ANÁLISE DO POEMA:
“A UMA SENHORA QUE
ME PEDIU VERSOS”, DE
MACHADO DE ASSIS
Pablo Anderson de Luna Lima
Teoria do Texto Poético 2021.1
Sobre o Autor - Resumo
Joaquim Maria Machado de Assis
(21/06/1839 – 29/09/1908), nascido na
cidade de Rio de Janeiro, foi um
conhecido cronista, contista e escritor,
considerado pioneiro do Realismo
Brasileiro. Ele foi conhecido por obras
como Memórias Póstumas de Brás Cubas,
Quincas Berro d’Água e Dom Casmurro.
Com uma vasta obra de poesias, sonetos
e principalmente contes e crônicas (onde
foi seu maior destaque, escrevendo para
jornais de grande circulação), Machado de
Assis foi um dos fundadores da Academia
Brasileira de Letras, ocupando o cargo de
presidente entre 1897 e 1907, para um
ano depois falecer, vítima de câncer.
Poema – A Uma Senhora Que Me Pediu Versos
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.
Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.
Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.
Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Fatos Sobre o Poema
▪ O poema, em forma de um clássico soneto com dois quartetos e dois tercetos, pertence à
coletânea “Ocidentais”, da obra “Poesias Completas” (escrito em 1901, editado em 1902 –
20 anos depois de Memórias Póstumas de Brás Cubas, sendo “Ocidentais” a única coletânea
escrita depois de 1881).
▪ Apesar da vasta coletânea de poesias, Machado não ficou tão conhecido por elas como por
seus contos e livros.
▪ Traços marcantes do escritor na fase realista: Ironia, jogos de palavras, construção de
cenários românticos para posterior desconstrução com poucas palavras ou frases,
banalização de elementos românticos para a realidade.
▪ O poema em si revela a sequidão do Eu lírico (que pode-se pensar ser o próprio Machado), e
da ressalva que faz em criar versos para uma certa senhora, por não ser aquilo que ela
esperava (provavelmente versos românticos e cheios de sentimentos).
Análise Interpretativa
▪ Na primeira estrofe, o Eu lírico
aparentemente faz um gesto singelo e
elogioso para a senhora, na sua
explicação do porquê os seus versos
poderiam não ser aquilo que ela
desejava.
▪ Ele cria um cenário, onde a senhora em
questão está cheia de bons sentimentos
e boas intenções.
▪ Por isso, o Eu lírico diz que a própria
personalidade da senhora é mais cheia
de vida do que os seus versos poderiam
passar, criando uma certa ironia.
Análise Interpretativa
▪ A segunda estrofe é interessante, pois é
possível comparar o processo de
envelhecimento do Eu lírico com a
divisão de fases literárias do próprio
autor.
▪ As duas primeiras linhas falam sobre as
ações de um rapaz jovem, cheio de
sentimentos e ilusões (fase romântica).
▪ Já as duas últimas falam sobre o estado
de espírito (bem como o cinismo) de um
homem envelhecido, que já passou por
muita coisa em sua vida e não possui
mais belos sentimentos a oferecer.
Análise Interpretativa
▪ A terceira estrofe traz uma ironia um
tanto sutil, ao mesmo tempo que brutal.
▪ Ao mesmo tempo em que o Eu lírico
“elogia” sarcasticamente a senhora,
criticando a sua própria alma já
“ressequida”, ele na verdade, desfaz do
pedido da mulher.
▪ O real sentido deste terceto poderia ser
resumido por “eu não tenho tempo pra
você e nem tenho tanto tempo livre
como você”.
Análise Interpretativa
▪ O último terceto do soneto dá a cartada
final sobre o que o Eu lírico realmente
pensou dessa solicitação para a
realização de versos.
▪ Utiliza-se do sol e da lua, astros
utilizados em abundância em obras
românticas, para um desfecho
debochado.
▪ É como se o Eu lírico dissesse que
versos românticos não eram para ele. E
que provavelmente, a senhora deveria
procurar outra pessoa para conseguir o
que quer.
Análise Técnica – Versos e Métrica
▪ Soneto clássico – 14 versos – dois quartetos iniciais e
dois tercetos finais.
▪ Os versos são regulares e simétricos.
▪ Entretanto, é necessário notar que, nos versos ímpares,
existem 7 sílabas poéticas e nos versos pares, 4 sílabas
poéticas, o que causa uma polimetria.
“Pen – sa em – ti – mes – ma a – cha – rás
Me – lhor – poe – si(a),
Vi – ve – za, – gra – ça, a – le – gri(a),
Do – çu – ra e – paz.”
Análise Técnica - Rimas
▪ Esquema de rimas externas: A-B-B-A / B-A-A-B / C-D-E
/ C-D-E.
▪ Rima A (-as): Interpolada no Quarteto 1 e emparelhada
no Quarteto 2.
▪ Rima B (-ia): Emparelhada no Quarteto 1 e interpolada no
Quarteto 2.
▪ Rima C (-uas): Alterna-se com as rimas D e E, sempre no
primeiro verso de cada terceto.
▪ Rima D (-ez/-es na releitura moderna): Alterna-se com as
rimas C e E, sempre no segundo verso de cada terceto.
