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Das Origens À Reforma Joanina de 1537

Este documento descreve a história do Arquivo da Universidade de Coimbra desde sua fundação em 1290 até o início do século XX. O Arquivo contém uma vasta documentação produzida pela Universidade ao longo dos séculos, incluindo sua carta de fundação de 1290. O documento mais antigo data de 983 e pertenceu à Colegiada de Guimarães. O Livro Verde, transcrito em 1471, fornece evidências de que um arquivo existia desde o início.

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Das Origens À Reforma Joanina de 1537

Este documento descreve a história do Arquivo da Universidade de Coimbra desde sua fundação em 1290 até o início do século XX. O Arquivo contém uma vasta documentação produzida pela Universidade ao longo dos séculos, incluindo sua carta de fundação de 1290. O documento mais antigo data de 983 e pertenceu à Colegiada de Guimarães. O Livro Verde, transcrito em 1471, fornece evidências de que um arquivo existia desde o início.

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ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Por Manuel Augusto Rodrigues

1. Das origens à Reforma Joanina de 1537

A Universidade de Coimbra, juntamente com a do Minho, é a úni-


ca a possuir um Arquivo próprio. E mesmo a nível internacional são
poucas as Universidades que têm Arquivos para guardarem a documen-
tação que se produz e se foi produzindo ao longo dos tempos. Seria de
louvar a criação de semelhantes instituições em todas as Universidades,
meio indispensável de preservar a memória de cada uma.
No Arquivo da Universidade de Coimbra está depositada uma
riquíssima documentação produzida e recebida ao longo dos séculos pela
instituição, o que significa que ele reflecte de forma singular a vida da
própria Universidade, que em 1990 evocou o 7o centenário da sua cria-
ção. O documento da fundação, de 1 de Março de 1290, é sem dúvida o
mais significativo de todo o espólio guardado no Arquivo. Também os
Estatutos de D. Manuel de 1502 (?) e os Pombalinos de 1772 constituem
outros notáveis marcos de referência, que nunca será demais encarecer.
Mas há outra documentação que ali foi incorporada no decurso do tem-
po, como mais adiante se exporá com mais pormenor. Para já, é de re-
cordar que o documento mais antigo que nele se guarda, data de 983
(Era de 1021) e pertenceu à Colegiada de Guimarães.
Falar da história do Arquivo é falar da história do País, tão grande
foi o número de personagens ilustres que passaram pela Universidade e

23
cujos registos de matrículas e de exames ali se conservam. Basta pensar
em Antero de Quental, Guerra Junqueira, Almeida Garrett, António
Feliciano de Castilho, Teófilo Braga, Sidónio Pais e os mais de 3 000
estudantes brasileiros que desde o séc. XVI até ao séc. XIX frequenta-
ram a "Alma Mater Conimbrigensis". Entre eles, destacam-se José
Bonifácio de Andrada e Silva, António Morais e Silva, Bartolomeu de
Gusmão, António José da Silva ("o judeu"), etc.
Mas vejamos antes de mais a história do Arquivo da Universidade
de Coimbra, até há pouco o único existente em Portugal e um dos pou-
cos a nível mundial. Criada em 1290 por D. Dinis, certamente que logo
desde o início possuiu a Universidade documentos que diziam respeito
à sua vida e funcionamento, a começar pela referida carta dionisiana; o
que significa que havia na instituição um Arquivo próprio. Como escre-
ve o Dr. António de Vasconcelos no seu valioso trabalho O Arquivo da
Universidade: "É de crer que desde o princípio o instituto cuidasse de ir
arquivando os diplomas, que lhe concediam privilégios, rendas e favo-
res, ou regulamentavam a sua vida e modificavam as suas condições de
existência; é muito natural também que fossem exarando assentos, re-
gistos e notas das deliberações que se tomavam, dos contratos que se
faziam, dos mestres que se assalariavam, e quiçá dos estudantes que iam
completando seus cursos, etc."1.
O ilustre Mestre, que foi o primeiro director do Arquivo a partir de
1901, ano em que ele foi criado como repartição oficial, diz ainda acerca
das suas origens: "Nada, absolutamente nada nos resta desse arquivo
primordial, que deve ter existido, e quase nos sentiríamos tentados a
acreditar que a Universidade a princípio não teve arquivo próprio, se
uma tal falta não fora inverosímil, por contrária aos hábitos e tradições
da época, em que o convento mais modesto, a colegiada mais pobre, o
município mais insignificante possuíam os seus cartórios, e cuidavam
da sua organização e disposição com religioso escrúpulo. A vida da Uni-
versidade era, não há dúvida, rudimentar apenas e sem importância; mas
ainda assim não pode admitir-se a carência absoluta dum arquivo, onde
se guardassem os seus livros e diplomas".

O Livro Verde

O valioso Livro Verde, cujo original se conserva no Arquivo da


Universidade, e do qual se fizeram uma edição fac-similada e outra com
a sua transcrição por ocasião da celebração dos 700 anos da fundação da

1
Cfr.: VASCONCELOS, António de - O Arquivo da Universidade. Coimbra :
Arquivo da Universidade, 1991. É a reed. do texto publicado no Anuário da Universida-
de, vol. CCVII, 1902-1903, p. 3-51, acompanhada de uma introdução pelo seu Director
e de um Anexo, contendo os relatórios de Júlio Dantas. Brito e Silva e Ferrand de Almeida.

24
Universidade2, é um testemunho evidente de que, desde o início, existiu
esse cartório, "apesar de modesto e pobre, como certamente era". Com
efeito naquele cartulário conservam-se transcritos muitos diplomas, "ele-
mentos preciosos que, bem estudados e ponderados, nos deixam surpre-
ender no primeiro período da história da Universidade o cuidado de or-
ganizar esse cartório, que infelizmente veio a desaparecer"3. O Livro
Verde constitui hoje um meio fundamental para se conhecerem muitos
documentos - alguns deles transcritos directamente dos originais, mas
muitos a partir de traslados autênticos - que de outra forma não o seriam.
De referir a publicação do Chartularium Universitatis
Portugalensis, iniciada por Artur Moreira de Sá em 1966. Após a morte
desse ilustre professor e investigador, a publicação foi retomada por Fran-
cisco da Gama Caeiro, mas cujo falecimento o impediu de ver a obra
concluída. Até 1995 foram publicados 12 volumes4.

