Professor de Matemática Online - Revista Eletrônica Da Sociedade Brasileira de Matemática - v9-4
Professor de Matemática Online - Revista Eletrônica Da Sociedade Brasileira de Matemática - v9-4
4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo937
Resumo
Este artigo aborda a fórmula resolutiva da equação de segundo grau por meio da Geometria
Analítica. O objetivo é mostrar que a chamada “fórmula de Bhaskara” e as relações de Girard
podem ser determinadas analiticamente pelo estudo da interseção no espaço tridimensional de um
plano com uma curva parametrizada específica, cujo traço coincide com a parábola.
Palavras-chave: Equação Quadrática; Relações de Girard; Geometria Analítica.
Abstract
This article addresses the quadratic formula through Analytic Geometry. Its aim is to show that
the roots of the quadratic equation and the Girard-Newton formulae can be analytically determined
by investigating the intersection of a plane with a specific parameterized curve, whose line coincides
with the parabola, in the three-dimensional space.
Keywords: Quadratic Equation; Girard-Newton formulae; Analytic Geometry.
1. Introdução
Soluções para casos particulares do que hoje chamamos equações quadráticas são conhecidas desde
a Antiguidade. Na tradição do ensino brasileiro, sua fórmula resolutiva é creditada ao matemático
indiano Bhaskara II, que viveu no século XII. Mas nos exatos termos em que hoje é ensinada,
a expressão surge muito tempo depois [1], de que é mostra um curto artigo de 1896, em que o
matemático amador Henry Heaton demonstra que a solução de ax2 + bx + c = 0, com a ≠ 0, é
–b±√b2 –4ac
x= 2a
. O artigo termina com uma pergunta intrigante: “Isto é novo”? [2]
A fórmula de Bhaskara, como a expressão é chamada no Brasil – e aparentemente só aqui [3] – é
uma das mais conhecidas do aluno. No Ensino Médio, é largamente usada tanto na Matemática
como na Física. Em geral, suas propriedades são dadas sem justificativas [4], embora haja mui-
tas delas ao alcance do estudante. A mais usual é dada por meios algébricos, a partir da forma
canônica do trinômio do segundo grau. Há também demonstrações por meio de construções geo-
métricas, algumas de importância histórica. Propomos aqui a abordagem da Geometria Analítica
por exercitar ao mesmo tempo a manipulação algébrica e a interpretação geométrica, com o que,
acreditamos, é possível enriquecer o repertório do docente.
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Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
Nesta seção será mostrado como representar o polinômio de segundo grau por meio da Geometria
Analítica. A conexão entre eles será realizada por uma específica curva parametrizada, cujo traço
coincide com a parábola.
539
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
Esses vetores, OC
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ e OR,
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ foram definidos dessa forma depois de observarmos que seu produto
escalar gera o polinômio p(t), ou seja, para t ∈ ℝ, temos:
p(t) = ⃗⃗OC
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ ⋅ ⃗⃗OR.
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ (1)
De fato:
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ ⋅ OR
OC ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = (a0 , a1 , a2 ) ⋅ (1, t, t2 ) = a0 + a1 t + a2 t2 = p(t).
A equação (1) permite estudar a equação de segundo grau por meio do conteúdo teórico da Geo-
metria Analítica. Assim, considerando a equação de segundo grau p(t) = 0, podemos escrever:
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ ⋅ OR
OC ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = 0. (2)
540
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
𝛾(t) = OR
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = (1, t, t2 ), 8 t ∈ ℝ. (3)
Assim, x(t) = 1, y(t) = t e z(t) = t2 . Como x(t) = 1, 𝛾 é uma curva plana, vinculada ao plano Π
(Figura 2), sendo Π paralelo ao plano Oyz. Observamos que a conexão entre polinômio de segundo
grau e a Geometria Analítica é realizada por meio da curva parametrizada plana 𝛾 no plano Π.
A partir da subseção 2.1, o próximo passo é tomarmos dois pontos pertencentes à curva plana
𝛾. Para tanto, vamos considerar o seguinte desenvolvimento. Sejam os pontos D, E ∈ Π. Daí,
relativamente ao sistema de coordenadas Oxyz, temos os seguintes vetores: ⃗⃗OD ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = (1, y , z1 ) ∈ ℝ3
1
e OE
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = (1, y , z2 ) ∈ ℝ . Com isso, podemos determinar o vetor DE
2
3 ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = OE–
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ OD
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = (0, y –y , z2 –z1 ),
2 1
conforme representado na Figura 3. O comprimento de ⃗⃗DE ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ é dado por:
∥⃗⃗DE∥
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = √02 + (y – y )2 + (z2 – z1 )2 .
2 1 (4)
⃗⃗OZ
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗⃗ = 𝛾(t1 ) = (1, t1 , t21 ). (5)
OZ
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗2⃗ ⃗⃗ = 𝛾(t2 ) = (1, t2 , t22 ). (6)
541
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
A proposta deste trabalho é obter a solução analítica da equação de segundo grau por meio da
Geometria Analítica. Com o objetivo de estruturar este trabalho de tal forma que possamos deduzir
a fórmula de Bhaskara, a partir do conteúdo teórico desenvolvido na subseção 2.1 e na presente
subseção, vamos enunciar a seguir um problema.
Problema 1. Sejam as equações (5) e (6) e as afirmações (7) e (8), determine analiticamente as
raízes reais da equação de segundo grau p(t)=0.
3. Desenvolvimento
A solução do Problema 1 pode ser obtida pela fórmula de Bhaskara (solução analítica), a qual é
deduzida usualmente pela forma canônica do trinômio do segundo grau. Neste trabalho, deter-
minaremos a solução analítica a partir das equações (2), (3), (5) e (6) e as afirmações (7) e (8).
Para tanto, propomos um roteiro que mostrará, passo a passo, a construção de todos elementos
necessários para dedução da fórmula de Bhaskara.
Resumidamente, o referido roteiro é constituído de nove itens, de (a) até (n). Do item (a) até (c),
as construções a serem realizadas têm suporte na Figura 5. Nos itens (d) e (e) determinamos os
542
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
Seja a reta r, r ⊂ Π e r ∥ Oz, que passa por M ∈ r, conforme Figura 5. Tomamos o ponto {P} = r∩𝛾,
assim temos:
2 2
⎛1, t1 + t2 , ( t1 + t2 ) ⎞
2
⃗⃗OP
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = (1, y , y2 ) = ⎜
⎜ ⎟.
⎟ (10)
m m 2 2
⎝ ⎠
543
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
Seja a reta s, s ⊂ Π e s ∥ Oy, onde Z1 ∈ s, conforme Figura 5. Tomamos o ponto {A} = s ∩ r, logo
temos:
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = (0, 0, t1 + t2 – ( t1 + t2 ) ) ⇒
2 2 2
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = OM
PM ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ – OP
2 2
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = (0, 0, ( t1 – t2 ) ) .
2
PM (12)
2
t1 – t 2 2
∥⃗⃗PM∥
⃗⃗⃗⃗⃗⃗⃗⃗ = ( ) . (13)
2
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Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A
Z ⃗ ⃗ ⃗⃗ = OA ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗⃗ = (0, t1 + t2 – t1 , 0) ⇒
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ – OZ
2
⃗ ⃗ ⃗⃗ = (0, t2 – t1 , 0) .
⃗⃗Z⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A (14)
2
Logo, usando a equação (4), temos o comprimento do vetor ⃗⃗Z⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A:
⃗ ⃗ ⃗⃗
t1 – t 2
∥⃗⃗Z⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥
⃗ ⃗ ⃗⃗ = ∣ ∣. (15)
2
∥Z
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥
⃗ ⃗ ⃗⃗ = ∥BZ
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗2⃗ ⃗⃗∥ . (16)
545
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = (0, t1 – t1 + t2 , t21 – ( t1 + t2 ) ) ⇒
2
⃗⃗PZ
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ = ⃗⃗OZ
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗⃗ – ⃗⃗OP
2 2
∣i j k ∣
∣ t1 – t2 4t21 – (t1 + t2 )2 ∣∣
⃗⃗PZ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = ∣∣0
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ × ⃗⃗PM 2 4 ∣⇒
∣
∣0 t1 – t2 2 ∣∣
0 ( )
∣ 2 ∣
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = (( t1 – t2 ) , 0, 0) .
3
⃗⃗PZ
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ × ⃗⃗PM
2
Daí, tomando a equação (4), a área do triângulo PMZ1 (Figura 6) é dada por:
1 ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ 1 t –t 3
ÁreaA = ⋅ ∥PZ1 × PM∥ = ⋅ ∣( 1 2 ) ∣ ⇒
2 2 2
1 t –t 2 t –t 1 t –t 2 t –t
ÁreaA = ⋅ ∣( 1 2 ) ⋅ ( 1 2 )∣ = ⋅ ∣( 1 2 ) ∣ ⋅ ∣ 1 2 ∣ . (18)
2 2 2 2 2 2
Considerando que 8 𝛼 ∈ ℝ, temos que ∣𝛼2 ∣ = |𝛼|2 , logo a equação (18) pode ser escrita como:
1 t1 – t2 2 t1 – t2
ÁreaA = ⋅∣ ∣ ⋅∣ ∣,
2 2 2
1 ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ 2 ⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗
ÁreaA = ⋅ ∥Z1 A∥ ⋅ ∥Z1 A∥ . (19)
2
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Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
∥⃗⃗PM∥
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⋅ ∥⃗⃗Z⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥ ⃗ ⃗ ⃗⃗ 2 ⋅ ∥⃗⃗Z⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥
⃗ ⃗ ⃗⃗ = ∥⃗⃗Z⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥ ⃗ ⃗ ⃗⃗ .
Como t1 ≠ t2 e considerando as afirmações (7) e (8), temos que os vetores correspondentes a 𝛾(t1 )
e 𝛾(t2 ) são linearmente independentes, logo 𝛾(t1 ) e 𝛾(t2 ) geram um plano Ω ⊂ ℝ3 (Figura 8). A
equação geral do plano Ω, gerada por 𝛾(t1 ) e 𝛾(t2 ), é obtida por:
∣x̃ ỹ z̃ ∣
∣1 t t2 ∣ , 8 v⃗ = (x,̃ y,̃ z)̃ ∈ Ω.
∣ 1 1∣
∣ 2∣
∣1 t2 t2 ∣
Daí:
547
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
(t1 t22 – t21 t2 )x̃ + (t21 – t22 )ỹ + (t2 – t1 )z̃ = 0. (22)
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ ⋅ v⃗ = 0 ⇒ a0 x̃ + a1 ỹ + a2 z̃ = 0.
OC (23)
⎧
{ t t2 – t2 t – a =0 ⎧
{ t t (t – t ) = a0
{ 12 2 2 1 2 0 {1 2 2 1 {t t a = a0
⎧
⎨ t1 – t2 – a1 = 0 ⇒ ⎨(t1 – t2 )(t1 + t2 ) = a1 ⇒ ⎨ 1 2 2
{ { ⎩–a2 (t1 + t2 ) = a1 .
{
⎩t2 – t1 – a2
{ =0 ⎩(t2 – t1 )
{ = a2
a0
t1 t2 = , (24)
a2
a
t1 + t2 = – 1 . (25)
a2
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗⃗ = (1, – a1 , a1 ) .
2
OP (27)
2a2 4a22
Desenvolvendo:
2 2
(t21 + t22 ) = t21 + 2t1 t2 + t22 ⇒ t21 + t22 = (t21 + t22 ) – 2t1 t2 .
E nessa expressão substituímos as equações (24) e (25) e obtemos:
a21 – 2a2 a0
t21 + t22 = . (28)
a22
a21 – 4a2 a0
⃗⃗PM
⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = (0, 0, ). (30)
4a22
E o comprimento do vetor PM
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ é:
√
√ a2 – 4a2 a0 2 a21 – 4a2 a0
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = √( 1
∥PM∥ ) = ∣ ∣. (31)
⎷ 4a22 4a22
A equação (31) garante que sempre teremos ∥⃗⃗PM∥ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ > 0, já que, consideramos na Subseção 2.2 a
existência das raízes t1 , t2 ∈ ℝ, t1 ≠ t2 , da equação de segundo grau p(t) = 0. Para podermos
estender a análise sobre a existência, ou não, dessas raízes, a equação (31) passa a ser escrita como:
a21 – 4a2 a0
∥PM∥
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ = . (32)
4a22
A Figura 9 foi construída a partir das figuras 5 e 7, e nela estão representados os pontos t1 e t2 ,
t + t2
bem como ym = 1 .
2
t1 = ym – ∥Z
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥
⃗ ⃗ ⃗⃗ e t2 = y + ∥BZ
m
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗2⃗ ⃗⃗∥ .
t1 = ym – ∥Z
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥
⃗ ⃗ ⃗⃗ e t2 = y + ∥Z
m
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗1⃗ ⃗ ⃗A∥
⃗ ⃗ ⃗⃗ .
t1 = ym – √∥PM∥
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ e t2 = y + √∥PM∥.
m
⃗⃗⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗
549
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
a1 a2 – 4a2 a0 a a2 – 4a2 a0
t1 = – –√ 1 e t2 = – 1 + √ 1 .
2a2 2
4a2 2a2 4a22
Dessa forma, obtemos a solução analítica (fórmula de Bhaskara) da equação de segundo grau, ou
seja, as respectivas raízes:
4. Conclusão
Referências
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Complex. Nova York: Springer, 2014. 382 p. <https://doi.org/10.1007/978-1-4614-8939-9>
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São Paulo: Prentice-Hall, 2005.
[7] Iezzi, Gelson. Fundamentos de matemática elementar: complexos, polinômios, equações, v. 6.
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550
Daniel Jelin e Antonio Luís Venezuela
Daniel Jelin
Escola Anglo/Monteiro, Piedade
<[email protected]>
Antonio Luís Venezuela
Universidade Federal de S. Carlos, Sorocaba
<[email protected]>
Recebido: 15/05/2021
Publicado: 01/09/2021
551
PMO v.9, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo938
Resumo
Apresentamos neste trabalho uma técnica de contagem como solução alternativa de três problemas
muito discutidos em aulas de matemática. Exploramos o relacionamento entre os problemas da
determinação da soma dos n primeiros termos de uma progressão aritmética, o da determinação
do número de diagonais de um polígono convexo de n lados e o do cálculo de uma probabilidade
em um espaço amostral finito. São aplicações relevantes para motivar os métodos de contagem no
Ensino Médio.
Palavras-chave: Métodos de Contagem; Progressões Aritméticas; Probabilidade Aplicada.
Abstract
In this work, we present a counting technique to solve three problems frequently discussed in
mathematics classes. We explored the relationship between the problems of determining the sum
of the first n terms of an arithmetic progression, how to determine the number of diagonals in a
convex polygon with n sides and that of calculating a probability in a finite sample space. They
are relevant applications to motivate counting methods in high school.
Keywords: Counting Methods; Artimetic Progressions; Applied Probability.
1. Introdução
552
Rodrigues Cardoso e Chaves
Para o desenvolvimento desta Seção e o restante deste trabalho, consideraremos a seguinte definição
de uma progressão aritmética (PA).
Definição 1. Uma progressão aritmética (PA) é uma sequência numérica (a1 , a2 , a3 , …), na qual
cada termo a partir do segundo é a soma do termo antecessor com uma constante r denominada
razão. O n-ésimo termo an , também denominado, termo geral, frequentemente é escrito na forma:
an = a1 + (n – 1)r, n ∈ ℕ.
(a + an )n
Exemplo 1. Mostrar que a soma dos n primeiros termos de uma PA é Sn = 1 .
2
Formalmente, apresentamos duas provas.
Para determinar N, temos na primeira linha da matriz An×n , (n – 1) elementos, na segunda linha
n – 2 elementos, e, assim, sucessivamente até a linha n – 1 com 1 elemento. Isso significa que
N = 1 + 2 + 3 + ⋯ + (n – 1). Basta observar que
2N + n = n2 ,
de onde extraímos
n(n – 1)
N= . (3)
2
De acordo com a equação (2),
n(n – 1)
Sn = a1 n + r. (4)
2
n(n – 1) n
Observe que o número N = = ( ) é a quantidade de subconjuntos com dois elementos do
2 2
conjunto de índices {1, 2, … , n} suficientes para descrever os elementos acima ou abaixo da diagonal
principal da matriz An×n . Então, Sn pode ser escrita na forma
n n
Sn = ( )a1 + ( )r. (5)
1 2
n
Na equação (5) o coeficiente binomial ( ) corresponde ao número de subconjuntos com dois
2
elementos do conjunto de índices {1, 2, … , n} associados aos termos da matriz An×n . Além disso,
a –a
do termo geral an = a1 + (n – 1)r, podemos escrever, r = n 1 . Portanto, segue da equação (5)
n–1
que
(a1 + an )n
Sn = .
2
Para fazer uma apresentação em sala de aula, podemos assumir todos os elementos da matriz
n–1
An×n iguais a 1, destacando a correspondência do i–ésimo termo da série ∑i=1 i com a soma dos
elementos da i–ésima linha abaixo da diagonal principal da matriz An×n , i = 1, 2, … , n – 1.
3. Exemplos Relacionados
Nesta Seção, usamos o método de contagem para determinar N da equação (3) na solução de dois
problemas muito exigidos no Ensino Médio. O primeiro, a determinação do número de diagonais
de um polígono convexo de n lados. O segundo está associado à probalilidade em espaços amostrais
finitos.
554
Rodrigues Cardoso e Chaves
n(n – 3)
Exemplo 2. Mostrar que o número de diagonais de um polígono convexo de n lados é ⋅
2
Um segmento de reta traçado no interior de um polígono convexo ligando dois vértices é chamado
de diagonal. A Figura 1, construída por meio do GeoGebra [1], apresenta a superposição de três
polígonos regulares: um quadrado, um hexágono e um hoctógono. Eles foram escolhidos com o
propósito de associar o número de seus lados a uma progressão aritmética. As 20 diagonais do
octógono também estão representadas.
n n!
dn = ( ) – n = – n.
2 (n – 2)!2!
Logo,
n(n – 3)
dn = .
2
Exemplo 3. Considere uma urna com n bolas idênticas numeradas de 1 a n, n ≥ 2. Suponha que
duas bolas sejam retiradas aleatoriamente. Determine a probabilidade de se obter dois números
consecutivos quando o processo de retiradas das bolas for:
555
Rodrigues Cardoso e Chaves
Seja, A = {dois números consecutivos}. Se o processo de retiradas das bolas é sem reposição,
A = {(1, 2), (2, 3), (3, 4), (4, 5), … , (n – 1, n)}.
n(n – 1)
O número de elementos do espaço amostral é pela equação (3) e #A = n – 1.
2
Então,
n–1 2
P(A) = = ⋅
n(n – 1) n
2
(b) Com reposição.
4. Considerações Finais
Neste artigo, aplicamos um método de contagem para determinar a soma dos n termos de uma pro-
gressão aritmética. A Análise Combinatória é vista por muitos alunos como um assunto complicado
e mecanizado. Isso pode estar relacionado à falsa ideia de repassar ao estudante que problemas de
contagem são meras aplicações de fórmulas. A falta de contextualização e de estratégias alterna-
tivas de resolução dos problemas produzem esse cenário.
Podemos observar que, após os princípios básicos de contagem estarem bem fundamentados, téc-
nicas mais sofisticadas podem ser introduzidas.
Sem dúvida, os problemas de combinatória geralmente cobrados em vestibulares para acesso ao
Ensino Superior e em olimpíadas de matemática de âmbito nacional são assuntos que não devem ser
desprezados. Acreditamos que os exemplos de aplicações apresentados são relevantes para motivar
o ensino de métodos de contagem em salas de aula.
556
Rodrigues Cardoso e Chaves
Referências
[1] DE ARAÚJO, Luís Cláudio Lopes; NÓBRIGA, Jorge Cássio Costa. Aprendendo matemática
com o Geogebra. Editora Exato, Sao Paulo, 2010.
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sinha Calzolari. Introdução à análise combinatória. Ed. Ciência Moderna, 2007.
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Rede Nacional. Universidade Federal do Maranhão, 2018.
[8] ZEITZ, Paul. The art and craft of problem solving. New York: John Wiley, 1999.
Recebido: 10/08/2020
Publicado: 10/09/2021
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PMO v.9, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo939
Resumo
Eugenio Beltrami foi o primeiro a apresentar superfícies nas quais valem os resultados contrain-
tuitivos da geometria não euclidiana, todavia seu nome frequentemente é preterido na história do
surgimento dessa geometria. O presente trabalho objetiva contar a história dos modelos apresen-
tados por Beltrami, que concretizaram a geometria axiomática desenvolvida por Bolyai e Loba-
chevsky. Esses modelos viriam a ser conhecidos por modelo de Klein e os modelos (do disco e
do semiplano) conformais de Poincaré. O trabalho ainda descreve, brevemente, as contribuições
de Klein e Poincaré, como também apresenta a realização moderna da geometria hiperbólica no
hiperboloide.
Palavras-chave: História da Matemática; Geometria Hiperbólica; Eugenio Beltrami.
Abstract
Eugenio Beltrami was the first to present surfaces in which the counterintuitive results of non-
Euclidean geometry hold, however, his name is often overlooked in the history of the emergence of
this geometry. The present work aims to tell the story of the models presented by Beltrami, which
materialize the axiomatic geometry developed by Bolyai and Lobachevsky. These models would
come to be known as the Klein model and the Poincaré (disc and half-plane) conformal models.
Moreover, the paper briefly describes the contributions of Klein and Poincaré as well as presents
the modern realization of hyperbolic geometry in the hyperboloid.
Keywords: History of mathematics; Hyperbolic Geometry; Eugenio Beltrami.
1. Introdução
Euclides reuniu, em uma estrutura lógica unificada, muitos dos resultados da geometria conhecidos
em sua época através do método axiomático, no qual a validade de cada afirmação é verificada
por uma sequência lógica de deduções a partir de axiomas e postulados, que deveriam ser aceitos
previamente1 pelo leitor, sem levantar muita controvérsia. Os axiomas e postulados deveriam ser
verdades simples e autoevidentes. O quinto desses postulados, denominado postulado das paralelas,
é famoso por não ser tão simples quanto se desejaria para um axioma ou postulado, como podemos
verificar na tradução2 proposta por Bicudo [7]:
1 Diferentemente da visão moderna dos axiomas, como premissas a partir das quais derivam-se consequências.
2O termo reta era utilizado para o que chamamos hoje de segmento de reta. Euclides não tinha um conceito de
reta infinita definido.
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Adames e Schena
5º postulado - Também, caso uma reta, encontrando duas retas, faça ângulos interio-
res e sobre os mesmos lados, menores do que dois retos; sendo prolon-
gadas ilimitadamente, as duas retas vão se encontrar sobre o lado em
que estão os menores do que dois retos.
Desde a antiguidade, muitos autores buscaram equivocadamente demonstrar esse postulado em ter-
mos dos demais ou apresentar uma formulação equivalente. Contudo, as pretensas demonstrações
sempre apresentavam erros ou subentendiam hipóteses adicionais não enunciadas.
Uma estratégia utilizada foi assumir a validade dos demais postulados e, negando a validade do
quinto, encontrar uma contradição. Na busca por tal contradição, o matemático italiano Giovanni
Girolamo Saccheri (1667 — 1733) e o matemático suíço Johann Heinrich Lambert (1728 — 1777)
desenvolveram, independentemente, vários resultados e concluíram que a validade do postulado
das paralelas estava relacionada aos ângulos superiores de determinados quadriláteros. Esses qua-
driláteros viriam a ser conhecidos, respectivamente, como quadriláteros de Saccheri e de Lambert.
Eles obtiveram sucesso parcial considerando os casos de os ângulos superiores serem obtusos (equi-
valente a não haver nenhuma paralela a uma reta por um ponto fora dela), agudos (equivalente
a existirem infinitas retas paralelas a uma reta dada passando por um ponto fora dela) ou retos
(equivalente à validade do quinto postulado). No caso do ângulo obtuso, conseguiram encontrar
uma contradição bem fundamentada, mas falharam em fazê-lo no caso do ângulo agudo. Ao longo
desse processo, desenvolveram alguns resultados que não dependiam do postulado das paralelas ou
que assumiam a hipótese do ângulo agudo.
