História Dos Povos Indígenas e Afrodescendentes
História Dos Povos Indígenas e Afrodescendentes
Introdução
Quando os portugueses chegaram ao que hoje se conhece como Brasil, não encontraram o ouro e a prata tão sonhados
no Velho Continente, nem reinos perdidos habitados por ciclopes e figuras que assinalavam a força que o paganismo
ainda exercia na mentalidade dos povos fervorosamente cristãos da Península Ibérica. Mas assim como os espanhóis -
oito anos antes - a frota comandada por Pedro Álvares Cabral encontrou um Novo Mundo. Assim como testemunhado
por Pero Vaz de Caminha, esse Novo Mundo era habitando por homens e mulheres pardos, que andavam nus e que não
se importavam em cobrir suas vergonhas.
Objetivos
Reconhecer parte da diversidade indígena que compunha o território que mais tarde deu origem ao Brasil.
Analisar as diversas percepções construídas pelo europeu sobre os índios, visões que se diferenciam de acordo com as
relações estabelecidas;
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Tupi-Guarani
O primeiro, que ficou conhecido como tupi-guarani graças às semelhanças linguísticas observadas, abarcava uma série
de sociedades que vivia na extensa região litorânea desde São Vicente (no sul) até o Maranhão. Tupinambás,
tupiniquins, tupinaê e guaranis são exemplos de sociedades indígenas que faziam parte da família linguística tupi-
guarani.
Tapuias
No outro grupo estavam os tapuias (palavra tupi que significa os “fugidos da aldeia”, ou “aqueles de língua enrolada”)
que ocupavam regiões mais interioranas. Ao que tudo indica, os portugueses acabaram se apropriando da diferenciação
que os tupi-guaranis faziam em relação aos grupos que não faziam parte da sua matriz linguística, colocando sob a
mesma nomenclatura sociedades indígenas extremamente diversas como os cariris, jês, e os caraíbas.
Ao descrever os aimorés (um dos tantos povos classificados como tapuias), o português Gabriel Soares de Souza
disse:“Descendem estes aimorés de outros gentios a que chamam tapuias, dos quais nos tempos de atrás se ausentaram
certos casais, e foram-se para umas serras mui ásperas, fugindo a um desbarate, em que os puseram seus contrários,
onde residiram muitos anos sem verem outra gente; e os que destes descenderam, vieram a perder a linguagem e
fizeram outra nova que se não entende de nenhuma outra nação do gentio de todo este Estado do Brasil”Gabriel Soares
de Souza, Tratado descritivo do Brasil, 1587, pp.78-79.
Dentre os tupi-guaranis, a sociedade tupinambá acabou tornando-se uma das mais conhecidas, graças ao intenso contato
com os portugueses durante os séculos XVI e XVII. O historiador Stuart Schwartz salientou que os tupinambás viviam
em aldeias que possuíam de quatrocentos a oitocentos indivíduos. Tais aldeias eram divididas em unidades familiares
que viviam em até oito malocas. As unidades familiares, por sua vez, estavam estruturadas pelo parentesco familiar e
obedeciam à divisão sexual do trabalho: grosso modo, aos homens cabia as atividades de caça, pesca e de guerra, e às
mulheres o cuidado com a agricultura e com a casa.
A agricultura era uma prática que diferenciava os tupinambás dos demais povos tupi-guaranis. Para preparar o solo para
a semeadura, os tupinambás desenvolveram uma técnica que rapidamente foi incorporada pelos colonos portugueses: a
coivara .
Outra característica marcante dos tupinambás era seu ímpeto guerreiro. A guerra tinha funções econômicas e simbólicas
para esse povo, na medida em que viabilizava a obtenção de prisioneiros de guerra e a ampliação territorial, além de
criar uma intricada rede de status que definia diversos aspectos da vida em sociedade, sobretudo os matrimônios.
Junto com a guerra, os tupinambás praticavam o canibalismo ritual que causou horror e curiosidade aos colonos
portugueses. Baseado na cosmogonia tupinambá, o canibalismo era um ritual antropofágico, no qual o inimigo
prisioneiro de guerra era (depois de uma iniciação), morto pela sociedade vitoriosa, e tinha suas partes distribuídas
dentre os indivíduos do grupo vencedor. A ideia era se alimentar (simbolicamente) das características do oponente.
Como sugerido há pouco, traçar padrões culturais e sociais dos tapuias é uma tarefa muito difícil, na medida em que
eles não formavam um grupo que se identificava como tal. Estudos recentes apontam que os tapuias pertenciam a
diferentes troncos linguísticos, ou seja: eles eram os “não-tupis”, o que significa que eles eram muitas coisas. Um dos
povos tapuias mais estudados é o aimoré devido à frequente resistência imposta ao aldeamento e catequese portuguesa.
Pertencentes ao grupo etnográfico jê, os aimorés, também conhecidos como botocudos, habitavam o que hoje é o estado
do Espírito Santo e o Sul da Bahia.
Eram seminômades, praticavam a agricultura itinerante e tinham uma vida bélica muito desenvolvida, o que só se
intensificou com a chegada dos portugueses. A relação entre colonos e aimorés foi tão estremecida que, além de
protagonizarem uma das mais importantes rebeliões indígenas da história brasileira (a Confederação dos Tamoios), os
aimorés como todos os indígenas que recusassem a catequese estavam sujeitos à escravidão por guerra justa, de acordo
com a lei promulgada pela Coroa portuguesa em 1570.
Todavia, durante muitos anos, a diversidade indígena e a própria Ilha de Vera Cruz, pareciam não ter despertado o
interesse da Coroa portuguesa. Como apontou Manuela Carneiro da Cunha: “todo o interesse, todo o imaginário
português se concentra, à época, nas índias, enquanto espanhóis, franceses, holandeses, ingleses estão fascinados pelo
Novo Mundo” (CUNHA, 1990: 92). Foi justamente esse encantamento que fundamentou a construção das primeiras
imagens europeias sobre a nova humanidade que se apresentava.
A inocência e a ausência de elementos fundamentais que – na perspectiva europeia – balizavam a noção de civilização
marcaram os primeiros escritos sobre os índios. A despreocupação com a nudez foi reiterada diversas vezes na Carta de
Pero Vaz de Caminha, indicando que esses homens e mulheres andavam nus por lhes faltarem a ideia de vergonha. O
mesmo Caminha, assim como Vespucci e, mais tarde, Gândavo e Gabriel Soares de Souza ficaram surpresos com o fato
dos tupis não terem em seu alfabeto as letras F, L e R.
Segundo esses homens, essa ausência era a comprovação de que os índios viviam sem Justiça e na maior desordem, pois
A Catequização dos Índios
As constatações apontadas na tela anterior serviram como norte para a atuação dos religiosos europeus. Se por um lado
a Coroa portuguesa só passou a se importar efetivamente com sua colônia americana a partir de 1530, desde os
primeiros anos de contato diversos religiosos, sobretudo os jesuítas, iniciaram um intenso trabalho com os grupos
indígenas que ficou conhecido como catequese. Num primeiro momento, os jesuítas visitavam as aldeias a fim de
conhecer um pouco mais a cultura, hábitos e língua dos índios, aproveitando a oportunidade para fazer pregações e
alguns batismos.
Feito o contato inicial, os jesuítas passaram para o segundo estágio da catequese: a conversão, propriamente dita, dos
índios. Para tanto, os missionários organizaram os povos indígenas em aldeamentos. O objetivo principal era incutir
nesses índios valores e práticas europeias. Desse modo, os índios aldeados além de batizados, também recebiam os
primeiros ensinamentos católicos, além de ler e escrever. Segundo os jesuítas, o aldeamento era fundamental, pois
apenas essa estrutura permitia que os índios, de fato, tivessem um contato sistemático com os preceitos cristãos. O padre
Manoel da Nóbrega foi um dos que defendeu abertamente os aldeamentos, pois, segundo ele os índios eram tão
instáveis que, com a mesma facilidade que eram convertidos, logo voltavam para “sua rudeza e bestialidade”. (Padre
Manoel da Nóbrega). Para facilitar a aprendizagem, muitos jesuítas recorreram às encenações teatrais, o que deu origem
a um dos primeiro gêneros literários do Brasil.
Nos aldeamentos, os índios ainda eram treinados para exercer ofícios como tecelões, carpinteiros e ferreiros. Depois do
treino, muitos iam trabalhar para colonos sob a tutela dos jesuítas - que eram responsáveis, inclusive, pela definição do
pagamento dos índios aldeados. Em muitos casos, os aldeamentos acabavam se transformando em pequenas unidades
econômicas, cuja principal mão-de-obra era a indígena. Após a missa, muitos índios iam trabalhar na lavoura que
garantia a subsistência de todos. Os aldeamentos também tinham como objetivo acabar com a poligamia indígena e com
a liberdade sexual que existia em diferentes sociedades, incutindo o modelo cristão de família. Como a preocupação
maior era a conversão dos índios, os aldeamentos recebiam indivíduos dos mais diferentes grupos e sociedades. Dessa
convivência surgiu a língua geral (baseada no tupi) que durante muitos anos foi a mais falada em toda a colônia. Esse
convívio mais intenso também possibilitou um conhecimento mais aprofundados dos povos indígenas.
As diferenças sociais e existentes entre os grupos indígenas - ilustradas com os exemplos dos tupinambás e dos aimorés
- exerceram grande influência nas reestruturação cultural que esses grupos estabeleceram com os portugueses durante os
primeiros anos de contato, e foram fundamentais na construção da tipologia indígena pelos mesmos colonos.
As obras ao lado foram feitas pelo pintor neerlandês Albert Eckhout (1610-1666) são documentos que ajudam a analisar
de forma eficiente as duas imagens de índio criadas pelos europeus durante os séculos XVI e XVII. As duas imagens
retratam índios “brasileiros”, possivelmente guerreiros, já que ambos estão armados de arcos e flechas. No entanto, a
composição das obras apontam que tratavam-se de “tipos” distintos de índios. De um lado, está o tapuia, representado
por um homem nu, com brincos e cocares que, em tese, seriam típicos desse povo. Do outro, vê-se um índio tupi, que já
tem suas vergonhas escondidas e não utiliza nenhum adorno.
Observa-se então, que o tapuia representa o índio selvagem, que nu e cobertos de plumas e penas vive no meio da selva.
Já o tupi aparece como o índio domesticado, aquele que é passível de salvação e que por isso mesmo já vive em outra
“selva”, numa floresta mais civilizada, na qual é possível (ao fundo) ver outros índios trabalhando. Como bem
apontado por Manuela Carneiro da Cunha “Em 1500, Caminha viu “gente” em Vera Cruz. Falava-se então de homens e
mulheres. O escambo povoou a terra de “brasis” e “brasileiros”. Os engenhos distinguiram o “gentio” insubmisso do
“índio” e do “negro da terra” que trabalhavam. [...] Pelo fim do século, estão consolidadas, na realidade, duas imagens
de índios que só muito tenuamente se recobrem...” (Cunha: 1990, 109)
Introdução
Pretende-se com essa aula analisar a importância da escravidão indígena para economia colonial e particularmente para
a economia paulista, bem como compreender o termo “negro da terra” e relacioná-lo com os mecanismos de
apresamento indígena. Em seguida, será realizada uma reflexão a cerca do apresamento dos guaranis como fator de
ocupação do planalto paulista e da região sul do Brasil. Por fim, serão examinados os embates entre colonos e jesuítas
nas relações com os índios.
Objetivos
Perceber a importância da escravidão indígena para economia colonial e particularmente para a economia paulista;
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Como bem se sabe Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 22 de abril de 1500. No entanto, durante os primeiro anos
do século XVI os portugueses estavam mais preocupados em participar do comércio feito no Oceano Índico, no qual
produtos de grande valor como ouro, prata, seda e especiarias eram negociados. A Coroa portuguesa só foi se
preocupar, de fato, com suas terras americanas a partir de 1530.
Dessa feita, os primeiros anos da presença portuguesa no Novo Mundo foram marcados pela atuação dos jesuítas na
conversão dos grupos indígenas (por meio da catequese e do aldeamento) e de ações particulares de colonos
portugueses que estavam interessados, sobretudo, na extração do pau-Brasil, obtido por meio do trabalho indígena.
