismo brasileiro. Com pouco mais de cem anos, essa igreja conta com
aproximadamente 20 milhões de membros espalhados em todo país. Nos anos iniciais,
com poucos recursos financeiros, a igreja enfrentou diversas dificuldades para seu
estabelecimento na terra de Santa Cruz. Embora, sempre houve críticas de que os líderes
e membros dessa comunidade não tinham apreço pelos estudos formais, os
assembleianos sempre foram muito dedicados aos estudos informais 2. Contudo, diante
das mudanças culturais, religiosas e tecnológicas, bem como das profundas
transformações pelas quais passaram e vem passando a sociedade e, consequentemente, a
2 No texto, estudos informais diz respeito aos estudos bíblicos realizados nas comunidades, tais
como Escolas Bíblicas, cultos de ensino, entre outras atividades de ensino realizada na comunidade.
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teologia, as Assembleias de Deus estão cada vez mais se dedicando aos estudos formais.
Uma prova disso são as faculdades evangélicas, com cursos superiores espalhados pelo
país. A teologia chegou para ficar no ambiente pentecostal.
Contudo, como já mencionado, a teologia cristã brasileira está passando por
profundas transformações (no campo social e religioso) e estas, são provocadas pela
pluralidade religiosa e cultural, estabelecida no país. Diante das nuances culturais, a
teologia, que é feita dentro do seu contexto, precisa cada vez mais se repensar e se
refazer, na intenção de fazer sentido para as pessoas da nossa época. Diante da situação
plural, considerando o pouco tempo que os assembleianos estão inseridos no cenário
teológico, qual é o posicionamento dessa igreja frente ao paradigma do pluralismo
religioso? O que os teólogos pentecostais pensam a respeito? O tema está em debate na
comunidade pentecostal? O presente artigo quer responder tais questionamentos e
verificar em que medida a teologia pentecostal pode dialogar com o paradigma do
pluralismo religioso.
Os paradigmas teológicos
Nesse momento, convém apresentar de forma sucinta alguns paradigmas em
que se produziu teologia ao longo dos séculos, especificamente os séculos XIX e XX. Os
paradigmas escolhidos (exclusivismo, inclusivismo e pluralismo) foram adotados por
alguns autores, no entanto, foram bastante criticados por outros. Os críticos (o teólogo
Luis Carlos Susin, por exemplo) acentuam que a utilização de modelos acaba por colocar
a experiência das relações entre religiões em uma camisa de força, pois modelos não dão
conta das mais variadas possibilidades de relações. Sem ter a intenção de fazer o
desdobramento aprofundado de cada modelo (não é esse o objetivo), apresentam-se
apenas alguns traços característicos de cada um dos três modelos porque, mesmo tendo
em conta as objeções e os riscos, continuam a ser úteis quando mantidos dentro de
objetivos analíticos específicos, como é o nosso caso.
O principal paradigma em que se produziram as bases da teologia cristã foi o
exclusivista, que foi até o início do século XX o paradigma por excelência. Com raras
exceções, o exclusivismo dominou a reflexão teológica na maior parte da história do
cristianismo. A partir da sentença Extra Ecclesiam nulla salus (Fora da Igreja não há
salvação), a teologia cristã pensava todos os outros temas teológicos. O axioma atribuído
a São Cipriano foi assumido pelo Concílio de Florença em 1442 em seu decreto sobre os
Jacobitas. As palavras expressas em Florença, pela força como foram proferidas, devem
ser citadas aqui.
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3É importante mencionar o fato de que tal expressão foi (e ainda é) interpretada muitas vezes fora
do seu respectivo contexto. E é justamente essa interpretação fora do contexto que pode estar
equivocada. A realidade da graça tem uma face invisível em que estão escondidos os santos e justos.
Nesse aspecto, a igreja tem um caráter sacramental. Na medida em que pensamos a igreja desde a
perspectiva institucional, existe salvação fora da igreja. Contudo, quando pensamos a igreja desde a
perspectiva do Mistério, uma vez que toda graça é eclesial, de fato não há salvação fora da igreja.
Portanto, o texto no qual se encontra a presente afirmação pode ser interpretado desde a
perspectiva inclusiva.
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4 A citação é feita por Paul Knitter na obra Introdução à Teologia das Religiões. Vale a observação
de que por trás da teologia dialética de Barth está a sola gratia, que não é propriamente institucional.
