© Gius. Laterza & Figli, todos os direitos reservados.
Publicado por acordo com Marco Vigevani Agenzia Letteraria
Título original: Introduzione a Aristotele.
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1ª edição: novembro de 2012
Tiragem: 2.000 exemplares
Preparação de originais: Laura Vasconcellos
Revisão tipográfica: Tereza da Rocha
Projeto gráfico: Regina Ferraz
CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R223i Reale, Giovanni, 1931-
Introdução a Aristóteles / Giovanni Reale ; tradução Eliana Aguiar. – Rio de
Janeiro : Contraponto, 2012.
Tradução de: Introduzione a Aristotele
ISBN 978-85-7866-073-4
1.Aristóteles. 2. Filosofia. 3. Filosofia antiga – História.I. Título. II. Série.
12-7169 CDD: 100 CDU: 1
Sumário
Advertência
Cronologia
I. O homem, a obra e a formação do pensamento
filosófico
Do nascimento ao ingresso na Academia
As duas décadas na Academia, as obras da juventude
e a formação da filosofia de Aristóteles
Os “anos de viagem”
O retorno a Atenas, a fundação do Perípato e as obras
de escola
A leitura de Aristóteles hoje
Notas
II. A “filosofia primeira”: análise da Metafísica
Conceito e características da metafísica
As quatro causas
O ser, seus significados e o sentido da fórmula “ser
enquanto ser”
A “tábua” aristotélica dos significados do ser e seu
sentido
Especificações acerca dos quatro sentidos do ser
A questão da substância
A substância em geral e as notas definidoras do
conceito de substância
A “forma” aristotélica não é universal
O ato e a potência
Demonstração da existência da substância
suprassensível
A natureza do Motor Imóvel
Unidade e multiplicidade do divino
Deus e o mundo
Notas
III. A “filosofia segunda”: análise da Física
Caracterização da física aristotélica
A mudança e o movimento
O espaço e o vazio
O tempo
O infinito
A “quinta-essência” e a divisão entre mundo
sublunar e mundo celeste
Notas
IV. A psicologia: análise de De anima
Conceito aristotélico de alma
A tripartição da alma
A alma vegetativa
A alma sensitiva
A alma racional
Notas
V. A filosofia moral: análise da Ética a Nicômaco
Relações entre ética e política
O bem supremo do homem: a felicidade
Dedução da “virtude” das “partes da alma”
As virtudes éticas
As virtudes dianoéticas
A perfeita felicidade
Psicologia do ato moral
Notas
VI. A doutrina do Estado: análise da Política
Conceito de Estado
O cidadão
O Estado e suas formas possíveis
O Estado ideal
Notas
VII. A filosofia da arte: análise da Poética
Conceito de ciências produtivas
A mimese poética
O belo
A catarse
Notas
VIII. A fundação da lógica: análise do Organon
Conceito de lógica, ou “analítica”
O esquema geral dos escritos lógicos e a gênese da
lógica aristotélica
As categorias, os termos e a definição
As proposições: Sobre a interpretação
O silogismo
O silogismo científico ou demonstração
O conhecimento imediato
Os princípios da demonstração
Os silogismos dialéticos e sofísticos
A lógica e a realidade
Notas
História da fortuna crítica e das interpretações de
Aristóteles
História da escola peripatética e dos escritos de
Aristóteles até a edição de Andrônico de Rodes
Os comentaristas gregos de Aristóteles
Aristóteles na Idade Média
Aristóteles no Renascimento e nos primeiros séculos
da era moderna
O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX
A inovação do método genético e a redescoberta do
jovem Aristóteles
Notas
Bibliografia comentada
Compilações bibliográficas e resenhas críticas
As obras de Aristóteles
Edições gerais e específicas das obras de Aristóteles
Traduções das obras em língua italiana
Traduções em latim e em línguas modernas
Índices e léxicos
Coletâneas, paráfrases e comentários
Estudos críticos
Traduções de Aristóteles em língua portuguesa
ADVERTÊNCIA
Em termos de análise e de síntese, este livro é o produto de
uma série de pesquisas e estudos que iniciei há quase vinte
anos. Além de diversos artigos e ensaios em coletâneas e
revistas, dediquei a Aristóteles Il concetto di filosofia prima e
l’unità della metafísica de Aristotele (Milão, 1965, 1967), e
traduzi a Metafísica, com introdução e comentário analítico,
para a editora Loffredo (2 v., Nápoles, 1968). Sempre em
conexão com Aristóteles, traduzi e comentei Metafísica, de seu
discípulo Teofrasto, mostrando todas as relações entre ela e a
obra maior do mestre. Paralelamente a esta Introdução a
Aristóteles, publico a primeira tradução italiana do Tratado
sobre o cosmo para Alexandre, reivindicando a paternidade do
texto para Aristóteles (Loffredo, Nápoles, 1974).
No plano da síntese, discorri sobre Aristóteles no peque-no
volume Il motore immobile (La Scuola, Brescia) e sobretudo em
I problemi del pensiero antico (v. 1, Dalle origini ad Aristoteles,
Celuc, Milão, 1972).
O leitor encontrará nesta Introdução, portanto, o resultado
de todos os estudos anteriores. É evidente que muitos aspectos
já extensamente refletidos foram aqui retomados com alguns
retoques, ou até de modo integral. Em específico, retomei
partes de Problemi del pensiero antico, em sua maioria
resumidas; o primeiro capítulo e a parte concernente à história
do aristotelismo são totalmente novos.
Agradeço enfaticamente ao professor Berti, a quem muito
devo no que diz respeito à interpretação do primeiro
Aristóteles: os resultados que obteve ao estudar o Aristóteles
exotérico são os mesmos a que cheguei examinando o
Aristóteles esotérico. Devo agradecer-lhe também por ter-me
permitido ler o esboço de um trabalho, a ser brevemente
publicado, sobre as interpretações de Aristóteles (que
integrarão a obra organizada por V. Mathieu, Questioni di
*
storiografia filosofica, La Scuola, Brescia), que me foi de grande
utilidade.
Giovanni Reale
*
Efetivamente publicado em 1975. [n.t.]
CRONOLOGIA
384-383 a.C. Aristóteles nasce em Estagira, filho do médico
Nicômaco e de Féstis. É provável que viva um breve período
em Pela, quando o pai foi nomeado médico da corte do rei
macedônio Amintas.
367-366 a.C. Transfere-se para Atenas e entra na Academia,
onde permanece por duas décadas, durante as quais redige e
publica inúmeras obras, a maioria sob a forma de diálogos.
Essas obras foram chamadas de “exotéricas”, em contraposição
às que vieram depois, escritas apenas para aulas e cursos, e que
por isso ficaram conhecidas como “esotéricas”, ou dirigidas
aos iniciados.
360-358 a.C. Data provável da redação do diálogo Grilo. Talvez
seja imediatamente posterior aos tratados Sobre as Ideias e
Sobre o bem.
353 a.C. Data provável da redação de Eudemo.
351-350 a.C. Data provável da redação de Protréptico, ao qual
logo se seguiu o tratado Sobre a filosofia.
347 a.C. Morre Platão; Aristóteles deixa a Academia e Atenas,
mudando-se provavelmente para Atarneu, convidado pelo
tirano Hérmias, e logo em seguida para Assos, cidade que
Hérmias doou aos filósofos da Academia, Erasto e Corisco,
pelos bons serviços prestados.
347-345 a 344 a.C. Aristóteles funda a dirige uma escola em
Assos, com Xenócrates, Corisco e Erasto. Começa a redigir as
obras destinadas à escola e para de produzir escritos dirigidos
ao grande público. Não é mais possível reconstruir, mesmo
parcialmente, a cronologia dessas obras.
345-344 a 343-342 a.C. Aristóteles funda e dirige uma escola
em Mitilene, na ilha de Lesbos.
343-342 a.C. Por intercessão de Hérmias, Filipe da Macedônia
escolhe Aristóteles para educar seu filho Alexandre. Data desse
período a redação do Tratado sobre o cosmo para Alexandre, se
é que (como eu considero) ele é um documento autêntico (de
fato, apresenta muitos pontos tangenciais aos textos
exotéricos).
341 a.C. Hérmias cai prisioneiro dos persas e em seguida é
morto. Nesse período, Aristóteles se casa com Pítia, irmã de
Hérmias, com quem tem uma filha que recebe o mesmo nome
da mãe.
340 a.C. Nomeado regente, Alexandre interrompe seus
estudos. É provável que Aristóteles tenha se transferido pouco
depois para Estagira, reconstruída por Alexandre a seu pedido
(fora destruída pouco antes da partida de Aristóteles de
Atenas). Pítia morre, talvez em Estagira. Aristóteles se casa
com Hérpiles, que lhe deu um filho, o qual, em homenagem ao
avô paterno, se chamou Nicômaco.
335-334 a.C. Aristóteles volta a Atenas e funda o Perípato.
335-334 a 323 a.C. No Perípato, Aristóteles ministra os
grandes cursos de filosofia e ciência, e elabora e sistematiza os
escritos esotéricos.
323 a.C. Morre Alexandre, o que desencadeia uma revolta
antimacedônica. Aristóteles sente-se ameaçado a ponto de ser
obrigado a deixar Atenas.
322 a.C. Aristóteles transfere-se para Calcides, onde tem
propriedades herdadas de sua mãe; morre poucos meses
depois.
I.
O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO
PENSAMENTO FILOSÓFICO
Do nascimento ao ingresso na Academia
Para expor e interpretar corretamente o pensamento de
Aristóteles é indispensável expor algumas informações
essenciais sobre sua vida, sobre a gênese, as características
peculiares, a destinação de suas obras e os respectivos
problemas de caráter cronológico. A crítica moderna julgou
que poderia resolver muitas das questões suscitadas pela leitura
de Aristóteles remetendo-se aos dados biográficos, e chegou a
acreditar que a natureza do pensamento aristotélico seria
plenamente desvelada a partir de sua gênese. É bem verdade
que essa nova orientação da crítica — que, como veremos, foi
inaugurada em 1923 por Werner Jaeger — esbarrou com suas
colunas de Hércules em menos de cinquenta anos, à medida
que destruiu as premissas de onde partira e as próprias bases
sobre as quais trabalhara. Mas também é verdade que obteve
resultado irreversível ao demonstrar o despropósito da atitude
adotada durante séculos em relação a Aristóteles: seu
pensamento era visto como um bloco monolítico, desligado de
sua gênese e de sua história. As novas interpretações do
filósofo demonstraram, em especial, que é impossível
compreender o pensamento aristotélico sem tomar como
ponto de partida o evento essencial de sua vida, ou seja, os
vinte anos passados na Academia, na escola de Platão. Foi no
curso dessas duas décadas, nos constantes debates com Platão e
nas polêmicas correlatas com os acadêmicos, que Aristóteles
conquistou sua consciência filosófica e construiu as bases de
seu próprio pensamento. Em grande parte, os dogmas
aristotélicos só assumem a justa proporção e o significado
exato quando remetidos a essa matriz acadêmico-platônica.
Examinemos, portanto, de maneira ordenada, os principais
dados da biografia de Aristóteles.
Fontes plenamente confiáveis indicam o primeiro ano da
xcix Olimpíada, ou seja, 384-383 a.C., como data de
1
nascimento de nosso filósofo. Seu pai se chamava Nicômaco e
pertencia à corporação dos asclepíades, isto é, professava a arte
médica. Sua mãe se chamava Féstis e, segundo certa tradição,
também era vinculada aos asclepíades.
A cidade que viu Aristóteles nascer foi Estagira (hoje
Stavros), que fazia parte do reino macedônio. Havia muito era
colonizada pelos gregos, e nela se falava um dialeto jônico.
Portanto, os pais de Aristóteles eram gregos, e sua cidade natal
havia tempos era helenizada.
O pai, Nicômaco, que, como dissemos, era médico, deve ter
se destacado em sua arte, pois, como foi atestado, escreveu
livros de medicina e até uma obra de “física”. Seu prestígio era
tamanho que foi escolhido por Amintas, rei dos macedônios,
como seu amigo e médico da corte. Desde os tempos do rei
Arquelau, a residência dos soberanos macedônios se firmara na
cidade de Pela; por conseguinte, é lícito pensar que Nicômaco
e também Aristóteles residiram nessa cidade, na corte
macedônia. Em todo caso, Aristóteles não morou muito tempo
em Pela, porque logo ficou órfão.
É bastante provável que Aristóteles tenha se transferido de
Pela para Atarneu. De fato, sabemos que, com a morte dos
pais, ele ficou sob a tutela de Próxeno, que era dessa cidade.
Já podemos tirar algumas conclusões úteis dos elementos até
aqui expostos. É fantasiosa a pretensão de descobrir em
Aristóteles características e traços não gregos, pois de sangue
grego eram seus pais, e sua pátria havia muito era
completamente helenizada. O grande amor pelas ciências
naturais, uma das características peculiares de Aristóteles, já
tinha raízes bem claras na família, tanto pelo lado do pai
quanto pelo da mãe. Também as relações que Aristóteles
estabeleceria futuramente com Filipe e com Alexandre da
Macedônia, das quais falaremos amplamente, têm origem, pelo
menos em parte, nessa antiga ligação do pai, Nicômaco, com
os macedônios. Enfim, o tempo que passou em Atarneu, na
casa de seu tutor, Próxeno, pode ter alguma ligação com as
estreitas relações que Aristóteles manteria depois com
Hérmias, futuro tirano de Atarneu e de Asso, como veremos.
As duas décadas na Academia, as obras da juventude e a
formação da filosofia de Aristóteles
Para completar a educação do jovem Aristóteles, que bem cedo
deve ter manifestado uma vocação especulativa, Próxeno
resolveu mandá-lo para Atenas e inscrevê-lo na Academia. A
fama de Platão e de sua escola já tinha se espalhado e se
consolidado em todo o mundo grego. Esse fato encontra
testemunhos precisos e circunstanciados. Diógenes Laércio,
citando palavras de Apolodoro, escreveu: “Encontrou-se
[Aristóteles] com Platão na idade de dezessete anos e ficou em
2
sua escola por vinte anos.” Portanto, é fácil calcular que
Aristóteles entrou para a Academia em 367-366 a.C., e que lá
permaneceu até 347-346 a.C., ou seja, exatamente o período
que vai da segunda viagem de Platão à Sicília até sua morte.
Em suma, Aristóteles frequentou a Academia exatamente nas
duas décadas de maior esplendor da escola, no período em que
fervilhavam os grandes debates relativos à revisão crítica a que
Platão submeteu o próprio pensamento.
Como todos sabem, Platão fundou a Academia pouco
tempo depois da primeira viagem à Sicília (388 a.C.),
atribuindo-lhe o estatuto jurídico de comunidade religiosa
consagrada ao culto das Musas e de Apolo, senhor das Musas.
Essa era uma forma — a única, aliás — de conceder aspecto
legal à escola, projeto radicalmente novo e, enquanto tal, não
previsto pelas leis do Estado. As finalidades da Academia
tinham caráter sobretudo político, ou, melhor dizendo, caráter
ético-político-educativo: Platão pretendia preparar os
“verdadeiros políticos” do futuro, os homens capazes de
renovar radicalmente o Estado por meio do saber e do
3
conhecimento do Bem supremo.
Situando-se para além do horizonte socrático, a Acade-mia
incluía o estudo de aritmética, geometria, astronomia e até de
medicina, disciplinas encaradas como preparação necessária
para a dialética. Cientistas ilustres como Eudoxo, matemático e
astrônomo, deram aulas na escola. Sabemos também da
presença de médicos chegados especialmente da Sicília. Sem
dúvida, os ensinamentos ministrados por essas pessoas
4
provocavam debates fecundos. Portanto, o interesse pela
ciência que Aristóteles já levava consigo, produto do ambiente
familiar, encontrou na Academia o espaço perfeito para se
desenvolver de modo adequado. Platão encontrava-se na
Sicília em 367-366, como dissemos, e lá permaneceu até o
início de 364; assim, a primeira influência decisiva sobre
Aristóteles foi do próprio Eudoxo, na época a figura mais
destacada da escola. De fato, Aristóteles irá se referir a ele mais
de uma vez e de maneira bastante clara. Como alguns
destacaram, é provável que, além do exemplo como cientista-
filósofo enciclopédico, Aristóteles tenha sido influenciado
sobretudo pelo postulado defendido por Eudoxo de “salvar os
5
fenômenos” (postulado também da Academia, mas levado às
últimas consequências por Eudoxo), ou seja, “encontrar um
princípio que explique os fatos mas mantenha intacto o modo
6
genuíno como eles se apresentam”. Contudo, Aristóteles não
adotou as ideias filosóficas de Eudoxo; elas discordavam
demais das de Platão e incorriam em aporias bem mais graves
que as platônicas, as quais pretendiam corrigir.
Outros personagens de destaque com quem Aristóteles deve
ter se encontrado logo no início foram Espeusipo, Filipe de
Opunte, Erasto e Corisco. Os dois primeiros se tornaram
escolarcas da Academia; na terceira viagem de Platão à Sicília, a
escola seria dirigida por Heráclides Pôntico; Filipe ficou
responsável pela publicação da última obra platônica, as Leis;
Erasto e Corisco, como veremos, teriam seus nomes ligados
mais intimamente a Aristóteles.
Pouco sabemos sobre as relações pessoais de Aristóteles com
Platão, que ele conheceu, segundo as informações já expostas,
quando tinha entre dezenove e vinte anos. As fontes parecem
apontar claramente para relações não muito pacíficas. Platão
considerava Aristóteles muito inteligente (se é verdade que
costumava chamá-lo pela alcunha de “A Inteligência”), porém,
entrava em conflito com ele em virtude do temperamento
polêmico e das críticas que o jovem e decidido discípulo lhe
fazia. No entanto, a influência de Platão sobre Aristóteles foi
absolutamente determinante, e não apenas por um período de
sua vida, mas para sempre. Como veremos, o platonismo foi o
núcleo em torno do qual a especulação aristotélica se
construiu. É absolutamente correto o que Diógenes Laércio
escreve: “Aristóteles foi o mais genuíno dos discípulos de
7
Platão.” No decurso dos séculos seguintes, esse fato foi com
8
frequência ignorado, e, a partir do Renascimento, muitos se
compraziam em contrapor os dois filósofos como termos de
uma antítese irredutível. Contudo, veremos que as razões desse
equívoco tiveram um caráter predominantemente teórico,
apriorístico e anti-histórico.
Reconstruir com exatidão a atividade de Aristóteles ao longo
das duas décadas passadas na Academia é impossível, pois a
documentação de que dispomos não é precisa o bastante. No
entanto, de uma maneira conjectural e com ampla margem de
aproximação, é possível determinar os principais
acontecimentos.
Pode-se conjecturar que, no triênio que vai de seu ingresso
na Academia até o retorno de Platão da Sicília, Aristóteles
estudou ciências matemáticas sob a batuta de Eudoxo. É
provável que tenha iniciado antes do retorno de Platão seu
segundo ciclo de estudos, que de hábito ia dos vinte aos trinta
anos, segundo o plano geral que podemos ler na República (de
fato, na qualidade de estrangeiro, Aristóteles foi dispensado do
curso de ginástica e do respectivo estágio). Na segunda fase, os
jovens eram preparados para a dialética, aprofundando a
natureza das disciplinas aprendidas na fase propedêutica e suas
afinidades recíprocas, a fim de refletir sobre a possibilidade de
transcender tais disciplinas para alcançar o Ser puro das Ideias,
9
ou seja, para chegar à dialé-tica pura.
Não resta dúvida de que situar a paideia platônica em bases
científico-dialéticas agradava ao jovem Aristóteles, como se vê
claramente no Grilo, que parece ser sua primeira obra,
dedicada à retórica. Nela, tomando como ponto de partida
uma série de escritos retóricos compostos para celebrar Grilo,
filho de Xenofonte, morto em 362 a.C. na Batalha de
Mantineia, Aristóteles polemizava com a retórica entendida
como simples incitação irracional dos sentimentos, tal como
teorizada por Górgias e proposta de novo por Isócrates e sua
escola. Assim, o Grilo representa a nítida tomada de posição de
Aristóteles a favor da paideia platônica e contra a paideia
isocrática, baseada na retórica. Parece que a tese defendida por
Aristóteles era exatamente a mesma que Platão havia
sustentado anos antes no Górgias: a retórica não é uma techne,
não é uma arte nem uma ciência. Como se sabe, Platão
reabilitou parcialmente a retórica no Fedro, onde aponta a
total negatividade e vacuidade de uma retórica de tipo
gorgiano-isocrático, e demonstra que, para perdurar, a retórica
deve ter como base a dialética. Portanto, o Fedro reafirma a
tese de que a retórica, entendida como estimulação dos
sentimentos, não é arte. Logo, não é necessário, como quer
10
Jaeger, situar a composição do Grilo como anterior ao Fedro.
Na verdade, Aristóteles referia-se sobretudo à tese do
Górgias, desenvolvendo-a e aprofundando-a, porque a retórica
que pretendia repudiar, aquela que servia de base aos elogios
escritos em honra a Grilo — entre os quais, segundo parece,
havia um texto do próprio Isócrates —, era exatamente aquela
contra a qual Platão polemizava no Górgias, e que Isócrates
havia retomado.
O Grilo deve ter sido muito bem aceito na Academia, tanto
que Aristóteles foi encarregado de ministrar um curso oficial
de retórica. Chegou até nós a informação de que ele iniciou seu
curso com a seguinte frase: “É torpe calar e deixar falar
*
Isócrates”, paródia de um verso de Eurípedes. A orientação
seguida pelo curso de Aristóteles, portanto, é bastante clara:
contestar todas as pretensões da retórica de tipo gorgiano e
isocrático em prol da defesa da dialética, e provavelmente
mostrar, como Platão já havia feito no Fedro, que, para ter
valor, a retórica deve se basear na dialética. Assim como o
Grilo, o curso de retórica deve ter obtido grande repercussão,
pois Cefisodoro, discípulo de Isócrates, escreveu uma obra
dividida em quatro livros, denominada Contra Aristóteles; e,
como conjecturam certos autores, com algum fundamento, o
próprio Isócrates respondeu aos ataques de Aristóteles no
11
Antídosis.
A cronologia do Grilo e do curso de retórica pode ser
facilmente reconstruída. Grilo morreu em 362 a.C., os
encômios foram publicados logo em seguida, e o texto de
Aristóteles foi uma reação contra a má retórica desses elogios.
Portanto, é possível pensar que o Grilo foi escrito entre 360 e
358 a.C., e que o curso teve início imediatamente depois, ou
seja, quando Aristóteles contava cerca de 25 anos.
Uma segunda obra juvenil datável de forma bastante segura
é Eudemo, ou Sobre a alma. A obra, sob a forma de diálogo, era
dedicada à memória de Eudemo de Chipre, condiscípulo e
amigo de Aristóteles que morreu em combate perto de
Siracusa, durante uma expedição organizada por Díon contra
Dionísio, o Jovem. Ora, as fontes antigas permitem estabelecer
de forma bastante plausível que a morte de Eudemo aconteceu
no ano de 354 a.C.; portanto, é muito provável que Aristóteles
tenha escrito a obra em memória do amigo morto no ano
seguinte, em 353 a.C.
O texto tinha um caráter eminentemente consolativo e
tratava dos problemas da alma e seus destinos ultraterrenos.
Dessa vez, o modelo usado por Aristóteles foi Fédon. Aliás, ele
volta a propor algumas das teses do Fédon, defendendo-as com
tal eficácia que, como todos sabem, os neoplatônicos tardios
consideraram equivalentes a obra-prima platônica e o texto
aristotélico. Se isso é incontestavelmente certo, como
testemunham os fragmentos que chegaram até nós, não é
verdade que Aristóteles se limitava a repetir Platão de maneira
passiva; nem é fato que defendesse aquela metafísica das Ideias
que iria repudiar depois. Além do mais, defendia apenas de
12
forma parcial uma visão acentuadamente pessimista da vida.
Na realidade, a julgar pelos já citados fragmentos, mais que
um discurso metafísico, o que Aristóteles faz em Eudemo é um
discurso de fé, com uma remissão pontual ao mito; o tom
pessimista se explica pelo estado de espírito em que Aristóteles
andava mergulhado em decorrência da morte do amigo.
Portanto, o que escreve Berti a respeito disso nos parece
correto:
Já se disse que a ocasião em que Eudemo foi escrito seria suficiente para
justificar amplamente o destaque atribuído à precariedade da vida terrena e,
por outro lado, o fato de que o discurso aristotélico sublinhava acima de tudo a
felicidade da vida futura. Mesmo sem levar isso em conta, cabe admitir que, de
todo modo, Aristóteles aprovaria a concepção transcendentalista expressa no
diálogo [Fédon], mas sem se considerar obrigado a apoiar por isso a doutrina
13
das ideias separadas.
Como veremos, Aristóteles logo abandonou o conceito das
Ideias transcendentes (já refutada por Eudoxo), mas não a de
um Deus e de uma realidade divina transcendentes.
Aliás, como testemunham expressamente os textos que
chegaram a nós, a imortalidade da alma também era
demonstrada por Aristóteles no Eudemo, mais com
argumentos baseados na verossimilhança e na persuasão do
que com provas rigorosas e científicas, o que se harmoniza
14
plenamente com a finalidade consolativa do diálogo.
Os textos testemunham também que a imortalidade
propugnada por Aristóteles referia-se ao intelecto, ou seja, à
15
alma racional (não à alma como um todo, tal como
16
pretendiam certos críticos). Em suma, no que diz respeito à
imortalidade da alma, Aristóteles devia advogar a tese que
defenderia também nas obras tardias e que se expressa de
modo paradigmático na Metafísica:
Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da substância composta,
este é um problema que ainda precisa ser examinado. Nada o impede para
alguns seres, como por exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma
17
intelectiva; toda, seria impossível.
Esta será também, como veremos, a posição assumida em
Sobre a alma.
A postura teórica do Eudemo acerca da natureza da alma
devia ser análoga (mesmo que apenas in nuce) àquela que se
encontra em Sobre a alma. Aristóteles não concebia a alma
como uma Ideia, como pretenderam alguns deduzir dos
fragmentos, mas como substância-forma. Ele polemizava,
como já havia feito Platão, com a concepção da alma como
harmonia do corpo (concepção que reduzia a alma a
epifenômeno do corpo), atribuindo-lhe, em consequência,
uma realidade substancial. Mas essa alma substancial era ao
mesmo tempo concebida e afirmada expressamente como
“uma forma” (ou seja, uma forma substancial que informa um
corpo), a qual, decompondo-se o corpo, não se decompõe com
ele.
Tirando partido de todos os estudos recentes sobre o jovem
Aristóteles, Berti fez a seguinte avaliação da obra que acabamos
de analisar brevemente:
[ …] não se sustenta a interpretação que Jaeger faz do Eudemo, vendo nessa
obra a expressão de uma postura doutrinal totalmente fiel ao platonismo,
entendido como doutrina das ideias separadas e da reminiscência, afirmação da
imortalidade da alma como um todo e concepção dualista das relações alma e
corpo. Ela teve grande sucesso, e merecidamente, porque, depois das intuições
isoladas de Zeller e Kaim, trouxe à luz o platonismo do jovem Aristóteles e
permitiu a melhor compreensão de sua formação espiritual, oferecendo uma
imagem do filósofo totalmente diversa daquelas tradicionais e
indubitavelmente mais próxima da realidade histórica. Mas seu erro foi
acreditar que, no ano de 353, Aristóteles ainda se mantinha fiel ao platonismo
do Fédon, escrito 25 ou trinta anos antes. [ …] Na realidade, há elementos
platônicos no Eudemo, e são muitos: a convicção da imortalidade e da
preexistência da alma (limitada, porém, apenas à alma intelectiva), a doutrina
de sua substancialidade e sua imortalidade e aquele caráter ultraterreno que o
leva a considerar a vida depois da morte superior, mais natural e mais feliz que
a vida terrena. Alguns desses elementos estavam destinados a permanecer
também nas obras mais maduras, enquanto outros, em particular o tom
ultraterreno, não possuem pretensões doutrinais, e se devem apenas às
circunstâncias ocasionais e à intenção consolativa do diálogo. O que se deve
definitivamente rejeitar é sua adesão à doutrina das ideias separadas, à doutrina
18
da reminiscência e à concepção da alma como ideia.
Sublinharemos aqui outro elemento que nos parece
essencial: na época em que redigiu o Eudemo, Aristóteles ainda
se mostrava sensível ao componente religioso e místico
presente em Platão como um todo, mas esse componente aos
poucos iria perder peso e consistência na evolução posterior de
Aristóteles. Portanto, se há uma antítese entre o Eudemo e as
obras tardias, é a seguinte: as obras tardias limitam o discurso
filosófico à pura dimensão científica, e abandonam todos os
discursos de caráter mítico e religioso que ainda se
apresentavam no Eudemo.
Há um terceiro texto de Aristóteles escrito no período de
permanência na Academia e que parece datável, pelo menos
com certa margem de aproximação. Trata-se do Protréptico, ou
Exortação à filosofia, o mais celebrado, lido e imitado de todos
os escritos publicados por Aristóteles.
A obra, da qual possuímos muitos fragmentos reproduzidos
por Giamblico em seu texto com o mesmo título, era dedicada
e dirigida a Temison, “rei de Chipre” (ou seja, rei de uma das
nove cidades da ilha naquela época). Ora, entre 351 e 350 a.C.
Chipre entrou em guerra contra os persas; e, no período
imediatamente anterior, intensificara suas relações com
Atenas. Portanto, 351-350 a.C. é aceita como data provável da
composição do Protréptico, hipótese ainda mais verossímil
quando se pensa que o livro compreende uma resposta ao
Antídosis de Isócrates, redigido em 352 a.C.
No Protréptico, Aristóteles retoma a polêmica contra a escola
de Isócrates e seu programa educativo, controvérsia que teve
início com o Grilo e prosseguiu no curso de retórica, com a
participação do isocrático Cefisodro e depois do próprio
Isócrates, justamente com o Antídosis. Dessa vez o ataque é
levado às ultimas consequências. Já a dedicatória é muito
significativa: Isócrates havia dedicado três obras exortativas aos
príncipes de Salamina, em Chipre; Aristóteles oferece sua nova
obra a outro príncipe de Chipre, com a clara intenção de levar
o pensamento da Academia até onde era grande a penetração
da escola isocrática. Mais notável, no entanto, é que Aristóteles
não pretende derrotar Isócrates desmontando outra vez, como
no Grilo, a retórica que servia de base à escola do adversário,
mas demonstrando positivamente a excelência da filosofia que,
por sua vez, fundamentava a paideia da Academia. Aristóteles
evidencia a excelência dessa filosofia em todos os sentidos, seja
em si e para si, seja pelos efeitos e benefícios que proporciona
aos homens. Contrariando o Antídosis, em especial, a filosofia
é apontada como a única base para uma ação segura. Portanto,
o Protréptico é uma defesa integral da filosofia e ao mesmo
tempo o documento em que Aristóteles, às vésperas dos 35
anos, esclarece de modo definitivo, para si e para os outros, o
ideal da “vida teórica”, aquele tipo de vida que tem na
especulação o próprio fim e a própria felicidade, avançando
para além das posições da Academia.
Em primeiro lugar, Aristóteles demonstra a
imprescindibilidade da filosofia, ilustrando o conjunto dos
atributos que a coroam e que fazem dela a mais excelente de
todas as coisas.
A filosofia é necessária, como demonstra o fato de que até
para negá-la é preciso filosofar; negar a filosofia significa fazer
filosofia, pois os raciocínios que pretendem demonstrar sua
impossibilidade não prescindem de um caráter filosófico. No
fragmento (frag.) 2, lemos o seguinte:
Em resumo, se é preciso filosofar, é preciso filosofar; se não é preciso filosofar,
também é preciso filosofar. Pois, se a filosofia existe, todos estamos de alguma
forma obrigados a filosofar, dado que ela existe. Mas, se não existe, somos
obrigados a investigar por que não existe. Ao investigar, filosofamos, pois
19
investigar é a causa da filosofia.
A filosofia certamente é possível. Os princípios e as causas
primeiras, o objeto específico da filosofia são, em si e para si,
por sua própria natureza, o que há de mais cognoscível,
mesmo que para nós pareçam obscuros. Essa é uma das teses
que irão reaparecer no Aristóteles maduro; e é ela, aliás, o
centro de sua ontologia: aquilo que é primeiro para os sentidos
20
é último para a plenitude do Ser, e vice-versa.
Para exercer a filosofia, ademais,
[ …] não são necessários instrumentos ou locais específicos; não importa o
lugar da Terra em que coloquemos o pensamento, poderemos sempre alcançar
21
a verdade, pois ela está presente em toda parte.
Trata-se de um pensamento que alcançará grande êxito na
era helenístico-romana.
Além disso, a filosofia é um bem objetivo e constitui o fim
metafísico do homem, ou seja, aquilo em que e pelo qual a
essência do homem se realiza plenamente. O homem é corpo e
alma; mas o corpo é um instrumento a serviço da alma e,
portanto, inferior à alma. A alma, por sua vez, é dividida em
partes, todas subordinadas à parte racional. Por conseguinte, o
homem “é apenas ou sobretudo essa parte”, ou seja, a alma
racional. Mas a missão da alma racional é alcançar a verdade,
missão que só se realiza pela filosofia. Logo, a filosofia é a
realização daquilo que há de mais elevado em nós, sendo,
portanto, a nossa perfeição. Por conseguinte, o conhecimento
é a virtude suprema, por assim dizer, a chave da vida do
22
homem.
É possível compreender então por que a filosofia é
considerada o “fim” do homem. Demonstrar que ela realiza a
essência do homem pressupõe diretamente essa tese, pois a
essência de uma coisa é também seu fim. Aristóteles, porém,
julga que deveria fornecer uma prova específica, o que
demonstra como ele já estava imbuído de sua fundamental
concepção finalística da realidade e de alguns conceitos
basilares da metafísica. Aquilo que é “primeiro” para a geração
é “último” quanto ao valor ontológico; e vice-versa: aquilo que é
último para a geração é primeiro quanto ao valor ontológico.
Ora, no homem, o corpo se desenvolve primeiro, depois a
alma; e, na alma, primeiro as faculdades irracionais, de-pois a
faculdade racional. Assim, com base nesse princípio
estabelecido, a alma racional, que é última na geração, é
primeira na ordem e no valor ontológico, e, portanto, primei-
ro é também o conhecimento filosófico, que representa a
23
“virtude” dessa alma.
A filosofia também é útil. Sobretudo no desenvolvimento
desse ponto Aristóteles responde a Isócrates, quando este
afirma no Antídosis que a orientação filosófica da paideia
acadêmica era totalmente abstrata, à medida que a filosofia era
inútil. Pois bem: Aristóteles afirma, em primeiro lugar, o
conceito da superioridade do contemplar sobre o fazer, da
teoresis sobre a práxis: contemplar tem valor autônomo, fazer
tem valor subordinado; na vida ultraterrena, os bem-
aventurados vivem contemplando, não agindo:
É evidente que nossa tese é mais verdadeira que as outras se nos transferimos
em pensamento para a Ilha dos Bem-aventurados. Na verdade, lá não há
necessidade de nada, nem se obtêm benefícios de alguma outra coisa, pois só
24
subsistem o pensamento e a especulação.
Contudo, embora seja verdadeira a tese de que a filosofia
vale em si e por si, também é verdade que a filosofia é útil para
25
a ação, pois propicia as normas e os parâmetros do agir.
Enfim, a filosofia traz felicidade. Todos os homens amam
viver, sendo a vida algo agradável em si; porém, a vida mais
elevada consiste em pensar; portanto, a suprema felicidade se
realiza na atividade do pensamento (em particular na filosofia,
em que o pensamento se realiza de modo perfeito). Por isso a
conclusão de Aristóteles é esta:
Nada que seja divino ou bem-aventurado pertence aos homens, com exceção
da única coisa digna de consideração, ou seja, aquilo que há em nós de
inteligência e sabedoria; na verdade, entre as coisas que há em nós, apenas esta
parece ser imortal e só esta é divina. E pelo fato de participarmos dessa
faculdade, a vida, apesar de sua natureza miserável e difícil, pode ser
administrada de modo tão agradável que o homem, em comparação com as
outras coisas, parece um Deus. “Entre as coisas que há em nós, a inteligência é
efetivamente o deus” — quer tenha sido Hermotino, quer Anaxágoras a dizer
isso —, e “o éon mortal tem uma parte de algum deus”. Portanto, é preciso
filosofar ou partir daqui dando adeus à vida, pois todas as outras coisas
26
parecem pura verborragia e palavras vãs.
Nas últimas décadas, no âmbito da produção do primeiro
Aristóteles, a crítica deu muito destaque a algumas obras de
conteúdo metafísico, sobre as quais a clássica monografia de
Jaeger não se pronunciou. Infelizmente, a datação desses
estudos só é possível com grande margem de aproximação e
por meio de conjecturas. Mas essas obras revestem-se de
grande importância para a compreensão do desenrolar do
pensamento aristotélico, pois representam uma tomada de
posição precisa, nítida e pontual de Aristóteles em relação à
ontologia platônica. Portanto, uma referência a seu conteúdo
torna-se indispensável.
27
Vamos começar pelo tratado Sobre as Ideias.
A crítica recente deu grande destaque à estreita conexão
entre esse texto e o movimento de revisão crítica que teve
início na Academia a partir da segunda viagem de Platão à
Sicília. O diálogo platônico com o qual o tratado Sobre as
Ideias revela maior afinidade é Parmênides (sobretudo a
primeira parte), redigido e publicado por Platão justamente
depois de seu retorno da segunda viagem.
A situação na qual nasce o tratado Sobre as Ideias pode ser
reconstruída de forma bastante pontual. Durante a segunda
viagem de Platão à Sicília, a Academia foi dominada, como
veremos, pela figura de Eudoxo, que pretendia resolver a
aporia fundamental da doutrina platônica das Ideias,
consistindo esta na dificuldade de conciliar as duas
características essenciais das Ideias: serem “separadas” e, ao
mesmo tempo, serem a “causa das coisas”. Eudoxo passou a
defender a imanência das Ideias: misturando-se às coisas, as
Ideias seriam causa do ser das próprias coisas. Na tentativa de
resolver uma aporia, a tese de Eudoxo, decididamente herética,
caía em outros impasses bem mais graves e grosseiros, pois
tratava as Ideias imateriais como coisas materiais; portanto,
traía justamente a concepção fundamental da ontologia
platônica.
Todos os membros da Academia devem ter participado
desses ardentes debates, inclusive propondo soluções
alternativas. O próprio Aristóteles, que chegou à Academia
exatamente nesse momento, não se limitou a uma participação
passiva nas discussões, mas logo se viu obrigado a formar uma
opinião própria, que discordava tanto de Platão quanto de
Eudoxo. O Aristóteles que Platão encontrou ao voltar da Sicília
tinha vinte anos e, nos três anos de Academia, já havia
solucionado, na ausência do fundador da escola, algumas das
dificuldades do platonismo. Os primeiros debates com Platão,
ao que tudo indica, devem ter sido bastante inflamados. Note-
se que há justamente no Parmênides um Aristóteles muito
jovem que, a nosso ver (outros também já observaram isso),
coincide com o Aristóteles histórico. Se a resposta de
Cefisodoro ao Grilo confirma que Aristóteles já havia tratado
da teoria das Ideias, ela também demonstra que, na época da
redação do mencionado diálogo, a informação de que
Aristóteles se dedicava à doutrina das Ideias circulava inclusive
fora dos muros da Academia. E se a resposta de Cefisodoro já
conhece o tratado Sobre as Ideias, é provável que ele tenha sido
redigido logo depois do Grilo (que, como vimos, se situa entre
360 e 358 a.C.).
Ao que tudo indica, eram duas as teses fundamentais do
tratado Sobre as Ideias: a) não é possível admitir Ideias
separadas; b) para que a doutrina das Ideias se sustentasse,
28
seria preciso eliminar a doutrina dos princípios. Trataremos
da doutrina dos princípios adiante, quanto falarmos do tratado
Sobre o bem. Avaliaremos agora o significado e o alcance dessa
recusa da doutrina das Ideias. O que Aristóteles pretende
atingir não é tanto a Ideia, mas sua “separação”. Platão
também critica essa separação na primeira parte do
Parmênides. Contudo, os caminhos que os dois filósofos
trilham são muito diferentes. Platão considerava que era
possível manter ao mesmo tempo os aspectos transcendente e
imanente das Ideias, desde que entendidos de maneira
adequada: para ele, as dificuldades da “separação” diziam
respeito apenas a um modo deformado de compreender as
Ideias. Aristóteles, ao contrário, considera que é preciso
renunciar totalmente à transcendência das Ideias,
transformando-as em “causas formais” imanentes das coisas.
Entretanto, ao realizar essa mudança na doutrina platônica,
não renuncia a toda e qualquer forma de transcendência; no
lugar do inteligível transcendente ele coloca a inteligência
transcendente, ou seja, Deus, como veremos melhor ao debater
o tratado Sobre a filosofia e sobretudo ao analisar a Metafísica.
O fato de ter transformado as Ideias transcendentes em
formas imanentes não implicava absolutamente um
alinhamento de Aristóteles com as posições defendidas por
Eudoxo. Por isso criticou-o expressamente, demonstrando que
sua teoria da “mistura” das Ideias nas coisas destruía a
imaterialidade, situando as Ideias no plano dos elementos
materiais. De fato, mesmo tornando imanentes as Ideias,
Aristóteles continua a afirmar sua espiritualidade e
imaterialidade. Como Berti disse muito bem, Aristóteles
transforma as Ideias de entes transcendentes em estruturas
transcendentais, o que não representa de forma alguma a
recusa de todo o sistema platônico, como indica Berti, mas
apenas uma revisão crítica desse sistema, “realizada como a
consumação de uma instância estabelecida pelo próprio Platão
29
e tendo em vista um platonismo mais fecundo e rigoroso”.
O tratado Sobre o bem também se liga estreitamente à
atividade do último Platão, e seria uma dissertação sobre o
curso oral ministrado por Platão a respeito da “teoria dos
princípios”. O curso de Platão sobre o Bem é fato atestado
também por outras fontes. Chegou até nós inclusive a notícia
de que muitos dos que seguiram o curso saíram
decepcionados, pois esperavam ouvir aquilo que normalmente
se entende por bem, mas depararam, ao contrário, com
discursos acerca de matemática e geometria; por fim, ouviam o
30
filósofo afirmar que “o Bem é Uno”. O curso sobre o Bem
era a expressão do momento matemático-pitagórico do
pensamento platônico, cujos traços encontramos em alguns
dos últimos diálogos, sobretudo Filebo e Timeu.
31
Nessa última fase de seu pensamento, Platão submeteu a
doutrina das Ideias a uma reconsideração radical. As Ideias
precisam de uma explicação posterior, à medida que são
múltiplas; de fato, toda multiplicidade deve ser justificada
enquanto tal em função de uma unidade superior. Assim, para
explicar a multiplicidade, Platão considera necessário deduzir
as Ideias de princípios superiores. Esses princípios eram
justamente o Uno e a Díade o grande e o pequeno (o Uno,
como dissemos, identificava-se ao Bem). O Uno tinha a função
de princípio formal, e a Díade, de princípio material.
Combinando-se entre si, Uno e Díade eram a causa das Ideias-
Números, e, portanto, das Ideias propriamente ditas; e, enfim,
as Ideias eram a causa das coisas. Toda a realidade deduzia-se,
assim, do supremo par de princípios Uno-Díade. No primeiro
livro da Metafísica, Aristóteles extrai as consequências de seu
tratado Sobre o bem e escreve:
Sendo as Ideias causa de outras coisas, Platão considera que os elementos
constitutivos das Ideias seriam os elementos de todos os seres. E aponta o
grande e o pequeno como elemento material das Ideias, e o Uno como elemento
formal; de fato, considera que, justamente por participação no Uno, o grande e
32
o pequeno dá origem às Ideias e aos Números.
É justamente essa “doutrina dos princípios” que Aristóteles
expõe de maneira ampla no tratado Sobre o bem, apontando as
razões apresentadas na Academia a seu favor e analisando o
modo como as Ideias-Números e as Ideias são deduzidas dos
Princípios. Com certeza tal exposição não devia ter um caráter
doxográfico, mas crítico-teórico. Provavelmente ele ainda não
submetia a doutrina dos princípios a uma crítica acurada,
como havia feito com as Ideias no tratado Sobre as Ideias. No
entanto, é certo que desenvolvia a doutrina dos princípios na
direção que o tratado Sobre as Ideias já indicava. Talvez suas
conclusões fossem aquelas que encontramos no primeiro livro
da Metafísica, pouco depois do trecho citado:
A partir do que se disse, fica claro que ele se serviu só de duas causas: a formal e
a material. De fato, as Ideias são causas formais das outras coisas, e o Uno é
causa formal das outras Ideias. Ante a pergunta sobre que matéria tem função
de substrato do qual se predicam as Ideias — no âmbito dos sensíveis — e o
Uno — no âmbito das Ideias —, ele respondeu que é a Díade, isto é, o grande e
33
o pequeno.
Em suma, Aristóteles deve ter extraído sua própria doutrina
da causa formal e da causa material da reflexão sobre a
doutrina dos princípios. Aliás, a doutrina de Filebo, que é a
exposição mais próxima das “doutrinas não escritas” de Platão,
também leva a conclusões bastante próximas das aristotélicas.
Filebo fala de quatro gêneros supremos do real: o limite (ou
princípio determinante), o ilimitado (ou princípio
indeterminado), o misto desses dois e a causa da mistura. É
fácil identificar nos dois primeiros, respectivamente, a causa
formal e a causa material de Aristóteles; e no misto, aquilo que
será o sínolo (synolon), ou o composto de forma e matéria. O
tratado Sobre o bem, sem dúvida, não falava da causa da
mistura, pois ela permanece fora do processo de geração das
Ideias-Números do Uno e da Díade, intervindo apenas na
gênese do cosmo. Platão debate o tema longamente no Timeu,
um diálogo cosmológico, enquanto Aristóteles, mais uma vez
corrigindo a doutrina platônica, aborda a questão no tratado
Sobre a filosofia, do qual falaremos a seguir.
Provavelmente o tratado Sobre o bem foi escrito pouco
depois do tratado Sobre as Ideias, no qual a doutrina dos
princípios era mencionada, como sabemos, mas não ainda
desenvolvida. Também depõe a favor dessa ordem de sucessão
o fato de que, no tratado Sobre as Ideias, Aristóteles criticasse a
doutrina das Ideias, mas não ainda a das Ideias-Números ou
números ideais, estreitamente ligada à doutrina do Uno e da
Díade; e de que tal crítica, como é expressamente atestado,
aparece, ao contrário, no tratado Sobre a filosofia. Portanto,
Aristóteles primeiro tomou posição em relação à teoria das
Ideias em geral, negando a “separação” entre elas; em seguida,
expôs e avaliou criticamente a doutrina dos “princípios”, deles
deduzindo os conceitos de “causa material” e de “causa
formal”; finalmente, criticou e eliminou tudo o que lhe parecia
absurdo nessa doutrina, em particular os números ideais,
declarando, como leremos a seguir, que eles são impensáveis e
34
inconcebíveis.
Chegamos assim ao tratado Sobre a filosofia, o mais
comprometido e mais vasto dos escritos juvenis do
35
Estagirita. Todos os estudiosos, com a única exceção de
Werner Jaeger e seus seguidores mais fiéis, admitem o fato de
que esse texto faz parte do período acadêmico. Na verdade, as
36
provas de Jaeger contra isso não têm bases sólidas. O
estudioso alemão, convencido de que Aristóteles jamais
criticou Platão durante o período passado na Academia, achou
necessário deslocar a redação do texto para os anos da estada
em Assos (de que falaremos em breve), motivado justamente
pelo fato de o texto criticar Platão. Contudo, as fontes antigas
37
dizem de modo claro que Platão era criticado nos diálogos,
usando o plural de modo inequívoco e não limitando a
circunstância apenas ao tratado Sobre a filosofia. Ademais,
Jaeger considera possível ver no frag. 6 uma alusão à morte de
Platão. Mas esse fragmento é altamente ambíguo e não pode
ser entendido, inequivocamente, no sentido desejado por
Jaeger. Todos os elementos internos levam a crer que o tratado
Sobre a filosofia tenha sido composto nos últimos anos de
permanência de Aristóteles na Academia. Certas remissões
38
doutrinais ao Timeu e às Leis são uma comprovação disso.
A obra, que devia ter a forma de diálogo, dividia-se em três
livros. O primeiro, com uma resenha histórico-teórica, definia
o conceito de filosofia como conhecimento dos princípios
39
supremos do real. O segundo criticava a doutrina das Ideias e
também a doutrina das Ideias-Números, ou números ideais.
Contra estes últimos, Aristóteles alegava o seguinte:
[ …] se as Ideias são outra espécie de número, mas não matemático, não
poderíamos ter nenhum conhecimento dele; de fato, quem, entre a maior parte
40
de nós, compreende uma espécie de número diversa?
Enfim, no terceiro livro, Aristóteles apresentava sua
ontologia, teologia e cosmologia de modo sistemático,
inserindo muitas novidades. Introduzia a doutrina da forma-
privação e do ato-potência (talvez essa doutrina já aparecesse
no primeiro livro; em todo caso, já estava presente no
Protréptico); ele apresentava uma nova visão de Deus como
inteligência: este, e não mais o Uno e a Díade, era colocado no
vértice da realidade. Introduzia a doutrina da eternidade do
mundo, inovando profundamente a cosmologia do Timeu; e
41
dava forma sistemática à concepção teológica do Universo.
São particularmente importantes as inovações no campo
teológico, demonstrando que o Estagirita, embora ainda não
tivesse elucidado sua concepção do divino, tinha resolvido de
modo positivo o problema da transcendência. Um ser
transcendente existe, mas não se trata do mundo das Ideias, e
sim do Deus-pensamento ou de uma multiplicidade de
princípios de natureza análoga, que se remetem a um primeiro
princípio superior. Eis a demonstração que Aristóteles dava da
existência de Deus:
Também dão testemunho de que o poder divino é eterno as doutrinas
esclarecidas e discutidas em muitos trechos dos tratados destinados ao público;
isto é, é necessário que a primeira e suprema divindade seja completamente
imutável; se for de fato imutável, será também eterna. Ele chama de “tratados
destinados ao público” aqueles que são colocados à disposição da multidão e
seguem uma exposição ordenada desde o início. Costuma-se denominar tais
escritos de exotéricos, e os mais científicos de acroamáticos e doutrinais. Ele trata
desse tema nos livros Sobre a filosofia. De fato, essa é uma proposição de
validade universal; onde há um melhor, há também um ótimo; dado que, no
âmbito daquilo que existe, há uma realidade que é superior a outra realidade,
existe por conseguinte uma realidade perfeita, que deve ser a potência divina.
Portanto, aquilo que muda o faz por obra de um agente externo ou por obra de
si mesmo; se por obra de um agente externo, este lhe é superior ou inferior; se
por obra de si mesmo, em vista de algo inferior ou à medida que aspira a uma
realidade superior. Porém, a potência divina nada tem de superior a si, por
obra de quem poderia sofrer uma mudança (de fato, seria uma categoria
superior de divindade), e há o postulado de que aquilo que é superior não sofre
influência daquilo que é inferior; portanto, se sofresse uma influência de algo
que lhe é inferior, estaria acolhendo algo de mau, no entanto, não há nada de
mau no divino. E tampouco muda a si mesmo por aspirar a uma realidade
superior; não carece de nenhuma das perfeições que lhe são próprias. Portanto,
não se modifica para pior, à medida que nem mesmo um homem, por vontade
própria, piora a si mesmo ou acolhe algo de mal recebido em consequência de
uma mudança para pior. Aristóteles recolheu essa demonstração do segundo
42
livro da República de Platão.
E sobre o problema da multiplicidade, ou unidade dos
princípios, o frag. 17 diz:
É uma argumentação de Aristóteles: “Ou o princípio é único ou há muitos
deles. Se é uno, temos o que buscamos. Se são muitos, podem ser ordenados ou
desprovidos de ordem. Contudo, se são desprovidos de ordem, mais
desordenados ainda serão os seus efeitos, e o cosmo não será mais cosmo, e sim
ausência de cosmo; e aquilo que é contra a natureza existirá, enquanto o que
está em conformidade com a natureza não existirá. Se, ao contrário, são
ordenados, ordenaram-se por força própria ou por obra de alguma causa
externa. Todavia, caso se ordenem por força própria, eles têm um princípio
43
comum que os une, e este é o princípio.”
Aqui, a solução do problema da multiplicidade-unidade dos
princípios remete fortemente àquela que Aristóteles irá propor
44
na Metafísica.
Ao contrário, porém, é bastante duvidoso que Aristóteles já
tivesse uma solução definitiva para o problema da natureza de
Deus e para sua função de causa. Relata Cícero:
No terceiro livro de Sobre a filosofia, Aristóteles expõe uma doutrina
incoerente, entrando em desacordo com seu mestre, Platão. De fato, ele ora
concede um absoluto valor divino ao intelecto, ora defende que o mundo (= a
própria periferia extrema) é uma divina potência, ora estabelece outro poder
divino à frente do mundo (= da periferia extrema), e lhe atribui a função de
dirigir e conservar seu movimento por meio do movimento retrógrado. Em
seguida, afirma que o calor do céu é um poder divino, sem compreender que o
céu é parte do mundo, definido por ele mesmo em outro trecho como poder
divino. Mas como esse célebre intelecto divino poderia se conservar em
tamanha velocidade? Onde estão, aliás, os vários deuses, se considerarmos o céu
também um poder divino? Como, ademais, ele afirma que Deus é desprovido
de corpo, acaba privando-o de qualquer sensibilidade e até de sabedoria. De
que modo, além disso, o mundo poderia se mover, se é desprovido de corpo;
ou de que modo [o mundo], movendo-se sempre, poderia ser [o divino poder]
45
sereno e feliz?
Ora, embora Cícero possa ser responsável por muitos mal-
entendidos (veremos adiante que, no que diz respeito à
pluralidade do divino, o grego jamais hesitou em declará-lo ao
mesmo tempo uno e múltiplo), resta o fato de que o tratado
Sobre a filosofia não devia ser suficientemente claro acerca da
natureza de Deus e de sua função causadora. Ao que tudo
indica, mais que como mente incorpórea, Aristóteles já
concebia Deus como causa final; no entanto, sem dúvida não
havia esclarecido que Deus age sobre o mundo como o amante
sobre o amado. Contudo, nem De caelo nem a Física
desenvolvem esse conceito, que só irá aparecer com toda a
clareza na Metafísica.