Capitanias Hereditárias
A partir de 1530, a concorrência do comércio do Índico trouxe inúmeros prejuízos aos portugueses, que também
começavam a ter suas terras americanas invadidas por outras nações europeias. Era preciso efetivar a presença da Coroa
lusitana no outro lado do Atlântico a fim de garantir a posse de suas terras e de conseguir tirar mais proveito da recente
aquisição.
A primeira medida tomada pela Coroa Portuguesa data de 1534. Nesse ano, a América Portuguesa foi dividia em
dezesseis grandes faixas de terra chamadas de capitanias hereditárias.
Cada uma dessas capitanias seria doada pelo rei a um nobre português (chamado de donatário) que deveria construir
vilas, arrecadar impostos e, principalmente, redistribuir a terra para quem pudesse cultivá-la. No entanto, muitos
donatários não cumpriram suas obrigações, sendo que alguns chegaram a nunca colocar seus pés em terras brasileiras.
A ineficiência do sistema de capitanias fez com que o rei português tentasse outra forma de administração. Em 1548 foi
instituído o governo-geral, uma tentativa de centralizar a administração da América portuguesa.
O primeiro governador geral, Tomé de Souza, ficou responsável pela construção da cidade de Salvador, na capitania da
Bahia, que seria a sede do governo-geral. Além de ser um ponto relativamente mais próximo da metrópole, a capital
colonial estava localizada num ponto estratégico, perto das principais regiões produtoras do açúcar, produtor que anos
mais tarde seria considerado o “ouro branco” da colônia. Isso facilitava o controle da produção e exportação do açúcar,
garantindo assim, o exclusivismo da Coroa Portuguesa.
Por questões geomorfológicas (solo fértil e água abundante) e políticas, durante séculos XVI e XVII, a produção
açucareira concentrou-se nas capitanias do nordeste da colônia, principalmente na Bahia de todos os santos e em
Pernambuco. Nos primeiros anos da produção, os diferentes grupos indígenas compuseram parte significativa da mão-
de-obra escrava dos engenhos açucareiros. Na realidade, o intervalo entre os anos de 1540 e 1570 marcou o apogeu da
escravização indígena nesses engenhos.
No entanto, a descoberta de uma “nova humanidade” criou debates filosóficos extremamente profundos em toda a
Europa. Os missionários católicos e protestantes que haviam entrado em contato com os diferentes grupos indígenas das
Américas, lideraram discussões acerca da natureza desses homens e mulheres “recém-descobertos” que marcaram o
cenário intelectual do século XVI.
Seguindo as determinações tomadas pela própria Igreja Católica, em 1570, a Coroa portuguesa sancionou a lei que
proibia a escravização do gentio – cujo fragmento vimos no início desta aula. Com exceção feita aos aimorés – que se
recusavam militarmente à conversão católica, os índios ficavam sob a tutela da Companhia de Jesus, não podendo mais
servir como escravos nos engenhos de açúcar.
Em tese, após 1570, as questões indígenas passavam a ser decididas apenas pelos missionários responsáveis por sua
evangelização.
No entanto, por trás dessa decisão da Coroa lusitana também estavam interesses econômicos de muitos fidalgos
portugueses que, há muito, estavam envolvidos com o tráfico de negros da guiné. Esses africanos escravizados
substituiriam os indígenas na produção de açúcar. A partir da promulgação da “lei de liberdade dos gentios”, houve a
substituição crescente de índios por africanos escravizados.
No entanto, essa mudança ocorreu principalmente nas capitanias que mais produziam açúcar e que, justamente por isso,
eram mais vigiadas pelo Estado português.
Como será analisado na próxima aula, é preciso assinalar que, embora a entrada de africanos tenha se intensificado
sobremaneira a partir do último quartel do século XVI, durante todo o período de vigência da escravidão, parte
significativa dos grupos indígenas também foi reduzida à condição de cativeiro, muitas vezes subjugados pelos próprios
missionários.
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As capitanias do Sul
Os colonos que rumaram para outras capitanias, sobretudo aquelas localizadas ao sul da colônia, não respeitaram a lei
de rei D. Filipe II. Se para a Coroa portuguesa e para os missionários jesuítas os índios passaram a ser vistos como
gentios (ou seja, eram passíveis de salvação), para os colonos que viviam nas capitanias de São Tomé e São Vicente os
grupos autóctones rapidamente passaram a ser vistos como negros da terra. Nessas localidades, os indígenas foram
escravizados sistematicamente e serviram como mão-de-obra fundamental na expansão territorial levada a cabo pelos
colonos paulistas.
Ao analisar a relação entre índios e bandeirantes na origem de São Paulo, o historiador John Monteiro mostrou que a
colonização foi um processo plural. Ainda que boa parte da América portuguesa tenha vivenciado experiências comuns
advindas do encontro entre colonos e índios– encontro este que foi marcado pela desintegração de muitas sociedades
indígenas e pelo processo de catequização daquelas que conseguiram sobreviver -, a partir de meados do século XVI, a
relação entre ambos tomou rumos distintos.
No caso das capitanias do Sul, é possível afirmar que a Lei de Liberdade do Gentio (sancionada em 1570) foi letra
morta. De acordo com Monteiro, entre os séculos XVI e XVIII era cada vez mais frequente o número de expedições que
assaltavam aldeias indígenas transformando seus habitantes em braços para o “serviço obrigatório” (MONTEIRO:
1994, 57). Isso porque, diferentemente do que ocorria na região açucareira da colônia, os paulistas não se inseriram no
circuito comercial Atlântico, procurando eles mesmos os braços que iriam trabalhar em suas lavouras. Ao invés de se
lançarem para o mar, os paulistas se embrenharam sertão adentro.
As Expedições
O sonho do El Dorado que havia povoado a mente dos primeiros europeus que se lançaram ao mar no século XV, e que
em parte havia se materializado em algumas regiões conquistadas pelos espanhóis (como Potosí), ainda acalentava o
desejo de muitos colonos portugueses. Foi a procura por ouro e prata que fomentou as primeiras expedições para as
regiões interioranas da colônia portuguesa. Entre os anos de 1591 e 1601, o governador geral D. Francisco de Souza
armou uma série de expedições em busca de metais preciosos. A vertente paulista, chefiada por João Pereira Botafogo
conseguiu encontrar algumas minas próximas à cidade de São Paulo, reacendendo o sonho português. No entanto, as
expedições subsequentes não corresponderam ás expectativas criadas pelos colonos.
A Escravidão Indígena
Ainda que o ouro e a prata não tenham sido encontrados em abundância, a experiência das expedições apresentou um
produto extremamente interessante para os colonos: os escravos indígenas. Após terminar seu governo, D. Francisco
voltou a Portugal com o intuito de colocar em prática um projeto que visava fomentar a economia das capitanias sulistas
da colônia. Com inspiração no modelo da América espanhola, o objetivo era articular diferentes setores econômicos
(mineração, agricultura e indústria), tendo como base o uso da mão-de-obra indígena (MONTEIRO: 1994, 59).
Uma vez mais, os colonos portugueses não lograram êxito em suas investidas. Mas a proposta do antigo governador
acabou redimensionando os objetivos das expedições para o interior. A busca por ouro deu lugar ao aprisionamento de
índios. Embora os colonos utilizassem a procura por metais preciosos frente à Coroa portuguesa - que baixava inúmeras
leis proibindo a escravização de indígenas – as expedições organizadas pelos colonos de São Paulo se transformaram
em verdadeiras empreitadas escravizadoras.
A rentabilidade da venda dos indígenas escravizados era tamanha, que rapidamente criou-se uma intricada rede de
negociações nas capitanias do sul. Praticamente toda a mão-de-obra dessa localidade da colônia era formada por índios
escravizados. Os lucros eram tantos que pagavam os custos e riscos de expedições cada vez mais interioranas.
Colonos x Jesuítas
Além das sociedades indígenas, os maiores opositores das expedições foram os missionários e demais religiosos
responsáveis pela evangelização dos índios. Embora os indígenas trabalhassem em condições muito ruins nas missões e
aldeamentos, ali não havia o discurso nem a prática efetiva da escravização. Soma-se a isso, nessas organizações, os
índios recebiam instruções religiosas para que se convertessem ao cristianismo e passassem a seguir um padrão europeu
de vida e de relação com o trabalho. Nenhuma dessas preocupações pautou a organização das expedições nos séculos
XVII e XVIII.
Centenas de aldeias foram destruídas, e milhares de índios foram reduzidos ao cativeiro. Segundo Monteiro, o padre
Montoya afirmava que as expedições haviam destruído 11 missões, o que significava o apresamento de praticamente 50
mil índios. Ao descrever as expedições no Rio de Janeiro, o padre Lourenço de Mendonça apontou quem 60 mil
guaranis foram escravizados e levados para São Paulo (MONTEIRO: 1994, 73-74). Tais índios eram utilizados,
sobretudo, na reposição da força de trabalho da região sendo poucos os que seguiam para as lavouras de cana.
Graças às bandeiras que identificavam as expedições, as campanhas organizadas por colonos paulistas em busca de
índios ficaram conhecida como Movimento Bandeirante. O auge desse movimento ocorreu na segunda metade do
século XVII, momento em que bandeirantes como Antonio Raposo Tavares e Domingos Jorge Velho ganhavam
reconhecimento em toda colônia. Jorge Velho foi, inclusive, convocado pela Coroa Portuguesa para sufocar a rebelião
indígena chefiada por Canindé (Rio Grande), além de ter sido um dos responsáveis pela desarticulação do Quilombo
dos Palmares.
Essa aula tem como objetivo principal mostrar compreender que a introdução dos escravos africanos não acabou
imediatamente com a escravidão indígena, ambas conviveram, em certos casos, até o século XIX. Para tanta serão
seguidos três eixos centrais: a)Refletir sobre as especificidades de cada uma dessas escravidões; b)perceber as
consequências do contato entre colonos e negros e entre índios e negros; c)analisar as estruturas econômicas e sociais
que derivam desses contatos.
Objetivos
Compreender que a introdução dos escravos africanos não acabou imediatamente com a escravidão indígena, ambas
conviveram, em certos casos, até o século XIX;
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Ouro branco: foi assim que muitos colonos passaram a chamar o produto advindo do processamento do caldo de cana-
de-açúcar, sendo o primeiro gênero produzido em larga escala na América portuguesa.
• Em segundo lugar, os portugueses já possuíam conhecimento do fabrico de açúcar de cana graças à colonização das
ilhas Canárias, Madeira, Açores e Cabo Verde, todas localizadas no Atlântico Norte.
Ainda no século XVI, iniciaram-se as construções dos primeiros engenhos de açúcar em diferentes localidades da
América portuguesa. Contudo, a região nordeste da colônia acabou se tornando a principal produtora de açúcar devido
às suas condições naturais.
• Clima quente;
• Chuvas constantes;
• Solo fértil;
• Abundância de rios;
• A localização das capitanias do nordeste, que estavam mais próximas ao mercado consumidor do produto – a Europa
Todavia, para que todo esse empreendimento desse lucro de fato – sobretudo frente ao monopólio de exportação
exercido pela Coroa portuguesa – era necessário que a produção fosse a mais barata possível.
A escravização
Foi no contexto da lógica mercantilista que a escravidão apareceu como a melhor opção para a produção do açúcar.
Além disso, o uso de escravos vinha coroar uma série de questões filosóficas colocadas pelos europeus desde o início
das Navegações (no século XV), quando a Europa entrou em contato com sociedades da África-subsaariana e das
Américas.
A “nova humanidade” que se apresentava para os europeus seria classificada e ordenada por eles. A escravidão foi uma
instituição que ordenou boa parte das dinâmicas da sociedade da América portuguesa.
Na obra Cultura e opulência do Brasil, o padre André Antonil (1649- 1716) pontuou bem a importância que a
escravidão tinha no funcionamento dos engenhos açucareiros.
A escravização no Brasil
Durante muitos anos a escravidão no Brasil foi vista de forma sistêmica. De um lado estavam os índios escravizados,
utilizados em sua grande maioria em pequenas e médias produções, quase todas voltadas para a subsistência da colônia.
Do outro estavam os africanos escravizados e seus descendentes utilizados nas atividades envolvidas com o mercado
externo, como a produção de açúcar e a mineração.
