Caso Clínico 3:
Mulher de setenta anos com dor lombar irradiada ao membro inferior esquerdo
Avaliação inicial
A paciente ligou para o numero do consultório, falou com a rececionista para agendar
tratamento. Adiantou que a sua queixa está relacionada com a região lombar. Foi-lhe pedido
que trouxesse os exames médicos que tivesse.
Chegou cinco minutos antes da hora marcada, preencheu os dados pessoais na ficha clínica e
aguardou sentada na sala de espera.
Anamnese
Dados Pessoais
“Qual o seu nome?” “Eduarda Machado”
“Idade?” “Setenta anos.”
“Onde vive?” “Lisboa.”
“É casada?” “Sim, há quarenta anos. E tenho dois filhos já casados e quatro netos amorosos.”
“Qual a sua profissão?” “Sou proprietária de uma imobiliária.”
“Na sua profissão passa mais horas sentada ou em pé?” “Depende dos dias, tanto posso ter
dias que estou mais no computador, como posso ter outros em que faço visitas aos imoveis.
Nestes passo algum tempo a conduzir e algum tempo em pé. Diria 70% no computador, 30%
em pé.”
“Pratica exercício físico?” “Desde jovem, sempre fiz muito exercício. Atualmente faço
caminhada, quarenta e cinco minutos todos os dias, três vezes por semana faço treino com
personal trainer, e uma vez por semana faço pilates clínico.”
“Como é o seu regime alimentar?” “Sempre prestei muita atenção à alimentação, como de tudo
de forma regrada, sempre acompanhada por nutricionista. A saúde e a linha são assuntos que
de grande importância para mim.”
“Tem tido alterações no seu peso?” “Não, peso os mesmos sessenta e dois quilos há mais de
trinta anos. Nem com a menopausa alterou.”
“Há quanto tempo fez a menopausa?” “Há mais ou menos quinze anos, acompanhada pelo
meu ginecologista.”
“Qual o seu padrão de sono?” “Costumo dormir oito horas por noite, agora desde que tenho
esta dor as noites são mais agitadas porque tenho que encontrar posição antiálgica.”
Caracterização dos sintomas
“Qual é a sua queixa?” “Dor lombar, que me apanha a perna esquerda.”
“Na lombar consegue indicar-me exatamente onde se localiza a dor?” “Na região lombar mais à
esquerda e na região glútea esquerda.”
“Como descreve essa dor? Tipo facada, moinha, queimação?” “Tipo moinha.”
“Que região da perna, pode localizar?” “Na face posterior da coxa.”
“Como descreve a dor? Tipo facada, moinha, queimação?” “Diria que na coxa tipo queimação,
mas é difícil descrever.”
“Disse que a dor irradia até à face posterior da coxa. Nunca desce até ao pé? Até onde é a
irradiação?” “Fica mesmo na coxa, desde a prega glútea e ultimamente já sinto na face lateral
externa do joelho esquerdo.”
“Nota dormências ou falta de força nos membros inferiores?” “Não.”
“Alguma alteração urinária ou no sistema digestivo?” “Não.”
“Há quanto tempo tem esta queixa?” “Há cerca de duas semanas.”
“Como começou esta dor?” “Estava a descer umas escadas, não vi os últimos degraus e caí
em falso com o pé esquerdo. Não cheguei a cair, consegui equilibrar-me, mas senti logo um
desconforto. Quando acordei no dia seguinte já tinha esta dor.”
“Como é que a dor se comporta ao longo do dia?” “Tenho dor de manhã ao acordar, depois fica
só uma moinha. Piora sentada, e com esforços, por exemplo quando carrego a mala pesada
com documentação e o computador.”
“A dor tem melhorado ou piorado com o tempo?” “Tem piorado gradualmente.”
“O que faz para aliviar a dor?” “Em pé geralmente estou bem. Deitada, tenho que encontrar
posição, normalmente em decúbito lateral, e sinto alívio.”
“Na escala de zero a dez, em que zero é sem nenhuma dor e dez a dor mais forte que já
sentiu, como classifica a sua dor?” “Sete.”
“Já fez algum tipo de tratamento para esta dor?” “Fui no dia seguinte à urgência da CUF, tinha
medo que pudesse ser uma hérnia, pois o meu marido teve que ser operado a uma há cerca de
dois anos. Fiz logo uma TAC e o neurocirurgião descartou logo essa hipótese. Mandou fazer
AINS e mio relaxante, alivia, mas assim que passa o efeito da medicação volta o desconforto e
a dor.”
