Um Estudo Exegético - Teológico de LC 14 - 25
Um Estudo Exegético - Teológico de LC 14 - 25
PUC-SP
Mestrado em Teologia
São Paulo
2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
São Paulo
2017
Banca examinadora
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Aos professores da banca de qualificação, pelas sugestões: Prof. Dr. Gilvan Leite
de Araújo e Prof. Dr. Matthias Grenzer.
A todos que de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram para que esta
pesquisa pudesse ser viabilizada.
“As Escrituras foram dadas não
para aumentar nosso conhecimento,
mas sim para mudar nossas vidas.”
(Dwight L. Moody)
RESUMO
The gospel according to Luke, in the extended section of Jesus' ascent to Jerusalem
(Lk 9:51–19:28), presents the conditions cited by Jesus for one to become his disciple.
The purpose of this dissertation is to examine each of these conditions by focusing
specifically on the text of Luke 14:25-33. To do so, an exegetical analysis of the text
will be developed, which will serve as a basis for a subsequent theological analysis
and consequent hermeneutic actualization. The theme is relevant, since discipleship
has been and remains the essence of the Christian life in the sense of a godly life in
community. The methodology applied in this work will be guided by a bibliographical
research, which will be based on several authors, who have developed studies and
research on the subject. The conditions put forward by Jesus, presented in the Lucan
text, express the radicality and the necessity of a conscious decision on the position
that will be adopted before them. From these factors will depend a genuine position as
a disciple of Jesus Christ, who obeys and follows.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 12
O quarto ponto, por fim, teve como alvo de estudo a segmentação e a tradução da
perícope, que se constitui num importante elemento de base sobre a qual se apoia a
análise morfológico-sintática. Esta, por sua vez, foi feita estratificada nas análises
estrutural, lexicográfica, sintática, semântica e pragmática. Cada uma delas também
ofereceu relevantes informações que serviram de base para as análises teológicas
desenvolvidas nos dois capítulos subsequentes.
O segundo capítulo, fazendo uso do estudo desenvolvido no primeiro capítulo,
se volta para a análise teológica das duas primeiras condições apresentadas pelo
texto: (1) renunciar a tudo o que se tem (vv. 26.33), expressa por “odiar a família” e
“odiar a própria vida”, e (2) priorizar Jesus Cristo e o Reino. Buscou-se um claro
entendimento do ódio a familiares, mediante pesquisa das características da estrutura
familiar e de seus componentes, tanto no período do Antigo Testamento quanto no
dos tempos de Jesus, com apoio de textos das Sagradas Escrituras que falam sobre
o tema. A mesma direção foi dada para a pesquisa voltada para o entendimento do
ódio à própria vida. A pesquisa também se voltou para um entendimento mais
aprofundado sobre o Reino de Deus e a prioridade que ele merece. De posse de todos
estes elementos, foi possível uma série de conclusões quanto ao conteúdo teológico
das exigências apresentadas por Jesus.
O terceiro capítulo, à semelhança do anterior, aprofunda-se na mesma análise
teológica, agora da terceira e da quarta condições, que são: “autoavaliar-se” (vv. 28-
32) e “tomar a cruz e seguir Jesus” (v. 27). Como a condição de autoavaliar-se é
abordada no evangelho lucano através de duas parábolas, foi desenvolvido aqui um
estudo sobre parábolas: seu aspecto literário, seu uso na cultura judaica e seu uso
pelo próprio Jesus. Desenvolveu-se também uma pesquisa dos elementos envolvidos
na segunda condição, que é “tomar a cruz e seguir Jesus”. Buscou-se um
aprofundamento quanto ao significado tanto literal quanto simbólico da cruz. Quanto
à condição “seguir Jesus”, foi feito um estudo prévio do chamado, ou seja, das
prerrogativas de Jesus, bem como da resposta humana em relação ao mesmo. Essa
variedade de pesquisas possibilitou e serviu de base para a busca do significado
teológico das condições apresentadas por Jesus nesta parte da perícope analisada.
CAPÍTULO I
ANÁLISE LITERÁRIA DE LC 14,25-33
I N TR O D U Ç Ã O
O presente capítulo apresenta a análise literária da perícope, que está dividida
em pontos específicos: delimitação da perícope, análise dos contextos, crítica textual,
segmentação e tradução, análises estrutural, lexicográfica, sintático-semântica e
pragmática. Cada uma delas oferecerá relevantes informações que servirão de base
para as análises teológicas desenvolvidas nos dois capítulos subsequentes.
1. D E L I M I T AÇ Ã O DA PERÍCO PE
1 BOVON, François. El evangelio según san Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 643.
16
2 ROBINSON, Edward. Léxico grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 263.
17
Mc 9,49). Não há também aqui a ligação direta entre a figura do sal e a postura
daquele que atende às condições para ser discípulo, mas sim o sal é citado como
símbolo daquilo que se contrapõe a um comportamento que deve ser evitado.
A quarta consideração sublinha como alguns autores se posicionaram ante a
questão. Dias da Silva comenta que, pela unidade do texto, os versículos 34-35 não
devem ser considerados como pertencentes à perícope aqui estudada (Lc 14,25-33),
a exemplo da forma adotada nas traduções da Bíblia de Jerusalém e da TEB.3
Segundo este autor, “o versículo 33 é formalmente semelhante aos versículos 25-26
e com eles serve de moldura para os versículos 27-32. Assim, estes versículos
constituem uma unidade literária que não pode ser quebrada. Já os versículos 34-35
são de outro estilo e nitidamente destacados dos anteriores”.4
Em contrapartida, Bovon argumenta em favor da manutenção dos versículos
34-35 na perícope em estudo. Segundo ele, a figura do “sal que dá sabor” expressa
que não basta ser discípulo, mas é preciso também continuar sendo.5
Segundo Fitzmyer, os versículos 34-35 configuram uma nova parábola, por
meio da qual o hagiógrafo sublinha o caráter do discípulo. Contudo, considera que a
forma como o sal é apresentado nos textos paralelos segundo Mateus e Marcos
justifica manter tais versículos à parte.6
Em vista das ponderações apresentadas, entende-se adequado estabelecer,
para efeito de desenvolvimento desta pesquisa, o texto canônico de Lc 14,25-33 como
a delimitação da perícope.
2. C O N TE X TO P R Ó X I M O E R E M O TO
3 DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Leia a Bíblia como Literatura. São Paulo: Loyola, 2007, p. 69.
4 ROBINSON, Edward. Léxico grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 263.
5 BOVON, François. El evangelio según san Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 657.
6 FITZMYER, Joseph A., El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1986, vol. III, p. 640.
7 DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 273.
18
explicar quais as relações existentes entre a perícope estudada e seu entorno literário-
teológico, chegando-se, então, a elementos que contribuirão para uma melhor
compreensão do texto.
Um melhor entendimento dos propósitos de Lucas com sua obra, bem como da
abrangência destes, é o principal elemento para identificar com segurança o escopo
do livro.
O prólogo lucano, por si só, de forma bastante clara, expressa qual intenção o
hagiógrafo tinha com sua obra. Contudo, a título de argumentação quanto à
veracidade desse propósito, é relevante considerar a afirmação de Lucas. Desta feita,
no segundo volume de sua obra, o livro dos Atos dos Apóstolos, Lucas volta a se
dirigir a Teófilo, fazendo como que uma reafirmação sobre o seu objetivo de relatar
acuradamente os fatos sobre Jesus.
O prólogo do evangelho lucano lido em conjunto com o de Atos permite
visualizar o escopo do primeiro, a finalidade à qual o autor se propunha, ou seja, o
objetivo que ele tinha em vista ao escrever sua obra.8
Alguns pontos merecem ser considerados para uma afirmação final sobre o
escopo. Em primeiro lugar, segundo Davidson, apesar do endereçamento a alguém
nominado Teófilo, é possível que a intenção do hagiógrafo fosse dirigir sua obra a “um
vasto círculo de leitores, e o fato de Teófilo ser um nome grego indicaria que Lucas
tinha em mente os gregos do mundo romano”.9 Na mesma linha, argumenta Carson.10
Outros autores, como Marshall, por exemplo, já entendem que o nome significa
“querido a Deus” e que se trata de uma pessoa real, e não de um nome apenas
simbólico.11
Em segundo lugar, deve-se considerar que Lucas diz a Teófilo que sua intenção
é fazer uma narrativa detalhada e coordenada de tudo o que se passou, confirmando
tudo sobre o que ele já havia sido instruído. O propósito do hagiógrafo não era
simplesmente fazer uso de sua habilidade literária ou de seu talento narrativo,
escrevendo o que pretendia. Está evidente também uma clara intensão teológica no
texto por ele escrito.12
8 Ibidem, p. 273.
9 DAVIDSON, Francis. O novo comentário de Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1963, p. 1.028.
10 CARSON, Donald Arthur; MOO, Douglas J.; MORRIS, León. Introdução ao Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1997, p. 131.
11 MARSHALL, I. Howard. Atos: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1991, p. 56.
12 MARGUERAT, Daniel (org.). Novo Testamento: História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola,
2009, p. 110.
19
O grande pensamento que Lucas está expressando é, decerto, que Deus está operando Seu
propósito. Este propósito é visto claramente na vida e na obra de Jesus, mas não terminou
juntamente com o ministério terrestre de Jesus. Continuou diretamente na vida e no testemunho
da Igreja. A Igreja não representa um novo ato de Deus, completamente sem relação com
aquele. Lucas está dizendo, segundo parece, que a obra de Jesus levou à vida da Igreja,
conforme o plano de Deus determinou que levasse. 13
13 MORRIS, Leon L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 11.
14 Ibidem, p. 60-62.
15 DAVIDSON, Francis. O novo comentário de Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1963, p. 1.028-1.029.
20
16 MARGUERAT, Daniel (org.). Novo Testamento: História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola,
2009, p. 112-113.
21
17 Ibidem, p. 111.
18 ODORISSO, Mauro. Evangelho de Lucas: texto e comentário – Leitura facilitada. São Paulo: Ave-
Maria, 1998, p. 9-10.
22
19 DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 285.
20 DAVIDSON, Francis. O novo comentário de Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1963, p. 1.045.
23
21 BOVON, François. El evangelio según san Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 658.
22 FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1986, vol. III, p. 642.
23 DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 275.
24
Neste caminho rumo a Jerusalém e à cruz, Jesus não está sozinho; é seguido pelos discípulos
e por uma grande multidão. Aos primeiros, ele dá suas instruções sobre as condições para
segui-lo (9,51–10,42), sobre a oração (11,1-13) e sobre as características do verdadeiro
discípulo (12,1-48); à multidão, ele dirige uma palavra que soa como último apelo à decisão e
convite à conversão (12,49–13,21). Para a parte central de sua viagem, Lucas previu uma
pausa, dois esplêndidos capítulos de parábolas que fazem intuir o estilo da ação de Deus, que
deve-se tornar norma para a vida dos discípulos e da comunidade (14–15). Continuam ainda
até as portas de Jerusalém as instruções aos discípulos, que retomam os temas preferidos de
Lucas, sobre o uso dos bens (16), sobre a responsabilidade e a perseverança na espera do
Filho do Homem, sem se abandonar a fanatismos e impaciências (17,22-37; 18,1-8; 19,11-27),
sobre a salvação e o perdão oferecidos aos excluídos e pecadores (17,11-19; 18,9-14; 19,1-
10).24
24 FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991, p. 12-13.
25
3. C R Í TI C A TE X TU AL
25 PAROSCHI, Wilson. Crítica textual do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 13-15.
26 SIMIAN-YOFRE, Horacio; GARGANO, Innocenzo; SKA, Jean Louis; PISANO, Stephen.
Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2000, p. 41.
26
25
Suneporeu,onto de. auvtw/| o,cloi polloi,( kai. strafei.j ei=pen pro.j auvtou,j(
Variante 1
Variante 2
quais manuscritos aparece a lição escolhida pelos editores, o que indica que esta é a
ocorrência predominante na multiplicidade de outros manuscritos, inclusive anteriores
ao século V, justificando, assim. sua escolha.
Variante 1
29 Papiro 45 (P45) (séc. III), Códice Sinaiticus (( )אséc. IV), Códice Alexandrino (A) (séc. V), Códice
Bezae Cantabrigiensis (D) (séc. V), Códice Moskensis (K) (séc. IX), Códice N (séc. VI), Códice
Freerianus (W) (séc. IV/V), Códice Seideliano (Γ) (séc. IX), Códice Claromontano (Δ) (séc. IX),
Códice Claromontanis (Θ) (séc. IX), minúsculos (f 1.13) (séc. XII/XII), 565(séc. IX), 700(séc. XI), 892
(séc. IX), 1241(séc. XII), 1424 (séc. IX) e texto Majoritário (M).
30 Manuscritos 579 (séc. XIII), 2542 (séc. XIII) e (séc. V).
31 Papiro 75 (P75) (séc. III), Códice Vaticanus (B) (séc. IV), Códice Regios (L) (séc. VIII) e Códice
Athous Lovrensis () (séc. IX).
28
Lucas dar maior peso à exigência não apenas afirmando “odiar o pai”, mas afirmando
odiar “o próprio pai”, figura de alto grau de importância na vida do judeu.
Variante 2
Variante 3
32 Papiro 45 (P45) (séc. III), Códice Sinaiticus (( )אséc. IV), Códice Alexandrino (A) (séc. V), Códice
Bezae Cantabrigienses (D) (séc. V), Códice Moskensis (K) (séc. IX), Códice N(séc. VI), Códice
Freerianus (W) (séc. IV/V), Códice Seideliano (Γ) (séc. X), Códice Claromontanus (Δ) (séc. IX),
minúsculos (f 1.13) (séc. XII/XII), 565(séc. IX), 700(séc. XI), 1241(séc.XII), 1424 (séc. IX), 2542 (séc.
XIII), Texto Majoritário Latino, tradição Siríaca Heracleana (séc. VIII), manuscritos versão Saidica,
Versões Boiariticas (séc. IV) e Clemente de Alexandria (séc. III).
33 Papiro 75 (P75) (séc. III) e nos manuscritos versão Saidica.
34 Códice Vaticanus (B) (séc. IV), Códice Regiux (L) (séc. VIII), Códice Claromontanus () (séc. VI),
33 (séc. IX) e 892 (séc. IX).
35 Papiro 45 (P45) (séc. III), Códice Alexandrino (A) (séc. V), Códice Bezae Cantabrigienses (D) (séc.
V), Códice Moskensis (K) (séc. IX), Códice Regiux (L) (séc. VIII), Códice (N) (séc. VI), Códice
Freerianus (W) (séc. IV/V), Códice Seideliano (Γ) (séc. X), Códice Claromontanus (Δ) (séc. IX),
Códice Coridethianus (Θ) (séc. IX), Códice Athous Lovrensis () (séc. IX), minúsculos famílias 1 e
13 (f1.13) (séc. XII/XII), 33 (séc. IX), 565 (séc. IX), 700 (séc. XI), 892 (séc. IX), 1424 (séc. IX), 2542
(séc. XIII), Texto Majoritário (M), Clemente de Alexandria (séc. III).
36 1241 (séc. XII).
29
Variante 4
Esta variante é apontada pela Edição Crítica como palavras preservadas, mas
em ordem diferente.
Lição 1 – Esta lição traz a expressão mou ei=nai, maqhth,j.38
TEXTO: 26 “… não pode meu ser discípulo.”
Lição 2 – Mostra a expressão mou maqhth,j ei=nai,.39
TEXTO: 26 “… não pode meu discípulo ser.”
Lição 3 – A lição adotada pelos editores apresenta a expressão ei=nai, mou
maqhth,j.40
TEXTO: 26 “… não pode ser meu discípulo.”
COMENTÁRIO: em relação à crítica externa, pode-se afirmar que a Lição 3 é a
que apresenta uma quantidade maior de testemunhos anteriores ao século V, o que
justifica a escolha dos editores.
37 Papiro 75 (P75) (séc. III), códice Sinaiticus (( )אséc. IV), Códice Vaticanus (B) (séc. IV) e 579 (séc.
XIII).
38 Papiros 45 e 75 (P45.75) (séc. III), Códice Moskensis (K) (séc. IX), Códice (N) (séc. VI), Códice Athous
Lovrensis () (séc. IX), minúsculo família 13 (f13) (séc. XII), manuscrito Latino (séc. VII) e versão
Clementina da Vulgata (séc. XVI).
39 Códice Alexandrino (A) (séc. V), Códice Bezae Cantabrigienses (D) (séc. V), Códice Freerianus (W)
(séc. IV/V), Códice Seideliano (Γ) (séc. X), Códice Claromontanus (Δ) (séc. IX), Códice
Coridethianus (Θ) (séc. IX), minúsculo família 1(f 1) (séc. XII), 565 (séc. IX), 700 (séc. XI), 1424 (séc.
IX), Texto Majoritário (M), manuscritos da Vetus Latina, Vulgata Wordsworth (séc. XIX) e Orígenes.
40 Códice Sinaiticus (( )אséc. IV), Códice Vaticanus (B) (séc. IV), Códice Regiux (L) (séc. VIII), (579)
(séc. XIII), que suporta a variante com diferenças mínimas, 892 (séc. IX), 1241 (séc. XII), 2542 (séc.
XIII) e Vulgata Stuttgarter.
30
Variante 1
Variante 1
41 Códice Sinaiticus segunda revisão (א2) (séc. IV), Códice Alexandrino (A) (séc. V), Códice Bezae
Cantabrigiensis (D) (séc. V), Códice Moskensis (K) (séc. IX), Códice (N) (séc. VI), Códice Freerianus
(W) (séc. IV/V), Códice Claromontanus (Δ) (séc. IX), Códice Coridethianus (Θ) (séc. IX), Códice
Athous Lovrensis () (séc. IX), minúsculos famílias 1 e 13 (f 1.13) (séc. XII/XII), 565 (séc. IX), 700
(séc. XI), 892 (séc. IX), 1241 (séc.XII), 1424 (séc. IX), 2542 (séc. XIII), Texto Majoritário latino (M
latt), Siríaca Curetoniana Peshita e Heracleana e Copta Saíditico.
42 Papiros 45 e 75 (P45.75) (séc. III), Códice Sinaiticus antes das revisões (( )*אséc. IV), Códice
Vaticanus (B) (séc. IV), Códice Regiux (séc. VIII) e manuscrito 579 (séc. XIII).
43 Papiro 45 (P45) (séc. III), Códice Freerianus (W) (séc. IV/V), Códice Seideliano () (séc. IX),
minúsculo família 13 (f13) (séc. XI), 565 (séc. IX), 700 (séc. XI) e múltiplos manuscritos do texto
majoritário (pm).
44 Papiro 75 (P75) (séc. III).
31
Variante 1
Variante 1
Variante 2
Variante 1
4. S E G M E N T AÇ Ã O E TR AD U Ç Ã O
35
5. AN Á LI SE D A E S TR U TU R A
O gênero literário do texto pode ser definido como sendo uma narrativa na qual
se encontram instruções específicas de Jesus ligadas ao “ser discípulo”.
Devem ser observados alguns aspectos quanto à estrutura da perícope. O
primeiro se relaciona com os sujeitos das ações. Quanto a estes, o versículo 25
apresenta em primeiro lugar o;cloi polloi,, (“multidões numerosas”), aqueles que
36
acompanhavam Jesus. No mesmo versículo, o sujeito da ação passa a ser Jesus: kai.
strafei.j (“e voltando-se”), e ainda ei=pen pro.j auvtou,j (“disse a elas”). Segue-se o
discurso de Jesus até o final do texto, sem mudança do sujeito das ações.
O segundo aspecto se refere à estrutura propriamente dita. No versículo 25, o
relato apresenta Jesus caminhando com a multidão, parando e discursando a ela.
O versículo 26 quando fala do ódio à família aborda tanto a renúncia como, de
forma implícita, a primazia de Cristo e do Reino. O versículo 33 indica, de forma
explícita, a renúncia, o que leva a identificar que, em conjunto, ambos os versículos
apontam para duas condições colocadas por Jesus: renunciar a tudo o que se tem e
priorizar Cristo e o Reino.
Nesta narrativa Lucas faz uso de duas parábolas, que são apresentadas sob
forma de perguntas retóricas (vv. 28-32) e visam destacar a importância de
autoavaliação consciente antes da decisão de seguir Jesus. Associa-se a estes
versículos o 27, que vai apresentar a quarta condição para ser discípulo, ou seja,
carregar a cruz e seguir Jesus.
Respeitando esta estrutura, os versículo 28.33 e os versículos 27-32, será feita
a análise teológica das condições a serem atendidas, que possibilitam ser discípulo
de Jesus Cristo.
6. AN Á LI SE LEXICOGRÁFICA
57 RITCHER, Exegese, p. 88-92, apud EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São
Paulo, Loyola, 1994, p. 75.
58 EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo, Loyola, 1994, p. 76.
37
A perícope conta com 165 vocábulos, dos quais 24 são substantivos, 40 verbos,
8 adjetivos, 10 preposições, 14 artigos, 21 conjunções, 17 advérbios e 19 pronomes,
sendo que 8 desses vocábulos são hápax legomena no Novo Testamento: bouleu,setai
(“considerar”), sumbalei/n (“encontrar”), basta,zei (“carregar”), yhfi,zei (“calcula”),
oivkodomei/n (“construir”), qe,ntoj (“coloca”), avpartismo,n (“complementação”), dapa,nhn
(“custo”).
São 24 os substantivos presentes na perícope, os quais podem ser classificados
da seguinte forma: 14 do gênero masculino, 9 do feminino e apenas 1 do neutro. 6 deles
estão no plural, enquanto 18 no singular. Em relação aos casos, os substantivos estão
distribuídos em 15 no acusativo, 1 no genitivo, 2 no dativo e 6 no nominativo. Destaca-se
a repetição (três ocorrências) do termo maqhth,j (“discípulo”), que, inclusive, é uma das
palavras-chave da perícope. Outra repetição ocorre com o substantivo basileu,j (“rei”), que
se encontra 2 vezes, 1 vez em nominativo e 1 vez em dativo.
Dentre as 41 formas verbais encontradas na perícope, há 33 raízes distintas,
uma vez que du,namai (“poder”) aparece 3 vezes, e;rcomai (“vir/ir”) 2 vezes, eivmi,
(“ser/estar”) 3 vezes, evktele,w (“terminar”) 2 vezes e kaqi,zw (“sentar”) 2 vezes.
MÉDIO (1)
FUTURO (1)
MÉDIO (1)
IMPERFEITO (1)
MÉDIO (1)
PRESENTE (12)
ATIVO (6)
MÉDIO (6)
INFINITIVO (10)
AORISTO (5)
ATIVO (5)
PRESENTE (5)
ATIVO (5)
PARTICÍPIO (13)
AORISTO (5)
ATIVO (2)
GENITIVO (1)
38
NOMINATIVO (1)
PASSIVO (3)
NOMINATIVO (3)
PRESENTE (8)
ATIVO (6)
DATIVO (1)
GENITIVO (2)
NOMINATIVO (3)
MÉDIO (2)
NOMINATIVO (2)
SUBJUNTIVO (1)
AORISTO (1)
MÉDIO (1)
7. AN Á LI SE S I N TÁ TI C O - S E M Â N TI C A
40
59 BOVON, François. El evangelio según san Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 637.
60 DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 127.
61 CARSON, Donald. Arthur. A exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992, p. 53-54.
62 EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento: introdução aos métodos linguísticos e
histórico-crítico. São Paulo: Loyola, 1994, p. 90.
41
7.1 A multidão caminha com Jesus e ele discursa a ela (v. 25)
25
Suneporeu,onto de. auvtw/| o;cloi polloi,( kai. strafei.j ei=pen pro.j auvtou,j\
Iam junto então com ele multidões numerosas e voltando-se disse a elas,
7.1.1 Suneporeu,onto
63 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.
721.
64 FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1986, vol. III, p. 631.
42
7.1.2 strafei.j
7.1.3 ei=pen
Verbo no indicativo aoristo ativo de raiz le,gw (“dizer”). Nesta conjugação, ei=pen
se traduz por “ele disse”, sendo que ei=pen pro.j indica que “as palavras se dirigem
diretamente às pessoas referidas”.65
O verbo explicita uma realidade clara em que o sujeito pratica a ação, no caso
Jesus, que diz algo à multidão. O aspecto do verbo é o aoristo, normalmente traduzido
pelo presente ou pretérito perfeito no português.
Há múltiplas ocorrências deste verbo no Novo Testamento, sendo que nestas
ele tem sempre uma conotação que designa alguém que diz palavras de forma
objetiva, seja afirmando ou perguntando algo.