No exclusivismo, o peso institucional é muito grande. Contudo, teólogos como Paul Knitter o
inclui no paradigma exclusivista.
5 Disponível em:
http://acritica.uol.com.br/noticias/Amazonas-Manaus-Cotidiano-Polemica-alunos-professores-
trabalho-escolar-afro-brasileiro-evangelicos-satanismo-homossexualismo-
espiritismo_0_808119201.html Acesso em 14/10/2014.
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concessões (KNITTER, 2008, p. 83). Portanto, a ação salvadora de Deus alcança toda a
história por meio da autocomunicação divina6. Os que aceitam essa autocomunicação têm
uma experiência original de Deus e entram para a categoria dos cristãos anônimos,
independentemente de ser ateu ou mesmo de outra tradição religiosa. Ou seja, o ser
humano pode ter uma experiência de Deus fora dos limites da igreja e da religião cristã. É
sem dúvida um notável avanço.
A teoria dos “cristãos anônimos” foi aceita no Concílio Vaticano II, e, da
mesma forma como foi destacado o texto de Florença sobre o exclusivismo, vale ressaltar
importante texto de Nostra Aetate, que diz:
6 Trata-se de uma teoria que defende a comunicação de Deus com todo ser humano.
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7 Diretamente, o pluralismo religioso defende que cada religião tem o seu próprio Messias. As
diferentes figuras de Deus operam a salvação em cada religião específica.
8Embora falemos de Hick como uma grande referência no modelo do pluralismo religioso, é
importante ressaltar que existem defensores do pluralismo religioso, que não estão de acordo com
Hick e o consideram exagerado e relativista (Mário de França Miranda, por exemplo). Nesse
aspecto, vale destacar que algumas literaturas recentes, diferenciam pluralismo religioso e
relativismo. O primeiro não necessariamente conduz ao segundo. Contudo, isso pode acontecer,
desde a visão extremista, de Hick, por exemplo.
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muitas outras posições pluralistas. Como afirma Vigil, “o pluralismo é maior que Hick e
não depende dele” (VIGIL, 2006, p. 88).
Muitas vezes os detratores acusaram o pluralismo religioso de não respeitar a
particularidade de cada religião, dizendo que para ele todas as religiões são iguais. No
entanto, essa acusação não procede. O paradigma pluralista sensato reconhece e afirma a
particularidade de cada religião. Nas palavras do teólogo pluralista José Maria Vigil, essa
posição
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Geffré que “não é nem uma unicidade de exclusão nem uma unicidade de inclusão.
Trata-se de uma unicidade relativa em sentido relacional” (GEFFRÉ, 2013, p. 40).
A legitimidade das religiões começa a se desenhar com as afirmações positivas
sobre as outras tradições religiosas feitas no Vaticano II. Apesar da timidez dos
pronunciamentos conciliares, ninguém pode negar que houve um grande avanço por um
lado e, por outro, a abertura de novos caminhos teológicos. A partir do encontro de
Assis, ocorrido em 17 de outubro de 1986, compreende-se melhor a nova situação
histórica da teologia cristã. O pluralismo religioso não deverá mais ser visto como
ideologia que relativiza os valores absolutos e prejudica a fé da Igreja. Pelo contrário, nos
dias atuais, quando sabemos melhor que o futuro do cristianismo não se coloca mais
principalmente no Ocidente, o pluralismo religioso é o destino da Igreja.
O paradigma do pluralismo como questão teológica deverá ser o horizonte de
toda reflexão sobre Deus, cristologia, eclesiologia e missão. O último concílio, o Vaticano
II, abriu caminhos fecundos para que a teologia cristã possa aos poucos ser uma teologia
relacional, que dialogue de igual modo (?) com outras teologias. O eurocentrismo da
teologia cristã vem aos poucos dando lugar a uma reflexão policêntrica que pode ser
terreno de fecundação mútua. O paradigma emergente do pluralismo religioso busca
conscientizar a todos que todas as teologias devem dialogar entre si tendo como objetivo
final a plenitude humana.
O pluralismo religioso está dividido em duas vertentes: o pluralismo de fato e o
pluralismo de princípio. A primeira diz respeito à própria pluralidade ou diversidade de
tradições religiosas existentes, todas elas. Tal diversidade existe de fato e não pode ser
negada. No entanto, a existência desse pluralismo de fato leva o teólogo Claude Geffré a
se questionar se “nós não somos convidados a pensar na possibilidade de um pluralismo
de princípio que dependeria do próprio desígnio de Deus” (GEFFRÉ, 2004, p. 135).