“Mais alguma queixa associada a esta dor? Tem tido outros sintomas?” “Ando mais cansada
porque não durmo como me é habitual. E de mau humor porque o meu escape é o ginásio e
não tenho ido. As caminhadas também não tenho feito, tenho medo que possam piorar esta
dor. Vou só ao pilates, consigo fazer os exercícios, saio um pouco aliviada, mas no dia seguinte
esta tudo igual.”
Antecedentes pessoais
“É a primeira vez que tem este tipo de queixas ou já teve outros episódios anteriormente?”
“Nunca me tinha acontecido antes.”
“Faz alguma medicação diária?” “Faço compensação hormonal receitada pelo ginecologista,
faço suplementação de Vitamina D e tomo um medicamento para a osteoporose.”
“Sofre de alguma patologia? Como diabetes, asma, doença cardiovascular, doenças
autoimunes, doença oncológica, alterações da tiroide, alergias?” “Felizmente tenho sido
sempre saudável.”
“Fraturas, cirurgias, acidentes, quedas aparatosas que tenha tido?” “Tirei alguns sinais para
análise, mas estava tudo bem. De resto não me lembro de nada.”
“Alguma vez esteve hospitalizada?” “Só no nascimento dos meus filhos.”
“Foram parto vaginal ou cesariana?” “Parto normal os dois.”
“Considera-se uma pessoa ansiosa, stressada?” “A minha profissão é às vezes muito
desafiante, é uma área muito competitiva, e por vezes isso traz-me ansiedade.”
“Faz alguma medicação para a ansiedade?” “Não, bebo chá de camomila e vou para o ginásio!”
“A sua pressão arterial como costuma ser?” “Relativamente boa, 130-80. Sou vigiada pelo meu
médico.”
Antecedentes familiares
“Doenças na família?” “O meu pai tinha diabetes e faleceu com cancro no fígado. A minha mãe
está velhinha, mas ainda é autónoma com noventa e cinco anos, queixa-se da coluna, mas a
idade também já é muita.”
Exames complementares de diagnóstico
TAC à coluna lombar feita há quinze dias pelo neurocirurgião da CUF, sem relevância, sem
estenose de canal, buracos de conjugação com calibre mantido, sem protusões de disco.
Densitometria óssea feita há seis meses revela densidade normal.
Hipóteses de diagnóstico
HD1: Espasmo dos músculos bicípite femoral esquerdo com posteriorização do ilíaco esquerdo
e possível rotação esquerda de L5.
“Na lombar consegue indicar-me exatamente onde se localiza a dor?” “Na região lombar mais à
esquerda e na região glútea esquerda.”
“Disse que a dor irradia até à face posterior da coxa. Nunca desce até ao pé? Até onde é a
irradiação?” “Fica mesmo na coxa, desde a prega glútea e ultimamente já sinto na face lateral
externa do joelho esquerdo.”
HD2: Anteriorização do ilíaco esquerdo, dor por estiramento do bicípite femoral à esquerda, e
possível rotação direita de L5.
“Na lombar consegue indicar-me exatamente onde se localiza a dor?” “Na região lombar mais à
esquerda e na região glútea esquerda.”
“Disse que a dor irradia até à face posterior da coxa. Nunca desce até ao pé? Até onde é a
irradiação?” “Fica mesmo na coxa, desde a prega glútea e ultimamente já sinto na face lateral
externa do joelho esquerdo.”
“Como é que a dor se comporta ao longo do dia?” “Tenho dor de manhã ao acordar, depois fica
só uma moinha. Piora sentada, e com esforços, por exemplo quando carrego a mala pesada
com documentação e o computador.”
“O que faz para aliviar a dor?” “Em pé geralmente estou bem. Deitada, tenho eu encontrar
posição, normalmente em decúbito lateral, e sinto alívio.”
HD3: Espasmo músculo piramidal esquerdo e possível posteriorização da hemibase do sacro
homolateral.
“Na lombar consegue indicar-me exatamente onde se localiza a dor?” “Na região lombar mais à
esquerda e na região glútea esquerda.”
“Como descreve essa dor? Tipo facada, moinha, queimação?” “Tipo moinha.”
“Que região da perna, pode localizar?” “Na face posterior da coxa.”
