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Octavio Ianni - A Ditadura Do Grande Capital

Este documento apresenta três obras clássicas do pensamento social brasileiro que serão relançadas em parceria entre uma seção sindical e uma editora: os livros "Apontamentos sobre a 'teoria do autoritarismo'" de Florestan Fernandes, "A ditadura do grande capital" de Octavio Ianni e "O reformismo e a contrarrevolução" de Ruy Mauro Marini. A nota editorial destaca a importância destas obras para lançar luz sobre questões fundamentais do capitalismo brasileiro e das formas de dominação burgues

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Octavio Ianni - A Ditadura Do Grande Capital

Este documento apresenta três obras clássicas do pensamento social brasileiro que serão relançadas em parceria entre uma seção sindical e uma editora: os livros "Apontamentos sobre a 'teoria do autoritarismo'" de Florestan Fernandes, "A ditadura do grande capital" de Octavio Ianni e "O reformismo e a contrarrevolução" de Ruy Mauro Marini. A nota editorial destaca a importância destas obras para lançar luz sobre questões fundamentais do capitalismo brasileiro e das formas de dominação burgues

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Nota Editorial
Os clássicos do pensamento social equivalem a um campo fértil ao qual
retornamos com a certeza de seu potencial germinador. Com isso em
mente, a Adunirio, seção sindical dos docentes da Unirio e filiada ao
Andes-SN, e a Expressão Popular firmam uma parceria de edição de obras
de importantes pensadores e militantes brasileiros que dedicaram suas
vidas para compreender as dinâmicas sociais latino-americanas, com
destaque para o Brasil. Desta parceria entre sindicato e editora serão
lançados três títulos em 2019: as reedições de Apontamentos sobre a
‘teoria do autoritarismo’, de Florestan Fernandes, e A ditadura do grande
capital, de Octavio Ianni; e, pela primeira vez em língua portuguesa, O
reformismo e a contrarrevolução (estudos sobre Chile), de Ruy Mauro
Marini.
As obras foram escolhidas pela sua capacidade de lançar luz sobre
questões fundamentais do nosso capitalismo dependente e das formas
autocráticas de dominação burguesa na América Latina. O momento nos
parece adequado, pois observamos o imperialismo retomando seu fôlego e
forças reacionárias ganhando posições estratégicas em diversos Estados
nacionais, o que resulta em derrotas históricas da classe trabalhadora, que
por sua vez resiste ativamente de diversas formas.
É preciso pisar em solo firme para retomarmos o impulso revolucionário
capaz de solapar todas as formas de exploração, dominação e opressão no
capitalismo. Recorremos, assim, a alguns dos nossos melhores aliados do
pensamento social brasileiro para a reorganização e a conscientização da
classe trabalhadora, tão necessárias para reverter o avanço da barbárie
capitalista e colocar novamente em pauta a revolução brasileira.
Gostaríamos de agradecer à Áurea Ianni e à Éline Ianni que, solidária e
gentilmente, nos autorizaram a reedição deste livro, possibilitando que este
clássico do pensamento social brasileiro seja conhecido e estudado pelas
novas gerações de trabalhadores e trabalhadoras empenhadas em
transformar nossa realidade.

Editora Expressão Popular


Diretoria da Adunirio (Gestão 2017-2019)
Apresentação
Octavio Ianni e a Ditadura do Grande Capital
Elaine Rossetti Behring1

Dedico essa apresentação


a quem colocou Ianni em meu
caminho de forma irreversível,
Marilda Villela Iamamoto

É com grande alegria que escrevo essas linhas apresentando uma obra
que não pode ser tangenciada ao pensarmos o Brasil – A ditadura do
grande capital, de Octavio Ianni – publicada pela primeira vez em 1981.
Saúdo a iniciativa da Expressão Popular e da Adunirio de disponibilizar
neste Brasil de hoje, marcado pela tentativa de falsificação histórica do
significado daqueles anos de chumbo,2 esse grande texto sobre a ditadura
civil-militar (ou empresarial-militar),3 ou do grande capital como ensina
Ianni mostrando os traços mais essenciais daquele processo. Este é um
texto magistral e que pedia para ser relançado para as novas gerações e
também para uma releitura dos que já o conheciam, dada sua imensa
atualidade. Antes de comentar a obra, penso ser importante introduzir
brevemente o(a) leitor(a) no universo de Octavio Ianni.
Estamos diante de um grande esforço de interpretação do país, dentro da
tradição crítica do pensamento social brasileiro, dada a clara incidência
teórico-metodológica da tradição marxista de suas reflexões, combinada a
um diálogo amplo e rigoroso no campo das ciências sociais, em especial da
Sociologia, da Economia Política e da Historiografia. Hoje tenho grande
orgulho de fazer parte da criação do Centro de Estudos Octavio Ianni
(CEOI), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), criado em
2006 por uma iniciativa da Profª. Marilda Iamamoto, a qual contou com
uma influência determinante do pensamento de Ianni em seu próprio
trabalho. Junto a ela e uma equipe de professores e estudantes, realizamos
um Colóquio naquele ano sobre o pensamento de Ianni, que resultou numa
publicação de referência – Pensamento de Octavio Ianni: um balanço de
sua contribuição à interpretação do Brasil (Iamamoto e Behring [orgs.],
2009), da qual recolho algumas informações e ilações nesta apresentação.
Octavio Ianni nasceu em Itu, São Paulo, em 1926, filho de imigrantes
italianos. Na década de 1940 participou como secundarista e militante do
PCB das lutas contra o Estado Novo. No entanto, consta que foi uma
filiação partidária breve e que ele não voltou a ter filiação partidária,
atuando como intelectual de esquerda independente. Em 1948, ingressou
no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo, e se formou em 1954, constituindo a
segunda geração de sociólogos neste grande celeiro de intérpretes do
Brasil, nem todos eles no campo crítico-dialético. Em 1956, Ianni se tornou
professor da USP na cadeira que tinha como titular – e estávamos no
sistema de cátedras – ninguém menos que Florestan Fernandes, cuja
influência em seu pensamento é fundamental e muito discutida.
Ianni, portanto, fez parte do núcleo fundador da Escola de Sociologia da
USP, ao lado de Antonio Candido, Florestan Fernandes, Fernando
Henrique Cardoso, Maria Sylvia de Mello Franco, José de Souza Martins,
Leôncio Martins Rodrigues, dentre outros. Ali, em torno da cátedra de
Florestan Fernandes, forjou-se a “sociologia crítica” que procurava
explicar o Brasil e a América Latina. Ele permaneceu na USP até 1969,
quando foi expulso pela ditadura civil-militar e forçada e precocemente
aposentado pelo Ato Institucional n. 5. Em 1970 participou da fundação do
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o Cebrap, realizando estudos
sobre a questão agrária e a Amazônia. Em 1977, a reitora (e assistente
social, o que é motivo de orgulho para o Serviço Social brasileiro) Nadir
Kfouri abriu as portas da PUC-São Paulo para docentes que foram
perseguidos pela ditadura, dentre os quais Octavio Ianni e Florestan
Fernandes. Ali, Ianni permaneceu até 1986, quando se transferiu para a
Unicamp, onde trabalhou por mais 15 anos até dois dias antes de seu
falecimento, em 4 de abril de 2004. Ao longo desta trajetória, ele recebeu
as mais altas premiações acadêmicas, foi duplamente premiado com o
Jabuti, da Academia Brasileira de Letras, e também com um Prêmio Juca
Pato (intelectual do ano, em 2000).
No estimulante ambiente acadêmico da USP, Ianni teve uma formação
ampla e completa nos clássicos da Sociologia, da Política e da Economia
Política, bem como da literatura, pela qual era apaixonado. Mas a
aproximação ao marxismo marcou sua obra de forma indelével e profunda,
sendo essa tradição constitutiva de seu modo de pensar o Brasil. Nesse
sentido, as três dimensões mais caras à tradição marxista estão presentes
em seu trabalho intelectual: o método dialético, a teoria do valor e a
perspectiva da revolução. Com relação a este último, cabe a caracterização
de Ana Clara Torres Ribeiro, de que a obra de Ianni buscou sempre
responder aos desafios da vida política (2009, p. 43). Em meio século de
vida acadêmica foram mais de 40 livros publicados, além de artigos e
coletâneas organizadas, a maior parte deles dedicados a elucidar a ideia de
Brasil moderno, embora mais recentemente tenha se dedicado a discutir os
impactos da globalização no Estado Nação, o que ele chamou de era do
globalismo.
Pois bem, após alguns elementos da trajetória deste que pertence à
galeria dos grandes intérpretes do Brasil, cabe registrar uma marca decisiva
de seu trabalho e que se relaciona com a dimensão do método marxiano: a
relação visceral entre Economia e Política. Um exemplo interessante disso
é que o tema da democracia – suas possibilidades e limites no Brasil – está
subordinado à dinâmica do Estado e das classes sociais, e sua relação com
as bases materiais, diga-se, o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, ou
melhor, a constituição do “Brasil moderno”. Dentro da diversificada
agenda intelectual de Ianni – e João Antônio de Paula (2009) identificou
dez temas centrais em sua obra: 1. a questão da escravidão; 2. as relações
entre raça e classe; 3. a revolução social; 4. a industrialização brasileira; 5.
o Estado; 6. a questão da cultura; 7. a América Latina; 8. a sociologia como
campo de estudos; 9. a questão agrária; 10. a globalização e o
imperialismo, o problema democrático aparece na totalidade em
movimento, associado à luta de classes. Para ele, tratava-se de desvendar a
lógica da formação social capitalista brasileira constituída no ciclo da
revolução burguesa, que se completa, tal como em Florestan Fernandes,
com as transformações profundas engendradas pelo golpe civil-militar de
1964 e o advento da ordem monopólica no país. A democracia não é um
tema em si, mas um produto de condições históricas determinadas,
condições estas que nunca favoreceram o padrão do Estado democrático de
direito. Em O ciclo da Revolução Burguesa (1984), por exemplo, Ianni fala
que desde a Independência temos a reiteração de soluções pelo alto que
estruturam o Estado brasileiro segundo interesses oligárquicos, burgueses,
imperialistas. Para ele “o que se revela, ao longo da história, é o
desenvolvimento de uma espécie de contrarrevolução burguesa
permanente” (1984, p. 11), sendo o poder exercido de forma autoritária,
ditatorial, “quando não fascista” (1984, p. 14), o que analisou efetivamente
na obra em tela, A ditadura do grande capital. A burguesia, impregnada de
teses racistas (e Ianni realizou vários estudos sobre a questão racial no
Brasil)4 e práticas patrimonialistas, requisitou na maior parte das vezes um
Estado forte para conter as classes perigosas. Ianni, especialmente no texto
supracitado, critica a ideia da tutela do povo pelas elites, bem como a
recorrente interpretação presente também no pensamento de esquerda, da
sociedade civil amorfa, inconsistente, incompetente. Para ele aí residem
tentativas de desqualificar as lutas populares, fortalecendo a necessidade do
pacto social, da conciliação de classes e do “desenvolvimento com
segurança”, esta última marca da ditadura pós 1964. Desta forma pode
existir normalidade democrática, do ponto de vista formal, mas em
convivência com estruturas autocráticas e violentas reais sobre os
trabalhadores. Essas foram as ideias-chave para a crítica contundente ao
projeto de “revolução democrático-burguesa” do PCB nos anos 1950 e
1960, do “desenvolvimento sem classes”, do Iseb, e, sobretudo do golpe de
1964.
Tal relação visceral entre Economia e Política, ou seja, a perspectiva da
totalidade, comparece em outro texto fundamental de Octavio Ianni,
Estado e capitalismo (de 1965, mas com uma segunda edição ampliada de
1989). Esta é uma obra que precisa ser mais conhecida no meio acadêmico,
pois se trata de um estudo da particularidade do Estado brasileiro, que traz
vários elementos universais sobre o Estado como categoria, modo de ser, e
dele podemos desdobrar hipóteses sobre os limites da democracia na
periferia do capitalismo, que tem relação com as bases materiais
constitutivas da periferia, a dependência. Minha hipótese é de que o
andamento da exposição nesse texto, refletindo um processo de
investigação exaustivo de dados, documentos (em especial Planos de
governo) e discursos governamentais, se repõe n’A ditadura do grande
capital. Para Ianni, conhecer o Estado é conhecer a sociedade. Se a
sociedade funda o Estado, ele é também constitutivo daquela. Assim, é
preciso observar o Estado na totalidade das relações sociais e econômicas.
Nos processos de planificação e intervenção desencadeados pelo Estado, há
uma tendência a que este concentre sua atuação na acumulação de capital,
refinando sua capacidade de controle sobre as possibilidades de poupança e
investimento. Para ele as medidas governamentais são indispensáveis para
as forças de mercado. Se o lucro não é um alvo direto, é um alvo indireto a
ser realizado pela empresa privada, com o suporte do Estado, que, então,
surge como uma mediação importante no processo de acumulação do
capital. Especialmente no contexto do desenvolvimentismo, sobre o qual se
debruça este texto de Ianni, o Estado é um órgão de capitalização do
excedente econômico e dinamização das virtualidades do mercado,
especialmente da diversificação do sistema produtivo nacional, com
destaque para a indústria, por meio da canalização das rendas agrícolas
para a esfera industrial. Aqui temos uma chave importante do debate de
Ianni: de que o capital industrial nasce do capital agrícola, com a mediação
do Estado. Donde decorre que as ideias de uma contraposição entre arcaico
e moderno e de dualismo sempre foram uma aparência a confundir a
estratégia da esquerda, centrada durante muito tempo e com resquícios no
presente,5 no pacto com a burguesia nacional na etapa democrático-
burguesa. Neste sentido, penso que Ianni, na trilha de Caio Prado Jr.,
aprofunda uma crítica ao dualismo que antecipa elementos de Francisco de
Oliveira em seu ensaio de 1972, Crítica à razão dualista (republicado em
2003). A concentração e centralização do capital governam parcela dos
instrumentos postos em prática pelo Estado, que atua no sentido de
assegurar condições gerais, mantendo parcela do excedente no país como
condição para a industrialização, setor estratégico no desenvolvimentismo.
Ianni desde então buscava desvendar a articulação entre capital nacional,
capital externo e a participação estatal direta e indireta como componentes
essenciais do capitalismo industrial que se forma no Brasil, apesar do
discurso nacionalista à época. E isso vai se consolidar com ainda mais
força no golpe civil-militar de 1964, que, na presente obra, caracterizou
como a ditadura do grande capital, quando as relações capitalistas
efetivamente se generalizaram, ou seja, a revolução burguesa se completou,
no que a meu ver, tem acordo com Florestan Fernandes (1987).
São muito instrutivas as observações de Ianni sobre a relação entre
burguesia e Estado no Brasil, demonstrada com um grande volume de
dados – como já registramos linhas acima, ele era um pesquisador arguto,
colado nos elementos de realidade, buscando dela extrair seu movimento.
Para ele, a burguesia participa ao máximo da formulação das diretrizes
governamentais, tendo em vista fazer com que o Estado atue na direção do
florescimento do mercado, pelo que espera do mediador benefícios com
relação ao capital, à exploração do trabalho, à tecnologia, diga-se, em
relação ao conjunto dos fatores de produção. Nesse sentido, os créditos
estatais para financiamento, as dívidas para com a previdência social e o
consumo estatal (compras para o desempenho de suas funções) vinculam o
Estado e os interesses empresariais. Por isso, ele afirma na obra de 1965
que “o capitalismo surgido no Brasil precisou contar com um Estado
abertamente engajado na economia e na sociedade”, e a burguesia
brasileira não surge de qualquer luta vigorosa de sua parte contra as
oligarquias agrárias. A burguesia industrial foi gerada pelo capital agrário,
sem suplantá-lo e com a mediação do Estado e do capital externo.
Especialmente após 1930, o Estado se projeta como centro das decisões
mediando as relações de classe e cuidando da acumulação do capital – cada
vez mais fundada na extração de mais-valia relativa –, e muito
especialmente, disciplinando os vendedores da força de trabalho no
mercado.
Portanto, conforme Ana Clara Torres Ribeiro, “o olhar que o autor lança
ao Estado encontra-se orientado pela busca de apreensão da totalidade
social em movimento e, sobretudo, por expectativas políticas em relação à
transformação da sociedade brasileira” (2009, p. 47). Já para Carlos Nelson
Coutinho: “Ianni sabe que é impossível abordar a questão do Estado sem
vinculá-la organicamente com a totalidade social. Como marxista, ele
recusa a ideia de que o Estado possa ser tratado como sujeito autônomo,
situado acima do movimento das classes sociais.” (2009, p. 58). Neste
passo, segundo Coutinho, Ianni se opõe claramente a qualquer fetichismo
do Estado, observando-o no fluxo histórico, a partir da centralidade da luta
de classes. Esta concepção geral, do Estado como capitalista coletivo,
como mediação na totalidade concreta, foi retomada nas obras Estado e
planejamento econômico no Brasil (1971) e, especialmente, em A ditadura
do grande capital (1981). Vejamos algumas características desta obra, mas
apenas para convidar o(a) leitor(a) para nela mergulhar e conhecer o
significado mais profundo dos significados daquele “tempo, página infeliz
da nossa história” (Vai Passar, Chico Buarque, 1990).
O que nos diz Octavio Ianni sobre a ditadura, entre 1964-1985? Há uma
ideia central de que a face mais visível e aparente era a de que se tratava de
uma ditadura militar. Mas ele quer demonstrar, e o faz com maestria, que se
tratou essencialmente de uma ditadura da grande burguesia, do grande
capital. O objetivo de seu texto é subsidiar a luta das classes subordinadas
(alimentar os demônios, como lembra Renato Ortiz (2009) sobre as
características de sua obra) – em especial operários e camponeses – para
refazerem a história. A ditadura do grande capital inicia mostrando a
relação entre a grande burguesia e o regime. Desvela como o planejamento
tecnocrático foi erigido “força produtiva complementar” para favorecer
segmentos determinados do grande capital, num ambiente de
expropriações, abolição dos partidos políticos, intervenção nos sindicatos e
intensa repressão política. Para ele, a violência é uma força produtiva. O
lema “segurança e desenvolvimento” acobertava uma política econômica
de favorecimento ao imperialismo, na forma do grande capital
monopolista, assentada na superexploração da força de trabalho.6 Os
trabalhadores foram tratados a ferro e fogo, com uma austera política
salarial e a “restauração da disciplina social”, de acordo com Roberto
Campos, um dos artífices deste processo do ponto de vista econômico. Da
mesma forma, a ditadura induziu, com sua máquina de “violência
concentrada e organizada” e a “parafernália tecnocrática”, a monopolização
da terra. Assim, na base do chamado Milagre Brasileiro, se encontra uma
dimensão ora posta como fascista, ora como fascistóide, ou com
“conteúdos fascistas”: a “indústria do anticomunismo” mobilizada para
calar qualquer oposição e reação dos “de baixo” contra a ofensiva sobre os
trabalhadores e camponeses em especial. É evidente aqui que a semelhança
não é mera coincidência no que estamos vivendo neste Brasil de 2019, sob
o governo da extrema direita e que tenta convencer a população de que não
houve ditadura no país, ainda que no ambiente da democracia blindada
(Demier, 2017), mas que pode evoluir para formas de fascismo: traços e
sinais dessa tendência são abundantes7. No entanto, há que sublinhar que é
muito controverso na historiografia a caracterização de fascismo tanto para
o regime pós-64 quanto para o que está em curso hoje no Brasil. Se Ianni
falava em Estado fascista, parte da historiografia opera com o conceito de
regime bonapartista, dadas as características específicas assumidas pelo
fascismo. Em Ianni essa questão não é posta de forma muito precisa, mas é
fato que conteúdos e traços de fascismo estavam postos naquela
experiência histórica, ainda que não se possa falar em um regime fascista.
Continuando com Ianni, ele mostra a livre circulação dos “homens de
negócios” nos estreitos e privilegiados circuitos do regime, onde se fazia a
simbiose com o capital monopolista. Sob o manto da neutralidade das
técnicas econômicas, mesclavam-se as razões do Estado com as razões do
grande capital. E enquanto isso, a violência se fazia potência econômica
nuclear. No tripé entre capital monopolista estrangeiro, capital nacional e
Estado, irá prevalecer largamente o primeiro, com a intermediação do
Estado, deixando, portanto, o mesmo de ser uma “metáfora enganosa”.
Mas há aqui duas observações importantes de Ianni: a primeira, acerca do
fomento do capital financeiro, forma do capital em geral, neste período; e
outra que diz respeito à estatização, que na verdade significou uma captura
do Estado pelo capital monopolista, Estado que atuou como “capital
estatal”, por meio do sistema financeiro público e assegurando
infraestrutura ao grande capital. Em todo esse processo, o que Ianni
constata é a supremacia do imperialismo, ou seja, tivemos um fascismo
singular “altamente determinado pelo capital financeiro do imperialismo”.
Na segunda parte do livro Ianni demonstra como a política salarial foi o
principal instrumento da economia política da ditadura, buscando ampliar a
extração de mais valia absoluta e relativa, em caráter “extraordinário”: uma
mais valia extraordinária. O autor analisa como o arrocho salarial no setor
privado, mas também no público, se articula com a violência e a repressão
– lei anti-greve, intervenção nos sindicatos e perseguição aos militantes –,
concorrendo ambos para uma ampliação das taxas de lucros. No que toca a
repressão sobre a classe operária, há um capítulo inteiro descrevendo seus
métodos: ameaças, sequestros, mortes e desaparecimentos. Enfim, toda
sorte de arbitrariedades para disciplinar este setor, especialmente nos
primeiros anos do regime, tendo em vista sua adequação às novas
condições de extração da mais-valia extraordinária. Esse processo incluiu
também a instituição do FGTS, como forma de interferir no ânimo da
classe trabalhadora frente à dispensa e a grande rotatividade da força de
trabalho. Todo esse movimento leva à pauperização absoluta e relativa dos
trabalhadores, em relação com a mais-valia extraordinária e a
superexploração, e que engendra, junto à ditadura fascista na sociedade,
uma ditadura do capital sobre o trabalho nas fábricas. No campo, expandiu-
se a proletarização, a partir do crescimento da agroindústria, o que se
articulava ao comércio exterior, produção de divisas e ao capital financeiro.
Tal processo, hoje ainda mais denso e intenso, fundou-se na expropriação
de terras indígenas, devolutas e ocupadas no centro-oeste e no norte do
país. De forma que a origem dos processos que envolvem hoje o
agronegócio e a atual articulação campo-urbano encontram suas raízes na
expropriação deste momento, beneficiando o grande capital monopolista,
direta ou indiretamente. Ianni analisa a questão regional e as dinâmicas
específicas que envolveram o Nordeste e a Amazônia, retoma a discussão
da criminalização de segmentos da sociedade civil e o tema do fascismo e
conclui seu texto com a crise da ditadura e a perspectiva da retomada das
lutas.
Haveria muito mais a dizer, mas penso que as pílulas de Ianni até aqui
sinalizadas já são suficientes para provocar a leitura deste clássico do
pensamento social crítico brasileiro. Octavio Ianni é um autor que mobiliza
as categorias e o método da economia política, procurando traduzi-las na
particularidade histórica do Brasil. Contudo, o registro mais importante a
ser deixado aqui é que sua análise da ditadura do grande capital instiga a
resistir na atualidade. Remete, destacadamente, a buscar as bases materiais
mais profundas do projeto da lumpemburguesia em nítida articulação com
o imperialismo, que está em curso no Brasil do presente. Esse Brasil da
ofensiva reacionária e que tem cheiro, gosto e textura de passado. Essa é a
tarefa de hoje.

Outono de 2019
Prefácio
Neste livro apresento uma contribuição para a análise da história da
ditadura militar instalada no Brasil desde 31 de março de 1964. A ditadura
e a época que ela expressa podem ser compreendidas em termos do
significado político e econômico que têm para as diversas classes que
formam a sociedade. Há aspectos dos acontecimentos que não são
examinados aqui; ou estão apenas mencionados. Outros são analisados com
razoável minúcia. Creio que os principais estão discutidos, em suas
particularidades e mútuas relações. No conjunto, a problemática deste livro
cobre uma época importante do desenvolvimento das classes sociais e das
contradições de classes no Brasil. Ao mostrar como se organizam e
reproduzem as relações entre o Estado e o capital, revelam-se os interesses
das classes dominantes e as reivindicações das classes subordinadas. Ao
mesmo tempo, mostram-se os antagonismos entre umas e outras. Assim, a
ditadura aparece em alguns dos seus aspectos mais notáveis. Uma coisa é a
ditadura militar, que é mais visível nessa época; outra é a ditadura da
grande burguesia, do grande capital, que determina as principais
características do Estado ditatorial. Nem sempre as classes dominantes
exercem diretamente o governo. Não precisam; não é conveniente. Trata-
se, pois, de compreender toda essa história a partir da perspectiva das
classes subordinadas, principalmente operários e camponeses. Elas podem
refazer a história.
Para realizar este livro, contei com sugestões de amigos e colegas do
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e da Pontifícia Universidade
Católica, e questionamentos apresentados por diferentes debatedores, em
seminários e mesas-redondas.
Aproveito a ocasião para agradecer a amável colaboração de Marfísia
Pereira de Souza Lancellotti e Maria Francisca de Brito, que me ajudaram
na pesquisa bibliográfica; Magda Celeste de Quadros Alves, Sandra Regina
das Neves e Cleusa Simões da Costa, que trabalharam a datilografia; e do
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

São Paulo, Novembro de 1980


Octávio Ianni
PRIMEIRA PARTE
A GRANDE BURGUESIA
1. Planejamento e Dominação
Desde que se instalou a ditadura, os governantes e funcionários do
Estado sempre disseram, e repetiram, que o planejamento era uma técnica
neutra. Diziam, ao povo calado e disperso, ou de si para si, que não havia o
que temer: a ação planificada do Estado era “politicamente neutra”, serviria
de “instrumento de aperfeiçoada política de desenvolvimento”, sem afetar
as “forças do mercado” nem a “liberdade”. Nas condições em que se
encontravam, tanto podiam dizer como se obrigaram a repetir, já que
estavam instaurando um elemento importante da economia política da
ditadura. Mas ao dizer, desdiziam o dito. Nem por isso, no entanto,
abandonaram o planejamento governamental, como discurso e prática de
poder.
A ditadura militar adotou o planejamento como técnica e retórica de
governo. Tratava-se de fortalecer o aparelho estatal – basicamente o Poder
Executivo – de modo a favorecer, orientar e dinamizar a acumulação
privada do capital. Ao procurar a melhor definição para o sentido do
planejamento na economia capitalista brasileira, o primeiro governo afirma
que
planejamento econômico vai importar numa definição,
sistemática e coerente, por parte do governo, das medidas
tendentes à criação da ordem dentro da qual operará aquilo que se
convencionou chamar de ‘forças do mercado’ [...].8
A rigor, o planejamento foi erigido em técnica fundamental da retórica e
prática dos governantes. Planejar passou a ser a palavra mágica, em nome
da qual se exercia a ditadura, à revelia dos interesses dos assalariados em
geral. Numa sociedade em que o debate político estava proibido e a
expropriação do proletariado e campesinato alcançava índices
excepcionais, era importante “legitimar” a ditadura por meio da
ideologização da sistemática, coerência, operatividade, pragmatismo,
racionalidade, modernização etc. da política econômica.
A ação governamental obedecerá o planejamento que visa a
promover o desenvolvimento econômico-social do país e a
segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas [...]
e compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes
instrumentos básicos: a) plano geral de governo; b) programas
gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual; c) orçamento-
programa anual; d) programação financeira de desembolso.9
E para evitar que a ação governamental planejada fosse obstada, ou
influenciada, por qualquer movimentação política ou reivindicação
econômica das classes assalariadas, os governantes logo reforçavam o
próprio poder. Suprimem os partidos, intervêm nos sindicatos e anulam a
capacidade decisória do Congresso Nacional.
Depois da revolução de 1964, duas medidas de reforma
institucional foram tomadas: primeiro, a abolição dos partidos
tradicionais, excessivamente personalistas e facciosos, e sua
substituição por um sistema bipartidário, o que presumivelmente
facilitaria a manutenção da disciplina partidária em apoio de planos
e programas governamentais; segundo, a ab-rogação do poder do
Congresso de aumentar o dispêndio orçamentário, que tornaria
impraticável qualquer planejamento financeiro consistente.10
Portanto, ao lado da técnica de planejamento, os governantes e os seus
funcionários tudo fizeram para ampliar e reforçar o próprio poder de
formular e pôr em prática planos e programas, em geral desdobrados em
projetos. Sob vários aspectos, no entanto, a retórica do planejamento
expressava aspectos importantes da economia política da ditadura.
A mesma retórica dos governantes e seus funcionários serviram para
justificar e aperfeiçoar a ditadura. A busca da “sistemática” e “coerência”
da atuação governamental levou ao arrocho salarial, à intervenção nos
sindicatos operários e camponeses, à prisão e tortura de líderes operários e
camponeses, ao aumento brutal da taxa de exploração dos assalariados da
indústria e agricultura. Pouco a pouco, o “planejamento econômico estatal”
ganhou a conotação de uma força produtiva complementar, ao lado da
força de trabalho, capital, tecnologia e divisão do trabalho.
Vejamos, pois, quais foram os planos e programas propostos ou postos
em prática pelos governos militares. É verdade que nem sempre as
diretrizes da política econômica governamental efetivamente postas em
prática apoiaram-se nesses instrumentos. Com frequência, apoiaram-se
apenas em parte; ou implicaram a modificação dos objetivos e meios
enunciados. Outras vezes, eram apenas um artifício de diálogo com os
setores das classes dominantes que tinham menor acesso direto às esferas
de decisão sobre questões de economia política. Em todos os casos, no
entanto, são uma expressão, às vezes muito clara, da fisionomia e
movimentos do Estado brasileiro nessa época.
Programa de Ação Econômica do Governo: 1964-1966. Destinou-se
principalmente a promover a estabilização financeira e criar também outras
condições econômicas propícias ao desenvolvimento das “forças do
mercado” e à “predominância da livre empresa no sistema econômico”.
Tratava-se de acelerar “o ritmo de desenvolvimento econômico do país,
interrompido no biênio 1962-1963”. Para que isso passasse a ocorrer, no
entanto, era indispensável “conter, progressivamente, o processo
inflacionário durante 1964 e 1965, objetivando um razoável equilíbrio dos
preços a partir de 1966”. Dois itens mereceram atenção especial dos
governantes e seus funcionários, durante o primeiro governo da ditadura
militar. O primeiro foi a política salarial, tendo em vista principalmente o
proletariado. O Conselho Nacional de Política Salarial, acionado pela
ditadura, passou a controlar rigorosamente os acordos salariais privados e
os reajustamentos salariais no serviço público. Não é demais lembrar que
os próprios assalariados não tinham nenhuma possibilidade de influenciar
as decisões desse conselho. Assim, a política salarial foi totalmente
condicionada às exigências do “combate à inflação”, em conformidade
com as “forças do mercado” e a “predominância da livre empresa”
privilegiada pela ditadura. É claro que essa política salarial foi precedida e
secundada por uma maciça repressão política nos meios operários e
camponeses de todo o país. O segundo item fundamental da política
econômica do primeiro governo da ditadura militar foi o favorecimento do
imperialismo. O governo do marechal Castello Branco adotou uma
política de estímulo ao ingresso de capitais estrangeiros, e de
ativa cooperação técnica e financeira com agências internacionais,
com outros governos, e, em particular, com o sistema multilateral
da Aliança para o Progresso, de modo a acelerar a taxa de
desenvolvimento econômico.11
Foi assim que se definiu, desde o primeiro governo militar, a economia
política do lema “segurança e desenvolvimento”. Segurança, no sentido de
“segurança interna”, envolve o controle e a repressão de toda organização e
atividade política das classes assalariadas, para que o capital monopolista
tenha as mãos livres para desenvolver a acumulação. E desenvolvimento,
no sentido de florescimento das “forças do mercado”, com a
“predominância da livre empresa no sistema econômico”.12 Foi assim que
se definiu e consolidou, ao longo de todos os governos da ditadura, o
núcleo principal do planejamento econômico estatal: o Estado foi posto a
serviço de uma política de favorecimento do capital imperialista, política
essa que se assentou na superexploração da força de trabalho assalariado,
na indústria e na agricultura. Esse foi um dos segredos da persistência e
reafirmação do lema “segurança e desenvolvimento”. A indústria do
anticomunismo, que floresceu sob esse lema, tinha como contrapartida
econômica e política principal a superexploração do proletariado. Na
linguagem dos funcionários da ditadura, o que havia era “a austera política
salarial e a despolitização dos sindicatos, como parte do esforço anti-
inflacionário e de restauração da disciplina social”.13
Diretrizes de Governo: 1967. Nesse programa definiram-se os objetivos
básicos da política econômica que deveria ser posta em prática durante os
primeiros meses do governo do marechal Arthur da Costa e Silva (1967-
1969). Serviu de compasso de espera para a elaboração do plano que
deveria fundamentar a política de Costa e Silva durante todo o seu
“mandato”. Por isso, teve a finalidade de consubstanciar algumas
recomendações para os primeiros meses do segundo governo militar.
Dentre os princípios mais importantes que definiam essa política
econômica, o programa especificava também os seguintes:
o desenvolvimento econômico impõe o fortalecimento da
empresa privada nacional, sem qualquer discriminação em relação
à empresa estrangeira [...]. Ao setor privado será assegurada a
possibilidade de obter ou de gerar os recursos de que precisa para
operar e expandir-se [...]. O governo está consciente da
responsabilidade que lhe cabe quanto ao desenvolvimento social e
à consolidação de uma infraestrutura que torne possível a expansão
da atividade econômica [...]. O Estado deverá ser extremamente
cauteloso ao transferir recursos do setor privado – que é o mais
dinâmico para o setor público, cuja dinamização só agora será
possível intensificar, com a reforma administrativa [...].14
Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social: 1967-1976.
Esse plano foi bem uma expressão do caráter totalitário que a ditadura
militar estava ganhando. Os governantes e seus funcionários revelavam a
intenção, ou decisão, de permanecer por longos anos no controle do
Estado. Ao mesmo tempo, revelavam a preocupação de conferir o máximo
de amplitude ao planejamento estatal. Era um “plano de perspectiva”, com
base no qual propunham “uma estratégia decenal de desenvolvimento”
para os anos 1967-1976. Tratava-se de programar e pôr em prática
“orçamentos de formação de capital”, no âmbito da administração do
governo federal, dos governos estaduais e municipais. Além disso,
procurou-se formular projeções dos investimentos em setores de atuação de
empresas privadas.15
O objetivo central deste Plano é o de permitir estabelecer as
principais diretrizes da política de desenvolvimento econômico do
governo federal para o período 1967-1976. Essas diretrizes têm
como elementos normativos: a) a programação da produção, do
consumo e dos investimentos da União, de suas autarquias,
empresas e sociedades de economia mista, com identificação das
respectivas fontes de financiamento; b) a definição dos critérios de
ação indireta do governo federal através dos instrumentos
institucionais de regulação econômica.16
Programa Estratégico de Desenvolvimento: 1968-1970. A despeito da
linguagem ligeiramente menos tecnocrática e de um diagnóstico de
envergadura histórica bastante rico de problemas reais, esse programa
acabou por inserir-se na mesma corrente dos outros instrumentos de
política econômica da ditadura. Sob certos aspectos, torna ainda mais
aberto o comprometimento do Estado com a empresa privada. Mostra
como o poder estatal, enquanto instituição econômica e política, passava a
desempenhar uma função primordial na acumulação monopolista.
Assim, o reconhecimento da insuficiência das oportunidades de
investimentos relacionadas com o setor externo (substituição de
importações e expansão de exportações industriais) e com
inovações tecnológicas e inversões de reposição para sustentar um
crescimento rápido desloca a tônica dinâmica para os elementos
decisórios, influenciáveis pelo setor público, como investimento
público e incentivos públicos especiais para o investimento
privado.17
Entrementes, é impossível arrolar um conjunto de medidas de
política econômica que, além dos investimentos em infraestrutura,
preparem o terreno para a adoção de uma explícita estratégia de
longo prazo. Entre essas, é possível destacar: 1) estabelecimento de
mecanismos de incentivo e captação de poupança nacional,
voluntária e compulsória [...]; 2) institucionalização e
disciplinamento dos mecanismos de incentivo e revelação de
oportunidades de investimento industrial (fundos, bancos de
desenvolvimento, agentes financeiros), que permitam aumentar a
eficiência do investimento industrial e uma maior velocidade de
repasse ao setor industrial dos fundos da poupança pública.18
Metas e Bases para a Ação do Governo: 1970-1971. Com esse
programa, o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974)
estabeleceu as primeiras linhas da sua política econômica. Como em todos
os planos e programas dos governos da ditadura militar, buscava-se criar,
em cada um desses instrumentos de política econômica, ao mesmo tempo,
a imagem da “continuidade revolucionária” e da “originalidade” de cada
ditador de plantão. Foi nesses anos que floresceu a propaganda imperialista
do “milagre brasileiro” e da virtualidade do “Brasil Potência”. Também a
retórica ditatorial da integração nacional ganhou ímpeto especial nessa
ocasião, de tal modo que a ditadura baixou três programas nessa
orientação: o Programa de Integração Social (PIS), conforme a Lei
Complementar n. 7, de 7 de setembro de 1970; o Programa de Integração
Nacional (PIN), de acordo com o Decreto-Lei n. 1.106, de 16 de junho de
1970; e o Programa de Redistribuição de Terras (Proterra), com base no
Decreto-Lei n. 1.179, de 6 de julho de 1971. Foi assim que a ditadura se
impôs com violência redobrada sobre as classes subalternas, em âmbito
nacional, em nome do projeto de Brasil potência.
Objetivo-síntese, o ingresso do Brasil no mundo desenvolvido
até o final do século, como uma sociedade efetivamente
desenvolvida, democrática e soberana, assegurando-se, assim, a
viabilidade econômica, social e política do Brasil como grande
potência.19
A ideia de um “modelo brasileiro de desenvolvimento”, que permitiria a
construção do “Brasil potência” em poucos anos, era mais uma faceta de
caráter fascista da ditadura. Os governantes e os seus funcionários, ao se
maravilharem com a ideia do “Brasil grande”, “milagre brasileiro” ou
“Brasil potência”, maravilhavam-se com o florescimento do capital
monopolista, com o lema que o próprio imperialismo tratava de propalar.
Todo “sacrifício” imposto ao povo brasileiro, em geral, e ao proletariado e
campesinato, em particular, era visto pelos governantes e os seus
funcionários como “preço” do “milagre”, da “grandeza”. O que estava em
causa, diziam, era a “criação de uma sociedade industrial nos trópicos”.
Tratava-se de aproveitar a ocasião, isto é, a aliança entre o Estado e o
capital monopolista, para converter o Brasil em “potência mundial”, ou, no
mínimo, “continental”. Para isso, abria-se ainda mais o país ao capital
imperialista e acentuava-se, também, a superexploração do proletariado e
do campesinato. Havia um singular tropicalismo na ditadura fascistoide
instalada desde 1964.
Segundo todas as indicações, o Brasil já conseguiu o resultado
excepcional de escapar à semi-estagnação de meados dos anos
1960. O crescimento de 9,5% experimentado pelo PIB em 1970
não é conquista efêmera, mas desempenho que podemos consolidar
e ultrapassar nos próximos anos. É chegado, agora, o momento de
partir para a tarefa maior de realizar, em todas as suas dimensões,
um modelo brasileiro de desenvolvimento [...].
Esse modelo significa a maneira brasileira de organizar o Estado
e construir as instituições para criar, no país, uma economia
moderna, competitiva e dinâmica, que mostre a viabilidade de
desenvolver o Brasil com apoio na empresa privada. E para realizar
a democracia econômica, social, racial e política [...].
No dinamismo revelado pela economia brasileira recentemente,
o país cresceu extraordinariamente para dentro de si próprio e
cresceu também pela maior integração na economia internacional.
A nação pode, hoje, olhar para o futuro com mais confiança do que
em qualquer fase anterior de sua história. Em razão,
principalmente, do seu sucesso no campo econômico e social,
observa-se, entre líderes políticos de outros países e, notadamente,
entre os grandes investidores internacionais, a descoberta de algo
novo em torno do Brasil.
De um lado, o titular de uma das mais importantes empresas
internacionais assinala: o Brasil de hoje é um país que nenhum
investidor consciente pode ignorar. De outro lado, um senador
americano, que não pode ser acusado de simpatia em relação ao
atual governo brasileiro, comenta: o recente desenvolvimento
econômico do Brasil, suas dimensões e seus recursos naturais
convertem-no numa potência mundial em perspectiva, ou, pelo
menos, numa potência continental.
A verdade é que o Brasil está chegando a essa posição de
liderança continental inconscientemente, e, como se tem
reconhecido no exterior, num processo nem mesmo remotamente
expansionista. Segundo já se observou, aquele resultado decorre,
apenas, de um desenvolvimento autêntico e bem-sucedido.20
I Plano Nacional de Desenvolvimento: 1972-1974. Esse foi preparado
em plena euforia da propaganda do milagre brasileiro, da breve
transformação do Brasil em potência mundial e dos acenos da diplomacia
imperialista dos Estados Unidos de que ao Brasil poderia caber o papel de
aliado preferencial na América do Sul. Por isso, a ditadura pôde exercer
com brutalidade ainda crescente a censura, a repressão e a tortura, contra
todos os setores das classes assalariadas, em especial o proletariado urbano
e rural. Em nome do sucesso do “modelo brasileiro de desenvolvimento”,
isto é, de acumulação monopolista, o imperialismo ajudou a alimentar a
indústria do anticomunismo, que era a forma política da repressão sobre as
oposições. Adotou-se “uma concepção mais complexa e integrada do
desenvolvimento”, baseada na “estabilidade política”, na “segurança
nacional, interna e externa”. Ao mesmo tempo, buscou-se “modernizar as
instituições”.21 Tudo isso para propiciar a acumulação monopolista ditada
pelas grandes burguesias imperialista e nacional, associadas econômica e
politicamente. Nesse sentido, o poder estatal foi jogado ainda mais fundo
na linha da acumulação monopolista. Recomendava-se a
influência crescente do governo, mediante expansão de
investimentos e uso da capacidade regulatória [...]. Promoção, pelo
governo, das condições para a modernização dinâmica e
competição, mediante incentivos ao setor privado e concessão de
prioridades aos investimentos diretos em setores como educação,
habitação, energia, transportes e comunicações.22
Foi nos anos do governo do general Médici que a ditadura adquiriu o seu
maior ímpeto repressivo, ao mesmo tempo que florescia a campanha
imperialista do “milagre brasileiro” e desenvolvia-se a indústria do
anticomunismo. Foi nessa ocasião que os governantes e os seus
funcionários imaginaram que a ditadura estava consolidada, como se os
movimentos da sociedade tivessem sido suprimidos.
o plano oficializa ambiciosamente o conceito de ‘modelo
brasileiro’, definindo-o como o modo brasileiro de organizar o
Estado e moldar as instituições para, no espaço de uma geração,
transformar o Brasil em nação desenvolvida.23
II Plano Nacional de Desenvolvimento: 1975-1979. Nesse a retórica da
ditadura alcança um curioso paroxismo. Ao mesmo tempo que cresce o
tom grandiloquente, estimulado pela propaganda imperialista, cresce de
modo acentuado também o divórcio entre o Estado ditatorial e as
tendências da sociedade nacional, principalmente das classes subalternas
da cidade e do campo. Muitas contradições sociais, preexistentes na
sociedade brasileira antes de 1964 e realimentadas pela economia política
da ditadura militar, todas as contradições ressurgem agravadas nos anos do
governo do general Ernesto Geisel (1974-1979). A grandiloquência da
linguagem adotada nesse plano soa tragicômica, devido à superexploração
do proletariado urbano e rural e ao agravamento da crise do capitalismo em
escala mundial. Agravara-se a competição entre os imperialismos
estadunidense, europeu e japonês, ao mesmo tempo que aumentara a
inflação nos países dominantes e surgia a chamada crise do petróleo. Nem
por isso, no entanto, os governantes e os seus funcionários deixam de
preconizar a continuidade da política econômica da ditadura e a
originalidade do ditador de plantão. Na prática, o aparelho estatal continua
a serviço da acumulação monopolista, preservando inclusive a mesma
política de superexploração e repressão do proletariado.
Utilização, para a aceleração do desenvolvimento de certos
setores, de estruturas empresariais poderosas, como a criação de
grandes empresas através da política de fusões e incorporações –
na indústria, na infraestrutura, na comercialização urbana, no
sistema financeiro (inclusive na área imobiliária) –, ou a formação
de conglomerados financeiros, ou industriais-financeiros [...].
Decisão de absorver, complementarmente ao esforço interno,
poupança, tecnologia e capacidade gerencial, sem as quais
dificilmente construiremos, em prazo relativamente curto, uma
potência industrial moderna. Aqui se coloca, obviamente, o
problema de ajustar as multinacionais à estratégia nacional.24
A atual fórmula da política salarial deverá ser mantida para os
reajustes em acordos e dissídios coletivos, bem como para os
aumentos salariais nas empresas controladas ou subsidiadas pelo
governo federal [...].25
Toda a retórica política adotada no plano – precisamente tornando
explícito um dos conteúdos fascistas da ditadura militar – acenava às
classes oprimidas com a ideia de “grande progresso”, “grandeza”,
“potência emergente” e outras fórmulas grandiloquentes.26 Enquanto isso,
a acumulação continuava a realizar-se livremente, e altamente estimulada
pelo próprio poder estatal prisioneiro desse mesmo capital.
III Plano Nacional de Desenvolvimento: 1980-1985. O documento no
qual o governo do general João Baptista Figueiredo (1979-1985) apresenta
as bases para a formulação do III PND volta a dar ênfase, como o
Programa de Ação Econômica do Governo – Paeg (1964-1966), ao
combate à inflação. A alta taxa de inflação exportada pelas nações
imperialistas aos países dependentes, no caso do Brasil, somou-se à alta
taxa de inflação alimentada internamente pelo capital monopolista. Ao
mesmo tempo, a ditadura foi obrigada a preocupar-se com o acentuado
crescimento da dívida externa, resultante da ampla abertura da economia
brasileira ao imperialismo. Ao lado da prioridade dada à luta contra a
inflação, e pela redução da dívida externa, o governo do general Figueiredo
foi obrigado a comprometer-se com alguma forma de “desestatização” da
economia. Isto é, o capital monopolista conseguiu mais uma vitória: o
governo lhe garantiu a continuidade da proteção econômica e política, ao
mesmo tempo que tratou de reduzir a proteção ao setor produtivo estatal,
inclusive acenando com a possibilidade de transferir empresas estatais para
o setor privado.
É válido admitir a taxa global média de 6% de crescimento
econômico [...]. A política econômica precisa ser austera, realista e
estimulante ao desenvolvimento. Papel de exemplo cumpre ao
governo [...]. A curto prazo é evidente que a prioridade máxima é
para o problema inflacionário e para a melhoria das contas e dívida
externas. Isso como meio e não como fim. Com relação aos gastos
públicos, a política envolve sua contenção e rigoroso controle
seletivo. Na mesma linha de austeridade, a execução do III PND
exige do governo a prática de regras severas de administração
financeira: [...] Fixar tetos anuais para as operações de crédito
externas, em função das limitações do balanço, além do controle da
oferta monetária, inclusive com o disciplinamento do acesso dos
órgãos públicos aos financiamentos [...]. Proibição de aumentos de
capital das empresas públicas federais via subscrição de ações,
exceto por autorização em decreto do Executivo [...]. Trata-se de
eliminar os excessos da burocracia; de simplificar o
relacionamento entre as esferas do governo, e destas com o setor
privado, atuando sobre focos de crescimento da burocracia, como o
excesso de leis, decretos-leis, portarias e regulamentos que
atribuem amplos poderes discricionários a órgãos do Poder
Executivo, assim como complicadas rotinas administrativas que
superpõem exigências legais e regulamentares.27
Além dessas diretrizes, o documento sobre as bases para a formulação
do PND abordava as “prioridades setoriais”, tais como energia, agricultura
e abastecimento, transportes, indústria, desenvolvimento regional e urbano,
planejamento familiar, meio ambiente, ciência e tecnologia, educação e
cultura etc. Trata-se de um instrumento de governo que reitera o conteúdo
ditatorial do Estado. Todas as questões econômicas, políticas e sociais da
sociedade são focalizadas pelos governantes e os seus funcionários, à
revelia do povo, das classes assalariadas, em geral, e do proletariado e
campesinato, em especial. Tudo isso para propiciar um melhor arranjo
entre o “Poder Executivo” e o “setor privado”, isto é, entre a ditadura e o
capital monopolista.
O planejamento penetrou as diferentes esferas da sociedade. Alargou-se
e especificou-se, conforme a ocasião. Compreendeu também: as relações
entre a indústria e a agricultura; as articulações entre a nação e as
diferentes regiões; e a indústria cultural. Nessas esferas, a ditadura esteve
bastante ativa, de tal forma que o seu poder econômico e político se
exerceu de modo global, maciço e repressivo. Passou a estar presente em
todos os quadrantes do território “nacional e na subjetividade de cada
pessoa, na cidade e no campo; inclusive no cotidiano de todo e qualquer
brasileiro eLivros”.
No âmbito das relações entre a indústria e a agricultura, abarcando
também as articulações entre a nação e as regiões, cabe a referência a
algumas diretrizes mais notáveis. Desde que se instalou, a ditadura passou
a adotar medidas econômicas e políticas destinadas a dinamizar a expansão
do capitalismo no campo, tanto intensiva quanto extensivamente. Assim,
por um lado, oferecia incentivos à concentração e centralização do capital
na agroindústria canavieira dos Estados de Pernambuco e São Paulo, por
exemplo. E, por outro, oferecia incentivos à formação e expansão de
empresas de mineração, extrativismo, agropecuária etc. na região da
Amazônia legal.
A título de exemplo, sobre a forma pela qual ela foi levada a conduzir as
articulações entre a agricultura e a indústria e, por implicação, entre a
nação e as diversas regiões, vejamos alguns dados. Comecemos pelas
diretrizes relativas ao crédito rural, que parecem estar na base de boa parte
dessas múltiplas articulações.
No ano de 1965 o governo federal criou o Sistema Nacional de
Crédito Rural (SNCR), que se constituiu numa revolução total do
sistema de crédito agrícola no país: permitiu que toda a rede
bancária dele viesse a participar; proporcionou condições para
ampliar o suprimento de recursos creditícios para o setor agrícola;
e modificou as condições dos empréstimos oferecidos e as
garantias exigidas dos agricultores, além de permitir ao governo
federal exercer um controle mais efetivo sobre o encaminhamento
dos recursos creditícios para as atividades e regiões de maior
necessidade e de acordo com os planos oficiais estabelecidos.
A importância do novo sistema de crédito e os benefícios que ele
trouxe à agricultura do país merecem uma descrição mais
pormenorizada de suas características e de seu funcionamento.
O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) se compõe do
Banco Central (com função fiscalizadora sobre o Sistema) e dos
Bancos do Brasil, da Amazônia, do Nordeste e Nacional de Crédito
Cooperativo; e como órgãos a ele vinculados, como o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os bancos
oficiais dos Estados, as caixas econômicas, os bancos privados e as
cooperativas de crédito rural. Para conjugar, orientar e disciplinar a
atuação dos componentes do Sistema, organizou-se no Banco
Central um órgão especializado, a Gerência de Coordenação de
Crédito Rural e Industrial (Gecri) [...].28
O que estava em questão, basicamente, era o desenvolvimento intensivo
e extensivo do capitalismo no campo. À medida que o capital monopolista
se desenvolvia, tornando o aparelho estatal cada vez mais amplamente
prisioneiro dos seus movimentos, também provocava uma complexa
rearticulação entre a nação e as diversas regiões. Formavam-se e
expandiam-se latifúndios e empresas na Amazônia, dinamizavam-se as
forças produtivas e as relações de produção nessa e outras regiões;
intensificava-se a subordinação formal e real do trabalho ao capital;
deslocavam-se contingentes do exército de trabalhadores de reserva do
Nordeste, do Sul e de outras regiões do país para a Amazônia.
Esse foi o contexto econômico e político no qual o poder estatal foi
levado a criar e reformular órgãos federais destinados a pôr em prática a
sua política econômica. Assim, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB),
criado em 1952, e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), criada em 1959, foram absorvidos nos quadros da ideologia e
prática dos governantes. Ao mesmo tempo, criaram-se outros órgãos
federais, como, por exemplo, o Grupo Especial para a Racionalização da
Agroindústria Açucareira do Nordeste (Geran), pelo Decreto n. 59.033-A,
de 8 de agosto de 1966.29 Na Amazônia, também, alarga-se e intensifica-se
a atuação de órgãos federais, de modo a favorecer a expansão do
capitalismo e a monopolização da terra. Além da Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Banco da Amazônia S. A.
(Basa), o governo criou órgãos relativos às questões da terra e indígena:
Estatuto da Terra, 1964; Fundação Nacional do Índio (Funai), 1967;
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 1970;
Programa de Integração Nacional (PIN), 1970; Estatuto do Índio, 1973.30
Não é demais lembrar que os governos militares foram levados a adotar
planos e programas destinados a controlar as manifestações e as resoluções
de problemas sociais. Era uma exigência do bloco de poder a adoção de
diretrizes destinadas a articular o aparelho estatal a todo e qualquer
problema social de maior importância. A supressão das instituições e
estruturas de intermediação política entre a sociedade, os grupos, as
classes, o “cidadão” e o Estado levou a ditadura a frequentes e múltiplas
medidas destinadas a controlar as manifestações e as resoluções de
problemas sociais que causavam preocupação. Em pouco tempo, invadiu
todas as esferas da sociedade.
Foi assim que se criou, por exemplo, a Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor (Funabem), conforme Lei n. 4.513, de 1º de dezembro de 1964.
Cabia à Funabem articular os fins e os meios das fundações estaduais de
“bem-estar do menor”. Desse modo, generalizava-se o poder do Estado,
sobreposto à sociedade, para controlar problemas que poderiam gerar
inquietação social.
A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor tem como
objetivo formular e implantar a política nacional do bem-estar do
menor mediante o estudo do problema e planejamento das
soluções, a orientação, coordenação e fiscalização das entidades
que executem essa política (Art. 5º).
Muito mais importante do que essa e muitas outras iniciativas dos
governantes, no sentido de atuar na “área social”, foi a decisão de formular
e pôr em prática uma política habitacional. Nesse caso combinaram-se, de
forma praticamente “ótima”, o Estado e a empresa privada, de modo a
construir habitações “populares”. Os governantes partiam da constatação
de que “a classe operária” e “a classe média inferior” não dispunham de
recursos financeiros para adquirir casa. Somente poderiam candidatar-se à
“casa própria” se lhes fosse garantido um “financiamento a longo prazo,
com prestação inicial módica”. Ao mesmo tempo, tratava-se de combinar o
“planejamento habitacional” com “uma política de planejamento
urbanístico e de desenvolvimento regional”. Foi assim que o governo criou
o Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Serviço Federal e Habitação e
Urbanismo (Serfhau), pela Lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964. Do
mesmo modo que se conferiam aos estados e municípios as tarefas de
“elaboração e execução de planos diretores, projetos e orçamentos para a
solução dos seus problemas habitacionais”, estabelecia-se que cabia “à
iniciativa privada a promoção e execução de projetos de habitações”. Tudo
isso sob o comando do Estado.
o governo federal, através do Ministério do Planejamento,
formulará a política nacional de habitação e de planejamento
territorial, coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a
iniciativa privada no sentido de estimular a construção de
habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da
casa própria, especialmente pelas classes de população de menor
renda (Art. 1º).
No início das suas atividades, o BNH dispunha de poucos recursos para
desenvolver suas atividades. Em 1966, no entanto, os governantes criaram
uma fonte notável de recursos. Ao criar o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), pela Lei n. 5.107 de 13 de setembro de 1966,
encaminharam a resolução de dois problemas importantes da economia
política da ditadura. Ao mesmo tempo que carregavam vultosos recursos
financeiros para o BNH, acabavam com a estabilidade do assalariado no
emprego, segundo as normas trabalhistas vigentes até 1964. A verdade é
que o FGTS permitiu que a burguesia manipulasse ainda mais a seu favor
os movimentos de exército industrial de reserva. Nem por isso, no entanto,
resolveu-se o problema da habitação popular. Os recursos financeiros
recolhidos por intermédio do FGTS ajudaram a financiar habitações para
os grupos sociais de renda média e alta, em lugar de habitações para
famílias de menor renda. Ao mesmo tempo, a atuação do BNH favoreceu o
florescimento de negócios imobiliários, a realização de ambiciosos projetos
de urbanização e a multiplicação de tecnocratas dedicados a estudos,
planos, programas e projetos. Combinaram-se amplamente os interesses da
ditadura, no sentido de tomar iniciativas no “campo social”, com os
interesses da empresa privada, no sentido de aumentar a expropriação
direta e indireta das classes assalariadas. Foi assim que se desenvolveu
ainda mais a economia política da ditadura.
Desde a sua constituição, a orientação que inspirou todas as
operações do BNH foi a de transmitir todas as suas funções para a
iniciativa privada. O banco limita-se a arrecadar os recursos
financeiros para em seguida transferi-los a uma variedade de
agentes privados intermediários. Essa orientação foi tão marcada
que, até recentemente, as prefeituras que sentiam necessidade ou
que eram compelidas por lei a elaborar planos urbanísticos para os
seus municípios só podiam se qualificar para a obtenção de
empréstimos, junto ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo,
se a elaboração dos referidos planos fosse confiada a empresas
privadas.31
Os planos e programas governamentais não se restringiram a questões de
política econômica, em sentido estrito. Ao contrário, não só transbordaram
amplamente os vários campos da economia (finanças, comércio, indústria,
agricultura, mineração, extrativismo etc.) como avançaram sobre os
campos da educação, cultura, meios de comunicação de massas,
organização política e muitos outros. Na prática, todos os campos da vida
nacional foram alcançados, influenciados, reorientados, dinamizados,
bloqueados ou reprimidos. Nesse sentido, cabe mencionar aqui os campos
da educação e ciência e tecnologia.
Em 1966-1968, os governos dos marechais Castello Branco e Costa e
Silva assinaram acordos com o governo dos Estados Unidos, no sentido de
planejarem cooperativamente a “modernização” do sistema brasileiro de
ensino. A execução dos acordos ficou a cargo do Ministério da Educação e
Cultura (MEC), representando o Brasil, e Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional (Usaid), representando os Estados Unidos.
Tratava-se de providenciar uma ampla reforma do sistema brasileiro de
ensino, de modo a “despolitizá-lo” e levá-lo a preparar profissionais para
os planos e programas de desenvolvimento capitalista que o governo
passou a dinamizar. A economia política da ditadura estava sendo imposta
também na área da educação. A universidade mereceu atenção especial nos
acordos MEC-Usaid. Tratava-se de ajustá-la às exigências do capital.
A reforma tem objetivos práticos e tende a conferir ao sistema
universitário uma espécie de racionalidade instrumental em termos
de eficiência técnico-profissional, que tem por consequência o
aumento de produtividade dos sistemas econômicos.32
No campo da ciência e tecnologia, também estabeleceu e passou a
executar diretrizes especiais, sempre de modo a articular ciência e
tecnologia com o “crescimento” ou “desenvolvimento econômico”. Nesse
sentido, o governo do general Geisel estabeleceu o I Plano Básico de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (I PBDCT) para o biênio 1973-
1974, conforme o Decreto n. 72.527, de 25 de julho de 1973, e o II Plano
Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (II PBDCT), para o
período 1975-1979, de acordo com o Decreto n. 77.355 de 31 de março de
1976. Tratava-se de ajustar a política de ciência e tecnologia à “estratégia
nacional de desenvolvimento”, ao “modelo brasileiro de crescimento”, de
modo a alcançar a “maximização das taxas de crescimento”. Foi assim que
se adotaram diretrizes destinadas a pôr a “ciência e a tecnologia” a serviço
do desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção, em
benefício do capital monopolista.33
Vistos um a um, e em conjunto, os planos e programas nem se esgotam
em diretrizes e atuações econômicas, nem permanecem simples depósitos
de discursos dos governantes e seus funcionários. Sob a forma de planos,
programas, diretrizes, metas, projetos e outras figurações, a política
econômica da ditadura abarcou sempre, e em escala crescente, o conjunto
da sociedade brasileira. Sob a ditadura, quando o debate político está
proibido, quando as classes subalternas não têm qualquer possibilidade de
levar as suas reivindicações aos governantes, e quando o proletariado e o
campesinato são superexpropriados pelo capital monopolista, nessas
condições, toda retórica do “desenvolvimento planificado” ou
“planejamento governamental” absorve e esgota as possibilidades do
debate político. Manipula-se a retórica do planejamento como sucedâneo
praticamente único para o debate político. Foi tão ampla e profunda a
articulação econômica e política dos interesses do bloco de poder, que o
aparelho estatal passou a funcionar principalmente como um aparelho do
capital.
Os donos do poder começaram a se imaginar todo-poderosos.
Acreditaram na ficção que estavam construindo, ao imaginar que
substituíam o “econômico” pelo “político.” Pensaram que o Estado poderia
sobrepor-se à sociedade civil, ou uma extensa parte desta. Construíram
planos e programas como se estivessem trabalhando sozinhos os problemas
econômicos e políticos, a sociedade, a história. Foi por isso, também, que a
ditadura começou a ruir inclusive por dentro. As mesmas contradições
sociais que os governantes imaginaram desconhecer, suprimir ou controlar
foram recriadas e desenvolvidas pela mesma economia política que
constituiu a ditadura.
2. A Tecnocracia Estatal
À medida que se sucediam os governos, expandiam-se, recriavam-se ou
multiplicavam-se os órgãos e as atuações do poder estatal. Em todos os
campos da vida social, a ditadura passou a estar presente, atuante.
Instaurou um clima fascista generalizado, tanto no interior dos grupos e
classes oprimidos quanto no âmbito da burocracia e tecnocracia que
compõem o funcionalismo governamental. As exigências da sua economia
política, que estabeleciam a superexploração e a repressão do proletariado
e do campesinato (além da repressão sobre todas as classes assalariadas),
acabaram por submeter, objetiva e subjetivamente, os governantes e os
funcionários do aparelho estatal às conveniências da acumulação. Foi
assim que cresceu o poder estatal em todas as áreas da vida social. E a
tecnocracia civil e militar diversificou-se bastante.
A ditadura passou a atuar, de forma persistente, sistemática, profunda e
generalizada, na questão da terra, na Amazônia Legal, na política
educacional, na indústria cultural, nas relações de produção, nas forças
produtivas. O poder estatal passou a expressar, de forma cada vez mais
aberta, as exigências da economia política da reprodução monopolística.
Ao mesmo tempo que se desenvolvia a superexploração do proletariado e
do campesinato, desenvolvia-se o poder estatal, como máquina de
violência concentrada e organizada. As mesmas relações e estruturas de
apropriação econômica, determinadas pela reprodução do capital,
desenvolviam e apoiavam-se nas relações e estruturas de dominação
política. Em conjunto, conformava-se um Estado de cunho fascista.
Mas vamos por partes. Vejamos algumas linhas da atuação econômica
do Estado. Em especial, vejamos como o poder estatal se constitui também
na maneira pela qual ele expressa e organiza o poder econômico. As
condições de atuação do Estado na questão da terra e da Amazônia, por
exemplo, expressam tanto alguns aspectos essenciais da sua economia
política como o modo pelo qual se articula com a sociedade. Esse é o
ambiente da tecnocracia estatal.
O Estatuto da Terra, criado pela lei n. 4.504, de 30 de novembro de
1964, na prática absorve e redefine as funções da Superintendência de
Política Agrária (Supra), criada pelo governo do presidente Goulart, por
meio da Lei Delegada n. 11, de 11 de outubro de 1962. Ocorre que o
Estatuto deu origem ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), ao
Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda) e ao Grupo
Executivo de Reforma Agrária (Gera). Depois, esses três órgãos ligados à
questão da terra tiveram as suas funções absorvidas pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra), criado pelo Decreto-Lei n.
1.110, de 9 de julho de 1970. Ainda no que se refere à questão da terra, a
Lei n. 5.371, de 5 de dezembro de 1967 criou a Fundação Nacional do
Índio (Funai) absorvendo as funções do antigo Serviço de Proteção aos
Índios (SPI). E a Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, definiu o
Estatuto do Índio, também envolvendo a questão da terra. Nesses casos, os
órgãos federais relativos à questão agrária criaram novas condições de
transformação das terras devolutas e tribais em grandes propriedades ou,
em alguns casos, núcleos de colonização. Desde a aprovação do Estatuto
da Terra, em 1964, acelerou-se bastante o processo de monopolização da
terra por grandes latifundiários, empresários e grileiros, nacionais e
estrangeiros. Processo esse que se desenvolveu paralelamente a uma
política de contrarreforma agrária, sob o lema da “colonização dirigida”,
oficial e particular.
No que diz respeito à expansão do capitalismo na Amazônia (outro
exemplo), também houve a reformulação de órgãos federais preexistentes,
nos quadros da política econômica adotada pela ditadura.
A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), criada
pela Lei n. 5.173, de 27 de outubro de 1966, absorveu a Superintendência
do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). E o Banco da
Amazônia S. A. (Basa) absorveu o Banco de Crédito da Amazônia. Em
conjunto, a Sudam, o Basa, o Incra e a Funai passaram a desempenhar uma
atuação muito importante na expansão do capitalismo na Amazônia Legal.
E essa atuação adquiriu novo impulso com a criação do Programa de
Integração Nacional (PIN), pelo Decreto-Lei n. 1.106, de 16 de junho de
1970, e do Programa de Polos Agropecuários da Amazônia (Polamazônia)
pelo Decreto n. 74.607, de 25 de setembro de 1974.
Essa é mais uma amostra da expansão e fortalecimento do poder estatal.
É verdade que esse poder, precisamente no sentido de subordinação do
Legislativo e Judiciário ao Executivo, já vinha crescendo ao longo dos
mandatos dos governos anteriores. À medida que se desenvolvia e
diversificava o capitalismo no país, crescia e diversificava-se a maquinaria
tecnocrática civil e militar. A crescente subordinação das distintas formas
de organização social da produção às exigências da acumulação
monopolista estava impulsionando a expansão e o fortalecimento do poder
estatal. Esse movimento do Estado expressava o crescente domínio do
capital sobre o trabalho, da burguesia sobre as classes assalariadas, em
particular o proletariado urbano e rural. A partir do golpe de Estado, esse
processo adquire maior intensidade e generalidade. A ditadura fortaleceu o
poder do capital sobre a força de trabalho do proletariado, propiciando altas
taxas de expropriação. Esse “desenvolvimento” beneficiou-se do
planejamento estatal.
Parece que as altas taxas de crescimento observadas desde 1968
não poderiam ter ocorrido sem as políticas de estabilização, as
reformas institucionais e algumas das atividades de planejamento
do governo a nível de projeto, adotadas no período 1964-1967.
Outro aspecto foi a existência de um governo forte e estável que
colocou economistas profissionais nas posições-chave de
formulação da política e lhes concedeu inteira liberdade para
implementar seus planos de ação.34
Os instrumentos de política de planejamento existentes e em
potencial, no Brasil, constituem uma gama mais variada do que a
encontrada na maior parte das economias mistas.35
À medida que expandiu e fortaleceu o seu poder econômico e político,
expandiu e fortaleceu os seus órgãos de pesquisa, análise, decisão e atuação
nas diversas esferas da vida econômica do país. Assim, o que parece fruto
do “planejamento governamental” é a expressão, sob a forma de técnicas
de planejamento, da própria economia política da ditadura. Em todos os
níveis da vida econômica, isto é, das forças produtivas e relações de
produção, o poder estatal é levado a atuar de modo a propiciar a
acumulação monopolista. O Estado ditatorial formula e põe em prática uma
política econômica visando dinamizar a produção de mais-valia absoluta e
relativa (ou lucro, renda e juro, segundo o “economista profissional”), em
favor da grande empresa privada nacional e estrangeira – principalmente
esta.
O que parece estar na base da parafernália tecnocrática, que aparece
como instrumental de política de planejamento, é a poderosa aliança entre
o capital monopolista e a ditadura. Nesse contexto é que os planos e
programas, ou os instrumentos e as atividades de planejamento do governo,
expressam dois significados fundamentais. Primeiro, o planejamento
governamental se torna uma técnica de transformação de mais-valia
potencial em efetiva. Nesse caso, possibilita o rearranjo e o
desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção. Dinamiza e
generaliza o processo de subordinação da força de trabalho produtiva ao
capital. Segundo, a esfera do planejamento, em seus instrumentos e
atividades, ou em sua vasta parafernália tecnocrática, passou a ser uma
esfera privilegiada de articulações e metamorfoses entre a economia
política do capital monopolista e a economia política da ditadura. Esse é o
contexto no qual se pode compreender a “matriz de instituições”
governamentais que pesquisam, analisam, decidem e põem em prática os
itens da política econômica. Note-se que os poucos dados do quadro 1
mostram como é larga e poderosa a capacidade governamental de formular
políticas, à revelia das classes subalternas.
O Estado foi levado a desenvolver não só um amplo e complexo
instrumental de política econômica, como também desenvolveu uma ampla
e complexa articulação interna desse mesmo instrumental. Os vários
ministérios, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista,
superintendências, institutos, conselhos etc. articulam e rearticulam-se por
suas organizações, burocracias e tecnocracias.
Vejamos o exemplo dos conselhos. Eles “têm atribuições normativas”,
ao mesmo tempo que possuem “grupos de estudos ou de avaliação de
projetos”. Em geral, no entanto atuam em campos específicos.
Todavia, permanece o princípio básico de que toda unidade de
controle (Conselho) pode tratar de muitos problemas
simultaneamente, embora tome decisões relativas a tais problemas
em diferentes pontos do tempo. Esse princípio aplica-se
especialmente ao caso do Conselho Monetário Nacional.
Atuando em diferentes níveis de política, podemos listar os
seguintes colegiados: CDI (Conselho de Desenvolvimento
Industrial), CIP (Conselho Interministerial de Preços), CMN
(Conselho Monetário Nacional), Concex (Conselho Nacional de
Comércio Exterior), Consider (Conselho Nacional da Indústria
Siderúrgica).36
Todo esse instrumental passou a servir, em larga medida, à empresa
privada. É inegável que havia as exigências do próprio aparelho de Estado,
à medida, por exemplo, que se desenvolvia o setor produtivo estatal. Mas a
maior parte do seu poder era posta a serviço das “forças do mercado”, da
“livre empresa”, no “estímulo ao ingresso de capitais estrangeiros” e outras
determinações do capital monopolista.