Esse Deus, concebido como impassível, não cria o mundo,
46
que, portanto, é eterno. Os astros, feitos de éter (quinta-
essência) e animados, ocupam um lugar privilegiado no
47
cosmo. A alma desses astros era denominada entelékheia, que
fontes contaminadas por influências estoicas identificaram
erroneamente ao próprio éter. Na realidade, como Berti
demonstrou com uma análise acurada de todos os documentos
e suas interpretações, essa identificação é equivocada, pois
[ …] o éter constitui apenas o corpo, não a alma dos astros, e o apelativo
entelékheia pretende indicar menos o movimento da alma que sua
continuidade, ou seja, a circularidade que ela imprime ao movimento do
48
astro.
O aristotelismo do tratado Sobre a filosofia reforma
radicalmente o platonismo, mas conserva seu núcleo essencial,
ou seja, a descoberta do suprassensível e do transcendente, que
se torna noûs e não mais noetón, ou seja, Inteligência suprema,
não simplesmente Inteligível. As Ideias tornadas imanentes
passam a ser a forma das coisas, ou seja, a estrutura inteligível
do sensível. Entre mundo e Deus se estende uma faixa
intermediária, que não é mais aquela do metaxù platônico, ou
seja, não é a esfera dos entes matemáticos, mas o conjunto dos
corpos e esferas celestes, incorruptíveis, eternos, dado que são
feitos de éter, de matéria estruturalmente diversa da matéria
do mundo sublunar. Temos aqui, portanto, um esboço das
ideias metafísico-ontológico-cosmológicas que os tratados do
Aristóteles maduro tratarão de explicitar e aprofundar.
Os “anos de viagem”
Com a morte de Platão em 347 a.C., explode na Academia uma
grave crise sucessória a respeito da direção da escola. Eudoxo
havia rompido com Platão e com a Academia, e retornara à
pátria. Os aspirantes à direção eram Heraclides Pôntico, que já
fora regente da Academia por ocasião da terceira viagem de
Platão à Sicília; Xenócrates, personalidade de incontestável
destaque; e Espeusipo, que ostentava seus estreitos laços de
parentesco com Platão, sendo seu sobrinho (filho da irmã de
Platão, Potone). Naturalmente, nenhum desses personagens
rivalizava com Aristóteles, que com certeza também se sentia
mais capacitado para a sucessão. A direção da Academia, no
entanto, passou justamente às mãos de Espeusipo: os laços de
sangue com o fundador da escola prevaleceram sobre o valor
científico. É importante assinalar que, efetivamente, Aristóteles
havia se afastado de Platão em vários aspectos, salvando,
porém, a substância do platonis-mo, enquanto Espeusipo se
49
afastara do mestre traindo o próprio espírito do platonismo.
Consciente de que, apesar das dissidências mencionadas, era
o mais autêntico continuador de Platão, Aristóteles não
suportou a decisão e deixou a Academia. O abandono, como
foi corretamente sublinhado por Jaeger, tem o sabor de uma
“secessão”, tanto que ele foi acompanhado por Xenócrates,
que, depois de Aristóteles, era o personagem de maior
50
destaque da escola.
Aristóteles não podia retornar à sua Estagira natal, pois
naquele período a cidade havia sido destruída por Filipe da
Macedônia. Diante disso, aceitou de bom grado o convite de
Hérmias, tirano de Atarneu. O filósofo havia passado seus dias
de adolescência nessa colônia, na casa de Proxeno, e portanto
era possível que já tivesse travado conhecimento com Hérmias.
Ora, nesse período, Hérmias, que de humilde servidor de
Eubulo, senhor de Atarneu, havia passado a seu sócio e em
seguida a sucessor, estabeleceu uma relação estreita com dois
platônicos formados na Academia, Erasto e Corisco (já
mencionados), que tentaram criar leis inspiradas nos
princípios platônicos para sua pátria, Scepsis, cidade próxima
51
de Atarneu. A cooperação de Erasto e Corisco com Hérmias
foi bastante fecunda, fazendo com que a tirania deste último se
tornasse mais benigna e esclarecida, e levando os territórios
próximos, situados entre Atarneu e Assos, a se submeterem
voluntariamente a seu domínio. O próprio Platão consagrou
essa colaboração, endereçando aos três homens a Carta vi.
Tudo indica que Aristóteles e Xenócrates se juntaram a
Hérmias, Erasto e Corisco em Atarneu. No mesmo ano, eles se
transferiram para Assos, cidade que Hérmias ofereceu a Erasto
e Corisco pelos bons serviços prestados. Em Assos, os quatro
filósofos abriram uma escola com a intenção de transformá-la
na verdadeira Academia. Corisco deve ter sido um dos mais
apaixonados ouvintes das aulas de Aristóteles, pois o Estagirita
a ele se dirigia em muitas dessas aulas, usando seu nome nos
exemplos que criava para ilustrar os conceitos que expunha, e
que ainda podem ser lidos nas obras da escola. Entre os
ouvintes mais assíduos de Aristóteles, além de Corisco,
estavam Neleu, filho de Corisco, e Teofrasto, nascido em
Eresos, na ilha de Lesbos, que seria o sucessor de Aristóteles no
Perípato.
Aristóteles completou um triênio de atividade na escola de
Assos. Mas em 345-344 a.C., provavelmente estimulado por
Teofrasto, transferiu-se para Mitilene, em Lesbos, onde abriu
outra escola, a qual dirigiu por dois anos, ou seja, até 343-342,
que também se tornou uma Academia, não uma instituição
contraposta à Academia.
Em 343-342 a.C., Filipe da Macedônia escolheu Aristóteles
como preceptor de seu filho Alexandre, então com treze anos.
Hérmias, que havia estabelecido uma aliança com Filipe, com
quem preparava secretamente os planos de uma guerra contra
a Pérsia, teve papel decisivo nessa escolha. Ele tinha Aristóteles
na mais alta conta e, além do mais, considerava a grande
vantagem de contar com um homem de confiança na corte de
Filipe. A escolha deve ter sido facilitada pelos antigos laços que
uniam a família de Aristóteles aos reis macedônios. Pouco
depois, Hérmias caiu em poder dos persas, capturado numa
armadilha. Torturado, não revelou os planos secretos
elaborados com Filipe e morreu como herói. Aristóteles
dedicou-lhe um poema cheio de sentimento.
Aristóteles casou-se, ao que tudo indica, logo após a morte
de Hérmias, com a irmã deste, Pítia, provavelmente refugiada
na corte macedônia. Teve uma filha com ela, que recebeu o
nome da mãe.
No Castelo de Mieza, perto de Pela, durante três anos,
Aristóteles encarregou-se da educação de Alexandre: aquele
que em breve se tornaria o guia espiritual do helenismo,
portanto, foi o educador daquele que viria a ser um dos
maiores personagens da história grega. O entendimento entre
os dois homens era excelente. Não há dúvida de que, tendo em
conta a idade do discípulo, Aristóteles não se limitou à
tradicio-nal paideia, mas tratou de transmitir também alguns
princípios filosóficos. É difícil estabelecer até que ponto os
ensinamentos de Aristóteles influíram na formação espiritual
de Alexandre, mas é certo que a política do imperador
macedônio seguirá caminhos totalmente opostos aos
recomendados pelo mestre.
Em 340 a.C., Alexandre é nomeado regente do reino e tem
de interromper os estudos. Alexandre deu grande prova de sua
gratidão ao mestre, atendendo a seu pedido de reconstruir a
cidade de Estagira. E, ao que tudo indica, foi para lá que
Aristóteles se transferiu, talvez pensando em colaborar para o
renascimento da cidade, elaborando suas leis. Nesse ínterim, o
filósofo perdeu a esposa, unindo-se em seguida a Hérpiles, que
provavelmente foi sua governanta, depois concubina e enfim,
segundo algumas fontes, segunda esposa. Hérpiles dará ao
filósofo um filho homem, que receberá o nome do avô
paterno, Nicômaco.
É impossível estabelecer o que Aristóteles teria escrito nesses
anos de viagens. Deve remontar a essa época, se for autêntico
(como acreditamos, pessoalmente), o Tratado sobre o cosmo
para Alexandre, uma esplêndida síntese das doutrinas
cosmológico-físico-teológicas de Aristóteles, com ligações
estreitas com os conceitos desenvolvidos no Protréptico e no
diálogo Sobre a filosofia. Quanto ao resto, só podemos
trabalhar com hipóteses. Talvez Aristóteles tenha parado de
publicar livros, dedicando-se apenas à redação de cursos e
aulas. O único curso que poderia datar do período acadêmico
são os Tópicos, que, a bem dizer, têm ligações estreitas com a
retórica, matéria que, como sabemos, Aristóteles já lecionava
na Academia. As tentativas mais recentes dos estudiosos para
estabelecer quais dos tratados a nós chegados pertencem ao
período de Assos e Mitilene não passam de conjecturas
altamente discutíveis, em razão da ausência de qualquer dado
52
histórico e objetivo que possa servir de base.
Muitas das partes dos tratados que hoje lemos remon-tam,
sem dúvida, a essa época; contudo, jamais saberemos quais são
eles, pois Aristóteles de várias maneiras retomou os cursos em
Atenas e reelaborou, completou e sistematizou suas aulas.
O retorno a Atenas, a fundação do Perípato e as obras de
escola
Em 335-334 a.C., quando Alexandre já detinha as rédeas da
situação política da Grécia, Aristóteles voltou para Atenas.
Tinha então cinquenta anos e não havia ninguém capaz de
fazer sombra à sua fama: era o professor de Alexandre e
também o pensador mais conceituado e renomado do
momento. Nesse ínterim, na Academia, Espeusipo fora
53
substituído por Xenócrates, com quem Aristóteles havia
rompido relações há algum tempo. Consciente de que tinha
muito mais a dizer que Xenócrates, Aristóteles resolveu se
afastar definitivamente da Academia e abrir seu próprio
espaço, criando uma escola, certo de que poderia produzir
tanto quanto Platão na Academia. Contudo, como era
estrangeiro, e a lei ateniense não lhe permitia adquirir terrenos
e imóveis, ele resolveu fundar sua escola num ginásio público,
o Liceu (assim chamado por ser consagrado a Apolo Lício),
que dispunha de um prédio e um jardim (um “passeio”). A
nova escola foi chamada de Perípato por causa desse passeio
(perípatos, em grego, quer dizer “passeio”) e pelo costume
aristotélico de dar aula enquanto andava. Escreve Diógenes
Laércio: “[Aristóteles] escolheu o passeio público, o Perípato,
no Liceu, e, passeando até chegar a hora de fazer suas unções,
debatia filosofia com os discípulos. Daí o nome
54
peripatético.” Não importa o que digam, os frequentes
exemplos dados por Aristóteles de que o passeio é um meio de
alcançar a saúde são uma confirmação desse costume de
ensinar passeando de que fala a tradição.
Durante quase doze anos, Aristóteles dirigiu a escola com
sucesso, ofuscando a fama da Academia. A seu lado ensinaram
nomes como Teofrasto e Eudemo de Rodes, dando
55
contribuições importantes. Esses anos foram dedicados à
sistematização das aulas. Como os cursos eram para uso
interno da escola, em seguida foram denominados esotéricos,
em contraposição às obras juvenis, escritas para um público
mais amplo, fora da escola, e que por isso eram chamadas
56
exotéricas. Quis a sorte que nenhuma dessas obras
publicadas (exotéricas) chegasse até nós, e que, ao contrário,
boa parte das aulas (obras esotéricas) se conservasse.
Tomando a liberdade de apresentar a lista completa desses
57
títulos adiante, mencionaremos aqui os tratados de maior
relevância do ponto de vista filosófico, que exporemos a seguir.
São eles os catorze livros de filosofia primeira, que receberam
depois o nome de Metafísica; os tratados de filosofia segunda
— Física, Sobre o céu, Sobre a geração e a corrupção —, aos
quais se conecta também o texto Sobre a alma; três cursos de
ética — Ética a Eudemo, Ética a Nicômaco e Grande Moral
(cuja autenticidade é negada por parte da crítica) —; Política,
Poética, Retórica, Organon, compreendendo Categorias, Sobre a
interpretação, Analíticos primeiros e Analíticos segundos, Tópicos
e Refutações sofísticas. A essas obras filosóficas acrescenta-se
uma massa imponente de obras sobre ciências naturais.
Os anos de ensino em Atenas, isto é, dos cinquenta aos
sessenta e dois anos de idade, foram certamente os mais
fecundos de Aristóteles: é o período em que o homem,
alcançando a plenitude da experiência espiritual, ainda dis-põe
de todas as suas energias para dar-lhe um acabamento
definitivo.
Em 323 a.C., a morte de Alexandre desencadeou uma onda
de ódio antimacedônico em Atenas. Caiu sobre Aristóteles
uma acusação de irreligião, por causa do poema em memória
de Hérmias, considerado apropriado a um deus, nunca a um
mortal. As intenções que se escondiam por trás dessa acusação
eram claríssimas (Sócrates também havia sido denunciado por
impiedade): queriam que Aristóteles pagasse um preço
altíssimo por suas relações com Alexandre. O filósofo
abandonou Atenas com a família e se refugiou em Calcides,
onde tinha propriedades herdadas da mãe. Foi lá que, alguns
meses depois, veio a falecer.
Teofrasto, amigo fiel de longa data, assumiu a direção do
58
Perípato.
A leitura de Aristóteles hoje
Já dissemos antes que o mérito essencial de Jaeger foi ter
chamado a atenção dos estudiosos para a necessidade de partir
das obras da juventude, ou melhor, dos fragmentos que
chegaram até nós, para se ter um correto entendimento de
Aristóteles. Por infortúnio, porém, tais fragmentos são
escassos, e muito poucos são diretos. Ora, os fragmentos são
como peças de um mosaico; logo, podem compor os mais
varia-dos desenhos. Além disso, como as obras juvenis eram
em sua maioria diálogos, há o perigo de se topar com trechos
de discursos de personagens que não expressam o pensamento
de Aristóteles. Por isso a reconstituição das obras do jovem
Aristóteles é obrigatoriamente conjectural. Partindo dessa
premissa, em todo caso, pode-se concluir que é impossível
extrair dos fragmentos que chegaram até nós o perfil de um
Aristóteles completamente platônico, tal como o que Jaeger
59
reconstruiu. A crítica a Platão começa muito cedo, como
veremos, e é uma crítica que leva — recorrendo a termos
hegelianos — à superação de Platão, que é uma suprassunção.
Veremos quais elementos atestam esse aspecto. (É significativo,
aliás, que Jaeger não tenha examinado os tratados Sobre as
Ideias e Sobre o bem.)
No entanto, o ponto mais frágil da leitura jaegeriana de
Aristóteles é a interpretação dos escritos de escola do
Estagirita. Jaeger certamente tem razão quando diz que nem
todos foram redigidos nos últimos doze anos, em Atenas, e que
grande parte remonta aos anos de Assos e de Mitilene. Mas
erra quando pretende em seguida estabelecer quais pertencem
àquele período, quais ao último. E erra porque, na falta de
qualquer dado histórico que lhe sirva de base, é obrigado a se
apoiar em pressupostos teóricos. Jaeger acredita que é possível
distinguir nas obras de escola algumas estratificações
fortemente platônicas, outras menos platônicas, e outras,
ainda, de tendência antiplatônica. Considera esses estratos
teoricamente tão diversos a ponto de não serem unificáveis, e,
consequentemente, localiza os primeiros no período de Assos,
os segundos num período de transição e os terceiros na última
etapa da evolução espiritual de Aristóteles. Só que, aplicando
esse método “genético”, muitos estudiosos chegaram, no curso
de meio século, a conclusões diametralmente opostas às de
60
Jaeger.
Hoje, ganha cada vez mais força a opinião de que o método
genético, pelo menos no sentido jaegeriano, deve ser deixado
de lado. Alguns estudiosos destacaram que, se um autor não
renega uma obra ou parte dela, deve ser considerado
61
plenamente responsável pela obra. Isso vale ainda mais para
as obras esotéricas de Aristóteles, que jamais saíram de suas
mãos e, portanto, podiam ser retificadas e organizadas como
melhor lhe parecesse. Se o Estagirita considerasse superados
alguns trechos desses cursos ou mesmo o curso inteiro,
certamente os teria suprimido ou modificado. Além do mais, o
sistema de rolos dava aos livros da época uma notável
plasticidade, permitindo que fossem corrigidos quando e do
modo que se desejasse.
Essas razões voltam a impor, portanto, a oportunidade,
quando não a necessidade, de refazer a leitura unitária dos
textos esotéricos. Naturalmente, nesse processo, cabe verificar
se e em que medida a unidade é real ou problemática; em todo
caso, trata-se de uma decisão que deve ser tomada no plano
teórico, não no histórico-genético. Em suma, depois de meio
século de experimentos sob a égide do método genético, ficou
claríssimo que as obras esotéricas não podem ser consideradas
simples apontamentos, e que se obstinar a lê-las nessa
condição é privá-las de significado filosófico.
A leitura dos esotéricos que propomos nas páginas a seguir
será, portanto, unitária, no sentido mencionado. Em cada um
dos escritos esotéricos, nascidos e crescidos num intervalo
bastante amplo de tempo, com interrupções, retomadas e
repetições, é possível identificar linhas de força, parâmetros
constantes e também reexames incessantes de problemas e
soluções. Foram justamente as pesquisas dos textos realizadas
com o método genético que, de modo paradoxal, acabaram
tornando isso mais claro e evidente.
Passemos, portanto, à análise pontual das obras de escola,
tentado captar seus núcleos essenciais. Como não podemos
dispor de um critério cronológico, pelas razões já expostas,
utilizaremos a ordem lógica com que Aristóteles distinguia
hierarquicamente as ciências. Na verdade, ele considerou
primeiras as ciências teóricas, ou seja, puramente
contemplativas, que são a metafísica, a física e a matemática; as
ciências práticas, isto é, a ética e a política, são segundas; e
terceiras são as ciências poiéticas, ou seja, as artes. A lógica não
entra no quadro porque, mais que uma ciência, fornece o
instrumento preliminar para qualquer ciência, mostrando
como o homem raciocina.
NOTAS
1. Apolodoro (= frag. 38 Jacoby), em Diógenes Laércio, v, 9. Todas as informações
que se seguem, exceto as provenientes de Diógenes, foram extraídas das antigas
biografias de Aristóteles (cf. “Bibliografia comentada”, § 2, 3), reunidas no
trabalho fundamental de I. Düring, Aristotle in the Ancient Biographical Tradition,
Göteborg, 1957. Boas reconstruções modernas podem ser encontradas em W.
Jaeger, Aristoteles, Berlim, 1923 (trad. ital., Florença, 1935, várias reeds.), passim.
Aristóteles, L’éthique à Nicomaque, t. i, 1, introdução de R. Gauthier, Louvain,
1970, p. 2 ss; I. Düring, Aristotles, Darstellung und Interpretation seines Denkes,
Heidelberg, 1966, p. 1-21. Para a primeira parte da vida de Aristóteles, a
reconstrução de E. Berti, La filosofia del primo Aristotele, Pádua, 1962, p. 123 ss, é
muito bem cuidada. (Razões de espaço nos impedem de indicar ponto a ponto
todas as fontes em que nos apoiamos, as eventuais fontes discordantes, os vários
motivos que depõem a favor daquelas a que conferimos maior peso; o leitor
interessado encontrará tudo isso nas obras acima indicadas.)
2. Diógenes Laércio, v, 9 (a tradução dos trechos de Diógenes é de M. Gigante,
Diogene Laerzio, Vita dei filosofi, Laterza, Bari, 1962).
3. Cf. U. von Wilamovitz-Moellendorff, Platon. Berlim, 1959, p. 208 ss.
4. Cf. Jaeger, op. cit., p. 11-27.
5. Cf. Arist., Metaph. a 8, passim.
6. Cf. Berti, op. cit., p. 142.
7. Diógenes Laércio, v, 1.
8. Cf. adiante, “História da fortuna crítica e das interpretações de Aristóteles”, § 4.
9. Cf. Berti, op. cit., p. 151-159.
10. Cf. W. Jaeger, Paideia, trad. ital., Florença, 1967, v. ii, p. 250 ss. [Edição
brasileira: Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 1996.]
11. Para aprofundamento e bibliografia, remetemos a Berti, op. cit., p. 159-185.
12. Quem defende essa tese é Jaeger, em Aristotele, p. 49-68; Bignone (L’Aristotele
perduto e la formazione filosofica di Epicuro, Florença, 1936, v. i, p. 67 ss) parece
reconfirmá-la plenamente.
13. Berti, op. cit., p. 417.
14. Cf. Elias, Arist. categ. proem., p. 114, 25 ss = Eudemo, frag. 3 Ross.
15. Cf. Themist., Arist. de anim., p. 106, 29 ss = Eudemo, frag. 2 Ross.
16. Tese de Jaeger, Aristotele, p. 62 ss.
17. Arist., Metaph. L 3, 1.070 a 24-26. A tradução dos trechos da Metafísica citados
aqui e mais adiante é de G. Reale, Aristotele, La “Metafísica”, 2 v. Nápoles:
Loffredo, 1968.
18. Cf. Berti, op. cit., p. 453-543. Para exegeses opostas, cf. Jaeger, Aristotele, p. 69-
132; W. G. Rabinowitz, Aristotle’s “Protrepticus” and the Sources of the
Reconstruction, Berkeley/Los Angeles, 1957; I. Düring, Aristotle’s “Protrepticus”.
An Attempt at Reconstruction, Estocolmo, 1961 (excelente); os artigos do mesmo
autor que citamos nas “Referências bibliográficas”, § vii, 2. Uma boa tradução
com comentário histórico e teórico é a de E. Berti, Esortazione alla filosofia
(“Protreptico”), Pádua, Radar, 1967.
19. Elias, Prophyr. Isag. 3, 17 ss. Protreptico, frag. 2 Ross (trad. ital. Berti).
20. Cf. Protreptico, frag. 5 Ross.
21. Jambl., Ptotr. 40, 20 ss = Protreptico, frag. 5 Ross.
22. Cf. Protreptico, frags. 6-7 Ross.
23. Ibid., frag. 11 Ross.
24. Jambl., Protr. ix, 53, 2 ss = Protreptico, frag. 12 Ross.
25. Cf. Potreptico, frag. 13 Ross.
26. Jambl., Protr. viii, 48, 9 ss = Protreptico, frag. 10 c Ross.
27. Para um aprofundamento do tratado Sulle Idee, cf. Berti, op. cit., p. 186-249 e P.
Wilpert, Zwei aristotelische Frühschriften über die Ideenlehre, Regensburg, 1949;
outra bibliografia in Berti, op. cit.
28. Cf. Sulle Idee, respectivamente frags. 3 e 4.
29. Berti, op. cit., p. 249.
30. Arist., Harm. 2, 20, 16-31, rep. in Ross, Arist. Fragm., p. 111.
31. Cf., sobre o complexíssimo problema da “doutrina não escrita” de Platão,
“Bibliografia comentada”, § viii, 3.
32. Arist., Metaph. a 6, 987 b 18 ss.
33. Arist., Metaph. a 6, 988 a 9 ss.
34. Para um debate sobre a bibliografia relativa ao tratado Sobre o bem e para uma
interpretação aprofundada dos fragmentos, cf. Berti, op. cit., p. 250-316.
35. Para um estudo aprofundado do tratado Sobre a filosofia, ver Berti, op. cit., p.
317-409 (com o debate a respeito de toda a bibliografia até 1961). Para exegeses
opostas, cf. Jaeger, Aristotele, p. 161-220, e Arist., Della filosofia, texto, tradução,
organização, introdução e comentário exegético de M. Untersteiner, Roma, 1963
(com amplíssima bibliografia, p. xxvi-xl). Cf. também os artigos de Untersteiner
citados na “Bibliografia comentada”, § viii, 2.
36. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 167 ss.
37. Procl. apud Filopono. De aet. mundi, p. 31, 17 ss (Rabe) = Sulla filosofia, frag. 10
Ross.
38. Cf. Berti, op. cit., p. 401 ss.
39. Cf. frag. 8, 6 Ross.
40. Syrian., Metaph. 159, 33 ss = Sulla filosofia, frag. 11 Ross.
41. Cf. especialmente frags. 10-29 Ross.
42. Simplic., De caelo 228, 28 ss = Sulla filosofia, frag. 16 Ross (tradução de M.
Untersteiner [cf. nota 34]. A tradução dos outros fragmentos aqui mencionados é
do mesmo autor).
43. Schol. in Proverb. Salomonis cod. Paris gr. 174 f 46 a = Sulla filosofia, frag. 17
Ross.
44. Cf. Metaph. L 8, passim.
45. Cic., De nat. deor. i, 13, 33 = Sulla filosofia, frag. 26 Ross. Cf. Berti, op. cit., p. 375
ss.
46. Filopono, De aetern. mundi, 30, 10 ss = Sulla filosofia, frag. 18 Ross; cf. também
frag. 19 a b c.
47. Cic., Tusc. disp. i, 10-22 = Sulla filosofia, frag. 27 Ross.
48. Berti, op. cit., p. 556; cf. ibid., p. 392-401.
49. Para uma exposição sintética das doutrinas desses filósofos da primeira
Academia, remetemos o leitor ao segundo volume do nosso I problemi del pensiero
antico. Milão: Celuc, 1972, p. 30 ss.
50. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 135 ss.
51. Cf. a excelente reconstrução desse período da vida de Aristóteles em L’éthique à
Nicomaque, Gauthier, i, 1, p. 30 ss.
52. De fato, dos mesmos elementos é possível extrair teses opostas; o leitor poderá
ter acesso à documentação que elaboramos a respeito disso no volume ii de Il
concetto di filosofia prima, passim.
53. Cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 45-53.
54. Diógenes Laércio, v, 2; cf. também Cic., Acad. i, 4, 17.
55. Cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 61 ss.
56. Cf. nota 42, trecho de Simplício.
57. Cf. “Bibliografia comentada”, § ii, 1.
58. Sobre Teofrasto, cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 65 ss.
59. O trabalho de Berti, citado várias vezes, é a mais eloquente confirmação disso.
60. Para a documentação, remetemos a nosso volume Il concetto di filosofia prima,
passim.
61. Cf. P. Aubenque, Le problème de l’être chez Aristote. Paris, 1962, p. 9 ss.
* Nas citações dos textos de Aristóteles, optamos por traduzir as versões italianas
mencionadas por Giovanni Reale. Muitas vezes as traduções brasileiras
consultadas diferiam bastante das italianas (tanto no estabelecimento de alguns
conceitos quanto na própria construção dos períodos), não se coadundo, em
diversas ocasiões, com as análises e os comentários de Reale. Ademais, o próprio
autor muitas vezes interfere explicitamente nas traduções apresentadas,
intervenções que se perderiam caso se seguissem as edições em português. [n.t.]
II.
A “FILOSOFIA PRIMEIRA”: ANÁLISE DA
METAFÍSICA
Conceito e características da metafísica
O que é “metafísica”?
Vamos começar por esclarecer a palavra. Sabe-se que
“metafísica” não é um termo aristotélico (talvez tenha sido
cunhado pelos peripatéticos, se não tiver nascido por ocasião
da edição das obras de Aristóteles por Andrônico de Rodes, no
1
século i a.C.).
Aristóteles utilizava “filosofia primeira”, ou mesmo
“teologia”, em oposição a “filosofia segunda”, ou “física”; mas
o termo “metafísica” certamente é mais pregnante e tornou-se
o preferido da posteridade, sendo definitivamente consagrado.
Como veremos, a “metafísica” aristotélica é, na verdade, a
ciência que se ocupa das realidades que estão acima das físicas,
2
as realidades transfísicas, e, como tal, se opõe à física. Por isso
foi denominada metafísica cada tentativa filosófica do
pensamento humano de superar o mundo empírico e alcançar
um universo metaempírico.
Tomando como premissa esse esclarecimento de caráter
geral, cabe caracterizar de maneira exata os sentidos precisos
que Aristóteles concedeu à ciência que ele chamou de “filosofia
primeira” e que os pósteros denominaram “metafísica”. Essas
definições são, na verdade, quatro:
a) A metafísica indaga as causas e os princípios primeiros, ou
3
supremos.
4
b) A metafísica indaga o ser enquanto ser.
5
c) A metafísica indaga a substância.
6
d) A metafísica indaga Deus e a substância suprassensível.
As quatro definições aristotélicas de metafísica estão em
perfeita harmonia entre si: uma leva estruturalmente à outra, e
7
cada uma a todas as outras, de modo orgânico e unitário.
Examinemos mais de perto. Quem pesquisa as causas e os
princípios primeiros deve necessariamente encontrar Deus. Ele
é, de fato, a causa e o princípio primeiro por excelência.
Chegaremos a conclusões idênticas se partirmos das outras
definições: perguntar o que é o ser significa perguntar se existe
somente o ser sensível ou também um ser suprassensível (ser
teológico). Do mesmo modo, a questão “O que é a
substância?” implica também a pergunta “Que tipos de
substâncias existem, apenas as sensíveis ou também as
suprassensíveis?”, e, portanto, envolve também a questão
teológica.
Com base nisso, compreende-se por que Aristóteles utilizou
o termo “teologia” para indicar a metafísica, posto que as três
definições levam estruturalmente à questão teológica. A busca
de Deus não é apenas um momento da investigação metafísica,
mas seu momento essencial e definidor. Aliás, o Estagirita diz
com toda a clareza que, se não houvesse uma substância
suprassensível, nem sequer existiria uma metafísica, e a física
seria a ciência mais elevada: “Se não subsistisse outra
substância além daquelas sensíveis, a física seria a primeira
8
ciência.”
Já dissemos que as ciências teóricas são superiores às práticas
e às produtivas, e que, por sua vez, a metafísica é superior às
outras duas ciências teóricas. Ao fazer metafísica, o homem
realiza efetivamente a pura vida contemplativa que, pelas
razões já vistas no Protréptico, é ontologicamente superior à
vida ativa. Ao fazer metafísica, o homem se aproxima de
9
Deus, não somente porque o conhece, mas também porque
faz o mesmo que Deus, que é puro conhecimento, como
veremos. Portanto, Aristóteles diz: “Todas as outras ciências
podem até ser mais úteis ao homem, mas nenhuma é superior
10
a esta [metafísica].”
As quatro causas
Depois de examinar e esclarecer as definições de metafísica do
ponto de vista formal, vamos agora analisar sinteticamente seu
conteúdo.
Dissemos que a metafísica é apresentada por Aristóteles,
antes de mais nada, como pesquisa das causas primeiras.
Cumpre então estabelecer quais e quantas são essas “causas”.
Aristóteles determinou que as causas devem ser
necessariamente finitas quanto ao número e estabeleceu que,
no que se refere ao mundo do devir, reduzem-se às seguintes
(já entrevistas, embora confusamente, segundo ele, por seus
predecessores): 1) causa formal; 2) causa material; 3) causa
11
eficiente; 4) causa final.
As duas primeiras nada mais são que a forma (ou essência) e
a matéria que constituem todas as coisas, e delas falaremos em
breve. (É bom lembrar que causa e princípio significam para
Aristóteles aquilo que funda, aquilo que condiciona, aquilo
que estrutura.) Mas atenção! Se considerarmos o ser das coisas
estaticamente, matéria e forma bastam como explicação;
porém, se, ao contrário, considerarmos as coisas
dinamicamente, ou seja, em seu desenvolvimento, em seu
devir, em seu gerar-se e corromper-se, então já não bastam. Na
verdade, é evidente que, se considerarmos, por exemplo,
determinado homem do ponto de vista estático, ele se reduz
apenas à sua matéria (carne e ossos) e à sua forma (alma);
contudo, se o considerarmos de outro modo e perguntarmos
“Como esse homem nasceu? Quem o gerou? Por que se
desenvolve e cresce?”, então duas outras razões ou causas são
necessárias: a causa eficiente, ou motriz, ou seja, o pai que o
gerou, e a causa final, isto é, o télos, ou escopo para o qual
tende o devir do homem (a realização de sua essência).
O ser, seus significados e o sentido da fórmula “ser enquanto
ser”
Dissemos que, além de doutrina das causas, a metafísica é
definida por Aristóteles como doutrina “do ser”, ou também
“do ser enquanto ser”. Vejamos, portanto, o que é o ser (o[n,
ei,~nai) e o ser enquanto ser (o]n h/,~ o[n) no contexto da
especulação aristotélica. Contra os eleatas, que entendiam o ser
como único, e contra os platônicos, que o viam como
realidade transcendente, Aristóteles caracteriza o ser da
seguinte maneira:
a) O ser exprime originariamente uma “multiplicidade” de
significados. Nem por isso, porém, é um mero “homônimo”,
ou seja, um “equívoco”. Entre univocidade e equivocidade
pura há uma via intermediária, e o caso do ser está justamente
nela. Eis a célebre passagem em que Aristóteles enuncia essa
doutrina:
Fala-se ser em múltiplos sentidos, mas sempre em referência a uma unidade e a
uma realidade determinada. Não se fala ser por mera homonímia, mas do
mesmo modo como dizemos que é “sadio” tudo que se refere à saúde, que a
conserva, que a produz, que é seu sintoma ou que tem condições de recebê-la;
ou do mesmo modo como dizemos que é “médico” tudo que se refere à
medicina, ou que a possui, ou que é bem-disposto para ela por natureza, ou
que é obra da medicina; e podemos acrescentar ainda outros exemplos de
coisas como essas que também são ditas. Assim, portanto, fala-se ser em muitos
12
sentidos, mas todos em referência a um só princípio.
Mas vamos deixar, por ora, a determinação e a identificação
desse princípio, prosseguindo na caracterização geral do
conceito de ser.
b) Em consequência de tudo o que estabelecemos, o ser não
poderá se reduzir a um “gênero” e menos ainda a uma
“espécie”. Trata-se, portanto, de um conceito transgenérico,
além de transespecífico, ou seja, mais amplo e estendido que o
gênero e também que a espécie.
c) Se a unidade do ser não é uma unidade de espécie nem de
gênero, que tipo de unidade é? O ser exprime significados
diversos, mas que têm relação precisa com um princípio
idêntico ou uma realidade idêntica, como bem ilustram os
exemplos de “sadio” e “médico”, no trecho citado. Portanto, as
várias coisas denominadas ser exprimem, sim, sentidos
diversos do ser, mas todas elas implicam, ao mesmo tempo,
uma referência a algo que é uno, ou, mais especificamente, à
substância. É o que Aristóteles afirma com toda a clareza na
conclusão do trecho mencionado:
Assim, portanto, fala-se ser em muitos sentidos, mas todos em referência a um
só princípio. Algumas coisas se chamam ser porque são substâncias, outras
porque são afecções da substância, ou porque são corrupções ou privações, ou
qualidades, ou causas produtoras ou geradoras, seja da substância, seja daquilo
que se refere à substância, ou porque são negações de qualquer uma delas, isto
13
é, da substância.
Portanto, o centro unificador dos sentidos do ser é a ousía, a
substância. A unidade deriva nos vários sentidos do ser porque
todos eles têm relação com a substância. Nesse sentido, pode-
se dizer que a ontologia aristotélica é fundamentalmente uma
“ousiologia”.
Tais esclarecimentos servem para alertar o leitor quanto à
interpretação da célebre fórmula “ser enquanto ser” (o]n h/
o[n). Essa fórmula não pode ser entendida como um
uniforme, abstrato e unívoco ente de caráter extremamente
geral, como muitos creem, mas exprime a própria
multiplicidade dos significados do ser e a relação que os liga
formalmente e que faz com que cada um deles seja ser. Então,
o ser enquanto ser significa a substância e tudo aquilo que, de
múltiplas maneiras, se refere à substância.
Em todo caso, fica evidente que, para Aristóteles, a fórmula
“ser enquanto ser” perde qualquer significado fora do contexto
do discurso sobre a multiplicidade dos significados do ser:
quem atribui a ela o sentido de ser generalíssimo ou de puro
ser, aquém e acima das múltiplas determinações do ser, cai
vítima do “arcaico” modo de pensar dos eleatas e trai
14
completamente o significado da reforma aristotélica.
A “tábua” aristotélica dos significados do ser e seu sentido
Depois de estabelecido o conceito de ser e o princípio da
originária e estrutural multiplicidade dos sentidos do ser,
vamos examinar agora quantos e quais são esses sentidos.
Aristóteles esboça uma “tábua” precisa dos significados do
15
ser.
a) Fala-se ser, de um lado, no sentido de acidente, ou seja,
como ser acidental ou casual (o]n kata; sumbebhkov~). Por
exemplo, quando dizemos “o homem é músico”, estamos
indicando um caso de ser acidental; na verdade, ser músico não
exprime a essência do homem, mas apenas aquilo que pode
acontecer de o homem ser, um puro acaso, um mero acidente.
b) Oposto ao ser acidental é o ser por si (o]n kaJ ∆auJto).
Isso não indica o que é por outro, como o ser acidental, mas o
que é ser por si, ou seja, essencialmente. Como exemplo de ens
per se, Aristóteles aponta, na maioria das vezes, apenas a
substância; mas pode também indicar todas as categorias: além
da essência, ou substância, a qualidade, a quantidade, a relação,
16
o agir, o suportar, o onde e o quando. De fato (ao contrário
do que se verifica na especulação medieval), em Aristóteles, as
categorias diferentes da substância são algo bem mais sólido
que aquilo que é puramente acidental (que exprime o
puramente fortuito), dado que, embora de maneira
subordinada à substância, são fundamento, em segunda
ordem, dos outros sentidos do ser, como veremos.
c) Em terceiro lugar, aparece na lista o sentido do ser como
verdadeiro, ao qual se contrapõe o significado do não-ser como
falso. Trata-se do ser que poderíamos chamar de “lógico”: o ser
como verdadeiro indica o ser do juízo verdadeiro, enquanto o
não-ser como falso indica o ser do juízo falso. Este é um ser
puramente mental, que só tem subsistência na razão e na mente
que pensa.
d) Em último lugar vem o sentido do ser como potência e
como ato (o]n dunavmei kai; ejnergeiva/). Dizemos, por
exemplo, que é vidente tanto aquele que tem a potência de ver
— isto é, que pode ver, mas está momentaneamente, digamos,
de olhos fechados — quanto aquele que vê em ato. De forma
análoga, dizemos também que está em ato uma estátua já
esculpida, e que está em potência o bloco de mármore que o
artífice esculpe; nesse mesmo sentido, dizemos que é trigo o
broto de trigo, pois que é trigo em potência, e que a espiga
madura é trigo em ato. O ser segundo a potência e segundo o
ato, esclarece Aristóteles, se estende a todos os sentidos já
mencionados do ser: pode existir um ser acidental em potência
ou em ato, pode haver o ser do juízo verdadeiro ou falso em
potência ou em ato, e, sobretudo, pode haver uma potência e
17
um ato segundo cada uma das diversas categorias.
Especificações acerca dos quatro sentidos do ser
Os quatro sentidos do ser na realidade são quatro “grupos” de
sentidos; cada um deles reagrupa depois sentidos semelhantes
mas não idênticos, ou seja, não unívocos mas análo-gos. As
diferentes categorias não expressam sentidos idênticos ou
unívocos do ser; o ser expresso em cada “figura das categorias”
constitui um sentido diverso daquele de cada uma das outras.
Por conseguinte, a expressão “o ser segundo as figuras das
categorias” designa tantos sentidos diversos do ser quantos são
os seres. Aristóteles diz expressamente que o ser não pertence
às diversas categorias do mesmo modo e no mesmo grau: “O é
predica-se de todas as categorias, porém não do mesmo modo,
mas de modo primário, da substância, e de modo derivado,
18
das outras categorias.”
E ainda:
[ …] é preciso dizer que as categorias são seres apenas por homonímia, ou que
são seres apenas quando se acrescenta ou se retira de “ser” determinada
qualificação; como, por exemplo, quando se diz que também o não cognoscível
é cognoscível. Com efeito, está correto afirmar que se diz que as categorias são
ser não em sentido equívoco, nem em sentido unívoco, mas diz-se que elas são
ser do mesmo modo que a palavra médico, cujos diversos sentidos implicam
referências a uma só e mesma coisa, e nem por isso são puros homônimos;
médico designa um corpo, uma operação ou um instrumento não por
19
homonímia ou sinonímia, mas em virtude da referência a uma só coisa.
Essa última realidade é obviamente a substância. Como se
pode ver, aquilo que vale em geral para os diversos significados
do ser vale depois, em particular, para as categorias: as demais
categorias são ser apenas em relação à primeira e em virtude
dela. Mas então, perguntaríamos, além da unidade que é
própria de todos os significados do ser, qual o vínculo
específico que reúne as diversas “figuras de categorias” naquele
grupo único que é justamente o grupo das “categorias”? A
resposta é a seguinte: as figuras das categorias expressam os
significados primeiros e fundamentais do ser, são a distinção
originária em que se apoia necessariamente a distinção dos
significados posteriores. As categorias representam, portanto, os
significados em que o ser se divide originariamente, são as
divisões supremas do ser, ou, como também diz Aristóteles, os
20
“gêneros” supremos do ser. Nesse sentido, é fácil compreender
por que Aristóteles incluiu nas categorias o grupo dos
significados do ser “por si”: justamente porque se trata dos
significados originários.
A potência e o ato também representam dois significados
diversos do ser (a potência é chamada abertamente de não-ser
em relação ao ato, pois é não-ser em ato), posto que uma é ser
potencial ainda não realizado, e o outro, ser atual e realizado.
Mas é importante sublinhar que, mesmo tomados
singularmente, eles têm múltiplos significados, tantos quantas
forem as categorias. Uma coisa é a potência segundo a
substância, outra é a potência segundo a qualidade, outra é a
potência segundo a quantidade, e assim por diante. O mesmo
pode ser dito do ato.
Discurso análogo vale para o ser como verdadeiro e para o
ser acidental, cujos vários modos, por falta de espaço, não será
possível elucidar aqui. No entanto, um ponto essen-cial
merece destaque. O ser como verdadeiro, que é o ser do juízo
unindo (separando) sujeito e predicado, só pode ter lugar
segundo as categorias (como veremos melhor na lógica). E
assim, o ser acidental nada mais é que a afecção ou o
acontecimento puramente fortuito que tem lugar segundo as
21
várias figuras categoriais.
Em resumo, todos os significados do ser pressupõem o ser
das categorias; por sua vez, o ser das categorias depende
inteiramente do ser da primeira categoria, isto é, da substância.
Portanto, todos os significados do ser supõem o ser das
categorias; e se, por sua vez, o ser das categorias supõe o ser da
primeira categoria e nele se baseia inteiramente, é evidente que
a pergunta radical sobre o sentido do ser deve centrar-se na
substância. Assim, é possível compreender perfeitamente as
exatas afirmações de Aristóteles:
Na verdade, aquilo que, desde os tempos antigos, assim como agora e sempre,
constitui o eterno objeto de pesquisa e o eterno problema “O que é o ser?”
equivale a este outro: “O que é a substância?” [ …]; por isso também devemos
examinar principal, fundamental e, por assim dizer, exclusivamente o que é o
22
ser entendido nesse sentido.
O sentido último do ser é revelado pelo sentido da
substância (oujsiva). O que é, então, a substância?
A questão da substância
Já de início, cabe dizer que o problema da substância é o mais
delicado, complexo e, em certo sentido, também o mais
desconcertante para quem quer entender a metafísica
aristotélica renunciando às soluções sumárias a que nos
habituaram as classificações simplistas dos manuais.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a questão geral
da substância envolve dois problemas essenciais estreitamente
ligados, um dos quais se desenvolve em duas direções
diferentes. As soluções que os predecessores de Aristóteles
deram para a questão da “substância” eram totalmente
antitéticas: alguns viram na matéria sensível a única substância;
Platão, ao contrário, localizou a verdadeira substância nos
entes suprassensíveis, enquanto a convicção comum parecia
enxergar nas coisas concretas a verdadeira substância. Mas eis
que Aristóteles enfrenta a questão estruturando-a de maneira
exemplar. Depois de ter reduzido o problema ontológico geral
a seu núcleo central, ou seja, à questão da ousía (como vimos),
ele afirma com toda a clareza que o ponto de chegada está em
determinar quais substâncias existem: se apenas as sensíveis
(como querem os naturalistas) ou também as suprassensíveis
(como querem os platônicos). Atenção! Este é o problema dos
problemas e a quaestio ultima, a pergunta por excelência da
23
metafísica aristotélica (e de toda a metafísica, em geral).
Porém, para resolver esse problema específico, Aristóteles
quis primeiro solucionar outra questão: o que é a substância?
Eis, portanto, o outro problema da ousiologia aristotélica: o
que é a substância em geral? É a matéria? É a forma? É o
composto? Esse problema geral deve ser resolvido antes do
outro, por correção metodológica; tendo estabelecido antes o
que é, em geral, a ousía, será possível dizer com maior precisão
se existe apenas o sensível ou também o suprassensível. Se, por
exemplo, concluíssemos que ousía é somente a matéria ou o
composto concreto de matéria e forma, a questão da
substância suprassensível estaria eliminada eo ipso; se, no
entanto, concluíssemos que ousía também é algo mais, ou pelo
menos predominantemente algo mais que matéria, então a
questão do suprassensível se apresentaria sob nova luz. Em que
Aristóteles irá se basear para examinar a substância em geral?
Claro, naquelas substâncias que ninguém contesta, as
substâncias sensíveis. Assim escreve o filósofo, de modo
expresso:
Todos admitem que algumas das coisas sensíveis são substâncias; portanto,
devemos desenvolver nossa investigação a partir delas. É de grande utilidade
proceder gradualmente para o que é mais cognoscível. Na verdade, todos
chegam ao saber desta forma: partindo das coisas menos cognoscíveis por
natureza [= as coisas sensíveis] em direção àquelas mais cognoscíveis por
24
natureza [= as coisas inteligíveis].
A substância em geral e as notas definidoras do conceito de
substância
Mas vamos afinal à pergunta: o que é a ousía em geral?
Tudo o que foi dito antes deve ter preparado o leitor para a
resposta aristotélica ao problema em questão. O Estagirita diz
que por “substância” (ousía) podem ser entendidos, a diversos
títulos: 1) a forma; 2) a matéria; 3) o sínolo, ou composto de
matéria e forma. Com isso, Aristóteles reconhecia em cada um
de seus predecessores uma parte de razão e apontava que o
erro foi a unilateralidade e a exclusão.
Tentaremos ilustrar brevemente tais significados.
a) Substância é, num sentido, a forma (ei,~do~, moryhv).
“Forma”, segundo Aristóteles, é a íntima natureza das coi-sas,
“o que é”, ou a essência (to; tiv h,~n ei,~nai) delas. A forma ou
essência do homem, por exemplo, é sua alma, ou seja, aquilo
que faz dele um ser vivente racional; a forma ou essência do
animal é a alma sensitiva; a da planta, a alma vegetativa. E
ainda: a essência do círculo é o que faz com que ele tenha
aquela determinada figura com aquelas determinadas
qualidades; o mesmo deve se repetir em relação às diferentes
coisas. Quando definimos as coisas, costumamos nos referir à
sua forma ou essência; em geral, as coisas só são cognoscíveis
25
em sua essência.
b) Contudo, se a alma racional não conformasse um corpo,
não haveria um homem, e se a alma sensitiva não conformasse
certa matéria, não teríamos um animal; se a alma vegetativa
não conformasse outra matéria, não teríamos as plantas. E o
mesmo vale — e de modo ainda mais evidente — para todos
os objetos produzidos pela atividade da arte; se a essência ou
forma da mesa não se realizasse na madeira, ela não teria
qualquer concretude (e o mesmo deve se repetir em todos os
casos). Nesse sentido, também a matéria é fundamental para a
constituição das coisas; e, portanto, ela pode ser denominada
— pelo menos dentro desses limites — substância das coisas.
Por outro lado, é evidente que tais limites são bem definidos:
de fato, se não houvesse a forma, a matéria seria indeterminada
26
e não bastaria para constituir as coisas.
c) Com base no que foi dito, o terceiro significado também
fica perfeitamente claro: o “sínolo” (suvnolon). Sínolo é a
união concreta de forma e matéria. Todas as coisas concretas
nada mais são que sínolos de forma e matéria.
Portanto, todas as coisas sensíveis, sem distinção, podem ser
consideradas em sua forma, em sua matéria e no conjunto de
forma e matéria; e são “substância” (ousía), a título diverso (no
sentido que vimos), tanto a forma quanto a matéria e o
27
sínolo.
Desenvolvendo o problema da substância em geral em uma
segunda direção, o Estagirita também tentou determinar quais
são esses “títulos” com base nos quais alguma coisa tem o direito
de ser considerada substância. Nos textos, essa segunda direção
nem sempre se distingue explicitamente da primeira, e muitas
vezes se entrelaça a ela de várias maneiras. Contudo, é essencial
distingui-la para entender em profundidade o pensamento
aristotélico.
O Estagirita parece estabelecer que as características
definidoras das substâncias são cinco. Substância é:
a) O que não é inerente a outra coisa nem predicado de outra
coisa; portanto, é objeto de inerência e de predicação.
b) Aquilo que pode subsistir por si ou separadamente do resto,
autonomamente.
c) Aquilo que é “algo de determinado” (não um universal
abstrato, um tovde ti).
d) O que tem uma unidade intrínseca e não é mero agregado
de partes não organizadas.
e) O que é ato ou em ato (não puramente em potência).
Ora, a matéria só tem o primeiro atributo de
substancialidade, portanto, só é substância de maneira muito
imprópria; a forma e o sínolo, ao contrário, possuem todas as
características da substancialidade, embora de modos
diferentes. Então qual será a substância por excelência? Do
ponto de vista empírico, substância por excelência parece ser o
indivíduo concreto, ou seja, o sínolo. No entanto, do ponto de
vista metafísico, a “substância primeira” é a forma: a forma é
princípio, causa e fundamento, enquanto, em relação a ela, o
28
sínolo é principiado, causado e fundado.
O sentido do ser é assim plenamente determinado. O ser em
seu significado mais forte é a substância; e a substância, num
primeiro sentido (impróprio), é matéria, num segundo sentido
(mais próprio) é sínolo, num terceiro sentido (e por
excelência) é forma. Ser, portanto, é a matéria; ser, num grau
mais alto, é o sínolo; e ser, no sentido mais forte, é a forma.
Desse modo, compreende-se por que Aristóteles chamou a
29
forma de “causa primeira do ser”, pois ela “informa” a
matéria e funda o sínolo.
A “forma” aristotélica não é universal
Apresentada da maneira que propusemos, a doutrina
aristotélica da substância parece bem menos aporética do que
30
sustentava sobretudo Zeller, mas também muitos estudiosos
modernos. A distinção dos múltiplos significados da ousía
implica a necessidade de não elaborar um discurso em termos
de aut-aut (ou-ou), como se, a qualquer custo, somente um
dos significados pudesse restar em campo; mas de fazer, ao
contrário, um discurso em termos de et-et (e-e), como vimos:
a metafísica aristotélica não é voltada, como sua sucessora,
para a reductio ad unum a qualquer preço, mas para a distinção
dos vários aspectos da realidade. Feita essa distinção, ela não
apenas recusa posteriores unificações como declara que esses
vários aspectos são irredutíveis, e os considera enquanto tais,
como expressão do caráter estrutural da realidade.
Assim se resolve facilmente outra dificuldade sugerida por
Zeller. É difícil — diz ele — considerar imutáveis as formas do
mutável, como queria Aristóteles. Na verdade, Aristóteles
insiste com muita energia no aspecto da imutabilidade do eîdos.
Pois bem: a imutabilidade do eîdos aristotélico não passa da
imutabilidade da causa, da condição ou do princípio metafísico
em relação ao causado, ao condicionado e ao principiado
31
empírico.
Finalmente, concluímos nossa análise da substância nos
detendo em um aspecto muitas vezes negligenciado e cuja
compreensão, aliás, é fatalmente obstada pela abordagem
zelleriana — que serve de base para muitos estudiosos. Trata-
se da relação entre a forma e o universal. Aristóteles demonstra,
como acabamos de ver, que matéria, forma e sínolo
apresentam requisitos que os qualificam como ousía, enquanto
o universal, que os platônicos elevam à categoria de substân-
cia por excelência, não tem absolutamente qualificação alguma
para ser considerado substância, pois não responde a nenhum
32
dos requisitos que são próprios da substancialidade.
Mas, dirão alguns, o eîdos aristotélico não é universal? A
resposta é inequivocamente negativa. Inúmeras são as vezes em
que Aristóteles qualifica seu eîdos de “tovde ti”, expressão que
indica uma coisa determinada, que se opõe ao universal
abstrato; além disso, vimos que todas as características da
substancialidade dizem respeito ao eîdos. O eîdos aristotélico é
um princípio metafísico: em termos modernos, seria uma
estrutura ontológica transcendental. Daremos como prova
apenas uma passagem — a mais significativa — que fecha o
livro dedicado à substância. Depois de dizer que ela é “um
princípio e uma causa”, Aristóteles mostra o modo como se
deve buscar esse princípio e essa causa. A coisa ou o fato cujo
princípio ou causa se busca devem ser previamente
conhecidos, e cabe situar a pesquisa da seguinte forma: por que
tal coisa ou tal fato são assim e assim? O que equivale a dizer:
por que a matéria é (ou constitui) esse determinado objeto? Eis
como Aristóteles expõe a questão:
[ …] esse material é uma casa: por quê? Porque nele está presente a essência de
casa. E assim investigaremos: por que essa determinada coisa é homem? Ou:
por que esse corpo tem tais características? Portanto, na investigação de por
que, busca-se a causa da matéria, ou seja, a forma pela qual a matéria é uma
33
determinada coisa: e essa é justamente a substância.
Mas aqui está o exemplo mais eloquente, com o qual
Aristóteles encerra sua investigação:
O que é composto de alguma coisa de tal modo que o todo constitui uma
unidade não é como um amontoado, mas como uma sílaba. A sílaba não é
apenas as letras de que é formada, nem BA é idêntica a B e A, nem a carne é
simplesmente fogo e terra; uma vez que os compostos, ou seja, carne e sílaba, se
dissolvem, deixam de existir, enquanto letra, fogo e terra continuam a ser.