2
Ambas as edições foram feitas pelo Arquivo da Universidade de Coimbra.
A transcrição foi elaborada por Maria Teresa Nobre Veloso, em 1990 e 1991.
3
O Livro Verde, que tem esse nome devido à encadernação de veludo verde que
teve, é uma cópia de vários documentos antigos, feita em 1471, pelo escolar de Cânones
Vasco do Avelar. O códice encerra com estas palavras: ,,Ego Valscus do Aveelaar im iure
cannico scollaris; scripsi manu mea propria hunc transuptum priuillegiorum hujus alme
Vniuersitatis et perfeci ipsum vicessima die memsis mayij a natiuitaie Domini millesimo
quadracentesimo septuagessimo primo anno et erat feria secumda in sero quamdo ipsum
perfeci et ut memoria mea et post me veniemtium non existat".
4
Outras Universidades haviam publicado anteriormente os seus chartularia,
como sucedera com a de Bolonha e a de Paris. Várias Universidades têm centros de
história que se dedicam à investigação e estudo das mesmas, como sucede, por exemplo,
com a da Pádua. Em 1996 foi publicado o livro La Storia delle Università Italiane.
Archivi, Fonti, Indirizzi di Ricerca. Atti del Convegno. Padova, 27-29 Ottobre 1994.
No referido congresso foram abordados temas de primordial importância que se pren-
dem com o passado e com o futuro dos arquivos. A lista de assuntos tratados nas
diversas secções proporciona-nos um vasto campo de reflexão sobre o futuro dos ar-
quivos; na primeira sobre «Gli Archivi Universitari» foram abordados: «La memoria
delle 'Sapienze'. Normativa e organizazione degli archivi universitari» por Elio Lodolini;
«Un'inchiesta sugli archivi delle università italiane» por Giorgeta Bonfiglio Dosio; «Gli
archivi storici delle università italiane» por Marco Bortolotti; «La gestione informática
degli archivi storici» por Claudia Salmini; «L'inventario dell'archivio storico
dell'Università di Siena» por Giuliano Catoni; «L'Università di Roma e i suoi archivi»
por Giuliana Adroni; «Le fonti dell'Archivio centrale dello Stato per Ia storia
dell’istruzione superiore» por Gigliola Fioravanti, Anna Maria Sorge. Na secção
«L’Edizione delle Fonti per la Storia dell'Università», encontramos os seguintes temas:
«Gli Acta Graduum Academiae Pisanae (1543-1737)» por Rodolfo del Gratta;
«Churtularium Studii Bononiensisi. Riflessioni su un'esperienza quasi secolare» por
Giorgio Tamba; «Riflessioni sull’applicazione delle tecnologie alle edizioni del
Chartularium Studii Bononiensis» por Roberrto Ferrara; «I rotuli dell'Università di
Roma» por Emanuele Conte; «Maestri e scolari bolognesi nel tardo Medioevo. Per
1'edizione elettronica delle fonti» por Dino Buzzetti e Peter Denley;«Statuti e altre fonti
per Ia storia dei collegi universitari italiani nel Medioevo" por Anna Esposito e Carla

25
É a partir de 1308, quando a Universidade começa a funcionar em
Coimbra, que começam a aparecer documentos no Livro Verde. Não
apenas cartas régias e de privilégios, como a célebre "Carta de Privilé-
gios", dada por D. Dinis em Fevereiro de 1309, mas também outros
produzidos pela própria Universidade. Assim deparamos com actas ou
termos das deliberações, acordos ou sessões dos conselhos académicos,
"em que às vezes intervinham de mistura pessoas estranhas à Universi-
dade". Um exemplo que se pode apresentar é o documento transcrito a
foi. 24 v°-25 do Livro Verde, a 3 de Julho de 1406 (-1368), em que se
fala de uma reunião na Sé de Coimbra, estando presentes Afonso Martins
Alvernaz, juiz, Estêvão Domingues de Vouzela, e outros homens-bons
cidadãos de Coimbra, ao lado dos honrados D. João Afonso, doutor in
utroque iure, e João Sanches, doutor em Degredos (Cânones), e Gon-
çalo Miguens, bacharel era Degredos, reitor, e Pêro Domingues, mestre
de gramática, e Lourenço Anes, procurador, e outros muitos escolares
da Universidade, seemdo juntos em congregação pera o que se adiante
segue. Publicaram uma carta, em que El-Rei D. Fernando nomeia con-
servador dos Estudos a Estêvão Domingues de Vouzela, que logo a se-
guir prestou juramento. A invocação da padroeira da Sé, em cujo claus-
tro teve lugar o referido acto, figura na parte final: Sancta Maria inter-
cede pro me. O livro, onde se lavravam estas actas ou deliberações, apa-
rece-nos designado a fol. 30 do Livro Verde pela designação de "o livro
da Universidade", o mesmo nome, afirma o Dr. Vasconcelos, que nou-
tras partes se dá ao livro do registo das cartas régias; pensa o preclaro
Mestre ser o mesmo livro que servia para, ao mesmo tempo, se regista-
rem as cartas régias e lavrarem aquelas.
Importante é a petição dirigida ao Papa, em 1288, por diversos
superiores de casas religiosas de vários pontos do País, desde o norte ao
sul, a solicitarem a criação de um Studium Generale, a qual vem inserta
naquele cartulário. Mas nem o documento da fundação da Universida-
de, de 1 de Março de 1290, nem a bula da sua confirmação, de 8 de
Agosto seguinte, figuram no Livro Verde. A fase mais rica em docu-
mentação inserta no Livro Verde reporta-se ao período após 1377, quan-

Frova; «In margine all'edizione degli statuti deli'università giurista padovana» por Gil-
da Paola Mantovani; «Gli inventari delIe biblioteche dei professori» por Tiziana
Pesenti. Finalmente, na secção «Gil Indirizzi della Ricerca Storica» figuram as
intervenções: «La storia delle università in Italia: l’organizzazione della ricerca nel
XX secolo» por Giampolo Brizzi; «La storia delle università medievali. Ricerche e
prospettive» por Giovanni Minnucci; «Le università in época moderna. Ricerche e
prospettive» por Marina Roggero; e «La storia dell’università italiana in età
contemporanea. Ricerche e prospettive» por Mauro Moretti». Na mesa redonda com a
intervenção de vários dos participantes tratou-se das actividades e perspectivas dos
centros para a história das Universidades italianas.

26
do D. Fernando mudou a Universidade para Lisboa. Foi um tempo
bastante próspero para o Studium Generale.

2. Da transferência definitiva da Universidade para Coimbra


à Reforma Pombalina de 1772

Quando D. João III, em 1537, o transferiu definitivamente para


Coimbra, não houve o cuidado de trazer os livros e documentos do car-
tório. Muitos devem ter-se extraviado e quando Francisco Carneiro de
Figueiroa, no séc. XVIII, levou a cabo as suas pesquisas no Arquivo da
Universidade, o cartório só contava com diplomas avulsos, alguns dos
quais, mais de meia centena, ainda se conservam, dispostos e classifica-
dos nas gavetas de pergaminhos; mas muitos poucos livros, embora de
grande valor.