Exame objetivo
Teste em carga, assimetrias:
Fossa de Michaelis esquerda mais apagada que a direita; (justifica HD2)
Prega lombar mais marcada à esquerda;
EIPS esquerda deslocada para cima, para a frente e para fora; (justifica HD2)
EIAS direita mais baixa em relação à esquerda; (justifica HD2)
Linha alba desviada para a direita; (justifica HD2)
Lordose lombar acentuada; (justifica HD2)
Ligeira inclinação do tronco para a esquerda com rotação direita.
Testes de mobilidade:
Mobilidade ativa da coluna lombar: dor na flexão acima dos 45° e logo nos primeiros
graus de extensão; nas rotações dor e restrição na rotação esquerda; dor na inclinação
à direita.
Na mobilidade passiva da coluna lombar: dor na flexão e extensão, movimento livre na
rotação direita e restrição na rotação esquerda; restrição na inclinação à direita.
Teste de mobilidade dos ilíacos: ilíaco esquerdo com restrição da mobilidade no sentido
cefálico por comparação ao ilíaco direito, que apresenta boa mobilidade em ambos
sentidos. (justifica HD2)
Palpação:
Sensibilidade à palpação da articulação sacro ilíaca esquerda;
Sem dor à palpação do músculo piramidal esquerdo;
Palpação do sacro sem restrição na flexão ou extensão;
Dor à palpação do ligamento ilio-lombar esquerdo
Palpação espinhosa de L5 com dor;
Palpação transversas de L5, afunda à esquerda; (justifica HD2)
Palpação músculo quadrado lombar dolorosa à esquerda;
EIPS esquerda deslocada para cima, para a frente e para fora; (justifica HD2)
EIAS direita mais baixa em relação à esquerda. (justifica HD2)
Testes osteopáticos:
Teste de flexão em pé: arrasto à esquerda .
Teste de flexão sentado: sem arrasto. (exclui HD3)
Teste estático/dinâmico/ C2: abaixo de L5
Teste de downing: ilíaco anterior à esquerda. (justifica HD2)
Teste de Thomas: psoas ilíaco encurtado à esquerda.
Teste de piramidal: sem encurtamentos. (exclui HD3)
Teste estiramento do músculo bicípite femoral: com dor ao estiramento à esquerda
acima dos 45°.
Teste estiramento do músculo reto anterior: encurtamento à esquerda. (justifica HD2)
Diagnóstico Osteopático:
Disfunção somática: Anteriorização do ilíaco esquerdo.
Fator etiológico: Por espasmo do músculo reto anterior do quadricípite esquerdo no
movimento repentino para manter o equilíbrio quando pôs o pé em falso.
Fatores de manutenção: Encurtamento dos músculos quadrado lombar e psoas à
esquerda.
Plano de tratamento:
Técnica musculo-energética para o musculo quadrado lombar esquerdo;
Técnica musculo-energética para o músculo psoas esquerdo;
Técnica musculo-energética para o reto anterior esquerdo;
Técnica musculo-energética de Mitchel para ilíaco anterior à direita;
Manipulação ilíaco esquerdo para posterior;
Manipulação de L5 rodada à direita, em lumbaroll.
Reavaliação e prognóstico:
Em carga verifiquei a simetria entre as fossas de Michaellis
Mobilização ativa da coluna lombar e verifiquei que já tem mais amplitude de movimento
na rotação esquerda e menos dor na flexão e extensão
Repetir teste de flexão em pé: sem arrasto
Repetir teste de flexão sentado: sem arrasto
Repetir teste de Thomas ao músculo psoas: sem encurtamento
Repetir Downing: ilíacos sem bloqueio ou restrição de movimento posterior ou anterior
Reavaliar dentro de uma semana com perspetiva de fazer um total de três ou quatro
sessões.
Caso não tenha dor pode voltar a fazer toda a sua atividade física.
Revisão anatomia
A bacia é formada pelos dois ossos ilíacos que se articulam com o sacro.
Os ossos ilíacos, que são dois, são constituídos por três porções: o ílion, o ísquion e o púbis.
Na porção central e espessa, apresenta uma cavidade articular, o acetabulo. Por cima do
acetabulo encontra-se um segmento superior, achatado e largo, o ílion. Por baixo do acetabulo
encontra-se o buraco obturador, adiante do qual se encontra o púbis e atrás do qual está o
ísquion.