O versículo em avaliação oferece elementos que evidenciam que muitas
pessoas seguem a Jesus, e o número delas é apresentado por Lucas através de uma
hipérbole (“grande multidão”). Pode-se deduzir que elas caminham com ele por opção
própria, “iam por si”, como indica o verbo Suneporeu,onto, conjugado na voz média. Pelo
contexto percebe-se que seguem Jesus motivadas pelos atrativos do Reino e pelas
bênçãos prometidas aos que têm acesso a ele. 66
O texto ainda relata que Jesus se volta para a multidão e profere algumas
palavras a ela. Sobre o “voltar-se”, o verbo conjugado no aoristo passivo indica que
procede a tradução no gerúndio, “virando-se”, mas que o emprego da voz passiva
aponta para o sentido de “ter sido virado”. Evidentemente não cabe aqui admitir o
sentido físico de alguém ter virado Jesus, mas a multidão como agente que “vira” ou
65 Cf. LUDERMANN, G. le,gw, in: SCHNEIDER, Gerhard; BALZ, Horst. Diccionario Exegético del
Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996, vol. I, p. 1.198.
66 FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1986, vol. III, p. 631.
43
faz com que ele se “volte para ela”, por provocar nele uma motivação para isso. Em
outras palavras, a multidão desperta em Jesus o desejo de se voltar e dirigir palavras
a ela. Sobre o “dirigir palavras”, deve-se considerar o uso que Lucas faz da expressão
ei=pen pro.j, que denota a postura de Jesus de se colocar na direção frontal da multidão
e, dessa forma, dizer verdades de frente para a multidão, inferindo-se o “olho no olho”,
de maneira firme e decidida.
7.2.1 e;rcetai
7.2.2 misei/
A raiz verbal é mise,w, que tem uma gama de significados, indo desde “amar
menos” e “detestar”, até “odiar”.69 Com acusativo de pessoa é usualmente interpretado
67 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.
1.062.
68 Cf. SCHRAMM, T., e;rcomai, in SCHNEIDER, Gerhard; BALZ, Horst. Diccionario Exegético del
Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996, vol. I, p. 1.589.
69 Cf. GIESEN, H., mise,w, in SCHNEIDER, Gerhard; BALZ, Horst. Diccionario Exegético del Nuevo
Testamento. Salamanca: Sígueme, 1998, vol. II, p. 295.
44
7.2.3 du,natai
A raiz verbal é du,namai, que significa “ser capaz”, “ter poder” ou “ter força para”,
quer por habilidade pessoal, quer por permissão ou oportunidade.72 Estes significados
estão “num sentido físico e moral, e dependendo ou da disposição e faculdades da
mente, ou do grau de força ou habilidade”.73
Verbo conjugado no indicativo presente médio, exprime uma realidade no
tempo presente, em que o sujeito participa da ação. É sempre seguido por um
infinitivo, implicando uma ação contínua (ouv du,natai ei=nai,).74 Conjugado desta forma,
o verbo apresenta 79 ocorrências no Novo Testamento.
A leitura dos versículos mostra que o uso de du,natai acontece
predominantemente para o Messias ou para Deus . Quando usado para os homens,
a expressão é ouv du,natai, mostrando a limitação humana em sua capacidade de
realização.
7.2.4 ei=nai
70 ROBINSON, Edward. Léxico grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 587.
71 Ibidem, p. 588.
72 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.
878.
73 ROBINSON, Edward. Léxico grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 239.
74 Ibidem, p. 239.
75 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.
887.
45
Além disso, tem o sentido de “ser para alguma coisa”, ou seja, “passar a ser alguma
coisa”.76
O verbo ocorre 85 vezes no Novo Testamento, sendo 32 delas somente na obra
lucana.
Está evidenciado no versículo 26 que Jesus se refere a pessoas que vem a ele
no sentido expresso por e;rcetai pro,j me (“vir diante de mim”), e não simplesmente de
acercar-se dele circunstancialmente.77 Estes que vão a ele dessa forma devem “amar
menos” (mise,w em antítese com avgapa,w) seus familiares e própria vida. O que Jesus
quer dizer com isso é que “o amor que o discípulo tem por ele deve ser tão grande
que o melhor amor terrestre é ódio em comparação”.78 Isso envolve também o amor
à própria vida.
O versículo é complementado com o importante significado para du,natai ei=nai,,
que apresenta a ideia de “ter forças para”, “passar a ser”, o que é apresentado sob
forma negativa. Quem não cumpre o especificado por Jesus não tem forças para se
tornar seu discípulo.
7.3.1 basta,zei
A raiz verbal é basta,zw, que é traduzida por “levar” ou “suportar” .79 Numa
primeira forma o verbo é empregado de maneira literal, no sentido de “levar” objetos,
tais como um cântaro de água ou uma sandália, ou pessoas como, por exemplo, um
paralítico. Diversos objetos dão ao verbo uma forma metafórica, destacando o aspecto
de “suportar”. Pode-se citar, por exemplo, que “Jesus carrega sobre si nossas
enfermidades” (Mt 8,17), ou ainda que “o discípulo deve carregar a própria cruz” (Lc
14,27).
76 ROBINSON, Edward. Léxico grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 262.
77 FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1986, vol. III, p. 632.
78 MORRIS, Leon L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 222.
79 Cf. STENGER, W., basta,zw, in SCHNEIDER, Gerhard; BALZ, Horst. Diccionario Exegético del
Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1996, vol. I, p. 623.
46
7.3.2 e;rcetai
le,gontej o[ti ou-toj o` a;nqrwpoj h;rxato oivkodomei/n kai. ouvk i;scusen evktele,saiÅ
31
"H ti,j basileu.j poreuo,menoj e`te,rw| basilei/ sumbalei/n eivj po,lemon ouvci.
kaqi,saj prw/ton bouleu,setai eiv dunato,j evstin evn de,ka cilia,sin u`panth/sai tw/|
meta. ei;kosi cilia,dwn evrcome,nw| evpV auvto,nÈ 32
eiv de. mh, ge( e;ti auvtou/ po,rrw
o;ntoj presbei,an avpostei,laj evrwta/| ta. pro.j eivrh,nhnÅ
80 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 147.
47
Quem (é) pois dentre vós que desejando edificar uma torre não primeiro assentando-
se calcula a despesa se tem (condições) para a conclusão? para que nunca (aconteça)
que tendo posto ele a fundação e não podendo concluir todos os que virem comecem
a rir dele dizendo que este homem começou a edificar e não conseguiu terminar. Ou
qual (é) o rei que vai com outro rei encontrar para batalha não assentando-se primeiro
considera se capaz é com dez mil encontrar o com vinte mil que vem contra ele? se
então não ainda distante estando embaixada tendo enviado solicita as condições para
paz.
7.4.1 qe,lwn
A raiz verbal é qe,lw, que significa “desejar”, “querer” ou “ter vontade”. Traduz-
se em expressão do exercício deliberado da vontade.81
Verbo conjugado no particípio presente ativo, é normalmente traduzido pelo
gerúndio, em que o sujeito é quem produz a ação. Flexionado dessa forma, o verbo
ocorre 12 vezes no Novo Testamento. A leitura dos versículos mostra que o uso de
qe,lwn expressa o sentido de querer algo, ter vontade ou desejar qualquer coisa, seja
material ou não, predominantemente por parte da pessoa humana.
7.4.2 oivkodomh/sai
81 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.
920.
48
7.4.3 yhfi,zei
7.4.4 bouleu,setai
7.4.5 evstin
82 Ibidem, p. 583.
83 Ibidem, p. 825.
84 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.
908.
85 ROBINSON, Edward. Léxico grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 262.
49
Jesus emprega nestes versículos duas parábolas com o objetivo de fixar uma
importante lição. Ele não quer discípulos sem consciência dos compromissos que
assumiram. Ele não deseja seguidores que se precipitam para o discipulado sem
pensar naquilo que está envolvido.86
Estes versículos estão embasados na ideia central expressa pelo verbo yhfi,zw,
presente no texto e que significa “calcular”. Na expressão empregada (yhfi,zei th.n
dapa,nhn) significa “calcula o custo”. Este verbo tem o sentido original de “contar” ou
“votar” e, associado ao uso do verbo bouleu,setai (“aconselhar-se consigo mesmo”,
“determinar consigo mesmo”), mostra que ter vontade (qe,lwn) simplesmente de
edificar uma torre não é o suficiente para fazê-lo, mas deve considerar consigo mesmo
as possibilidades reais para tal.
Esta mesma consideração é aplicável à segunda parábola, onde um rei
também deve avaliar suas reais possibilidades, “se há possibilidade”, ou “se é
possível” enfrentar outro rei em batalha (eiv dunato,j evstin).
7.5.1 avpota,ssetai
86 MORRIS, Leon L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 222-223.
87 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.
360.
88 Ibidem, p. 541.
50
8. AN Á LI SE P R AG M Á TI C A
Antes mesmo de iniciar a análise propriamente dita, convém que se tenha uma
clara definição da abrangência da Pragmática. Enquanto análise, ela se ocupa das
expressões linguísticas e textuais na medida em que estas são instrumentos de
influência do ouvinte ou leitor. Quando se emite uma mensagem a alguém, pretende-
se sugerir determinadas considerações a este, procurando induzi-lo a partilhar de
seus sentimentos, a mudar suas ideias, a assumir determinadas posições etc.90
Baseado nisso, pode-se afirmar que a Pragmática se interessa pela função dinâmica
dos textos91 e se propõe a responder a duas perguntas: O que o autor quis produzir
no leitor? Como a mensagem foi transmitida?
89 BOVON, François. El evangelio según san Lucas (Lc 9,51-14,35). Salamanca: Sígueme, 2012, vol.
II, p. 656.
90 EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1994, p. 130.
91 VAN DUK, 1985, p. 68, apud EGGER, 1994, p. 130.
51
92 “A Teoria dos Atos de Fala tem por base doze conferências proferidas por Austin na Universidade
de Harvard, EUA, em 1955, e publicadas postumamente, em 1962, no livro How to do Things with
Words. O título da obra resume claramente a ideia principal defendida por Austin: dizer é transmitir
informações, mas é também (e sobretudo) uma forma de agir sobre o interlocutor e sobre o mundo
circundante […]. A Teoria dos Atos de Fala surgiu no interior da Filosofia da Linguagem, no início
dos anos sessenta, tendo sido, posteriormente, apropriada pela Pragmática. Filósofos da Escola
Analítica de Oxford, tendo como pioneiro o inglês John Langshaw Austin (1911-1960), seguido por
John Searle e outros, entendiam a linguagem como uma forma de ação (‘todo dizer é um fazer’)”
(SILVA, Gustavo Adolfo Pinheiro da. Pragmática: a ordem dêitica do discurso. Rio de Janeiro:
Enelivros, 2005, p. 1).
93 EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1994, p. 134.
94 “Austin, então, postula que todo ato de fala é ao mesmo tempo locucionário, ilocucionário e
perlocucionário. Assim, quando se enuncia a frase Eu prometo que estarei em casa hoje à noite, há
o ato de enunciar cada elemento linguístico que compõe a frase. É o ato locucionário.
Paralelamente, no momento em que se enuncia essa frase, realiza-se o ato de promessa. É o ato
ilocucionário: o ato que se realiza na linguagem. Quando se enuncia essa frase, o resultado pode
ser de ameaça, de agrado ou de desagrado. Trata-se do ato perlocucionário: um ato que não se
realiza na linguagem, mas pela linguagem” (SILVA, Gustavo Adolfo Pinheiro da. Pragmática: a
ordem dêitica do discurso. Rio de Janeiro: Enelivros, 2005, p. 3).
95 Searle distingue cinco grandes categorias de atos de linguagem: a) assertivos: comprometem o
falante com a verdade do enunciado. “Eu não te condeno”, “estarás hoje comigo no paraíso”. b)
diretivos: tentam produzir alguma ação no interlocutor. “vai e não peques mais”. c) comissivos:
comprometem o falante com o futuro. “Vou preparar-vos um lugar”. d) expressivos: expressam um
estado psicológico. “Ele teve compaixão da multidão”. e) declarativos: executam concretamente o
enunciado (pelos DIFIs). “Haja luz, e houve luz” (SILVA, Gustavo Adolfo Pinheiro da. Pragmática: a
ordem dêitica do discurso. Rio de Janeiro: Enelivros, 2005, p. 4).
52
96 NEF ULLOA, Boris Agustín. A apresentação de Jesus no Templo (Lc 2,22-39). São Paulo: Paulinas,
2012, p. 155.
97 i[na evpignw/|j peri. w-n kathch,qhj lo,gwn th.n avsfa,leian (“para que tenhas plena certeza das verdades
em que foste instruído”, Lc 1,4. ARA.)
53
cena se configura faz com que o impacto das palavras proferidas por Jesus tenha um
peso bastante significativo, devido à maneira como chegam às pessoas. São palavras
proferidas num momento de atenção completa das pessoas; atenção esta despertada
pela paralisação da caminhada provocada por Jesus. Agora o Mestre está frente a
frente, “encarando” as multidões e transmitindo seu ensinamento.
O texto contém ainda afirmações de Jesus que devem ser qualificadas como
de grande impacto, e até mesmo de rejeição, no que se refere ao efeito provocado em
seus ouvintes. É o que acontece ante a afirmação: “Se alguém vem a mim e não odeia
a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida…”
(Lc 14,26). De forma semelhante: “E qualquer um que não tomar a sua cruz…” (17,27).
Em primeiro lugar, o “odiar aos mais próximos” significa “amá-los menos”. Essa
exigência implica amar Jesus com tal intensidade que o sentimento por outros seria
visto como irrelevante. Assim, a condição posta por Jesus, num primeiro momento, se
opunha à forma como o respeito aos pais e familiares era visto na cultura judaica da
época.
Observe-se no Decálogo a posição de proeminência na qual são colocados os
pais, quando se ordena: “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus
dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá” (Ex 20,12). No mesmo sentido,
evidências no evangelho mostram como a reverência devida aos pais era algo patente
na cultura judaica. Há um exemplo em Lc 9,59-61: “A outro disse Jesus: ‘Segue-me!’
Ele, porém, respondeu: ‘Permita-me ir primeiro sepultar meu pai’. Mas Jesus insistiu:
‘Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e prega o reino
de Deus’. Outro lhe disse: ‘Seguir-te-ei, Senhor; mas deixa-me primeiro despedir-me
dos de casa’”.
A postura de falsa religiosidade predominante em alguns grupos do judaísmo
do segundo Templo, denunciada por Jesus principalmente em relação ao grupo dos
fariseus, provocou um obscurecimento que causou grande dificuldade para que as
pessoas entendessem a realidade da preeminência de Cristo em detrimento de
qualquer um.
Jesus tinha a intenção de provocar o impacto que viesse a gerar a
transformação de consciência do ouvinte. Mais acentuado ainda é este impacto
quando se trata da preeminência de Jesus em relação à vida de cada um. Deve-se
lembrar de que muitas vezes Jesus afirmava uma verdade de modo espantoso
54
exatamente para causar este tipo de sentimento nos ouvintes.98 Isso equivale à
afirmação de Champlin: “Os orientais tendiam a empregar uma linguagem mais forte
do que a nossa visando dar ênfase ao que diziam”.99
Quanto à afirmação de Jesus sobre “tomar a cruz”, a pragmática caminha nos
mesmos moldes do que foi anteriormente discutido. As palavras de Morris mostram
com clareza o quadro que por certo se formava na mente dos ouvintes com esta
afirmação de Jesus sobre a cruz:
Os discípulos provavelmente tinham visto um homem tomar a sua cruz e sabiam o que
significava. Quando um homem dalguma das aldeias deles tomava uma cruz e ia embora com
um pequeno grupo de soldados romanos, estava numa viagem só de ida. 100
98 DAVIDSON, Francis. O novo comentário de Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1963, p. 1.046.
99 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 147.
100 MORRIS, León L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 161.
101 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês? São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 125.
102 MORRIS, León L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 222.
103 BOVON, François. El evangelio según san Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 633.
55
CONCLUSÃO
Foram detalhados neste capítulo os elementos literários característicos de Lc
14,25-33. Isto foi possível mediante a utilização das diversas análises já citadas, o que
possibilitou preparar a base para a análise teológica das condições para ser discípulo
de Jesus: renunciar a tudo o que se tem, priorizar Cristo e o Reino, autoavaliar-se e
carregar a cruz e seguir Jesus.
CAPÍTULO II
ANÁLISE TEOLÓGICA DE LC 14,26.33
I N TR O D U Ç Ã O
No capítulo anterior, procurou-se analisar Lc 14,25-33 com o foco exegético.
Foram feitas as análises contextual, estrutural e literária, esta última dividida em
análise lexicográfica, sintática, semântica e pragmática.
O presente capítulo visa aprofundar a mensagem lucana, particularmente no
que se refere às condições para o seguimento de Cristo descritas nos versículos
26.33: renunciar a tudo o que se tem e priorizar Cristo e o Reino.
Além disso, também objetiva tratar da atualização hermenêutico-teológica da
mensagem do texto, sempre tendo em vista que a teologia bíblica não envolve
verdades teológicas abstratas, mas sim se volta para a descrição e a interpretação da
forma como Deus age no cenário da história humana, procurando a redenção do
homem.1
26
Ei, tij e,rcetai pro,j me kai. ouv misei/ to.n pate,ra e`autou/ kai. th.n mhte,ra kai.
th.n gunai/ka kai. ta. te,kna kai. tou.j avdelfou.j kai. ta.j avdelfa.j e,ti te kai. th.n
yuch.n e`autou/( ouv du,natai ei=nai, mou maqhth,jÅ
33
ou[twj ou=n pa/j evx u`mw/n o]j ouvk avpota,ssetai pa/sin toi/j e`autou/ u`pa,rcousin ouv
du,natai ei=nai, mou maqhth,jÅ
26 se alguém vem a mim e não odeia o seu próprio pai e a mãe e a mulher
e as crianças e os irmãos e as irmãs até a sua própria vida não pode ser
meu discípulo.
33 Assim pois todo dentre vós que não renuncia a tudo que tem não pode
ser meu discípulo.
1 LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Exodus, 1997, p. 25.
57
1. O D I S C Í P U LO NO TE X TO B Í B L I C O
2 “‘Discípulo’ é um aprendiz, alguém que acompanha o mestre a fim de aprender um ofício ou uma
disciplina. Talvez o equivalente atual mais próximo seja o ‘estagiário’, que aprende observando e
fazendo. O termo ‘discípulo’ era a designação mais comum para os seguidores de Jesus Cristo e é
usado 257 vezes nos evangelhos e no Livro de Atos” (WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico
expositivo. Santo André: Geográfica, 2001, vol. I, p. 301). “O discipulado consiste em aprender a
colocar todos os dias os próprios passos nas marcas do Mestre. A missão, por sua vez, tem como
finalidade fazer de todos os povos da terra ‘discípulos’ de Jesus (cf. Mt 28,19) para que façam do
evangelho seu projeto de vida em nível pessoal e comunitário” (BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico
do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p. 5). “Ser um discípulo significa ser ‘um estudante’ (do
grego mathetes). Discípulos de Jesus Cristo aprendem através do seu ensino e se tornam seus
imitadores (cf. Jo 8.31; 15.8). O discípulo aprende como permanecer na sua Palavra (Jo 8.31) e
produzir frutos cristãos (cf. Jo 15.8)” (TRASK, Thomas E.; GOODAL, Waide LD. De volta para a
Palavra. Rio de Janeiro: Casa Publicadora da Assembleia de Deus, 1999, p. 115). Uma primeira
consideração quanto à figura do discípulo propriamente dito se refere ao método geral usado por
Jesus para formar seus discípulos, que não consistia apenas em comunicar verdades a eles, mas,
sobretudo, mostrar e mandá-los fazer coisas específicas (cf. ORTIZ, Juan Carlos. Ser e fazer
discípulos. São Paulo: Loyola, 1979, p. 71).
3 Cf. NEPPER-CHRISTENSEN, P. maqhth,j, in SCHNEIDER, Gerhard; BALZ, Horst. Diccionario
Exegético del Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1998, vol. II, p. 115.
58
7 “Os discípulos do Reino devem contar, sempre, com tribulações por causa da fé. Se o mundo os
reconhece e os bajula, com certeza é por terem rompido com o projeto de Jesus e se deixado
encantar pelas seduções mundanas. Jesus, ao advertir os primeiros seguidores, foi suficientemente
explícito. Falou em julgamentos e ações, em perseguição na própria família e em serem vítimas do
ódio de todos. O motivo seria um só: confessarem o nome dele e se pautarem por seus
ensinamentos. O fato de ser discípulos torná-los-ia vítimas da incompreensão” (VITÓRIO, Jaldemir.
Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012,
p. 41). “Talvez o evangelho seja mais realista do que nós pensamos. A liberdade do discípulo e a
sua coragem, o desapego radical e a seriedade do compromisso tornam-se palavras vazias e
abstratas até quando ele não começar a perder os bens, entendidos no sentido mais amplo. É este
o são materialismo evangélico, que dá densidade histórica ao projeto de liberdade no seguimento
do Cristo” (FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os evangelhos III. São Paulo: Loyola, 1992, p.
158).
8 SCHERER, Odilo Pedro. Justo sofredor: uma interpretação do caminho de Jesus e do discípulo.
São Paulo: Loyola, 1995, p. 7.
9 PORRAS, Carolina Vila. Ser cristiano hoy a partir de la práctica de las bienaventuranzas [Being a
Christian Nowadays within the Context of the Practice of Beatitudes]. Cuestiones teológicas, Bogotá,
vol. 41, p. 167-190, 2014.
10 PIMENTEL, Ivany Dantas. Aspectos histórico-teológicos da pregação de Jesus sobre o Reino de
Deus. Dissertação de mestrado em Teologia, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2011, p. 71.
60
enfim, todo o corpo. Para que possa haver uma compreensão clara do que isso
significa, o novo testamento lança mão de uma série de imagens: despojar-se, morrer,
deixar, não voltar atrás e odiar.11
O discípulo de Jesus é aquele que o segue como o Cireneu, ou seja,
carregando a sua cruz (cf. Mt 27,32; Mc 15,21; Lc 23,26). É o que toma decisões
voltadas para renúncia e rupturas e tem consciência da seriedade de suas atitudes.
Ser discípulo exige a ruptura com o apego aos bens, pois as riquezas são perigosas
(cf. Lc 1,46-55; 16,20-31; 18,18-25; 21,2-4). Trata-se de dar do que é seu para poder
ajudar os outros. O desapego o faz livre para seguir o Mestre. O caminho do discípulo
é o da via estreita, o da humildade e o da cruz.12
Draper ressalta que o ensino, somado ao exemplo de Jesus e associado a suas
exigências, busca tirar do homem o melhor e torná-lo discípulo:
Não é o ensinamento de Jesus sozinho (como o Sermão do Monte), tanto quanto as ações e
nobre morte do herói representam a chamada para a mimese, a ação ética na imitação.
Enquanto Jesus fez proclamar o escatológico imperativo da vinda iminente do Reino, no
coração deste é uma ética de resposta levando à incorporação de uma nova comunidade que
visa à restauração de Israel e uma ética interina radical. No centro de tudo isso é o comando
de amar a Deus e ao próximo, incluindo um inimigo, como a misericórdia de Deus impele a
perdoar em resposta. Jesus tinha estabelecido orientações éticas rigorosas sobre dinheiro e
posses, sobre a guerra, sobre a violência e sobre o estado. Estes, no entanto, não fornecem
um código legal, mas “padrões exagerados para inspirar-nos para o melhor que podemos
ser”.13
11 BOVON, François. El evangelio según San Lucas. Salamanca: Sígueme, 1995, vol. II, p. 645.
12 DILLMANN, Rainer; MORA PAZ, Cesar A. Comentario al evangelio de Lucas. Un comentario para
la actividad pastoral. Estella: Verbo Divino, 2006, p. 253.
13 DRAPER, Jonathan A. Imitating Jesus, yes – but which Jesus? A critical engagement with the ethics
of Richard Burridge in Imitating Jesus, an inclusive approach to New Testament ethics. HTS
Theological Studies, Cape Town, vol. 65, p. 3, 2009.
14 “O evangelista Lucas, por sua vez, diz-nos que o discípulo bem formado será como seu mestre (cf.
Lc 6,40). Essa expressão nos reforça a convicção da necessária identidade do estilo de vida e de
toda a revelação que provém do mestre Jesus. É o que temos descoberto nos estudos sobre o
discipulado: o discipulado caminha de mãos dadas com a cristologia. Somente quem sabe
responder quem é Jesus poderá também responder por sua própria identidade como discípulo do
Senhor” (BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p. 5).
“Quem vê o discípulo em ação deverá ver nele o reflexo do Mestre. Quem quiser conhecer o Mestre
bastará contemplar o discípulo. Portanto, o seguimento leva o discípulo a ser como o Mestre”
61
dando ênfase à necessidade de uma vida vivida segundo a vontade de Deus, Nel
destaca que, “na jornada à qual Jesus conduziu seus primeiros discípulos, no caminho
para Jerusalém, ele os convidou a organizar suas vidas de acordo com a vontade de
Deus”,15 o que, em certo sentido, significa agir conforme ele mesmo agiu.
Pode-se, então, afirmar como conclusão que a caracterização do discípulo não
está voltada exclusivamente para uma ênfase de elementos que pontuam a total
dependência do chamado, a disposição em aprender, a vocação para segui-lo, um
relacionamento pessoal e íntimo com Jesus ou o caráter missionário na pregação do
evangelho. Tudo isso vem como consequência do atendimento a condições colocadas
por Jesus, que, se atendidas, configuram a presença daquele que pode ser seu
discípulo.