Referências mais antigas ao Arquivo

As referências mais remotas sobre a existência do Arquivo apare-


cem de forma indirecta em traslado da Carta Régia de 17 de Novembro
de 1525 sobre a eleição do Reitor da Universidade, no final da qual o
bedel João Afonso diz: "Original jaz no ezcanino do cartorio do studo".
Os estatutos de 1544 falam do cartório e da sua guarda. Estabele-
ciam que a conservação do cartório e da livraria ficariam a cargo dum
oficial com a denominação de guarda e determinavam o modo como
este ofício devia ser servido. Mas a Universidade não viu com bons
olhos essas providências: vid. Conselhos, I, 3, 85 v°.
Importante a alusão à arca. No tempo do Reitor D. Agostinho
Ribeiro, bispo de Angra e depois de Lamego - Carta Régia de 27 de
Dez. de 1540 dirigida ao reitor. Por essa carta ordenou que se man-
dasse fazer uma arca com três fechaduras, para nela se recolher os
documentos universitários, sendo depositários das chaves o reitor, o
lente de prima de Cânones ou Leis e o bedel, que era escrivão do con-
selho5 .
Passou depois a ser reitor Fr. Bernardo da Cruz, que foi bispo de
S. Tomé, e dois anos depois, em 1543, Fr. Diogo de Murça, que esteve
à frente da Universidade como seu prelado durante doze anos, "no
período áureo do grande esplendor e brilhante renome desta Escola".
Mas, apesar do estabelecido nos Estatutos e de haver sido nomeado de
acordo com eles um guarda do cartório, o certo é que ele conservou
sempre em seu poder os documentos universitários. Ao deixar a reito-
ria em 1555 não os entregou ao seu sucessor.

5
Registo das provisões ames da nova fundação da Universidade.vol. I, fol. 88.

27
Ficou a partir de então à frente do Colégio de S. Paulo e para lá
levou o cartório, conservando-o como coisa própria. Para isso obteve
uma provisão régia que possuía6.

Fernão Lopes de Castanheda, primeiro guarda do cartório

Entretanto chegou ao Continente, depois de uma longa digressão


pelo Oriente, onde recolheu materiais para a sua obra História do desco-
brimento e conquista da Índia pelos Portugueses Fernão Lopes de
Castanheda, filho do primeiro ouvidor da cidade de Goa, o licenciado
Lopo Fernandes de Castanheda.
Na Universidade conseguiu obter os cargos de bedel da Faculdade
de Artes, corretor das impressões da Universidade e guarda do cartório e
livraria7. A 18 de Junho de 1547 apresentou em conselho universitário
huma carta de Sua Alteza de guarda de cartório e liuraria, e pedio que
lhe mandassem pagar o ordenado de principio de março pera ca. Mas,
porque ainda não tinha sido o caso resolvido em conselho nem constava
que tivesse feito qualquer trabalho, não se lhe pagou; mas se o tivesse
feito, que o dissesse para lhe ser pago8. A 19 de Julho de 1547 voltou a
apresentar a carta régia que o provia nos cargos de guarda do cartorio e
liuraria seg hos estatutos, pera os seruir seg os estatutos e pedio que ho
metesem em posse dos ditos officios. O conselho decidiu dar-lhe posse
do cargo de guarda da livraria, mas não do cartório. As escrituras conti-
nuavam a ser guardadas na arca do estudo. Mas todos manifestavam a
sua admiração por Fernão Lopes de Castanheda: E isto com não desfa-
zerem no dito fernão lopez e em sua homra9.
Castanheda prestou juramento e tomou posse do cargo de guarda
da livraria em conselho de 23 de Julho do mesmo ano, obrigando-se a o
seruir conforme aos estatutos. E passou a receber o ordenado de 6$000
rs., abonando-se-lhe desta vez mais 2$000 rs. pelo serviço que já tinha
feito10. Em 7 de Julho de 1548, apresentou nova provisão, em que se lhe
mandava contar mais a quantia de 4.000 rs. pelo cargo de corretor da
impressão; o conselho mandou cumprir11. Depois Castanheda pediu o
ofício de bedel da faculdade de leis, que estava vago: E nemine discre-
pante o presentarão no dito officio por dizerem ser elle muito pera o
servir e nestes officios ser muito diligente e que a Universidade recebia
proueito e elle lhe fazia serviço aseitado12.
6
Conselhos, vol. II, liv. 3, foi. 79 v°.
7
Conselhos, vol. I, liv. % foi. 43, 83 e 85 vD
8
lbid.,M. 83.
9
lbid.
10
lbid.,fol. 43.
11
lbid., 4. fol. 40.
12
Conselhos, vol. I, liv. 4, fol. 93.

28
Lisboa não aceitava o parecer da Universidade que era contrário ao
disposto nos estatutos, que confiavam o cartório a uma só pessoa. A 5 de
Outubro de 1548 uma outra provisão dirigida a Fernão Lopes, na qual
manda Sua Alteza que lhe sejão entregues todos os feitos dos escriuães
que pasarem de tres annos13.
Castanheda dirigiu uma petição ao conservador da Universidade
para que desse cumprimento à determinação régia. Mas as coisas não
foram resolvidas favoravelmente a Castanheda. A 5 de Outubro do mes-
mo ano apresentou-se novamente no conselho a carta que o nomeava
guarda do cartório. Afirmou dizendo que suas mercês lhe mandasem
comprir o estatuto e a sua carta. Em face disto o conselho foi acordado
que se cumprise o despacho de sua alteza14.
Mas o que veio a suceder foi o seguinte: foram-lhe entregues ape-
nas as escrituras e sentenças que estavam nas mãos dos escrivães da
Universidade, lavradas em datas anteriores a três anos; mas nada mais.
Os livros e documentos do antigo cartório continuavam nas mãos de
Fr. Diogo de Murça, "que de forma nenhuma os queria dar, talvez por
um excesso de amor à Universidade, em cujo desenvolvimento e es-
plendor ele tanto vinha cooperando".
Fr. Diogo de Murça nunca entregou os documentos. E mesmo de-
pois de deixar o cargo de reitor continuou na posse do cartório. Conse-
guiu um alvará régio que lhe permitia mandar fazer no Colégio de
S. Paulo uns armários para neles recolher as bulas e papéis impor-
tantes do cartório15.
Foi no tempo do reitor Afonso do Prado que, finalmente, saiu uma
provisão que mandava mandasem que entregase os papeis e cartorio da
Vniuersidade que em seu poder erão, e lhos emtregasem a elle supli-
cante pollo officio ser seu16.
Mas as coisas praticamente continuaram na mesma. A Universi-
dade não queria ferir Fr. Diogo de Murça. A provisão de 15 de Julho de
1556 fazia-lhe mercê dos seus ofícios de bedel da faculdade de artes e
guarda do cartório para um dos seus filhos, que ele escolhesse, para lhe
suceder por seu falecimento, desde que esse filho seja auto pêra os seruir.
Há ainda duas provisões, uma de 22 de Junho de 1557 e outra de 12
de Novembro de 1558. Na primeira ordenava-se que se faria inventário
dos documentos, sendo um dos duplicados metido numa das arcas, e
passando o outro para o poder do reitor; que cada uma das arcas seria
fechada a três chaves, e ficaria uma destas em poder de Murça, por

13
lbid. fol.91.
14
Ibid.
15
Conselhos, vol. 2, liv. 3, fol. 79 vº.
16
Ibid., fol. 80.