Ainda que essa sistematização esteja pautada em uma série de análises qualitativas da economia colonial, é importante
ressaltar que tal assertiva não se aplica a todo o período de fabrico do açúcar.
Ao analisar o início da produção açucareira, Stuart Schwartz chamou atenção para um fenômeno pouco estudado: o uso
massivo de indígenas escravizados nos engenhos. Grande parte desses índios tinha origem tupi, embora alguns povos
tapuias tenham sido encontrados nos registros.
A análise de Schwartz se circunscreve à província da Bahia que, durante os séculos XVI e XVII, foi uma das maiores
produtoras de açúcar da América portuguesa.
Baseado em registros paroquiais e inventários, o autor apontou que a lógica que regeu a escravidão indígena na
produção açucareira foi muito semelhante àquela que ditaria o ritmo de trabalho de africanos escravizados anos mais
tarde.
Graças à preferência senhorial, 60% dos escravos eram homens adultos e jovens. Todavia, as práticas religiosas
incentivaram o casamento de muitos desses homens, fazendo que famílias escravas tivessem significativa presença
nesses engenhos.
Tendo que se adaptar às condições de trabalho impostas pelos colonos, os índios escravizados deveriam realizar o
cultivo extensivo da cana e depois processar seu caldo a fim de obter o açúcar.
A partir do último quartel do século XVI, a escravidão indígena passou a ser, em parte, substituída pelos africanos
escravizados.
Além disso, em meados do século XVI, o valor do escravo africano era relativamente baixo, o que o tornava acessível
para muitas pessoas. E, mais do que uma propriedade, o escravo africano representava um investimento, pois, depois de
três ou quatro anos, o senhor conseguia recuperar, por meio do trabalho do escravo, o que havia pagado por ele e
continuava usufruindo do seu trabalho por muito mais tempo. Não podemos esquecer que o fato de trabalharem em uma
terra totalmente desconhecida também dificultava fugas e possíveis revoltas dos africanos escravizados.
O trabalho compulsório dos africanos
Esses aspectos foram fundamentais na hora de escolher o trabalho compulsório de africanos em detrimento dos
indígenas – embora muitos índios tenham trabalhado como escravos na América portuguesa, só que em menor escala.
Fora isso, existiam ainda argumentos religiosos. Na época, a Igreja católica acreditava que os negros africanos não
tinham alma. Por isso, o trabalho como escravo seria uma espécie de purgatório em vida para que depois da morte esses
homens e mulheres pudessem subir ao reino dos céus.
O fato é que a partir de 1580, africanos de diversas localidades do continente passaram a desembarcar em peso na
América portuguesa para trabalhar como escravos em diferentes atividades econômicas. Os africanos que vieram
escravizados para o Brasil tinham origens diversas. O mapa ao lado mostra as diferentes rotas do tráfico de escravos do
continente africano para terras brasileiras. Se olharmos o mapa com atenção veremos que existem quatro grandes rotas
de comércio.
Após a longa travessia, quando finalmente desembarcavam nos portos da América portuguesa, a situação de boa parte
dos africanos era péssima. Aqueles que tinham conseguido aguentar a viagem passavam por um breve exame médico e
eram rapidamente vendidos. Os africanos mais fragilizados, principalmente aqueles que haviam contraído escorbuto,
passavam por um processo de quarentena em galpões localizados na região portuária.
Nesses locais eles recebiam uma alimentação especial para recuperar suas forças o mais rápido possível. Assim que
estivessem mais fortes, eram levados para os mercados onde seriam comprados. A partir de então, o destino desses
africanos estava atrelado a de seu senhor e, em muitos casos, eles tinham que continuar a viagem, só que agora pelo
interior do Brasil.
Nem todos os africanos recém-chegados resistiam ao período da quarentena. Por isso, era comum encontrar cemitérios
nas proximidades do porto. Além dos maus tratos e das doenças adquiridas durante a travessia, muitos escravos boçais,
isto é africanos recém-chegados, sofriam de banzo –, uma doença que parecia atacar a alma de alguns africanos que,
tomados por uma tristeza profunda, se deixavam morrer.
Para muitos deles era preferível morrer a trabalhar como escravo, pois acreditavam que a morte significava o retorno à
sua terra natal, junto a seus ancestrais.
No entanto, a maior parte dos africanos sobrevivia à travessia do atlântico. Dessa forma, o escravo boçal rapidamente
era introduzido à sua nova sociedade.
Em seguida, ele recebia ensinamentos básicos do catolicismo, como deveriam se portar perante seu senhor, bem como
algumas palavras em português. A partir de então o escravo boçal se juntava ao ladino e ao crioulo na execução das
mais variadas tarefas.
Para conseguir cumprir a demanda da produção em larga escala, os escravos enfrentavam jornadas de trabalho que
variavam de doze a dezoito horas e eram constantemente vigiados por feitores e capatazes para que otimizassem seu
tempo de trabalho.
No ápice da produção do açúcar (século XVI) e do café (século XIX), e no auge do período aurífero (século XVIII), a
exploração do escravo era tamanha que a média de vida ativa do cativo variava entre sete e dez anos. Contudo,
estimativas apontam que, mesmo nesse curto tempo de vida ativa, o escravo “pagava” para seu proprietário a quantia
que havia sido desembolsada no momento da sua compra e ainda gerava benesses.
A partir do terceiro ano de trabalho, tudo o que era produzido pelo cativo representava lucro ao senhor. Este retorno
financeiro relativamente rápido fez com que o escravo fosse visto como uma boa forma de investimento, o que
fomentou o tráfico intercontinental de africanos por três séculos.
Essa lógica da exploração total do trabalho escravo intensificou ainda mais a violência inerente à escravidão. Além da
obrigação em labutar horas a fio de baixo de sol quente, chuva forte ou em dias frios, o constante reabastecimento de
africanos escravizados nos portos do Brasil fez com que muitos proprietários fossem negligentes com os cuidados
despendidos aos cativos.
Apesar de cuidados com alimentação, moradia e vestimenta serem de responsabilidade senhorial, a fácil reposição dos
escravos ajuda a explicar as péssimas condições de vida que os proprietários ofereciam a seus cativos. A alimentação
que os escravos recebiam costumava ser composta apenas por farinha de mandioca ou de milho, uma porção de carne
salgada e, por vezes, um pouco de feijão: o básico para o sustento humano. As roupas desses cativos eram feitas de
panos de algodão simples e deveriam durar ao menos um ano.
Muitos escravos que adoeciam eram deixados à própria sorte, pois, como vimos, muitas vezes era mais vantajoso
comprar um novo cativo do que cuidar do enfermo.
Junto à rígida e pesada disciplina de trabalho no eito e às chibatas recebidas quando não alcançavam a quantidade
estipulada de feixes de cana ou cestos de grãos de café, os escravos e escravas ainda enfrentavam outros dois grandes
problemas: os acidentes e as condições insalubres de trabalho.
• Na casa da moenda, onde era extraído o caldo da cana, os cativos que não tomassem cuidado podiam ter o braço
inteiro triturado pelas engrenagens ao colocar os feixes de cana na moenda;
• Na casa de purgar, onde o caldo era transformado em melaço, que normalmente era o local de trabalho das escravas,
havia sempre o perigo de queimaduras.
As regiões mineradoras também foram palco de acidentes de trabalho. Mesmo que muitos dos africanos escravizados,
principalmente os oriundos da Costa da Mina, tivessem conhecimentos milenares sobre mineração aprendidos na
África, em diversas ocasiões as minas subterrâneas, que haviam sido cavadas, desabavam, matando dezenas de cativos.
Quando tragédias como essas não ocorriam, os escravos eram obrigados a passar o dia inteiro com parte do corpo
submersa nos rios e córregos para realizar o garimpo do ouro.
Introdução
Em fins do século XIX e início do século XX, teóricos como Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha,
estudaram a sociedade brasileira e construíram um discurso que possibilitou o surgimento de teorias raciais científicas
que desvalorizavam/inferiorizavam negros e mestiços. Pretende-se com essa aula conhecer as teorias raciais do século
XIX, bem como refletir sobre o contexto histórico no qual elas foram elaboradas para, por fim, empreender uma análise
crítica a respeito do “mito das três raças”.
Objetivos
Tal movimento trouxe para o cenário intelectual da época importantes debates sobre a questão indígena na história
brasileira, embora a figura vencedora pouco se assemelhasse aos rebeldes Aimberê e Canindé. Foi ainda a fonte
inspiradora para autores magistrais da literatura brasileira, como José de Alencar e Gonçalves Dias e pintores como
Vitor Meirelles. No entanto, ao consagrar o índio domesticado como símbolo do Brasil, o indianismo elegia uma
determinada memória que, por sua vez, deixava de lado grande parcela da população brasileira, que passava a ser vista,
biologicamente, como inferior. Um dos grandes desafios em trabalhar com o estudo das relações raciais no Brasil é que
tal temática acompanhou as primeiras tentativas de construção da identidade brasileira independente e soberana.
Até a produção das primeiras análises da década de 1930, praticamente todas as obras que se propunham examinar a
sociedade ou a história brasileira esbarravam no problema da raça. Na realidade, como demonstrou cuidadosamente
Lilia Schwarcz (SCHWARCZ: 1993), o conceito raça foi peça fundamental das ciências sociais no Brasil e no mundo.
O primeiro estudioso a usar o termo raça no discurso científico foi George Cuvier, no início do século XIX. Como bem
lembra Lilia Schwarcz, neste momento a visão Iluminista de humanidade ― que pressupunha certa unidade e,
consequentemente, uma possível igualdade entre os homens ― aproximava a ideia de raça aos debates sobre cidadania.
Essa contradição entre a definição científica de raça e os ideais igualitários herdados da Revolução Francesa acabou
reacendendo os debates sobre a origem, ou origens da humanidade. O principal embate se dava entre monogenistas e
poligenistas.
Enquanto os primeiros consideravam que todo homem tinha a mesma origem e que as diferenças entre eles era
resultado de uma maior ou menor proximidade do Éden (teoria difundida pela Igreja Cristã), os poligenistas, baseados
em recentes estudos de cunho biológico, acreditavam na existência de diversos núcleos de produção correspondentes
aos diferentes grupos humanos. A vertente poligenista possibilitou, ainda no século XIX, o fortalecimento de disciplinas
baseadas no discurso científico. Veja alguns exemplos desse movimento:
Nomes de cientistas como Andrés Ratzius, Cesare Lombroso e Paul Broca ficaram conhecidos na época, graças à ampla
divulgação de seus estudos. Entretanto, o debate tomou novo fôlego com a publicação do livro A Origem das Espécies
de Charles Darwin, em 1859. A partir de então, o termo raça sofreu duas significativas alterações. De um lado, a ideia
de raça ultrapassou o campo da biologia, estendendo-se às discussões culturais e políticas. Por outro, o termo passou a
imprimir a noção de evolução às duas correntes científico-filosóficas que discutiam a origem do homem (monogenismo
e poligenismo) que, na tentativa de defender suas teses, desvirtuaram ou “adaptaram” as teorias darwinistas da maneira
que lhes foi mais conveniente.
Lembrando que esse era um momento no qual grande parte dos dogmas da Igreja Católica estava sendo questionada
pelo discurso científico ― que se afirmava, cada vez mais, como sinônimo da verdade ―, não é de estranhar que os
poligenistas tenham “saído na frente” de seus rivais no que diz respeito ao uso das teorias de Darwin. A sociologia
evolutiva de Spencer, a história determinista de Buckle e até mesmo o sentimento imperialista europeu eram provas
disso.
Os poligenistas passaram a tratar a espécie humana como o gênero humano; a diversidade cultural passou a ser
entendida como diferença entre espécies. O homem fora dividido e hierarquizado, e, quanto mais longe uma “espécie”
se mantivesse da outra, melhor para todos. Tudo estaria relativamente bem resolvido se os poligenistas não tivessem
que responder as seguintes perguntas: o que fazer, então, com os grupos miscigenados? Como adequar a miscigenação à
evolução das raças humanas?