Nas primeiras décadas do século XIX, Gauss3 , Bolyai e Lobachevsky, de modo independente,
deduziram muitos resultados geométricos a partir da validade dos quatro primeiros postulados de
Euclides e da hipótese de haver mais de uma paralela a uma reta passando por um ponto fora dela,
mas sem encontrar uma contradição com a hipótese do ângulo agudo. Com isso, acabaram por
desenvolver um sistema axiomático, aparentemente consistente, mas sem mostrar que tal sistema
aplicava-se a qualquer coisa do mundo real. Uma exploração detalhada dos desenvolvimentos
relacionados ao quinto postulado pode ser encontrada no livro [21].
No mesmo período, mas sem relação com os trabalhos referentes ao quinto postulado, ocorreram
muitos desenvolvimentos na geometria diferencial, como o estudo das superfícies de curvatura
constante e negativa. Isso acabou permitindo que fossem encontrados modelos da geometria de
Bolyai e Lobachevsky, que até então não se relacionava com outros ramos da matemática, conforme
destacado em [15]:
Nos primeiros quarenta anos de sua história, o campo da geometria não euclidiana
existia em uma espécie de limbo, divorciado do resto da matemática e sem qualquer
fundamentação consistente. Entretanto, a teoria das superfícies curvas de Gauss
(1827) e a teoria das variedades n-dimensionais de Riemann (1868), forneceram
uma maneira de integrar a geometria não euclidiana em ramos mais respeitáveis da
Matemática. (MILNOR, 1982, p. 10, tradução nossa)
Essa integração do campo da geometria não euclidiana com a Matemática ocorreu graças aos
trabalhos do matemático italiano Eugenio Beltrami. Nos anos de 1868 e 1869, Beltrami publicou
dois artigos apresentando superfícies cujas geometrias satisfazem o sistema de axiomas de Bolyai e
3 Que não publicou os resultados, mas deixou evidências de seu interesse no assunto em cartas trocadas com
diversos matemáticos.
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Adames e Schena
Lobachevsky e parametrizações dessas superfícies no plano, que são conhecidas atualmente como
Disco de Klein, Disco de Poincaré e Semiplano de Poincaré.
Desse modo, Beltrami materializou o mundo contraintuitivo das geometrias não euclidianas na ge-
ometria de superfícies de curvatura gaussiana constante e negativa, as quais chamou de pseudoesfe-
ras. As parametrizações das superfícies de curvatura constante e negativa permitem representá-las
em regiões concretas do plano, gerando modelos para a geometria não euclidiana.
Além disso, a existência de tais modelos implica, indiretamente, a independência do quinto postu-
lado em relação aos outros axiomas, pois é possível obter um sistema aparentemente consistente
de axiomas a partir da sua negação.
O propósito do presente trabalho é divulgar os trabalhos de Beltrami e contextualizá-los na história
da geometria não euclidiana. Essa contextualização permite ver os modelos de geometria hiperbó-
lica como representações da geometria de uma superfície concreta, do ponto de vista da geometria
diferencial, e não apenas como exemplos de geometrias nas quais não vale o quinto postulado,
desprovidas de significado per se.
O trabalho não pretende desenvolver toda a história da geometria não euclidiana em detalhe e
nem explorar os objetos geométricos de interesse nos modelos dessa geometria, mas focamos nas
contribuições de Beltrami. Há diversos trabalhos que abordam com maior detalhe a geometria dos
modelos, como [9] e [8].
Os predecessores de Beltrami perceberam, no caso da não validade do postulado, a importância
de “pontos no infinito”, formando uma espécie de fronteira para a geometria. Beltrami tornou
essa fronteira concreta e acessível em seus modelos. Entre outros resultados, ele mostrou que a
trigonometria das geodésicas da pseudoesfera estava de acordo com todos os resultados deduzidos
a partir da negação do quinto postulado.
Os modelos criados por Beltrami foram integrados a outros contextos bem estabelecidos da ma-
temática, posteriormente, por Klein, Liouville e Poincaré, motivo pelo qual os três últimos são
vinculados aos nomes dos modelos criados originalmente por Beltrami.
Por fim, o trabalho apresenta a realização moderna desses modelos, como projeções naturais do
hiperboloide no espaço de Minkovski, popularizada após a introdução da relatividade geral de
Einstein.
2. Eugenio Beltrami
O matemático italiano Eugenio Beltrami (1835 – 1900) nasceu em Cremona e era filho do homônimo
Eugenio Beltrami, um iluminador e gravador de pedras, e de Elisa Barozzi, descendente de uma
antiga família veneziana e mulher de sensibilidade e cultura musical relevantes.
Ele frequentou a Universidade de Pavia durante três anos, concluindo parte do curso de Engenharia
Ferroviária em 1856. Teve como professores os renomados matemáticos italianos Antonio Maria
Bordoni e Francesco Brioschi, que chegou a ser presidente da Academia Nacional do Lincei e
senador do Reino. Beltrami foi expulso da faculdade por manter envolvimento com o movimento
de Ressurgimento, uma manifestação popular que buscava unificar a Itália entre os anos de 1815
e 1870.
Após a expulsão da universidade, Beltrami não pôde manter a dedicação exclusiva aos seus es-
tudos e começou a trabalhar na companhia ferroviária de Lombardo-Vêneto. Devido ao cuidado
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Adames e Schena
incessante e à influência de Brioschi, Beltrami conseguiu manter suas atividades acadêmicas para-
lelamente à vida profissional.
Sua primeira posição na universidade foi como professor na Universidade de Bolonha, em 1862.
Depois, passou a Pisa e retornou a Bolonha no ano de 1866, compondo o Departamento de Mecânica
Racional. Em 1873 mudou-se para Roma e depois, em 1876, para Pavia, atuando como professor
nas respectivas universidades nos campos de física-matemática e mecânica superior. Permaneceu
em Pávia por quinze anos, até retornar a Roma em 1891, onde faleceu em fevereiro de 1900.
É importante destacar que a física-matemática da época de Beltrami formava um campo de pes-
quisa muito avançado, abrangendo teorias matemáticas que levariam a descobertas da Física e
suas novas vertentes, incluindo a teoria do calor, fenômenos da eletricidade e da elasticidade, entre
outros. Esse artigo não pretende detalhar toda a contribuição de Beltrami à ciência, mas pro-
cura descrever os estudos relacionados à geometria não euclidiana, com ênfase nos trabalhos sobre
espaços de curvatura constante e negativa.
As grandes expedições das potências europeias dos séculos XV e XVI tornaram a cartografia tema
importante no continente e muitos matemáticos contribuiram para seu desenvolvimento. Embora
não faça parte do escopo deste trabalho detalhar tal área, ressaltamos uma observação de Lagrange
sobre projeções da esfera no plano, no artigo “Sur la construction des cartes géographiques” [14]:
A observação de Lagrange pode ser verificada ao recordarmos que os grandes círculos são obtidos
pela interseção da esfera com planos que passam por seu centro, de modo que se projetarmos a
superfície da esfera a partir do seu centro, sobre um plano qualquer, encontraremos a projeção de
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Adames e Schena
uma geodésica na interseção do plano que a define com o plano de projeção, obtendo sempre uma
linha reta.
Em “Risoluzione del problema: Riportare i punti di una superficie sopra un piano in modo che le
linee geodetiche vengano rappresentate da linee rette” ([4]), Beltrami cita o artigo de Lagrange e in-
vestiga quais superfícies podem ser parametrizadas de modo que suas geodésicas sejam exatamente
as retas no plano e chega a duas conclusões:
4. Os modelos de Beltrami
Na Itália, durante a década de 1860, o assunto das geometrias não euclidianas adquiria certa
visibilidade. Em 1863, o professor de geometria superior na Universidade de Nápoli, Giuseppe
Battaglini (1826 – 1894), fundou o “Giornale di matematiche”, no qual foram publicados diversos
artigos sobre a geometria não euclidiana, incluindo o primeiro trabalho de Beltrami intitulado
”Saggio di interpretazione della geometria non-euclidea” [5], o qual chamaremos resumidamente
de Saggio. Beltrami introduziu o primeiro modelo de geometria não euclidiana nesse artigo.
562
Adames e Schena
Entre 1868 e 1869, em dois artigos influentes, Beltrami forneceu modelos da geome-
tria não euclidiana de Lobachevsky e Bolyai. Um desses modelos é mais conhecido
por modelo de Klein, outro como modelo do disco de Poincaré, o terceiro como o
modelo do semiplano de Poincaré. Um quarto, que Beltrami desenvolveu, como o
modelo de disco, diretamente da Habilitationschrift de Riemann, teve um impacto
muito menor. Em certo sentido, o primeiro artigo, Saggio di Interprazione della
Geometria non-euclidea, foi escrito sob a influência de Gauss, e o segundo, Teo-
ria fondamentale degli spazi di curvatura costante, sob a influência de Riemann.
(ARCOZZI, 2012, p. 7, tradução nossa)
1. Mostrar que o seu modelo correspondia de fato à geometria axiomática não euclidiana desen-
volvida por Bolyai, Lobachevsky e seus predecessores.
Beltrami resolveu esse ponto mostrando diversas propriedades fundamentais da geometria, como
a existência de uma única geodésica por dois pontos e propriedades referentes às isometrias do
modelo, além de propriedades fundamentais da geometria não euclidiana, como aquelas referentes
à soma dos ângulos de triângulos geodésicos, ângulo de paralelismo e horociclos.
Reescrevendo sua métrica através de mudanças de coordenadas e isometrias, Beltrami pôde entendê-
la como uma métrica que se obtém da rotação de curvas no espaço euclidiano. Ele fez isso de três
maneiras distintas, e a primeira das superfícies obtidas, a tractroide, é chamada atualmente de
pseudoesfera.
As superfícies de Beltrami possuíam uma inconveniência, suas geodésicas não poderiam ser prolon-
gadas infinitamente, pois apresentavam arestas. Entretanto, na verdade, essa falha era inevitável.
Após 33 anos, o matemático alemão David Hilbert (1862 - 1943) viria a provar que é impossível
uma superfície completa (imersa) em R3 de curvatura constante e negativa.
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Adames e Schena
Figura 3: A tractroide, superfície gerada pela rotação da tractriz, conhecida atualmente por pseu-
doesfera.
Assim, Beltrami materializou a geometria não euclidiana na geometria de uma superfície real, na
qual valem os teoremas e resultados contraintuitivos que desconcertaram matemáticos por tanto
tempo.
Ele provou, colateralmente, que o quinto postulado é independente dos demais, pois existe uma
geometria na qual se verifica a sua validade. Sobre esse ponto, porém, não acreditamos que
Beltrami considerasse ter demonstrado a consistência axiomática da geometria não euclidiana no
sentido moderno ([21], p. 432). Todavia, muitos autores posteriores reconheceram que ele havia
provado sua consistência, pois o modelo de Beltrami, com suas geodésicas dadas por cordas no
disco de raio a, é compatível com os demais axiomas e qualquer problema nessa geometria pode
ser traduzido em um outro problema da geometria euclidiana, ou seja, a geometria não euclidiana
era tão consistente quanto a geometria euclidiana.
O Saggio teve como base a teoria de Gauss para superfícies (de dimensão 2). Todavia, em 1869,
ele escreveu um segundo artigo sobre as geometrias não euclidianas, chamado de Teoria fonda-
mentale degli spazii di curvatura costante, o qual chamaremos apenas de Teoria. Nesse trabalho
ele considerou superfícies de dimensão arbitrária n, influenciado pela legendária aula inaugural de
Riemann de 1854, mas somente publicada em 18674 ([20]), onde Riemann apresentou ao mundo
uma teoria que permitia descrever superfícies de qualquer dimensão.
No Teoria, Beltrami considerou o hemisfério x2 + x21 + x22 + ⋯ + x2n = a2 , com x > 0 no espaço n + 1
4O ano impresso no artigo é 1867, mas algums fontes indicam que ele só foi publicado de fato em 1868.
564
Adames e Schena
O hemisfério pode ser parametrizado pela função x = √a2 – x21 – x22 – ⋯ – x2n , definida no disco
x21 + x22 + ⋯ x2n ≤ a2 , e Beltrami mostrou que as geodésicas desse mapa são os segmentos de reta
do disco. Além disso, ele concluiu que a fronteira x21 + x22 + ⋯ x2n = a2 , x = 0, está a uma distância
infinita dos pontos do interior do disco e discorreu sobre diversas propriedades das geodésicas e
suas relações com os pontos no infinito, de acordo com a nomenclatura de Milnor [15] para os
pontos na fronteira desse disco. Desse modo, Beltrami obteve o modelo que viria a ser conhecido
como disco de Klein também para superfícies n dimensionais. Assim como Arcozzi ([2], p. 3),
acreditamos que a nomenclatura mais adequada para o modelo seria modelo do disco (projetivo)
de Beltrami-Klein.
a qual, segundo ele, poderia ser chamada de esterográfica, e comenta que essa métrica é análoga
à apresentada no trabalho póstumo da aula inaugural de Riemann [20]. Tal métrica poderia ser
obtida pela projeção estereográfica do hemisfério superior com a = R no plano x = R a partir do
polo sul.
565
Adames e Schena
Beltrami mostrou que o hemisfério teria então a curvatura constante 1/R2 , mas não apresentou
uma exploração das geodésicas no sentido da geometria axiomática de seus predecessores. O disco
no qual o hemisfério é projetado com a métrica acima, viria a ser conhecido por modelo do disco
de Poincaré. Novamente, assim como Arcozzi ([2], p.3), acreditamos que a nomenclatura mais
adequada seria modelo do disco (conformal) de Riemann-Beltrami-Poincaré.
Beltrami faz ainda outra mudança de variáveis, que corresponde a uma inversão na fronteira do
disco e obtém a métrica:
√d𝜂2 + d𝜂21 + d𝜂22 + ⋯ + d𝜂2n–1
ds = R . (5)
𝜂
Tal métrica corresponde àquela obtida pela projeção estereográfica do hemisfério superior com
a = R no semiplano xn = –R, x > 0, a partir do ponto (0, 0, … , 0, R). Esse modelo viria a ser
conhecido por modelo do semiplano de Poincaré. Mais uma vez, assim como Arcozzi ([2], p.
3), acreditamos que a nomenclatura mais adequada seria modelo do semiplano (conformal) de
Liouville-Beltrami.
Após apresentar seus modelos, Beltrami discutiu algumas propriedades das geodésicas, como o
fato de ser possível ligar quaisquer dois pontos nos modelos por uma geodésica (os modelos são
simplesmente conexos). Aqui, destacamos que a ausência de discussões sobre polígonos e outras
construções planas talvez já indicasse a mudança, no paradigma da geometria, de figuras construí-
das por retas e planos para curvas e superfícies diferenciáveis.
Assim, o mundo da geometria não euclidiana foi materializado na geometria de superfícies concre-
tas, como destacado em [2]:
(4) Mais importante e duradouro, o universo da geometria não euclidiana não era
mais o mundo contraintuitivo descrito por Lobachevsky e Bolyai: qualquer pessoa
instruída sobre a teoria gaussiana das superfícies poderia calcular todas as consequên-
cias dos princípios não euclidianos diretamente a partir dos modelos de Beltrami;
esse legado é bastante evidente até os dias atuais. (ARCOZZI, 2012, p. 2, tradução
nossa)
Sobre a interpretação dos resultados, ressaltamos alguns fatos. O modelo do disco de Beltrami-
Klein foi obtido pela projeção ortogonal do hemisfério no plano de seu equador (base) e as geodésicas
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Adames e Schena
são segmentos do disco na projeção. Dessa maneira, as imagens das geodésicas no hemisfério são
as curvas na interseção do hemisfério com planos perpendiculares à base e, portanto, são os arcos
de circunferência perpendiculares à borda do hemisfério. Já os horociclos são as circunferências do
hemisfério que passam por um ponto do seu equador.
Como as projeções estereográficas levam retas e círculos em retas ou círculos, as geodésicas nos
modelos conformais do disco de Riemann-Beltrami-Poincaré e do semiplano de Liouville-Beltrami
são dadas por segmentos ou semirretas perpendiculares às respectivas fronteiras ou por arcos de
circunferência perpendiculares às fronteiras.
Nos modelos dos discos de Beltrami-Klein e de Riemann-Beltrami-Poincaré, os horociclos são
circunferências que tangenciam a fronteira; já no modelo do semiplano de Liouville-Beltrami, os
horociclos são as circunferências que tangenciam a reta x = 0 (ou o hiperplano, para dimensão
maior do que 3) ou retas paralelas à reta x = 0 (ou ao hiperplano, para dimensão maior do que 3).
Beltrami fez duas observações para fechar o Teoria. A primeira delas diz que a geometria interna
dos horociclos corresponde à geometria euclidiana, pois as retas paralelas à reta x = 0 (ou hiper-
planos, se a dimensão é maior do que dois) têm métrica proporcional à euclidiana no modelo do
semiplano. Na segunda observação, ele mostra que as circunferências geodésicas (ou hiperesferas),
se a dimensão é maior do que dois) têm curvatura constante e positiva, além do fato de a geometria
interna de suas geodésicas corresponder à geometria esférica.
A geometria hiperbólica pode reclamar o título de geometria “universal”, pois ela con-
tém as outras duas geometrias de curvatura constante de modo natural. (STILLWELL,
1996, tradução nossa, p. 38)
5. Klein e Poincaré
O matemático alemão Felix Klein (1849 – 1925) considerou a constante C=1/2 na geometria de
Cayley e mostrou que essa é a geometria do modelo obtido por Beltrami no Saggio. Klein também
introduziu o termo geometria hiperbólica ([13], p. 577) em referência ao fato de os pontos no
infinito das retas serem reais5 .
5 Em referência ao uso dos termos elíptico e hiperbólico para involuções pelo matemático suiço Jakob Steiner 1796
— 1863
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Adames e Schena
Por fim, ainda retornaremos ao papel da geometria esférica, que tem aplicações importantes na
astronomia e na navegação, mas que ficou de lado na discussão do quinto postulado por apresentar
múltiplas contradições e inadequações aos postulados de Euclides. Klein ainda conseguiu (em [13])
revisitá-la através da geometria elíptica, que pode ser vista como a geometria de uma esfera com
pontos antípodas identificados.
Reynolds argumenta ([19], p. 442) que dificilmente alguém sustentaria que é melhor aprender
geometria esférica a partir de um mapa do que a partir do globo, mas que quase todas as introduções
à geometria hiperbólica apresentam modelos planos. É possível, e talvez seja a maneira mais
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Adames e Schena
Figura 9: Ilustrações das simetrias do hiperboloide (reflexão por um plano que contém o eixo,
rotação em um plano perpendicular ao eixo e uma transformação de Lorentz).
Figura 10: Uma geodésica obtida na interseção do hiperboloide com um plano pela origem.
Figura 11: O modelo obtido ao realizarmos a projeção do hiperboloide no plano que passa pelo
seu polo a partir da origem.
A projeção com centro O no plano x = a > 0 leva qualquer plano que passa pela origem na sua
interseção com o plano de projeção. Agora, levando em conta que as geodésicas do hiperboloide
ℍ2 são obtidas pela interseção do hiperboloide com planos que passam pela origem, vemos que
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Adames e Schena
elas serão projetadas sobre retas no plano de projeção (de modo análogo ao que acontece para as
projeções centrais da esfera). Assim, as imagens das geodésicas por essa projeção são segmentos
de reta.
Já a métrica (para R = 1), que define o modelo do disco de Riemann-Beltrami-Poincaré, pode ser
obtida do hiperboloide ao projetarmos ℍ2 no plano x = 0, usando como centro de projeção o ”polo
sul”, S = (–1, 0, 0) de ℍ2 .
Figura 12: O modelo obtido ao realizarmos a projeção do hiperboloide no plano que passa pela
origem a partir do polo sul.
É possível calcular diretamente que suas geodésicas são projetadas sobre arcos de circunferência
ortogonais à fronteira do disco.
Já o modelo do semiplano (conformal) de Liouville-Beltrami pode ser obtido ao invertermos o disco
de Riemann-Beltrami-Poincaré por uma circunferência com o dobro do raio e com um ponto de
tangência em comum.
Como inversões levam circunferências em circunferências (degeneradas ou não), temos que as ge-
odésicas do modelo do semiplano de Beltrami-Poincaré são arcos de circunferência ou semirretas
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Adames e Schena
7. Conclusão
Referências
[1] Alves, S., Filho, L. C. S. “Encontro com o Mundo Não euclidiano”RPM 78, 2012.
[2] Arcozzi, N. “Beltrami’s models of non-Euclidean geometry.”In: Mathematicians in Bologna
1861-1960. p. 1-30. Basel: Birkhäuser, 2012.
[3] Artmann, B. “Projective geometry”. In: Encyclopædia Britannica. Disponível em: https://
www.britannica.com/science/projective-geometry. Acesso em 06 de mar. 2019.
[4] Beltrami, E. “Risoluzione del problema: “Riportare i punti di una superficie sopra un piano in
modo che le linee geodetiche vengano rappresentate da linee rette”. In: Annali di Matematica
pura ed applicata, vol. I, nº 7, p. 185-204, 1865.
[5] Beltrami, E. 1868. “Saggio di interpretazione della geometria non-euclidea.”In: Giornale di
Matematiche, vol. VI, p. 284-312, 1868
[6] Beltrami, E. Teoria fondamentale degli spazii di curvatura costante. In: Giornale di Matema-
tiche, vol. II, nº II, p. 232-255. 1869.
[7] Bicudo, I. Elementos/Euclides. São Paulo: Unesp, 2009.
[8] Bonola, R. Non-Euclidean Geometry. Chicago, Open Court Publishing Company, 1912.
[9] Carmo, M. P. “Geometrias não euclidianas.”In: Matemática Universitária, nº 6, p. 25-48, 1987.
[10] Carrera, J. P. Euclides: A geometria. Lisboa: National Geographic, 2012.
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Adames e Schena
Recebido: 15/10/2020
Publicado: 20/09/2021
573
PMO v.9, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo940
Resumo
O objetivo deste trabalho é proceder a um relato de experiência sobre o experimento Avalanches,
desenvolvido em uma turma de 2º ano do ensino médio profissionalizante, como metodologia de
ensino e aprendizagem do objeto de conhecimento “Logaritmos”. Sabendo das grandes alterna-
tivas de que se lançam mão na busca por metodologias que possibilitem potencializar o ensino e
aprendizagem de matemática nos espaços escolares e da necessidade de construir processos mais
significativos, com estı́mulos contextualizados e a utilização de materiais concretos, esse trabalho
apoia-se na teoria da Modelagem Matemática. Os resultados apontaram para um ganho no apren-
dizado, com o reforço de conceitos matemáticos, o uso de estratégia de ensino que se aproxima do
real e que propiciou um ambiente de engajamento discente e investigação cientı́fica.
Palavras-chave: Modelagem Matemática; Metodologia de Ensino; Logaritmo.
Abstract
The objective of this work is to carry out an experience report on the Avalanches experiment,
developed in a 2nd year class in high school, as a teaching and learning methodology for the
“Logarithms” knowledge object. Knowing the great alternatives that make use of in search of
methods that enable the teaching and learning of mathematics in school spaces and the need to
create more processes, with contextualized stimuli and the use of concrete materials, this work is
supported by the theory of Mathematical Modeling. The results pointed to a gain in learning,
with the reinforcement of mathematical concepts, the use of a teaching strategy that is close to
the real and that provided an environment for student engagement and scientific investigation.
Keywords: Mathematical Modeling; Teaching Methodology; Logarithm.
1. Introdução
A experiência de muitos alunos com a matemática tem construı́do paradigmas e percepções ne-
gativas sobre esse componente curricular e, até mesmo, criando a errônea faceta de que seu co-
nhecimento é para um grupo reduzido de sujeitos que, comumente, se sobressaem em avaliações
somativas. Essa é uma impressão que deve ser mudada, por meio de estı́mulos e metodologias de
ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos, de forma que os instrumentais da matemática
sejam empregados para solucionar questões pertinentes à realidade objetiva.