Portanto, a sílaba é algo que não é redutível unicamente a letras, ou seja, a
vogais e consoantes, mas uma coisa diferente delas. Assim, a carne não é apenas
fogo e terra ou quente e frio, mas também algo diferente deles. Ora, se mesmo
esse algo fosse, ele também, um elemento ou um composto de elementos,
aconteceria o seguinte: se fosse um elemento, valeria o discurso anterior (a
carne seria constituída por esse elemento fogo e terra e por alguma coisa
diferente, de modo que iríamos até o infinito); se, ao contrário, fosse um
composto de elementos, é evidente que seria composto não de um só, mas de
vá-rios elementos (do contrário, estaríamos ainda no primeiro caso), de modo
que se repete, também aí, o discurso a respeito de carne e sílaba. Por isso
compreende-se claramente que esse algo não é um elemento, mas a causa pela
qual essa coisa é carne, aquela outra é sílaba, e assim por diante, para todo o
34
resto. Esse algo é a substância de cada coisa: de fato, é a causa primeira do ser.
Como se vê, a ousía-eîdos de Aristóteles, como estrutura
imanente ontológica da coisa, não pode efetivamente ser
confundida com o universal abstrato. O universal, ao
contrário, é o gênero (gevno~), que não tem uma realidade
ontológica própria; por exemplo, o animal, entendido como
gênero animal, é apenas um termo comum abstrato que não
tem realidade em si e não existe senão no homem ou em outra
forma animal.
Por outro lado, é importante destacar que o eîdos aristotélico
tem dois aspectos: um deles é ontológico, como vimos, e o
outro é o que poderíamos chamar de lógico. O Estagirita não
estudou nem estabeleceu esses dois aspectos e suas relativas
diferenças, mas, nos vários casos, passou de um a outro de
maneira inconsciente. Podemos observar melhor que ele a
diferença, até por razões linguísticas, pois de quando em
quando somos obrigados e traduzir eîdos de dois modos
diferentes: às vezes como “forma” e às vezes como “espécie”.
No que diz respeito ao aspecto ontológico do eîdos, ou seja, da
“forma”, Aristóteles tem razão ao dizer que não se trata de um
universal. E quanto ao eîdos no sentido lógico de espécie?
Claro, a espécie nada mais é que o eîdos quando pensado pela
mente humana. Portanto, seria possível dizer que, como
estrutura ontológica ou princípio metafísico, o eîdos não é
universal; porém, ao contrário, quando é pensado e abstraído
pela mente humana, ele se torna universal. É bom repetir:
preocupado em reafirmar o primeiro ponto, Aristóteles não
destacou o segundo. (Ainda mais porque, a seu ver, o eîdos,
mesmo considerado como espécie, é a “diferença” específica
que dá concretude ao gênero, justamente “diferenciando-o” e,
35
portanto, resgatando-o de sua abstrata universalidade, como
veremos também na lógica.) Em todo caso, essas dificuldades
não devem desviar nosso olhar daquilo que foi dito antes
acerca da estatura ontológica e real do eîdos: não somente ele
não é um universal como também é mais ser que a matéria e
mais ser que o sínolo, pois é o princípio que, estruturando a
36
matéria, faz subsistir o próprio sínolo.
O ato e a potência
Devemos ainda acrescentar às doutrinas já expostas algumas
pormenorizações relacionadas à potência e ao ato referidos à
37
substância: A matéria é “potência”, ou seja, potencialidade,
no sentido de que é capacidade de assumir ou receber a forma:
o bronze é “potência” da estátua, pois é capacidade tanto de
receber quanto de assumir a forma da estátua; a madeira é
“potência” dos vários objetos que podem ser feitos com ela,
pois é capacidade concreta de assumir as formas desses vá-rios
objetos. A forma se configura, ao contrário, como ato ou
atuação dessa capacidade. O composto ou sínolo de matéria e
forma, enquanto tal, será ato de modo predominante; se
considerado em sua forma, será apenas ato, ou enteléquia; se
considerado em sua materialidade, será, ao contrário, misto de
potência e ato. Portanto, todas as coisas que possuem matéria
têm sempre, enquanto tais, maior ou menor potencialidade.
Porém, como veremos, se há seres imateriais, ou seja, formas
38
puras, eles serão atos puros, sem potencialidade.
Como mencionamos, o ato também é chamado por
Aristóteles de enteléquia: às vezes, parece que flutua entre os
dois termos certa diversidade de significado; todavia, na maior
parte dos casos e em particular na Metafísica, os dois são
sinônimos. Portanto, ato e enteléquia significam realização,
perfeição atuante e atuada. A alma, portanto, como essência e
forma do corpo, é ato e enteléquia do corpo; em geral, todas as
formas das substâncias sensíveis são ato e enteléquia. Deus,
como veremos, será enteléquia pura (e assim também as outras
Inteligências motrizes das esferas celestes).
O ato, diz ainda Aristóteles, tem absoluta “prioridade” e
superioridade sobre a potência; de fato, a potência existe
sempre em função do ato e é condicionada pelo ato, do qual
ela é potência. Enfim, o ato é superior à potência, pois é o
39
modo de ser das substâncias eternas.
A doutrina da potência e do ato, do ponto de vista
metafísico, é de enorme importância. Com ela Aristóteles
conseguiu resolver as aporias eleáticas do devir e do
movimento: devir e movimento deslizam no núcleo do ser, pois
não indicam uma passagem do não-ser absoluto ao ser, mas do
ser em potência ao ser em ato, ou seja, de ser para ser. Além
disso, também solucionou perfeitamente o problema da
unidade da matéria e da forma: a primeira é potência, a
segunda, ato, ou atuação da potência. Por fim, o Estagirita
serviu-se dessa doutrina, pelo menos em parte, para
demonstrar a existência de Deus e entender sua natureza. Mas os
conceitos de potência e de ato também desempenham, em
Aristóteles, um papel importantíssimo no âmbito de todas as
outras ciências.
E assim chegamos à última das questões da metafísica: a da
substância suprassensível, que é o problema decisivo.
Demonstração da existência da substância suprassensível
Há substâncias suprassensíveis ou só substâncias sensíveis?
Aristóteles tentou responder com precisão a essa pergunta,
pois era o ponto que achava importante corrigir em Platão.
Eis de que maneira se demonstra a existência do
suprassensível.
As substâncias são as realidades primeiras, no sentido de que
todos os outros modos de ser, como já vimos amplamente,
dependem delas. Portanto, se todas as substâncias fossem
corruptíveis, absolutamente nada haveria de incorruptível.
Mas — diz Aristóteles — o tempo e o movimento, sem dúvida,
são incorruptíveis. O tempo não foi gerado nem será
corrompido; em momento anterior à geração do tempo deve
ter existido um “antes”, e após a destruição do tempo deverá
existir um “depois”. Ora, “antes” e “depois” nada mais são que
tempo. Em outros termos: pelas razões vistas, sempre há
tempo antes ou depois de qualquer suposto início ou fim do
tempo; portanto, o tempo é eterno. O mesmo raciocínio vale
para o movimento, pois, para Aristóteles, o tempo nada mais é
que uma determinação do movimento. Portanto, não há
tempo sem movimento, a eternidade do primeiro postula a
eternidade do segundo. No entanto, em que condições pode
subsistir um movimento (e um tempo) eterno? O Estagirita
responde com base nos princípios que havia estabelecido pelo
estudo das condições do movimento na Física: somente
quando subsiste um Princípio primeiro que dele seja causa.
Porém, para ser causa do movimento, como deve ser tal
princípio? Em primeiro lugar, diz Aristóteles, o Princípio deve
ser eterno: se eterno é o movimento, eterna deve ser sua causa.
Em outras palavras: para ser capaz de explicar um movimento
eterno, a causa só pode ser eterna.
Em segundo lugar, o Princípio deve ser imóvel: na verdade,
somente o imóvel é causa absoluta do móvel. Na Física,
Aristóteles demonstrou esse aspecto com rigor. Tudo que está
em movimento é movido por algo outro; se esse algo, por sua
vez, for movido, será movido ainda por outro algo. Mas, para
explicar cada movimento, é preciso buscar apoio em um
princípio que de per si não se mova depois, pelo menos em
relação ao que move. Seria absurdo pensar em recuar de motor
em motor ao infinito, pois um processo ao infinito é
impensável nesses casos. Ora, se assim é, não apenas deve
haver motores relativamente móveis, dos quais procedem os
movimentos singulares, como também — a fortiori — um
Princípio absolutamente primeiro e absolutamente imóvel, do
qual procede o movimento de todo o Universo.
Em terceiro lugar, o princípio deve ser totalmente isento de
potencialidade, ou seja, deve ser ato puro. Se ele tivesse
potencialidade, haveria a possibilidade de não se mover em
ato; mas isso é absurdo, pois nesse caso não haveria um
movimento eterno dos céus, isto é, um movimento sempre em
ato. Para concluir: como há um movimento eterno, é
necessário que haja um Princípio eterno que o produza, e é
necessário que esse Princípio seja: a) eterno, se aquilo que ele
causa é eterno; b) imóvel, se a causa absolutamente primeira
do móvel é o imóvel; c) ato puro, se o movimento que causa
está sempre em ato.
Esse princípio é o Motor Imóvel, justamente a substância
40
suprassensível que buscávamos.
Mas como o Primeiro Motor pode mover e permanecer
absolutamente imóvel? No âmbito das coisas que conhecemos,
há algo que saiba mover sem mover a si mesmo?
Aristóteles responde indicando o exemplo de coisas como o
objeto do desejo e da inteligência. O objeto do desejo é aquilo
que é belo e bom: ora, o belo e o bom atraem a vontade do
homem sem que eles mesmos se movam; assim também o
inteligível move a inteligência sem se mover. Igualmente desse
tipo é a causalidade exercida pelo Primeiro Motor, ou seja,
pela substância primeira; o Primeiro Motor move como o
41
objeto de amor atrai o amante (kinei~ wJ~ ejrwvmenon),
enquanto todas as outras coisas movem sendo movidas.
Como é evidente, a causalidade do Primeiro Motor não é
uma causalidade de tipo eficiente, ou seja, do tipo daquela
exercida por uma mão que move um corpo, ou pelo escultor
que entalha o mármore, ou pelo pai que gera o filho. Deus, ao
contrário, move atraindo; e atrai como objeto de amor, vale
dizer, à guisa de fim; a causalidade do Motor Imóvel é
portanto, propriamente, um causalidade de tipo final.
O mundo, que é constantemente atraído por Deus como fim
supremo, não teve um começo. Não houve um momento em
que havia o caos (ou o não cosmo) porque, se assim fosse,
estaria desmentido o teorema da prioridade do ato sobre a
potência; isto é, primeiro seria o caos, que é potência, e depois
seria o mundo, que é ato. Seria também um absurdo, pois
Deus, sendo eterno, deve necessariamente atrair, como objeto
de amor, o Universo, que, portanto, deve ser tal como é desde
42
sempre.
Essa é uma tese que Aristóteles já havia defendido no tratado
Sobre a filosofia, nos últimos anos de sua permanência na
Academia.
A natureza do Motor Imóvel
O princípio do qual “dependem o céu e a natureza” é Vida. E
que vida? Aquela que, mais que qualquer outra, é excelente e
perfeita; a vida que nós só podemos viver por um breve tempo;
a vida do puro pensamento; a vida da atividade contemplativa.
Eis o trecho estupendo em que Aristóteles — fato
extremamente raro para ele — se comove e no qual sua
linguagem é quase poesia, canto, celebração:
Assim, desse princípio dependem o céu e a natureza. E seu modo de viver é o
mais excelente: um modo de viver que só nos é concedido por um breve tempo.
Mas ele permanece sempre nesse estado. Para nós, é impossível, mas para ele
não é impossível, pois o ato do seu viver é prazer. Para nós, vigília, sensação e
conhecimento também são agradáveis em grau supremo, exatamente porque
são ato; assim também, em virtude deles, esperanças e lembranças. [ …] Se,
portanto, Deus se encontra perenemente nessa feliz condição em que nos
encontramos às vezes, isso é maravilhoso. Se ele se encontra em uma condição
superior, é ainda mais maravilhoso. Ele se encontra de fato nessa condição. Ele
é também Vida, pois a atividade da inteligência é Vida, e ele é precisamente esta
atividade. Sua atividade, que subsiste de per si, é vida ótima e eterna. Na
verdade, dizemos que Deus é vivente, eterno e ótimo; desse modo, pertence a
43
Deus uma vida perenemente contínua e eterna; isto é, portanto, Deus.
Mas o que pensa Deus? Deus pensa a coisa mais excelente.
Mas a coisa mais excelente é Deus. Portanto, Deus pensa a si
mesmo, é atividade contemplativa de si mesmo, é pensamento
de pensamento (novhsi~ nohvsew~). Eis as exatas afirmações
do filósofo:
[ …] o pensamento que é pensamento por si tem por objeto aquilo que é de per
si excelente, e o pensamento que o é em grau máximo tem por objeto aquilo
que é excelente em máximo grau. A inteligência pensa a si mesma,
apreendendo-se como inteligível: na verdade, ela se torna inteligível intuindo-
se e pensando a si, de modo que inteligência e inteligível coincidem. A
inteligência é de fato aquilo que é capaz de apreender o inteligível e a
substância, e está em ato quando os possui. Portanto, mais ainda que tal
capacidade, o que a inteligência tem de divino é esta propriedade; a atividade
44
contemplativa é aquilo que há de mais agradável e de mais excelente.
E ainda: “Se a Inteligência divina é aquilo que há de mais
excelente, ela pensa a si mesma, e seu pensamento é
45
pensamento de pensamento.”
Portanto, Deus é eterno, imóvel, ato puro, isento de
potencialidade e de matéria, vida espiritual e pensamento de
pensamento. Sendo isso, claro, “não pode ter qualquer
grandeza”, mas deve ser “sem partes e indivisível”. Ademais,
46
deve ser “impassível e inalterável”.
Unidade e multiplicidade do divino
Aristóteles pensou, porém, que Deus não era suficiente para
explicar o movimento de todas as esferas que, segundo ele,
formavam o céu. Deus move diretamente o primeiro móvel —
o céu das estrelas fixas —, mas entre essa esfera e a Terra há
muitas outras esferas concêntricas, de grandezas decrescentes e
encerradas umas nas outras. O que move essas esferas?
Poderia haver duas respostas: ou elas se movem pelo
movimento derivado do primeiro céu, que se transmite
mecanicamente de uma esfera a outra, ou por outras
substâncias suprassensíveis, imóveis e eternas, que se movem
de modo análogo ao do Primeiro Motor.
Aristóteles adotou a segunda solução. A primeira não
poderia se enquadrar na concepção de diversidade dos vários
movimentos das inúmeras esferas que, segundo as visões da
astronomia da época, eram diferentes e não uniformes.
Portanto, não haveria modo de explicar como o movimento
do primeiro céu gerava diferentes movimentos, nem como o
poder de atração de um só Motor gerava movimentos
circulares rotativos em direção oposta. Essas são as razões pelas
quais Aristóteles introduziu a multiplicidade dos motores,
pensados como substâncias suprassensíveis capazes de mover
de modo análogo ao de Deus, ou seja, como causas finais
(causas finais relativamente à esferas singulares).
Então, com base nos cálculos dos astrônomos Galipos e
Eudoxo, com algumas correções que julgou necessárias,
Aristóteles estabeleceu que eram 55 as esferas, admitindo,
porém, a possibilidade de que fossem 47. Quantas fossem as
esferas, tantas seriam as substâncias imóveis e eternas que
produzem seus movimentos. Deus ou o Primeiro Motor move
diretamente a primeira esfera e apenas indiretamente as
demais. As outras 55 substâncias suprassensíveis movem as
47
outras 55 esferas.
Seria essa uma forma de “politeísmo”?
Para Aristóteles, assim como para Platão e para os gregos em
geral, o “Divino” designa uma ampla esfera, na qual, a títulos
diversos, se incluem múltiplas e diferentes realidades. Já para
os fisiologistas, o “Divino” incluía estruturalmente muitos
entes. O mesmo vale para Platão: “divinas” são para Platão as
ideias do Bem e do Belo, e, em geral, todas as Ideias. “Divino”
é o “Demiurgo”; “divinas” são as almas; “divinos” são os astros
e “divino” é o mundo. De maneira análoga, para Aristóteles,
“divino” é o Motor Imóvel, “divinas” são as substâncias
imóveis e suprassensíveis que movem os céus, “divinos” são
astros, estrelas, esferas, almas de esferas e astros, e “divina” é
também a alma intelectiva dos homens. Divino, em suma, é
tudo aquilo que é eterno e incorruptível. Os gregos não
sentiam a antítese unidade-multiplicidade do divino; portanto,
não por acaso, a questão jamais havia sido formulada nesses
termos.
Mesmo partindo da premissa de que, dada a forma mentis
dos gregos, a existência de 55 substâncias suprassensíveis, além
da Primeira, ou seja, além do Motor Imóvel, devia parecer bem
menos estranha que para nós, cabe reconhecer que é inegável a
tentativa de unificação por parte de Aristóteles. Antes de mais
nada, ele só denominou explicitamente Deus, em sentido forte,
o Primeiro Motor. No mesmo lugar em que está exposta a
doutrina da pluralidade dos motores Aristóteles reitera a
unicidade do Motor Primeiro — Deus em sentido próprio e
verdadeiro —, e dessa unicidade deduz a unicidade do Mundo.
O décimo segundo livro da Metafísica, como se sabe, termina
com a solene afirmação de que as coisas não querem ser mal
governadas por uma multiplicidade de princípios. A assertiva
se encerra, como para lhe conferir solenidade ainda maior,
com o significativo verso de Homero:
De multicapitães não carecemos. Não é bom! Que um rei, um só, nos comande
e encabece.*
Diante disso, claro que Aristóteles não poderia deixar de
conceber as outras substâncias imóveis, que movem as esferas
celestes singulares, como hierarquicamente inferiores ao
Primeiro Motor Imóvel. Sua hierarquia vem a ser a mesma que
a das ordens das esferas que movem os astros. Por isso todas as
55 substâncias são inferiores ao Primeiro Motor e depois
48
hierarquizadas umas em relação às outras. Isso explica
perfeitamente como elas podem ser substâncias individuais
diversas entre si; são formas puras imateriais, uma inferior à
outra. Contudo, de certa maneira, elas são deuses inferiores.
No entanto, o Estagirita deixou completamente inexplicada
a precisa relação existente entre Deus e tais substâncias, e
também entre as substâncias e as esferas que elas movem. A
Idade Média transformaria as substâncias nas famosas
“inteligências angélicas” motrizes, mas só conseguiu operar a
transformação em virtude do conceito de criação.
Deus e o mundo
Deus (ao falar em Deus estamos nos referindo ao Primeiro
Motor), como vimos, pensa e contempla a si mesmo. Ele pensa
também o mundo e os homens que estão no mundo?
Aristóteles não deu uma solução clara a esse problema, mas
parece (pelo menos em certa medida) que tendia para a
negativa.
Sem dúvida, o Deus aristotélico tem conhecimento da
existência do mundo e de seus princípios universais. Por outro
lado, se Deus é propriamente esse princípio supremo, claro
também que deve se autoconhecer enquanto tal, ou seja, ele
conhece a si mesmo como objeto de amor e de atração do
Universo como um todo.
É verdade, porém, que os indivíduos enquanto tais, ou seja,
com suas limitações, deficiências e pobreza, não são
conhecidos por Deus; esse conhecimento do imperfeito, aos
olhos de Aristóteles, representaria uma diminutio de Deus.
Portanto, os indivíduos empíricos, segundo Aristóteles, são
indignos do pensamento divino justamente por sua
49
empiricidade e particularidade.
Outra limitação do Deus aristotélico — com o mesmo
fundamento que a anterior, de não ter criado o mundo, o
homem, as almas singulares — consiste no fato de que ele é
objeto de amor, mas não ama (ou, no máximo, ama somente a
si mesmo). Os indivíduos, enquanto tais, não são de forma
alguma objeto do amor divino; Deus não se curva para os
homens e menos ainda para o homem singular. Cada homem,
como cada coisa, tende de vários modos a Deus, mas Deus,
assim como não pode conhecer, também não pode amar
nenhum homem singular.
NOTAS
1. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 3 ss, e indicações bibliográficas nele incluídas.
2. As “substâncias separadas”, como diz Aristóteles. Em suma, a metafísica
aristotélica é o prolongamento do problema fundamental do platonismo.
3. Cf. Metaph. a, a e b.
4. Cf. Metaph. G, e 2-4, k.
5. Cf. Metaph. z, h, Q.
6. Cfr. Metaph. e 1 e L.
7. Cf. Reale, Il concetto di filosofia prima, passim.
8. Metaph. e 1, 1.026 a 27-29; k 7, 1.064 b 9-11.
9. Metaph. a 2.
10. Ibid. a 2, 983 a 10-11.
11. Cf. Metaph. a 3-10.
12. Metaph. G 2, 1.003 a 33-1.003 b 6.
13. Metaph. G 2, 1.003 b 5-10.
14. Para um aprofundamento dos problemas, cf. J. Owens, The Doctrine of Being in
the Aristotelian Metaphysics, Toronto, 1963.
15. Cf. Metaph. D 7, e 2-4; sobre essa “tábua”, cf. Reale, La “Metafisica”, v. i, p. 30 ss.
O primeiro a compreender e ilustrar adequadamente essa tábua dos significados
foi F. Brantano no texto Von der mannigfachen Bedeutung des Seieden nach
Aristoteles, Freiburg, 1862 (Darnmstadt, 1960), até hoje insuperável.
16. Além das oito indicadas, em alguns textos Aristóteles lista também o jazer e o ter
como categorias. A tábua essencial, no entanto, é aquela citada, pois a nona e a
décima categorias são, na realidade, dedutíveis das outras. Sobre o problema das
categorias e de sua “dedução”, indicamos quatro estudos clássicos, bastante
aprofundados a partir de diferentes pontos de vista: F. A. Trendelenburg,
Geschichte der Kategorienlehre, Berlim, 1846; H. Bonitz, “Ueber die Kategorien des
Aristóteles”, Sitzungsber. d. Kais. Akad. d. Wissensch, Philos.-hist. Klasse, Bd. 10,
Heft 5, Viena, 1853, p. 591-645; O. Apelt., Die Kategorienlehre des Aristoteles, no v.
Beiträge zur Geschichte der griech. Philos., Leipzig, 1891, p. 101-216, além do
volume de Brentano citado na nota 15, p. 72-220.
17. Para um aprofundamento do problema, cf. Reale, La “Metafisica”, i, p. 34 ss.
18. Metaph. z 4, 1.030 a 21 ss.
19. Ibid., z 4, 1.030 a 32 ss; cf. acima os trechos citados em correspondência com as
notas 12 e 13.
20. Cf. Metaph. z 3, 1.029 a 21 e a densa documentação sobre esse aspecto em
Brentano, op. cit., p. 98 ss e passim.
21. Cf. Reale, La “Metafisica”, i, p. 41 ss.
22. Metaph. z 1, 1.008 b 2-7.
23. Ibid., z 2, passim.
24. Ibid., z 3, 1029 a 33 ss. Já no Protréptico, como vimos, Aristóteles havia
estabelecido que, por natureza (isto é, em si e por si), vem primeiro o inteligível,
ontologicamente primeiro; para nós, ao contrário, vem primeiro o sensível,
ontologicamente segundo; o sensível é primeiro para nós porque é justamente o
ponto de onde partimos para conhecer: só chegamos ao inteligível depois,
passando pelo sensível.
25. Cf. Metaph. z 4-12, h 2-3 e Reale, op. cit., i, p. 572-621, e ii, p. 19-30.
26. Cf. Metaph. z 3.
27. Ibid., z e h, passim.
28. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 51 ss.
29. Metaph. z 17, 1.041 b 26.
30. E. Zeller, Die Philosophie der Griechen, ii, 2, Leipzig, 1921, p. 344 ss.
31. Cf. Metaph. z 7-9 e Reale, op. cit., i, p. 589-606.
32. Metaph. z 13-16 e Reale, op. cit., i, p. 621-634.
33. Cf. Metaph. z 17, 1.041 a 25 ss, 1.041 b 5 ss.
34. Cf. Metaph. z 17, 1.041 b 11-28.
35. Cf. Metaph. z 12, passim.
36. Metaph. z 3, 1.029 a 5-7.
37. Cf. Metaph. h e Q.
38. Cf. Metaph. L 6-8.
39. Cf. Metaph. Q 8, passim.
40. Cf. Metaph. L 6-7.
41. Metaph. L 7, 1.072 b 3.
42. Cf. Metaph. L 6, passim.
43. Metaph. L 7, 1.072 b 13-18, 24-30.
44. Metaph. L 7, 1.072 b 18-24.
45. Metaph. L 9, 1.074 b 34 ss.
46 Metaph. L 7, 1.973 a 5-13.
47. Metaph. L 8, passim.
48. Metaph. L 8, 1.073 b 1-3
49. Cf. Metaph. L 9, passim.
* Ilíada ii, 204-205, em Os nomes e os navios – Homero, Ilíada ii, trad. Haroldo de
Campos e Odorico Mendes. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999. [n.t.]
III.
A “FILOSOFIA SEGUNDA”: ANÁLISE DA FÍSICA
Caracterização da física aristotélica
A segunda ciência teórica para Aristóteles é a física, ou
“filosofia segunda”, que tem como objeto de pesquisa a
realidade sensível, intrinsecamente caracterizada pelo
movimento, assim como a metafísica tem como objeto a
realidade suprassensível, intrinsecamente caracterizada pela
1
ausência absoluta de movimento.
Depois das contribuições platônicas, a distinção de uma
problemática física impunha-se estruturalmente: se os planos
da realidade são dois, ou, para usar termos mais aristotélicos,
se há dois gêneros de substâncias estruturalmente distintos —
o gênero suprassensível e o gênero sensível —, então as
ciências que têm como objeto de investigação essas duas
realidades diversas também deverão ser necessariamente
diversas. A distinção entre metafísica e física terá como
consequência a superação definitiva do horizonte da filosofia
dos pré-socráticos e acarretará uma mudança radical do antigo
sentido de physis, que, além de significar a totalidade do ser,
agora irá significar também o ser sensível; “natureza” passará a
significar, de modo predominante, natureza sensível (mas um
sensível no qual a forma continua a ser o princípio
2
dominante).
Na verdade, a palavra “física” pode induzir o leitor moderno
ao erro: para nós, a física identifica-se à ciência da natureza
entendida à maneira galileana, ou seja, quantitativamente. A
posição de Aristóteles, ao contrário, é diametralmente oposta;
sua física não é uma ciência quantitativa da natureza, mas uma
ciência qualitativa; comparada à física moderna, a de
Aristóteles, mais que uma “ciência”, é uma “ontologia”, ou
“metafísica” do sensível. Estamos, portanto, diante de uma
consideração tipicamente filosófica da natureza; este, aliás, é o
tipo de consideração que irá prevalecer até a revolução
realizada por Galileu. Por conseguinte, não deve ser motivo de
espanto o fato de encontrarem-se nos livros da Metafísica
inúmeras reflexões físicas (no sentido mencionado), e, vice-
versa, nos livros da Física, reflexões de caráter metafísico, pois
os âmbitos das duas ciências se intercomunicam
estruturalmente; o suprassensível é causa e razão do sensível, e
tanto a investigação metafísica quanto (embora em sentido
diverso) a própria investigação física desembocam no
suprassensível. Além disso, também é idêntico o método de
estudo aplicado às duas ciências, o que, aliás, será
demonstrado de forma adequada na exposição que se segue (a
qual, por razões de espaço, se limita a alguns temas de fundo,
os mais substantivos).
A mudança e o movimento
Dissemos que a característica essencial da natureza é dada pelo
movimento, e, por conseguinte, que Aristóteles dedica grande
parte da Física à análise do movimento e suas causas.
O que é o movimento?
Já sabemos que o movimento só se tornou problema
filosófico depois que foi negado, como aparência ilusória,
pelos eleatas. Sabemos também que ele foi recuperado e
parcialmente justificado pelos pluralistas. Contudo, ninguém,
nem Platão, soube estabelecer qual eram sua essência e seu
estatuto ontológico.
Os eleatas haviam negado o devir e o movimento porque,
segundo seu ponto de vista, eles implicariam a existência de
um não-ser (aquilo que vem a ser passa, em geral, de um
estado a outro, e cada um desses estados não é o precedente
nem o consequente; sendo assim, nascer e morrer seriam uma
passagem do não-ser absoluto ao ser e do ser ao não-ser
absoluto), mas, na verdade, o não-ser não existe de modo
algum. Aristóteles chega à solução dessa aporia da maneira
mais brilhante.
Ora, o movimento é um dado de fato originário e, portanto,
não pode ser posto em dúvida. Mas como se justifica? Sabemos
(pela metafísica) que o ser tem muitos significados, e que um
grupo desses significados origina-se da dupla ser como
potência e ser como ato. Em relação ao ser-em-ato, o ser-em-
potência pode ser chamado de não-ser, mais precisamente, de
não-ser-em-ato; mas claro que se trata de um não-ser relativo,
pois a potência é real, porque real é a capacidade e efetiva é a
possibilidade de chegar ao ato. Sendo assim, e atingindo o
ponto que nos interessa, o movimento (e a mudança, em
geral) é a passagem do ser em potência ao ser em ato (o
movimento é o ato ou a atuação daquilo que é em potência
3
enquanto tal, diz Aristóteles). Portanto, o movimento não
supõe efetivamente o não-ser de Parmênides, pois se
desenvolve no seio do ser e é passagem de ser (potencial) a ser
(atual); assim, o movimento perde definitivamente aquele
caráter que poderíamos denominar nulificante — que fazia
com que os eleatas se vissem obrigados a eliminá-lo — e é
fundamentalmente explicado.
Mas Aristóteles ainda faz outras análises da questão do
movimento que são de importância capital; ele chega a
estabelecer quais são todas as possíveis formas de movimento e
sua estrutura ontológica. Vamos nos remeter ainda uma vez à
distinção originária dos diversos significados do ser. Vimos
que potência e ato dizem respeito às várias categorias, não
apenas à primeira. Portanto, também o movimento, que é
passagem da potência ao ato, dirá respeito às várias categorias
4
(todas as categorias ou as principais). Assim, é possível
deduzir as várias formas de mudança a partir da tábua de
categorias. Algumas categorias efetivamente não admitem
mudança, como, por exemplo, a categoria da relação, pois
basta que um dos termos se mova para que o outro, mesmo
que não alterado, mude o significado relacional (portanto, se
admitíssemos movimento segundo a relação, admitiríamos o
absurdo de um movimento sem movimento para o segundo
termo); as categorias do agir e do sofrer são por si mesmas
movimentos, e não é possível movimento de movimento;
enfim, também o quando, ou o tempo, como vimos, é uma
afecção do movimento. Restam as categorias 1) substância, 2)
qualidade, 3) quantidade, 4) lugar. E é exatamente segundo
essas categorias que ocorre a mudança. A mudança segundo a
substância é a geração e a corrupção; a mudança segundo a
qualidade é a alteração; a mudança segundo a quantidade é o
aumento e a diminuição; e o movimento segundo o lugar é a
translação. Mudança é um termo geral que se aplica bem a
todas as quatro formas, mas movimento, ao contrário, é um
termo que designa as outras três, em particular a última.
Em todas as suas formas, o devir supõe um substrato (que é,
aliás, o ser potencial) que passa de um oposto a outro; na
primeira forma, de um contraditório a outro contraditório;
nas outras três formas, de um contrário a outro contrário. A
geração é um assumir a forma; a alteração é uma mudança da
qualidade; o aumento e a diminuição são uma passagem de
pequeno a grande e vice-versa; o movimento local é passagem
de um ponto a outro ponto. Somente os compostos (os
sínolos) de matéria e forma podem mudar, pois apenas a
matéria implica potencialidade; a estrutura hilemórfica da
realidade sensível, que implica necessariamente matéria e
5
potencialidade, é, portanto, a raiz de cada movimento.
Essas considerações nos levam, assim, ao problema das
quatro causas que já conhecemos. Matéria e forma são causas
intrínsecas do devir. A causa externa, por sua vez, é o agente, ou
causa eficiente; nenhuma mudança tem lugar sem essa causa,
pois não pode haver passagem da potência ao ato sem que haja
um motor já em ato. Por fim, a causa final é o escopo e a razão
do devir. Essa causa indica substancialmente o sentido positivo
de cada devir. Para Aristóteles, trata-se fundamentalmente de
uma progressão para a forma e de uma realização da forma.
Longe de ser a porta de entrada para o nada, o devir, segundo
Aristóteles, é a via que leva à plenitude do ser, a via que as coisas
percorrem para se atualizar, para ser plenamente o que são,
para realizar sua essência ou forma (nesse sentido, é fácil
compreender por que a physis aristotélica é, em última análise,
6
essa forma).
Constata-se, a propósito disso, que a teleologia aristotélica é
falha, não pelas limitações que Aristóteles opera expressamente
7
em alguns dos famosos trechos da Física, mas por não
apresentar solução para a aporia metafísica de fundo, segundo
a qual o mundo existe não por um desígnio do Absoluto, mas
por um anseio quase mecânico e fatal de todas as coisas pela
perfeição, intuído e afirmado pelo Estagirita, mas não
rigorosamente justificado. Sobre a razão de fundo do finalismo
universal, o último Platão, com a doutrina do Demiurgo, no
Timeu, enxergou mais longe: na verdade, ou se admite um ser
que projeta o mundo e que o faz ser em função do bem e do
melhor ou o finalismo universal não se sustenta.
O espaço e o vazio
Ligados ao conceito do movimento surgem os conceitos de
8
espaço e de vazio. Os objetos não estão no não-ser, que não
existe, mas em um onde, ou seja, em um lugar que, por
conseguinte, é algo que existe. Não resta dúvida de que o lugar
existe e é uma realidade, tendo em mente o deslocamento
recíproco dos corpos (no recipiente onde a água está agora,
quando ela sai, entra o ar; em geral, um corpo diverso vem
sempre tomar o mesmo lugar ocupado pelo corpo retirado,
substituindo-o); “[ …] portanto, claro que o lugar também é
algo, e que a parte de espaço para a qual e da qual se verifica a
9
mudança dos dois elementos é algo distinto de ambos”. Além
disso, a experiência mostra que existe um “lugar natural” para
o qual cada um dos elementos tende quando não encontra
obstáculo: fogo e ar tendem para o alto, terra e água, para
baixo. Alto e baixo não são algo relativo a nós, mas são
objetivos, são determinações naturais; “[ …] o alto não é uma
coisa qualquer, é para onde se dirigem o fogo e o leve, e, da
mesma forma, o baixo não é uma coisa qualquer, é para onde
10
vão as coisas pesadas e feitas de terra”.
O que é, então, o “lugar”? Aristóteles chegou a uma primeira
caracterização ao distinguir o lugar que é comum a muitas
coisas daquele que é próprio a cada objeto: “[ …] o lugar é, por
um lado, algo comum em que todos os corpos estão; por
outro, é o lugar particular em que um corpo está
imediatamente, [ …] e se o lugar é aquilo que contém
imediatamente cada corpo, ele constituirá então um
11
determinado limite”. Adiante, Aristóteles determina que
…]
“[ o lugar é aquilo que contém aquele objeto do qual é
lugar, e não é nada da coisa mesma que contém”. Juntando as
duas caracterizações, o lugar é “[ …] o limite do corpo
12
continente, à medida que é contíguo ao conteúdo”. Por
último, Aristóteles afirma ainda que o lugar não deve ser
confundido com o recipiente: o primeiro é imóvel enquanto o
segundo é móvel. Poderíamos dizer que, em certo sentido, o
lugar é o recipiente imóvel, ao passo que o recipiente é um
lugar móvel:
[ …] assim como o vaso é um lugar transportável, o lugar também é um vaso
que não se pode transportar. Por isso, quando alguma coisa que está dentro de
outra coisa se move e se transforma numa coisa móvel, como um barquinho
em um rio, ela utiliza aquilo que a contém antes como um vaso que como um
lugar. O lugar, ao contrário, precisa ser imóvel; por isso o rio inteiro é antes
lugar, pois o inteiro é imóvel. Portanto, o lugar é o primeiro limite imóvel do
13
continente.
Essa definição tornou-se famosa, e os filósofos medievais a
fixaram na renomada fórmula terminus continentis immobilis
primus.
A definição do lugar tem como consequência o fato de que é
impensável um lugar fora do Universo, e que não há um lugar
em que o Universo esteja situado:
[ …] quando se prescinde do Universo inteiro, não há nenhuma outra coisa
fora do todo; por isso todas as coisas estão no céu, pois se entende que o céu é o
todo! O lugar, ao contrário, não é o céu, mas, por assim dizer, a extremidade do
céu, e ele é [limite imóvel] contíguo ao corpo móvel; por isso a terra está na
água, que está no ar, que por sua vez está no éter, o éter do céu; mas o céu não
14
é, na verdade, uma outra coisa.
Assim, o movimento do céu como totalidade só será possível
num sentido: o da circularidade sobre si mesmo, não havendo
possibilidade de translação. Note-se que tudo que se move está
em um lugar (e se move tendendo a chegar a seu lugar
natural); aquilo que é imóvel não está em um lugar; portanto,
Deus e as inteligências motrizes não necessitam
estruturalmente do lugar.
Dessa definição de lugar deriva também a impossibilidade
do vazio. O vazio era entendido como “lugar em que não há
15
nada”, ou “lugar desprovido de corpo”. Mas é evidente que,
dada a definição de lugar como terminus continentis, um lugar
em que não há nada é uma contradição em termos. Dessa
forma, desaparece o pressuposto axial sobre o qual os
atomistas construíram sua doutrina dos átomos e a concepção
mecanicista do Universo.
O tempo
Aristóteles dedicou análises aprofundadas ao conceito de
tempo. Elas antecipam até alguns conceitos que santo
16
Agostinho iria desenvolver e celebrizar.
Eis o ponto focal da doutrina aristotélica do tempo:
Seria possível suspeitar que o tempo simplesmente não existe, ou que sua
existência é obscura e com dificuldade observável pelo seguinte motivo: uma
parte dele foi e não é mais, uma parte está para ser e não é ainda. E dessas partes
se compõem o tempo em sua infinitude ou aquele que percebemos
gradualmente. Pode parecer impossível que, compondo-se de não-entes, ele
possua uma essência. Além disso, se há um todo divisível em partes, a partir do
momento em que ele existe, é necessário que todas as partes existam também,
ou pelo menos algumas delas. No entanto, algumas partes do tempo existiram,
outras estão para existir, mas nenhuma existe, embora ele seja divisível em
partes. Deve-se ter presente também que o instante não é uma parte; de fato, a
parte tem uma medida, e o todo deve ser composto de partes, enquanto o
17
tempo não parece um conjunto de instantes.
O que é, então, o tempo? Aristóteles tenta resolver o mistério
em função de dois pontos de referência: o movimento e a alma.
Quando se prescinde de um ou do outro, a natureza do tempo
nos escapa.
Entretanto, o tempo não é movimento e mudança, mas
implica essencialmente movimento e mudança:
A existência do tempo [ …] não é possível sem a existência da mudança;
quando não mudamos nada em nosso ânimo, ou não percebemos nenhuma
18
mudança, temos a impressão de que o tempo realmente não passou.
Como o tempo está em estreita relação com o movimento,
ele pode ser tomado como uma afecção ou propriedade deste.
Que propriedade seria essa? O movimento, que sempre é
movimento por um espaço contínuo, por conseguinte, é
contínuo; portanto, igualmente contínuo deve ser o tempo,
pois a quantidade do tempo transcorrido é sempre
proporcional ao movimento. No contínuo distinguem-se o
antes e o depois, que, por conseguinte, têm um correspondente
no movimento, e, portanto, no tempo. Ora,
[ …] quando determinamos o movimento por meio da distinção entre antes e
depois, conhecemos também o tempo. Então dizemos que o tempo cumpre seu
19
percurso quando temos a percepção do antes e do depois no movimento.
Daí a célebre definição: “Tempo é o número do movimento
20
segundo o antes e o depois.”
Ora, a “percepção” do antes e do depois, e, portanto, do
número do movimento, pressupõe necessariamente a alma:
Quando [ …] pensamos as extremidades como diferentes do meio, e a alma nos
sugere que os instantes são dois, ou seja, o antes e o depois, então dizemos que
entre esse dois instantes há um tempo, já que o tempo parece aquilo que é
21
determinado pelo instante; que isso permaneça como fundamento.
Mas se a alma é o princípio espiritual numerante, e,
portanto, a condição de distinção entre o numerado e o
número, então a alma passa a ser a conditio sine qua non do
próprio tempo, e compreende-se perfeitamente a aporia que
Aristóteles sugere nessa passagem de incomensurável
importância histórica:
É possível [ …] questionar se o tempo existe ou não sem a existência da alma.
Com efeito, não se admitindo a existência do numerante, fica impossível
também a do numerável, de modo que, obviamente, nem haveria o número.
Na verdade, número é aquilo que foi numerado, ou o numerável. Mas se é
verdade que, na natureza das coisas, apenas a alma ou o intelecto que está na alma
têm a capacidade de numerar, daí resulta impossível a existência do tempo sem a
22
existência da alma.
Trata-se de um pensamento fortemente antecipador da
perspectiva agostiniana e das concepções espiritualistas do
tempo, que só recentemente recebeu dos estudiosos a aten-ção
merecida.
Aristóteles determinou em seguida que, para medir o tempo,
deve haver uma unidade de medida, assim como é necessária
uma unidade de medida para mensurar qualquer coisa. Deve-
se buscar tal unidade no movimento uniforme e perfeito; e
posto que o único movimento uniforme e perfeito é o circular,
a unidade de medida é o movimento das esferas e dos corpos
celestes. Deus e as inteligências motoras, que estão fora do
espaço, estão também, em sua condição de imobilidade, fora
do tempo.
O infinito
23
Enfim, devemos falar do conceito de infinito. Aristóteles
nega que exista um infinito em ato. Quando fala de infinito,
entende sobretudo “corpo” infinito, e os argumentos que
apresenta contra a existência do infinito em ato são
precisamente contra a existência de um corpo infinito. O
infinito existe apenas como potência ou em potência. Infinito
em potência é, por exemplo, o número, pois sempre é possível
acrescentar a qualquer número outro número sem chegar a
um limite extremo além do qual não se possa avançar. Infinito
em potência é também o espaço, pois ele é divisível ao infinito,
e o resultado da divisão é sempre uma grandeza que, enquanto
tal, é sempre posteriormente divisível. Infinito potencial, por
fim, é também o tempo, pois não pode existir todo junto em
ato, mas se desenvolve e cresce infinitamente.
Aristóteles não entreviu nem de longe a ideia de que o
infinito pudesse ser o imaterial, justamente porque relacionava
o infinito à categoria da quantidade, que vale apenas para o
sensível. Isso explica também por que ele acabou por
referendar de modo definitivo a ideia pitagórica (e, em geral,
própria de quase todo o pensamento helênico) de que o finito é
perfeito e o infinito é imperfeito. Escreve Aristóteles em uma
página paradigmática:
Infinito é [ …] aquilo fora do qual, quando se assume como quantidade,
sempre é possível assumir alguma outra coisa. Em contrapartida, aquilo fora do
qual não há nada é perfeito e inteiro. Pois assim definimos o inteiro: aquilo a
que nada falta; por exemplo, o homem inteiro e o cofre inteiro. Assim como no
particular, ele o é também no mais autêntico significado lógico, ou seja, inteiro
é aquilo fora do qual não há nada; mas aquilo fora do qual há alguma coisa que
lhe falta não é o todo, não importa o que lhe falte. Em contrapartida, o inteiro e
o perfeito são a mesma coisa em tudo e por tudo, ou alguma coisa semelhante
por natureza. Contudo, nenhuma coisa que não tenha um fim é perfeita, e o
24
fim é o limite.
Essa passagem permite compreender muito bem a razão pela
qual Aristóteles deve necessariamente negar a Deus o atributo
de infinitude. Mais que nunca, depois dessa teorização do
infinito como potencialidade e imperfeição, a antiga intuição
dos jônicos, de Melisso e de Anaxágoras, em que o Absoluto
era infinito, teria de ser obliterada; ela se manteria excêntrica
em relação ao pensamento de toda a cultura grega, e teve de
esperar a descoberta de novos horizontes metafísicos para
renascer.
A “quinta-essência” e a divisão entre mundo sublunar e
mundo celeste
Aristóteles dividiu a realidade sensível em duas esferas
nitidamente diferenciadas entre si (já na época do tratado
Sobre a filosofia): de um lado, o mundo sublunar; do outro, o
mundo supralunar, ou celeste, como mencionamos ao falar de
metafísica. Agora cabe esclarecer as razões dessa distinção.
O mundo sublunar é caracterizado por todas as formas de
mudança, entre as quais predominam a geração e a corrupção.
Os céus, ao contrário, são caracterizados exclusivamente pelo
movimento local e, de forma mais exata, pelo movimento
circular. Nas esferas celestes e nos astros não há lugar para
geração, corrupção, alteração, aumento ou diminuição (em
todas as idades, os homens viram os céus assim como nós o
vemos; portanto, a própria experiência diz que eles são sempre
iguais e nos leva a concluir que jamais nasceram; e, assim
como nunca nasceram, são também indestrutíveis). A
diferença entre esfera supralunar e esfera sublunar, ambas
igualmente sensíveis, reside apenas na matéria diversa de que
são constituídas:
Se existe algo que é eternamente movido, nem mesmo isso pode ser movido
segundo a potência, mas apenas de um ponto a outro (justamente como se
movem os céus). E nada impede que exista uma matéria própria desse tipo de
movimento. Por isso o Sol, os astros e todo o céu estão sempre em ato; não se
deve temer que eles parem em algum momento, como temem os físicos. Eles
também não se cansam de percorrer sua rota, pois seu movimento não é, como
o das coisas corruptíveis, ligado à potência dos contrários, o que tornaria
25
fatigante a continuidade do movimento.
Essa matéria, que é potência dos contrários, é dada pelos
quatro elementos (terra, água, ar e fogo), que Aristóteles,
contra o eleata Empédocles, considera transformáveis um no
outro, de maneira a explicar a geração e a corrupção de modo
mais profundo que aquele filósofo. Por outro lado, a outra
matéria — que possui apenas a potência de passar de um
ponto a outro, e que, portanto, só pode receber o movimento
local — é o éter, assim chamado porque corre sempre (ajei;
26
Jei~n) e que recebeu a denominação de “quinta substância”
porque vem se somar às quatro substâncias dos outros
elementos (água, ar, terra e fogo). Enquanto o movimento
característico dos outros quatro elementos é retilíneo (os
pesados movem-se de cima para baixo, os leves, de baixo para
cima), o movimento do éter, ao contrário, é circular (ele não é
nem pesado nem leve). Não está sujeito a geração, corrupção,
nem a acréscimo e alteração ou outras afecções que impliquem
tais mudanças; é por esse motivo que os céus, constituídos por
ele, também são incorruptíveis. Essa convicção de Aristóteles
iria perdurar ao longo de todo o pensamento medieval, e a
distinção entre mundo sublunar e mundo supralunar só viria
abaixo, com o pressuposto que a sustentava, com a chegada da
era moderna.
Dissemos no início que a física aristotélica (assim como
grande parte de sua cosmologia) é, na verdade, uma metafísica
do sensível. Portanto, o leitor não deve se espantar ao constatar
que a Física está cheia de considerações metafísicas e culmina
com a demonstração da existência de um Motor Primeiro
Imóvel. Radicalmente convencido de que “se não houvesse o
eterno, não haveria sequer o devir”, o Estagirita coroou suas
investigações físicas com a demonstração da existência desse
princípio. Mais uma vez, o resultado da “segunda navegação”,
de que Platão fala em Fédon, se mostra absolutamente
27
determinante.
NOTAS
1. Cf. Metaph. e 1, 1.025 b 18 ss.
2. Sobre o conceito aristotélico de natureza, cf. O. Hamelin, Aristote, “Physique ii”,
Paris, 1931; e A. Mansion, Introduction à la “Physique” aristotélicienne,
Louvain/Paris, 1945, p. 92 ss.
3. Cf. Phys. G 1, 201 a 10 ss; Metaph. k 9, 1.065 b 33.
4. Cf. Phys. G 1-2; Metaph. k 9.
5. Cf. Phys. a 5 ss; e 1-2.
6. Cf. Phys. b., em parte 7-8.
7. Phys. b 4-6, sobre o qual cf. Mansion, op. cit., p. 292-314.
8. Cf. Phys. D, passim.
9. Phys. D 1, 208 b 6 ss. A tradução dos trechos citados é de A. Russo. Aristóteles, La
Fisica, Laterza, Bari, 1968 (agora também em Aristóteles, Opere, Roma/Bari,
1973).
10. Phys. D 1, 208 b 19-21.
11. Phys. D 2, 209 b 31 ss.
12. Phys. D 4, 211 a 34 ss e 212 a 5 ss.
13. Phys. D 4, 212 a 14-21.
14. Phys. D 5, 912 b 16-22.
15. Phys. D 7, 213 b 31 e 33.
16. Temos um exame exaustivo da doutrina aristotélica do tempo em J.-M. Dubois,
Le temps et l’instant selon Aristote, Paris, 1967. Cf. também L. Ruggiu, Tempo
coscienza e essere nella filosofia di Aristote, Brescia, 1968.
17. Phys. D 10, 218 b 32-218 a 8.
18. Phys. D 11, 218 b 21-23.
19. Phys. D 11, 219 a 22-25.
20. Phys. D 11, 219 b 1 ss.
21. Phys. D 11, 219 a 26-30.
22. Phys. D 14, 223 a 21-26 (grifo nosso).
23. Cf. Phys. G 4-8.
24. Phys. G 6, 207 a 7-15.
25. Metaph. Q 8, 1.050 b 20-27.
26. De caelo a 3, 270 b 22 ss.
27. Para uma interpretação moderna da física aristotélica, em grande parte antitética
à nossa, ver W. Wieland, Die aristotelische Physik, Göttingen, 1962.
IV.
A PSICOLOGIA: ANÁLISE DE DE ANIMA
Conceito aristotélico de alma
A física aristotélica não indaga apenas a natureza em geral e
seus princípios, o Universo físico e sua estrutura, mas também
os seres que estão no Universo: os inanimados, os animados
desprovidos de razão e os seres animados e dotados de razão (o
homem). O Estagirita dedica atenção especial aos seres
animados, escrevendo sobre eles uma grande quantidade de
tratados, entre os quais se destaca, por profundidade,
originalidade e valor especulativo, o célebre Sobre a alma, que
examinaremos a seguir (a maior parte dos outros tratados
contém doutrinas que interessam mais à história da ciência
1
que à história da filosofia).
Os seres animados se diferenciam dos inanimados porque
possuem um princípio que lhes dá vida. Esse princípio é a
alma. Mas o que é a alma?
Para responder à pergunta, Aristóteles toma como base sua
concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas
em geral são sínolos de matéria e de forma; a matéria é
potência, enquanto a forma é enteléquia, ou ato. Isso também
vale para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos
vivos têm vida, mas não são vida; portanto, são como um
substrato material e potencial do qual a alma é forma e ato.
Escreve Aristóteles:
Necessariamente, portanto, a alma é substância, entendida como forma de um
corpo natural que tem vida em potência. Mas a substância (entendida como
forma) é ato perfeito. A alma, portanto, é ato perfeito de um corpo do gênero
2
especificado.
E ainda:
[ …] a alma é ato perfeito primeiro de um corpo natural que tem vida em
potência. [
3
…] Posto que devemos dar uma definição geral válida para toda
4
alma, ela poderia ser o ato perfeito primeiro de um corpo natural orgânico.
Essa simples definição já deixa bem claro que a psyché
aristotélica apresenta características novas, seja em relação à
psyché dos pré-socráticos, identificada em grande parte com o
princípio físico, ou pelo menos reduzida a um aspecto deste,
seja em relação à psyché platônica, tão dualisticamente
contraposta ao corpo a ponto de ser vista como diversa e
incapaz de conciliação harmônica com um corpo, visto como
cárcere e local de expiação da alma. (Depois do Fédon, Platão
passará a entender a alma como princípio de movimento,
temperando, mas não superando de todo, sua posição
original). Aristóteles assume uma posição intermediária,
unificando os dois primeiros pontos de vista, tentando fazer
deles uma síntese mediadora — como, aliás, na solução de
todos os problemas especulativos. Têm razão os pré-socráticos,
que veem a alma como algo intrinsecamente ligado ao corpo;
mas Platão está certo quando identifica na alma um princípio
formal. Não se trata, porém, de uma realidade autônoma e não
conciliável com o corpo, mas da forma, do ato ou da enteléquia
do corpo; trata-se, portanto, daquele princípio inteligível que,
estruturando o corpo, faz com que ele seja aquilo que deve ser.
Desse modo, salva-se a unidade do ser vivente.
Mas, assim como foi recuperada na metafísica pela doutrina
do Motor Imóvel, a substancial descoberta platônica da
transcendência também não se perde na psicologia, dado que
Aristóteles não considera a alma absolutamente imanente. O
pensar puro, o especular que leva ao conhecimento do
imaterial e do eterno (que leva o homem, ainda que por breves
instantes, a quase tangenciar o divino), não pode deixar de ser
uma prerrogativa de alguma coisa em nós que é congênere ou
tem afinidade com o conhecido, como Platão havia
demonstrado de maneira definitiva no Fédon. Assim, mesmo
pagando o preço das aporias sem solução, Aristóteles não
hesita em afirmar a necessidade de que uma parte da alma seja
“separável” do corpo.
Eis as passagens mais significativas a respeito disso:
É claro, portanto, que a alma não é separável do corpo, ou, pelo menos — se
por natureza ela é divisível —, que algumas de suas partes não o são; o ato
perfeito de algumas de suas partes é o ato perfeito das correspondentes partes
do corpo. Mas nada impede que pelo menos algumas outras partes sejam
5
separáveis, pois não são ato perfeito de nenhum corpo.
E um pouco mais adiante:
Em relação ao intelecto e à faculdade especulativa, em certo sentido, nada é
claro; parece, contudo, que se trata de outro gênero de alma, e que esse gênero
só pode se separar do corpo como o eterno do corruptível. Daí resulta que as
outras partes da alma não podem ser separadas, como pretendem alguns
6
pensadores.
Também na Metafísica, ele diz claramente, como já sabemos:
Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da substância composta,
este é um problema que ainda precisa ser examinado. Nada o impede para
alguns seres, como por exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma
7
intelectiva; toda, seria impossível.