O debate sobre a aceitação decidida de um pluralismo de princípio suscita
divergência de opiniões no universo da teologia. Entre os teólogos que defendem essa
corrente, é possível encontrar nomes como E. Schillebeeckx, J. Dupuis, M. Amaladoss,
Roger Haight e Geffré. Para o teólogo brasileiro Mário de França Miranda, defensor de
um pluralismo de fato, esse debate é secundário, visto que as religiões “não estão aí para
completar o que faltou em Jesus Cristo, mas sim o que falta em nossa apropriação desta
verdade última sobre Deus e sobre nós, que é inevitavelmente contextualizada e
histórica” (MIRANDA, 2002, p. 35). Geffré faz um questionamento que, devido à sua
importância, merece ser citado:
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O pluralismo religioso é uma questão que a teologia cristã deverá encarar com
muita seriedade. Não se trata apenas de “acrescentar um capítulo ao edifício solidamente
construído da teologia clássica” (GEFFRÉ, 2013, p. 27), mas assumir o risco de
reinterpretações dos principais capítulos da teologia cristã com a finalidade de dialogar
com o mundo de hoje, respeitando a consciência autônoma e histórica de cada indivíduo.
De acordo com Schillebeeckx, a teologia cristã precisa reconhecer que “a certeza
inabalável de que continuamos possuindo a verdade, enquanto os demais estão errados,
não é mais uma possibilidade”. Ainda: “a multiplicidade de religiões não é um mal que
precisa ser removido, mas antes uma riqueza que tem de ser bem vinda e por todos
desfrutada [...] Há mais verdade religiosa em todas as religiões juntas do que em uma
religião determinada [...] isso se aplica também ao cristianismo” (SCHILLEBEECKX,
2008, p. 25). Em perfeita sintonia, Geffré afirma:
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portanto, fazer parte do Reino de Deus sem fazer parte da Igreja e sem passar pela sua
mediação” (GEFFRÉ, 2013, p. 79).
Dessa forma, todas as vezes que homens e mulheres pertencentes às outras
tradições religiosas trabalham em favor da paz, da justiça, da liberdade, da fraternidade,
contribuem misteriosamente para o advento do Reino de Deus na história. Nesse
aspecto, vale salientar que os conteúdos do Reino dizem respeito à humanidade de modo
geral e não simplesmente à religião. Portanto, o caminho de Jesus não diz respeito a um
centrismo fechado como considerado pela cristologia exclusivista, mas pode ser
considerado como uma encruzilhada de muitos caminhos. Seguindo o horizonte do
Reino de Deus, que estava no centro da mensagem e da vida de Jesus, o próprio
pentecostalismo poderá dialogar com outras tradições religiosas e estas podem cooperar
juntas para a promoção e proclamação de um mundo de paz e justiça, onde o amor de
Deus pelo Espírito Santo possa fluir livremente no coração de cada ser humano.
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visão básica dos assembleianos brasileiros. Isso não impede que a próprias assembleias de
Deus, a partir da sua própria matriz pentecostal, possa se abrir para um fecundo diálogo
inter-religioso, em base aos próprios elementos já presentes dentro da sua própria
doutrina.
A perspectiva atual dos pentecostais clássicos no que se refere ao
ecumenismo e ao diálogo inter-religioso não é gratuita. As assembleias de Deus, nos seus
anos iniciais no Brasil, sofreu muitas perseguições de outras igrejas cristãs, sobretudo, da
igreja Católica. Isael de Araújo dedica um longo espaço no Dicionário do Movimento
Pentecostal para detalhar algumas perseguições que a igreja sofreu. Logo no início da
definição da palavra “Perseguição”, Araújo afirma que se trata de um
9Esseé o título de um artigo do pastor Ciro Sanches Zibordi, publicado no Jornal Oficial das
Assembleias de Deus – “Mensageiro da Paz” em março de 2012.