O atual Sistema Financeiro Brasileiro, formado pelo Conselho


Monetário Nacional, Banco Central do Brasil S. A., Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e outras instituições
financeiras públicas e particulares, apresenta várias oportunidades
de investimento ao empresário, buscando solucionar o problema do
déficit de capital. Dentre esses estímulos, podemos destacar os [...]
que são de financiamento, prestação de garantias, underwritings,
repasses e outros.37
Vale a pena colher mais alguns aspectos das relações econômicas e
políticas que se constituíram e desenvolveram por dentro do Estado.
Desse modo podemos compreender melhor a forma pela qual se
articularam o poder estatal e o capital monopolista. Ao mesmo tempo,
podemos acompanhar a tessitura da economia política da ditadura. Vejamos
o relato de Celso Lafer.
A minha hipótese é que os tecnocratas da área econômica, no
sistema político brasileiro de 1964 a 1974, tiveram, sobretudo a
partir de 1969, o seu locus de acomodação no Conselho Monetário
Nacional. De fato, este era assim composto: o ministro da Fazenda,
o seu presidente; o ministro do Planejamento e Coordenação Geral
– 1º vice-presidente; o ministro da Indústria e Comércio – 2º vice-
presidente; o ministro da Agricultura; o ministro do Interior; o
presidente do Banco Central; o presidente do Banco do Brasil; o
presidente do BNDE; o presidente do Banco Nacional de
Habitação (BNH); o presidente da Caixa Econômica Federal; 4
diretores do Banco Central; e 2 membros sem vinculação a órgãos
oficiais.
Além disso, o presidente do Conselho Monetário Nacional,
tendo em vista a natureza dos assuntos, poderia convidar, para
participar das reuniões, ministros de Estado de outras pastas, bem
como representantes de outras entidades públicas ou das classes
produtoras (Decreto n. 65.769, de 2 de dezembro de 1969).
Conforme se verifica, os principais atores do policy-making
econômico tiveram assento no Conselho Monetário Nacional.
Um levantamento das decisões tomadas pelo Conselho
Monetário Nacional, durante o ano de 1972, mostra que este órgão
decidiu e deliberou sobre política industrial, política agrícola,
café, política monetária, política cambial e certas políticas
institucionais do tipo Proterra, PIS, Provale, e também a política de
habitação, pois o BNH, dentro da estratégia de financiamento, se
apoia na poupança obrigatória do Fundo de Garantia de Tempo de
Serviço (FGTS) e na poupança induzida de letras imobiliárias e das
cadernetas de poupança, todas dependentes da instituição da
correção monetária e de deliberações do Conselho Monetário
Nacional.
Este levantamento também indica que o Conselho Monetário
Nacional se converteu, sobretudo na gestão do ministro Delfim
Netto, num órgão colegiado que tratou praticamente da
coordenação de toda a política econômica do governo,
acompanhando e quase determinando globalmente os seus efeitos.
É por esta razão que se converteu num locus institucional de
negociação, cabendo agora, consequentemente, dar alguns
exemplos do processo de acomodação e barganha a que se fez
referência. Este processo se insere no parâmetro do impacto
monetário de diferentes políticas salariais, administradas e de
interesse de diversos órgãos governamentais.38
Essas relações internas à “matriz de instituições” do governo,
instituições que pesquisam, analisam, decidem e põem em prática os itens e
o conjunto da política econômica do país, somente revelam todo o seu
significado quando compreendemos que elas expressam os nexos
econômicos e políticos das relações entre o Estado e a economia. Mais que
isso, as articulações internas dos instrumentos e atividades de planejamento
da política econômica estatal revelam o Estado e as tendências do
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. O
“pragmatismo”, a “sistemática”, a “coerência”, a “eficácia”, a
“modernização” das “forças do mercado”, com a “predominância da livre
empresa no sistema econômico”, tudo isso envolve, na linguagem dos
“economistas profissionais”, o “desenvolvimento econômico”. Na prática,
no entanto, quando vistos no contexto das condições reais de produção,
apropriação e dominação, tudo isso envolve a dinamização das condições
de produção de mais-valia absoluta e relativa; ou poupança, lucro, renda e
juro, como dizem os “economistas profissionais”, isto é, os funcionários do
capital.
Ao desenvolver-se o poder estatal, desenvolveu-se também uma vasta
tecnocracia, civil e militar. Todo um imenso exército de funcionários
passou a permear, ampla e densamente, o conjunto da sociedade, seja nos
seus centros de poder (econômico, político, militar, cultural e outros), seja
nos seus extremos mais distantes e longínquos de execução das decisões.
Desde Brasília até o extremo da Amazônia, ao norte, do Rio Grande, no
sul, ou Mato Grosso, no oeste, em todos os cantos do país cresceu muito a
presença e a atuação do imenso exército de funcionários, burocratas, civis e
militares. Desde 1964, os governantes deram grande impulso à expansão e
diferenciação dos órgãos, recursos materiais e pessoal de que o Estado
passou a lançar mão para desenvolver a sua economia política.
Como a ditadura foi instalada inclusive sob o pretexto de que o governo
do presidente João Goulart (1961-1964) era ineficaz, desde o começo os
seus governos deram especial relevância à colaboração do técnico.
Economistas, administradores, engenheiros, estatísticos, educadores,
sociólogos, jornalistas e outros, muitos foram os especialistas civis e
militares convocados para operar e “modernizar” a organização e o
funcionamento do aparelho estatal. Tratava-se de substituir o “político”
pelo “técnico”, a “demagogia” pela “ciência”, o “carisma” pela “eficácia”.
Ao mesmo tempo que constituía o seu intelectual orgânico, ela desenvolvia
também as bases da ideologia desse intelectual. Tanto assim que a
tecnocracia imaginava constituir-se como se tivesse um fim próprio,
definido por si mesma. Com frequência, a tecnocracia revelou a ambição
de conferir o sentido da organização do Estado. Alimentou a ilusão de
constituir-se numa “elite” de poder, ou “classe” muito especial. Houve
sociólogos, estrangeiros e nativos, que lhe atribuíram a condição de classe
social, na mesma categoria da burguesia. Ela mesma desenvolveu algo
equivalente a uma ideologia própria. O núcleo principal dessa ideologia era
a ideia de que o planejamento seria uma técnica neutra, inocente. Mas o
próprio técnico encarregava-se de indicar no sentido dessa neutralidade, ou
inocência. Falam os ministros:
Campos: Num sentido geral, o planejamento é em si mesmo
politicamente neutro [...]. Pode também ser usado para fortalecer a
iniciativa privada – se substituir intervenções perturbadoras e
desordenadas do governo por políticas bem definidas, se clarificar
a divisão de tarefas entre a iniciativa privada e o governo, e se
indicar metas gerais de crescimento com o estabelecimento de
incentivos a ação empresarial.39
Delfim Netto: É importante que todos compreendam que o
planejamento é uma simples técnica de administrar recursos e que,
em si mesmo, é neutro [...]. É ilusão pensar que existe a alternativa
planejar ou não planejar, pois a única alternativa que existe, na
realidade, é planejar bem ou planejar mal. Uma administração
federal, estadual, ou municipal ou mesmo privada, não deixa de
planejar simplesmente porque não registra de forma consciente as
tarefas que terá de realizar no futuro.40
Reis Velloso: Planejamento é um processo de tomada de
decisões – o instrumento de aperfeiçoamento da política de
desenvolvimento, abrangendo os estágios de formulação,
orçamentação e acompanhamento da execução.41
Simonsen: O planejamento global é apenas uma nova maneira de
conceber os métodos de decisão governamental, subordinando os
instrumentos de ação a certos objetivos econômicos mais amplos.
Instrumentos diretos de ação sob o controle do governo são os
orçamentos e a legislação econômica geral [...]. A filosofia do
planejamento é justamente a de dimensionar os instrumentos de
ação de acordo com os objetivos traçados.42
A tecnocracia já vinha se desenvolvendo bastante ao longo das décadas
anteriores. A crescente articulação do Estado com a economia, ao lado do
desenvolvimento das relações de produção capitalistas e das contradições
de classes, propiciou a expansão da tecnocracia. Em escala crescente, as
classes dominantes estavam transformando os técnicos em elite
governante. Esse processo acelerou-se muitíssimo com a instalação da
ditadura. Os governos militares imaginaram substituir o “político” pelo
“técnico”, a “demagogia” pela “ciência”, o “carisma” pela “eficácia”.
Portela: De qualquer forma, a chamada tecnocracia (ou mais
pomposamente: tecnoburocracia) é uma invenção revolucionária
de 1964 [...]. Os generais resolveram modernizar o país usando
todos os trunfos das grandes empresas particulares, e já aí surge o
economista Delfim como ponta de lança, criador, inclusive, do
esquecido ‘milagre brasileiro’, com a bolsa de valores em alta e
aquele ufanismo geral [...]. Com o extraordinário sucesso, que a
censura garantia, pois só os elogios eram permitidos, Delfim não
teve dúvidas em contratar mais e mais técnicos, que começaram a
formar a casta dos tecnocratas brasileiros.43
Heller: É possível discordar de opiniões e decisões do professor
Mário Henrique Simonsen no tocante à política econômica,
financeira e social. Mas, desde que desempenhou, na administração
federal passada, as funções de ministro da Fazenda, deixou
aparecer os seguintes aspectos positivos: 1. grande coerência no
apoio dinâmico à iniciativa privada; 2. a vontade de planejar e
executar a política econômica dentro de um pragmatismo correto,
sem aplicar métodos discutíveis, desfavoráveis ao prestígio interno
e externo da administração; 3. a falta de ambições pessoais visando
conseguir cargo de governador ou de presidente da República,
limitando-se a aplicar correta e coerentemente os seus
conhecimentos científicos e as suas convicções neoliberais.44
Mas não foram apenas os “economistas profissionais” que atuaram na
formulação e realização dessa economia política. Ao lado da parafernália
tecnocrática estatal, operaram “técnicos” e “homens de negócio” que se
entendiam, decidiam e punham em prática os planos e programas. À
revelia das classes sociais assalariadas, em geral, e do proletariado e
campesinato, em especial, o poder foi totalmente atrelado às exigências das
classes dominantes.
À primeira vista, a ditadura parece exclusivamente militar. A forma pela
qual o poder foi exercido não daria margem a dúvidas, se
acompanhássemos apenas as aparências do exercício do poder. Desde 31
de março de 1964, a retórica política dos governantes fundava-se na
doutrina de “segurança e desenvolvimento”; desde o golpe de Estado, os
governos estiveram personificados na figura do militar.
O controle integral do Estado pelos militares e sua
autolegitimação pelos Atos Institucionais constituíram o mais
formidável reforço do poder público central jamais experimentado
no Brasil, resultando em haver equipado o governo com meios
coercitivos dificilmente igualados nos regimes mais autoritários.
Com a estabilidade social destarte assegurada, as diretrizes de
Campos foram orientadas no sentido da obtenção da estabilidade
financeira. Em sua tentativa de controlar a inflação contava com a
vantagem de não ser incomodado pelas dificuldades mais comuns.
A severa ditadura militar eliminou a resistência da classe operária,
permitindo a redução dos salários reais dos trabalhadores.45
A prática do poder ditatorial, no entanto, implicava o controle político
das classes assalariadas, em particular do proletariado e campesinato. A
“coligação de tecnocratas e militares no poder”46 garantia as condições
ditatoriais de formulação e execução das políticas econômicas dos
governos e atendia amplamente aos interesses do capital monopolista. Isso
era tanto mais evidente porque com frequência os técnicos do aparelho
estatal eram personagens com ligações diretas, ou indiretas, com a empresa
privada. Além de que a sua economia política, competência técnica, ou
modo de compreender a organização da sociedade, estava sempre fundada
na lógica da acumulação do capital; ou no jogo das “forças do mercado”.
Acresce que os “homens de negócio transitavam sem quaisquer
dificuldades entre os serviços públicos”. Era assim que se realizava a
simbiose entre a ditadura e o capital monopolista.
Na área de cooperação entre o governo e o mundo dos negócios
a experiência brasileira pode também oferecer lições a outros
países. O empenho de desenvolvimento do Brasil foi favorecido,
de diversas maneiras, por um relacionamento íntimo entre o setor
privado e o setor público. Os militares, técnicos e homens de
negócios transitam sem quaisquer dificuldades entre os serviços
públicos e a atividade comercial privada. Isso significa que as
realidades do mundo comercial, reconhecidas pelas empresas
privadas ou públicas e experimentadas nos setores de comércio,
bancário, de manufaturas e de agricultura, são entendidas pela
maioria dos servidores públicos. Significa também que diversos
líderes do setor privado estão bastante familiarizados com as
complexidades e metas das atividades governamentais.
Uma das razões da cooperação entre o mundo dos negócios e o
governo está no sistema de valores da hierarquia social, que atribui
mais ou menos o mesmo status aos homens de negócios e aos
homens do governo. Assim sendo, não existe barreira de status
obstando o trânsito das pessoas [...].
Um segundo fator é que os líderes militares, os técnicos e os
homens de negócios compartilharam inúmeras vezes das mesmas
experiências de educação e treinamento, em instituições como a
Escola Superior de Guerra e nos diversos cursos da Fundação
Getúlio Vargas. O resultado tem sido uma harmonia surpreendente
de concepções relativas a estratégias e metas de
desenvolvimento.47
A maneira pela qual a tecnocracia se desenvolveu desde 1964 permite
conhecer ainda melhor o poder estatal. Primeiro, a tecnocracia civil e
militar confunde-se numa categoria profissional importante para a
organização, operação e reprodução da ditadura. Segundo, é no âmbito da
tecnocracia que tendem a desenvolver-se as articulações entre o “político”
e o “econômico”, entre as razões do Estado e as razões do capital
monopolista, sob o manto da neutralidade, ou inocência, das técnicas da
economia política burguesa. Terceiro, a forma pela qual se articulam o
“político” e o “econômico”, o Estado e o capital, da mesma maneira que a
tecnocracia civil e militar, expressa a forma pela qual a burguesia,
enquanto classe dominante, captura o poder estatal, ou lhe confere as
direções fundamentais.
3. As Formas do Capital
Desde os seus começos, a ditadura se viu fortemente induzida a
concentrar o poder do Estado, no sentido de criar as condições econômicas
e políticas para a retomada do “desenvolvimento econômico”, cujas bases
principais haviam sido estabelecidas no período do governo do presidente
Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960); criar as condições práticas e
ideológicas para que as “forças do mercado” pudessem desenvolver-se
amplamente, com o predomínio da “livre empresa”.
Diante da crise econômica e política dos anos dos governos dos
presidentes Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964), os militares
e civis contrários às forças políticas que poderiam assumir o poder com as
eleições presidenciais de 1965 decidiram movimentar-se e realizar o golpe
de Estado de 31 de março de 1964. Ocorre que em 1961-1964 a crise
econômica e política havia provocado um acentuado divórcio entre as
exigências do poder econômico e as tendências do poder político. Caía a
taxa de inversões, crescia a inflação e reduzia-se a taxa de crescimento. O
Produto Interno Bruto per capita passou de 4,1 em 1961, para menos 1,8
em 1963.48 Nesses anos, desabrochou a contradição entre as possibilidades
políticas da democracia burguesa, de base populista, e as exigências do
capital monopolista, de base imperialista. As articulações econômicas e
políticas que se haviam tornado possíveis no período de execução do
Programa de Metas (1956-1960) desencontraram-se, ou romperam-se, nos
anos 1961-1964. Foi nesses anos que as forças econômicas e políticas
ajustadas às exigências do capital monopolista organizaram e realizaram o
golpe de Estado. Diante da possibilidade de formação de um governo de
base popular, ou da possibilidade de surtos revolucionários, de base
operária e camponesa, as forças mais reacionárias do país, aliadas ao
imperialismo, organizaram e realizaram o golpe.
Assim, os adeptos da doutrina de “segurança e desenvolvimento” foram
induzidos a reorganizar e concentrar o poder do Estado, de modo a
favorecer e impulsionar a acumulação monopolista. Foram mínimas,
escassas e frágeis as mediações ideológicas que se constituíram nas
intermediações entre a fisionomia e os movimentos do poder estatal e a
fisionomia e os movimentos do capital monopolista. A ditadura instalada
foi induzida a pôr-se a serviço do capital monopolista, de modo direto,
aberto, ostensivo e repressivo. A segurança e o desenvolvimento de que
falavam os governantes e os seus funcionários diziam respeito às
exigências políticas e econômicas, práticas e ideológicas, da acumulação
monopolista; acumulação essa que passou a determinar, em ampla medida,
a fisionomia e os movimentos do Estado ditatorial.
Toda força concentrada e organizada da sociedade foi posta a serviço de
uma política destinada a superar a “estagnação econômica” e a “inflação
explosiva”. Isto é, a violência readquiriu, de modo ainda mais amplo e
brutal, o caráter de potência econômica, de força produtiva. Na prática, o
capital monopolista havia penetrado ainda mais profunda e amplamente no
aparelho estatal, ao mesmo tempo que penetrara, ou passara a influenciar,
de modo decisivo, amplos setores do sistema de ensino, público e privado,
a indústria cultural, as forças da repressão, o pensamento e a prática dos
governantes e tecnocratas. Foi assim que a ditadura militar concretizou-se
numa ditadura da burguesia, configurando um Estado fascista.
Langoni: Como Campos chama a atenção, a partir de 1964 a
intervenção militar, até então de caráter exclusivamente
moderador, assumiu o caráter estabilizador e reformista. O
fortalecimento do Executivo era indispensável para assegurar a
mobilização a tempo útil dos instrumentos de política econômica
que permitissem superar a estagnação econômica e a inflação
explosiva do período 1963-1964.49
Campos: Depois da revolução de 1964, duas medidas de
reforma institucional foram tomadas: primeiro, a abolição dos
partidos tradicionais, excessivamente personalistas e facciosos, e
sua substituição por um sistema bipartidário, o que
presumivelmente facilitaria a manutenção da disciplina partidária
em apoio de planos e programas governamentais; segundo, a ab-
rogação do poder do Congresso de aumentar o dispêndio
orçamentário, que tornaria impraticável qualquer planejamento
financeiro consistente.50
Baer: A excepcionalidade da experiência brasileira desde 1964
reside na livre manipulação por técnicos, apoiados por um governo
forte, de um sistema econômico dominado pelo Estado, mas que
admite um extenso setor privado. A manipulação tornou-se
possível em virtude da existência de governos fortes e estáveis, os
quais asseguraram que as políticas econômicas seriam levadas a
cabo, quaisquer que fossem os efeitos secundários sobre os vários
grupos econômicos. Se acrescentarmos a isso a dimensão
geográfica, a população e a base de recursos naturais do país é
difícil compreender por que altas taxas não poderiam ter sido
alcançadas.51
Desde que se instalou, a ditadura se viu fortemente induzida a organizar
e concentrar a violência estatal, em conformidade com a violência da
acumulação monopolística. Tanto assim que o desenvolvimento capitalista
no Brasil ingressou numa fase especial: cresceram a concentração e a
centralização do capital, reforçando-se o poder do capital monopolista,
altamente articulado com o poder estatal, e em conformidade com as
determinações do imperialismo; formaram-se e desenvolveram-se
associações e fusões de empresas: estrangeiras entre si, estrangeiras e
nacionais, nacionais e estatais, e estrangeiras, nacionais e estatais. Ao
mesmo tempo que se desenvolveram as forças produtivas e as relações de
produção, tanto na indústria quanto na agricultura, na cidade e no campo,
desenvolveram-se e ganharam amplo predomínio os monopólios. Ao lado
dos monopólios de direito, estabelecidos pelo Estado, formaram-se e
desenvolveram-se os monopólios econômicos, propiciados pela forma pela
qual o imperialismo passou a atuar no país. O próprio Estado favoreceu e
impulsionou a monopolização da economia brasileira, por sua política
fiscal, creditícia e tarifária; política essa inserida no contexto de um Estado
no qual a violência passou a ser operada de modo altamente organizado e
concentrado. Fascistizou-se o poder estatal.
Esse foi o quadro histórico no qual a economia brasileira desenvolveu
ainda mais a singular estrutura econômica que se vinha formando desde
décadas anteriores. O perfil, os movimentos e as articulações da economia
brasileira passaram a revelar, de forma relativamente nítida, a presença de
três setores econômicos importantes: o imperialista, o nacional e o estatal.
É claro que a economia brasileira continuou a configurar-se e desenvolver-
se em termos de um setor secundário, ou industrial, cada vez mais
poderoso e predominante; ao mesmo tempo que a agropecuária, em sentido
lato, foi cada vez mais extensa e intensivamente submetida ao capital
industrial. Simultaneamente, persistiram, ou mesmo recriaram-se,
pequenas, médias e grandes empresas, a despeito do acentuado predomínio
da grande empresa sobre o conjunto da economia. Nesse mesmo contexto,
persistiram, ou recriaram-se, segmentos da economia organizados em
termos competitivos, ao lado dos oligopólios e monopólios. Mas também
houve a formação, expansão ou recriação de conglomerados, associações,
fusões, holdings e outras articulações, entre empresas grandes, médias e
pequenas, privadas e estatais, nacionais e estrangeiras. Ao lado disso tudo,
desenvolveu-se muito o processo de monopolização, ao mesmo tempo que
o capital financeiro adquiriu o caráter predominante, mais geral, da forma
capital. Isto é, o capital bancário passou a ser articulado de forma mais
profunda e generalizada com o capital industrial, o que passou a influenciar
de modo acentuado o conjunto da economia, a estruturação do Estado e a
maneira pela qual o Estado passou a articular-se com as classes dominantes
e as classes subalternas, na cidade e no campo. Junto, e por dentro desses
vários e diversos processos da economia brasileira, desenvolveram-se
ainda mais as peculiaridades e as articulações de três setores econômicos
importantes dessa economia. Talvez algumas das peculiaridades da
economia política da ditadura possam revelar-se, de forma mais clara,
quando examinamos as peculiaridades e as articulações desses três setores
da economia: o imperialista, o nacional e o estatal. Tanto o caráter
monopolístico da economia brasileira quanto as relações entre o capital
monopolista e o Estado, além do significado do capital financeiro no
capitalismo desenvolvido no Brasil, tudo isso talvez reapareça nas
peculiaridades e articulações desse tripé econômico.
Depois da estagnação havida em 1963-1967, a economia brasileira
passou a crescer de forma acentuada. Em 1968-1974, além da ampla
ocupação das forças produtivas então disponíveis, ocorreu também o
desenvolvimento dessas forças. Ao mesmo tempo que passaram a
desenvolver-se, de modo intenso e extenso, as relações capitalistas de
produção, também se desenvolveram bastante as forças produtivas. A força
de trabalho, a tecnologia, a divisão do trabalho, o planejamento econômico
governamental, a violência estatal, o capital público e privado, nacional e
estrangeiro, foram essas as principais forças produtivas reativadas e
desenvolvidas, intensa e extensivamente, nos anos de ascenso econômico
da ditadura. Da mesma forma que ocorria a concentração acelerada do
capital, pela crescente reinversão da mais-valia, também ocorria a
centralização do capital, pela crescente absorção de capitais individuais,
em geral menores, ou mais fracos, pelos mais poderosos. Tudo isso
amplamente favorecido e protegido, econômica e politicamente, pelos
governantes. Desde 1964, o poder estatal foi levado a atuar, de modo ainda
mais fundo, no sentido de favorecer e proteger a concentração e a
centralização do capital, propiciando a transição decisiva da economia
amplamente dominada pelo capital monopolista.
Vale a pena observar que o setor imperialista aparece nos documentos
governamentais como “empresa estrangeira”, “empresa multinacional”,
“firma subsidiária” de empresa multinacional ou “capital internacional”.
Todas essas denominações, por intenção ou implicação, visam apagar, ou
minimizar, a especificidade do capital imperialista, que é um dos
problemas principais na explicação do caráter do capitalismo monopolista
que se desenvolve no Brasil. O setor nacional aparece como “capital
nacional” ou “empresa privada nacional”. E o setor estatal é mencionado
como “empresa governamental”, “empresa do governo”, “Estado” ou
“setor produtivo estatal”. Não é fácil especificar quando uma empresa,
conglomerado, holding, grupo etc. é simplesmente estatal, nacional ou
imperialista. Nem sempre os vínculos econômicos e políticos são visíveis,
mesmo depois de muita pesquisa. Além do mais, na prática, os três setores
da economia, ou o tripé, sempre se acham articulados, reciprocamente
determinados, em uma totalidade que também possui as suas
especificidades. De qualquer modo, vale a pena observar como a economia
política burguesa procura definir as principais categorias de empresas que
formam o conjunto da economia brasileira.
Uma firma é considerada subsidiária de uma empresa
multinacional (EMN) quando a participação acionária da EMN é
igual ou superior a 25% [...]. O limite mínimo de 25% foi
estabelecido pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos
como marco a partir do qual um portfolio investment se transforma
em direct investment. As possibilidades de que participações
superiores a essa (mesmo se inferiores a 50%) não impliquem o
controle efetivo da empresa são consideradas remotas. Já o
Departamento do Tesouro, considerando outras modalidades de
aplicação, estabeleceu o limite em 10% [...]. As empresas
consideradas governamentais (ou estatais) são aquelas em que o
governo (em quaisquer dos níveis) é acionista majoritário (superior
a 50%).52
Desde logo cabe observar que a distinção entre estatal, nacional e
imperialista não é senão uma dimensão da realidade econômica. Na prática,
o tripé do capitalismo no Brasil apresenta diversas articulações e
determinações recíprocas. Da mesma forma, cabe também observar que
essas articulações e determinações recíprocas não são sempre pacíficas. Ao
contrário, são pontilhadas de disputas e antagonismos. Se é verdade que há
consenso entre as burguesias imperialista e nacional, junto com os
governantes e tecnocratas, quanto à superexploração do proletariado e do
campesinato, há razoável controvérsia entre eles a propósito de como
repartir a mais-valia.
Boa parte dos dados sobre o tripé da economia brasileira mostra razoável
predomínio da grande empresa estatal e imperialista sobre a nacional. Mas
é a empresa imperialista que realiza maiores ganhos, pois que em geral a
empresa estatal está situada em atividades de infraestrutura, destinadas
exatamente a atender às exigências da reprodução do capital privado
estrangeiro e nacional. Está na ideologia e prática dos governantes, da
tecnocracia e das burguesias nacional e estrangeira, que a produção da
empresa governamental se destina a servir de “economia externa” para a
acumulação capitalista nacional e imperialista.
Nessa perspectiva, pode-se mesmo sustentar que o grande ascenso da
economia brasileira nos anos 1968-1974 teria sido iniciado e garantido, em
boa parte, pelo setor estatal. Além das muitas iniciativas governamentais,
em favor da “retomada do desenvolvimento”, ou das “forças do mercado”,
com a “predominância da livre empresa no sistema econômico”, as
empresas e as inversões estatais exerceram uma atuação decisiva, no
sentido de dinamizar a acumulação capitalista nos setores privados. O
poder estatal tanto investiu quanto induziu inversões nos setores de energia
elétrica (nesse criou o holding Eletrobras), petróleo (pela dinamização da
Petrobras), na siderurgia e indústrias de construções, habitação e
planejamento urbano, pela criação e dinamização do sistema Banco
Nacional da Habitação (BNH) e Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
(Serfhau).
Nossa proposição é a de que a reativação do crescimento teria
sido induzida, desde 1967, pelos crescentes investimentos do Setor
Produtivo Estatal (SPE). Mais precisamente, a recomposição dos
investimentos ter-se-ia efetuado através de determinadas empresas
do SPE, que teriam atuado, assim, de forma decisiva, para a
reversão do ciclo recessivo de 1963-1967. Isto é, as inversões
estatais (em determinados setores) funcionaram como mecanismo
de reversão, reativando lentamente os níveis de produção do setor
de bens de capital e da construção civil pesada.53
É importante chamar a atenção para o fato de que a intensidade
de capital (relação capital/produto) dos setores estatais é
muitíssimo elevada, de forma que a sustentação de um alto nível de
crescimento da produção implica manter um enorme volume
absoluto (crescente) de inversões. Efetivamente, embora, em
termos de crescimento da produção, o desempenho do setor
produtivo estatal não tenha sido substancialmente superior à média
naquele período (1970-1973) (portanto abaixo do crescimento dos
setores de bens duráveis e bens de capital fixo), pelo lado da
formação de capital fixo o SPE expandiu-se notavelmente. [No
quadro 2] pode-se verificar que a participação do patrimônio
líquido das empresas estatais (no conjunto das grandes empresas)
cresceu apreciavelmente entre 1968-1973.54
Essa atuação governamental já se vinha realizando nas décadas
anteriores ao golpe de 1964. O Programa de Metas posto em prática pelo
governo do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960) foi o
mais notável dentre os vários planos e programas que anteriormente
haviam dinamizado e diversificado a atuação do Estado na expansão do
capitalismo no Brasil.55 Ao longo do tempo, e numa escala bastante
acentuada desde 1964, o poder estatal foi ampla e intensivamente levado a
investir e induzir inversões, de modo a acelerar a acumulação
monopolística. Inclusive passou a desenvolver associações com empresas
privadas nacionais e estrangeiras. Em geral, o poder público mantém forte
presença em setores básicos, infraestruturais, que propiciam a acumulação
no âmbito da empresa privada nacional e estrangeira. Paralelamente, o
capital imperialista predomina nos setores de metais não ferrosos,
mecânica, material elétrico e de comunicação, transporte, borracha, têxteis,
fumo, alimentos e outros. Note-se, pois, que o setor imperialista alcança os
mais diversos setores de produção na indústria, agricultura e agroindústria,
sem esquecer que ele alcança também o comércio e o capital bancário. Isso
também é verdade para o setor privado nacional, mas com menor força,
inclusive por que esse se espraia por inúmeras empresas grandes, médias e
pequenas – principalmente médias e pequenas –, enquanto o setor
imperialista aglutina principalmente grandes e poderosas empresas, que
contam com o respaldo de suas matrizes e associadas nos Estados Unidos,
Alemanha, Japão e outras nações dominantes.