574
Santos e Pires
Para que o experimento envolvendo Modelagem ocorresse da melhor forma possı́vel foram seguidos
procedimentos para o planejamento da atividade, de acordo com o passo a passo elaborado a partir
das colocações de Maturana e Varela (1995, p. 71) e Biembengut (2000). As etapas descritas na
sequência são essenciais para que através do experimento/aula seja possı́vel alcançar os objeti-
vos de aprendizagem desejados e, os destacamos porque cremos serem úteis no planejamento dos
professores que queiram desenvolver atividades dessa natureza. Os passos para modelar são:
• 1º “Fenômeno a ser explicado”: É preciso, inicialmente, ter bem definida qual a situação/pro-
blema a ser trabalhada, estudar sobre ela e elaborar uma descrição detalhada.
• 2º “Hipótese explicativa”: A partir da descrição, será feita uma análise criteriosa do fenômeno,
propondo e formulando hipóteses, identificando constantes e variáveis envolvidas, modelando,
dessa forma, a situação/problema.
• 3º “Dedução de outros fenômenos”: Uma vez modelada, realiza-se a testagem do modelo cri-
ado, verificando sua aplicabilidade na situação/problema e, assim, descrever e relacionar outros
eventos a partir desse modelo.
• 4º “Observações adicionais”: A partir dos resultados observados, efetua-se uma avaliação e
validação do modelo.
1Disponı́vel em https://m3.ime.unicamp.br/recursos/1366.
575
Santos e Pires
Vale ressaltar que o processo de modelagem, bem como esses passos, pode ser utilizado em qualquer
disciplina escolar. Além de contribuir para a multidisciplinariedade, sua utilização permite o
protagonismo do aluno na construção do seu próprio conhecimento, posto que essa metodologia de
ensino e aprendizagem confere à aula um cenário investigativo, de engajamento ativo e de forma a
consolidar as competências e habilidades matemáticas, proporcionando assim uma aprendizagem
significativa.
O Experimento Avalanches na forma original desenvolvida pelo Imecc tem como objetivos mo-
delar o fenômeno de avalanches, construir gráficos e linearizar gráficos através de logaritmos.
Os conteúdos trabalhados durante o desenvolvimento da atividade, além de logaritmos e suas
aplicações, são gráficos e funções. É interessante destacar que tal experimento utiliza-se de materi-
ais simples, como milho de pipoca, feijão e um recipiente qualquer (copo descartável, por exemplo),
materiais esses fáceis de encontrar e de valor acessı́vel.
Com algumas adaptações no experimento original, esse foi aplicado com duração de duas aulas
(de 50 minutos cada). Os objetivos especı́ficos da aula foram: a) utilizar a definição e as proprie-
dades operatórias do logaritmo no desenvolvimento do experimento e; b) introduzir a construção
de gráfico da função logarı́tmica. A habilidade a ser desenvolvida pelos alunos é saber aplicar
logaritmos em situações-problemas da realidade. Os materiais utilizados durante a aula foram:
folhas para anotações, calculadora, 1 Kg de feijão, 1 Kg de milho para pipoca e copos descartáveis
de 150mL.
Após explicar a dinâmica da aula naquele dia, a turma foi dividida em três grupos com a mesma
quantidade de integrantes (pode ser até mais grupos, para que não sobre aluno ocioso), dois deles
receberam os grãos de feijão e o outro os grãos de milho para pipoca, além de todos receberem
um copo descartável de 150mL cada. Cada grupo preencheu o recipiente com o máximo de grãos
possı́vel, de modo que se acomodassem e formassem um morrinho sobre o copo.
A partir dessa situação, os próximos grãos foram colocados cuidadosamente, um de cada vez, em
qualquer lugar do morrinho até que começaram a cair. A queda desses grãos em excesso chama-se
avalanche. O número de grãos que caı́a em uma avalanche é chamado de intensidade. Na Figura
1, podemos notar o envolvimento do grupo no desenvolvimento do experimento, constatando o
quanto a atividade impulsionou o trabalho coletivo entre os colegas, haja vista que cada um ficou
com uma função no desenrolar do exercı́cio.
576
Santos e Pires
As equipes, portanto, produziram avalanches durante dez minutos, e as intensidades de todas elas
foram registradas. Uma tabela foi produzida por cada grupo conforme mostra a Figura 2, onde
I é a intensidade, ou seja, a quantidade de grãos que caem de uma avalanche e Q é o número de
vezes que a avalanche, de intensidade I ocorreu durante o experimento.
Feito isso, os alunos construı́ram um gráfico de IxQ utilizando os valores reunidos de seu grupo.
Os alunos foram questionados se conheciam alguma função que se aproximasse da figura encon-
trada. Isso suscitou o debate e a observação do que foi encontrado, proporcionando um ambiente
investigativo. Como podemos ver abaixo (Figura 3), o formato do gráfico assemelha-se, em linhas
gerais, ao formato do gráfico da função y = k/x, com k > 0.
Diante disso, encontrou-se um modelo matemático que fosse possı́vel descrever o fenômeno de
avalanches, dado pela função:
1
Q = a b =⇒ Q = aI–b (1)
I
k
onde a e b são constantes. Essa função é adequada para o formato de gráfico do tipo y = ,
x
577
Santos e Pires
Portanto, a equação original foi transformada na equação de uma reta que relaciona os dados
coletados no gráfico com seus logaritmos. A fim de facilitar o cálculo para determinar as constantes
a e b, a base do logaritmo escolhida foi a base neperiana (e) por fornecer melhores valores para
uma posterior produção de gráficos. Logo, substituindo a equação encontrada pelos coeficientes
de Q e I representados no gráfico, temos:
ln 58 = ln a – b ln 1(I)
ln 19 = ln a – b ln 2(II)
(I) 4, 06 = ln a – b(0) =⇒ ln a = 4, 06 =⇒ a = 58
1, 12
(II) 2, 94 = 4, 06 – b · 0, 69 =⇒ 0, 69b = 4, 06 – 2, 94 =⇒ b = =⇒ b = 1, 62
0, 69
Com os valores de a e b podemos determinar a equação que se aproxima do gráfico construı́do a
partir dos dados colhidos através do experimento. A equação encontrada, chamando Q de y e I de
x, nesse caso foi:
y = 58x–1,62 (2)
Com o auxı́lio do aplicativo de geometria dinâmica GeoGebra foi construı́do o gráfico da equação
encontrada (Figura 4) que se aproxima, resguardando as devidas proporções, do gráfico desenhado
pela equipe através dos dados coletados do experimento.
578
Santos e Pires
Após o desenvolvimento da parte prática e dos cálculos do experimento, os alunos foram condu-
zidos a reflexões sobre a aplicação do mesmo. Tais reflexões bem como os resultados do trabalho
desenvolvido em sala de aula, são abordadas na próxima seção.
3. Resultados e discussão
Na parte final do experimento e em diálogo com os alunos, foram suscitadas questões pertinentes
relativas à aplicação matemática dos conhecimentos de logaritmo. Usando da análise de dados
e da probabilidade, mesmo que de forma implı́cita para os alunos, eles foram questionados sobre
conclusões poderı́amos deduzir com relação aos dados da atividade. Observando o gráfico, a maioria
dos estudantes chegou à conclusão de que, quanto menor a intensidade, maior era a probabilidade
de ocorrerem avalanches, e, quanto maior a intensidade, diminuı́a a probabilidade de ocorrer o
evento.
Tal conclusão a que chegaram os alunos, de fato, pode ser observada no mundo real quando
avalanches de terra ou água em menor intensidade ocorrem com frequência nos diversos lugares
devido à chuva, por exemplo. As avalanches de maior intensidade, embora façam mais estragos,
são mais difı́ceis de acontecer. Essa conclusão também permite fazer previsões de que eventos de
menor intensidade acontecerão com mais frequência que os de maior força, isso pode ser aplicável
em outros fenômenos naturais tais como terremotos, temporais etc.
Chegar a essa dedução é importante para desenvolver no aluno a habilidade de interpretar gráficos,
previsões e informações probabilı́sticas tão presentes em noticiários, redes sociais e atividades
profissionais.
579
Santos e Pires
”mão na massa”que consiste, basicamente, no aprendizado que passa pelas mãos e centrado no
aluno. Além do mais, a utilização de materiais concretos facilitou o engajamento, a imaginação e
a observação, tão importantes para o aprendizado.
Durante o desenvolvimento do experimento, foi observado como o aluno tornou-se peça ativa e
crı́tica[4] no processo de aprendizagem, construindo conceitos e aprimorando habilidades. Esse
envolvimento caracterı́stico de quando se usam experimentos em sala de aula foi observado nessa
atividade, que foi importante também para sair daquela automaticidade dos exercı́cios de lista e
do livro didático. Por meio da atividade, ainda foi incentivado o trabalho em grupo, e os alunos de
forma coletiva buscaram resolver o problema proposto, modelando e utilizando os conhecimentos
já adquiridos que eles achavam não servir para nada.
Quanto à avaliação, ela foi feita no decorrer de todo o processo, observando o envolvimento de cada
estudante na atividade e acompanhando quais seriam as dificuldades de cada grupo. As dúvidas
foram esclarecidas no grupo quando se restringia a apenas um, ou na lousa quando se tratava de
uma dificuldade comum entre mais de um grupo.
Por fim, essa atividade que utilizou da modelagem em seu desenvolvimento estimulou a criatividade
na formulação e resolução de problemas e incentivou a investigação cientı́fica. De acordo com isso,
Bassanezi (2002, p. 17) afirma que esse tipo de atividade “é também um método cientı́fico que ajuda
a preparar o indivı́duo para assumir seu papel de cidadão”. Logo, podemos notar a importância
de aprender as aplicações de conceitos matemáticos que servem para a vida.
4. Considerações finais
Referências
[1] Bassanezi, R. Ensino - aprendizagem com Modelagem matemática. 3ª ed. Editora Contexto:
São Paulo, 2002. Disponı́vel em: <https://www.researchgate.net/publication/256007243 Ensino -
aprendizagem com Modelagem matematica>. Acesso em: 11/01/2021.
[2] Bicudo, Maria Aparecida Viggiani. “Pesquisa em Educação Matemática”. Revista Pro-Posições.
Vol. 4, nº 1 [10], p. 18-23, março de 1993.
580
Santos e Pires
Recebido: 14/01/2021
Publicado: 03/11/2021
581
PMO v.41, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo941
Resumo
A alometria é o estudo das relações de padrões de crescimento entre indivı́duos de uma mesma
espécie, que são estabelecidas por meio da análise da proporcionalidade que envolve o crescimento
especı́fico de determinados órgãos ou partes do corpo de indivı́duos de uma determinada espécie.
Neste trabalho certos padrões de crescimento entre órgãos de peixes da espécie Deuterodon hastatus
(Characidae) foram observados empiricamente e confirmados, posteriormente, como um indicativo
da lei de alometria. Alguns exemplares dessa espécie de peixe foram coletados na bacia do rio
Aldeia que corre entre os municı́pios de São Gonçalo e Itaboraı́, localizados no leste da região me-
tropolitana do estado do Rio de Janeiro. As taxas de crescimento envolvendo a proporcionalidade
entre os órgãos observados foram estimadas por meio de uma regressão linear para cada caso anali-
sado. Nesse estudo, um indicativo de alometria foi obtido por meio de três metodologias distintas,
sendo uma delas denominada como projeção ortogonal, a qual permite obter de modo mais fácil
os valores calculados a partir do modelo de alometria estabelecido, determinando assim a reta de
ajuste com os dados experimentais. Os valores calculados a partir do modelo estabelecido para a
comparação entre o comprimento e a altura do corpo do peixe – mostraram boa concordância com
os valores observados.
Palavras-chave: Proporções corporais; Método dos mı́nimos quadrados; Regra de Cramer; Coefi-
ciente de determinação; Actinopterygii.
Abstract
Allometry is the study of growth pattern relationships between individuals of the same species
that are established through the analysis of proportionality that involves the specific growth of
certain organs or body parts of individuals of a given species. In this work certain growth patterns
among fish organs of the species Deuterodon hastatus (Characidae) were observed empirically and
confirmed later, as an indication of the law of allometry. Some specimens of this fish species
were collected in the Aldeia river basin that runs between the municipalities of São Gonçalo and
Itaboraı́, located in the east of the metropolitan region of the state of Rio de Janeiro. Growth rates
involving the proportionality between the observed organs were estimated using linear regression for
each case analyzed. In this study, an indicative of allometry was obtained through three different
methodologies, one of which is called orthogonal projection, which makes it easier to obtain the
values calculated from the established allometry model and determines the fit line with the data
experimental tests. The values calculated from the established model for the comparison between
the length and height of the fish’s body showed good agreement with the observed values.
582
Araújo, Márquez e outros
Keywords: Body proportions; Minimum squares method; Cramer’s rule; Determination coefficient;
Actinopterygii.
1. Introdução
A espécie de peixe Deuterodon hastatus (Myers 1928) é comumente encontrada em riachos costeiros
do estado do Rio de Janeiro (Figura 1). Essa espécie não tem sido objeto de muitos estudos, e
poucos são os dados disponı́veis sobre sua ontogenia, história de vida, dinâmica populacional e
papel nas cadeias tróficas dos ecossistemas em que vive [9]. Estudos cromossômicos sugerem,
ainda, que se trate de um complexo constituı́do por mais de uma espécie, incluindo formas muito
semelhantes entre si [8].
Figura 1: Exemplar de peixe da espécie Deuterodon hastatus (Myers, 1928), com comprimento
igual a 55.02 mm [12], investigada nesse trabalho.
O objetivo desse estudo consiste em obter indicativos de relações alométricas entre machos e fêmeas
dessa espécie, com base na regressão linear por meio de diferentes metodologias.
2. Lei de alometria
O substantivo “alometria” foi designado por Huxley e Teissier em 1936 [10] visando descrever o
estudo dos diferentes padrões de crescimento de uma parte do organismo em relação à outra parte
ou ao seu conjunto.
Sejam x(t) e y(t) o tamanho de duas partes distintas do organismo de um mesmo indivı́duo, em um
tempo t. Por tamanho de uma parte ou órgão, podemos considerar o volume, peso, comprimento,
área lateral, altura da cabeça, diâmetro do olho, largura da boca, entre outros. De modo a
comparar os diferentes crescimentos de órgãos, usaremos o crescimento especı́fico de cada órgão,
dado por
1 dx
; x > 0, (1)
x dt
onde x(t) indica o tamanho desse órgão no tempo t.
A Lei da Alometria estabelece que, no mesmo indivı́duo, “os crescimentos especı́ficos de seus órgãos
583
Araújo, Márquez e outros
são proporcionais” [2]. O modelo matemático para a representação dessa lei é então dado por
1 dy 1 dx
=b , (2)
y dt x dt
onde x > 0, y > 0 e b uma constante denominada de taxa associada ao crescimento relativo [2],
também chamada de expoente ou coeficiente alométrico. Pela regra da cadeia, a equação (2) pode
ser escrita como
dy y
=b . (3)
dx x
A equação diferencial linear ordinária (3) pode ser resolvida pelo método de separação de variáveis
dada pela integração simples realizada membro a membro dada por
∫ ∫
dy dx
= b . (4)
y x
X = ln x e Y = ln y, (7)
Y = 𝛼1 X + 𝛼2 , (8)
A regressão linear faz parte de uma teoria mais abrangente, denominada método dos mı́nimos
quadrados lineares, que é uma técnica de aproximação muito usada na análise numérica e em
problemas práticos como na fı́sica, biologia, engenharia, quı́mica, entre outras ciências. O método
dos mı́nimos quadrados foi publicado pela primeira vez, por Adrien-Marie Legendre (1752-1833)
em 1805, mas já era usado por Carl Friedrich Gauss (1777-1855) [4]. O objetivo da regressão linear
é obter correlações ou não entre diferentes variáveis quantitativas. Esse método consiste em buscar
aproximações para dados que são obtidos experimentalmente com um certo grau de imprecisão.
584
Araújo, Márquez e outros
Esse esquema será utilizado nesse estudo para a obtenção dos parâmetros envolvidos na equação (8)
do tipo log – log de modo a encontrar os parâmetros de natureza biológica dados pela equação (6).
A regressão linear consiste em encontrar uma reta que melhor se ajuste ao conjunto de pontos
(xi , yi ), i = 1, . . . , m, coletados ou obtidos de forma teórica ou prática. Por isso, é interessante a
obtenção de várias formas ou procedimentos disponı́veis para sua determinação. Neste sentido são
apresentadas três metodologias distintas com base na minimização do funcional dado pela equação
m
∑︁
F(𝛼) = F(𝛼1 , 𝛼2 ) = [f (xi ) – 𝜑(xi )] 2 , (9)
i=1
onde f (xi ) = yi com i = 1, ..., m, enquanto 𝜑(x) é a função linear de aproximação da forma
onde g1 (x) = x e g2 (x) = 1; x ∈ [a, b] ⊂ R. O objetivo da escolha dessas funções é porque elas
formam uma base para o espaço vetorial das funções lineares definidas nesse intervalo.
1ª Metodologia
Considere a função de aproximação dada na equação (10), onde g1 (x) = x e g2 (x) = 1 com 𝜑(x)
definida em [a, b]. Então, a equação (9) pode ser escrita da forma
m
∑︁
F(𝛼1 , 𝛼2 ) = (yi – 𝛼1 xi – 𝛼2 ) 2 . (13)
i=1
585
Araújo, Márquez e outros
m m m m m m m
x2k
Í Í Í Í Í Í Í
m xk yk – xk yk xk yk xk – yk
k=1 k=1 k=1 k= 1 k=1 k= 1 k=1
𝛼1 = 2 e 𝛼2 = 2 . (16)
m m m m
x2k x2k
Í Í Í Í
m – xk xk –m
k=1 k=1 k=1 k=1
Assim, obtemos as fórmulas para a regressão linear com essa metodologia [13].
2ª Metodologia
Usando a notação para o produto interno canônico ⟨x, y⟩ no Rm , tem-se
m
∑︁
⟨x, y⟩ = xk · yk = xT · y, (17)
k=1
onde x = (x1 , . . . , xm ) T e y = (y1 , . . . , ym ) T . Com o produto matricial dado pelo último termo do
lado direito da equação (17), o sistema normal A𝛼 = b para a regressão linear pode ser escrito na
forma
T
T !
g1 T · g2
g1 · g1 𝛼1 f · g1
= , (18)
g1 T · g2 g2 T · g2 𝛼2 T
f · g2
ou ainda na forma
a11 a12 𝛼1 b1
= , (19)
a21 a22 𝛼2 b2
Usando a regra de Cramer [7] para resolver o sistema (18), tem-se que
T T
! !
f · g1 g1 T · g2 g1 T · g1 f · g1
det T det T
f · g2 g2 T · g2 g1 T · g2 f · g2
𝛼1 = e 𝛼2 = , (21)
det(A) det(A)
3ª Metodologia
Esse procedimento é baseado em funções g1 (x) e g2 (x) de modo que os vetores g1 e g2 sejam
ortogonais em Rm . Em tal caso, na equação (10) devemos considerar g1 (x) = x – c e g2 (x) = 1,
onde c é uma constante a determinar, mediante a condição de ortogonalidade dada por
⟨g1 , g2 ⟩ = g1 T · g2 = 0, (22)
586
Araújo, Márquez e outros
T
!
g1 T · g1
0 𝛼1 f · g1
= . (24)
0 g2 T · g2 𝛼2 T
f · g2
m
Í
T f (xk ) (xk – c) m
g1 · f k=1 g2 T · f 1 ∑︁
𝛼1 = = m e 𝛼2 = = f (xk ). (25)
g1 T · g1 Í
(xk – c) 2 g2 T · g2 m k=1
k=1
Das equações (22), (23) e (24) tem-se a reta da melhor aproximação para f (xi ) pelos mı́nimos
quadrados, dado por
𝜑(x) = 𝛼1 (x – c) + 𝛼2 . (26)
Considere 𝜑 o vetor de Rm dado por 𝜑 = (𝜑(x1 ), 𝜑(x2 ), . . . 𝜑(xm )) T . Esse vetor pode ser escrito
como combinação linear dos vetores g1 e g2 que geram um subespaço vetorial S de Rm e, portanto,
𝜑 pode ser escrito de modo único como uma combinação linear desses vetores do tipo
𝜑 = 𝛼1 g1 + 𝛼2 g2 . (27)
Como 𝜑 f pelos mı́nimos quadrados, pode-se realizar o produto interno [5] na equação (27) pelo
f · g1 T g2 T · f
vetor g1 T para obter 𝛼1 = g1 · g1 T
. De forma análoga obtém-se 𝛼2 = g2 T · g2
. A Figura 2 ilustra a
m
decomposição ortogonal de f sobre o subespaço S contido no R .
587
Araújo, Márquez e outros
4. Coeficiente de Determinação
Uma forma de avaliar a qualidade do ajuste dos pontos experimentais com o método da regressão
linear [11] é por meio do coeficiente de determinação R2 dado por [1]
m
(f (xi ) – 𝜑(xi )) 2
Í
2 i=1
R =1– 2 . (28)
m m
Í 1 Í
f (xi ) – m f (xi )
i=1 i=1
A equação (28) mostra que quanto mais próximos estiverem os dados experimentais da reta de
ajuste, mais o coeficiente R2 estará próximo da unidade. O ajuste é considerado aceitável quando
0.75 < R2 ≤ 1.
A área litorânea no sul do estado do Rio de Janeiro é caracterizada por apresentar trechos relativa-
mente estreitos de terrenos planos localizados na base da Serra do Mar, muito próxima do oceano
[6]. Assim, a encosta leste dessas montanhas, que forma a borda leste do Planalto Brasileiro,
é cheia de rios relativamente curtos que geralmente correm no máximo por algumas dezenas de
quilômetros até o Oceano Atlântico [3, 6]. Sendo esses rios, em geral, pequenos e rasos, os peixes e
outros animais aquáticos que neles habitam também são em geral de pequeno porte. Desse modo,
poucas são as espécies de peixes que podem ser usadas como alimento pela população ribeirinha
que habita essas regiões, e que, por esse motivo, veem tais rios como de pouca importância. Os
espécimes utilizados nesse projeto foram coletadas pela equipe do Laboratório de Estudos de Pei-
xes da FFP, de 2007 a 2012 em cinco diferentes pontos da bacia do rio Aldeia (Licença ICMBio
15624-3). O objetivo dessas coletas foi verificar a ocorrência de ictiofauna nos riachos dessa região,
fortemente impactada pelas demandas produzidas pelo crescimento urbano desorganizado, fazendo
com que a maioria desses corpos d’água se tornassem esgotos a céu aberto. Mesmo assim, ainda é
possı́vel observar vida aquática em alguns desses rios [12].
Nas capturas desses peixes foram utilizadas peneiras de malha fina e rede de arrasto de 1,5 m de
comprimento por 1,2 m de altura com malha de 1 cm entre-nós. Após anestesia alguns exemplares
foram fixados em formalina a 10%, garantindo o bom estado de conservação de suas vı́sceras e
588
Araújo, Márquez e outros
tecidos musculares. São mantidos em álcool 70º GL, rotulados com dados das coletas e incorporados
à Coleção Cientı́fica da Uerj – FFP, onde são usados em diversos projetos de pesquisa.
Deuterodon hastatus (Myers, 1928) foi a espécie predominante nos ambientes coletados ao longo dos
5 anos de amostragem. Essa espécie é de pequeno porte, atingindo cerca de 5 a 6 cm quando adultos.
Sua alimentação básica consiste de matéria vegetal e de pequenos artrópodos. Suas populações
estão expostas a intensos problemas sazonais relacionados à diminuição da água disponı́vel devido
à captação de água para consumo e a intensa poluição na maior parte do curso, o desmatamento
das margens dos riachos e assoreamento e aterramento causados pelos projetos de habitações. O
isolamento em pequenas ilhas de salubridade certamente levará a fauna aquática dessas áreas à
extinção local.