29
agora... em quanto tiver cargo do ditto collegio, outra em mão do reitor,
e a terceira na do lente de prima de teologia; acrescentando que estarão
as ditas escrituras e papeis na dita casa em quanto o cartório se não
mudar há casa que pêra isso se hade fazer nas escollas17.
Foi pela segunda provisão, de 12 de Novembro de 1558, que em
presença de Fr. Martinho de Ledesma e do escrivão do conselho tomasse
entrega dos documentos que estavam em mão de Fr. Diogo de Murça, por
este não ter já idade nem estar em disposição pêra ter em seu poder o
cartório e papeis dessa vniuersydade ... e por elle Requerer que ho
desobriguem, devendo em seguida fazê-los meter em huma arca pêra
nella estarem em quanto não ouuer cartório ordenado pêra elles,
sendo claviculário o reitor, o lente de prima de teologia e o escrivão do
conselho.
Voltavam assim os documentos à Universidade mas pouco tempo
viveu Lopes de Castanheda, pois veio a falecer a 16 de Março de 1559,
sendo sepultado na igreja de S. Pedro.
O Dr. Vasconcelos chama depois a atenção para o facto de a Univer-
sidade, após a sua instalação definitiva em Coimbra, ter visto aumentar
substancialmente a sua documentação, o que se ficou a dever em especial
à anexação feita de novas igrejas com as suas respectivas rendas e em
particular a dos rendimentos do priorado-mor de Santa Cruz, que foi ex-
tinto e unidas as suas rendas à Universidade por bula de Paulo III, de 8 de
Junho de 1545. A fazenda universitária aumentou consideravelmente: a
escrituração complicou-se enormemente, fazendo com que viessem para
a posse da Universidade muitas escrituras, bulas, privilégios e tantos ou-
tros diplomas, que visavam a mesma fazenda e que lhe serviam de títulos.
O alvará de 16 de Janeiro de 1554 ordenou que os cónegos crúzios
fizessem trasladar à sua custa todos os documentos do cartório velho do
priorado-mor, devendo entregar os originais à Universidade. E que en-
quanto não estivesse tudo entregue, ficassem os crúzios com uma chave
e a Universidade com outra.
A partir de então são inúmeras as alusões, mas só iremos encontrar
informações concretas acerca da organização do cartório e documentos
que nele se deveriam guardar e a cargo de quem ficava, no cap. 58 dos
estatutos da Universidade de 1559.

Os Estatutos Filipinos de 1591

Os Estatutos Filipinos de 1591 contêm pormenorizadas determi-


nações relativas ao cartório: é já uma repartição autónoma e distinta.
Foram reproduzidas nos estatutos de 1597, que foram confirmadas por
D. João IV: Estatutos de 1653 e de 1772. E até hoje em vigor.

17
Registo das provisões antes da nova fundação da Universidade, vol. I, foi.
175 e 175 v°.

30
À frente do cartório da Universidade havia um guarda do cartório,
nomeado em conselho-mor pelo reitor, deputados e conselheiros; devia
ser uma pessoa que fosse filho da Universidade e que tivesse as qualida-
des e aptidões necessárias, entre as quais figurava a de ser bom escriuão,
e de ler correntemente letras diuersas. Este cargo era incompatível com
o de secretário18.
Quanto às instalações, diz-se que o cartório devia ser instalado em
huma casa boa e forte, junto da do conselho e lá se guardariam todos os
pergaminhos, livros e papéis devidamente classificados, em caixões
fechados; recomenda-se que em cada hu delles se meterá, o que per-
tencer a huma matéria somente, com hum titulo que descubra a dita
matéria. O guarda devia fazer um índice alfabético de tudo, com indi-
cação do caixão em que se achava cada documento19.
O guarda ficava de posse da chave da porta e arrecadava também
as chaves de todos estes caixões; aqueles que encerravam documentos
mais importantes teriam três fechaduras, sendo claviculários, o reitor, o
mais antigo dos deputados da mesa da fazenda e o guarda do cartório.
E vem a seguir a lista dos documentos que se deviam guardar no
cartório:

1. bulas, privilégios e doações dos papas;


2. cartas, alvarás e provisões régias;
3. todas as escrituras pertencentes à Universidade, excepto as que
estiverem no livro das notas do escrivão da fazenda da Universidade;
dessas só viriam os traslados;
4. todos os livros da secretaria e dos conselhos, após terminado o
governo do reitor;
5. os livros dos contos, arrecadações, relatórios, e livros das con-
tas;
6. os livros da receita e despesa da arca da Universidade;
7. todos os livros dos tombos que se fizerem, dos bens e proprie-
dades da Universidade, e igrejas a ella annexas, por ordem das terras,
lugares, villas, e cidades onde os taes tombos se fizeram;
8. traslados em pública forma de todas as bulas, privilégios, doa
ções e mais papéis tocantes ao priorado-mor de Santa Cruz;
9. traslados bem escritos de todas as repetições feitas, não só pe
los lentes, mas também pelos repetentes, que se habilitaram para os graus
maiores20.

18
Estatutos de 1591, Liv. II, tit. XLV, init.
19
Ibid., 1. IIII, tit. IIII, init. e & 3.
20
Estatutos cit., liv. II, tit. XXXIII, & 21 e 22; Ibid, tit. XXXV, & 6o, liv. III, tit.
XV, & 5o; Ibid., tit. XLVI, & 7o; Ibid., tit. XLVII, & 1o; Ibid, tit. XLVIII, & tit. 1o; IV. IV,
tit. IV.

31
Outras determinações contidas nos estatutos: os lentes, na repeti-
ção anual, eram obrigados a entregar ao guarda do cartório o treslado da
dita repetição, de boa letra, pêra a meter no caixão que no dito cartório
pêra isso he deputado21.
Os licenciados também eram obrigados a dar o treslado da sua re-
petição, limpo e de boa letra, ao guarda do cartório, & e ao tempo que
ouuer de entrar em exame priuado, não será admitido sem mostrar certi-
dão do Secretario desta entrega, & de como fica carregada sobre o guar-
da no livro do cartório, às folhas tantas; & em caso eu não queira entrar
em exame privado, será compellido a entrar á tal repetição com penas
pecuniárias que parecer ao Rector faculdade, em que o poderão
condemnar, sem apellação nem agrauo22. Para depois tomarem o grau
de doutor, deviam tornar a apresentar a referida certidão23.
Ao terminar o seu mandato, os reitores deviam fazer entrega dos
livros de escrituração, quer da secretaria quer dos conselhos académicos24.
Se fosse o secretário que deixasse de servir, a mesa da fazenda
deliberava se os livros deviam ser naquela altura encerrados e arquiva-
dos no cartório, ou o que havia a fazer. O escrivão da fazenda da Univer-
sidade entregava ao guarda do cartório os livros da sua repartição, ao
terminar o governo dum reitor. Era proibido levar livros para fora do
cartório.