A maior parte dos estudiosos e cientistas europeus e estadunidenses ― como Broca, Gobineau e Le Bon ―
consideravam a miscigenação um erro, uma quebra das leis naturais, uma subversão do sistema. Os inúmeros impasses
causados pela publicação de Charles Darwin e a formulações de novas perguntas sobre a evolução da humanidade
criaram a necessidade de novos sistemas explicativos. Uma das disciplinas gestadas neste momento foi a antropologia
cultural (também conhecida como etnologia social ou evolucionismo social), que restituía a ideia de uma origem
comum do Homem, ao passo em que entendia as diferenças sociais como etapas de um mesmo processo evolutivo.
Junto com a antropologia cultural, duas perspectivas de cunho determinista também foram criadas nesse momento: A
primeira delas, a escola determinista geográfica de Ratzel e Buckle, afirmava que o desenvolvimento ou não de uma
nação estava totalmente condicionada pelo meio físico; A segunda, mais conhecida como “darwinismo social” ou
“teoria das raças”, considerava a miscigenação algo negativo, na medida em que pensava ser impossível a transmissão
de características adquiridas; em outros termos, as raças seriam imutáveis.
Tais escolas acreditavam na existência de três raças bem distantes, o que invalidava a mestiçagem. O mundo dividido
culturalmente seria consequência da divisão de raças. Se isso não bastasse, as escolas deterministas também defendiam
a hierarquização das raças, ou seja, a superioridade de uma delas. Dessa escola saíram homens que ficaram famosos e
exerceram forte influência sobre intelectuais brasileiros, dentre eles Le Bon, Renan, Taine e o conde de Goubineau. As
premissas da escola determinista, principalmente a que defendia a existência da superioridade de uma das raças,
serviram de base para um movimento existente até hoje: a Eugenia. Tal ciência partia do pressuposto que o progresso só
seria possível em sociedades puras (sem miscigenação), e que apenas uma raça (a ariana) estava fadada à
perfectibilidade; sendo assim, a mestiçagem era vista como algo irracional, contra todas as “leis naturais”.
A eugenia vinha de encontro aos interesses políticos da Europa e dos Estados Unidos. Os europeus acreditavam que
compunham um grupo humano puro, livre de hibridização, muito mais perto da perfeição e, justamente por isso, seriam
responsáveis pela civilização dos demais grupos ― argumento que justificou e legitimou tanto a colonização americana
como o “Imperialismo Europeu” e o sentimento do fardo do homem branco. Já os estadunidenses, mesmo tendo sido
colonizados pela Grã-Bretanha, comprovaram seu desenvolvimento, principalmente por terem evitado a miscigenação
entre o branco dominador e o negro escravizado; por isso, também estavam fadados ao progresso e à civilização.
Independentemente de certa tradição mazomba do Brasil ― que, vale ressaltar, até 1822 era uma colônia portuguesa ―
foi impossível evitar as repercussões da afirmação da ciência como chave explicadora do mundo e da humanidade. Na
realidade, a vitória do discurso científico caminhou a pari passu com a construção de uma identidade nacional brasileira.
A primeira ideia de Brasil (entendido como uma unidade nacional soberana e desvinculada politicamente de Portugal)
foi construída com os primeiros museus, institutos históricos e geográficos, faculdades de direito e de medicina em terra
brasilis. Durante o século XIX, nacionalismo e ciência fundiam-se e confundiam-se.
Todavia, a importação desse sistema explicativo científico trazia no seu bojo ― conforme visto acima ― uma questão
deveras espinhosa para a elite intelectual brasileira: o problema da mestiçagem. A constatação (por parte dos cientistas)
da existência de hierarquia entre as raças humanas não era algo tão estranho a uma sociedade que escravizava, sem
muitos conflitos morais ou religiosos, os elementos indígenas e negros da sociedade. Na realidade, a ideia da
supremacia branca frente às demais raças ou “espécies” humanas parecia corroborar a realidade brasileira de então.
Entretanto, a massa de mulatos, cafuzos, caboclos, pardos e cabras, lembravam, a todo o momento, que o Brasil era uma
nação majoritariamente mestiça ― o que inviabilizava que o país galgasse o estágio supremo da civilização. Como
outras localidades da América Latina, o Brasil tornou-se uma espécie de laboratório vivo, onde cientistas procuraram
comprovar na prática o que compuseram, e onde “ilustrados” brasileiros buscaram desesperadamente uma unidade, uma
homogeneidade para definir o povo brasileiro.
Importantes cientistas como Thomas Buckle, Arthur de Gobineau e Louis Agassiz analisaram o fenômeno da
mestiçagem brasileira, tendo inclusive visitado o país. Infelizmente, suas conclusões sobre o futuro do Brasil não eram
muito esperançosas. De tal modo, aceitar, copiar e reproduzir essas teorias iria interromper um projeto de construção
nacional brasileira que mal tinha começado. Os homens de ciência do Brasil tiveram que achar uma resposta original,
adaptando essas teorias, utilizando o que combinava e descartando o que era problemático para a construção de um
argumento racial no país (SCHWARCZ: 1993, 37).
Os embates científicos se agravaram quando o Brasil proclamou a abolição da escravidão. Até então, o problema
parecia ter sido parcialmente resolvido: os indígenas, em uma espécie de recompensa por sua dizimação, foram
eternizados pelos românticos brasileiros como símbolo de pureza nacional; os negros (grande parte deles) pagavam com
a escravidão a sua ligação direta com o continente africano. Ainda que os Abolicionistas defendessem a liberdade dos
negros escravizados, nem todos estavam certos quanto à igualdade de direitos que defendiam, tendo em vista o contexto
racialista em que viviam. Porém, quando as discussões sobre raça e mestiçagem passaram a fazer parte da agenda dos
assuntos ligados à cidadania brasileira, a simples importação de análises científicas feitas por europeus e estadunidenses
deixou de ser suficiente. Enquanto nação que se forjava no seio da Liberdade, da Igualdade e da República, o Brasil
precisava construir suas próprias teorias.
Neste momento, marcado pela a abolição da escravidão, a proclamação da República, a entrada em um novo século e a
necessidade de criar uma unidade nacional, o termo raça, sobretudo a raça negra, se torna um problema para os
intelectuais brasileiros. Como bem formulado por Renato Ortiz, tais homens se viam diante do seguinte dilema; “como
tratar a identidade nacional diante da disparidade racial?” (ORTIZ: 1985, p.20).
Neste contexto, três intelectuais brasileiros se destacaram no quadro das ciências sociais do país: Silvio Romero, Nina
Rodrigues e Euclides da Cunha. Homens das ciências, esses intelectuais se incumbiram da árdua missão de pensar e,
principalmente, de colocar o Brasil no caminho da civilização. As obras desses intelectuais são de tamanha riqueza e
complexidade que seria praticamente impossível esgotar suas análises e seus desdobramentos. Todavia, no caso
específico deste, é importante ressaltar que a mestiçagem, de forma geral, e o elemento negro, em particular, foram os
pontos cruciais na interpretação desses cientistas e, consequentemente, na formação de uma determinada ideia de Brasil.
Mesmo partindo de lugares diferentes (o direito, a medicina e o jornalismo), Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides
da Cunha identificaram a diversidade racial ― principalmente a forte presença negra no país ― como o entrave para
que as palavras ordem e progresso, estampadas a bandeira do Brasil República, de fato se transformassem em prática
social. Na realidade, respondendo ao debate racialista internacional, os três autores viam a fusão das três raças como o
elemento causador da desigualdade e do atraso brasileiro. Tal perspectiva serviu ainda como base para a formulação de
políticas que procuravam viabilizar o desenvolvimento no Brasil: o branqueamento foi a principal delas.
Introdução
Na última aula vimos que o cientificismo deu o tom das discussões sobre raça e formação social no Brasil durante os
últimos anos do século XIX e os primeiros anos do século XX. No entanto, é importante ressaltar que, neste período,
alguns intelectuais apresentaram interpretações distintas sobre a presença negra e a herança africana no pais. Entre eles,
Manoel Bomfim merece destaque.
Objetivos
Avaliar parte da trajetória do Modernismo Brasileiro e como ele reelaborou a mestiçagem do Brasil; Reconhecer parte
dos debates travados entre intelectuais culturalistas e estruturalistas, no que diz respeito à mestiçagem do Brasil; Refletir
sobre a construção e a desconstrução do mito da Democracia Racial Brasileira.
Médico e educador, em 1905, Bomfim publicou um estudo no qual desvinculava o atraso do Brasil (e do restante da
América Latina) à ideia de inferioridade racial. Embora fizesse uso de termos médicos e científicos, o autor propôs uma
leitura sociológica da pretensa inferioridade do Brasil em relação aos países desenvolvidos da Europa. Era a primeira
vez que a "incivilidade" brasileira não passava por questões relacionadas à diversidade racial que compunha o país. De
tal forma, Bomfim não só defendia a miscigenação brasileira, como desacreditava na inferioridade das raças e
assegurava que o Brasil só conseguiria mudar os rumos de sua história caso fizesse uma revolução baseada na
universalização da educação. Apesar de ser um homem respeitado no quadro intelectual brasileiro (tendo ocupado
cargos importantes no Rio de Janeiro), sobretudo no que diz respeito à educação nacional, as ideias de Bomfim se
depararam com um forte critico: Silvio Romero. Ainda em 1905, Silvio Romero publicou um livro com o mesmo titulo
do estudo de Manoel Bomfim, no qual refutava todos os argumentos apresentados pelo médico. A notoriedade e a forte
influência de Silvio Romero acabaram encerrando um debate no mínimo interessante sobre as interpretações da história
brasileira, deixando a perspectiva de Manoel Bomfim esquecida por muitos anos (AGUIAR, 2000). Seus argumentos e
sua perspectiva só foram retomados por outros cientistas sociais décadas depois. Ainda nos anos de 1920 e 1930,
despontou no cenário intelectual brasileiro um médico baiano que se dedicou, entre outros assuntos, a estudar a questão
racial ou cultural do Brasil.
nasceu em Alagoas no ano de 1903, estudou medicina na Bahia e, com 23 anos, se fez médico ao defender a tese
intitulada Primitivo e Loucura — obra que recebeu elogios de importantes especialistas no assunto, como Sigmund
Freud e Levi-Brhul. Desde cedo Arthur Ramos estreitou suas relações com a intelectualidade internacional e, durante a
década de 1920, lecionou em diferentes universidades estadunidenses. Defensor ferrenho da Antropologia Participativa
e utilizando inúmeros recursos metodológicos da psicologia e psiquiatria, Ramos atuou em diferentes áreas das ciências
humanas, consagrando-se como um grande estudioso da cultura brasileira. No que diz respeito à questão do negro no
Brasil, Arthur Ramos não só trouxe importantes contribuições, como também chamou atenção para a desigualdade
socioeconômica vivida por este setor da população brasileira. Segundo Luitgarde Barros, ao repudiar qualquer tipo de
explicação biologizante dos comportamentos sociais, Arthur Ramos fez uma análise critica da obra de Nina Rodrigues,
ao mesmo tempo em que foi seu principal divulgador. Em 1934, um ano após Casa Grande e Senzala, de Gilberto
Freyre, Ramos publicou O Negro no Brasil (1940). Nele, o autor demonstrou a grande importância do negro na
formação da sociedade brasileira, dando especial relevo à mestiçagem e ao sincretismo religioso.