Foram coletados 223 exemplares, e todos eles foram dissecados. Como nessa espécie não há dimor-
fismo sexual, apenas a observação direta das gônadas permite identificar o sexo dos indivı́duos,
e foram identificados 130 machos e 93 fêmeas. Para esse trabalho foram avaliadas sete medidas
corporais relacionadas ao modo de locomoção e à captura de alimento, duas atividades de grande
importância biológica. As medidas são exibidas na Figura 3 e são abreviadas como segue
CP: Comprimento padrão, isto é, o comprimento do exemplar sem a nadadeira caudal;
CT: Comprimento total, incluindo a nadadeira caudal;
CC: Comprimento da cabeça, medido da ponta do focinho até o final do opérculo;
ACb: Altura da cabeça, medida na região do opérculo;
ACo: Altura do corpo medida à frente da dorsal, na região de maior altura corporal;
DO: Diâmetro do olho;
LB: Largura da boca, medida com a boca fechada;
CF: Comprimento do focinho com a boca fechada.
6. Resultados
Esta seção traz aplicações de regressão linear para identificar possı́veis indicativos de alometrias
entre os peixes da espécie Deuterodon hastatus descritas nas seção 5. Na primeira aplicação consi-
deramos apenas seis (6) exemplares desses peixes, onde são estabelecidas certas proporcionalidades
entre determinados órgãos dessa espécie animal por meio de três metodologias para a regressão
linear. A segunda aplicação envolveu a observação de relação de alometria entre machos e fêmeas
589
Araújo, Márquez e outros
dessa espécie em relação ao comprimento padrão e o peso do exemplar. Na terceira aplicação são
avaliados, sob o ponto de vista da alometria, o comprimento padrão e a altura do corpo medida
à frente da nadadeira dorsal. As regressões lineares estabelecidas na segunda e terceira aplicações
foram obtidas através da terceira metodologia pela maior facilidade de cálculos.
6.1. Aplicação 1
Esse experimento refere-se aos dados do Quadro 1 do lote RSL 2007051502 onde constam somente
exemplares fêmeas coletadas em 15/05/2007, conforme metodologia de captura já descrita ante-
riormente. O objetivo é obter um indicativo de alometria envolvendo o comprimento padrão e o
peso do animal.
Consideremos os pontos (xi , yi ) onde xi representa o comprimento padrão e yi representa o peso
do i-ésimo indivı́duo coletado, i = 1, . . . , 6.
Quadro 1: Dados sobre o peso e o comprimento padrão das espécies fêmeas coletadas
Número do Exemplar 1 2 3 4 5 6
x : Comprimento Padrão (mm) 51.96 50.05 40.35 37.59 39.27 33.99
y : Peso do exemplar (g) 3.30 3.90 2.90 2.70 2.60 2.40
Usando os pares (x, y) obtidos do Quadro 1 e pela equação (5), podemos formar novos pares (X, Y)
para formar a Tabela 6.1 dada abaixo por
Número do Exemplar 1 2 3 4 5 6
X = ln x 3.9504 3.9130 3.6976 3.6267 3.6705 3.5261
Y = ln y 1.1939 1.3610 1.0647 0.9933 0.9555 0.8755
Tabela 1: Construção dos pares (X, Y).
Com base nos dados apresentados na Tabela 1, é possı́vel estabelecer uma correlação linear entre
os pares (X,Y). Para isso, define-se a função linear 𝜑(X) = 𝛼1 g1 (X) + 𝛼2 g2 (X) por meio das
metodologias descritas na 3ª seção.
y = 0.077x0.9726 , (31)
590
Araújo, Márquez e outros
isto é, a equação (31) representa a relação entre os crescimentos especı́ficos envolvendo o compri-
mento padrão e o peso do exemplar.
onde g1 (X) = X e g2 (X) = 1. Das equações (11) e (12) temos os seguintes vetores
Da equação (25) e dos vetores g1 , g2 e f ∈ R6 e obtidos das equações (11) e (12) obtêm-se os
coeficientes da matriz normal do sistema
6
∑︁
a11 = ⟨g1 , g1 ⟩ = g1 T · g1 = g1 (Xk )g1 (Xk ) = 83.6488,
k=1
6
∑︁
a12 = ⟨g1 , g2 ⟩ = g1 T · g2 = g1 (Xk )g2 (Xk ) = 22.3843,
k=1
6
∑︁
a22 = ⟨g2 , g2 ⟩ = g2 T · g2 = g2 (Xk )g2 (Xk ) = 6,
k=1
6
∑︁
b1 = ⟨g1 , f⟩ = g1 (Xk )f (Xk ) = 24.1753,
k=1
6
∑︁
b2 = ⟨g2 , f⟩ = g2 (Xk )f (Xk ) = 6.4438.
k=1
Substituindo esses coeficientes no sistema (18) resulta a equação matricial dada por
83.6488 22.3843 𝛼1 24.1753
= . (33)
22.3843 6 𝛼2 6.4438
A equação (33) pode ser resolvida, por exemplo, pelo método de Cramer dado pela equação (21)
obtemos os valores de 𝛼1 e 𝛼2 ,
591
Araújo, Márquez e outros
24.1753 22.3843 83.6488 24.1753
6.4438 6 22.3843 6.4438
𝛼1 = = 0.9726 e 𝛼2 = = –2.5546. (34)
83.6488 22.3843 83.6488 22.3843
22.3843 6 22.3843 6
Da equação (35) pode ser obtida, usando propriedades básicas do cálculo de logaritmos, a relação
alométrica dada por
y = e 𝛼2 x 𝛼1 = 0.0777 x0.9726 . (36)
0.1351 6.4438
𝛼1 = = 0.9726 e 𝛼2 = = 1.074. (38)
0.1389 6
O ajuste linear é dado pela equação (26) com os valores obtidos de 𝛼1 , 𝛼2 e C dados pela equação
(38).
Y = 0.9726(X – 3.7307) + 1.0740 = 0.9726 X – 2.5546. (39)
Da equação (39), usando propriedades básicas do cálculo de logaritmos pode ser obtida a equação
de alometria
y = e–2.5546 x0.9726 = 0.0777 x0.9726 . (40)
É possı́vel observar que a terceira metodologia usando a projeção ortogonal de vetores é a mais
prática e de fácil manipulação. Entretanto, não é a mais usual, pois ela envolve conceitos de
Álgebra Linear básica, os quais não são usuais em livros didáticos sobre o assunto, como [13] em
livro escrito para estudantes de Estatı́stica.
Temos que enfatizar que devido ao pequeno número de exemplares escolhidos para a aplicação do
método de regressão linear, a alometria obtida não deve ser considerada como determinante para
essa espécie de peixe, mas sim como um forte indı́cio de que deve existir essa correlação entre os
crescimentos dos órgãos observados para animais dessa espécie.
Através da equação (28) obtemos o coeficiente de determinação R2 = 0.80, o qual mostra que o
ajuste dos pontos observado na Tabela 6.1 é de boa qualidade, conforme pode ser visto na Figura
4, exceto pelo maior desvio ocorrido no ponto relacionado ao quinto indivı́duo.
592
Araújo, Márquez e outros
y = 0.077 x 0.9726
R 2 = 0.80
m=6
Peso do exemplar (g)
Figura 4: Regressão linear estabelecida entre o peso do exemplar e o comprimento padrão nos
exemplares de Deuterodon hastatus.
Nas aplicações que se seguem, os resultados foram determinados através da terceira metodologia
por motivos de natureza prática. Os indicativos de alometria são obtidos em relação aos cento e
trinta (130) exemplares machos e noventa e três (93) exemplares fêmeas, coletados entre os anos
de 2007/2012, diferenciando os exemplares pelo sexo.
Da equação (23) e da equação (25) correspondente à terceira metodologia, tem-se
m
Í
m f (Xk ) (Xk – C) m
1 ∑︁ g T·f k=1 g2 T · f 1 ∑︁
C= Xi , 𝛼1 = 1T = m e 𝛼2 = = f (Xi ). (41)
m i=1 g1 · g1 Í
(Xk – C) 2 g2 T · g2 m k= 1
i=1
onde m é o número de exemplares de cada sexo. A variável X = ln(x), onde x representa o
comprimento padrão e Y = ln(y), como y indicando a altura do corpo medida à frente da dorsal.
Na equação (26) temos a equação linear dada por
𝜑(X) = 𝛼1 (X – C) + 𝛼2 , (42)
Das equações (7), (8) e (42) será obtida a relação alométrica.
Devido ao grande número de dados envolvidos nas aplicações 2 e 3, omitiremos nesse desenvolvi-
mento, por razões de práticas, os dados dos vetores g1 , g2 e f, bem como, os valores relativos aos
parâmetros envolvidos, objetivo dessa investigação. Os dados experimentais das aplicações 2 e 3
encontram-se no Anexo.
593
Araújo, Márquez e outros
6.2. Aplicação 2
O coeficiente de determinação pode ser obtido por meio da equação (28), isto é,
R2 = 0.8482. (48)
594
Araújo, Márquez e outros
R2 = 0.8545. (54)
Na Tabela 6.2 são apresentados os coeficientes da relação alométrica para machos e fêmeas, o
coeficiente de determinação e as relações alométricas, respectivamente. Comparando os coeficientes
alométricos da Tabela 3, conclui-se que as fêmeas têm massa corporal superior aos machos.
6.3. Aplicação 3
595
Araújo, Márquez e outros
130
1 Í
Da equação (23), obtemos C = 130 Xi = 3.3125. Resolvendo o sistema (55) obtêm-se os valores
i=1
𝛼1 = 1.24467 e 𝛼2 = 2.253643; logo, substituindo estes valores na equação (26), tem-se
ou ainda
Y = 1.2447X – 1.86933. (57)
Da equação (57) pode ser obtida, usando propriedades básicas do cálculo de logaritmos, a relação
alométrica dada por
y = e–1.8693 x1.2447 (58)
ou ainda
y = 0.1542x1.2447 . (59)
E da equação (28) o coeficiente de determinação R2 = 0.9222.
ou ainda
Y = 1.3706 X – 2.273. (62)
Da equação (62) pode ser obtida, usando propriedades básicas do cálculo de logaritmos, a relação
alométrica
y = e–2.273 x1.3706 (63)
ou ainda
y = 0.103x1.2447 . (64)
2
E da equação (28) o coeficiente de determinação R = 0.9122.
596
Araújo, Márquez e outros
Figura 6: Regressão linear entre o comprimento padrão e a altura do corpo medido à frente da
dorsal de exemplares machos e fêmeas Deuterodon hastatus
Na Tabela 6.3 são apresentados os coeficientes da relação alométrica para machos e fêmeas, o
coeficiente de determinação e as relações alométricas respectivamente. Comparando os coeficientes
alométricos nessa tabela, observa-se que o coeficiente alométrico da fêmea é um pouco maior do
que o coeficiente alométrico dos machos, o que leva a concluir que as fêmeas têm altura corporal
ligeiramente maior do que a altura corporal dos machos.
Avaliações alométricas permitem observar se existe relação de proporcionalidade entre dois dife-
rentes órgãos de um mesmo indivı́duo de uma determinada espécie animal. Nesse caso, foi parti-
cularizado o indicativo de relação entre as medidas envolvendo o peso e o comprimento padrão.
Entretanto, ao analisar outras possı́veis indicações de alometria, observou-se que a altura da cabeça
cresceu 4 vezes menos que a altura do corpo, e isso leva a pensar que é uma vantagem para o peixe
ter a extremidade anterior mais afunilada, assim diminuindo o atrito com a água.
Os exemplares dessa espécie, como da maioria dos peixes, realizam fecundação externa, isto é, os
gametas são jogados na água, onde se encontram ao acaso para formar o zigoto. Nos animais que
realizam esse tipo de fecundação há uma alta taxa de produção de gametas, pois quanto mais
gametas estiverem na água, maior a chance de encontro de ovócitos e espermatozoides. Assim,
as fêmeas normalmente são maiores e mais largas devido ao fato de possuı́rem grandes ovócitos
que necessitam de mais espaço para serem armazenados, enquanto os espermatozoides são células
de menor porte. A diferença nessas proporções possivelmente confere maior eficácia ao nado dos
machos para fuga de predadores, bem como a captura de alimento.
597
Araújo, Márquez e outros
6.4. Conclusões
Neste estudo o método de regressão linear foi utilizado como um indicativo de alometria envolvendo
comprimento padrão e peso do exemplar, bem como o comprimento padrão e altura do corpo
medida à frente da dorsal na espécie de peixe Deuterodon hastatus. Uma das metodologias aqui
utilizadas para a obtenção desses indicativos de alometria foi a projeção ortogonal de vetores. Esse
procedimento destaca-se pela facilidade de cálculos para a obtenção dos parâmetros envolvidos no
modelo alométrico. Entretanto, essa técnica necessita de aspectos básicos de Álgebra Linear, a
qual não é comumente adotada nos cursos de licenciatura de áreas como Estatı́stica, Biologia e
Quı́mica.
A primeira aplicação envolveu um pequeno lote de exemplares dessa espécie de peixe, o que possi-
bilitou descrever com detalhes todas as etapas com respeito às metodologias aqui utilizadas para
a regressão linear, correlacionando os parâmetros de comprimento padrão e o peso do exemplar.
Com respeito às demais aplicações, cada regressão linear foi obtida com a terceira metodologia
devido a sua maior praticidade de cálculos. Entretanto, devido ao elevado número de exemplares,
não foram apresentados explicitamente, os vetores que dão origem a cada sistema linear correspon-
dente e que derivam dos parâmetros de crescimento dos órgãos de interesse, e que por esse motivo,
constam os dados tabelados em Anexo.
Em relação a segunda aplicação, um indicativo de alometria foi determinado entre o comprimento
padrão e o peso do exemplar. Na terceira aplicação, a relação alométrica foi entre o comprimento
padrão e a altura da cabeça medida à frente da dorsal. Esses indicativos de proporcionalidade
existentes entre essas partes desses animais mostram que as fêmeas possuem maior massa corporal,
enquanto os machos são mais esguios que as fêmeas.
O método dos mı́nimos quadrados lineares apresentado em sua forma mais elementar pode ser
usado pelo professor de matemática e/ou biologia no Ensino Médio, como uma alternativa para
o ensino e aprendizagem de problemas interdisciplinares de forma contextualizada. A primeira
metodologia requer apenas conhecimentos da equação da reta (função polinomial do primeiro
grau) e sistemas lineares com duas variáveis. No presente trabalho, onde se objetivou a obtenção
de indicativos de alometria entre alguns orgãos dos peixes da espécie analisada, o conhecimento de
funções logarı́tmicas faz-se necessário. Portanto, esse método pode ser usado por um professor em
sala de aula para estabelecer correlações ou não, entre grandezas de interesse prático.
Como continuidade de nossa pesquisa pretendemos verificar a existência de outros indicativos
alométricos dessa espécie de peixe, considerando diferentes graus de maturação gonadal, e também
verificar possı́veis aspectos ontogênicos decorrentes desses estudos.
Anexo
Dados em relação ao Comprimento padrão (mm), Peso do exemplar (g) e Comprimento da cabeça
medida à frente da dorsal (mm) dos 130 exemplares machos e dos 93 exemplares fêmeas.
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Araújo, Márquez e outros
599
Araújo, Márquez e outros
Tabela 10: Altura do corpo medida à frente da dorsal dos exemplares fêmeas
16.10 13.54 20.49 10.78 11.70 7.70 6.41 15.82 6.06 12.41
18.10 13.70 16.93 10.73 14.86 8.87 10.11 9.67 10.35 13.64
12.44 15.10 14.52 11.08 11.17 8.19 14.93 11.92 10.49 13.17
5.75 16.54 15.45 11.85 15.65 9.01 14.87 11.23 12.53
6.00 20.88 15.70 12.69 19.51 11.75 16.35 11.40 21.13
8.76 10.85 13.93 10.56 23.24 11.21 13.22 12.19 8.69
8.99 18.92 17.79 12.22 5.69 11.82 13.91 11.10 12.77
9.21 19.53 17.69 11.01 6.33 5.22 13.35 13.24 12.85
10.79 19.52 19.54 13.25 7.23 6.20 13.23 12.03 12.83
11.56 20.00 20.70 18.04 8.06 6.66 14.53 13.31 12.59
Referências
[1] Barroso, L. C., Araújo B., Campos Filho, F. F, Carvalho, M.L., Maia, M.L. Cálculo Numérico
(Com Aplicações). São Paulo: Ed. Harbra, 1987.
[2] Bassanezi, R. C.; Ferreira J. W. C. Equações Diferenciais com Aplicações. São Paulo: Ed.
Harbra, 1988.
[3] Buckup, P.A. The Eastern Brazilian Shield. Historical Biogeography of Neotropical Freshwater
Fishes (J.S. Albert; R.E. Reis, Eds.). University of California Press, California, p. 203-210, 2011.
600
Araújo, Márquez e outros
Recebido: 28/06/2021
Publicado: 10/11/2021
601
PMO v.9, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo942
Resumo
O objetivo deste artigo é divulgar um resultado conhecido atualmente como “Teorema Japonês
para polı́gonos cı́clicos convexos”. Tal teorema foi inscrito em um sangaku japonês durante a Era
Edo e afirma que a soma dos inraios dos triângulos gerados pela triangularização de um polı́gono
cı́clico convexo, tomada a partir de um dos seus vértices, independe do vértice escolhido. Iremos
apresentar a mais antiga prova registrada para quadriláteros e duas provas para polı́gonos quais-
quer. A seguir, mostraremos duas propriedades para quadriláteros, as quais decorrem diretamente
do referido teorema, e também uma aplicação prática para o caso geral.
Palavras-chave: teorema japonês; polı́gonos cı́clicos; sangaku.
Abstract
The purpose of this article is to disclose a result currently known as the “Japanese Theorem for
Convex Cyclic Polygons”. Such theorem was inscribed in a Japanese sangaku during the Edo Era
and states that the sum of the radius of the triangles generated by the triangularization of a convex
cyclic polygon, taken from one of its vertices, is independent of the chosen vertex. We will present
the oldest registered evidence for quadrilaterals and two evidence for any polygons. Next, we will
show two properties for quadrilaterals, which follow directly from the referred theorem, and also a
practical application for the general case.
Keywords: japanese theorem; cyclic polygons; sangaku.
1. Introdução
Conforme escrito em um de seus artigos [1], o professor Mangho Ahuja, da Universidade de Mis-
souri, EUA, encontrou o Teorema Japonês pela primeira vez em 1993, no artigo [13]. Nesse artigo,
o autor escreveu “... eu usei o teorema acima como inı́cio para um trabalho em andamento, não
esperando uma prova do mesmo (eu mesmo não posso provar sozinho)...”. A frase estimulou o
professor Ahuja a designar tal teorema como problema para Cathy Hawn, um de seus alunos de
mestrado. Juntos, Ahuja e Hawn conseguiram prová-lo, e isso pode ser conferido em [9].
Um outro fato que intrigou Ahuja foi o nome do teorema. Por que Teorema Japonês? Após
algum tempo de espera, o professor H.Yoshida, da Universidade de Kyoto, enviou a tão esperada
resposta. O teorema, caso quadrilátero, teve origem na China e acabou indo parar no Japão, onde
ficou conhecido como Teorema Chinês [10]. Mesmo quando Yoshio Mikami [14] provou sua validade
602
Vieira Jr e Souza
para um polı́gono cı́clico convexo, em 1905, o nome permaneceu como Teorema Chinês. Acredita-
se que por esse teorema ter aparecido sem nome em um artigo intitulado Matemáticas Japonesas
[7], em 1906, tenha feito com que os autores seguintes o chamassem de Teorema Japonês.
O Teorema Japonês para quadriláteros foi inscrito em 1800, em uma tábua de madeira em um
santuário xintoı́sta, por Ryõkwan Maruyama. De acordo com Fukagawa [6], a procura por tábuas
com teoremas matemáticos, chamadas sangaku, era um costume do povo japonês no perı́odo co-
nhecido como Era Edo ou Era Tokugawa (1603 - 1868). Exibir em santuários tábuas contendo
problemas matemáticos, com figuras elegantes e coloridas, geralmente tinha como objetivo honrar
os autores, agradecer aos deuses pelo feito atingido ou desafiar novos visitantes.
A Figura 1 mostra-nos um exemplo de como os sangaku eram expostos em templos japoneses. Nas
Figuras 2 e 3 podemos ver dois sangaku, que são traduzidos e resolvidos em [11]. Já a Figura 4
mostra-nos uma conferência sobre matemática japonesa realizada no Randolph-Macon College, em
2017, nos Estados Unidos.
603
Vieira Jr e Souza
604
Vieira Jr e Souza
Desenhe seis linhas no cı́rculo e faça quatro cı́rculos inscritos em três das linhas. Se
o diâmetro do cı́rculo sul, leste e oeste é de 1 sol, 2 sóis e 3 sóis, respectivamente,
qual o comprimento do diâmetro do cı́rculo norte? Resposta: 4 sóis. Arte: Adicione
o diâmetro do cı́rculo ocidental ao do leste e subtraia o do sul, e você obterá o do
norte. Fim. (Ahuja; Uegaki; Matsushita, 2006, p. 89)
Na inscrição acima, 1 sol era uma unidade de medida tradicional japonesa cujo valor é, aproxima-
damente, igual a 3 centı́metros. As seis linhas descritas no teorema são os lados e diagonais do
quadrilátero. A Figura 5 ilustra-nos tal inscrição.
605
Vieira Jr e Souza
É importante ressaltar que, durante quase toda Era Edo, o Japão foi uma sociedade completa-
mente fechada para o mundo exterior. Contribuições importantes como as de Newton, Leibniz e
Euler não chegaram ao conhecimento do povo japonês durante esse perı́odo. Somente no inı́cio do
século 20 que documentos de matemáticos japoneses começaram a aparecer em periódicos ociden-
tais. Atualmente ainda existem aproximadamente 900 sangaku e acredita-se que milhares foram
perdidos ao longo do tempo. Na Tabela 1 podemos observar a quantidade de sangaku existentes
por prefeitura.
606
Vieira Jr e Souza
O Teorema Japonês foi parte da minha pesquisa de mestrado Profmat [20], em parceria com meu
orientador e professor Fábio Silva de Souza, na Faculdade de Formação de Professores - Uerj, São
Gonçalo. Trata-se de um resultado muito interessante, como boa parte dos problemas contidos
em sangaku japoneses, e cuja prova contém elementos de geometria bastante comuns na educação
básica.
607
Vieira Jr e Souza
Nesta seção, mostraremos a prova registrada mais antiga do Teorema Japonês para quadriláteros
que, segundo Ahuja [1], é atribuı́da a Tameyuki Yoshida [21]. Para os nossos propósitos, as
seguintes definições serão importantes.
Definição 1. Um polı́gono é dito cı́clico quando todos os seus vértices pertencem ao mesmo cı́rculo.
Nesse caso, o raio de tal cı́rculo é chamado circunraio do polı́gono.
Definição 2. O inraio de um polı́gono é o raio de seu cı́rculo inscrito.
Definição 3. Triangularizar um polı́gono a partir de um determinado vértice é traçar todas as
diagonais possı́veis do polı́gono cujo vértice em questão é extremidade.
Teorema 1 (Teorema Japonês para quadriláteros). Seja ABCD um quadrilátero cı́clico convexo.
Então a soma dos inraios dos triângulos resultantes de uma triangularização do quadrilátero ABCD
independe da diagonal escolhida para formar essa triangularização.
Demonstração. Seja ABCD um quadrilátero cı́clico convexo tal que ra , rb , rc e rd denotam, res-
pectivamente, as medidas dos inraios dos triângulos ABD, BCA, CDB e DAC. Chamando tais
triângulos, respectivamente, de T1 , T2 , T3 e T4 , consideremos que Pi , Qi e Si são os pontos de
tangência do cı́rculo Ci com Ti , onde i = 1, 2, 3, 4.