A tripartição da alma
Contudo, para entender profundamente o sentido dessas
afirmações, cumpre examinar primeiro a doutrina geral da
alma e o sentido da célebre tríplice distinção das “partes” ou
“funções” da alma. Platão já havia mencionado, desde a
República, três “partes” ou “funções” da psyché, distinguindo
uma alma concupiscível, uma alma irascível, uma alma
intelectiva. Mas essa tripartição, nascida fundamentalmente da
análise do comportamento ético do homem e introduzida para
explicá-lo, pouco tem em comum com a tripartição
aristotélica, que nasceu, ao contrário, da análise geral dos seres
vivos e de suas funções, portanto, num terreno mais biológico
que psicológico.
Como os fenômenos da vida — raciocina Aristóteles —
supõem determinadas operações constantes nitidamente
diferenciadas (a tal ponto que algumas podem subsistir em
alguns seres sem as que lhes são sucessivas), então a alma, que
é princípio de vida, também deve ter capacidades, funções ou
partes que governam e regulam essas operações. Pois bem,
como os fenômenos e as funções fundamentais da vida são: a)
de caráter vegetativo, como nascimento, nutrição, crescimento;
b) de caráter sensitivo motor, como sensação e movimento; c)
de caráter intelectivo, como conhecimento, deliberação e
escolha — e são assim pelas razões antes expostas —,
Aristóteles introduz a distinção entre: a) alma vegetativa; b)
alma sensitiva; c) alma intelectiva, ou racional. Escreve o
Estagirita: “As mencionadas faculdades da alma podem ser
encontradas [ …] em sua totalidade em alguns seres, em
outros, apenas em parte, e em outros, ainda, em número de
8
uma só.” As plantas possuem apenas a alma vegetativa; os
animais, a vegetativa e a sensitiva; os homens, a vegetativa, a
sensitiva e a racional. Para possuir a alma racional, o homem
deve possuir as outras duas, assim como o animal, para possuir
a sensitiva, deve possuir a vegetativa. Mas é possível possuir
apenas a alma vegetativa, sem as demais:
Entre os seres corruptíveis, aqueles que são dotados de razão possuem também
todas as outras faculdades; mas, ao contrário, entre aqueles que possuem
apenas uma delas, nem todos possuem a faculdade de raciocinar, e alguns não
têm sequer imaginação, enquanto outros vivem apenas com ela. No que diz
9
respeito ao intelecto especulativo, o raciocínio é diferente.
Portanto, entre as três almas há antes uma distinção que
uma separação. Escreve Ross:
[ …] a divisão que a alma admite não é uma divisão em partes qualitativamente
diferentes, mas em partes que possuem, cada uma delas, a qualidade do todo.
Embora Aristóteles não diga isso, a alma é de fato homeômera, como um
tecido, não como um órgão. E embora use com frequência a expressão
10
tradicional “parte da alma”, a palavra que prefere é “faculdade”.
Observação exata. Porém, como veremos, se por um lado
esclarece algumas coisas, por outro acentua a aporia de outras;
em particular, torna aporética a relação da alma intelectiva
com as demais. Aliás, é o próprio Aristóteles quem enfatiza, na
passagem citada, que a questão é diferente quando se trata do
intelecto especulativo.
Examinemos cada uma das três funções da alma.
A alma vegetativa
A alma vegetativa é o princípio mais elementar da vida; como
os fenômenos mais elementares da vida, conforme já dissemos,
são geração, crescimento e nutrição, a alma vegetativa é o
princípio que os governa. Fica assim nitidamente superada a
explicação que os naturalistas davam para os processos vitais.
A causa do crescimento não é o fogo, nem o calor, nem a
matéria, em geral; o fogo e o calor são no máximo causas
contribuintes, não a verdadeira causa. Em todo processo de
nutrição e de crescimento está presente uma regra ou lei que
proporciona grandeza e crescimento, coisa de que o fogo é
estruturalmente incapaz, e que seria inexplicável sem algo além
do fogo, isto é, sem a alma. Assim, também é impossível
explicar o fenômeno da nutrição pelo jogo mecânico de
relação entre elementos semelhantes (como queriam alguns)
ou entre certos elementos contrários; a nutrição é a assimilação
do dessemelhante que só a alma torna possível, por meio do
calor:
Posto que há três coeficientes — aquilo que é nutrido, aquilo de que se nutre e
aquilo que o nutre —, aquilo que nutre é a alma, aquilo que é nutrido é o corpo
11
que possui essa alma, aquilo de que se nutre é o alimento.
Por fim, a alma vegetativa governa a reprodução, alvo de
todas as formas de vida finita no tempo. Na verdade, toda
forma de vida, até a mais elementar, é feita para a eternidade,
não para a morte. Mesmo o mais modesto dos vegetais, ao se
reproduzir, busca o eterno, e a alma vegetativa é o princípio
que torna possível, no nível mais baixo, a perpetuação na
eternidade.
A alma sensitiva
Além das funções examinadas no item anterior, os animais
possuem sensações, apetites e movimento. Portanto, é preciso
supor outro princípio que governe tais funções; esse princípio
é a alma sensitiva.
Vamos começar pela primeira função da alma sensitiva: a
sensação, que, entre as três, em certa medida, é a mais
importante e, sem dúvida, a mais característica.
Alguns dos antecessores de Aristóteles explicavam a sensação
como uma afecção, paixão ou alteração que o semelhante sofre
por obra do semelhante (ver, por exemplo, Empédocles ou
Demócrito), ao passo que outros a viam como uma ação que o
semelhante sofre por obra do dessemelhante. Aristóteles toma
essas formulações como ponto de partida e vai além, buscando
mais uma vez a chave para interpretar a sensação na doutrina
metafísica da potência e do ato. Possuímos faculdades
sensitivas que não são capazes de receber sensações em ato,
apenas em potência. Elas são como o combustível, que só
queima em contato com o comburente. Assim, a faculdade
sensitiva, em contato com o objeto sensível, deixa de ser
simples capacidade de sentir para se transformar em sentir em
ato.
Todo ente sofre e é movido pela ação de um agente e do agente que está em ato.
Por isso tanto sofre a ação do semelhante quanto sofre a ação do dessemelhante
— como afirmamos. Na realidade, ele sofre a ação do dessemelhante, mas,
12
depois de tê-la sofrido, torna-se semelhante.
E ainda:
A faculdade sensitiva é, em potência, aquilo que o sensível já é em ato perfeito,
conforme dissemos. Ela sofre, portanto, porque não é semelhante; mas, uma
13
vez que sofreu sua ação, torna-se semelhante e é como ele.
Por isso diz muito bem Ross:
A sensação não é uma alteração comparável à simples substituição de um
estado por seu oposto, mas à realização de uma potência, ao avanço de alguma
14
coisa para si mesma e para a atuação.
Mas — perguntaremos — o que significa afirmar que a
sensação é um tornar-se semelhante ao sensível? Não se trata,
evidentemente, de um processo de assimilação parecido com o
que tem lugar na nutrição; na assimilação da nutrição,
assimila-se também a matéria, enquanto na sensação só a
forma é assimilada. Escreve Aristóteles:
Para qualquer percepção em geral, é preciso ter presente que o sentido é o
receptáculo das formas sensíveis sem a matéria, como a cera recebe a marca do
anel, mas não o ferro e o ouro, ou seja, recebe a marca áurea e férrea, mas não
como ouro e ferro. De maneira análoga, o sentido sofre a ação de cada ente que
tem calor, sabor ou som, porém, não quando se considera cada um desses entes
como coisa particular, mas apenas enquanto ele possui essa qualidade, e em
15
virtude da forma.
Em seguida, o Estagirita examina os cinco sentidos e os
sensíveis que são próprios a cada um deles. Quando um
sentido capta o sensível próprio, então a relativa sensação é
infalível. Além dos sensíveis próprios, há também os sensíveis
comuns, como movimento, repouso, figura e grandeza, por
exemplo, que não são percebidos por nenhum dos cinco
sentidos em particular, mas podem ser percebidos por todos:
[ …] não pode haver um órgão sensorial próprio dos sensíveis comuns, que
percebemos acidentalmente, a cada sensação particular; esses são movimento,
repouso, grandeza, número, unidade, que percebemos por meio de um
movimento; por um movimento percebemos, por exemplo, uma grandeza, e
portanto uma figura, pois a figura é uma determinada grandeza, enquanto o
ente em repouso é percebido por sua falta de movimento; o número, pela
negação da continuidade e por meio dos sensíveis próprios, dado que cada
16
sentido percebe uma só ordem de sensíveis.
Tendo em mente esses esclarecimentos, pode-se falar de um
“sentido comum” (e Aristóteles efetivamente fala), que é como
um sentido “geral” não específico, ou, melhor, é o sentido que
age de maneira não específica, como os estudiosos observaram
com propriedade. Em primeiro lugar, na passagem citada,
percebe-se muito bem que a sensação capta os sensíveis
comuns de modo não específico. Além disso, sem dúvida,
pode-se falar de sentido comum a propósito do sentido do
sentir ou da percepção do sentir, ou ainda quando
distinguimos ou comparamos os sensíveis entre si.
Com base nessas distinções, Aristóteles estabelece que os
sentidos são infalíveis quando captam os objetos que lhes são
próprios, mas apenas nesse caso. Eis o famoso trecho que
formula essa doutrina:
A percepção dos sensíveis próprios é verdadeira ou comporta o mínimo
possível de erro. Em segundo lugar vem a percepção do objeto em que tais
qualidades sensíveis se inserem acidentalmente; nesse caso, o engano já é
possível, dado que ninguém se engana ao distinguir que o sensível é branco,
mas pode se enganar ao distinguir se branco é um determinado ente ou outro.
Em terceiro lugar vem a percepção dos sensíveis comuns, [ …] e cito, por
exemplo, movimento e grandeza; é sobretudo a respeito deles que o sentido
17
pode se enganar.
Da sensação derivam a “fantasia”, que é produção de
imagens, e a “memória”, que as conserva (e do acúmulo de
fatos mnemônicos deriva a “experiência”).
As outras duas funções da alma sensitiva que mencionamos
no início deste item são o apetite e o movimento. O apetite
nasce em consequência da sensação:
As plantas só possuem a faculdade nutritiva; outros seres, ao contrário,
possuem, além dela, a sensitiva. Mas, se possuem a sensitiva, têm também a
apetitiva, pois apetite é desejo, ardor e vontade. Todos os animais têm pelo
menos um sentido: o tato; por outro lado, onde há sensação, há prazer e dor, há
prazeroso e doloroso, e quem os sente tem também o desejo, que é o apetite do
18
prazeroso.
O movimento dos seres viventes, enfim, deriva do desejo: “O
19
motor é um princípio único: a faculdade apetitiva”, e o
20
desejo é “uma espécie de apetite”. O desejo é movido pelo
objeto desejado que o animal capta pela sensação ou que, de
todo modo, se apresenta de forma sensível. Portanto, apetite e
movimento dependem intimamente da sensação.
A alma racional
Como a sensibilidade não é redutível à simples vida vegetativa
e ao princípio da nutrição, mas contém um plus que só pode
ser explicado quando se introduz um princípio ulterior, ou
seja, a alma sensitiva, também o pensamento e as operações a
ele ligadas, como a escolha racional, são irredutíveis à vida
sensitiva e à sensibilidade, pois contêm um plus que só se
explica com a introdução de um princípio ulterior: a alma
racional. É dela que falaremos agora.
O ato intelectivo é análogo ao ato perceptivo à medida que é
uma recepção ou assimilação de formas inteligíveis, assim
como esse último é uma assimilação da forma sensível, mas
difere profundamente da faculdade perceptiva, pois não é
misturado ao corpo e ao corpóreo. Eis o modo como
Aristóteles caracteriza o intelecto, numa das mais elevadas
páginas que jamais brotaram de sua pena, na qual a antiga
intuição de Anaxágoras ganha forma definitiva — graças às
categorias emprestadas de Platão — e, por conseguinte, é
assimilada como uma conquista irreversível.
Sobre a parte com a qual a alma conhece e pensa — seja ela algo separado ou
não separável espacialmente, mas apenas idealmente —, é preciso ver quais
características possui e como se produz o pensar. Ora, se o pensar tem algo a
ver com o sentir, isso deve ser o fato de sofrer algo por parte do pensado, ou
alguma coisa do gênero. Mas então, a rigor, ele não deve sofrer nada, mas
apenas acolher a forma e tornar-se, em potência, semelhante à coisa, mas não
efetivamente a própria coisa; em suma, a relação do pensante com o pensado
deve ser semelhante à do senciente com o sentido. Em consequência, é preciso
que o intelecto, posto que pensa tudo, esteja isento de qualquer mistura —
como Anaxágoras diz que deve ser — a fim de que possa “dominar”, ou seja, a
fim de que possa conhecer. Qualquer coisa estranha que se apresentasse no
meio atuaria como um obstáculo e um impedimento; sendo assim, o intelecto
não pode ter nenhuma natureza, exceto esta: a de ser potencialidade. Portanto,
aquilo que na alma chamamos Noûs (assim entendo aquilo com que a alma
pensa e opina) não é, em ato, nenhuma das realidades existentes antes de seu
efetivo pensar. Por isso não é razoável que ele seja misturado ao corpo, porque
logo iria adquirir certa qualidade, e seria frio ou quente, ou seria um
instrumento de certa espécie, como é o órgão do sentido. Ora, ao contrário,
nada disso acontece. E têm razão aqueles que dizem que a alma é o lugar das
formas ideais, salvo que isso não pode ser dito de toda a alma, mas apenas da
alma pensante, e que as formas ideais nela não existem em ato, mas só em
potência. Claro que a imunidade, no que diz respeito a sofrer ações, não é igual
no caso das faculdades inteligente e senciente, quando consideramos os órgãos
do sentido e a própria sensação. Se a perceptibilidade daquilo que é percebido
sensivelmente for muito intensa, o sentido não pode sentir; assim, os sons
demasiado fortes são indistinguíveis, o mesmo valendo para as cores demasiado
luminosas e para os odores muito acentuados. Todavia, quando o intelecto
pensa um pensamento que se encontra no nível mais alto da capacidade de
pensar, isso não significa que ele tem menos capacidade de pensar as coisas de
menor relevância: ao contrário, tem mais. Pois o órgão do sentido não existe
sem o corpo, enquanto a inteligência existe por si mesma. Quando, desse
modo, a inteligência torna-se todas as coisas, tal como ocorre com aquele que é
denominado sábio quando transforma sua capacidade em ato (e isso acontece
quando seu atuar-se só depende dele mesmo), também neste caso ela é de certo
modo potencial, embora não no sentido anterior, de ter apreendido e
21
descoberto. Assim, então, o intelecto pode pensar por si mesmo.
O conhecimento intelectivo, como o sensitivo, também é
explicado por Aristóteles em função das categorias metafísicas
de potência e ato. A inteligência, de per si, é capacidade e
potência de conhecer as formas puras; as formas, por sua vez,
estão contidas em potência nas sensações e nas imagens da
imaginação. É necessário, portanto, que alguma coisa traduza
essa dupla potencialidade em ato, de modo que o pensamento
se atualize, apreendendo a forma em ato, e a forma contida na
imagem se converta em conceito apreendido e possuído em
ato.
Assim surgiu aquela distinção que se tornou fonte de
inúmeros problemas e debates, na Antiguidade e na Idade
Média, entre intelecto em potência (ou possível) e intelecto
agente, segundo uma terminologia que se tornará técnica, mas
que em Aristóteles só é técnica virtualmente. Eis a página que
apresenta a distinção e que permanecerá como ponto de
referência constante durante séculos:
Como em toda a natureza há um elemento que é matéria e é próprio de cada
gênero (sendo, em potência, todos os objetos que constituem o gênero), e
outro elemento que é a causa eficiente, dado que produz todos eles (como a
arte atua em relação à matéria), é necessário que também na alma haja esses
elementos diversos. De um lado está o intelecto, que tem a potencialidade de
ser todos os objetos; do outro, o intelecto que produz todos eles, quase como se
fosse um estado semelhante à luz, pois, em certo sentido, a luz transforma em
ato as cores que estavam só em potência. Esse intelecto é separado, impassível e
sem mistura, pois, em sua essência, é ato. Na verdade, o agente é sempre
superior ao paciente, e o princípio, à matéria. A ciência em ato é idêntica a seu
objeto; a ciência em potência, no indivíduo, é (quanto ao tempo) anterior; mas,
em termos absolutos, não é anterior sequer em relação ao tempo. Não é que
esse intelecto às vezes pense, às vezes não pense. Separado [do corpo], ele é
22
justamente apenas aquilo que é, e isso é imortal e eterno.
Duas afirmações contidas nesse trecho merecem destaque.
Em primeiro lugar, a comparação com a luz: assim como as
cores não seriam visíveis, e a vista não poderia distingui-las se
não houvesse a luz, também as formas inteligíveis, contidas nas
imagens sensíveis, permaneceriam em estado potencial; o
intelecto em potência também não as poderia captar em ato se
não houvesse uma luz inteligível, permitindo ao intelecto “ver”
o inteligível e permitindo ao inteligível ser visto em ato. Trata-
se de uma imagem, a mesma com que Platão representou a
suprema Ideia do Bem. Contudo, para explicar a mais elevada
das faculdades humanas, Aristóteles só podia lançar mão de
uma analogia, justamente porque essa faculdade é irredutível a
algo ulterior e representa um ponto-limite intransponível.
A outra afirmação é a de que esse intelecto em ato (ou
agente) está “na alma”. Caem, portanto, as explicações já
defendidas pelos antigos intérpretes de que o Intelecto agente é
Deus (ou, de todo modo, um Intelecto divino separado), o
qual, entre outras coisas, como vimos, tem características
estruturalmente inconciliáveis com as do intelecto agente. É
verdade que Aristóteles afirma que “o intelecto vem de fora, e
23
só este é divino”, enquanto as faculdades inferiores da alma
já estão em potência no germe masculino e passam, por
intermédio dele, para o novo organismo que se forma no
ventre materno; mas é também verdade que, mesmo vindo “de
fora”, ele permanece na alma (ejn th/~ ynch/~) durante toda a
vida do homem. O “vir de fora” do intelecto significa,
portanto, sua transcendência, no sentido de diferença por
natureza; ou seja, significa alteridade essencial em relação ao
corpo — representa a proclamação da dimensão
metaempírica, suprassensível e espiritual que existe em nós. É
o divino em nós.
No entanto, se o intelecto agente não é Deus, ele espelha as
características do divino, sobretudo sua absoluta
impassibilidade, como diz textualmente o Estagirita:
Mas acredita-se que o intelecto é gerado como uma substância particular e que
não perece. De fato, se perecesse, teria sido destruído sobretudo pelo
enfraquecimento da velhice; e, nessas condições, sem dúvida, aconteceria o
mesmo que ocorre com os órgãos sensoriais; se o velho recuperasse a
integridade dos olhos, veria da mesma forma que um jovem. Pois a velhice se
deve a uma afecção que não é da alma, mas do ser em que essa alma está
encerrada, como se verifica nos estados de embriaguez e de doença. Tanto a
atividade teórica quanto a atividade especulativa esmorecem quando outra
parte do corpo, no interior, começa a enfraquecer; porém, o intelecto em si
mesmo é impassível. Meditar, amar ou odiar não são afecções suas, mas do
24
composto, e o intelecto, com certeza, é algo mais divino e é impassível.
Como na Metafísica, uma vez estabelecido o conceito de
Deus com as características que vimos, Aristóteles não pôde
resolver as numerosas aporias que a concepção comportava,
também aqui, uma vez estabelecido o conceito do espiritual
que está em nós, ele não conseguiu superar as aporias que dele
derivavam.
Esse intelecto é individual? Como pode vir “de fora”? Que
relação tem com nossa personalidade e com nosso eu? E com
nosso comportamento moral? Ele tem um destino
escatológico? Qual o sentido de sua sobrevivência ao corpo?
Estas são questões que Aristóteles deixou sem resolver, e estão
estruturalmente destinadas a ficar sem resposta no contexto do
discurso aristotélico, depois que ele abandonou o componente
mítico-religioso platônico que havia acolhido nos primeiros
escritos. Para que fossem enfrentadas, sobretudo para que
fossem resolvidas racionalmente de maneira adequada, elas
exigiriam a elaboração do conceito de criação, que, como
sabemos, é estranho não só a Aristóteles, mas a toda a cultura
grega.
NOTAS
1.Para uma leitura aprofundada dessas obras, indicamos F. A. Trendelen-burg,
Aristotelis “De anima”, libri tres, Berlim, 1877 (cujo comentário ainda é
fundamental; reed. Graz, 1957); G. Rodier, Aristote, “Traité de l’âme”, Paris, 1900;
P. Siwek, Aristotelis “De anima”, libri tres, Roma, 1943-1946; J. Tricot, Aristote,
“De l’âme”, Paris, 1947; D. Ross, Aristotle, “De anima”, Oxford, 1961.
2. De an. b 1, 312 a 19-22. A tradução que citamos é a de A. Barbieri (Aristóteles,
L’anima, Laterza, Bari, 1957), na qual, contudo, faremos algumas correções.
3. De an. b 1, 312 a 27 ss.
4. De an. b 1, 412 b 5 ss.
5. De an. b 1, 413 a 4-7.
6. De an. b 2, 413 b 24-29.
7. Metaph. D 3, 1.070 a 24-26.
8. De an. b 3, 414 a 29-31.
9. De an. b 3, 415 a 6-12.
10. W. D. Ross, Aristotle, Londres, 1923; trad. ital., Aristotele, Bari, 1949, p. 198.
11. De an. b 4, 416 b 20-23.
12. Ibid., b 5, 417 a 17-20.
13. Ibid., b 5, 418 a 3-6.
14. Ross, Aristotele, p. 202; cf. De an. b 5, 417 b 6 e 16.
15. De an. b 12, 424 a 17-24 (cf. Trendelenburg, op. cit., p. 337 ss).
16. De an. G 1, 425 a 14-20.
17. De an. G 3, 428 b 18-25.
18. Ibid., b 3, 414 a 32-414 b 6.
19. De an. G 10, 433 a 19 ss.
20. De an. G 10, 433 a 25 ss.
21. De an. G 4, 429 a 10-429 b 10 (a tradução desta página, particularmente eficaz, é
de G. Calogero, Storia della logica ântica, i, Bari, 1967, p. 289).
22. De an. G 5, 430 a 10-23.
23. De genr. anim. b 3, 736 b 27 ss.
24. De an. a 4, 408 b 18-29.
V.
A FILOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA ÉTICA A
NICÔMACO
Relações entre ética e política
Na sistematização aristotélica do saber, as ciências práticas,
como vimos, vêm em segundo lugar, depois das ciências
teóricas. Elas são hierarquicamente inferiores às teóricas na
medida em que nelas o saber deixa de ser um fim em si
mesmo, no sentido absoluto, pois está subordinado e de certa
maneira submetido à atividade prática. Essas ciências práticas
dizem respeito efetivamente à conduta dos homens e também
ao objetivo que eles pretendem alcançar com essa conduta,
quer sejam considerados como indivíduos, quer como
membros de uma sociedade, mais precisamente, da sociedade
política. Aristóteles, aliás, denomina “política” (e também
“filosofia das coisas do homem”), em geral, a ciência que
abarca a atividade moral dos homens tanto como indivíduos
quanto como cidadãos. Em seguida, ele subdivide essa
“política” (ou “filosofia das coisas do homem”),
respectivamente, em ética e política propriamente dita (teoria
do Estado).
Nessa subordinação da ética à política, há uma influência
clara, determinante, da doutrina platônica, a qual, de resto,
dava forma paradigmática à concepção tipicamente helê-nica
de que só se pode entender o homem como cidadão e que situa
a cidade acima tanto da família quanto do indivíduo singular:
o indivíduo existe em função da cidade, não a cidade em
função do indivíduo. Eis o que Aristóteles diz expressamente:
Se o bem é idêntico para o indivíduo e para a cidade, parece mais importante e
mais perfeito escolher e defender o bem da cidade. Sem dúvida, o bem também
é desejável quando diz respeito a uma só pessoa, mas é mais belo e mais divino
1
quando se refere a um povo e às cidades.
Portanto, cabe à política uma função arquitetônica, ou seja,
de comando; compete a ela determinar “que ciências são
necessárias na cidade, quais cada um deve aprender e até que
ponto”. É bem verdade, porém, que, como destacaram alguns
estudiosos, à medida que Aristóteles avança em sua Ética, as
relações entre indivíduo e Estado ameaçam ruir. Contudo, esse
fato, em si mesmo importantíssimo, não é enfrentado por
Aristóteles no plano da consciência crítica. Ele não chega a
extrair as consequências que, levadas a seu limite, poderiam
derrubar a abordagem geral da “filosofia das coisas do
homem”. Os condicionamentos histórico-culturais pesaram
mais que as conclusões especulativas, e a pólis continuou a ser
para o Estagirita, fundamentalmente, o horizonte que engloba
os valores do homem.
O bem supremo do homem: a felicidade
Em suas várias ações, o homem tende sempre para fins
precisos, que se configuram como bens. Ora, há fins e bens que
desejamos, tendo em vista outros fins e bens futuros, e que,
portanto, são fins e bens relativos. Porém, como é impensável
um processo que leva de um fim a outro e de um bem a outro
até o infinito (pois isso destruiria até os próprios conceitos de
bem e de fim, que implicam estruturalmente um término),
devemos pensar que todos os fins e bens para os quais tende o
homem existem em função de um fim último e de um bem
supremo.
Qual é esse bem supremo? Aristóteles não tem dúvida: todos
os homens, sem distinção, consideram que esse bem é a
eudaimonia, ou seja, a felicidade.
A felicidade, portanto, é o fim para o qual tendem,
consciente e declaradamente, todos os homens. Mas o que é a
felicidade? Aqui começam as divergências: a multidão não
pensa igual aos letrados e os próprios letrados divergem entre
si.
A maioria dos homens acredita que a felicidade consiste no
prazer e no gozo. Mas uma vida dedicada aos prazeres é uma
vida que torna os homens “semelhantes aos escravos”, é uma
2
“existência digna de animais”.
As pessoas mais evoluídas e mais cultas situam o bem
supremo e a felicidade na honra. E buscam a honra sobretudo
aqueles que se dedicam ativamente à vida política. No entanto,
este não pode ser o fim último que todos buscamos, pois,
como observa acertadamente Aristóteles, trata-se de algo
externo: “A honra parece depender antes de quem a confere do
que de quem a recebe; nós, ao contrário, consideramos que o
3
bem é algo de individual e inalienável.” Ademais, os homens
não buscam tanto a honra por si mesma, mas como prova e
reconhecimento público de sua própria bondade e virtude,
que, portanto, demonstram ser algo mais importante que a
honra.
Se os tipos de vida dedicados aos prazeres ou à busca de
honras, mesmo inadequados pelas razões expostas, têm uma
aparente plausibilidade, o mesmo não se pode dizer da vida
consagrada ao acúmulo de riquezas, que, na opinião de nosso
filósofo, não tem sequer essa plausibilidade aparente:
A vida [ …] dedicada ao comércio é algo que vai contra a natureza, e é evidente
que a riqueza não é o bem que procuramos; de fato, ela tem em vista apenas o
4
ganho, não passa de um meio para alcançar outra coisa.
É bem verdade que os prazeres e as honras são buscados por
si mesmos, mas não as riquezas; a vida dedicada ao acúmulo de
riquezas, por conseguinte, é a mais absurda e a mais
inautêntica, pois está voltada para a busca de coisas que valem
no máximo como meios, nunca como fins.
Mas o bem supremo do homem também não pode ser
aquilo que Platão e os platônicos indicaram como tal, ou seja,
a Ideia do Bem ou o transcendente Bem-em-si, pois, nesse caso,
é evidente que não seria realizável ou alcançável pelo homem.
Não se trata, portanto, de um bem transcendente, mas de um
bem imanente; não pode ser um bem já definitivamente
realizado, mas realizável e adquirível pelo homem e para o
homem. (Para Aristóteles, o bem não é uma realidade única e
unívoca, mas, como vimos em relação ao conceito de ser, é
plurívoco, diverso nas diferentes categorias e diverso nas
diferentes realidades que pertencem a cada categoria, embora
sempre ligado por uma relação de analogia.)
Mas qual é o bem supremo realizável pelo homem?
A resposta de Aristóteles está em perfeita harmonia com a
concepção singularmente helênica da areté, sem a qual seria
inútil tentar compreender plenamente a construção ética do
nosso filósofo.
O bem do homem só pode consistir na “obra” que lhe é
peculiar, ou seja, aquela obra que ele e só ele sabe realizar,
assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste na obra
que é peculiar a essa coisa. A obra do olho é ver, a obra do
ouvido é ouvir, e assim por diante. E a obra do homem? Ela a)
não pode ser o simples viver, posto que o simples viver é
próprio também de todos os seres vegetais; b) tampouco pode
ser o sentir, posto que é comum também aos animais; c) nada
mais resta senão concluir que a obra peculiar do homem é a
obra da razão e a atividade da alma segundo a razão. Logo, o
verdadeiro bem do homem consiste nessa “obra”, ou
“atividade”, da razão, mais exatamente, nas perfeitas
explicação e atuação de tal atividade. Essa é, portanto, a
“virtude do homem”, e é nela que se encontra a felicidade.
Em consequência, e como já havia feito no Protréptico,
Aristóteles afirma:
Assim sendo, o bem próprio do homem é a atividade da alma em
conformidade com a virtude; se as virtudes são muitas, segundo a melhor e
mais perfeita. Isso vale também para uma vida completa. Se uma só andorinha,
ou um só dia, não faz verão, tampouco um só dia, ou um breve tempo,
5
proporciona beatitude ou felicidade.
Aristóteles adere à doutrina socrático-platônica que via a
essência do homem na alma, mais precisamente, na parte
racional da alma, no intelecto. Somos a nossa razão e o nosso
espírito. O homem bom, diz Aristóteles, “[ …] age mediante a
parte racional de si mesmo, que parece constituir cada um de
6
nós”. E ainda: “Está claro, portanto, que cada um de nós é
sobretudo intelecto, e que a pessoa moralmente idônea ama o
7
intelecto acima de tudo.” Enfim: “Se esta [a alma racional,
em particular, a parte mais elevada dessa alma, ou seja, o
intelecto] é a parte dominante e melhor, tudo parece indicar
8
que cada um de nós consiste propriamente nela.”
Como esse é o fundamento próprio da ética socrático-
platônica, não é de admirar que, ao aceitar o fundamento,
Aristóteles acabe por concordar com Sócrates e Platão bem
mais do que em geral se acredita. Os valores autênticos,
também para o Estagirita (como já destacamos), não poderiam
ser os exteriores (como a riqueza), que apenas tangenciam o
homem; nem os corporais (como os prazeres), que não se
referem ao verdadeiro eu do homem, mas apenas aos prazeres
da alma, posto que o verdadeiro homem é a alma: “Tendo,
portanto, repartido o bem em três grupos, os chamados bens
exteriores, os da alma e os do corpo, devemos dizer que os
bens relacionados à alma são os principais e os mais perfeitos.”
9
Os verdadeiros bens do homem são os bens espirituais, que
consistem na virtude de sua alma; e é na virtude que reside a
felicidade. Quando falamos de virtude humana, não nos
referimos de modo algum às virtudes do corpo — como
esclarece Aristóteles, de modo inequívoco —, mas às da alma,
e afirmamos que a felicidade é uma atividade própria da alma.
O socrático “cuidado da alma” é, também para Aristóte-les,
o caminho, a única via que leva à felicidade. No entanto, ao
contrário de Sócrates e sobretudo de Platão, Aristóteles
considera indispensável também ser dotado o suficiente de
bens exteriores e de meios de fortuna; na verdade, se a
presença deles não traz felicidade, ausentes, eles podem frustrá
—la ou comprometê-la (pelo menos em parte). Essa
reavaliação parcial dos bens exteriores vem se associar a certa
reavaliação do prazer, que, para Aristóteles, coroa a vida
virtuosa e é como uma consequência necessária, da qual a
virtude é o antecedente.
Dedução da “virtude” das “partes da alma”
A felicidade é definida, portanto, como atividade da alma
conforme à virtude. Fica evidente, então, que qualquer
aprofundamento posterior do conceito de “virtude” depende
de um aprofundamento do conceito de alma. Ora, como
vimos, segundo Aristóteles, a alma se divide em três partes:
duas irracionais (a alma vegetativa e a alma sensitiva) e uma
racional (a alma intelectiva). Como cada uma dessas partes
tem uma atividade que lhe é peculiar, cada qual tem também
sua virtude peculiar, ou excelência. Contudo, a virtude
humana é apenas aquela em que intervém a atividade da razão.
a) A alma vegetativa é comum a todos os seres vivos: “A
virtude de tal faculdade consiste em algo comum a todos os
10
seres, não especificamente ao homem.”
b) Diverso, no entanto, é o discurso a respeito da alma
sensitiva e concupiscível, a qual, mesmo sendo de per si
11
irracional, “ainda participa de certo modo da razão”. Fica
claro, então, que há uma virtude dessa parte da alma que é
especificamente humana e que consiste em dominar, por assim
dizer, tais tendências e impulsos que são, de per si,
imoderados; é isso que o Estagirita chama de “virtude ética”.
c) Enfim, posto que também há em nós uma alma
puramente racional, deve haver também uma virtude peculiar
a essa parte da alma, que será a “virtude dianoética”, ou seja, a
virtude racional.
As virtudes éticas
Vamos começar pelo exame da virtude ética, ou, melhor, das
virtudes éticas, pois elas são numerosas, tantas quantos são os
impulsos e sentimentos que a razão deve moderar. As virtudes
éticas derivam em nós do hábito. Somos potencialmente
capazes, por natureza, de formá-las e, por meio do exercício,
traduzir essa potencialidade em ato. Realizando
sucessivamente atos justos, nós nos tornamos justos, ou seja,
adquirimos a virtude da justiça, que depois permanece em nós
de maneira estável, como um habitus que mais tarde irá nos
ajudar a realizar atos de coragem. E assim por diante. Em
suma, para Aristóteles, as virtudes éticas são aprendidas da
mesma maneira que aprendemos as várias artes, que são, elas
também, “hábitos”.
Esse discurso, embora esclarecedor, ainda não toca o cerne
da questão; diz como adquirir e em seguida possuir tais
virtudes, mas ainda não diz em que consistem as virtudes. Qual
é a natureza comum a todas as virtudes éticas? O Estagirita
responde com precisão: jamais existirá virtude quando houver
excesso ou falta, ou seja, quando houver demais ou de menos;
virtude implica, ao contrário, uma justa proporção, o meio-
termo entre dois excessos. Escreve Aristóteles:
Em qualquer coisa, seja ela homogênea ou divisível, é possível distinguir o mais,
o menos e o igual, tanto em relação à própria coisa quanto em relação a nós
mesmos; o igual é um meio-termo entre o excesso e a escassez. Assim, chamo
de posição intermediária em relação a uma coisa aquela que dista na mesma
medida de cada um dos extremos, e ela é única e idêntica em todas as coisas;
chamo de posição intermediária em relação a nós aquilo que não excede nem
falta; esta, no entanto, não é única nem igual para todos. Por exemplo:
tomando-se o dez como quantidade excessiva e o dois como quantidade
escassa, o seis aparecerá como o meio-termo em relação à coisa; esse é o meio-
termo segundo a proporção numérica. Contudo, o meio-termo em relação a
nós não deve ser interpretado da mesma forma; se, para determinada pessoa,
comer dez unidades de alimento é demais e comer duas é pouco, isso não
significa que o professor de ginástica deve ordenar que coma seis, pois essa
ração ainda pode ser muito ou muito pouco, dependendo de quem vai recebê-
la: para Milo (que era um atleta excepcional) seria pouco, mas para um atleta
principiante seria demais. Pode-se dizer o mesmo em relação à corrida ou à
luta. Assim, cada pessoa que tem ciência evita o excesso e a escassez, busca o
meio-termo e a ele dá preferência; o meio-termo não é estabelecido em relação
12
à coisa, mas em relação a nós.
Mas — perguntaremos —, ao tratar das virtudes éticas, a
que se referem o “excesso”, a “escassez” e o “meio-termo”
mencionados? Referem-se — esclarece Aristóteles — a
sentimentos, paixões e ações. A virtude ética, portanto, é o
meio-termo entre os dois extremos da paixão, que se
produzem por escassez ou por excesso. É óbvio, para todos os
que compreenderam bem essa doutrina aristotélica, que a
posição intermediária não é a mediocridade e tampouco é sua
antítese; o “justo meio” está nitidamente acima dos extremos e
representa, por assim dizer, sua superação, portanto, como
bem diz Aristóteles, um “ápice”, ou seja, o ponto mais elevado
da perspectiva do valor, já que marca a afirmação da razão
sobre o irracional: “[ …] em relação à sua essência e à razão que
estabelece sua natureza, a virtude é uma posição intermediária;
mas, em relação ao bem e à perfeição, ela ocupa o lugar mais
13
elevado”.
Temos aqui quase uma síntese de toda aquela sabedoria
grega que encontrou sua expressão mais típica nos poetas
gnômicos e nos Sete Sábios, e que apontou mais de uma vez o
meio-termo, o nada em demasia, a justa medida, como regra
suprema do agir moral, regra que é como uma chave
paradigmática do modo de sentir helênico. Temos também a
assimilação da lição pitagórica, que situava a perfeição no
limite (o péras); e sobretudo um eco preciso do conceito de
“justa medida”, que teve grande importância especialmente no
último Platão.
A doutrina da virtude ética como “justo meio” entre dois
extremos é ilustrada por uma ampla análise das principais
virtudes éticas (ou, melhor, daquelas que o grego de então
considerava essenciais), naturalmente não deduzidas segundo
um fio condutor preciso, mas empírica e quase
rapsodicamente elencadas. A virtude da coragem é o “justo
meio” entre os excessos de temeridade e de covardia; a
coragem, desse modo, é a justa medida imposta ao sentimento
de medo que, quando desprovido de controle racional, pode
degenerar, na escassez, em covardia e, no excesso, em
temeridade. A temperança é o “justo meio” entre os excessos
de intemperança ou devassidão ou de insensibilidade; a
temperança, portanto, é o comportamento justo que a razão
impõe diante de determinados prazeres. A liberalidade é o
“justo meio” entre a avareza e a prodigalidade; a liberalidade,
assim, é o comportamento justo que a razão impõe em relação
ao uso do dinheiro — e assim por diante.
Entre as virtudes éticas, o Estagirita não hesita em apontar a
justiça como a mais importante (e dedica todo o quinto livro à
análise desse ponto). Num primeiro sentido, a justiça é o
respeito à lei do Estado; e como a lei do Estado (do Estado
grego) abarca toda a área da vida moral, a justiça, nesse
sentido, compreende de certo modo toda a virtude. “Por isso”,
comenta Aristóteles, antecipando a célebre proposição da
Crítica da razão prática, de Kant, “a justiça é muitas vezes
considerada a maior das virtudes, e ‘nem Vésper nem a estrela-
d’alva’ são tão admiráveis. Como diz o provérbio, na justiça
14
estão compreendidas todas as virtudes juntas.” Mas o
significado específico da justiça, que Aristóteles analisa com
acurácia, diz respeito à repartição de bens, vantagens e ganhos.
A justiça, entendida nesse sentido, consiste na justa medida
com que se devem repartir benefícios, vantagens e ganhos, ou
males e desvantagens, e ela consiste numa posição
intermediária “porque é característica do justo meio, enquanto
15
a injustiça é característica dos extremos”.
De maneira geral, as abundantes e requintadas análises sobre
os vários aspectos de cada virtude ética que Aristóte-les
empreende permanecem, no máximo, num plano apenas
fenomenológico. Pode-se dizer, aliás, que muitas vezes as
convicções morais da sociedade a que pertencia exerceram
uma influência decisiva sobre ele — como, por exemplo, no
caso da descrição da magnanimidade, que deveria ser uma
espécie de coroação das virtudes, mas, ao contrário,
transforma-se numa pesada hipoteca que o gosto da época
impõe à doutrina aristotélica.
As virtudes dianoéticas
Acima das virtudes éticas, segundo Aristóteles, estão as outras,
que, como mencionamos, são as virtudes da parte mais elevada
da alma, ou seja, da alma racional; são, portanto, virtudes
dianoéticas, ou virtudes da razão. E posto que duas são as
partes ou funções da alma racional — uma que conhece as
coisas contingentes e variáveis, outra que conhece as coisas
necessárias e imutáveis —, logicamente haverá uma perfeição,
ou virtude, da primeira e uma perfeição, ou virtude, da
segunda. Essas duas partes da alma racional são basicamente a
razão prática e a razão teórica, e as respectivas virtudes são as
formas perfeitas com as quais se apreendem a verdade prática e
a verdade teórica.
A virtude típica da razão prática é a “sensatez” (phrónesis),
enquanto a virtude típica da razão teórica é a “sabedoria”
(sophía).
A “sensatez” consiste em conseguir governar corretamente a
vida do homem, ou seja, saber deliberar a respeito do que é
bom ou mau para o homem. Esta, diz Aristóteles, é “uma
capacidade prática acompanhada do raciocínio verdadeiro
16
sobre aquilo que é bom ou mau para o homem”. Para uma
compreensão exata da doutrina aristotélica, é importante
observar que a phrónesis, ou sensatez, ajuda a deliberar
corretamente a respeito dos verdadeiros objetivos do homem,
no sentido de que aponta os meios capazes de atingir os fins
verdadeiros; ou seja, ajuda a identificar e obter as coisas que
levam a tais fins, mas não indica nem determina os próprios
fins. Os verdadeiros fins e o objetivo verdadeiro são
apreendidos pela virtude, que dirige a vontade de modo
correto. Eis o que Aristóteles diz: “A obra humana se cumpre
pela sensatez e pela virtude ética; a virtude aponta a retidão dos
17
propósitos, enquanto a sensatez torna os meios corretos.”
É evidente, portanto, que as virtudes éticas e a virtude
dianoética da sensatez estão ligadas entre si numa via de mão
dupla. Eis o que afirma Aristóteles: “a) não é possível ser
virtuoso sem a sensatez; b) não é possível ser sensato sem a
18
virtude ética”.
A outra virtude dianoética, a mais elevada, é, como
dissemos, a sabedoria (sophía). Ela é constituída pela
apreensão intuitiva dos princípios por meio do intelecto, ou
pelo conhecimento discursivo das consequências que derivam
desses princípios. A sabedoria é uma virtude mais elevada que
a sensatez porque esta última diz respeito ao homem e,
portanto, também a tudo que há nele de mutável; a sabedoria
diz respeito àquilo que está acima do homem. O homem é o
melhor dos seres viventes; contudo, diz Aristóteles,
[ …] há outras coisas muito mais divinas; para ficar só nas mais visíveis, há os
astros que compõem o Universo. Por tudo o que foi dito, é evidente que a
sabedoria é ao mes-mo tempo ciência e intelecto das coisas mais elevadas por
19
natureza.
A perfeita felicidade
De vez que, como vimos no início, a felicidade é uma atividade
conforme à virtude, agora está claro em que ela consiste. Em
primeiro lugar, consiste na atividade do intelecto conforme a
sua virtude; o intelecto é aquilo que há de mais elevado em
nós, e a atividade do intelecto é atividade perfeita,
autossuficiente, tem em si o próprio fim, pois tende ao
conhecimento em si. Na atividade de contemplação intelectiva o
homem atinge o ápice de suas possibilidades e põe em ato o
que há de mais alto em si. Escreve Aristóteles:
[ …] se a atividade do intelecto, que é contemplativa, parece superior em
dignidade, além de não contemplar nenhum outro fim senão ela mesma — o
fim de ter em si o seu próprio prazer perfeito (que intensifica a atividade), de
ser autossuficiente, fácil e ininterrupta, na medida das possibilidades do
homem —, também parece que todas as qualidades atribuídas aos homens
felizes se encontram nessa atividade; então ela será a felicidade perfeita do
homem, desde que perdure pela vida inteira, pois, de fato, nada do que diz
respeito à felicidade pode ser incompleto. No entanto, uma vida assim será
superior à natureza do homem; pois não é por ser homem que ele viverá dessa
maneira, mas porque tem em si algo de divino; e na mesma medida em que esse
algo supera a estrutura composta do homem, também sua atividade superará a
atividade conforme às outras virtudes. Se, portanto, o intelecto é algo de divino
em comparação com a natureza do homem, também a vida conforme ao
intelecto será divina se comparada à vida humana. Porém, não se deve dar
ouvido àqueles que aconselham que, sendo homens, devemos nos ater às coisas
humanas; e, sendo mortais, às coisas mortais; devemos, antes, tanto quanto
possível, agir como imortais e tudo fazer para viver segundo a parte mais
elevada que temos em nós, pois, ainda que ela seja pequena em tamanho,
20
supera em muito todo o resto em potência e valor.
Em segundo lugar vem então a vida conforme às virtu-des
éticas. Elas dizem respeito à estrutura composta do homem e,
enquanto tal, só podem proporcionar uma felicidade humana.
A felicidade da vida contemplativa, ao contrário, de certa
forma, leva para além do humano; realiza, por assim dizer,
uma tangência à divindade cuja vida só pode ser
contemplativa. Escreve textualmente Aristóteles:
Portanto, a atividade do deus, que excele em bem-aventurança, será
contemplativa. Então, entre as atividades humanas, aquela que tiver maior
afinidade com ela será mais capaz de produzir felicidade. Prova disso é o fato de
que todos os outros seres vivos não participam da felicidade, pois são
completamente desprovidos dessa faculdade. Na verdade, para os deuses, toda a
vida é bem-aventurada; porém, para os homens, ela o é apenas à medida que
puderem ter uma atividade semelhante àquela; nenhum outro ser vivente é feliz,
pois de modo algum participa da especulação. Logo, tanto quanto se estender a
especulação também irá se estender a felicidade; naqueles em que a especulação
é maior, a felicidade também será maior; isso não acontece por acaso, mas
graças à especulação: ela tem valor em si. Assim, a felicidade é uma espécie de
21
especulação.
Psicologia do ato moral
Sócrates reduziu as virtudes à ciência e ao conhecimento e
negou que o homem pudesse querer ou fazer voluntariamente
o mal. Platão em grande medida compartilhou essa concepção;
e, embora tivesse identificado forças irracionais no espírito
humano — a alma concupiscível e a alma irascível —, capazes
de se opor à alma racional, sempre acreditou que a virtude
humana consiste no domínio da razão e na submissão das
forças irracionais à razão por meio da força da própria razão,
pois para ele a virtude era sempre, em última análise, razão.
Aristóteles tenta superar essa interpretação “intelectualista” do
fato moral. Como bom realista que era, percebeu muito bem
que uma coisa é conhecer o bem, outra é pô-lo em ato, realizá-
lo e transformá-lo, por assim dizer, em substância das próprias
ações; e tratou de determinar mais de perto quais seriam os
complexos processos psíquicos que o ato moral pressupõe.
Em primeiro lugar, ele esclarece o que entende por “ações
involuntárias” e “ações voluntárias”. Involuntárias são aquelas
realizadas por imposição ou por ignorância das circunstâncias;
voluntárias são aquelas “em que o princípio motor está em
quem age, se ele conhece as circunstâncias particulares em que
22
a ação se desenvolve”.
No entanto, se até esse ponto tudo parece lógico, de repente
a perspectiva muda, pois Aristóteles inclui entre as ações
voluntárias também as que foram ditadas pela impetuosidade,
pela ira e pelo desejo; portanto, chama de voluntárias as ações
das crianças (e até de outros animais, posto que têm origem
neles próprios, logo, dependem deles). É evidente que, nesse
sentido, “voluntárias” são as ações simplesmente espontâneas,
que se originam nos sujeitos que as realizam, não coincidindo
com aquelas a que nós, modernos, damos esse nome.
Mas o Estagirita prossegue na análise e mostra que os atos
humanos, além de “voluntários” no sentido mencionado, são
determinados por uma “escolha” (proaíresis); e afirma que esta
parece “uma coisa essencialmente própria da virtude e mais
23
apta que as ações para julgar os costumes”. De fato, a
escolha não pertence à criança ou ao animal, mas apenas ao
homem que raciocina e reflete. A “escolha” sempre implica
raciocínio e reflexão, precisamente aquele tipo de raciocínio e
reflexão concernente às coisas e às ações que dependem de nós
e que participam da ordem dos realizáveis. Aristóte-les chama
esse tipo de raciocínio e reflexão de “deliberação”. A diferença
entre deliberação e escolha é a seguinte: a deliberação
estabelece quais e quantos são os vários meios e as várias ações
que cabe acionar para atingir determinados fins; estabelece
toda a série de coisas que cumpre realizar para chegar a
determinado fim, desde as mais remotas até as mais próximas
e imediatas; a escolha age sobre estas últimas, descartando as
irrealizáveis e pondo em ato as que considera realizáveis.
Assim, escreve Aristóteles:
O objeto da deliberação e o objeto da escolha são a mesma coisa, salvo que o
objeto da escolha já foi determinado, pois o que se escolhe é aquilo que já foi
decidido pela deliberação. Na verdade, todos deixam de indagar como devem
agir quando fizeram voltar a si mesmos, à parte de si mesmos que comanda, o
24
princípio da ação: é essa que decide.
Muitos estudiosos acreditaram ver nessa passagem aquilo
que chamamos de “vontade”, pois a escolha é um apetite ou
um desejo deliberado; portanto, não é somente desejo ou
apetite, nem somente razão. Por infortúnio, quando se tenta
aprofundar a posição de Aristóteles, ela se revela
extremamente ambígua e esquiva. Na verdade, ele nega de
modo expresso que a escolha possa se identificar à vontade
(boúlesis), pois a vontade diz respeito apenas aos fins,
enquanto a escolha (assim como a deliberação) diz respeito aos
meios. Então, se é verdade que a escolha é aquilo que nos
transforma em autores de nossas ações, responsáveis por elas,
ela não é o que nos torna verdadeiramente bons, pois só os fins
a que nos propomos alcançar podem ser bons, enquanto a
escolha (assim como a deliberação) refere-se apenas aos meios.
Assim, o princípio primeiro, aquele do qual depende nossa
moralidade, está antes na volição do fim.
E o que é a volição do fim? Das duas, uma: ou é uma
tendência infalível para o bem, para aquilo que é
verdadeiramente o bem, ou é uma tendência para aquilo que
nos parece o bem. No primeiro caso, é evidente que a escolha
incorreta jamais será voluntária, mas, como dizia Sócrates, será
uma espécie de ignorância, um erro, um equívoco. No
segundo caso, seria preciso concluir que “aquilo que se deseja
não é desejado por natureza, mas é desejado segundo o que
parece bom a cada um. Como, para uns, uma coisa parece boa,
enquanto para outros outra coisa parece boa, se assim fosse, o
25
desejado poderiam ser coisas contrárias”: isso significaria
que ninguém seria considerado bom ou mau; ou, o que dá no
mesmo, todos seriam bons porque todos fariam o que lhes
parece bem. Aristóteles acredita que pode sair desse dilema do
seguinte modo:
[ …] devemos dizer que o objeto da vontade no sentido absoluto e verdadeiro é
o bem, mas, para cada um de nós em particular, o objeto da vontade é aquilo
que parece bem; para quem é virtuoso, o que é verdadeiramente bom; para
quem é vicioso, qualquer coisa; assim como, no caso dos corpos, as coisas
verdadeiramente saudáveis o são para os corpos bem-dispostos, enquanto para
os enfermos, ao contrário, outras coisas é que são saudáveis; o mesmo vale em
relação às coisas amargas, doces, quentes, pesadas e assim por diante. Quem é
virtuoso avalia corretamente todas as coisas, e em cada uma delas a verdade lhe
aparece. Na realidade, para cada disposição de caráter, são belas e agradáveis as
coisas que a ela se adaptam, e talvez o homem virtuoso seja diferente dos outros
sobretudo porque é capaz de distinguir a verdade em cada coisa, sendo ele
mesmo norma e medida dessas coisas. Na maioria dos homens, porém, o
engano vem do prazer, que parece bom, mas na verdade não o é. Por isso eles
26
escolhem o agradável como um bem e evitam o doloroso como um mal.
Se é assim, contudo, estamos andando em círculos: para me
tornar e ser bom devo desejar os fins bons, mas só serei capaz
de reconhecê-los se eu for bom. A verdade é que Aristóteles
entendeu muito bem que somos responsáveis por nos-sas
ações, causas de nossos próprios atos morais, causas do
próprio modo como as coisas nos parecem ser moralmente;
mas não soube dizer por que isso é assim e qual é, dentro de
nós, a raiz de tudo isso. Ou seja, não soube determinar
corretamente a verdadeira natureza da vontade e do livre-
arbítrio. Isso explica por que, mesmo reprovando Sócrates, ele
retoma por vezes as posições socráticas, afirmando, por
exemplo, que o incontinente erra, pois, no momento em que
comete a ação de incontinência, não tem perfeita consciência;
e que o conhecimento é determinante no que diz respeito ao
agir moral. Explica também por que Aristóteles chega inclusive
a dizer que, quando um homem se torna vicioso, não pode
mais deixar de sê-lo, embora antes fosse possível não se tornar
27
vicioso.
Contudo, é justo reconhecer que, sem obter êxito completo,
Aristóteles entreviu melhor que todos os seus antecessores que
o fato de ser bom ou mau depende de algo que existe dentro de
nós, que não consiste em simples desejo irracional, mas que
tampouco é razão pura. Essa alguma coisa, contudo, lhe
escapa, e ele não consegue determiná-la. Aliás, devemos
reconhecer objetivamente que nenhum grego conseguiria esse
feito, e que o homem ocidental só iria entender a vontade e o
livre-arbítrio com o advento do cristianismo.
NOTAS
1.Eth. Nic. a 2, 1.094 b 7-10 (a tradução dos trechos da Ética a Nicômaco que
citaremos aqui são de A. Plebe, Laterza, Bari, 1957, hoje também em Aristóteles,
Opere, op. cit.).