2. CONDIÇÕES P AR A S E R D I S C Í P U L O
Lucas é o evangelista histórico, mas também o teólogo do tempo central de Jesus Cristo, tempo
que consiste em fazer do anúncio da Boa-Nova o centro da história, a qual se renova com a
vinda do Messias pelo Espírito. Na vida e nas obras, Jesus aí se revela aos povos de todos os
tempos (At 1,8). Esta missão encontra sua continuidade na atuação daqueles que recebem o
Espírito no dia de Pentecostes. Lucas é o evangelista dos pobres. Ele escreve uma obra que
integra na pregação e no seguimento de Jesus, assim como na ação da comunidade criada
pelo Espírito, as categorias de pessoas colocadas fora da organização social e religiosa do seu
tempo.16
(VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São
Paulo: Paulinas, 2012, p. 162). “Cada cristão é convidado a viver esta novidade de vida, o religioso,
porém, se compromete a viver pública, expressa e tematizadamente sua existência a partir do
comportamento de Cristo. Só assim ele pode ser um sinal do mundo precursor, porque já no
entretempo entre o hoje da fé e a parusia da glória ele optou por pertencer à sociedade celeste (cf.
Fp 3,20)” (BOFF, Leonardo. O destino do homem e do mundo. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 162).
Não usava simplesmente comunicar conhecimento, mas ensiná-los a se tornar tal qual ele era (cf.
ORTIZ, Juan Carlos. Ser e fazer discípulos. São Paulo: Loyola, 1979, p. 68). “Seguir Jesus consiste
em viver um estilo de vida semelhante ao dele. O Mestre deve ser reconhecido no modo de proceder
do discípulo. Quem vê um discípulo deverá ver nele o rosto do Mestre, pela fidelidade a Deus e pela
bondade em relação aos semelhantes” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus:
discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 291).
15 NEL, Marius J. Lukas 10, 1-16 as begronding van die kerk se sending in Lukas-Handelinge [The
mission of the church according to Luke 10, 1-16]. Verbum Eccles, Pretória, vol. 31, p. 1-7, 2010.
16 BOFF, Lina. Espírito e missão na obra de Lucas – Atos: para uma Teologia do Espírito. São Paulo:
Paulinas, 1996, p. 15.
62
26
Ei, tij e,rcetai pro,j me kai. ouv misei/ to.n pate,ra e`autou/ kai. th.n mhte,ra kai.
th.n gunai/ka kai. ta. te,kna kai. tou.j avdelfou.j kai. ta.j avdelfa.j e,ti te kai. th.n
yuch.n e`autou/( ouv du,natai ei=nai, mou maqhth,jÅ
26 se alguém vem a mim e não odeia o seu próprio pai e a mãe e a mulher
e as crianças e os irmãos e as irmãs até a sua própria vida não pode ser
meu discípulo.
17 FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1987, vol. III, p. 626.
18 “É um dos trechos mais exigentes do evangelho. Lucas os informa que grandes multidões estão
acompanhando Jesus. As palavras dele, logo em seguida, indicam que neste acompanhamento há
muito entusiasmo, mas pouco compromisso! Não é assim a atitude do discípulo!” (CALAVECCHIO,
Ronaldo l. Jesus e a comunidade do Reino no evangelho de São Lucas. São Paulo: Loyola, 2013,
p. 87).
19 VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São
Paulo: Paulinas, 2012, p. 251.
20 “O versículo 26 se alinha muito bem com o versículo 25: não basta ‘vir a mim’, mas ‘andar comigo’;
além disso, é necessário romper com o passado […]. O discípulo tem que escolher. Escolher é
saber renunciar, sobretudo saber separar-se” (BOVON, François. El evangelio según San Lucas.
Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 643). “Cristo chama discípulos. A esses faz duras exigências:
Corte de todas as ligações humanas: só aquele que renunciar a todas as ligações é apto para ser
63
33
ou[twj ou=n pa/j evx u`mw/n o]j ouvk avpota,ssetai pa/sin toi/j e`autou/ u`pa,rcousin ouv
du,natai ei=nai, mou maqhth,jÅ
discípulo e colaborar na preparação do Reino. O chamado de Cristo, e aqui ele faz reivindicações
que só quem possui uma consciência messiânica poderia fazê-lo, rompe com a ordem da criação:
deixar pai, mãe, mulher e filhos, renunciar ao sagrado dever de enterrar o pai e de despedir-se (cf.
Lc 9,59-62 e 14,26)” (BOFF, Leonardo. O destino do homem e do mundo. Petrópolis: Vozes, 1973,
p. 160). “É carregar a própria cruz atrás de Jesus, em estilo de vida que renuncia ao conforto e à
rentabilidade. É, portanto, como esse evangelho repete sem cessar, entrar em estreita comunidade
de prática e de destino com o Mestre” (L’EPLATTENIER, Charles. Leitura do evangelho de Lucas.
São Paulo: Paulinas, 1993, p. 140).
64
33 Assim pois, todo dentre vós que, não renuncia a tudo que tem, não
pode ser meu discípulo.
Tudo o que “tem” significa o quê? O inchaço do orgulho, a sede de competição, a busca de
interesses, a desculpa furada para não praticar a justiça… – todas as seguranças, enfim.
Seguranças representadas pela família e pela “própria vida” (v. 26), isto é, pelo estilo de vida
comprometido com a injustiça – pois, num mundo de injustiça e esperteza, quem sobrevive é
porque é esperto, ou melhor, injusto.22
O termo “ahab” (b.h;’a)' também é usado para aludir ao amor entre pais e filhos. Em sua primeira
ocorrência bíblica, a palavra retrata o afeto especial de Abraão por seu filho Isaque: “E disse:
Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas” (cf. Gn 22.2). A palavra “ahab”
(b.h;’a)' pode se referir ao amor familiar experimentado por uma nora por sua sogra (Rt 4.15).
Este tipo de amor também é representado pela palavra “raham” (~x;r;). Às vezes, “ahab” (b.h;’a')
descreve um forte afeto especial que um escravo tem por seu senhor, sob cujo domínio ele
deseja permanecer: “Mas se aquele servo expressamente disser: Eu amo a meu senhor, e a
minha mulher, e a meus filhos, não quero sair forro” (Ex 21.5). Talvez aqui haja uma implicação
de amor familiar; ele “ama” seu senhor como um filho “ama” seu pai (cf. Dt 15.16).
28 “Família não é conceito mental, é vida concreta. Família é lar, termo que vem do ‘focolare’ italiano,
que traduzimos por lareira, espécie de fogão que aquece as pessoas no inverno. Lar é o calor
humano que mantém a família unida, pais e filhos. Um jovem e uma jovem que se casam já passam
a ser uma família autônoma, mas nós temos a convicção de que só com o nascimento do primeiro
filho ou filha a família se consolida em vista da plenitude. A família é fonte de vida, é vida em
formação, qualquer que seja o seu estágio. É fonte de vida antes de tudo para o próprio casal,
esposo e esposa que são os primeiros a se beneficiarem da fecundidade que ambos trazem em si.
Eles, mutuamente, transmitem e recebem vida” (ALMEIDA, Humberto Pereira. A família num mundo
em transformação. São Paulo: Paulus, 2010, p. 45).
29 “Há uma particularidade: segundo o Gênesis, em toda a criação, Deus fala e tudo passa a existir, a
natureza e todos os seres vivos. Mas a criação do homem e da mulher é personalizada. No capítulo
1 ele diz: ‘façamos o homem à nossa imagem e semelhança’ (1,14). No capítulo 2 Deus fala e age
diretamente. Homem e mulher são criados um para o outro. Eles serão uma só carne, portanto, um
ser único. Há uma complementaridade entre homem e mulher. O homem, só, é uma solidão; a
mulher, só, é uma solidão. O homem e a mulher só existem em plenitude na união das próprias
vidas, identificando-se, sendo uma coisa só. Ninguém é mais ou menos digno, são profundamente
complementares na constituição da unidade: uma só carne. São duas criaturas física e
psicologicamente diferentes, com personalidades próprias, seu jeito personalizado de ser e agir,
mas, na masculinidade e na feminilidade, eles se completam mutuamente. Em cada um está a
totalidade das pessoas e na união de ambos está a totalidade da vida, sendo eles uma só carne.
Na união de homem e mulher está a plenitude da vida” (ALMEIDA, Humberto Pereira. A família num
mundo em transformação. São Paulo: Paulus, 2010, p. 18).
30 “A união conjugal constitui uma aliança interpessoal que tem sua origem na criação e está a serviço
dos fins mesmos do Criador. O significado profundo dessa aliança está destacado na literatura
profética, que recorre à imagem do matrimônio para revelar a grandeza do amor que Deus tem pelo
seu povo” (FLÓREZ, Gonzálo. Matrimônio e família. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 123).
31 “A Bíblia é produto de uma sociedade patriarcal que nela deixou marcas profundas. A começar pela
figura masculina de Deus. Apesar da igualdade fundamental entre mulheres e homens, afirmada
nas histórias das origens (cf. Gn 1,27; 2,18-22), discriminação já começa a aparecer no relato da
queda (Gn 3)” (ROTEIROS PARA REFLEXÃO VIII. Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. São
Paulo: Paulus, 1999, p. 68.
67
32 “A casa paterna era a base da estrutura tribal, abarcando diversas gerações de parentes diretos e
ou de segunda linha: avós, homens adultos com suas mulheres e seus filhos, filhos não casados e
filhas adultas, viúvas ou separadas, que habitavam juntos numa casa ou em casas
arquitetonicamente interligadas” (WRIGHT. God’s people, p. 53; MEYERS. Family, p. 13-19;
BLENKINSOPP. Family, p. 51; PERDUE. Family, p. 175; GUIJARRO. Fidelidades, p. 76, apud
VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do movimento de Jesus: as razões do seguimento. São
Paulo: Loyola, 2014, p. 70).
33 “A tribo se constituía na maior organização social e geográfica dentro da estrutura de parentesco
efetiva ou fictícia. De acordo com a tradição do Antigo Testamento, o povo ou a nação de Israel era
formado por doze tribos. Como as famílias ou os grupos de parentesco, o que unia a tribo eram a
língua, a religião, as tradições, as leis e os costumes comuns. A tribo constituía uma milícia para
proteção contra ataques inimigos e nomeava um conselho de justiça para manter e fortalecer as
relações de justiça internas” (PERDUE. Family, p. 177, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento
do movimento de Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 71).
34 Ibidem, p. 69.
35 VINE, W. F.; UNGER, Merril F.; WHITE JR, Willian. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002,
p.125.
36 Ibidem, p. 66.
68
37 “O pai da família era responsável por manter a justiça interna, atribuir tarefas e distribuir a herança,
pela intermediação dos casamentos e de todas as atividades públicas” (WRIGHT. God’s people, p.
76-80, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do movimento de Jesus: as razões do
seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 72). “Os homens trabalhavam nos campos, construíam
casas, terraços e cisternas, participavam das audiências de decisões judiciais e em agrupamentos
de defesa, além dos tradicionais trabalhos domésticos normais, muito conhecidos” (BLENKINSOPP.
Family, p. 78; PERDUE. Family, p. 169, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do movimento
de Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 72). “Em Israel, como no Egito, as
crianças eram desmamadas ao redor dos três anos de idade. Pouco tempo depois, a
responsabilidade principal pela educação dos meninos passava para o pai.” “A obrigação dos pais
de iniciar seus filhos nas tradições religiosas de Israel é enfatizada com força especial no livro do
Deuteronômio” (BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p.
11).
38 “Exigia-se dos filhos que honrassem seus pais (Ex 20,12; Dt 5,16; Pr 19,26; 30,11; Eclo 3,1-16), o
que incluía obedecer a eles, cuidar deles em sua velhice e providenciar um enterro decente”
(COLLINS. Marriage, p. 140; PERDUE. Family, p. 189, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento
do movimento de Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 72)
39 ROPS, Henri Daniel. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 87 (cf. Ex
21,17; Lv 20,2; 20,9; Dt 21,18-21).
40 Ibidem, p. 87.
69
jovem rico a essência da Lei. Paulo, escrevendo aos amigos em Éfeso, chega ao
ponto de afirmar que honrar os pais é o “primeiro mandamento”.41
Apesar destas posições de Rophs, alguns autores42 entendem que a
autoridade do pai de família, apesar de muito abrangente, estava também sujeita a
determinadas limitações, inclusive dividindo esta autoridade com a esposa em
determinadas situações.
É notório que em Israel, no Antigo Testamento, as mulheres ocupavam posição
de inferioridade em relação aos homens, sobretudo na família e na sociedade. Apesar
disso, no dia a dia, sua importância se destacava devido ao que se evidenciava como
essencial em seu papel, para que a vida, principalmente familiar, fluísse de maneira
mais adequada.
Dentre os elementos mais relevantes na posição ocupada pelas mulheres na
vida de Israel, alguns são de maior destaque. O primeiro deles diz respeito à sua
posição diante do marido. A mulher, quando casada, era propriedade do marido, que,
inclusive, podia, como na época dos juízes, por exemplo, casar-se com tantas
mulheres quantas conseguisse sustentar, caracterizando-se assim a poligamia.43 Era
de tal forma considerada como sujeita ao marido que, segundo a Lei, a mulher de um
escravo era vendida juntamente com ele.
O marido não tinha o direito de vendê-la, mas não havia dificuldade em repudiá-
la. Como destaca Rops,44 e tem a concordância de outros autores,45 o divórcio era
41 Ibidem, p. 87.
42 “As mulheres e crianças, em geral, eram submissas aos pais e maridos. Todavia, alguns textos do
Antigo Testamento mostram também mulheres ocupando uma posição ativa e detendo igualmente
autoridade. A autoridade exercida pelo pai de família sobre mulheres e crianças era ampla mas não
absoluta” (WRIGHT. God’s people, p. 193-221; BLENKINSOPP. Family, p. 77; COLLINS. Marriage,
143-145; PERDUE. Family, p. 180, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do movimento de
Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 72). “Mesmo quando os pais de família
arranjavam casamento visando aos interesses da família, podendo inclusive vender os filhos como
escravos, os efeitos desse status de ter os filhos como propriedade e suas consequências práticas
eram limitados” (WRIGHT. God’s people, p. 222-238; BLENKINSOPP. Family, p. 70, apud VOIGT,
Emilio. Contexto e surgimento do movimento de Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola,
2014, p. 72).
43 “A poligamia é tolerada, quer como meio para ter descendência, quer como forma de conservar o
status social e de estreitar as relações com outros povos ou simplesmente como fato consumado.
Os antigos patriarcas, seguindo costumes correntes em seu tempo, aceitam uma forma moderada
de poligamia” (FLÓREZ, Gonzálo. Matrimônio e família. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 118).
44 ROPS, Henri Daniel. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 88.
45 “Quanto à prática do divórcio, a situação da mulher está igualmente subordinada à decisão que o
marido adotar. A lei mosaica sobre o divórcio, tal como está formulada no livro do Deuteronômio,
procura regulamentar uma prática que podia ter graves repercussões em prejuízo da instituição
familiar e da esposa. Essa lei impõe ao marido as condições em que o divórcio é cabível: deve existir
uma falta na mulher, o marido deverá dar a sua mulher o escrito ou “libelo” de despedida e não
70
especialmente traumático para a mulher, uma vez que a decisão era exclusivamente
do marido, e isto a expunha a um alto grau de instabilidade quanto à sua posição
dentro da família. Além disso, a ela era atribuída a responsabilidade quanto ao êxito
do matrimônio e da família, recaindo-lhe toda a culpa no caso de um fracasso.46 Nesse
sentido, nota-se na literatura sapiencial a advertência ao homem em relação aos
perigos oferecidos pela mulher insensata, que podem levar à destruição do lar (cf. Pr
5,2-14; 7,5-27).47
Em segundo lugar, observa-se que sua posição na sociedade era inferior sob
todos os aspectos. Um ditado rabino afirmava que todo homem devia agradecer
diariamente a Deus por não ter nascido mulher, nem pagão, nem operário.48 Até
mesmo nas refeições familiares era colocada em segundo plano, uma vez que
prioritariamente deveria servir à mesa, além de não comer junto com os homens.
Devia permanecer em pé enquanto este se alimentava. Nas ruas e nos átrios do
Templo, elas ficavam a certa distância dos homens. Era impróprio que um israelita
falasse a uma mulher na rua, até mesmo, e acima de tudo, se fosse sua esposa.49
Um terceiro aspecto está ligado a seu posicionamento no lar. O respeito que os
filhos deviam aos pais incluía evidentemente a mãe; e em Levítico ela é, na verdade,
mencionada primeiro no mandamento (cf. Lv 19,3).
Embora, falando estritamente, o marido fosse o único guardião da propriedade
comum da família, parece que não era proibido à esposa fazer uso de seus ganhos
pessoais como julgasse apropriado. As que teciam em casa e faziam mais fios do que
a família necessitava, guardavam o produto de suas vendas. Falando da mulher ideal,
poderá, a partir de então, casar-se novamente com ela. Essa lei significa um passo adiante no
reconhecimento do papel e da dignidade da esposa no matrimônio, porém, nas condições reais de
desigualdade jurídica e social em que a mulher judia vive, podia se prestar a graves abusos contra
ela” (FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 121). “A Lei mosaica
dava aos maridos o direito de despedir as esposas até por motivos banais” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia
a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p.
214). “Contudo, esta forma de conúbio, tão nobre e sublime, aos poucos começou a se corromper
e a faltar entre gentios, e até entre os hebreus pareceu como que obscurecida e obnubilada. Com
feito, entre estes, era hábito comum, quanto às mulheres, que para cada homem fosse lícito ter mais
do que uma; mas, em seguida, quando Moisés lhes concedeu a faculdade do repúdio ‘por causa da
dureza de seus corações’ (cf. Mt 19,8), foi aberto o caminho ao divórcio. E entre os gentios custa a
crer em quanta corrupção e depravação decaíram as núpcias, como algo submetido ao flutuar dos
erros e cupidez de cada povo” (DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos de Leão XIII: Arcanum
Divinae Sapientiae. São Paulo: Paulus, 2005, p. 102).
46 FLÓREZ, Gonzálo. Matrimônio e família. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 122.
47 Ibidem, p. 116.
48 ROPS, Henri Daniel. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 88.
49 Ibidem, p. 88.
71
Provérbios diz: “Examina uma propriedade e adquire-a; planta uma vinha com as
rendas do seu trabalho” (Pr 31,16).
Em contraste com estes fatos, que espelham uma condição de inferioridade,
Rops destaca a forma como a mulher se posicionava com o status de rainha no seu
lar, fato sobre o qual ela tinha consciência:
Não há necessidade de salientar que no pequeno Reino do lar a mulher representava o papel
de rainha; e então, como em todas as demais épocas, ela sabia disso. Sua importância era
ainda maior porque entre os judeus, assim como entre a maioria dos povos da antiguidade,
uma enorme variedade de artigos que hoje adquirimos em lojas ou fábricas era produzida em
casa: a mulher fazia pão, e este trabalho exigia tanto habilidade como força física.
Naturalmente, cabia também à mulher buscar água na fonte. O fornecimento de óleo também
competia à mulher, e ela tinha de cuidar particularmente do óleo muito puro para a lâmpada do
Sábado de Descanso, a fim de que não se apagasse nesse dia santo. A mulher era, pois, tão
necessária ao homem de Israel como é e sempre foi para os homens de todos os outros
períodos e nações.50
50 Ibidem, p. 90.
51 “O livro dos Provérbios enaltece a mulher ideal, ‘mais valiosa que as pérolas’, honra para o marido
e alegria para os filhos, que se distingue pela bondade de suas obras, por sua diligência,
laboriosidade e valor, por sua generosidade para com o pobre e sua capacidade para enfrentar as
inclemências da vida (cf. Pr 31,10-31). Por outro lado, adverte o homem sobre os perigos da mulher
perversa, fazendo uso de uma linguagem viva e persuasiva (cf. Pr 5,2-14; 7,5-27)” (FLÓREZ,
Gonzálo. Matrimônio e família. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 116).
52 “A evolução social da colonização em Canaã por volta de 1200 a C., passando pela monarquia e
pelo exílio, até chegar ao tempo de Jesus, influenciou e modificou naturalmente a forma e o caráter
da família” (WRIGHT. God’s people, p. 105, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do
movimento de Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 69).
72
53 “Alguns indícios encontrados nos evangelhos apontam para a existência da ‘casa paterna’: Tiago e
João exerciam sua profissão junto com o pai e outros trabalhadores (cf. Mc 1,19-20); Pedro e André
trabalhavam igualmente juntos e dividiam a mesma casa em Cafarnaum (cf. Mc 1,16.29); os
parentes de Jesus se preocupavam com ele (cf. Mc 3,21); a mãe de Jesus e suas irmãs vieram
juntas ter com ele (cf. Mc 3,31). Outras indicações parecem seguir uma direção contrária: o relato
de pessoas que reivindicavam sua parte na herança do pai (cf. Lc 12,13; 15,12) e a parábola do
filho que deixa a casa do pai (cf. Lc 15,11ss.) depõem contra a continuidade da ‘casa paterna’. Essas
indicações diversas apontam para o fato de que o processo de decadência da família em sentido
mais amplo avançava paulatinamente, e em proporções distintas de região para região. Todavia, as
grandes unidades familiares eram cada vez mais raras, e a família extensa ia se reduzindo
paulatinamente, mas de forma constante. Famílias compostas de mais de seis membros já não
parecem ter sido costumeiras” (MEYERS. Family, p. 41; COLLINS. Marriage, p. 106; PERDUE.
Family, p. 165, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do movimento de Jesus: as razões do
seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 74).
54 “Especialmente as profundas mudanças nas condições políticas e econômicas, desde a introdução
da monarquia israelita, exerceram uma ação transformadora nos lares tipicamente agrários”
(WRIGHT. God’s people, p. 105, apud VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do movimento de
Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola, 2014, p. 69).
55 ROPS, Henri Daniel. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 87.
73
56 “28Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher;
porque todos vós sois um em Cristo Jesus. 29 E, se sois de Cristo, também sois descendentes de
Abraão e herdeiros segundo a promessa.” (ARA). “25 Maridos, amai vossa mulher, como também
Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela…”
57 “Homem do seu tempo, Jesus adotou um comportamento, em relação às mulheres, fora dos padrões
em vigor. E é justamente o evangelho de Lucas que mais acentua este aspecto” (ROTEIROS PARA
REFLEXÃO VIII. Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulus, 1999, p. 69).
58 “Com Jesus, de fato, as coisas foram diferentes. Discípulo ou discípula é quem segue um mestre
ou uma mestra na qualidade de aprendiz ou aluno (a). Os evangelhos mencionam discípulos e
também discípulas que seguem a Jesus e participam de sua missão desde a Galileia até Jerusalém
(Mt 27,55-56; Mc 15,40-41; Lc 23,49). São citadas pelo nome Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago
e José, e Salomé. “Elas o seguiam e o serviam enquanto esteve na Galileia. E ainda muitas outras
que subiram com ele para Jerusalém” (Mc 15,41). Não se diz que elas foram chamadas
provavelmente pelos motivos de discriminação […] mas é claro que elas não podiam segui-lo sem
ser chamadas. Jesus havia dito: ‘Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me (Mt 16,24; Mc 8,34; Lc 9,23). Elas foram discípulas (‘vir após mim’), porque o
seguiram enquanto esteve na Galileia e o acompanharam até a cruz” (ROTEIROS PARA
REFLEXÃO VIII. Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulus, 1999, p. 72).
59 “O ensinamento de Jesus seguiu noutra direção. As mulheres eram valorizadas e deveriam ser
tratadas, na comunidade dos discípulos do Reino, com respeito. O esposo cristão não tinha o direito
de despedir a esposa, sob pena de cometer adultério. Jesus entendia a permissão do divórcio na
Lei mosaica como sinal da condescendência divina” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de
Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 214). “Os discípulos,
contaminados com a mentalidade da época, irritavam-se ao ver pessoas trazendo crianças para
serem tocadas por Jesus. A alta dignidade do Mestre recomendava manter distantes aqueles seres
desprovidos de importância social e religiosa. Que se mantivessem longe. O Mestre, porém, se
aborreceu por discordar do modo como eram tratadas […] Desprezar, quem quer que seja, é
contrariar o projeto do Criador. Impedir as crianças de tocar a Jesus significava manter longe dele
seres humanos amados por Deus” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do
Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 215). “Jesus Cristo, reparador da
74
dignidade humana e aperfeiçoador das leis mosaicas, ofereceu nem o mais pequeno nem o último
cuidado ao matrimônio. Com efeito, ele enobreceu com sua presença as bodas de Caná, tornando-
as memoráveis com o primeiro de seus milagres (cf. Jo 2,2ss); motivo pelo qual, desde aquele dia,
parece que começou a brilhar uma santidade nova nos conúbios dos homens. Em seguida
restabeleceu o matrimônio na nobreza de sua origem primitiva, quer reprovando o costume dos
hebreus de abusarem do número das esposas e da faculdade do repúdio, quer sobretudo
determinando que ninguém tivesse a ousadia de desfazer o que Deus uniu com o vínculo perpétuo
da união. Tendo assim eliminado as dificuldades postas pelas instituições mosaicas, assumindo a
parte de legislador supremo decretou essas coisas acerca dos cônjuges: ‘Eu vos digo que todo
aquele que repudiar a mulher exceto por motivo de adultério e desposar uma outra comete adultério,
e quem casar com a repudiada comete adultério’ (cf. Mt 19,9)” (DOCUMENTOS DA IGREJA.