Considerando uma primeira triangularização de ABCD, dada pela Figura 6, e também a expressão
E, dada por
E = AB + CD – BC – AD,
podemos observar que
E = AQ1 + BQ1 + CQ3 + DQ3 – BP3 + CP3 – AP1 + DP1 .
608
Vieira Jr e Souza
AQ1 = AP1 , BQ1 = BS1 , BP3 = BS3 , CP3 = CQ3 , DQ3 = DS3 , e DP1 = DS1 ,
de forma que a expressão E, após algumas simplificações, pode ser reescrita como
E = BS1 – BS3 + DS3 – DS1 = S1 S3 + S1 S3 ,
ou seja,
E = 2 · S1 S3 . (1)
Por outro lado, considerando uma segunda triangularização para ABCD, dada pela Figura 7,
obtemos
E = AP2 + BP2 + CP4 + DP4 – BQ2 + CQ2 – AQ4 + DQ4 .
AP2 = AS2 , BP2 = BQ2 , CQ2 = CS2 , CP4 = CS4 , DP4 = DQ4 e AQ4 = AS4 ,
de maneira que E, após algumas simplificações, também pode ser reescrita como
E = AS2 – AS4 + CS4 – CS2 = S2 S4 + S2 S4 ,
ou seja,
E = 2 · S2 S4 . (2)
609
Vieira Jr e Souza
2 · S1 S3 = 2 · S2 S4 ,
rb rc
tg 𝛽 = = =⇒ rc · AS2 – rb · DS3 = 0,
AS2 DS3
rd rc
tg 𝜃 = = =⇒ rd · BS3 – rc · AS4 = 0
AS4 BS3
e
rd ra
tg 𝛾 = = =⇒ ra · CS4 – rd · BS1 = 0.
CS4 BS1
Portanto,
ra · S2 S4 + rc · S2 S4 – rb · S1 S3 – rd · S1 S3 = 0,
de onde segue
(ra + rc ) · S2 S4 = (rb + rd ) · S1 S3 .
ra + rc = rb + rd .
Vale lembrar que existe uma caracterização bem conhecida dos quadriláteros cı́clicos convexos
quando olhamos para seus ângulos internos. Recorde que um quadrilátero convexo ABCD é cı́clico
se, e somente se, DABb + BCD b = 𝜋 ou BAC
b = BDC.
b Por outro lado, se duas triangularizações
distintas de um quadrilátero convexo gerarem soma de inraios distintas, o Teorema 1 garante-nos
que esse quadrilátero não é cı́clico.
Na segunda parte do artigo [1] se encontram diversas outras provas interessantes para o Teorema 1.
Um fato surpreendente é que o resultado obtido também é válido para um polı́gono cı́clico convexo
qualquer. Veremos isso na próxima seção.
610
Vieira Jr e Souza
Nesta seção iremos apresentar duas provas do Teorema Japonês para polı́gonos cı́clicos convexos.
A primeira delas foi dada por Gusman [8] e o autor utiliza basicamente o Teorema de Carnot para
triângulos, que pode ser encontrado no artigo indicado ou, se o leitor preferir, nas páginas 193 e
194 de [16]. A segunda prova foi dada por Ahuja na segunda parte de seu artigo [1], e utiliza o
Método da Indução Matemática, que pode ser encontrado na página 24 de [4]. Para enunciarmos
o Teorema de Carnot de uma maneira mais resumida, adotaremos a seguinte convenção.
Uma determinada distância será negativa, quando nenhuma parte de seu segmento correspondente
estiver contida no interior do respectivo polı́gono. Caso contrário, tal distância será positiva. As
Figuras 8 e 9 possibilitam-nos visualizar tal convenção para triângulos.
Figura 8: Distâncias OMa , OMb e OMc positivas. Figura 9: Distância OMa negativa.
Lema 2 (Método da Indução Matemática). Seja P (n) uma propriedade relativa ao número natural
n e seja n0 um número natural. Suponhamos que
Primeira demonstração. Seja P um polı́gono cı́clico convexo com n lados e cujos vértices são A1 ,
A2 , · · · , An , com n ≥ 4. Escolhendo um vértice qualquer para triangularizarmos P, tal triangu-
larização irá gerar um total de (n – 2) triângulos e isso se deve ao fato de que temos um total de
(n – 3) diagonais partindo do vértice escolhido e que tais diagonais determinam (n – 3)+1 triângulos
interiores a P. A Figura 10 ilustra-nos um exemplo de triangularização para o referido polı́gono.
611
Vieira Jr e Souza
onde OMai , OMbi e OMci são as distâncias de O até cada um dos lados do triângulo Ti gerado pela
triangularização de P, com i = 1, 2, · · · , n – 2. Dessa forma obtemos
..
.
n–2
∑︁ n–2
∑︁ n–2
∑︁
OXi = (ri + R) = ri + (n – 2) · R,
i=1 i=1 i=1
de modo que
612
Vieira Jr e Souza
n–2
∑︁ n–2
∑︁
ri = (2 – n) · R + OXi . (4)
i=1 i=1
Observe que o termo (2 – n) · R que aparece na Equação (4) é constante, pois tanto a quantidade
de lados do polı́gono como a medida do circunraio R são bem determinadas. Mais ainda, pela
definição de OXi , no somatório n–2
Í
i=1 OXi cada perpendicular aos lados do polı́gono é contada uma
única vez, enquanto que cada perpendicular às diagonais geradas pela triangularização de P é
contada duas vezes, sendo uma delas positiva e outra negativa, conforme a convenção adotada
para distâncias no Lema 1.
Por exemplo, na Figura 11, as distâncias OMa1 e OMa2 anulam-se. Já na Figura 12, os pares que
se anulam são OMa1 com OMa2 e OMc2 com OMc3 .
Figura 11: Teorema Japonês - caso n=4. Figura 12: Teorema Japonês - caso n=5.
Dessa forma, todas as perpendiculares às diagonais irão se anular no somatório n–2
Í
i=1 OXi sobrando
apenas as perpendiculares aos lados, ou seja, as distâncias de O aos lados do polı́gono. Porém, tal
soma também é uma constante, pois não depende do tipo de triangularização escolhida. Conse-
quentemente,
n–2
∑︁
ri = constante.
i=1
□
Sendo Sj (P) e Sj (Q), respectivamente, a soma dos inraios de todos os triângulos obtidos na
triangularização dos polı́gonos P e Q a partir do vértice Aj , e considerando r [ABC] a medida
do inraio de um determinado triângulo ABC, se triangularizarmos P e Q a partir do vértice A1 ,
então obtemos claramente que
Agora, vamos triangularizar P e Q a partir de um vértice Aj qualquer. Nesse caso, a soma dos
inraios na triangularização do polı́gono Q será igual à soma dos inraios na triangularização do
polı́gono P menos o inraio do triângulo Aj An A1 , pois esse não aparece na triangularização de Q,
mais os inraios dos triângulos Aj An An+1 e Aj An+1 A1 , pois esses não aparecem na triangularização
de P. As figuras 14 e 15 permitem-nos visualizar essa situação. Logo,
Sj (Q) = Sj (P) – r Aj An A1 + r Aj An An+1 + r Aj An+1 A1 . (5)
614
Vieira Jr e Souza
Pela hipótese de indução, a soma dos inraios do polı́gono P não depende do vértice escolhido,
ou seja, Sj (P) = Sk (P) sendo Aj e Ak vértices distintos. Somando r [An An+1 A1 ] a ambos os
membros, obtemos
Sj (P) + r [An An+1 A1 ] = Sk (P) + r [An An+1 A1 ]
e, utilizando a Equação (7), concluı́mos que
Sj (Q) = Sk (Q) ,
ou seja, tal propriedade também é válida para o polı́gono Q, implicando a validez de P (n + 1).
Pelo Lema 2, P (n) é válida para todo n natural tal que n ≥ 4.
615
Vieira Jr e Souza
Vale ressaltar que, utilizando os mesmos argumentos da primeira prova apresentada, verifica-se
que o Teorema 2 também é válido quando triangularizamos o polı́gono de maneira arbitrária, ou
seja, quando as diagonais não partem necessariamente de um mesmo vértice. A Figura 16 ilustra
dois exemplos deste caso, quando n = 7.
Podemos observar que há várias maneiras de triangularizar um polı́gono. E cada uma delas de-
compõe o polı́gono de formas distintas, e, portanto, os triângulos que aparecem em uma triangu-
larização, em geral, são distintos dos de uma outra dada triangularização, e sendo assim, a priori,
não é de se esperar que a soma dos inraios dos triângulos obtidos de uma triangularização qualquer
seja sempre a mesma. Porém, surpreendentemente, tal soma independe da triangularização, e é
isso que nos diz o Teorema Japonês.
Uma primeira aplicação do Teorema Japonês pode ser encontrada em [15] e refere-se a uma propri-
edade para quadriláteros cı́clicos convexos que envolve a diagonal de triangularização e os inraios
dos triângulos obtidos. Em sua demonstração, iremos utilizar o seguinte lema cuja prova também
se encontra na referência citada. As Figuras 6 e 7 podem ajudar na visualização de tal propriedade.
Lema 3. Seja ABCD um quadrilátero cı́clico convexo de diagonais AC e BD. Se ra , rb , rc e rd
denotam, respectivamente, os inraios dos triângulos ABD, BCA, CDB e DAC obtidos nas duas
triangularizações do quadrilátero ABCD, então
ra · rc · AC = rb · rd · BD.
616
Vieira Jr e Souza
y
ra · rc = · rb · rd ,
x
de forma que
ra + rc x · (ra + rc ) ra + rc
y· =y· =x· .
ra · rc y · rb · rd rb · rd
Para apresentarmos uma outra aplicação do Teorema Japonês, precisamos nos lembrar que todo
triângulo ABC possui três cı́rculos ex-inscritos, ou seja, cı́rculos que são tangentes externamente
a um de seus lados e às retas suportes dos outros dois.
617
Vieira Jr e Souza
Uma segunda aplicação do Teorema Japonês está associada a outra propriedade para quadriláteros
cı́clicos convexos que relaciona a soma das distâncias do circuncentro do quadrilátero aos pontos
de Nagel dos triângulos obtidos em cada triangularização. Para os nossos propósitos o seguinte
lema, que pode ser encontrado nas páginas 113 e 114 de [3] ou nas páginas 86 a 89 de [20], será
importante.
ON = R – 2r.
ra + rc = rb + rd ,
de onde segue
O Teorema 5 afirma que, para qualquer quadrilátero cı́clico convexo, a soma das distâncias de
seu circuncentro O até os pontos de Nagel dos triângulos obtidos em uma triangularização não
depende da triangularização escolhida. As figuras 18 e 19 ilustram esse resultado onde a soma dos
segmentos em vermelho é sempre igual à soma dos segmentos em azul.
618
Vieira Jr e Souza
5. Um limite interessante
No ano de 2013, Richeson [17] mostrou que o Teorema 2 também é válido para polı́gonos cı́clicos
não convexos. Nesse mesmo artigo, ele utilizou o referido teorema para visualizar de maneira
simples a convergência da série
n–2
∑︁
ri ,
i=1
que representa a soma de todos os inraios dos triângulos obtidos ao triangularizarmos um polı́gono
cı́clico convexo P. O Teorema 2 afirma que tal soma é sempre constante para P. Mas terı́amos um
limite para ela quando o número de lados do polı́gono for tão grande quanto desejarmos?
Para responder a essa pergunta, partimos da Equação (4). Dela obtemos que
n–2
∑︁ n–2
∑︁
ri = (2 – n) · R + OXi ,
i=1 i=1
onde OXi é a soma das distâncias do circuncentro O do polı́gono P aos lados do triângulo Ti ,
i = 1, 2, 3, · · · , n – 2, obtido na triangularização de P. Nesse momento pode ser útil ao leitor
observar as Figuras 11 e 12 que exemplificam, respectivamente, os casos em que n = 4 e n = 5.
Pelos argumentos apresentados na primeira demonstração do Teorema 2, as distâncias aos lados
dos triângulos que são diagonais do polı́gono irão se cancelar conforme a convenção adotada para
distâncias no Lema 1. As únicas contribuições para n–2
Í
i=1 OXi são dadas pelas distâncias di , com
i = 1, 2, · · · , n, do circuncentro O a cada um dos lados li do polı́gono. Nesse caso, podemos
reescrever a Equação (4) como
n–2
∑︁ n
∑︁
ri = (2 – n) · R + di . (8)
i=1 i=1
Cada lado li do polı́gono está associado a um ângulo central 𝜃 i . Se 0 ≤ 𝜃 i ≤ 𝜋, então di = R·cos 𝜃2i .
Por outro lado, se 𝜋 < 𝜃 i ≤ 2𝜋, então di será negativa e pode ser escrita como di = –R · cos 𝜙, para
619
Vieira Jr e Souza
620
Vieira Jr e Souza
é uma função nas variáveis 𝜃 1 , 𝜃 2 , · · · , 𝜃 n , se n for fixado. Repare que f é limitada por 2R que
é justamente o diâmetro do cı́rculo que circunscreve o polı́gono Pn . De fato, cada cosseno que
aparece no somatório admite 1 como valor máximo, e, consequentemente,
f (𝜃 1 , 𝜃 2 , · · · , 𝜃 n ) ≤ R · (2 – n + n · 1) = R · (2 – n + n) = 2R.
Para determinarmos o valor máximo da função f, utilizaremos o seguinte resultado, que pode ser
encontrado na página 952 de [18] ou nas páginas 171 e 172 de [12], e é atribuı́do ao matemático
franco-italiano Joseph-Louis Lagrange (1736-1813). Recordamos que ∇F denota o vetor gradiente
de uma dada função F, ou seja,
𝜕F 𝜕F 𝜕F
∇F(x1 , x2 , · · · , xn ) = , ,··· , .
𝜕x1 𝜕x2 𝜕xn
∇f (x1 , x2 , · · · , xn ) = 𝜆 · ∇g(x1 , x2 , · · · , xn )
g(x1 , x2 , · · · , xn ) = c;
• Calcule f em todos os pontos (x1 , x2 , · · · , xn ) que resultam do passo anterior. O maior desses
valores será o valor máximo de f, e o menor será o valor mı́nimo de f. O número real 𝜆 é
chamado multiplicador de Lagrange.
g(𝜃 1 , 𝜃 2 , · · · , 𝜃 n ) = 2𝜋,
obtemos
R 𝜃1 R 𝜃2 R 𝜃n
∇f = – sen , – sen , · · · , – sen e ∇g = (1, 1, · · · , 1),
2 2 2 2 2 2
de forma que ∇f (𝜃 1 , 𝜃 2 , · · · , 𝜃 n ) = 𝜆 · ∇g(𝜃 1 , 𝜃 2 , · · · , 𝜃 n ) leva-nos à seguinte sequência de igualdades
R 𝜃1 R 𝜃2 R 𝜃n
– sen = – sen = · · · = – sen = 𝜆,
2 2 2 2 2 2
621
Vieira Jr e Souza
ou seja,
𝜃1 𝜃2 𝜃n
sen = sen = · · · = sen .
2 2 2
Afirmamos que o valor máximo f M da função f ocorre para 𝜃 1 = 𝜃 2 = · · · = 𝜃 n . De fato, se 𝜃 i < 𝜃 j ,
para i ≠ j, então
𝜃i 𝜃j
sen = sen
2 2
leva-nos a
𝜃j 𝜃i
=𝜋– ,
2 2
de maneira que
𝜃 i + 𝜃 j = 2𝜋.
Mas isso nos leva a um absurdo pois, o polı́gono Pn , nesse caso, seria representado por um ponto
ou um segmento. Em ambos os casos temos f (Pn ) = 0. Logo, pelo Lema 5, o valor máximo f M
ocorre quando 𝜃 1 = 𝜃 2 = · · · = 𝜃 n , ou seja, Pn é regular e cada ângulo central 𝜃 i , com i = 1, 2, · · · , n,
pode ser escrito como
2𝜋
𝜃i = . (11)
n
Podemos olhar f M como uma sequência de números reais onde o n-ésimo termo é dado pela igual-
dade acima. A sequência f M é crescente para n > 2 pois cos 𝜋/n é crescente neste intervalo. Pelo
fato de a função f ser limitada por 2R, temos que f M é convergente. Vamos calcular o limite de
f M quando n tende ao infinito.
Após algumas manipulações algébricas, podemos reescrever (12) como
" #
sen n𝜋 sen n𝜋
f M (n) = R · 2 – 𝜋 · 𝜋
· .
n cos n𝜋 + 1
𝜋
Quando n tende para o infinito, temos que n tende para zero. Dessa forma, o fator
𝜋
sen n
𝜋
n
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Vieira Jr e Souza
Para visualizar de maneira simples a convergência de f M , basta lembrar que o Teorema Japonês
é válido para qualquer tipo de triangularização, ou seja, garante que f M é uma constante. Dessa
forma, podemos escolher uma triangularização onde todos os inraios sejam paralelos a um diâmetro
do cı́rculo. As figuras 22 e 23 ilustram os casos para n = 10 e n = 20. Repare que, à medida que o
número de lados n do polı́gono aumenta, f M tende a ficar cada vez mais próxima do diâmetro do
cı́rculo.
623
Vieira Jr e Souza
Agradecimentos
Referências
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many proofs”. Missouri Journal of Mathematical Sciences, v. 16, p. 72, 2004.
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of Mathematical Sciences, v. 18, p. 87, 2006.
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Doctoral Thesis, School of Mathematics and Statistics, University of Canterbury, 2016.
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v. 38, p. 188-193, 2012.
[16] Neto, A. C. M. Geometria. Coleção Profmat, 1ª edição, Rio de Janeiro, SBM , 2013.
[17] Richeson, D. The Japanese Theorem for Nonconvex Polygons - A Proof of the Generali-
zed Japanese Theorem. MAA Publications, NW Washington D.C.:Mathematical Association of
America, 2013. Disponı́vel em: <https://scholar.dickinson.edu/faculty publications/1405/>. Acesso
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do Estado do Rio de Janeiro, PROFMAT, 2020.
[21] Yoshida, T. Zoku Shinpeki Sanpo Huroku Kai. Manuscrito sem data.
Recebido: 24/11/2020
Publicado: 11/11/2021
625
PMO v.9, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo943
Resumo
Na disciplina de Quı́mica do Ensino Médio os estudantes aprendem o que são os hidrocarbone-
tos, uma extensa e importante famı́lia de compostos orgânicos. A estrutura combinatória dessas
moléculas pode ser modelada por grafos, e alguns resultados de fácil compreensão desse objeto
matemático traduzem propriedades daqueles compostos. Vemos, assim, uma oportunidade para
os professores de Quı́mica e Matemática praticarem a interdisciplinaridade. O professor de Ma-
temática, em particular, pode aproveitar essa inter-relação para abordar os grafos, uma importante
área da Matemática Discreta. Neste texto, pretendemos fornecer informações para a construção
de sequências didáticas com esse objetivo.
Palavras-chave: Grafos; árvores; modelos de hidrocarbonetos; contagem de átomos de hidrogênio;
isômeros.
Abstract
In high school chemistry, students learn of hydrocarbons, an extensive and important family of
organic compounds. The combinatorial structure of these molecules can be modeled by graphs,
and some easy-to-understand results of that mathematical object render properties of those com-
pounds. Thereby we see an opportunity for chemistry and mathematics teachers to practice in-
terdisciplinarity. Mathematics teachers, in particular, can take advantage of this interrelation to
approach graphs, an important area of Discrete Mathematics. In this article, we intend to provide
information for the construction of didactic sequences with that purpose.
Keywords: Graphs; trees; hydrocarbon models; count of hydrogen atoms; isomers.
1. Introdução
Os hidrocarbonetos são compostos orgânicos formados somente por átomos de carbono e hi-
drogênio. Neste artigo, focaremos, em três tipos básicos de hidrocarbonetos, os alcanos, os alcenos e
os alcinos. O que distingue os alcanos dos outros tipos de hidrocarbonetos é que em suas moléculas
os átomos de carbono sempre estão ligados a quatro outros átomos, sejam eles de carbono e/ou
hidrogênio, sendo que as ligações carbono-carbono sempre são simples. Como quatro é o número
máximo de ligações que um átomo de carbono pode fazer, os alcanos também são conhecidos como
hidrocarbonetos saturados. Por outro lado, existem dois subtipos de alcanos: os acı́clicos (comu-
mente referidos simplesmente como alcanos) e os cı́clicos (referidos como cicloalcanos ou naftenos).
Em alguns hidrocarbonetos, existem ligações carbono-carbono que são duplas ou triplas, isto é,
626
Paterlini e Rocha-Filho
existem átomos de carbono que estão ligados a somente três ou dois outros átomos. Quando existe
uma ligação carbono-carbono dupla, o hidrocarboneto é conhecido como alceno. No caso de uma
ligação carbono-carbono tripla, o hidrocarboneto é um alcino. Tanto os alcenos como os alcinos
são conhecidos como hidrocarbonetos insaturados, pois suas moléculas têm dois átomos de carbono
que estão ligados a menos de quatro outros átomos, sejam eles de carbono e/ou hidrogênio. Como
no caso dos alcanos, também existem subtipos cı́clicos dos hidrocarbonetos insaturados.
Sob o ponto de vista combinatório, as moléculas desses diferentes hidrocarbonetos podem ser
modeladas por um objeto matemático chamado grafo. Para os diferentes tipos de hidrocarbonetos,
alguns teoremas muito simples permitem-nos calcular o número de átomos de hidrogênio de uma
molécula em função do número de átomos de carbono. Surpreendentemente, essas relações são
fixas, embora as estruturas das moléculas possam variar muito.
Uma propriedade que chama a atenção nas moléculas dos alcanos acı́clicos é que, se o número de
átomos de carbono é n, o de hidrogênio é sempre 2n + 2, qualquer que seja a estrutura molecular
formada pelos n átomos de carbono. Assim, em Quı́mica, a fórmula geral dos alcanos acı́clicos é
Cn H2n+2 . Veremos como alguns teoremas sobre grafos permitem-nos obter essa relação.
Nos alcanos acı́clicos cujas moléculas têm quatro ou mais átomos de carbono, esses podem estar
ligados formando estruturas lineares, cada átomo de carbono ligando-se a no máximo dois outros
átomos de carbono, ou estruturas ramificadas, quando também existem átomos de carbono que se
ligam a outros três ou quatro átomos de carbono. Com isso, surge a possibilidade de diferentes
estruturas moleculares para uma mesma fórmula molecular, dando origem a diferentes compostos,
conhecidos como isômeros. Por exemplo, para a fórmula molecular C5 H12 , existem três isômeros
(Figura 1), um com estrutura linear (referido como pentano) e dois com estruturas ramificadas
(referidos como isopentano e neopentano). Na molécula do isopentano, há um átomo de carbono
ligado a três outros átomos de carbono, e na do neopentano, o átomo central está ligado aos outros
quatro átomos de carbono. Embora as estruturas das três moléculas sejam diferentes, continua
valendo a relação de 2n + 2 átomos de hidrogênio para n átomos de carbono.
Figura 1: Ilustração dos três isômeros de fórmula molecular C5 H12 , conhecidos como pentano,
isopentano e neopentano. Autores: Ben Mills e Jynto [8].
Os cicloalcanos são hidrocarbonetos saturados que contêm um único ciclo em sua estrutura mo-
lecular, ao qual podem estar ligadas uma ou mais ramificações. Analogamente aos alcanos, nos
cicloalcanos também há uma relação fixa entre o número de átomos de carbono e o de hidrogênio,
que é Cn H2n , para n ≥ 3. Essa relação é igual à dos alcenos, hidrocarbonetos que contêm uma
627
Paterlini e Rocha-Filho
ligação dupla carbono-carbono, porém para n ≥ 2 (vide abaixo). Para a fórmula molecular C3 H6 ,
existe um único cicloalcano, o ciclopropano. Já para a fórmula C4 H8 , existem dois isômeros: o
ciclobutano e o metilciclopropano, sendo esse um ciclopropano com uma ramificação, um grupo
metil – veja a Figura 2. Para n ≥ 5, o número de isômeros aumenta bastante, pois surge um outro
tipo de isômeros, os estereoisômeros, que decorrem da possibilidade de as ramificações assumirem
diferentes posições relativas no espaço.