São os próprios governantes e os seus tecnocratas, civis e militares, que


explicam como e por que atrelaram o poder estatal ao capital monopolista.
Mais do que em qualquer época anterior, desde que se instalou a ditadura, o
Estado foi levado a desenvolver uma vasta, complexa e maciça política
econômica, de forma a favorecer e impulsionar a acumulação capitalista.
Toda retórica e prática da economia política da ditadura orientaram-se
segundo as exigências da economia política do capital monopolista. Com
frequência o argumento da “segurança nacional” foi usado para explicar
por que o poder estatal era levado a reservar-se alguns setores da economia.
Foi assim que os governos militares foram levados a criar ou recriar
monopólios estatais. Passaram a considerar como “campo de atuação
direta” do Estado “os setores da infraestrutura econômica, normalmente
através de empresas governamentais, de energia e transportes e
comunicações”. Mas reservaram boa parte dos setores “diretamente
produtivos”, isto é, lucrativos, para a empresa privada nacional e
estrangeira. O argumento da “segurança nacional” muitas vezes propiciou a
realização de inversões públicas, de grande vulto, para criar “economias
externas” que favoreciam e impulsionavam os empreendimentos e os
ganhos dos setores privados, nacional e imperialista. Assim, a imagem do
tripé deixa de ser uma simples metáfora enganosa. O que está em questão é
a vasta, complexa e maciça articulação do capital monopolista,
principalmente imperialista, com o Estado. As formas do capital somente
se configuram no âmbito das relações e determinações recíprocas dos
capitais particulares. Aí também surge a forma capital em geral.
Constituem campos de atuação próprios da área privada os
setores diretamente produtivos: indústrias de transformação,
indústria de construção, agricultura e pecuária, comércio, seguros,
sistema financeiro (ressalvada a função pioneira e de estímulo
atribuída aos bancos oficiais).
Nesses setores, não apenas o governo confia seu
desenvolvimento à iniciativa privada, como procura provê-la das
condições para um desempenho satisfatório, através de incentivos
fiscais, financeiros, política de preços e outros estímulos [...].
A verdade é que, assumindo a maior responsabilidade (embora
não a exclusividade) pelos setores de infraestrutura econômica,
está o setor público, simultaneamente, realizando três coisas: –
assume o ônus maior dos setores que demandam investimentos
gigantescos, com longos prazos de maturação e, em geral, mais
baixa rentabilidade direta.
É fora de qualquer dúvida que o Brasil não teria mantido taxas
de crescimento da ordem de 10%, no período até 1974, sem os
maciços investimentos realizados pela Eletrobras e seu sistema,
Petrobras, Telebras e seu sistema, CVRD, Oner etc.; – ocupa-se de
áreas complementares e viabilizadoras da ação do setor privado,
em vez de envolver-se em atividades competitivas às deste último,
que pode, então, responsabilizar-se por campos que demandam
menor volume de investimentos, têm mais curto prazo de
maturação e mais alta rentabilidade direta; – evita a presença
maciça da empresa estrangeira nas áreas de infraestrutura, pois sua
saída desse campo teria de ser preenchida, em grande medida, pelo
investimento externo.
Passa, assim, a presença da empresa estatal, em tais áreas, a
constituir elemento de equilíbrio do modelo, permitindo, inclusive,
maior flexibilidade no tratamento do capital estrangeiro nos setores
não básicos.56
Assim, a “estatização” da economia havida ao longo das últimas
décadas, e acentuada ainda mais desde 1964, expressa principalmente o
processo de crescente captura do poder estatal pelo capital monopolista. O
que se desenvolve, por dentro da ditadura militar, é a concentração e a
centralização do capital monopolista. Mesmo quando o próprio Estado
desenvolve o setor produtivo estatal, o que ocorre é o desenvolvimento do
Estado como “capitalista coletivo”, um capitalista que também explora e
submete os operários das empresas estatais. Esses operários também
produzem mais-valia absoluta e relativa, que é apropriada, imediatamente,
pela empresa estatal, mas que com frequência se transfere ao setor privado,
ao menos em parte. Além de que o setor produtivo estatal em geral
constitui subsídios, infraestruturas ou economias externas propícias à
acumulação monopolista no setor privado. Simultaneamente, as diversas e
muitas atuações do poder estatal, no âmbito de isenções de impostos,
facilidades de créditos, avais para empréstimos e operações externas,
política de remessa de lucros, dividendos e royalties ao exterior etc., tudo
isso aumenta a escala de articulação do Estado com o capital monopolista.
Desse modo, o poder estatal impulsiona ainda mais a articulação e o
dinamismo entre os capitais particulares, e dos diversos setores e
subsetores da economia brasileira, com o capital em geral, que realiza e
expressa os diversos capitais.
Dentro desta estrutura, et pour cause, o Estado constitui formas
superiores de organização capitalista, consubstanciadas num sistema
financeiro público e em grandes empresas estatais, cumprindo o papel
desempenhado pelo capital financeiro nas industrializações avançadas. Este
fato de o Estado condensar as formas mais abstratas do capital é que
confere ao capitalismo monopolista retardatário uma condição ainda mais
“desenvolvida”, no sentido de que tende a apresentar, neste aspecto, um
grau mais avançado de “socialização” da produção capitalista. É nestes
termos que pode ser entendido o conceito de “capital estatal”.57
Cabe apresentar, agora, uma síntese do que tem sido a economia política
da ditadura. Talvez seja possível dizer que ela apresenta três traços
particularmente marcantes.
Primeiro, o planejamento econômico estatal transformou-se em poderosa
força produtiva. A ditadura desenvolveu, aperfeiçoou ou “modernizou” o
aparelho estatal, de modo a garantir a estabilidade social e política
conveniente ao capital financeiro nacional e estrangeiro. Todas as esferas
da vida social passaram a ser vigiadas, controladas, dinamizadas ou
reprimidas, de modo a garantir as condições de “segurança” desejadas pela
grande burguesia nacional e estrangeira, para o “desenvolvimento” do
capital. Em condições ditatoriais e monopolísticas, o capital financeiro
conseguiu fazer com que todo o peso do poder estatal fosse colocado a seu
dispor. Foi assim que o planejamento econômico estatal transformou-se
numa poderosa força produtiva complementar, à disposição da grande
burguesia. Ao lado do capital, tecnologia, divisão do trabalho e força de
trabalho, além de outras forças produtivas, o planejamento estatal passou a
favorecer e dinamizar a acumulação do capital. O Estado foi levado a
mobilizar recursos políticos e organizacionais, científicos e técnicos, de
modo a favorecer, orientar, reorientar, dinamizar ou diversificar as
atividades produtivas, na indústria, agricultura, pecuária, comércio e
finanças. As políticas de isenções de impostos, concessão de incentivos
fiscais, créditos, avais e outras, além de favorecerem amplamente a
concentração e a centralização do capital, também realizaram, na prática,
uma larga transferência de recursos do poder estatal, isto é, da sociedade,
para as classes dominantes. Assim, a sucessão e a multiplicidade de planos,
programas e projetos governamentais, consubstanciados no sistema federal
de planejamento, transformaram-se em poderosa força produtiva
complementar. Ou seja, por intermédio do sistema federal de planejamento,
a ditadura conseguiu fazer com que se desenvolvessem as forças
produtivas, as relações de produção e, em consequência, a reprodução do
capital. Sob condições monopolísticas e ditatoriais, o planejamento
conferiu uma amplitude e um ritmo ainda maiores à acumulação de capital.
Os próprios processos de concentração e centralização do capital
adquiriram maior abrangência e dinamismo com o crescimento do sistema
federal de planejamento. Foi assim que o capital conseguiu arrancar uma
taxa extraordinária de mais-valia da classe operária.
Segundo, a violência estatal, como técnica política e econômica, também
se transformou em poderosa força produtiva. Posta a serviço do capital, ao
controlar a classe operária, como proprietária da principal força produtiva,
a força de trabalho, a violência estatal também favoreceu a produção de
uma taxa extraordinária de mais-valia. Junto com o sistema federal de
planejamento, o sistema federal de repressão também entrou nesse
processo de acumulação do capital. Opera sobre as forças produtivas, isto
é, a força de trabalho, e nas relações de produção. Não aparece apenas no
aparelho repressivo, mas inclusive nas organizações públicas e privadas,
cujos mecanismos de organização e funcionamento, ou princípios de
hierarquia, disciplina e desempenho, envolvem as mais diversas formas de
punição. Além da violência política, mais visível, que aparece na prisão,
processo, ameaça, sequestro, desaparecimento ou assassinato de membros
e líderes de sindicatos operários, ligas camponesas, igrejas e partidos, a
violência política, policial e militar aparece também nos locais de trabalho
– fábrica, fazenda, latifúndio, empresa, escritório. No âmbito das relações
de produção, a violência estatal passa a ser uma potência econômica, ou
força produtiva. A violência do poder estatal, como violência concentrada e
organizada da sociedade burguesa, passa a atuar no sentido de garantir e
reforçar a subordinação econômica e política da classe operária e do
campesinato. Ao dinamizar as forças produtivas e as relações de produção,
favorece a produção de mais-valia, a dinamização dos processos
envolvidos na produção de capital. Assim, a combinação do sistema federal
de planejamento com o sistema federal de violência passa a operar de
forma decisiva na dinâmica da transformação do que poderia ser uma taxa
potencial de mais-valia em mais-valia efetiva. Nesse sentido é que a
ditadura propicia a produção de uma taxa extraordinária de mais-valia. Ao
mesmo tempo, e por isso mesmo, o Estado aparece às classes assalariadas,
em geral, mas aos operários e camponeses em especial, como um Estado
despótico, opressivo, repressivo. Parece um Estado conquistador. São
estranhas, estrangeiras, as suas razões. Tudo passa a ser largamente
submetido às razões de “segurança e desenvolvimento” do Estado
ditatorial, do capital, da alta finança, da grande burguesia financeira, do
imperialismo. Aos trabalhadores da cidade e do campo, aos operários e
camponeses, tudo isso parece estranho, estrangeiro.
Terceiro, o capital financeiro, sob condições monopolísticas, passou a
determinar amplamente a fisionomia e os movimentos do Estado. A
ditadura realizou largamente a articulação do aparelho estatal com a grande
burguesia financeira, sem que essa precisasse necessariamente fazer-se
presente no exercício do governo. Sem que a grande burguesia financeira,
nacional e estrangeira, precisasse assumir o governo do aparelho estatal,
esse foi levado a agir, cada vez mais, segundo as exigências do
desenvolvimento do capital financeiro e monopolista. Sob vários aspectos,
os desenvolvimentos do planejamento e da violência estatais, como
técnicas econômicas e políticas, como forças produtivas, são, ao mesmo
tempo, condição e produto dos desenvolvimentos do capital financeiro. Em
escala ampla, e sob forte proteção econômica e política do Estado, os
vários grandes capitais particulares, setoriais, articulam-se sob o mando da
alta finança, da grande burguesia financeira. Os capitais industrial,
bancário e comercial, largamente protegidos e impulsionados pelo poder
estatal, desenvolvem e constituem a força e os movimentos do capital
financeiro. Todos os principais desenvolvimentos do capital, no subsistema
econômico brasileiro, passam a ser cada vez mais determinados pelo
capitalismo financeiro. O setor produtivo privado nacional, o setor
produtivo estatal e o setor produtivo imperialista são largamente
articulados pelo capital financeiro, desenvolvendo-se sob condições
monopolistas. São numerosas as associações e fusões de empresas, nos
setores industrial, bancário e comercial, ao mesmo tempo que entre si. É
verdade que em cada setor – estatal, privado nacional e imperialista – tende
a haver movimentos particulares de cada capital. O setor produtivo estatal,
por exemplo, desenvolveu uma articulação particular entre indústria,
recursos financeiros e comércio. Tanto assim que houve expansão e
concentração das empresas estatais, inclusive pela facilidade de recursos
financeiros que o poder público colocou à disposição dessas empresas. No
mesmo sentido, as grandes empresas privadas, principalmente as
estrangeiras, desenvolveram uma alta capacidade de “autofinanciamento”,
devido ao grande volume dos seus negócios e à facilidade de acesso a
recursos financeiros disponíveis em organizações “internacionais”. Em
todos os novos arranjos (acordos, associações, fusões etc.) entre as grandes
empresas dos setores industrial, bancário e comercial, ou estatal, privado
nacional e imperialista, em todos os arranjos predomina o capital
imperialista. Esse capital preside, ou determina, fundamentalmente, a força
e os movimentos do capitalismo financeiro que passou a influenciar, de
modo decisivo, a fisionomia e os movimentos do Estado brasileiro.
4. Capital Imperialista
O fato é que o setor imperialista muito se beneficiou, em termos de
ganhos, com a política econômica dos governos militares. Alguns dados
referentes a 1974 mostram que o faturamento das empresas estrangeiras
alcançou 42,8% do total, enquanto que as nacionais privadas chegaram a
32,0%, e as estatais atingiram apenas 25,2%.58 E isso a despeito de que o
patrimônio líquido e o pessoal ocupado fossem bem maiores nas empresas
estatais. Esses e outros aspectos das formas do capital monopolista podem
ser observados nos dados apresentados no quadro 3. Em geral, pois, o setor
estatal se articula de forma altamente dinâmica com a acumulação
capitalista que se realiza nos setores privados. É verdade que também
ocorre acumulação capitalista no setor estatal. A ditadura foi levada a
transformar (ainda mais acentuadamente do que em décadas anteriores) o
Estado em uma espécie de “capitalista coletivo”. Também o Estado passou
a explorar operários assalariados, apropriar-se de mais-valia. Além disso,
no entanto, o setor econômico estatal destinou-se a favorecer a acumulação
nos setores privados nacional e imperialista. Tudo com base numa política
de sistemática e agressiva exploração da classe operária e do campesinato.
Verifica-se que a ação empresarial do Estado localiza-se
principalmente na produção de insumos básicos, serviços de
utilidade pública, serviços de armazenagem, transportes e
comunicações. Dentre os insumos básicos, as EG controlam os
setores de mineração, siderurgia e petróleo (extração e
processamento) e têm participação relevante nos de química e
petroquímica, fertilizante e adubos, borracha e papel. Nos serviços
de utilidade pública, as EG controlam os setores de energia
elétrica, gás, água e esgotos, e outros (administração portuária,
serviços de desenvolvimento e serviços públicos diversos). E nos
transportes, principalmente o ferroviário e o marítimo. Além disso,
o Estado ainda atua por meio das EG na produção de máquinas e
equipamentos industriais, aviões, construção civil e engenharia,
distribuição de derivados de petróleo, importação e exportação e
serviços diversos (especialmente processamento de dados e
pesquisas de recursos naturais).
Nesses setores, as EG apresentam em geral uma participação
mais elevada em termos de patrimônio líquido, imobilizado e
emprego, e menor em termos de faturamento e lucro líquido. Isso
se explica pelo fato de as EG situarem-se, como se viu, nos setores
de insumos e serviços básicos, onde são maiores a escala de
produção e a densidade de capital, e menor a lucratividade.
Consequentemente, os indicadores de performance mostram que,
onde a comparação é possível, as EG em geral (exceção apenas das
empresas dos setores de mineração, borracha e distribuição de
derivados de petróleo) apresentam faturamento por empregado e
rentabilidade mais baixos que aqueles das empresas do setor
privado.59
Neste ponto, cabe observar, de novo, que as empresas que compõem o
tripé da economia brasileira distribuem-se de forma desigual pelo conjunto
dessa economia. Talvez as empresas privadas nacionais sejam as únicas
que se dispersam por todos os setores (indústria, agropecuária,
agroindústria, comércio, bancos etc.). Em menor escala, as empresas do
setor imperialista também se repartem por diferentes atividades. E as
estatais tendem a concentrar-se em “áreas estratégicas” ou “setores da
infraestrutura econômica”. Mas é inegável que as empresas privadas
nacionais, muito mais numerosas que as outras, são menos poderosas e
encontram-se nas “áreas menos dinâmicas” da economia brasileira. Assim,
a única “força” das empresas privadas nacionais “parece residir na sua
presença em todos os ramos da atividade industrial e em alguns em
particular”. É inegável, no entanto, que ocorreu “uma especialização dos
grupos multinacionais e estatais em determinados ramos estratégicos”.60

As empresas estatais, já bastante dinâmicas no período anterior a


1964, consolidam de início sua posição na economia e se
expandem, de maneira bastante concentrada, em áreas bem
delimitadas; as empresas estrangeiras também se alicerçam nos
momentos iniciais e, com o controle nítido de alguns setores, se
espraiam também por outros; e, por fim, as nacionais, já bastante
dispersas em termos de sua atuação, progressivamente emergem
como um ator imprescindível dentro do modelo.61
Nem sempre as relações entre os três setores foram tranquilas. Ao
contrário. A todo o tempo tem havido disputas entre a burguesia de base
imperialista, a burguesia e os governantes e seus funcionários, tecnocratas,
civis e militares. Um dos pontos principais das disputas diz respeito à luta
pelo acesso aos favores e proteções do poder estatal. Toda a sistemática de
incentivos, diretos ou indiretos, do poder público aos setores privados
envolve uma luta bastante intensa entre os interesses imperialistas e
nacionalistas presentes na economia política da ditadura. A despeito do
comprometimento essencial da política econômica da ditadura com o
capital monopolista, é inegável que os ajustes e reajustes dos incentivos,
bem como do próprio setor econômico estatal com os setores nacional e
imperialista, têm provocado frequentes atritos e reclamações. Além do
mais, o conjunto da burguesia nacional e imperialista está sempre a lutar
pela “privatização” de empresas produtivas e lucrativas estatais. Muito da
discussão sobre a “desestatização” da economia, ou “desburocratização da
administração federal”, envolve as influências e as disputas das burguesias
nacional e imperialista, no âmbito do poder estatal. Outro ponto óbvio de
controvérsia é inerente à existência de segmentos monopolizados,
oligopolizados e concorrenciais na economia brasileira. É óbvio que as
pequenas e médias empresas estão sempre a lutar para preservar certos
níveis de apropriação de mais-valia, ao mesmo tempo que lutam para não
serem simplesmente subordinadas, ou absorvidas, pelas grandes empresas
nacionais e estrangeiras protegidas pelo poder estatal. Isto é, há uma
pequena e média burguesia que poucas vezes está à vontade, no quadro
geral da apropriação da mais-valia produzida pelo proletariado e
campesinato.
Cabe observar aqui que as articulações dos setores que compõem o tripé
da economia brasileira são de especial importância por duas ordens
combinadas de razões. Primeiro, a importância relativa e absoluta de cada
um dos setores – estatal, nacional e imperialista – implica a supremacia do
imperialismo sobre o conjunto da economia. Se é inegável que o setor
estatal é poderoso, pela quantidade de grandes empresas e pela posição
estratégica em que elas se encontram na estrutura da economia, também é
inegável que o setor imperialista é o que realiza a acumulação monopolista
em maior escala. Na economia política da ditadura, tanto o setor estatal
como o privado nacional acabam por articular-se de forma subordinada ao
setor imperialista. Isto é, o imperialismo beneficia-se amplamente das
“economias externas” e da mais-valia proporcionadas pelos setores
nacional e estatal. Segundo, e em consonância com essas articulações e
determinações recíprocas, todo capital individual (em nível de empresa
privada nacional, empresa governamental ou estrangeira) passa a ser
altamente determinado pela posição e importância de que o capital
imperialista (fundamentalmente monopolístico) desfruta na configuração e
nos movimentos da economia como um todo.
A economia brasileira é uma totalidade heterogênea, desigual e
contraditória. Cria e recria disparidades. Combina segmentos
monopolísticos com oligopolísticos e concorrenciais. Inclusive, e
principalmente, está apoiada numa elevadíssima taxa de exploração da
classe operária e do campesinato. Ao mesmo tempo, no entanto, essa
totalidade está altamente determinada pelo capital monopolista, comandado
pelo imperialismo. Nesse sentido, o conjunto da economia brasileira
passou a ser influenciado pelas exigências da reprodução monopolista. Daí
a acentuada e generalizada tendência no sentido da concentração e
centralização do capital. Sob as mais diversas formas, os capitais mais
poderosos submetem, combinam-se ou simplesmente absorvem os
menores.
O próprio Estado é levado a desenvolver uma política econômica que
favorece tanto a concentração, ou capitalização das empresas maiores,
quanto a centralização, ou absorção de empresas débeis, ou mesmo fortes,
por outras mais poderosas. Daí as fusões, associações e outras articulações
em franco desenvolvimento no Brasil, principalmente desde 1964. Foi
assim que o mercado brasileiro se tornou “importante e simpático”, sem
qualquer traço ou risco de “socialismo”; não há limitação à acumulação
privada. Foi nesse contexto que os imperialismos europeu e japonês
ressurgiram no Brasil. A ditadura transformou a economia brasileira em
território livre, altamente “simpático” para o capital monopolista. Foi assim
que se desenvolveu certa disputa entre os imperialismos, pela livre
penetração na economia brasileira. Tudo isso favorecido e protegido,
econômica e politicamente, pelos governantes. E é isso que confere uma
parte da singularidade ao fascismo que se desenvolveu no país nesses anos.
Trata-se de um fascismo altamente determinado pelo capital financeiro do
imperialismo.
Os empresários estrangeiros que fazem negócios no Brasil
também tendem a preferir negociar com as empresas estatais. Um
executivo japonês diz: “Que melhor parceiro se pode ter numa
associação (joint-venture) do que o governo? Você pode estar certo
de que uma empresa estatal virá com o dinheiro tão logo ele se
torne necessário.62
Outro ponto que pode levar as empresas norte-americanas a,
inclusive, acelerar a formação de joint-ventures, com brasileiros, é
a garantia de mercado. Quem chegar antes assegura sua posição no
mercado [...]. De três anos para cá, o número de joint-ventures de
empresas norte-americanas no Brasil quadruplicou em relação aos
dez anos anteriores, mesmo assim elas perderam terreno para os
europeus e japoneses.63
Foi assim que cresceu e se diversificou a penetração do imperialismo na
sociedade brasileira. A própria indústria cultural do imperialismo ganhou
ainda mais força econômica e política junto ao governo e em amplos
setores da sociedade brasileira. Muitas coisas, aparentemente alheias ao
imperialismo, tais como a reforma do sistema brasileiro de ensino e as
técnicas de tortura usadas pelos militares e policiais da ditadura, foram
muitas as coisas mais díspares como essas largamente ditadas pelo
imperialismo.
Nesse quadro de relações econômicas e políticas, altamente influenciado
ou ditado pelo imperialismo, a dívida externa brasileira cresceu de forma
ininterrupta. Ao mesmo tempo, e em escala ainda mais acentuada,
continuaram a crescer os serviços da dívida. Cada vez mais, os operários e
os camponeses são obrigados a trabalhar para pagar juros, dividendos,
direitos etc. às empresas e bancos estrangeiros. Assim se acentua a
transferência de mais-valia para o exterior, ao mesmo tempo que se recria e
reforça a dependência econômica e política do país em face dos interesses
dos imperialismos estadunidense, alemão, japonês e outros. “Manter os
países dependentes endividados é também um instrumento político valioso
para garantir seu alinhamento e arrancar deles novas concessões
econômicas”.64 Uma imagem dessas relações do país com o imperialismo
pode ser obtida pela observação dos dados do quadro 4. Note-se como têm
sido altas, e crescentes, as taxas representadas pelos juros e as prestações
sobre as exportações. Em 1979, por exemplo, os serviços da dívida teriam
alcançado a taxa de 68,8% do valor das exportações. Ou seja, tem sido
elevadíssimo o esforço de exportar para pagar juros e prestações. Esse
processo continua em 1980.
Apela-se para a expansão da dívida externa, cuja função não é
outra senão financiar o retorno à circulação internacional do capital
da fração do excedente de propriedade das empresas internacionais
e, apenas secundariamente, financiar a própria acumulação de
capital.65
A expansão baseada no Departamento III sob controle forâneo
recria a tradicional crise de balanço de pagamentos na conta de
transação de mercadorias, na forma de uma pressão crescente para
importação de bens de capital e bens intermediários de produção, e
cria um novo tipo de crise na conta de serviços, na forma de uma
crescente pressão para remessa de lucros, dividendos, direitos de
assistência técnica, juros de empréstimos (no mais das vezes,
apenas aparentes) [...] A solução encontrada no período foi a da
expansão da dívida externa, como forma de financiar crescentes
remessas.66