Documentos de Leão XIII: Arcanum Divinae Sapientiae. São Paulo: Paulus, 2005, p. 103-104).
60 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 147.
75
preferir a Cristo mais que à família (cf. Mt 10,37). As versões lucana e mateana,
quando comparadas, levam a concluir a relação direta entre “não odeia” com “ama
mais” e “ser discípulo” com ser “digno dele”. Segundo Fitzmyer, que cita Bultmann
(HST 160), a versão lucana “se alguém não odeia…” é mais antiga que a mateana
“aquele que ama … mais que a mim”. A razão desta conclusão é que dificilmente se
pode considerar a primeira formulação como um desenvolvimento da segunda. O
mesmo ocorre com a expressão “ser meu discípulo”, que, quando comparada com a
de Mateus “digno de mim”, dá a entender que a versão de Lucas é mais antiga e que
a de Mateus parece ter uma terminologia mais próxima da comunidade cristã.61
Note-se, porém, que tanto “odiar pai, mãe…” quanto “amar mais pai, mãe…”
cumprem a mesma função dentro da exigência definida por Jesus, no sentido de
indicar que a prioridade é Ele e o Reino.62 Da mesma forma, o alinhamento entre as
expressões “ser discípulo” e “ser digno de mim” envolve a questão ética ligada a uma
postura que conduz a pessoa ao patamar de discípulo de Cristo. Champlin resume
este ensino afirmando:
A lição é que nem os afetos nem os laços humanos de qualquer tipo devem nublar ou servir de
empecilho ao amor de Deus, que é o motivo do verdadeiro discipulado a Jesus Cristo. 63
61 FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1987, vol. III, p. 627.
62 “Os laços de sangue são fundamentais na cultura judaica. O cultivo das genealogias é uma mostra
disso. A descrição da árvore genealógica funcionava como carteira de identidade. Quem não a
possuía, era desprovido de cidadania. Os familiares sanguíneos de Jesus eram movidos por essa
mentalidade, ao procurá-lo, quando estava em plena atividade missionária. Entretanto, o Mestre
tinha em mente o Reino de Deus e sua maneira de entender a realidade. No caso, as genealogias
careciam de importância. As relações interpessoais, no seu modo de ver, articulavam-se a partir do
compromisso com o Reino” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino
guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 183).
63 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 147.
64 BOVON, François. El evangelio según San Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 643.
76
a Jesus, e não à família. Isto, contudo, não significa o fim das obrigações familiares
(cf. Ex 20,12; Dt 5,16; Mt 8,14-15; 15,1-9 ), mencionadas no Decálogo e citadas em
Mateus.65
No entendimento de Bovon, a fundamentação de Jesus para colocação de
condições de “odiar a família” apresenta elementos ainda não abordados nesta
análise. Segundo ele, a forma de conciliar a nova condição colocada por Jesus, que
apresenta o “ódio à família”, com os antigos mandamentos, claros quanto à
obrigatoriedade de amar os pais e o próximo, está expressa em quatro afirmações. A
primeira constata que no decálogo também se impõe o amor prioritário e exclusivo a
Deus, no primeiro mandamento. A segunda apresenta que o círculo familiar, assim
como toda realidade deste mundo, pode fechar-se em si mesmo, excluir a
transcendência até o próximo, fazer-se idólatra e, portanto, inimiga de Deus. Neste
caso, a ruptura com esta realidade social significa liberação e, sobretudo, fidelidade a
Deus. A terceira pontua o ódio não como algo contra a pessoa, mas contra o que ela
pode representar no círculo social e na estrutura hierárquica. E a última, menciona o
exemplo dos levitas, que, colocados à parte por Deus, também deviam deixar suas
famílias, e Jesus parece se inspirar nesta exigência (cf. Dt 33,9-10).
Por fim, Jesus não propõe condenar a família à desonra para favorecer o
desenvolvimento da personalidade do discípulo. Ele parece pensar que a morte para
a família é um sofrimento necessário para aquele que almeja tornar-se seu discípulo.66
Como último aspecto, a lealdade a Jesus deve ser vista não como divisão ou
rejeição à família, mas sim sob a ótica do conflito social, onde um novo comportamento
terá como consequência humilhação, pesar, rejeição social, marginalização,
condenação e morte.67
Odiar pai, mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs, da forma que entendemos o que
seja odiar, contrapondo-se ao amar, não é o ensino que Jesus tencionava transmitir
em suas palavras relatadas por Lucas.
Esta interpretação está sustentada pela visão que Deus tem sobre a família, o
que já se pôde estudar anteriormente, assim como também pelo estudo exegético já
desenvolvido. Além disso, deve-se tomar como premissa que não há lugar no ensino
de Jesus para o ódio literal. Segundo Morris, se ele ordenou a seus seguidores
65 CARTER, Warren. O evangelho de São Mateus. São Paulo: Paulus, 2002, p. 317.
66 BOVON, François. El evangelio según San Lucas. Salamanca: Sígueme, 1996, vol. II, p. 644.
67 CARTER, Warren. O evangelho de São Mateus. São Paulo: Paulus, 2002, p. 317.
77
68 MORRIS, León L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 222. Em
contraposição a Morris, Johnson argumenta sobre a questão: “Isto, se tomado literalmente, seria
uma desconsideração por parte de Jesus das tradições do povo hebreu. O primeiro dos Dez
Mandamentos que lidam com as relações entre as pessoas ordenou-lhes ‘honrar seu pai’ (Êxodo
20:12). Ainda mais especificamente, Sirach 3:1-16, escrito dentro de um século ou dois antes de
Jesus, é uma discussão detalhada da importância de honrar os pais (por exemplo, 3.3: ‘Porque o
Senhor põe um pai em honra sobre seus filhos’). No entanto, Jesus já mostrou indícios de estar em
desacordo com essa tradição. Em resposta ao apelo de um seguidor prospectivo que lhe seja
permitido cumprir a importante obrigação filial de enterrar seu pai […] antes de se juntar aos
discípulos, Jesus lhe disse: ‘Segue-me, e deixa os mortos sepultarem os seus mortos’ (Lucas 9:60,
também Mateus 8:22). Ele também expressamente informou seus discípulos que Ele será uma fonte
de divisão mesmo entre famílias (Lucas 12:52-53)” (JOHNSON, Stephen. Having Enough to Follow
Jesus: An Exegesis of Luke 14:25-33, in https://www.academia.edu, 2012).
69 WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Santo André: Geográfica, 2001, vol. I, p. 301.
70 LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Exodus, 1997, p. 123.
71 “Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de
que as suas obras são más” (Jo 7,7) (ARA) “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a
vós outros, me odiou a mim” (Jo 15,18) (ARA) “Quem me odeia também odeia a meu Pai” (Jo 15,23)
(ARA).
72 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 147.
78
A menção sobre “renunciar à própria vida”, que aqui se expressa como “odiar
a própria vida”, e que é citada em Lc 14,26 como uma condição para ser discípulo de
Cristo, pode ser encontrada também em outros textos dos evangelhos, sendo que a
análise destes textos paralelos contribui para a compreensão dos aspectos teológicos
implícitos no texto lucano (cf. Mt 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24; 17,30-33; 19,39; Jo 12,25 ).
Uma análise detalhada dos versículos mostra que estão alinhadas ou
colocadas em paralelo nos textos dos evangelhos, para expressar a mesma verdade,
expressões como: “odiar a própria vida”, “salvar a sua vida”, “preservar a sua vida” e
“amar a vida”. Este fato será significativo, pois, uma vez levado em conta, se somará
como recurso para um melhor entendimento da expressão utilizada por Lucas.
A primeira consideração a ser feita, e que deve ser tomada como premissa, é
a forma como o texto bíblico, de maneira unânime, expressa o posicionamento de
Deus com relação à vida. Ele é o doador da vida, aquele que zela pela vida e indica
com que preciosismo ela deve ser preservada.
No Antigo Testamento, encontra-se no próprio decálogo a vontade expressa de
Deus a esse respeito, quando indica “não matarás”. Mais que isso, mostra sua
severidade quanto à desobediência a tal mandamento, quando determina que o preço
a ser pago por tirar uma vida será a própria vida (cf. Ex 20,13; Lv 24,17).
Já no Novo Testamento esta posição de respeito e preservação da vida
permanece em sua essência. Os evangelhos mostram o Messias priorizando a vida
em relação a ordenanças de cunho religioso e apontando o mandamento de não matar
como um dos valores essenciais para a entrada no Reino. Mostram também o mesmo
Jesus destacando que o desrespeito à vida implica julgamento e terá seu preço. Jesus
fala sobre o cuidado do Pai com os mínimos detalhes para a manutenção da vida, do
dia a dia de seus filhos (cf. Mt 5,21; Lc 6,9; 12,29-31; 18,20; Jo 10,10 ). Finalmente, o
grande peso quanto à preocupação de Deus com relação à vida está na afirmação de
79
Jesus sobre o objetivo de sua vinda, que foi o de que se tivesse vida e a tivesse em
abundância.
O “odiar a própria vida” deve ser visto sob dois aspectos, que devem ser
analisados. Quanto ao primeiro aspecto deve-se atribuir aqui ao verbo “odiar” o
mesmo significado encontrado em “odiar a família”. Já o segundo aspecto tem ligação
direta com a expressão “perder a vida por causa de mim”.
O entendimento do primeiro dará subsídios para notar que este se alinha
perfeitamente com a realidade do segundo. Em resumo, é necessário “odiar a própria
vida” para que se possa “perder a vida por causa de mim”.
Quanto ao primeiro aspecto, se obtém um perfeito alinhamento quando
simplesmente se substitui o termo “família” por “própria vida”.
Quando Lucas escreve “odeia também a sua própria vida”, o verbo misei/,
traduzido por “odeia”, também está empregando a linguagem de um contraste que
implica o entendimento de “amar menos”; aquela mesma linguagem que visava, de
forma mais forte que a nossa, dar ênfase àquilo que estava sendo dito.
A função é a mesma. O sentido é de indicar que a prioridade é Cristo e o Reino,
de exortar seus discípulos a uma postura de lealdade rigorosa. Primeiramente a
lealdade deve ser devida a Jesus, e não aos interesses pessoais inerentes à
preservação da própria vida.
Por fim, Jesus não propõe condenar a própria vida à destruição para favorecer
o desenvolvimento da personalidade do discípulo. Ele parece pensar que a morte para
si mesmo é um sofrimento necessário para quem almeja tornar-se seu discípulo.
A expressão também tem uma conotação de ruptura com a realidade social e
significa liberação e, sobretudo, fidelidade a Deus. A terceira afirmação pontua o ódio
da condição não como algo contra si mesmo, mas contra o que cada um pode
representar no círculo social e na estrutura hierárquica.
Como último aspecto, a lealdade a Jesus deve ser vista não como rejeição à
própria vida, mas sim sob a ótica do conflito social, onde um novo comportamento terá
como consequência humilhação, pesar, rejeição social, marginalização, condenação,
o que sob certo aspecto significa abdicar da própria vida.
Quanto ao segundo aspecto, “perder a vida por causa de mim”, deve-se lembrar
de que o próprio Lucas usa esta expressão em seu evangelho (Lc 9,24), de certa
forma corroborando com a afirmação já feita de que ele mesmo coloca esta em
paralelo com “odiar a própria vida”. Aqui, vários autores falam do segundo aspecto e
80
Reino. Em outras palavras, a segunda condição colocada por Jesus, que, se atendida,
abre a possibilidade de ser seu discípulo, é “priorizar Cristo e o Reino”, e esta surge
como consequência natural das renúncias específicas já estudadas.
A opção por Cristo e, portanto, a prioridade76 tributada a ele, a exemplo da
forma como devem ser feitas as renúncias, deve ser radical. Tomar o primeiro lugar
em detrimento dos pais, filhos e da própria vida (cf. Mt 10,37-39 e Lc 14,26). Qualquer
bem, qualquer coisa que tenha algum valor, há que ser sacrificado quando se mostrar
incompatível com o radicalismo da opção por Cristo (cf. Mt 18,8). Sua prioridade e a
preciosidade de seu valor podem ser comparados ao objeto daquele que vende tudo
o que tem para adquirir uma pedra preciosa ou um tesouro escondido (cf. Mt 13,44-
46).
O objetivo de Cristo é estabelecer-se como o compromisso maior e absoluto do
homem, eliminando assim toda e qualquer possibilidade de servir a dois senhores (cf.
Mt 6,24; Lc 12,21;34 ).77
Neste ponto deve-se considerar que priorizar a pessoa de Cristo não envolve
exclusivamente aceitá-lo como o Messias enviado, o Deus Filho enviado pelo Pai.
Tampouco envolve uma relação íntima e amorosa com ele, mas principalmente coloca
em prática o ensino que ele mesmo transmitiu quando definiu aquele que o ama (cf.
Jo 14,15).
Dessa forma, é permitido estabelecer a íntima ligação entre Cristo e o Reino.
Como será estudado a seguir, as ações de Jesus em seu ministério de três anos
estiveram predominantemente voltadas para a pregação do evangelho, que, segundo
ele, era o “evangelho do Reino”. Mostrou assim sua “maior prioridade que era anunciar
o Reino de Deus” aos homens e comissionar homens também para este anúncio.78
76 “Jesus exige que a motivação dos seus seguidores seja uma só: ‘por causa de mim’. E o
relacionamento de uma amizade, profunda, íntima e continuamente renovada do fiel com Jesus
Cristo” (CALAVECCHIO, Ronaldo l. Jesus e a comunidade do Reino no evangelho de São Lucas.
São Paulo: Loyola, 2013, p. 62). “A opção pelo discipulado exige do discípulo colocar o querer divino
acima de tudo e de todos. Seu querer é o querer do Pai. Na eventualidade de o lugar de Deus em
seu coração ter sido ocupado por outra pessoa ou outra coisa, o diálogo ficará impossibilitado. O
querer divino será condicionado, deixando de ser absoluto. Dificilmente o discípulo o abraçará com
prazer. Duas serão as possibilidades: ser obediente ao Pai ou, nos limites da conveniência,
deixando de lado tudo quanto for exigente e duro, fazer uma mescla do querer divino com os apegos
mundanos, como se fosse possível obedecer simultaneamente a dois absolutos” (VITÓRIO,
Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo:
Paulinas, 2012, p. 218).
77 GALILEA, Segundo. El seguimiento de Cristo. Bogotá: San Pablo, 1978, p. 33-34.
78 “De fato, ‘Reino de Deus’, ou ‘Reino dos Céus’, segundo o evangelho de Mateus, é a expressão
mais recorrente nos evangelhos sinóticos (109 vezes). Embora se encontre profundamente
82
O Reino não é somente o tema central da pregação de Jesus, o ponto de referência da maior
parte de suas parábolas e o tema de um grande número de seus discursos, mas é também o
conteúdo de seus atos simbólicos que constituem uma parte tão grande de seu ministério.79
entranhado no imaginário religioso, político, social e cultural do povo da aliança, o termo ‘Reino de
Deus’ recebe na pregação de Jesus um sentido todo próprio. E a peculiaridade deste sentido reside
na singularidade da sua experiência de Deus” (TAVARES, Sinivaldo S. Jesus, parábola do Deus.
São Paulo: Vozes, 2007, p. 13). “O anúncio e a realização do reinado de Deus ocupavam o centro
da vida de Jesus. Ele não só não pregou a si mesmo, mas também a realidade última para ele não
foi simplesmente ‘Deus’ e sim ‘o Reino de Deus’. Ele viveu em função desse reinado que nada mais
é que a soberania real de Deus, realização de sua justiça” (SOBRINO, Jon, p. 107, apud AQUINO
JUNIOR, Francisco. Viver segundo o espírito de Jesus Cristo. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 62).
79 LATOURELLE, René; FISICHELLA, Rino (org.). Dicionário de Teologia Fundamental. Petrópolis:
Vozes, 1994, p. 52.
80 “O centro da proclamação de Jesus era o ‘Reino do Céu’, um modo israelita, politicamente correto,
de dizer ‘Reino de Deus’. A palavra ‘Reino’, em qualquer avaliação, é uma palavra que descreve
uma instituição política da sociedade. Ela é, em sua origem, um termo político, mesmo se um
número de leitores da Bíblia, profissional e não profissional, tenha apropriado o termo
metaforicamente. O que uma expressão como ‘Reino de que Deus’ significou para a audiência
israelita de Jesus no primeiro século? A proclamação do Reino de Deus significou, no mínimo, que
o Deus de Israel tomaria o controle do país em breve. A expressão ‘Reino de Deus’ é um modo
descritivo e concreto de dizer ‘teocracia’. Teocracia é um termo da ciência para se referir ao sistema
político de sociedades que se dizem governadas por Deus” (MALINA, Bruce J. O evangelho social
de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004, p. 11). “Nas camadas posteriores à tradição sinótica, o que se
observa é que predomina a compreensão cristológica do Reino de Deus como Reino de Cristo. Todo
empenho dos discípulos de Cristo, agora, concentrava-se em anunciá-lo como aquele que ‘vós
crucificastes e que Deus ressuscitou dos mortos’ (cf. At 4,10). Tudo passa a ser orientado pela ação
ressuscitadora de Deus. O ‘Deus do Reino’ é tão somente aquele que ressuscitou Jesus dentre os
mortos. Ao anunciar o Reino de Deus, Jesus não rompe totalmente com a concepção formada na
tradição do Antigo Testamento, relacionada com o domínio de Deus, com seu reinado. O que
acontece, na verdade, é que Jesus mostrará que o verdadeiro rei, o rei ideal, é Deus” (GENEROSO
SILVA, Nina Solange. A relevância da historicidade de Jesus de Nazaré para a compreensão da
mensagem do Reino de Deus. São Paulo: PUC-SP, Dissertação de Mestrado, 2012, p. 117).
81 LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Exodus, 1997, p. 61.
83
82 VALLE, João Edênio dos Reis. Seguir Jesus: os evangelhos. São Paulo: Loyola, 1995, p. 29.
83 “É por isso que Jesus ensinou que o seu Reino é como uma semente. É bom, é necessário que
comece pequeno, porque começa lá no fundo do coração de cada um. Começa com um bom
sentimento, depois com uma certeza. A certeza se transforma em decisão e a decisão muda a nossa
vida. A decisão é um exemplo de coragem e o exemplo é sempre contagiante. Assim o Reino cresce
e ninguém consegue contê-lo. Não vem para dominar, mas para libertar. Não cresce para sufocar,
espalha os seus ramos para acolher a todos com a sua sombra, como uma árvore frondosa, cheia
de folhas, flores e frutos, tudo no tempo certo. Quem teria pensado? A semente era tão pequena! A
fé não precisa ser grande, basta que seja verdadeira” (CONTI, Pedro José. A verdade que liberta.
São Paulo: Paulinas, 2014, p. 17).
84 MORRIS, León L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 211.
85 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador. Petrópolis: Vozes, 1972, p. 68-70.
84
Quanto à menção feita por Lucas da semelhança do Reino com o fermento que
é misturado à farinha, vindo a levedar toda a massa, alguns aspectos relevantes das
características do Reino merecem ser destacados.
Em primeiro lugar destaca-se o poder transformador do Reino na figura do
fermento, quando se nota que uma pequena quantidade de fermento é suficiente para
fazer crescer uma grande quantidade de massa. Em segundo lugar, é notório que o
fermento atua de modo quieto e invisível, da mesma forma que o Reino opera através
da influência de Cristo no íntimo do coração humano.86
Já no texto de Mateus encontram-se elementos comparativos que atribuem ao
Reino a característica de preciosidade. Aquele que o encontra verdadeiramente o
toma como algo mais importante do que qualquer outra coisa. Tem a preciosidade de
um tesouro e das pérolas de grande valor.
A última figura representativa do Reino, mencionada por Mateus, fala de uma
rede que lançada ao mar recolhe peixes de toda espécie. Quando a rede é lançada,
ou seja, o Reino é anunciado, apanha os que são realmente convertidos, mas também
os que apenas fizeram uma profissão fé. É na consumação dos séculos que haverá a
aceitação e a rejeição dos homens.87
Quanto ao aspecto ligado à realidade da presença do Reino posicionada no
tempo, deve-se avaliar previamente as expectativas que existiam na época de Jesus
quanto à chegada do mesmo. Valle indica resumidamente como eram essas
expectativas:
Naquele tempo, todos esperavam o Reino. Cada um a seu modo. Para os fariseus, o Reino só
chegaria quando a observância da Lei fosse perfeita. Para os essênios, quando o país fosse
purificado. Todos esperavam a vinda de um messias glorioso, e para todos a chegada do Reino
dependia do esforço que eles mesmo teriam de fazer. 88
86 MORRIS, León L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 212.
87 DAVIDSON, Francis. O novo comentário de Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1963, p. 966.
88 VALLE, João Edênio dos Reis. Seguir Jesus: os evangelhos. São Paulo: Loyola, 1995, p. 24.
89 “‘O Reino de Deus está no meio de vós!’ A ação do Filho de Deus correspondia ao Reino dando
frutos na vida da humanidade sofredora. […] Por outro lado, a ação dos discípulos, empenhados
em viver a misericórdia e a reconciliação, apontava para a presença do Reino produzindo frutos na
história. Portanto, os discípulos devem se manter longe das preocupações apocalípticas. O Mestre
85
de sua chegada (cf. Mc 1,15; Lc 10,9; 10,11; 19,11),90 bem como para sua
manifestação ainda num futuro distante (cf. Mc 14,25; Lc 22,16.18; 11,2; 21,31).91
Estes últimos fazem referência direta aos aspectos escatológicos do Reino. Falam de
uma realidade que se cumpriria quando Jesus estivesse num banquete celestial junto
aos seus, de algo que deveria estar sempre sendo pedido a Deus mediante a oração,
para que se manifestasse, e ainda de algo que se manifestaria após a ocorrência de
determinados fenômenos visíveis aos homens.
Diante disso, qual posição adotar quanto ao posicionamento do Reino dentro
do tempo? Ele já veio, virá em breve ou virá num futuro ainda distante? Tudo parece
indicar que o que ocorre aqui se enquadra num conceito teológico que aponta para
uma dupla realidade com relação ao tempo. Isto pode ser traduzido pela expressão
conhecida como “já mas ainda não”, adotada por diversos autores.92 Ele já é efetivo
ensinou-os a reconhecer o dedo de Deus agindo em favor da humanidade” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia
a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p.
388). Neste sentido estão colocadas as palavras de Bultmann: “O conceito predominante da
pregação de Jesus é o do Reinado de Deus ( basilei,a tou/ qeou/). Jesus anuncia sua irrupção
imediatamente, que se manifesta já, agora. Ele se refere ao governo de Deus que põe termo ao
atual curso do mundo. […] Tudo o que o ser humano pode fazer em face do Reino de Deus é estar
de prontidão e preparar-se” (cf. BULTMANN, Rudolf Karl. Teologia do Novo Testamento. São Paulo:
Teológica, 2004, p. 41-42). “É necessária a transformação diária, pois é através dela que os
discípulos presenciam antecipadamente a presença do Reino de Deus” (SUESS, Paulo. Introdução
à teologia da missão: convocar e enviar servos e testemunhas do Reino. Petrópolis: Vozes, 2007,
p. 65).
90 “A proximidade do Reino dos Céus era perceptível nos gestos poderosos de Jesus, restituindo à
vida e à dignidade o ser humano comprimido pelas doenças. […]. O discipulado do Reino consiste
em se converter e, inspirando-se em Jesus, fazer o bem à humanidade sofredora. E, assim, mostrar
quão próximo está o Reino dos céus” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo
do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 55). “Compelido pelo Espírito, Jesus
anuncia a vinda iminente de Deus como proximidade e salvação. Esta irrupção próxima de Deus é
expressão da gratuidade do seu amor expresso numa atitude de proximidade inusitada” (TAVARES,
Sinivaldo S. Jesus, parábola do Deus. São Paulo: Vozes, 2007, p. 13).
91 “Nesses textos, o Reino é o futuro governo salvífico de Deus. Expressa uma esperança escatológica
por uma época em que a salvação de Deus se concretizaria, quando seu domínio sobre a mente e
a vida dos seres humanos seria alcançado e eles seriam afastados da sujeição ao perigo, ao mal e
ao pecado” (FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1981, vol. I, p.
155). Apesar destas posições, outros autores, como por exemplo Welzen, argumentam que a vinda
de Jesus em Jerusalém não é o momento em que o Reino de Deus se torna visível (cf. WELZEN,
Huub. Spiritualiteit in het Lucas evangelie, geschiedenis en bevrijding. Acta theol., Bloemfontein, vol.
32, supl. 2, p. 7, 2012).