O Reitor Francisco Carneiro de Figueiroa, investigador do


Arquivo

Um dos investigadores mais célebres que trabalharam no Arquivo


foi Francisco Carneiro de Figueiroa, reitor de 1722 a 1745. Das suas
pesquisas resultou a obra Memórias da Universidade de Coimbra com o
Catálogo dos Reitores25. Também Francisco Leitão Ferreira a partir das
suas investigações ali levadas a cabo, elaborou as Notícias Cronológi-
cas da Universidade de Coimbra, cuja primeira parte foi publicada na
Colleçam dos Documentos e Memórias da Academia Real da Historia
Portugueza, de 1729; estas Noticias foram redigidas sobre as comunica-
ções feitas à Academia por Figueiroa26.

21
Ibid., liv. m. tit.XV, & 5o.
22
Ibid., tit. XLVI, 7º; cfr. tit. XLVII, & 1o.
23
Ibid., & Ilt XLVIII, & Io.
24
Ibid., tit. II, & XXXIII, & 22º.
25
Ficou manuscrito e foi depois impresso em parte nos Anuários da Universida-
de correspondentes aos anos de 1871-1872 a 1881-1882.
26
Noticias ehttm., fol. 4 inum, v°.

32
Outros investigadores que se serviram do cartório foram o chantre
de Évora, Manuel Severim de Faria, o qual extraiu cópias que enviou ao
cronista Fr. Francisco Brandão. E ele mesmo conservava em seu poder
uma vasta colecção de cópias extraídas deste Arquivo que passaram para
a livraria do conde de Vimieiro, onde foram vistas e estudadas por Lei-
tão Ferreira27.
Também não se deve omitir o nome do próprio Fr. Francisco Bran-
dão, que, igualmente, nas suas indagações históricas visitou este Arqui-
vo à cata de notícias28.

3. Da Reforma Pombalina a 1901

Com a Reforma Pombalina de 1772, iniciou-se a quarta fase da


história da Universidade. Importante neste sentido foi a doação régia de
4 de Julho de 1774 pela qual foram entregues à Universidade os bens da
Companhia de Jesus29 e com esses bens vieram também para a Univer-
sidade muitos códices e documentos dos diversos cartórios jesuíticos.
Escreve o Dr. António de Vasconcelos: "O que a Universidade recolheu
destes cartórios veio enriquecer largamente este Estabelecimento, que
ficou possuindo de novo milhares de documentos, muitos de grande valor
para a história das instituições e do país, dos costumes, da igreja e da
civilização, e que nos oferecem dados e elementos preciosos uns, de
simples curiosidade outros, para estudos variados feitos com intuitos os
mais diversos. E bem maior importância teria ainda esta herança, se os
cartórios da companhia fossem, pela extinção desta, recolhidos com o
devido cuidado e escrúpulo, como ela recolhera em geral os das igrejas
e conventos doados. Mas infelizmente não sucedeu assim. Dalguns car-
tórios jesuíticos aproveitaram apenas os documentos ou livros, que re-

27
Noticias chron., p. 79.
28
Cfr. Monarchia Lusitana, p. 79.
29
O cotai foi de 24.584$248 rs.: de rendas seculares 7.493$399 rs., de rendas
eclesiásticas 17.090$849 rs. Respeitantes aos colégios, casas e residências de Braga,
Porto. Coimbra, Évora, Santarém, Santo Antão de Lisboa, Bragança, Eivas, Vila Nova
de Portimão e Faro, Do antigo património da Universidade as rendas ascendiam a
29.998$780 rs.; com o rendimento médio de 6.440$000 rs. das matrículas e multas, e de
2.508$863 de juros, etc. atingia-se a soma de 38.947$643 rs. Ou seja, o rendimento
anual da Universidade totalizava 63.531$891 rs,; mas, porque alguns destes rendimen-
tos não eram cobráveis, o total era de 61.360$236 rs., segundo o reitor D. Francisco de
Lemos. De salientar que havia ainda outras verbas que não entravam naquelas contas: a
contribuição paga pelas câmaras do reino para os partidos médicos, matemáticos e filo-
sóficos: 4,065$310 rs.; as rendas dos hospitais da cidade, entregues à administração
da Universidade: 4.030$080 rs.; as rendas dos Colégio das Artes: 5.092$679 rs. Tudo
isso perfazia o montante de 13.188$269 rs.

33
putaram necessários ou convenientes para provar os direitos sobre as
propriedades, ou para continuar a sua administração, desprezando o res-
to; de outras porém veio tudo ou quase tudo"30.
Em lugar da mesa da fazenda que era administrada pelo conselho
de deputados, Pombal criou pelo alvará de 28 de Agosto de 1772 a Junta
de Administração e Arrecadação da Fazenda: "Ordeno que o secretário
da Universidade, e quaisquer outras pessoas encarregadas da guarda dos
papéis, tombos e livros pertencentes à natureza dos bens, rendas, arren-
damentos e contas pretéritas da mesma Universidade, reponham logo
tudo na contadoria da junta, com arrecadação e inventário, para dela não
saírem senão, por despachos da junta, e certidões por virtude deles ex-
traídas pelo sobredito escrivão...". Ficou assim estabelecido um cartório
da fazenda ao lado do cartório comum; o seu pessoal era o escrivão da
fazenda da Universidade, um escrivão e um praticante.
O antigo cartório ficou dividido em dois: o da fazenda e o da se-
cretaria. Mas faltavam as necessárias casas para o seu funcionamento.
Na Relação Geral do Estado da Universidade, apresentado por D. Fran-
cisco de Lemos à Rainha, em 1777, diz foram gastos em obras
212.217$579 rs, de 1 de Janeiro de 1773 a 21 de Junho de 1777. Mas
diz a terminar: "Resta para complemento destas obras emendar-se o
grande defeito que há: 1 ° de não haver salas para os conselhos da Uni-
versidade, e congregações literárias - 2° de não haver casas próprias e
acomodadas para a secretaria, e cartório próprio de Ia – 3º de não
haver casas para o estabelecimento da junta da fazenda, que necessita
ao menos de quatro, e de uma sala para a mesma junta, junto da qual
deve estar o cofre, na conformidade das instituições dela - 4° de não
haver casas para as secretarias das seis congregações literárias, que os
estatutos mandavam haver".
"As congregações, conselhos e juntas até aqui tenho feito em uma
das salas da casa reitoral, por não haver outra decente. Ajunta da fa-
zenda está ocupando o mesmo lugar subterrâneo, que antes servia, com
muito incómodo; porque são só duas pequenas casas, e em uma delas
está o cartório antigo, não de podendo ainda arrumar a multidão de
títulos, que para ela vieram por ocasião da Nova Doação ".
"As casas para o expediente da junta, sua contadoria, cartório e
casa do tesoureiro, devem fundar-se no mesmo edifício âas Escolas: e,
porque não se podiam incomodar nas sobreditas duas casas, mandei in-
terinamente preparar uma parte da imprensa para servir a contadoria e
cartório, como se vê da planta n° 21. Mas, como este estabelecimento é
interino, se faz necessário que o próprio se faça no mesmo edifício dos
paços das Escolas, assim como as secretarias necessárias para o governo

30
Op, cit.p. 25-26.

34
académico e literário. Sua majestade á vista de tudo dará as Providên-
cias, que lhe parecerem convenientes"31.
Ou seja, cinco anos depois da reforma de 1772, ainda não havia sala
para o cartório da secretaria; e o cartório da fazenda achava-se numa casa
pequena e subterrânea, "onde estavam sem arrumação os numerosíssimos
volumes e documentos que tinham vindo das casas dos jesuítas". Entre-
tanto o reitor mandou preparar uma instalação no edifício da imprensa da
Universidade. Depois prepararam-se boas salas do rés-do-chão do edifí-
cio, onde ficaram lado a lado a secretaria e ajunta da fazenda. E permane-
ceram as coisas até ao regime constitucional.