Gilberto Freyre
Ainda na década de 1930, contemporâneo de Arthur Ramos, despontou no cenário intelectual brasileiro o
pernambucano Gilberto Freyre, com uma abordagem diferenciada sobre a história do Brasil, sobretudo no que diz
respeito às relações raciais. Falar sobre Gilberto Freyre e Casa Grande e Senzala é uma tarefa no mínimo polêmica. Sua
obra teve um impacto tremendo nas ciências sociais brasileiras e durante muitos anos foi tomada como a interpretação
mais completa sobre as relações raciais no país. Por isso, seguindo a estrutura que permeia esse estudo, é fundamental
compreender ao menos dois lados de Gilberto Freyre:
Filho de importante família da aristocracia rural pernambucana, o escritor concluiu seus estudos na Faculdade de
Ciências Políticas da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Lá entrou em contato com novas perspectivas
analíticas das ciências sociais, principalmente com os estudos da Antropologia Cultural de Franz Boas, que defendia a
ideia da igualdade racial. À forma menos determinista de compreender os processos sociais, Freyre adicionou as
histórias que ouvira quando menino e uma dose cavalar de fontes documentais pouco exploradas até então. O resultado
disso foi uma análise da sociedade e da história brasileira feita pelo e para o Brasil. Dito de outra forma, Freyre
introduziu uma ideia de civilização genuinamente nacional, na qual as ascendências indígena e africana compartilhavam
com a europeia o protagonismo na trajetória brasileira. Publicado em 1933, Casa Grande e Senzala não só rompeu com
o discurso racialista reinante nas ciências sociais brasileiras, como também apontou um novo olhar sobre o país. Uma
das premissas básicas de Freyre dizia que a formação brasileira era um processo resultante do equilíbrio de
antagonismos, fossem eles econômicos, sociais, políticos e até mesmo geográficos (FREYRE, 1933, p.116). Todavia,
Freyre frisou que o maior e mais profundo antagonismo do Brasil era o existente entre escravos e senhores. Vê-se logo,
que a escolha do título Casa Grande e Senzala não foi aleatória. É possível afirmar também que a grande inovação de
Gilberto Freyre residiu, justamente, no exame equilibrado dos dois extremos da sociedade brasileira. Era a primeira vez
que um estudo analisava as contribuições dos escravos negros e, consequentemente, das heranças africanas no Brasil -
na mesma chave utilizada para falar de brancos e indígenas. Junto com essa nova abordagem, a forma por meio da qual
Freyre construiu sua análise também o distanciava dos cientistas sociais da época. Escrito de forma ensaística, com uma
narrativa que muitas vezes se confunde com romances do século XIX, Casa Grande e Senzala é um verdadeiro
inventário da vida íntima brasileira. Segundo o autor, o Brasil nascera da tecnologia indígena empregada na produção
da mandioca, do leite das amas negras que alimentaram os meninos das famílias patriarcais, das experiências sexuais
desses mesmos meninos com as mulatas do país. A intimidade brasileira estava impregnada pela mestiçagem e isso não
fazia o Brasil menos civilizado do que os países europeus. Na realidade, a mestiçagem era a brasilidade. Longe de
esgotar as possibilidades de interpretação da polêmica obra clássica de Gilberto Freyre - o que seria uma tarefa hercúlea
-, é importante pontuar o impacto que Casa Grande e Senzala trouxe para o cenário intelectual brasileiro.
Se por um lado Nina Rodrigues foi o primeiro intelectual a fazer um estudo sistêmico da presença africana no Brasil,
Freyre foi o primeiro que apresentou essa herança africana de forma positiva e em profundo diálogo com as demais
esferas formativas do país. Ainda que a análise de Freyre guarde um tanto de ineditismo e inovação para o período em
que foi publicada, por todas as razões levantadas a pouco, é preciso salientar que, mesmo recuperando de forma positiva
a herança africana e o elemento negro, Gilberto Freyre determina muito bem os locais sociais e políticos dos atores da
história brasileira. Uma vez mais, é forçoso lembrar que a escolha pelo titulo não foi aleatória: aos senhores, cabia a
casa grande; aos escravos, a senzala. A harmonia residia, justamente, nesta dicotomia. Ao privilegiar a noção de
harmonia, a narrativa freyriana acabou suavizando a violência inerente das relações de gênero e sociais características
da história brasileira que pautaram a vida de grande parte das mulheres negras e/ou escravas.
Na realidade, as críticas ao modelo de análise freyriana são inúmeras. É possível reler toda a obra do autor e rediscutir
os pontos por ele levantados. Todavia, o cerne da crítica reside, justamente, na noção de que o Brasil seria composto por
um equilíbrio de antagonismos que pende para a harmonia. Como bem apontado por Renato Ortiz, a ideologia do
sincretismo de Freyre, bem como a ideia do Brasil como um "cadinho das três raças", retira todas as contradições e toda
a violência que marcaram a trajetória social brasileira desde os tempos coloniais (ORTIZ, 1989, p.94-95).
A construção de uma interpretação na qual a sociedade brasileira não apresenta muitos conflitos, e que as relações dos
diferentes sujeitos históricos estava pautada em uma harmonia fundante das relações sociais, permitiu a leitura de que o
Brasil estava desprovido de racismo. A maior prova disso seria a mestiçagem: característica maior da sociedade
brasileira. Intencionalmente ou não, o exame de Freyre ofereceu os dados necessários para a construção da ideologia da
Democracia Racial. O modelo de análise de Gilberto Freyre foi bem recebido em grande parte do círculo intelectual
brasileiro e internacional. Muitos cientistas sociais estrangeiros, sobretudo estadunidenses, passaram a usar o Brasil
como padrão positivo de relações raciais, e realizaram estudos de caso a fim de comprovar a existência do que seria um
"paraíso racial".
Projeto UNESCO
Os horrores da Segunda Guerra também chamaram a atenção para a problemática do racismo em escala mundial. Na
década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) patrocinou um
conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. Conforme sugerido antes, a origem deste projeto estava
associada à agenda antirracista formulada pela UNESCO no final dos anos 1940, sob o impacto do Holocausto. A
aparente harmonia racial no Brasil fazia do país uma espécie de "laboratório vivo". De tal modo, os objetivos do Projeto
UNESCO era determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos que favoreciam ou não a
existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos. Para tanto, jovens cientistas sociais brasileiros e
estrangeiros se incumbiram de analisar a significativa mobilidade e integração do negro na sociedade brasileira
(GUIMARÃES, 2004). Antônio Sérgio Guimarães pontuou duas grandes contribuições deste Projeto para os estudos
das questões raciais no Brasil:
Parte dos estudos patrocinados pelo Projeto UNESCO comprovou a inexistência da Democracia Racial no Brasil. No
entanto, os trabalhos feitos na década de 1970 realizaram importante critica a tais estudos, ao mostrar que os fatores
econômicos que protagonizavam as análises não eram suficientes para responder as razões que levariam à discriminação
racial no Brasil. Dito de outra forma, os estudos que se iniciaram na década de 1970 afirmavam que a raça (como
construção social) era, sim, um fator de distinção na sociedade brasileira; o pertencimento a determinada classe não
dava conta de explicar o racismo no Brasil.
Florestan Fernandes
Inúmeros trabalhos ligados ao Projeto UNESCO apontaram que o Mito da Democracia Racial era infundado. Um dos
estudos mais importantes neste período foi feito por Florestan Fernandes. Em A integração do Negro na sociedade de
Classes (1964), Florestan analisou os meios pelos quais parte da população negra da cidade de São Paulo integrou-se à
sociedade capitalista. Ao trabalhar com inúmeros estudos de caso, o sociólogo mostrou que a maior parte dos homens e
mulheres egressos do cativeiro teve uma modesta inserção na sociedade capitalista graças à cor da sua pele e à evidente
preferência dos patrões por funcionários brancos.
Oracy Nogueira
No campo da antropologia culturalista, destacou-se o trabalho pioneiro e inovador de Oracy Nogueira grande seguidor
dos ensinamentos de Pierson. Em certa medida é possível afirmar que Nogueira ampliou os estudos de seu professor, ao
questionar as conclusões de Pierson sobre a inexistência do racismo tatu senso, no Brasil. Se o professor norte-
americano negou a discriminação racial em detrimento da discriminação socioeconômica, é possível afirmar que Oracy
Nogueira demonstrou que os dois sistemas discriminatórios conviviam no Brasil. Grosso modo, as conclusões de Oracy
Nogueira apontavam que negros e mestiços compunham a grande maioria da população que exercia atividades
subalternas, enquanto os brancos ocupavam lugar de destaque. De acordo com o próprio autor: “cor branca facilita a
ascensão social, porém, não a garante, por si mesma; de outro lado, a cor escura implica antes numa preterição social
que numa exclusão incondicional de seu portador " (NOGUEIRA, 1998). Observa-se, então, que, segundo as pesquisas
de Oracy Nogueira, a cor da pele tinha forte influência no desempenho socioeconômico dos indivíduos. Ao se
desvencilhar da comparação com o modelo de relações raciais dos Estados Unidos, Oracy conseguiu desenvolver dois
conceitos-chave das relações raciais no Brasil: o preconceito racial de marca e o preconceito racial de origem. Ainda
que os dois trabalhos apontados tenham seguido métodos analíticos distintos, ambos foram eficazes em apontar que a
harmonia das três raças brasileiras era uma farsa. Embora o negro tenha sido o principal objeto de análise dos trabalhos
citados (é necessário frisar que Florestan Fernandes fez importantes trabalhos sobre povos indígenas do Brasil, como os
Tupinambás), a desconstrução do mito da democracia racial, ou do "cadinho das três raças", permitiu que novas
questões fossem colocadas na agenda de debates da sociedade brasileira. Os movimentos sociais incorporaram parte do
debate acadêmico e passaram a fazer novas exigências para o estado de um país que, sabidamente, estava longe de ser
um paraíso racial.
Introdução
Avaliar alguns aspectos da história do índio brasileiro. Conhecer a política e a legislação indigenista brasileira,
analisando a atuação de órgãos como o Serviço de Proteção aos Índios (SNI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
ECO 92
Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, que ficou conhecida como ECO 92. A Conferência inaugurou o conceito de desenvolvimento
sustentável e contribuiu para a mais ampla conscientização de que os danos ao meio ambiente eram majoritariamente de
responsabilidade dos países desenvolvidos. Reconheceu-se, ao mesmo tempo, a necessidade dos países em
desenvolvimento receberem apoio financeiro e tecnológico para avançarem em direção ao desenvolvimento sustentável.
A questão indígena também ganhou espaço no debate, pois qualquer reflexão sobre meio ambiente no Brasil precisa
levar em consideração as diferentes etnia desses sujeitos. No entanto, o Brasil tem uma questão a ser resolvida em
relação a essas sociedades, que é a sua definição. O critério da auto identificação étnica vem sendo o mais amplamente
aceito pelos estudiosos da temática indígena. Na década de 1950, o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro baseou-se na
definição elaborada pelos participantes do II Congresso Indigenista Interamericano, no Peru, em 1949, para assim
definir, no texto "Culturas e línguas indígenas do Brasil", o indígena como:
Uma definição muito semelhante foi adotada pelo Estatuto do Índio (Lei n° 6.001, de 19/12/1973), que norteou as
relações do Estado brasileiro com as populações indígenas até a promulgação da Constituição de 1988. Nessa aula será
analisada, então, a questão indígena na contemporaneidade brasileira. Quando os portugueses chegaram ao Brasil,
encontraram um número significativo de povos autóctones a quem chamaram índios. Ainda que eles julgassem estar
frente a uma raça diferente, ainda nos primeiros anos de colonização, os lusitanos conseguiram encontrar traços
específicos que diferenciavam essas sociedades, apontando parte da complexidade que regeu a vida desses grupos. O
processo colonial foi extremamente violento com as sociedades indígenas. As estimativas apontam que no início do
século XVI existiam entre 1 e 10 milhões de índios, no que hoje é o Brasil. Esses habitantes se dividiam em diferentes
povos, com culturas, crenças e línguas diferentes. Vimos nas primeiras aulas do curso que dezenas de milhares de índios
morreram em decorrência da colonização da América portuguesa. Gripe, sarampo, tuberculose e varíola mataram
sociedades indígenas inteiras, contribuindo para aquele que foi o maior genocídio da história da humanidade. Junto com
a mortandade causada pela falta de imunidade indígena, a efetivação do sistema colonial trouxe muitas mudanças nos
padrões organizacionais desses povos.
Resumidamente, as sociedades indígenas que habitavam o Brasil tinham sua economia organizada em modos de
produção de uso, ou seja, produziam o suficiente para o consumo interno.
Ainda que pesquisas recentes apontem a presença de moeda em algumas sociedades indígenas que habitavam a bacia
amazônica, grande parte das trocas realizadas entre esses grupos ocorria por meio do escambo. A instauração do
aparelho colonial, a produção do açúcar, o movimento das bandeiras e a criação de gado fizeram com que tais
sociedades tivessem que se adaptar a um ritmo de trabalho extremamente pesado, o que, uma vez mais, acarretou na
morte de milhares de índios e na desestruturação das sociedades que entraram em contato com os colonos europeus. A
catequese foi outro instrumento de colonização e, justamente por isso, um processo que desestruturou boa parte dos
povos indígenas. Embora muitos missionários objetivassem levar a verdadeira fé aos índios, e em muitos casos tenham
(na sua perspectiva) defendido os indígenas, a conversão ao catolicismo, a criação de uma língua geral e até mesmo os
movimentos de resistência eram indícios de que o contato entre portugueses e índios estava criando novas formas de
sociabilidade, sobretudo para os últimos, que estavam subjugados dentro do sistema colonial que se forjava. Estudos
recentes apontam que, atualmente, os únicos grupos que não tiveram suas línguas alteradas pelo contato com os
portugueses foram os Fulniô (de Pernambuco), os Maxakali (de Minas Gerais) e os Xokleng (de Santa Catarina).