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no site de notícias da denominação (CPAD News) 10. Desta feita, Sanches utiliza-se do
texto bíblico (2 Coríntios 6. 14-18) para afirmar que o ecumenismo é também jugo
desigual. Nas suas próprias palavras, apesar de “os pregadores e ensinadores comumente
usarem o termo jugo desigual para referirem ao casamento misto, o sentido da mensagem
contida em 2 Co 6.14-18 é muito mais amplo e abarca todos e quaisquer tipos de
comunhão com incrédulos”. E mais: “Jesus não veio ao mundo para pregar uma
convivência ecumênica ou promover uma união de paz entre as religiões, por mais
intolerante e politicamente incorreto que isso possa parecer” (SANCHES, 2015). O
pastor Ciro Sanches, para o bem ou para o mal, é um dos escritores assembleianos mais
lidos no meio pentecostal na atualidade. Seus livros sempre figuram na lista dos mais
vendidos da Editora Casa Publicadora das Assembleias de Deus - CPAD . A percepção
do referido pastor no que se refere ao tema do ecumenismo (e diálogo inter-religioso) é
basicamente a percepção da comunidade, dos pastores, líderes, etc.
Para os pentecostais o ecumenismo e o pluralismo religioso são perspectivas
inadequadas para o seguidor de Jesus. Existem dois problemas que devem ser destacados
na compreensão pentecostal sobre o ecumenismo: o primeiro é que os pentecostais não
fazem diferença entre o movimento que busca a unidade dos cristãos (ecumenismo) e a
busca pela justiça, paz e a ecologia entre as religiões (pluralismo religioso). No artigo
supramencionado, o pastor Sanches afirma que “o ecumenismo aparenta ser um bom
caminho, em razão de pregar a tolerância à diversidade religiosa” (SANCHES, 2015).
Percebe-se claramente a definição equivocada de ecumenismo. Tal definição adequa-se ao
pluralismo religioso. A segunda questão, ainda mais grave, é o fato de que, para os
evangélicos pentecostais (especificamente os assembleianos), os católicos não são
cristãos. Aqui reside provavelmente o maior obstáculo para os assembleianos serem
ecumênicos. A compreensão elementar é que os católicos são aqueles que precisamos
“evangelizar”, “convertê-los”. Dessa forma, para os pentecostais brasileiros, não existe
possibilidade de unidade nem ecumênica, muito menos inter-religiosa.
Essa tradição é proveniente da perspectiva fundamentalista norte-americana. Os
missionários que vinham daquela região para contribuir com a igreja brasileira tinham
uma perspectiva extremamente pessimista quanto ao assunto em questão. O historiador
das assembleias de Deus brasileira, Isael de Araújo, no “Dicionário do Movimento
Pentecostal”, definindo o verbete “Pentecostal Teologia”, explica a diferença entre a
teologia escandinava e a norte-americana. Em determinado momento, diz Araújo:
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Teologia Cristã das Religiões”11. Três anos depois (2003), Yong publicou a obra “Além
do Impasse – Em direção a uma Teologia Pneumatológica das Religiões” 12.
Logo na introdução da sua tese doutoral, expressando suas motivações para
estudar o tema, Yong afirma: “Uma teologia das religiões está intimamente ligada ao
diálogo das religiões e os pentecostais precisam estar envolvidos nessas conversas”
(YONG, 2000, p. 24). Sobre o entendimento pentecostal a respeito das outras religiões, o
teólogo americano afirma:
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Nas palavras de Amos Yong, a cristologia de Hick é alijada, uma vez que Jesus
não é o Filho de Deus encarnado, mas apenas um homem ungido pelo Espírito. A
encarnação é apenas uma metáfora e não um fato histórico que mudou a própria história
da humanidade, como sustentava o teólogo alemão Wolfharth Pannenberg (2009). Como
um bom teólogo pentecostal, Yong não admite esse reducionismo da pessoa de Jesus
Cristo, como pressuposto para que os cristãos participem do diálogo inter-religioso. A
sentença de Yong é clara: é inadmissível que o núcleo da fé cristológica seja relativizado
em detrimento do aspecto universal da relação divina com os seres humanos. Deve ser
justamente o contrário: é na ênfase da fé em Cristo e no seu Espírito que melhor pode ser
compreendido o aspecto universal da relação de Deus com os seres humanos.