Trabalhos no Arquivo de João Pedro Ribeiro

Nesse período que decorre entre 1772 e 1834 trabalhou intensa-


mente no cartório o grande professor de Diplomática João Pedro Ribei-
ro, "estudando os documentos que por lá havia, lendo os pergaminhos,
tratando-os com uma veneração e carinho admiráveis, sumariando-os,
colhendo os apontamentos que julgou úteis, e que aproveitou conve-
nientemente nas suas obras sobre diplomática. É admirável a extensão
do trabalho que ele deixou, e com a qual ainda hoje depara a cada passo
o estudioso que entra no Arquivo da Universidade. Os sumários escritos
por João Pedro Ribeiro no verso dos documentos são importante auxi-
liar nas buscas e indagações".
De interesse é o que escreve nas suas Observações históricas e
criticas para servirem de memórias ao systema da diplomática portu-
gueza, obra publicada pela Academia Real das Ciências em 1798, acer-
ca do cartório da fazenda, que classifica de hum copioso thesouro de
Documentos, como da secretaria. E finaliza assim: "De ambos os Cartó-
rios da Fazenda, e Secretaria da Universidade, copiei alguns Documen-
tos mais notáveis, e tirei outros por extracto: porém apesar dos trabalhos
do Reitor Francisco Carneiro de Figueiroa, e do Beneficiado Francisco
Leitão Ferreira, ainda se oferecia um vasto campo a quem meditasse
escrever a historia da nossa Universidade".
Em 1835, pelo decreto de 5 de Maio, foram incorporados nos pró-
prios nacionais todos os bens e rendas da Universidade. Ajunta da fa-
zenda ficou sob as ordens do Tribunal do Tesouro público. Mas depois a
junta da fazenda foi extinta; e por uma portaria de 17deAgosto de 1836,
foi ordenado que se reunissem numa só repartição, sediada no Governo
Civil, todos os trabalhos de administração da fazenda pública. Depois a
junta da fazenda, a de 3 de Abril de 1840, passou a ser uma repartição da
Administração Geral de Coimbra e mais tarde, após a extinção dessa

31
Relação Geral do Estado da Universidade de Coimbra., p. 155 ss.

35
repartição, ficou sendo apenas uma secção da 3a repartição da secretaria
da Administração geral, com o nome de Arquivo da Universidade.
Em 1841 e em 1842 deram-se novos factos: tentou-se restabelecer
a administração privativa das rendas da Universidade, tendo chegado a
subir ao governo um projecto de lei no sentido de ser criado um conse-
lho administrativo, presidido pelo reitor, e do qual faziam parte três len-
tes escolhidos por eleição e um secretário de nomeação.
Mas as cortes não chegaram a votar o apontado projecto de lei,
sendo em compensação aprovado outro, publicado por carta de lei, de 6
de Novembro de 1841, em que se estabelecia que o governo autorizava
a criação na Universidade de Coimbra uma junta administrativa. Mas a
organização da junta administrativa não se chegou a concretizar. A leitura
do Conselho de Decanos presta-nos informações a esse respeito.
Comenta o Dr. Vasconcelos: "... e a Universidade viu desaparecer como
fumo as suas largas rendas, em grande parte sem proveito algum para o
Estado".
Mas os livros não chegaram a ser mudados. Havia um arquivista
da extinta fazenda da Universidade que era coadjuvado por vários auxi-
liares. E foi então que o Arquivo começou a desorganizar-se. Entretanto
o Dr. António José Teixeira, por portaria de 30 de Maio de 1860, foi
encarregado de escrever uma história da Universidade, pelo que teve de
recorrer à documentação conservada no Arquivo.
Nessa altura já Herculano havia levado de Coimbra muitos códices
para a Torre do Tombo e para a Biblioteca do Porto, sem que ninguém
erguesse a sua voz em sinal de protesto por tão grave atentado. Do Mos-
teiro de Santa Cruz, da Sé Velha, do Seminário Maior de Coimbra e de
outras partes saíram autênticas preciosidades, em especial relativas ao
período medieval. Ao todo, foram 497 pergaminhos, dos sécs. IX a XIV,
que Herculano retirou ao Arquivo da Universidade.
Outra personalidade que merece uma referência particular é Gabriel
Pereira que foi encarregado por um ofício da Direcção-Geral da Instrução
Pública, de 15 de Novembro de 1879, de reorganizar o Arquivo. Notável
foi a elaboração do Catálogo dos pergaminhos da Universidade de
Coimbra, a que meteu ombros e que foi publicado em 1898.
Também é digno de menção o ofício de 13 de Janeiro de 1897,
enviado pela Direcção-Geral da Instrução Pública ao Reitor, no qual se
pediam informações acerca do estado em que se encontrava o Arquivo e
se lhe dava o encargo de propor medidas, que julgasse conveniente adop-
tar. A reitoria nomeou, a 26 do mesmo mês, "uma comissão composta
pelo director da biblioteca, Dr. Francisco Martins, do secretário da Uni-
versidade, Bach. José Joaquim da Ressurreição e do Dr. António de Vas-
concelos, a fim de indicarem as providências necessárias para ordenar,
catalogar e arrumar todos os livros, papéis e documentos que disso care-
cerem".

36
A 22 de Março, foi apresentado o relatório. Nele se descreve o
estado em que se encontrou o Arquivo e se indicam as medidas que
deviam ser aplicadas. Lê-se a certa altura no referido relatório: "Conti-
nua sendo armazém de móveis e objectos inutilizados, de papel, impres-
sos, caixas e muitas outras coisas impróprias deste lugar; o pó, em des-
canso durante anos, vai-se depositando em sucessivas camadas; os valio-
sos pergaminhos e papéis, os maços e os livros acumulados nas gavetas
e nas estantes, fornecem abundante pasto à traça; as janelas, que há muito
se não abrem, não servem para estabelecer uma ventilação regular, mas
em compensação a porta, que há anos se não fecha, não serve também
para conservar com o devido recato e segurança as preciosidades ali
depositadas. Em poucas palavras: o Arquivo chegou a tão vergonhoso
estado que, quando alguém se apresenta pedindo licença para fazer estu-
dos nos documentos nele guardados, o que sucede muitas vezes com
estrangeiros e nacionais, o pessoal da secretaria tem de inventar uma
desculpa qualquer, e recusa a pedida autorização, para poupar à Univer-
sidade e ao País a vergonha de se divulgar um tal estado".