92 Segundo Generoso Silva, há uma dialeticidade entre as dimensões do “já” e “ainda não”, do que já
se pode vislumbrar pela práxis de Jesus e pela plenitude do Reino que há de vir. Essa curiosa
duplicidade de aspectos envolvendo o Reino de Deus, ou seja, como acontecimento futuro e ao
mesmo tempo como realidade presente, fez com que surgissem correntes explicativas por parte de
teólogos e exegetas. Sucintamente podemos elencá-las, baseando-nos nas informações de Bauer:
“A escatologia consequente: na verdade, Jesus não se refere a um ‘presente’ do Reino de Deus,
mas a um ‘futuro próximo’, que se realizaria ainda no tempo de sua presença terrena, ou pouco
após sua morte. Dentre os adeptos de tais ideias estão J. Weiss, A. Schweitzer, M. Werner, E.
Grasser e outros. A escatologia realizada: o Reino de Deus já está totalmente presente em Jesus,
em sua atividade, convocando cada ser humano à tomada de decisão, que será sempre nova. Aqui
86
no presente, mas será manifestado em sua plenitude no futuro. É desta forma que
Saldias menciona que os evangelistas concordam quanto a questões fundamentais
sobre a felicidade apresentada por Jesus. A felicidade é o Reino que já foi inaugurado
no presente, mas que vai atingir uma plena manifestação no futuro. 93 É nesta mesma
linha de pensamento que Boff, mesmo que com outras palavras, afirma que o Reino
de Deus é histórico, mas ao mesmo tempo é também escatológico.94
O penúltimo aspecto relativo ao Reino de Deus, que se propõe abordar aqui,
está voltado para a identificação daqueles a quem pertence o Reino ou, mais
especificamente, daqueles que farão jus a entrar neste Reino. Vários textos do Novo
Testamento vêm em auxílio para esta identificação, uma vez que apresentam as
características detalhadas das pessoas que teriam reunido condições para tanto. Dois
critérios de avaliação, equivalentes em importância, estariam sendo considerados
nesta questão.
O primeiro é a postura diante Deus pautada pela humildade, pela dependência
e pela conversão.95 Aqui se destacam a dependência, como a expressa no
temos C. H. Dodd e outros anglicanos. A escatologia antecipada: Deus já reina no mundo por
intermédio de Jesus, mas apenas em sinais, provisoriamente, até que chegue à sua plenitude, que
ainda tardará” (BAUER, J. B. Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 364, apud
GENEROSO SILVA, Nina Solange. A relevância da historicidade de Jesus de Nazaré para a
compreensão da mensagem do Reino de Deus. São Paulo: PUC-SP, Dissertação de Mestrado,
2012, p. 119). “A interpretação progressiva: o Reino de Deus já está presente nas palavras e ações
de Jesus, porém ainda em processo evolutivo, até seu futuro definitivo (concepção católica antiga).
A interpretação dialética: pode-se afirmar, com a mesma precisão, que o Reino de Deus está
presente e que é futuro. A dialética é intencional e resulta em duas perspectivas, numa única realeza
de Deus (com muitas nuances; também católicos como R. Grosche e F. M. Braun). A conclusão a
que se pode chegar é que tal tensão dialética se justifica pela própria visão bíblica escatológica do
‘fim dos tempos’, que se traduz em um processo que implica um início e um fim. Já estamos na era
da salvação, que somente busca a sua plenificação” (BAUER, J. B. Dicionário de Teologia Bíblica.
São Paulo: Loyola, 2000, p. 365, apud GENEROSO SILVA, Nina Solange. A relevância da
historicidade de Jesus de Nazaré para a compreensão da mensagem do Reino de Deus. São Paulo:
PUC-SP, Dissertação de Mestrado, 2012, p. 120).
93 SALDIAS, Ignacio Chuecas. ¡Felices aquellos siervos! Lucas 12,37. Teología y Vida, Santiago, vol.
47, p. 153-189, 2006.
94 BOFF, Lina. Espírito e missão na obra de Lucas – Atos: para uma Teologia do Espírito. São Paulo:
Paulinas, 1996, p. 176.
95 “Jesus apelava muito para a conversão, entendida como mudança de mentalidade, de prática, de
rumo. De fato, não há seguimento verdadeiro de Jesus sem conversão. Os discípulos que
conviveram com Jesus experimentaram isso (9,23; 18,25-28). Zaqueu converteu-se ao mundo de
Jesus e deu aquele resultado tão bonito (19,1-10). Bem diferente foi a postura daquela pessoa
importante e rica que recusou o convite de Jesus. Não houve conversão! (18,22-23). […] Reparando
bem na caminhada de Jesus com seus discípulos, percebemos que a conversão é um processo
permanente, de todos os dias. De fato, apesar de eles estarem seguindo Jesus fazia tempo, sempre
caíam em desvios ou fragilidades, como quando se puseram a discutir qual deles seria o maior
(9,46). Daí a necessidade de viver sempre em atitude de conversão. […] A conversão é dom de
Deus e acontece em corações humildes e abertos” (MOSCONI, Luis. Evangelho de Jesus Cristo
segundo Lucas: para ser discípulo missionário hoje. São Paulo: Loyola, 1997, p. 97). É neste sentido
87
que Erickson escreve que ela é o primeiro passo da vida cristã. É o ato de arrepender-se, deixar o
pecado e voltar-se para Cristo em fé (cf. ERICKSON, Miliard J. Introdução à Teologia Sistemática.
São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 393). “Para que ela aconteça é preciso primeiro ter consciência do
mal, do pecado existente. Mediante o arrependimento, conversão implica mudança, ao seja, não é
possível converter-se sem mudar. Ela brota de um coração aberto e humilde que vive uma profunda
intimidade com Deus” (MOSCONI, Luiz. Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas: para ser
discípulo missionário hoje. São Paulo: Loyola, 2010, p. 137-138). “A conversão verdadeira nasce de
uma santa tristeza e devolve uma vida de devoção a Deus” (BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática.
Campinas: Luz para o caminho publicações, 1990, p. 577). “Este Reino anunciado é um sinal claro
do advento da salvação, que tem como requisito a conversão” (GEORGE, A. Leitura do evangelho
segundo Lucas. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 45).
96 CEBI. Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulus, 1999, p. 52-53.
97 FABRIS. Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991, p. 19-20.
98 ROTHH, Dieter T. Missionary Ethics in Q 10, 2-12. Herv. teol. stud, Cape Town, vol. 68, n. 1, p. 192-
199, 2012.
99 STORNIOLO, Ivo. Como ler o evangelho de Lucas: os pobres constroem a nova história. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 13.
100 “Só entrará no Reino de Deus quem for capaz de confiar no Pai com a mesma simplicidade de
coração de uma criança na relação com o pai humano. A simplicidade infantil permite às crianças
terem tamanha confiança nos pais a ponto de fazerem tudo quanto lhes pedir, sem questionar. O
discípulo do Reino, por sua vez, deverá estar disposto a fazer o que o Pai lhe pedir com a humildade
de uma criança. Portanto, sem questionar nem reclamar. Antes, dispondo-se a se jogar no colo do
88
pertencer a este Reino (cf. Lc 18,16-17). Outra parte evidencia também a condição
imprescindível da conversão (cf. Mt 21,31; Jo 3,3.5), que Casas Ramires caracteriza
como indispensável, em seu comentário sobre o assunto embasado no evangelho
segundo Marcos:
Pai, sentindo-se seguro, por saber em quem está confiando. A contemplação do modo de agir das
crianças poderá ser-lhe de grande proveito” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus:
discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 215). “Agora se trata de
‘criancinhas’ que são levadas a Jesus para que ele as toque” (cf. Lc 18,15-17), o que os discípulos
consideram fora de propósito. Jesus, ao contrário, aceitando a iniciativa das mães, transforma o
incidente em imagem simbólica: “O reino de Deus é dos que são semelhantes a elas. Em verdade
vos digo, aquele que não receber o Reino de Deus como criancinha não entrará nele”
(L’EPLATTENIER, Charles. Leitura do evangelho de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 169). “A
criança representa aquelas disposições que são exigidas para se tornar discípulo de Jesus e de seu
Reino; […] O discípulo deve ser como uma criança para receber o Reino ‘pois a pessoas assim é
que pertence o Reino de Deus’ (cf. Lc 18,16). Receber o Reino como uma criança é acolhê-lo com
aquela submissão que honra o nome do Pai de Jesus Cristo […]” (RETAMALES, Santiago Silva.
Discípulo de Jesus e discipulado segundo a obra de São Lucas. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 66-
67).
101 CASAS RAMIREZ, Juan Alberto. Conversion as a Necessary Condition for Following the Lord
According to the Gospel of Mark. Cuestiones teológicas, Bogotá, vol. 40, p. 128-129, 2013.
102 SANTOS, Leandro dos. O encontro com Jesus Cristo: exigência para o discipulado. Dissertação de
mestrado em Teologia, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo,
2014, p. 30-34.
89
Jesus convoca os homens à metanoia, a uma reorientação da própria vida que significa assumir
as próprias opções em sintonia com as prioridades do coração de Deus. Mostrou quais eram
estas prioridades e sua lógica humanizadora acentuando que essa sintonia era mais valiosa
do que qualquer atitude religiosa e mostrando como o homem encontra a transcendência que
o julga e encontra Deus em meu irmão necessitado em plena história.103
103 PIMENTEL, Ivany Dantas. Aspectos histórico-teológicos da pregação de Jesus sobre o Reino de
Deus. Dissertação de mestrado em Teologia, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2011, p. 113.
90
A promessa do Espírito Santo que vai descer sobre os apóstolos evoca naturalmente a profecia
de Isaías, na qual se anuncia que o Espírito de Javé pousará em toda a sua plenitude sobre o
Messias davídico (cf. Is 11,1-2). Pois bem, esse mesmo Espírito descerá agora sobre os
pregadores messiânicos. Descerá sobre eles, sim, porém enviado pelo Jesus Messias, o qual
possui o Espírito de Deus numa nova plenitude (cf. At 2,33). Em virtude dessa invasão de Força
Divina, os discípulos poderão, à semelhança de Jesus, pleno do Espírito Santo e no poder
desse mesmo Espírito, proclamar a boa-nova do Reino de Deus.106
104 BOFF, Lina. Espírito e missão na obra de Lucas – Atos: para uma Teologia do Espírito. São Paulo:
Paulinas, 1996, p. 175.
105 Ibidem, p. 176.
106 ALDAY, Salvador Carrillo. O Espírito Santo na Igreja dos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola,
1984, p. 9.
107 “Os valores do Reino devem estar acima de tudo. Quem não fizer opção pela Vida que ele
personifica, terá de se contentar com uma vida raquítica e não conseguirá jamais superar os
problemas que propõem as relações humanas” (CAMPS, Josep Rius. O evangelho de Lucas: o
êxodo do homem livre. São Paulo: Paulus, 1995, p. 251). “Do discípulo de Jesus pede-se a
dedicação sem reservas, que qualificava o grupo levítico em serviço da Palavra de Deus e aliança
(cf. Dt 33,8-11). Mas agora, no lugar da palavra da aliança, há uma pessoa concreta e histórica,
Jesus, que pede o descentramento total, que chega até ao sacrifício de si” (FABRIS, Rinaldo;
MAGGIONI, Bruno. Os evangelhos III. São Paulo: Loyola, 1992, p. 158).
91
3. A T U AL I Z AÇ Ã O HERMENÊUTICA
108 VIRKLER, Henry A. Hermenêutica: princípios e processos de interpretação bíblica. São Paulo: Vida
Nova, 1996, p. 116.
109 “A atualidade de um texto é a relação de seu conteúdo com a geração presente, isto é, sua
capacidade de interessar como pergunta ou como resposta, como delineamento atual. A atualização
do texto é a operação que o converte em veículo de um diálogo pessoal entre Deus e o leitor, seja
este uma pessoa ou uma comunidade. […], Deus, que se revelou a Israel no passado, que falou
aos apóstolos em Jesus, se revela a mim, se dirige pessoalmente a mim: na Sagrada Escritura ‘o
Pai que está nos céus’ se dirige com amor a seus filhos e fala com eles através da atualização, o
‘hoje’ do texto. Deste modo, na Bíblia nos é oferecida uma palavra viva e atual, mediante a qual
Deus, ou Jesus Cristo, entra em contato, em diálogo direto com o leitor, colocando questões que o
afetam hoje ou dando resposta à suas interrogações do presente” (ARTOLA, Antonio M.; SÁNCHEZ
CARO, José Manuel. A Bíblia e Palavra de Deus. São Paulo: Ave-Maria, 1996, p. 231-232).
110 Num resumo geral, pode-se caracterizar o discípulo de Jesus como aquele que atende ao seu
chamado, escuta seus ensinamentos, obedece às exigências e condições de extrema radicalidade
colocadas por ele e reconhece-o como modelo e mestre. Buscando uma proximidade cada vez
maior de Jesus, aprende a agir como este último (cf. RETAMALES, Santiago Silva; GUIJARRO,
Santiago Oporto; AGUIRRE, Rafael. Kerygma, discipulado e missão: perspectivas atuais. São
Paulo: Paulus, 2007, p. 54-55.). Mais que isso, o discípulo de Jesus se faz corresponsável com o
92
todos os tempos, que permitem, inclusive, atender às condições colocadas por ele
para atingir este status. Entre eles também se destacarão elementos que evidenciam
a maturidade111 cristã, como a rejeição de qualquer sentido de acomodação112 e o
comprometimento113 efetivo com a pessoa de Cristo.
Por mais que possam ser percebidas mudanças sociais, orientadas pela
mudança na escala de valores, que determinam alterações na estrutura familiar
quanto aos aspectos de gênero, quantidade de membros, definições de papéis, entre
outros, não se pode negar que a família permanece a célula-base do tecido social.
Cristo permanece vivo na fé do crente, mediante a ação do Espírito Santo,
assim como já havia sendo preconizado pelo próprio Jesus. O evangelho do Reino
permanece sendo anunciado, oferecendo a oportunidade de salvação, disseminando
seus valores de “bondade, justiça e amor”114 através dos tempos, trazendo pessoas à
conversão.
propósito de Jesus (cf. RETAMALES, Santiago Silva. Discípulo de Jesus e discipulado segundo a
obra de São Lucas. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 7), se transformando em exemplo e modelo para
os outros (cf. FONSECA, Adolfo M. Castano. Discipulado e missão no evangelho de Mateus. São
Paulo: Paulinas, 2007, p. 79).
111 “O cristão explícito, por sua vocação, é católico; com isso queremos dizer: ele vê e contempla todas
as realidades, mesmo as mais distantes e diferentes, como manifestações de Deus e de Cristo.
Nada lhe é alheio. Descobre a identidade do mistério divino e crístico nas diferenças de religião, de
cultura, de língua e de tempo. Nada está fora de Deus e de Cristo. O próprio inferno não está fora
de Deus e de Cristo. Desta forma, o cristão explícito é um católico, isto é, um espírito universal”
(BOFF, Leonardo. O destino do homem e do mundo. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 82).
112 “Em nome dessa realidade deve-se contestar todas as formas do velho mundo que se fecham a um
futuro absoluto. O cristão não poderá aburguesar-se e se contentar com os resultados atingidos,
mas porque crê no Reino de Deus mantém-se sempre em processo, humanizando, fraternizando e
tornando este mundo cada vez mais semelhante ao futuro” (BOFF, Leonardo. O destino do homem
e do mundo. Petrópolis: Vozes, 1973, p.161).
113 “O discipulado é comprometimento com Cristo; por existir Cristo tem que haver discipulado. Uma
concepção de Cristo, um sistema doutrinário, um conhecimento religioso, geral de graça ou de
perdão, não implicam necessariamente o discipulado; na realidade, excluem-no, são-lhe hostis.
Com a ideia pode-se ter uma relação de conhecimento, de admiração, talvez até mesmo de
realização, mas nunca a relação de discipulado pessoal e obediente” (BONHOEFFER, Dietrich.
Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 21).
114 “A ação de Jesus correspondeu à salvação de Deus irrompendo na história. Entretanto, não como
o fim da história, mas o começo de um tempo novo, onde os discípulos do Reino haveriam de
encarnar o projeto de Deus como Reino de bondade e de justiça, em meio a uma geração perversa
mas amada por Deus e chamada à conversão. Longe de ser um Messias violento e punitivo, Jesus
seria a encarnação da misericórdia” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo
do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 18). “Sendo a misericórdia uma
característica fundamental de Deus, só é capaz de compreender a centralidade do amor quem tem
Deus no coração. Este é o sinal mais credível da presença do Reino na vida de alguém. O amor
corresponde ao único modo de vida agradável a Deus. Onde existe amor, aí está Deus. Onde está
Deus, faz-se presente seu Reino. O amor, vivido com radicalidade, faz o Reino irromper como
senhorio de Deus, a começar pelas pessoas movidas pela misericórdia” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a
dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 86).
93
Cristo deve ter preferência quando a situação exigir opção em relação à própria
família, bem como deve haver uma entrega que ateste a fidelidade a ele mesmo acima
da própria vida. Ele deve ser a prioridade, assim como deve ser priorizado o Reino e
suas questões, interesses e anúncio, acima de qualquer outra coisa.
CONCLUSÃO
As duas primeiras condições colocadas por Jesus, a saber, renunciar a tudo o
que se tem e priorizar Jesus Cristo e o Reino, apresentam entre si íntima
complementaridade, no sentido de que o atendimento à segunda não é possível se
não tiver havido antes o atendimento à primeira. Isso passa pela mudança de
consciência e pela relativização de valores estabelecidos quanto às relações
familiares e sociais. Não somente isso, mas também uma reavaliação sobre a forma
de se posicionar em relação à própria vida, no sentido da sua importância, quando se
apresenta a necessidade de prioridade da pessoa de Jesus Cristo e de seu Reino.
A mesma ênfase deve ser dada na reavaliação e mudança de postura em
relação a forma como cada um se relaciona com a realidade dos bens materiais.
A colocação de Jesus é rigorosa, pois aquele que não atende a estas condições
não pode ser seu discípulo.
CAPÍTULO III
ANÁLISE TEOLÓGICA DE LC 14,27-32
I N TR O D U Ç Ã O
No capítulo anterior buscou-se aprofundar o estudo dos elementos presentes
em Lc 14,26.33, que apresentam as duas primeiras condições feitas por Jesus como
prerrogativas necessárias àqueles que desejam ser seus discípulos. Objetivou-se
fazer uma análise hermenêutico-teológica complementada pela atualização da
mesma.
No presente capítulo será desenvolvido o mesmo aprofundamento, objetivando
análise semelhante, mas agora das duas condições presentes em Lc 14,27-32. Estas
condições estarão intituladas como “autoavaliar-se” e “carregar a cruz e seguir Jesus”.
27
o[stij ouv basta,zei to.n stauro.n e`autou/ kai. e,rcetai ovpi,sw mou( ouv du,natai
ei=nai, mou maqhth,jÅ 28
ti,j ga.r evx u`mw/n qe,lwn pu,rgon oivkodomh/sai ouvci. prw/ton
kaqi,saj yhfi,zei th.n dapa,nhn( eiv e,cei eivj avpartismo,nÈ 29
i[na mh,pote qe,ntoj
auvtou/ qeme,lion kai. mh. ivscu,ontoj evktele,sai pa,ntej oi` qewrou/ntej a,rxwntai
auvtw/| evmpai,zein 30
le,gontej o[ti Ou-toj o` a,nqrwpoj h,rxato oivkodomei/n kai. ouvk
i,scusen evktele,saiÅ 31
H' ti,j basileu.j poreuo,menoj e`te,rw| basilei/ sumbalei/n eivj
po,lemon ouvci. kaqi,saj prw/ton bouleu,setai eiv dunato,j evstin evn de,ka cilia,sin
u`panth/sai tw/| meta. ei,kosi cilia,dwn evrcome,nw| evpV auvto,nÈ 32
eiv de. mh, ge( e,ti
auvtou/ po,rrw o,ntoj presbei,an avpostei,laj evrwta/| ta. pro.j eivrh,nhnÅ
27 Aquele que não carrega a sua cruz e vem após mim não pode ser meu discípulo. 28
Quem (é), pois, dentre vós, que desejando edificar uma torre não primeiro assentando-
se calcula a despesa se tem (condições) para a conclusão? 29 para que nunca
(aconteça) que, tendo posto ele a fundação e não podendo concluir, todos os que virem
comecem a rir dele, 30 dizendo que este o homem começou a edificar e não conseguiu
terminar. 31 Ou qual (é) o rei que vai com o outro rei encontrar para batalha, não
assentando-se primeiro considera se capaz é com dez mil encontrar o com vinte mil
que vem contra ele? 32 se então, não ainda distante estando, embaixada tendo
enviado, solicita as condições para a paz.
95
1. CONDIÇÕES P AR A S E R D I S C Í P U L O
1.1 Autoavaliar-se
Esta condição está expressa nos versículos 28-32, onde, em termos gerais,
Jesus trata da necessidade de minuciosa autoavaliação por parte daquele que
pretende decidir pelo seu seguimento, como seu discípulo.
28
ti,j ga.r evx u`mw/n qe,lwn pu,rgon oivkodomh/sai ouvci. prw/ton kaqi,saj yhfi,zei
th.n dapa,nhn( eiv e,cei eivj avpartismo,nÈ 29
i[na mh,pote qe,ntoj auvtou/ qeme,lion kai.
mh. ivscu,ontoj evktele,sai pa,ntej oi` qewrou/ntej a,rxwntai auvtw/| evmpai,zein 30
le,gontej o[ti Ou-toj o` a,nqrwpoj h,rxato oivkodomei/n kai. ouvk i,scusen evktele,saiÅ
31
H' ti,j basileu.j poreuo,menoj e`te,rw| basilei/ sumbalei/n eivj po,lemon ouvci.
kaqi,saj prw/ton bouleu,setai eiv dunato,j evstin evn de,ka cilia,sin u`panth/sai tw/|
meta. ei,kosi cilia,dwn evrcome,nw| evpV auvto,nÈ 32
eiv de. mh, ge( e,ti auvtou/ po,rrw
o,ntoj presbei,an avpostei,laj evrwta/| ta. pro.j eivrh,nhnÅ
28 Quem (é) pois dentre vós, que desejando edificar uma torre não
primeiro assentando-se calcula a despesa se tem (condições) para a
conclusão? 29 para que nunca (aconteça) que, tendo posto ele a
fundação e não podendo concluir, todos os que virem comecem a rir
dele, 30 dizendo que este o homem começou a edificar e não conseguiu
terminar. 31 Ou qual (é) o rei que vai com o outro rei encontrar para
batalha, não assentando-se primeiro considera se capaz é com dez mil
encontrar o com vinte mil que vem contra ele? 32 se então, não ainda
distante estando, embaixada tendo enviado, solicita as condições para a
paz.
Antes, porém, de qualquer avaliação do texto, importa ter uma noção do que é
mencionado nas Sagradas Escrituras sobre a autoavaliação e a autocrítica.
Dois personagens bíblicos, com posturas frontalmente antagônicas no tocante
à forma de autoavaliar-se, ilustram como esta é uma área em que existe a diversidade
no comportamento humano. O primeiro deles foi Gideão, que representa aqui a classe
daqueles que se avaliam medíocres demais, incapazes de ser ou de realizar algo.
Têm uma ideia de si mesmos muito aquém do que deveriam e subestimam seu
potencial (cf. Jz 6,15-17). O segundo foi Absalão, que representa o grupo daqueles
96
1 “O autor apresenta Absalão, que explora habilmente o descontentamento das tribos do norte, faz
promessas fáceis e procura contagiar os ouvintes com sua humanidade” (CONCETTI, G. Pequeno
comentário bíblico-AT. São Paulo: Paulus, 1994, p. 89). “A fala de Absalão é fácil de fazer para
ganhar a popularidade, mas ele é injusto. Absalão canta seus próprios louvores com sonhos de
grandeza” (VOGELS, Walter. Davi e sua história. São Paulo: Loyola, 2007, p. 222).
2 “Esta é uma figura tremendamente importante e muito mais complexa do que se possa imaginar.
Não é fácil delimitar com precisão o conceito de parábola: há autores que nos evangelhos sinóticos
contam menos de trinta, e outros, mais de sessenta parábolas. É evidente que estão utilizando
critérios diferentes para definir este gênero. Vejamos, pois, o que podemos dizer sobre as parábolas.
Em primeiro lugar, a comparação é essencial à parábola, contudo, a parábola é muito mais que uma
comparação. Poderíamos dizer que toda parábola é uma comparação, mas nem toda comparação
é uma parábola. Para explicar essa afirmação, nada melhor que um exemplo considerado pelos
especialistas o protótipo das parábolas bíblicas: a parábola de Natã, que se encontra em 2Sm 12,1-
4. Pode parecer sugestivo que se coloque como modelo de parábola um texto do Antigo
Testamento” (BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p.
52). “Este texto mostra o que dissemos anteriormente: ainda que se trate de uma comparação, esta
comparação vai mais além porque envolve o destinatário da parábola, impelindo-o a incluir-se na
situação e a emitir um juízo. Isto é o que se quer dizer quando se fala do caráter dialógico das
parábolas” (BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p. 55).