2. Eth. Nic. a 5, 1.095 b 20.
3. Eth. Nic. a 5, 1.095 b 24-26.
4. Eth. Nic. a 5, 1.096 a 5-7.
5. Eth. Nic. a 7, 1.098 a 12-20.
6. Eth. Nic. i 4, 1.166 a 16 ss.
7. Eth. Nic. i 8, 1.169 a 2 ss.
8. Eth. Nic. k 7, 1.178 a 2 ss.
9. Eth. Nic. a 8, 1.098 b 12-15.
10. Eth. Nic. a 13, 1.102 b 2 ss.
11. Eth. Nic. a 13, 1.102 a 13 ss.
12. Eth. Nic. b 6, 1.106 a 26-1.106 b 7.
13. Eth. Nic. b 6, 1.107 a 6-8.
14. Eth. Nic. e 1, 1.129 b 27-30.
15. Eth. Nic. e 5, 1.133 b 32-1.134 a 1.
16. Eth. Nic. z 5, 1.140 b 4-6.
17. Eth. Nic. z 12, 1.144 a 6-9.
18. Eth. Nic. z 13, 1.144 b 31-33.
19. Eth. Nic. z 7, 1.141 a 34-1.141 b 2 (em que nos afastamos da tradução de Plebe).
20. Eth. Nic. k 7, 1.177 b 19-1.178 a 2.
21. Eth. Nic. k 8, 1.178 b 21-32.
22. Eth. Nic. G 1, 1.111 a 22-24.
23. Eth. Nic. G 2, 1.111 b 5 ss. (Divergimos de Plebe na interpretação do termo
proaivresi~, que, a nosso ver, não se expressa apropriadamente como
“proposição”, mas traduz-se melhor como “escolha”, vocábulo muito mais claro e
mais de acordo com o original grego.)
24. Eth. Nic. G 3, 1.113 a 2-7 (afastamo-nos parcialmente da tradução de Plebe).
25. Eth. Nic. G 4, 1.113 a 20 ss.
26. Eth. Nic. G 4, 1.113 a 23, 1.113 b 2.
27. Cf. Eth. Nic. G 5, passim.
VI.
A DOUTRINA DO ESTADO: ANÁLISE DA POLÍTICA
Conceito de Estado
Vimos que, para o Estagirita, embora o bem singular do
indivíduo e o bem do Estado tenham a mesma natureza (posto
que ambos consistem na virtude), o bem do Estado é mais
importante, mais nobre, mais perfeito e mais divino. A razão
disso reside na própria natureza do homem, ao demonstrar
com clareza que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e
que precisa, para ser ele mesmo, estabelecer relações com seus
semelhantes em todos os momentos de sua existência.
Em primeiro lugar, a natureza distinguiu os homens em
machos e fêmeas, que se unem para formar a primeira
comunidade, a família, para procriação e satisfação das
necessidades elementares (para Aristóteles, o núcleo familiar
incluiria também o escravo que, como veremos, é escravo por
natureza).
Como as famílias não bastam a si mesmas, surgiu a aldeia,
que é uma comunidade mais ampla, criada para garantir as
necessidade da vida de modo orgânico e sistemático.
Se a família e a aldeia são suficientes para garantir as
necessidades básicas da vida em geral, elas não bastam para
assegurar as condições da vida perfeita, ou seja, da vida moral.
Essa forma de vida, que bem poderíamos chamar de espiritual,
só pode ser assegurada pelas leis, pelas magistraturas e, em
geral, pela complexa organização de um Estado. É no Estado
que o indivíduo, instado pelas leis e pelas instituições políticas,
é levado a deixar seu egoísmo e a viver não mais segundo o
subjetivamente bom, porém, segundo o verdadeira e
objetivamente bom. Assim, o Estado, que cronologicamente é
último, torna-se primeiro do ponto de vista ontológico, pois se
configura como o “todo” do qual a família e a aldeia são as
“partes”, e, ontologicamente, o todo precede as partes, pois
somente o todo dá sentido a elas. Assim, só o Estado dá
sentido às outras comunidades e só ele é autossuficiente. Eis o
que diz Aristóteles: “Quem for incapaz de fazer parte de uma
comunidade, quem não precisa de nada, bastando-se a si
1
mesmo, é uma besta ou um deus, não uma parte da cidade.”
O cidadão
Em primeiro lugar, Aristóteles analisa a família e os problemas
da administração familiar. E aqui o filósofo se deixa realmente
condicionar pelas estruturas sociopolítico-culturais de seu
tempo, a ponto de ir contra seus próprios princípios
metafísicos. Ele repete o preconceito grego segundo o qual a
mulher é “por natureza” inferior ao homem porque possui
menos “razão” que ele. Reitera também o preconceito segundo
o qual há homens escravos “por natureza” — seriam aqueles
homens em que o instinto e a sensibilidade predominam sobre
a razão (os escravos, para Aristóteles, eram tão necessários
quanto os animais domésticos, indispensáveis para os serviços
relativos às necessidade do corpo, aos quais um homem “livre”
2
não deve se dedicar). Posto que Aristóteles, sempre
condicionado pelos preconceitos helênicos, considera que,
entre os bárbaros, ao contrário do que acontece entre os
gregos, o instinto e a sensibilidade predominam sobre a razão,
ele também considera “justo” e “natural” que os bárbaros
sejam submetidos aos gregos e se tornem escravos deles,
quando capturados em guerra.
Bem mais razoáveis, embora dentro dos limites das
condições econômicas de seu tempo, são as observações de
Aristóteles acerca da administração da família e da aquisição
de riquezas. Uma economia saudável deve fornecer o
necessário para se viver; portanto, deve compreender apenas as
atividades naturais (caça, pecuária e agricultura) ou a troca,
excluindo qualquer comércio e qualquer atividade que tenha
como base o dinheiro, pois esta objetiva o aumento
indiscriminado das riquezas. Uma economia baseada nessas
últimas atividades perderia de mira o verdadeiro propósito do
viver e acabaria fatalmente dedicando-se à produção de bens
materiais, em vez de usá-los para a vida. Esta seria
3
transformada em meio, deixando de ser um fim.
Da análise da família Aristóteles passa (depois de pesadas
4
críticas ao comunismo platônico) ao exame do Estado, sem
aprofundar as questões relacionadas à aldeia (que, como
vimos, era o segundo elemento constitutivo do Estado). A
propósito, como muitos já notaram, ele apresenta a questão de
um ponto de vista diferente. Como o Estado é composto de
cidadãos, trata-se de estabelecer quem é o cidadão.
Para ser cidadão de uma cidade, não basta residir em seu
território, nem gozar do direito de impetrar uma ação judicial,
nem sequer ser descendente de cidadãos. Para ser cidadão é
necessário “participar dos tribunais e das magistraturas”, é
preciso fazer parte da administração da justiça e da assembleia
5
que legisla e governa a cidade.
Mais que nunca, reflete-se nessa definição a característica
peculiar da pólis grega, onde o indivíduo só se sentia cidadão
se participasse diretamente do governo da coisa pública em
todos os seus momentos (fazer leis, tratar de sua aplicação,
administrar justiça). Por conseguinte, nem o colono nem um
membro de uma cidade conquistada podiam se sentir ou ser
considerados “cidadãos”. Mas tampouco os operários podiam
ser verdadeiros cidadãos, mesmo que fossem homens livres
(isto é, embora não fossem imigrantes, nem estrangeiros, nem
escravos), pois eles não dispunham do tempo necessário para
exercer as funções que, para Aristóteles, são essenciais. Assim,
os cidadãos de uma cidade são muito poucos, e todos os outros
homens da própria cidade acabam se transformando, de certa
maneira, em meios para a satisfação das necessidades dos
primeiros. Os operários se diferenciam dos escravos porque,
enquanto estes servem às necessidades de uma só pessoa,
aqueles servem às necessidades públicas, mas nem por isso
6
deixam de ser meios.
Dessa forma, embora Aristóteles afirmasse que “não devem
ser considerados cidadãos todos aqueles sem os quais a cidade
7
não subsiste”, a história acabou por demonstrar que a verdade
é justamente o contrário; para isso, contudo, foram necessárias
várias revoluções, e até hoje é difícil pôr em prática essa
verdade, embora ela já tenha sido plenamente conquistada no
plano teórico.
O Estado e suas formas possíveis
O Estado, cujas naturezas e finalidade já estabelecemos, pode
ser posto em prática sob diferentes formas, isto é, sob
diferentes “constituições”. Eis a maneira como Aristóteles
define a constituição: “[ …] é a estrutura que dá ordem à
cidade, estabelecendo o funcionamento de todos os cargos e
8
sobretudo da autoridade soberana”. Ora, claro que, a partir
do momento em que essa autoridade soberana pode se realizar
sob diversas formas, as constituições serão tantas quantas
forem as formas. O poder soberano pode ser exercido: a) por
um só homem; b) por poucos homens; c) pela maior parte dos
homens. Mas isso não é suficiente. Cada uma dessas três formas
de governo pode ser exercida de modo correto, de modo
incorreto ou, mais precisamente:
Quando um só, poucos ou a maioria exerce o poder tendo em vista o interesse
comum, então há necessariamente as constituições justas; quando um, poucos
ou a maioria exerce o poder tendo em vista seu interesse privado, então há os
9
desvios.
Assim, há três formas de constituição justa: a) monarquia; b)
aristocracia; c) politeia. A elas corresponde o mesmo número
de formas de constituição ilegítimas: a) tirania; 2) oligarquia;
3) democracia. (Para melhor compreensão, o leitor moderno
deve ter em mente o que o Estagirita entende por
“democracia”: um governo que, deixando de lado o bem de
todos, visa a favorecer os interesses dos mais pobres de modo
indevido. Por conseguinte, ele dá ao termo a acepção negativa
que hoje atribuiríamos à palavra “demagogia”; Aristóteles, na
verdade, faz questão de esclarecer que o erro em que incorre a
democracia é considerar que, como todos são iguais em
liberdade, podem e devem ser iguais também em todo o resto.)
Qual a melhor entre essas três constituições?
A resposta de Aristóteles é plurívoca. Antes de mais nada, é
preciso dizer que as três formas de governo, quando exercidas
com retidão, são naturais e portanto boas, porque o bem do
Estado consiste em visar ao bem comum. No entanto, é
evidente que, se existisse numa cidade um homem que
superasse a todos, o poder monárquico caberia a ele; e se
houvesse um grupo de indivíduos excelentes em virtude, seria
o caso de um governo aristocrático. Portanto, em tese, a
monarquia seria a melhor forma de governo, desde que
houvesse na cidade um homem excepcional; a aristocracia o
seria, por sua vez, quando houvesse um grupo de homens
excepcionais. Mas como tais condições não se verificam na
realidade, Aristóteles, com seu forte senso de realidade, indica
a politeia como forma de governo mais conveniente para a
cidade grega de seu tempo; nela não havia um ou poucos
homens excepcionais, mas muitos homens, que, não sendo
excelentes na virtude política, eram capazes de comandar e ser
comandados, alternadamente, segundo a lei.
A politeia é quase um meio-termo entre a oligarquia e a
democracia; ou, como os estudiosos bem observaram, uma
democracia temperada com oligarquia; de fato, quem governa
é uma multidão (como na democracia), não uma minoria
(como na oligarquia); porém não se trata de uma multidão
pobre (ao contrário da democracia), mas de uma multidão
suficientemente abastada para servir ao exército e que se
destaca também na capacidade e na virtude guerreiras. Como
se pode ver, a politeia dosa as qualidades e elimina os defeitos
das duas formas desviantes; portanto, no esquema geral
traçado pelo Estagirita, ela acaba se situando em posição um
tanto anômala, pois está num plano diverso, seja em relação às
duas primeiras constituições perfeitas, seja em relação às três
imperfeitas. A politeia, portanto, como já observaram os
estudiosos, é a constituição que valoriza “a classe média”, que,
justamente por ser “média”, oferece maiores garantias de
estabilidade. Eis as afirmações explícitas de Aristóteles:
Uma cidade almeja ser constituída, na medida do possível, por cidadãos iguais
e semelhantes entre si, e isso acontece sobretudo com cidadãos pertencentes às
classes médias; por isso a cidade mais bem governada será aquela em que se
realizam tais condições, das quais deriva por natureza a possibilidade da
comunidade de cidadãos. De mais a mais, justamente a classe que funda essas
possibilidades, ou seja, a classe média, é que tem sua existência garantida na
cidade. Os que a ela pertencem, por não serem pobres, não desejam as
condições dos demais, nem os outros desejam as deles, como acontece com os
ricos, cuja posição é invejada pelos pobres. Por isso, não tramando contra os
outros e não sendo objeto de tramas, eles passam a vida sem perigos. Como
dizia Focílides: “Muitas coisas são ótimas por sua posição intermediária, e é
nessa posição que quero estar na cidade.” É evidente, portanto, que a melhor
comunidade política é a que se baseia na classe média; as cidades que se
encontram nessas condições podem ser bem governadas; isto é, aquelas — digo
— em que a classe média é mais numerosa e mais poderosa que as duas classes
10
extremas ou pelo menos uma delas.
Portanto, assim como na ética, também na política o
conceito de “meio-termo” desempenha papel fundamental.
O Estado ideal
Não cabe falar aqui, dado seu caráter minucioso e até técnico,
das análises que Aristóteles elabora nos livros iv, v e vi da
Política (dedicados ao exame dos vários gêneros e espécies de
constituição, das várias formas de revolução, das causas que as
determinam e de como é possível preveni-las). O Estagirita dá
provas de um extraordinário conhecimento histórico, uma
compreensão penetrante e fina sagacidade no entendimento
dos fatos e acontecimentos políticos que são realmente
notáveis.
Em contrapartida, despertam maior interesse, no que diz
respeito à problemática propriamente filosófica, os últimos
dois livros, dedicados à análise do Estado ideal. À medida que,
para Aristóteles, a concepção de Estado, como vimos, é
fundamentalmente moral, não é de admirar que ele centralize
seu discurso antes nos problemas morais e educativos que nos
aspectos técnicos relativos às instituições e às magistraturas.
Vimos na Ética que os bens pertencem a três gêneros
diferentes: bens exteriores, bens corporais e bens espirituais da
alma. E vimos também em que sentido os dois primeiros
devem ser considerados simples meios para a realização dos
terceiros. Isso vale — diz Aristóteles — tanto para o indivíduo
quanto para o Estado, que também deve bus-car os dois
primeiros de maneira limitada e exclusivamente em função dos
bens espirituais, pois a felicidade consiste ape-nas neles.
11
Eis as condições ideias para dar lugar a um Estado feliz:
a) Quanto à população, condição primeira da atividade
política, ela não deve ser nem muito pequena nem numerosa
demais, mas na medida justa. De fato, uma cidade que tem
poucos cidadãos não poderá ser autossuficiente, e a cidade
deve bastar a si mesma. Aquela que tem um número grande
demais de cidadãos, por sua vez, dificilmente será governável.
Ninguém pode ser general de um grande número de cidadãos.
Ninguém pode ser o arauto de uma cidade populosa demais se
não tiver a voz do guerreiro Estentor. Os cidadãos não irão
conhecer uns aos outros, e, portanto, não poderão distribuir os
cargos com conhecimento de causa. Em suma, Aristóteles quer
uma cidade na medida do homem.
b) Também o território deve apresentar características
semelhantes. Deverá ser grande o suficiente para fornecer o
necessário à vida, sem produção excedente. Deverá ser
alcançável com a vista. Deverá ser difícil de atacar e fácil de
defender, em posição favorável tanto em relação ao interior
quanto em relação ao mar.
c) As qualidades ideais do cidadão são — na opinião de
Aristóteles — exatamente as mesmas que os gregos
apresentam: quase um meio-termo e uma síntese das qualidades
dos povos nórdicos e dos povos orientais. (Inútil dizer que,
também nesse parecer, o Estagirita é vítima dos mesmos
preconceitos que fizeram com que se acreditasse que os
“bárbaros” eram escravos “por natureza”.)
d) Aristóteles examina então as funções essenciais para a
cidade e sua distribuição ideal. Para subsistir, uma cidade deve
possuir: cultivadores de terra que forneçam alimentos; artesãos
que forneçam instrumentos e manufaturas; guerreiros para
defendê-la dos rebeldes e dos inimigos; comerciantes que
produzam riqueza; homens que estabeleçam o que é útil à
comunidade e quais são os direitos recíprocos do cidadão;
sacerdotes que cuidem do culto.
Pois bem: a boa cidade impede que todos os cidadãos
exerçam todas essas funções. De início, na cidade ideal, não
deverá ser praticada uma forma de vida particular, como a dos
agricultores, operários ou ainda dos comerciantes; esses são
modelos de vida ignóbeis e contrários à virtude, e, de todo
modo, capazes de impedir o exercício da virtude, pois não
propiciam a disponibilidade e o tempo livre necessários para
isso. Os camponeses, portanto, serão escravos, e os operários e
comerciantes não farão parte dos “cidadãos”. Os verdadeiros
cidadãos tratarão apenas da guerra, do governo e do culto. Por
sua natureza, tais funções, que exigem virtudes diversas (o
guerreiro deve ter força, o juiz e o legislador, sensatez), terão
de estar a cargo de pessoas diversas; mas isso dificilmente seria
aceito pelos guerreiros, que, possuindo a força militar, em
qualquer caso exigiriam também o poder político.
A solução proposta por Aristóteles é a seguinte: as mesmas
pessoas exerceriam essas funções em tempos diversos. “A
natureza determina que os jovens possuam a força e os velhos,
a sensatez, de modo que é útil e justo dividir os poderes tendo
12
em conta esse fato.” Assim, os cidadãos serão primeiro
guerreiros, depois conselheiros e enfim sacerdotes. Todos eles
serão abastados e — como camponeses, operários e
mercadores encarregam-se de fornecer o que é preciso para
satisfazer as necessidades materiais — terão todo o seu tempo
disponível para o exercício da virtude e para a plena realização
da vida feliz. Desse modo, o “bem viver” e a felicidade são
concedidos apenas a esse número restrito de “cidadãos”; todos
os outros, mesmo que vivam e atuem na cidade, são reduzidos
a simples “condições necessárias” para a vida fe-liz dos demais,
e estarão, portanto, condenados a uma vida infra-humana.
Aqui estamos diante do habitual condicionamento histórico-
social que limita profundamente o pensamento aristotélico
sobre esse tema, situando-o numa dimensão muito distante da
nossa, pois, de forma substancial, o filósofo julga necessário
que muitos homens vivam uma vida infra-humana ou não
perfeitamente humana para que os demais possam viver a
plena e perfeita vida humana, e considera tudo isso “natural”.
e) Ainda há, contudo, um ponto essencial. A felicidade da
cidade depende da virtude, mas a virtude vive em cada
cidadão; portanto, a cidade só pode se tornar e ser feliz à
medida que cada cidadão se torne e seja virtuoso. Como cada
homem pode se tornar virtuoso e bom? Em primeiro lugar,
deve haver certa disposição natural que, em seguida, recebe a
influência dos hábitos e costumes, ou seja, dos pensamentos e
discursos. Ora, a educação age justamente sobre hábitos e
pensamentos; por conseguinte, ela é fator de enorme
importância no Estado.
Os cidadãos devem ser educados de modo
fundamentalmente igual para que sejam capazes, em seus
turnos, de obedecer e comandar, posto que, sempre em turnos,
deve-rão obedecer (quando forem jovens) e em seguida
comandar (quando se tornarem homens maduros). Em
particular, dado que a virtude do cidadão bom e do homem
bom é idêntica, a educação deverá ter em mira, de modo
substancial, a formação de homens bons; ela deverá fornecer os
meios para que o ideal estabelecido pela ética se realize, isto é,
para que o corpo viva em função da alma, as partes inferiores da
alma em função das superiores, e, em particular, para que se
realize o ideal da pura contemplação. Escreve o filósofo:
Introduzindo nas ações uma distinção análoga à que foi feita em relação às
partes da alma, poderemos dizer que são preferíveis aquelas que derivam da
melhor parte da alma, pelo menos para quem saiba comparar todas ou ao
menos duas partes da alma, pois todos consideram melhor aquilo que tende
para um fim mais elevado. Qualquer tipo de vida ainda pode ser dividido em
dois, segundo sua tendência para as ocupações e o trabalho ou para a liberdade
em relação a qualquer compromisso, ou para a guerra ou para a paz; em
conformidade com essas distinções, as ações são necessárias e úteis ou belas. Ao
escolher esses ideais de vida, é preciso seguir as mesmas preferências que valem
para as partes da alma e para as ações que delas derivam; é preciso escolher a
guerra tendo como objetivo a paz, o trabalho tendo como objetivo a libertação em
relação a ele, as coisas necessárias e úteis para alcançar as belas. O legislador deve
ter em mente todos estes elementos que acabamos de anali-sar, as partes da
alma e as ações que as caracterizam, mirando sempre as melhores, de modo que
sejam tomadas como fins, não apenas como meios. Esse critério deve guiar o
legislador em seu comportamento diante das várias concepções da vida e dos
vários tipos de ação: é necessário atender ao trabalho, fazer a guerra, praticar as
coisas necessárias e úteis; mais que isso, é preciso praticar o livre repouso, viver em
13
paz e fazer coisas belas [ou seja, contemplar].
O Estado, não os indivíduos privados, deverá ministrar a
educação, que tem início naturalmente com o corpo,
desenvolvendo este primeiro que a razão; ela prossegue com a
educação dos impulsos, dos instintos e dos apetites; e, enfim,
encerra-se com a educação da alma racional. A tradicional
educação ginástico-musical grega é adotada pelo Estado
aristotélico, e é com essa descrição que termina a Política.
Deve-se apenas reiterar que as classes inferiores estão
excluídas da educação. Para Aristóteles, uma educação técnico-
profissional é um contrassenso, pois não educaria em benefício
do homem, mas das coisas que servem ao homem, enquanto a
verdadeira educação é uma formação no sentido de se tornar
verdadeira e plenamente homem. Pretensão admirável esta, e
que teria muito a dizer ainda hoje, se Aristóteles não
pretendesse que, para que alguns possam se tornar e ser
perfeitamente homens, outros devem prosseguir presos ao
destino de ser homens pela metade.
Em suma, também na política a concepção metaempírica da
alma e dos valores da alma constitui a linha de força a partir da
qual se desenvolve todo o discurso aristotélico. Aqui também
Aristóteles se mostra bem mais próximo de Platão do que se
costuma acreditar: o Estagirita critica e rejeita certos aspectos
aberrantes da República platônica, mas não seu ideal básico.
NOTAS
1. Pol. a 2, 1.253 a 27-30. A tradução dos trechos citados é de C. A. Viano, “Política”
e “Costituzione d’Atene” di Aristotele, Utet, Turim, 1955.
2. Cf. Pol. a 5.
3. Pol. a 7 ss.
4. Pol. b.
5. Pol. G 1.
6. Pol. G 5.
7. Pol. G 5, 1.278 a 2 ss.
8. Pol. G 6, 1.078 b 8-10.
9. Pol. G 7, 1.079 a 27-31.
10. Pol. D 11, 1.295 b e 5-34.
11. Cf. Pol. h 4 ss.
12. Pol. h 9, 1.329 a 14-17.
13. Pol. h 14, 1.333 a 26; 1.333 b 3.
VII.
A FILOSOFIA DA ARTE: ANÁLISE DA POÉTICA
Conceito de ciências produtivas
Já vimos que o terceiro gênero das ciências é constituído pelas
“ciências poiéticas”, ou “ciências produtivas”. Como diz o
nome, tais ciências ensinam a criar e a produzir coisas, objetos,
instrumentos, segundo regras e conhecimentos precisos.
Como é óbvio, trata-se das várias artes ou, como falamos,
ainda lançando mão de um termo grego, das “técnicas”.
Contudo, na formulação do conceito de arte, os gregos
visavam, mais do que nós, ao momento cognitivo que ele
pressupõe, sublinhando, em especial, a contraposição entre
arte e experiência; na verdade, esta última implica uma
repetição preponderantemente mecânica e não vai além do
conhecimento do quê, ou seja, do dado de fato, enquanto a arte
vai além, referindo-se ao conhecimento do porquê ou se
aproximando disso, e constitui, enquanto tal, uma forma de
conhecimento. Fica evidente, portanto, a razão da inclusão das
artes no quadro geral do saber, assim como o motivo de sua
posição no terceiro e último grau, pois elas são um saber, mas
um saber que não é fim em si mesmo e tampouco se volta para
o benefício do agir moral (como o saber prático), mas para o
benefício do objeto produzido.
As ciências poiéticas, em seu conjunto, só indiretamente
dizem respeito à pesquisa filosófica. A exceção são as belas-
artes, que se distinguem do conjunto das outras artes na
estrutura ou na finalidade.
Diz Aristóteles: “Algumas coisas que a natureza não sabe
1
fazer a arte faz; outras, ao contrário, ela imita.”
Logo, há artes que completam e integram de algum modo a
natureza e, portanto, têm como fim a mera utilidade
pragmática; e artes que, ao contrário, “imitam” a própria
natureza, reproduzindo ou recriando alguns de seus aspectos
com material moldável, com cores, sons ou palavras, e cujos
fins não coincidem com os fins da mera utilidade pragmática.
São estas as chamadas “belas-artes”, objeto de Aristóteles na
Poética. Na verdade, o Estagirita limita-se à análise da poesia e,
a bem dizer, apenas da poesia trágica; apenas
subordinadamente examina a poesia épica (numa parte da
obra que se perdeu, e teria tratado também da comédia). Mas
algumas das coisas que diz valem também para as belas-artes
em geral, ou pelo menos podem ser estendidas às outras belas-
artes. Dois são os conceitos que devem concentrar nossa
atenção para compreendermos qual é, na visão de Aristóteles, a
natureza do fato artístico: a) o conceito de “mimese” e b) o
conceito de “catarse”.
A mimese poética
Comecemos pelo exame da mimese. Platão censurou a arte
com severidade justamente por se tratar de mimese, ou seja, de
imitação de coisas fenomênicas, as quais (como sabemos), por
sua vez, são imitações dos paradigmas eternos das Ideias; desse
modo, a arte seria cópia da cópia, aparência de aparência,
esgotando o verdadeiro até fazê-lo desaparecer. Aristóteles
opõe-se nitidamente a esse modo de conceber a arte e
interpreta a mimese artística a partir de uma perspectiva
oposta, transformando-a numa atividade que, longe de
reproduzir passivamente a aparência das coisas, quase recria as
coisas segundo uma nova dimensão.
Eis o texto basilar a respeito disso:
[ …] fica claro […] que não é ofício do poeta descrever as coisas que realmente
aconteceram, mas as que podem acontecer em determinadas circunstâncias, ou
seja, coisas que são possíveis segundo as leis da verossimilhança e da
necessidade. De fato, o historiador e o poeta não diferem porque um escreve
em versos, o outro em prosa; a história de Heródoto bem poderia ser posta em
versos; e, mesmo em versos, não seria menos história. A verdadeira diferença é
que o historiador descreve fatos que realmente ocorreram, e o poeta, fatos que
poderiam ocorrer. Por isso a poesia é algo mais filosófico e mais elevado que a
história; a poesia tende, de preferência, para a representação do universal, e a
história, para o particular. Podemos dar uma ideia do que significa “universal”
com o seguinte exemplo: certo indivíduo de tal ou qual natureza diz ou faz
coisas de tal ou qual natureza que correspondem às leis da verossimilhança ou
da necessidade; é justamente a isso que visa a poesia, ainda que dê nomes
próprios a seus personagens. Já o particular ocorre quando se conta, por
2
exemplo, o que fez Alcebíades ou o que lhe aconteceu.
Essa passagem, sob muitos aspectos, é iluminadora.
a) Em primeiro lugar, Aristóteles entende muito bem que a
poesia não é poesia porque usa versos (um historiador poderia
usar versos e nem por isso estaria fazendo poesia). Portanto, é
lícito dizer que não são os meios usados pela arte que a
determinam como arte.
b) Em segundo lugar, Aristóteles identifica bem que a poesia
(e a arte em geral) também não depende de seu objeto, ou
melhor, do conteúdo de verdade de seu objeto. Não é a verdade
histórica das pessoas, dos fatos e das circunstâncias nela
representada que lhe conferem o valor de arte. A arte, claro,
pode narrar coisas que efetivamente aconteceram, mas só se
torna arte quando acrescenta a essas coisas um certo quê
inexistente na narrativa puramente histórica (é interessante
lembrar que o Estagirita entende a narrativa histórica
sobretudo como crônica, como descrição de pessoas e fatos
apenas cronologicamente ligados). Se as Histórias de Heródoto
fossem postas em versos, isso não geraria poesia; contudo,
coisas efetivamente acontecidas e narradas por Heródoto
poderiam se transformar em poesia. Como? Responde
Aristóteles:
E ainda que ocorra a um poeta poetar sobre fatos que realmente aconteceram,
ele não será menos poeta por isso; pois nada impede que, entre as coisas que
realmente acontecem, haja algumas de natureza tal que poderiam ser vistas não
como coisas que realmente aconteceram, mas como coisas cuja ocorrência seria
possível e verossímil. E é graças a esse aspecto da possibilidade e da
verossimilhança que aquele que resolve narrá-las não é seu historiador, mas seu
3
poeta.
c) Portanto, fica claro, em terceiro lugar, que a arte tem uma
superioridade em relação à história graças ao modo diverso de
tratar os fatos. Enquanto a história permanece inteiramente
ligada ao particular, considerando-o na condição de particular,
a arte, mesmo quando fala dos mesmos fatos que a história,
transfigura-os, por assim dizer, pelo modo de tratá-los e vê-los
“sob o aspecto da possibilidade e da verossimilhança”, fazendo
assim com que ganhem um significado mais amplo e, em certo
sentido, universalizando tal objeto. Aristóteles recorre ao termo
4
técnico “universal” (ta; kaJovlou). Mas que tipos de
“universal” podem ser os da arte, esses tipos de universal que
(como lemos na passagem inicial) não desdenham nomes
próprios?
d) Evidentemente, não estamos tratando aqui dos universais
lógicos, do tipo que é objeto da filosofia teórica e, em
particular, da lógica. Se a arte não deve reproduzir verdades
empíricas, também não deve reproduzir verdades ideais de
tipo abstrato, mais precisamente, verdades lógicas. A arte não
só pode e deve desligar-se da realidade como não deve
apresentar fatos e personagens como são, mas como poderiam
ou deveriam ser; pode também, como Aristóteles diz
expressamente, introduzir o irracional e o impossível, e até
dizer mentiras e tornar conveniente o uso de paralogismos
(raciocínios falsos); pode fazer tudo isso desde que torne o
5
impossível e o irracional verossímeis. O Estagirita chega a dizer
o seguinte: “O impossível verossímil é preferível ao possível,
6
porém incrível.” E ainda: “No que diz respeito às exigências
da poesia, é preciso ter em mente que se deve preferir sempre
uma coisa impossível, embora crível, a uma coisa incrível,
7
mesmo que possível.” Sendo assim, a arte pode muito bem
representar os deuses de modo inverídico, porque é assim que
são representados pelo povo e, como crença do povo, passam a
fazer parte da vida.
e) A universalidade da representação da arte nasce de sua
capacidade de reproduzir os acontecimentos “segundo a lei da
verossimilhança e da necessidade”; ou seja, de sua capacidade
de reconstituir os acontecimentos de tal maneira que eles se
mostrem interligados e conectados de modo perfeitamente
unitário, quase como um organismo no qual cada parte tem
seu sentido em função do todo do qual faz parte.
Então, com terminologia crociana, Valgimigli diz que o
universal da arte é “o universal concreto, ou melhor, no
8
máximo de sua concretude”. Poderíamos dizer também que é
o “universal fantástico”, usando modelos mais próximos dos
de Vico. Mas é óbvio que essa terminologia nos leva
decididamente para além de Aristóteles. Não obstante, é
evidente que, pelas considerações feitas antes, na célebre
passagem de que lançamos mão como ponto de partida, o
Estagirita intuiu, mesmo que vaga e confusamente, tudo isto: a
arte é mais filosófica que a história, mas não é filosofia; o
universal da arte não é o universal lógico e, portanto, é algo
autônomo, que tem seu próprio valor, embora este não seja o
valor do verdadeiro historiador nem o valor do verdadeiro
lógico. A posição platônica fica, assim, nitidamente superada.
O belo
A estética moderna nos habituou a considerar os problemas da
arte de tal maneira que é difícil pensar na possibilidade de
defini-la prescindindo de uma concepção adequada do belo.
Na realidade, isso não era assim tão claro para os antigos.
Platão ligou o belo antes à erótica que à arte, e Aristóteles,
mesmo relacionando o belo à arte, só o definiu de forma
incidental na Poética. Eis, portanto, sua definição:
[ …] o belo, seja ele um ser animado ou outro objeto qualquer, desde que
igualmente constituído de partes, não só deve apresentar certa ordem particular
entre essas partes como também deve ter, dentro de determinados limites, uma
grandeza própria; na verdade, o belo consiste na grandeza e na ordem.
Portanto, não pode ser belo um organismo excessivamente pequeno, pois, em
tal caso, atuando-se num lapso de tempo quase imperceptível, a vista se
confunde; tampouco pode ser um organismo excessivamente grande, como,
por exemplo, um ser de 10 mil estádios, pois o olho não conseguiria abarcar o
objeto em seu conjunto; assim, sua unidade e sua totalidade orgânica
9
escapariam a quem olha.
Aristóteles exprimiu o mesmo conceito na Metafísica, onde o
belo se relaciona às matemáticas:
Posto que o bem e o belo são diversos (o primeiro se encontra sempre nas
ações, enquanto o segundo se encontra também nos entes imóveis),
equivocam-se os que afirmam que as ciências matemáticas não dizem nada
sobre o belo e sobre o bem. De fato, as matemáticas falam do bem e do belo, e
conseguem revelá-los em grau máximo; se é verdade que nunca os nomeiam
explicitamente, dão a conhecer, todavia, seus efeitos e razões; portanto, não se
pode dizer que não falam deles. As formas supremas do belo são a ordem, a
simetria e o definido — e as matemáticas nos levam a conhecê-los mais que
10
todas as outras ciências.
Por conseguinte, para Aristóteles, o belo implica ordem,
simetria de partes, determinação quantitativa, ou, em uma
palavra, proporção.
Compreende-se assim que, ao aplicar tais cânones à tragédia,
Aristóteles estabelecesse que ela não poderia ser muito longa
nem muito curta, porém capaz de ser apreendida pela mente
de um só golpe, do princípio ao fim. Para ele, a mesma coisa
11
valeria para qualquer obra de arte.
Esse modo de Aristóteles conceber o belo traz a clara marca
helênica do “nada em demasia” e da “medida”; em especial,
refere-se ao pensamento pitagórico, que via a perfeição no
“limite”.
A catarse
Dissemos que Aristóteles trata fundamentalmente da tragédia e
que desenvolve sua teoria da arte em relação a ela. Não cabe
aqui abordar os pormenores da questão, mas é preciso destacar
um ponto que, mesmo apresentado em estreita conexão com a
definição de tragédia, vale para a arte em geral. Escreve ele:
Tragédia [ …] é mimese de uma ação séria e completa em si mesma, com uma
determinada extensão, em linguagem embelezada por várias espécies de
ornamentos, mas cada um em seu lugar, nas diversas partes; em forma
dramática e não narrativa, que, mediante uma série de casos que suscitam
12
piedade e terror, tem como efeito aliviar e purificar a espírito de tais paixões.
O texto original diz exatamente que ela tem como efeito a
catarse das paixões (kavJarsi~ tw~n paJhmavtwn). O ponto
mais interessante é o fim da definição, que, no entanto, é
bastante ambíguo; em consequência, foi objeto de diferentes
exegeses. Alguns consideraram que Aristóteles estava falando
de purificação das paixões no sentido moral, quase como uma
sublimação obtida pela eliminação daquilo que elas têm de
deletério. Outros, ao contrário, entenderam a “catarse das
paixões” no sentido de suspensão ou eliminação temporária
das paixões num sentido quase fisiológico, e, portanto, no
13
sentido de livrar-se das paixões.
É provável que Aristóteles explicasse mais a fundo o sentido
da catarse no segundo livro da Poética, mas infelizmente este se
perdeu. Contudo, temos dois trechos da Política que
mencionam o assunto e gostaríamos de mencioná-los, dada a
importância da questão. Eis o primeiro trecho:
Ademais, a flauta não é um instrumento que favoreça as qualidades morais,
mas suscita antes emoções desenfrea-das, tanto que deve ser usada somente nas
14
ocasiões em que ouvi-la, mais que um aumento de saber, produz catarse.”
Na segunda passagem, ele determina:
Aceitamos a distinção feita por alguns filósofos entre as melodias com
conteúdo moral, aquelas que estimulam a ação e aquelas que suscitam
entusiasmo; em exata correspondência são classificadas também as harmonias.
Acrescente-se a isso o fato de que, a nosso ver, a música não deve ser praticada
tendo em vista um só tipo de benefício que dela possa derivar, mas múltiplos
usos, pois pode servir para a educação, para obter a catarse [ …] e, em terceiro
lugar, para o repouso, o alívio do espírito e a suspensão das fadigas. De todas
essas considerações, resulta evidente que é pre-ciso fazer uso de todas as
harmonias, no entanto, não do mesmo modo, empregando na educação
aquelas que têm maior conteúdo moral e na audição de músicas executadas por
outras pessoas as que incitam a ação ou inspiram comoção. Essas emoções, tais
como piedade, medo e entusias-mo, que em certas pessoas encontram forte
ressonância, se manifestam em todos, porém mais em alguns e menos em
outros. Vemos ainda que quando alguns, a quem elas comovem intensamente,
ouvem cânticos sagrados que impressionam a alma, logo se encontram na
situação de quem foi curado ou purificado. A mesma coisa vale
necessariamente para os sentimentos de piedade, de medo e, em geral, para
todos os sentimentos e afecções, dependendo da necessidade de cada um, pois
todos podem sentir uma purificação e um agradável alívio. De forma análoga,
as músicas particularmente adequadas para produzir purificação proporcionam
15
aos homens uma alegria inocente.
Essas passagens demonstram claramente que a “catarse
poética” não é uma purificação de caráter moral (posto que é
expressamente distinta dela), mas também fica evidente que
ela não pode ser reduzida a um fato puramente fisiológico. É
provável — e em qualquer caso possível — que, mesmo com
oscilações e incertezas, Aristóteles entrevisse nessa agradável
“liberação” efetuada pela arte algo semelhante àquilo que hoje
chamamos de “prazer estético”.
Platão havia condenado a arte — entre outras coisas —
também por desencadear sentimentos e emoções, debilitan-do
o elemento racional capaz de dominá-los. Aristóteles vira a
interpretação platônica de cabeça para baixo: a arte não nos
carrega, mas nos descarrega da emotividade, e o tipo de
emoção que ela proporciona não só não prejudica, como de
certo modo é capaz de curar.
NOTAS
1. Phys. b 8, 199 a 15-17
2. Poet. 9, 1.451 a 36, 1.451 b 11. Todos os trechos da Poética aqui citados foram
extraídos da tradução de M. Valgimigli; cf. nota 8, abaixo.
3. Poet. 9, 1.451 b 29-33.
4. Poet. 9, 1.451 b 7.
5. Poet. 24, 1.460 a 13 ss.
6. Poet. 24, 1.460 a 26 ss.
7. Poet. 25, 1.461 b 11 ss.
8. M. Valgimigli (org.), Aristóteles, Poetica, Bari, 1968 7, p. 28. (A tradução da
Poética foi publicada na coleção Filosofi Antichi e Medioevali e na Piccola
Biblioteca Filosofica Laterza, em edição condensada. Citamos esta última.)
9. Poet. 7, 1.450 b 36; 1.451 a 4.
10. Metaph. m 3, 1.078 a 31; 1.078 b 2.
11. Cf. Poet. 7.
12. Poet. 6, 1.449 b 24-28.
13. Entre os muitos textos sobre esse assunto, indicamos o artigo de W. J.
Verdenius, “Kátharsis tôn pathe matón”, em vários autores, Autour d’Aristote,
Louvain, 1955, p. 367-373, que debate de maneira sucinta e clara todos os
elementos necessários para a compreensão da questão.
14. Pol. Q 6, 1.341 a 21-24 (trad. Viano).
15. Pol. Q 7, 1.341 b 32, 1.342 a 16.
VIII.
A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO
ORGANON
Conceito de lógica, ou “analítica”
No esquema que serviu de base para que o Estagirita
subdividisse e sistematizasse as ciências, a lógica não encontra
espaço, e isso não se dá por acaso. A lógica não diz respeito à
produção de algo (como as ciências poiéticas), nem à ação
moral (como as ciências práticas), nem sequer a uma
determinada realidade distinta daquela que é objeto da
metafísica, da física ou da matemática (ciências teóricas).
A lógica, ao contrário, considera a forma que deve ter
qualquer tipo de discurso visando a demonstrar alguma coisa e
pretendendo, em geral, ser conclusivo. Portanto, a lógica
mostra como o pensamento procede quando pensa, qual é a
estrutura do raciocínio, quais são seus elementos, como é
possível fornecer demonstrações, que tipos e modos de
demonstração existem, o que demonstram e quando são
possíveis.
Naturalmente, poderíamos dizer que a lógica também é
ciência, pois seu conteúdo é dado pelas operações do
pensamento, ou seja, daquele ens tamquam verum (o ser
1
lógico) que o Estagirita distinguiu. Contudo, isso só se
encaixaria de maneira parcial nas concepções de Aristóteles,
que chamou a lógica de “ciência” apenas de passagem e quase
2
por acaso, considerando-a antes um estudo preliminar, uma
propedêutica comum a todas as ciências. Assim, o termo
organon, que significa “instrumento”, introduzido por
Alexandre de Afrodísia para designar a lógica em seu conjunto
(e que, a partir do século vi d.C., foi utilizado como título do
conjunto de todos os escritos aristotélicos relativos à lógica),
define bem o conceito e o fim da lógica aristotélica, que
forneceria os instrumentos mentais necessários para enfrentar
3
qualquer tipo de investigação.
Mas ainda é preciso acrescentar que o termo lógica não foi
usado por Aristóteles para designar aquilo que entendemos
hoje por lógica. Seu emprego nessa acepção remonta à época
de Cícero (e provavelmente tem origem estoica), mas só se
4
consolidou em definitivo com Alexandre. Aristóteles preferia
usar a palavra “analítica”, e Analíticos é o título dos escritos
5
fundamentais do Organon.
A analítica (do grego analysis, que quer dizer “resolução”)
explica o método pelo qual, partindo de determinada
conclusão, podemos decompô-la nos elementos dos quais ela
deriva, isto é, nas premissas de onde brota; assim, é possível
fundamentá-la e justificá-la. A analítica é substancialmente a
doutrina do silogismo e constituiu o núcleo fundamental, o
eixo em torno do qual giram todas as outras figuras da lógica
aristotélica. O Estagirita, aliás, tinha perfeita consciência de ter
sido o descobridor do silogismo, tanto que, no fim de
Refutações sofísticas, diz com toda a clareza que, embora
houvesse muitos e antigos tratados sobre os discursos
6
retóricos, nada havia sobre o silogismo.
Isso equivale a dizer que, como a lógica (aristotelicamente
entendida) polariza-se completamente em torno ao silogismo,
foi a descoberta do silogismo que permitiu a Aristóteles a
organização e em seguida a enucleação de toda a problemática
lógica e, por conseguinte, a fundação da lógica.
O esquema geral dos escritos lógicos e a gênese da lógica aristotélica
Para melhor orientação na exposição do tema, é oportuno
esboçar exatamente o esquema geral que emerge dos escritos
lógicos de Aristóteles que chegaram até nós. Sem dúvida eles
não foram redigidos na ordem em que depois se
7
sistematizaram no Organon; mesmo assim, é nessa ordem
que têm sido lidos. No centro, como vimos, estão os Analíticos
8
(que Aristóteles talvez considerasse uma obra única), que
logo foram divididos em Analíticos primeiros e Analíticos
segundos. Os primeiros tratam da estrutura do silogismo em
geral, de suas diversas figuras e de seus diferentes modos,
considerando-o de maneira formal, ou seja, prescindindo do
seu valor de verdade e examinando apenas a coerência formal
do raciocínio. Na verdade, pode haver um silogismo
formalmente correto, que parte de determinadas premissas
para deduzir as consequências que elas impõem; mas, se as
premissas não são verdadeiras, chega-se a conclusões
inverídicas, embora o silogismo esteja formalmente correto.
Nos Analíticos segundos, ao contrário, Aristóteles trata do
silogismo que, além de formalmente correto, é também
verdadeiro, ou seja, do silogismo científico, que constitui a
demonstração propriamente dita, verdadeira. O filósofo dá a ele
a seguinte definição:
Chamo de demonstração o silogismo científico; chamo de científico aquele
silogismo com base no qual, pelo fato de possuí-lo, há ciência. Então, se a
ciência é dessa forma que propusemos, é necessário que a ciência
demonstrativa proceda de proposições verdadeiras, imediatas, mais conhecidas,
anteriores e causas das conclusões. Assim sendo, os princípios serão
efetivamente pertinentes ao demonstrado. A bem dizer, o silogismo subsiste
mesmo sem essas condições, mas a demonstração não pode subsistir sem elas,
9
pois não estaria produzindo ciência.
Por conseguinte, os Analíticos segundos, além das premissas,
tratam do modo como elas são conhecidas e dos correlatos
problemas de definição. Nos Tópicos, por sua vez, Aristóteles
analisa o silogismo dialético, aquele que parte de premissas
baseadas simplesmente na opinião ou em elementos que
parecem aceitáveis para todos ou aceitáveis para a maioria, e
que, portanto, proporciona vários tipos de argumentação
puramente prováveis.
Por fim, em Refutações sofísticas (que talvez formassem o
10
último livro dos Tópicos), ele trata das argumentações
sofísticas.
Como os silogismos são constituídos por juízos e
proposições que, por sua vez, são constituídos por conceitos e
termos, Aristóteles precisava examinar tanto os primeiros
quanto os segundos. Nas Categorias e em Sobre a interpretação
encontram-se, respectivamente, de maneira aproximativa,
análises relativas aos elementos mais simples da proposição: os
conceitos ou termos primeiros, o juízo e a proposição. Diante
disso, os responsáveis pela sistematização do Organon
consideraram natural que esses tratados fossem dispostos no
início do livro, quase como preliminares dos Analíticos e dos
Tópicos. Essa ligação permanece, não há dúvida, mas é muito
mais tênue do que se julgou no passado. É importante observar
em especial que a doutrina do conceito e da proposição, tal
como apresentada nos tratados de lógica clássica e em boa
parte dos escritos com caráter de manual, na maioria é fruto de
reelaborações posteriores (sobretudo medievais) de alguns
elementos extraídos de Aristóteles.
Enfim, é importante recordar, para não deixar escapar o
sentido da lógica aristotélica, que ela nasceu de uma reflexão
acerca dos procedimentos iniciada pelos filósofos precedentes,
sobretudo pelos sofistas, e mais ainda acerca do procedimento
socrático, em particular da forma como foi ampliado e
aprofundado por Platão. Decerto o método matemático
também teve sua influência, como demonstra a própria
terminologia utilizada para indicar várias figuras da lógica.
Mas a matemática foi apenas um componente, e tampouco
havia outras ciências cujos métodos pudessem ter sugerido tais
descobertas a Aristóteles. A lógica aristotélica, portanto, tem
uma gênese eminentemente filosófica: ela marca o momento
em que o logos filosófico, já amadurecido pela estruturação de
todas as principais questões, torna-se capaz de problematizar a
si mesmo e ao próprio modo de proceder, e estabelece, depois
de ter aprendido a raciocinar, o que é a própria razão, ou seja,
como se faz para racionar, como, quando e sobre que coisas é
possível raciocinar.
Só essa descoberta já seria suficiente para dar a Aristóteles
um dos primeiríssimos lugares na história do pensamento
humano.
As categorias, os termos e a definição
O tratado Categorias estuda, como dissemos, algo que de certa
maneira corresponde ao estudo do elemento mais simples da
lógica. Se tomarmos uma proposição como “O homem corre”,
ou “O homem vence”, e desfizermos o nexo que a une, ou seja,
se separarmos o sujeito do predicado, obte-remos palavras
“sem conexão”, sem qualquer ligação com a proposição, como
“homem”, “vence”, “corre” (termos desconectados que, ao se
combinarem, dão origem à proposição). Ora, diz Aristóteles:
Das coisas ditas sem nenhuma conexão, cada qual significa a substância, ou a
quantidade, ou a qualidade, ou a relação, ou o onde, ou o quando, ou estar numa
11
posição, ou o ter, ou o fazer, ou o sofrer.
Como se pode ver, essas são as “categorias” que já
conhecemos da Metafísica. É uma lista de dez (talvez uma
pitagórica homenagem ao número perfeito da década), mas
sabemos que, na verdade, o número mais exato é oito, pois
“estar numa posição” (ou “jazer”) e o “ter” são subsumíveis
em outras categorias.
Se, como vimos, as categorias representam os significados
fundamentais do ser do ponto de vista metafísico, claro que,
do ponto de vista lógico, representarão (por conseguinte) os
gêneros supremos aos quais todos os termos da proposição
devem se reportar. Portanto, a passagem citada é claríssima:
quando decompomos uma proposição em seus termos, cada
um e todos os termos obtidos representam, em última análise,
uma das categorias. Logo, assim como as categorias
representam (do ponto de vista ontológico) os significados
últimos do ser, elas também representam (do ponto de vista
lógico) os significados últimos aos quais são redutíveis todos
os termos de uma proposição. Decompondo a proposição
“Sócrates corre”, obteremos “Sócrates”, que pertence à
categoria da substância, e “corre”, que pertence à categoria do
“fazer”. Assim, quando digo “Sócrates está agora no Liceu” e
decomponho a proposição, obtenho “Sócrates”, da categoria
da substância; “agora”, da categoria do “quando”; “no Liceu”,
categoria do “onde”; e assim sucessivamente.
O termo “categoria” foi traduzido por Boécio como
“predicamento”, mas a tradução só exprime parcialmente o
sentido da palavra grega — e não é de todo adequada, dá
origem a inúmeras dificuldades, em grande parte elimináveis
quando se mantém o original. De fato, a primeira categoria
desempenha sempre o papel de sujeito e só impropriamente o
de predicado, como quando digo: “Sócrates é um homem” (ou
seja, Sócrates é uma substância); as outras fazem as vezes de
predicado (ou, se quisermos, são as figuras supremas de todos
os possíveis predicados, os gêneros supremos de predicados).
E, naturalmente, como a primeira categoria constitui o ser
sobre o qual se apoia o ser das outras, a primeira categoria será
o sujeito, e as outras não poderão deixar de se referir a ele;
portanto, só elas poderão ser predicados no sentido verdadeiro
e próprio.
Quando consideramos os termos da proposição
isoladamente e tomamos cada qual em si mesmo, não temos
nem verdade nem falsidade. Ou, como diz Aristóteles:
Essas coisas que listamos, tomadas uma a uma, em si e de per si, não
constituem uma afirmação, a qual só pode ser gerada, ao contrário, por sua
conexão recíproca; de fato, tudo indica que toda afirmação é verdadeira ou
falsa, enquanto, entre as coisas ditas sem nenhuma conexão, nenhuma é
12
verdadeira ou falsa; por exemplo: “homem”, “branco”, “corre”, “vence”.
Isso significa: a verdade (ou falsidade) nunca está nos termos
tomados singularmente, mas somente no juízo que os conecta
e na proposição que expressa tal conexão. Naturalmente, como
as categorias não são apenas os termos que resultam da
decomposição da proposição, mas os gêneros aos quais podem
ser reduzidas ou nos quais se incluem, elas são uma coisa
primeira e não redutível depois. No máximo, pode-se dizer
que são “seres”, mas ser não é um gênero (como já vimos), e
portanto elas não são definíveis porque não existe algo mais
geral a que possamos recorrer para determiná-las.
Chegamos assim ao problema da definição, que Aristóteles
não trata nas Categorias, mas nos Analíticos segundos e em
outros escritos. Contudo, como a definição diz respeito aos
termos e aos conceitos, cabe falar dela agora.
Já dissemos que as categorias são indefiníveis, pois são
generalíssimas, são os gêneros supremos. Indefiníveis são
também os indivíduos, e por razões opostas, ou seja, porque
são particulares e estão nos antípodas das categorias: deles, só é
possível ter percepção, isto é, uma apreensão puramente
empírica. Mas entre as categorias e os indivíduos há toda uma
gama de noções e conceitos que vão do mais ao menos geral e
que constituem os termos dos juízos e das proposi-ções que
formulamos (o nome que indica o indivíduo só pode aparecer
como sujeito). Esses termos, que estão entre a universalidade
das categorias e a particularidade dos indivíduos, são
conhecidos pelo nome de definição (horismós).
O que quer dizer “definir”? Mais que explicar o significado
de uma palavra, quer dizer determinar o que é o objeto que a
palavra indica. Por isso explicam-se perfeitamente as
definições que Aristóteles dá para “definição”: “O discurso que
exprime a essência”, ou “o discurso que exprime a natureza
das coisas”, ou ainda “o discurso que exprime a substância das
13
coisas”.
Para poder definir alguma coisa são necessários o “gênero” e
a “diferença”, diz Aristóteles; ou, na fórmula clássica em que se
expressa o pensamento aristotélico, o “gênero próximo” e a
14
“diferença específica”. Se quisermos saber o que quer dizer
“homem”, devemos identificar, por meio da análise, o “gênero
próximo” no qual ele se inclui, que não é aquele de “vivente”
(pois também as plantas são viventes), mas o de “animal” (o
animal tem, além da vida vegetativa, também a sensitiva), e
depois analisar as “diferenças” que determinam o gênero
animal, até encontrar a “diferença última”, distintiva do
homem, que é “racional”. O homem, portanto, é “animal”
(gênero próximo) “racional” (diferença específica). A essência
das coisas é dada pela diferença última que caracteriza o gênero.
15
Para a definição dos conceitos singulares, vale o que foi dito
a respeito das categorias: uma definição será válida ou não,
mas nunca verdadeira ou falsa, pois verdadeiro e falso
implicam sempre uma união ou separação de conceitos, e isso
só acontece no juízo e na proposição, dos quais iremos falar.