É profunda e generalizada a penetração do capital estrangeiro na


economia brasileira. O imperialismo, sob a forma estadunidense, japonesa,
alemã ou outra, está atuando em praticamente todos os campos da atividade
econômica – inclusive na indústria cultural. Além do mais, está presente
nos modos de pensar dos governantes e seus tecnocratas. A economia
política que fundamenta a prática e ideologia da política econômica
governamental, toda ela, é uma ampla sistemática da visão econômica e
política da burguesia imperialista. Há uma cultura imperialista que permeia
e acompanha o desenvolvimento das relações, processos e estruturas da
acumulação monopolística.
A fusão de interesses de grupos industriais, financeiros e
comerciais de distinta procedência que se está processando agora
no Brasil, e que permite uma maior internacionalização da empresa
produtiva ‘brasileira’, mediante novas formas de associação
promovidas pelo capital financeiro, corresponde a um rearranjo da
estrutura oligopólica interna para adaptar-se melhor às novas regras
do jogo econômico internacional [...]. Os principais grupos
estrangeiros instalados no país têm aproveitado as possibilidades
de exploração barata de recursos naturais e mão de obra, bem
como os enormes subsídios e isenções fiscais às exportações, e a
proteção de um mercado interno que lhes permite utilizar
tecnologia de segunda ordem. Do mesmo modo, tem adquirido
relevância nesse esquema a crescente divisão regional do trabalho
entre as principais filiais estrangeiras que operam na América
Latina.67
A totalidade econômica e política formada pelos setores estatal, nacional
e imperialista adquiriu, por sua vez, uma configuração muito especial. O
modo pelo qual se deu o desenvolvimento dessa totalidade, principalmente
desde a instalação da ditadura, transformou o Estado em poderoso núcleo
do capital financeiro. Passou a ser tão grande o poder decisório e de
atuação do Estado, que muitos tiveram a impressão de que o Estado se
havia “deslocado” da sociedade, ou se colocado “contra a nação”.68
Provavelmente, jamais tenha sido tão grande a capacidade e o poder do
Estado de tomar decisões, atuar ou influenciar as condições de acumulação
monopolística no Brasil. De fato, o Estado passou a ser um poderoso
núcleo do capital financeiro. Tanto assim que ele parece ser a fisionomia e
a expressão da totalidade econômica e política formada pelo setor estatal,
nacional e imperialista. Constitui-se como figuração e metáfora do capital
em geral.
Mas talvez seja ilusório imaginar que a configuração de Estado como
núcleo do capital financeiro esgota essa história, ou apanha a essência do
problema. Primeiro, é indispensável observar que esse Estado é ditatorial.
Está constituído de tal forma que não responde, a não ser muito
precariamente, às reivindicações das classes subalternas. Mais do que isso,
orienta-se de maneira a propiciar a superexploração do operário e do
camponês. A repressão é uma das manifestações da economia política da
ditadura, no sentido de criar a estabilidade política e favorecer a produção
de mais-valia, convenientes à burguesia detentora do capital monopolista.
Nisso está um dos componentes fascistas do poder estatal. Segundo, em
todas as suas atuações mais importantes, o poder estatal é levado a
favorecer, sob todas as formas, a acumulação monopolística. Toda a vasta
parafernália tecnocrática, civil e militar do poder estatal foi posta a serviço
da “livre empresa” ou das “forças do mercado”. A essência da política de
desenvolvimento industrial do Brasil passou a ser “o barateamento do custo
do capital para o empresário”.69 Os incentivos de tipo fiscal e creditício
passaram a ser “a via utilizada preferencialmente para que o governo
exerça influência sobre a formação de capital”.70 Todas as atividades
econômicas, na indústria, comércio, agricultura, agroindústria, finanças etc.
passaram a beneficiar-se da poderosa capacidade de decisão, atuação e
influência do poder estatal. Todo o sistema bancário, público e privado, foi
orientado nessa direção, além de induzido a favorecer o “desenvolvimento
regional” e as empresas de comercialização de produtos agropecuários,
minerais, extrativos e manufaturados no exterior. Sob todas as formas, o
Estado foi levado a induzir a transformação de “poupanças voluntárias
internas e externas” em recursos de capital para a burguesia nacional e
estrangeira. Mais que isso, foi induzido a “transformar poupanças forçadas
governamentais em disponibilidades financeiras para o investidor
privado”.71
Instituíram-se não só medidas de incentivos diretos à formação de
capital na indústria, como também incentivos fiscais e creditícios à
exportação de manufaturados, à implantação ou ampliação de indústrias
que apresentem programas de exportação, à formação de empresas de
comercialização (trading companies), incentivos fiscais regionais e a
setores industriais específicos, e medidas de política econômica geral
(mormente aquelas relacionadas com o desenvolvimento do sistema
financeiro e com a política de endividamento externo) que contribuíram
para estimular o crescimento industrial.72
Tudo isso indica que a totalidade econômica e política formada pelos
setores estatal, nacional e imperialista é uma totalidade determinada pelo
capital monopolista comandado pelo imperialismo. É inegável que essa
totalidade está permeada de antagonismos entre os componentes do tripé.
Todos lutam pela apropriação de mais-valia, já que essa está na base da
lógica da reprodução dos capitais individuais, setoriais e do conjunto do
capital social. Inclusive, é bastante dura a luta entre as burguesias
imperialista e nacional, na disputa pela apropriação da maior parcela de
mais-valia. Ao mesmo tempo, devido à sua posição estratégica no âmbito
das relações e estruturas de apropriação econômica e dominação política, o
Estado parece ganhar elevada margem de atuação e arbítrio. Mas tudo isso
fica um pouco mais consistente e compreensível quando observamos que o
Estado é ditatorial; que a ditadura é exercida contra as classes assalariadas,
em geral, e o proletariado e o campesinato, em especial; que a ditadura está
altamente determinada pelos movimentos da acumulação monopolística,
sob o comando do imperialismo.
SEGUNDA PARTE
A CLASSE OPERÁRIA E O CAMPESINATO
5. A Política Salarial
A política salarial foi o principal instrumento da economia política da
ditadura. A doutrina de “segurança e desenvolvimento”; o planejamento
econômico governamental; a política anti-inflacionária; a reabertura do
subsistema econômico brasileiro ao capital imperialista; a política de
isenções de impostos e tarifas; as facilidades creditícias; as inversões do
poder público em serviços e empreendimentos infraestruturais; a
articulação do setor produtivo estatal com os setores privados nacional e
estrangeiro; os incentivos ao crescimento intensivo e extensivo do
capitalismo no campo; o impulso à concentração e centralização do capital;
a repressão política contra as classes assalariadas, em geral, e o
proletariado e o campesinato, em especial – muitas foram as atuações que
exerceram influência direta e indireta na acumulação de capital, na
expansão da grande empresa, no florescimento dos grandes negócios. Tudo
isso, no entanto, compreendeu, em algum grau, e às vezes em grande
medida, a política de arrocho salarial dos governos militares. Tratava-se de
refazer, aperfeiçoar e acentuar a exploração dos trabalhadores na indústria,
agricultura, agroindústria, mineração, extrativismo e outras atividades
econômicas; tratava-se de desenvolver a exploração dos trabalhadores
produtivos, principalmente operários e camponeses.
Para as classes dominantes, tratava-se de aumentar a taxa e a massa de
mais-valia absoluta e relativa. Haveria uma mais-valia “potencial”, ou
“extraordinária”, se as relações de produção e as forças produtivas fossem
submetidas às novas condições econômicas e políticas de “modernização”,
“reversão de expectativas” ou “racionalização”, que a ditadura passou a
instaurar desde 1964. Foi assim que a política econômica planificada, a
política operária (entendida como salarial, sindical e previdenciária), a
repressão política, a remilitarização da fábrica e várias outras atuações
governamentais se tornaram práticas cotidianas, econômicas e políticas, no
processo de superexploração de operários e camponeses. A violência
estatal, conjugada com o capital, a tecnologia, a divisão do trabalho, o
planejamento governamental e a força de trabalho, adquiriu a categoria de
uma força produtiva suplementar. A força de trabalho de operários e
camponeses (a força produtiva que pode criar valor, desde que conjugada
com o capital, a tecnologia e a divisão do trabalho) foi submetida a
condições de produção nas quais passaram a atuar também o planejamento
e a violência, como instrumento da política a que a burguesia monopolista
subordinou a sociedade. Na prática, o Estado estava sendo levado a
desenvolver, de forma acentuada e generalizada, as forças produtivas e as
relações de produção, de modo a favorecer a expansão do capital
monopolista.
No começo, a ditadura teve maior facilidade para impor a política de
arrocho salarial, sob a alegação de que havia que combater a inflação. Os
governantes e os seus funcionários diagnosticavam na capacidade de
barganha dos assalariados uma das principais causas da inflação. Mas a
política desinflacionária visava a criar condições propícias à retomada do
desenvolvimento econômico, de tal modo que o “livre jogo” das “forças do
mercado” favorecesse a “predominância da livre empresa no sistema
econômico”. Por isso, além de oferecer créditos, isenções e facilidades
fiscais e tarifárias ao setor privado, o governo estabelecia a política de
arrocho salarial.
Cuidar-se-á, também, de evitar qualquer descompasso entre o
combate à inflação do lado da demanda e do lado dos custos, a fim
de que a contenção monetária não provoque a insolvência do setor
empresarial.73
A política de salários deverá adaptar-se ao compasso da política
monetária, a fim de que os custos não aumentem,
proporcionalmente, mais do que a procura. O princípio a ser
firmado é o de que o combate à inflação, por si só, destina-se a
eliminar a instabilidade, mas não a elevar a média dos salários
reais, os quais só podem ser elevados pelo aumento da
produtividade e aceleração do desenvolvimento.74
Essa orientação da política salarial aperfeiçoa-se desde 1964, com novas
e renovadas disposições legais dos governos. De início, a política
desinflacionária era a alegação principal. Depois passou-se, também, a
argumentar sobre a relação entre salário e produtividade. Mas nunca os
próprios operários tiveram acesso aos órgãos de decisão sobre os seus
salários. As razões de “segurança e desenvolvimento”, alegadas pelos
governantes e os seus funcionários, também fundamentavam a ditadura do
capital sobre o trabalho, da burguesia sobre a classe operária e o
campesinato.
1965: A política anti-inflacionária em que tem se empenhado
efetivamente o governo, visando atingir razoável estabilização de
preços durante o ano de 1966, exige para o seu sucesso uma
política salarial coerente e uniforme, tanto no setor privado quanto
no setor público da economia.75
1967: Visando a assegurar o bem-estar do trabalhador, sem
prejuízo da luta contra a inflação, os assalariados terão garantida a
sua participação justa nos resultados do desenvolvimento
econômico. A política salarial nortear-se-á pelo princípio de que a
remuneração global do trabalho deverá crescer, em termos reais, na
medida do crescimento da renda nacional.
O governo, na medida em que for alcançando seus objetivos
quanto à contenção da inflação, tenderá a retirar-se
progressivamente do campo dos reajustes dos salários privados,
coibidos os abusos do poder econômico e do desvirtuamento da
função dos órgãos de classes.
É evidente que o governo continuará a fixar os salários-mínimos
regionais e a decidir quanto aos salários pagos pelos órgãos da
administração pública.76
1974: A atual fórmula da política salarial deverá ser mantida
para os reajustes em acordos e dissídios coletivos, bem como para
os aumentos salariais nas empresas controladas ou subsidiadas pelo
governo federal, tendo em vista que: a) existência de um critério
objetivo de reajuste pacifica automaticamente as negociações
coletivas sobre salários; b) a fórmula é perfeitamente compatível
com a metodologia do controle gradual à inflação; c) a fórmula
procura melhorar o poder aquisitivo dos assalariados na proporção
do aumento de produtividade; d) na versão em vigor desde 1968,
as eventuais subestimativas quanto à taxa inflacionária na vigência
do último reajustamento são automaticamente compensadas na
fórmula.77
1979: E, além disso, o ministro Murilo Macedo afirmou que os
trabalhadores não serão chamados para opinar sobre o projeto de
reformulação da política salarial. Segundo Macedo, os
trabalhadores não poderão participar do debate porque o Executivo
dispõe de mais informações para decidir sobre o assunto [...].
Macedo justificou a não inclusão dos operários no debate dizendo
que ‘este é um processo que pertence ao Executivo e este possui o
maior nível de informações para decidir sobre o assunto’. Para ele,
o Executivo tem alguns temas cuja discussão ‘pertence à sua
própria solidão’. Além disso, o ministro do Trabalho está
convencido de que o Poder Executivo fará o que é melhor para
todo o país e não apenas o que interessa ao trabalhador.78
A política salarial reafirma e desenvolve a ilusão de que a força de
trabalho da classe operária é apenas uma mercadoria entre outras. Toma a
força de trabalho como “trabalho”, “mão de obra”, “fator” de produção; e o
operário como “trabalhador”, “assalariado”. Pouco a pouco, na ideologia e
prática dos governantes, o que passa a estar em questão é o “salário”, a
remuneração do “trabalho” pelo “capital” como “fatores” de igual
categoria na produção, ao lado da tecnologia, organização empresarial,
direção da empresa e assim por diante. Da mesma forma que a burguesia, o
governo apaga a especificidade da força de trabalho operária, tornando-a
salário, ou remuneração, do trabalho de trabalhadores da indústria,
agricultura, comércio, bancos, empresas privadas e públicas, funcionários e
empregados. É assim que a política salarial implica a equalização da força
de trabalho operária com toda e qualquer outra mercadoria. Primeiro,
equalizam-se todos os “fatores” da produção: trabalho, capital, tecnologia,
organização, direção e outros. Segundo, mas ao mesmo tempo, equaliza-se
o trabalho com o salário. Terceiro, equalizam-se salário operário e salários
de todas e quaisquer outras categorias de trabalhadores assalariados, tanto
os que produzem mercadoria, valor ou mais-valia, como os improdutivos.
Quarto, equalizam-se o salário do operário e todas e quaisquer
mercadorias: transporte, serviços de saúde, educação, alimentação,
habitação e outras. Nesse percurso, a política salarial tanto afirma e
reafirma a ideologia e a prática da burguesia como afirma e reafirma a
ideologia e a prática de que a força de trabalho operária, que é a força
produtiva fundamental, é apenas uma entre outras mercadorias.
A política de arrocho salarial adotada, para servir como técnica de
combate à inflação, na prática consolidou-se como uma política de
crescente exploração dos assalariados, principalmente operários. A
despeito das alterações introduzidas na legislação, desde 1964 o Estado
retirou completamente da classe operária qualquer possibilidade de
influenciar ou alterar os níveis salariais. Além da repressão política e da
censura, muitos sindicatos foram postos sob intervenção governamental,
precisamente porque os operários e os dirigentes sindicais queriam levar
avante reivindicações destinadas a contrabalançar o rebaixamento do
salário real. Em 1968, a situação dos operários era tão difícil que ocorreram
duas grandes greves (ilegais, segundo o governo) em Osasco, na área da
grande São Paulo, e em Contagem, na área da grande Belo Horizonte.
Nesse mesmo ano, o governo foi levado a conceder um abono de
emergência da ordem de 10% a todos os trabalhadores. Mas isso era um
artifício para fazer de conta que estava resolvendo uma situação de
acentuada exploração dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, no entanto, a
Lei n. 5.451, de 12 de junho de 1968, consolida, torna permanente, o tipo
de controle salarial que se havia inaugurado em 1964.79 E assim continuou
essa política. Em 1974, a Lei n. 6.147, de 20 de novembro, reformula e
aperfeiçoa a mesma orientação básica dos governantes. A surpreendente
inovação foi a “confissão pública” de que a política salarial lograva os
operários. Reconhecia que os índices que serviam de base para os cálculos
de reajustamentos poderiam “subestimar” a incidência da inflação sobre os
salários reais; que havia que superar “a imperfeição técnica da aplicação da
sistemática anterior”. Apenas reconhecia a imperfeição técnica, sem
considerar que “do ponto de vista social ela tinha se demonstrado
prejudicial aos assalariados”.80
Essa política acentuou a exploração dos assalariados em geral. A própria
burocracia pública e privada teve os seus salários reais “congelados”, a
despeito dos aumentos de produtividade, ou da crescente acumulação
capitalista nos setores produtivos estatal, privado nacional e imperialista.
Somente a tecnocracia pública e privada, isto é, os quadros de
funcionários mais elevados na hierarquia dos órgãos públicos e das
empresas públicas e privadas, somente ela manteve e melhorou a sua
participação no produto do trabalho produtivo das outras categorias
assalariadas. Essa tecnocracia – um amplo contingente de intelectuais
orgânicos da ditadura – também representava um mercado consumidor
conveniente de bens de consumo duráveis. Ao lado da própria burguesia e
das pequenas burguesias urbanas e rurais, a tecnocracia pública e privada
representou um bom mercado para parte da produção industrial que a
ditadura passou a dinamizar. Nesse sentido, também, foi que a ditadura
expressou os interesses econômicos e políticos de um bloco de poder que
fundou a sua força na superexploração de operários e camponeses.
Na prática, foi a classe operária que sofreu o maior impacto da política
salarial dos governos militares. Tratava-se de aumentar a taxa e a massa de
mais-valia, de modo a garantir a expansão e a consolidação econômica e
política do capital monopolista; garantir a expansão e a consolidação da
supremacia econômica e política da grande burguesia nacional e
imperialista. Foi assim que o Estado encarregou-se do conjunto da questão
salarial: estudo, decisão, execução e fiscalização. Depois de estabelecer
diretrizes para o arrocho salarial no setor público em geral, o Estado foi
levado a estender essas e formular novas diretrizes para o controle salarial
no setor privado. Para aumentar a eficácia desse controle, os governantes
ameaçaram, prenderam e torturaram operários e membros de diretorias de
sindicatos. Inclusive houve mortos e desaparecidos. Muitos sindicatos
foram submetidos à intervenção do poder estatal. Transformaram-se em
agências do assistencialismo, antes do que órgãos de defesa das
reivindicações econômicas e políticas dos operários. Ao mesmo tempo que
reprimia a classe operária, a ditadura assumia e ampliava a sua atuação no
âmbito das relações entre a burguesia e o proletariado. Assim, os governos
favoreceram e impulsionaram a superexploração da classe operária. Em
aparência, o Estado estava sendo levado a assumir as condições jurídico-
políticas das relações de produção, de modo a atender os interesses de
compradores e vendedores de força de trabalho. Na prática, crescia a
produção de mais-valia absoluta e relativa, pela realização da mais-valia
“potencial”, ou “extraordinária”, que a violência ditatorial propiciava.
Durante os anos do primeiro governo militar, a política salarial adquire
todos os traços de uma política de arrocho. Os reajustes passam a ter o
espaçamento de um ano. “Será obrigatoriamente compensado qualquer
aumento salarial, voluntário ou compulsório, inclusive sob a forma de
abono ou reclassificação.” O cálculo dos reajustes tem por base o salário
médio dos últimos 24 meses. E os índices de correção, incluída a taxa de
aumento da produtividade, são fornecidos por órgãos do aparelho decisório
governamental, destacando-se o Conselho Monetário Nacional.81 A mesma
legislação permitia que o governo colocasse as empresas diante das
seguintes alternativas: “recusarem as vantagens dos estímulos fiscais e
creditícios” que se ofereciam àquelas que buscassem a “contenção interna
dos preços”, ou “terem que financiar a estabilização dos preços com
redução de seus próprios lucros”.82 Em outros termos, “ao recompor
apenas parcialmente os níveis de salário real, além de neutralizar pressões
inflacionárias através dos custos”, a política salarial “propiciava
transferências gradativas de renda para as empresas e o governo, através de
aumentos reais dos lucros e da tributação direta e indireta”.83
Se o objetivo próximo do controle salarial – a eliminação do
fenômeno inflacionário – não foi conseguido, deve-se perguntar
pelas causas da manutenção e institucionalização da política
salarial.
A política salarial revelou-se um ótimo instrumento de controle
do custo da mão de obra. Na medida em que elimina qualquer
pressão dos assalariados por melhoria na sua participação na renda,
já que a determinação dos elementos necessários para o cálculo dos
reajustes é estabelecida por organismos praticamente imunes a esse
tipo de pressão (Conselho Monetário Nacional e Secretaria de
Planejamento da Presidência da República), obrigando o Judiciário
Trabalhista a não colocar dúvidas sobre os números emanados
daquelas fontes e tornando definitivas as sentenças da Justiça do
Trabalho, o processo de reajustamento salarial foge das mãos dos
interessados. Assim sendo, um dos fatores determinantes dos
níveis de salários – a força das organizações de trabalhadores –
deixa de existir no processo de formação do preço da mão de obra.
O mecanismo de mercado permanece, fazendo com que ocupantes
de cargos privilegiados pela escassez possam melhorar sua posição
em relação aos demais assalariados e, principalmente, com que
grande número de trabalhadores que, nos diversos anos, tiveram
sua remuneração distanciada do salário-mínimo tenham
rebaixamento de salários pelo mecanismo da dispensa, uma vez
que o salário-mínimo não acompanhou a evolução dos demais
salários.
À medida que o salário, como elemento constitutivo do custo de
produção, sofre uma redução em termos reais, ao mesmo tempo
que a produtividade do trabalhador aumenta, amplia-se o fenômeno
tradicional de acumulação de capital, através do crescimento dos
lucros apropriados no processo produtivo, mesmo porque a
redução dos custos não tem significado redução de preços de
produtos finais.
A obtenção de elevadas taxas de lucros, via política salarial,
tornou possível a retomada do processo de crescimento, com
transferência de rendas para as empresas e, indiretamente, para os
estratos médios e altos da população. Paralelamente, a
continuidade do processo inflacionário, combinada com a
obrigatoriedade de os reajustes salariais vigorarem por doze meses,
constitui nova forma de transferência de renda dos assalariados
para outros setores da economia.
Portanto, como são pequenos os efeitos anti-inflacionários da
política de contenção salarial, a sua manutenção passa a se
justificar por permitir o livre curso da acumulação de capital,
através do crescimento dos lucros das empresas.84
Não houve apenas arrocho salarial. A pretexto de combater a inflação
através da política salarial, os governos lançaram mão também da
manipulação dos índices de custo de vida. Foi assim que conseguiram
favorecer ainda mais a acumulação capitalista, nos setores estatal, privado
nacional e imperialista. A manipulação dos índices ficou tão escandalosa,
que alguns membros do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979)
tiveram que falar em “aperfeiçoamento do cálculo das taxas de
reajustamentos salariais, em benefício dos trabalhadores”. Como não
podiam reconhecer publicamente a manipulação dos índices que serviam
de base para o cálculo das taxas de reajustamento salarial, passaram a dizer
que “a nova sistemática de cálculo”, adotada por esse governo em 1974,
tinha por fim “evitar os efeitos corrosivos de uma repentina e imprevista
aceleração do processo inflacionário”.85 Tudo isso para minimizar o
impacto político da revelação pública de que o governo do general Emílio
Garrastazu Médici (1969-1974) havia manipulado os índices, de modo a
aumentar a taxa e a massa de “poupança forçada” que a ditadura estava
ajudando o capital monopolista a realizar. Assim, além da política de
arrocho salarial, do planejamento governamental e da violência, o aparelho
estatal lançou mão também da manipulação das estatísticas, para favorecer
o grande capital, ou aumentar a exploração da classe operária. Foi
principalmente a propósito da “validade dos índices oficiais da inflação
brasileira para 1973” que o escândalo da manipulação das estatísticas veio
a público.
Em sua edição de domingo, 31 de agosto de 1977, o diário
Folha de São Paulo, publica [...] as extensas conclusões de um
relatório secreto do Banco Mundial, Bird, sobre a política
econômica do governo brasileiro [...]. Os editores chamaram a
atenção para duas escondidas e curtas notas de explicação de
tabelas numéricas, que questionavam explicitamente a validade dos
índices oficiais da inflação brasileira para 1973. De acordo com o
Banco Mundial, a variação nos preços internos e nos preços por
atacado, naquele ano, foi igual a 22,5%, bem acima das variações
divulgadas pelo governo 14,9% e 12,6%.
Tentando contestar a taxa de 22,5%, que considerou ‘arbitrária’
e ‘sem a menor importância do ponto de vista econômico’, o
Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Ibre-
FGV, órgão oficial de fixação dos índices do governo, faz
revelação ainda mais surpreendente: em virtude de ‘uma revisão
das contas nacionais’, a partir do mês de julho de 1977 a inflação
brasileira para o ano de 1973 passaria a ser, oficialmente, de 20,5%
e não de 15,5%. Era o reconhecimento público da manipulação das
estatísticas. Mas a coisa não parou por aí.
Vem à tona um documento confidencial, elaborado pelo ministro
Mário Henrique Simonsen, da Fazenda, no começo do governo
Geisel, que contém números muito mais decisivos; na verdade o
aumento global do índice de custo de vida, em 1973, subiu 26,6%,
quase o dobro dos cálculos das ‘idôneas’ instituições Ibre-FGV e
Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo,
cujos resultados foram, respectivamente, 13,7% e 14,4%.86
Sob vários aspectos, a política salarial dos governos militares foi o
principal instrumento da economia política da ditadura. O planejamento
econômico, o combate à inflação, a reversão de expectativas, a
modernização, a racionalização, essas e muitas outras palavras de ordem
(quanto à empresa capitalista, ao aparelho estatal e às relações de classes),
tudo isso teve por base uma ampla subordinação econômica e política da
classe operária e do campesinato. O desenvolvimento das forças produtivas
– e, portanto, da própria classe operária, na indústria e na agricultura – e
das relações de produção teve por base o aumento da exploração da classe
operária. A política previdenciária, a política sindical, a lei antigreve e a
política salarial fazem parte do mesmo processo de desenvolvimento da
acumulação capitalista, principalmente em forma monopolista, sob o
comando do imperialismo.
Assim, ao longo da ditadura, a despeito das modificações internas dessa,
o poder estatal foi levado a dinamizar a transformação da mais-valia
potencial em extraordinária. Isto é, a partir das forças produtivas
disponíveis e das relações de produção preexistentes, o Estado foi levado a
fazer crescer muito a produção de mais-valia. O planejamento econômico e
a violência, sob várias formas, transformaram-se em forças produtivas
complementares. Foi assim que a mais-valia potencial do subsistema
econômico brasileiro passou a realizar-se como uma espécie de mais-valia
extraordinária.
Esse processo adquiriu ainda maior importância devido ao óbvio
desenvolvimento simultâneo das próprias forças produtivas e relações de
produção preexistentes. Também a mais-valia extraordinária, propiciada
pelo planejamento econômico e a violência governamentais, passou a ser
um componente dinâmico no desenvolvimento das forças produtivas e
relações de produção. Estava em curso o desenvolvimento da economia
política do Estado fascista que se formou desde 1964.
Entretanto, ao mesmo tempo que se desenvolviam as forças produtivas e
as relações de produção, desenvolvia-se a classe operária, na cidade e no
campo. Desenvolveram-se também as contradições entre o proletariado e a
burguesia, colocando em questão a ditadura militar que recobria a ditadura
da burguesia.
6. A Repressão da Classe Operária
O peso da ditadura, enquanto expressão da economia política do capital
monopolista, atingiu a classe operária sob diversas formas. Houve tanto a
modificação arbitrária das condições de contrato de trabalho até a alteração
do significado econômico e político do sindicato; tanto a militarização da
fábrica como generalização da violência policial. Ao colocar-se como
instrumento e expressão do grande capital monopolista, a ditadura foi
levada a reorganizar as relações de produção, na indústria e na agricultura.
Foram muitos os operários que tiveram os seus direitos políticos
cassados, ou que passaram a ter grandes dificuldades para encontrar
emprego, devido ao fato de os seus nomes estarem incluídos nas “listas
negras” que as empresas passaram a organizar com a colaboração da
polícia. Houve ameaças, prisões, sequestros, mortes e desaparecimentos.
Em 1970, em São Paulo, o operário Olavo Hansen foi morto pela repressão
policial. Em 1976 e 1979, ainda em São Paulo, os operários Manoel Fiel
Filho e Santo Dias da Silva são mortos. Em 1979, em Belo Horizonte,
outro operário, Orocílio Martins Gonçalves, também é morto pela
repressão policial.
A violência começou logo cedo, nos piquetes formados em
diversas obras para impedir o trabalho. Um incidente com um
motorista de táxi, seguido de uma intervenção do Corpo de
Bombeiros, fez com que a violência se ampliasse. Depois houve a
morte do tratorista Orocílio Martins Gonçalves, atingido por um
tiro e pisoteado pelos operários que fugiam da polícia, e a violência
tornou-se incontrolável. O tratorista, ao mesmo tempo que era
pisoteado, recebia pancadas dos policiais, que finalmente o
levaram para o hospital, onde morreu antes de ser atendido.87
Para criar as condições políticas de aplicação da política de controle, ou
melhor, arrocho salarial, o governo carregou na repressão da classe
operária. Além de toda a repressão política, que atingiu os partidos
políticos, as lideranças políticas de base popular, a imprensa, o rádio, a
televisão, a escola e outras esferas da vida política e cultural, carregou na
repressão da vida política da classe operária.
Passou a atuar de modo insistente, sistemático e brutal contra toda
atividade política independente de cunho sindical. Além de intimidar,
cassar os direitos políticos, prender ou mesmo dar sumiço em líderes
operários e camponeses, passou a impedir qualquer tipo de greve e realizar
intervenções nos sindicatos. Foi assim que a doutrina de “segurança e
desenvolvimento” chegou, inúmeras vezes, ao cotidiano da classe operária,
nas fábricas, casas, sindicatos, ruas, campos e construções: desde a
militarização da disciplina das relações de produção na fábrica até as
intervenções nos sindicatos, federações e confederações.
Castello Branco: Na realidade, as entidades sindicais serão tanto
mais autônomas quanto mais se afastarem de atividades estranhas
aos seus precípuos objetivos [sic]. Infelizmente, nem sempre foi
assim entendido por interessados em desvirtuar os sindicatos,
transformando-os em instrumentos de corrupção e subversão. E
com a única e exclusiva finalidade de repô-los dentro dos moldes
legais, e mais convenientes aos trabalhadores, houve, em alguns
casos, a necessidade de intervir em entidades sindicais que, no
entanto, continuaram as suas atividades legítimas em defesa dos
interesses profissionais dos representados [...]. Não tenho dúvida
de que, esclarecidos como são os trabalhadores brasileiros, bem
sabem quanto lhes era prejudicial o clima de agitação criado
artificialmente para lhes dar falsa ideia de participação na vida
política do país. Esta, eles a deverão ter pelo voto, nas eleições
para a escolha dos dirigentes do país, nunca mediante a deturpação
da vida sindical.88
Costa e Silva: Ao tratar das questões relacionadas com a vida
sindical, o governo orientou-se no sentido de estruturar os
sindicatos em termos de absoluta independência e responsabilidade
no cumprimento dos seus fins específicos. Quando chamado a
neles intervir, nos termos da lei, o fez quase sempre com vistas a
proporcionar-lhes condições para atuar como autênticos órgãos de
classe, eliminando fatores de perturbação de seu funcionamento.
As interferências, porém, têm sido transitórias, e apenas pelo
mínimo essencial, cuidando-se por devolver a autonomia à
entidade o mais prontamente possível. Ressalte-se que o número de
sindicatos sob intervenção, que atingiu 425 no período posterior ao
movimento de março de 1964, reduzem-se a 42 em 31 de
dezembro de 1967, ou seja, menos de 1% das entidades sindicais
existentes no país, apontando-se ainda que não chegam a 10%
desse total as intervenções por motivos ideológicos. Objetivando a
plena normalização desse setor, ultima-se portaria reguladora das
eleições sindicais, com base inclusive em sugestões das várias
categorias profissionais e econômicas através de seus órgãos de
cúpula.89
Os dados relativos aos anos 1964-1970 mostram que, das 536
intervenções realizadas nesse período, a maioria, ou seja, 436, ocorreu em
1964-1965. Tratava-se de dar continuidade e generalizar o processo de
repressão política e policial iniciado com o golpe. A principal alegação dos
governantes ia na linha instituída pela ideologia e prática da doutrina de
“segurança e desenvolvimento”. Em 308 intervenções realizadas em 1964-
1965, foram 252 as que tiveram o motivo “subversão” como alegação
governamental; e 45 foram justificadas como casos de “corrupção”.
No primeiro período as intervenções são efetuadas
paralelamente a medidas de cunho repressivo policial-militar, com
o objetivo de afastar as entidades sindicais de atividades políticas,
ou político-partidárias [...].
Assim sendo, o governo restringe o conceito de participação
política e desautoriza qualquer intenção de representatividade
política e ideológica das entidades sindicais, transferindo para o
trabalhador individualmente a participação através do mecanismo
formal de participação política, isto é, o voto. As intervenções
tomam, então, um caráter de punição, assumindo uma função
“corretiva” em relação às atividades políticas desenvolvidas
anteriormente pelas entidades sindicais. No entanto, se apresentam
também como “efeito-demonstração” e, nesse sentido, seu reflexo
é mais amplo, estendendo-se a entidades não atingidas
diretamente.90
Convém observar, ainda, que as intervenções significavam uma
automática cassação dos direitos políticos dos operários que se achassem
nas diretorias das entidades na ocasião. Com base no Art. 530 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no Decreto-Lei n. 925, de 10
de outubro de 1969, tornavam-se automaticamente inelegíveis, para cargos
de entidades sindicais, “os que tenham sido destituídos de cargo
administrativo ou de representação sindical”. Em outros termos, a
repressão foi utilizada para submeter política e economicamente a classe
operária.
A repressão da classe operária compreendeu desde a política salarial,
definida e imposta segundo os interesses da burguesia, até a repressão
policial, desde a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) até a lei antigreve. Há toda uma sistemática da repressão da classe
operária que se vai desenvolvendo e recriando, à medida que se põem em
prática as mais diversas, heterogêneas e até mesmo contraditórias medidas
econômicas, políticas, jurídicas, policiais ou outras. Foi assim que se
colocou em prática a economia política conveniente ao capital
monopolista. Nesse quadro de relações de expropriação, a lei destinada a
regular o direito de greve, que se tornou conhecida como lei antigreve,
ganhou um significado especial. A Lei n. 4.330, de 1º de junho de 1964;
que passou a regular o direito de greve, tornou esse direito da classe
operária praticamente impossível de ser exercido. Foram tantas e tais as
exigências estabelecidas para que o operário pudesse entrar em greve que
na prática se tornou proibida. “Burocratizando ao extremo o processo de
deflagração de uma greve, tornou-a quase impossível”.91 A ditadura
buscou burocratizar ao máximo as condições de organização e atuação do
sindicato operário, em especial as exigências que precisariam ser atendidas
para a deflagração de greve. Mais uma vez, burocratizar passava a ser uma
técnica de dominação política. Algumas garantias conferidas aos grevistas,
enquanto em greve deflagrada em condições legais, não eliminavam as
complexas exigências para que uma greve pudesse ser realizada. Os
governantes procuravam reduzir a atividade sindical ao economicismo
tolerado pela ditadura, bloqueando toda e qualquer tentativa de os próprios
operários aparecerem como classe política diante da burguesia. É verdade
que a lei estabeleceu, por exemplo, que os membros das diretorias dos
sindicatos de operários em greve “não poderiam ser presos nem detidos”,
desde que a greve fosse legal.
Santos: Em compensação, porém, a legislação vigorante
estabeleceu duas restrições básicas, que praticamente
impossibilitam a greve: a primeira é que o exercício da greve só
pode ser deliberado por entidade sindical. No Decreto-Lei 9.070, a
deliberação poderia ser tomada ‘pela totalidade ou maioria dos
trabalhadores de uma ou de várias empresas’ (art. 2º, § 1º), sem
necessidade de recorrer necessariamente à entidade sindical. É
evidente que, se um grupo natural interessado na greve está com
seus membros interligados pelos interesses comuns que têm dentro
de determinada empresa, tal condição não atinge necessariamente a
toda a categoria profissional; os membros associados de
determinado sindicato não têm para com problemas específicos de
determinado grupo engajado em certa empresa a mesma
sensibilidade que os participantes deste último alimentam. Ora, a
Lei 4.330 exige que 2/3 dos associados presentes da entidade
sindical, ou 1/3 em segunda convocação, aprovem a decretação de
greve, para que a deliberação seja considerada legal – exigindo
ainda, adicionalmente, que o quorum de votação ‘será 1/8 dos
associados em segunda convocação, nas entidades sindicais que
representem mais de 5 mil profissionais da respectiva categoria’ (§
3º do art. 5º).
Tais requisitos cumulativos dificultam enormemente o exercício
da greve pelos trabalhadores de determinada empresa ou grupo de
empresas, fazendo-o depender da eficiência, prontidão e boa
vontade de lideranças sindicais – por um lado – e da deliberação
coletiva de trabalhadores estranhos aos problemas diretos dos
interessados, por outro lado.92
Souza Martins: Apesar de a lei estabelecer algumas garantias
aos grevistas, ela deixa bem claro que seus direitos serão
assegurados enquanto se mantiverem dentro da ordem, sem a
prática de ‘atos de violência’. Da mesma forma, são consideradas
ilegais as greves que não obedecerem aos prazos e exigências
estabelecidas, bem como tiverem por objeto reivindicações
julgadas improcedentes pela Justiça do Trabalho ou tiverem
‘motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de apoio ou
solidariedade, sem quaisquer reivindicações que interessem direta
e legitimamente à categoria profissional’. Portanto, pela lei, só é
permitida a greve por motivos econômicos [...].
– ‘Essa lei é um abacaxi. É do direito de não fazer greve para os
que a seguirem. A lei que mais prejudica o sindicalismo é não
poder fazer greve, pois isto tira muito a força do sindicato’ (Y).
– ‘Dá direito a greve, mas ninguém pode fazer greve. Dá o
direito, mas ao mesmo tempo não podemos fazer a greve’ (D).93
Assim, por meio da repressão policial e de um aparato jurídico
discricionário, a ditadura procurou impedir que os trabalhadores da cidade
e do campo, principalmente o proletariado, lutassem por reivindicações
econômicas e políticas que correspondessem à defesa dos seus interesses.
Nem por isso, no entanto, os operários deixaram de protestar e
reivindicar, mesmo durante os anos da repressão mais brutal. Fizeram, por
exemplo, as greves de Osasco, na área da grande São Paulo, e Contagem,
na grande Belo Horizonte, em 1968. Em seguida, fizeram numerosas
greves brancas, realizando paradas, freagens ou amarrando a produção. Em
1978, 1979 e 1980 houve greves de amplas proporções na área do ABCD,
da grande São Paulo. Nesses mesmos anos cresceram os indícios e as
manifestações abertas de descontentamento e revolta contra a política
operária da ditadura. A superexploração das classes assalariadas, em
especial do proletariado, ao mesmo tempo que se desenvolviam as relações
capitalistas de produção, provocaram uma espécie de repolitização dessas
categorias de trabalhadores. Desenvolveram-se também as forças
produtivas, em particular o proletariado. Tanto que as reivindicações se
tornaram cada vez mais numerosas e generalizadas. Em 1978, era tão forte
o movimento aberto e velado de protesto contra a ditadura do capital que o
governo foi levado a baixar mais uma lei antigreve.
São de interesse da segurança nacional, dentre as atividades
essenciais em que a greve é proibida pela Constituição, as relativas
a serviços de água e esgoto, energia elétrica, petróleo, gás e outros
combustíveis, bancos, transportes, comunicações, carga e descarga,
hospitais, ambulatórios, maternidades, farmácias e drogarias, bem
assim as de indústrias definidas por decreto do presidente da
República
– Compreende-se na definição deste artigo a produção, a
distribuição e a comercialização.
– Consideram-se igualmente essenciais e de interesse da
segurança nacional os serviços públicos federais, estaduais e
municipais, de execução direta, indireta, delegada ou concedida,
inclusive os do Distrito Federal.94
Em agosto de 1979, em Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, Porto
Alegre e outras cidades, cresciam e multiplicavam-se os movimentos
reivindicatórios de operários, empregados e funcionários. Em Porto Alegre,
tropas de choque e de operações especiais foram movimentadas contra
operários da construção civil em greve. “Houve uma verdadeira ‘carga de
cavalaria’ e as pessoas que caíam eram pisoteadas pelos animais ou
chutadas pelos soldados.” Em Brasília, uma greve de 18 mil trabalhadores
da construção civil “tumultuou” a cidade, sendo que 80 grevistas foram
presos.95 Em Belo Horizonte, com o recrudescimento dos movimentos
grevistas de operários, empregados e funcionários, “o governador
Francelino Pereira adotou um único remédio: a violência policial”.96
Apesar das leis antigreve, multiplicam-se as greves; apesar das promessas
de “distensão”, ou “abertura” política, multiplicam-se os atos de repressão
policial. Em abril e maio de 1980, em face da greve dos metalúrgicos, o
governo fez as tropas ocuparem São Bernardo do Campo, na área da
grande São Paulo.
Sob várias e muitas formas, o peso da ditadura, enquanto instrumento e
expressão do capital monopolista, atingiu principalmente a classe operária.
Em geral, tratava-se de criar todas as condições econômicas e políticas
possíveis para favorecer a concentração e a centralização do capital.
Para agilizar ao máximo o ciclo reprodutivo do capital, a burguesia
dominante levou os governantes e os seus funcionários a fazerem com que
o Estado atuasse no sentido de desenvolver as forças produtivas e as
relações de produção. Tratava-se de dinamizar a reprodução do capital. As
políticas salarial e sindical, da mesma maneira que o planejamento estatal,
as políticas de incentivos, favores e isenções creditícias, fiscais e
aduaneiras, para a indústria, a agricultura, a pecuária, a agroindústria, o
comércio exterior e outras atividades, todo esse conjunto de atuações do
poder estatal dinamizou a reprodução do capital monopolista, ao mesmo
tempo que provocava a dinamização das forças produtivas e das relações
de produção. A doutrina de “segurança e desenvolvimento” que
compreendia tanto a repressão política como a superexploração da força de
trabalho, compreendia também a retórica da modernização ou
racionalização. Tudo isso favorecendo ao máximo a agilização do ciclo
reprodutivo do capital.
A burguesia dominante levou os governantes a adotarem medidas
econômicas e políticas destinadas a agilizar ao máximo os movimentos do
capital empregado em força de trabalho, o capital variável. Para elevar a
lucratividade do capital aplicado em força de trabalho, precisamente a
força produtiva que cria valor, gera a mais-valia, valoriza o capital, a
burguesia exigiu que a ditadura acabasse com a estabilidade do operário no
emprego. Até 1966, o operário tinha direito a certa estabilidade, já que o
empresário era obrigado a pagar-lhe um salário de indenização para cada
ano de duração do contrato de trabalho. Isso significava que, ao completar
nove anos na mesma empresa, o operário receberia uma indenização
equivalente a nove vezes o seu último salário, na hipótese de ser despedido.
E passaria a receber o dobro, ou seja, dois salários para cada ano, no caso
de trabalhar 10 anos ou mais na mesma empresa. Isso significaria receber
30 salários de indenização, no caso de que fosse despedido ao completar 15
anos de contrato na mesma empresa. A burguesia aproveitou a ditadura
para acabar com essa estabilidade do operário no emprego. Levou os
governantes a adotarem uma política destinada a agilizar ao máximo o
capital variável, deixando de lado o ponto de vista, a reivindicação ou o
interesse do operário.
O governo do marechal Humberto de Alencar Castello Branco criou o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), conforme a Lei n. 5.107,
de 13 de setembro de 1966. De acordo com essa lei, e a legislação
subsequente, esse “fundo unificado de reservas” foi posto sob a
administração do Banco Nacional da Habitação (BNH). Naturalmente,
foram preservados os direitos dos trabalhadores que se encontravam
empregados na ocasião da entrada em vigência da nova legislação. Mas
abria-se a possibilidade de que optassem pela nova fórmula. Em todo caso,
o empregado que fosse contratado a partir da vigência da nova lei era
obrigado a ajustar-se às suas determinações.
A constituição do FGTS é feita em caráter permanente e
obrigatório, através de recolhimentos mensais pelos empregadores,
à razão de 8% das remunerações pagas aos seus empregados junto
à rede bancária credenciada pelo BNH. Tais recolhimentos são
feitos com identificação dos correspondentes empregados.
Tratando-se de empregados “optantes”, os recursos são depositados
em seus respectivos nomes. Tratando-se de empregados “não
optantes”, os recursos são depositados em nome da firma
empregadora, mantendo-se a identificação dos empregados e suas
respectivas parcelas.
Na primeira categoria de empregados reúnem-se aqueles que
optaram, conforme permite a nova lei, pela propriedade dos
recursos acumulados em seus nomes junto ao FGTS. Nesse caso,
suas eventuais “indenizações” são dadas pelos correspondentes
saldos de suas contas. Na outra categoria agrupam-se aqueles que
preferem proteger-se pelos tradicionais dispositivos de indenização
e estabilidade. Em decorrência, os respectivos recursos acumulados
junto ao Fundo passam a ser de propriedade de seus empregadores,
que os utilizarão para a cobertura total ou parcial das
correspondentes e eventuais indenizações.97
A Lei n. 5.107 define os seguintes casos em que tais recursos
(recolhimentos acrescidos dos juros e correção monetária,
creditados pelo BNH) podem ser utilizados pelos empregados
optantes: a) ocorrência de dispensa sem justa causa (situação em
que o empregador pagará também uma multa calculada em 10% do
montante acumulado junto ao FGTS durante sua permanência na
empresa) ou por culpa recíproca (situação em que a multa paga
pelo empregador é calculada em 5% daquele montante); b) rescisão
de contrato de trabalho devido ao fechamento total ou parcial da
empresa, ou de suas atividades; c) término de contrato estabelecido
por prazo determinado; d) ocorrência de sua aposentadoria; e) no
caso de falecimento, os recursos poderão ser sacados por seus
dependentes.98
Em primeiro lugar, criou condições para que o capital variável
(empregado na aquisição de força de trabalho) fosse invertido sempre de
forma produtiva. Ao facilitar ao máximo a dispensa do operário, o FGTS
estava favorecendo a máxima agilização do capital variável. Foi assim que
cresceram a rotatividade da mão de obra e o desemprego. Ao mesmo
tempo, devido à maior rotatividade e ao desemprego persistente de uma
parcela dos trabalhadores, o empresário passou a desfrutar de melhores
condições para economizar nos investimentos em capital variável. Um
exemplo:
Caldeireiro especializado, 34 anos, casado, Antônio Pires da
Silva perdeu o emprego numa poderosa indústria do ABC paulista.
Ganhava Cr$ 62,00 por hora. Obrigado a sustentar a família, partiu
para a ‘via sacra’ de empresa em empresa à procura de trabalho.
Fez um teste, foi aprovado. Mas agora ganha apenas Cr$ 49,00 por
hora.
Na mesma situação de Pires da Silva estão milhares de
trabalhadores brasileiros atingidos pela política da mão de obra,
uma forma de achatar os custos da folha de pagamentos. Emprega-
se outro trabalhador nas mesmas funções por um salário mais
baixo.99
Desse modo, a burguesia passou a jogar, mais livre e abertamente, com o
exército industrial de trabalhadores de reserva. O aumento da velocidade e
do volume da rotatividade favoreceram as condições de barganha da
burguesia na compra de força de trabalho.
Em segundo lugar, os recursos do fundo unificado de reservas, sob a
administração do BNH, passaram a só ser utilizados para a realização de
empreendimentos imobiliários altamente lucrativos para certos setores da
burguesia.
A um regime jurídico de amplo alcance social aliou-se um
mecanismo de poupança compulsória, capaz de canalizar recursos
para o desenvolvimento de um programa habitacional que, por sua
vez, gera grande número de novos empregos, influenciando, assim,
ponderavelmente, na economia do país.100
A soma desses recursos constituiria, assim, um fundo de
investimentos que, sendo aplicado na produção de habitações,
propiciaria o desenvolvimento, não só da área econômica da
construção civil, bem como da indústria de materiais de construção
e das diversas atividades acessórias e afins, gerando,
consequentemente, maior número de empregos, com repercussão
em toda a economia da nação.101
A brutalidade da repressão e o vulto da exploração da força de trabalho
operária, conjugados com o desenvolvimento das relações capitalistas de
produção e das forças produtivas, o conjunto das condições de produção
sob as quais foi posta a classe operária, tudo isso provocou também a
repolitização dessa classe. Tanto assim que os operários caminharam para
novas formas de organização política; ou recriaram formas de organização
e atuação disponíveis, guardadas pela própria classe. Desenvolveram ou
reavivaram técnicas de comunicação, informação, organização, decisão e
atuação. A comissão de fábrica, por exemplo, adquiriu um significado
muito importante, como produto e condição do desenvolvimento político
do operário. Em face do sindicato pelego, altamente desmoralizado pela
ditadura, o operário buscou outras formas de organizar a sua atividade
política. Simultaneamente, realizou a greve branca, amarrando a produção,
realizando paradas, já que estava proibido de fazer greve
Ao longo desses anos, desde 1964, cresceu muito a distância entre o
Estado e a classe operária. A forma pela qual o poder estatal foi posto a
serviço do capital monopolista fez com que o operário se sentisse
dominado por um Estado que se lhe aparecia como totalmente estranho,
estranhado, oposto, imposto, dominante, repressivo, opressivo. Um
processo que é inerente à sociedade burguesa, no qual o Estado é bastante,
ou muito, controlado pelos interesses da burguesia dominante, sob a
ditadura adquire um caráter ainda mais acentuado, sem mediações.
Eu, no meu pensar, acho que a nação somos nós, né? Que tem os
três poderes, né, primeiro tem os três poderes, depois dos três
poderes tem a nação. A nação eu acho que seja nós, eu no meu
pensar seja assim, entendeu? Eu acho que a nação seja a gente,
agora tem o três poderes que é o Exército, a Aeronáutica e a
Marinha, né, são os três poderes, né isso? Bom, então agora a
nação acho que é nós, no meu pensar.... (Carlos, carpinteiro).102
7. Mais-Valia Extraordinária
A ditadura militar foi levada a criar condições jurídico-políticas e
econômicas sob as quais a burguesia conseguiu aumentar a taxa e a massa
de mais-valia. Criou as condições sob as quais a mais-valia potencial, que
o subsistema econômico brasileiro poderia produzir, se realizasse na mais-
valia extraordinária, que a burguesia passou a acumular. Nesse sentido é
que se pode entender melhor o significado da pauperização relativa e
absoluta que ocorreu em escala acentuada desde 1964. É óbvio que antes
do golpe de Estado já ocorriam tanto a pauperização relativa, em forma
permanente, quanto a pauperização absoluta, em ocasiões de crise. Ao
longo das décadas, a classe operária em formação e desenvolvimento sofre
uma continuada pauperização relativa, no sentido de que empobrece cada
vez mais, em comparação com as outras classes sociais, principalmente a
burguesia. Ao lado desse processo, desenvolve-se também a pauperização
absoluta, nas ocasiões de crise, ou de governos ditatoriais, quando a
burguesia transforma a repressão política, o planejamento governamental, a
política salarial, a política sindical e outras atuações do poder estatal em
técnicas de controle, subordinação e superexploração das classes
assalariadas, em particular do proletariado e do campesinato. Depois de
1964, desenvolveram-se tanto a pauperização relativa como a absoluta, de
tal forma que a burguesia monopolista, nacional e estrangeira, pôde realizar
uma espécie de mais-valia extraordinária. Na medida em que a ditadura
reprimiu política e economicamente a classe operária, as taxas de
expropriação cresceram. Foi esse o fundamento do “milagre brasileiro”, do
“milagre econômico” que a indústria cultural do imperialismo passou a
decantar no Brasil e em âmbito internacional.
Vejamos alguns dados sobre o empobrecimento relativo e absoluto da
classe operária. É aí que se revela o principal elemento da economia
política da ditadura. Ao desenvolver as relações de produção e as forças
produtivas, provocou-se tanto uma exploração mais intensa da força de
trabalho como o desenvolvimento da classe operária. A superexploração do
proletariado, que é o fundamento dessa economia política, também provoca
uma rápida e generalizada repolitização da classe operária. Mas vamos por
partes. Vejamos como se configura o empobrecimento dos operários.
Desde 1964, decresceu o salário real da maioria das categorias de
assalariados, salvo dos tecnocratas de níveis médio e alto, nos setores
público e privado. Eles obtiveram alguma contrapartida, em termos de
salários, pela sua colaboração com o bloco de poder. Além disso, a
população representada pelos tecnocratas, e alguns outros setores médios
privilegiados, foi escolhida como o mercado interno privilegiado para a
indústria de bens de consumo duráveis: automóveis, televisores,
eletrodomésticos etc. Mas a grande maioria dos trabalhadores assalariados,
na indústria, comércio, bancos, agricultura e outros setores, teve os seus
salários reais estagnados ou rebaixados. Ao observar os “dados sobre a
evolução dos salários de categorias de trabalhadores em todo o Brasil”,
desde os metalúrgicos e petroleiros aos bancários e comerciários, “a
primeira constatação que se pode fazer é a de que houve uma perda
acentuada do poder de compra dos salários, para o conjunto das
categorias”.103
Esse processo de esvaziamento do salário real dos trabalhadores
continuou, com altos e baixos, ao longo dos anos. Sob a alegação de que se
tratava de controlar a inflação – pretexto esse reavivado em 1973, com a
recrudescência da inflação, inclusive importada dos países imperialistas –,
os governantes brasileiros julgaram muito fácil voltar à retórica de que a
elevação salarial provoca inflação. Nos anos 1964-1968, justificavam o
arrocho salarial com base no argumento de que a inflação precisava ser
combatida também com uma política salarial.
Em 1969-1973 o arrocho foi justificado sob a alegação de que se tratava
de construir o “Brasil Potência”. Dizia-se que era necessário fazer “crescer
o bolo” ao máximo, e só depois ver como seria conveniente “dividi-lo”.
Nos anos de 1974 em diante os governantes retomaram o argumento de que
era necessário combater a crescente inflação, inclusive (ou
principalmente?) por intermédio da política salarial. Foi assim que cresceu
sempre, apesar de algumas flutuações intermediárias, a superexploração
dos trabalhadores.
Estava em curso um processo de pauperização absoluta, além da
pauperização relativa continuada, persistente desde antes do golpe de
Estado. Durante os anos dos governos militares, desenvolveu-se a
pauperização absoluta, isto é, o empobrecimento do operário em face dos
índices dos seus ganhos em períodos anteriores. Ao mesmo tempo que
cresceram a concentração e a centralização do capital monopolista, em
altíssimas proporções, tanto decresceu o nível de ganhos do operário, em
comparação com todas as outras classes sociais, como decresceu o salário
real do operário com relação a seus ganhos anteriores.
A superexploração da classe operária surge no cotidiano da vida do
trabalhador em termos de escassez, ou precariedade, de recursos para
alimentação, vestuário, habitação, saúde, educação, transporte e outros
elementos que entram na composição das condições sociais de existência
da classe. Ao lado do excesso de trabalho, e da baixa remuneração, surgem
o cansaço, o esgotamento de energias, a doença. Na base de tudo, no
entanto, na base das condições de existência da classe operária, estão a
jornada de trabalho muito intensa ou muito extensa. Com frequência, a
jornada de trabalho é simultaneamente extensa e intensa. Os artifícios da
hora extra, do contrato por tarefa ou empreita, e outras modalidades de
superexploração da força de trabalho operária, fazem parte intrínseca das
condições de produção sob as quais a classe operária vive cotidianamente.
Desde 1964, essas condições se tornaram ainda mais duras, devido à
política salarial, que foi orientada de forma a propiciar a produção de uma
taxa extraordinária de mais-valia. Por isso é que os operários foram
obrigados a trabalhar mais, muito mais, para obter a mesma quantidade de
alimentos. Os dados do quadro 5 dão uma ideia da forma pela qual a
intensidade e a extensão da jornada de trabalho foram desenvolvidas sob os
governos militares. Aí também se configura o caráter fascista da ditadura.
A política salarial da ditadura – que estava na base da sua economia
política –, ao mesmo tempo que propiciava à burguesia a obtenção de uma
taxa extraordinária de mais-valia, também provocava a pauperização
absoluta da classe operária, ou de setores dessa classe. Era tão elevada a
taxa de expropriação do produto da força de trabalho operária que cresceu
a incidência de doenças nessa classe. O seu empobrecimento acabou por
ser registrado até mesmo pelas estatísticas produzidas por órgãos de
pesquisa do próprio aparelho estatal. Uma indicação objetiva da
pauperização absoluta de setores operários aparece nos dados sobre a
elevação da mortalidade infantil desde 1961, no município de São Paulo.
Em 1950, o coeficiente de mortalidade era 89,71; em 1961, chegava a
60,21, alcançando 89,46 em 1970.104
A forma pela qual o Estado favoreceu a acumulação monopolista
acarretou tanto o desenvolvimento das forças produtivas e relações de
produção quanto a crescente subordinação real do trabalho ao capital.
Desenvolveram-se as condições de produção em larga escala de tal maneira
que o operário se tornou ainda mais subordinado ao capital. O despotismo
da burguesia, que aparecia sob a forma de ditadura militar fascista, no
âmbito da sociedade, aparecia sob a forma de ditadura do capital sobre o
trabalho, no âmbito da fábrica. Assim, ao lado da pauperização relativa,
que é inerente e persistente ao longo das décadas, desenvolveu-se a
pauperização absoluta nos anos da ditadura. Sob a alegação de que se
tratava de combater a inflação, retomar o desenvolvimento, lançar o Brasil
no patamar de potência mundial, primeiro crescer para depois distribuir, e
outras formulações dos tecnocratas civis e militares, o despotismo da
burguesia sobre a classe operária acrescentou uma época de pauperização
absoluta à história da pauperização relativa que atravessa a vida e as
gerações da classe operária.
Para a burguesia, a contrapartida da superexploração da força de trabalho
operária foi o “aumento da produtividade”, a transformação da mais-valia
potencial em mais-valia extraordinária. Para a classe operária, a
contrapartida da superexploração da sua força de trabalho foi a redução do
salário real, a intensificação da velocidade das máquinas, a necessidade
crescente de trabalhar horas extras para fazer face à queda do salário real, a
militarização da fábrica, a intervenção governamental nos sindicatos, a
censura, a repressão policial generalizada. Tudo isso configura o caráter
fascista da ditadura burguesa subjacente à ditadura militar. Nessas
condições, a classe operária foi forçada a aumentar a produção de mais-
valia absoluta e relativa, ou a transformar em mais-valia extraordinária as
potencialidades das forças produtivas disponíveis. A crescente
dinamização, “modernização” ou “racionalização” das relações de
produção, sob ampla proteção do poder estatal, favoreceu largamente a
acumulação monopolista.
1973: Respondendo por escrito a um questionário de opinião, a
Volks reconheceu que a produtividade dos seus operários tem
crescido de ano para ano – a produção de veículos por empregado
pulou de 10,4 por ano em 1971 para 12 em 1972 e para cerca de 14
este ano –, atribuindo tal resultado à ‘racionalização dos processos
produtivos através de remanejamento das linhas de montagem e
equipamentos e à qualidade do operário brasileiro’, que, em
comparação com o alemão seria, segundo a empresa, ‘melhor, mais
dedicado, falta menos, cumpridor de horários e de suas obrigações’
e, acima de tudo, ‘seria mais versátil e capaz de adaptar-se com
maior facilidade e rapidez às diversas tarefas no trabalho’. Negou
assim que o aumento da produtividade tenha sido obtido através de
trabalho extraordinário. (O Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo afirma que as horas extras trabalhadas na Volks somam
cerca de 300 mil por mês.
Apesar de negado pela Volkswagen, sabe-se que o recurso do
trabalho extraordinário – isto é, além das 48 horas semanais
normais: oito por dia, de segunda a sábado – tem sido largamente
utilizado para suprir a falta de empregados no setor metalúrgico e
em quase todos os outros.
‘De maneira geral, hoje na capital de São Paulo os operários
estão trabalhando 12 horas por dia’, diz Joaquim dos Santos
Andrade, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
Para Joaquim, o aumento da produtividade foi alcançado através
do recurso às horas extras e à alteração do ritmo de trabalho, ou
seja, a produção por empregado aumenta porque cada um deles
trabalha mais horas e porque durante o período em que trabalha é
levado, através de programas e técnicas, a produzir, mais
rapidamente, mais peças no mesmo espaço de tempo [...].
Joaquim diz que 97% das indústrias metalúrgicas de São Paulo
adotam atualmente o seguinte regime de trabalho: nos dias de
semana, os operários cumprem oito horas normais, mais duas horas
extras (o máximo permitido por dia pela lei) e mais uma hora e 36
minutos para compensar o sábado; no sábado, porém, trabalham-se
oito horas em regime extraordinário, já que a jornada normal foi
cumprida durante a semana. Além disso, segundo Joaquim, os
empregados não saem realmente de férias: apenas tiram suas férias
legalmente, mas continuam trabalhando na empresa e recebem um
salário a mais, como gratificação [...].
A alteração de ritmo referida por Joaquim vem a ser o
estabelecimento de padrões mais elevados para a produção de cada
operário e na esmagadora maioria dos casos a supressão de
pequenos intervalos de descanso, de lanche e cafezinho, e de
incursão aos sanitários. ‘Aumentamos a velocidade das máquinas’,
respondeu um alto dirigente da indústria automobilística brasileira,
quando lhe perguntaram como havia conseguido elevar a produção
muito além do aumento do número de empregados e da aquisição
de novas máquinas.105
1978: O organograma e o fluxograma de cada fábrica são
montados para que o operário não tenha a menor chance de ‘se
distrair da produção’, objetivo máximo. Assim, o sistema
hierárquico é absolutamente vertical, com diretores, gerentes de
seções, chefes, subchefes, oficiais, meio-oficiais e ajudantes gerais
chefes. E embaixo de tudo: os operários. ‘É que nem um exército’,
explica um funcionário da Caterpillar, recentemente demitido. ‘As
seções são subordinadas às divisões, que por sua vez são
subordinadas aos departamentos. Os chefes querem também que
cada operário seja o dedo-duro do outro. Chegam pra um e
fofocam do outro. Tem muitos chefes e gerentes que se preocupam
é com isso: ter um operário meio ignorante no meio dos outros que
dede tudo: quem vai muito no banheiro, quem fala, quem mexe
com sindicato, tudo.’
Numa fábrica grande como a Volkswagen, onde trabalham 40
mil operários, os métodos de repressão e coação são realmente
sofisticados. Cerca de 150 guardas fardados, armados, circulam
constantemente, comandados por um coronel do Exército, cel.
Rudge, grande amigo do cel. Erasmo Dias, a quem elogia
constantemente. Um circuito interno de TV controla todas as áreas
e seções da fábrica, inclusive o movimento nas ruas externas. Se
surge algum problema, os operários são detidos pela segurança e
conduzidos à ‘delegacia’, onde prestam depoimentos a dois
‘agentes’. A ‘segurança industrial’ ou ‘os home’, como os chamam
os operários, está instalada num conjunto de 8 salas, abaixo da
seção de pintura, no coração da fábrica.
Na Fiat, outra das grandes empresas automobilísticas, é hábito
entregar na delegacia de polícia operários que se desentendem com
chefes ou criam algum atrito com agentes de segurança. Neste ano
ocorreram quatro casos, e alguns chegaram a ficar detidos mais de
24 horas, apenas por terem se desentendido com os chefes.
Na manhã do dia 11 de dezembro havia duas viaturas do
Exército dentro do pátio da Telefunken, em São Paulo, e nenhuma
pessoa estranha podia entrar no pátio, muito menos jornalistas.
A Telefunken’, diz um operário, ‘utiliza métodos nazistas’. Mas
os grandes instantes da repressão acontecem quando há greves ou
ameaças de parada de trabalho. Logo após as greves, os chefes da
Caterpillar procuraram os membros da comissão de fábrica e
disseram: ‘O Ministério do Trabalho já veio aqui, o Dops já se
colocou à disposição, e os seus nomes já estão prontos pra serem
mandados ao SNI. É bom vocês ficarem quietos e trabalharem,
senão as coisas vão engrossar.’106
Foi assim que cresceu a “produtividade” das empresas imperialistas,
privadas nacionais e estatais. Entretanto, os reajustes salariais determinados
pelos governantes não transferiam para os próprios operários sequer parte
do aumento da produtividade. Em 1970-1972, por exemplo, as empresas do
setor automobilístico obtiveram índices de até 75% de aumento na
produtividade. “Contudo, no cálculo dos reajustes salariais para a categoria
metalúrgica, nos dois anos considerados [...], o índice de produtividade
nacional decretada pelo governo permaneceu constante e na casa dos
3,5%”.107
Ao mesmo tempo que cresciam a “produtividade da empresa” e o índice
do produto real per capita, decrescia o índice do salário-mínimo real
médio. Isto é, ao lado do empobrecimento relativo, comparando-se os
ganhos do operário com os das outras categorias sociais, ocorria também o
empobrecimento absoluto, no sentido de que os ganhos do operário se
tornavam menores na sequência dos anos. Em 1961, conforme os dados do
quadro 6, o índice de salário-mínimo chegava a 132, ao passo que em 1976
havia baixado para 92,45.
Toda essa superexploração da classe operária favoreceu amplamente o
capital monopolista organizado em empresas imperialistas, empresas
privadas nacionais e estatais. O próprio aparelho estatal enquanto máquina
de poder, enquanto “força concentrada e organizada da sociedade”
capitalista, aumentou muitíssimo a sua força, organização, instrumentos
etc., a partir dos recursos obtidos por intermédio da expropriação direta e
indireta do proletariado urbano e rural, além do campesinato. A ditadura
desenvolveu tanto a maquinaria do poder quanto a vasta tecnocracia, civil e
militar desse poder. Em geral, foi o capital monopolista, principalmente
imperialista, que se beneficiou dessa ampla e profunda articulação do
Estado com o capital.