O sacro é um osso impar, que se articula em cima com a quinta vértebra lombar, em baixo com
o cóccix e lateralmente com cada um dos ossos ilíacos. É constituído por cinco vertebras
soldadas entre si, tem forma de pirâmide quadrangular, achatada, no sentido ântero-posterior.
A porção mais espessa do osso é superior e a face concava é anterior.
Estes constituem, entre si, as articulações sacroilíacas e ainda, anteriormente, por intermédio
do púbis, a sínfise púbica.
As articulações sacroilíacas são articulações fortes que sustentam peso, formadas por
articulação sinovial anterior entre as faces articulares do sacro e do ílion, cobertas por
cartilagem articular, e uma sindesmose posterior, entre as tuberosidades desses ossos. As
faces articulares desta articulação sinovial têm elevações e depressões irregulares, mas
congruentes que se encaixam. As articulações sacroilíacas diferem da maioria das articulações
sinoviais porque a mobilidade é limitada, por consequência do seu papel na transmissão das
forças de grande parte do corpo para os ossos da bacia. O peso é transferido do esqueleto
axial para os ílions através dos ligamentos sacroilíacos e depois para os fémures, na posição
ereta, e para as tuberosidades isquiáticas na posição sentada. Enquanto é mantida a firme
oposição entre as faces articulares, as articulações sacroilíacas permanecem estáveis. Como
uma pedra fundamental num arco, o sacro esta suspenso entre os ossos ilíacos firmemente
unido a eles pelos ligamentos sacroilíacos anteriores e posteriores.
A última vertebra lombar, L5, caracterizada pelo seu corpo e processos transversos fortes, é a
maior de todas as vertebras móveis. Sustenta o peso de toda a parte superior do corpo para a
base do sacro.
O ligamento iliolombar insere-se no vértice da apófise transversa da quinta vertebra lombar e
na crista ilíaca.
Os ilíacos do ponto de vista da biodinâmica, movimentam-se numa combinação de três planos,
transversal, longitudinal e sagital. Quando faz rotação anterior combina com rotação interna e
abertura (out-flare, afasta as EIPS e encurta o períneo); na rotação posterior combina com
rotação externa e fechamento (in-flare, junta as EIPS e promove abertura do períneo-
fundamental no trabalho de parto).
Os músculos que podem contribuir para a rotação anterior dos ilíacos são em maior numero
que para o movimento oposto.
Enumerando as forças musculares para rotação anterior: quadrado lombar, grande dorsal,
eretor da coluna (ou musculo sacro-ilio-lombar), reto anterior, costureiro, grácil, pectíneo, fibras
anteriores do glúteo, adutores, músculo ilíaco, tensor da fáscia lata e o períneo.
Enumerando as forças musculares para a rotação posterior: semitendinoso, semimembranoso,
bicipete femoral, reto abdominal e quadrado obturador.
Posto isto, há uma maior propensão para a disfunção do ilíaco anterior.
Miologia:
Bicípite femoral, é um músculo alongado que ocupa a região póstero-externa da coxa. A
longa porção tem origem isquiática e pela curta porção de origem femoral. As duas
porções formam, em baixo, um tendão comum que se insere no perónio. É um músculo
bi-articular pois cruza a coxa e o joelho. As suas ações são então a extensão da coxa e
flexão do joelho. É inervado pelo nervo ciático (S1-S3);
Piramidal tem origem na face anterior de S2, S3 e S4, passa pela grande chanfradura
ciática e insere-se no grande trocânter. É um rotador externo da coxa. Inervado por S1
e S2.
Psoas ilíaco é constituído por dois músculos, o psoas e o ilíaco. O músculo psoas
insere-se nos corpos, transversas e discos de D12 a L4. O ilíaco insere-se na fossa
ilíaca. Juntos inserem-se distalmente no pequeno trocânter. Tem como função flexão da
coxa, rotação externa da coxa e inclinação homolateral da coluna vertebral. É inervado
pelo plexo lombar (L1-L3) e nervo femoral (L2-L3).
Quadrado lombar, encontra-se situado de cada lado da coluna lombar. Tem origem na
crista ilíaca e ligamento iliolombar e insere-se na 12º costela e processos transversos
lombares. É constituído por três grupos de feixes, os ilio-costais, os ilio-lombares e os
costo-lombares. A sua função é a flexão lateral da coluna lombar (contração unilateral),
extensão da coluna lombar (contração bilateral) e é um músculo acessório da
respiração auxiliando a expiração. É inervado pelo plexo lombar (L1).