97
para aponta para elementos colocados um ao lado do outro para comparação. Um dos
elementos é o conhecido e familiar, e o outro, o desconhecido, de forma que se busca
fazer compreender o segundo através do conhecimento prévio do primeiro.
Não se pode, porém, limitar a parábola a uma simples comparação, uma vez
que a mesma é uma figura muito mais complexa e envolve outros dados, além de
simplesmente colocar elementos lado a lado.
A parábola era originalmente uma narrativa breve que utilizava elementos da
vida cotidiana e que objetivava ilustrar uma noção moral. Era um recurso pedagógico
eficaz, porque colocava as coisas de uma maneira e com termos que permitiam às
pessoas compreender o que estava sendo dito, além de facilitar sua recordação. 3
O uso de parábolas parece remeter diretamente à didática usada por Jesus
para transmitir seus ensinos,4 como se este gênero literário tivesse sido exclusividade
dele. Ao contrário desta ideia, a parábola é uma forma de ensino de uso muito
frequente na cultura hebraica.5
Em algum momento da história de sua transmissão, passaram a ser
considerados mistérios, com significados ocultos, ou pelo menos como alegorias.6
Apesar disso, a parábola parece ter sido considerada por Jesus o melhor meio para
transmitir a seus seguidores uma mensagem que ele julgava de vital importância.
Importa destacar aqui algumas características fundamentais das parábolas de
Jesus. Segundo Bravo, elas pouco se referem a conceitos teológicos, mas abordam
“Outra forma de analisar a questão é apresentada por Beekman, quando diz que aqui é apresentada
uma hipérbole que usa como base a relação associativa dos antônimos. Um exemplo comparativo
está em Lc 15,32: ‘… porque este teu irmão estava morto e reviveu’.” (BEEKMAN, John; CALLOW,
John. A arte de interpretar e comunicar a palavra escrita. São Paulo: Vida Nova, 1992, p. 108).
3 GABEL, John B.; WHEELER, Charles B. A Bíblia como literatura. São Paulo: Loyola, 1993, p. 173.
4 “As formas pelas quais Jesus ensinava podem ser agrupadas nas seguintes categorias: Parábolas,
Sentenças, Imagens, Perguntas, Citações da Escritura e do judaísmo, Próprio testemunho,
Denúncia, Exposição ou Ensino direto e Ensino situacional. Antes de dizer algo sobre cada um
destes métodos, e ainda com algum risco de mencionar algo demasiado óbvio, nunca é demais
notar que esta classificação é artificial enquanto isola os métodos que nos textos se encontram
combinados” (BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p.
51).
5 “Na verdade, o gênero parabólico não foi uma invenção de Jesus, visto que é um gênero largamente
atestado no Antigo Testamento” (BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo:
Paulus, 2007, p. 52). “As parábolas eram utilizadas pelos rabinos como uma forma de confrontar
ideias, isto é, eram empregadas preferivelmente no âmbito de discussões teóricas. Muitas delas
comentavam textos sagrados e fundamentavam suas conclusões na autoridade desses textos.
Jesus, ao contrário, usa as parábolas de uma forma muito diferente” (BRAVO, Arturo. O estilo
pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p. 56).
6 GABEL, John B.; WHEELER, Charles B. A Bíblia como literatura. São Paulo: Loyola, 1993, p. 173.
98
7 “Elas fazem referência não a doutrinas ou conceitos teológicos, mas a comportamentos. Nas
parábolas aparece com muita clareza o comportamento a seguir e/ou o comportamento que se deve
evitar. Um extraordinário exemplo disso constitui a parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10,25-37)”
(BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p. 57).
8 “O que fez com que as parábolas ficassem tão vivamente impressas na memória dos seguidores de
Jesus e que impregnassem dois milênios até o dia de hoje? Por que não caíram simples e
completamente no esquecimento? São dois os motivos que surgem para responder a estas
perguntas: por um lado, a força e a pertinência de suas imagens, e, por outro lado, seu apoio na
experiência, por meio das parábolas. Jesus motiva seus ouvintes a se colocar em contato com sua
própria experiência para resolver, dessa maneira, a situação colocada. As parábolas não procuram
obrigar, impor a partir de fora; sua finalidade é convencer usando apenas o peso de sua evidência”
(BRAVO, Arturo. O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p. 58-59).
9 “As parábolas de Jesus NÃO: são frias ou cerebrais; procuram defender ideias nem apoiar verdades
expostas teoricamente; são empregadas para discussões teóricas; são instrumentos de polêmica;
têm uma finalidade meramente doutrinal, no sentido de que Jesus não as pronunciou para expressar
verdades universais; são mera expressão retórica nem estética; são relatos nem de animais
personificados nem de fenômenos da natureza; tem como destinatários nem seus inimigos ou
adversários nem seus seguidores. As parábolas de Jesus, SIM: procuram fazer com que os
destinatários emitam um juízo, tomem posição diante daquilo que se expõe; brotam de um contexto
preciso que se conecta à situação exposta por meio da analogia; dirigem-se a pessoas que não
compartilham o ponto de vista de Jesus, sendo, portanto, instrumentos de diálogo; pretendem que
os destinatários alcancem uma nova visão das coisas; apontam para os comportamentos, para a
conversão; têm um caráter realista, porque se referem a processos, ações e atores pessoais;
baseiam-se na experiência do auditório; apontam para a reflexão dos destinatários” (BRAVO, Arturo.
O estilo pedagógico do mestre Jesus. São Paulo: Paulus, 2007, p. 66).
10 “Quem se ocupa com as parábolas de Jesus assim como os três primeiros evangelhos no-las
transmitem, pode ter a certeza de que se apoia em base histórica bastante firme. Elas constituem
uma peça da rocha primitiva da tradição. Reconhece-se de modo geral que as imagens se imprimem
mais fortemente na memória do que ideias abstratas. Com referência particularmente às parábolas
de Jesus, acresce que elas refletem exatamente e com especial nitidez a boa-nova de Jesus, o
cunho escatológico da sua pregação, a seriedade do seu apelo à conversão, bem como o seu
conflito com o farisaísmo. Por toda parte se entrevê, por trás do texto grego, a língua materna de
Jesus” (JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas 1983, p. 7). “As parábolas
de Jesus, tomadas como um todo, não só estão transmitidas de modo seguro, como também à
primeira vista constituem um material totalmente sem problemas. Levam os ouvintes a um mundo
que lhes é familiar, tudo é tão simples e claro, ao ponto de o ouvinte não poder dar outra resposta
senão: sim, de fato é assim” (JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas
1983, p. 9).
99
28
ti,j ga.r evx u`mw/n qe,lwn pu,rgon oivkodomh/sai ouvci. prw/ton kaqi,saj yhfi,zei
th.n dapa,nhn( eiv e,cei eivj avpartismo,nÈ 29
i[na mh,pote qe,ntoj auvtou/ qeme,lion kai.
mh. ivscu,ontoj evktele,sai pa,ntej oi` qewrou/ntej a,rxwntai auvtw/| evmpai,zein 30
le,gontej o[ti Ou-toj o` a,nqrwpoj h,rxato oivkodomei/n kai. ouvk i,scusen evktele,saiÅ
28 Quem (é) pois dentre vós, que desejando edificar uma torre não
primeiro assentando-se calcula a despesa se tem (condições) para a
conclusão? 29 para que nunca (aconteça) que, tendo posto ele a
fundação e não podendo concluir, todos os que virem comecem a rir
dele, 30 dizendo que este o homem começou a edificar e não conseguiu
terminar.
levantada por Champlin, que pontua que, quando contou esta parábola, Jesus tinha
em mente a história da torre de Babel. Naquele evento, os homens de então
projetaram planos arrojados, mas não encontraram os meios necessários para atingir
seus objetivos. Falharam em planejar e constatar suas possibilidades. Aquela torre
representa muito bem a ruína em que incorre o discipulado incompleto.14
Dois detalhes importantes devem ser observados na parábola que fala da
construção da torre. O primeiro é aquele ligado a não se precipitar nas decisões. Para
iniciar uma empreitada como aquela, o ser humano deve pensar primeiro.15 O
versículo 28 menciona que o homem deve “assentar-se” para calcular a despesa. É
representativo o uso deste verbo, pois carrega o sentido de que as coisas devem ser
pensadas com calma, não podem ser resolvidas às pressas.16 Há que haver calma,
ponderação e cálculo de despesas, sendo que somente assim se pode esperar pela
decisão correta e consequentemente pelo sucesso.17
O segundo detalhe refere-se às consequências de uma atitude tomada sem as
devidas ponderações. A parábola menciona que o homem põe o alicerce da torre,
mas, não podendo acabar, interrompe a construção. Torna-se, assim, objeto de
escárnio de quem o observa. Bovon comenta que, no campo e nas aldeias, as
pessoas se observavam e, por certo, viram o homem cavar a terra e colocar o alicerce.
Continuando a observar, perceberam a suspensão da obra. Isto fez com que
começassem a zombar. Como não se sentou antes para calcular os gastos, o
14 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 148.
15 “A opção pelo discipulado do Reino deve ser bem pensada. É insensatez tornar-se discípulo sob
pressão. Porém, é ingenuidade dar o passo sem tomar conhecimento das exigências. A decepção
virá na certa! As duas metáforas evangélicas ilustram a importância do discernimento prévio ao sim
do discípulo. Tratando-se de uma escolha para vida inteira, será preciso muito fôlego para chegar
até o fim. Ficar pela metade assemelha-se ao construtor que interrompeu a construção da torre por
não ter feito o cálculo dos gastos. Desanimar no começo da experiência é como a situação do
general que negocia a paz ainda antes da guerra, quando se dá conta de não estar em condições
de enfrentar um exército mais forte. O discípulo autêntico acolhe o convite de Jesus, com seus
requisitos, e o coloca em prática com perseverança” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de
Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 321).
16 “Se você disser a Jesus que deseja tomar a cruz e segui-lo como seu discípulo, ele vai querer ter
certeza de que você sabe onde pisa. Cristo não quer falsas expectativas, ilusões nem barganhas”
(WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Santo André: Geográfica, 2001, vol. I, p. 302).
17 “Da mesma forma, só quem faz uma opção refletida pelo Reino estará em condições de levá-la a
cabo. Nenhuma dificuldade ou obstáculo será suficientemente grande para intimidá-lo. A construção
iniciada será levada a bom termo! A batalha só terminará com a vitória!” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a
dia nos passos de Jesus: ser discípulo, no diálogo com o Mestre. São Paulo: Paulinas, 2011, p.
378).
101
personagem será duplamente castigado por esta falta de cuidado. Não somente ficará
sem a sua torre, mas também terá que sofrer o sarcasmo de seus vizinhos.18
A segunda parábola é aquela que menciona o rei que vem em guerra contra
outro rei:
31
H' ti,j basileu.j poreuo,menoj e`te,rw| basilei/ sumbalei/n eivj po,lemon ouvci.
kaqi,saj prw/ton bouleu,setai eiv dunato,j evstin evn de,ka cilia,sin u`panth/sai tw/|
meta. ei,kosi cilia,dwn evrcome,nw| evpV auvto,nÈ 32
eiv de. mh, ge( e,ti auvtou/ po,rrw
o,ntoj presbei,an avpostei,laj evrwta/| ta. pro.j eivrh,nhnÅ
31 Ou qual (é) o rei que vai com o outro rei encontrar para batalha, não
assentando-se primeiro considera se capaz é com dez mil encontrar o
com vinte mil que vem contra ele? 32 se então, não ainda distante
estando, embaixada tendo enviado, solicita as condições para a paz.
18 BOVON, François. El evangelio según San Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 651-652.
19 FITZMYER, Joseph A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1987, vol. III, p. 636.
20 “No contexto lucano, a parábola (cf. Lc 14,31-32) exorta sobre a entrada irrefletida no discipulado
de Jesus. […] O caso é narrado claramente: um rei tem de refletir e aconselhar-se se tem suficientes
recursos para vencer seus adversários. Se não consegue, deve pedir por paz, a fim de evitar a
batalha e a consequente derrota. O envio de uma embaixada é uma declaração vergonhosa de
submissão, mas diante da superioridade do inimigo, se mostra como a única alternativa restante.
Não se explica a razão por que o rei empreende guerra. Que aqui se trate de um rei-cliente, que luta
por sua independência, continua a ser uma hipótese sem fundamentação suficiente. Além da
pressuposição de que o rei sopesa inteligentemente a questão, nada se diz sobre a justiça da guerra
nem sobre fraquezas ou virtudes do rei. Conclusão: como o rei que reflete bem para ver se pode
vencer a guerra, também as pessoas têm de meditar antes de querer entrar no seguimento de
Jesus” (VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do movimento de Jesus: as razões do seguimento.
São Paulo: Loyola, 2014, p. 305). “Os dois exemplos propostos (cf. Lc 14,28-32) servem para
demonstrar que não se pode tomar ligeiramente a decisão. Os meios humanos com que se pode
contar são inteiramente insuficientes para empreender a construção do Reino de Deus e para
enfrentar as dificuldades humanamente insuperáveis que derivam dele” (CAMPS, Josep Rius. O
102
Um destaque a ser feito aqui está relacionado com a atitude que deverá haver,
ou seja, as providências que precisarão ser tomadas após a avaliação meticulosa da
situação de ameaça diante do rei que chega com seu exército muito mais numeroso.
Se o rei, após sua reflexão, não puder ver solução favorável para o problema que se
lhe apresenta, não pode ficar inativo esperando a derrota. Ao contrário, combina a paz
enquanto o inimigo está longe.21
Segundo Morris, as duas parábolas são semelhantes, mas têm lições um tanto
quanto diferentes. Na construção da torre, a pessoa tem a opção, pode construir ou
não. Quanto ao rei, o Reino está sendo invadido, o outro vem contra ele. Ele é forçado
a fazer alguma coisa.22 Na primeira parábola, Jesus diz: “Senta-te e calcula se podes
pagar o preço de me seguir”. Na segunda diz: “Senta-te e calcula se podes pagar o
preço de recusar minhas exigências”.23
As parábolas parecem convidar a reconhecer que existe um risco implícito no
fato de alguém querer se tornar discípulo de Jesus e sublinham o detalhe de que,
tanto na situação de construção da torre quanto na saída do rei à guerra, as decisões
estarão carregadas de consequências. Não se trata, certamente, de uma tentativa de
Jesus em desencorajar as pessoas que querem segui-lo, mas sim de alertá-las quanto
à seriedade desta decisão no tocante ao comprometimento.24 Jesus busca destacar
o quanto é importante que as pessoas tenham uma clara noção quanto ao custo
envolvido em segui-lo.
Segundo Fabris, aquele que decide seguir Jesus, ser seu discípulo,
necessariamente fez uma escolha radical, tendo ponderado recursos e possibilidades,
de tal forma como o deve fazer quem se propõe a empreender uma construção ou
participar de uma guerra.25
Quanto à dificuldade presente nesta condição proposta por Jesus, Storniolo
escreve:
evangelho de Lucas: o êxodo do homem livre. São Paulo: Paulus, 1995, p. 251). “A resposta ao
convite deve ser madura e pessoal. Deve ser realista e conhecer as dificuldades. Entretanto, quem
decide transforma a sua vida” (GORGULHO, Gilberto; ANDERSON, Ana Flora. O caminho da Paz:
Lucas. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 179).
21 MORRIS, León L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 222.
22 Ibidem, p. 222.
23 HUNTER, A. M., 1960, p. 65, apud MORRIS, León L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo:
Vida Nova, 1983, p. 222-223.
24 FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991, p. 157-158.
25 Ibidem, p. 19-20.
103
É duro? Claro que é. E o evangelho não esconde isso de ninguém. Pelo contrário, pede para
pensar bem antes de tomar a decisão de seguir a Jesus. É o sentido das duas parábolas em
14,28-32. Quem vai construir uma torre deve calcular muito bem os gastos e o orçamento, para
não fazer fiasco e passar vergonha.26
Assim também deve ser o procedimento daquele que se propõe a ser discípulo
de Cristo: parar, refletir quanto às possibilidades pessoais, se dedicar a um autoexame
que, como consequência, possibilite decidir de maneira madura, e só depois seguir
Cristo incondicionalmente. Em outras palavras, ele deve encarar o discipulado com
extrema seriedade, mediante uma reflexão profunda27 e intensa meditação e
determinação.
Jesus busca destacar o quanto é importante que as pessoas tenham uma clara
noção quanto ao que está envolvido em segui-lo. Seus discípulos devem ter uma firme
consciência dos compromissos que assumiram e, para isso, é de suma importância
ter plena ideia do preço que pagarão por isso. Nesse sentido, Trask comenta a
importância de fazer uma distinção muito clara quanto ao chamado para a salvação e
para o discipulado, identificando até aonde vai a ação humana em ambas as
situações:
Alguns compreendem mal o termo “discípulo”. Quando Jesus chamava as pessoas para segui-
lo como seus discípulos (Lc 14,25-35), Ele não os estava chamando para a salvação. Aquele
era um chamado para segui-lo como aprendiz, que é a definição de discípulo. O discipulado
sempre segue a experiência da salvação; ele nunca é parte dela, senão a graça não seria mais
graça. Billy Graham disse: a salvação é grátis, mas o discipulado custa tudo o que temos.
Discipulado é aprender, fazer, seguir, e envolve trabalho. Pela graça de Deus, as pessoas
recebem salvação através da fé em Jesus Cristo, e então aprendem a se tornar discípulos
obedientes.28
26 STORNIOLO, Ivo. Como ler o evangelho de Lucas: os pobres constroem a nova história. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 139.
27 “Como as palavras de intimidação, também a parábola da construção da torre e do rei que faz guerra
(cf. Lc 14,28-32) exortam ao autoexame. Na breve figura do dono da construção, cujo edifício pela
metade acarreta caçoadas, e na longa do rei que conduz à guerra e que, por subestimar o seu
adversário, tendo de se sujeitar à sua boa ou má vontade, Jesus incute a advertência: cada um
examine a si mesmo maduramente, pois um meio começo é pior do que nenhum. Expressa-se esta
advertência também na parábola do espírito mau que volta (cf. Mt 12,43-45b; Lc 11,24-26)”
(JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 197).
28 TRASK, Thomas E.; GOODAL, Waide L. De volta para a Palavra. Rio de Janeiro: Casa Publicadora
da Assembleia de Deus, 1999, p. 120.
104
Jesus parece fazer uma distinção entre salvação e discipulado. A salvação é oferecida a todos
os que desejem aceitá-la pela fé, enquanto o discipulado é reservado a cristãos dispostos a
pagar um preço. Salvação significa ir até a cruz e crer em Jesus Cristo, enquanto discipulado
significa tomar a cruz e seguir a Jesus Cristo. 29
Em todo negócio considera o que antecede e o que vem em seguida, e então atira-te em sua
execução. De outra maneira começarás muito animado; porém, não tendo pensado
adredemente nas consequências, quando alguma delas surgir, haverás de desistir
envergonhado. Considera primeiro, homem, qual é a questão, e o que a tua natureza é capaz
de suportar.31
29 WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico-expositivo. Santo André: Geográfica, 2001, vol. I, p. 301.
30 BOVON, François. El evangelio según San Lucas. Salamanca: Sígueme, 2002, vol. II, p. 653.
31 EPITETO. Discursos, III.15.1, apud CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado
versículo por versículo. São Paulo: Hagnos, 2002, vol. II, p. 147.
32 BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004, p. 48.
33 GOURGUES, Michel. As parábolas de Lucas. São Paulo: Loyola, 2005, p. 97.
105
34 “Jesus não deixou nenhum documento escrito acerca de sua vida, sua obra e seus seguidores. Os
autores do Novo Testamento, a partir do caminho de vida dos primeiros seguidores e das primeiras
comunidades, buscaram compreender o significado da vida e dos ensinamentos do Mestre de
Nazaré, o alcance do seu chamado e as exigências do seu seguimento. Os evangelhos, redigidos
segundo a experiência pascal e, por conseguinte, em muitas ocasiões reflexo da situação das
primeiras comunidades cristãs, registram a existência de um grupo de pessoas que, respondendo
ao chamado de Jesus, o seguiam. Eles foram escritos para manter viva a memória de Jesus de
Nazaré, provocando e sustentando esse seguimento. Os traços característicos desse seguimento
encontram-se, particularmente, nas narrativas da vocação dos primeiros discípulos. A história das
vocações são múltiplas: a) a vocação dos primeiros discípulos (cf. Mt 4,18-22; Mc 1,16-20; Lc 5,1-
11); b) a vocação de Levi (cf. Mt 9,9; Mc 2,14; Lc 5,27ss); c) o episódio do jovem rico (cf. Mt 19,16-
22; Mc10,17-22; Lc 18,18-23); d) outras narrativas, como a do cego Bartimeu depois de sua cura
(cf. Mc 10,46-52; Lc 18,35-43); ou do endemoninhado de Gerasa (cf. Mc 5,18ss; Lc 8,38)”
(BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon
Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 42).
106
Para uma clara avaliação teológica de “carregar a cruz”, deve-se buscar uma
compreensão bastante particularizada dos detalhes histórico-culturais do termo
stauro,j, o que certamente possibilitará um entendimento mais preciso da condição em
questão.
Em primeiro lugar, “cruz” trata-se de um “tronco reto”, pontiagudo, que era
usado para fins distintos, por exemplo, para construir um cercado 35 ou como
fundamento.36 Stauro,j pode designar um tronco, afiado às vezes por cima, onde se
coloca um condenado como castigo complementar de infâmia, seja pendurado, seja
amarrado. Poderia também indicar um poste como meio de execução por
estrangulamento, por exemplo. De outro lado, pode se tratar de um madeiro
transversal colocado sobre os ombros, compondo a cruz como instrumento de
suplício. Esta seria formada por um poste vertical e um madeiro transversal, de igual
longitude, seja na forma de T (crux commissa) ou na forma de + (crux immissa).37
É muito provável que exista uma diferença fundamental tanto na realização do
castigo a um condenado como em seu significado quando se fala de Oriente e
Ocidente. No Oriente se pendurava ou empalava o cadáver, às vezes decapitado.
Tratava-se de um castigo complementar imposto a alguém que já havia sido
executado e que era exposto para visão pública e para a própria vergonha. Já no
35 HOMERO, Od. 14, 11, apud COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia
do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, vol. I, p. 477.
36 TUCIDIDES, VII, 25,5, apud COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia
do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, vol. I, p. 477.
37 COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 2000, vol. I, p. 477.
107
38 Cf. HERÓDOTO VII, 238, 1 s com IX, 78, 3; 79, 1; Plutarco, Per.28,1 apud COENEN, Lothar;
BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
2000, vol. I, p. 477.
39 COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 2000, vol. I, p. 478.
40 “A origem da crucificação é atribuída aos povos persas devido aos escritos de Heródoto (430 a.C.).
O filósofo Sêneca (5 d.C.) dá descrições detalhadas desse tipo de morte ao relatar diferentes tipos
de torturas em cruzes. Outros relatos de crucificação são encontrados em Flávio Josefo, que a
identifica com a mais desgraçada das mortes” (cf. SLOYAN, Gerard S. Por que Jesus morreu? São
Paulo: Paulinas, 2006, p. 21-26, apud FRANÇA, Agda. A cruz em Paulo, 2010, p. 42). “No sentido
mais literal, segundo a língua grega, a palavra correspondente ‘stauros’, e acessoriamente ‘xylon’,
‘madeiro’, no latim clássico pré-cristão, ‘crux’ era o nome dado ao instrumento de tortura e suplício
conhecido por povos antigos como os persas, e adotado pelos romanos” (LUCIANO, Cezar;
FERNANDES, Ernandes. O sentido da cruz no evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 2002, p.
26). “No tempo de Jesus, na Palestina, somente as autoridades romanas de ocupação condenavam
à crucificação e levavam a termo este tipo de execução” (cf. HERÓDOTO VII, 238, 1 s com IX, 78,
3; 79, 1; Plutarco, Per. 28,1, apud COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de
Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, vol. I, p. 478). “Mas a cruz não é apenas
um símbolo. É uma realidade histórica. Houve muitos crucificados na história, pensemos na rebelião
dos escravos em Esparta” (BLÁZQUEZ VICENTE, Francisco Javier; GARCÍA, Dionisio Borobio;
GARCÍA, Bonifacio Fernández [eds.]. La cruz: manifestación de un misterio. Salamanca:
Publicaciones Universidad Pontificia, 2007, p. 1). Tradução nossa do espanhol: “Pero la cruz no es
sólo un símbolo. Es una realidad histórica. Han existido muchos crucificados en la historia,
pensemos en la rebelión de los esclavos con Espartaco”.
41 “Além das fontes bíblicas, temos as informações de outras fontes históricas da época, por Tácito,
Flávio Josefo, Plínio, o moço, Suetônio, contextualizando os motivos da morte de Jesus na cruz
ligados às tensões econômicas, sociais, políticas e religiosas” (FERRARO, Benedito. Cristologia.
Petrópolis: Vozes, 2011, p. 122, apud PEREIRA, Leandro Carlos. A teologia da Cruz na cristologia
latino-americana, p. 52).