Os dados relativos a 1972 mostram como as empresas multinacionais,


isto é, imperialistas, beneficiaram-se bastante da política governamental em
favor da “modernização”, “racionalização”, “reversão de expectativas” ou
“produtividade”. É verdade que a empresa estrangeira paga salários um
pouco mais altos que as nacionais, ou seja, 12,75 e 9,59 respectivamente.
Mas os ganhos de produtividade passam de 34,76, para as nacionais, a
53,41 para as estrangeiras.108
Desde que se instalou, o Estado ditatorial agravou as condições de
pauperização da classe operária. A forma pela qual provocou e promoveu a
reorganização e o desenvolvimento das forças produtivas e relações de
produção permitiu que se acentuassem a pauperização relativa do conjunto
da classe operária e a pauperização absoluta de amplos setores dessa classe.
A política econômica governamental, cujo principal instrumento foi o
arrocho salarial, provocou o aumento da exploração da força de trabalho,
sob todas as formas. Foi principalmente o trabalho produtivo do operário
da indústria e da agricultura que sofreu o maior impacto dessa política
econômica. Sob condições ditatoriais, as relações de produção e as forças
produtivas foram reorganizadas e submetidas de modo a produzir o
máximo. Cresceu a produção de mais-valia absoluta e relativa. À taxa
regular de produção de mais-valia, que a classe operária era induzida a
conseguir sob as condições político-econômicas da democracia populista, o
aparelho estatal pôde agregar uma taxa extraordinária, já que a classe
operária foi amplamente submetida ao despotismo do capital, à repressão.
O planejamento e a violência estatais fizeram com que a classe operária
produzisse um volume muito maior de mais-valia do que estava
produzindo sob as condições políticas e econômicas da democracia
burguesa, de cunho populista, vigente antes de 1964.
Ao longo dos anos, os operários não puderam desenvolver a sua
atividade política regular, dentro e fora do sindicato. Uma lei antigreve foi
imposta a todos. As questões salariais passaram a ser decididas pelos
governantes e os seus tecnocratas, de modo a garantir os interesses da
burguesia. Os empresários e os seus auxiliares diretos “modernizaram” ou
“racionalizaram” a organização do trabalho na fábrica, ao tornar a
disciplina e a hierarquia mais rigorosas; ao intensificar o ritmo do trabalho,
pela aceleração das máquinas; e ao forçar os operários a trabalharem horas
extras. Desenvolveu-se a composição orgânica do capital.
Ao mesmo tempo, intensificou-se e generalizou-se a atuação da
“indústria cultural”, privada e estatal, de maneira a bombardear o conjunto
da sociedade, as classes assalariadas em geral e o proletariado em especial,
com as palavras de ordem: segurança e desenvolvimento, subversão e
corrupção, milagre econômico, milagre brasileiro, mar territorial de 200
milhas, Copa do Mundo de futebol, Transamazônica, Brasil Potência e
outras palavras de ordem de cunho fascista. Foi assim que se desenvolveu
ainda mais o despotismo do capital sobre o trabalho, da burguesia sobre a
classe operária. Foi assim que essa economia política acentuou e
generalizou ainda mais a exploração da classe operária, fazendo com que
passasse a produzir uma taxa extraordinária de mais-valia.
A forma pela qual o Estado favoreceu a superexploração da força de
trabalho operária pelo capital monopolista provocou a repolitização da
classe operária. A despeito da repressão, censura, intervenção em
sindicatos, prisões e até assassinatos de operários, durante todos esses anos,
desenvolveu-se a repolitização da classe operária, inclusive entre os grupos
que não estavam sentindo de modo mais direto a brutalidade dos
governantes. Além do caráter político do conjunto da política operária
(salarial, sindical e previdenciária), as condições de vida às quais os
trabalhadores foram submetidos impulsionaram a repolitização do conjunto
da classe operária, numa escala surpreendente para os governantes, seus
funcionários e a burguesia dominante. Ocorre que a superexploração da
classe operária, nesses anos, ocorreu no âmbito do desenvolvimento das
forças produtivas e relações de produção. A própria classe operária, como
força produtiva principal, desenvolveu-se bastante: cresceu em número e
diversificou-se qualitativamente; acentuou-se e generalizou-se ainda mais a
divisão do trabalho, no âmbito da fábrica, dos setores produtivos e do
conjunto da economia, principalmente indústria e agricultura, ampliou-se e
diversificou-se o mercado da força de trabalho, inclusive com o
desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no campo; cresceu a
movimentação local, estadual, regional e nacional de trabalhadores e seus
familiares. Tudo isso modificou as condições de vida. Tudo isso provocou
ou favoreceu a repolitização da classe operária. Foi assim, também, além
de outras condições, que a crescente repolitização da classe operária
surpreendeu os governantes, seus funcionários e a burguesia dominante.
8. A Proletarização no Campo
A política agrária governamental favoreceu o desenvolvimento das
relações de produção capitalistas em praticamente todas as regiões e
lugares da sociedade agrária. A agricultura, a pecuária e o extrativismo
passaram a articular-se, de forma mais ampla e profunda, com a indústria, a
cidade, a acumulação monopolista. Sob várias formas – e não apenas sob a
forma acabada e exclusiva de vendedor de força de trabalho –, o
trabalhador rural foi submetido ou rearticulado aos movimentos do capital
monopolista. O caboclo, sitiante, colono, morador, arrendatário, parceiro,
vaqueiro, peão, volante, corumba, clandestino, índio, mestiço, caiçara,
muitos, em distintas gradações, todos foram alcançados, envolvidos,
submetidos e rearticulados às condições de trabalho e vida determinados
pela acumulação capitalista.
O que acontece no campo, em escala particularmente ampla, é o
desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo. Inclusive a
agroindústria adquiriu novos impulsos, na produção de açúcar, álcool,
sucos, massas, geleias, polpa de madeira para a fabricação de papel,
madeiras, carnes frigorificadas, laticínios, conservas etc. Sob todas as
formas, desenvolvem-se as forças produtivas e as relações de produção
capitalistas no campo. Em diferentes gradações, mas numa escala ampla,
em todo o mundo rural brasileiro, cresce a proletarização do trabalhador
rural.
À medida que se desenvolvia o capitalismo no campo, com a formação e
a expansão de empresas, com a proletarização de muitos trabalhadores
rurais e a recamponesação de outros, cresceu muito a produção de capital
nas indústrias agrícolas, sendo que esse capital canalizou-se
principalmente para a indústria, o comércio e o setor bancário. Toda
expansão econômica da agricultura tem sido sempre, e ao mesmo tempo, a
reincorporação e ressubordinação das atividades agrícolas à indústria, à
cidade, aos monopólios, ao capital financeiro. Sob várias formas, a
agricultura passou a contribuir para a acumulação monopolística nos
centros dominantes do subsistema econômico brasileiro, dentro e fora do
país.
Delfim Netto: Da agricultura, portanto, se espera que ela cumpra
essas quatro tarefas fundamentais: aumentar a oferta de alimentos;
aumentar a oferta de produtos exportáveis; liberar recursos
humanos; e fornecer capital para o setor que está precisando
dele.109
Fiesp-Ciesp: A formação de capital no Brasil teve, ao longo do
tempo, uma grande contribuição da agricultura. A transferência dos
recursos foi realizada basicamente através do mecanismo da taxa
cambial. As divisas obtidas, principalmente, através do café eram
leiloadas ao setor industrial, visando-se a importação de
maquinaria e equipamentos industriais.110
A agricultura tanto produz divisas que são postas à disposição das
importações industriais, ou outros negócios do capital financeiro, quanto
produz matérias-primas para a indústria. Além disso, a agricultura foi
transformada em um mercado importante e crescente para a produção do
setor industrial, principalmente máquinas, implementos agrícolas,
fertilizantes e defensivos. Ao mesmo tempo o capital industrial ainda se
beneficia da produção agrícola devido aos fornecimentos de gêneros
alimentícios aos assalariados urbanos, em geral, e ao proletariado
industrial, em especial. Dessa forma, principalmente o campesinato é
expropriado pelo capital industrial.
Fiesp-Ciesp: Uma das principais tarefas da agricultura consiste
em fornecer alimentos e matérias-primas para os setores não
agrícolas da economia [...]. O processo de industrialização implica
que um número cada vez maior de pessoas fica dependendo, para
seu abastecimento, do trabalho daqueles que permanecem no setor
agrícola.111
Martins: Órgãos oficiais responsáveis pela fixação de preços e
pelo controle da comercialização dos artigos de exportação
funcionam basicamente como meios reguladores da transferência
de renda do setor rural para o urbano-industrial e da sua
acumulação neste último [...]. [O Estado manipula as] condições de
comercialização dos produtos alimentares de consumo interno,
cujos preços são regulados em função da política econômica e
salarial do Estado, que procura mantê-los de modo a conservar
deprimido o dispêndio com subsistência do trabalhador urbano. Tal
regulação é feita através dos chamados órgãos controladores de
preços, a Cofap – Comissão Federal de Preços –, a sua sucessora, a
Sunab – Superintendência Nacional do Abastecimento, a CIP –
Comissão Interministerial de Preços.112
Também a força de trabalho oferecida no mercado urbano é proveniente,
em grande parte, dos trabalhadores rurais que migram para as cidades, os
centros industriais. Pouco a pouco, à medida que se estende e intensifica a
expansão do capitalismo no país, desenvolvem-se novos arranjos entre os
vários segmentos do exército de trabalhadores. E a agricultura, sob as suas
várias modalidades de organização das atividades produtivas, transforma-
se em vasto reservatório disfarçado de força de trabalho para a indústria e a
cidade. Todas as atividades capitalistas localizadas na cidade beneficiam-se
da força de trabalho disponível no campo.
Fiesp-Ciesp: Também com relação à liberação de mão de obra a
agricultura brasileira cumpriu razoavelmente bem seu importante
papel. Os dados evidenciam que houve uma mudança substancial
na distribuição relativa da força de trabalho por setores: a
participação da agricultura mudou de 64% em 1940, para 43% em
1969, refletindo, assim, que um importante fluxo de trabalhadores
se deslocou das áreas rurais para as urbanas.113
Martins: Cerca de 80% dos 250 mil trabalhadores na indústria
da construção civil paulista procedem de outros Estados e esta
indústria é um portão de entrada para milhares de trabalhadores,
que se dirigem às atividades profissionais urbanas. Sem parar,
outros setores industriais se abastecem de mão de obra nesse
imenso manancial, que é formado de capixabas, baianos, mineiros,
cearenses, serventes de pedreiro hoje, metalúrgicos ou tecelões,
amanhã. Há um drama, porém, nesse mercado de trabalho: o
grande número de doentes e de analfabetos. Muitos retornam,
outros por aqui ficam e não encontram muita oportunidade de
profissionalização.114
Sob vários aspectos, a agricultura participa da acumulação monopolista
na cidade, seja nos principais centros dominantes no país, seja nos centros
dominantes no exterior. É inegável que houve ampla penetração da
empresa estrangeira nos ramos de fumo e produtos alimentícios (carnes,
trigo, oleaginosas, frutas e legumes). Em geral, essa penetração
imperialista na agricultura foi altamente favorecida pelo poder estatal. A
ditadura, enquanto máquina estatal do capital monopolista, favoreceu
muitíssimo o capital imperialista também no campo.115
No caso brasileiro, a política governamental chamada ‘política
agrícola’ esteve sempre mais preocupada em explorar a agricultura
para financiar o crescimento industrial do que em fomentar a
produção agrícola e o bem-estar rural. Mesmo assim, ‘de alguma
forma, milhões de agricultores mantiveram a produção agrícola em
expansão a uma taxa superior à do crescimento da população, num
contexto de preços instáveis, pouca orientação técnica, pesquisa
agrícola governamental insuficiente e uma negligência vergonhosa
quanto à educação e às políticas de migração e colonização’.
Assim, se por um lado a agricultura contribuiu para financiar o
desenvolvimento dos setores não agrícolas, por outro
descapitalizou-se e não recebeu o refluxo esperado do setor
urbano-industrial. Ao mesmo tempo que melhoravam os padrões
de vida e bem-estar no setor urbano, no rural eles se mantinham
constantes, quando não decresciam, em alguns casos.116
O capitalismo tem se desenvolvido no campo de forma intensiva e
extensiva. Ao mesmo tempo que crescem a maquinização e a quimificação
do processo produtivo em certos lugares ou regiões, alastra-se a ocupação
extensiva das terras em outros lugares e regiões. No Sul, Sudeste e
Nordeste, ao lado da manutenção das estruturas fundiárias prevalecentes,
tem havido certo desenvolvimento intensivo do capitalismo nas
agroindústrias em geral (cana, fumo, carne, sucos, conservas etc.), nas
culturas de soja, trigo, café etc. Ao crescerem a maquinização e a
quimificação, desenvolve-se a composição orgânica do capital nessas
atividades.
Simultaneamente, as relações capitalistas de produção alastram-se
extensivamente pelas terras tribais, devolutas e ocupadas, no Centro-Oeste
e no Norte. Entre 1970 e 1975, no Brasil, o pessoal ocupado na agricultura
em geral cresceu 19,75%. Nessas duas regiões, no entanto, as taxas de
crescimento foram 36,08% e 54,73%, respectivamente, conforme indicam
os dados da “Sinopse Preliminar do Censo Agropecuário” da FIBGE.
Vale a pena observar que o conjunto do pessoal ocupado na agricultura,
em geral, compreende elevada participação de menores, isto é,
trabalhadores adolescentes e mesmo crianças. As condições de exploração
do trabalho de assalariados de todos os tipos, e camponeses com diferentes
relações com o mercado, induzem à incorporação de todos, adultos, velhos
e crianças, homens e mulheres, às atividades produtivas.
Entre 1970 e 1975, de acordo com dados censitários, a mão de
obra nas atividades agrícolas se expandiu cerca de 20%, sendo de
55% o aumento do número de trabalhadores menores de 14 anos.
Segundo o Instituto de Economia Agrícola, da Secretaria de
Agricultura do Estado de São Paulo, os trabalhadores não
residentes, em especial os menores de 15 anos, vêm aumentando
sua participação, absoluta e relativa, na forma de trabalho dos
estabelecimentos agropecuários estaduais.117
Em forma breve, esse é o panorama geral das articulações entre a
indústria e a agricultura. Panorama esse no qual se desenvolvem tanto a
proletarização como a recamponesação do trabalhador rural.
À medida que se desenvolvem e estendem as forças produtivas e as
relações de produção no campo, alarga-se e intensifica-se a subordinação
real e formal do trabalho ao capital. Ao crescer a proletarização, isto é, a
mercantilização da força de trabalho, de sitiantes, caboclos, moradores,
colonos, posseiros, índios e outros, cresce a subordinação real, direta, do
trabalho às exigências do capital. Esse processo, que já vinha desde o
século passado, estendeu-se e intensificou-se nas últimas décadas,
principalmente nos últimos anos, desde 1963. Aliás, o Estatuto do
Trabalhador Rural, adotado em 1963, o Estatuto da Terra, de 1964, o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de 1970, o
Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Pro-Rural), o Fundo de
Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), ambos de 1971, e as novas
normas reguladoras do trabalhado rural, conforme a Lei n. 5.889, de 8 de
junho de 1973, expressam numerosos aspectos dos processos econômicos e
políticos que se desenvolvem de forma extensa e intensa no campo. À
medida que se generaliza a exploração da força de trabalho assalariada e
semiassalariada nas diferentes partes do mundo agrário, mais e mais se
desenvolvem e aguçam os problemas econômicos e políticos nas relações
entre os compradores e vendedores de força de trabalho. Surgem
movimentos reivindicatórios, associações de trabalhadores rurais,
sindicatos, greves e outras manifestações das relações entre operários
agrícolas e burguesia.
A mesma ditadura que reprimiu de modo brutal as ligas camponesas, os
sindicatos, os posseiros e outros movimentos políticos de trabalhadores
rurais, tem sido obrigada a recuar diante do ascenso das lutas sociais no
campo, em anos recentes. Em outubro de 1979, ocorre uma greve de
grandes proporções nos canaviais e usinas de Pernambuco.
Recife – Dezoito mil trabalhadores rurais – 10 mil associados
dos dois sindicatos da área e 8 mil boias-frias – paralisaram, na
madrugada de ontem, suas atividades nos municípios de São
Lourenço da Mata e Paudalho, na zona canavieira do Estado, numa
greve legal em que reivindicam 100% de aumento salarial e outros
direitos trabalhistas. Existem cerca de 20 mil trabalhadores na área
[...].
Ontem, desde a madrugada, comandos de greve formados por
quatro a seis trabalhadores, sob a liderança dos delegados sindicais,
começaram a atuar nos 24 engenhos de São Lourenço da Mata e
nos 47 de Paudalho.
A adesão dos trabalhadores foi maciça. Em São Lourenço, a
paralisação alcançou praticamente a totalidade dos 10 mil
assalariados do campo, segundo o sindicato. Em Paudalho, todos
os aproximadamente 5 mil associados do sindicato suspenderam o
serviço, sendo acompanhados por uns 3 mil boias-frias.
A greve paralisou 38 usinas nos dois municípios cujos sindicatos
já receberam o apoio dos outros 22 que ainda estão em negociações
antes de se decidirem pela adesão ao movimento. Dirigentes de 78
sindicatos rurais das regiões do agreste e do sertão de Pernambuco,
reunidos em assembleia do Conselho de Representantes da
Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco –
Fetape, emitiram, ontem, nota de solidariedade e apoio ao
movimento reivindicatório dos canavieiros, por considerá-lo ‘justo
e legítimo’.118
Essa greve é bem uma expressão do desenvolvimento das relações
capitalistas em muitos setores da sociedade agrária. Expressa o alcance da
proletarização havida e o grau de desenvolvimento político do proletariado
rural. Inclusive mostra como se desenvolveu bastante o processo de
repolitização da classe operária.
Há todo um longo e complexo processo de proletarização rural que
precisa ser tomado em conta, se queremos compreender qual é o alcance da
penetração capitalista no campo. Ao mesmo tempo que a agricultura é
subordinada à indústria, em moldes capitalistas; que se desenvolvem as
migrações rurais-urbanas; que se deslocam trabalhadores rurais do
Nordeste para a Amazônia e o Centro-Sul urbano-industrial; que os
colonos minifundistas dos Estados do Sul vendem as suas terras, ou as
deixam para seus familiares, e viajam em busca de mais terras na
Amazônia; que se formam e se expandem empresas agropecuárias e
latifúndios nas diversas partes e regiões do país; que ocorre o
desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo no campo – ao
mesmo tempo que ocorreram todas essas transformações, o proletariado
rural adquire um perfil cada vez mais nítido e desenvolvido. Muitos
colonos, moradores, arrendatários e parceiros transformam-se em
assalariados, de forma exclusiva. Uns continuam a residir nas terras do
latifúndio, ou empresa, em que se empregam. Outros passam a residir fora
dessas terras, em núcleos rurais, semirrurais ou urbanos. Dentre esses não
residentes, muitos transformam-se em assalariados temporários, volantes,
peões, boias-frias, clandestinos e outras denominações dos temporários.
Brant: A utilização de força de trabalho assalariada temporária,
em substituição à dos trabalhadores residentes, constitui uma das
modificações mais importantes nas empresas rurais do Brasil
durante os últimos decênios [...]. O processo de expulsão dos
trabalhadores residentes dos estabelecimentos agropecuários
ocorreu em algumas regiões independentemente de modificações
técnicas no processo produtivo, como simples modificação de
relações de trabalho.119
Graziano da Silva e Gasques: O importante é que, dada a
sazonalidade de ocupação da mão de obra agrícola, é mais barato
para o empregador pagar um salário mais elevado por um
trabalhador adicional em determinadas épocas – mas pagar
somente os dias de trabalho efetivo, do que mantê-lo durante todo
o tempo na propriedade. Ressalte-se que a sazonalidade de
ocupação de mão de obra agrícola é acentuada à medida que nessa
propriedade ou região se implante uma monocultura qualquer.120
Na Amazônia, devido aos favores fiscais e creditícios criados pelo poder
público, no sentido de impulsionar a formação e a expansão de latifúndios
e empresas agropecuárias, aí também se desenvolveu a proletarização do
trabalhador rural. O desenvolvimento extensivo do capitalismo nessa
região tem sido acompanhado da expropriação de índios e posseiros. Em
pequena escala, os governos (federal, estaduais, territoriais e municipais)
têm sido obrigados a favorecer alguma fixação de índios e posseiros, em
reservas, parques e assentamentos de colonos. Mas a grande maioria dos
trabalhadores rurais provenientes do Nordeste e outras regiões acaba
ingressando, por algum tempo, ou para sempre, na condição de
assalariados permanentes ou temporários. Os peões que trabalham no
desmatamento, queima, formação de pastagens, abertura de estradas,
caminhos etc. representam um segmento muito grande do proletariado rural
que se tem desenvolvido na Amazônia. Em geral, os peões são contratados,
administrados, aviados e pagos por um empreiteiro de mão de obra, que,
por sua vez, já estabeleceu um contrato com o proprietário das terras, o
empresário, ou os seus prepostos. Os peões começam a viagem para a mata
com alguma dívida já feita com o empreiteiro, que lhes adianta algum
dinheiro para compras e gastos na cidade, além de lhes cobrar as despesas
da própria viagem.
Ingerir sal de gado, que pode deixar uma pessoa na cama
durante um mês; levar chicotadas segundo o mais autêntico rito
colonial; ou partir para o clássico ‘voo da morte’, que ninguém até
hoje pôde descrever com pormenores, são apenas algumas das
formas com que são tratados os peões em certas fazendas do sul do
Pará, principalmente às margens do rio Conceição do Araguaia
[...].
O padre Jentel, que realiza um intenso trabalho pastoral em
Conceição do Araguaia, mostra-se um pouco pessimista. Para ele,
o governo teme desestimular os empresários se implantar um
sistema rigoroso de fiscalização trabalhista na região,
reconhecendo com isso que, para o atual sistema, os atuais
métodos têm sido bastante funcionais [...].
O peão ainda está naquele tempo de confiar na palavra e é
frequentemente enganado pelo ‘gato’, o empreiteiro. Em geral, os
contratos são apenas verbais e os empreiteiros não assinam as
carteiras dos trabalhadores. Muitos peões inclusive não têm
carteiras.121
São muitos os camponeses (sitiantes, colonos, posseiros, arrendatários,
parceiros e outros) que também se empregam temporariamente, para
realizar alguma renda monetária. Ao lado dos assalariados temporários,
que são numerosos nas diversas regiões do país, são muitos os camponeses
que ingressam transitória ou periodicamente nessa condição. Além disso,
os próprios trabalhadores temporários empregam-se em diferentes
ocupações, ao longo do ano agrícola. Por esses motivos, não é fácil avaliar
quantos são os assalariados temporários existentes na agricultura brasileira
em dado momento. Em todo o caso, são numerosos e recebem os “baixos
salários vigentes na agricultura”.122
É grande a diferença entre os salários no campo e na cidade. E também a
diferença entre os salários pagos no campo, em diferentes regiões do país.
Os dados disponíveis dão uma ideia dessas disparidades, que
aparentemente beneficiam a cidade mais que o campo, São Paulo mais que
Pernambuco. Pode-se dizer que essa é apenas uma aparência, pois o que
está em questão é a exploração do trabalhador assalariado, a exploração do
proletariado urbano e rural. Conforme as condições políticas e econômicas
de luta dos operários da cidade e do campo (e elas são, na prática,
diferentes), a burguesia tem as mãos mais ou menos livres para explorar os
trabalhadores. Por exemplo, em 1970 o operário rural em Pernambuco
ganha a metade do salário-mínimo pago na cidade; ao passo que o operário
rural em São Paulo ganha o dobro daquele de Pernambuco, ao mesmo
tempo que está bem mais próximo do salário-mínimo urbano. Conforme
sugerem os dados por sob as disparidades regionais, escondem-se formas
diversas e gradações diversas de exploração da classe operária pela
burguesia.
Há indicações de que os salários agrícolas de mensalistas, diaristas,
empreiteiros, tratoristas e outros trabalhadores do campo têm melhorado ao
longo dos últimos 20 anos. Ao mesmo tempo que se estendem e
intensificam as relações capitalistas de produção na agricultura, também
ocorre o desenvolvimento da divisão do trabalho, da maquinização e da
quimificação dos processos produtivos. Simultaneamente, verifica-se o
alargamento do mercado interno, com a abertura de novos espaços para o
desenvolvimento da força de trabalho. Pouco a pouco, e ainda que de
maneira bastante desigual, os diversos mercados locais, regionais ou
estaduais de força de trabalho adquirem novas articulações. À medida que
se desenvolve o capitalismo na cidade e no campo, de forma intensiva e
extensiva, tanto avança uma espécie de “homogeneização” do mercado de
força de trabalho como avança a “unificação” das classes sociais em geral,
inclusive o operariado urbano e rural.
Os últimos 20 anos se caracterizam por uma progressiva
homogeneização do mercado de trabalho para a mão de obra não
qualificada no país. A marcar este fenômeno estão a perda de
substância do salário-mínimo urbano a partir do final da década de
1950, conjugada a uma redução dos diferenciais de salário-mínimo
entre as regiões do país; a extensão da legislação trabalhista ao
campo, iniciada em 1963 com o Estatuto do Trabalhador Rural e
mais recentemente fortalecida com a criação do Funrural; e a
elevação do poder de compra dos salários rurais acompanhando a
ascensão dos preços relativos da agricultura a partir do final da
década passada. Nesse processo, o trabalhador permanente,
residindo na propriedade rural, perde importância relativa na força
de trabalho agrícola, enquanto ganha peso o trabalho do diarista
não residente [...].
Fatores políticos e econômicos se associam para explicar a
progressiva homogeneização intersetorial dos salários da mão de
obra não qualificada nos últimos 20 anos. A penetração das
relações capitalistas no campo, epitomada pelo fenômeno do boia-
fria, supre a base de mobilidade ocupacional que parece garantir a
irreversibilidade do processo de aproximação dos salários de base,
no campo e na cidade, pelo menos no Centro-Sul do país.123
A evolução dos salários rurais, nos anos de 1966 a 1978, vista de
modo global, decorreu do rápido crescimento econômico
brasileiro, verificado em parte desse período, quando se acentuou o
impacto urbano-industrial, e faz crer que dentre as consequentes
transformações na agricultura se inclua a redução da
disponibilidade de mão de obra. É possível que se tenham alterado
os níveis de produtividade do trabalho, fazendo com que os
salários dos trabalhadores rurais crescessem. Por outro lado,
registraram-se quedas, em termos reais, nos preços dos serviços de
empreitada de trator, do trator, do óleo diesel (este durante parte do
período) e foi reduzido o crescimento da remuneração do tratorista;
houve maior utilização desses fatores e dos insumos modernos e
mudanças nos preços relativos entre fatores. Constatou-se, assim, a
presença de fortes estímulos, capazes de induzir a substituição de
trabalho por capital, no meio rural brasileiro, de modo genérico.124
Note-se, entretanto, que essa tendência, no sentido da “unificação” ou
“homogeneização” do mercado de força de trabalho, não eliminou a
diversidade de condições políticas e econômicas de exploração da força de
trabalho assalariado no campo e na cidade, variando segundo as condições
prevalecentes em cada região do país. A burguesia (urbana e rural, nacional
e estrangeira) continua a beneficiar-se da maior ou menor arbitrariedade
com que o poder público se omite ou atua em seu favor. De fato, está em
curso uma fase particularmente acelerada do processo de “unificação” do
mercado de força de trabalho, no conjunto da economia brasileira. Mas
ainda são bastante diversas as condições políticas e econômicas sob as
quais os operários do campo estão sendo explorados. Há reivindicações dos
assalariados rurais do Nordeste que podem ser as mesmas dos que se
acham no Rio Grande do Sul, em São Paulo ou Pará. Mas há outras
reivindicações que são próprias de cada lugar. Há lugares em que a
legislação trabalhista possui alguma vigência, ao passo que em outros os
latifundiários, fazendeiros e empresários simplesmente não aceitam a
legislação, tomando-a como interferência subversiva em seus negócios e
lucros. Sob essas condições, persistem e recriam-se as desigualdades e
disparidades de exploração dos assalariados rurais, em benefício da
burguesia.
A percentagem do trabalho feito por mensalistas e diaristas varia
de um mínimo de 8,8% em Santa Catarina e 23,8% no Ceará, onde
quase todo o trabalho é realizado pela própria família do
proprietário, a um máximo de 44,4% em Minas Gerais e 83,1% em
Pernambuco. E se incluímos nessas percentagens as demais classes
de trabalhadores que têm seus vencimentos (rendas) estabelecidos,
ainda que indiretamente, pelos próprios níveis salariais, como são
os ‘parceiros’, ‘empreiteiros’ e ‘remuneração em espécie’,
constata-se que as percentagens se elevam, ficando as menores
com Santa Catarina (19,37%) e Rio Grande do Sul (53,0%) e as
mais elevadas com Pernambuco (88,5%) e Paraná (87,9%).
Esses dados, apesar de suas limitações, confirmam que é muito
alta no Brasil a percentagem de agricultores que não são
empresários e que têm de viver com base em salários que, como foi
visto, são baixos e não lhes permitem mais do que uma
subsistência precária.
Aliás, a situação dos trabalhadores é ainda mais difícil do que se
pode julgar pelos baixos salários. Isso porque é frequente os
trabalhadores não conseguirem trabalho o ano todo, o que faz com
que o salário médio recebido se torne ainda menor do que os que
foram mostrados.125
O maior peso da ditadura caiu sobre a classe operária, urbana e rural, e o
campesinato. Em grande medida, a economia política da ditadura
fundamentou-se na superexploração dos trabalhadores assalariados da
indústria e agricultura, ao mesmo tempo que se estendeu e intensificou a
exploração dos posseiros, sitiantes, colonos, arrendatários, parceiros e
outras categorias de produtores autônomos na agricultura, pecuária e
extrativismo. Foi grande o peso da repressão sobre essas categorias sociais.
Toda questão operária ou camponesa continuou a ser tratada como questão
de polícia. Houve intervenções e fechamento de sindicatos operários
urbanos e rurais, as ligas camponesas foram simplesmente apagadas dos
seus lugares pela brutalidade da repressão; houve prisões, processos,
cassações, sumiços e mortes. “Há os que morreram. Há os que ficaram
mutilados para sempre.” Muitos “mortos sem sepultura”. O aparelho
repressivo “trucidou líderes camponeses paraibanos em terras de
Pernambuco, jogando seus cadáveres no mato”. Em muitos, muitos casos,
“nunca se soube, ao certo, a identidade dos mortos”.126 Em 1970-1975, no
sul do Estado do Pará, em Xambioá-Araguatins-Marabá, a pretexto de lutar
contra um núcleo guerrilheiro localizado na área, o aparelho repressivo
cometeu brutalidades e assassinatos contra os muitos posseiros do lugar e
os guerrilheiros. Foram muitas as mortes ocorridas nos tempos dessa
guerra. Dentre os mortos, conta-se também Osvaldo Orlando da Costa, que
fazia parte da direção do núcleo de guerrilha.127 Em 1975 desapareceu José
Porfírio, o líder dos posseiros de Trombas do Formoso, em Goiás. “Em
1972, José Porfírio é preso e permanece num quartel em Brasília até 1975,
quando então é solto. No mesmo dia desaparece”.128 Foram muitos os
trabalhadores rurais, camponeses e operários presos, torturados,
acidentados, desaparecidos, assassinados.
9. A Expropriação do Trabalhador Rural
Ao lado das modificações do mercado de força de trabalho (e inclusive
certa melhora dos salários agrícolas), persiste a superexploração do
trabalhador rural. Tanto o assalariado (permanente e temporário, residente e
não residente) nas mais diversas situações de trabalho, como o camponês
(colono, posseiro, sitiante, parceiro, arrendatário e outros), seja qual for o
grau de comprometimento com a economia de mercado em todos os casos
continua bastante acentuada a exploração do trabalhador rural. A
persistente e reiterada subordinação formal e real do trabalho ao capital
continua a favorecer o capital com uma espécie de sobretaxa de
exploração. As condições econômicas e políticas sob as quais o capital
monopolista (largamente favorecido e protegido pelo Estado ditatorial)
pode atuar no campo garantem-lhe um lucro suplementar. Em geral, os
dados disponíveis comprovam os baixos níveis salariais predominantes na
agricultura. No campo, as condições políticas de reivindicações por parte
dos assalariados tendem a ser prejudicadas tanto pela repressão estatal
quanto pela manipulação da violência privada, por parte de latifundiários,
fazendeiros, empresários ou seus prepostos. O latifundiário, fazendeiro ou
empresário muito frequentemente lançam mão de pistoleiros, jagunços, ou
mesmo policiais, para fazer valer os seus interesses sobre os trabalhadores
rurais. Isto é, são econômicas e políticas as condições de exploração às
quais o capital submete o trabalhador rural. E são tais essas condições que
o capital, isto é, a grande burguesia, se garante uma sobretaxa de lucro com
base na sobre-exploração dos assalariados rurais e camponeses. São várias
as formas de exploração do camponês.
São as pequenas propriedades que: a) exploram mais
intensivamente as terras, b) têm maior renda bruta e níveis de
investimentos produtivos por unidade de área, ou seja, têm uma
alta ‘produtividade’ da terra, c) utilizam mais intensivamente a
mão de obra, quase, que exclusivamente de base familiar.
No entanto [...] há uma impossibilidade, pelo menos parcial, de
repor os meios de produção, devido à exploração intensa a que
estão submetidos, obrigando tanto o pequeno produtor como os
membros de sua família a venderem temporariamente sua força de
trabalho nos imóveis maiores.
Para o latifundiário, a utilização desse tipo de mão de obra é
muito vantajosa, pois ela tende a ser mais barata, na medida em
que parte de sua subsistência já está garantida pelas atividades
desenvolvidas em suas pequenas áreas [...].
A produção de gêneros de subsistência ‘subsidia’ a própria mão
de obra empregada na cultura comercial dentro de uma mesma
propriedade. Tem-se então que, além de viabilizar a manutenção de
baixos salários urbanos, a produção de subsistência rebaixa
também os níveis de salários rurais [...]. Em resumo, é o pobre do
campo alimentando o pobre da cidade, contribuindo para efetivar
as elevadas taxas de acumulação dos setores dinâmicos da nossa
economia.129
Também se desenvolveu, portanto, uma espécie de recamponesação. Na
medida em que o Estado era levado a favorecer a agricultura destinada à
exportação, sobrava para pequenos e médios empreendimentos agrícolas a
possibilidade de produzir gêneros alimentícios para as populações rurais e
urbanas. O desinteresse do poder estatal e da grande empresa rural pela
produção destinada a abastecer os mercados urbanos e urbano-industriais,
locais e regionais, abria certo espaço econômico para a produção
camponesa, realizada principalmente por famílias de sitiantes, caboclos,
parceiros, arrendatários, posseiros, colonos, moradores e outros
trabalhadores rurais. Pouco a pouco, ou de forma abrupta, conforme a
região ou o lugar, os muitos trabalhadores rurais autônomos (com seus
familiares e eventuais ajudantes, assalariados ou não) eram subordinados
formalmente ao capital. Ingressavam na produção de mais-valia por
intermédio de uma crescente e continuada rearticulação com o mercado, o
comércio da sua produção, a compra de produtos manufaturados, máquinas
e equipamentos agrícolas, fertilizantes, inseticidas. Assim, o
desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no campo
compreendeu também a recamponesação de grande parte da população de
trabalhadores rurais.
Esse processo tem adquirido formas bastante diversificadas. Na
Amazônia, alguns grupos de índios e mestiços, ao lado de posseiros
chegados do Nordeste, Sul e outras regiões do país, têm sido induzidos a
organizar-se sob a forma de núcleo de colonos. Isto é, a política de
colonização dirigida (oficial e particular) orientou-se no sentido de
favorecer a formação de alguns assentamentos de colonos organizados no
sentido de produzir para o mercado – e também servir de reserva de força
de trabalho para as empresas agropecuárias e os empreendimentos
estatais.130 No Rio Grande do Sul, os antigos colonos das áreas de
colonização alemã e italiana, que se formaram, desde o século passado, em
núcleos camponeses, ingressaram nos anos recentes em nova forma de
organização camponesa de sua economia e sociabilidade. Vejamos um
exemplo: a situação presente dos camponeses da localidade de São Pedro,
no município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.
Nos anos 1970, registrou-se uma alteração no setor vinícola,
marcada principalmente pela entrada de novas empresas no
mercado, principalmente multinacionais. A intensificação da
concorrência resultou numa disputa para assegurar a matéria-prima
produzida pelos camponeses. Esse é o momento em que a
instituição do ‘freguês’ cede lugar ao ‘contrato de compra e venda’
ou ‘contrato de produção’ [...]. Os camponeses de São Pedro
dedicam seus esforços intensivamente à produção mercantil, à uva,
e para tanto desenvolvem uma divisão técnica do trabalho e um
processo de cooperação, o que transforma a família camponesa em
um trabalhador coletivo [...]. As famílias camponesas de São Pedro
não têm um rendimento monetário suficiente para efetuar, por via
da compra monetária de mercadorias, a reposição do valor da força
de trabalho.131
No conjunto, o processo de recamponesação que se vem desenvolvendo
na sociedade agrária brasileira envolve a rearticulação das várias formas de
produção camponesa com as crescentes imposições da grande empresa
capitalista, no campo e na cidade. Além de as unidades familiares de
produção serem sistemática e maciçamente expropriadas dos seus
excedentes pelo capital comercial, o banco, o usurário e o industrial, elas
frequentemente se constituem também em reservas de força de trabalho
para empresas e empreendimentos públicos e privados, nacionais e
estrangeiros. Membros de famílias de sitiantes, colonos, posseiros e outros
são obrigados a empregar-se por certo tempo, para que a família possa
dispor de dinheiro imediato para comprar medicamentos, instrumentos de
trabalho ou até mesmo alimentos. Tudo isso implica uma superexploração
do trabalho na unidade produtiva. São longas as jornadas de trabalho dos
membros da família em sua unidade de produção, para que ela possa fazer
face às exigências da reprodução da vida. Ao mesmo tempo, as empresas,
os latifúndios e os empreendimentos públicos e privados beneficiam-se de
uma força de trabalho disponível e barata, “na medida em que parte de sua
subsistência já está garantida pelas atividades desenvolvidas em suas
pequenas áreas”.132 Sem esquecer que as populações urbanas e a
acumulação de capital na indústria também se beneficiam da exploração do
campesinato.
Surpreende encontrar tão elevada participação das pequenas
propriedades tanto na área colhida de produtos básicos para
alimentação como nos de transformação industrial. Isso só pode
resultar do fato de a produção de gêneros de subsistência
‘subsidiar’ a mão de obra familiar empregada na cultura comercial
dentro da mesma propriedade. Teríamos então que, além de
permitir manter baixos os salários urbanos, a produção de
subsistência rebaixa também os níveis de salários rurais, uma vez
que este passa a ser função da produtividade dentro da própria
agricultura de subsistência.133
Os dados mostram que mais de 85% dos imóveis rurais do país,
que compreendem as propriedades menores que 100 ha, são
responsáveis por 45% da oferta de produtos agrícolas e quase 40%
da absorção de meios de produção de origem industrial. Regra
geral, esses pequenos imóveis em termos de área são também
pequenas unidades em termos do valor de sua produção. Por outro
lado, tem-se que os imóveis de mais de 1.000 ha – que representam
apenas 15% dos imóveis do país – são responsáveis por quase 20%
da oferta de produtos agrícolas e 25% da absorção daqueles meios
de produção.134
Outra, diferente, é a situação em que se encontra o caboclo amazônico, o
posseiro antigo ou recém-chegado, que ocupa terras devolutas. Nesses
casos, que ocorrem com frequência cada vez maior desde a construção da
Belém-Brasília, terminada em 1960, e a construção da Transamazônica e
outras rodovias iniciadas em 1970, há uma crescente luta pela posse e
domínio da terra. O desenvolvimento extensivo do capitalismo na região,
amplamente incentivado pelo poder público, principalmente desde 1966,
quando foi criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(Sudam), provocou a intensificação do processo de monopolização das
terras. Grandes latifúndios, fazendas e empresas têm sido criados na região,
com ampla proteção econômica e política dos governos militares.
São muitos, numerosos, os posseiros chegados à Amazônia,
provenientes de todas as partes do Brasil. Eles chegam dos estados do
Nordeste, do Sul, das outras regiões, e também dos próprios estados do
Norte. Inclusive os posseiros deslocam-se e movimentam-se bastante,
dentro da própria Amazônia. Seja porque a luta pela terra se aguça, porque
a terra não é boa como parecia, porque o comércio não está bom, ou existe
doença, há numerosos motivos por que o posseiro se desloca e movimenta,
com frequência. Mas ele sempre quer parar ali, no seu lugar. Nesse vaivém,
procura sentar raiz, plantar roça e casa, criar criação.
Mas o problema maior, principal, cada vez mais, tem sido a luta para
ficar na terra que já recebeu algum trato. Devido às pressões do grileiro,
latifundiário, fazendeiro ou empresário, o posseiro sente que a sua terra não
é mais sua; era; parecia que era. Nessa briga, entra jagunço, pistoleiro e
polícia, além do juiz, advogado, delegado – muita gente. Tem vez que o
governo fica do lado do grileiro, de acordo; quase sempre. É raro o
governo ficar do lado do posseiro. O mais geral é o governo ficar de fora,
para deixar o mais forte ganhar: grileiro, latifundiário, fazendeiro ou
empresário.
O que está em questão aí, nesse caso, na briga do posseiro com o grande
proprietário, é principalmente a expropriação da terra que o posseiro
trabalha, na qual mora. Do ponto de vista do posseiro, a terra é
fundamental para a sua vida. É a terra trabalhada que lhe dá o de comer,
vestir, morar, criar. Bem ou mal, ao trabalhar a terra o posseiro produz o
necessário, o mínimo, ou mais, para viver a família mais ele, tudo junto. O
caso é que a terra trabalhada, de mais ou menos, com a família e os
vizinhos, tudo isso forma a base da sua vida, deles, todos. O posseiro vive
meio que em comunidade. Produz principalmente para comer, viver, vestir,
morar, criar. A terra para ele é natural; naturalmente. Ali o que interessa é o
uso da produção. Para vender, não interessa grande coisa. Interessa vender
um pouco, para comprar coisas na cidade: sal, açúcar, enxada, enxadão,
foice, espingarda, chumbo, pólvora, panela, roupa, remédio. Mas tudo isso
dura bastante, porque o uso é pouco. Não tem por que gastar muito,
despropósito. O que chega dá, suficiente.
É bem verdade que tem sempre comprador querendo comprar na porta,
de caminhão, os mantimentos, arroz, milho, criação. Comprar e vender.
Devagar, o comércio chega e vai entrando, crescendo, despropositado.
Inclusive vai levando o produto do trabalho da família, do lugar, de todos.
Cada vez sobra menos para cada família, no lugar. Mas a vida continua; de
um jeito ou outro, continua; a vida dura do posseiro na roça, roçado.
Pelo visto, são duas as formas de expropriar o camponês.
Uma é a expropriação pelo comércio. O comerciante compra barato o
produto do trabalho do posseiro. E vende caro as coisas de que esse
precisa. Nisso o posseiro perde, cada vez mais; ou quase sempre, porque
não está unido, companheiro. Não tem caminhão para levar a produção
para a cidade, vender. Não tem armazém na cidade, seu nem do povo, de
posseiro. Não tem cooperativa. Por essas e outras, ele mais frequentemente
perde, ou ganha muito pouco do que produz. Seja porque vende barato,
roubado, seja porque compra caro, roubado, o posseiro vai é ficando sem
nada, vegetando. Trabalha para nada. Além do mais, começa a ser obrigado
a comprar o do que não tinha precisão nem precisava. Cada dia chega mais
gente vendendo coisas da cidade: utensílios para a casa, ferramentas para a
lavoura, adubo, inseticida, armas, rádio, um despropósito de coisas que
prestam e não prestam. Nesse trem, devagarzinho, o posseiro está amarrado
em muita coisa, precisada e sem precisão. Vai ficando um comprador de
coisas da cidade, belezas e tranqueiras, sem saber nem por que, nem como,
para quê.
A outra forma de expropriação do posseiro é a sua expulsão da terra,
pelos funcionários do governo, polícia, pistoleiro ou jagunço, a serviço do
grileiro, latifundiário, fazendeiro ou empresário. Nesse caso é que o
posseiro pode querer não querer sair, resistir, lutar, pegar na arma para
defender a terra, a família, os trastes, a roça, a criação, a choça, o tapiri, o
que for. Essa é a briga que pode dar guerra, morte, matança,
mortandade.135
Os processos de proletarização de trabalhadores rurais e recamponesação
de segmentos da produção agrícola são simultâneos. É verdade que
cresceram pouco, em termos absolutos, os assalariados permanentes entre
1950 e 1970. Mas ao longo dessas duas décadas, e em escala acentuada
depois de 1970, continuou a ganhar importância o assalariado temporário:
boia-fria, peão, clandestino e outras categorias. A pesquisa realizada por
Vinicius Brant mostra que esses trabalhadores alcançavam cerca de 69% do
total dos assalariados em 1970.136 E cabe observar, ainda, que a
importância da proletarização não se expressa apenas nas quantidades de
assalariados permanentes e temporários. Em geral, a proletarização do
trabalhador rural também compreende a maquinização e a quimificação
(fertilizantes e defensivos) do processo produtivo, o que provoca a
potenciação da capacidade produtiva da força de trabalho. Isto é, ao crescer
a composição orgânica do capital na agricultura, a quantidade de operários
é apenas um dos dados relativos ao processo de proletarização aí
envolvido. Ao mesmo tempo, desenvolve-se a recamponesação. Primeiro,
porque são muitos, muitíssimos os trabalhadores rurais desempregados,
subempregados, ou melhor, superexplorados, que buscam terras devolutas
no Oeste e no Norte. Tanto assim que cresce, em termos absolutos e
relativos, o contingente de posseiros, ao longo dos anos 1950-1970.
Segundo, a forma pela qual o capital monopolista e o poder estatal se
articularam provocou a formação de latifúndios, fazendas e empresas
organizados no sentido de produzir principalmente para os grandes
mercados e a exportação. Foi assim que o desenvolvimento extensivo e
intensivo do capitalismo no campo criou espaços, poros, para a
continuidade e até mesmo a ampliação da produção camponesa. Os
latifúndios, as fazendas e as empresas rurais beneficiam-se tanto da
produção camponesa quanto da força de trabalho barata que os sitiantes,
caboclos, colonos, parceiros, arrendatários e posseiros podem oferecer nas
ocasiões de grande necessidade.
A indústria, a cidade, o capital monopolista estavam incorporando e
reincorporando o campo, a agricultura, as várias formas de produção
econômica do mundo rural. À medida que se ampliava e acentuava a
acumulação monopolista, altamente favorecida pelo Estado posto a serviço
desse capital, ocorria um desenvolvimento extensivo e intensivo do
capitalismo no campo. A agricultura, sob todas as suas modalidades de
organização produtiva, era incorporada à indústria. Tudo isso se expressa
em desenvolvimentos e transformações da sociedade agrária, em suas
especificidades e no âmbito da sociedade brasileira.
Ao mesmo tempo, desenvolveram-se as classes sociais no campo. O
proletariado rural adquiriu um perfil mais nítido, tanto devido a sua
crescente e reiterada subordinação real ao capital, à burguesia, como pelo
seu próprio desenvolvimento político, como classe. Pouco a pouco, um
amplo proletariado rural se estende pelo campo, pelos lugares e regiões,
como categoria social cada vez mais importante. E o campesinato
readquire importância, devido às formas pelas quais é rearticulado ao
capital, à burguesia. São diferentes as modalidades de organização
camponesa da produção, para autoconsumo e mercado. Mas todas as
produções para o mercado – local, regional, nacional ou estrangeiro –
compreendem a subordinação do trabalho ao capital. Assim, ao mesmo
tempo que se desenvolve a acumulação capitalista, abarcando cada vez
mais o trabalhador rural, desenvolvem-se as várias classes sociais rurais:
burguesia, proletariado, campesinato, pequena burguesia rural e outras
classes. Todas classes mais ou menos importantes para a compreensão dos
movimentos da sociedade agrária, em algumas das suas especificidades, e
da sociedade brasileira em seu conjunto, em seus fundamentos.
TERCEIRA PARTE
A QUESTÃO REGIONAL
10. A Reconquista do Nordeste
Sob vários aspectos, a “Questão Nordeste” foi posta de uma forma direta
e clara em 1964, por ocasião do golpe de Estado que derrubou o governo
do presidente João Goulart. Nessa ocasião, a ditadura elegeu o Nordeste
como uma região particularmente importante, perigosa, na qual
desencadeou uma repressão política especial. As vítimas escolhidas foram
trabalhadores rurais, membros de ligas camponesas e sindicatos rurais,
dirigentes dessas organizações. Também foram atingidos pela repressão os
políticos, membros de grupos e partidos políticos que lutavam em defesa
dos interesses desses trabalhadores rurais. A repressão atingiu amplamente
as classes assalariadas da região, no campo e na cidade. Mas o maior peso
da repressão, direta e brutal, foi descarregado sobre os trabalhadores rurais.
A burguesia agropecuária e agroindustrial nordestina havia conseguido que
a ditadura militar pusesse todo o peso da repressão política contra o
proletariado e o campesinato, cujas organizações, atuações e lutas estavam
modificando as condições de exploração às quais essa burguesia estava
habituada. Além das demissões, cassações e prisões, muitos
desapareceram. “Há os que morreram. Há os que ficaram mutilados para
sempre.” Muitos “mortos sem sepultura”. A repressão “trucidou líderes
camponeses paraibanos em terras de Pernambuco, jogando seus cadáveres
no mato”. Sumiram. Muitos eram sepultados como indigentes. “Nunca se
soube, ao certo, a identidade dos mortos”.137
Ocorre que a burguesia da região, associada ou instrumentada pela
burguesia dominante no país (burguesia nacional e estrangeira), havia
conseguido convencer os golpistas e os seus funcionários de que era
iminente uma revolução no Nordeste. Desde a vitória da revolução liderada
por Fidel Castro em Cuba, em 1959-1960, tanto o imperialismo quanto as
burguesias nativas, nos diferentes países latino-americanos,
movimentaram-se no sentido de controlar ou suprimir todos os
movimentos políticos democráticos de base popular, principalmente os
movimentos de base operária e camponesa. Foi assim que o imperialismo e
a burguesia, no Brasil, decidiram transformar o Nordeste numa questão
política, militar e policial prioritária. Em 1961, o governador do Estado do
Rio Grande do Norte, Aluísio Alves, dizia que o Nordeste estava em via de
“levantar-se”, de entrar numa “convulsão talvez sangrenta”, se o governo
federal e as “elites” da região não tomassem “medidas de financiamento
maciço da produção”. Poderia haver o “imprevisível revolucionário”, se
não se atendessem as reivindicações. “Ou se resolvem os problemas ou o
Nordeste se levanta dentro de um ano”.138 A própria Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em um documento publicado em
1962, descreveu um quadro muito “sério”. Refere-se aos “problemas
sociais e políticos de suma gravidade”, tais como “insatisfação”,
“ressentimentos”, “desempregados”, “redução do prestígio do poder
público” junto às camadas populares e “aparecimento de associações
camponesas com vistas a resolver o problema imediato de acesso à
terra”.139 Diante do ascenso político do campesinato e do proletariado
rural, ao lado do proletariado urbano e outras forças políticas, as classes
dominantes (em âmbito regional, nacional e internacional) movimentaram-
se no sentido de acabar com toda experiência democrática no Nordeste e no
conjunto da sociedade brasileira.
O que estava em causa, no Nordeste, nessa ocasião, era a questão da
democracia. Era o ascenso dos trabalhadores rurais e urbanos na conquista
de direitos trabalhistas semelhantes aos que já eram reconhecidos a
trabalhadores da indústria, e mesmo a trabalhadores rurais, em alguns
lugares de outras regiões. Desde que a Frente de Recife elegera Miguel
Arraes para prefeito da cidade, em 1960, e governador de Pernambuco, em
1962, era cada vez mais amplo e profundo o processo de democratização
que as forças populares estavam efetivando. As organizações, atuações e
lutas de todos os grupos e partidos de base popular, principalmente de base
operária e camponesa, estavam criando novas dimensões políticas no
Nordeste. Era real o ascenso dos trabalhadores rurais e urbanos, por dentro
e por fora da Frente de Recife, da atuação de Miguel Arraes, Gregório
Bezerra, Francisco Julião e muitos outros.
Arraes: Ao retirar da polícia a função tradicional de instrumento
de garantia dos privilégios seculares de uma minoria, criando,
simultaneamente, condições para o livre exercício, por parte de
todos, das franquias democráticas asseguradas pela Constituição –
logrou o governo atingir, nesse primeiro ano de mandato, uma de
suas metas fundamentais. Fruto de uma concepção de ordem e de
liberdade que foge à costumeira tendência de julgá-las conflitantes
entre si, foi essa a primeira conquista alcançada e, certamente, a
mais importante.
Esse conceito novo de poder de polícia do Estado, ao lado do
rápido processo de organização da massa de trabalhadores do
campo, permitiu uma profunda transformação social na zona
canavieira pernambucana.
As condições que aí prevaleciam de há muito tinham assumido
um caráter francamente incompatível com as exigências do
desenvolvimento de ‘nosso país e de Pernambuco. Subsistindo
artificialmente às custas de uma política protecionista e de
subvenções do governo federal, o sistema canavieiro eternizava
métodos de produção inteiramente ultrapassados. Na parte
agrícola, principalmente, o atraso assumia aspectos alarmantes,
traduzindo-se em rendimentos por hectare dos mais baixos do
mundo. Não havia incentivo para novos investimentos; ao
contrário, a política açucareira do governo federal, administrada
por intermédio do instituto do açúcar e do álcool, estimulava a
estagnação, com evidente prejuízo para a nação e o Estado.
Ao lado do protecionismo míope do instituto do açúcar e do
álcool, um outro mecanismo contribuía consideravelmente para
assegurar uma precária rentabilidade à agroindústria açucareira: a
manutenção de níveis salariais extremamente baixos, preço vil da
labuta diária e estafante da massa de trabalhadores rurais.
É bem verdade que se tornava inevitável a eclosão de numerosos
e potentes movimentos reivindicatórios, dado o estado de miséria e
de opressão em que viviam os trabalhadores da zona canavieira.
Graças, entretanto, à mobilização de todo o aparelho do Estado na
defesa intransigente dos privilégios de uma minoria retrógrada,
sufocava-se e procurava-se desarticular o processo de organização
dos trabalhadores do campo, na vã tentativa de bloquear o avanço,
para o cenário político, de forças sociais que já não podiam ser
ignoradas. É claro que essa situação não poderia perdurar, baseada
que era na miséria de uma massa trabalhadora que aos poucos
tomava consciência de si própria e de seus problemas. Esse lento
processo de tomada de consciência, verdadeiramente inexorável
em sua dinâmica interna e manifestando-se de maneira esporádica
e desordenada, apresentava-se aos olhos da minoria beneficiada
como eminentemente subversivo. A história está cheia de
exemplos semelhantes. Não foi considerada menos subversiva a
Abolição da Escravatura, em 1888. Em decorrência das condições
favoráveis criadas pelo governo, o processo de organização e,
consequentemente, de amadurecimento político dos trabalhadores
das cidades e dos campos fez progressos rápidos e consideráveis
em Pernambuco. Isso é particularmente verdadeiro na zona
canavieira do Estado.140
Oliveira: Crescendo a ação política das massas camponesas ou
semicamponesas, crescendo a presença política de massas
trabalhadoras urbanas, suas reivindicações vão chocar-se contra a
essência do processo de crescimento oligopolístico a partir do
Centro-Sul, no núcleo da própria estrutura do processo de
concentração e centralização do capital. A penetração das
mercadorias produzidas no Centro-Sul, e posteriormente a própria
penetração de grupos econômicos do Centro-Sul, que precede à
própria Sudene, destruía as bases da economia ‘regional’, tanto
agrícola quanto industrial. Essa destruição propiciava uma
acumulação diferencial extraordinária ou uma superacumulação,
em outras palavras, cuja base residia seja no mercado nordestino
capturado, seja na implantação de empresas com capitais do
Centro-Sul que, repousando numa composição técnica de capital
superior, passavam a realizar uma composição orgânica de capital
mais favorável, devido exatamente ao diferencial de custos de
reprodução da força de trabalho nordestina. Ora, as reivindicações
das forças populares no Nordeste, tanto rurais quanto urbanas,
centravam-se agora exatamente na aplicação rigorosa das leis de
propriedade, por um lado, e das leis de regulamentação trabalhista
por outro, entre estas a estrita obediência ao pagamento do salário-
mínimo.141
Bezerra: O movimento camponês deu um pulo agigantado para
a frente. No meado do ano de 1963 conseguimos a aplicação do
salário-mínimo para o campo, uma das nossas principais
reivindicações. Com isto veio a luta séria porque chocava com os
interesses econômicos do patronato habituado a pagar um salário
de fome e de miséria, embora muitos dos usineiros
compreendessem bem o problema e passassem a pagar o salário-
mínimo. Aí passamos a lutar pela aplicação da legislação
trabalhista e previdenciária não só para os assalariados, mas para
todas as categorias de camponeses pobres. Houve mais luta,
principalmente quando se tratava da mulher. Havia uma
discriminação odiosa contra a mulher. O patronato rural achava
que o simples fato de ser mulher não dava o direito a um salário
integral, ainda que produzisse a mesma quantidade de trabalho, isto
é, que davam a mesma jornada de trabalho. Achavam o maior
absurdo: ‘Quem já viu mulher ganhar igual a homem?’. Pra eles
tinha que ganhar metade do salário do homem. Isto provocou
greves parciais em vários engenhos e fazendas. Íamos lá,
discutíamos com o patrão, e nas situações de discriminação contra
a mulher, as greves eram vitoriosas. Os recalcitrantes e desumanos
eram obrigados não só a atender às mulheres como ao repouso
semanal remunerado e ao descanso nos dias santos e feriados. Era
a aplicação da legislação trabalhista e previdenciária ao campo. As
mulheres camponesas sentiram que o sol havia nascido também