No Brasil, a teologia assembleiana sempre se desenvolveu desde a perspectiva
clássica, ortodoxa e conservadora. As grandes transformações pelas quais a sociedade
passou (e vem passando) não foram suficientes para provocar mudanças no contexto
teológico das assembleias de Deus. Dessa forma, a perspectiva no que se refere às
religiões não cristãs sempre foi negativa, conforme já foi observado pelos textos do
pastor Ciro Sanches. Ainda nos tempos atuais é comum você ouvir um líder de uma
comunidade e até mesmo teólogos pentecostais se referirem às religiões não cristãs como
“obras do diabo”.
Em passos lentos e ainda tímidos, teólogos assembleianos estão interessados no
tema do pluralismo religioso. Já é possível encontrar reflexões teológicas no contexto da
IEAD que objetivam repensar alguns temas, dialogar com outras perspectivas e até
mesmo propor mudança de paradigma. Nesse aspecto, o teólogo paraibano Esdras Costa
Bentho tem sido um dos principais proponentes de uma nova reflexão teológica
pentecostal. Em artigo publicado no site de notícias da denominação (CPAD News),
Bentho refletiu sobre o tema: “Teologia e novos paradigmas: desafios ao pentecostalismo
contemporâneo”.13 O teólogo pentecostal destacou as propostas apresentadas por dois
teólogos católicos, a saber, Andrés Torres Queiruga e Hans Küng. Em sintonia com
Quieruga e Küng e espírito ecumênico, Bentho afirma que “no bojo dos novos
paradigmas a modernidade trouxe duas dimensões da vida humana que é inútil combatê-
las, cabendo-nos o compromisso de redirecioná-las: a autonomia e a historicidade”
(BENTHO, 2013). A proposta em si já é bastante otimista. É um teólogo pentecostal,
pastor das assembleias de Deus, que expressa o desafio de mudança paradigmática na
teologia pentecostal. Após expor de forma resumida as propostas dos teólogos católicos,
Bentho conclui seu texto com palavras provocadoras: “Nenhuma tradição é obrigada a
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Conclusão
O presente artigo apresentou os clássicos modelos pelos quais a teologia é
produzida. De modo geral, é possível afirmar que, em diferentes lugares, cada um dos
modelos apresentados (exclusivista, inclusivista e pluralista) encontram seus
representantes, alguns mais outros menos. Seguindo o teólogo francês Claude Geffré, foi
apresentado o pluralismo religioso como um paradigma para se fazer teologia. Diante
desse novo paradigma, é necessário o cristianismo repensar temas fundamentais, sem,
contudo, negociar sua identidade. Esse é o caminho para se fazer teologia desde o
paradigma emergente. A partir dessa premissa, a teologia pentecostal está inserindo-se aos
poucos no diálogo com a teologia do pluralismo religioso.
Passado o seu primeiro centenário, é possível afirmar que as igrejas evangélicas
Assembleias de Deus, agora está, ainda que de forma bastante lenta, se abrindo para o
diálogo inter-religioso, ensinando os seus membros que esse diálogo tem em Jesus o
respaldo e que deve ser feito com respeito e sinceridade. Esse respeito,
consequentemente, precisa ser com as pessoas de outras religiões e o fato de suas crenças.
A questão fundamental para os pentecostais e para qualquer outro cristão é o núcleo da
fé, que não pode ser negociado nem relativizado. Para os cristãos, principalmente para os
pentecostais e para as pessoas de outras religiões em geral, ter uma identidade sólida é
pressuposto indispensável para qualquer tipo de participação no diálogo inter-religioso.
Nesse sentido, é possível afirmar uma nova primavera na teologia pentecostal, em que
essa significativa tradição cristã olha de forma positiva para o diálogo inter-religioso.
Referências
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BENTHO, Esdras. “Teologia e novos paradigmas: desafios ao novo paradigma contemporâneo”
(2015). Em: http://cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/cultura-crista/83/teologia-e-
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07/07/2017.
_______________. “John Hick e a teologia do pluralismo religioso” Em:
http://cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/cultura-crista/65/john-hick-e-a-teologia-
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______________. “Jesus Cristo, obstáculo ao diálogo inter-religioso?” Em:
http://www.cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/cultura-crista/91/jesus-cristo-
obstaculo-ao-dialogo-religioso.html Consulta em 07/07/2017.
______________. Estabelecendo relacionamentos saudáveis – vivendo e aprendendo a
viver (Revista da Escola Bíblica Dominical). Rio de Janeiro: CPAD, quarto trimestre de 2015.
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DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999.
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