▪ Rima E (-idas): Alterna-se com as rimas C e D, sempre no
terceiro verso de cada terceto.
▪ Rima B é toante. Rimas A, C, D e E são consoantes.
Análise Técnica - Rimas
▪ Critério gramatical: Rimas A, C, D e E são ricas. Rimas B
(substantivos) são pobres.
▪ Critério fônico: Rimas pobres – começam a partir da
vogal tônica.
▪ Rimas A e D são agudas. Rimas B, C e E são graves.
Análise Técnica – Figuras de Efeito Sonoro
▪ Repetição dos fonemas /S/ e /Z/ - Aliteração.
▪ Enquanto o fonema /S/ quer ressaltar e potencializar
algo, o som /Z/ deseja suavizar, dando um sentido
especial tanto em versos como “Melhor poesia”, “Quando
rapaz”, como em versos como “Uma só das horas tuas” e
“Os sóis(soes) e as luas”.
▪ Às vezes, uma palavra é ressaltada e outra é suavizada
ao mesmo tempo, para dar mais atenção a um
determinado sentido e minimizar outro.
▪ Repetições dos fonemas /I/ e /A/ - Assonância.
▪ Às vezes /I/ e /A/ se mostram juntos, às vezes
separados por poucas letras, passando nesse contexto,
um som que começa em tom alto e termina em tom
baixo, o que ressalta talvez descida, desgaste ou
decadência.
Análise Técnica – Nível Lexical
▪ Um número grande de substantivos, retratados de forma
positiva (poesia, viveza, alegria, flores, sóis, luas), para
construção de um cenário aparentemente romântico.
▪ Poucas palavras, como o substantivo “melancolia” e o
adjetivo “ressequidas”, que carregam um valor negativo,
porém fazem toda a diferença dentro da construção
poética e praticamente destroem o dito cenário inicial.
▪ O verbo “dar” está retratado no passado e no presente,
na segunda estrofe, o que indica transição do Eu lírico,
dos sentimentos idealistas para os realistas.
▪ Os verbos “pensar”, “achar” e “valer”, remetidos à tal
senhora com quem o Eu lírico fala, remetem a ações ou
coisas que ela deveria fazer, no imperativo, no futuro e
no presente, respectivamente.
▪ O verbo “fez”, remetido a um ser abstrato “Deus”, remete
a um ato inexorável, imutável e inalcançável ao Eu lírico.
Análise Técnica – Nível Sintático
▪ Cada estrofe é um período completo, sejam eles
compostos e separados por vírgulas, como nos dois
primeiros quartetos, ou simples, apenas com o ponto no
fim de cada um deles.
▪ Cada estrofe tem um sentido completo e poderiam ser
independentes.
▪ Entretanto, existe um encadeamento de ideias dentro de
estrofes, onde o último verso (e a maioria dos versos
pares) de cada uma cria uma tensão, até completar o
sentido geral de cada parte.
▪ A ausência de interrogações e exclamações passa uma
constância, uma monotonia, uma ideia de um Eu lírico
que não se surpreende ou estranha com as coisas da
vida, ou que está “ressequido” demais para se importar,
principalmente com o fato corriqueiro de uma senhora
pedindo versos a ele.
Análise Técnica – Nível Semântico
▪ Sinestesia: “Pensa em ti mesma, acharás / Melhor
poesia,” onde é possível “sentir a poesia”, ao invés de ler
e ver a mesma, associando ao tato algo que geralmente
seria feito pela visão (além do fato da palavra “poesia”
poder ser interpretada em sentido conotativo).
▪ Metonímia: A palavra “poesia”, na primeira estrofe, pode
remeter à beleza. Poesias românticas contém uma
beleza (o que não é o caso desta).
▪ Antítese: A segunda estrofe inteira confronta as duas
frases iniciais com as duas finais, onde as ideias do Eu
lírico jovem e sua versão atual entram em embate. Isso
acontece também na terceira estrofe, onde o tempo para
a senhora é diferente do tempo de pessoas como o Eu
lírico.
▪ Ironia: Eivada por todo o poema, encerrando-se nos
tercetos finais. Na última estrofe, apesar do sol (e da lua)
nascer para todos, o Eu lírico não sente que essa é sua
realidade (que refletiria um aspecto romântico).
Versão Reduzida do Poema (Segundo Eu Mesmo)
Sem tempo,
irmã.
Referências
▪ ASSIS, Machado de. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Livraria Garnier Irmãos, 1902.
▪ BRASIL ESCOLA. Machado de Assis. Disponível em:
<https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/resumos-de-livros/machado-
assis.htm#:~:text=Machado%20de%20Assis%20tornou%2Dse,Jac%C3%B3%20e%20Memo
rial%20de%20Aires>. Acesso em: 30 nov. 2021.
▪ MALAVOGLIA, Flávio. Machado de Assis: A uma senhora que me pediu versos. Rádio Cultura
FM, 2015. Disponível em: <http://culturafm.cmais.com.br/radiometropolis/lavra/machado-
de-assis-a-uma-senhora-que-me-pediu-versos>. Acesso em: 30 nov. 2021.