para elas através dos sindicatos e do partido.142
Em março de 1963, já tínhamos conseguido fazer com que o
salário-mínimo de 450 cruzeiros estivesse sendo pago em 97% da
zona açucareira do Estado de Pernambuco e em fins de abril essa
situação pôde ser consolidada. O patronato rural capitulou diante
da lei e da unidade da massa camponesa sindicalizada. Mas a luta
prosseguia, a maioria dos patrões não se conformava e usava
elementos ignorantes, ainda não esclarecidos, e corrompia
determinados indivíduos para criarem confusões e intrigas,
difundindo descrença no meio da massa e disseminando
desconfiança em face das direções sindicais.143
É óbvio que o ascenso político dos trabalhadores rurais e urbanos do
Nordeste estava sendo acompanhado de acontecimentos surpreendentes
para a burguesia local. Pela primeira vez na história da região, em tal
escala, o povo estava elegendo vereadores, deputados, prefeitos e
governadores que estavam cumprindo os seus compromissos políticos com
os eleitores. Os trabalhadores do campo começaram a ver os seus direitos
trabalhistas respeitados; podiam fazer política; participar de ligas,
sindicatos, comícios, greves, sem que os usineiros, ou os seus prepostos,
manipulassem a polícia para reprimi-los; os casos de violência privada
estavam sendo denunciados, apurados. Pouco a pouco, o trabalhador
começava a sentir-se cidadão, com direito a votar, ver o seu voto
respeitado, ter os seus direitos trabalhistas garantidos e assim por diante.
Em Pernambuco, o governador ouvia o trabalhador e atendia o seu
reclamo. O humilhado e ofendido do mundo rural começava a sentir-se
pessoa, gente, cidadão.
Ninguém pode dizer que há agitação e subversão da ordem onde
se pede apenas o cumprimento da lei, e em Pernambuco não vejo
violação ao direito de propriedade. Lá a propriedade privada não
está ameaçada por ninguém. O que há, isto sim, é a fome de
milhares de famílias, que exigem o cumprimento da lei que manda
pagar o salário-mínimo ao lavrador, e o governo pode manter a
ordem sem usar a polícia, através da própria confiança que o povo
nele deposita.144
É claro: o que estava acontecendo era revolucionário. Mas não no
sentido que lhe queria incutir a reação da burguesia local, regional,
nacional e estrangeira, associadas ou não. No âmbito do sistema jurídico-
político burguês, consubstanciado na Constituição de 1946 e na experiência
política dos anos 1946-1960, os trabalhadores do Nordeste estavam
realizando conquistas políticas e econômicas notáveis. Em todo o Brasil,
em diferentes gradações naturalmente, as classes assalariadas, em geral,
mas os operários e camponeses, em especial, estavam realizando avanços
políticos talvez nunca dantes alcançados tão largamente. Tanto assim que
em 1961-1964 a sociedade brasileira conheceu uma riqueza política poucas
vezes havida anteriormente. Foi nessa época que se configuraram, de forma
particularmente nítida, várias opções possíveis de desdobramento do
processo político brasileiro: capitalismo dependente, capitalismo nacional,
socialismo por via pacífica e socialismo por via revolucionária. Sob vários
aspectos, portanto, o que estava acontecendo no Nordeste dizia respeito ao
que estava acontecendo e podia acontecer no Brasil. Em 1961-1964, a crise
do Estado burguês estava sendo acompanhada de um notável ascenso
político de operários urbanos, operários rurais e camponeses, além de
alguns setores da classe média urbana.
A verdade é que a grande burguesia monopolista (com base no
imperialismo e apoiada em forças reacionárias internas, inclusive a
burocracia civil e militar) estava manipulando o caso do Nordeste, a
“inquietação social” na região nordestina, a política de Arraes, a atuação de
Julião, a mobilização de trabalhadores rurais em ligas e sindicatos etc.,
como um pretexto para derrubar o governo do presidente Goulart. Ao
mesmo tempo que buscava reverter o processo democrático do Nordeste,
essa aliança de interesses reacionários buscava reverter o processo
democrático no Brasil. Foi o que ocorreu, a partir do golpe de Estado de
1964.
Em suma, com o golpe, grande parte do peso da ditadura caiu sobre o
Nordeste, sob a alegação de que essa região, as classes subalternas
nordestinas, o ascenso democrático dessas classes, tudo que era avanço
político dos muitos e inúmeros severinos e severinas, tudo isso era
perigoso. Em 1964 a ditadura passou a tratar o Nordeste como um perigo,
uma ameaça para o Estado burguês. O desenvolvimento das ligas
camponesas, sindicatos rurais e urbanos, grupos e partidos políticos,
expressando o largo avanço democrático dos trabalhadores assalariados do
campo e da cidade, tudo isso foi definido e tratado como um perigo, uma
ameaça, para a continuidade do Estado burguês, cada vez mais posto a
serviço do capital monopolista, da grande burguesia estrangeira e nacional,
associadas ou não.
Mas o poder estatal nem resolveu nem encaminhou a resolução de
nenhum dos problemas econômicos e políticos dos trabalhadores
assalariados rurais e urbanos, dos camponeses dos vários e muitos lugares
da região. Ao contrário, todos os problemas sociais das classes subalternas
foram agravados pelas políticas adotadas, ou retomadas, para fazer face aos
desafios do Nordeste. As atividades da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Banco do Nordeste do Brasil
(BNB), Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), Grupo Executivo da
Racionalização da Agroindústria Açucareira do Nordeste (Geran),
Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
(Polonordeste), Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da
Região Semiárida do Nordeste (Projeto Sertanejo), Programa de
Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e
Nordeste (Proterra), Programa Especial para o Vale do São Francisco
(Provale), Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) e mais
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entre
muitos outros órgãos federais, regionais, estaduais e municipais, não
melhoraram as condições de vida e trabalho dos camponeses e assalariados
na agricultura, pecuária, agroindústria e outras atividades. Ao contrário, as
condições de vida e trabalho de todos esses trabalhadores pioraram. Os
governantes recriaram as condições de exploração prevalecentes no
Nordeste antes de 1960, condições essas agravadas pela repressão política,
policial. A burguesia atuante na região, e não só na agroindústria
canavieira, teve as mãos livres para atuar contra os interesses de
moradores, corumbas, clandestinos, peões, parceiros, arrendatários,
assalariados e camponeses de vários tipos. O aparelho estatal favoreceu o
retorno da superexploração dos trabalhadores rurais e urbanos,
superexploração essa agravada pela aliança direta, clara e brutal do capital
monopolista com o Estado. Mais uma vez, o capital reconquistava o
Nordeste de forma ampla.
Desde o começo, esse Estado foi levado a favorecer, de forma maciça e
ostensiva, o grande capital, a burguesia regional, nacional e estrangeira. O
que já era um processo notável, antes de 1964, com a atuação do Dnocs,
IAA, BNB, Sudene e outros órgãos do poder público, desde o golpe de
Estado se tornou um processo escancarado.
Foi tão escandaloso o agravamento das condições de vida e trabalho das
classes subalternas na região que os próprios governantes e funcionários
(burocratas e tecnocratas, civis e militares) tiveram que preocupar-se com o
problema. Foi a seca de 1970 que serviu de pretexto para que o “Nordeste”
passasse a ser tratado (mais uma vez, como em muitas ocasiões em sua
história, neste século) como uma “região castigada pela natureza”. De um
momento para outro, a região “perigosa”, que “ameaçava” o Estado
burguês, passava a ser considerada como uma paisagem de “inclemência
do tempo”, de “desolação”. Por isso é que as “multidões famintas
angustiadas”, “flageladas”, “desassistidas” estavam “comendo só feijão
com farinha”.145 Diante da miséria a que o capital submete o trabalhador
rural, do pauperismo a que a burguesia submete operários rurais e
camponeses, os governantes fazem literatura, imaginam que os muitos
severinos e severinas enganam-se com palavras. Fazem discursos.
Aqui vim para ver, com os olhos da minha sensibilidade, a seca
deste ano, e vi todo o drama do Nordeste. Vim ver a seca de 1970 e
vi o sofrimento e a miséria de sempre [...].
Vi o Nordeste de dentro, dos sertões secos de Crateús e dos
Currais Novos. Vi a paisagem árida, as plantações perdidas, os
lugarejos mortos. Vi a poeira, o sol, o calor, a inclemência dos
homens e do tempo, a desolação.
Vi as frentes de trabalho, feitas só para assistir o homem. Vi os
postos de alistamento dessas mesmas frentes, com multidões
famintas angustiadas, esperando a sua vez [...].
Falei a esse flagelado. Vi seus farrapos, apertei a sua mão, vi o
que comia, perguntei pelos seus, por sua terra, seu trabalho, seu
patrão; vi homens comendo só feijão e farinha, sem tempero e sem
sal [...].
Vi o sofrimento de homens moços, de mais de dez filhos, nunca
menos de cinco deixados lá longe, onde não cheguei a ir. Vi
crianças desassistidas ao longo do caminho [...].
Vi a mão verde-oliva dos companheiros do Exército – do
soldado ao general – estendida a esse homem, como estrutura
atuante de assistência social.
Vi como homens se vinculam à terra, vinculados aos seus donos.
Vi essa pobre lavoura de sustento, sem água, sem técnica, sem
adubo, sem produtividade, desenganada de dar o esperado fruto. E,
pior que isso, vi a angústia dos meses que ainda virão sem chuva.
Mas vi em toda a parte dos sertões por onde andei o espírito de
religiosidade, a resignação, a bondade, o apego à família.
Vi a esperança apesar de tudo, e a fortaleza moral daquela gente
sofrida que a mim falou sua verdade [...].
Trouxe comigo, para todas as providências, os meus ministros
da Fazenda, da Agricultura, do Planejamento, dos Transportes e do
Interior. Se, dos ministérios do Trabalho e da Saúde, vieram só
representantes, é que mandei os titulares em missão ao exterior. A
tudo viram, a meu lado, o superintendente da Sudene, os diretores
do Dnocs e do Banco do Brasil, os generais-comandantes do IV
Exército e do grupamento de engenharia, assim como os chefes dos
Gabinetes Civil e Militar da Presidência, o chefe do SNI, os meus
assessores imediatos e os profissionais da imprensa que eu trouxe
do Sul.146
A principal providência tomada pelos governantes, a pretexto de fazer
face aos problemas sociais “criados pela seca”, foi propor o Programa de
Integração Nacional, PIN (Decreto-Lei n. 1.106, de 16 de junho de 1970),
com o fim de construir as rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e
outras, lançando mão da força de trabalho “excedente” no Nordeste. Ao
combinar a atuação do PIN com o Incra (Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária, criado pelo Decreto-Lei n. 1.110, de 9 de julho de
1970), os governantes estavam, mais uma vez, lançando mão do poder
discricionário da ditadura para manipular recursos financeiros federais e
trabalhadores desempregados e subempregados do Nordeste a fim de
favorecer os negócios da grande empresa privada nacional e estrangeira.
Sob a alegação de que se tratava de construir estradas e desenvolver a
colonização oficial e particular na Amazônia, estavam atuando no sentido
de preservar as relações de produção, as estruturas de poder e a estrutura
fundiária no Nordeste. E mais uma vez alguns contingentes nordestinos do
exército industrial de reserva iam servir aos desenvolvimentos da
acumulação capitalista.147 Ao longo das últimas décadas, e não só em
algumas ocasiões, os trabalhadores rurais e urbanos do Nordeste têm sido o
principal contingente de reserva da força de trabalho, com o qual a
burguesia tem contado para desenvolver e diversificar a expansão do
capital.
A dialética nação-região tem, no Brasil, durante os anos da ditadura
militar, um significado especial. Novamente, e talvez mais do que em
outras ocasiões da história do país, desde 1964 os governantes
manipularam as relações econômicas, políticas, demográficas, culturais,
militares, policiais e outras de modo a reforçar o poder estatal. Foram
diversas e notáveis as modificações que a ditadura introduziu nas
articulações entre os interesses das burguesias estaduais e regionais (ou
oligarquias) e os interesses da grande burguesia monopolista prevalecentes
no âmbito do Estado. A retórica política antiga (municipalismo,
regionalismo, coronelismo etc.) foi amplamente substituída pela retórica
tecnocrática, do planejamento que vinha da criação da Sudene. Para obter
alguma vantagem dos detentores do poder federal, os detentores dos
poderes estaduais, territoriais e municipais precisaram lançar mão dos
recursos da retórica oficial do planejamento. E passaram a falar,
frequentemente como papagaios, em planejamentos vários: econômico,
financeiro, industrial, agrário, educacional, cultural, urbano, regional,
estadual, municipal, turístico, policial e muitos outros. A burocratização do
poder e do discurso do poder era sucedâneo do político. Diante de um
poder exercido de forma intelectual e politicamente medíocre, nada melhor
do que empreender a linguagem da tecnocracia civil e militar instalada no
aparelho estatal.
Na verdade, com a nova centralização operada na política
brasileira após 1964, com o enfraquecimento do Poder Legislativo
diante do Executivo, com a supressão das eleições, exceto para os
cargos de nível municipal ou para o Poder Legislativo, o
coronelismo e as mediações políticas tradicionais viram secar
muito a seiva que os nutria. Elites como a mineira, de Estados com
grande eleitorado, fator de que retiraram seu poderio no centro,
caíram no ostracismo [...]. A periferia continua, pois, dependente
do centro e, paradoxalmente, até certo ponto mais fraca do que
antes na barganha política, pois não tem o que oferecer em
troca.148
Crescia a exploração da força de trabalho operária e camponesa, ao
mesmo tempo que prosperavam os grandes negócios, as empresas
protegidas e favorecidas, econômica e politicamente, pelos governantes.
Mesmo quando há algum aumento de salário real, fica muitíssimo abaixo
do crescimento, às vezes notáveis, da “produtividade”. Ao comparar dados
relativos aos anos 1948-1968, podemos constatar que o “aumento da
produtividade agrícola da mão de obra no Nordeste superou o da
agricultura do país”.149 E ao tomar a evolução dos salários em 1959-1968,
pode-se constatar que “os salários agrícolas reais expandiram-se um pouco
no Nordeste na década de 1960, mas esse aumento foi de magnitude menor
do que o aumento da renda interna por pessoa da força de trabalho
agrícola”.150 Ocorre que o trabalhador rural, assalariado ou não, ficou
ainda mais à mercê do empresário, fazendeiro latifundiário, empreiteiro de
mão de obra, comerciante, usurário, banqueiro e outros beneficiários da
mais-valia.
Sabe-se que é muito elevado no país o número de agricultores
não empresariais, ou seja, de trabalhadores rurais que vivem de
salários ou de retornos provenientes de parcerias e arrendamentos
que, em geral, são estabelecidos em termos suficientes para dar ao
trabalhador um rendimento equivalente, ou um pouco superior, ao
salário rural da região. São pouco frequentes os casos em que o
arrendatário age como empresário rural, a exemplo do que ocorre
principalmente no Rio Grande do Sul com as lavouras de trigo e
soja e o arroz irrigado.
Quanto aos baixos níveis salariais vigentes na agricultura, pode-
se comprová-lo através das estatísticas levantadas regularmente
pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto de Economia
Agrícola de São Paulo, que indicam que apenas no Estado de São
Paulo, a partir do ano de 1973, o salário do trabalhador agrícola se
mostra superior ao mínimo. Nos demais Estados, esse salário é
sempre inferior. Pelos números apresentados [...] nota-se que, em
1973, as diferenças maiores foram em Pernambuco, Ceará e Minas
Gerais, onde os salários rurais correspondem apenas a 56, 75 e
76% do mínimo, respectivamente. No Paraná e Rio Grande do Sul
chegavam a 93 e 96% dos salários-mínimos.151
Em 1980, nenhum dos problemas sociais do Nordeste estava nem
resolvido nem minorado. Os trabalhadores rurais e urbanos continuavam a
trabalhar e viver sob condições extremamente adversas. Comparadas com
as condições prevalecentes em alguns lugares do Sul, ou mesmo com
aquelas prevalecentes no próprio Nordeste em 1960-1964, as condições
vigentes em 1980 são muito precárias. Em todos os lugares, ainda que em
diferentes gradações, os muitos severinos e severinas, adultos, crianças e
velhos, são superexplorados pela burguesia regional, nacional e estrangeira,
amplamente favorecida pelo Estado ditatorial.
Durante o primeiro semestre de 1979, uma extensa área da região
nordestina teve os seus problemas sociais revelados, de forma direta,
devido à seca. Muitas famílias de camponeses (meeiros, sitiantes,
moradores e outros) e assalariados rurais permanentes e temporários
tiveram as suas condições de vida e trabalho agravadas. As formas de
organização da produção de tipo camponês, e as relações de produção com
base no trabalhador assalariado, toda atividade econômica destinada, seja
ao mercado, seja ao autoconsumo, todos passaram a sentir a penúria
inerente às suas condições regulares de vida e trabalho. Muitos são os que
“não dispõem de qualquer alternativa”, a não ser perambular pelas cidades
ou se submeter ao que eles próprios chamam de “humilhação de pedir
comida”. A luta pela comida ganha entonação patética. “Opera-se o
milagre de dividir cuias de feijão por dez, onze, doze filhos. Comem-se
sabugos de milho”.152 Acontecem tantos saques de armazéns, casas de
comércio, feiras, como apelos aos milagres dos santos.
‘Quem plantou feijão, milho e arroz para colher perdeu quase
tudo por causa da falta de chuva. E teve gente que nem plantou ou
então deixou a plantação sem completar, porque a chuva não veio
no tempo certo. Os proprietários não podem pagar aos
trabalhadores porque tiveram prejuízos. Então, se vier uma
chuvinha agora, não vai adiantar muito. Se não tem lavoura, a
gente vai comer o quê? Só se for terra. A situação não está católica
não’.
De fato, longe dos gabinetes onde se traçam os itinerários do
socorro governamental à legião de castigados pelo clima,
desenvolve-se uma batalha diária contra a fome, a primeira
consequência da seca. A luta pela sobrevivência inclui apelos a
Jesus, São Paulo e ao governo – a Santíssima Trindade capaz de
qualquer milagre, porque tem o poder de mandar chuva para
molhar a terra e dinheiro para comprar comida –, saques a
armazéns e depósitos de alimentos e até o sacrifício de fazer de um
sabugo de milho uma refeição...
Desde quando os sertanejos viram que este não seria um ano
normal para a agricultura, o velho drama da falta de comida e de
dinheiro começou a se repetir. Não é difícil entender as razões
imediatas do flagelo: o Nordeste enfrenta este ano a chamada ‘seca
verde’. Há água nos açudes, folhagens cobrem as caatingas, mas as
chuvas – irregulares e insuficientes – não permitiram o crescimento
da lavoura. Resultado: o feijão, o milho e o arroz que os pequenos
agricultores plantam para o consumo de suas famílias se perderam.
E faltou o que comer. O algodão, que ainda podia render algum
dinheiro, também sofreu com a estiagem. O que fazer, então, para
alimentar famílias que, frequentemente, ostentam uma dezena de
filhos? Esperar que apareça trabalho ou que o governo distribua
alimentos. Quando nem uma coisa nem outra aparece a tempo, o
recurso extremo é invadir as cidades e saquear os depósitos de
alimentos da Cobal ou dos armazéns. É uma cena que se repete
várias vezes, como em um filme antigo que todos já viram: os
flagelados chegam às cidades em grandes grupos, erram pelas ruas,
batem na porta das prefeituras, enfrentam filas e terminam
cometendo saques. O estômago não pode esperar tanto.153
Junto com as relações de produção extremamente adversas aos
trabalhadores rurais, desenvolvem-se o desemprego e o subemprego, no
campo e na cidade. O Nordeste tem sido e continua a ser uma região na
qual o capitalismo em funcionamento no Brasil tem buscado e rebuscado
reservas de força de trabalho. As condições de organização social da
produção; a simbiose minifúndio-latifúndio; as articulações campesinato-
empresa agroindustrial; a superexploração do trabalhador rural; as
articulações do capital instalado no Nordeste com o capital localizado no
Centro-Sul e no exterior; as associações entre as burguesias regional,
nacional e estrangeira, as atuações do aparelho estatal, por meio de suas
políticas econômicas e sociais, sempre em favor do capital monopolista –
tudo isso, em conjunto, cria e recria o Nordeste como “Nordeste”, como
“região problema”, sujeita às mais insólitas e contraditórias definições da
ideologia das classes dominantes: região castigada pela natureza; perigosa;
ou exótica? Por sob essas fantasias – reais e brutais, com muita frequência
–, persiste a superexploração das classes subalternas nordestinas, no campo
e na cidade. Os muitos, inúmeros, severinos e severinas, seja como
membros do exército industrial de trabalhadores da ativa, seja como do
exército de reserva, todos se acham submetidos ao capital, à acumulação
capitalista, no próprio Nordeste, no Centro-Sul e no exterior.
Na base da Questão Nordeste, como um dos seus aspectos principais,
está a questão fundiária. Praticamente toda melhor terra é monopolizada
por grandes latifundiários, fazendeiros, usineiros. “O essencial das terras de
boa qualidade da região está tradicionalmente dedicado às culturas de
exportação, como a da cana-de-açúcar”.154 Ao lado da grande propriedade
fundiária, sejam quais forem a forma e a escala de exploração econômica,
há inúmeros pequenos produtores autônomos, sejam ou não proprietários
das terras que cultivam com os membros da família.
É necessário insistir nesta perspectiva: em toda sociedade de
classe os problemas do subdesenvolvimento recaem com toda a
intensidade sobre os estratos majoritários da sociedade. Na
agricultura do Nordeste, uma das causas principais do
subdesenvolvimento do estrato social mais afetado (80% das
famílias rurais) está no monopólio da terra, por parte de 11% das
famílias. Esta situação, como já foi dito, determina as condições de
pequenos proprietários, arrendatários, parceiros, moradores e
assalariados, e limita a potencialidade de seu desenvolvimento.
Resumindo todo o exposto, observa-se que só 20,8% das famílias
rurais do Nordeste podem expandir seus negócios sem encontrar
entraves de importância no tamanho de seus estabelecimentos ou
nos sistemas de posse e uso da terra. Das famílias rurais, 35,8%
enfrentam problemas de posse de terras por sua limitada superfície
e/ou também pelas precárias ou abusivas condições legais que
impõem os proprietários para sua utilização.
Finalmente, 43,4% das famílias rurais do Nordeste são famílias
submetidas e aviltadas, em sua condição humana, pelo império da
concentrada propriedade da terra.
É preciso compreender que, sobre todo este universo rural
afetado em suas potencialidades de desenvolvimento pelos
“problemas da terra”, projeta-se, ademais, simultaneamente, um
outro conjunto de relações sociais determinadas pelo jogo de
transações comerciais e financeiras a que dá origem a produção
mercantil [...].
A pobreza camponesa, onde com ligeiras diferenças debatem-se
80% da população rural nordestina, tem sua fundamentação
principal, mais que na ecologia regional, na natureza e intensidade
das relações sociais que pressionam o pequeno produtor,
proprietário ou arrendatário, assim como o parceiro, morador e
assalariado, para extrair o máximo possível de seus excedentes
monetários e de suas forças físicas, em benefício de grupos e
classes sociais que monopolizam o capital e a terra.155
Ao mesmo tempo, o trabalhador rural assalariado continua a ser
explorado pelo usineiro, fazendeiro, latifundiário. São escassas as suas
possibilidades de reivindicação e protesto. Desde que as ligas camponesas
foram simplesmente suprimidas, que os sindicatos rurais foram submetidos
à intervenção pelo Ministério do Trabalho, que membros das diretorias das
ligas e sindicatos foram perseguidos, presos, processados, mortos ou
sumidos; desde que muita foi a repressão sofrida e padecida pelo
proletariado e pelo campesinato; desde que se abateu a ditadura sobre as
classes subalternas do Nordeste (talvez com maior brutalidade do que em
outras áreas do país), poucas foram as condições políticas que restaram
para reivindicar e protestar. Mesmo assim, os canavieiros, os operários da
cana realizam uma greve de amplas proporções.
Dezoito mil trabalhadores rurais – 10 mil associados dos dois
sindicatos da área e 8 mil boias-frias – paralisaram, na madrugada
de ontem, suas atividades nos municípios de São Lourenço da
Mata e Paudalho, na zona canavieira do Estado, numa greve legal
em que reivindicam 100% de aumento salarial e outros direitos
trabalhistas. Existem cerca de 20 mil trabalhadores na área [...].
A adesão dos trabalhadores foi maciça. Em São Lourenço, a
paralisação alcançou praticamente a totalidade dos 10 mil
assalariados do campo, segundo o sindicato. Em Paudalho, todos
os aproximadamente 5 mil associados do sindicato suspenderam o
serviço, sendo acompanhados por uns 3 mil boias-frias.
A greve paralisou 38 usinas nos dois municípios cujos sindicatos
já receberam o apoio dos outros 22 que ainda estão em negociações
antes de se decidirem pela adesão ao movimento.156
Para mostrar que estão fazendo alguma coisa, os governantes buscam
criar manchetes nos jornais, rádios, televisões. A despeito de ter caído
sobre o Nordeste de uma forma direta e brutal, a ditadura é obrigada a
tomar e retomar iniciativas, fazer alguma coisa para que nada se modifique.
Por isso, a fala ditatorial é equívoca, enganosa. Diante do agravamento das
condições sociais de vida e trabalho de operários rurais, operários urbanos
e camponeses, o que aparece na ocasião da seca e da greve, além do
desemprego e subemprego permanentes, os governantes fazem discursos
de intenções, falam de “pobreza” e “unidade nacional”.
A unidade nacional, herdada de nossos antepassados, não se
expressará em ilhas de prosperidade, separadas pela grande
carência que ainda persiste, apesar de todo o esforço dos últimos
15 anos. Somos um só povo. E o Brasil haverá de ser todo ele
próspero e feliz.
Para isso, cumpre-nos continuar a prover o Nordeste – não como
dádiva, mas porque assim é de direito – de oportunidade de
produzir riquezas [...].
Como primeira providência de caráter geral, determinei a meus
ministros que, dentro da ação setorial da competência de cada um,
fosse atribuído aos programas executar, no Nordeste, a prioridade
equivalente à sua dimensão física, social, econômica, política e
humana [...]
A ação do meu governo está norteada pela ambição de assegurar
a eliminação da pobreza absoluta e das diferenças terríveis entre as
regiões brasileiras.157
Essa retórica talvez seja menos uma reação ao reinício do ascenso
político dos operários e camponeses do que uma tentativa de fazer face ao
reaparecimento de grandes líderes políticos de base popular no Nordeste.
Ou pode ser uma tentativa de responder, de forma burocrática, medíocre, a
um contexto político surpreendente para os governantes e as classes
dominantes beneficiárias da ditadura. A nova “Operação Nordeste”,
lançada em outubro de 1979, seria “uma ofensiva do governo na região,
com a concessão de créditos, e o lançamento de programas de
desenvolvimento”. Ao mesmo tempo, os governantes procuram
“contrabalançar o eventual fortalecimento da oposição com a volta de
eLivross famosos, como Miguel Arraes, Pelópidas Silveira, Gregório
Bezerra e Francisco Julião”.158 Por isso também soa burocrática a fala do
general-presidente no diálogo do dito com os operários da cana.
Figueiredo: O senhor mora nessa casa e não paga aluguel. Tem
seguro?
José: Não tenho nada, nada.
Figueiredo: Quer dizer que o senhor, morrendo, não deixa nada para
a esposa e os filhos?
José: Eu, morrendo, a usina despeja. Eu, morrendo, minha esposa é
despejada com dois meses, porque a família não tem direito de morar
na casa se o marido já morreu.
Figueiredo: E o INPS?
José: Eu não desconto INPS, não senhor.
Figueiredo: Cadê o Jair? (Jair Soares, ministro da Previdência
Social).
Andreazza: O problema da casa nós vamos resolver.
Figueiredo: (dirigindo-se ao camponês) Quer dizer que essa vontade
que o senhor me expressou de ter uma casa própria vai ser
concretizada. E a senhora trabalha onde?
Maria Gomes: (esposa de José) Eu trabalho no corte de cana. Saio
quatro horas da manhã, com as crianças,. que não estudam porque eu
ponho elas para ajudar no trabalho. Só o pai não pode sustentar sete
pessoas.
Figueiredo: O seu marido disse que não tem INPS.
Maria Gomes: Ele não tem direito a nada. Ninguém aqui tem direito
a nada.
Figueiredo: (indagando de Jair Soares, que acabara de chegar) Ele
está dizendo que não tem INPS.
Jair Soares: A legislação dá cobertura. Eu vou determinar que o
superintendente do Inamps e do INPS tomem providências.
Figueiredo: Existem muitos na situação do senhor?
José: Muitos, muitos. Quando ocorre um acidente aqui, passam
quatro, cinco meses e não ganhamos nada, e sem direito. E a gente
quando vai ao hospital, eles dizem que não temos direito de fazer
tratamento.159
As condições de vida e trabalho sob as quais foram submetidos os
trabalhadores rurais e urbanos, assalariados e autônomos, impedem que a
burguesia e os governantes possam contar com algum apoio, ou mesmo
crédito de confiança, por parte dessas categorias. Diante do dilema posto
pelos movimentos populares, exigindo a democratização, as liberdades
democráticas, a liberdade sindical, a formação de partidos livres, diante
desse novo ascenso político das classes subalternas no Brasil em geral, e
não só no Nordeste, os governantes não sabem o que fazer, em termos de
política aberta. Eles não têm qualquer crédito político entre as classes
subalternas.
O que acontece é que as condições de organização política dessas classes
ainda se acham bastante controladas pelos governantes. Mesmo porque
ainda é poderosa a capacidade econômica e repressiva do aparelho estatal.
“A miséria quando é muita, enquanto o estouro não vem, o dinheiro
compra”.160
Mas Pernambuco pinga as gotas do ressentimento nordestino
pelo agravamento do desequilíbrio com o Sul nos 15 anos
revolucionários. Recife é a capital da pobreza que se mostra nas
ruas fervilhando de uma população de 1 milhão e 300 mil
habitantes, com 47% da sua faixa ativa ganhando até um salário-
mínimo e 81% entre um e três salários-mínimos. Com um terço,
mais de 450 mil, apodrecendo nos mocambos.
O dinheiro, na frase terrível de Cid Sampaio, compra votos da
miséria que ainda resiste ao estouro. Mas até quando? ‘A situação
econômica é tão terrível que aqui não há lugar para um partido do
governo’, diz Osvaldo Lima Filho.161
Outra vez, como em muitas ocasiões, como sempre, os
desenvolvimentos históricos da sociedade brasileira, em conjunto, e de
suas regiões em especial, recolocam a questão da criação e recriação das
desigualdades. Além das desigualdades entre as classes sociais, entre as
raças e etnias, entre os homens e as mulheres, criam e recriam-se as
desigualdades regionais. Mas essas desigualdades não se reproduzem
nunca em termos do que os governantes federais e as burguesias regionais
imaginam ser a dinâmica peculiar, curiosa, exótica do lugar: Nordeste,
Piauí, Amazônia, Rio Grande do Sul, São Paulo. O que acontece é que essa
dinâmica, que parece local, está sempre governada, altamente determinada,
pela dinâmica da produção predominante na sociedade, no conjunto do
subsistema econômico brasileiro. Tanto assim que as atividades produtivas
que se desenvolvem no Nordeste, por exemplo, sempre recebem alguma
influência ou iluminação geral, que as banha e impregna de alguma luz
nova, diversa, estranha. É daí, principalmente, que advém o “exotismo”
que alguns intelectuais, antigos ou recentes, encontram na realidade social,
cultural, política, econômica, humana do Nordeste. A burguesia dominante
na região e no país, ou os seus ideólogos mais ou menos notáveis, sempre
imaginam que o Nordeste é uma região castigada pela natureza; ou
perigosa; ou exótica. De qualquer forma, o exotismo perpassa toda
ideologia dominante sobre a região. O próprio “perigo” que o Nordeste
teria representado para o Estado burguês, em 1961-1964, teria algo que ver
com a “natureza” estranha, diversa, insólita do lugar, das gentes do lugar.
Manter o Nordeste “Nordeste”, flagelado, exótico, ou mesmo como
ameaça, é o preço que as classes dominantes julgam razoável pagar para
garantir as condições de dominação e exploração das classes subalternas da
região. O colorido regional garante as divisões que garantem o poder das
classes dominantes, sejam quais forem os governantes da ocasião, civis,
militares, ou militares em trajes civis.
Freyre: Devemos dar graças a Deus – nós, que acreditamos em
Deus, é claro – por haver regiões no Brasil e por haver uma
unidade que coexiste com uma pluralidade. Um Brasil que tivesse
um só tipo de cultura, que fosse somente europeu ou apenas
lusitano na sua sobrevivência da época da colonização, seria um
Brasil terrivelmente monótono na sua cultura, nas suas formas de
convivência, nas suas expressões do tipo humano.162
Arraes: O Brasil é um país muito extenso e populoso [...]. Assim
como já ocorreu em nossa história, vários regimes podem coabitar
no país. Uma “distensão” no Rio ou em São Paulo não é
incompatível com violenta repressão no Nordeste, sem que os
paulistas ou cariocas se apercebam do que ocorre com os
assalariados da cana-de-açúcar ou do cacau.163
O que está acontecendo no Nordeste é uma nova e surpreendente (para
os governantes) movimentação das classes subalternas. Os operários da
agroindústria canavieira realizam novas greves, com novas lideranças. Os
usineiros são obrigados a sentar-se à mesa de conversações, aceitar o
diálogo com canavieiros, com os seus operários. Nos últimos anos, de
novo, e talvez de forma surpreendente, a burguesia está sendo obrigada a
dialogar com os seus operários, como categoria, como classe social.
Ocorre que as classes subalternas encontram-se novamente nos começos
de uma nova experiência de ascenso político. Todo o peso da ditadura,
desde 1964, ao mesmo tempo que acentuou a exploração da força de
trabalho, provocou a repolitização dessas classes, dos trabalhadores
assalariados do campo e da cidade, dos produtores autônomos. A
brutalidade governamental, na forma econômica e política sob a qual ela
aparece no latifúndio, na fazenda, na usina, no campo e na cidade, essa
brutalidade colocou muito mais abertamente as ligações e os compromissos
entre a ditadura e a burguesia, entre o Estado e o capital. Se é verdade que
todos se repolitizam de uma forma especial sob a ditadura, são os operários
e camponeses que são levados a uma repolitização mais larga e mais funda.
As greves dos trabalhadores da agroindústria canavieira, em 1979 e 1980,
são expressões desse processo político de profunda significação para o
Nordeste e o Brasil. Ao mesmo tempo, a reação dos governantes às greves,
bem como à volta de Miguel Arraes, Gregório Bezerra e os outros líderes
de base popular ao Nordeste, essa reação revela uma compreensão antes
burocrática do que uma inteligência política da situação nordestina.
Os governantes continuam prisioneiros de uma ideologia que define o
Nordeste como uma mescla de região castigada pela natureza, perigosa e
exótica. Ao empenhar-se em fazer de conta que estão mudando alguma
coisa, para que nada mude, as classes dominantes e os seus funcionários
acabam por perder de vista os movimentos e as modificações reais da
sociedade. As classes dominantes e os seus funcionários, ou se fixam na
ideia de que a sociedade é amorfa, incompetente, exótica, perigosa, ou se
fixam na ideia de que ela é pacífica, cordial, bondosa, preguiçosa. É
bastante fecundo e diversificado o arsenal ideológico das classes
dominantes no Brasil, e não apenas no Nordeste. Em geral, as classes
dominantes e os seus funcionários articulam com grande desembaraço a
ficção ideológica, o labirinto, o insólito, as ideias exóticas renascidas no
lugar, ao mesmo tempo que a brutalidade da repressão política e
econômica, pública e privada.
11. A Geopolítica da Amazônia
A história da Amazônia, desde 1964, coloca e recoloca principalmente
as seguintes questões: geopolítica e desenvolvimento extensivo do
capitalismo; acumulação primitiva e luta pela terra; ditadura e fronteira.
Toda a problemática da Amazônia, conforme aparece nas atuações de
órgãos públicos e empresas privadas nacionais e estrangeiras, põe e repõe
essas questões. O que está em causa aqui, nessas diversas questões, são
traços talvez fundamentais do Estado brasileiro, do comprometimento do
Estado com o capital financeiro e monopolista, conforme se configuram na
“questão amazônica”.
Há várias interpretações importantes sobre a região. Multiplicam-se os
pontos de vista. Alguns lidam com a Amazônia em termos de vazio
econômico, vazio demográfico, fronteira de terras virgens e outras
colocações desse tipo. Outros se referem a uma região que está sendo
colonizada, integrada, desenvolvida. E há aqueles que julgam que a
Amazônia está sendo ocupada, invadida, devastada, pilhada. São diversas e
contraditórias as formas pelas quais os governantes e a opinião pública (a
burguesia e as classes assalariadas, o imperialismo e o povo brasileiro, os
técnicos e os trabalhadores, os empresários e os peões, os grileiros e os
posseiros, os civilizados e os índios) colocam e recolocam a problemática
da região. Para alguns pesquisadores, é muito provável que os projetos
agropecuários que o Estado está favorecendo desde 1966 já sejam ou
“venham a converter-se em pontas-de-lança de um inconcebível, e até
imprevisto, ‘imperialismo’ do centro econômico do país sobre a sua
periferia”. Coloca-se, assim, o problema da “retenção de parcela dos frutos
do ‘desenvolvimento’ regional, na própria região” como forma de
contornar, reduzir ou anular esse imperialismo.164 A rigor, trata-se de evitar
a recriação infindável da “periferia”, da “região problema”, do “vazio”
econômico que favorece a acumulação de capital no centro econômico e
político do país. Trata-se de evitar, ou controlar, a “proliferação de
verdadeiros enclaves”, enclaves esses os mais singulares, surpreendentes.
“No caso recente da Amazônia, há fortes indícios de utilização de terra
como reserva de valor e/ou para fins especulativos, dado o caráter
subsidiado com que se realizam as aquisições”.165 Isto é, as políticas
regionais adotadas pelos governantes parecem ter transformado a
Amazônia numa espécie de pasto universal do capitalismo. Sob vários
aspectos, pois, as diversas interpretações da problemática amazônica
parecem colocar e recolocar aspectos básicos das três questões: geopolítica
e desenvolvimento extensivo do capitalismo; acumulação primitiva e luta
pela terra, ditadura e fronteira. Talvez esses sejam os vários arranjos da
mesma articulação básica entre ditadura e capital.
Vejamos, de modo breve, alguns aspectos dessas questões. Mas partindo
da preliminar de que elas se acham encadeadas, envolvidas nas políticas e
práticas de órgãos governamentais e empresas privadas.
Essas questões podem ser fundamentais para a compreensão da
economia política da Amazônia e do conjunto da sociedade brasileira,
nesse tempo. Sob vários aspectos, a história da Amazônia, nos anos
recentes, também reflete e esclarece a história da sociedade brasileira
nesses anos.
Desde o começo, os governos militares foram levados a adotar várias
políticas para a Amazônia. Foram diversos, e cada vez mais abrangentes,
os planos, programas e projetos adotados pelo poder público federal para
iniciar, dinamizar ou orientar o desenvolvimento econômico da região.
Diferentes órgãos federais, tais como a Sudam, Basa, PIN, Suframa,
Radam, Proterra, Polamazônia, Incra, Funai e outros passaram a iniciar,
dinamizar ou orientar as atividades econômicas, públicas e privadas, na
Amazônia. Assim, o extrativismo, a mineração, a pecuária, a agricultura, a
indústria, a agroindústria, o comércio, os serviços, as atividades
financeiras, todos os setores da economia beneficiaram-se da atuação do
poder público.
É inegável que várias das políticas adotadas já vinham sendo postas em
prática em anos anteriores. Inclusive houve algumas atividades que foram
pura e simplesmente retomadas, segundo diretrizes formuladas antes de
1964. Mesmo nesses casos, entretanto, houve alguma mudança, mais ou
menos notável, seja pelo reforço ou reorientação da mesma política, seja
pela combinação da mesma com as outras, novas ou não, adotadas e
dinamizadas pelo poder público, em âmbito federal, regional, estadual,
territorial e municipal. A verdade é que os governos militares foram
induzidos a reelaborar e desenvolver as políticas regionais na Amazônia.
Talvez se possa dizer, em forma breve, que a ditadura instalada no Brasil
adotou principalmente duas políticas na Amazônia. Uma, de inspiração
geopolítica, destinada a refazer e reforçar os laços da região com o
conjunto do país, em especial o Centro-Sul, econômica, política, militar e
culturalmente dominante. Outra, de inspiração econômica, destinada a
reabrir a Amazônia ao desenvolvimento extensivo do capitalismo. Sob
vários aspectos, essas duas políticas adotadas conjugaram-se, confundiram-
se, complementaram-se. Tanto assim que as grandes rodovias construídas
na região, por exemplo, foram propostas e realizadas por razões de
“segurança nacional” e para favorecer “o desenvolvimento econômico”. É
óbvio, para os governantes, que “segurança e desenvolvimento” são as
duas faces da mesma moeda. Isto é, as razões da geopolítica e as razões do
capital mesclam-se, confundem-se. E esse é um traço fundamental da
fisionomia e do desempenho da ditadura militar.
Essa combinação de geopolítica e capitalismo (ou expansionismo do
poder militar e desenvolvimento capitalista) está presente e explícita em
diversas decisões e atuações do poder estatal nesses anos.
A revolução de 31 de março de 1964 ecoou na Amazônia, no
setor do Exército, em termos de grandes realizações, com reflexos
imediatos na estrutura econômica, política e social dessa imensa
área.166
Sobre haver sido pioneiro nas variadas manifestações da cultura
brasileira, o Exército, de mãos dadas com a Marinha e a
Aeronáutica, deu partida, após 1964, à arrancada para o
desenvolvimento da Amazônia. A mudança do status geopolítico,
geoeconômico e psicossocial é hoje palpável; às entidades
governamentais civis já estão entregues as grandes tarefas de
tornarem efetivo o milagre amazônico.167
Mais do que uma espécie de reconquista da Amazônia, a geopolítica da
ditadura sugere a transformação de outros espaços sul-americanos em
espaços amazônicos. Que pode significar vertebrar uma Amazônia sul-
americana em termos geopolíticos?
No governo do presidente Médici um novo e alentado impulso
foi dado à articulação da área amazônica com o Planalto Central,
assim como à própria articulação da bacia do “grande rio”.
Surgiram os seguintes projetos rodoviários, extremamente
arrojados: Transamazônica; Porto Velho-Manaus; Manaus-Boa
Vista (Roraima), na região fronteiriça com a República da Guiana e
Venezuela. Rio Branco (Acre) – Cruzeiro do Sul, na região
fronteiriça com o Peru; Perimetral Norte, ligando no sentido Este-
Oeste as áreas fronteiriças da fronteira Norte, com a Guiana
Francesa, Suriname, República da Guiana, Venezuela e Colômbia
[...].
Estes projetos rumo ao Norte e ao Nordeste amazônico como
que despertaram nossa vocação continental. Permitiram-nos
reavaliar capacidades. Na medida em que estão sendo realizados,
descobrem novas riquezas adormecidas nas entranhas da terra ou
esquecidas na selva jamais penetrada – o estanho de Rondônia, a
bauxita do rio Trombetas, o ferro e o manganês da serra de Carajás,
o urânio de Roraima, as inúmeras áreas agricultáveis e de
pastagens existentes nas duas ladeiras da bacia amazônica, a do
Planalto Central e a da cordilheira das Guianas.
É um novo Brasil que desperta e se incorpora ao patrimônio
econômico da nação. Mas, também, imensas áreas dos países
vizinhos, olvidadas como as nossas na solidão da floresta,
começam a acordar ao toque de chegada da tecnologia a essas
longínquas paragens fronteiriças. Também ali, as capacidades são
reavaliadas, as potencialidades despertadas, os interesses revistos,
e o que é mais importante, nasce a possibilidade de vertebrar-se,
não apenas a Amazônia brasileira, mas uma Amazônia sul-
americana, através de um sistema misto estrada-rio. A ideia de
articular e acrescentar ao patrimônio econômico dos respectivos
países as áreas fronteiriças interiores – do Brasil, Bolívia, Peru,
Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana
Francesa – adquire força de viabilidade.168
Assim, o que parecem ser as razões da geopolítica militar são também as
razões do desenvolvimento capitalista da empresa privada, nacional e
estrangeira. Combinam-se e confundem-se os interesses do capital, da
burguesia, com as razões da ditadura militar. De repente, o “milagre
amazônico”, a “articulação da bacia do grande rio” ao “patrimônio
econômico da nação”, o despertar da “vocação continental” do Brasil são,
ao mesmo tempo, formulações da ideologia e prática da ditadura e do
capital. Reabre-se a Amazônia para o desenvolvimento extensivo do
capitalismo, em benefício da empresa privada nacional e estrangeira.
O problema amazônico é nitidamente diverso do nordestino;
objetiva-se a ocupação efetiva da área estrategicamente orientada,
com vistas à preservação das fronteiras internacionais e
incorporação definitiva de sua economia ao todo nacional. Para a
consecução desses objetivos que, em última análise, acabarão por
criar condições para o desenvolvimento autossustentado da área,
realizou-se a ‘operação Amazônia’, alterando fundamentalmente a
forma de atuação federal na região. A Sudam será o agente de
elaboração, controle de execução e coordenação do Plano de
Valorização da Amazônia. A execução dos investimentos públicos
será feita, sob coordenação da Sudam, pelos organismos
especializados. O Banco da Amazônia executará, na região, a
política do governo federal relativa ao crédito. Os instrumentos a
serem mobilizados vão desde os investimentos diretos através da
Sudam e outros órgãos federais e constituição de fundos de
financiamentos, até os estímulos à iniciativa privada, através de
incentivos fiscais, favores creditícios e outras vantagens.169
A estratégia de integração nacional considera o Nordeste, a
Amazônia e o Centro-Oeste dentro de política global, que vê em
conjunto essas três regiões, no fluxo dos fatores de produção entre
si (para melhor combinação de mão de obra, terra e outros recursos
naturais), ou no fluxo de produtos, atendendo certos segmentos da
indústria do Nordeste e áreas próximas das outras regiões (para
ampliação de mercado).
Tal política, igualmente, leva em conta as relações de tais
macrorregiões com o Centro-Sul, do ponto de vista principalmente
do fluxo de mercadorias, num sentido e no outro, e do fluxo de
capitais e tecnologia, do Centro-Sul para as outras áreas.
Está o Brasil realizando um esforço de desenvolvimento
regional, colonização e ocupação produtiva que é dos maiores, se
não o maior, no mundo atual.170
Na prática, a economia política do Estado ditatorial e da empresa privada
é uma só. A ocupação, colonização e integração da Amazônia – objetivos
que aparecem nas propostas geopolíticas – são, ao mesmo tempo, a
reabertura da região ao desenvolvimento extensivo do capitalismo,
nacional e estrangeiro.
Desde o primeiro momento, as políticas governamentais adotadas para a
Amazônia provocaram a generalização da luta pela terra. A geopolítica e o
desenvolvimento extensivo do capitalismo na região recolocaram o
problema da ocupação, colonização e integração de terras devolutas,
tribais. De fato, havia terras desocupadas. Mas já eram muitas as terras-do-
sem-fim ocupadas por comunidades indígenas e núcleos de caboclos
amazônicos. Desde os tempos das “drogas do sertão” e do “ciclo da
borracha”, foram muitos os núcleos de caboclos, seringueiros, roceiros,
criadores e coletores que se mesclaram e confundiram com os membros de
comunidades indígenas. Em 1964, portanto, a Amazônia não era um mapa
em branco. Mas aí, nesse então, a terra era um problema menor, bastante
secundário. Tanto que poucos se preocupavam com o título de propriedade,
o domínio da terra na qual moravam, tinham roça, criação, ou
desenvolviam outras atividades, em pequenas ou grandes proporções.
“Jamais poderiam imaginar que um título de propriedade de terras, um
simples papel, fosse tão decisivo para suas vidas”.171 Ocorre que a
propriedade da terra “nada ou pouco representava por si só”, motivo por
que “os conflitos agrários foram raros e jamais conhecidos em grande
extensão”.172 Mas desde as políticas regionais adotadas pelos governos
militares, de modo cada vez mais intenso e generalizado, cresceu muito a
luta pela terra. Foi assim que passou a desenvolver-se o processo de
acumulação primitiva. As terras devolutas, tribais e ocupadas começaram a
ser apropriadas por negociantes de terras, grileiros, latifundiários e
empresários, nacionais e estrangeiros. Ao mesmo tempo, à medida que as
terras são monopolizadas por grandes proprietários, expropriam-se índios e
caboclos, posseiros antigos e recentes, que se transformam em assalariados
permanentes e temporários. Em geral, a expropriação de índios e
trabalhadores rurais, que acompanha a monopolização das terras por
grandes proprietários nacionais e estrangeiros, envolve também muita
violência privada e estatal contra posseiros e índios.
Quase todas as iniciativas governamentais destinadas a realizar os
objetivos da reconquista geopolítica e capitalista da Amazônia conjugaram-
se de modo a transformar a questão fundiária em um problema econômico
e político de grande relevância. A construção de estradas; a criação e a
ampliação de isenções e incentivos fiscais e creditícios para
empreendimentos capitalistas nacionais e estrangeiros; a colocação do
aparelho estatal à disposição dos interesses burgueses locais, regionais,
nacionais e estrangeiros; a política de segurança nacional, entendida como
política de assegurar a submissão política e econômica de trabalhadores
rurais de todos os tipos; a frequente transformação de questões de terras em
questões de segurança nacional – foram diversas e muitas as formas sob as
quais a ditadura colocou o aparelho estatal à disposição dos interesses da
empresa privada, do capital, da burguesia. Foi assim que a economia
política subjacente à reconquista geopolítica e capitalista da Amazônia fez
intensificar e generalizar a luta pela terra em muitas partes da região. Na
prática, estava em franco desenvolvimento uma forma peculiar do processo
de acumulação primitiva.
Ao mesmo tempo que negociantes de terras, grileiros, latifundiários,
fazendeiros e empresários começaram a afluir para a Amazônia, também
trabalhadores rurais dos mais diversos lugares do país passaram a
encaminhar-se para certas áreas da região. Os muitos, numerosos,
trabalhadores rurais desempregados, subempregados ou superexplorados
do Nordeste, Sul e outras regiões iniciaram a longa marcha em busca de
terras. E foram assentando-se, bem ou mal, em terras devolutas, tribais ou
já ocupadas. Localizaram-se ao longo da Rodovia Belém-Brasília, no Sul
do Pará, às margens da Transamazônica, na Cuiabá-Santarém, em
Rondônia, no Acre e em muitos outros lugares. As poucas iniciativas
governamentais e privadas para organizar a “colonização dirigida” não
conseguiram sequer influenciar o vulto do problema da terra na região;
transformaram-se em iniciativas bem-sucedidas de contrarreforma agrária.
Os anos 1970 caracterizam-se por marcante atuação do governo
federal. No primeiro quartel da década, os planos de ocupação da
região assentam-se sobre a perspectiva de ocupação econômico-
demográfica à base do sistema de colonização dirigida, sendo os
colonos recrutados entre os nordestinos, pequenos produtores sem
terras, com o intuito de se resolver o problema do excedente
populacional do Nordeste e o da existência de vazios demográficos
na Amazônia.
Para tal, o governo abre a Transamazônica e implanta os
Projetos Integrados de Colonização (PIC) em Altamira, Marabá e
Itaituba. Como resultado, observa-se um forte fluxo migratório ao
longo da rodovia, fluxo este várias vezes superior àquele que o
planejamento governamental seria capaz de assentar de maneira
efetiva, gerando, em consequência, graves problemas de disputa de
terra quando estes migrantes, em busca das áreas pretensamente
desocupadas, defrontam-se com virtuais ou pretensos proprietários.
O segundo quartel da década é marcado por uma profunda
mudança de metas quanto à ocupação da Amazônia. Em
detrimento de uma ocupação de cunho social, baseada no
assentamento de produtores sem terra, privilegia-se a ocupação
privada com a implantação de grandes empresas capitalistas
atraídas por vantagens fiscais e creditícias. Os problemas
fundiários regionais agravam-se na medida em que esses
empreendimentos intensivos em capital criam reduzidas
oportunidades de emprego e ocupam vastas extensões de terra,
acentuando-se os conflitos em torno da posse da terra ao longo das
estradas abertas.173
Nesse mesmo contexto, os governantes iniciaram ou alargaram os
incentivos e as isenções fiscais e creditícias para latifundiários,
fazendeiros, empresários. A Sudam passou a induzir a implantação de
projetos industriais, agropecuários e outros. Em especial, os incentivos e
isenções econômicos e políticos governamentais a projetos agropecuários
aceleram a corrida à terra. Em todos os lugares em que as terras eram boas
e havia alguma facilidade de transporte e comunicação, em todos esses
lugares os grileiros, latifundiários, fazendeiros e empresários apareceram
para implantar projetos agropecuários. São várias as vantagens econômicas
para os investimentos na pecuária, por exemplo. Além dos favores
oferecidos pelo poder estatal, cabe considerar também a “existência de
terra abundante e barata capaz de produzir rápidos ganhos de capital;
requisitos mínimos de pessoal; e em um mercado em expansão”.174 Assim,
ao mesmo tempo que se expandem os grandes negócios de terras (ao lado
de empreendimentos agrícolas, pecuários, extrativistas, mineradores,
industriais ou outros), agravam-se as tensões e os conflitos em torno do
uso, posse, propriedade e domínio da terra.
Tornou-se comum, por exemplo, a Sudam aprovar projetos que
iriam implantar-se em terras onde muitas famílias já exploravam a
terra e tinham adquirido, portanto, o direito de possuí-las. Quando
esses problemas surgiram (dos quais o da fazenda Paraporã, em
São Domingos do Capim, foi o mais divulgado), os proprietários
dos projetos agropecuários, sempre insensíveis à dimensão humana
do processo econômico, procuraram a solução mais simples:
expulsar os ‘posseiros’, já então considerados como tal todos os
que não dispunham de um papel para legitimar sua ocupação
produtiva do solo.175
Seria insensato admitir que não há mais áreas desocupadas na
Amazônia: um simples sobrevoo, mais do que consulta e
estatística, alimentaria crença contrária. Contudo, a multiplicação
de conflitos pela posse de terra e a repetição, em diferentes pontos
da região, por pessoas ligadas ao setor, da notícia de que quase
todas as terras das áreas pioneiras já têm dono, demonstram que a
maioria das terras está sendo ocupada para fins especulativos. E se
a especulação é o fim almejado, meios ilícitos sempre são
empregados. Sobretudo a grilagem.176
Desde que se criaram a Sudam e o Basa, em 1966, intensificou-se cada
vez mais a corrida às terras “virgens”, “devolutas”, tribais e ocupadas da
Amazônia. Tanto negociantes de terras, grileiros, latifundiários,
fazendeiros, empresários, quanto trabalhadores rurais, posseiros, colonos,
muitos, de diferentes partes do país e também da própria Amazônia, todos
buscaram terras na região. Foi assim que se criaram e desenvolveram as
condições sociais, econômicas e políticas das pendências e dos conflitos
relativos à terra. “Terras antes inacessíveis estavam agora à disposição para
exploração econômica e seu povoamento estava sendo facilitado de
maneira enérgica e inovadora”.177 Foram tantos os que viajaram em busca
de terra, e já eram tantos os que ali se encontravam, que cresceu muito a
quantidade de terra apossada. Em 1972, quando seriam 15,9% as terras de
posse existentes em todo o país, na região Norte, que compreende a maior
parte da chamada Amazônia Legal, as terras de posse alcançariam 40,9%.
Entretanto, no Norte, apenas 9,5% das terras de posse eram ocupadas por
pequenos posseiros.178
Em 1978, em Xinguara, sobre a estrada que liga Barreira do Campo e
Marabá, ao longo do rio Araguaia, no Sul do Pará, agravam-se os
problemas da terra. Da mesma forma, em vários outros lugares do
município de Conceição do Araguaia, agravam-se as pendências e os
conflitos.
De um lado, empresas e fazendeiros estimulados pelos
incentivos fiscais e pelas facilidades concedidas pelo governo; do
outro, milhares de camponeses de todas as partes do país, atraídos
por uma propaganda intensa que sugeria a existência de terras
gratuitas para todos. E assim, vindos do Sul do Brasil,
especialmente Paraná, ou de Estados mais próximos, como Minas
Gerais, Goiás e Maranhão, os camponeses desembarcavam de
caminhões com suas famílias, duplicando ou triplicando de uma
hora para outra a população de pequenos povoados.
Tal como já aconteceu em muitos outros lugares, foi isso que se
passou em Xinguara. Localizado a 220 quilômetros de Conceição
do Araguaia (e dentro desse mesmo município), Xinguara não
existia há pouco mais de três anos. Hoje tem cerca de 15 mil
habitantes – posseiros, especuladores, grileiros, invasores,
pistoleiros – todos girando em torno do problema da terra, da
riqueza da região, que é o mogno, madeira exportada
principalmente para a Holanda e a Inglaterra. A maior parte dos
que chegaram ficou sem terra. Uns, desde o início. Outros, depois
de terem permanecido nela por dois, três, quatro anos. Outros,
ainda, que estão sendo expulsos agora. Os fazendeiros ou
empresários chegam, apresentam seus títulos de propriedade do
Incra, conseguem a legitimação de posse e depois recorrem às
autoridades judiciárias para obter a ordem de expulsão. A polícia e
os jagunços se encarregam do resto.179
A especulação chegou a tal ponto que dos 2.875 mil ha do
município de Conceição do Araguaia, apenas 40 mil não estão
ocupados. Isso significa que há cerca de 90 mil pessoas vivendo e
trabalhando em cima de terras que não são delas. São posseiros.
Quando grileiros ou especuladores tentam apoderar-se dessas terras
e expulsar os posseiros é que surgem os conflitos.
E são conflitos cada vez mais sérios. Temos atualmente, na CPT
(Comissão Pastoral da Terra) de Conceição do Araguaia, cerca de
100 processos de expulsão de lavradores em andamento e desses,
pelo menos 60 são conflitos expressivos, alguns mesmo
envolvendo mais de 4 mil famílias.180
Pouco a pouco, devido ao intrincado e à sucessão dos acontecimentos,
muitos não se lembram mais nem da geopolítica nem do capital. Os
próprios governantes e latifundiários, fazendeiros e empresários, ou os seus
funcionários, colocam e recolocam a problemática da Amazônia em termos
de progresso, desenvolvimento, celeiro, ocupação de espaços vazios,
integração nacional e outros lemas da ideologia das classes dominantes. De
repente, parece que não há mais nem geopolítica nem capitalismo. A
ideologia das classes dominantes, amplamente assimilada e retrabalhada
pelos governantes, apaga os perfis e confunde os movimentos do
capitalismo nos “espaços” da Amazônia. Fala-se em colonização, ocupação
e integração, ou empresários, trabalhadores, pioneiros. Assim, apagam-se
as articulações e as determinações recíprocas entre a ditadura e o capital
financeiro atuando de modo livre, sob condições monopolísticas.
Eu acho que nós, a propósito, deveríamos quando discutimos a