Interessante notar que nenhuma das sociedades apontadas pertence à família Tupi, mas estão ligadas ao tronco Macro-
Jê. Durante todo o período colonial, os portugueses e colonos nascidos na América utilizaram os índios não só como
mão de obra barata (ou então escrava), mas também fizeram uso de seus saberes. A técnica da coivara foi levada a
proporções imensas. A região das minas foi encontrada graças a ajuda indígena; remédios eram feitos com base nos
saberes de pajés e xamas e a mandioca transformou-se na base da alimentação da colônia durante 300 anos.
Findo o período colonial, os índios continuaram fazendo parte da história brasileira. Em meados do século XIX, uma
determinada ideia de índio foi criada pelos intelectuais brasileiros, que a utilizaram como ícone de herói nacional. No
final desse mesmo século e no início do século seguinte, os índios que habitavam a região norte do país foram
fundamentais para as atividades extrativistas. Sociedades indígenas inteiras foram — direta e indiretamente —trabalhar
na busca pelo látex, bem como nos movimentos exploratórios da região amazônica. Foi nesse contexto que o positivista
Marechal Rondon despontou no quadro nacional.
Marechal Rondon
Nascido em maio de 1865 no Mato Grosso, Cândido Rondon era de origem indígena. Seus familiares de parte de mãe
eram descendentes de Bororo e Terena, enquanto seu bisavô paterno era Guará. Foi criado pelo tio até ingressar na
Escola Militar no Rio de Janeiro. Anos mais tarde, tornou-se o responsável pela Comissão de Construção da linha
telegráfica que ligaria Goiás ao Mato Grosso. Para cumprir essa missão, Rondon abriu caminhos e desbravou terras
entrando em contato com diversos povos indígenas como os Bororo, Nhambiquara, Urupá, Jaru, Karipuna, Ariquemes,
Boca Negra, Paca ás Novo, Macuporé, Guaraya e Macurape. Em 1907, no posto de major do Corpo de Engenheiros
Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveria construir a linha telegráfica de Cuiabá a Santo Antonio do
Madeira, a primeira a alcançar a região amazônica, e que foi denominada Comissão Rondon. Seus trabalhos
desenvolveram-se de 1907 a 1915. Nesta mesma época estava sendo construída a ferrovia Madeira-Mamoré, que junto
com o desbravamento e integração telegráfica de Rondon ajudaram a ocupar a região do atual estado de Rondônia.
Nesse meio tempo, Rondon organizou e dirigiu o Serviço de Proteção aos Índios (1910). O objetivo principal da SPI era
proteger os índios frente à escravização que estava ocorrendo no norte do país, bem como promover a integração dos
mesmos, tendo em vista que tal órgão acreditava que o "índio" era um estágio transitório que precisava ser tutelado até
transformar-se em um proletário rural ou urbano.
Como chefe da SPI, o Marechal Rondon comandou e traçou o roteiro da expedição que o ex-presidente dos Estados
Unidos, Theodore Roosevelt, fez pelo interior brasileiro entre 1913 e 1914, que ficou conhecida como a Expedição
Roosevelt-Rondon. Cândido Rondon passou a ser assim, o principal intermediário entre o Estado brasileiro e os grupos
indígenas. Embora essa relação nem sempre fosse pacífica, graças aos esforços e a mediação de Rondon, inúmeras
expedições foram feitas na bacia amazônica, o que apresentou uma diversidade ainda maior dentre os índios do Brasil.
Ele publicou o livro Índios do Brasil, em três volumes, editado pelo Ministério da Agricultura. Incansável defensor dos
povos indígenas do Brasil ficou famoso por sua frase: "Morrer, se preciso for; matar, nunca". Rondon teve sua
importância reconhecida inúmeras vezes pelo governo brasileiro, recebendo diversas homenagens, como nome dado ao
estado de Rondônia. Marechal Rondon morreu em 1955, aos 92 anos de idade.
A partir das décadas de 1920 e 1930, os movimentos exploratórios da Amazônia despertaram não só interesses
econômicos, mas também chamaram a atenção de muitos intelectuais brasileiros. Conforme visto em aulas anteriores,
nesse período havia um forte debate sobre a identidade nacional brasileira, que passava a encarar a mestiçagem de
forma positiva. Embora boa parte dos estudos históricos e sociológicos se detivesse ao exame do legado africano no
Brasil, os antropólogos (brasileiros e estrangeiros) iniciaram uma série de análises sobre os grupos indígenas. Foi graças
a esses trabalhos que o arquétipo de índio construído no século XIX foi desmontado. Em primeiro lugar, os estudos
antropológicos apontaram que era impossível falar de índio no singular. O contato com os portugueses e demais colonos
havia transformado padrões socioeconômicos e culturais. O estudo das línguas indígenas demonstra isso.
Texto na íntegra disponível em: www.funai.gov.br. Tais estudos criaram novas demandas estatais. Em 1939 foi
instituído o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI, Decreto n° 1.794, de 22 de novembro de 1939), órgão
que permitiu que antropólogos destacados atuassem na formulação das políticas indigenistas brasileiras. Era preciso
reavaliar a política "sertanista" do SPI que, em certa medida, dava continuidade às premissas coloniais como a
distribuição de presentes, a defesa de vestir os índios, ensinar-lhes a tocar instrumentos e a comportar-se como
ocidentais. O "governo dos índios" exigia ainda uma boa formação científica e "espírito de dedicação à causa pública".
A produção de informações cartográficas e ambientais era fundamental para subsidiar as atividades de conquista e
exploração comercial do interior. Além disso, a proposta de registrar minuciosamente as expedições acabou por
contribuir com a formação da antropologia no Brasil e das coleções de cultura material indígena dos museus brasileiros
e estrangeiros. Tal política já vinha sendo questionada pelos irmãos Villas-Boas que ficaram famosos por suas
expedições na região central do Brasil entre as décadas de 1940 e 1960.
Nesse contexto, antropólogos importantes como Heloísa Alberto Torres, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira,
Eduardo Galvão, tentaram levar ao SPI as premissas antropológicas da época, questionando os cânones e práticas
sertanistas. Embora considerassem inevitável a integração dos índios à sociedade nacional, defendiam que o órgão
indigenista não se comprometesse a estimular este processo. As discussões que propunham estavam em consonância
com os debates latino-americanos e internacionais mais amplos realizados no âmbito da Organização das Nações
Unidas (ONU), que, em 1957, promulgou, através da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção nº
107 “Sobre a Proteção e Integração das Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais de Países
Independentes”, que apenas foi ratificada pelo Brasil em 1966 (Decreto nº 58.824/66). Os poucos recursos destinados
ao SPI e o baixo grau de profissionalização dos seus funcionários (muitos deles militares e trabalhadores rurais que não
tinham qualquer conhecimento frente às questões indígenas) e acusações de genocídio levaram à extinção do órgão
juntamente com o CNPI.
Em 1967 foi criada a Fundação nacional do Índio (FUNAI) cujo principal objetivo era servir como tutora dos índios
brasileiros. A partir de então, cabe à FUNAI promover a educação básica aos índios; demarcar, assegurar e proteger as
terras por eles tradicionalmente ocupadas; estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos
indígenas. A Fundação tem, também, a responsabilidade de defender as comunidades indígenas; promover o interesse
da sociedade nacional pelos índios e suas causas; e gerir o seu patrimônio e fiscalizar suas terras, impedindo ações
predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de seus limites e que
representem um risco à vida e à preservação desses povos.
Uma das questões mais trabalhadas pela FUNAI é a demarcação das terras indígenas. Na legislação brasileira terra
indígena é “a terra tradicionalmente ocupada pelos índios, por eles habitada em caráter permanente, utilizada para as
suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e para à
sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Atualmente, para uma terra ser reconhecida e
demarcada como indígena, ela precisa passar por um longo processo:
Observa-se que esse é um processo longo e burocrático, e que ainda tem que se deparar com outros obstáculos. De um
lado, os interesses econômicos, sobretudo a exploração madeireira e a derrubada sistemática da floresta amazônica para
a criação de gado e a produção de soja têm colocado sociedades indígenas, a FUNAI e os grandes proprietários de terra
em constante embate. De outro, a noção de terra e território dos grupos indígenas é muito mais fluida do que a lei
brasileira determina. Conforme visto nas primeiras aulas do curso, a maior parte das sociedades indígenas era nômade
ou seminômade o que, por si só, já aponta outros usos e significados da terra para esses povos.
Percebe-se, então, que as questões referentes às populações indígenas ainda estão longe de uma solução que agrade os
diferentes sujeitos, principalmente os índios. Embora a presença indígena e o legado por eles deixado na história e nos
costumes do Brasil sejam cada vez mais reconhecidos, ainda falta muito para que sua integração seja feita de forma
efetiva, levando em consideração não só os interesses da União, mas a diversidade indígena em suas múltiplas facetas.
Introdução
Nessa aula serão estudados diferentes momentos da trajetória da luta dos afrodescendentes na construção de outra
memória brasileira. O objetivo é recuperar questões levantadas desde o começo do século XX por atores
reconhecidamente afrodescendentes, analisando as muitas direções que tais movimentos tomaram durante cem anos de
luta.
Objetivos
Reconhecer as diferentes facetas do Movimento Negro; Analisar os diferentes momentos da trajetória da luta dos
afrodescendentes na construção de outra memória brasileira; Analisar as lutas enfrentadas por afrodescendentes na
busca por igualdade socioeconômica no Brasil República.
João Cândido
O ano de 1910 foi marcado pela luta dos marinheiros brasileiros pelo fim dos castigos corporais. Embora o uso da
chibata como castigo na Armada brasileira já houvesse sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano,
na prática, os marinheiros, cuja grande maioria era formada por homens negros e mestiços, continuavam a receber as
punições. Era um claro resquício da escravidão. O estopim da Revolta ocorreu no dia 16 de novembro de 1910, quando
foi publicado em diferentes jornais brasileiros que o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes havia sido punido
com 250 chibatadas aplicadas na frente de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais. Seis dias depois, lideradas
pelo marinheiro e filho de ex-escravos, João Cândido, tripulações de diferentes embarcações em todo Brasil fizeram um
levante por meio do qual reivindicavam a abolição da chibata na marinha, com o lema: “nós, marinheiros, cidadãos
brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira”. Foram quatro dias de muita
tensão. A cidade do Rio de Janeiro estava sob a mira dos canhões da marinha e, caso as reivindicações não fossem
atendidas, a cidade seria atacada. Todavia, após inúmeras negociações, os marinheiros conseguiram fazer com que as
autoridades brasileiras se comprometessem a acabar com as punições e terminaram o levante. Porém, a história não
acabou aí. Ainda que o Congresso brasileiro tenha votado pela anistia dos marinheiros envolvidos, logo depois de se
entregarem, grande parte dos sublevados foi presa ou morta pelas próprias autoridades. O líder, João Cândido, passou
alguns anos preso na Ilha das Cobras e depois foi expulso da marinha. Ele faleceu em janeiro de 1969, aos 89 anos,
esquecido por seus contemporâneos. A trágica história de João Cândido é uma das tantas que demonstra a luta que
milhares de afrodescendentes tiveram que experimentar em busca de melhores condições de vida em um país marcado
pelas diferenças raciais.