42 “Na Roma antiga e em suas províncias, o suplício na cruz era comum como castigo capital reservado
aos escravos e aos condenados […]” (LUCIANO, Cezar; FERNANDES, Ernandes. O sentido da
cruz no evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 26).
43 A pena de crucificação afetava, portanto, aos escravos, aos estrangeiros e aos habitantes das
províncias estrangeiras. Mesmo como castigo de escravos, a crucificação só se empregou, de forma
geral, em casos graves. Tem uma especial importância o fato de que esta pena capital se aplicou,
sobretudo, contra atos que atentavam contra a segurança do Estado, por exemplo, em casos de
alta traição. Daí se pode compreender facilmente que em solo palestino foi um meio punitivo
importante usado pelos dominadores romanos, que intentaram assim reprimir eficazmente os
levantes contra a ocupação. Enquanto meio para manter a ordem, no sentido de conservar a ordem
estabelecida, a pena da crucificação pretendia ser não tanto uma expiação, mas sim uma
intimidação. A isto corresponde o fato de expor o instrumento de suplício num lugar público (cf.
HERÓDOTO VII, 238, 1 s com IX, 78, 3; 79, 1; Plutarco, Per. 28,1, apud COENEN, Lothar; BROWN,
108
Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, vol.
I, p. 478).
44 KITTEL, Gerhard; FRIEDRICH, Gerhard. Grande Lessico del Nuovo Testamento. Brescia: Paideia,
1979, vol. XII, p. 973.
45 O condenado era amarrado com os braços estendidos ao travessão, que, além disso,
provavelmente estava colocado sobre seus ombros. Só existem testemunhos isolados (Heródoto
IX, 120,4; VII, 33) de que era pregado; não se sabe se, além das mãos, se pregavam também os
pés nestes casos. A morte do condenado, pendurado com o travessão na ponta do poste vertical,
acontecia lentamente e entre dores espantosas, tenha sido por esgotamento ou por asfixia. O
cadáver podia ser abandonado na cruz para que as aves de rapina o devorassem ou também para
que apodrecesse. Também existem testemunhos segundo os quais, ocasionalmente, o cadáver era
entregue aos parentes ou a conhecidos (cf. HERÓDOTO VII, 238, 1 s com IX, 78, 3; 79, 1; Plutarco,
Per. 28,1, apud COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, vol. I, p. 479).
46 Cf. KUHN, H. W., stauro,j, in SCHNEIDER, Gerhard; BALZ, Horst. Diccionario Exegético del Nuevo
Testamento. Salamanca: Sígueme, 1998, vol. II, p. 1.478.
109
ligado aos textos que falam da afronta em palavras que sofre Jesus já na cruz (cf. Mt
27,40-42; Mc 15,30-32).47
No evangelho segundo João, stauro,j aparece em três outras passagens
também ligadas à paixão de Cristo. A primeira delas se refere ao relato da colocação
da inscrição sobre a cruz onde ele foi crucificado (cf. Jo 19,19). A segunda fala sobre
as mulheres, inclusive a mãe de Jesus, que estavam junto à cruz no momento da
crucificação (cf. Jo 19,25). Finalmente, a terceira afirma que Jesus e os que estavam
crucificados com ele não deveriam permanecer na cruz durante o sábado (cf. Jo
19,31). 48
O segundo sentido é o chamado metafórico ou se poderia dizer simbólico. Este
pode ser explorado por dois caminhos. O primeiro tem o sentido da busca da
compreensão da afirmação de Jesus, que se refere a tomar sobre si a cruz e segui-
lo, assunto que será desenvolvido na análise teológica sobre “carregar a cruz” (Lc
14,27). O segundo aponta para o entendimento daquilo que pode ser chamado de
“sentido teológico da cruz”, definido aqui por alguns autores.49
47 Ibidem, p. 1.479.
48 Ibidem, p. 1.479.
49 “Enquanto a barra horizontal é englobante, com braços a acolherem o mundo todo, a barra vertical
é como uma ponte que liga a terra ao céu, significando o esforço de comunicação da humanidade
com o cosmo e, num movimento descendente, do cosmo em busca do ser humano. […] Olhar para
a cruz remete o nosso pensamento a Jesus crucificado. Isso implica que por trás do objeto ou
instrumento, que é a cruz, existe uma condição de morte considerada maldita, com a qual Jesus se
depara e assume como consequência da sua opção de vida” (FRANÇA, Agda. A cruz em Paulo.
São Paulo: Paulinas, 2010, p. 41). “Mas é com a morte de Jesus que a cruz ganha um novo enfoque.
O Novo Testamento polariza o aspecto dramático da cruz, apresentando-a com uma conotação de
sofrimento ou fardo a sua dimensão simbólica não explicitada. Contudo, o drama escandaloso da
morte de cruz não desaparece por se tratar da crucificação do Filho de Deus” (FRANÇA, Agda. A
cruz em Paulo. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 43). “Marc Girard apresenta três formas para análise
da cruz como símbolo: 1. Verticalidade ascendente: ligada ao sentido de elevação. Ela se torna
símbolo do esforço humano para escapar ao limite de sua condição mortal, e o único meio para
acessar a revelação do mistério. 2. Verticalidade descendeste: a cruz pode ser vista como meio
capaz de favorecer uma comunicação do céu com a terra. Através dela, Deus se faz próximo, desce
ao encontro da humanidade. 3. Verticalidade axial: como o eixo do mundo, pois, enquanto sua base
é fincada como raiz, seu poste dirige-se aos céus. Assim, ela é sustentação e ligação” (GIRARD,
Os símbolos na Bíblia, p. 481-482, apud FRANÇA, Agda. A cruz em Paulo. São Paulo: Paulinas,
2010, p. 43). “A cruz não significa apenas um fato histórico. Ela possui um significado representativo
de toda a vida de Cristo como ser-para-os-outros. […]. Historicamente ela significa um fracasso. Na
fé e na interpretação que Jesus lhe dá (cf. Mc 10,45), ela é a máxima liberdade como total renúncia
de poder, de vontade de vencer e de exigência de eficiência” (BOFF, Leonardo. O destino do homem
e do mundo. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 94). “O símbolo da cruz é inseparável do crucificado Jesus
de Nazaré. Daí vem seu interesse principal: é a cruz de Jesus, e é a cruz de Jesus ressuscitado
pelo poder de Deus Pai. O sentido cristão da cruz vem da pessoa de Jesus, o Filho unigênito, o
primogênito, e do Deus ressuscitador” (BLÁZQUEZ VICENTE, Francisco Javier; GARCÍA, Dionisio
Borobio; GARCÍA, Bonifacio Fernández [eds.]. La cruz: manifestación de un misterio. Salamanca:
Publicaciones Universidad Pontificia, 2007, p. 1). Tradução nossa do espanhol: “El símbolo de la
cruz es inseparable del crucificado Jesús de Nazaret. De ahí le viene su interés principal: es la cruz
110
de Jesús, y es la cruz de Jesús resucitado por obra de Dios Padre. El significado cristiano de la cruz
le viene de la persona de Jesús, el Hijo unigénito y primogénito, y del Dios resucitador”.
50 LUZ, Ulrich. El evangelio según san Mateo. Salamanca: Sígueme, 2006, vol. II, p. 197.
51 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 43.
52 LOEWENICH, Walther Von. A teologia da Cruz de Lutero. São Leopoldo: Sinodal, 1988, p. 111.
53 “‘… tome a sua cruz.’ Ela já está preparada desde o início, falta apenas levá-la. Porém, para que
ninguém pense que tem que sair à procura de uma cruz qualquer, seja onde for, ou que tem que
procurar voluntariamente o sofrimento, Jesus diz que existe uma cruz já preparada para cada um
de nós, uma cruz a nós destinada e atribuída por Deus. Cada qual tem que suportar a medida do
sofrimento e rejeição que lhe é reservada. Essa medida varia de pessoa para pessoa, pois a um
honra-o Deus com maior sofrimento, dando-lhe, inclusive, a graça do martírio; a outro, porém, não
permite que seja tentado além de suas forças. No entanto, a cruz é uma só” (BONHOEFFER,
Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 44). “Carregar a cruz quer dizer enfrentar a
morte violenta, ao exemplo de Jesus e por fidelidade a ele. Estas situações-limite se tornam reais
em tempo de perseguição. Mas quem quer seguir a Jesus deve levar em conta também este risco”
(FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os evangelhos III. São Paulo: Loyola, 1992, p. 158). “O que
significa ‘carregar a cruz’? Significa identificar-se diariamente com Cristo na vergonha, no sofrimento
e na entrega à vontade de Deus. Significa morrer para si mesmo, para os próprios planos e ambições
e estar disposto a lhe servir conforme sua direção (cf. Jo 12:23-28)” (WIERSBE, Warren W.
Comentário bíblico expositivo. Santo André: Geográfica, 2001, vol. I, p. 301).
54 “Jesus viu-se na contingência de esclarecer de modo insofismável que o imperativo do sofrimento
era extensivo aos discípulos. Assim como o Cristo somente é Cristo quando sofredor e rejeitado,
assim também o discípulo somente é discípulo quando sofredor e rejeitado, crucificado com Cristo.
O discipulado como união com a pessoa de Jesus Cristo coloca o discípulo sob a lei de Cristo, ou
seja, sob a cruz” (BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 43).
111
Este Jesus convida para deixar o sustento cotidiano assegurado e substituir as preocupações
diárias normais pela confiança e pelo abandono nas mãos de seu Pai, que se preocupa com
as aves e os lírios (cf. Mt 6,25). Sua pessoa e sua atuação de mensageiro escatológico que
anuncia e realiza a chegada do Reino, sua autoridade incomparável, convencem e se impõem.
TUDO, perda da segurança material, de integração social, de prestígio e direitos, perda da
fidelidade religiosa anterior, perspectiva de perseguição e martírio, toda a dor por tantas
rupturas, se contrabalança e se compensa pela alegria da descoberta: JESUS. Para a reta
compreensão deste seguimento, em sentido estrito, exige-se aquela sua palavra imperiosa:
segue-me!, à qual o chamado responde na fé e na obediência incondicionais. 57
55 Ibidem, p. 43.
56 MYERS, Ched. O evangelho de São Marcos. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 301.
57 LIMA, Marcos de. Seguir Jesus. São Paulo: Loyola, 1994, p. 36.
58 SANTOS, Leandro dos. O encontro com Jesus Cristo: exigência para o discipulado. Dissertação de
mestrado em Teologia, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo,
2014, p. 39.
112
Como já comentado, a execução pela cruz era um método adotado pelo império
romano, e o condenado tinha de transportar publicamente a sua cruz até o local da
sua execução. Esta deve ter sido uma cena muito familiar às pessoas no tempo de
Jesus, na Palestina e em todo o Império. Por ser uma maneira horrível, violenta e
desumana, causava pavor e atemorizava59 os homens da época. Para os primeiros
discípulos do caminho, esta experiência do Mestre deve ter sido especialmente
significativa.60
É muito provável que os discípulos tivessem visto, por várias vezes, um grupo
de soldados caminhando em meio à cidade, tendo sob sua tutela um condenado que
carregava a própria cruz. Este não tinha a menor chance de escapar desse destino,
dessa morte verdadeiramente horrível. A sensação mais natural que se pode supor,
no coração dos discípulos, era que ali se realizava uma viagem sem volta!61
Desta mesma forma deve ser entendida a expressão “carregar a cruz”, nas
palavras de Jesus. Uma vez tomada a decisão consciente de carregar a cruz, não
poderia haver mais volta. Não se poderia desistir e abandoná-la, voltando a uma
condição anterior. Desistir e abandonar a cruz implica desqualificação quanto à
participação no Reino. Este não seria o procedimento do verdadeiro discípulo. Tal
afirmação se compatibiliza com a condição anterior, “autoavaliar-se”, no sentido de
indicar a ideia: pense, reflita e tome a decisão consciente, para depois não “olhar para
traz” e perder a possibilidade de entrada no Reino (cf. Lc 9,62).
O segundo aspecto, segundo Lc 9,23, refere-se ao “dia a dia”. Não é de esperar
que alguém, discípulo e seguidor de Jesus, deva aguardar uma pena que o leve
literalmente à morte na cruz e, inclusive, tenha que carregar nos ombros o madeiro
até o lugar da crucificação.62
Tal como pode ser observado em Mt 10,38; Mc 8,34; Lc 14,27, a expressão
“carregar a cruz” apresenta o sentido de renúncia, autonegação63 e seguimento que
59 “A condenação por morte de cruz era conhecida por João e por aqueles que ali viviam, e um
sentimento nauseante deve ter invadido o coração dos que amavam o Mestre. A morte pela
crucificação era algo que atemorizava os que dela tinham conhecimento” (HENRIQUES, Paulo. O
segredo da cruz. Aparecida: Ed. Santuário, 2004, p. 9).
60 WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Santo André: Geográfica, 2001, vol. I, p. 147.
61 Ibidem, p. 369.
62 Cf. KUHN, H. W., stauro,j, in SCHNEIDER, Gerhard; BALZ, Horst. Diccionario Exegétivo del Nuevo
Testamento. Salamanca: Sígueme, 1998, vol. II, p. 1.481.
63 “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue.” Assim como Pedro disse com relação a Cristo:
‘Não conheço esse homem’, deverá o discípulo dizer em relação a si mesmo. A autonegação jamais
pode consistir de uma série, por longa que seja, de atos isolados de automartírio ou de exercícios
ascéticos; autonegação não é suicídio, porque ainda aí a vontade do homem pode impor-se. A
113
configura um discípulo de Jesus. Esta ideia fica ainda mais clara quando se observa
em paralelo o relato lucano, que apresenta a dinâmica de segui-lo “cada dia” (Lc 9,23).
O comportamento esperado por aquele que assume esta cruz, de forma
espontânea, é o de alguém que se identifica cotidianamente com Cristo na vergonha,
no sofrimento e na entrega à vontade de Deus. Espera-se morte para si mesmo, para
os planos pessoais e ambições, e se colocar totalmente disponível para lhe servir
conforme a direção apontada pelo próprio Deus.64
É desta mesma forma que Ladd coloca a questão, dando ênfase às entrelinhas
ao processo que se desenvolve no dia a dia de quem assume a cruz:
Tomar sobre si a cruz não significa assumir fardos. A cruz não é um fardo, mas um instrumento
de morte. Tomar sobre si a cruz significa a morte do eu, do propósito pessoal e centralizado no
ego. Em lugar de uma realização pessoal, ainda que esta possa ser altruísta e nobre, o
indivíduo deve desejar tão somente o domínio de Deus. O destino do homem repousa sobre
esta decisão. Quando o indivíduo faz esta decisão radical de negar e mortificar o seu próprio
ser, quando, consequentemente, considera sua própria vida como perdida, ele tem a promessa
do Filho do homem de que no dia da parusia será recompensado por aquilo que fez.65
O terceiro aspecto sob o qual deve ser olhada a expressão “carregar a cruz”
está ligado à questão da missão do discípulo. A cruz é a prova suprema da fidelidade
de Jesus. Carregar a cruz, segundo Jesus indica, só faz sentido se expressar
fidelidade a uma missão. Tomar a cruz indica diretamente seguir Jesus, sendo fiel a
ele. Dessa forma, fica mais fácil entender que, quando ele indicava tomar a cruz, dizia
que era necessário segui-lo e abraçar sua causa. É neste sentido que Galilea resume
esta realidade:
Mas a cruz tem um significado especial para os sofredores, os oprimidos. Para eles, a
mensagem da crucificação é que Jesus nos ensina a sofrer e morrer de uma forma diferente,
não é à maneira de desânimo, mas na fidelidade a uma causa cheio de esperança. “Quem não
carrega sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo” (Lc 14,27), que Jesus disse.
autonegação consiste em conhecer apenas a Cristo, e não mais a si próprio” […] “ ‘… tome a sua
cruz’. Jesus, na sua graça, preparou os discípulos para o impacto destas palavras, ministrando-lhes
antes o ensino da autonegação. Só após termos esquecido real e totalmente a nós próprios,
somente após não nos conhecermos mais a nós mesmos, é que poderemos estar prontos a levar a
cruz por amor a ele” (BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 43).
64 WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo. Santo André: Geográfica, 2001, vol. I, p. 301.
65 LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Exodus, 1997, p. 124.
114
Não é o suficiente carregar a cruz; a novidade cristã é carregá-la como Cristo (segui-lo). “Leva
a cruz” não é então uma aceitação estoica, mas a atitude que leva ao fim do compromisso.66
Carregar a cruz quer dizer enfrentar a morte violenta, ao exemplo de Jesus e por fidelidade a
ele. Estas situações-limite se tornam reais em tempo de perseguição. Mas quem quer seguir a
Jesus deve levar em conta também este risco.69
A cruz não é desventura nem pesado destino; é o sofrimento que advém em resultado da união
com Cristo. A cruz não é sofrimento ocasional, mas sofrimento necessário. A cruz não é
sofrimento relacionado com a existência natural, mas sofrimento relacionado com o fato de
pertencermos a Cristo. A cruz não é essencialmente sofrimento apenas, mas sim sofrimento e
rejeição; rejeição no sentido rigoroso, rejeição por amor de Jesus Cristo, e não em
consequência de qualquer outra atitude ou confissão. 73
Vilela74 afirma que a cruz passa a ser a marca e o sinal do cristão e que o
discípulo, a exemplo do Mestre, deve tomar a sua própria cruz.
71 “Tomar a cruz consiste em aceitar as consequências da opção pelo Reino. Haverá sempre um preço
a ser pago por quem adere, inteiramente, ao querer de Deus. Portanto, é inapto para o discipulado
quem está apegado a suas comodidades e não está disposto a enfrentar as durezas de uma vida
que vai à contramão do mundo” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do
Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 291).
72 CARTER, Warren. O evangelho de São Mateus. São Paulo: Paulus, 2002, p. 434-435.
73 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 44.
74 VILELA, Magno. Signo Domini: o sinal da cruz, marca cristã. Revista de Catequese, ano 23, n. 89,
p. 5-18, apud LUCIANO, Cezar; FERNANDES, Ernandes. O sentido da cruz no evangelho de João,
p. 26.
116
75 “A cruz, dentro do mistério cristão, sofre uma transformação. De instrumento de suplício e morte
passa a ser sinal de salvação, de manifestação de ignomínia passa a ser motivo de glória. Jesus se
faz escravo e é crucificado para libertar a todos da escravidão” (LUCIANO, Cezar; FERNANDES,
Ernandes. O sentido da cruz no evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 26).
76 “O gesto de traçar a cruz sobre o corpo é sinal que revela a identidade de ser cristão. Esse sinal
desperta o seu sentido simbólico, pois não se trata unicamente de uma experiência comprovável ou
de um gesto visível, mas revela um significado profundo que não conseguimos expressar
totalmente. Por mais que sejam usados gestos ou outra forma de explicação do que isso significa
para o cristão, ficamos sempre devedores, pois o símbolo não se explica, mas nos motiva a
experiências inauditas ou que não conseguimos expressar no seu todo. A cruz assume, portanto,
um significado exemplar de um símbolo que consegue se manter expressivo, mesmo em meio a
tantas transformações pelas quais a humanidade tem passado” (FRANÇA, Agda. A cruz em Paulo.
São Paulo: Paulinas, 2010, p. 41). “A cruz é o símbolo mais importante do cristianismo. Fazer o sinal
da cruz em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma boa síntese do cristianismo”
(BLÁZQUEZ VICENTE, Francisco Javier; GARCÍA, Dionisio Borobio; GARCÍA, Bonifacio Fernández
[eds.]. La cruz: manifestación de un misterio. Salamanca: Publicaciones Universidad Pontificia,
2007, p. 2). Tradução nossa do espanhol: “La cruz es el símbolo más importante del cristianismo.
Hacer la señal de la cruz en el nombre del Padre, del Hijo y del Espíritu Santo es una buena síntesis
del cristianismo”.
77 “O chamado acontece no contexto da vida. Jesus passava pelo lugar onde estava a banca de coleta
de impostos. Mateus estava no seu local de trabalho. A vocação não se dá em ambientes
classificados como religiosos, considerados espaço de encontro com Deus. Em outras palavras, a
experiência de encontro com o Mestre e de chamada realiza-se em ambientes profanos” (VITÓRIO,
Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discipulado cristão no evangelho diário. São Paulo:
Paulinas, 2010, p. 227).
78 “Na escola de Jesus, não são os discípulos que escolhem o mestre com base em critérios
preestabelecidos, mas é Jesus quem toma a iniciativa e, agindo de profética, escolhe seus
discípulos. Tudo parte de um encontro e de uma palavra autorizada, eficaz e criativa de Jesus:
‘Segue-me’. Essa palavra expressa sua vontade eletiva em relação à pessoa chamada. Por meio
de Jesus, Deus intervém na vida das pessoas. É Deus que procura o ser humano nas coordenadas
do tempo e da história” (FERNANDEZ, B. Seguir a Jesús, el Cristo, p. 126-127, apud
BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus, p. 44). “Segue-me! O chamado de Mateus (cf.
117
implicam a forma de chamado aqui em estudo, mas que poderiam ser consideradas
como modos diferentes de chamado. O detalhamento com relação a esta questão é
oferecido por Calavecchio.83
Como destaca Bombonatto, outro elemento importante, base para esta análise,
refere-se às fases que podem ser identificadas na forma como, predominantemente,
acontecia o chamado por parte de Jesus. Estas indicam onde, como o mesmo
acontecia, bem como qual era a postura de Jesus e daqueles que eram alvo do
chamado.84
De qualquer forma, ao chamado ao discipulado, cada cristão deve responder
de forma consciente, decidida e permanente, dia a dia, cada um em seu contexto de
vida. A resposta variará segundo a realidade de cada um, ou seja, dependerá do tipo
de função, da cultura, do temperamento, da saúde, das circunstâncias sociais etc. No
entanto, cada cristão deveria estar consciente de sua responsabilidade e buscar, em
83 “É interessante notar que, enquanto os discípulos são chamados a ‘deixar tudo’ (cf. Lc 11,28; 14,33;
18,22.28) e andar no meio do povo na condição de pobres (cf. Lc 9,3; 10,4), as mulheres neste
trecho seguem-no usando os seus bens para servir às necessidades do grupo. Há também outras
pessoas que aderem a Jesus, mas sem andar com ele de lugar em lugar. Alguns destes são
avisados a dar tudo que possuem aos pobres (cf. Lc 11,41); outros guardam uma parte para
administrar em favor dos necessitados ou fazem reparação por desonestidades cometidas no
processo de adquirir o ‘dinheiro iníquo’ (cf. Lc 16,11; 19,8). Assim, no decorrer do seu evangelho,
São Lucas está nos instruindo a respeito das várias possibilidades de viver a primeira bem-
aventurança dentro do movimento de Jesus” (CALAVECCHIO, Ronaldo l. Jesus e a comunidade do
Reino no evangelho de São Lucas. São Paulo: Loyola, 2013, p. 13).
84 “a) O encontro com os futuros discípulos (cf. Mt 4,18; 9,9). Jesus caminha junto ao mar da Galileia,
fronteira marítima com os povos gentios. Encontra os futuros discípulos no espaço de sua realidade
cotidiana. Simão e seu irmão André estão pescando. Tiago e seu irmão João consertam as redes.
A expressão ‘Jesus viu’ mostra que é Jesus quem toma a iniciativa do encontro. Os futuros
convidados não conhecem Jesus e não sabem o que lhes vai acontecer. Deixam suas ocupações
profissionais e o pai e seguem Jesus. b) O chamado propriamente dito (cf. Mt 4,19; 9,9). O convite
de Jesus é expresso em forma de ordem que exige obediência incondicional: “Vinde após mim”. O
caráter imperativo mostra que, por um lado, Jesus fala com a autoridade de quem está habilitado a
dispor sobre a vida do homem; por outro, essa palavra soberana introduz o homem na condição de
discípulo, sem levar em conta sua capacidade ou sua piedade. c) A resposta dos que são chamados
(cf. Mt 4,20; 9,9). A resposta caracteriza-se desde o início por sua prontidão. Os convocados
abandonam imediatamente as redes ou o barco com o pai, seu oficio ou a coleta de impostos. Tal
renúncia ao mundo profissional e familiar indica a ruptura radical que se efetua na vida daquele que
foi chamado. As condições anteriores da vida são subvertidas pela nova obediência. Os três
aspectos do chamado, o encontro com os futuros discípulos, o chamado propriamente dito e a
resposta dos que são chamados revelam que só a autoridade de Cristo permitem aceder à condição
de discípulo, e que a entrada no seguimento acarreta consequências: a vida inteira é reinventada
por Jesus e, por esse mesmo fato, transformada” (MATEOS, J.; CAMACHO, F. O evangelho de
Mateus, p. 51, apud BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus, p. 62-63).
119
85 “Os discípulos são convidados a viver as exigências do plano divino e empreender com coragem o
caminho da cruz. Assim, eles estão glorificando a Deus através de uma atitude de adoração contínua
de sua presença misteriosa em pessoas, eventos e coisas” (MATAS GARCIA, M. Ascensión. La
obediencia como consejo evangélico en la vida consagrada [Obedience as an evangelical counsel
in consecrated life]. Veritas, Valparaiso, 2010, vol. 29, p. 229).