questão da chamada penetração do capitalismo na Amazônia – eu
tenho muita dúvida sobre esse conceito – deveríamos ter em conta
que não se trata apenas da penetração e da invasão de
latifundiários, de ‘pioneiros’ (eles se chamam de pioneiros)
sulistas. Esses ‘pioneiros’ têm aliados que são os tecnocratas do
regime e, no fundo, os milicianos do regime, que estão aí para
garantir a concepção de vida que se esconde por trás dessas ações
de penetração.
A problemática da Amazônia não é uma problemática
estritamente econômica. Os militares desenvolveram uma doutrina
de ocupação dessas regiões que é chamada ‘doutrina de ocupação
de espaços vazios’ e que eu pessoalmente chamo de doutrina do
esvaziamento dos espaços ocupados, porque é uma doutrina de
expulsão do homem para colocação do boi, ou seja, é preciso
ocupar dessa forma, e não de outra, para defender. Eu diria que
essa imensa boiada poderá alimentar imensos exércitos
inimigos.181
Nessas condições é que se desenvolve o processo de acumulação
primitiva na Amazônia. Trata-se de um processo estrutural (e não
genético), no sentido de que promove uma ampla e intensa incorporação
das terras-do-sem-fim, devolutas, tribais e ocupadas às forças produtivas e
relações capitalistas de produção em desenvolvimento na região, ou
melhor, tanto no Norte quanto no Centro-Oeste do país. São várias as
características fundamentais da acumulação primitiva que ocorre na
Amazônia, em escala acentuada desde 1964. Primeiro, intensifica-se o
processo de monopolização das terras por grandes negociantes ou
proprietários, nacionais e estrangeiros. Segundo, e por dentro dessa
monopolização, índios e posseiros antigos e recentes são expropriados de
suas terras. Terceiro, simultaneamente, ocorre a proletarização generalizada
de índios e posseiros. É verdade que alguns grupos indígenas são reunidos
em parques e reservas, nos quais buscam preservar os seus modos de vida.
Também há casos de núcleos de posseiros que são transformados em
colonos, isto é, trabalhadores rurais com título provisório ou definitivo de
posse da parcela de terra que o Incra lhes atribui. Mas a tendência
predominante, devido às condições de expropriação de índios e posseiros, e
de formação de latifúndios, fazendas e empresas, a tendência predominante
é a proletarização. Quarto, todos esses processos conjugados ocorrem em
meio a muita violência privada e estatal. Os negociantes, ou os seus
funcionários, lançam mão de grande número de técnicas e artifícios para
expulsar índios e posseiros das suas terras. Desde a ameaça de fogo na roça
até o assassinato, desde a ameaça do jagunço até à do policial; desde a
acusação de falsificação de provas até à de “subversivo”, são muitas e
reiteradas as técnicas de que lançam mão os negociantes de terras para
expulsar posseiros e índios do lugar. Quinto, por fim, tudo isso ocorre com
base em um amplo apoio, tácito e explícito, burocrático e jurídico,
econômico e político, do poder estatal, em âmbito nacional, regional,
estadual, territorial e municipal.
O que está em questão na Amazônia é também o caráter da ditadura
vigente no Brasil. Da mesma forma que é ilusório procurar entender a
Amazônia em si, como se ela tivesse a sua fisionomia e a sua autonomia,
da mesma forma é ilusório imaginar que a ditadura militar está solta no ar,
descolada da sociedade que domina; ou que a ditadura pode ser
compreendida apenas em seus laços com o poder militar e o poder
econômico da grande burguesia. É inegável que esses dois poderes estão
presentes no Estado, no aparelho estatal. Da mesma forma, é inegável que
as razões da geopolítica e as razões do capital estão presentes nos
principais acontecimentos em curso na Amazônia. Mas o problema
principal é buscar na Amazônia, na maneira pela qual se organiza e
desenvolve a sociedade na região, algum indício, ou algum traço
fundamental da forma de Estado vigente no Brasil.
Desde que se instalou em 1964, e em escala crescente nos anos
seguintes, a ditadura recriou a Amazônia como fronteira. Todas as
formulações dos governantes, sejam as “técnicas”, sejam as “ideológicas”,
todas deram alguma, ou muita, ênfase à ideia de ocupar e integrar. Tratava-
se de preencher o vazio demográfico, ou o vazio econômico. Era preciso
colonizar, desenvolver, articular, vertebrar. Como se fora uma ilha solta no
espaço geopolítico, ou econômico, os governantes se preocuparam em
despertar a Amazônia e desenvolver ali laços com o Centro-Sul. Haveria
que tornar a Amazônia um espaço da economia política do capitalismo que
tinha conquistado o poder estatal e precisava desenvolver-se. Tudo deveria
ser feito para que a região fosse, ao mesmo tempo, produtora e
consumidora de mercadorias; preferivelmente produtora de mercadorias
que se realizasse no mercado externo, para produzir divisas necessárias à
continuidade dos negócios dos governantes e das empresas predominantes
na economia política da ditadura. Sob esse aspecto, pois, a fronteira
amazônica incorpora-se às necessidades e aos interesses do capital
financeiro que monopoliza o poder estatal.
Ao mesmo tempo, a fronteira amazônica é um espaço econômico e
político no qual os governantes podem colocar, quase que segundo o seu
arbítrio, os excedentes de força de trabalho que se criam e recriam no
Nordeste, no Centro-Sul e em outras partes do país. A combinação de
geopolítica com desenvolvimento extensivo do capitalismo na região, esses
dois objetivos conjugados favorecem o deslocamento de populações rurais
desempregadas, subempregadas, ou excedentes, para a Amazônia. Em
primeiro lugar, trata-se de criar estoques de mão de obra junto aos
empreendimentos governamentais e privados na região. As rodovias, as
hidrelétricas, os projetos agropecuários, são numerosas as iniciativas
públicas e privadas envolvidas na expansão geopolítica e no
desenvolvimento extensivo do capitalismo. Até mesmo algum
campesinato, composto de núcleos de colonos, posseiros e índios, pode ser
de alguma utilidade para produzir gêneros alimentícios para os realizadores
dessas iniciativas; constituir-se como reserva de força de trabalho para os
mesmos ou outros empreendimentos; constituir-se como afirmação da
presença geopolítica do poder estatal nos mais diversos e distantes lugares
da região. Em segundo lugar, trata-se de fazer com que se desloquem para
a Amazônia os excedentes de trabalhadores que estão carregando, ou
tornando agudas, as contradições sociais no Nordeste e no Sul,
principalmente em áreas em que as estruturas de poder (econômicas,
fundiárias, oligárquicas etc.) se sentem ameaçadas pelas classes
subalternas. As estruturas de apropriação econômica e dominação política
vigentes nas partes agrárias do Nordeste e no Sul beneficiaram-se bastante,
e continuam a beneficiar-se, da capacidade que a ditadura tem revelado
para criar e recriar a fronteira amazônica. Nesse sentido, as burguesias e
oligarquias estaduais e regionais, no Nordeste e no Sul, tiveram e
continuam a ter razões econômicas e políticas para participar do bloco de
poder que compõe a ditadura. Em terceiro lugar, por fim, a criação e
recriação da fronteira amazônica, nos termos em que ocorreu desde 1964,
tem permitido reduzir o impacto social e político da migração oriunda do
Nordeste, e outros lugares do país, para a área de grande concentração
urbano-industrial no triângulo São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte.
Ao abrir e reabrir a fronteira amazônica, no âmbito das articulações entre
regiões e nação, a ditadura estava, e continua a estar, manipulando amplos
segmentos das classes subalternas rurais, segundo as razões da geopolítica
e do capital financeiro, que definem a sua principal fisionomia.
QUARTA PARTE
A SOCIEDADE E O CIDADÃO
12. O Aparelho de Poder
A economia política governamental desdobrou-se além dos planos,
programas, diretrizes, metas, projetos e outras iniciativas. Mais do que isso,
para concretizar-se, essas iniciativas precisaram de um vasto
aparelhamento estatal. Toda a parafernália burocrática e tecnocrática do
poder público, em termos de órgãos, pessoal e recursos materiais, tudo
adquiriu importância na execução da política econômica. Ministérios,
autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista,
superintendências, institutos, conselhos, serviços – foram diversos e muitos
os órgãos estatais e paraestatais que efetivaram a política econômica
esboçada, ou bastante sistematizada, conforme o caso, em planos,
programas etc. É verdade que a ditadura herdara vasta parafernália
burocrática e tecnocrática dos governos anteriores. Inclusive, é inegável
que já havia crescido bastante a máquina do Poder Executivo, durante o
governo do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960), no
seu empenho de pôr em execução o Programa de Metas, por meio do qual
se criou a indústria automobilística. Mas também é inegável que toda a
maquinaria estatal, isto é, do Poder Executivo, herdada dos governos
anteriores, foi rearticulada, modificada, diversificada e dinamizada, em
função das exigências da sistemática da política econômica adotada. Ainda
quando não houve modificações qualitativas notáveis, como no caso, por
exemplo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),
criado em 1952, ou da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), criada em 1959, mesmo nesses casos o BNDE e a Sudene
adquiriram outras conotações. Esses, outros e muitos órgãos do poder
estatal adquiriram outras figurações, no âmbito da política econômica da
ditadura. Em última instância, toda a parafernália burocrática e tecnocrática
do poder público foi hipertrofiada, quantitativa e qualitativamente, com a
transformação do Poder Executivo no poder todo-poderoso do Estado.182
É claro que a expansão e o fortalecimento da maquinaria do poder estatal
– na qual o Poder Executivo absorveu ou subordinou os Poderes
Legislativo e Judiciário – começou com o próprio golpe de Estado de 31 de
março de 1964. O golpe começou por ser um ato político de destituição de
um presidente da república, João Goulart, eleito constitucionalmente e
governando constitucionalmente. Portanto, o golpe viola a Constituição de
1946, que havia sido elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte.
Em seguida, os governos baixam atos institucionais, atos
complementares e leis complementares, de modo a desenvolver e
consolidar a sua própria ordem jurídico-política. Os Atos Institucionais
números 1, de 1964, e 5, de 1968, dão uma ideia da estruturação jurídico-
política do poder ditatorial instaurada a partir do golpe de Estado. Vejamos
o que estabelece o preâmbulo do Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de
1964.
É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar
que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu
futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só
no espírito e no comportamento das classes armadas, como na
opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. A revolução
se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela
se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse
e a vontade da Nação.
A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder
Constitucional. Este se manifesta pela eleição popular ou pela
revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder
Constituinte. Assim a revolução vitoriosa, como o Poder
Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo
anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se
contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita
normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade
anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à
ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação,
representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte,
de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje
editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e
da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com
o apoio da Nação, na sua quase totalidade, destina-se a assegurar
ao Novo governo a ser instituído os meios indispensáveis à obra de
reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de
maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e
urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna
e do prestígio internacional da nossa Pátria. A revolução vitoriosa
necessita de se institucionalizar e se apressa, pela sua
institucionalização, a limitar os plenos poderes de que efetivamente
dispõe.
O presente Ato Institucional só poderia ser editado pela
revolução vitoriosa, representada pelos Comandos-em-Chefe das
três Armas que respondem, no momento, pela realização dos
objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a
impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para
destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar
o país. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e
os processos de constituição do novo governo a atribuir- lhe os
poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício
do Poder no exclusivo interesse do país. Para demonstrar que não
pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos
manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la,
apenas, na parte relativa aos poderes do presidente da República, a
fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a
ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas
destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia
infiltrado não só na cúpula do governo, como nas suas
dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos
poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos,
igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas
relativas aos seus poderes constantes do presente Ato Institucional.
Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se
através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional,
resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as
revoluções, a sua legitimação.183
Alguns artigos do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, são
suficientes para delinear a forma jurídico-política da ordem ditatorial que
se desenvolvia desde 31 de março de 1964.
Art. 2º O presidente da República poderá decretar o recesso do
Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de
Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só
voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da
República.
§ 1º Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo
correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e
exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei
Orgânica dos municípios [...].
Art. 3º O presidente da República, no interesse nacional, poderá
decretar a intervenção nos Estados e municípios, sem as limitações
previstas na Constituição [...].
Art. 4º No interesse de preservar a Revolução, o presidente da
República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as
limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos
políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar
mandatos eletivos federais, estaduais e municipais [...].
Art. 5º A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato,
importa simultaneamente em:
I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II – suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições
sindicais;
III – proibição de atividade ou manifestações sobre assunto de
natureza política;
IV – aplicação, quando necessário, das seguintes medidas de
segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de frequentar
determinados lugares; c) domicílio determinado.
§ 1º O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá
fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de
quaisquer outros direitos públicos ou privados [...].
Art. 6º Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de:
vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício
em funções por prazo certo.
§ 1º O presidente da República poderá, mediante decreto,
demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer
titulares das garantias referidas neste artigo, assim como
empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de
economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar
militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando
for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de
serviço [...].
Esses dispositivos jurídico-políticos completaram-se com a Lei de
Imprensa (Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), Lei de Censura
(Decreto-Lei n. 1.077, de 26 de janeiro de 1970), Lei de Segurança
Nacional (Decreto-Lei n. 314, de 13 de março de 1967, Decreto-Lei n. 898
de 1969 e Lei n. 6.620 de 1978), Serviço Nacional de Informações – SNI
(Lei n. 4.341, de 13 de junho de 1964), Conselho de Desenvolvimento
Econômico – CDE (Lei n. 6.036, de 1º de maio de 1974), Conselho de
Desenvolvimento Social – CDS (Lei n. 6.118, de 9 de outubro de 1974),
Conselho Nacional de Política Salarial, criado em 1963, mas reorganizado
pelo governo do general Médici (Lei n. 5.617, de 15 de outubro de 1970).
Todos esses órgãos do poder estatal, e outros menos notáveis, ou visíveis,
conformaram a vasta parafernália burocrática e tecnocrática do Estado.
O Poder Executivo se impunha de tal modo, no âmbito das estruturas
jurídico-políticas que passaram a organizar o Estado, que tanto o Poder
Judiciário quanto o Legislativo foram pura e simplesmente subordinados.
Formalmente, mantiveram-se os três poderes. De fato, no entanto, o
Executivo absorveu os processos decisórios, os mecanismos de mando, os
meios de execução e os instrumentos de “legitimação” de tudo que
envolvia o exercício do poder estatal.
Desde 1968 os processos de governo correm inteiramente à
revelia dos processos parlamentares. Embora desde 1964 o
Executivo sempre mantivesse a preponderância na iniciativa
legislativa, e eventualmente impondo-a mediante decretos
autorizados pela coalizão não visível de poder, ainda assim não se
haviam rompido totalmente os laços que associavam grupos
político-partidários e exercício do Poder Executivo. Mesmo
quando o Executivo estava profundamente empenhado na
aprovação de medidas legislativas – podendo, portanto, se
necessário, valer-se do recurso do veto presidencial a decisões que
subvertessem os desígnios do Executivo – não foram raras as vezes
em que Castello Branco e Costa e Silva buscaram a colaboração
parlamentar na revisão e sugestão de propostas, deixando ao
Congresso e à imprensa extensa margem de discussão dos
problemas, além de relativa capacidade de intervenção, ao mesmo
tempo que resguardavam o poder de decisão final e depois da crise
do AI-5 que a ruptura entre os processos de governo e os processos
parlamentares se realiza completamente, dispensando daí por
diante o governo qualquer participação do Congresso na
formulação, discussão e decisão sobre políticas públicas.184
Ao Legislativo foi retirada a capacidade de representar os interesses e as
reivindicações dos grupos e classes sociais. Tanto assim que o Executivo o
impediu de atuar de forma independente em duas áreas fundamentais à sua
realização, como poder independente: orçamento e comissão de inquérito.
Toda comissão de inquérito criada pelo Legislativo, destinada a apurar as
diretrizes, os meios e os fins, ou os desvios da atuação do Executivo, não
resultou senão em relatório para ocupar espaço em arquivo. Por meio das
mais diversas manobras, inclusive a intimidação pelo boato, o Executivo
sempre conseguiu esvaziar, bloquear, distorcer ou desmoralizar a comissão
de inquérito. Foi assim que a comissão de inquérito sobre a questão da terra
na Amazônia, em 1977, foi induzida a pedir o arquivamento do relatório
que ela mesma produziu. Eram tais e tantos os escândalos relacionados
com a questão da terra que o Executivo induziu o Legislativo a calar-se, ou
omitir-se. Ao mesmo tempo, o Executivo subtrai ao Legislativo a
capacidade de influenciar a organização de orçamento. Entre outras
medidas adotadas, foi assim que se consolidou a ditadura. Calaram-se os
partidos preexistentes ao golpe, e calou-se o Legislativo, apenas tolerado
pelos governantes.
Depois da revolução de 1964, duas medidas de reforma
institucional foram tomadas: primeiro, a abolição dos partidos
tradicionais, excessivamente personalistas e facciosos, e sua
substituição por um sistema bipartidário, o que presumivelmente
facilitaria a manutenção da disciplina partidária em apoio de planos
e programas governamentais; segundo, a ab-rogação do poder do
Congresso de aumentar o dispêndio orçamentário, que tornaria
impraticável qualquer planejamento financeiro consistente.185
Do mesmo modo, o Poder Judiciário foi subordinado às “razões” do
Executivo, como se elas absorvessem todas as razões do Estado. O que já
vinha ocorrendo na prática, desde 1964 (e mesmo antes, é claro, passou a
realizar-se de modo direto) aberto, sem maiores mediações. A vasta escala
de exploração da classe operária e do campesinato pelo capital monopolista
– o que implicou uma repressão em vasta escala – exigiu a absorção do
Judiciário no quadro das “razões” do Executivo tomadas como as razões do
Estado. A última medida tomada para consolidar essa situação passou a
vigorar em 1979.
A Emenda Constitucional n. 7, de 13 de abril de 1977, que
reformulou o capítulo que dispõe sobre o Poder Judiciário, trouxe
em sua esteira a Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979
– denominada Lei Orgânica da Magistratura Nacional –, passando
a viger, por força de seu art. 146, sessenta dias depois de sua
publicação, ou seja, desde 14 de maio último.186
Não se garante sequer uma distribuição equitativa de recursos, de modo
a permitir que o Judiciário possa atender aos interesses dos grupos e classes
sociais por uma “justiça rápida e barata”. Ao contrário.
Neste passo, nem é demais ressaltar que, enquanto o Executivo
se reserva o quinhão mais rico dos recursos da Nação – o que lhe
permite contar com bens, equipamentos, verbas, bem como, em
seus quadros, com técnicos e especialistas de toda ordem –, os
demais Poderes devem desincumbir-se de seus graves misteres em
precárias condições orçamentárias, o que há de refletir-se,
forçosamente, no específico caso do Judiciário, na qualidade e na
celeridade de seus serviços, destinados, de resto, a uma grande
coletividade, por natureza ansiosa e confiante.187
Tanto em termos jurídico-políticos quanto na forma pela qual é exercido
de fato, o poder estatal ganhou um caráter profundamente policial. Os atos
institucionais e os atos e leis complementares, baixados pela ditadura,
conferiram ampla liberdade de ação à espionagem, intimidação, prisão,
sequestro, tortura etc. Ao se apoiarem no princípio de que “toda pessoa
natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional”, compreendendo
essa a “segurança externa e interna” (conforme a Lei de Segurança
Nacional), os governantes e funcionários do poder estatal tiveram as mãos
livres para instituir a prática de que toda pessoa é potencialmente suspeita.
A forma pela qual as leis da ditadura definem segurança interna
transforma, automaticamente, os governantes e os seus funcionários em
únicos juízes do certo e do errado, do permitido e do proibido, do real do
irreal.
Para melhor realizar essa prerrogativa, os governantes e seus
funcionários passaram a espionar pessoas e organizações públicas e
privadas. O Serviço Nacional de Informações (SNI) foi um dos órgãos
incumbidos dessa atividade.
A sua estrutura implica tantas divisões e assessorias de
segurança e informações (Osis e Asis) quantas sejam as autarquias
federais e órgãos de administração direta e indireta, sob o comando
do SNI, que mantém uma complicada e burocratizada organização,
composta de uma agência central e tantas agências regionais
quantas forem necessárias [...].
Para cada um dos 3.260 funcionários da comunidade de
informações, existem em média, dez informantes, pois cada agente
possui, sempre, a sua rede particular de informantes [...].188
Articulador dos expurgos que se seguiram a março de 1964,
inviolável tabu nos tempos da censura, virtual trampolim para a
Presidência da República, o SNI pouco tem mostrado seu rosto
nestes catorze anos de existência.189
Além do SNI e outros órgãos federais e estaduais, que reúnem e
processam informações políticas sobre pessoas, grupos, classes, igrejas,
seitas, partidos, sindicatos, associações, escolas, empresas, repartições
públicas etc., o governo federal organizou e mantém os órgãos de repressão
política, destinados também a garantir a continuidade da ditadura. Dentre
os órgãos de repressão, destacam-se os que passaram a ser conhecidos
como os DOI-Codi, “organismos de repressão encravados nas principais
unidades do Exército”.190 Naturalmente, a população não tem condições de
saber quais eram (e continuam a ser) as relações entre os DOI-Codi e o
SNI.
Em janeiro [1978], circulavam em Brasília rumores de que uma
nova ‘doutrina de informações’, em gestação na Escola Nacional
de Informações (ESNI), permitiria uma eficiente simbiose entre
interrogadores (muitos deles saíram dos bancos da ESNI) e
computadores de terceira geração, operados por especialistas do
SNI.191
É claro que tudo isso aumenta a força da ditadura, numa escala
desconhecida da “opinião pública”, ou do “cidadão” comum. As
atribuições dos órgãos do Estado cresceram tanto, e ganharam tais
redefinições, que poucas pessoas têm elementos para avaliar hoje qual é o
alcance da força do poder estatal.
Às vezes, os próprios membros do governo revelam algo da fisionomia
do poder estatal construído desde o golpe de Estado de 1964.
O ministro do Exército, general Walter Pires, ao participar de um
debate com deputados, logo após pronunciar uma conferência para
a Comissão de Transportes da Câmara, garantiu ontem que os
Departamentos de Operação Interna (DOI) e os Centros de
Operações de Defesa Interna (Codi) do Exército ‘São responsáveis
por não estar o país ainda entregue aos comunistas’.192
‘As responsabilidades das Forças Armadas, no quadro da
segurança nacional, não se restringem às ações militares’.193
A verdade é que os governantes montaram um vasto aparelho repressivo.
Aparelho esse que se tornou produto e condição da sua continuidade. É
óbvio que a ditadura não se reduzia a isso. O principal, da sua criação e do
seu desenvolvimento, era determinado pela sua economia política:
superexploração do proletariado e do campesinato, em benefício do capital
monopolista, sob o comando do imperialismo. A repressão tinha muito a
ver com essa economia política. “Pra conter um movimento político no
Brasil naquele período, pra garantir o tipo de exploração que se estabeleceu
sobre o povo brasileiro, era necessária a tortura”.194 Para manter-se ou
reproduzir-se, a ditadura foi induzida a levar ao extremo a sua doutrina de
“estabilidade social e política”, de controle político das reivindicações e
atividades dos grupos e classes sociais. O bloco de poder representado na
ditadura (formado principalmente pela burguesia estrangeira, burguesia
nacional, tecnocracia estrangeira e nacional, a burocracia e tecnocracia
civil e militar) transformou a violência estatal em técnica de expropriação
econômica, e não apenas em técnica de dominação política. Isto é, a
repressão política desdobrava-se na superacumulação monopolista. Nesse
sentido, havia um diabólico componente fascista na forma pela qual a
doutrina de “segurança e desenvolvimento” aparecia nas técnicas da
violência estatal.
Não é que fosse uma guerra. A repressão tinha plena consciência
de que, se divulgasse toda a extensão da nossa atividade, na
situação em que estava colocada, a razão da ditadura, sob muitos
aspectos, desapareceria. Ninguém melhor do que eles sabia que a
gente não era uma ameaça pro sistema. Houve aproveitamento
racional, lúcido, daquele período, no sentido de fortalecer seus
mecanismos de repressão [...]. Existia uma relação dialética
importantíssima entre a repressão e o que chamam de extrema
esquerda, porque eles não só se baseiam na nossa destruição como
também na nossa sobrevivência. Precisam que sejamos destruídos,
para que os órgãos da repressão tenham mais verbas, dadas na base
da eficácia. Mas eles precisam também que esses grupos não
desapareçam. Para que não desapareça com isso a razão de sua
existência. Nessa relação ambivalente, montou-se o destino de
alguns anos de repressão no Brasil. A ponto de haver gente entre
eles dizendo: ‘Se desaparecerem as ações armadas, temos
condições de fabricá-las’. Não está fora do nosso horizonte a
possibilidade futura de eles a fabricarem pra justificarem os velhos
automatismos repressivos. A gente tem que estar preparado para
isso, observando também que todos os atos que forem realmente
ameaças para um processo democrático vão partir da direita
organizada, com possíveis penetrações nos organismos de
segurança. Isso inclusive é histórico. Essa ideia de fabricar o medo
do comunismo já surgiu em 1937 com o Plano Cohen [...].
Seria muito maquiavélico pensar que deram o golpe de 1964
pensando que iria irromper uma guerrilha urbana em 1968 pra
chegar a esse ponto. O que acontece no Brasil é que, em certos
momentos históricos, certos setores das classes dominantes
inflacionam racionalmente o papel histórico que o Partido
Comunista possa exercer para conseguir resolver certos problemas
dentro da sua luta interna. Somos um produto do período ditatorial
que o Brasil viveu [...]. A nossa presença no horizonte político
brasileiro não permitiu apenas a formação do aparato repressivo,
mas também estimulou um processo de reorganização da máquina
burocrática. Dizer que a ditadura foi apenas um mecanismo de
repressão contra nós seria reduzir a história do Brasil, nesse
período, a uma luta entre dois lados, enquanto o que houve foi um
processo de reformulação do próprio aparato estatal, para o qual
fomos um dos pretextos.195
Em todos os campos da vida social, o aparelho estatal passou a estar
presente e mostrar-se decisivo. Toda criatividade dos grupos e classes
sociais que se achavam fora do bloco de poder passou a ser organizada,
induzida, proibida ou reprimida pelo Estado. A censura atingiu a vida
política e cultural, em todos os quadrantes. A espionagem passou a ser
praticada nos ministérios, superintendências, institutos, universidades,
fábricas, campos, construções. A indústria cultural estatal, articulada com a
indústria cultural privada, ambas altamente determinadas pelos interesses
econômicos e políticos do imperialismo, passou a propagandear a ideologia
e a prática da ditadura. Quando ia mais brutal a repressão política e
cultural, os temas da indústria cultural dos governantes e associados eram a
façanha da construção da Transamazônica a possibilidade do Brasil
Potência, o perigo do consumo de tóxicos pela juventude, a audácia dos
trombadinhas, o mistério do esquadrão da morte, o interesse futebolístico
do general Médici, o talento hípico do general Figueiredo.
Os governos acabaram por criar uma singular indústria cultural.
Baseados nos DOI-Codi, no SNI, nos acordos MEC-Usaid, na Lei de
Imprensa, que “regula a liberdade de manifestação do pensamento e de
informação”, na Lei de Censura e outros meios, inclusive o boato, criaram
um clima cultural bastante peculiar no país. Conseguiam ter a ilusão de
que estabeleciam os parâmetros do certo e do errado, do permitido e do
proibido, do verdadeiro e do falso. Como esses governos não dispunham de
ascendência política sobre grande parte dos grupos e classes da sociedade
brasileira, imaginaram que poderiam criar-se a ilusão de hegemonia pela
repressão, a indústria do anticomunismo, a censura e a grandiloquência.
Criaram uma vasta parafernália, que tinha as características de uma
indústria cultural fascista. A pretexto de “proteger a instituição da família,
preservar-lhe os valores éticos e assegurar a formação sadia e digna da
mocidade”, a lei destinada a censurar “as publicações e exteriorizações
contrárias à moral e aos bons costumes” foi utilizada principalmente como
censura política. As proibições que atingiram a televisão, rádio, teatro,
cinema, jornal, revista, livro, sala de aula etc., eram justificadas como
modos de proteger “a família” e “a mocidade” das publicações e
exteriorizações que estimulam “a licença”, insinuam “o amor livre”; e
ameaçam “os valores morais da sociedade brasileira”. Tudo isso a pretexto
de que “o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano
subversivo, que põe em risco a segurança nacional”.196 Ao mesmo tempo
que agem os órgãos de censura, informações e repressão, essa indústria
cultural fascista é complementada por órgãos de propaganda
governamental como, por exemplo, a Secretaria de Comunicação Social da
Presidência da República (Secom-PR). Como as classes do minantes
representadas na ditadura não detêm a hegemonia política da sociedade,
órgãos como a Secom, amplamente acoplados com a indústria cultural do
capital monopolista, buscam compensar essa lacuna básica da ditadura por
meio da propaganda governamental. Dizem que
é dever do Estado motivar os cidadãos para sua participação
ativa na vida comunitária, social, cultural e política da nação, bem
assim promover o civismo e a identificação dos cidadãos com a
história e a cultura nacionais.197
Para os governantes, tratava-se de controlar ou submeter todas as
pessoas, grupos e classes sociais às determinações fundamentais da
reprodução do capital monopolista. Daí a importância da indústria cultural,
expressa na censura generalizada, principalmente à imprensa, ao rádio e à
televisão; expressa inclusive na organização e no conteúdo do ensino, em
todos os graus; e articulada, em alta medida, com a indústria cultural do
imperialismo, com livre atuação no âmbito da sociedade brasileira. Isto é,
havia uma acentuada determinação recíproca entre as exigências da
economia política da ditadura e as exigências da violência concentrada e
organizada no âmbito do poder estatal. A brutalidade da violência fascista
ampliava e dinamizava a potência econômica do Estado.
13. A Criminalização da Sociedade Civil
A partir do princípio, e à medida que se desenvolveu, a ditadura
promoveu um crescente descolamento do Estado, em face da sociedade
civil. Largas partes da sociedade, a maioria dos cidadãos, os trabalhadores,
principalmente a classe operária e o campesinato, a maior parte da
sociedade civil sentiu o progressivo distanciamento do Estado. Pouco a
pouco, para alguns, ou de modo abrupto, para outros, é inegável que a
grande maioria sentiu o desenvolvimento da ditadura em um Estado
estranho, estranhado, estrangeiro, inimigo. Ocorre que a ideologia e a
prática dos governantes implicam submeter largas partes da sociedade
civil, anular o cidadão, manter a grande maioria sob suspeita e dominação,
sob controle e exploração. Esse o sentido principal da brutalidade do
Estado fascistoide que a ditadura militar montou e remontou desde 1964.
Foi por dentro do aparelho ditatorial que se criou, ganhou força e
generalizou um vasto processo de criminação – ou melhor, de
criminalização – de amplos setores da sociedade. Os governantes e os
beneficiários do poder, inclusive seus serviçais, passaram a pensar e agir,
em âmbito público e privado, como se a sociedade estivesse infiltrada,
contaminada, por ideias e práticas indesejáveis, perturbadoras, alienígenas,
inimigas. O que era o pensar dos governantes e os seus beneficiários,
altamente determinados pelo imperialismo, eles passaram a atribuir aos
outros, às oposições, aos que lutavam por liberdades democráticas, aos que
se organizavam politicamente para modificar a sociedade. Tanto os
governantes quanto os beneficiários do poder, todos começaram a pensar e
agir como se fosse possível cristalizar os movimentos da sociedade, salvo
aqueles relacionados com a preservação e o aperfeiçoamento do statu quo.
“Modernizar”, “reverter as expectativas”, realizar um “governo técnico”,
sem política nem demagogia, desenvolver o “sistema federal de
planejamento”, para aumentar a eficácia e o desempenho do aparelho
estatal e da “livre empresa” – foram muitas as políticas e iniciativas
adotadas pelos governantes, de modo a aperfeiçoar e cristalizar o statu quo.
Tratava-se de garantir as condições de apropriação econômica e dominação
política convenientes à continuidade e fortalecimento da grande burguesia
financeira e de seus aliados menores e maiores, nativos e estrangeiros.
Todo esse processo de criminalização de amplos setores da sociedade
civil começou a estruturar-se antes do golpe de Estado de 1964. As forças
reacionárias, nacionais e imperialistas, engajadas na preparação do golpe,
começaram a trabalhar os seus próprios adeptos e outros setores sociais na
tese de que a sociedade estava infiltrada, contaminada, doente, na
iminência de escapar ao controle das classes dominantes, do capital
financeiro e monopolista. Daí por que todos os que divergiam desses
interesses, ou se opunham a eles, passaram a ser incriminados como
subversivos, inimigos, estrangeiros, alienígenas, exóticos.
A história começa pouco depois da renúncia do presidente Jânio
Quadros, em agosto de 1961. Seu sucessor, o vice-presidente
Goulart, de tendências esquerdistas, mal chegado de uma visita à
Rússia e à China vermelha, apenas assumiu o poder deixou
transparecer claramente em que direção ia conduzir o país.
Sem ser comunista, Jango procedia como se o fosse. Sedento de
poder, Goulart julgava estar tornando os camaradas instrumentos
de suas ambições; em vez disso, eram eles que faziam dele seu
instrumento. As portas, há anos entreabertas à infiltração vermelha,
foram escancaradas. A inflação, estimulada por enchentes de
papel-moeda emitido em administrações anteriores e agora
acelerada por Jango, subia em espiral, enquanto o valor do cruzeiro
caía dia a dia.
O capital, vitalmente necessário para desenvolver o país, fugia
para o estrangeiro; os investimentos alienígenas secavam
rapidamente sob o peso das restrições e das constantes ameaças de
desapropriação [...].
Alarmados com a perigosa deriva para o caos, alguns homens de
negócios e profissionais liberais reuniram-se no Rio em fins de
1961, dizendo: ‘Nós, homens de negócios, não mais podemos
deixar a direção do país apenas aos políticos’. Convocando outras
reuniões no Rio e em São Paulo, declararam: ‘A hora de afastar o
desastre é agora, não quando os vermelhos já tiverem o controle
completo do nosso governo!’.
Dessas reuniões nasceu o Instituto de Pesquisas Econômicas e
Sociais (Ipes), destinado a descobrir exatamente o que ocorria por
trás do cenário político e o que se poderia fazer a respeito. Outras
associações já existentes como o Conclap (Conselho Superior das
Classes Produtoras), formado pelos chefes de organizações
industriais, tanto grandes como pequenas; o GAP (Grupo de Ação
Política); o Centro Industrial e a Associação Comercial também se
empenharam em atividades de resistência democrática.
Essas organizações ramificam-se rapidamente através do país.
Embora agindo independentemente, esses grupos conjugavam suas
descobertas, coordenavam planos de ação. Produziam cartas
circulares apreciando a situação política, faziam levantamentos da
opinião pública e redigiam centenas de artigos para a imprensa
respondendo às fanfarronadas comunistas.
Para descobrir como funcionava no Brasil o aparelho
subterrâneo treinado por Moscou, o Ipes formou seu próprio
serviço de informações, uma força-tarefa de investigadores (vários
dentro do próprio governo) para reunir, classificar e correlacionar
informes sobre a extensão da infiltração vermelha no Brasil.198
A indústria do anticomunismo nasceu antes do golpe de Estado de 1964,
sob inspiração do imperialismo estadunidense, no âmbito da doutrina da
“guerra fria”. Falou-se inicialmente em “comunismo”, “comunismo ateu,
anticristão”. Depois, em “subversão”, “inimigo da pátria”, “infiltração
estrangeira”, “doutrina marxista-leninista”. Pouco a pouco, ou de repente,
conforme o acaso dos interesses econômicos e políticos dominantes na
ocasião, toda atividade política, educacional, religiosa, cultural, ou outra,
que contrariasse os interesses dos governantes e seus associados, passaram
a ser tachadas de subversivas, esquerdistas, alienígenas, exóticas,
estrangeiras. Foi assim que se desenvolveu e generalizou a criminalização
de amplos setores da sociedade civil. Aliás, tudo isso ganha algumas das
suas principais definições nos atos institucionais, nos discursos, ordens e
proclamações dos governantes. O Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de
1964, por exemplo, foi ditado pelos golpistas com a finalidade de permitir
que a ditadura pudesse “restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira
e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista”. A
sociedade estaria não só infiltrada, mas contaminada, doente. E caberia aos
governantes, segundo os interesses da grande burguesia financeira e
monopolista, realizar a “obra de reconstrução econômica, financeira,
política e moral do Brasil”. O Ato Institucional n. 5, de 15 de dezembro de
1968, que representa uma espécie de segundo golpe de Estado, ou um
golpe dentro do golpe, retoma e desenvolve a retórica da indústria do
anticomunismo.
Vejamos o seu preâmbulo.
O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o
Conselho de Segurança Nacional, e
Considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de
1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se
institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao
país um regime que, atendendo às exigências de um sistema
jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática,
baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana,
no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de
nosso Povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, ‘os
meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica,
financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar,
de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que
depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional
de nossa Pátria’ (Preâmbulo do Ato Institucional n. 1, de 9 de abril
de 1964); Considerando que o governo da República, responsável
pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança
internas, não só não pode permitir que pessoas ou grupos
antirrevolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob
pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo
brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o
Ato Institucional n. 2, afirmou categoricamente que ‘não se disse
que a Revolução foi, mas que é e continuará’ e, portanto o
processo revolucionário não pode ser detido;
Considerando que esse mesmo Poder Revolucionário exercido
pelo presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional
para discutir, votar e promulgar a Nova Constituição, estabeleceu
que esta, além de representar ‘a institucionalização dos ideais e
princípios da Revolução’, deveria ‘assegurar a continuidade da
obra revolucionária’ (Ato Institucional n. 4, de 7 de dezembro de
1966);
Considerando, no entanto, que atos nitidamente subversivos,
oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais,
comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução
vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e
bem-estar do seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e
destruí-la;
Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de
medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da
Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranquilidade, o
desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e
social do país comprometidos por processos subversivos e de
guerra revolucionária;
Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são
contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de Março de
1964, obrigando aos que por ele se responsabilizaram e juraram
defendê-lo, a adotarem as providências necessárias que evitem sua
destruição.
Resolve editar o seguinte: ATO INSTITUCIONAL [...].
Essa retórica de 1968, que já vinha em ascenso desde 1964, prossegue
altamente conveniente em 1980. Para autoperpetuar-se no poder, a despeito
do abismo aberto entre o governo e o povo, entre o Estado e amplos setores
da sociedade civil, os governantes repetem a mesma fala, desde o primeiro
dia, como se fosse possível criar fatos com palavras, engendrar fantasias
sem imaginação nem talento. Para autoperpetuar-se no poder, para
autocriar-se como numa fantasia diabólica, o governo trabalha sempre a
indústria do anticomunismo.
Na década de 1960, infiltrados na administração pública do país,
os comunistas tentaram novamente a conquista do poder, sob as
vistas complacentes de um governo fraco, que se tornara
instrumento dos desígnios do movimento comunista internacional.
Esgotados todos os limites de tolerância, a Nação inteira levantou-
se contra aquele governo incapaz, que não soube respeitar as
tradições de liberdade, de cristandade e de amor à democracia do
povo brasileiro.
Bastaria o término daquele estado de coisas para justificar a
Revolução de março de 1964, mas esta, decidida a promover o
progresso e bem-estar do povo brasileiro, prosseguiu no seu
esforço realizador.
Nenhum brasileiro ignora que no Brasil, país de extensão
continental, de regiões bastante diferenciadas entre si e contando
com uma imensa população, existem inúmeros e complexos
problemas a serem resolvidos. Mas, também, ninguém desconhece
que nosso país vem sendo conduzido, desde março de 1964, de
modo seguro e inexorável, ao encontro de seu grandioso e
verdadeiro destino.
Nos tempos atuais, beneficiados pelo programa e espírito de
conciliação da Revolução de 1964 e pelo gesto magnânimo de
‘estender a mão a todos os brasileiros’, por parte de seu atual e
legítimo chefe, voltam os adeptos do marxismo-leninismo a tentar
confundir valores e subverter conceitos. Numa linguagem
corrompida, utilizam-se de jargões para atrair simpatia,
particularmente explorando o ardor e o idealismo da juventude e o
elevado espírito de religiosidade de nosso povo, infelizmente,
contando para isso com a colaboração de alguns conhecidos
agentes infiltrados em grande número de entidades e classes
representativas de nossa comunidade.
Fazem uso, sem cerimônia, da palavra democracia como
inerente ao regime comunista, como se fosse possível conciliar
sentimentos de cristandade com a negação da existência de Deus e
sentimentos de liberdade com os de opressão.
Procuram disfarçar os seus desígnios acenando com um
socialismo capaz de proporcionar igualdade de classes,
generalizada distribuição da riqueza e outras promessas utópicas,
quando seu verdadeiro propósito é a implantação do regime
comunista que, na prática, tem o descrédito das suas contradições e
não deu solução aos problemas fundamentais do homem.199
A criminalização insistente e generalizada de amplos setores da
sociedade civil é um processo político que se institucionaliza nas
constituições e leis da ditadura. As várias versões da Constituição e da Lei
de Segurança Nacional, que não por acaso se modificam sempre nos
mesmos anos, em 1967, 1969 e 1978, estabelecem sempre, na mesma
formulação, que “toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela
segurança nacional, nos limites definidos em lei”.
Isso significa que toda pessoa é suspeita, até prova em contrário. Toda
pessoa pode trazer em si, mesmo sem o saber, o germe do que os
governantes definem como “subversão”. Inclusive significa que toda
pessoa precisa vigiar a outra, suspeitar do seu vizinho, colega de trabalho,
companheiro de viagem, interlocutor. A ditadura instaurou a regra da
suspeição geral e difusa, de modo a intimidar todos, governar pelo medo,
ao modo fascista. Trata-se de paralisar a todos, subjugá-los, retirar-lhes
qualquer traço de cidadania. É nesse contexto que se desenvolvem
atividades de organizações tais como Comando de Caça aos Comunistas
(CCC) , Tradição, Família e Propriedade (TFP), Esquadrão da Morte e
outros produtos e apoios dos governantes.
O inimigo é indefinido, usa mimetismo, se adapta a qualquer
ambiente e usa todos os meios, lícitos e ilícitos, para lograr seus
objetivos. Ele se disfarça de sacerdote ou de professor, de aluno ou
de camponês, de vigilante defensor da democracia ou de intelectual
avançado, de piedoso ou de extremado protestante; vai ao campo e
às escolas, às fábricas e às igrejas, à cátedra e à magistratura; usará,
se necessário, o uniforme ou o traje de civil; enfim, desempenhará
qualquer papel que considerar conveniente para enganar, mentir e
conquistar a boa fé dos povos ocidentais.
O objetivo final é a desintegração física, moral e espiritual de
nosso povo, especialmente da juventude; conseguido isto, teríamos
famílias desunidas, dissolvidas moralmente e incapazes de
constituir-se verdadeiramente na base de nossa nacionalidade.
Seduzir pela embriaguez e prender pelo medo, eis como se pode
resumir a fórmula fundamental de ação comunista, que se esforça
por desmoralizar a afirmação de que a família é a medula da
Pátria.200
Essa ideia de que tudo pode estar em pecado, do ponto de vista dos
interesses econômicos e políticos representados na ditadura, leva os
governantes e os seus funcionários a suspeitarem de todo operário,
camponês, empregado, funcionário, estudante, padre, professor, jornalista,
pesquisador, artista. Assim, a imprensa alternativa, da oposição, foi
colocada na categoria de atividade política delinquente, que os burocratas e
tecnocratas, civis e militares, do governo planejaram circunscrever e
suprimir. O que caracteriza essa imprensa, para muitos setores da ditadura,
é a “pregação de ideias marxistas”, junto com “a anunciação de fatos
negativos”. Trata-se, pois, de “coibir a atividade nefasta da imprensa
nanica contestatória”. Mas como a ditadura está impossibilitada de agir de
forma exclusivamente policial, setores do governo passaram a recomendar
e pôr em prática “sanções econômicas”, pois que essas teriam “efeito mais
rápido, direto e positivo”. Além de que “a grande maioria dos jornais não
resistiria a uma exigência dessa natureza, porquanto muitos deles, ou quase
todos, encontram-se em débito com a Fazenda Nacional, que sempre
reescalona tais dívidas por razões sociais”.201
Foi assim que muito da atividade política adversa ao governo, divergente
da orientação ditatorial, passou a ser qualificada de “delinquência política”.
No intuito de cristalizar o statu quo que convinha ao bloco de poder, os
governantes e os seus escribas desenvolveram a doutrina da delinquência
política. São vários “os delitos de coloração política, dentre os quais se
incluem o ‘ativismo político de caráter extremista’, o ‘utopismo
ultraesquerdista’, o ‘anarquismo’, os ‘distúrbios em praça pública’ e o
‘terrorismo’”.202
Nessa perspectiva fascista, o Estado é concebido como uma instituição
autossuficiente e todo-poderosa. Mas tudo isso, toda essa grandeza,
depende de sua capacidade de precaver-se contra o cidadão, os
subordinados, os subalternos: empregados, funcionários, operários,
camponeses e outras categorias sociais que se acham fora do bloco do
poder. Daí a conveniência da regra jurídico-política das leis da ditadura:
“toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional”.
Assim, qualquer menor de idade, com idade entre 16 e 18 anos, poderá ser
incriminado politicamente, desde que os funcionários do poder estatal
considerem que ele “revela suficiente desenvolvimento psíquico”. Vejamos
como se interpreta a questão no Código Penal Militar (CPM).
O artigo 50 do CPM é claro: ‘O menor de dezoito anos é
inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela
suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito
do fato e determinar-se de acordo com este entendimento’. Hoje, os
garotos já nascem de olhos abertos. Com a TV e os demais meios
de comunicação, um menino de dez anos tem hoje entendimento
que, há meio século, tinham os de quinze anos. É claro que as
populações dos grandes centros aumentaram, e com isso os índices
de delinquência e criminalidade. Mas um gráfico bem feito,
calçado em estatísticas atuais, comparado com as de 1930, e
considerando um número certo de habitantes – 500 mil, por
exemplo – revelará o extraordinário acréscimo dos delitos
praticados por menores na faixa etária entre 16 e 18 anos.
Concordo plenamente com as disposições atuais que tornam
penalmente responsável o maior de 16 anos.203
Há momentos em que os governantes, ou os funcionários graduados e
subalternos, dão a clara impressão de que toda a sociedade civil é suspeita,
potencialmente perigosa para os interesses do bloco de poder. A sociedade
seria, para muitos membros do aparelho estatal, uma forma disforme,
incompetente, que precisa ser administrada de cima para baixo, tutelada,
vigiada. Apesar de disforme, incompetente, a sociedade seria
potencialmente perigosa, estaria sujeita a baralhar as palavras, subverter os
conceitos, usar a palavra democracia sem cerimônia, ceder às promessas
utópicas. Há momentos em que os governantes deixam transparecer, ou
revelam em suas práticas de mando, que grande parte da sociedade civil é
criminalizada pelo Estado.
São países supercivilizados, superorganizados e pequenos onde a
população tem a obediência no sangue. São países onde
praticamente não há assaltos e crimes, onde o povo é obediente à
Polícia. Então, o policial só pode ser educado, é claro. Agora, no
Brasil, não. Esse país é um monstro. Com gente ignorante, gente
marginal, gente miserável, gente desobediente por todos os lados.
Então, há violência entre o policial e a sociedade civil, o marginal
acaba existindo, tendo campo para existir [...].
O brasileiro é um despreparado em termos gerais, todos nós
sabemos disso. Este é um país de miseráveis, favelados, ignorantes
e analfabetos, e é evidente que todos estes elementos criam
dificuldades à polícia, que não tem preparo e também porque a
política assusta. Por causa disso, o ignorante e o favelado, por
exemplo, têm medo de ir até uma delegacia e serem testemunhas
de um fato criminal. E mais assustados ficam quando estes casos
de extrema violência vêm a público.204
Essa é uma amostra da ideologia e prática fascista que os governantes e
seus funcionários mais solícitos desenvolveram sobre as classes
subordinadas, submetidas à superexploração do capital financeiro e
monopolista. O povo, o trabalhador braçal da cidade e do campo, o homem
simples, o humilhado e o ofendido, o operário e o camponês, esse é
tutelado, suspeito, potencialmente perigoso para os governantes, para o
bloco de poder; esse não tem cidadania, nem voz, nem voto.
Da mesma maneira, os “problemas sociais” passam a ser cada vez mais
enquadrados nessa ótica de criminalização. A “prostituição”, o “menor
abandonado”, a “delinquência juvenil” passam a definir-se como práticas
crimináveis ou criminosas. A despeito de algumas concessões ideológicas à
opinião pública estrangeira, quanto a “direitos humanos”, ou “proteção dos
desamparados”, as tendências dos governantes orientam-se no sentido de
trabalhar principalmente com a hipótese de que a prostituta, o menor e o
adolescente abandonados, e outros “problemas sociais”, são crimináveis ou
criminosos. Mais do que isso, o aparelho de poder tem sido levado a dar
grande ênfase a esses problemas – tais como o trombadinha, o assassinato
misterioso, o tráfico de tóxicos etc. – como artifício para reforçar as
condições de sua atuação. Carregar nas tintas, na discussão e divulgação
desses problemas tem sido uma técnica dos governantes, destinada a
camuflar, escamotear ou minimizar a brutalidade, a violência, com que
lidam com largas partes da sociedade civil. Mesmo porque, para os
governantes, é fácil generalizar, desde o menor abandonado e a prostituição
à marginalidade e à periferia, desde a marginalidade e a periferia ao
operário e camponês. Por dentro do alarde que o governo promove sobre os
problemas sociais, tais como o trombadinha, o menor abandonado, a
delinquência juvenil, a prostituição e outros, desenvolve-se mais e mais o
perverso processo de criminalização de largas partes da sociedade civil,
principalmente a classe operária e o campesinato.205
Uma amostra dessa ideologia e prática dos governantes, com relação ao
trabalhador, é a história do lavrador Aparecido Galdino Jacinto, que foi
acusado pela ditadura de ter organizado o “exército divino”. Apesar de
“perseguido pela polícia, ameaçado pelos fazendeiros”, Galdino continuava
a “benzer e dar apoio aos mais necessitados”. Com isso acabou provocando
a ira dos governantes, principalmente porque teve a audácia de chamar o
seu “povo” de exército divino. Galdino foi incurso no artigo 42 da Lei de
Segurança Nacional, cujo enunciado é o seguinte: “Constituir, filiar-se ou
manter organização de tipo militar, de qualquer forma ou natureza, armada
ou não, com ou sem fundamento, com finalidade combativa: Pena:
reclusão, de 3 a 8 anos”.206 Devido ao cunho religioso das suas atividades,
mas fora dos quadros das igrejas e seitas sancionadas pela ditadura,
Galdino foi internado no manicômio judiciário, desde 1972, com base em
exames realizados por psiquiatras, que o declararam “esquizofrênico-
paranoide”.207
Aparecido Galdino Jacinto, 55 anos, boiadeiro, depois lavrador,
benzedor, foi e é mais uma vítima da repressão política que se
abateu sobre o país nos últimos 15 anos. Mas seu caso tem uma
agravante: a psiquiatria acabou exercendo o papel cerceador
principal dos fatos que o envolveram. Galdino é um produto típico
de uma sociedade dilacerada em seus valores mais caros. Preso,
espancado, dado como esquizofrênico-paranoide por psiquiatras
que o examinaram na época de sua ultima prisão, Galdino
permaneceu internado no Manicômio Judiciário de Franco da
Rocha, em São Paulo, de dezembro de 1972 a junho de 1979. E
Galdino só saiu, quanto a isso não há dúvidas, depois da denúncia
do professor José de Souza Martins, durante a semana de direitos
humanos, realizada em São Paulo, em dezembro, sob o patrocínio
da Arquidiocese paulista, e também pela cerrada campanha
encetada por alguns jornais paulistas, principalmente a Folha de
São Paulo (a repórter do O Globo chegou a fazer entrevista com
Galdino levantou todo o material e nada saiu publicado. Um caso
típico de censura interna, que existe em muitos jornais da imprensa
burguesa).208
Os pareceres psiquiátricos que têm sustentado a decisão da
Justiça Militar de São Paulo de manter Aparecido Galdino Jacinto
no Manicômio Judiciário, como medida de segurança detentiva,
contêm várias passagens que chamam de imediato a atenção de
quem está familiarizado com o chamado mundo rústico.
Concepções e expressões de Galdino, que os médicos têm
apresentado como indícios de “esquizofrenia paranoide” e,
portanto, como justificativas para o seu já demorado confinamento,
são na verdade traços culturais comuns nas populações caipiras e
sertanejas.209
A forma pela qual os governantes lidam com os problemas do povo, do
trabalhador, operário e camponês, implica a prática da violência policial
como técnica principal de administração e domínio. Todo questionamento,
toda reivindicação começam por estar sujeitos à suspeição. Se uma grande
quantidade, milhares de famílias, de trabalhadores faz um vasto abaixo-
assinado contra a carestia, contra a manipulação dos preços das
mercadorias por empresários e comerciantes, a isso o governo responde
que houve falsificação de assinaturas, conforme parecer do Serviço
Nacional de Informações (SNI). Se um grupo de intelectuais apresenta um
memorial ao governo, pedindo a eliminação da censura, o ministro da
Justiça envia o documento à polícia para averiguar o passado político dos
signatários. Se os operários fazem greve, piquetes ou passeatas, para
manifestar as suas reivindicações salariais, a ditadura responde com a
violência policial. Foi assim que morreram três operários em 1979: o peão
Orcílio Martins Gonçalves e o metalúrgico Benedito Gonçalves, em Belo
Horizonte; e o metalúrgico Santo Dias da Silva, em São Paulo. Antes, a
ditadura matava nas prisões; agora, nas ruas. Foi isso que o operário e
poeta anônimo registrou na quadra transcrita aqui. Note-se que a pessoa
que fala é, ao mesmo tempo, o indivíduo e o coletivo. Diante da
brutalidade fascista, do assassinato do operário na porta da fábrica, em um
piquete de greve, o companheiro fala por si e pela classe.