Existe uma vertente historiográfica que defende que o Movimento Negro surgiu ainda sob a égide da escravidão, por
meio da participação negra no movimento abolicionista. Fundado na Inglaterra, no início do século XIX, o
abolicionismo foi um movimento que pregava o fim do cativeiro. Tal movimento existiu em diferentes partes do mundo
e foi fundamental para a abolição da escravidão em diversos países americanos. No Brasil não foi diferente. No caso
brasileiro, a manutenção da escravidão e do tráfico, mesmo após a independência em 1822, fez com que o movimento
abolicionista só ganhasse força dentre as classes dirigentes do Império a partir da década de 1860. Neste período, o
tráfico já havia sido extinto — por meio da Lei Euzébio de Queiroz, aprovada em 1850 — e debates sobre o futuro da
escravidão, que eram pautas de praticamente todos os jornais do país. A incerteza quanto à manutenção da escravidão
facilitou a propagação dos ideais e práticas abolicionistas. Profissionais e intelectuais que eram contrários à escravidão
no Brasil organizaram associações e jornais por meio dos quais pudessem divulgar suas ideias. Conforme mencionado,
muitos descendentes diretos da escravidão fizeram parte deste movimento. Periódicos como A Gazeta da Tarde, cujo
editor era José do Patrocínio, e A Redenção foram instrumentos importantes na luta abolicionista. Em pouco tempo, o
número de associações abolicionistas cresceu. Tais organizações não apenas faziam denúncias contra a escravidão por
meio dos artigos escritos nos jornais, dos discursos feitos em praça pública e das peças teatrais encenadas em
importantes teatros do Brasil, realizavam também festas e reuniões nas quais arrecadam dinheiro que seria usado na
compra da alforria de alguns escravos.
No ano de 1871, o Senado brasileiro aprovou a Lei nº 2040, mais conhecida como a Lei do Ventre Livre, determinando
que a partir daquela data (28\09\1871) todas as crianças nascidas de ventre escravo seriam livres. Para garantir que
receberiam bons cuidados e que não seriam separados das mães, todos os senhores deveriam ficar com os recém-
nascidos até eles completarem oito anos de idade. Depois disso, o senhor de sua mãe poderia escolher receber 600 mil
réis do governo e dar a liberdade total para a criança ou então utilizar os serviços dessa criança até ela completar vinte e
um anos. A Lei nº 2040 ainda reconheceu que todo escravo que tivesse o dinheiro necessário poderia comprar sua
liberdade, independentemente da vontade senhorial de conceder ou não a carta. Ainda que as condições de liberdade
garantidas pela lei fossem de médio prazo e que permitissem aos senhores utilizar os filhos de suas escravas durante o
período em que eles tinham grande potencial de trabalho, a garantia do Estado brasileiro sobre a liberdade de todos
aqueles que nasceram após 28 de setembro de 1871 deu mais força para os abolicionistas.
Iniciativas importantes
1879 - Em 1879, André Rebouças fundou a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e Joaquim Nabuco, junto com
José do Patrocínio, criou a Confederação Abolicionista, ambas na cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil na época.
Os poemas de Castro Alves que denunciavam as atrocidades da escravidão também foram armas importantes na luta
abolicionistas. Além do jornais e associações, o abolicionismo também virou ação. Casos de violências extremadas
contra cativos passaram a ser defendidos por importantes advogados, homens e mulheres de diferentes localidades
começaram a fazer doações com o intuito de comprar alforrias. As fugas massivas de escravos e a formação de
quilombos passaram também a contar com a ajuda de intelectuais brasileiros.
1883 - Participação Popular - A população aderiu ao movimento de diferentes formas. O caso mais emblemático
ocorreu no Ceará, em 1883, quando jangadeiros liderados por Francisco José do Nascimento e João Napoleão, ex-
escravos, se recusaram a transportar os cativos que desembarcavam no porto cearense. Essa manifestação rapidamente
ganhou mais adeptos e teve tanta repercussão que obrigou as autoridades locais e decretaram o fim da escravidão no
Ceará em 1884, quatro anos antes da extinção nacional da escravidão. Nesse mesmo ano, a província de Amazonas
também a aboliu.
Ações rebeldes - Embora os senhores e o governo brasileiro ameaçassem e até mesmo entrassem em confronto com
abolicionistas, a pressão contra a escravidão aumentava a cada dia e os escravos intensificaram suas ações rebeldes.
1884 - As fugas em massa para cidades e a formação de quilombos foram as principais estratégias utilizadas pelos
escravos. Neste período, o quilombo de Jabaquara, próximo a Santos, e o quilombo do Leblon tornaram-se famosos em
todo pais devido às suas estreitas relações com o movimento abolicionista. No vale do Paraíba e no Oeste Paulista,
principais regiões econômicas do Brasil naquele período, os escravos também iniciaram atos violentos contra seus
senhores e suas propriedades.
1885 - Lei do Sexagenário - Mais uma vez, o Estado brasileiro tentou apaziguar a situação decretando mais uma lei
abolicionista. Em 1885, foi promulgada a lei do Sexagenário que determinava que todos os escravos, homens e
mulheres, com mais de sessenta anos estariam automaticamente livres. Todavia, essa lei pouco mudou o quadro social
fomentado pelos abolicionistas e escravos.
1888 - Lei Áurea - Se não bastasse todo o alvoroço interno causado pelo abolicionismo, as autoridades brasileiras ainda
tinham que lidar com a Inglaterra, que desde o começo do século XIX pressionava as autoridades brasileiras a acabar
com a escravidão. Em meio a um contexto tão conflituoso, não havia mais nenhuma forma de mantê-la. Deste modo,
em 13 de maio de 1888, a princesa Izabel, filha do Imperador D. Pedro II que estava ausente, assinou a Lei Áurea, na
qual foi "declarada extinta desde a data dessa Lei a escravidão no Brasil".
A abolição da escravidão
A abolição da escravidão causou uma verdadeira comoção na população brasileira. Missas e festas foram realizadas
para comemorar o feito que, além de acabar com o escravismo, não ressarciu nenhum proprietário. Estava totalmente
extinta uma instituição que vigorou por mais de trezentos e cinquenta anos.
A abolição da escravidão era apenas uma das etapas na luta por igualdades sociorraciais no Brasil. Conforme visto nas
aulas 6 e 7, junto com a República brasileira nasceu a busca por uma identidade que a diferenciasse do Império
escravista, mas que, ao mesmo tempo, desse conta do debate racialista internacional. A fim de combater práticas
racistas, ou de lutar por melhores condições de vida e de trabalho, entre o final do século XIX e começo do século XX,
trabalhadores e intelectuais negros de diferentes localidades do Brasil começaram a se organizar para discutir a
discriminação sofrida, pensar alternativas para a melhoria da condição de vida dos afro-brasileiros e proporcionar
momentos de lazer que até então eram negados para essa parcela da população.
Associações e Grêmios
Um dos primeiro movimentos foi criar associações e grêmios que permitissem não só o encontro, mas o debate. Em
São Paulo, que na época já era o principal centro econômico do país, foram fundados o Centro Cultural Henrique Dias,
a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos e o Grêmio Dramático Recreativo e Literário “Elite da Liberdade”.
Associações e grêmios semelhantes foram criados nas demais cidades brasileiras. Nessas organizações eram realizados
diversos tipos de atividades como festas, bailes e reuniões ¯ ocasiões em que havia diversão, discussão e diversas redes
de solidariedades e amizade eram estabelecidas.
Imprensa Negra
Todavia, as questões experimentadas pela população negra não ficaram restritas às associações e grêmios. Como os
meios de comunicação da época apenas reproduziam os padrões de beleza europeus e estampavam a população negra
como “criminosas em potencial” ― reforçando, assim, o racismo ―, diversas das organizações negras que compunham
as associações e grêmios se articularam e fundaram jornais voltados para a população negra. Não por acaso tais jornais
ficaram conhecidos como: imprensa negra. Esses jornais, em parte influenciados pelos periódicos escritos pelos e para
os imigrantes, eram direcionados a uma elite de homens e mulheres negros e mestiços, que, mesmo pequena, tinha
representantes em diferentes localidades do Brasil. Alguns deles eram jornais muito semelhantes aos produzidos no
restante do país e pouco, ou quase nunca, tocavam na problemática do racismo. Nesses casos, os periódicos traziam
ofertas de emprego, anúncios de concursos de beleza e outras notícias cotidianas. No entanto, em periódicos como O
Clarim d´Alvorada, A Liberdade, a Sentinela, O Alfinete, e O Baluarte, jornalistas e intelectuais negros não só
denunciavam situações de preconceito racial, como também usavam o jornal para ajudar na educação e aumentar a
autovalorização da população negra e mestiça ¯ questões que não tinham espaço nos outros jornais brasileiros. Alguns
periódicos chegaram a abrir espaços para que seus leitores publicassem poemas e contos. E não foi por acaso que
muitos jornais da imprensa negra faziam menção constante aos abolicionistas brasileiros.
Em geral, havia uma grande preocupação em transmitir mensagens morais que pregavam contra a vadiagem e
enalteciam o trabalho e o trabalhador negro. Produzidos em pequenas gráficas e muitas vezes contando unicamente com
o financiamento de seus editores ou com o dinheiro angariado em rifas, a grande parte desses jornais tinha uma pequena
tiragem e era distribuída gratuitamente ou então vendida a custos baixos nas organizações e agremiações frequentadas
pela população negra. Porém, uma vez mais, a solidariedade entre os membros da comunidade negra se fez sentir.
Em 1931, foi fundada em São Paulo a Frente Negra Brasileira. A FNB, como ficou conhecida, era uma organização que
objetivava integrar a população negra na sociedade, seguindo os padrões vigentes. Tal organização se empenhou em
criar as condições necessárias para que a população negra pudesse ingressar no competitivo mercado de trabalho. Em
pouco tempo, outras filiais dessa organização foram criadas em todo país. A FNB proporcionou a alfabetização de
centenas de negros e criou cursos de costura para que as mulheres negras pudessem se inserir no mercado de trabalho.
Era lá que operários negros se encontravam para debater assuntos referentes a seu trabalho e à discriminação que
sofriam e ainda recebiam assistência médica a preços acessíveis. A Frente Negra Brasileira teve papel fundamental na
ampliação de redes de solidariedades entre negros de todo o Brasil e no combate contra o racismo, provando a
capacidade intelectual da população negra. Todavia, graças a sua vertente partidária, a FNB, assim como os jornais da
imprensa negra, foi fechada a mando de Getúlio Vargas em 1938.
Porém, o fechamento da FNB e dos jornais da imprensa negra não representou o fim da luta da população negra. Em
1944, Abdias do Nascimento fundou o Teatro Experimental do Negro. Além de recuperar heranças africanas como o
candomblé, o TEN promoveu congressos e, principalmente, provou que o Brasil tinha talentosos atores, poetas,
bailarinos e músicos negros, incomodando muitas emissoras de televisão e jornais do Brasil.
Jornal Quilombo
Quatro anos depois, Abdias do Nascimento e outros intelectuais negros fundaram um dos jornais mais famosos da
imprensa negra: o Quilombo, publicado entre 1948 e 1950. Diferentemente dos outros periódicos, o Quilombo contava
com a participação de jornalistas negros e brancos, tinha forte diálogo com intelectuais negros do Caribe, África e
Estados Unidos e dava especial atenção à cultura afro-brasileira, sobretudo às manifestações artísticas e culturais
realizadas pelos negros do Brasil. Por meio da exaltação de importantes personagens negras da história brasileira, o
Quilombo permitiu que muitos negros, especialmente aqueles que estavam na classe média, criassem uma identidade
negra que tivesse um respaldo histórico. Muitos dos intelectuais que fizeram parte do corpo editorial do jornal
Quilombo tinham grande diálogo com os movimentos internacionais que combatiam o racismo, inclusive com o Pan-
africanismo, e com importantes lideranças negras dos Estados Unidos envolvidas na luta pelos direitos civis dos negros
estadunidenses.
Panteras Negras
Além de exaltar a cultura negra, esses movimentos passaram a fazer reivindicações constantes contra o racismo e a
favor da igualdade de oportunidade entre negros e brancos. Na década de 1980, foi fundando o Movimento Negro
Unificado que, com outras organizações parecidas, inclusive movimentos e ONGs que trabalham com a dupla
discriminação sofrida pelas mulheres negras, tem lutado para que negros e mestiços tenham a mesma oportunidade que
o restante da população brasileira. As denúncias e o combate desses movimentos fizeram com que intelectuais negros e
brancos tivessem que revisitar a história brasileira para acabar com a ideia de que o Brasil era um país sem racismo. As
provas da discriminação racial no Brasil serviram de base para a exigência de melhorias urgentes na vida dessa parcela
da população e na adequação do racismo como crime inafiançável. Mesmo assim, essa luta ainda está longe de terminar.