As proposições: Sobre a interpretação
Quando juntamos os termos entre si (um nome e um verbo) e
afirmamos ou negamos algo de alguma outra coisa, então
temos o juízo. O juízo, portanto, é o ato com o qual afirmamos
ou negamos um conceito em relação a outro conceito, e a
expressão verbal do juízo é a enunciação ou proposição. A bem
da verdade, Aristóteles não tem uma terminologia precisa
sobre o assunto: aquilo que denominamos juízo ele indica
antes pelos termos apóphasis (afirmação) e katáphasis
(negação), ou seja, pelos termos que indicam as operações de
que o juízo é formado. E aquilo que chamamos de proposição
ele indica pelo termo prótasis. Juízo e proposição constituem a
forma mais elementar de conhecimento, aquele que permite
conhecer diretamente o nexo entre um predicado e um sujeito
(o verdadeiro e o falso nascem, portanto, com o juízo, ou seja,
com a afirmação e com a negação; o verdadeiro ocorre quando
ao juízo se une o que é realmente conjunto (ou se separa o que
é realmente separado), e o falso, quando ao juízo se une o que
não é conjunto (ou se separa o que não é separado). A
enunciação ou proposição que exprime o juízo expressa
sempre afirmação ou negação; portanto, é verdadeira ou falsa.
16
É importante notar que nem toda frase é uma proposição
concernente à lógica; todas as frases que exprimem preces,
invocações, exclamações e assemelhados não dizem respeito à
lógica, mas a outro tipo de discurso, por exemplo, o retórico
ou o poético; apenas o discurso apofântico ou declarativo
17
pertence à lógica.
A primeira distinção dos juízos é entre juízos afirmativos e
juízos negativos, dado que julgar é afirmar ou negar algo de
alguma outra coisa (como cada afirmação de uma coisa se
opõe à sua negação, e entre afirmação e negação não há meio-
termo, então, necessariamente, a verdade está em uma ou na
18
outra).
Quanto àquilo que receberá o nome de “quantidade”, ou
seja, a extensão (maior ou menor universalidade do sujeito), os
juízos se dividem em universais, se dizem respeito a um
universal (por exemplo, “Todos os homens são brancos”, ou
“Nenhum homem é branco”), individuais ou singulares,
quando se referem a um indivíduo (por exemplo, “Sócrates é
branco”, ou “Sócrates não é branco”). Além disso, pode haver
um juízo que diga respeito a um universal, mas não seja
universal, como no caso de “Um homem é branco” (ou
“Alguns são brancos”, e as negativas correspondentes); esse
juízo foi denominado particular. (Nos Analíticos, Aristóteles
prefere juízos indefinidos.) Os juízos contraditórios universais e
individuais são sempre um verdadeiro e o outro falso; os
particulares contraditórios, por sua vez, podem ser ambos
19
verdadeiros (um homem é branco, outro não é branco).
Sobre a interpretação analisa, enfim, o modo como se afirma
ou se nega algo de alguma coisa, e, portanto, a modalidade das
proposições. Nós não apenas conectamos ou separamos um
predicado e um sujeito dizendo é ou não é, mas às vezes
especificamos também o modo como sujeito e predicado estão
conectados ou separados. Uma coisa é dizer “O sujeito tal é
desse jeito”; outra é dizer “O sujeito tal deve ser desse jeito”;
outra ainda é dizer “O sujeito tal pode ser desse jeito” (eis um
exemplo esclarecedor: uma coisa é dizer “Deus existe”, outra é
dizer “Deus deve existir”, e outra, ainda, “Deus pode existir”).
Aristóteles reduz tais proposições que implicam necessidade e
possibilidade à forma assertiva. Assim, temos: para a
necessidade, a proposição “É necessário que A seja B”; para a
possibilidade, “É possível que A seja B”. As negações seriam:
“Não é necessário que A seja B” e “Não é possível que A seja
B”. Em seguida, ele desenvolve uma complexa série de
20
considerações sobre essas proposições modais.
No entanto, não se pode dizer que o filósofo tenha
identificado as distinções posteriores do juízo hipotético e do
juízo disjuntivo.
O silogismo
Quando afirmamos ou negamos algo de alguma coisa, ou seja,
quando julgamos ou formulamos proposições, ainda não
estamos raciocinando. Tampouco refletimos, obviamen-te,
quando formulamos uma série de juízos e listamos uma série
de proposições desconexas entre si.
Em contrapartida, raciocinamos quando passamos desses
juízos e proposições a proposições que tenham determinados
nexos entre si e que sejam, de certo modo, causas umas das
outras, umas antecedentes, outras consequentes. Não há
reflexão sem esse nexo, sem esse caráter de consequência. Ora,
o silogismo é o raciocínio perfeito, aquele em que a conclusão
a que se chega é de fato a consequência que deriva
necessariamente do antecedente.
Em geral, num raciocínio perfeito, ou seja, num silogismo,
deve haver três proposições, das quais duas são antecedentes;
portanto, diz-se que estas são premissas e a terceira é o
consequente, a conclusão que deriva das premissas. No
silogismo há sempre três termos em jogo, dos quais um
desempenha a função de uma espécie de dobradiça que une os
outros dois, como veremos a seguir.
Eis o exemplo clássico de silogismo: “Se todo homem é
mortal e se Sócrates é homem, então Sócrates é mortal.”
Como se pode ver, o fato de Sócrates ser mortal deriva
necessariamente de se estabelecer que todo homem é mortal e
que Sócrates é homem. Portanto, “homem” é o termo usa-do
como alavanca para a conclusão. Entende-se, então, a célebre
definição dada por Aristóteles:
Silogismo é um discurso (isto é, um raciocínio) em que, estabelecidos alguns
dados (isto é, premissas), segue-se necessariamente algo diferente deles, pelo
simples fato de terem sido estabelecidos. Com a expressão “pelo simples fato de
terem sido estabelecidos” entendo o que decorre por força deles; com a
expressão “o que decorre por força deles” entendo o fato de não precisar
acrescentar nenhum termo estranho para que tenha lugar a relação de
21
necessidade.
Um estudioso italiano comenta muito bem essa passagem:
O silogismo caracteriza-se, portanto, pelo fato de o consequente derivar
necessariamente do antecedente pela simples razão de este ter sido formulado.
Nesse sentido, as premissas são causa não da verdade ou da falsidade, ou, em
geral, do conteúdo do consequente em si mesmo, mas da sequela; de modo
que, posto o antecedente, o consequente não pode deixar de derivar dele. As
premissas silogísticas, por isso, têm valor de hipóteses e devem ser precedidas
22
da conjunção “se”.
No silogismo, o que está em causa é a coerência do raciocínio;
o conteúdo de verdade deve permanecer fora de questão e será
chamado em causa, como veremos, sob outra perspectiva.
Mas voltemos ao exemplo de silogismo apresentado. A
primeira das proposições se chama “premissa maior”, a
segunda “premissa menor”, a terceira “conclusão”. Os dois
termos unidos na conclusão se chamam extremo menor, o
primeiro (que é o sujeito, “Sócrates”), e extremo maior, o
segundo (que é o predicado, “mortal”). Como tais termos são
unidos entre si por outro, que dissemos desempenhar uma
função de dobradiça, ele é chamado de termo “médio”, ou
23
seja, termo que opera a mediação.
Mas Aristóteles não apenas estabeleceu o que é o silogismo,
ele também levou a efeito toda uma série de complexas
distinções entre as diversas “figuras” possíveis dos silogismos e
os vários “modos” válidos de cada uma delas.
As diversas “figuras” (schémata) do silogismo são
determinadas pelas diferentes posições que o termo médio
pode ocupar em relação aos extremos nas premissas. Como o
termo médio pode ser: a) sujeito na premissa maior ou
predicado na menor; b) predicado tanto na premissa maior
quanto na menor; c) sujeito em ambas as premissas, as figuras
possíveis do silogismo serão três. O exemplo que demos antes é
de primeira figura, que, segundo Aristóteles, é a figura mais
perfeita, pois é a mais natural, à medida que manifesta o
processo de mediação da maneira mais clara e linear.
Mas como as proposições que fazem as vezes de premissas
podem variar por “quantidade” (podem ser universais ou
particulares) e por “qualidade” (podem ser afirmativas ou
negativas), há múltiplas combinações possíveis para cada uma
das três figuras. Aristóteles estabelece, numa análise exata,
quais e quantas são essas possíveis combinações, que são os
“modos” do silogismo. As conclusões do Estagirita são as
seguintes: há quatro modos válidos da primeira figura, quatro
da segunda e seis da terceira.
Não cabe falar aqui das distinções posteriores entre
silogismos perfeitos e imperfeitos, do modo de reduzir os
segundos aos primeiros, dos modos de reduzir os silogismos
das outras figuras aos da primeira, e das regras referentes à
conversão das proposições para operar tais transformações.
Tampouco é o caso de adentrar aqui as questões da silogística
modal que o Estagirita enfrenta, ou seja, as questões
relacionadas aos silogismos que consideram a modalidade das
proposições que servem de premissas (se seriam de simples
existência ou implicariam a modalidade da necessidade, ou
ainda a da possibilidade), com todas as suas possíveis
combinações. Essa é a parte mais incômoda e criticada da
24
silogística aristotélica.
Enfim, como Aristóteles não havia reconhecido as
proposições hipotéticas e disjuntivas, ele não pôde estabelecer
uma doutrina do silogismo hipotético e disjuntivo, sobre os
quais falarão Teofrasto e sobretudo os estoicos.
O silogismo científico ou demonstração
Como vimos, o silogismo como tal mostra qual a essência
mesma do raciocínio, qual a estrutura da inferência; também
como tal prescinde do conteúdo de verdade das premissas (e,
portanto, das conclusões). O silogismo “científico” ou
“demonstrativo” se diferencia porém do silogismo em geral
porque pressupõe, além da correção formal da inferência,
também o valor de verdade das premissas (e das
consequências). Como bem diz Mignucci:
O procedimento silogístico próprio da ciência se chama demonstração. Trata-
se de um tipo particular de silogismo que se diferencia do silogismo não pela
forma, do contrá-rio não poderia ser chamado propriamente silogismo, mas
pelo conteúdo das premissas formuladas. Na verdade, na demonstração, as
premissas devem ser sempre verdadeiras, enquanto isso não precisa se verificar
necessariamente no silogismo como tal, pois, nesse caso, só interessa
determinar se um dado consequente deriva ou não das premissas formuladas
pelo simples fato de terem sido formuladas, independentemente do valor de
verdade que possam ter. Na demonstração, ao contrário, sendo ela o
procedimento que leva à ciência do consequente, isto é, que leva a verificar se o
consequente é verdadeiramente tal ou não, cabe postular um antecedente
verdadeiro, dado que somente do verdadeiro deriva necessariamente o
25
verdadeiro.
Logo, além da correção do procedimento formal, a ciência
implica a verdade do conteúdo das premissas. Vamos então a
uma passagem dos Analíticos segundos sobre esse ponto
fundamental:
Julgamos ter ciência de cada coisa [ …] quando acreditamos que sabemos que a
causa em virtude da qual a coisa existe é justamente a causa dessa coisa, e que
não é possível que seja de outra maneira. Por conseguinte, é impossível que
aquilo que seja objeto de ciência em sentido próprio seja diferente do que é.
Ora, se há outro modo de ter ciência, nós o veremos a seguir [alusão ao saber
intuitivo, com o qual apreendemos os princípios primeiros]; por enquanto,
basta dizer que ter ciência é saber por demonstração. Entendo por demonstração
o silogismo científico; e por silogismo científico aquele em virtude do qual, pelo
simples fato de possuí-lo, temos ciência. Então, se ter ciência é aquilo que
estabelecemos [isto é, conhecer as causas], é necessário que a ciência
demonstrativa proceda de premissas verdadeiras, primeiras, imediatas, mais
conhecidas, anteriores e causais das conclusões. De fato, somente assim os
princípios serão pertinentes ao que foi demonstrado. O silogismo pode
subsistir mesmo sem essas condições, mas não a demonstração, do contrário
26
não produziria ciência.
A passagem revela de maneira paradigmática qual a ideia
aristotélica de “ciência”. Ela é fundamentalmente um processo
discursivo que tende a determinar o porquê e a causa; e, das
quatro causas que conhecemos bem, sobretudo a causa formal,
ou essência. De fato, essa é a causa fundamental porque, ao
indicar a essência ou natureza da coisa, representa
precisamente aquele “meio” em virtude do qual estabelecemos
a necessária conexão de certas propriedades com um sujeito
dado. Entende-se, portanto, o significado de uma célebre
afirmação do Estagirita na Metafísica: “[ …] como nos
silogismos, o princípio de todos os processos de geração é a
substância; com efeito, os silogismos derivam da essência, e
27
dela derivam também as gerações.”
Assim como a substância (ou essência, ou forma, ou eidos)
está no centro da metafísica e da física, ela está também no
centro da teoria da ciência, ou seja, de todo o sistema aristotélico.
Enquanto o silogismo aristotélico em geral implica um elevado
grau de “formalismo”, o silogismo científico, isto é, a
demonstração científica, está quase inteiramente ligada à
concepção metafísica da substância, e a ciência aristotélica
pretende ser a busca da substância e de todos os nexos que ela
implica.
Esse é um ponto de vista consideravelmente distante daquele
que as ciências exatas da era moderna adotaram para si.
A passagem que acabamos de citar revela ainda um segundo
ponto fundamental: como devem ser as premissas do silogismo
científico ou da demonstração. Em primeiro lugar, devem ser
verdadeiras, por razões já amplamente ilustradas; em seguida,
devem ser primeiras, ou seja, necessitam, por sua vez, de
posteriores demonstrações; mais conhecidas e anteriores, ou
seja, inteligíveis e claras de per si, e mais universais que as
conclusões; e causais das conclusões, pois devem conter a razão
destas últimas.
Chegamos assim a um ponto delicadíssimo da doutrina
aristotélica da ciência. Surge aqui o problema: como
conhecemos as premissas? Sem dúvida não será por meio de
silogismos posteriores, pois do contrário iríamos até o infinito.
A via deve ser outra. Qual seria essa via?
O conhecimento imediato
O silogismo é um processo substancialmente dedutivo, pois
extrai verdades particulares de verdades universais. Mas como
apreender as verdades universais? Aristóteles fala de indução e
intuição como processos em certo sentido opostos ao processo
silogístico, mas em todo caso pressupostos pelo próprio
silogismo.
A indução (ejpagwghv) é o procedimento pelo qual se deriva
o universal do particular. Embora Aristóteles tente mostrar nos
28
Analíticos o modo como a própria indução pode ser
silogisticamente tratada, ele não só não o consegue, como essa
tentativa fica totalmente isolada; ele mesmo reconhece que, em
geral, a indução não é um raciocínio, porém, ao contrário, um
“ser conduzido” do particular ao universal por obra de uma
espécie de apreensão imediata ou de intuição (ou como quer
que se chame esse conhecimento não mediato); ou ainda, se
quisermos, por obra desse procedimento no qual o “meio” é
em certo sentido dado pela experiência dos casos particulares
29
(em substância, a indução é o processo de abstração).
A intuição, por sua vez, é a apreensão pura e simples dos
princípios primeiros. Portanto, Aristóteles também admite o
intelecto intuitivo. Vejamos como isso está descrito nos
Analíticos segundos:
Posto que, dentre as disposições racionais com as quais apreendemos a verdade,
algumas são sempre verdadeiras, enquanto outras — como por exemplo a
opinião e o cálculo — admitem o falso, ao passo que o conhecimento científico
e a intuição são sempre verdadeiros; posto que nenhum outro gênero de
conhecimento, exceto a intuição, é mais exato que o conhecimento científico, e que,
por outro lado, os princípios são mais cognoscíveis que as demonstrações; pos-
to que todo conhecimento científico se constitui de modo argumentativo, e,
portanto, não pode haver conhecimento científico dos princípios; e posto que
nada, exceto a intuição, pode ser mais verdadeiro que o conhecimento científico, a
intuição deve ter por objeto os princípios. Isso fica evidente não apenas para
quem investiga essas considerações, mas também pelo fato de que o princípio
da demonstração não é ele próprio uma demonstração; por conseguinte, o
princípio do conhecimento científico não é o conhecimento científico.
Portanto, se não há nenhum outro gênero de conhecimento verdadeiro senão a
ciência, a intuição será o princípio da ciência. Assim, a intuição pode ser
considerada princípio do princípio, enquanto a ciência como um todo está
30
analogamente relacionada à totalidade das coisas que tem por objeto.
Como se pode ver, essa é uma página que dá razão à noção
de fundo do platonismo: o conhecimento discursivo supõe um
conhecimento não discursivo anterior; a possibilidade do saber
mediato supõe necessariamente um saber imediato.
Os princípios da demonstração
Em suma, as premissas e os princípios da demonstração são
apreendidos por indução ou por intuição. A respeito disso, é
importante notar que cada ciência irá assumir, antes de tudo,
premissas e princípios próprios, ou seja, premissas e princípios
que são peculiares a ela, e só a ela.
Em primeiro lugar, irá assumir a existência do âmbito, ou,
melhor (em termos lógicos), a existência do sujeito para o qual
todas as suas determinações afluirão e que Aristóteles chama
de gênero-sujeito. Por exemplo: a aritmética assumirá a
existência da unidade e do número; a geometria, a existência
da grandeza espacial, e assim por diante. Cada ciência irá
caracterizar seu objeto por meio da definição.
Em segundo lugar, cada ciência irá proceder à definição do
significado de uma série de termos que lhe pertencem (a
aritmética, por exemplo, definirá o significado de
“comensurável” e “incomensurável” etc.) sem assumir sua
existência, mas tratando antes de provar que são características
pertinentes a seu objeto.
Em terceiro lugar, para isso, as ciências terão de fazer uso de
certos “axiomas”, ou seja, proposições intuitivamente
verdadeiras que são precisamente os princípios em virtude dos
quais acontece a demonstração. Eis um exemplo de axioma:
“Se de iguais subtraem-se iguais, os restos serão iguais.”
Portanto, conclui Aristóteles,
[ …] toda ciência demonstrativa guarda relação com três elementos, ou seja,
com aquilo que é dado como algo que é (ou seja, o gênero cujas afecções por si
[as características essenciais] a ciência considera), com os axiomas chamados
comuns, proposições primeiras das quais partem as demonstrações, e, enfim,
31
com as afecções cujos significados foram assumidos.
Entre os axiomas, alguns são “comuns” a várias ciências
(como o mencionado); outros, a todas as ciências, sem
exceção, como o princípio da não contradição (não se pode
afirmar e negar do mesmo sujeito, ao mesmo tempo e sob a
mesma relação dois predicados contraditórios) e os princípios
de identidade e do terceiro excluído, que estão estreitamente
ligados ao da não contradição (cada coisa é aquilo que é; não é
possível haver um termo médio entre dois contraditórios). São
os famosos princípios transcendentais, vá-lidos para todo tipo
de pensamento como tal (por serem válidos para todo ente
como tal), conhecidos por si e, portanto, primeiros, os quais
Aristóteles debate expressa e amplamente no célebre livro iv da
Metafísica. Eles são condições incondicionais de toda
demonstração (e são indemonstrá-veis, pois qualquer forma de
32
demonstração os pressupõe estruturalmente).
As ciências, portanto, têm princípios próprios, princípios
comuns a algumas delas e princípios comuns a todas, que
podem ser apreendidos por indução ou por intuição e
determinados por definição. Essas são as condições da
mediação silogística.
Os silogismos dialéticos e sofísticos
Vimos que a teoria do silogismo em geral diz respeito à simples
correção formal da inferência. A teoria do silogismo científico
ou demonstração diz respeito, ao contrário, também ao
conteúdo de verdade da inferência, que, como sabemos,
depende da verdade das premissas. O silogismo científico só
existe quando as premissas são verdadeiras e possuem as
características examinadas. Quando as premissas, em vez de
verdadeiras, são simplesmente prováveis, ou seja, baseadas na
opinião, então temos o silogismo dialético, que Aristóteles
estuda nos Tópicos.
O objetivo desse tratado é explicado por Aristóteles no
seguinte trecho:
Este tratado se propõe a encontrar um método que, acerca de qualquer
formulação de pesquisa que se proponha, permita estabelecer silogismos que
partam de elementos baseados em opiniões aceitas; e que impeçam que
venhamos a dizer algo em contradição com a tese que nós mesmos estamos
defendendo. Em primeiro lugar, é preciso dizer o que é um silogismo e que
diferenças marcam sua esfera, para que possamos entender o silogismo
dialético. Este último é o objeto de estudo do presente tratado.
Silogismo é propriamente um discurso em que, formulados alguns elementos,
algo de diferente deriva necessariamente deles. Assim, temos de um lado a
demonstração, quando o silogismo é constituído por e deriva de elementos
verdadeiros e primeiros, ou de elementos tais que o princípio de seu
conhecimento provenha de elementos verdadeiros e primeiros. Por outro lado, é
dialético o silogismo que chega à conclusão a partir de elementos baseados na
opinião. Elementos verdadeiros e primeiros são, ademais, aqueles que extraem
sua credibilidade de si mesmos, e não de outros elementos; diante dos
princípios das ciências, não se deve buscar o porquê em outra parte; é preciso,
ao contrário, que cada um dos princípios imponha sua verdade por si mesmo.
São baseados na opinião os elementos que, por sua vez, parecem aceitáveis para
todos, para a grande maioria ou para os sábios e entre eles, ou seja, para todos,
33
para a grande maioria ou para aqueles especialmente eminentes ou ilustres.
O silogismo dialético, segundo Aristóteles, serve para nos
tornar capazes de debater e, em particular, de identificar,
quando debatemos com pessoas comuns ou instruídas, quais
os seus pontos de partida e se suas conclusões concordam com
essas premissas ou não, situando-nos não numa perspectiva
estranha à do oponente, mas em conformidade com seu
próprio ponto de vista. Para a ciência, além de ensinar a
debater corretamente os prós e os contras de várias questões,
serve também para averiguar os princípios primeiros, que,
como sabemos, não são dedutíveis silogisticamente e só podem
ser apreendidos por meio da indução ou da intuição. Contudo,
tanto a indução quanto a justificativa de uma intuição supõem
um debate com as opiniões da maioria ou dos mais doutos.
Explica Aristóteles:
Este tratado é igualmente útil no que diz respeito aos elementos próprios de
cada ciência, pois, partindo dos princípios primeiros da ciência em exame, é
impossível dizer algo sobre os princípios mesmos, visto que são anteriores a
todos os outros elementos; portanto, é necessário examiná-los à luz de
elementos fundados na opinião e referentes a cada objeto. Essa é a tarefa
própria, ou a mais apropriada, da dialética; utilizada nas investigações, ela leva
34
de fato aos princípios de todas as ciências.
Como se pode ver, em Aristóteles a “dialética” assume um
significado muito diferente do que tinha para Platão (ou, se
quisermos, mantém o significado mais fraco e menos
específico que Platão lhe atribuía, dado que, para este, a
dialética é sobretudo a ciência das relações entre as Ideias).
Mas os Tópicos não aprofundam esse segundo aspecto,
limitando-se predominantemente ao primeiro; por
conseguinte, invadem com abundância o terreno da retórica.
35
“Tópicos” (tovpoi) significa “lugares” (em latim, loci), e a
palavra indica metaforicamente os quadro ideais aos quais
pertencem e, portanto, de onde podem ser extraídos os
argumentos, como sedes et quasi domicilia argumentorum,
36
como dirá Cícero. Os Tópicos descrevem, portanto, o
“arquivo de onde o raciocínio deve extrair seus argumentos”,
como disse muito bem Ross, que considera essa obra
aristotélica a menos estimulante entre as que compõem o
Organon:
O debate pertence a um modo passado de pensar; é um dos últimos esforços
daquele movimento do espírito grego em direção a uma cultura geral que tenta
discutir qualquer assunto sem estudar os princípios primeiros que lhe são
próprios e que conhecemos pelo nome de movimento sofístico. O que
distingue Aristóteles [scil.: naquilo que ele diz nos Tópicos] dos sofistas, pelo
menos do modo como foram retratados por ele e por Platão, é que seu objetivo
não é ajudar os ouvintes e leitores a atingir o ganho e a glória com uma falsa
aparência de sabedoria, mas debater as questões do modo mais sensato
possível, sem um conhecimento especial. Mas o próprio Aristóteles apontou
um caminho melhor, o da ciência. Foram os seus Analíticos que deixaram os
37
Tópicos fora de moda.
Enfim, além das premissas baseadas na opinião, o silogismo
pode derivar de premissas que parecem fundadas na opinião
(mas que na realidade não o são). Há então o silogismo erístico.
E há também o caso de certos silogismos que o são apenas na
aparência e sugerem uma conclusão, à qual só chegaram, no
entanto, graças a passagens incorretas; nesse caso, há os
paralogismos, os raciocínios errados. Ora, Refutações sofísticas
38
(que muitos consideram o nono livro dos Tópicos) estudam
exatamente as contestações (élenkhos quer dizer justamente
“contestação”) sofísticas, ou seja, falaciosas. A refutação
correta é um silogismo cuja conclusão contradiz a conclusão
do adversário; as refutações dos sofistas, ao contrário (assim
como sua argumentação, em geral), eram feitas de modo a
parecer corretas, embora na realidade não o fossem, e
lançavam mão de uma série de truques para induzir os não
experientes ao erro. As Refutações sofísticas estudam com
notável perspicácia todos os meandros desses possíveis
enganos e os paralogismos mais característicos a que dão
ensejo.
A lógica e a realidade
Muitos estudiosos dizem e repetem à exaustão que, de certa
forma, a lógica aristotélica afastou-se do real; a lógica diz
respeito ao universal; a realidade, ao contrário, é substância
individual e particular; o universal não é real, o real não é
sujeito à lógica. Se fossem, o real fugiria totalmente das malhas
da lógica. Na verdade, não é assim. Essas interpretações
supõem que a substância primeira de Aristóteles é o indivíduo
empírico, o que não é correto, como bem sabemos. O
indivíduo é sínolo ou composto de matéria e forma. Se a
substância, em certo sentido, é sínolo, no sentido mais forte é a
39
forma ou essência que determina a matéria. O sínolo é um
tovde ti, algo de empiricamente determinado, mas a forma
também é um tovde ti, algo de determinado do ponto de vista
inteligível. Sendo apreendida pelo pensamento, ela se torna
universal, no sentido de que a estrutura ontológica que
determina uma coisa se converte em conceito que é
apreendido como capaz de referir-se a várias coisas, portanto,
capaz de ser predicado de vários sujeitos (de todos os que
possuem tal estrutura). A forma ontológica converte-se então
numa espécie lógica.
As operações mentais posteriores descobrem, analisando as
espécies, as possibilidades estruturais de inseri-las em gêneros,
os quais representam universais mais amplos (e são como uma
matéria lógica ou inteligível cuja forma ou espécie é a
especificação). Esses gêneros se ampliam sucessivamente em
universalidades até as categorias (gêneros supremos). Acima
das categorias, o pensamento descobre ainda um universal que
já não é mais um gênero, e sim uma relação analógica: é o ser e
o uno. Mas essas operações do pensamento não têm um valor
meramente nominal, pois se baseiam na mesma estrutura do
real, que é uma estrutura eidética, como vimos na metafísica
40
de modo pontual.
Como se sabe, Kant defendia que a lógica aristotélica (que
ele entendia como lógica puramente formal) nasceu perfeita.
Depois das descobertas da lógica simbólica, ninguém mais
pode repetir tal juízo, visto que a aplicação dos símbolos
facilitou enormemente o cálculo lógico e mudou muitas coisas.
Ademais, é bem difícil afirmar que o silogismo é a forma
própria de qualquer mediação e de qualquer inferência, como
acreditava Aristóteles. Contudo, por mais numerosas que
sejam as objeções que foram e ainda podem ser formuladas
contra a lógica aristotélica, e por mais verdades que possam
conter as instâncias que vão do Novum Organon de Bacon ao
Sistema de lógica de Stuart Mill, além de instâncias que vão da
lógica transcendental kantiana à lógica da razão (lógica do
infinito) hegeliana, ou, enfim, as instâncias das metodologias
das ciências modernas, é sempre indubitável que a lógica
ocidental em seu conjunto tem suas raízes no Organon de
Aristóteles, que, portanto, ainda é um marco no caminho do
pensamento humano.
NOTAS
1. Cf. Metaph. e 2-4.
2. Cf. Reth. a 4, 1.359 b 10, em que se fala de “ciência analítica (e, como iremos ver
em seguida, “analítica” substitui, em Aristóteles, a palavra “lógica”).
3. Cf. Th. Waitz, Aristotelis “Organon”, 2 v. Lipsiae, 1844 (reed. Aalen, 1965), v. ii, p.
293 ss.
4. Cf. C. Prantl, Geschichte der logik im Abendlande, 2 v. Leipzig, 1927, v. ii, p. 54,
535.
5. Além de Analíticos, Aristóteles usa a expressão Escritos sobre o silogismo para
referir-se a esses textos. Ver M. Mignucci (org.), Aristóteles. Analitici primi.
Nápoles, 1970, p. 40 e nota 2.
6. Confutazioni sofistiche, 34, 183 b 34 ss e, em parte, 184 a 8-184 b 8.
7. Ver status quaestionis em Aristóteles, Analitici primi, p. 19 ss; cf. também
V. Sainati, Storia dell’“Organon” aristotelico, Florença, 1968.
8. Cf. Waitz (org.), Organon, i, p. 366 ss.
9. An. post. a 2, 71 b 17-25, tradução Mignucci (Aristotele, Gli “Analitici secondi”,
Bolonha, 1970; essa é a edição condensada. Mignucci reeditou-a com amplíssimo
comentário na mesma coleção em que saíram Gli “Analitici primi”, Loffredo,
Nápoles).
10. Em sua edição cit. do Organon, Waitz os considera simplesmente o último livro
(Iota) dos Tópicos; cf. a justificativa que ele fornece no v. ii, p. 528 ss; cf. também
as indicações dadas por Mignucci na edição citada de Gli “Analitici primi”, p. 19,
nota 2.
11. Cat. 4, 1 b 25-27 (D. Pesce [org.], Aristoteles, Le categorie. Pádua, 1966).
12. Ibid., 4, 2 a 4-10.
13. Cf. os lugares em que tais definições aparecem no Organon (Waitz, op. cit., ii, p.
398 ss).
14. Cf. passagens ibid., ii, p. 399.
15. Ver em especial Metaph. z 12.
16. De interpr. 1 e 9.
17. Ibid., 4, 17 a 1-7.
18. Ibid., 5-6.
19. Ibid., 7.
20. Ibid., 9 ss.
21. An. pr. a 1, 24 b 18-22 (afastamo-nos em parte da tradução de Mignucci).
22. M. Mignucci, La teoria aristotelica della scienza. Florença, 1965, p. 151.
23. Cf. An. pr. a 4.
24. Sobre todas essas questões aqui apenas mencionadas, o leitor encontrará as
explicações e os aprofundamentos necessários na introdução e no comentário de
Mognucci, tantas vezes citados.
25. Mignucci, La teoria aristotelica della scienza, p. 110 ss.
26. An. post. a 2, 71 b 9-25 (tradução de M. Mignucci).
27. Metaph. z 9, 1.034 a 30-32.
28. An. pr. b 23, passim.
29. Cf. H. Bonitz, Index aristotelicus, p. 264 a s.v.
30. An. pr. b 19, 100 b 5-17.
31. An. post. a 10, 76 b 11-16.
32. Ver Metaph G 3-8 e Aristóteles, La metafisica (Reale, op. cit., v. i, p. 329-357).
33. Top. a 1, 100 a 18-100 b 23 (a tradução é de Giorgio Colli, cf. Organon, Laterza,
Bari 1970).
34. Ibid., a 2, 101 a 36; 101 b 4.
35. Para uma exposição específica da dialética aristotélica, cf. A. Viano, La logica di
Aristotele. Turim, 1955, cap. iv, passim.
36. Cic., De Oratore 2, 39, 162 (cf. Top. h. no final).
37. Ross, Aristotele, p. 86 ss.
38. Cf. nota 10, acima.
39. Em Metaph. z 7, 1.032 b 1 ss, Aristóteles diz, sem meios-termos: “chamo de
‘forma’ (eîdos) a essência de cada coisa e a substância primeira”.
40. Remetemos, para todos os oportunos aprofundamentos, ao livro z da Metafísica,
passim, essencial para compreender o pensamento aristotélico como um todo. A
lógica (como qualquer outra parte do pensamento aristotélico) só é inteligível
com base na doutrina da substância-forma, tal como vem determinada nesse
livro. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 562-637.
HISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS
INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES
História da escola peripatética e dos escritos de Aristóteles até a edição de
1
Andrônico de Rodes
Em 322-321 a.C., Teofrasto sucedeu Aristóteles na direção do
Perípato, mantendo-se à frente da escola até 288-284 a.C. Ele
foi uma figura de primeira ordem, um pesquisador formidável,
de cultura enciclopédica; quanto à vastidão do saber, rivalizava
com o próprio Aristóteles. Teofrasto, que, como vimos, seguiu
de perto a evolução do pensamento aristotélico desde os
tempos de Assos e Mitilene, não foi contudo capaz de retomar
e repensar os temas aristotélicos. Na verdade, orientou o
aristotelismo para uma direção naturalística e fez com que
perdesse seu peculiar vigor especulativo. Em sua Metafísica,
imprimiu um sentido cosmológico à ontologia aristotélica,
reduziu o alcance do finalismo e começou a levantar dúvidas,
embora timidamente, sobre o Motor Imóvel. Revelou
tendências análogas também em física e psicologia. Na ética,
preferiu a fenomenologia descritiva à análise dos princípios (é
famoso o seu Características). Em lógica, produziu algumas
correções e inovações. A mais conhecida é a doutrina do
silogismo hipotético, na qual foi precursor dos estoicos.
Tendências análogas podem ser reconhecidas também em
outros discípulos de Aristóteles: Eudemo, Dicearco e
Aristóxeno. Os dois últimos voltaram até a defender a doutrina
materialista da alma-harmonia, expressamente refutada por
Aristóteles.
Abertamente materialista foi a orientação do terceiro
escolarca do Perípato, Estratão de Lâmpsaco, que dirigiu a
escola de 288-284 a 274-270 a.C. e que eliminou o fim,
eliminou a forma, eliminou o Motor Imóvel da explicação da
natureza e do cosmo, limitando-se a fazer uso dos conceitos de
matéria e movimento. De mais a mais, entendeu a psicologia
num sentido sensualista, de modo que era conhecido, e com
razão, como “o Físico”.
De 270 a.C. até por volta do fim da era pagã, a vida da escola
aristotélica prosseguiu num clima de monotonia e
constrangedora mediocridade. Lícon, que sucedeu Estratão e
manteve o escolarcado por quase meio século, era mais literato
que filósofo, assim como seu sucessor, Aríston de Quios. Um
contemporâneo de Lícon, Jerônimo de Rodes, acolheu
ecleticamente as doutrinas epicurianas. Critolaus de Faselide,
sucessor de Aríston, pendeu para o estoicismo, e tendências
ecléticas podem ser encontradas em seu sucessor, Diodoro de
Tiro.
Depois de Diodoro, os aristotélicos deixaram pouquíssimos
vestígios até Andrônico de Rodes, que, como veremos a seguir,
lançou as bases de um renascimento de Aristóteles e salvou o
pensamento do filósofo para a posteridade.
Pode-se perguntar quais teriam sido as razões que levaram a
escola de Aristóteles a uma crise tão grave, que começou logo
após sua morte e prosseguiu por um século e meio. Entre as
muitas causas possíveis, uma é decisiva. Ao morrer, Teofrasto
deixou os prédios e os jardins para a escola, mas entregou a
biblioteca, e portanto todos os escritos de Aristóteles, para
Neleu de Scepsis (Diógenes Laércio, v, 52), filho daquele
Corisco que já conhecemos. Hoje sabemos por Estrabão (xiii, i,
54) que Neleu transferiu-se com a biblioteca para a Ásia
Menor, e que, morrendo lá, deixou-a para seus herdeiros.
Estes, que não tinham pelas obras nenhum interesse especial,
resolveram esconder os preciosos manuscritos num porão,
para evitar que caíssem nas mãos dos reis atálidas, dedicados à
construção da biblioteca de Pérgamo. Assim, os escritos
ficaram escondidos até serem comprados por um bibliófilo de
nome Apelicão, que os levou de volta a Atenas, onde ficaram
por breve tempo. Depois da morte de Apelicão, eles foram
confiscados e levados para Roma (86 a.C.) por Sila, e lá foram
entregues para transcrição ao gramático Tirânio, que não
terminou a obra, depois levada a termo por Andrônico.
Portanto, após a morte de Teofrasto, a escola peripatética foi
privada do instrumento mais importante de uma escola
filosófica: a biblioteca. E foi privada justamente daquela
produção aristotélica que consistia nos cursos e aulas, ou seja,
nos escritos esotéricos, que continham a mensagem
indiscutivelmente mais original e mais profunda do Estagirita.
Assim, estavam disponíveis apenas as obras publicadas (as
exotéricas) e talvez partes ou extratos dos textos esotéricos; em
todo caso, o que estava à disposição correspondia a uma
parcela mínima da obra completa de Aristóteles.
Andrônico de Rodes, que mencionamos antes e que era,
como quer uma antiga tradição, o décimo primeiro escolarca
do Perípato, foi de Atenas a Roma disposto a recuperar o
Aristóteles esotérico para a escola e para o mundo filosófico. É
provável que tenha estabelecido uma relação com Tirânio,
beneficiando-se do trabalho que ele já havia feito; de modo
que, entre 40 e 20 a.C., Andrônico pôde afinal publicar as
obras de escola do Estagirita. A publicação seguiu um
procedimento sistemático, segundo um plano preciso, que
levava em conta o conteúdo das obras e a ordem lógica em que
deveriam ser lidas. Assim, pela primeira vez, os estudiosos
tinham à disposição todo o material deixado por Aristóteles
organizado do ponto de vista conceitual. Foi só depois dessa
edição de Andrônico que se começou, muito devagar ainda, a
entender que o verdadeiro Aristóteles não estava naqueles
escritos publicados para um amplo círculo de leitores, mas nos
textos esotéricos redigidos como apontamentos de cur-so para
seus alunos. A profundidade dos esotéricos pouco a pouco
venceu sua dificuldade e a linguagem própria para iniciados.
Com o passar do tempo, aliás, a situação mudou
completamente: as obras exotéricas foram postas de lado,
caindo no esquecimento e se perdendo; só os escritos
esotéricos chegaram até nós, justamente na sistematização
realizada por Andrônico.
2
Os comentaristas gregos de Aristóteles
Depois da edição de Andrônico, a produção dos
peripatéticos mudou de tom e de nível. Mesmo que não
tenham ensejado um repensamento radical de Aristóteles,
podemos falar de um “renascimento aristotélico”, que
começou como um trabalho de exposição e exegese do
pensamento esotérico do Estagirita e culminou com a criação
dos grandes comentários às várias obras.
Andrônico propunha uma leitura de Aristóteles que
começava com a Lógica, sublinhando seu valor instrumental;
seu discípulo Boezo de Sidón, por sua vez, propunha que se
começasse com a Física. Tudo indica que ambos tendiam para
uma interpretação naturalista do pensamento aristotélico.
Nicolau de Damasco (entre as eras pagã e cristã) escreveu
uma obra orgânica, Acerca da filosofia de Aristóteles, que parece
ter sido a primeira apresentação sistemática do Aristóteles
esotérico.
Com Aspásio (primeira metade do século ii a.C.) começa a
série dos comentaristas. De sua autoria, chegou a nós uma
parte do comentário da Ética a Nicômaco. Também são
lembrados como comentaristas Adrasto de Afrodísia e
Hermínio, cujo discípulo, Alexandre de Afrodísia, é
considerado o maior dos comentaristas de Aristóteles.
De Alexandre (que foi professor de filosofia aristotélica em
Atenas entre 198 e 211 d.C.) chegaram aos nossos dias o
imponente comentário da Metafísica (cujo texto talvez inclua
uma parte espúria), o comentário dos Analíticos primeiros, dos
Tópicos e dos Meteorológicos. Na verdade, Alexandre também
produziu um pensamento próprio, não alinhado à ortodoxia
aristotélica. Ele se inclinou para o naturalismo em ontologia e
psicologia, acentuando o caráter imanente da forma e,
portanto, da alma, que considera mortal. O intelecto agente,
que Aristóteles julgava a faculdade imanente da alma, para
Alexandre era a causa primeira transcendente, entidade
transcendente e ao mesmo tempo comum a todos os homens.
A intelecção teria lugar nos homens por obra da atividade
desse intelecto produtivo transcendente, único para todos,
sobre o intelecto de cada um de nós. Teríamos, portanto, um
contato direto com o divino, mas seríamos mortais.
Alexandre fecha a série de comentadores com convicções
aristotélicas. Depois dele, Aristóteles ainda seria muito lido e
estudado, mas em função do neoplatonismo, e os aristotélicos
puros seriam verdadeiras exceções, como Temístio, por
exemplo, no século iv, autor de paráfrases aos tratados
aristotélicos. O aristotelismo irá se fundir e se incorporar ao
neoplatonismo; assim, o Perípato e os peripatéticos deixariam
de existir como escola e como filosofia autônoma cerca de três
séculos antes que as escolas pagãs fossem oficialmente fechadas
por ordem de Justiniano.
Mas o comentário a Aristóteles continuaria a desfrutar da
estima dos neoplatônicos. A tendência comum a todos os
comentaristas era conciliar tanto quanto possível Platão e
Aristóteles. No século iii d.C., Porfírio (discípulo de Plotino),
primeiro dos comentaristas neoplatônicos, dedicou-se às
Categorias, escrevendo o Isagoge, ponto de referência para
todos os pensadores medievais.
Do círculo de Giamblico, temos Dexipo (século iv), autor de
um comentário às Categorias.
Também entre os neoplatônicos das escolas de Atenas e de
Alexandria havia numerosos comentaristas de Aristóteles.
Siriano (século v), que foi professor de Proclo, deixou um
comentário à Metafísica. Amônio, discípulo de Proclo que
dirigiu a escola de Alexandria, comentou Categorias, Sobre a
interpretação e Analíticos primeiros.
Todos os comentaristas do século v vieram da escola de
Amônio: Asclépio, do qual restou um comentário parcial à
Metafísica; João Filipono, que comentou obras de lógica e
também Física, Sobre a alma, Metafísica, Sobre a geração e a
corrupção, Meteorológicos e Sobre a geração dos animais.
Discípulo de Amônio foi também Simplício, que transitou
entre as correntes alexandrina e ateniense do neoplatonismo.
Comentou Categorias, Física, Sobre o céu e Sobre a alma. Em
529, foi obrigado a abandonar Atenas e migrou para a Pérsia,
em decorrência do fechamento das escolas pagãs por
Justiniano.
Entre os mais jovens discípulos de Amônio figurava
Olimpiodoro (segunda metade do século vi), que, além dos
diálogos platônicos, comentou Categorias. Elias e David foram
seus discípulos e deixaram comentários a Categorias e ao
3
Isagoge de Porfírio (século vii).
Ao lado dos comentaristas gregos, é importante mencionar
também os bizantinos, dos quais os mais conhecidos são
Miguel de Éfeso (cujos comentários a algumas obras científicas
e a Ética chegaram até nós) e Eustrásio (do qual temos um
comentário a Análiticos segundos), que viveram no século xi, e
Sofonias, do qual restou um comentário a Sobre a alma.
(Recordemos, enfim, que também saiu das fileiras do
neoplatonismo o Ptolomeu que escreveu uma Vida de
Aristóteles, tornando-se fonte de informações para quase todas
4
as biografias sucessivas do Estagirita. É provável que fosse
discípulo de Porfírio e Giamblico, e tenha vivido em
Alexandria na primeira metade do século iv.)
5
Aristóteles na Idade Média
No século vi, Severino Boécio traduziu o Organon de
Aristóteles para o latim. Dessa tradução circulam apenas
Categorias e Sobre a interpretação, visto que as traduções dos
outros tratados transformaram-se em letra morta. Mas essas
duas se conservaram, tanto que ainda foram utilizadas no
século xii, conforme demonstraram estudos mais recentes.
Portanto, entre os séculos vi e xii, o mundo latino só conheceu
efetivamente e estudou da obra de Aristóteles os dois primeiros
tratados do Organon.
Enquanto isso, porém, Aristóteles renascia no mundo árabe.
Na primeira metade do século ix, foi fundada em Bagdá uma
escola de tradutores de grego que produziu versões árabes de
Aristóteles e de alguns de seus comentaristas mais conhecidos:
Alexandre, Temístio, Porfírio e Amônio. Foi traduzida
também a Theologia Aristotelis, que, como todos sabem, é na
realidade uma antologia das Enéadas de Plotino. Tudo isso
explica claramente por que a interpretação que os árabes
fizeram de Aristóteles era acentuadamente neoplatônica.
Na segunda metade do século ix, Al-Kindi escreveu uma
Introdução ao estudo de Aristóteles, codificando os cânones do
Estagirita numa interpretação de caráter decididamente
neoplatônico, que ele aplicou também em seus comentários a
algumas obras singulares. Al-Farabi deu continuidade à obra
de comentário e repensamento de Aristóteles no século x,
assim como fez Avicena, com maior originalidade, no século
xi.
Mas o comentarista de Aristóteles por excelência foi
Averróis (“que o comentário deu”, como diz Dante, Inf., iv,
144), no século xii. Pelo menos em parte, Averróis reagiu
contra a interpretação neoplatônica; mesmo sem obter êxito
completo, decerto percorreu um longo caminho na direção
oposta à de seus predecessores. Redigiu três séries de
comentários: a) “os pequenos comentários”, paráfrases que
sintetizam as teses e conclusões de Aristóteles, sem as
mediações teóricas que levam a tais conclusões e destinadas
àqueles que não tinham condições de enfrentar a leitura dos
textos do Estagirita; b) os “comentários médios”, em que
expõe a doutrina aristotélica com as respectivas mediações
demonstrativas, acompanhadas também de reflexões pessoais;
c) os “comentários maiores”, em que apresenta os textos
aristotélicos com as respectivas interpretações.
Por intermédio da Espanha, da Sicília e da Itália meridional,
o aristotelismo árabe teve notável influência sobre o
pensamento ocidental, que, como dissemos, entre todas as
obras de Aristóteles, só havia lido diretamente os dois
primeiros tratados do Organon.
No século xii, entre 1128 e 1155, Giacomo Veneto
desenvolveu uma atividade febril de tradutor, como
demonstrou recentemente Minio-Paluello. Traduziu Analíticos
primeiros e Analíticos segundos, Tópicos, Refutações, Física,
Sobre a alma, parte de Parva naturalia, Metafísica e os escólios
6
gregos a Analíticos primeiros e ao primeiro livro da Metafísica.
Grande parte do Corpus aristotelicum também foi traduzida,
no mesmo século, por autores ainda não identificados. No fim
do mesmo século, somente as seguintes obras de Aristóteles
ainda não tinham sido traduzidas para o latim: Sobre o céu, os
três primeiros livros de Meteorológicos, talvez Política e
Economia, os tratados sobre os animais, Retórica e Poética.
Na primeira metade do século xiii, Roberto Grossates-ta
traduziu, com alguns colaboradores, entre outras obras, Sobre
o céu e Ética a Nicômaco, com comentários de Eutrásio, Miguel
de Éfeso e Aspásio.
Na corte de Manfredi, Bartolomeu de Messina traduziu
várias obras científicas do Estagirita.
Por fim, na segunda metade do século xiii, o tradutor
responsável foi Guilherme de Moerbeke; em parte utilizando
as traduções anteriores, em parte retraduzindo ex novo,
colocou à disposição do leitor ocidental toda a obra de
Aristóteles. Assim, Enzio Franceschini resume os resultados
das pesquisas acerca das traduções de Guilherme de Moerbeke:
Guilherme corrigiu as seguintes versões anteriores a ele: Sophistici elenchi (de
Boécio); Analytica posteriora, Physica, De anima, De memoria, De longitudine,
De iuventute, De respiratione, De morte (todas de Giacomo Veneto); De
generatione, De sensu, De somno, Metaphysica media, Politica vetus, De partibus
animalium (?); anônimas: Liber ethicorum, De caelo, Simplicius in “De caelo”
(Roberto Grossatesta). Traduziu ex novo as seguintes: Meteora, o comentário de
Alexandre de Afrodísia a Meteorológicos (1260); o comentário de João Filipono
aos livros i e ii de De anima (1268); o comentário de Temístio a De anima
(1267); o comentário de Simplício a Predicamenta (com o texto aristotélico:
1266); o comentário de anônimo a Periermeneias; o livro xi (K) da Metafísica;
os livros ii-viii de Politica; Rhetorica; Epistola ad Alexandrum; Poetica; De
historia animalium, De progressu animalium, De motu an., De generatione an., o
7
comentário de Alexandre de Afrodísica a De sensu.
Nos séculos xii e xiii foram realizadas também várias
traduções de Aristóteles do árabe; no século xiii, sobretudo no
âmbito do comentário de Averróis.
Em paralelo às traduções, surgiram no século xiii e no
seguinte inúmeros comentários. Os que indicaremos agora são
apenas os mais conhecidos; muitos ainda são inéditos, pois um
catálogo completo ainda não foi compilado. Comentários a
Analíticos segundos e Refutações, além de um compêndio da
Física, por Roberto Grossatesta. Paráfrases às obras
aristotélicas (Lógica, Física, Metafísica, Ética e Política), de
Alberto Magno. Esclarecedores e corretos comentários, ainda
hoje amplamente utilizáveis, de Tomás de Aquino a Sobre a
interpretação, Física, Metafísica, Ética, Sobre a alma, Sobre o
senso e o sensato, Sobre o céu e o mundo, Meteorológicos, Política.
Roger Bacon escreveu Quaestiones supra libros octo
“Physicorum” Aristotelis e Quaestiones supra libros “Primae
Philosophiae”. Egídio Romano comentou Sobre a geração, Sobre
a alma, Física, Metafísica e os escritos sobre lógica. A Henrique
de Gand são atribuídas as Quaestiones supra “Metaphysicam”
Aristotelis e um comentário a Física. De Scotus recordaremos
as Quaestiones subtilissimae super libros “Methaphysicorum”
Aristotelis. De Ockham recordaremos Expositio in librum
“Porphirii”, In librum “Predicamentorum”, In duos libros
“Perihermeneias”, In duos libros “Elenchorum”, Expositio in octo
libros “Physicorum” e Quaestiones in libros “Physicorum”
(inéditas).
A interpretação que a Idade Média fez de Aristóteles, como
mencionamos, ressentiu-se fortemente da interpretação
neoplatônico-avicenista. De resto, além da influência dos
comentaristas árabes, também contribuiu para essa
interpretação a atribuição a Aristóteles do Liber de causis, que,
como sabemos hoje, é um extrato da Elementatio theologica de
Proclo (Santo Tomás de Aquino irá perceber a dependência do
Liber de causis em relação a Elementatio).
Como é sabido, Aristóteles não foi prontamente aceito pelos
pensadores cristãos. Os livros de lógica e de ética foram bem
recebidos, enquanto os de metafísica, física e cosmolo-gia eram
considerados contrários à doutrina da Revelação, pois
defendiam a eternidade do mundo. Isso agravou-se à medida
que pensadores imanentistas e os de tendência herética, como
Amalrico de Bena e David de Dinant, pareciam encontrar
apoio nas doutrinas aristotélicas. A partir de 1210, as obras
físicas e metafísicas do Estagirita foram proibidas em Paris.
Mas os vetos foram inúteis, e as obras continuaram a se
afirmar cada vez mais. Eis um fato altamente significativo: em
1263, Urbano iv confirmava a interdição, mas permitia que,
precisamente em sua corte, Guilherme de Moerbecke
traduzisse as obras que proibira. Na realidade, a partir da
segunda metade do século xiii, Aristóteles se transformou no
filósofo cujas obras constituíam, na universidade, os livros de
texto para o ensino da filosofia nos cursos de artes.
A história da interpretação medieval de Aristóteles coincide
com a história do pensamento árabe e da escolástica, ou seja,
com a parte mais conspícua da filosofia medieval. O problema
principal, tanto entre os árabes quanto no mundo latino, foi a
conciliação das doutrinas aristotélicas com os textos sagrados.
Limitando-nos ao Ocidente, que é o que nos diz respeito mais
de perto, destacam-se pelo menos três posições diversas em
relação a Aristóteles: a) um grupo de pensadores assume em
relação ao Estagirita uma posição negativa mais ou menos
nuançada, afirmando a necessidade de um retorno ao
agostinismo (Guilherme de Auvergne, Alexandre de Hales,
Roberto Grossatesta e o grande Boaventura); b) outros, como
Alberto Magno e sobretudo Tomás de Aquino, tentaram
realizar uma mediação integral entre Aristóteles e a doutrina
revelada (a introdução do teorema da distinção entre essência
e existência deu a Santo Tomás a base para fundamentar, no
plano racional, o princípio da criação e reformar radicalmente
o aristotelismo, tornando-o conciliável com a fé); c) Siger de
Brabante, enfim, sem se preocupar em conciliar Aristóteles e a
fé, deu ao filósofo uma interpretação de caráter decididamente
averroísta; rechaçou a reforma tomista e defendeu que, para
Aristóteles, o mundo é eterno, sem início e portanto
necessário, dado que desde sempre o Motor Imóvel atrai e
move o Universo, e que o intelecto possível é uma substância
separada, única para todos os homens; para superar a oposição
que assim se criava entre o pensamento de Aristóteles e os
dogmas da fé, Siger introduziu a distinção entre duas ordens
de verdade, a verdade de fé e a verdade de razão.
Em geral, é preciso dizer que a Idade Média tomou de
Aristóteles as categorias essenciais para entender Deus (ser
supremo, suprema forma, pensamento de pensamento), o
cosmo (estrutura hilemórfica dos entes materiais, ato, potência
e todos os conceitos a eles ligados; finitude do mundo e sua
estrutura) e o próprio homem (o conceito de alma como
forma substancial, os processos do conhecimento, o conceito
de virtude). Na verdade, a Revelação iria transformar e
conferir valores inéditos a tais categorias. Mas os filósofos
medievais só estavam parcialmente conscientes disso. As
interpretações mais recentes da filosofia medieval estão
deixando cada vez mais claro como era simplista o velho
esquema que via na escolástica uma mera adaptação de
Aristóteles às exigências da Revelação. Em todo caso, ainda é
verdade que o fundador do Perípato estimulou e fecundou o
pensamento medieval como nenhum outro filósofo nas eras
que o seguiram. O epíteto que Dante deu a Aristóteles,
chamando-o de “mestre dos que sabem”, exprime à perfeição
o sentimento de toda uma época.