Cabe destacar que, para um dado valor de n, a molécula do alcano sempre tem dois átomos
de hidrogênio a mais que a correspondente molécula do cicloalcano. Assim, o cicloalcano, em
condições adequadas (como no caso da presença de um catalisador de um metal de transição),
pode ser hidrogenado, com a abertura do anel, transformando-se em um alcano. Por exemplo, o
metilciclopropano (C4 H8 ) pode ser hidrogenado, obtendo-se o butano (C4 H10 ).
Como já mencionado, os alcenos são hidrocarbonetos insaturados que têm uma ligação carbono-
carbono dupla em suas moléculas e apresentam uma relação fixa entre o número de átomos de
carbono e de hidrogênio igual à dos cicloalcanos: Cn H2n , para n ≥ 2. Para n = 4, existem quatro
alcenos isoméricos: o 1-buteno, o cis-2-buteno, o trans-2-buteno e o isobuteno (ou isobutileno) –
veja a Figura 3. Nos três primeiros isômeros, há dois átomos de carbono ligados a dois outros
átomos de carbono, enquanto no último isômero há um átomo ligado a três outros átomos de
carbono. Note que esses quatro alcenos, de fórmula molecular C4 H8 , também são isômeros dos dois
cicloalcanos mostrados na Figura 2. Portanto, existem seis isômeros para essa fórmula molecular.
O alceno mais simples, o eteno (mais conhecido como etileno), C2 H4 , é o composto orgânico mais
produzido industrialmente, com muitas aplicações. Por exemplo, a partir dele é obtido o polietileno,
o plástico incolor mais usado mundialmente. Por outro lado, o eteno também é um importante
hormônio natural de plantas, muito empregado para acelerar o amadurecimento de frutas.
628
Paterlini e Rocha-Filho
Os cicloalcenos são hidrocarbonetos insaturados cuja estrutura molecular contém um ciclo com
três ou mais átomos de carbono. A esse ciclo podem estar ligadas uma ou mais ramificações. Para
esses compostos, a relação fixa entre o número de átomos de carbono e de hidrogênio é Cn H2n–2 ,
para n ≥ 3. O mais simples deles é o ciclopropeno, C3 H4 . Para n = 4, a fórmula molecular é C4 H6
e existem três cicloalcenos isoméricos, mostrados na Figura 4, na qual também é mostrado um
alceno isomérico desses cicloalcenos.
Os alcinos são hidrocarbonetos insaturados que têm uma ligação carbono-carbono tripla em suas
moléculas e apresentam uma relação fixa entre o número de átomos de carbono e o de hidrogênio
igual à dos cicloalcenos, isto é, Cn H2n–2 , para n ≥ 2. Portanto, o etino, C2 H2 , é o alcino mais
simples. Para n = 4, existem dois alcinos isoméricos, mostrados na Figura 5. Note que esses
dois alcinos, de fórmula molecular C4 H6 , também são isômeros dos quatro compostos mostrados
na Figura 4. Portanto, as duas figuras exibem seis isômeros para essa fórmula molecular (na
Wikipedia, ao se buscar pela fórmula molecular C4H6, são encontrados 10 compostos com essa
fórmula).
Finalmente, os cicloalcinos também são hidrocarbonetos insaturados que contêm um único ciclo
em sua estrutura molecular, ao qual podem estar ligadas uma ou mais ramificações. Para esses
compostos, a relação fixa entre o número de átomos de carbono e o de hidrogênio é Cn H2n–4 . Como
a ligação carbono-carbono tripla exige que haja uma natureza linear para os átomos de carbono
que a cercam (isso é ilustrado pela estrutura molecular do 2-butino, mostrada na Figura 5), a
estrutura molecular dos cicloalcinos pode ser altamente tensionada. Isso faz que só sejam estáveis
cicloalcinos com um número grande de átomos de carbono, sendo que o ciclo-octino, C8 H12 , é o
menor desses hidrocarbonetos que é estável, podendo ser isolado e armazenado (veja a Figura 6 e
note como as ligações carbono-carbono ao redor da ligação tripla não são lineares e, portanto, são
tensionadas).
629
Paterlini e Rocha-Filho
Figura 6: Ilustração do menor cicloalcino estável, o ciclo-octino. Figura gerada por [2].
Esses diferentes tipos de hidrocarbonetos insaturados podem ser hidrogenados, parcial ou total-
mente. Por exemplo, o ciclo-octino pode ser hidrogenado parcialmente a ciclo-octeno (C8 H14 ,
um cicloalceno) ou ainda a ciclo-octano (C8 H16 , um cicloalcano); caso ocorra abertura de anel e
hidrogenação máxima, obter-se-á o octano (C8 H18 , um alcano acı́clico), um dos componentes da
gasolina.
isopentano
neopentano
630
Paterlini e Rocha-Filho
O grafo de uma molécula fornece-nos apenas informações combinatórias. Ele não descreve como os
átomos colocam-se no espaço. Em particular, os ângulos entre as ligações não estão necessariamente
retratados no grafo. Assim sendo, dois estereoisômeros do mesmo isômero não são distinguı́veis
por seu grafo. Na Tabela 2 vemos modelos de alcenos. O cis-2-buteno e o trans-2-buteno são
estereoisômeros do mesmo isômero, e têm o mesmo grafo, pois sua constituição combinatória é a
mesma (poderı́amos desenhar o grafo do trans-2-buteno de outra forma, refletindo verticalmente a
parte direita do desenho, mas o grafo seria essencialmente o mesmo, mudando apenas o desenho).
1-buteno
cis-2-buteno
trans-2-buteno
isobuteno
Se um grafo modela um hidrocarboneto, os comprimentos das linhas que ligam pontos não corres-
pondem, necessariamente, às distâncias relativas entre os átomos (referidas como comprimentos de
ligação). Escolhemos esses comprimentos de modo a facilitar a leitura do grafo e deixar patentes
as propriedades combinatórias. Em um tal grafo é fácil distinguir os pontos que representam os
átomos de carbono daqueles que representam os de hidrogênio: basta contar o número de ligações
que concorrem ao ponto. Pontos com quatro ligações representam átomos de carbono, e, com uma,
átomos de hidrogênio.
Os grafos podem ser desenhados com pontos e linhas coloridas, como se vê na Figura 7. Fica mais
bonito e pode facilitar a visualização, mas nada acrescenta de informação sobre as propriedades
combinatórias da molécula.
631
Paterlini e Rocha-Filho
Os grafos podem também modelar hidrocarbonetos cı́clicos, como se vê na Figura 7 e na Tabela 3.
ciclobuteno
1-metilciclopropeno
3-metilciclopropeno
metilenociclopropano
632
Paterlini e Rocha-Filho
Figura 8: Representação como grafo da molécula de um alcano acı́clico com n átomos de carbono
em disposição linear.
Entretanto, os átomos de carbono podem ocorrer com outros arranjos. Por exemplo, se n = 5,
vimos, na Tabela 1, três arranjos possı́veis, isômeros da famı́lia de alcanos acı́clicos cuja fórmula
molecular é C5 H12 . Em Quı́mica, hidrocarbonetos com o mesmo número de átomos de carbono
mas representados por grafos diferentes são exemplos de isômeros estruturais. Em todos esses
arranjos continua valendo a fórmula h = 2n + 2. No caso n = 5 podemos constatar isso examinando
cada desenho, mas, em geral, o número de árvores diferentes aumenta consideravelmente com n.
Na próxima seção, veremos como algumas propriedades combinatórias dos grafos permitem-nos
demonstrar essas fórmulas.
Dentre as várias maneiras de definir um grafo, escolhemos aquela que é mais conveniente para o
uso que faremos neste texto.
Um grafo é um conjunto finito de pontos, denominados vértices, reunido com um conjunto finito de
linhas que ligam pares (não ordenados) desses vértices, chamadas arestas. Apenas as extremidades
de uma aresta são vértices (e são vértices diferentes). Arestas que ligam o mesmo par de vértices
são chamadas arestas múltiplas. O grau g(A) de um vértice A é o número de arestas que a ele
concorrem.
Indicamos os vértices por A, B, C, ..., ou por essas letras indexadas, como A1 , A2 , ... Analogamente
indicamos as arestas por a, b, c, ..., ou por essas letras indexadas.
As relações entre vértices e arestas de um grafo podem ser definidas através de um desenho, como
os que vemos na Figura 9. Nossos desenhos são planares, e fica entendido que não consideramos
relevantes os pontos de interseção de arestas que não sejam vértices (em outros contextos podem
ser importantes). No grafo G2 da Figura 9 vemos um exemplo de arestas múltiplas, c1 e c2 . Na
mesma figura, em G1 temos g(D) = 3 e em G2 temos g(D) = 4.
Mais detalhes e aplicações de grafos podem ser vistas em M. Goldbarg e E. Goldbarg (2012) [3],
em E. L. Lima (1988) [6] e em D. B. West (2001) [7].
No presente texto estamos interessados em alguns resultados de contagem sobre os grafos. O
primeiro é:
Teorema 1. Em qualquer grafo, a soma dos graus de todos os vértices é o dobro do número de
arestas.
Demonstração. Dado um vértice, seu grau conta o número de arestas a ele ligadas. Assim, se
somarmos todos os graus, contamos todas as arestas. Mas, nessa soma, cada aresta foi contada
duas vezes, pois a cada aresta correspondem dois vértices. Portanto, a soma dos graus é o dobro
do número de arestas. □
Árvores são grafos conexos e acı́clicos. Por serem grafos mais simples, fica fácil estudar algumas
de suas propriedades.
Lema 1. Em um grafo com um único vértice não existem arestas.
Demonstração. Arestas múltiplas formam ciclos, mas árvores são acı́clicas. Portanto, vale a
afirmação. □
Lema 3. Se uma árvore tem dois vértices, eles têm grau 1 e existe uma única aresta.
Demonstração. Se o grau de A é g ≥ 1, por definição existem g arestas (diferentes duas a duas) que
a ele concorrem. As segundas extremidades dessas arestas são vértices A1 , ..., Ag . Esses vértices
são diferentes dois a dois pois, caso contrário, haveria arestas múltiplas, o que contraria o Lema 2.
Concluı́mos que vale a afirmação. □
634
Paterlini e Rocha-Filho
Proposição 1. Toda árvore com dois vértices ou mais tem pelo menos um vértice de grau 1.
Demonstração. Se a árvore tiver dois vértices, a afirmação segue do Lema 3. Suponhamos que
tenha três vértices ou mais. Escolhemos um vértice qualquer e o chamamos de A1 . Se o grau de
A1 for 1, terminamos. Suponhamos que o grau de A1 seja ≥ 2. Então, pelo Lema 4, existem dois
vértices A0 e A2 (diferentes) e arestas a01 ligando A0 com A1 e a12 ligando A1 com A2 . Se o grau de
A2 for 1, terminamos. Suponhamos que o grau de A2 seja ≥ 2. Então existe um vértice A3 e uma
aresta a23 ligando A2 com A3 . Como a árvore é um grafo acı́clico, A3 ≠ Ai , 1 ≤ i ≤ 2. Continuando
com o mesmo procedimento, no j-ésimo passo encontramos uma trilha A1 a12 A2 a23 A3 . . . Aj+1 com
j + 1 vértices, e verificamos se Aj+1 tem grau 1 ou ≥ 2. Como o número de vértices é finito, em
algum passo a resposta será grau 1, e, assim, terminamos. □
Proposição 2. Toda árvore com m ≥ 1 vértices tem exatamente m – 1 arestas.
Teorema 2. Em qualquer árvore com m ≥ 1 vértices, a soma dos graus de todos os vértices é
2(m – 1).
Demonstração. Do Teorema 1 sabemos que a soma dos graus é o dobro das arestas. Se a árvore
tem m vértices, a Proposição 2 nos diz que ela tem m – 1 arestas. Assim, ao somarmos os graus,
obtemos o valor em dobro, isto é, 2(m – 1). □
O modelo em grafo de um alcano acı́clico é uma árvore com vértices de grau 1 e vértices de grau
4.
Proposição 3. Se uma árvore tem n ≥ 1 vértices com grau 4 e os outros vértices têm grau 1, então
esses outros vértices são em número de 2n + 2.
Demonstração. Seja h o número de vértices de grau 1. Portanto, a soma dos graus é 4n + h. Como
a árvore tem n + h vértices, sabemos, da Proposição 2, que ela tem n + h – 1 arestas. Como a soma
dos graus conta as arestas em dobro, temos
4n + h = 2(n + h – 1)
635
Paterlini e Rocha-Filho
Concluı́mos com o
Teorema 3. A fórmula geral dos alcanos acı́clicos é Cn H2n+2 .
Demonstração. Todo alcano acı́clico tem como modelo uma árvore com vértices de grau 4 (pelo
menos um) e vértices de grau 1. Portanto, o resultado segue da Proposição 3. □
Vejamos agora dois resultados para grafos com um único ciclo (cicloalcanos e alcenos):
Proposição 4. Se um grafo conexo com um único ciclo tem m vértices, então: (i) tem m arestas;
(ii) a soma dos graus é 2m.
Demonstração. Seja G o grafo dado, e seja ℓ o número de suas arestas. Construı́mos um novo
grafo H da seguinte forma: excluı́mos uma aresta do ciclo de G e em cada um de seus extremos
acrescentamos uma nova aresta com um novo vértice. Assim, H tem m + 2 vértices e ℓ + 1 arestas.
Mas H é uma árvore, pois continua sendo conexo e agora é acı́clico. Sabemos da Proposição 2
que ℓ + 1 = (m + 2) – 1. Segue que ℓ = m, e fica verificada a afirmação (i). A afirmação (ii) segue
diretamente do Teorema 1. □
Figura 10: Operação de corte em um grafo. Nesse caso, uma operação geométrica, mas que tem
ligação com a quı́mica de hidrocarbonetos (vide abaixo).
Corolário 1. Se um grafo conexo com um único ciclo tem n vértices de grau 4 e o restante de grau
1, então esses são em número de 2n.
Demonstração. Seja h o número de vértices de grau 1. Então a soma dos graus é 4n + h. Por outro
lado, esse grafo tem n + h vértices, e a Proposição 4 diz que essa soma é também 2(n + h). Assim,
4n + h = 2(n + h)
Concluı́mos com o
Teorema 4. A fórmula geral dos cicloalcanos e dos alcenos é Cn H2n .
636
Paterlini e Rocha-Filho
Demonstração. Os cicloalcanos e os alcenos são modelados por grafos com um único ciclo, com
vértices de grau 4 (pelo menos dois) e o restante de grau 1. Portanto, o resultado segue do Corolário
1. □
Observamos que a operação de corte realizada acima é puramente geométrica, e pode ser feita em
qualquer grafo. Mas, assim como a arte imita a vida, a Matemática também imita a natureza.
Nos hidrocarbonetos, essa operação corresponde à hidrogenação, comentada no final da Seção 3 e
no final da Seção 4. Na Figura 11 vemos que o metilciclopropano (C4 H8 ) pode ser hidrogenado,
obtendo-se o butano (C4 H10 ). Na Figura 12 vemos que essa operação quı́mica corresponde à
operação geométrica que denominamos “corte”, com a qual transformamos o grafo que modela o
metilciclopropano na árvore que modela o butano.
Figura 12: Operação de corte no grafo do metilciclopropano, da qual resulta o grafo do butano.
O procedimento de contagem da Seção 8 pode ser generalizado. Seja G um grafo conexo com m
vértices e ℓ arestas, e contendo ciclos. Suponhamos que com r operações de corte obtenhamos uma
árvore. Ela tem m + 2r vértices e ℓ + r arestas. Portanto, ℓ + r = m + 2r – 1 ⇒ ℓ = m + r – 1. Assim,
a soma dos graus de G é 2ℓ = 2(m + r – 1).
Agora, se G tem n vértices de grau 4 e os outros h vértices de grau 1, temos m = n + h e a soma
dos graus é 4n + h. Portanto, 4n + h = 2(n + h + r – 1). Resolvendo para h vem h = 2n – 2r + 2.
Em geral temos:
Teorema 5. Seja G um grafo com m vértices e ℓ arestas e suponhamos que r operações de corte
transformem o grafo em uma árvore. Então: (i) ℓ = m + r – 1, (ii) a soma dos graus de G é
2ℓ = 2(m + r – 1); (iii) se G tem n vértices de grau 4 e h de grau 1 (e nenhum outro), então
h = 2n – 2r + 2.
637
Paterlini e Rocha-Filho
Corolário 2. Suponhamos que um hidrocarboneto, com n átomos de carbono, seja modelado por um
grafo tal que sejam necessárias r operações de corte para transformá-lo em uma árvore. Então a
fórmula do hidrocarboneto é Cn H2n–2r+2 .
Dados m pontos, quantos grafos diferentes podem ser construı́dos? Os m pontos (considerados
distinguı́veis) podem formar m
2 pares (não ordenados). Ao constituir um grafo, para cada par
638
Paterlini e Rocha-Filho
de pontos temos duas escolhas: ligar ou não ligar. Usando o princı́pio multiplicativo vemos que
podemos construir
m
2( 2 )
grafos.
Um interesse particular aqui é contar as árvores. Um teorema de Cayley de 1889 [Arthur Cayley,
1821-1895] diz-nos que existem
mm–2
árvores. Ao contar árvores com m vértices, são assignados, a cada vértice, todos os possı́veis graus
1 ≤ g ≤ m – 1, de modo que a soma dos graus seja 2(m – 1). Quatro demonstrações diferentes desse
resultado podem ser lidas em M. Aigner e G. M. Ziegler (2018) [1], a partir da pág. 235.
As árvores que modelam alcanos acı́clicos obedecem a algumas restrições. Elas correspondem a
árvores com m vértices, dos quais existem n de grau 4 e h = 2n + 2 de grau 1, de forma que
n + h = m. Além disso os vértices de mesmo grau são indistinguı́veis. A literatura informa que
não é conhecida uma fórmula de contagem para esse caso especial. É possı́vel realizar o cálculo
através de algoritmos recursivos ou usando o princı́pio de enumeração de Pólya-Redfield [George
Pólya, 1887-1985, John H. Redfield, 1879-1944]. Maiores explicações, incluindo uma história sobre
o assunto, podem ser lidas em D. J. Klein (2002) [5].
Para o leitor ter uma ideia do número de árvores diferentes, possı́veis modelos de alcanos, trans-
crevemos, na Tabela 4, alguns valores obtidos de I. Gutman (2008), pág. 55 [4]. Nessa tabela,
n é o número de vértices que correspondem aos átomos de carbono, e A é o número de árvores
diferentes.
n 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ... 20 ... 30
A 1 1 1 2 3 5 9 18 35 75 ... 366319 ... 4111846763
Vemos que o número de árvores diferentes aumenta exponencialmente com n. Observamos que
esses números são teóricos e dizem respeito a uma propriedade matemática. Nem toda árvore
tem composto quı́mico correspondente conhecido. Na realidade, à medida que n aumenta, diminui
a probabilidade de tais moléculas quı́micas existirem e, portanto, diminui muito o número A de
árvores que correspondem efetivamente a compostos quı́micos.
Agradecimentos
Referências
[1] Aigner, M. and Ziegler, G.M. Proofs from the Book. 6a edição. Berlin, Springer, 2018. https:
//doi.org/10.1007/978-3-662-57265-8
639
Paterlini e Rocha-Filho
Recebido: 13/08/2021
Publicado: 18/11/2021
640
PMO v.9, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo944
Resumo
Neste artigo discorremos sobre como as desigualdades são abordadas no Ensino Básico, com foco no Ensino
Médio. Trazemos à tona algumas desigualdades notórias, seja por sua importância histórica, elegância
ou importância dentro da Análise Matemática. Propomos aplicações de algumas dessas desigualdades em
problemas diversos.
Palavras-chave: Desigualdades; Análise Matemática; Ensino Médio.
Abstract
In this paper we talk as inequalities are treated in Basic School with focus on High School. We bring to light
some notorious inequalities, either because of their historical importance, elegance or relevance in particular
to Mathematical Analysis. We propose applications of some of these inequalities in diverse problems.
Keywords: inequalities; Mathematical Analysis; High School.
1. Introdução
Este artigo é fruto da dissertação de mestrado do Profmat UNnesp/Rio Claro defendida em 2019 e intitulada:
"Algumas desigualdades matemáticas: históricas, da Análise e sugestões de atividades para o Ensino Básico".
Sabe-se desde o início da educação formal que os números apresentam uma ordem. Comparam-se os
naturais, inteiros, racionais e, por fim, os reais. Embora seja visto apenas ao final da Educação Básica
– quando se estuda o conjunto dos números complexos – o símbolo de desigualdade, em uma espécie de
encanto, desaparece. Isso deve-se ao fato de o conjunto dos números reais ser um corpo ordenado, e o
conjunto dos complexos ser apenas um corpo sem relação de ordem. Neste trabalho consideramos apenas os
números reais e estudamos alguns resultados interessantes sobre a relação de ordem existente nesse corpo.
Admitimos conhecidas todas as propriedades e fatos elementares sobre essa relação.
No Seção 2 fazemos uma análise dos documentos oficiais do Ministério da Educação sobre os Parâmetros
Curriculares Nacionais, seguida de uma análise de alguns livros didáticos. Ainda nesta seção, apresentamos
algumas desigualdades que são utilizadas no Ensino Médio. Na Seção 3, de cunho histórico, exibimos
algumas desigualdades demonstradas ou assumidas por matemáticos da antiguidade. Na Seção 4 abordamos
algumas desigualdades importantes da Análise Matemática. Na Seção 5 propomos alguns problemas que
consideramos interessantes e cuja resolução emprega as desigualdades da seção anterior. Além disso, faze-
mos comentários breves explicando quais são os objetivos dos problemas propostos, seguindo as orientações
dadas nos documentos do Ministério da Educação.
641
Bastioni e Teles
Nesta seção apresentamos alguns problemas elementares que envolvem desigualdades, fazemos comentários
que explicam de que forma acreditamos que o ensino de desigualdades adequa-se ao que dizem os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e analisamos o modo como alguns livros didáticos da Educação
Básica abordam as desigualdades.
Vamos descrever dois problemas cotidianos e elementares com o uso de desigualdades. Não serão necessárias
técnicas avançadas, raciocínios complicados ou a evocação de alguma desigualdade notória para a resolução
desses problemas. A intenção é apenas mostrar que, de fato, as desigualdades são comuns em situações
rotineiras.
Antes de viajar, o motorista prudente faz algumas verificações básicas dos elementos de segurança do seu
carro, tais como: analisa faróis, palhetas do parabrisa, calibra os pneus, verifica estepe e, principalmente,
examina se há combustível suficiente para realizar a viagem, e no caso de viagens mais longas, se há
combustível suficiente até encontrar algum posto na rodovia.
Automóveis modernos possuem computador de bordo com uma função que mostra a autonomia, o volume
de combustível do tanque, o consumo médio e instantâneo do veículo etc. Suponhamos que a viagem será
realizada em um automóvel sem esse acessório.
Nesse caso, a maneira mais comum é analisar o indicador do volume de combustível presente no painel
do automóvel, dado geralmente em forma de fração, e, conhecendo o consumo médio de combustível do
automóvel e a distância que será percorrida, pode-se saber se há combustível suficiente.
Sejam d a distância de uma viagem, q o consumo médio de combustível do veículo que fará a viagem e l a
quantidade de combustível presente no tanque. Conhecendo-se a capacidade máxima do tanque e a fração
do mesmo que está preenchida de combustível, é possível estimar um valor para l. Veremos que se uma certa
desigualdade for satisfeita, o motorista pode realizar a viagem.
d d
A quantidade de combustível consumida durante a viagem é dada por . Então, se ≤ l há combustível
q q
d
suficiente. É importante lembrar que a opção mais segura é quando < l, pois o artigo 180 do Código de
q
Trânsito diz que a pane seca é considerada uma infração de trânsito, de natureza média e punida com multa.