Outra importante ação desses movimentos foi recuperar importantes figuras negras da história do Brasil, como Zumbi
dos Palmares que, atualmente, é considerado um dos heróis brasileiros.
Nessa aula pretende-se compreender a importância da Constituição brasileira de 1988 para o reconhecimento de direitos
há muito pleiteados pelo Movimento Negro e por representações indígenas. Objetiva-se também perceber que o fato do
repúdio ao racismo estar no contexto da Constituição acima citada possibilitou a elaboração e a implementação de
inúmeras políticas públicas garantidoras de seu cumprimento, sobretudo o sistema de cotas nas universidades
brasileiras.
Objetivos
Compreender a importância da Constituição brasileira de 1988 para o reconhecimento de direitos há muito pleiteados
pelo Movimento Negro e por representações indígenas; Analisar o fato do repúdio ao racismo estar no texto da
Constituição brasileira de 1988 e ter possibilitado a elaboração e a implementação de inúmeras políticas públicas
garantidoras de seu cumprimento, sobretudo o Sistema de Cotas nas Universidades brasileiras.
Introdução
Em 2007, o relator especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias observou que o homicídio era a
principal causa de mortes entre pessoas com idade entre 15 e 44 anos, com 45 mil a 50 mil homicídios cometidos todo
ano”, diz documento. “As vítimas são, em sua maioria, jovens do sexo masculino, negros e pobres.” "O relatório com
observações de 22 ONGs alerta para altos índices de discriminação racial e sexual e enfatiza o problema da violência.
Também chama a atenção para a distância entre a legislação e sua prática. A Anistia Internacional afirma que, com a
Constituição de 1988, o Brasil adotou 'as leis mais progressistas para a proteção dos direitos humanos da América
Latina'. `No entanto, persiste um enorme fosso entre o espírito dessas leis e sua implementação', diz a organização."
Fonte: Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 2008.
A reportagem acima apresenta um fato conhecido por boa parte dos brasileiros: a persistência do racismo em diferentes
esferas no Brasil. Em tese, tais práticas deveriam ter sido extintas ou, no mínimo, severamente controladas e punidas
pelas autoridades estatais que, desde 1988, tem como ferramenta a Constituição brasileira. Porém, o racismo no Brasil é
repleto de sutilezas que muitas vezes impedem que a lei seja cumprida. Em 2009, uma pesquisa realizada pela
Universidade de São Paulo concluiu que o Brasil não é um país racista, mas um lugar onde existe racismo. Dentre as
pessoas entrevistadas, 97% afirmaram não ter nenhum tipo de preconceito racial, mas 98% afirmou conhecer alguém
que pratica ou já praticou discriminação racial. Tal constatação é uma contradição, que acaba se tonando a base das
relações raciais no Brasil.
Nessa aula será abordada parte da luta contra o racismo no país, bem como as ações estatais que tentam alcançar esse
objetivo.
O samba
Os tempos idos Nunca esquecidos Trazem saudades ao recordar É com tristeza que eu relembro Coisas remotas que não
vêm mais Uma escola na Praça Onze Testemunha ocular E junto dela balança Onde os malandros iam sambar Depois,
aos poucos, o nosso samba Sem sentirmos se aprimorou Pelos salões da sociedade Sem cerimônia ele entrou Já não
pertence mãos à Praça
Já não é mais o samba de terreiro Vitorioso ele partiu para o estrangeiro E muito bem representado Por inspiração de
geniais artistas O nosso samba de, humilde samba Foi de conquistas em conquistas Conseguiu penetrar o Municipal
Depois de atravessar todo o universo Com a mesma roupagem que saiu daqui Exibiu-se para a duquesa de Kent no
Itamaraty
Ao retratar a trajetória do samba no Brasil, o cantor e compositor Cartola mostrou que o ritmo musical que nasceu com
as quitandeiras baianas na Praça Onze conseguiu vencer os preconceitos e ganhar o estrangeiro. Hoje, o samba é uma
das marcas do Brasil. Quando se fala em uma comida tipicamente brasileira, qual a primeira palavra que vem à cabeça?
E um ritmo musical? E o esporte? A feijoada e o samba, que se tornaram símbolos do Brasil, são heranças diretas dos
africanos que para cá foram trazidos. A capoeira, que no passado foi responsável pela prisão de muitos escravos e
libertos, hoje se transformou em sinônimo de esporte brasileiro. Os africanos também trouxeram diferentes tipos de
tambores e outros tantos instrumentos musicais que permitiram que a música brasileira se tornasse tão diversificada.
Tambores, atabaques, agogôs, cuícas, berimbaus, zabumbas são alguns dos instrumentos presentes em diferentes ritmos
musicais brasileiros. Tão diversificado quanto os instrumentos são os tipos de músicas brasileiras que herdaram a
harmonia, o ritmo ou a cadência de diferentes regiões da África.
O samba (palavra que também tem origem africana e significa divertir-se) talvez seja o maior exemplo disso. Ele foi
criado na segunda metade do século XIX, na Pedra do Sal, que ficava no Morro da Conceição, situado na região central
do Rio de Janeiro. Nesse local, escravos e libertos, africanos e crioulos se encontravam no final do dia para fazer música
e conversar. Já no século XX, o samba sofreu influências de outros ritmos musicais, como o maxixe, e introduziu outros
instrumentos, transformando-se no que se conhece hoje. O samba proporcionou a criação de uma ampla rede de
amizade e solidariedade entre pessoas negras, principalmente nos morros cariocas. Porém, o ritmo do samba foi tão
contagiante que costuma se dizer que ele “desceu o morro” e revelou grandes músicos brasileiros como Cartola, Dona
Ivone Lara, Martinho da Vila e Paulinho da Viola; tornando-se, assim, uma música tipicamente brasileira. Atualmente
existem diferentes tipos de samba, como o samba-enredo, tocado pelas escolas de samba, e o samba de roda, mais
encontrado em regiões rurais do Brasil, onde as pessoas tocam e dançam em forma de roda.
Arte e Cultura
Maxixe, forró, maculelê, baião, frevo, pagode e o afoxé são outros ritmos musicais criados a partir de instrumentos e
ritmos vindos da África e recriados no Brasil. Essas músicas criadas com as heranças africanas eram acompanhadas por
tipos diferentes de danças e festividades.
O Carnaval
O Carnaval é uma das festividades mais importantes do Brasil. Desde o período colonial, o Carnaval também era
brincado por, escravos e libertos, que viam nesse festejo uma das poucas oportunidades de diversão concedidas por seus
senhores. Com o passar dos anos, o Carnaval foi influenciado por cada região brasileira. As escolas de samba tornaram-
se a marca registrada do Carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na Bahia, os blocos de carnaval e os trios elétricos
levam multidões ao som de afoxés e da axé music. Já Recife é embalado pelo som do frevo. Os bailes e os blocos são
encontrados em todo o Brasil.
Artes plásticas
A música e as festas populares brasileiras não são as únicas manifestações culturais que apontam o legado africano no
Brasil. No campo das artes plásticas também é possível observar forte presença da população negra, seja ela objeto ou
sujeito das obras.
Observa-se, então, que aquilo que hoje é chamado e mundialmente conhecido como cultura brasileira é em grande parte
fruto de heranças africanas e de reinvenções feitas pela população negra no Brasil. Não existiria Brasil sem as Áfricas
que dele fazem parte. As populações indígenas também deixaram importantes legados na formação do Brasil República,
embora tal herança seja menos visível, ou seja, mais regionalizada, melhor dizendo. Boa parte das festas populares
descritas nesta aula é, na verdade, fruto da mistura de práticas africanas com costumes indígenas. Isso fica mais
evidente quando se tomam as regiões norte e centro-oeste do país, locais em que a presença indígena está claramente
estampada nos rostos brasileiros.
A desigualdade
Dados obtidos por diferentes órgãos de pesquisa (como o IBGE e o IPEA) indicam que a população brasileira está
cindida por uma significativa desigualdade que se expressa por meio da cor. Os índices mostram que a diferença
salarial, a população carcereira, a entrada nas Universidades públicas e os índices de assassinatos passam pelo crivo
racial. Nas aulas anteriores foi visto como afrodescendentes e grupos indígenas vêm lutando para mudar esse quadro.
Nos últimos 40 anos essa população começou a contar com a ajuda de muitos intelectuais e até mesmo com o apoio do
Estado nacional.
Lei CAÓ
Em 1985, foi aprovada a Lei nº 7.437, também conhecida como Lei CAÓ, em homenagem ao seu formulador. Esta
lei:Incluí, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de
estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951 ― Lei Afonso Arinos. Art. 1º - Constitui
contravenção, punida nos termos desta Lei, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de
estado civil. Art. 2º - Será considerado agente de contravenção o diretor, gerente ou empregado do estabelecimento que
incidir na prática referida no art. 1º desta Lei. Das Contravenções Art. 3º - Recusar hospedagem em hotel, pensão,
estalagem ou estabelecimento de mesma finalidade, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Pena -
prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 3 (três) a 10 (dez) vezes o maior valor de referência (MVR).
Art. 4º - Recusar a venda de mercadoria em lojas de qualquer gênero ou o atendimento de clientes em restaurantes,
bares, confeitarias ou locais semelhantes, abertos ao público, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, e multa de 1 (uma) a 3 (três) vezes o maior valor de
referência (MVR). Art. 5º - Recusar a entrada de alguém em estabelecimento público, de diversões ou de esporte, por
preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, e
multa de 1 (uma) a 3 (três) vezes o maior valor de referência (MVR). Art. 6º - Recusar a entrada de alguém em qualquer
tipo de estabelecimento comercial ou de prestação de serviço, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado
civil. Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, e multa de 1 (uma) a 3 (três) vezes o maior valor de
referência (MVR). Art. 7º - Recusar a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, por
preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Pena - prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de
1(uma) a três) vezes o maior valor de referência (MVR). Parágrafo único - Se se tratar de estabelecimento oficial de
ensino, a pena será a perda do cargo para o agente, desde que apurada em inquérito regular. Art. 8º - Obstar o acesso de
alguém a qualquer cargo público civil ou militar, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Pena -
perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em inquérito regular, para o funcionário dirigente da repartição de
que dependa a inscrição no concurso de habilitação dos candidatos. Art. 9º - Negar emprego ou trabalho a alguém em
autarquia, sociedade de economia mista, empresa concessionária de serviço público ou empresa privada, por
preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Pena - prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de
1 (uma) a 3 (três) vezes o maior valor de referência (MVR), no caso de empresa privada; perda do cargo para o
responsável pela recusa, no caso de autarquia, sociedade de economia mista e empresa concessionária de serviço
público. Art. 10º - Nos casos de reincidência havidos em estabelecimentos particulares, poderá o juiz determinar a pena
adicional de suspensão do funcionamento, por prazo não superior a 3 (três) meses. Art. 11º - Esta lei entra em vigor na
data de sua publicação. Art. 12º - Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 20 de dezembro de 1985; 164º da
Independência e 97º da República. JOSÉ SARNEY Fernando Lyra
A necessidade de formular e aprovar essa lei aponta que as práticas racistas ainda vigoravam no país. Mas tal
necessidade não parava por aí. Quando a liberdade política foi reinstaurada e um novo acordo social foi firmado, a luta
contra o racismo foi apontada em diferentes momentos da Constituição brasileira de 1988. Como visto na reportagem
que abre essa aula, a Constituição brasileira está longe de garantir a extinção do racismo, mas serve como um
importante instrumento de luta.
Além disso, tal garantia legal serviu de suporte para uma série de ações afirmativas no Brasil, sendo a instauração do
sistema de cotas nas universidades públicas a mais conhecida. Tal sistema reservaria uma parcela das vagas oferecidas
pelas universidades para pessoas que se auto classificassem como negras, pardas ou indígenas. De toda forma, a
tentativa e a instauração do sistema de cotas revigorou o debate sobre o racismo no país e serviu como holofote para
outras questões importantes, como a demarcação das terras indígenas e quilombolas. Porém, essa é uma questão que
ainda está longe de ser encerrada e, cujo debate, é fundamental para a criação de um Brasil que não faça distinções de
seus habitantes.