8
Aristóteles no Renascimento e nos primeiros séculos da era moderna
Se Dante deu o cetro do saber a Aristóteles, Petrarca, abrindo a
era do humanismo, o entregaria a Platão. Na filosofia
humanístico-renascentista, quem estimulou a reflexão
filosófica foi sobretudo Platão. Porém, também Aristóteles,
mesmo que em menor grau, desfrutou de um novo
renascimento.
Na era renascentista, o rosto de Aristóteles muda muito em
relação à Idade Média; entre outras coisas, afirma-se nessa
época o mito da oposição radical entre os dois filósofos. Na
realidade, a oposição nasce do conflito de dois ideais; os
amantes das letras e os espíritos religiosos encontrarão em
Platão (neoplatonicamente entendido) seu alimento espiritual,
enquanto os amantes das ciências, os espíritos laicos e os
amantes da empiria encontraram seu alimento em Aristóteles.
Os dois vão se transformar, assim, em dois símbolos: o
primeiro, de uma visão transcendental-religiosa-espiritualista
da realidade; o segundo, de uma visão predominante
naturalista-empirista. O célebre afresco Escola de Atenas, de
Rafael, representa visualmente essa oposição de maneira
admirável, retratando Platão com o dedo apontado para
invisíveis e metafísicas alturas, e Aristóteles, para os fenômenos
visíveis da experiência.
O primeiro defensor da oposição entre Aristóteles e Platão
foi Jorge Gemistos Pleton, que foi para a Itália de Bizâncio por
ocasião do Concílio de Florença. Ele pretendia reunificar as
religiões com base na metafísica do platonismo
(neoplatonicamente entendido), que considerava
incomparavelmente superior à de Aristóteles. Sua Comparação
da filosofia de Platão e de Aristóteles (redigida por volta de
1440) provocou uma reação forte entre os aristotélicos e deu
origem a uma série de escritos polêmicos. Recordaremos Jorge
Scholario Genádio, que escreveu Sobre as dúvidas de Pleton
acerca de Aristóteles. Teodoro Gaza também escreveu contra
Pleton. Ficou famosa sobretudo a resposta de Jorge de
Trebizonda a Pleton, Comparação dos filósofos Platão e
Aristóteles (1455), respondida por sua vez por Basílio
Bessarion, que escreveu Contra um caluniador de Platão
(1469).
Jorge Genádio ( † c.1464), Jorge de Trebizonda ( † 1484),
Teodoro Gaza (1400-1478) e Hermolau Bárbaro ( † 1493) são
considerados iniciadores do aristotelismo renascentista. Jorge
de Trebizonda fez nove traduções de textos aristotélicos e
comentou sobretudo os escritos relativos à lógica. Teodoro
Gaza também traduziu obras de Aristóteles e de Teofrasto.
Hermolau Bárbaro traduziu, além dos escritos de Aristóteles,
os comentários de Temístio. (Proveniente da margem oposta, é
importante recordar a excelente tradução de Bessarion da
Metafísica.)
O Aristóteles que renasce, como já mencionamos, é um
antiplatônico e também acentuadamente antiescolástico:
Hermolau considerava Alberto e Santo Tomás (assim como
Averróis) “bárbaros”.
Entre os aristotélicos renascentistas, é possível identificar
duas orientações segundo posições interpretativas opostas: os
averroístas, que enfatizavam o intelecto possível único para
todos, e os alexandristas, que sublinhavam, ao contrário, a
mortalidade da alma. A Universidade de Pádua era o centro do
averroísmo; o iniciador da interpretação alexandrista foi Pedro
Pomponazzi.
Entre os aristotélicos que, de certa forma, se inspiraram no
averroísmo, recordamos Nicolau Vernia ( † 1499), Agostinho
Nifo ( † 1546), que se aproximou mais tarde do tomismo,
Alexandre Achillini (†1512) e Marco Antônio Zimara (†1532).
Simão Pórcio ( † 1555) foi seguidor de Pomponazzi (1462-
1524). César Cesalpino ( † 1603) interpretou Aristóteles numa
chave naturalista. Jacobo Zabarella ( † 1589) e César Cremoni
(†1631) aproximaram-se da interpretação alexandrista.
Fora da Itália, trataram de Aristóteles com exposições e
comentários J. Faber Stapulensis (Jacques Lefèvre, † 1537, que
foi o iniciador do humanismo francês), Petrus Ramus (Pierre
de la Ramée, † 1572), que criticou a lógica aristotélica, mas
escreveu comentários aos escritos lógicos Física e Metafísica. O
próprio Filipe Melantone (1497-1560) mostrou-se bastante
sensível ao discurso aristotélico.
Muitas traduções e diversos comentários humanistas e
renascentistas a Aristóteles ainda precisam ser descobertos ou
permanecem inéditos. Um catálogo dessas obras não foi
organizado nem sequer programado.
Um renascimento de Aristóteles de caráter escolástico
aconteceu por obra dos dominicanos e depois dos jesuítas
(cuja ordem foi fundada em 1540), em conexão com seu
trabalho em favor da Contrarreforma.
Entre os dominicanos, destacamos: Domingo de Flandres
( † c.1500), que escreveu Questiones, acerca da Metafísica do
Estagirita; Crisóstomo Javelli ( † meados dos anos 1500), que
comentou, entre outros, Metafísica, Ética, Política e Sobre a
alma; Francisco Silvestre de Ferrara ( † 1528), que escreveu,
entre outros, Questioni sulla “Fisica” e sul “De anima”; To-más
de Vio ( † 1534), que comentou as obras de lógica e Sobre a
alma.
Depois do Concílio de Trento, surgiram Domingo Soto
(†1560), que comentou Física e Sobre a alma; Francisco Toledo
(†1596), que comentou as obras de lógica, Física, Sobre a alma
e Sobre a geração; Pedro Fonseca ( † 1599), que comentou
Metafísica; Francisco Suárez ( † 1617), cujas Disputationes
metaphysicae são dignas de nota. Recordaremos por último
Silvestre Mauro (1619-1687), que comentou de forma clara e
linear todo o Aristóteles filósofo (Lógica, Retórica, Poética,
Éticas, Política, Economia, Física, Sobre o céu, Sobre o mundo,
Sobre geração, Sobre a alma, Parva naturalia, Metafísica), obra
publicada em Roma, em 1668 (a reedição, publicada em Paris,
em 1885, ainda pode ser encontrada: Aristotelis Opera Omnia
quae extant brevi paraphrasi et litterae perpetuo inhaerente
expostione illustrata a Silvestro Mauro, 4 v.).
Mas a filosofia moderna já havia tomado um rumo
totalmente diverso. Depois de Galileu, Bacon e Descartes,
Aristóteles foi quase esquecido; Leibniz constitui a típica
exceção que confirma a regra. O grande Kant irá ignorar quase
completamente os escritos do Estagirita. A lógica formal
aristotélica, que ele conhece e louva, é na verdade a lógica
amplamente reelaborada pela tradição escolástica; a metafísica
que debate é a racionalista, de Wolf; enquanto as éticas que vão
lhe servir de confrontação são as éticas epicurista e estoica.
Assim, até a chegada de Hegel, todos os grandes filósofos
ignoraram os escritos de Aristóteles.
O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX
No decorrer do século xix, dois acontecimentos mudaram
radicalmente a situação a favor de Aristóteles: a nítida
reavaliação da filosofia do Estagirita feita por Hegel e a grande
edição crítica da obra completa de Aristóteles realizada pela
Academia de Berlim e organizada por Bekker e outros filólogos
de renome inquestionável.
Hegel tomou uma posição drasticamente favorável a
Aristóteles, sobretudo em Lições sobre a história da filosofia
(que, como todos sabemos, nasceram de uma série de cursos
universitários ministrados em Jena, em 1805-1806, em
Heidelberg, em 1816-1817 e em 1817-1818, e por fim em
Berlim, entre 1819 e 1820), lições publicadas postumamente
9
por Michelet, em 1833, e ampliadas em 1840-1844. Eis uma
das afirmações de Hegel, extremamente significativa: “Ele
[Aristóteles] é um dos mais ricos e profundos gênios
científicos que jamais existiram, um homem ao qual nenhuma
época pode contrapor outro igual” (v. ii, p. 275). E eis como o
filósofo alemão estigmatizava a ignorância de sua época acerca
da filosofia de Aristóteles:
Entre outras coisas, o que nos induz a tratar extensamente Aristóteles é a
consideração de que contra nenhum outro filósofo se cometeu tamanha
injustiça, com tradições desprovidas de qualquer sombra de pensamento
transmitidas a respeito de sua filosofia, bem conceituadas até hoje, embora ele
tenha sido por tantos séculos o mestre de todos os filósofos. De fato, opiniões
diametralmente opostas à sua filosofia lhe são atribuídas. Enquanto Platão é
muito lido, os tesouros aristotélicos continuaram desconhecidos durante
séculos, até a era moderna, e os mais infundados preconceitos a seu respeito
ainda prevalecem. Quase ninguém conhece suas obras especulativas, lógicas; às
obras dedicadas à história natural, rendeu-se modernamente certa justiça, mas
não às concepções filosóficas. Por exemplo, é opinião quase universal que as
filosofias aristotélica e platônica são completamente opostas, como o realismo
ao idealismo; o aristotelismo seria realismo em sua forma mais trivial. Platão
teria situado como princípio o ideal, de modo que a ideia interna se alimentaria
de si mesma em sua criação; segundo Aristóteles, ao contrário, a alma seria
uma tábula rasa, recebendo do exterior, de maneira passiva, todas as suas
determinações; a filosofia aristotélica seria portanto empirismo e lockismo da
pior espécie etc. Veremos como isso pouco corresponde à verdade. De fato,
Aristóteles superou Platão em profundidade especulativa, já que conheceu a
mais radical das especulações, o idealismo, e a ele se ateve, não obstante a parte
importantíssima que dedicou ao empirismo. Sobretudo entre os franceses,
contudo, ainda se nutrem opiniões absolutamente errôneas sobre Aristóteles. A
insistência da tradição em lhe atribuir cegamente certas afirmações, sem se
preocupar em verificar se estão mesmo em seus livros, pode ser provada pelo
fato de que, nos antigos tratados de estética, as três unidades do drama —
unidade de ação, de tempo e de lugar — são celebradas como les règles
d’Aristote, la saine doctrine. Mas Aristóteles, ao contrário (Poet. cap. 8 e 5), fala
apenas da unidade de ação e, incidentalmente, também da unidade de tempo,
sem fazer qualquer menção à terceira, a unidade de lugar. [p. 276]
Finalmente, eis a afirmação mais forte de Hegel a favor de
Aristóteles: “Se [ …] a filosofia fosse levada a sério, não haveria
nada mais digno que ministrar um curso sobre Aristóteles, o
mais digno de ser estudado entre os antigos filósofos” (p. 293).
Naturalmente, a interpretação de Hegel é muito apriorística,
visto que ele lê Aristóteles em função de suas próprias
categorias; contudo, resta sempre o aspecto positivo do que foi
dito.
O outro grande acontecimento já mencionado foi a edição
da obra completa de Aristóteles, por Bekker: Aristoteles Opera,
editit Academia Regia Borussica. Os primeiros dois volumes
têm o texto crítico de todas as obras e foram publicados em
1831; o volume iii, publicado também em 1831, contém várias
traduções latinas; o iv, de 1836, traz extratos dos comentários
gregos; o v, publicado em 1880, traz os Fragmentos e o Index
aristotelicus. Os comentários foram organizados por Brandis (e
alguns suplementos editados por Usener foram inseridos no
volume v), os Fragmentos foram recolhidos por V. Rose, e o
Index foi preparado por H. Bonitz (cf. organização de Bekker
reeditada por O. Gigon, Berlim, 1960 ss). Entre 1853 e 1860,
Brandis apresentou uma exposição acuradíssima do
pensamento aristotélico, apoiada em sólidas bases filológicas,
dedicando ao tema pelo menos três dos seis volumes de sua
célebre obra Handbuch der Geschichte der griechisch-römischen
Philosophie. Além do Index, que continua a ser um
instrumento indispensável de trabalho, Bonitz fez um
excelente comentário (além de uma nova edição crítica da
Metafísica) em latim (Aristotelis “Metaphysica”, recognovit et
enarravit H. Bonitz, 2 v., Bonn, 1848 ss), de caráter histórico-
filológico. Com sua edição dos fragmentos (refeita mais tarde,
em 1886, para a Bibliotheca Teubneriana) e com o volume
anterior, Aristoteles pseudepigraphus (Leipzig, 1863), Rose
lançou as bases para o renascimento dos estudos sobre o
Aristóteles exotérico (paradoxalmente, ele não considerava
autênticos todos os fragmentos dos exotéricos).
F. A. Trendelenburg formou-se como filólogo na escola de
Bekker e de Brandis (enquanto em filosofia se deixava arrastar
pela problemática hegeliana). Além de um pequeno livro que é
uma joia de perfeição e clareza, no qual apresenta e comenta
sistematicamente os textos fundamentais da lógica (Elementa
logicae aristoteleae, Berlim, 1836, com várias reedições),
Trendelenburg escreveu a primeira grande História da doutrina
das categorias, centrada principalmente em Aristóteles, além de
fazer a edição crítica com um comentário em latim a respeito
de Sobre a alma (Geschichte der Katogorienlehre, Berlim, 1846,
reeditado várias vezes, e Aristotelis “De anima”, libri tres, 1933;
edito altera emendata at auct, Berlim, 1877). O volume sobre
as categorias, que interpretava a gênese das categorias do ponto
de vista gramatical, deu origem a uma série de discussões de
alto nível que mergulhou a fundo na problemática relacionada
à doutrina aristotélica das categorias (o próprio Bonitz
participou dessas discussões). Na escola de Trendelenburg
formou-se, por sua vez, F. Brentano, que, com seu Von der
mannigfachen Bedeutung des Seiden nach Aristoteles (de 1862),
interpretou a ontologia aristotélica de maneira bastante
original, reconstruindo a “tábua” de significados do ser
segundo o Estagirita, mostrando a conexão entre os vários
significados e a relação analógica que liga todos eles à
substância. Como iremos ver a seguir, Brentano exerceu
influência sobre Heidegger, de quem parte toda uma corrente
de intérpretes de Aristóteles ainda hoje em atividade.
Todos esses livros, durante muito tempo, foram pontos de
referência autorizados e ainda são obras de leitura
indispensável.
Entre as obras do século xix que tiveram um peso notá-vel
no âmbito dos estudos aristotélicos podemos recordar: F.
Biese, Die Philosophie des Aristoteles, 2 v., Berlim, 1835-1842; F.
Ravaisson, Essai sur la “Metaphysique” d’Aristote, 2 v., Paris,
1837-1846, que entende a ontologia aristotélica numa chave
espirtualista-neoplatônica; Th. Waitz, que fez uma nova edição
crítica, com excelente comentário em língua latina do Organon
(Aristoteles, “Organon”, 2 v., Leipzig, 1844; Aalen, 1965, ed.
anast.); A. Schwegler, que fez uma edição com tradução e
comentário analítico da Metafísica: Die “Metaphysik” des
Aristoteles. Grundtext, Übersetzung und Commentar, 4 v.,
Tübingen, 1847 ss (Frankfurt, 1960, reed.), em que é possível
perceber influências hegelianas; Prantl, Geschichte der Logik im
Abdenlande, v. i, Leipzig, 1855 (Graz, 1955, reed.), que
também demonstra influências hegelianas.
O trabalho que teve maior influência sobre a cultura
filosófica foi o volume ii de Philosophie der Griechen, de E.
Zeller (1878), cuja tradução italiana está em curso (a última
parte do volume já foi publicada em Florença, pela Nuova
Italia, em 1966, com atualização de A. Plebe), em que a
inspiração hegeliana se faz sentir, embora de maneira
atenuada. Zeller vê Aristóteles como aquele que tentou
conciliar conceito puro e empiria sem o conseguir, em virtude
da impossibilidade de conciliação entre universal e individual.
Como, para Zeller, o indivíduo, segundo Aristóteles, era a
verdadeira substância, em última instância, esta seria
incognoscível; somente o universal era verdadeiramente
cognoscível. Quase toda a manualística irá repetir em larga
medida a interpretação de Zeller.
Muito inferior foi o volume sobre Aristóteles de Gomperz,
no âmbito de seus Griechische Denker, entre os séculos xix e xx
(tradução italiana, Florença, 1962), visto que, na tentativa de
reagir contra a interpretação espiritualista e idealista, deu à
leitura de Aristóteles uma perspectiva positivista tão pesada
que chegou a deformar de maneira evidente a imagem do
Estagirita.
Meier apresentou uma interpretação que corrigia em sentido
realista a leitura idealista de Prantl, com Die Syllogistik des
Aristoteles, 3 v., Tübingen, 1896-1900 (reed. anast. Hildesheim,
1969-1970). Entre os italianos, G. Calogero (I fondamenti della
logica aristotelica, Florença, 1927) tentou seguir um meio—
termo entre Prantl e Meier (ele vê na lógica aristotélica uma
cisão entre momento noético e momento dianoético).
Entre os séculos xix e xx, a bibliografia a respeito de
Aristóteles tornou-se muito abundante, e as posições dos
autores foram se tornando cada vez mais diluídas e plurívocas,
de modo que só seria possível traçar um quadro de conjunto
com uma série de observações que não cabe aqui
10
desenvolver.
Com uma considerável esquematização, é possível, contudo,
distinguir as seguintes orientações, entre as quais a literatura
dos séculos xix e xx parece evoluir:
1) Uma orientação idealístico-espiritualista, que teve início,
como vimos, com Hegel e mostrou-se muito fecunda
sobretudo naqueles autores que dele tomaram apenas alguns
pontos de partida, redimensionando-os em função dos
instrumentos filológicos que a edição Bekker colocou à
disposição de 1831 em diante.
2) Uma orientação positivista, cujo representante típico é
Gomperz. Se não as doutrinas do positivismo oitocentista,
com certeza a mentalidade positivista inspira também alguns
intérpretes do século xx (como Solmsen, por exemplo).
3) Uma orientação heideggeriana. Brentano, como dissemos,
influenciou Heidegger (O ser e o tempo começa com um
resumo das conclusões do livro de Brentano sobre o ser
aristotélico), que, aliás, não hesitou em afirmar: “Deixem de
lado a leitura de Nietzsche e durante dez a catorze anos
estudem primeiro Aristóteles.” Seguem essa orientação K.
Schilling Wollny, W. Bröcker, E. Tugendhat, L. Lugarini,
parcialmente, P. Aubenque e outros.
4) A orientação neoescolástica. (Em Louvain foi criada toda
uma coleção de estudos de Aristóteles que deu origem a obras
de ilustres aristotélicos como A. Mansion, E. Nuyens e G.
Colle; o Pontifical Institute of Medioeval Studies, de Toronto,
produziu uma das mais belas monografias sobre a metafísica
aristotélica, assinada por J. Owens; na Itália, criou-se uma nova
coleção para apresentar todas as obras filosóficas de Aristóteles
com ricos comentários.) É importante dizer que, ao contrário
do que muitos pensam, e de maneira simplista, os
neoescolásticos não estão interessados em tomistizar
Aristóteles, mas antes em compreendê-lo nos limites da
economia de seu pensamento para entender melhor as
novidades de Santo Tomás, enquanto os neoclássicos estão em
geral interessados em trazer à tona a originalidade e a validade
de certa impostação especulativa dos problemas que se
encontra justamente em Aristóteles.
5) A orientação histórico-filológica. Pelo menos nas intenções,
pretendia manter-se filosoficamente neutra. Contudo, isso só
acontece muito raramente, sobretudo nos trabalhos de maior
fôlego. Em todo caso, merece destaque o fato de que dessa
orientação filológica nasceu a interpretação chamada de
genética, inaugurada em 1923 por Werner Jaeger, da qual
falaremos a seguir (Jaeger foi discípulo do grande
Wilamowitz).
6) Por fim, no caso da interpretação da lógica, difundiu-se
uma tendência a entender o Organon com base nos cânones da
moderna lógica formal, ou logística (cf. em particular
Lukasiewicz e seus seguidores, e, na Itália, em particular M.
Mignucci). Cabe mencionar enfim uma tendência forte,
sobretudo nos países de língua inglesa, de estudar a Retórica e,
de uma maneira geral, Aristóteles do ponto de vista da
linguística moderna.
A inovação do método genético e a redescoberta do jovem Aristóteles
Como a interpretação genética introduziu na leitura de
Aristóteles um método não somente novo, mas revolucionário,
e deu origem a um verdadeiro Aristóteles-Renascimento, pelo
menos no círculo dos eruditos, devemos ilustrar brevemente
suas características e indicar seus êxitos.
Em 1923, Werner Jaeger publicou o volume Aristoteles,
Grundlegung einer Geschichte seiner Entwicklung (tradução
italiana de Guido Calogero, Florença, 1935, várias vezes
reeditada). Jaeger já era conhecido como estudioso de
Aristóteles desde a publicação, em 1912, de Studien zur
Entstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles, no qual,
porém, ainda adotava os cânones interpretativos da filologia
alemã do século xix. No Aristoteles, porém, ele elaborou a nova
hipótese da evolução espiritual do filósofo que estava destinada
a fazer grande sucesso. Não seria exagero afirmar, como alguns
já fizeram, que toda a bibliografia sobre Aristóteles posterior a
1923 de alguma forma é uma tomada de posição a favor ou
contra as conclusões desse livro. Jaeger tenta reconstruir a
história espiritual do Estagirita desde o período da Academia
até os últimos anos. Aristóteles teria passado de uma fase
platônica para um interesse cada vez mais acentuado na
experiência e no mundo empírico, atenuando
progressivamente seu interesse pelo transcendental e pela
metafísica. No período acadêmico, Aristóteles teria aderido
fielmente ao platonismo. Nos anos imediatamente posteriores
à morte de Platão, teria começado, já em Assos, a criticar a
filosofia platônica, concebendo a metafísica como doutrina do
suprassensível. Em seguida Aristóteles teria voltado seu
interesse para as substâncias e para as enteléquias imanentes,
até chegar à concepção da metafísica como fenomenologia dos
diversos significados do ser. No fim de sua vida, teria se
interessado quase exclusivamente nas ciências empíricas.
Todos os ramos da filosofia aristotélica exibiriam as marcas
dessa parábola evolutiva que parte do platonismo e se encerra
no empirismo. Porém, o que mais interessa é o fato de que essa
evolução teria introduzido uma disparidade não apenas en-tre
as obras juvenis e as da maturidade, mas no interior de todas
as obras de escola. A bem dizer, e essa é a tese mais destrutiva
de Jaeger, as obras de escola, iniciadas já no período de Assos,
seriam formadas por sucessivas estratificações, cada qual
expressando uma fase diversa da evolução espiritual do
Estagirita, de modo que, entre as várias partes, não haveria
nenhuma unidade literária, nem sequer homogeneidade
especulativa, portanto, nenhuma unidade filosófica. Eis o que
Jaeger escreve, por exemplo, a propósito da Metafísica:
Não é legítimo considerar como unidade os trechos recolhidos no Corpus
methaphysicum e colocar na base de seu conteúdo confrontado uma categoria
comum, obtida pela média de elementos totalmente heterogêneos. [ …].
Efetivamente ilícito é partir do pressuposto de sua homogeneidade filosófica
para esconder os problemas que coloca a cada passagem, inclusive do ponto de
vista do conteúdo. Há que rechaçar qualquer tentativa de reconstruir com os
trechos que sobreviveram uma unidade literária póstuma, por meio da
transposição ou da exclusão de livros. Mas não menos recusável é a admissão
precipitada de sua unidade filosófica, em detrimento das características de cada
documento de uma atividade de pensamento que lutou com os mesmos
problemas durante décadas, e que representa um momento fecundo, um grau
do desenvolvimento em vista de uma nova formulação. [Trad. cit., p. 226]
As conclusões de Jaeger, de início recebidas por muitos com
entusiasmo, logo revelaram sua precariedade quando avaliadas
em função do próprio método genético. H. von Arnim
mostrou a possibilidade de inverter exatamente o sentido da
linha evolutiva traçada por Jaeger. As hipóteses de Von Arnim
foram amplamente aproveitadas por Paul Gohlke e Max
Wundt, que reconstruíram uma curva da evolução de
Aristóteles que vai do empirismo à recuperação do platonismo.
Oggioni tentou combinar as duas possibilidades, mostrando
um Aristóteles que, ao mesmo tempo que avançava para o
empirismo, continuava a recair no platonismo. I. Düring, por
outro lado, tentou demonstrar que Aristóteles nunca havia
sido platônico no sentido apontado por Jaeger, mas sempre
soube assumir posições próprias. Enfim, outros demonstraram
que os elementos platônicos e aristotélicos se equilibram
sempre, desde os escritos juvenis. Alguns estudiosos tentaram
em seguida aplicar o método genético ao estudo de um só
conceito ou de uma só doutrina ao longo de todo o corpus,
como fez Nuyens em relação à doutrina da alma, com
resultados que contrastavam com os de Jaeger. Por fim,
Zürcher pensou que poderia demonstrar, pelo método
genético, que somente 20% do Corpus aristotelicum são
autênticos; 80% seriam de fato obra de Teofrasto; Aristóteles
teria permanecido sempre platônico, e Teofrasto, ao contrário,
teria passado do platonismo ao empirismo. (O leitor
encontrará análises realizadas pelas várias teses e pelos vários
intérpretes nos seguintes trabalhos: Berti, La filos. del primo
Arist., p. 9-122; Reale, Il concetto di filos. prima, p. 327-373 e
passim; Plebe, atualização de Zeller, La filos. dei Greci, passim).
Hoje, o método genético chegou às próprias Colunas de
Hércules. Os últimos seguidores não se entendem mais, nem
entre si, pois, como já dissemos, com o método genético foi
possível demonstrar tudo e o contrário de tudo. Ele só
conseguiria se sustentar se as obras de escola ou as partes de
que são constituídas fossem efetivamente datáveis, ou seja, se
algum testemunho externo sobre a época em que foram
redigidas tivesse chegado a nós. Na verdade, por meio da
análise de seu conteúdo, constituído de aulas que eram
sucessivamente remanejadas, é estruturalmente impossível
remontar à data em que foram escritas. Além disso, os escritos
aristotélicos, mesmo desprovidos de unidade literária, como
realmente são, só podem ser lidos unitariamente pela razão
fundamental de que, como nunca saíram das mãos de
Aristóteles e como foram sucessivamente elaborados,
assumiram aquela fisionomia precisa que seu autor pretendia
que tivessem. Em suma, como Aristóteles não repudiou as
obras ou partes delas, ele permanece “unitariamente”
responsável por elas. Os esotéricos não podem ser tratados
como se fossem meros apontamentos.
Os êxitos positivos mais notáveis alcançados pelo método
inaugurado por Jaeger são os seguintes: a) a redescoberta do
Aristóteles dos escritos juvenis (exotéricos); aplicando os
cânones jaegerianos a seu Aristotele perduto e la formazione
filosofica de Epicuro (1936), E. Bignone conseguiu reinterpretar
a filosofia helenística numa nova perspectiva (sobre os
resultados gerais dessa descoberta, ver Berti, La filos. del primo
Arist., passim); b) a demonstração de que, histórica e
teoricamente, Aristóteles só pode ser entendido em suas
relações dialéticas com o platonismo; c) um aprofundamento e
uma avaliação crítica verdadeiramente capilares das obras mais
significativas de Aristóteles, que trouxeram à tona muitos e
importantes elementos novos, úteis para uma compreensão
cada vez mais adequada de seus textos; d) um sentido mais
vivo da historicidade do pensamento do Estagirita,
considerado no passado de maneira demasiado abstrata e anti-
histórica.
Como alternativa ao Aristóteles “genético”, foi proposto e
ainda se propõe, por um lado, um Aristóteles problemático,
expresso paradigmaticamente por Aubenque, próximo da
corrente dos heideggerianos; por outro lado, há o Aristóteles
dos neoclássicos, que tentam libertá-lo das marcas escolásticas
sem dilacerá-lo com o método genético nem condená—lo ao
xeque-mate, como fazem, por sua vez, os intérpretes
heideggerianos, os problematicistas.
Em todo caso, hoje não parece mais possível entrincheirar-se
atrás do filologismo dos epígonos do método genético; só será
possível devolver aos textos de Aristóteles um sentido plausível
se, e à proporção que, voltarmos a acreditar no discurso
filosófico.
NOTAS
1. Para uma exposição mais aprofundada do que é dito neste parágrafo e no
seguinte remetemos a Reale, I problemi del pensiero antico, ii. Le scuole ellenistico-
romane, p. 59-90, 502-513, em que se encontra também a bibliografia essencial.
2. A lista completa dos comentaristas gregos que chegaram aos nossos dias e estão
publicados pela Academia de Berlim em edição exemplar pode ser encontrada na
“Bibliografia comentada”, § vii, 1.
3. Sobre esses comentaristas neoplatônicos, ainda é bastante útil a última parte da
obra de Zeller, traduzida para o italiano: G. Martano (org.), Zeller e Mondolfo, La
filosofia dei Greci, parte iii, v. iv, Florença, 1961.
4. Cf. “Bibliografia comentada”, § ii, 3.
5. No que concerne às traduções latinas medievais de Aristóteles, utilizamos todas as
preciosas indicações de E. Franceschini, “Ricerche e studi su Aristotele nel
Medioevo latino”, em vários autores, Aristotele nella critica e negli studi
contemporanei, Milão, 1956, p. 144-166. Fundamental a respeito disso é o
Aristoteles latinus (cf. “Bibliografia comentada”, § v, 1), excepcional monumento
de erudição. No que concerne à releitura medieval de Aristóteles, remetemos às
mais autorizadas histórias da filosofia medieval (Ueberweg-Gayer, De Wulf,
Gilson e Vasoli, onde se encontra também ampla bibliografia).
6. L. Minio-Paluello, “Jacobus Veneticus Grecus, Canonist and Translator of
Aristotle”, Traditio, viii, 1952, p. 265-304.
7. Franceschini, op. cit., p. 160.
8. Para aprofundar esse aspecto, remetemos às mais qualificadas histórias da
filosofia moderna e aos estudos sobre o humanismo e o Renascimento. O volume
iii da Grundiss, de Ueberweg, ainda é utilíssimo pelas preciosas indicações. No que
diz respeito à chamada “segunda escolástica”, em geral negligenciada, remetemos
a F. Copleston, Storia della filosofia, v. iii: Da Occam a Suarez, Brescia, 1966 (ed.
orig. 1953; 1960), p. 421 ss.
9. Há uma boa tradução italiana da obra, organizada por E. Codignola e E. Sanna,
Florença, 1930 ss, ainda acessível, de onde tiramos as citações.
10. Para um quadro detalhado, remetemos a E. Berti, capítulo “Aristotele” em
Questioni di storiografia filosofica, que será publicada pela La Scuola, Brescia
(gentilmente, o autor nos deu acesso às provas); o recorte da bibliografia de Berti
representa o complemento exato para esse capítulo. Por falta de espaço,
indicaremos apenas alguns dos nomes mais significativos entre os estudiosos de
Aristóteles, sem, no entanto, dar todas as indicações sobre suas obras, que
poderão ser encontradas na “Bibliografia comentada”. Os trabalhos indicados
nessa bibliografia, § i, 2, serão complementos úteis para tudo o que foi dito aqui.
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
I. COMPILAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS E RESENHAS CRÍTICAS
Quase toda a bibliografia aristotélica, até 1896, encontra-se em M. Schwab,
Bibliographie d’Aristote, Paris, Librairie H. Welter, 1896. A obra é manuscrita e tem
cerca de 3.750 indicações (é preciosa sobretudo pelas indicações pontuais de
edições, traduções e comentários de Aristóteles).
Para a bibliografia sobre o período entre o século xix e o século xx, ver:
Ueberweg-Praechter. Die Philosophie des Altertums. Basileia, 1926, p. 101-122.
Para a bibliografia posterior a 1926, ver:
Gómez-Nogales, S. Horizonte de la Metafísica aristotélica. Estudios Onienses, série ii,
v. 2. Madri, 1955, p. 247-398.
Philippe, M. D. Aristoteles (Bibliographische Einführungen in das Studium der
Philosophie). Berna, I. M. Bochenski, 1948.
Totok, W. Handbuch der Geschichte der Philosophie. Frankfurt, 1964.
Também são muito úteis:
Aristotle. British Museum, Catalogue of Printed Books. Londres, 1884.
Aristoteles. Berlim, Preussischen Staatsbibliothek, Sondrebruk aus dem
Gesamtkatalog der Preussischen Bibliotheken, 1934.
Catalogue général des livres imprimés de la Bibliothèque Nationale. Auteurs, iv:
Aristote. Paris, 1901.
Para atualização bibliográfica, devem ser consultados:
L’année philologique de Marouzeau e o Répertoire bibliographique de la philosophie
da Société Philosophique de Louvain, publicado com a Revue philosophique de
Louvain.
Para um status quaestionis concernente à moderna literatura aristotélica, devem ser
consultados:
Berti, E. La filosofia del primo Aristotele. Pádua, 1962, p. 9-122.
———. Aristotele. In: V. Mathieu, Brescia (org.). Questioni di storiografia filosofica
(cujas provas pude consultar por gentil concessão do autor).
Gohlke, P. “Jahresbericht über die Fortschritte der classischen
Altertumswissenschaft”. Überblick über die Literatur zu Aristoteles bis 1925, ccxvi,
1927, p. 65-100; ccxx, 1929, p. 265-328.
Long, H. S. “Classical World”. A Bibliographical Survey of Recent Work of Aristotle, li,
1958, p. 47-51; 57-60; 67-76; 96-98; 117-119; 160-162; 167-168; 193-194; 204-209.
Moraux, P. “L’évolution d’Aristote”. In: Vários autores. Aristote e Saint Thomas
d’Aquin. Louvain, 1957, p. 9-41.
Wilpert, P. “Zeitschrift für philosophische Forschung”. Die lage der Aristotles
Forschung, i, 1946, p. 123-140.
Para as bibliografias concernentes às obras singulares ou às partes singulares da
filosofia de Aristóteles, ver o § viii, início de cada subparágrafo.
II. AS OBRAS DE ARISTÓTELES
Lista das obras esotéricas e exotéricas
Os títulos das obras do Corpus aristotelicum serão listados na ordem em que foram
publicados na edição de Bekker, inclusive as obras espúrias; indicaremos na coluna
da esquerda o título grego, e na da direita os títulos em latim (em geral
empregados nas citações) e em português.
Kathgorivai Categoriae
Categorias
Peri; eJrmhneiva~ De interpretatione
Sobre a intepretação
∆Analutika; provtera Analytica priora
Primeiros analíticos
∆Analutika; u{stera Analytica posteriora
Segundos analíticos
Topikav Topica
Tópicos
Peri; sojistikw~n ejlevgcwn De sophisticis elenchis
Refutações sofísticas
Fusikh; ajkrovasi~ Physica
Física
De caelo
Sobre o céu
De generatione et corruptione
Sobre a geração e a corrupção
Metewrologikav Meteorologica
Meteorológicos
Peri; kovsuou pro;~ ∆Alevxandron De mundo
Sobre o mundo
De anima
Sobre a alma
De sensu et sensibili
Sobre o sentido e as sensações
Peri; mnhvmh~ kai; ajnamnhvsew~ De memoria et reminiscentia
Sobre a memória e a reminiscência
Peri; u{pnou kai; ejgrhgovrsew~ De somno
Sobre o sonho
Peri; ejnupnivwn De somniis
Sobre os sonhos
De divinatione per somnum
Sobre a predição pelos sonhos
Peri; makrobiovthto~ kai; De longitudine et brevitate vitae
bracubiovthto~ Sobre a longevidade e a brevidade
da vida
Peri; neovthto~ kai; ghvrw~ De juventute et senectute
Sobre a juventudo e a senectude
De vita et de morte
Sobre a vida e a morte
De respiratione
Sobre a respiração
Peri; pneuvmato~ De spiritu
Sobre o espírito
Historia animalium
História dos animais
Peri; zw/vwn morivwn De partibus animalium
Sobre as partes dos animais
Peri; zw/vwn kinhvsew~ De motu animalium
Sobre o movimento dos animais
Peri; poreiva~ zw/vwn De incessu animalium
Sobre a progressão dos animais
Peri; zw/vwn genevsew~ De generatione animalium
Sobre a geração dos animais
Peri; crwmavtwn De coloribus
Sobre as cores
De audibilibus
Sobre o que se ouve
Fusiognwmonikav Physiognomonica
Fisiognômica
De plantis
Sobre as plantas
Peri; Jaumasivwn ajkousmavtwn De mirabilibus auscultationibus
Sobre as auscultações miraculosas
Mhcanikav Mechanica
Mecânica
Problhvmata Problemata
Problemas
De lineis insecabilibus
Sobre as linhas indivisíveis
Ventorum situs
Lugares dos ventos
Peri; Xenojavnou~, De Xenophane, Zenone, Gorgia
peri; Zhvnwno~, peri; Gorgivou [o título exato, no entanto, é
Xenoph., Melisso, Gorgia]
Sobre Xenófones, Melisso e Górgias
Ta; meta; ta; juoikav Metaphysica
Metafísica
∆HJika; Nikomavceia Ethica Nichomachea
Ética a Nicômaco
∆HJika; Megavla Magna moralia
Moral Magna
∆HJika; Eujdhveia Ethica Eudemea
Ética a Eudêmio
De virtutibus et vitiis
Sobre a virtude e os vícios
Politikav Politica
Política
Oijkonomikav Oeconomica
Economia
Tevknh rJhtorikhv Rhetorica
Retórica
ÔRhtorikh; pro;~ ∆Alevxandron Rhetorica ad Alexandrum
Retórica a Alexandre
Peri; poihtikhv~ Poetica
Poética
Fragmenta Fragmenta
Fragmentos
∆AJhnaivwn politeiva Atheniensium respublica
Constituição ateniense
Eis os títulos das obras que tiveram alguns fragmentos recuperados segundo a
edição do Ross, com as respectivas traduções em italiano e em português:
Diálogos
Grillo o della retorica
Grilo ou Sobre a retórica
Sumpovsion Simposio
Simpósio
Sofista
Sofista
Eudemo o dell’anima
Eudemo ou Sobre a alma
Nhvrinqo~ Nerinto
Nerinto
Erwtikov~ Erotico
Erótico
Protreptikov~ Protreptico (esortazione alla filosofia)
Protréptico (exortação à filosofia)
Peri; plouvtou Della richezza
Sobre a riqueza
Sulla preghiera
Sobre a prece
Peri; eujgeneia~ Sulla nobiltà di nascita
Sobre a nobreza de nascimento
Sul piacere
Sobre o prazer
Peri; paideiva~ Sull’educazione
Sobre a educação
Peri; basileiva~ Sulla monarchia
Sobre a monarchia
∆Alevxandro~, h] uJpe;r ajpoivkwn Alessandro o delle colonie
Alexandre ou Sobre as colônias
Politikov~ Politico
Política
Sui poeti
Sobre os poetas
Peri; jilosojiva~ Sulla filosofia
Sobre a filosofia
Peri; dikaiosuvnh~ Sulla giustizia
Sobre a justiça
Obras lógicas
Peri; problhmavtwn Sui problemi
Sobre os problemas
Diairevsei~ Divisioni
Divisões
ÔÁpomnhvmata ejpiceirhmatikav Tracce per argomentazioni
Esboços para argumentações
Kathgorivai Categorie
Categorias
Peri; ejnantiwn Sui contrari
Sobre os contrários
Obras filosóficas
Sul Bene
Sobre o bem
Sulle Idee
Sobre as Ideias
Sui Pitagorici
Sobre os pitagóricos
Sulla filosofia di Archita
Sobre a filosofia de Arquitas
Peri; Dhuokrivtou Su Democrito
Sobre Demócrito
Códices
Catálogos das obras de Aristóteles
Algumas listas de títulos das obras de Aristóteles chegaram até nós por intermédio
de:
1) Diógenes Laércio. Vite dei filosofi, v, 21 ss.
2) Um autor anônimo da chamada Vita menagiana (do nome de seu editor), que
recorre a Hesíquio de Mileto como fonte.
3) Ptolomeu, que recorre a Andrônico como fonte.
Essas listas foram publicadas por V. Rose, respectivamente, no volume da Aristotelis
opera da Academia de Berlim, 1870, p. 1.463 ss. Cf. também Rose, Aristoteles
pseudepigraphus, Leipzig, 1863, p. 11 ss; Arist. Fragmenta, 3ª ed., 1886, p. 3 ss, p.
1466 ss (cf. também Rose, Aristoteles pseudepigraphus, p. 18 ss e Fragmenta, 2ª ed.
cit., p. 9 ss); p. 1.469 ss (cf. também Rose, Fragmenta, 3ª ed. cit., p. 19 ss).
Sobre o argumento, ver:
Moraux, P. Les listes anciennes des ouvrages d’Aristote. Louvain, 1951 (onde o leitor
encontrará status quaestonis, nova e aprofundada conjectura e riquíssima
bibliografia).
Antigas biogra as
As principais biografias de Aristóteles que chegaram até nós são:
1) Vida de Aristóteles, de Diógenes Laércio.
2) Duas vidas gregas (Vita marciana e Vita vulgata).
3) Uma vida latina.
4) Duas vidas siríacas.
5) Quatro vidas árabes, de An-Nadim, Al-Mubashir, Al-Qifti, Usaibia.
Essas vidas foram editadas e comentadas recentemente, com grande competência e
precisão:
Düring, I. Aristotle in the Ancient Biographical Tradition. Gotemburgo, 1957 (reúne
todo o material biográfico antigo, elabora uma nova edição crítica e um comentário
histórico-filológico).
.E A
Edições gerais
A primeira edição impressa das obras de Aristóteles é a chamada “aldina” (do
impressor Aldo Manuzio): Aristotelis Opera. Graece …, Veneza, 1495-1498, 6 v.
À aldina seguiram-se as três edições de Basileia. A primeira, organizada por
Erasmo de Roterdã, foi publicada em 1531 (Aristotelis Opera Omnia, Basileia, 1531),
a segunda, em 1539 (Basileensis secuda, uma reprodução da precedente), e a terceira,
em 1550 (Basileensis tertia ou isingriniana, do impressor Isingrim), com correções
das precedentes.
Em 1551-1553, foi publicada a segunda edição aldina em 6 v. (chamada camotiana
em razão das correções feitas por J. B. Camotius).
Em 1584-1587, foi publicada a célebre edição de Sylburg, em 5 v. e 11 to-mos
(Aristotelis Opera quae extant, Francfort, 1584-1587), que aprimora as anteriores.
Em 1590 foi publicada em Lyon uma nova edição organizada por Causbonus
(Aristotelis Opera nova editio …, 2 v.), reeditada em 1596.
Uma edição posterior foi organizada por Pacius, que fez uma revisão da
precedente (Opera omnia Graece et Latine …, Gênova, 1596 e Lugduni 1597).
Recordemos ainda: Opera, nova editio, Graece et Latine …, 2 v., Genevae 1602 (e
1606-1607). E posteriormente: Tou Stageiritou ta Sozomena, Latinae interpretationes
adiectae qua graeco contextui melius respondent …, 2 v., Aureliae Allobrogum, 1606-
1609.
Entre as edições seiscentistas, devem ser mencionadas ainda a de Du Val, Opera
omnia quae extant, Graece et Latine …, 2 v., Parisiorum, 1619, reeditada em 1629 e
ainda em 1639 e 1654 (ampliada para 4 v.).
No século xviii, Th. Buhle deu início a uma nova edição das obras de Aristóteles,
mas não conseguiu terminá-la: Opera omnia Graece …, v. i-iv, Biponti, 1791-1793, v.
v. Argentorati, 1799.
Entre as edições do século xix, destaca-se a de Bekker, que mencionamos
anteriormente e cuja descrição iremos fazer a seguir. Por zelo de completude,
mencionamos também as outras:
Aristotelis Opera ad optimorum librorum fidem accurate edita, Tauchnitz, Lipsae,
1831-1832, em 16 v. (edição esteriotípica com correções), reeditada em 1867-1873.
Aristotelis Opera quae extant, uno volumine comprehensa [ …] eiditi C. H. Weisse,
Tauchnitz, Lipsiae, 1843.
A edição destinada a suplantar todas as outras e a se tornar referência para a citações
foi a da Academia de Berlim, 1831-1870, ainda indispensável, embora superada em
vários detalhes:
Reiner, G. Aristotelis Opera editit Academia regia Borussica, Berolini, 1831-1870. i-ii:
Aristotelis Graece, texto crítico organizado por I. Bekker (impresso em duas
colunas: a da esquerda, indicada com a e a da direita, com b); iii: Aristoteles Latine
compreende traduções latinas renascentistas de vá-rios autores; o volume foi
publicado também em 1931; iv: Scholia in Aristotelem, com passagens extraídas de
comentaristas gregos, organizadas por A. C. Brandis (a edição dos comentários
gregos que a Academia de Ber-lim publicou sucessivamente, cuja lista daremos
adiante, tornou esse volume praticamente inútil); v: Aristotelis Fragmenta,
reunidos por V. Rose; suplementos aos Scholia in Aristotelem organizados por
Usener, e Index aristotelicus, organizado por H. Bonitz. (Esse Index é uma obra de
altíssi-mo nível, ainda hoje não superada, enquanto a coletânea de fragmentos não
é mais utilizável; cf. adiante a indicação das mais recentes edições dos fragmentos.)
Uma reedição (corrigida) dessa edição monumental foi organizada por O. Gigon,
Berlim, 1960-1961.
Digna de menção especial, porque melhora, em certos aspectos, o trabalho de
Bekker, é a edição publicada por F. Didot, não tão apreciada quanto mereceria e,
por infortúnio, não utilizável objetivamente, pois não reproduz a paginação de
Bekker, hoje obrigatória nas citações: Aristotelis Opera omnia graece et latine, cum
indice nominum et rerum absolutissimo. A. F. Didot, v. i-iv, Parisiis, 1848-1869, v. v
(Index), 1874.
Muitas das obras do Corpus aristotelicum estão disponíveis também nas seguintes
conhecidas coleções de clássicos gregos e latinos:
• Biblioteca Teubneriana;
• Collection des Universités de France;
• Oxford Classical Texts;
• The Loeb Classical Library.
Serão fornecidas a seguir, paulatinamente, indicações sobre muitas obras
aristotélicas publicadas nessas coleções.
Edições de obras específicas
Limitamo-nos aqui às obras de interesse estritamente filosófico, nas quais se baseou
nossa exposição, e seguindo sua ordem. Para um quadro geral, remetemos a:
Bonetti, A. “Le edizioni del texto greco do Aristotele das 1831 ai nostri giorni”. In:
Vários autores. Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1956, p.
166-201.
Fragmentos
Plezia, M. Aristotelis epistularum fragmenta cum testamento. Varsóvia, 1961.
Rose, V. Aristotelis pseudepigraphus. Leipzig, 1863.
———. Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3ª ed. Leipzig, 1867
(publicado em 1870, com o Index arist., de Bonitz, no v. v de Bekker).
———. Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3ª ed. Leipizig, 1886
(Bibliotheca Teubneriana).
Ross, W. D. Aristotelis fragmenta selecta. Oxford, 1955.
Walzer, R. Aristotelis dialogorum fragmenta. Florença, 1934.
Metafísica
Bonitz, H. Aristotelis “Metaphysica”, 2 v. Seleção e comentários de B. H. Bonn 1848-
1849 (o segundo volume foi reproduzido em edição anastásica, Hildesheim, 1960).
Christ, W. Aristotelis “Metaphysica”. Seleção de C. W. Leipzig, 1886 (reimpressão
corrigida, 1895, reeditada várias vezes).
Schwegler, A. Die “Metaphysik” des Aristoteles, Grundtext, Uebersetzung und
Commentar, 4 v. Texto explicativo. Tübingen, 1847-1848 (Frankfurt, 1960, reprod.
anast.).
As três edições oitocentistas ainda são úteis. No século xx foram publicadas as duas
melhores:
Jaeger, W. Aristotelis “Metaphysica”. Seleção e breve comentário crítico de
W. Jaeger. Oxonii, 1957 (o autor remete-se em grande parte a Ross, acrescentando
algumas conjecturas bastante perspicazes).
Ross, W. D. Aristotle’s “Metaphysics”, 2 v. Texto revisto com introdução e
comentários. Oxford, 1924, 1958, 1953 (excelente).
Recordemos ainda, por zelo de completude:
García Yerba, V. “Metafísica” de Aristótele. Edição trilíngue. Madri, 1970.
Tredennick, H. Aristotle, The “Metaphysics”. Tradução em inglês. Londres/Nova
York, 1933-1935 (inferior às duas anteriores; Loeb Classical Library).
Física
Carteron, H. Aristote, “Physique”, 2 v. Texto estabelecido e traduzido por H.
Carteron. Paris, 1926-1931 (Collection des Universités de France).
Prantl, C. Aristoteles’ Acht Bücher “Physik”. Tradução alemã. Leipzig, 1854 (do
mesmo autor, ver também a edição organizada para a Bibliotheca Teubneriana,
Leipzig, 1879).
Ross, W. D. Aristotle’s “Physics”. Texto revisado, introdução e comentários. Oxford,
1936 (o texto crítico foi editado em 1950; Oxford Classical Texts).
Wicksteed, Ph. H. e Cornford, F. M. “Aristotle”. The “Physics”. Tradução em inglês.
Londres/Nova York, 1929-1934 (Loeb Classical Library).
De caelo
Allan, D. J. Aristotelis “De caelo”. Oxford, 1936 (edição corrigida, 1955; Oxford
Classical Texts).
Guthrie, W. K. C. Aristotle, “On the Heavens”. Tradução em inglês. Londres, 1939
(Loeb Classical Library).
Longo, O. Aristotele, “De caelo”. Tradução, introdução, texto crítico e notas.
Florença, 1962.
Moraux, P. Aristote, “Du ciel”. Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1965
(Collection des Universités de France).
Prantl, C. Vier Bücher das “Himmelgebaüde” und zwei Bücher Entstehen und
Vergehen, Grieschich und Deutsch. Leipzig, 1858 (cf. do mesmo autor o texto
crítico das duas obras publicado na Bibliotheca Teubneriana, Leipzig, 1881).
De generatione et corruptione
Joachim, H. H. Aristotle on Coming-to-be and Passin-away. Texto revisado com
introdução e comentários. Oxford, 1922.
Mugler, C. Aristote, “De la génération et de la corruption”. Texto estabelecido e
traduzido. Paris, 1966 (Collection des Universités de France).
De anima
Biehl, G. Aristotelis, “De anima” libris três. Edição revista. Leipzig, 1896 (Bibliotheca
Teubneriana).
Hett, W. S. Aristotle, “On the Soul”. Tradução em inglês. Londres, 1936 (Loeb
Classical Library).
Hicks, R. D. Aristotle, “De anima”. Tradução, introdução e notas. Cambridge, 1907.
Jannone, A. e Barbot, E. Aristote, “De l’âme”. Texto estabelecido por A. Jannone,
tradução e notas de E. Barbotin. Paris, 1966 (Collection des Universités de
France).
Roder, G. Aristote, “Traité de l’âme” traduit e annoté, 2 v. Paris, 1900.
Ross, W. D. Aristotle, “De anima”. Introdução e comentários. Oxford, 1961 (o texto
crítico de Ross também pode ser encontrado, sem introdução e comentários, em
Oxford Classical Texts).
Trendelenburg, F. A. Aristoelis, “De anima” libri três. Berlim, 1877 (Graz, 1957, reed.
anast., com excelente comentário em latim).
Éticas
Ainda não há uma edição totalmente satisfatória das três Éticas, mas há bons
comentários anexos às traduções mencionadas a seguir. Teremos, portanto, de
recorrer às edições do fim do século xix:
Armstrong, G. C. Aristotle “Magna Moralia”. Tradução em inglês. Londres, 1935
(publicado no segundo volume da Metafisica organizado por Tredennick, op. cit.;
Loeb Clasical Library).
Burnet, J. The “Ethics” of Aristotle. Londres, 1900.
Bywater, I. Aristotelis “Ethica Nicomachea”. Oxford, 1894 (reeditada várias vezes;
Oxford Classical Texts).
Fritzscche, A. T. H. Aristotelis “Ethica Eudemia”. Regensburg, 1851.
Grant, A. The “Ethics” of Aristotle, 2 v. Ilustrado; ensaio e notas. Londres, 1857, 1884
Rackham, H. Aristotle, The “Nicomachean Ethics”. Tradução em inglês.
Londres/Nova York, 1926, 1934 (The Loeb Classical Library).
———. Aristotle … The “Eudemian Ethics”. Tradução em inglês. Londres, 1935
(Loeb Classical Library).
Ramsauer, G. Aristotelis “Ethica Nicomachea”. Leipzig, 1878.
Susemihl, Fr. Aristotelis “Ethicha Nicomachea”. Leipzig, 1882 (3ª ed. organizada por
O. Apelt, 1812).
———. Aristotelis quae feruntur “Magna Moralia”. Leipzig, 1883.
———. [Aristotelis “Ethica Eudemia”] Eudemi Rhodii Ethica. Leipzig, 1884.
Voilquin, J. Aristote, “Ethique de Nicomaque”. Texto, tradução e notas. Paris, 1940.
Política
Aubonnet, J. Aristote, “Politique”. Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1960 ss (até
hoje foram publicados os dois primeiros volumes, até o livro v;* Collection des
Universités de France).
Immisch, O. Aristotelis “Politica”. Leipzig, 1929 (Bibliotheca Teubneriana).
Newman, W. L. The “Politics” of Aristotle, 4 v. Dois ensaios e introdução. Oxford,
1887-1922.
Rackham, H. Aristotle, “Politics”. Tradução em inglês. Londres, 1932 (The Loeb
Classical Library).
Ross, W. D. Aristotelis “Política”. Oxford, 1957 (Oxford Classical Texts).
Susemihl, Fr. Aristotelis “Política”. 3ª ed. Leipzig, 1882 (Bibliotheca Teubne-riana).
Poética
Bywater, I. On the Art of Poetry. Introdução crítica e comentários. Oxford, 1909.
Gudeman, A. Aristoteles, “Perì Poietikês”, mit Einleitung. Texto, notas críticas,
comentário exegético, anexo crítico e índice onomástico, de temas e locais.
Berlim/Leipzig, 1934.
Herdy, J. Aristote, “Poétique”. Texto estabelecido e tradução. Paris, 1932 (Collection
des Universités de France).
Kassel, R. Aristotelis “De arte poética”. Oxford, 1965 (Oxford Classical Texts).