Ao fazer compras em um supermercado temos diante de nós uma vasta gama de produtos à nossa disposição.
Muitos deles são vendidos em embalagens de diversos tamanhos ou com diferentes quantidades. Alguns
possuem preço proporcional, outros podem apresentar vantagem se comprados em embalagens de maior
quantidade ou tamanho.
Essa diferença dá-se principalmente pelo fato de que as embalagens têm custos, e uma vez que ela consegue
armazenar mais coisas, pode ser vendida por um preço mais acessível. Como saber se ao comprar uma
642
Bastioni e Teles
embalagem maior estamos pagando de forma proporcional ou se, de fato, estamos pagando um pouco mais
barato?
É claro que quando dizemos um pouco mais barato isso não significa em termos absolutos. Obviamente uma
embalagem com mais produto será mais cara do que outra com menos produto. A questão que propomos é que
se as embalagens tivessem o mesmo tamanho, quanto custaria cada uma delas? Se feito esse procedimento
de transformá-las em uma embalagem de mesmo tamanho e elas custarem o mesmo preço, então a maior
é proporcional à menor. Caso contrário, se a embalagem menor custar mais caro do que a maior, então a
segunda opção é mais vantajosa para a compra.
Como proceder? Sejam a e b as quantidades (podem ser peso, volume etc) de duas embalagens de um
mesmo produto, onde b > a. Suponha que cada uma delas seja vendida por x e y reais, respectivamente. É
claro que y > x, pois há mais produto na segunda embalagem do que na primeira. Mas veremos que em
termo relativos, comprar a embalagem maior pode ser mais vantajoso.
x
Como a primeira embalagem custa x e tem quantidade a, a razão dá-nos o preço relativo do produto
a
y
quando vendido nesta embalagem. Usando o mesmo raciocínio, a razão dá-nos o preço relativo do
b
produto vendido na segunda embalagem.
x y
Se = , então o preço da embalagem maior é proporcional ao da menor, e é indiferente comprar qualquer
a b
x y
uma delas. Se > , mesmo que y > x, é mais vantajoso comprar a embalagem maior.
a b
Esse raciocínio pode ser levado em conta quando compramos um produto que geralmente é consumido
em grandes quantidades e, consequentemente, levar uma embalagem com mais quantidade pode ser mais
vantajoso do que levar várias embalagens com menos quantidade. Pensando de forma sustentável, às vezes
é mais econômico comprar uma embalagem maior, mas se o seu conteúdo não for consumido até a data de
validade gera-se desperdício. O consumidor consciente deve ponderar entre essas duas variáveis, economia
× sustentabilidade, para fazer uma compra ideal.
Citamos abaixo alguns trechos de BRASIL[3] e em seguida fazemos comentários buscando associá-los ao
estudo de desigualdades. A referência BRASIL[4] faz comentários complementares acerca de BRASIL[3].
As ideias desses documentos nortearão as aplicações dadas na Seção 5. Iniciamos com o trecho a seguir ,
[...] no Ensino Fundamental, os alunos devem ter se aproximado de vários campos do co-
nhecimento matemático e agora estão em condições de utilizá-los e ampliá-los e desenvolver
de modo mais amplo capacidades tão importantes quanto as de abstração, raciocínio em
todas as suas vertentes, resolução de problemas de qualquer tipo, investigação, análise e
compreensão de fatos matemáticos e de interpretração da própria realidade.
A respeito desse trecho, salientamos que ainda nos anos iniciais do Ensino Fundamental o aluno aprende
a comparar dois números, geralmente dois naturais, com o uso dos símbolos >, <, ≥ e ≤. Depois, a
comparação estende-se ao conjunto dos inteiros e, por fim, em uma aplicação interessante das frações
equivalentes, comparam-se os racionais. Ainda no Ensino Fundamental, aprende-se a resolver inequações,
cujas técnicas são muito parecidas com a resolução de equações, exceto pelo fato de que quando se multiplica
uma inequação por um número real negativo deve-se tomar o cuidado de trocar o símbolo da desigualdade.
Uma vez compreendido e amadurecido o conceito de desigualdade, o aluno está preparado para entender as
643
Bastioni e Teles
desigualdades que aparecerão no Ensino Médio, que o ajudarão a resolver, investigar, analisar e compreender
problemas diversos.
Destacamos outro trecho ,
Saber aprender é a condição básica para prosseguir aperfeiçoando-se ao longo da vida. Sem
dúvida, cabe a todas as áreas do Ensino Médio auxiliar no desenvolvimento da autonomia e
da capacidade de pesquisa, para que cada aluno possa confiar em seu próprio conhecimento.
Conforme apresentado nos exemplos iniciais deste trabalho, com o auxílio de desigualdades o aluno pode
confiar em seu próprio conhecimento para, por exemplo, calcular a autonomia de um automóvel e entender
como funcionam os preços de produtos no supermercado.
A referência BRASIL[3] apresenta uma série de finalidades do ensino da Matemática no Ensino Médio.
Destacamos algumas a seguir.
Quanto ao primeiro item, já destacamos o uso das desigualdades nas atividades cotidianas. No entanto,
as desigualdades surgem naturalmente nas demais ciências e nas atividades tecnológicas. Por exemplo, a
quantidade máxima de antibiótico que deve ser administrada de tal forma que o organismo do paciente não
seja prejudicado, o peso máximo de água que uma barragem suporta, o torque mínimo que um motor deve
gerar para colocar um automóvel em movimento. O aluno deve estar ciente de que esses problemas envolvem
desigualdades.
Quanto ao segundo item, enfatizamos que vivemos em uma época de revolução tecnológica, que nos cerca
de várias informações, muitas delas contraditórias, e somos levados a tomar uma decisão baseando-nos em
múltiplas variáveis. O conhecimento das desigualdades pode nos auxiliar nessa tomada de decisão de forma
coerente e justificada. Escolher entre um pagamento à vista ou a prazo, entender o porquê da destinação de
recursos públicos ser maior para uma determinada área do que para outra, escolher abastecer o automóvel
com etanol ou gasolina, escolher o plano telefônico para o dispositivo móvel são alguns dos problemas em
que há muitas opiniões e informações e devemos comparar diversos valores para tomar uma decisão ou
formar uma opinião.
O terceiro item é associado ao que já dissemos no parágrafo acima, uma vez tomada uma decisão é necessário
estarmos convencidos ou convencer a outrem sobre o motivo de tê-la tomado. Isso exige correta linguagem
e raciocínio. Manipular algebricamente uma desigualdade, invocar alguma desigualdade notória e construir
um raciocínio que mostra que a desigualdade explica bem o motivo da tomada da decisão são desafios que
esse item nos apresenta.
644
Bastioni e Teles
O último item mostra-nos que o aluno deve estar seguro e confiante quanto à decisão tomada. Uma vez que
isso se verifica, ele fica realizado em saber que está tomando uma decisão que as desigualdades mostraram
ser a mais eficiente, segura ou vantajosa. Saber que o dinheiro renderá mais na aplicação escolhida, que
o automóvel andará quando o motor fornecer o torque julgado como mínimo, que a compra a prazo trará
mais vantagem e que a barragem não vai se romper mostram que o professor obteve êxito em provocar o
sentimento de satisfação ao aluno que pôde tomar uma decisão baseando-se no que aprendeu. Seguro da
decisão, ele poderá compartilhá-la.
Outro trecho interessante é dado a seguir ,
O trabalho com números pode também permitir que os alunos apropriem-se da capacidade
de estimativa, para que possam ter controle sobre a ordem de grandeza de resultados de
cálculo ou medições e tratar com valores numéricos aproximados de acordo com a situação
e o instrumental disponível.
Aqui vemos o uso de a ≤ x ≤ b, ou seja, estimamos que um valor x é maior ou igual do que um número
a e também menor ou igual do que um número b. O trabalho com estimativas exige conhecimento de
desigualdades e manipulações algébricas para a sua resolução. Quanto à estimativa do resultado de um
determinado problema, veremos mais adiante que isso é uma ferramenta importante quando trabalhamos
com variáveis que já sabemos pertencer a um intervalo fixo como o valor das funções seno e cosseno e da
função probabilidade. A técnica de obter estimativas é empregada desde os tempos remotos, como veremos
na seção seguinte.
Por fim, apresentamos um último trecho ,
Os conceitos matemáticos que dizem respeito a conjuntos finitos de dados ganham também
papel de destaque para as Ciências Humanas e para o cidadão comum, que se vê imerso
em uma enorme quantidade de informações de natureza estatística ou probabilística. No
tratamento desses temas, a mídia, as calculadoras e os computadores adquirem importância
natural como recursos que permitem a abordagem de problemas com dados reais e requerem
habilidades de seleção e análise de informações.
Nesse tópico, os parâmetros apenas reforçam o que já discutimos acima com respeito a tomada de decisões
baseadas em um conjunto de informações. Aqui assume-se que as Ciências Humanas também fazem parte
do rol de aplicações. Além, é claro, de enfatizar o uso de computadores para auxiliarem os cálculos ou
servirem como fonte de pesquisa. Citamos aqui como exemplo o poder de persuasão de uma pesquisa de
intenção de votos. Quando o eleitor vê em alguma mídia uma pesquisa como essa, e nota que a intenção de
votos de um determinado candidato é muito maior ou muito menor do que a de outro, essa informação tem
um papel decisivo em sua escolha. Uma pessoa sem ideologia política, ou que vota apenas por obrigação
ou que não tem o menor interesse por política tem grande probabilidade de votar com base nessa pesquisa.
Mesmo alguém que tenha algum interesse e que veja em algum candidato propostas das quais tenha simpatia,
pode desistir de votar nele ao vê-lo com uma quantidade ínfima de intenção de votos quando comparado aos
outros concorrentes.
Analisamos [1], [5], [9] e [13], que são livros didáticos recomendados no PNLD de 2018; e também [6]
e[10], que são volumes de uma conhecida coleção de livros de Matemática Elementar. Fazemos comentários
de como os autores abordam desigualdades.
645
Bastioni e Teles
Todos os livros didáticos e [10] têm um capítulo que aborda os conjuntos numéricos. Nas seções em que
tratam dos números reais, os autores apresentam a reta real, combinando a ideia de desigualdade com o
tratamento geométrico, a saber: um número real a é menor do que um número real b se o ponto que
representa a na reta real está à esquerda do ponto que representa b; ou um número real a é maior do que um
número real b se o ponto que representa a na reta real está à direita do ponto que representa b.
O único que traz uma definição algébrica é [5], ou seja, um número real a é menor do que um número real
b se a diferença b – a for maior do que zero, ou suas formas equivalentes.
O tratamento geométrico é interessante, principalmente quando é necessário verificar alguma desigualdade
em que pelo menos um dos números seja real negativo. Fica evidente ao desenhar a reta real e inserir os
pontos que representam os números que, por exemplo, –3 e maior do que –5, pois o ponto que representa –3
está à direita do ponto que representa –5. Já o tratamento algébrico é interessante na resolução de problemas.
As aplicações imediatas são os intervalos de números reais, a função módulo e a resolução de inequações
afim. Os problemas que os livros propõem nesse tópico são interessantes, pois a maioria segue as orientações
de [3] e relaciona a solução do problema com um fato cotidiano. Vejamos um exercício presente em [1].
Exemplo 1. Para uma visita agendada, um técnico de informática cobra uma taxa fixa de R$20,00 mais uma
taxa de R$25,00 por hora trabalhada. Em uma única visita, quantas horas esse técnico precisa trabalhar para
receber mais de R$120,00?
Exercícios desse tipo repetem-se nos demais livros. Todo eles também fazem o estudo das desigualdades
com a função quadrática.
Abaixo destacamos algumas desigualdades encontradas em todos os livros didáticos supracitados e que
representam as desigualdades mais estudadas no Ensino Médio.
Com o auxílio da circunferência unitária centrada na origem e com a definição de seno e cosseno de um
ângulo agudo do triângulo retângulo, podemos definir as funções reais seno e cosseno.
A princípio define-se o contradomínio dessas funções como sendo o conjunto R. Com a análise da geometria
da definição dessas funções conclui-se que a imagem de ambas é o intevalo [–1, 1], ou seja, sen : R → [–1, 1]
e cos : R → [–1, 1], de onde podemos concluir que para qualquer número real x valem as seguintes
desigualdades
–1 ≤ sin(x) ≤ 1 e – 1 ≤ cos(x) ≤ 1.
2.3.2 Probabilidade
Considere a função real f (x) = ax2 + bx + c, com a ≠ 0. A função f é denominada função quadrática.
Sabemos que seu gráfico é uma parábola cujo vértice V é dado pelas coordenadas
–b 4ac – b2
, .
2a 4a
Podemos afirmar que para qualquer número real x valem as seguintes desigualdades
4ac – b2
f (x) ≥ , se a > 0.
4a
4ac – b2
f (x) ≤ , se a < 0.
4a
Surgem situações interessantes de máximos e mínimos em problemas que envolvem mais do que uma
variável. Geralmente conseguimos obter um sistema de duas equações, sendo que em uma delas aparece um
produto entre as duas variáveis e na outra temos uma da soma. Ao resolver esse sistema encontramos uma
equação quadrática em uma variável. Vejamos um exercício proposto em [9].
Exemplo 2. Entre todos os retângulos de perímetro 20cm, determine aquele cuja área é máxima. Qual é
essa área?
Vamos à solução desse problema. Se considerarmos x e y as medidas dos lados do retângulo, queremos
maximizar a área x · y sabendo o perímetro 2x + 2y = 20, ou seja, x + y = 10. Se escrevemos que y = 10 – x,
então a expressão para a área torna-se x · (10 – x) = –x2 + 10x, ou seja, uma equação quadrática na variável
x.
Definindo a circunferência como sendo o conjunto dos pontos do plano cuja distância a um ponto dado
é igual a um número real positivo dado, podemos definir o círculo como o conjunto de pontos do plano
cuja distância a um ponto dado é menor ou igual do que um número real positivo dado. Matematicamente,
obtemos
(x – x0 ) 2 + (y – y0 ) 2 ≤ r2
que é o círculo de raio r e centro no ponto (x0 , y0 ), ou seja, a sua descrição é feita por meio de uma
desigualdade.
Ainda na geometria analítica, usam-se desigualdades para estudar a posição relativa entre uma reta e uma
circunferência. Usando a notação d(s, O) para representar a distância da reta s ao ponto O, dizemos que uma
reta s é secante a uma circunferência de centro O e raio r se d(s, O) < r; elas são tangentes se d(s, O) = r; e
s é exterior à circunferência se d(s, O) > r.
Além da circunferência, as desigualdades também podem ser usadas para descrever regiões diversas do
plano. Uma desigualdade pode nos dar a região interna ou externa de uma elipse, a região acima ou abaixo
de uma reta e uma região um pouco mais sofisticada pode ser representada por um sistema de inequações.
647
Bastioni e Teles
Esta seção traz algumas desigualdades encontradas por grandes matemáticos do passado ou que envolvem
números notáveis da Matemática. Nosso objetivo aqui é mostrar que desde tempos remotos os matemáticos
já trabalhavam com desigualdades, seja para exibir resultados elegantes ou fazer estimativas.
648
Bastioni e Teles
D B
A
Em [8], vemos que na terceira Proposição do livro A medida do círculo, Arquimedes encontra um limitante
superior e um limitante inferior para o número 𝜋. Isso aconteceu por volta de 250 a.C..
Ao longo da demonstração, Arquimedes usou algumas aproximações racionais para as raízes quadradas sem
justificar como as encontrou. Na demonstração que exibimos a seguir, vamos omitir as raízes e escrever
apenas as aproximações racionais. Usamos a notação original para representar um número que possui parte
inteira e fracionária.
Proposição 4. A razão entre a circunferência de qualquer círculo pelo seu diâmetro é menor do que 3 71 e
maior do que 3 10
71 .
A
O
Considere OD a bissetriz de AÔC onde D é um ponto da reta AC. Então, pela Proposição 3 do livro VI de
Elementos2, segue que
CO CD
=
OA DA
ou seja,
CO CD CO + OA CD + DA CA CO + OA OA
= ⇒ = = ⇒ = .
OA DA OA DA DA CA DA
2Essa proposição é a que hoje conhecemos como teorema da bissetriz interna.
649
Bastioni e Teles
Sendo assim
OA CO + OA CO OA 306 265 571
= = + > + = .
DA CA CA CA 153 153 153
Como AÔC foi bisseccionado quatro vezes, então AÔG é a quadragésima oitava parte de um ângulo reto.
Considere o ponto H na reta AC de modo que ele esteja do lado oposto à semirreta que contém os pontos A
e C e de tal forma que o ângulo AÔH tenha a mesma medida de AÔG. Então GÔH é a vigésima quarta
parte de um ângulo reto, e GH é um lado do polígono regular de 96 lados circunscrito à circunferência.
A
O
650
Bastioni e Teles
Mas
14688 667 12 1
= 3 + <3 .
4673 21 4673 12 7
Conclui-se que a razão entre o perímetro de um polígono regular de 96 lados circunscrito a uma circunferência
e o seu diâmetro é menor do que 3 71 .
Agora encontraremos um limitante inferior para 𝜋.
Sejam AB o diâmetro de uma circunferência de centro O e C um ponto da circunferência de tal forma que
CÂB seja igual a um terço de um ângulo reto. Então
AC 1351
< .
BC 780
D
D′
B O A
Concluímos que os triângulos ADB e BDD ′ são semelhantes, de onde segue que
AD BD AB AB + AC AB + AC
= = = = .
BD DD ′ BD ′ BD ′ + CD ′ BC
AB
Como BC = 21 , temos
AD AB + AC AB AC
= = +
DB BC BC BC
2 1351 2911
< + = .
1 780 780
651
Bastioni e Teles
podemos escrever
3
AB 3013 4
< .
BD 780
Considere a bissetriz AE de BÂD sendo E um ponto da circunferência. Usando o mesmo raciocínio acima,
obtemos
3
AE 5924 4 1823
< =
BE 780 240
e
9
AB 1838 11
< .
BE 240
B O A
Como BÂC foi bisseccionado quatro vezes, então BÂG é a décima sexta parte de BÂC, ou a quadragésima
oitava parte de um ângulo reto. Então o ângulo central BÔG é a vigésima quarta parte de um ângulo reto ou
a nonagésima sexta parte de quatro ângulos retos. Assim, BG é o lado de um polígono regular de 96 lados
inscrito na circunferência.
Daí,
96 · BG 6336
> .
AB 2017 14
652
Bastioni e Teles
Mas
6336 10
1
>3 .
2017 4 71
Conclui-se que a razão entre o perímetro de um polígono regular de 96 lados inscrito em uma circunferência
e o seu diâmentro é maior do que 3 10
71 .
Portanto,
10 1
3 <𝜋<3 .
71 7
□
Em [8], encontramos que no Quinto Axioma do livro I de Sobre a esfera e o cilindro, Arquimedes escreve
3 que: se x > 0 e y são dois números reais quaisquer, então existe pelo menos um número natural n tal que
nx > y. Isso foi em torno de 225 a.C.
Geometricamente, isso quer dizer que um segmento pode ser unido a si mesmo um número finito de vezes,
de forma que o segmento resultante tenha comprimento maior do que qualquer outro segmento dado.
Embora tenha sido admitido como axioma por Arquimedes, esse resultado pode ser demonstrado para os
números reais, admitindo-se a propriedade do supremo. Seguiremos [7].
Definição 1. Seja A um conjunto de números reais. O maior elemento de A, quando existe, denomina-se
máximo de A. Dizemos que um número m é um limitante superior de A se m for máximo de A ou se m for
estritamente maior que todo número de A. O menor limitante superior de A, quando existe, denomina-se
supremo de A.
Exemplo 3. (a) É fácil ver que o conjunto X = 1, 12 , 13 , · · · é limitado superiormente. Afirmamos que o
supremo de X é 1. Caso contrário, existiria a < 1, tal que x ⩽ a, para todo x ∈ X. Mas 1 ∈ X, logo seria
absurdo.
(b) Seja X = (0, 1). Afirmamos que o supremo de X é 1. Caso contrário, existiria limitante superior
1 a+1 a+1
a ∈ (0, 1). Observe que 0 < a < 1 ⇒ < < 1, mas a < , logo chegamos em um absurdo.
2 2 2
Axioma 1 (Propriedade do supremo). Todo conjunto de números reais, não vazio e limitado superiormente,
admite supremo.
Teorema 2 (Propriedade de Arquimedes). Se x > 0 e y são dois números reais quaisquer, então existe pelo
menos um número natural n tal que nx > y.
Demonstração. Vamos supor que para qualquer natural n, tenhamos nx ≤ y. Considere o conjunto
A = {nx : n ∈ N}. Então A é não vazio, pois 1 · x = x ∈ A e é limitado superiormente, pois, por hipótese,
nx ≤ y. Logo, A admite supremo, que denotaremos por s. Como x > 0, então s – x < s e s – x não é cota
superior de A. Daí, existe m ∈ N tal que s – x < mx. Disso concluímos que s < (1 + m)x. Sendo 1 + m um
natural, segue que (1 + m)x ∈ A. Mas s é o supremo de A. Absurdo!
Portanto existe algum n ∈ N tal que nx > y. □
3Em linguagem moderna
653
Bastioni e Teles
3.4. O número e
é convergente e converge para a importante constante matemática e, a saber: o número de Euler, cuja história
remonta ao século XVII. Seguindo [7], vamos mostrar que an < 3, para todo n ≥ 1. Para isso, precisamos
de um lema auxiliar.
Lema 1. Considere n ∈ N. Então 2n ≤ (n + 1)!.
Demonstração. Vamos usar o princípio da indução finita. Para n = 1, segue que 2n = 2 e que (n+1)! = 2! = 2.
Logo, 2n ≤ (n + 1)!.
Suponha, por hipótese, que 2k ≤ (k + 1)!, para algum k ∈ N. Então, 2k+1 = 2k 2 ≤ 2(k + 1)!. Como k ∈ N,
então 2 ≤ (k + 2). Segue que 2k+1 ≤ (k + 2) (k + 1)! = ((k + 1) + 1)!.
Concluímos por indução que 2n ≤ (n + 1)!, para todo n ∈ N. □
Teorema 3. Considere a sequência (2). Então an < 3, para todo n ≥ 1.
Observe que as frações que multiplicam os números i!1 , com i ∈ {1, . . . , n}, são todas menores do que 1.
Assim, n n
1 ∑︁ 1
1+ ≤ 1+ .
n i=1
i!
1
Sabemos que a soma infinita dos termos da progressão geométrica cujo termo geral é dado por bn = 2n é
igual a 2. Portanto, n
1
1+ < 1 + 2 = 3.
n
654
Bastioni e Teles
Nesta seção apresentamos algumas desigualdades da Análise em sua forma elementar. Não faremos todas
as demonstrações, mas os interessados podem encontrá-las em [2].
1 1
Se p e q são números reais com p > 1, satisfazendo a relação + = 1, dizemos que eles são índices
p q
conjugados.
Proposição 5 (Desigualdade de Holder). Sejam (ai )in=1 e (bi )in=1 sequências de números reais positivos.
Então
n n
! p1 n ! q1
∑︁ ∑︁ ∑︁
ai bi ≤ api bqi . (3)
i=1 i=1 i=1
n
∑︁
Observe que (4) fornece-nos um limitante superior para a soma ai bi . Vejamos que sob certas condições
i=1
essa soma possui um limitante inferior. Para isso o lema a seguir é importante.
Lema 2. Seja (xi )in=1 uma sequência não decrescente de números reais positivos. Usaremos a notação
x1 + . . . + xn
x̄ = para representar a média aritmética dessa sequência. Então existe um índice k ∈ {1, . . . , n}
n
tal que
x1 ≤ . . . ≤ xk ≤ x̄ ≤ xk+1 ≤ . . . ≤ xn .
Demonstração. Seja k o índice mencionado no Lema 2. Como as sequências são não decrescentes é fácil
notar que para cada i ∈ {1, . . . , n} tem-se que
Daí,
n
∑︁
0≤ (ai – ā) (bi – bk ). (6)
i=1
655
Bastioni e Teles
Uma consequência imediata da desigualdade (7) é a desigualdade entre as médias geométrica e harmônica.