86 GALILEA, Segundo. El seguimiento de Cristo. Bogotá: San Pablo, 1978, p. 18.
87 “‘Quando ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: Segue-me! Ele se
levantou e o seguiu’ (cf. Mc 2,14). Soa o chamado, e imediatamente segue o ato obediente daquele
que fora chamado. A resposta do discípulo não é uma confissão da fé em Jesus, mas sim um ato
de obediência. Como é possível essa sequência imediata de chamado e obediência? […] para esta
sequência de chamado e ação só existe uma razão válida: Jesus Cristo. É ele quem chama e por
isso o publicano o segue. Neste encontro é testemunhada a autoridade de Jesus sem reservas,
imediata e sem explicações. Nada o precede e nada lhe segue, senão a obediência daquele que foi
chamado” (BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 20).
88 MESTERS, Carlos; LOPES, Mercedes. O avesso é o lado certo: círculos bíblicos sobre o evangelho
de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 81.
89 “Ser discípulo significa dar determinados passos. Logo, o primeiro passo que segue ao chamado
separa o discípulo da sua existência anterior. Assim, o chamado ao discipulado cria imediatamente
uma nova situação. Permanecer na situação antiga e ser discípulo é impossível” (BONHOEFFER,
Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 23). “O discipulado tem origem num
imperativo do Mestre: ‘Segue-me!’, sem a possibilidade de questionar. Só existem duas respostas
possíveis: acolhê-lo ou recusá-lo, sem meio-termo. A acolhida do chamado processa uma ruptura
na vida do discípulo. Mateus levantou-se e seguiu Jesus. Ficaram para trás os projetos pessoais,
trabalho, família e amigos. Tem início, então, um momento novo na vida do discípulo” (VITÓRIO,
Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discipulado cristão no evangelho diário. São Paulo:
Paulinas, 2010, p. 227).
120
dos ouvintes90 que eram convidados por Jesus para segui-lo. Blanco oferece detalhes
sobre as características do seguimento no Antigo Testamento, destacando, porém,
que a imagem do seguimento neste apresenta algumas dificuldades, quando
comparadas com a imagem existente nos dias de Jesus.91
O segundo elemento se refere às definições primárias que caracterizem o que
significa seguir e seguimento. Há inúmeras definições que foram sendo formuladas
com relação à ideia de “seguir”. Cada uma delas trazia consigo implicações
peculiares. Quanto ao significado e sentido real, seguir é acompanhar, ir após, andar
atrás de, ser precedido, caminhar na retaguarda. Num sentido figurado, seguir é
sujeitar-se, submeter-se, obedecer, atender, aderir, depender, continuar, viver em
harmonia com alguém.
Como base inicial, pode-se citar que, conforme Sobrino, nos textos bíblicos, os
evangelistas concordam em expressar a ideia de seguimento como uma relação
pessoal e profunda de Jesus com seus seguidores.92 Vidal qualifica o seguimento
como uma existência cristã baseada numa nova realidade dinâmica que se expressa
como resposta ao chamado de Deus.93 Merece destaque também a avaliação feita
por Mazzeo, que afirma haver nos evangelhos seis tipos de textos que se referem ao
seguimento.94
multidões (cf. Mc 2,14-15; 15,41 e par.). 2) Textos nos quais o seguimento é empregado no sentido
de acreditar (cf. Jo 8,12; 10,4). 3) Textos em que seguir significa participar da mesma sorte do
Mestre (cf. Jo 12,26; 13,36.37; 21,19-22.89; Lc 14,27 e par., Mc 8,24b e par.). 4) Textos nos quais
o seguimento indica o dever do discípulo de seguir as pegadas do mestre (cf. Lc 14,27 e par.; Mc
8,24b e par; 9,59 e par; 9,61). 5) Textos nos quais o seguimento é sinônimo de discipulado,
frequentemente nos sinóticos (cf. Mc 1,17 e par; 1,18 e 20 e par; 2,14 e par; 10,28 e par; Mt 19,28;
Lc 5,11; 9,57 e par.; 9,59; 9,61). 6) Textos nos quais Jesus é proposto explicitamente como modelo
ético (cf. 1Pd 2,21). De acordo com o testemunho dos autores do Novo Testamento, especialmente
dos evangelhos, podemos dizer que a expressão ‘seguir’ ou ‘ir atrás de’ tem, pelo menos, três
significados diferentes: primeiro, seguir fisicamente Jesus ou outra pessoa; segundo, seguir físico
unido à vinculação espiritual à pessoa de Jesus: o seguidor acompanha permanentemente Jesus,
adere à sua causa e participa de seu destino; terceiro, seguir simbólico: superada a fase inicial da
itinerância de Jesus e de seus discípulos, o termo adquire uma densidade própria e um valor
simbólico e converte-se em expressão de conduta cristã” (cf. MAZZEO, M. La sequela di Cristo nel
libro dell’Apocalisse, p. 72, apud BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus, p. 35.)
95 GALILEA, Segundo. El seguimiento de Cristo. Bogotá: San Pablo, 1978, p. 1.
96 Ibidem, p. 2.
97 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 147.
122
Jesus não oculta a violência que há que fazer a si mesmo para segui-lo (cf. Lc 16,16),
já que o caminho a ser seguido é necessariamente marcado pela cruz.
Nesse sentido é que se deve entender que ser discípulo não pode se
caracterizar primeiramente por simples entusiasmo e zelo, mas sim por um
compromisso firme e corajosa determinação de testemunhar o Reino baseado numa
experiência do divino. Se requer dos discípulos que mantenham sua prontidão para
lutas, até mesmo a morte, por causa de sua fé.98
O radicalismo cristão no seguimento de Jesus pode levar a conflitos e tensões,
reação natural do mundo devido a um comportamento de fidelidade absoluta ao
evangelho (cf. Mt 10,22-25; 10,34-35; Jo 15,19-21; 16,1-2). Por causa de Cristo,
aquele que o segue será objeto de ódio e de divisão.99
João Paulo II afirma que, em termos gerais, se pode afirmar que seguir a Jesus
Cristo é ser chamado pessoalmente por ele (vocação), para viver com ele e com seus
seguidores (comunhão), vivendo com ele (consagração) e perpetuando o mesmo que
ele fez (missão). Este gênero de vida é considerado o modo mais radical de viver o
evangelho nesta terra e que pode ser qualificado de divino .100
Seguir a Jesus é seguir seus passos e sua maneira de viver. Isto firma em cada
um o espírito de seguidores. Além disso, a busca em imitá-lo101 leva a participar de
um processo de transformação onde se evidencia a necessidade contínua de
98 MUDERHWA, B. Vincent. The Blind Man of John 9 as a Paradigmatic Figure of the Disciple in the
Fourth Gospel. Herv. teol. stud., Cape Town, vol. 68, p. 156-166 (p. 166), 2012.
99 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo:
Hagnos, 2002, vol. II, p. 33-34.
100 JOÃO PAULO II. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata. São Paulo: Paulinas, 1996, cap.
III, n. 72.
101 “Se estamos em Cristo, então é natural que busquemos em sua vida e obra o exemplo de nossa
conduta e o motivo de nossas atitudes. Pedro diz que Cristo nos deixou um exemplo para que lhe
sigamos as pisadas (cf. 1Pd 2,21). Paulo nos manda que imitemos a ele e ao Senhor (cf. 1Ts 1,6;
2,14; 1Cor 11,1) e João deixa Jesus dizer: Eu vos dei o exemplo para que vós também façais como
eu fiz (cf. Jo 13,15). O sentido dessa Imitatio Christi é simples: o cristão deve comportar-se em sua
situação existencial semelhantemente como Cristo se comportou na sua” (BOFF, Leonardo. O
destino do homem e do mundo. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 158). “Outra categoria empregada, ao
longo da história, para expressar a dinâmica da vida cristã é a da imitação. Trata-se de um conceito
complexo e pouco comum no Antigo Testamento. Nos escritos do Novo Testamento, é o apóstolo
Paulo, que não conheceu o Jesus histórico e que está situado na cultura greco-romana, quem
desenvolve, de modo particular, a relação com Cristo a partir da imitação” (cf. ADNES, P. Sequela
e imitazione di Cristo nella Scrittura e nella Tradizione, p. 103, apud BOMBONATTO, Vera Ivanise.
Seguimento de Jesus, p. 36). “Em que consiste seguir Jesus? Consiste em ter diante de si, a cada
instante, o modo de proceder do Mestre. Escutar suas palavras e contemplar suas ações e, tendo-
as assimilado, deixá-las permear o modo de ser e de agir. O passo seguinte consistirá em
transformá-las em ação, através de gestos e palavras que encarnem o modo de proceder do Mestre”
(VITÓRIO, Jaldemir. Dia a dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São
Paulo: Paulinas, 2012, p. 162).
123
102 SANTOS, Leandro dos. O encontro com Jesus Cristo: exigência para o discipulado. Dissertação de
mestrado em Teologia, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo,
2014, p. 34-35.
103 Ibidem, p. 34.
104 Ibidem, p. 35.
105 Ibidem, p. 37.
106 CEBI. Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulus, 1999, p. 52-53.
107 LIMA, Marcos de. Seguir Jesus. São Paulo: Loyola, 1994, p. 37.
108 GOURGUES, Michel. As parábolas de Lucas. São Paulo: Loyola, 2005, p. 103. “Tome a Cruz cada
dia: explicitação de Lucas para destacar as consequências que o ‘seguimento’ de Jesus deve ter na
vida prática do discípulo” (LANCELLOTTI, Boccali. Comentário ao evangelho de Lucas. Petrópolis:
Vozes, 1983, p. 112). “O seguimento de Jesus não tem limite de tempo, não é o início de uma
124
carreira, mas é uma entrega total e permanente. Exige uma resposta pessoal dada no tempo, mas
que tem uma dimensão de eternidade, da eternidade de Deus, para o qual o passado, o presente e
o futuro são um só e único momento” (cf. FERNANDEZ, B. Seguir a Jesús, el Cristo, p. 135, apud
BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus, p. 45). “O discípulo de Jesus não tem como
objetivo tornar-se intérprete perito e especialista da Lei por meio de um estudo sistemático, mas é
chamado a deixar-se formar e plasmar por ele, seguindo os seus passos. Participa das
preocupações cotidianas do mestre e usufrui sua intimidade. Recebe os conteúdos para a pregação
de forma não sistematizada” (cf. SCHULZ, A. Discípulos do Senhor, p. 23-29, apud BOMBONATTO,
Vera Ivanise. Seguimento de Jesus, p. 45). “Tratava-se de se pôr no seguimento do Mestre e
aprender no dia a dia as exigências da fidelidade ao Pai e a seu Reino” (VITÓRIO, Jaldemir. Dia a
dia nos passos de Jesus: discípulo do Reino guiado pelo Espírito. São Paulo: Paulinas, 2012, p.
168). “As palavras ‘cada dia’ são de Lucas mesmo, completando o que ele encontrou em Marcos,
que ele está usando como fonte da sua obra (ver Mc 8,34). Exprimem a insistência lucana de que o
seguimento de Jesus tem de acontecer dentro da nossa realidade familiar, econômica e social, com
todos os desafios e todas as tentações que esta apresenta à nossa fidelidade, diariamente”
(CALAVECCHIO, Ronaldo l. Jesus e a comunidade do Reino no evangelho de São Lucas. São
Paulo: Loyola, 2013, p. 62).
109 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 24.
110 FONSECA, Adolfo M. Castano. Discipulado e missão no evangelho de Mateus. São Paulo: Paulinas,
2007, p. 31.
111 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 21.
112 RETAMALES, Santiago Silva; GUIJARRO, Santiago Oporto; AGUIRRE, Rafael. Kerygma,
discipulado e missão: perspectivas atuais. São Paulo: Paulus, 2007, p. 55.
113 FONSECA, Adolfo M. Castano. Discipulado e missão no evangelho de Mateus. São Paulo: Paulinas,
2007, p. 37.
125
114 RETAMALES, Santiago Silva. Discípulo de Jesus e discipulado segundo a obra de São Lucas. São
Paulo: Paulinas, 2005, p. 30-31.
115 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 22-23.
116 RETAMALES, Santiago Silva. Discípulo de Jesus e discipulado segundo a obra de São Lucas. São
Paulo: Paulinas, 2005, p. 30-31.
117 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 22-23.
118 RETAMALES, Santiago Silva. Discípulo de Jesus e discipulado segundo a obra de São Lucas. São
Paulo: Paulinas, 2005, p. 30-31.
119 Ibidem, p. 52-53.
126
2. A T U AL I Z AÇ Ã O HERMENÊUTICA
120 ARTOLA, Antonio M.; SÁNCHEZ CARO, José Manuel. A Bíblia e Palavra de Deus. São Paulo: Ave-
Maria, 1996, p. 231-232.
121 MOSCONI, Luiz. Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas: para ser discípulo missionário hoje.
São Paulo: Loyola, 2010, p. 131.
122 “Um cristianismo que não vinha tomando o discipulado a sério, que transformara o evangelho no
consolo da graça barata, e para o qual a existência natural e existência cristã estão
inseparavelmente misturadas, tal cristianismo tem que considerar a cruz uma desventura diária,
127
O seguimento de Cristo hoje foi confundido com seguir uma religião. Perdeu-
se a noção de que são coisas diferentes. Passa despercebido que religião é criação
humana decorrente de influências culturais, que origina múltiplos grupos de crentes,
e o seguimento de Cristo não tem essa mesma base.123
Perdeu-se a consciência clara sobre o que significa ser um verdadeiro discípulo
de Cristo. Isto acaba por implicar que, provavelmente, nunca o entendimento da
necessidade de tomar a cruz, carregá-la e seguir Jesus tenha sido tão urgente para
uma geração. A mensagem permanece pertinente. É necessário atribuir prioridade a
Cristo e ao Reino, em detrimento de laços familiares, bens e até a própria vida. E isto
tem peso de “cruz” a ser carregada.
Deve-se considerar, no entanto, a importância do entendimento de que a
proposta hoje não é a do seguimento do Jesus histórico, mas a do Cristo da fé. Hoje,
“todo relacionamento entre Jesus e seus discípulos se desenvolve no horizonte da fé
nele como Senhor”.124 De qualquer forma, segundo o argumento de Bombonatto, sob
a perspectiva da ressurreição há uma ambivalência entre Jesus e o Cristo no
seguimento.125
Seguir o Cristo hoje, na maior parte dos grupos que se denominam cristãos,
passa por modelos de busca de vantagens e favores para um bem-estar puramente
voltado para interesses humanos egoístas.
Importa retomar o conceito da Imitatio Christi, de forma diligente e isenta de
preconceitos, independentemente das visões diferenciadas das religiões, como
uma tribulação e angústia da vida natural. Esqueceu-se de que cruz significa sempre também
rejeição, que o opróbrio do sofrimento é inerente à cruz” (BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São
Leopoldo: Sinodal, 1984, p. 44).
123 “O seguimento de Jesus é uma coisa e a religião, outra. A tradição da Igreja sempre fez a distinção
entre as virtudes ditas teológicas, fé, esperança e caridade, que são dons de Deus, e a virtude de
religião que é virtude natural, formada pelos povos dentro das suas culturas. A religião é uma criação
humana, nascida de um intenso trabalho cultural. O seguimento de Jesus não é produzido por
nenhuma cultura e pode ser vivido em todas as culturas. Neste momento em que se multiplicam os
contatos entre os cristãos e as outras culturas, é importante distinguir entre aquilo que é fundação
de Jesus, seguimento de Jesus, caminho de Jesus, e o que é elaboração cultural a partir de
elementos tirados de outras religiões, por meio de modificações mais ou menos profundas”
(COMBLIN, José. O caminho: ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004, p. 8).
124 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon
Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 44.
125 “Os evangelhos sinóticos escritos na perspectiva da ressurreição apresentam uma ambivalência.
De um lado, narram o desenvolvimento histórico das atividades de Jesus, de outro, transformam o
significado das palavras seguir e discípulo, pronunciadas por Jesus, com o objetivo de torná-las
normativas e correspondentes à realidade concreta também daqueles cristãos aos quais já não é
mais possível seguir o mestre Jesus nas estradas da Palestina” (cf. SCHULZ, A. Discípulos do
Senhor, p. 65-69, apud BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus, p. 50).
128
podem ser observadas nas restrições de Lutero. A esse respeito, ele assume uma
posição radical, apoiado em algumas bases da Reforma Protestante.126
É necessário resgatar o modelo do Cristo sofredor, que assumiu e carregou
sua cruz até o calvário, que olhou para os necessitados, e voltar a fazer dele o
paradigma de comportamento a ser seguido também nos dias de hoje.
Da mesma forma, o imperativo de “carregar a cruz” deve ser trazido de volta
sob a forma da persistência do seguidor de Jesus em atender às condições colocadas
por ele, mesmo diante das aflições peculiares a seu tempo.127 Acima disso, ter bem
claro qual é o grau de obediência que se deve às suas exigências para o
discipulado.128
Sobretudo, é necessário entender a convocação para uma transformação que
permita desenvolver o importante papel de discípulos missionários responsáveis pela
divulgação de um evangelho129 que tem como propósito último levar vida em
abundância para todos os povos.130
É preciso tornar realidade as palavras do Papa João Paulo II, quando diz que
o discípulo de Jesus, chamado por Deus Pai para ser santo e membro de um povo
santo e missionário, proclama com novo ardor o seu Senhor como Messias e Filho de
126 “De um modo geral, a tradição católica cristã tem sido mais uniformemente bem disposta do que o
protestantismo para a ideia da Imitatio Christi. No protestantismo há um nervosismo perceptível
sobre o uso do termo em tudo. Este tem sido particularmente o caso desde a época de Lutero. Sua
antipatia final para o ideal tornou-se a tradição ortodoxa protestante sobre o assunto. Lutero criticou
o ideal da Imitatio Christi, em parte porque foi repelido pelos excessos de algumas das seitas, onde
estava sendo interpretado de uma maneira grosseiramente liberal (por exemplo, entre os
anabatistas) e em parte porque se convencera de que a ‘imitação’ de Cristo entrou em conflito com
a essência do evangelho cristão como ele tinha vindo a interpretá-lo. Ele se viu incapaz de conciliar
os pressupostos da prática da imitação de Cristo com sua doutrina da justificação pela fé. A imitação
de Cristo que ele acreditava inevitavelmente envolve uma negação da graça e esconde uma
incipiente doutrina das obras. Contudo, Lutero deixou um legado mais positivo ao pensamento
cristão sobre a Imitatio Christi. Isso era sua distinção entre Imitatio e Conformitas. Não gostava de
Imitatio porque pensava que sugeria algum esforço moral humano para emular Cristo empreendido
fora da obra do Espírito na graça. Ele preferiu falar de conformistas a Cristo: a vida cristã como um
processo de conformação a Cristo através da obra do Espírito Criador” (TINSLEY, E. J. Some
Principles for Reconstructing a Doctrine of the Imitation of Christ [Alguns princípios para reconstruir
a Doutrina da Imitação de Cristo]. Scottish Journal of Theology, vol. 25, p. 45-57, 1972).
127 WELZEN, Huub. Spiritualiteit in het Lucas evangelie, geschiedenis en bevrijding. Acta theol.,
Bloemfontein, vol. 32, supl. 2, p. 10, 2012.
128 DAUBE, David. Responsibilities of Master and Disciples in the Gospels. New Testament Studies,
Cambridge Univ. Press, vol. 19, p. 1-15, 1972.
129 “Seguir a Cristo significa identificar-se com Ele e anunciar aquilo que Ele anunciou, o Reino de Deus,
que é o sentido absoluto para o nosso mundo, manifestado na Ressurreição de Jesus Cristo. Seguir
a Cristo, pois, é ser testemunha de um sentido absoluto da história, porque o futuro será o Reino e
a morte não existirá mais, nem haverá luto, nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso passou (Ap
21,4)” (BOFF, Leonardo. O destino do homem e do mundo. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 161).
130 SCHERER, Odilo Pedro. Os leigos na vida e na missão da Igreja. Revista Eletrônica Espaço
Teológico, São Paulo, vol. 4, p. 4-7, 2010.
129
Deus. Por isso mesmo, trabalha pela unidade dos cristãos e se empenha com força e
sagacidade evangélicas na transformação da sociedade e na solidariedade com os
pobres e excluídos.131
É preciso seguir Jesus dentro do mundo que vivemos.132
CONCLUSÃO
A exemplo das duas primeiras condições estudadas no capítulo anterior, as
duas avaliadas neste capítulo (autoavaliar-se e carregar a cruz e seguir Jesus)
apresentam elevado grau de exigência nas palavras de Jesus. Elas também apontam
para a impossibilidade de ser seu discípulo, caso estas não sejam atendidas.
É dado grande destaque para a necessidade de haver uma reflexão séria
quanto à disposição pessoal que implique a perseverança na decisão de ser seu
discípulo. A grande importância da segurança nesta decisão se deve ao fato de que
ela implicará carregar a própria cruz e seguir Jesus Cristo, condições estas também
apresentadas para aqueles que almejam ser seus discípulos.
A realidade do verdadeiro discípulo de Jesus Cristo implica um dia a dia
caracterizado pelo carregar de uma cruz que simboliza o conjunto de todas as
dificuldades inerentes à vida cristã autêntica. Neste sentido seu caminho é muito claro,
ou seja, segue os passos do seu Mestre pela vida.
131 JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia in America. São Paulo: Paulinas, 1999,
cap. V, n. 52.
132 MOSCONI, Luiz. Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas: para ser discípulo missionário hoje.
São Paulo: Loyola, 2010, p. 131.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1 MARGUERAT, Daniel (org.). Novo Testamento: História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola,
2009, p. 112.
131
estabelecidas por Jesus para que se possa ser seu discípulo. O texto é redigido de
forma que não apresenta quem pode ser discípulo de Jesus, mas sim quem não pode.
A expressão ouv du,natai ei=nai, mou maqhth,j (“não pode ser meu discípulo”) está presente
nos versículos 26, 27 e 33, finalizando a apresentação de cada condição, como que
atrelando o atendimento às condições ao risco da impossibilidade de ser discípulo.
Esta formulação literária parece querer dar ênfase, de forma bastante direta, ao risco
de não poder desfrutar de tal oportunidade oferecida por Jesus.
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137
AR TI G O S , DI S S E R T AÇ Õ E S E TE S E S
ÍNDICE DE AUTORES
Braun, F. M., 86
A Bravo, Arturo, 57, 60, 68, 96, 97, 98, 135
Aland, Barbara, 133 Bultmann, Rudolf Karl, 75, 85, 104, 135
Balz, Horst, 42, 43, 45, 57, 108, 112, 134 Carter, Warren, 76, 80, 115, 135
Barbaglio, Giuseppe, 80, 134 Casas Ramirez, Juan Alberto, 88, 138
Davidson, Francis, 18, 19, 20, 22, 54, 65, 84, Garcia-Murga, J. R., 120
135 Gargano, Innocenzo, 25, 134
Dias da Silva, Cássio Murilo, 17, 22, 23, 40, Generoso Silva, Nina Solange, 82, 85, 138
133 George, A., 87, 136
Dillmann, Rainer, 60, 135 Giesen, H., 43
Documentos da Igreja, 70, 74, 135 Goodal, Waide L. D., 57, 103, 138
Dodd, C. H., 86 Gorgulho, Gilberto, 102, 136
Draper, Jonathan A., 60, 138 Gourgues, Michel, 104, 123, 136
Duk, Van, 50 Grasser, E., 85
Dupont, Jacques, 99, 135 Grosche, R., 86
Guijarro, Santiago Oporto, 67, 91, 124, 137
E
H
Egger, Wilhelm, 36, 40, 50, 51, 133
Epiteto, 104 Henriques, Paulo, 112, 136
Erickson, Miliard J., 87, 135 Heródoto, 107, 108
Homero, 106
F Hunter, A. M., 102
M R
Ortiz, Juan Carlos, 57, 61, 137 Storniolo, Ivo, 64, 87, 102, 103, 138
Suess, Paulo, 85, 138
P
T
Paroschi, Wilson, 25, 133
Perdue, 67, 68, 69, 72 Tácito, 107
Pimentel, Ivany Dantas, 59, 64, 88, 89, 139 Tavares, Sinivaldo S., 82, 85, 138
V Weiss, J., 85
Welzen, Huub, 85, 128, 140
Valle, João Edênio dos Reis, 83, 84, 138
Werner M., 85
Vidal, S., 120
Wheeler, Charles B., 97, 133
Vilela, Magno, 115
White Jr, Willian, 41, 43, 44, 47, 48, 49, 65, 67,
Vine, W. F., 41, 43, 44, 47, 48, 49, 65, 67, 134
134
Virkler, Henry A., 91, 134
Wiersbe, Warren W., 57, 77, 100, 103, 104,
Vitório, Jaldemir, 58, 59, 61, 62, 70, 73, 75, 81,
110, 112, 113, 138
85, 88, 92, 100, 115, 116, 117, 119, 122,
Wright, 67, 68, 69, 71, 72
123, 124, 138