O cartório como repartição autónoma

O Decreto n° 4, de 24 de Dezembro de 1901, nos artigos 155º-160º


trata do Arquivo. Nesse ano foi nomeado seu director o Dr. António de
Vasconcelos que já em 12 de Maio de 1897 havia sido indicado para
catalogar e organizar o cartório universitário.
Mas como escreve o ilustre Mestre: "A instalação actual do Arqui-
vo da Universidade é muito acanhada para o grande número de volume
e maços que nele devem ser recolhidos, muitos dos quais ainda estão
fora, por lá não haver acomodações para eles; entretanto, desde que se
mandem fazer as estantes e móveis sem luxo e modestos, que há anos
ando reclamando, mas que ainda não consegui obter, tudo lá cabe.
As condições materiais da casa são boas"32.
Servindo-nos mais uma vez das informações do trabalho do
Dr. António de Vasconcelos, indicamos de seguida alguns dos li-
vros mais importantes que tratam da história da Universidade de
Coimbra, os quais se encontravam arrumados nas estantes I a VIII
das antigas instalações do Arquivo, antes de passarem, em 1948,
para o novo edifício:

32
Op.cit.,p. 37.

37
A) LIVROS VINDOS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA (1537)
Livro Verde;
Traslado de privilégios da Universidade;
Estatutos de D. Manuel;
Autos e Graus, vols. I-II.

B) LIVROS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


Documentos de D. João III;
Livro de privilégios concedidos pelos reis à Universidade;
Estatutos filipinos;
Artigos reformados dos Estatutos, organizados por Filipe II
em alvará de 20 de Julho de 1612;
Estatutos de D. João IV;
Provisões antes da nova fundação da Universidade;
Registo das provisões antes da nova fundação da Universidade;
Resumo das provisões, 2 vol.;
Conselhos;
Autos e Graus;
Matrículas;
Provas de curso;
Acordo da Mesa da Fazenda;
Livro da Fazenda da Universidade;
Memórias da Universidade e censual do seu antigo património;
Provisões originais relativas ao Colégio das Artes e outras.

C) LIVROS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA DEPOIS


DA REFORMA POMBALINA (em 1772)
Estatutos da Universidade de Coimbra;
Relação Geral do Estado da Universidade de Coimbra,
desde o princípio da nova reforma até ao mês de Setembro
de 1777;
Actas do Claustro Pleno;
Actas do Conselho de Decanos;
Actas do Conselho da Faculdade de Teologia;
Actas do Conselho da Faculdade de Cânones;
Actas do Conselho da Faculdade de Leis e de Direito;
Actas do Conselho da Faculdade de Medicina;
Actas do Conselho da Faculdade de Matemática;
Actas do Conselho da Faculdade de Filosofia;
Registo das Consultas da Universidade.

38
4. De 1901 ao presente

A partir de 1910, com a implantação da República e consequente


encerramento da Capela da Universidade, o conjunto do Arquivo e da
Capela passou a chamar-se Arquivo e Museu de Arte da Universidade
de Coimbra. Mais tarde, com a reabertura da Capela, as duas institui-
ções passaram a ser separadas, como o haviam sido antes de 1910.
O Decreto de 19 de Agosto de 1911, que aprova o regulamento das
Secretarias Gerais e Tesourarias das Universidades, refere textual-
mente, no cap. 1, 3o, intitulado "Do Arquivo", no seu art° 9o: "Todos os
livros, documentos e processos que não forem necessários para o servi-
ço do expediente serão enviados para o Arquivo, a fim de serem conve-
nientemente catalogados e arquivados"; e no art.° 11°: "No Arquivo da
Universidade de Coimbra conservar-se-ão todos os livros de escritura-
ção antigos e todos os documentos, tanto em pergaminho como papel,
que se acharem na posse da mesma Universidade".
Com a incorporação de documentos provenientes de outras insti-
tuições o seu património foi-se enriquecendo: em 1917, fez-se a incor-
poração do Cartório da Mitra e do Cabido da Sé de Coimbra e também
da Câmara Eclesiástica; em 1921, iniciou-se a incorporação de livros
notariais de cartórios de Oliveira do Hospital e de Coimbra e de livros
paroquiais do distrito de Coimbra, até então conservados no Seminário
desta cidade.

Anexação do Arquivo Distrital


O Arquivo Distrital de Coimbra, criado pelo Decreto n° 19 952, de
20 de Julho de 1931, é-lhe anexado, formando assim um Arquivo de
características peculiares a nível de todo o país, centralizando em si um
valioso património documental. Inicia-se então um período de incorpo-
rações: a do Arquivo dos Próprios Nacionais. Mas já desde 1917 come-
çara a recolha de livros e documentos do Cabido da Sé, da Mitra
conimbricense, etc. É notável a colecção do Cabido e da Mitra, embora
desfalcada por Alexandre Herculano, a qual abrange cerca de 2 000
códices. Do Seminário vieram mais de 32 000 processos de ordenação,
com inquirições de genere, de vita et moribus; vieram ainda livros de
Visitações e devassas, num total de 424 volumes, a começar em 1564;
de Patrimónios, 26 volumes, desde 158I; de colações, 30 volumes, des-
de 1528; de Sentenças Apostólicas, 19 maços, desde 1115; de Processos
de casamento, mais de 30 000 documentos.
Igualmente relevante é a série de documentação relativa a
colegiadas; mais de 270 volumes e 78 maços que representam as
colegiadas de S. Bartolomeu, S. Cristóvão, S. João de Almedina, Santa
Justa, S. Pedro, S. Salvador, S. Tiago, entre outras.

39
As subsecções judicial, notarial e paroquial abrangem os distritos
de Coimbra e Aveiro. A primeira conta com mais de 100 000 processos
findos a que brevemente se juntarão mais 200 000; a notarial tem mais
de 16 000 livros de notas, desde o séc. XVI; e a paroquial atinge os
7 829 livros de baptismos, casamentos e óbitos, que remontam ao séc.
XV. Entre eles, figura o livro paroquial mais antigo conhecido até hoje.
Em 1933, deram entrada muitos inventários orfanológicos e outros
do distrito de Coimbra que, segundo o Estatuto Judiciário seriam reme-
tidos ao Arquivo da Universidade de Coimbra. Foram igual mente incor-
porados processos das comarcas de Oliveira do Hospital, Coimbra, Lousa,
Figueira da Foz e Arouca.
Naquele mesmo ano, iniciou-se a formação de colecções particula-
res com os espólios de João Jardim Vilhena, Belisário Pimenta e Martinho
da Fonseca. Em 1957 e 1958 foram oferecidos ao Arquivo documentos
dos espólios de Rafael A. Monteiro e Fausto de Quadros.
Em 1934, deu ali entrada o cartório dos Hospitais da Universidade
- com documentação que se reporta ainda ao extinto Hospital de São
Lázaro e Hospital Real de Coimbra: são mais de 200 códices e de 50
maços e caixas com milhares de documentos de todas as épocas, alguns
preciosíssimos, iluminados, contando-se entre eles muitos pergaminhos,
cartulários medievais, cartas régias, etc; e em 1944, foi incorporada a
documentação do Governo Civil desde 1853 e parte da documentação
do Comando da Polícia.