Teorema 5 (Desigualdade das Médias Geométrica e Harmônica). Seja (aj )jn=1 uma sequência de números
reais positivos. Então
n
Ö 1 n
ajn ≥ n . (8)
∑︁ 1
j=1
a
j=1 j
n
Demonstração. Como (aj )jn=1 é uma sequência de reais positivos, então 1
aj j=1 também é uma sequência
de reais positivos. Aplicando a desigualdade entre as médias aritmética e geométrica
n
∑︁ 1
a
j=1 j
n
Ö 1
1 n
≥ . (9)
n j=1
aj
Por último, vamos enunciar e demostrar a relação entre as médias quadrática e aritmética.
656
Bastioni e Teles
Teorema 6 (Desigualdade das Médias Quadrática e Aritmética). Seja (aj )jn=1 uma sequência de números
reais positivos. Então v
u
t∑︁ n a2 n
j
∑︁ aj
≥ . (10)
j=1
n j=1
n
a n
j
Demonstração. Como n ∈ N, considere as sequências de números reais positivos e {1, . . . , 1}, esta
n j=1
última com n números iguais a 1. A desigualdade de Cauchy-Bunyakovskiı̌-Schwartz assegura-nos que
v
u v
u v
u
n t∑︁ n a2 ∑︁n t∑︁n a2 t∑︁n a2
∑︁ aj j 2 = j j
·1 ≤ 2
1 2
n = .
j=1
n j=1
n j=1 j=1
n j=1
n
Após a apresentação de algumas desigualdades da Análise Matemática em suas formas elementares, pro-
pomos problemas em que elas podem ser empregadas no contexto do Ensino Médio. Baseamos-nos nas
referências [11] e [12]. E a escolha desses problemas levou em consideração os comentários feitos na
Subseção 2.2.
5.1. Problema 1
Pedir aos alunos para que se sentem em grupos e propor o seguinte desafio: se possível, encontre quatro
números reais positivos a, b, c e d de tal forma que
a b c d
+ + + = 2. (11)
b c d a
Façamos a resolução. Esse problema não tem solução, pois a desigualdade (7) diz-nos que
a b c d
√︂
b + c + d + a 4 a b c d
≥ · · · ,
4 b c d a
logo,
a b c d
+ + + ≥ 4. (12)
b c d a
Este problema tem como objetivo inicial fazer com que os alunos estimem que o número que deveria aparecer
no lugar do 2 em (11) é o 4. Ao notarem que o número obtido após somar as frações é sempre maior ou
igual a 4, espera-se que eles descubram, sem usar uma demonstração rigorosa, que o 2 não deveria estar ali.
Após alguns grupos conseguirem notar a inviabilidade do problema, o professor poderá apresentar a desi-
gualdade das médias aritmética e geométrica (7). Por fim, propor que os grupos utilizem essa desigualdade
para verificar (12).
Conhecida a desigualdade (7), os alunos podem protestar caso algum professor sugira usar a média geométrica
em vez da média aritmética para calcular as notas.
657
Bastioni e Teles
5.2. Problema 2
Vamos dar uma aplicação para a desigualdade tringular. É famoso o problema que nos dá uma reta r, e dois
pontos A e B de um mesmo lado dessa reta e pede para encontrarmos o ponto P em r de tal forma que
AP + PB tenha o menor comprimento possível.
Enunciado dessa forma, parece que temos um simples problema matemático de minimização de distâncias.
Podemos propô-lo de forma mais interessante para que o aluno perceba uma ferramenta poderosa para
resolver um problema cotidiano.
Suponha que um rio passe por uma cidade por meio de um trecho retilíneo. Suponhamos que a prefeitura
de uma certa cidade precise construir uma estação de tratamento d’água que ficará na margem desse rio. A
água não irá diretamente da estação para as casas. Após sair da estação, ela será direcionada a duas grandes
caixas de água localizadas de um mesmo lado do rio, as quais irão distribuir a água pela cidade. Como a
água sai da estação com uma grande pressão, o encanamento que ligará a estação às caixas deve ser feito de
um material resistente e com canos de grande diâmetro, ou seja, a construção desses canos é cara.
Temos um problema concreto em que os pontos A, B e P têm um significado. Minimizar a distância é
essencial devido ao alto custo da obra. A estação deve ser construída em um lugar ideal, de tal forma
que o preço total da obra seja o mínimo possível. Ainda assim, faltam dados ao problema que o professor
pode abordar em sala de aula, apenas para que os alunos vejam que existem vários fatores que devem ser
levados em conta. Mesmo dando um contexto ao problema, ele ainda é abstrato. Pode ser que o ponto ideal
encontrado seja em um lugar que os engenheiros consideram que não possui solo adequado para sustentar
a construção, ou que ele esteja em um nível inapropriado para a obra, ou que ali já esteja ocupado por
uma outra construção etc. De qualquer modo, cumpre-se o papel de mostrar que a Matemática auxilia na
resolução de um problema de utilidade pública.
Vamos apresentar uma solução. Considere A ′ o simétrico de A em relação a reta r. Façamos o segmento
A ′B. Afirmamos que o ponto P procurado é a interseção de r com A ′B.
Seja C a interseção de r com AA ′. Como AC = CA ′, AĈP = A ′ĈP e CP é lado comum, os triângulos
ACP e A ′CP são congruentes. Logo, AP = A ′P, ou seja, A ′B = A ′P + PB = AP + PB.
Seja Q um ponto qualquer de r diferente de P, então temos o triângulo A ′QB. De forma análoga ao que
fizemos acima, temos por congruência de triângulos que AQ = A ′Q. Pela desigualdade triangular, segue
que A ′Q + QB > A ′B = AP + PB, ou seja, AQ + QB > AP + PB. Portanto, P é o ponto que minimiza a
distância.
C
P Q r
A′
658
Bastioni e Teles
5.3. Problema 3
Podemos considerar um problema interessante de maximização da soma de duas funções bastante estudadas
no Ensino Médio, a saber: seno e cosseno. Como sabemos que ambas estão limitadas ao intervalo [–1, 1],
então é natural que a soma das duas funções seja limitada. Mas qual é o maior valor possível para
sin(x) + cos(x)?
Intuitivamente alguns poderão afirmar que é 2, pois cada uma delas possui valor máximo igual a 1. Embora
o raciocínio esteja correto, ele nos dá apenas um limitante superior para essa soma, mas seria 2 o supremo?
Para encontrar o valor máximo de uma soma é interessante retirar os valores negativos dessas funções, ou
seja, restringiremos o domínio de modo que os valores sejam apenas positivos. Assim, para o cosseno
tomamos x ∈]0, 2𝜋 ] [ 32𝜋 , 2𝜋[ e para o seno consideramos x ∈]0, 𝜋[. Logo, os valores de x que tornam as
Ð
funções ambas positivas estão no intervalo ]0, 2𝜋 ].
Considerando a sequência de dois termos (sin(x), cos(x)), temos que a desigualdade (7) assegura que
√︄
sin2 (x) + cos2 (x) sin(x) + cos(x)
≥ .
2 2
5.4. Problema 4
Considere a circunferência de raio r inscrita no triângulo ABC, cujos lados medem a, b e c. Sejam Ta , Tb e
Tc os pontos de tangência dos lados do triângulo com a circunferência, onde Ti é o ponto localizado no lado
de medida i. Definindo ATb = ATc = x, BTc = BTa = y e CTa = CTb = z temos, a = y + z, b = x + z e
c = x + y. Queremos verificar a desigualdade
√
1 1 1 3
+ + ≤ . (13)
a b c 2r
Ta
Tb
r
A B
Tc
659
Bastioni e Teles
√ √ √
Considerando as sequências { x, y, z} e {1, 1, 1}, aplicando a desigualdade (4), obtemos
√ √ √ √ √ √
( x · 1 + y · 1 + z · 1) 2 ≤ (( x) 2 + ( y) 2 + ( z) 2 ) · (12 + 12 + 12 ). (15)
√
Fazendo o cálculo, aplicando a raiz quadrada em ambos os lados de (15) e dividindo por 2 xyz, ficamos
com √ √ √ √ √
x+ y+ z 3 x+y+z
√ ≤ √ .
2 xyz 2 xyz
Na página 56 de [11] encontramos uma aplicação da fórmula de Herão para área de um triângulo, de onde
segue que √︂
xyz
r= .
x+y+z
Então, √ √ √
3 x+y+z 3
√ = .
2 xyz 2r
5.5. Problema 5
Vamos mostrar que se ABC é um triângulo acutângulo, então a soma das distâncias do ortocentro aos lados
é menor ou igual do que o triplo do raio da circunferência inscrita nesse triângulo.
660
Bastioni e Teles
Com a notação usual de medida dos lados e sem perda de generalidade, suponhamos que c ≤ b ≤ a.
Suponhamos também que H seja o ortocentro, r seja o raio da circunferência inscrita e que AA ′, BB ′ e CC ′
sejam as três alturas. Denotamos as seguintes medidas: HA ′ = a ′, HB ′ = b ′ e HC ′ = c ′.
Como b ≤ a, usamos o fato de que ao maior lado opõe-se o maior ângulo, para concluir que B̂ ≤ Â. Então,
analisando os triângulos retângulos CC ′B e CC ′A concluímos que B ′ĈH ≤ A ′ĈH. Daí, observando que
CH é hipotenusa comum aos triângulos retângulos CHA ′ e CHB ′, e que a função seno é crescente entre 0
e 2𝜋 , concluímos que b ′ ≤ a ′.
De forma análoga, vemos que c ′ ≤ b ′. Logo, c ′ ≤ b ′ ≤ a ′.
Se S é a área do triângulo ABC, então aa ′ + bb ′ + cc ′ = 2S. Sabemos também que (a + b + c)r = 2S.
Usando o desigualdade de Chebyshev (5) para as sequências não decrescentes (a, b, c) e (a ′, b ′, c ′), temos
que
1
(a + b + c) (a ′ + b ′ + c ′) ≤ aa ′ + bb ′ + cc ′ = 2S = (a + b + c)r. (16)
3
Dividindo os dois lados de (16) por (a + b + c) e multiplicando-os por 3, segue que
a ′ + b ′ + c ′ ≤ 3r.
A
B′
C′
H
O
r
B C
A′
Tal como no problema 5.2, podemos pensar em uma aplicação para esse problema. Suponhamos que a
circunferência seja uma praça e os lados do triângulo sejam ruas que a tangenciam. A empresa de saneamento
básico deseja instalar uma caixa d’água no centro da praça e conectá-la às três ruas. Sabemos que serão
necessários 3r (digamos, metros) de tubulação para realizar o projeto. Porém, o problema demonstra que
existe um ponto mais adequado para instalação da estrutura. É necessário menos tubulação (ou, na pior das
hipóteses, uma quantidade igual) para conectar a caixa às ruas se ela for instalada no ortocentro.
Referências
[1] Balestri, R. Matemática: interação e tecnologia - volumes 1, 2 e 3. Leya, São Paulo, 2ª edição 2016.
[2] Bartle, R. G. The Elements of Integration. John Wiley & Sons Inc., New York, 1966.
[3] Brasil Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio - Parte III - Ciências da Natureza, Matemática
e suas Tecnologias. Ministério da Educação, Brasília.
[4] Brasil Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais - Ciências
da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Ministério da Educação, Brasília.
[5] Dante, L. R. Matemática: contexto e aplicações - voluemes 1, 2 e 3. Ática, São Paulo, 3ª edição, 2016.
661
Bastioni e Teles
[6] Dolce, O. e Nicolau, J. Fundamentos de matemática elementar: geometria plana - volume 9. Atual, São
Paulo, 7ª edição, 1993.
[7] Guidorizzi, H. L. Um curso de Cálculo - volume 1. Livros Técnicos e Científicos Editora S. A., Rio de
Janeiro, 5ª edição, 2001.
[8] Heath, T. L. The Works of Archimedes. Cambridge University Press, 1897.
[9] Iezzi, G. Matemática: ciência e aplicações - volumes 1, 2 e 3. Saraiva, São Paulo, 9ª edição, 2016.
[10] Iezzi, G e Murakami, C. Fundamentos de matemática elementar: conjuntos e funções - volume 1.
Atual, São Paulo, 7ª edição, 1993.
[11] Manfrino, R. B., Ortega, J. A. G. e Delgado, R. V. Inequalities: A Mathematical Olympiad Approach.
Birkhäuser Verlag AG, 2009.
[12] Rezende, E. Q. F. e Queiroz, M. L. B. Geometria Euclidiana Plana e construções geométricas. Editora
Unicamp, 2ª edição, 2008.
[13] Souza, J. R. Contato Matemática - volumes 1, 2 e 3. FTD, São Paulo, 1ª edição, 2016.
Lucas Bastioni
SAMAE: Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Mogi Guaçu
<[email protected]>
Ricardo de Sá Teles
Departamento Acadêmico de Matemática, UTFPR, Londrina
<[email protected]>
Recebido: 25/04/2020
Publicado: 19/11/2021
662
PMO v.9, n.4, 2021
ISSN: 2319-023X
https://doi.org/10.21711/2319023x2021/pmo945
Resumo
O piritoedro é um dodecaedro exclusivamente com faces pentagonais, congruentes duas a duas, não
regulares, com uma forma específica que descrevemos abaixo. Com a publicação desse texto espe-
ramos prover o professor de Matemática do Ensino Médio com informações e ideias para construir
uma sequência didática que permita aos seus estudantes tomarem conhecimento desse interessante
poliedro. Ao mesmo tempo o professor poderá praticar a interdisciplinaridade com a Mineralogia,
já que o piritoedro é modelo de um tipo de pirita, um mineral relativamente bem conhecido. Os
estudantes poderão fazer, a partir dessas atividades, muitos outros contatos matemáticos com essa
antiga e fantástica ciência, uma fonte clássica de inspiração para a Geometria.
Palavras-chave: piritoedro; poliedros; Geometria Espacial; Mineralogia.
Abstract
The pyritohedron is a dodecahedron exclusively with pentagonal faces, congruent two by two, non-
regular, with a specific shape that we describe below. With the publication of this text we hope
to provide the high school mathematics teacher with information and ideas to build a didactic
sequence that allows its students to become aware of this interesting polyhedron. At the same
time, the teacher will be able to practice interdisciplinarity with Mineralogy, since the pyrite is a
model of a type of pyrite, a relatively well-known mineral. Students will be able to make, from
these activities, many other mathematical contacts with this ancient and fantastic science, a classic
source of inspiration for Geometry.
Keywords: pyritohedron; polyhedra; Spatial Geometry; Mineralogy.
1. Introdução
Conforme já comentamos, o nome “piritoedro” advém do mineral pirita, o qual, em uma de suas
formas, tem como modelo o dodecaedro com faces pentagonais (existe também pirita nas formas
cúbica ou octaédrica). Para obter mais detalhes confira, por exemplo, a referência [7].
Vemos, na Figura 1, uma foto de uma pirita dodecaédrica, e, na Figura 2, um modelo do piritoedro.
Nesse modelo as arestas de uma mesma cor são congruentes entre si, mas de medida diferente das
arestas da outra cor.
663
Paterlini
Dodecaedros são poliedros com 12 faces. O mais conhecido é o dodecaedro regular, um dos sólidos
de Platão, constituído por faces pentagonais regulares apenas. Em geral, um dodecaedro pode ter
faces de vários tipos. Para ver diversos modelos consulte, por exemplo, [1].
No dodecaedro regular a quantidade de arestas é 30 e a de vértices, 20. Todos os vértices são do
tipo três, isto é, a cada um deles concorrem exatamente três arestas (ou três faces).
O piritoedro tem essa mesma configuração combinatória, mas as faces são pentágonos não regulares
de um certo formato, que passamos a descrever.
2. Construção de modelos
Modelos de piritoedros podem ser feitos de papel-cartão. Para isso precisamos de medidas que
permitam o recorte das faces de forma correta.
Primeiro escolhemos um valor d > 0, que será fixo. O valor 2d é a medida de uma diagonal da face,
e, de certo modo, determina o “tamanho” do modelo. Confira a Figura 3. Em seguida escolhemos
um valor h, variável, com 0 < h < d. Esse valor é a altura comum dos seis “telhados” que compõem
o poliedro. Um dos lados do pentágono é paralelo à referida diagonal, e tem medida, digamos, b.
Esse lado será denominado base do pentágono. O valor b é dependente de h (e de d) segundo a
fórmula:
2 2
b= (d – h2 ) (1)
d
Os outros lados do pentágono têm todos medida ℓ, guardando relação com h (e com d) segundo a
fórmula:
1√ 4
ℓ= d + h4 + d2 h2 (2)
d
664
Paterlini
O pentágono é simétrico em relação à mediatriz da base. Para fazer o desenho do pentágono é útil
sabermos sua altura a em relação à base. Ela é dada pela fórmula:
d + h√ 2
a= d + h2 (3)
d
d
Se h = 2
(–1 + √5), então o poliedro é o dodecaedro regular.
Essas relações serão explicadas na próxima seção. Para facilidade dos estudantes, apresentamos
abaixo um desenho de um pentágono que pode ser usado como face, assim como uma planificação
do piritoedro construído com faces com essas medidas (em escala reduzida). No desenho dessa face
escolhemos d = 3 cm e h = 2 cm. A distância entre a diagonal e a base é ≈ 3, 61 cm.
Começamos com a observação de que o dodecaedro regular tem um cubo inscrito, cujas arestas são
certas diagonais de suas faces. O dodecaedro é constituído pelo ajuntamento de seis “telhados”
congruentes às faces desse cubo.
A mesma ideia será usada para a construção dos piritoedros. Começamos com um cubo ABCD –
EFGH, que será fixo no decorrer dessa construção, com aresta 2d. O cubo está desenhado na
Figura 5. A mesma figura mostra um telhado ABCD – IJ. Trata-se de um poliedro com base
ABCD (portanto coincidente com uma das faces do cubo). Outras duas faces são ADI e BCJ,
triângulos isósceles congruentes de bases AD e BC, respectivamente. As duas faces restantes são
os trapézios congruentes ABJI e CDIJ. A Figura 5 mostra ainda outro telhado BCGF – KL. No
total temos seis telhados, congruentes dois a dois, um para cada face do cubo. O topo de um
telhado é a aresta de encontro das faces trapezoidais, e sua altura h é a distância do topo à sua
base (observando que o topo é paralelo a essa base).
665
Paterlini
Para que a construção dê certo, as faces BCJ e BCLK precisam ser coplanares, de modo que
possam constituir uma face pentagonal plana do futuro piritoedro. Para deteminar isso, pensamos
que a melhor forma seja colocar a figura em um sistema de coordenadas cartesianas, e encontrar
as coordenadas de todos os seus vértices.
A Figura 6 mostra um sistema de coordenadas Oxyz com origem no centro do cubo, e com os eixos
passando pelos centros das suas faces. Observamos ainda que os eixos passam pelos pontos médios
dos topos dos telhados.
As coordenadas dos vértices do cubo (que são também coordenadas de oito dos vértices do futuro
piritoedro) são:
E = (d, –d, –d) F = (d, d, –d) G = (–d, d, –d) H = (–d, –d, –d)
Como KL ‖ BC, a reta r que passa pelo ponto médio M de KL e pelo ponto médio de BC deve
encontrar J (para que JBKLC seja um pentágono plano, conforme já observamos). Temos M =
(0, d + h, 0) e N = (0, d, d). Portanto, um vetor direcional de r é u⃗ = N – M = (0, –h, d). Uma
equação para os pontos (x, y, z) de r é:
A reta r encontra JI em J. Esse segmento está no plano x = 0 e seus pontos têm alturas d + h.
Portanto em J devemos ter td = d + h, ou t = (d + h)/d. Assim,
d+h d+h 1
J = (0, d + h – h, d) = (0, (d2 – h2 ) , d + h)
d d d
666
Paterlini
Repetindo cálculos e usando simetria vemos que as coordenadas dos 12 vértices do piritoedro que
são extremos de topos de telhados são
1 1 1
(0, ± (d2 – h2 ) , ±(d + h)) (± (d2 – h2 ) , ±(d + h), 0) (±(d + h), 0, ± (d2 – h2 ))
d d d
Os quatro primeiros vértices correspondem aos extremos do topo IJ e seu simétrico no plano Oyz.
Os outros quatro correspondem aos extremos do topo KL e seu simétrico no plano Oxy. Por fim
os quatro últimos são os extremos dos dois topos no plano Oxz.
Notemos que o valor d1 (d2 – h2 ), distância de J ao plano Oxz, é a metade do topo, portanto é a
metade da base da face. Assim,
2 2
b= (d – h2 )
d
confirmando a fórmula (1).
Vejamos agora que JB = BK. Temos
1 2 ∣ h2 ∣
JB = |B – J| = ∣(d, d, d) – (0, (d – h2 ) , d + h)∣ = ∣∣⎛⎜d, , –h⎞
⎟∣∣ =
d ∣⎝ d ⎠∣
h4 1√ 4
= √d2 + + h2 = d + h4 + d2 h2
d2 d
e
1 ∣ h2 ∣
BK = |K – B| = ∣( (d2 – h2 ) , d + h, 0) – (d, d, d)∣ = ∣∣⎛
⎜– , h, –d⎞
⎟∣∣ = JB
d ∣⎝ d ⎠∣
Temos assim, por simetria, que JB = BK = CL = JC, e lembramos que esse é o valor ℓ comum aos
lados do pentágono diferentes da base. Portanto,
1√ 4
ℓ= d + h4 + d2 h2
d
confirmando a fórmula (2).
Para confirmar a altura do pentágono dada na fórmula (3), calculamos
d + h√ 2
a = JM = d + h2
d
Vejamos agora que se h = d2 (–1 + √5), então o piritoedro é, na verdade, o dodecaedro regular.
Apresentamos os cálculos resumidamente.
Primeiro verificamos que o pentágono é equilátero. Temos
2 2
b= (d – h2 ) = d (√5 – 1)
d
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Paterlini
e
1√ 4 2
ℓ= d + h4 + d2 h2 = d√6 – 2√5 = d√(√5 – 1) = d (√5 – 1)
d
d + h√ 2 h2 d 1 2
a= h + d2 = (d + h)√ 2 + 1 = [d + (–1 + √5)] √ (–1 + √5) + 1
d d 2 4
√2 d √
⇒a= 5 + √5
2
Portanto,
a √2 √5 + √5 1 √ √ 2
= = 2 (5 + √5) (1 + √5) =
ℓ 2 (√5 – 1) 8
1√ √ 1
= 2 40 + 16√5 = √5 + 2√5
8 2
o que termina a verificação.
Escolhendo os valores d > 0 e 0 < h < d e calculando ℓ, b e a, a face pentagonal pode ser desenhada
usando-se régua e compasso ou um aplicativo para Geometria.
Observação 1. Alguns textos, como [6], trazem as coordenadas do piritoedro calculadas para
d = 1. Nesse caso os vértices são (±1, ±1, ±1), (0, ±(1 – h2 ), ±(1 + h)), (±(1 – h2 ), ±(1 + h), 0) e
(±(1 + h), 0, ±(1 – h2 )), com 0 < h < 1. A base do pentágono é b = 2(1 – h2 ) e o lado, ℓ =
√1 + h2 + h4 . A altura do pentágono em relação à base é a = (1 + h)√1 + h2 .
Em [2] o leitor pode ver as diversas formas que o piritoedro assume com a variação de h. Se h < 0,
o poliedro é não convexo.
Observação 2. Na Figura 7 vemos foto de um modelo de piritoedro construído pelo autor segundo
as medidas da Figura 3. O modelo está apoiado em um topo, em posição similar à da Figura 5.
Observação 3. Outra família interessante de dodecaedros não regulares e com faces pentagonais
são os tetartoides. Instruções para construir modelos podem ser encontradas em [4], págs. 475 e
476. Consulte também [6].
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Paterlini
Referências
Recebido: 16/06/2021
Publicado: 30/11/2021
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