Rostagni, A. Aristotele, “Poética”. Introdução e comentários. Turim, 1927 (1945).
Organon
Waitz, Th. Aristotelis “Organon, 2 v. Leipzig, 1844-1846 (reed. anast., 1962; trata-se
de trabalho excelente, de consulta indispensável ainda hoje, sobretudo pelo
comentário).
As melhores edições críticas dos tratados singulares do Organon encontram-se na
coleção “Oxford Classical Texts”:
Minio-Paluello, L. Aristotelis “Categoriae” et “Liber de interpretatione”. Oxford,
1949.
Ross, W. D. Aristotelis “Topica” et “Sophistici Elenchi”. Oxford, 1958 (ed. revista,
1970).
Ross, W. D. e Minio-Paluello, L. Aristotelis “Analytica priora et posteriora”. Oxford,
1964.
Deve-se destacar também a excelente edição com comentários dos Analíticos de
Ross: Aristotle’s “Prior and Posterior Analytics”. Texto revisto, introdução e
comentário. Oxford, 1949.
Menos válida, embora útil, é a edição com tradução inglesa do Organon, publicada
na Loeb Classical Library: o volume i, contendo Categoriae, De interpretatione,
Analytica priora, foi organizado por H. P. Cooke e H. Tredennick e publicado em
1938; o volume ii, com os Analytica posteriora e os Topica, foi organizado por H.
Tredennick e E. S. Forster e publicado em 1960; os De sophisticis elenchis foram
organizados por Forster (com De generat. et corr. e o De mundo) e publicados em
1955.
.T
Infelizmente, ainda não há uma tradução da obra completa de Aristóteles. Uma
tradução sistemática, com introduções críticas, comentário analítico e bibliografias
foi organizada pelo Centro di Studi Filosofici di Galarate, pela editora Loffredo, de
Nápoles. Já foram publicados até agora:
Reale, G. (org.). La Metafísica, 2 v. Nápoles, 1968.
Mignucci, M. (org.). Gli Analitici primi. Nápoles, 1970.
Sairão em breve:
Mignucci, M. (org.). Gli Analitici secondi. (O autor já antecipou a tradução da obra
em tiragem limitadíssima, publicada por Azzoguidi, Bolonha, 1970.)
Reale, G. (org.). Trattato sul cosmo per Alessandro [1974].
Zadro. A. (org.). I Topici [1974].*
A maior parte das traduções dos tratados aristotélicos em língua italiana foi
publicada pela editora Laterza: Opere, organização de Gabriele Giannnatoni, 4 v.,
Roma/Bari, 1973 (lançadas também em brochura). As traduções foram organizadas
por: Giorgio Colli (Organon), Antonio Russo (Fisica, Della generazione e della
corruzione, Metafisica), Oddone Longo (Del cielo), Renato Laurenti (Dell’anima,
Piccoli trattati di storia naturale, Politica, Trattato sull’economia, Costituzione degli
Ateniesi), Mario Vegetti (Parti degli animali), Armando Plebe (Etica Nichomachea,
Grande etica, Etica Eudemia, Retorica), Manara Valgumigli (Poetica) e Gabriele
Giannantoni (Frammenti).
Além dessas, encontram-se em outras editoras:
De caelo. Organização, tradução, introdução e notas de O. Longo. Florença:
Sansoni, 1962.
De motu animalium. Tradução, texto e comentários de L. Torraca. Nápoles, 1958.
Dell’anima. Organização, tradução, introdução e comentários de R. Laurenti.
Nápoles/Florença, 1970.
Física. Organização de G. Laurenza. Nápoles, 1967.
Generazione e corruzione. Organização de P. Cristofolini. Turim: Boringhieri, 1963.
La politica, La costituzione di Atene. Organização de A. Viano. Turim: Utet, 1966.
Poética. Organização de F. Albeggiani. Florença: La Nuova Italia, 1934 (reeditado
várias vezes).
Le categorie. Organização, tradução, introdução e comentários de D. Pesce. Pádua:
Liviana Editrice, 1966.
Opere biologiche. Organização de M. Vegetti e D. Lanza. Turim: Utet, 1972 (contém:
Ricerche sugli animale, Le parti degli animali, La locomozione degli animali, La
percezione e i percepibili, La memoria e il richiamo alla memoria, Il sonno e a la
veglia, I sogni, La premonizione nel sonno, La lunghezza e la brevità della vita, La
respirazione, Il moto degli animali).
Das obras juvenis, temos as duas traduções:
Esortazione alla filosofia (Protreptico). Organização de E. Berti. Pádua: Radar, 1967.
Della filosofia. Tradução, introdução, texto e comentário exegético de M.
Untersteiner. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1963.
.T
Traduções latinas
No que diz respeito às traduções latinas de Aristóteles, destacamos:
Aristoteles Latinus, 2 v. Codices descripsit G. Lacombe, in societatem operis
adsumptis A. Birkenmayer, M. Dulong, Aet. Franceschini: Pars prior, Romae,
1939, p. 1763; Pars Posterior, Cantabridgiae, 1955, p. 764-1.388. Eis a descrição
que um dos autores faz da obra, que é um verdadeiro monumento de erudição e
de precisão: “Os dois volumes oferecem uma descrição completa de 2.012 códices,
inclusive os poucos fragmentos; reúnem a bibliografia essencial dos estudos sobre
o Aristóteles latino até 1953; traçam uma breve história da fortuna medieval do
Estagirita (e de seus comentaristas gregos e árabes) apresentando os resultados das
descobertas feitas durante as pesquisas sobre a tradição manuscrita; e oferece,
finalmente, amplos exemplos (incipit ed explicit) de todas as versões. O segundo
volume, ademais, tem suplementos e índices riquíssimos e exatos, frutos da
doutrina e do esforço inteligente e brilhante de Lorenzo Minio-Paluello” (cf. E.
Franceschini, em trabalho citado a seguir, p. 145).
Para um breve e claro status questionis, ver:
Franceschini, E. “Ricerche e studi su Aristotele nel Medioevo latino”. In: Vários
autores. Aristoteles nella critica e negli studi contemporanei. Milão: Vita e Pensiero,
1957, p. 144-166.
No que diz respeito, por outro lado, às traduções das obras de Aristóteles feitas por
eruditos do Renascimento, ver:
Aristoteles latine interpretibus variis, v. iii. Edição da Academia Prussiana das obras
de Aristóteles, op. cit. (1831).
Garin, E. “Le traduzioni umanistiche di Aristotele nel secolo xv”. Atti dell’Academia
Fiorentina di Scienze Morali. Florença: La Colombaria, 1950.
Traduções em inglês
Em língua inglesa, há uma boa tradução de todo o Corpus aristotelicum:
Ross, D. (org.). The Works of Aristotle. Oxford, Clarendon Press, 1908 ss (chamada
comumente de The Oxford Translation of Aristotle). Eis aqui, portan-to, a
descrição da obra e de seus respectivos organizadores: i. Logic, 1928: Categorie, De
interpretatione (E. M. Edghill), Analytica priora (A. J. Jenkinson), Analytica
posteriora (G. R. Mure), Topica, De sophisticis elenchis (W. A. Pickard-Cambridge);
ii. Philosophy of Nature, 1930: Physica (R. P. Hardie e R. K. Gaye), De Caelo (J. L.
Stocks), De generatione et corruptione (H. H. Joachim); iii. The Soul, 1913:
Meteorologica (E. W. Webster), De mundo (E. S. Forster), De anima (J. A. Smith),
Parva naturalia (J. I. Beare e G. R. T. Ross), De Spiritu (J. F. Dobson); iv. History of
Animals, 1910: Historia animalium (sir D’Arcy W. Thompson); v. Parts of animals,
1912: De partibus animalium (W. Ogle), De motu animalium, De incessu
animalium (A. S. L. Farquharson), De generatione animalium (A. Platt); vi. Minor
Biological Works, 1913: De coloribus, De audibilibus, De Melisso, Xenophane, Gorgia
(T. Loveday e E. S. Forster), De mirabilibus auscultationibus (L. D. Dowdall), De
lineis insecabilibus (H. H. Joachim); vii. Problems, 1927 (E. S. Forster); viii.
Metaphysics (D. Ross); ix. Ethics, 1925: Ethica Nicomachea (D. Ross), Magna
Moralia (St. G. Stock), Ethica Eudemia (J. Solomon); x. Politics and economics,
1921: Politica (B. Jowett), Oeconomica (E. S. Forster), Atheniensium Respublica (F.
G. Kenyon); xi. Rethoric and Poetics: Rhetorica (W. Rhys Roberts), De Rethorica ad
Alexandrum (E. S. Forster), De poetica (I. Bywater); xii. Select Fragments, 1952 (D.
Ross).
Essa tradução se impôs como referência no plano internacional e ainda não foi
superada, embora hoje já evidencie sua data em muitos aspectos.
Traduções inglesas se encontram também na edição bilíngue da Loeb Classical
Library, da qual já demos as devidas indicações no parágrafo concernente à edição
do texto.
Traduções em francês
A tradução francesa Barthélemy Saint-Hlaire, do século xix, hoje é inutilizável.
Excelentes traduções foram feitas recentemente por J. Trocot, Aristote, traduction
nouvelle et notes (Paris, Vrin, 1934 ss). A obra compreende:
Organon, Métaphysique (nova edição totalmente reintegrada, com comentário); De
la génération et de la corruption; De l’âme; Traité du ciel suivi du Traité pseudo-
aristotélicien de l’Esprit; Les météorologiques; Histoire des animaux (2 v.); Les
economiques; Éthique à Nicomaque.
Traduções em língua francesa podem ser encontradas também nas edições bilíngues
das várias obras de Aristóteles publicadas pela Collection des Universités de France,
cujas indicações já demos à medida que apareciam no parágrafo relativo às edições
dos textos. Deve-se destacar, particularmente, a recente versão com amplíssimo
comentário da Ética a Nicômaco:
Gauthier, R. A. (org.). L’éthique à Nicomaque, 4 v. Louvain: Jolif, 1970.
Traduções em alemão
Uma tradução de todas as obras aristotélicas foi iniciada e orientada a bom termo
por Paul Gohlke: Aristoteles, Die Lehrschriften, herausgegeben, übertragen und in ihrer
Entstehung erläutert (Paderborn, F. Schöning, 1945 ss). Eis o plano da obra: i.
Aristototele und sein Werk; ii. Lógica: Kategorien und Hermeneutik; Erste Analytic;
Zweite Analytic; Topik; iii. Retórica e poética: Rethorik; Poetik und Fragmente der
Homererklärung; Rhetorik an Alexander; iv. Física: Physikalische Verlesung; Ueber den
Himmel; Ueber Werden und Vergehen; Meterologie; An König Alexander über die
Welt; Kleine Schriften zur Physik und Metaphysik; v. Metaphysik; vi. Alma: Ueber die
Seele; Kleine Schriften zur Seelenkunde; vii. Ética e política: Grosse Ethik; Schrift über
Tugenden und Laster; Eudemische Ethik; Nikomachische Ethik; Politik;
Verfassungsgeschichte der Athener; Ueber Haushaltung in Familie und Staat; viii.
Natureza: Tierkunde; Ueber die Glieder der Geschöpfe; Ueber die Zeugung der
Geschöpfe; Kleine Schriften zur Naturgeschichte; ix. Problemas.
Esse importante empreendimento de Gohlke não foi em geral bem recebido, mas,
na verdade, o juízo desfavorável em grande parte pode ser atribuído à posição
fortemente negativa de Jaeger em relação aos estudos de Gohlke, que, aplicando o
método genético, derrubavam as conclusões jaegerianas. É preciso dizer que o valor
da tradução de Gohlke é desigual, contudo, apesar disso, ela apresenta momentos
felizes e intuições brilhantes que devem ser levadas em conta.
Um grande plano de traduções da obra completa de Aristóteles, com organização
de vários especialistas, foi programado pela Wissenschaftliche Buchgesellschaft de
Darmstadt, em colaboração com a Akademie Verlag de Berlim:
Deutsche Aristoteles Gesamtausgabe. Aristoteles, Werke in deutscher Übersetzung, 20 v.
A obra foi iniciada sob a direção de E. Grumach e, depois de sua morte, de H.
Flashar. Eis o plano da obra, com os organizadores de cada volume (os volumes já
publicados estão precedidos por asterisco):
i. 1. Kategorien (Konrad Gaiser, Tübingen); 2. Perì hermenéias (E. Baer, Munique;
R. Tessmer, Munique).
ii. Topik, Sophistische Widerlegungen (M. Soreth, Köln).
iii. Analytica i/ii (J. Mau, Göttingen).
iv. Rhetorik (N. N.).
v. Poetik (R. Kassel, Berlim).
*vi. Nikomachische Ethik, übers. u. komment. von Franza Dirlmeier, durchges.
Aufl. 1969.
*vii. Eudemische Ethik, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1969.
*viii. Magna Moralia, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1966.
ix. Politik (O. Gigon, Berna).
x. 1. Staat der Athener (B. Lotze, Jena); 2. Ökonomik (H. Braunert, Kiel).
*xi. Physikvorlesung, übers. von Hans Wagner, 1967.
xii. 1 e 2. Meterologie. Ueber die Welt, übers. von Hans Atrohm, 1970; 3. Ueber den
Himmel (P. Moraux, Berlim); 4. Ueber Entstehen und Vergehen (E. G. Schimidt,
Jena).
*xiii. Ueber die Seele, übers. von Willy Theiler, durchges. Aufl. 1969.
xiv. Parva Naturalia (J. Wiesner, Berlim).
xv. Metaphysik (G. Patzig, Göttingen).
xvi. Zoologische Schriften i: Tiergeschichte (K. Bartels, Zurique).
xvii. Zoologische Schriften ii. 1. Ueber die Teile der Tiere (I. Düring, Gotemburgo);
2. Die kleineren zoologischen Schriften (J. Kollesch, Berlim).
*xviii. Opuscula. 1. Ueber die Tugend, übers. von Ernst A. Schmidt, 1965; 2.
Mirabilia, übers. von Helmut Flashar; 3. De audibilibus, übers. von Ulrich Klein,
1972; 4. De plantis (H. J. Drossaart Lulofs, Amsterdã); 5. De colori-bus (M.
Schramm, Tübingen); 6. Physiognomica (M. Schramm, Tübingen); 7. De lineis
insecabilibus (M. Schramm, Tübingen); 8. Mechanica (M. Schramm, Tübingen); 9.
Xenophanes, Melissos, Gorgias (H. J. Newiger, Konstanz).
*xix. Problemata Physica, übers. von Helmut Flashar, 1962.
xx. Fragmente (O. Gigon, Berna).
A julgar pelos volumes já publicados, a edição irá superar a tradução inglesa de
Oxford, sobretudo por trazer ricos comentários (e, portanto, justificações da
tradução), introduções e bibliografias (hoje, uma tradução de Aristóteles sem notas
é quase ilegível).
.Í
Insuperado, pois talvez só possa ser vencido com o auxílio de calculadoras
eletrônicas, é o já citado Index Aristotelicus de Bonitz, no volume v da edição das
obras de Aristóteles da Academia de Berlim. O Index foi reproduzido recentemente,
em separado e em edição anastásica:
Bonitz, H. Index Aristotelicum. Darmstadt: Wissenscheftlicre Buchgesellschaft, 1955.
Também têm utilidade o Index rerum et nominum (p. 1-903) e o Index naturalis
historiae (p. 905-924), no último volume da edição anteriormente citada de F.
Didot.
Podem-se consultar ainda:
Aristotelis opera omni. Index nominum et rerum absolutissimus, v. quintum
continens indicem nominum et rerum. Parisiis, 1874.
Kiernan, T. Aristotle Dictionary. Nova York, 1961.
Organ, T. W. An Index to Aristotle. Princeton, 1948.
Também são úteis para consulta os índices das edições críticas das obras singulares.
.C ,
Comentários gregos, alexadrinos e bizantinos
Os comentários gregos foram publicados numa edição monumental organizada
pela Academia de Berlim:
Commentaria in Aristotelem graeca, edita consilio et auctoritate Academiae Litterarum
Regiae Borussicae (G. Reimeri, Berolini, 1882-1909). Eis o catálogo completo:
i. Alexander, in Metaphysica, M. Hayduck, 1891.
ii. 1. Alexander, in Priora Analytica, M. Wallies, 1983; 2. Alexandre, in Topica, M.
Wallies, 1891; 3. Alexander (Mich. Ephs.), in Soph. elenchos, M. Wallies, 1898.
iii. 1. Alexander, in De Sensu, P. Wendland, 1901; 2. Alexander, in Meteor. libros,
M. Hayduck, 1899.
iv. 1. Porphyrius, Isagoge, in Categorias, A. Busse, 1887; 2. Dexippus, in Categorias,
A. Busse, 1888; 3. Ammonius, in Prophyrii Isagogen, A. Busse, 1891; 4. Ammonius,
in Categorias, A. Busse, 1895; 5. Ammonius, in De interpretatione, A. Busse, 1897;
6. Ammonius, in Abalytica Priora, M. Wallies, 1899.
v. Themistius: 1. In Analytica Posteriora, M. Wallies, 1900; 2. In Physica, H.
Schenkl, 1900; 3. De Anima, R. Heinze, 1889; 4. De Caelo hebr. et latine, S.
Landauer, 1902; 5. Metaph. l. L paraphrasis hebr. et latine, S. Landauer, 1903; 6.
(Sophon.), in Parv. Nat., P. Wendland, 1903.
vi. 1. Siryanus, in Metaphysica, G. Kroll, 1902; 2. Asclepius, in Metaphysica, M.
Hayduck, 1888.
vii. Simplicius, in De Caelo, I. L. Heiberg, 1893.
viii. Simplicius, in Categorias, K. Kalbfleische, 1907.
ix. Simplicius, in Physica i-iv, H. Diels, 1882.
x. Simplicius, in Physica v-viii, H. Diels, 1895.
xi. Simplicius, in De anima, M. Hayduck, 1882.
xii. Olympiodori: 1. Prolegomena in Categorias, A. Busse, 1902; 2. In Meteora, G.
Stüve, 1900.
xiii. Joannes Philoponus (Olim Ammon.): 1. In Categorias, A. Busse, 1898; 2. In
Anal. Priora, M. Wallies, 1905; 3. In Anal. Posteriora, c. anon. in l. ii, M. Wallies,
1909.
xiv. Joannes Philoponus: 1. In Meteor. l. i, M. Hayduck, 1901; 2. De Generatione et
corr., H. Vitelli, 1897; 3. (Mich. Ephes.) De Gen. anim., M. Hayduck, 1903.
xv. Joannes Philoponus, De Anima, M. Hayduck, 1897.
xvi. Joannes Philoponus, in Phys. i-iii, H. Vitelli, 1887.
xvii. Joannes Philoponus, in Phys. iv-vii, H. Vitelli, 1888.
xviii. 1. Elias, in Prophyr. Isag. et Aristot. Categ., A. Busse, 1900; 2. David,
Prolegomena in Porphyr. Isag., A. Busse, 1904; 3. Stephanus, in De Interpretatione,
M. Hayduck, 1885.
xix. 1. Aspasius, in Ethica, G. Heylbut, 1889; 2. Heliodorus, in Ethica, G. Heylbut,
1889.
xx. Eustratius, Michael, Anônimo, in Ethica, G. Heylbut, 1892.
xxi. 1. Eustratius, in Anal. Post. ii, M. Hayduck, 1907; 2. Anônimo e Stephanus, in
Rethoricam, H. Rabe, 1896.
xxii. Michael Ephesius: 1. In Parva Naturalia, P. Wemdland, 1903; 2. In De part.
anim., De anim. mot., De anim. incessu., M. Hayduck, 1904; 3. In Eth. v, M.
Hayduck, 1901.
xxiii. 1. Sophonias, in De Anima, M. Hayduck, 1883; 2. Anônimo, in Paraphrasis
in Cat., M. Hayduck, 1883; 3. [Themistius], in Priora Anal. i, M. Wallies, 1884; 4.
Anônimo, in Paraphrasis in Sophisticos elencos, M. Hayduck, 1884.
Para as traduções latinas de inúmeros desses comentários, ver:
Schwab, Bibliographie d’Aristote, passim.
Philippe, Aristoteles, p. 19 ss.
Comentários medievais e renascentistas
Como grande parte da filosofia medieval, seja árabe, seja ocidental, é um repensar e
um comentário de Aristóteles, remetemos, para essa seção, a coletâneas de filosofia
medieval.
Para os comentários medievais latinos, consultar as seguintes coletâneas:
Lohr, H. Charles. Mediaeval Latin Aristotle Commentaries, Authors. In Traditio, xxiii
(1967), p. 313-413 [a-f]; xxiv (1968), p. 149-245 [g-i]; xxvi (1970), p. 135-216 [Ja-
Jo]; xxvii (1971), p. 251-351 [Jo-Myn]; xxviii (1972), p. 281-396 [n-Ri]; xxix
(1973), p. 93-197 [Ro-Wil].
Zimmermann, Albert. Verzeichnis ungedruckter Kommentars zur “Metaphysik” und
“Physik” des Aristoteles aus des Zeit etwa 1250-1350, Bd. I. Leiden-Köln, 1971.
Para os comentários renascentistas, é possível encontrar ricas indicações em:
Schwab, Bibliographie d’Aristote.
Philippe, Aristoteles, p. 22 ss.
Comentários modernos
Esses comentários normalmente aparecem com as edições do texto e suas traduções;
já foram, em sua maioria, indicados nas respectivas entradas. Daremos indicações
adicionais nos estudos críticos.
.E
Estudos sobre o pensamento de Aristóteles em geral
Os estudos gerais sobre Aristóteles anteriores a 1896 já foram indicados em:
Schwab, Bibliographie d’Aristote, p. 22 ss; os posteriores, até 1925, podem ser
encontrados em Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 102, e as mais recentes em Totok,
HandBuch, p. 219 ss, Siebek H., Aristoteles, Stuttgart, 1899, 1922 (tradução italiana,
Palermo, 1911).
Alfaric, P. Aristote. Paris, 1905.
Allan, D. J. The Philosophy of Aristotle. Londres, 1952; Oxford 1970 (foi traduzido
para o inglês, o francês e recentemente também para o italiano, com organização
de F. Decleva Caizzi. Milão: Lampugnani-Nigri, 1973).
Berti, E. L’unità del sapere in Aristotele. Pádua, 1965.
Bremond, A. Le dilemme arisotélicien. Paris, 1933.
Brentano, F. Aristoteles und seine Weltanschauung. Leipzig, 1911 (Darmstadt, 1967,
reed. anast.).
Bröcker, W. Aristoteles. Frankfurt, 1935, 1964.
Brun, J. Aristote et le Lycée. Paris, 1961.
Carbonara, C. La filosofia greca. Aristotele. Nápoles, 1967.
Case, T. “Aristotle”. In: Enciclopaedia Britannica. Cambridge, 1911 (ii, p. 501-522).
Cresson, A. Aristote, sa vie, son oeuvre, avec un exposé de la philosophie. Paris, 1944,
1963.
Düring, I. Aristoteles, Darstellung und Interpretation seines Denkes. Heidelberg, 1966
(trabalho fundamental; depois da de Jaeger, talvez seja a mais significativa
monografia de conjunto; cf. do mesmo autor o verbete “Aristóteles” na
Realencyclopädie der classischen Altertumswissenschaft, Pauly-Wissova, suppl. b. xi).
Edel, A. Aristotle. Nova York, 1967.
Fuller, B. A. G. Aristotle. Nova York, 1935.
Goedeckemeyer, A. Die Gliederung der aristotelischen Philosophie. Halle, 1912.
———. Aristoteles. Munique, 1922.
Gohlke, O. Aristoteles und sein Werk. Paderborn, 1948, 1952.
Grene, M. A Portrait of Aristotle. Londres, 1963.
Hamelin, O. Le système d’Aristote. Paris, 1920, 1931.
Jaeger, W. Aristoteles Grunlegung einer Geschichte seiner Entwicklung. Berlim, 1923,
1955 (tradução italiana organizada por G. Calogero. Florença: La Nuova Italia,
1935, várias reeds.).
Kafka, G. Aristoteles. Munique, 1922.
Lalo, G. Aristote. Paris, 1922.
Lloyd, G. E. R. Aristotle: The Growth and Structure of His Thought. Cambridge, 1968.
Meulen, J. van der. Aristoteles, der mitte in seinen Denken. Meisenheim Glan, 1951.
Moreau, J. Aristote et son école. Paris, 1962.
Mure, G. R. G. Aristotle. Londres, 1932.
Pait, C. Aristote. Paris, 1903, 1912.
Pauler, A. von. Aristóteles. Paderborn, 1933 (tradução do húngaro, Budapeste,
1922).
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Quiles, J. Aristóteles, vida, escritos, doctrina. Buenos Aires, 1944.
Randall, J. H. Aristotle. Nova York, 1960.
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Roland Gosselin, M. D. Aristote. Paris, 1928.
Rolfes, E. Die Philosophie des Aristoteles als Naturerklärung und Weltanschauung.
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Ross, W. D. Aristotle. Londres, 1923 (várias reeds.; tradução italiana de A. Spinelli,
Bari, Laterza, 1946, com trabalho bastante acurado). [Edição portuguesa de L. F.
Bragança Teixeira. Lisboa: Dom Quixote, 1987.]
Schilling, Wollny K. Aristoteles’ Gedanke der Philosophie. Munique, 1929.
Stiegen, A. The structure of Aristotle’s Thought. An Introduction to the Study of
Aristotle’s Writings. Oslo, 1966.
Taylor, E. A. Aristotle. Londres, 1912 (várias reeds.).
Zürcher, J. Aristoteles’ Werk und Geist. Paderborn, 1952.
Relembramos aqui, enfim, algumas coletâneas de estudos de vários autores (outras,
mais específicas, serão citadas nos respectivos parágrafos):
Autour d’Aristote. Récueil d’études de philosophie ancienne et médiévale offert à Mons.
A. Mansion. Louvain, 1955.
Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1957.
Bambrough, R. (org.). New Essays on Plato and Aristotle. Londres, 1959.
Düring, I. e Owen, G. E. L. (orgs.). Aristotle and Plato in the Mid-fourth Century
(Atas do i Symposium Aristotelicum). Gotemburgo, 1960.
L’attualità della problematica aristotélica. Pádua: Antenore, 1970.
Estudos específicos
Estudos sobre o primeiro Aristóteles
Depois do Aristoteles de Jaeger, houve uma redescoberta da filosofia do jovem
Aristóteles, ou seja, da filosofia dos exotéricos, e surgiu então toda uma bibliografia
sobre o assunto, na maioria bastante especializada. O leitor poderá encontrá-la
totalmente indicada e recenseada em:
Berti, E. La filosofia del primo Aristotele, passim.
Mencionaremos apenas algumas das obras mais significativas sobre o tema:
Bernays, J. Die “Dialoge” des Aristoteles in ihrem Verhältnis zu seinen übrigen
Werken. Berlim, 1863 (ainda indispensável, embora superado em muitíssimos
aspectos).
Bignone, E. L’Aristotele perduto e la formazione filosofica di Epicuro, 2 v. Florença,
1936, 1973 (embora a perspectiva jaegeriana que a baseia tenha sido superada,
trata-se de uma obra fundamental, que continua válida graças à demonstração da
influência que o jovem Aristóteles teve sobre a filosofia da era helenística, em
particular sobre Epicuro).
Bidez, J. Un singulier naufrage littéraire dans l’Antiquité. À la recherche des épaves de
l’Aristote perdu. Bruxelas, 1943.
Chroust, A. Aristotle’s “Protrepticus”. A Reconstruction. Indiana, Notre Dame, 1964.
Düring, I. “Problems in Aristotle’s Protrepticus”. Eranos, lii, 1954, p. 139-171.
———. “Aristotle in the Protrepticus ‘nel mezzo del cammin’”. In: Vários autores.
Autour d’Aristote. Louvain, 1955, p. 81-97.
———. Aristotle’s “Protrepticus”: An Attempt at Reconstruction. Gotemburgo, 1961
(trabalho fundamental; desbloqueia de maneira decisiva a interpretação jaegeriana
do Protréptico e oferece uma dicção exemplar do texto).
Einarson, B. “Aristotle’s Protrepticos and the Structure of the Epinomis”.
Transactions and Proceedings of the American Philological Association, lxvii, 1936, p.
261-285.
Festugière, A. J. “Aristote: Le dialogue Sur la philosophie”. In: ———. La révélation
d’Hermès Trismégiste, v. ii, 1949, p. 249-259.
Gadamer, H. G. “Der aristotelische Protreptikos und die entwickungsgeschichtliche
Betrachtung der aristotelischen Ethik”. Hermes, lxiii, 1928, p. 138-164.
Karpp, H. “Die Schrift des Aristoteles Perì Ideôn”. Hermes, lxviii, 1933, p. 384-391.
Lazzati, G. L’Aristotele perduto e gli scrittori cristiani. Milão, 1938.
Mansion, S. “La critique de la théorie des Idées dans le Perì Ideôn d’Aristote”. Revue
Philosophique de Louvain, xlvii, 1949, p. 169-202.
Mariotti, S. “Nuove testimonianze de echi dell’Aristotele giovanile”. Atene e Roma,
viii, 1940, p. 48-60.
Monan, J. D. “La connaissance morale dans le Protreptique d’Aristote”. Revue
Philosophique de Louvain, lix, 1960, p. 185-219.
Moraux, P. À la recherche de l’Aristote perdu. Le dialogue sur la justice. Louvain,
1957.
Mühll, P. von der. “Osokrates und der Protreptikos des Aristoteles”. Philologus, xciv,
1941, p. 259-265.
Owen, G. E. L. “A proof in the Perì Ideôn”. Journal of Hellenic Studies, lxxvii, 1957,
p. 103-111.
Pepin, J. “L’inteprétation di De Philosophia d’Aristote”. Revue des Etudes Grecques,
lxxvii, 1964, p. 445-488.
Philipson, R. “Il Perì Ideôn di Aristotele”. Rivista di Filologia e di Istruzione Classica,
lxiv, 1936, p. 113-125.
Rabinowitz, W. G. Aristotle’s “Protrepticus” and the Sources of its Reconstruction.
Berkeley/Los Angeles, 1957.
Rostagni, A. “Il dialogo aristotelico Perì Poietôn”. Rivista di Filologia Classica, liv,
1926, p. 433-470; lv, 1927, p. 155-173.
Saffrey, H. D. Le “Perì Philosophias” d’Aristote et la théorie platonicienne des idées et
des nombres. Leiden, 1955.
Schuhl, P. M. Aristote, “De la richesse”, “De la prière”, “De la noblesse”, “Du plaisir”,
“De l’éducation”, “Fragments et témoignages”. Tradução, prefácio e comentário de
P. M. Schuhl. Paris, 1968.
Untersteiner, M. “Il Perì Philosophías di Aristotele”. Rivista di Filologia e di
Istruzione Classica, xxxviii, 1960, p. 337-362; xxxix, 1961, p. 121-159.
———. Aristotele “Della filosofia”. Texto, introdução e comentário exegético.
Roma, 1963.
Wilpert, P. “Reste verlorener Aristotelesschrfiten bei Alxander von Aphrodisia”.
Hermes, lxxv, 1940, p. 369-396.
———. “Neue Fragmente aus Perì Tagathoû”. Hermes, lxxvi, 1941, p. 225-250.
———. Zwei aristotelische “Frühschriften über die Ideenlehre”. Regensburg, 1949.
———. “Di aristotelische Schrift Ueber die Philosophie”. In: Vários autores. Autour
d’Aristote. Louvain, 1955, p. 96-116.
———. “Die Stellung der Schrift Ueber die Philosophie in der
Gedankenentwicklung des Aristoteles”. Journal of Hellenic Studies, lxxvii, 1957, p.
155-162.
Relações de Aristóteles com a doutrina platônica das Ideias e dos números-ideias
Além dos trabalhos já citados a respeito dos tratados Sobre as Ideias e Sobre o bem,
também são essenciais para orientar-se adequadamente quanto a essa problemática:
Cherniss, H. Aristotle’s Criticism of Plato and the Academy. Baltimore, 1944 (Nova
York, 1962).
———. The Riddle of the Early Academy. Berkeley/Los Angeles, 1945 (Nova York,
1962; traduzido para o alemão e prestes a ser publicado também em língua
italiana) [trad. it., L. Ferrero: L’enigma dell’Accademia ântica. Florença: La Nuova
Italia, 1974].
Gaiser, K. Platons ungeschriebene Lehre. Stuttgart, 1963 (contém a primeira edição
dos testemunhos [p. 441-557], sistematicamente ordenados).
Gentile, M. La dottrina delle Idee Numeri e Aristotele. Pisa, 1930.
Kraemer, H. J. Areté bei Platon und Aristoteles. Zum Wesen und zur Geschichte der
platonischen Ontologie. Heidelberg, 1959 (Amsterdã, 1967).
Levi, A. In: G. Reale (org.). Il problema dell’essere nell’ontologia e nella gnoseologia di
Platone. Pádua, 1970, p. 32 ss (obra póstuma).
Robin, L. La théorie platonicienne des Idées et des nombres d’aprés Aristote. Paris,
1908 (Hildesheim, 1963, reed. anast.).
Ross, D. Plato’s Theory of Ideas. Oxford, 1953.
Stenzel, J. Studien zur Entwicklung der platonischen Dialetik von Sokrates bis
Aristoteles. Breslau, 1917 (Dermstadt, 1961).
———. Zahl und Gestalt bei Platon und Aristoteles. Leipzig/Berlim, 1924
(Darmstadt, 1959).
Taylor, A. E. Plato. Londres, 1926 (trad. it., Florença, 1949, p. 777-797; encontra-se
uma exposição mais extensa da interpretação dos números-ideias de Taylor em
Philosophical Studies [1963], p. 91-150).
Wedberg, A. Plato’s Philosophy of Mathematics. Estocolmo, 1955.
Wippern, Jürgen (org.). Das Problem der ungeschriebenen Lehre Platons. Beiträge
zum Verständnis der Platonischen Prinzipienphilosophie. Darmstadt, 1972
(importante coletânea de artigos de vários autores).
A metafísica e a problemática ontológico-teológica
Uma bibliografia quase completa poderá ser consultada pelo leitor das seguintes
obras já citadas: Schab, Bibl. d’Arist., p. 209 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p.
104 ss, 113 ss; Totok, Handbuch, p. 234 ss e 250 ss.
Excelente é a bibliografia que o leitor encontrará em J. Owens, The Doc-trine of
Being in the Aristotelian Metaphysics (Toronto, 1951 [1963], p. 425 ss); também
bastante rica é a de S. Gómez-Nogales, Horizonte de la metafísica aristotélica, p. 259
ss, 374 ss; e de Reale, Aristotele, “La Metafisica”, v. ii, p. 449-702. Enfim, uma
bibliografia comentada de cerca de uma centena de livros e artigos sobre o assunto
pode ser encontrada em Reale, Il concetto di filo-sofia prima, p. 321-376. Status
quaestionis referente às interpretações genéticas da Metafísica pode ser encontrado
em Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 39-75.
A bibliografia que mencionaremos a seguir está entre as mais importantes do
século xx; no que diz respeito ao século xix, cf. Reale, Aristóteles, Metafísica, v. ii, p.
462 ss.
Ambuehl, H. Das Objekt der Metaphysik bei Aristóteles. Freiburg Schweiz, 1958.
Arnim, H. von. “Zu W. Jaeger Grudlegung der Entwicklungsgeschichte des
Aristoteles”. Wiener Studien, xlvi, 1928, p. 1-48 (fundamental até hoje porque
representa a primeira tomada de posição sobre sólidas bases filológicas contra a
interpretação genética jaegeriana, em particular da Metafísica).
———. “Die Entstehung der Gotteslehre des Aristoteles”. Sitzungsberichte der
Akademie der Wissenschaften in Wien, Philos.-hist. Klasse, ccxii, 1931, 5
Abhandlung.
Arpe, C. Das tì ên Eînai bei Aristóteles. Hamburgo, 1937.
Aubenque, P. Le problème de l’être chez Aristote. Essai sur la problématique
aristotélicienne. Paris 1962, 1966 (cf. a tese exposta sucintamente pelo autor em
“Aristoteles und das problem der Metaphysik”, Zeitschrift für Philosophische
Froschung, xv, 1961, p. 321-333).
Badareu, D. L’individuel chez Aristote. Paris, s.d. [1936].
Boehm, R. Das Grundlegende und das Wesendliche. Zu Aristoteles’ Abhandlung
“Ueber das Sein und das Seinde” (Metaphysik Z). Den Haag, 1965.
Buchanan, E. Aristotle’s Theory of Being. Cambridge (Mass.), 1962.
Cencillo, L. Hyle. Origen, concepto y funciones de la materia en el corpus aristotelicum.
Madri, 1958.
Chen, Chung Hwan. Das Chorismos-problem bei Aristoteles. Berlim, 1940.
Chevalier, J. La notion du nécéssaire chez Aristote et chez ses prédécesseurs. Paris, 1915.
Décarie, V. L’objet de la métaphysique selon Aristote. Montreal/Paris, 1961.
Deninger, J. G. “Wahres Sein” in der Philosophie des Aristoteles. Meisenheim am
Glam, 1961.
Dhondt, U. “Science suprême et ontologie chez Aristote”. Revue de Philosophie de
Louvain, lix, 1961, p. 5-30.
Elders, L. Aristotle’s Theorie of the One. A Commentary on Book x of the
“Metaphysics”. Assen, 1961.
Golhke, P. Die Entstehung der aristotelischen Prinzipienlehre. Tübingen, 1954.
Gómez-Nogales, S. Horizonte de la metafísica aristotélica. Madri, 1955.
Jaeger, W. Studien zur Entstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles. Berlim,
1912.
Kraemer, H. J. Der Ursprung der Geistmetaphysik. Amsterdã, 1964.
———. “Zur geschichtlichen Stellung der aristotelischen Metaphysik”. Kantstudien,
lviii, 1967, p. 313-354.
Lesze, W. Hyle, Studien zum aristotelischen Materiebegruff. Berlim, 1971 (trabalho
importante: o mais completo sobre o assunto).
Lugarini, L. Aristotele e l’idea della filosofia. Florença, 1961.
Mansion, A. “Philosophie première, philosophie seconde et métaphysique chez
Aristote”. Revue Philosophique de Louvain, lvi, 1958, p. 165-221.
Marlan, Ph. From Platonism to Neoplatonism. The Hague, 1952, 1960.
Moser, S. Metaphysik einst und jetzt. Kritische Untersuchungen zu Begriff und Ansatz
der Ontologie. Berlim, 1958.
Oggioni, E. La filosofia prima di Aristotele. Milão, 1939. (Pode-se encontrar uma
exposição mais clara da tese do autor na amplíssima introdução à tradução de
Eusebietti da Metafísica aristotélica. Pádua, 1950.)
Owens, J. The Doctrine of Being in the Aristotelian Methaphysics. Toronto, 1951 (ed.
revista, 1963; trabalho fundamental sob todos os pontos de vista).
Patzig, G. “Theologie und Ontologie in der Metaphysik des Aristoteles”.
Kantstudien, lii, 1960-1961, p. 185-205.
Preiswerk, A. “Das Einzelne bei Platon und Aristoteles”. Philologus,
supplementband xxxii, 1939.
Reale, G. Teofrasto e la sua aporetica metafísica. Brescia, 1964 (no qual o problema
das relações entre a metafísica de Teofrasto e a metafísica aristotélica é tratado
amplamente).
Reiner, K. “Die Entstehung und ursprüngliche Bedeutung des Namens
Metaphysik”. Zeitschrift für Philosophische Forschung, viii, 1954, p. 210-237.
Rijk, L. M. de. The Place of the Categories of Being in Aristotelian’s Philosophy. Assen,
1952.
Riondato, E. Storia e metafisica nel pensiero di Aristotele. Pádua, 1961.
Stallmach, J. Dynamis und Energeia. Untersuchungen am Werk des Aristoteles zur
Problemgeschichte von Möglichkeit und Wirklichkeit. Meisenheim am Glan, 1959.
Tugendhat, E. Tì katà tinós. Eine Untersuchung zur Struktur und Ursprung
aristotelischer Grundbegriffe. Freiburg, 1958.
Wagner, H. “Zum Problem des aristotelischen Metaphysikbegriff”. Philosophische
Rundschau, vii, 1959, p. 129-148.
Werner, C. Aristote et l’idéalisme platonicien. Paris, 1910.
Wundt, M. Untersuchungen zur Metaphysik des Aristoteles. Stuttgart, 1953.
Estudos sobre a problemática física e cosmológica
O leitor encontrará uma bibliografia bastante rica nas seguintes obras citadas:
Schwab, Bibl. d’Aristote, p. 130 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 105, 1.153 ss;
Totok, Handbuch, p. 242, 252; Ross, Arist. Phys., p. viii ss; Wagner, Arist.,
Physilvorlesung.
Carteron, H. La notion de force dans le système d’Aristote. Paris, 1924.
Conen, P. F. Die Zeittheorie des Aristoteles. Munique, 1964.
Dehn, M. “Raum, Zeit, Zahl bei Aristoteles vom mathematischen Standpunkt aus”.
Scientia, lx, 1936, p. 21-21, 69-74.
Dubois, J. M. Le temps et l’instant selon Aristote. Paris, 1967 (toda a primeira parte
da obra [p. 15-125] descreve o status quaestione em relação à temática do tempo).
Düring, I. “Naturphilosophie bei Aristoteles und Theophrast”. In: Vários autores.
Verhandlungen des 4. Symposium Aristotelicum, Heidelberg, 1969.
Edel, A. Aristotle’s Theory of the Infinite. Nova York, 1934.
Evans, M. G. The Physical Philosophy of Aristotle. Albuquerque, 1964.
Giacon, C. Il divenire in Aristotele. Pádua, 1947.
Gohlke, P. “Die Entstehungsgeschichte der naturwissenschaftlischen Schriften des
Aristoteles”. Hermes, lix, 1924, p. 274-306.
———. Moderne Logik ind Naturphilosophie bei Aristoteles. Paderborn, 1962.
Le Blond, J. M. Logique et méthode chez Aristote. Études sur la recherche des principes
dans la Physique aristotélicienne. Paris, 1939.
Mansion, A. Introduction à la physique aristotélicienne. Louvain, 1913 (2ª ed. rev. e
ampl., Louvain, 1946).
———. “La physique aristotélicienne et la philosophie”. Revue Neosc., xxxix, 1936,
p. 5-26.
Mondolfo, R. L’infinito nel pensiero dell’Antichitá Clássica. Florença, 1956.
Moreau, J. L’espace et le temps selon Aristote. Pádua, 1965.
Reiche, L. Das Problem des Unendlichen bei Aristoteles. Breslau, 1911.
Riezler, K. Physics and Reality. Lectures of Aristotle on modern Physics at an
International Congress of Science. New Haven: Yale Univ. Press, 1940.
Robin, L. “Sur la conception aristotelicienne de la causalité”. Archiv für Geschichte
der Philosophie, xxiii, 1910, p. 1-28, 184-210 (publicado também em Robin, La
pensée hellenique des origines à Epicure. Paris, 1942).
Ruggiu, L. Tempo, conscienza e esse nella filosofia di Aristotele. Brescia, 1968.
Runner, H. E. The Delopment of Aristotle Illustrated from the Earliest Books of the
Physics. Kampen, 1951.
Schramm, M. Die Bedeutung der Bewegungslehre des Aristoteles für seine beiden
Lösungen der zenonischen Paradoxie. Frakfurt, 1962 (para a bibliografia
concernente às relações entre Aristóteles e os paradoxos zenonianos sobre o
movimento, cf. Ross, Ar. Phys., p. xi ss).
Solmsen, F. Aristotle’s System of the Physical World. Ithaca: Cornell Univ. Press,
1960.
Theiler, W. Zur Geschichte der theleologischen Naturbetrachtung bis auf Aristoteles.
Zurique, 1924; Berlim, 1965.
Verdenius, W. J. e Waszink, J. H. Aristotle. On Coming-to-be and Passing-away.
Some Comments. Leiden, 1946, 1966.
Wieland, W. Die aristotelische Physik. Untersuchungen ueber die Grundlegung der
Naturwissenschaft un die sprachlischen Bedingungen der Prinzipeinforschung bei
Aristoteles. Tübingen, 1962.
Woodbridge, F. J. E. Aristotle’s Vision of Nature. Nova York, 1965.
Estudos sobre a problemática psicológica e gnoseológica
Para uma bibliografia sobre as questões psicológicas, cf. Schwab, Bibl. d’Aristote, p.
179 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 117; Hicks, Arist. De anima, p. ix-xviii; O.
Apelt in Biehl-Apelt, Arist. De an., op. cit., p. ix-xiii; Totok, Handbuch, p. 142 ss; F.
Nuyens, L’évolution de la psychologie d’Aristote, Louvain, 1948, p. 319-390. Status
quaestionis concernente às interpretações genéticas da psicologia poderá ser
encontrado em Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 88 ss.
Barbotin, E. La théorie aristotélicienne de l’intellecte d’après Théophraste.
Louvain/Paris, 1954.
Bobba, R. La dottrina dell’intelletto in Aristotele e nei suoi più illustri commentatori.
Turim, 1896.
Brentano, F. Die Psychologie des Aristoteles insbesondere seine Lwehre vom Noûs
poeitikós. Mainz, 1867; Darmastadt, 1967 (ainda fundamental).
Cassirer, H. Aristoteles Schrift “Von der Seele” und ihre Stellung innerhalb der
aristotelischen Philosiphie. Tübingen, 1932.
Catin, S. “L’intelligence selon Aristote”. Laval Théologique et Philosophique, iv, 1948,
p. 252-288.
———. “Le nombre de sens externes d’après Aristote”. Laval Théologique et
Philosophique, vii, 1951, p. 59-67.
———. “L’object de sens externes dans la conception aristotélicienne de la
sensation”. Laval Thélogique et Philosophique, xv, 1959, p. 9-31.
Chaignet, A.-E. Essai sur la psychologie d’ Aristote. Paris, 1883.
De Corte, M. “Notes exégétiques sur la théorie aristotélicienne du ‘Sensus
communis’”. New Scholasticism, vi, 1932, p. 187-214.
———. La doctrine de l’intelligence chez Aristote. Paris, 1934.
Hamelin, O. La théorie de l’intellect d’après Aristote et ses commentateurs. Paris, 1953
(introdução de E. Barbotin).
Kurfess, H. Zur Geschichte der Erklärung der aristotelischen Lehre vom sogenannten.
Noûs poietikós und pathetikós. Tübingen, 1911.
Lefèvre, Charles. Sur l’évolution d’Aristote en psychologie. Louvain, 1972.
Mansion, E. “L’immortalité de l’âme et de l’intellect d’après Aristote”. Revue
Philosophique de Louvain, li, 1953, p. 444-472.
Moraux, P. Alexandre d’Aphrodise exégète de la noétique d’ Aristote. Liège/Paris,
1942.
Nuyens, F. L’évolution de la psychologie d’Aristote. Louvain, 1948 (trata-se do mais
significativo dos trabalhos concernentes à evolução da doutrina aristotélica da
alma).
Oehler, K. Die Lehre vom noetischen und dianoetischen Denken bei Platon und
Aristoteles. Munique, 1962.
Schilfgaarde, P. van. De Zielkunde van Aristoteles. Leiden, 1938.
Shute, C. W. The Psychology of Aristotles; an Analysis of the Living Being. Columbia,
1941; Nova York, 1964.
Siwek, P. La psychophysique humaine d’après Aristote. Paris, 1930.
Soleri, G. L’immortalità dell’anima in Arisotele. Turim, 1952.
Spicer, E. E. Aristotle’s Conception of the Soul. Londres, 1934.
Estudos sobre a ética aristotélica
Além dos repertórios várias vezes citados de Schwab, Ueberweg-Praetcher e Totok,
encontram-se excelentes bibliografias específicas sobre a temática moral em
Aristóteles em: Aristotelis Ethica Nicomachea, Apelt, p. xii-xxix. Para a bibliografia
posterior a 1912, ver: Gauthier-Jolif, L’éthique à Nicomaque, v. ii, 2, p. 917-940, que
vai até 1958, e o suplemento relativo aos anos 1958-1968 no v. i, 1 (2ª ed., 1970), p.
315-334. Excelentes também são as bibliografias de Dirlmeier, Aris, Nik. Eth., p.
255-264; id., Arist. Eud. Eth., p. 121-127; id., Magn. Mor., p. 113-118. Status
quaestionis das interpretações genéticas da ética pode ser encontrado em Berti, La
filos. d. prim. Arist., p. 76-87; e, com maior amplitude, em Zeller-Plebe (parte ii, v. vi
da tradução italiana da obra zelleriana, especialmente na “Nota sulla questione dello
sviluppo dell’etica aristotélica”, p. 88-110). Dadas as limitações de espaço,
restringimo-nos aqui à indicação de algumas monografias, com exclusão de muitos
dos trabalhos de caráter predominantemente filológico e referentes à autenticidade
e à gênese de cada um dos trabalhos éticos, que podem ser encontrados em
Dirlmeier.
Allan, D. J. “The Practical Syllogism”. In: Vários autores. Autour d’Aristote. Louvain,
1955, p. 325-340.
Ando, T. Aristotle’s Theory of Practical Congnition. Kioto, 1958.
Arnim, H. von. Die drei aristotelischen Ethiken. Leipzig/Viena, 1924.
Aubenque, P. La prudence chez Aristote. Paris, 1963.
Bausola, A. “La teleologia aristotelica e il valore dell’attività noetica”. In: Vários
autores. Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1956, p. 26-70.
Brink, K. O. Still und Form des pseudoaristotelischen Magna Moralia. Ohlau, 1933.
Donini, P. L. L’etica dei Magna Moralia. Turim, 1965.
Gauthier, R. A. La morale d’Aristote. Paris, 1958.
Gillet, M. Du fondement intellectuel de la morale d’après Aristote. Freiburg, 1905
(Paris, 1928).
———. “Les éléments psychlogiques du caractère moral d’après Aristote”. Revue
des Sciences Philosophiques et Théologiques, i, 1907, p. 217-238.
Goedeckmeyer, A. Aristoteles’ praktische Philosophie. Leipzig, 1922.
Hardie, W. F. R. Aristotle’s Ethical Theory. Oxford, 1968.
Joachim, H. H. The Nichomachean Ethics, a Commentary. Oxford, 1951
(organização de D. A. Rees).
Kalkreuter, H. Die Mesotes bei und vor Aristoteles. Tübingen, 1911.
Kapp, E. Das Verhältnis der eudemischen zur nikomachischen Ethik. Freiburg, 1912.
La Fontaine, A. Le plaisir d’après Platon et Aristote. Paris, 1902.
Léonard, J. Le bonheur chez Aristote. Bruxelas, 1948.
Lieberg, G. Die Lehre von der Lust in den Ethiken des Aristoteles. Munique, 1959.
Lottin, O. “Aristote et la connexion des vertus morales”. In: Vários autores. Autour
d’ Aristote. Louvain, 1955, p. 343-366.
Monan, J. D. Moral Knowledge and its Methodology in Aristotle. Oxford, 1968.
Oates, W. J. Aristotles and the Porblem of Value. Princeton, 1963.
Ramsauer, A. J. G. Zur Charakteristic der aristotelischen Magna Moralia. Fak-simile
Neudrusk-Ausgabe Oldembrug, 1858, mit einer Einleitung von F. Dirlmeier.
Stuttgart-Bad Kannstatt, 1964.
Vários autores. Untersuchungen zur Eudemischen Ethik. Atas do v Symposium
Aristotelicum. Berlim, 1971 (organizado por Von P. Maoraux e D. Harflinger).
Walzer, R. Magna Moralia und aristotelische Ethik. Berlim, 1929.
Estudos sobre a política aristotélica
Para uma bibliografia completa acerca da temática política, ver: Schwab,
Bibliographie d’Aristot., p. 157 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 119 ss; e a
bibliografia já citada de Aubonnet, na introdução à sua edição da Política na
Collection des Universités De France. Para o staus quaestionis concernente ao
problema da Política, cf. Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 76-87, e a nota de
Plebe, “La questione della composizione della Politica dall’Aristoteles di Jaeger ai
giorni nostri”, in Zeller-Plebe, p. 215-245.
Ashley, W. The Theory of Natural Slavery Accordig to Aristotle and St. Thomas. Notre
Dame (Indiana), 1941.
Bagolini, L. “Il porblema della schiavitù nel pensiero etico-politico di Aristotele”.
Scienza e Filosofia, 1942, p. 1-38.
Barker, E. The Political Thought of Plato and Aristotle. S.l., 1902 (Nova York, 1959).
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Politics”; P. Aubenque, “Théorie et pratique politiques chez Aristote”; P. Moraux,
“Quelques apories de la Politique e leur arrière-plan historique”; R. Weil,
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Estudos sobre a poética e a retórica
Sobre a Poética, há uma excelente bibliografia: L. Cooper e A. Gudelman, A
Bibiography of the Poetics of Aristotle (Yale Univ. Press, New Haven, 1928, 1932); e
M. T. Herrick, “A supplement to Cooper and Gudelman’s Bibliography of the Potics
of Aristotle”, American Journal of Philology, lii, 1931, p. 168-174. Para os anos
posteriores a 1932, cf. Totok, Handbuch, p. 224 ss, 259 ss; e Zeller-Plebe, op. cit., p.
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Bibliogra a sobre a lógica
Para a literatura sobre a lógica, cf. Schwab, Bibliographie d’Aristote, p. 84 ss;
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riquíssima coletênea de indicações bibligráficas pode ser encontrada em I. M.
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post., p. 247-265. Para o status quaestionis concernente à evolução da lógica, cf.
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Retórica das paixões (livro ii da Retórica). Edição bilíngue, tradução do grego,
introdução e notas de Isis Borges B. da Fonseca. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Organon. Tradução do grego, textos adicionais e notas de Edson Bini. Bauru:
Edipro, 2005.
* Respectivamente em 1986 e 1989 foram publicadas as duas partes do volu-me iii,
até o livro viii. O autor refere-se aqui aos volumes publicados até 1974, ano em que
esta Introdução a Aristóteles foi lançada. [n.t.]
*
Os dois últimos títulos foram efetivamente publicados: Trattato sul cosmo per
Alessandro, com organização, introdução e comentários de G. Reale, Nápoles,
Loffredo, 1974; I Topici, com organização, introdução e comentários de A. Zadro,
Nápoles, Loffredo, 1974. [n.t.]