Novas instalações

No ano de 1948, há precisamente cinquenta anos, o Arquivo é trans-


ferido para novo local, sendo então a única instituição do género com
instalações construídas de raiz para o efeito. É servido por seis pisos
para depósitos e por quatro para o trabalho arquivístico e para o atendi-
mento ao público. Dispõe de sala de leitura, sala de catálogos, sala de
conferências/exposições e secretaria, para atendimento de buscas e de
pedidos de certidões.
O Arquivo está equipado com sistema de incêndios e dispõe de
desumidificadores.
Pelo Decreto-Lei n° 46 350, de 22 de Maio de 1965, o Arquivo pas-
sou a ser um Estabelecimento Anexo da Reitoria; pelo seu art.° 18°, alínea
b), ficou determinado que o seu director seria escolhido pelo Reitor da
Universidade de entre três professores da Universidade indicados pelo
Senado, o qual seria nomeado por períodos renováveis de cinco anos.
Ao ser criado o Instituto Português do Património Cultural pelo
Decreto Regulamentar 34/80, de 2 de Agosto, na lista final anexa relati-
va ao art° 3o, n° 17, é incluído o Arquivo da Universidade entre as insti-
tuições sobre as quais o recente Instituto deteria a tutela.

40
Com o Decreto-Lei n° 287/86, de 6 de Setembro, o Arquivo passou
a depender do Ministério da Educação e Cultura, através da Direcção-
-Geral do Ensino Superior e da Universidade de Coimbra.
Os recentes estatutos da Universidade de Coimbra, de 28 de Agosto
de 1989 (Diário da República. I Série. Nº 197), tratam da Biblioteca
Geral, Arquivo, Imprensa da Universidade e Museus como unidades de
investigação científica, apoio à comunidade e extensão universitária; no
art° 27° do cap. 4. 2; limita-se a dizer: "A Biblioteca Geral, o Arquivo da
Universidade têm por missão fundamental a preservação, o enriqueci-
mento e o tratamento técnico do seu património bibliográfico e docu-
mental, o apoio ao ensino e à investigação e o prosseguimento de uma
actividade cultural própria"; no art° 29°, n° 1 lê-se: "Os Directores da
Biblioteca Geral, do Arquivo e da Imprensa da Universidade são eleitos
pelo Senado, sob proposta do Reitor"; no n° 2: "Em cada uma das insti-
tuições mencionadas no número anterior será constituído um Conselho
com a composição e as atribuições que o Senado fixar"; o n° 3 reza
assim: "O mandato do Director e dos membros do Conselho é de quatro
anos, excepto o dos estudantes, que é de dois"; o n° 4 diz: "A Biblioteca
Geral, o Arquivo e a Imprensa da Universidade regem-se por regula-
mentos fixados pelo Senado, sob proposta elaborada pelo Director e pelo
Conselho respectivos".

5. O Arquivo da Universidade e o futuro

O Arquivo da Universidade de Coimbra tem tentado a moderniza-


ção dos seus serviços, por exemplo no campo da Informática e da
microfilmagem. Há, contudo, um longo caminho a percorrer em ordem
à preservação e divulgação da vasta e rica documentação que conserva.
É um verdadeiro manancial de fontes que têm sido exploradas e o conti-
nuam a ser, permitindo aos investigadores elaborarem os seus trabalhos,
entre os quais se contam teses de doutoramento e de mestrado.
Uma vertente importante é a relativa à projecção da Universidade
em territórios de expressão oficial portuguesa, nomeadamente o Brasil.
Também neste sector o Arquivo constitui um autêntico ponto de refe-
rência que muito é apreciado por aqueles que fazem as suas pesquisas
nesse domínio.
Por outro lado, prosseguindo uma longa tradição, tem esta institui-
ção levado por diante actividades culturais de vária índole, como a edi-
ção de fontes e de obras de reconhecido interesse para a história da Uni-
versidade. A publicação do Boletim do Arquivo da Universidade de
Coimbra, que em 1995-1996 atingiu os seus vol. 15-16, é elaborado
pelo pessoal da instituição com trabalhos respeitantes aos seus fundos, o
que testemunha o empenho da Casa em dar a conhecer ao público os
diversos espólios que aí se encerram.

41
O intercâmbio com outros Arquivos universitários estrangeiros e a
colaboração a nível técnico com os Arquivos Nacionais da Torre do Tom-
bo constituem outras facetas a assinalar da vida deste estabelecimento.

6. Conclusão

Nesta intervenção foi dada uma ênfase especial à história do


Arquivo da Universidade. Mas creio que essa dimensão histórica ajuda
a compreender melhor a especificidade desta instituição e ao mesmo
tempo a sua grande riqueza.
Uma Universidade, onde se ministra em regra o Curso de Ciências
Documentais, deve dar o exemplo de como se devem conservar os do-
cumentos que vão sendo produzidos e a utilização que dos mesmos pode
ser feita para trabalhos de índole pedagógica e outros. Preservando tex-
tos que dizem respeito à vida da Universidade, o Arquivo respectivo
perpetua o seu passado e permanece como memória de pessoas e factos
que deram sentido e razão de ser à Escola a que pertencem.
Não se pode olhar para o Arquivo como simples lugar de arruma-
ção mas sim como repositório de testemunhos sempre vivos dum passa-
do que fica para sempre como o alicerce em que assenta a Universidade,
como a alma que lhe transmite o sopro da vida que no dia a dia a fecunda
e dinamiza.
Os responsáveis das Universidades não podem, pois, deixar de ter
em alta consideração este aspecto, dotando os seus Arquivos dos neces-
sários meios financeiros e tudo fazendo para que a documentação das
Reitorias, dos Serviços Centrais, das Faculdades, etc. seja preservada e
tratada da melhor forma, não esquecendo a introdução de processos
modernos que muito podem facilitar esse trabalho. Um Arquivo univer-
sitário nunca poderá ser visto como um apêndice da Escola, como algo
de que se possa prescindir. Será ter horizontes curtos não considerar tais
estabelecimentos como um património valioso que deve merecer todo o
carinho.
Os actuais orçamentos universitários que apenas têm em atenção o
número de alunos das diversas Faculdades têm de ser revistos, dando
aos institutos que gravitam à sua volta o necessário apoio financeiro;
eles, que servem as Universidades e o público em geral, prestam altos
serviços que importa salientar. E muito menos se pode admitir que tais
centros de investigação e instrumentos de aplicação pedagógica venham
a ser entendidos como criadores de dinheiro para poderem subsistir. Seria
uma visão redutora da realidade, pois a Universidade é um todo, tem a
sua unidade e é da congregação dos vários ramos do saber e respectivos
instrumentos de actividade científica e pedagógica que se pode erguer o
edifício da unidade. Na viragem do milénio, reconheçamos que há um
longo percurso a fazer, em particular na mudança de mentalidades.

42

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