A injustiça já está tão grande,


não sei mais para onde me viro,
além de morrer de fome,
tem de morrer de tiro.210
A relação do Estado com a sociedade, sob a ditadura militar, tem sido
uma relação de dominação, exploração e opressão de amplos setores da
sociedade civil, trabalhadores, operários e camponeses. Em todos os níveis
da vida social – econômico, político, cultural, educacional, religioso e
outros – o Estado ditatorial viola cotidianamente a cidadania das pessoas,
principalmente operários e camponeses. Na cidade e no campo, no âmbito
público e privado, brutaliza o cidadão. Tanto assim que nem se pode falar
em cidadão na sociedade brasileira dos anos posteriores ao golpe de Estado
de 1964. Ou então, fala-se em cidadania administrada, tolerada, outorgada,
em recesso, regulada e outras denominações. Desde o seu início, a ditadura
inaugurou uma estrutura fascista de cidadania. Além das diferenças e
desigualdades econômicas, raciais, étnicas, culturais e outras, que
atravessam a sociedade brasileira, o regime militar passou a dividir os
brasileiros em diversas classes de cidadãos: militares e civis, ou militares e
paisanos, cassados e não cassados, tolerados e indesejáveis, suspeitos e
confiáveis. Desde o começo, a ditadura recuperou e desenvolveu a tese de
que no Brasil não há povo, mas massa, não há cidadãos, mas ignorantes;
tese de que a sociedade é despreparada, amorfa, incompetente. Daí a ideia
de que a sociedade precisa ser tutelada, de que o Estado forte, abrangente e
ativo deve impor-se à sociedade e ao cidadão, conferindo-lhes sentido e
atividade, disciplina e hierarquia. A doutrina de “segurança e
desenvolvimento” passa por essa ideia, pela ideia de que a sociedade está
sempre infiltrada, ou ameaçada, pela “subversão e corrupção”. Toda a
ideologia da ditadura, em suas implicações econômicas, políticas, culturais,
militares, policiais e outras funda-se na preliminar de que a sociedade civil
e o cidadão são incompetentes, perigosos, de fato ou potencialmente, e por
isso precisam ser dominados, disciplinados e tutelados. Junto com tudo
isso, desenvolve-se a superexploração da classe operária.
Podemos verificar que a direita imaginou que o pensamento
autoritário estava comprovado pelos fatos. Na medida em que os
tecnocratas civis e militares não experimentavam, por várias
razões, uma resistência insuperável por parte de nenhum setor da
sociedade civil, a conclusão mais fácil para a imensa maioria deles
foi a de que a sociedade era exatamente como Oliveira Vianna a
tinha descrito. Ou seja, uma matéria amorfa que tinha que ser
organizada de cima para baixo.211
A ditadura baniu qualquer representação das classes subordinadas, em
especial operários urbanos e rurais, e camponeses, de todas as esferas do
aparelho estatal. Enquanto os grandes banqueiros, empresários,
comerciantes e latifundiários, nacionais e estrangeiros, conseguiram amplo
espaço de conversações e decisões, nas esferas federais, as classes
assalariadas, principalmente os operários e o campesinato, perderam os
escassos vínculos que haviam começado a estabelecer nas décadas
anteriores a 1964.
A violação da ordem democrática, em 1964, colocou em recesso
a dimensão política da cidadania brasileira. As cassações de
mandatos e de direitos políticos que se seguiram, a extinção dos
partidos políticos, em 1966, o fechamento de diversas associações
civis e a intervenção maciça nos sindicatos evidenciam a
desorganização provocada no que já havia de complexificação
social do país. Voltou a sociedade brasileira a um estágio quase que
pré-organizado, política e socialmente, na exata medida em que os
partidos políticos que vieram a substituir os antigos nenhuma
participação efetiva possuem na administração do governo, e em
que os sindicatos são mantidos sob severa vigilância, bem como as
entidades estudantis, entre outras.212
Caracteriza-se o [...] recesso da cidadania política [...] pelo não
reconhecimento do direito ou da capacidade de a sociedade
governar-se a si própria. E isto reflete-se em todos os níveis,
inclusive nas instituições da política social. Foram expulsos os
representantes dos empregados e dos empregadores do governo do
sistema previdenciário. Igualmente, não participam da
administração dos fundos de que são beneficiários aqueles cobertos
pelo FGTS e pelo PIS-Pasep. Burocraticamente administrados, sem
controle público, e, particularmente, sem a participação de
representantes dos beneficiários desses fundos, desenrola-se a
política social brasileira, como todas as demais políticas, em um
contexto da cidadania em recesso.213
Uma contrapartida dessa política de superexploração do operário foi o
desenvolvimento da “organização” ou “modernização” do processo
produtivo na fábrica. A pretexto de melhorar a eficácia, reduzir a
capacidade ociosa, reverter as expectativas, melhorar a produtividade, os
empresários reforçaram os mecanismos de disciplina e hierarquia dentro da
fábrica. Houve uma dinamização das forças produtivas e relações de
produção, favorecendo a economia política da ditadura, do bloco de
poder.214 Foi assim que se desenvolveu a militarização do processo de
trabalho, das relações de produção, em uma escala desconhecida na história
da classe operária. Na prática, o que ocorreu foi o desenvolvimento –
talvez mais acentuado do que nunca na história recente da classe operária
brasileira – das exigências do capital. À medida que o grande capital
financeiro e monopolista se impõe e penetra nas relações de produção, nas
empresas, nas fábricas e fazendas, nas organizações privadas e públicas, no
mercado e no aparelho estatal, então, meio devagar ou meio de repente,
conforme o caso, verifica-se que tudo tende a militarizar-se. É como se as
exigências do capital, pouco a pouco, ou de repente, iluminassem todos os
recantos da vida social, desde a fábrica e o futebol até o aparelho estatal e a
escola. Na prática, também a escola, como o futebol, o rádio, a televisão e
outras esferas da vida social, foi amplamente penetrada, tomada ou
simplesmente subordinada às exigências do capital. Desde 1964, com base
no Relatório Meira Matos, nos acordos MEC-Usaid e nas leis e decretos
relativos à reforma do sistema de ensino pela ditadura, desde essa ocasião
cresceu muito a militarização da escola brasileira.215 Pouco a pouco, ou de
forma repentina, conforme o caso, em muitos ou todos os recantos da vida
social do povo brasileiro, as relações sociais, em suas implicações
econômicas e políticas, passaram a ser amplamente determinadas pela
lógica militar do capital.
As classes dominantes, o bloco de poder constituído no aparelho de
Estado, desenvolveu a tese de que “o brasileiro é um despreparado em
termos gerais”, de que “este é um país de miseráveis, favelados, ignorantes
e analfabetos”, com “gente marginal” e “desobediente por todos os lados”,
nesse ambiente, “então há violência entre o policial e a sociedade civil”.216
Ou seja, em uma sociedade em que o “cidadão” e a “sociedade civil” são
incompetentes e suspeitos, cabe ao Estado, à ditadura, punir a ambos.
Essa ideologia dos governantes às vezes ganha formulações sofisticadas,
científicas. Aliás, vários dos seus intelectuais orgânicos (tanto os
ostensivos e permanentes quanto os ocasionais) têm buscado fundar
histórica e teoricamente a ideologia dos governantes. Buscam os mais
surpreendentes argumentos em favor da tese de que a sociedade civil e o
cidadão são incompetentes, não confiáveis, e, por isso, precisam ser
tutelados pelo Estado.
Uma sociedade minimamente estruturada é condição
indispensável, necessária (mas não suficiente), para a instauração
efetiva de um sistema político democrático e socialmente
progressista. Sem esta estruturação, a população se massifica à
mercê de eventuais lideranças carismáticas e manipulações de
máquinas partidárias e propagandísticas de todo o tipo, enquanto
que o poder político se concentra na burocracia estatal e tende a
crescer indefinidamente.
A dificuldade brasileira a este respeito é grande, porque nos falta
uma tradição histórica de organizações sociais mais efetivas e bem
estruturadas, que possuam modelos conhecidos de controle efetivo
do poder público pela sociedade; e é por isto que talvez nos falte,
inclusive, um melhor entendimento a respeito de que tipo de
relações deveríamos buscar estabelecer entre a sociedade
estruturada e o sistema político.
Poucos discordariam desta afirmação, ainda que existam
certamente divergências sobre sua verdadeira explicação e sentido.
Oliveira Vianna é o autor de uma denúncia clássica e irretorquível
da tradição liberal brasileira, que supunha a existência de uma
sociedade estruturada e articulada, que de fato não existia, como
sua base de sustentação. Ao contrário de outros, dizia Oliveira
Vianna, o povo brasileiro era ‘um povo-massa’, que deveria ser
tutelado por suas elites.217
Foi assim que os governantes, o bloco de poder, instalados no aparelho
estatal, desenvolveram a ideologia fascista que compõe e funda a
dominação, a exploração e a brutalidade sobre grande parte da sociedade
civil, principalmente operários e camponeses. Desse modo, também, a
ditadura militar buscou elementos políticos, morais, sociais, históricos,
para legitimar-se. Um dos dilemas dos governantes desde 1964 é que a
ditadura nunca se legitimou, em termos políticos e morais, diante da
maioria do povo brasileiro. Ela nasce de um golpe de Estado organizado
por policiais, militares, burgueses, tecnocratas, representantes da burguesia
imperialista e o embaixador estadunidense Lincoln Gordon. O que houve, a
31 de março de 1964, foi o assalto a um poder presidencial legitimamente
constituído. O presidente João Goulart e o Congresso Nacional haviam
sido eleitos democraticamente com base na Constituição que havia sido
elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Portanto, desde
o começo, os governos militares são ilegítimos, em termos políticos e
morais. Garantem alguma legitimidade por meio da violência estatal,
expressa pelo poder econômico e policial. Daí a importância ideológica
complementar da tese de que a sociedade civil e o cidadão são
incompetentes, não são confiáveis, do ponto de vista dos governantes e
seus escribas. Daí a ideia de que “o povo brasileiro ainda não está
preparado sociologicamente para gozar de uma democracia plena”.218 Isso
significa que cabe aos governantes, aos donos do poder, ao Estado, tutelar,
dominar, disciplinar ou brutalizar os segmentos da sociedade civil e os
cidadãos que a mesma ditadura define como infiltrados, ou sujeitos à
desobediência, discussão, crítica. Tanto assim que a liberdade e os direitos
humanos, para esses governantes, são outorgados pelo poder estatal.
Liberdade e direitos emanam do Estado. Este, sim, é que outorga
ao homem tais privilégios, consequentemente, não pode, ele, o
Estado, ser subalterno a semelhantes prerrogativas, sob pena de
ficar caracterizada a anarquia.219
O que está em questão, nisso tudo, principalmente, é a exploração da
classe operária urbana e rural e do campesinato. Secundariamente, essa
ideologia tem algo a ver com as classes médias da cidade e do campo. O
que está em causa, nessa forma de compreender e submeter grande parte da
sociedade civil, é a garantia da continuidade das condições de produção de
altas taxas de mais-valia. Afinal de contas, uma das principais razões do
golpe de Estado de 1964 foi a crise econômica acompanhada da redução do
volume e do ritmo dos negócios e da queda da taxa de lucro. Ao mesmo
tempo, o golpe foi provocado pela crise do próprio Estado burguês,
ocorrida junto com a crise econômica. Na crise do Estado, na forma sob a
qual ela ocorre em 1961-1964, o que estava em questão era também um
notável ascenso político de operários e camponeses. Daí o peso maior da
ditadura ter caído de modo brutal sobre operários e camponeses. Daí o
bloco de poder ter feito com que os governantes adotassem uma política de
aniquilamento – literalmente, aniquilamento – das conquistas econômicas e
políticas que a classe operária e o campesinato haviam obtido antes de
1964.
Assim, por dentro e na base da ideologia dos governantes, de que a
sociedade civil e o cidadão são amorfos, incompetentes, suspeitos etc., está
a dominação brutal do capital sobre o trabalho, da burguesia sobre a classe
operária. Essa brutalidade está acompanhada de um vasto desprezo dos
governantes pelos operários. Conforme declara precisamente o ministro do
Trabalho, “o trabalhador não tem nível cultural para apresentar sugestões
no sentido de aumentar a produtividade da empresa”.220 O trabalhador,
segundo se depreende da fala do ministro, e em conformidade com os
interesses da burguesia, o trabalhador está apto para ser explorado e
superexplorado, mas não para discutir sequer a exploração, “O controle
sindical e o controle do salário profissional foram as formas autoritárias
encontradas para compatibilizar os objetivos de acumulação acelerada,
modernização tecnológica da economia e baixo nível de investimento
educacional”.221 Sob todas as formas, o operário se viu privado de
qualquer capacidade de negociação com a empresa, seja por via do
sindicato, seja por intermédio do poder público. A ditadura instituiu o
arrocho salarial, a intervenção no sindicato, a proibição da greve, a
liquidação da liga camponesa, o princípio da suspeição sobre toda
discussão, organização, movimentação e reivindicação por parte de
operários e camponeses. “Não é possível ignorar que a arbitrariedade do
governo incidiu sobretudo nas categorias de trabalhadores”.222 Desde o
começo, os governantes arrogaram-se a prerrogativa de definir os níveis
salariais “sempre pelo princípio da maximização da eficiência”.223 Isto é,
passaram a decidir e atuar, em questões salariais, sindicais e outras,
relativas aos interesses da classe operária, apenas e exclusivamente em
termos da exploração ou superexploração da força de trabalho. Foi assim
que a ditadura praticamente suprimiu a escassa cidadania que o operário
havia conquistado antes de 1964.
Sob vários aspectos, portanto, os governantes aparecem, para grande
parte da sociedade civil, como conquistadores. O povo, principalmente o
operário e o camponês, aparece como subordinado, submetido,
conquistado. A forma pela qual o Estado foi levado a relacionar-se com o
povo, o trabalhador, o operário e o camponês fez com que a ditadura
aparecesse como ela é: uma ditadura fascista, um poder estatal amplamente
determinado pelos interesses do grande capital financeiro e monopolista.
14. O Estado Fascista
Foi tão acentuado o desenvolvimento da força e organização do Estado
brasileiro, que logo se tornou estranho para o povo, o cidadão, as classes
assalariadas, os operários e camponeses. À medida que se fortalecia,
ampliava, “modernizava”, penetrava todos os recantos da vida econômica,
política, educacional, religiosa, cultural, artística e outros círculos de
existência social, mais o Estado se revelava estranho, estrangeiro. Quanto
mais forte e ativo, mais repressivo e opressivo. Era a figuração de um
Estado conquistador, de conquistadores. Para as classes subordinadas, o
Estado ditatorial adquiriu todos os contornos e movimentos de um Estado a
serviço das classes dominantes, principalmente do imperialismo. A
economia política da ditadura, como economia política da grande burguesia
financeira, da alta finança, do imperialismo, fez com que as classes
subordinadas não tivessem dúvida sobre a realidade brutal do Estado
burguês. Tanto assim que o mesmo Estado forte, ativo, “modernizado”, na
prática configurou-se como um Estado estranho, estranhado, estrangeiro;
ou repressivo, opressivo, despótico, inimigo.
Ocorre que a ideologia e a prática das classes dominantes e governantes
caminharam na mesma direção, de par em par, quanto às relações entre o
Estado e a sociedade civil, principalmente o poder ditatorial e as classes
subordinadas. Por dentro da doutrina de “segurança e desenvolvimento” a
ditadura acionou e aperfeiçoou o planejamento e a violência estatais, como
técnicas econômicas e políticas, como forças produtivas complementares.
Por dentro da economia política governamental, desenvolveu-se um Estado
forte e abrangente, ativo e repressivo, a serviço da grande burguesia
financeira, da produção da mais-valia regular e extraordinária. As
condições ditatoriais sob as quais foram colocadas as classes subordinadas,
principalmente operários e camponeses, tornaram possível o aumento da
taxa e do ritmo na produção de mais-valia absoluta e relativa. Assim, os
operários e os camponeses foram levados a compreender o caráter
estrangeiro, inimigo, do Estado burguês.
É nesse sentido que a dissociação entre o “país real” e o “país formal”
não é uma figura de retórica. O que é um fenômeno antigo e reiterado na
história da sociedade brasileira – o caráter oligárquico, autoritário,
ditatorial do poder estatal – reaparece com novo significado. A ditadura
desenvolveu e aperfeiçoou o divórcio entre o Estado e largos setores da
sociedade, principalmente empregados, operários e camponeses. Desde que
o bloco de poder formado pela grande burguesia, militares, policiais,
latifundiários, setores de classe média, setores da Igreja, a grande imprensa,
a indústria cultural, sob a orientação do imperialismo, desde que esse bloco
de poder assumiu o poder em 1964, cresceu e generalizou-se a dissociação
entre o Estado e amplos setores da sociedade civil. É verdade que a
ditadura adotou várias políticas destinadas a recriar laços com as classes
subordinadas. O rádio, a televisão, o futebol e o conjunto da indústria
cultural, muitos foram os elementos acionados pelos governantes para
recriar ou desenvolver laços entre as classes subordinadas, oprimidas, e o
bloco de poder. Foi grande o empenho dos funcionários do bloco de poder
– burocratas e tecnocratas, civis e militares, nacionais e estrangeiros – no
sentido de convencer o povo, os trabalhadores, os operários e camponeses,
de que o Brasil ia ser uma “pátria grande”, “potência mundial” e outras
fantasias da geopolítica do capital. Tudo isso, e muito mais, inclusive a
transformação publicitária do general João Baptista Figueiredo em “joão”,
tudo serviu para que os próprios governantes se enganassem. Construíram
ficções em cima das manipulações, imaginando que a verdade da vida
operária, por exemplo, possa ser falsificada como a falsificação das
estatísticas. No cotidiano, o povo em geral, principalmente os operários,
camponeses, empregados, as classes subordinadas e oprimidas, no
cotidiano todos se sentem dominados, oprimidos, brutalizados por um
Estado forte, abrangente, agressivo, inimigo. Isso é o resultado prático,
cotidiano e reiterado, da superexploração das classes assalariadas; da
violência estatal e privada, como técnica da economia política do bloco de
poder; da manipulação do boato como técnica de intimidação e poder; das
prisões, sequestros, sumiços, assassinatos. Foi assim que cresceu muito,
aprofundou-se talvez como nunca, a dissociação entre o Estado fascista, a
serviço do bloco de poder comandado pelo imperialismo, e amplos setores
da sociedade civil, destacando-se as classes subordinadas e oprimidas,
principalmente os operários e camponeses. Foi assim que se criou a
sensação de país ocupado.
Rapidamente, dissocia-se o país real do país formal, este
expresso pelas lideranças que cuidam dos problemas de uma
minoria, aquele representado por quase 80% de uma população
marginalizada, sacrificada e sem o menor acesso sequer aos
avanços da técnica, quanto mais às benesses e facilidades da vida
moderna. Tome-se o exemplo das grandes cidades, como o Rio,
São Paulo, Belo Horizonte ou Recife. Nelas, um conjunto cada vez
mais reduzido, em comparação com o total, consegue viver
segundo padrões compatíveis com o século XX, abastados ou
modestos. Morar razoavelmente, comer duas vezes por dia, dispor
de um emprego fixo, ir ao cinema tornam-se privilégios de grupos
cada vez menores quando cotejados com o cinturão de miséria que
envolve os centros mais densos, ou os bolsões de indigência
incrustados em seus próprios territórios, na forma de favelas. Até
Brasília, hoje, apresenta-se com essa vulnerabilidade, pois, os 400
mil habitantes do plano piloto, estáveis em maioria, têm ao seu
redor 900 mil bocas famintas e braços sem trabalho ordenado.
E tomem-se sacrifícios, apertos de cinto, aumentos, dificuldades
e pressões econômicas de toda ordem, que a classe média, mesmo
protestando, consegue absorver, mas que a grande massa terminará
por repelir, dada a inviabilidade de seguir vivendo. Porque o
agravamento das condições sociais, sem respostas imediatas, breve
determinará uma espécie de cerco aos clubes fechados em que nos
colocamos. Se a miséria e a indigência decidirem acampar nos
jardins dos abastados, dos médios ou até dos remediados, isto é, se
o Brasil real marchar sobre o Brasil formal, não haverá mais
espaço para composições, quanto mais para soluções.224
A dissociação mais ou menos profunda entre o poder estatal e amplos
setores do povo, principalmente de trabalhadores, é algo inerente ao Estado
burguês. No Brasil, essa dissociação tem sido bastante acentuada, ao longo
da história da sociedade brasileira. Em 1964, no entanto, foi abrupta e
profunda. Cada vez mais, nos anos subsequentes, o governo, o sistema, o
Estado, ou seja, o bloco de poder divorciou-se do povo, dos trabalhadores,
dos operários e camponeses. Foi tão abrupto, profundo e generalizado o
divórcio entre o Estado e o povo, que também a arte popular registrou logo
a brutalidade da situação. Em duas ocasiões, Geraldo Vandré trabalhou
com engenho e arte o que estava acontecendo.
Porque gado a gente marca tange, ferra, engorda e mata, mas com
gente é diferente.225
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de arma na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão.226
Também outros artistas se defrontaram com essa mesma dissociação
generalizada. Em todas as esferas da vida – humana, social, cultural,
política, econômica e outras –, muitos compreenderam e sentiram o
crescente divórcio entre o pensamento e a atividade, entre o que se sentia
ou pensava e o que se dizia ou podia dizer. Como gente, foram muitos,
muitíssimos, os que foram levados a sentir, cada vez mais, o absurdo
criado. Crescia, intensificava-se, generalizava-se o divórcio entre o
governo e o povo, entre o Estado e o cidadão, entre a ditadura e o súdito.
Todo esse clima reaparece na literatura, teatro, poesia e outras produções
artísticas do tempo.
Lavoura Arcaica: Para que as pessoas se entendam é preciso que
elas ponham ordem em suas ideias. Palavra com palavra, meu filho
[...]. Você está enfermo, meu filho, uns poucos dias de trabalho ao
lado dos teus irmãos hão de quebrar o orgulho da tua palavra, te
devolvendo depressa a saúde de que você precisa [...]. Ninguém
em nossa casa há de falar com presumida profundidade, mudando
o lugar das palavras, embaralhando as ideias, desintegrando as
coisas numa poeira, pois aqueles que abrem demais os olhos
acabam sempre por enxergar só sua própria cegueira; ninguém em
nossa casa há de padecer também de um suposto e pretensioso
excesso de luz, capaz como a escuridão de nos cegar; ninguém
ainda em nossa casa há de dar um curso novo ao que não pode
desviar, ninguém há de confundir nunca o que não pode ser
confundido, a árvore que cresce e frutifica com a árvore que não dá
frutos, a semente que tomba e multiplica com o grão que não
germina, a nossa simplicidade de todos os dias com um
pensamento que não produz; por isso, dobre a tua língua, eu já
disse, nenhuma sabedoria devassa há de contaminar os modos da
família!227
Calabar: Calabar é um assunto encerrado. Apenas um nome.
Um verbete. E, quem disser o contrário atenta contra a segurança
do Estado e contra as suas razões. Por isso o Estado deve usar do
seu poder para o calar. Porque o que importa não é a verdade
intrínseca das coisas, mas a maneira como elas vão ser contadas ao
povo.228
Toda brutalidade da dissociação entre o governo e o povo, o Estado e o
cidadão, a ditadura e o súdito, tudo isso estava cotidianamente realizado e
recriado na repressão generalizada. A prisão, o sequestro, o sumiço, o
assassinato político, junto com o arrocho salarial, a intervenção
governamental nos sindicatos urbanos e rurais, a supressão das ligas
camponesas, a manipulação do boato e o medo, como técnicas de poder,
tudo isso configura uma realidade política fascista que se registra nas
produções artísticas. Afinal, são muitos os mortos, assassinados e
desaparecidos, os mortos sem sepultura: Olavo Hansen, José Porfírio,
Manuel Fiel Filho, Santo Dias da Silva, Benedito Gonçalves, Orcílio
Martins Gonçalves, Antonio Carlos Nogueira Cabral, Antonio Benetazzo,
Rubens Paiva, Alexandre Vanucchi Leme, Vladimir Herzog, Osvaldo
Orlando da Costa, entre muitos outros. É essa a pesada brutalidade da
ditadura fascistoide que impressionou profundamente a produção artística.
A população muda contempla o morto. Façam-se as apostas,
senhores. Cinco por um pra o suicídio, pois já há posição oficiosa a
respeito. Suicidou-se o assassinato. E todos concordam e
aplaudem. Mais uma indagação será encerrada e no melhor dos
mundos continuaremos trabalhando para o bem comum.
Tudo sob controle, o destino foi dominado. Eia, balancem a
cabeça, concordem como convém. Aplausos, senhores, e depois
podem ir para seus campos e oficinas em nome do bem-estar.
No domingo, haverá aguardente, jogos e medalhas para o
campeão, e à noite, juntos ao fogo, a partida de dominó. Atenção!
Que levantem as mãos os que passam fome! – Ninguém passa!
– Que levantem os braços os infelizes! – Completa felicidade!
– Quem chora à noite de aflição? – Todos dormem como justos!
– Que façam coro comigo os amantes de injustiçados; os pais de
corrompidos; as mulheres de assassinados; os parentes de
explorados! Eia, é claro, existimos no melhor dos mundos!
– Que fiquem parados e quietos os desesperados! – Ah, assim
melhor! Adeus, meus semelhantes!229
A compreensão que os governantes têm do poder não deixa margem a
dúvidas quanto ao caráter todo-poderoso, impositivo e abrangente do
Estado. Para os donos do poder e seus funcionários, civis e militares, é o
Estado que institui a sociedade; é “o órgão que realiza as condições
peculiares da fisiologia específica da comunidade nacional”. Dado o fato
de que a sociedade é pensada como uma formação fisiológica, o Estado é
concebido como o sistema nervoso dessa formação. A partir de “princípios,
métodos, normas e ações” instituídos pelos próprios governantes, à
margem e à revelia da sociedade, povo, cidadão ou súdito, “cabe-lhe dirigir
a vida da comunidade”. A ideia de comunidade, ou nação, confunde-se
com a noção de um todo homogêneo, harmonioso. Há população, território,
comunidade, nação, soberania, Estado. Não há povo, cidadão, associação
de cidadãos, sindicatos, partido, igreja e outras instituições da sociedade
civil. Toda compreensão e prática dos governantes sobre as relações entre o
Estado e a sociedade mostra que eles concebem o poder estatal como “uma
realidade político-jurídica” que “é a nação em termos orgânicos”;230 que
articula uma realidade amorfa, invertebrada; que se põe e impõe à
sociedade civil, ao povo, ao cidadão. Todos passam a ser concebidos como
subalternos, consentidos, outorgados, súditos, figuras instituídas pelo
Estado todo-poderoso.
Estado é a entidade de natureza política, instituída em uma
nação, sobre a qual exerce controle jurisdicional, e de cujos
recursos dispõe para promover a conquista e manutenção dos
objetivos nacionais.231
O Estado, como instrumento de organização política da
comunidade nacional, deve ser encarado sob dois aspectos
primordiais distintos, mas inseparáveis: é um sistema de funções
de disciplina e de coordenação de meios para atingir determinados
objetivos; e é um conjunto de órgãos disciplinares e coordenadores.
Não se pode conceber as funções do Estado senão através da rede
dos seus diversos órgãos, da mesma forma que não se pode ver
seus diversos órgãos senão como o valor dos mecanismos
empregados para desempenhar aquelas funções.
Todo o conjunto de órgãos estatais se destina a executar os fins
do Estado. Todo o sistema de funções de disciplina e de
coordenação de meios é estruturado e posto em ação para realizar
determinados objetivos.
As funções básicas do Estado são:
a) a de órgão político-institucional, destinado a criar e a manter a
ordem socioeconômica e política.
b) a de promover a consecução do bem comum como condição
da sua própria existência.
Estas duas funções se completam e reciprocamente se
condicionam. Há uma relação constante entre a função estrutural
da comunidade que o Estado jurisdiciona e sua função dinâmica de
promover os meios necessários para a consecução do bem comum.
Estas funções básicas coexistem com outras, que variam
conforme a filosofia da vida, a doutrina política vigente, o regime
político etc.
Na função dinâmica do Estado, devemos considerar ainda que
sua capacidade de ação opera interna e externamente.
Nos limites do seu território, ele atua como instrumento de
disciplina social, incentivo econômico, unidade política e outros
fins igualmente relevantes; externamente, é o instrumento político
da soberania nacional, visando a alcançar e a manter os objetivos
nacionais, em confronto com os objetivos de outros Estados.232
Foi essa compreensão fascistoide do poder que se efetivou com a
ditadura instalada desde 1964. Essa compreensão efetivou-se em
numerosas decisões e políticas adotadas pela ditadura: atos institucionais e
complementares, decretos, ordens, proclamações e cassação de direitos
políticos, prisões, processos, sequestros, sumiços, assassinatos; política de
arrocho salarial, intervenção em sindicatos operários urbanos e rurais,
supressão das ligas camponesas; militarização do aparelho estatal, das
organizações de ensino e das fábricas; infiltração de informantes e espiões
nas organizações públicas e privadas, leigas e religiosas, políticas e
educacionais. Foram muitas, numerosas, as decisões e políticas que
efetivaram a compreensão fascistoide de Estado. A pretexto de instaurar a
“estabilidade social e política”, que teria sido afetada pelo ascenso político
das classes assalariadas, principalmente operários e camponeses, nos anos
1946-1964, os governantes procuraram fortalecer e ampliar o aparelho
estatal. Para eles, tratava-se de “modernizar” e tornar abrangente o
aparelho de poder, em termos econômicos, políticos, educacionais,
culturais, policiais, militares e outros. Em termos de “segurança e
desenvolvimento” contra “a subversão e a corrupção”, os governantes
procuraram criar todas as condições econômicas e políticas propícias ao
florescimento do capital financeiro e monopolista, principalmente do
imperialismo. Foi assim que o Estado se tornou estrangeiro.
No catecismo da Escola Superior de Guerra, define-se a
segurança nacional como ‘o grau de garantia que, através de ações
políticas, econômicas, psicossociais e militares, o Estado
proporciona à nação, para a conquista e manutenção dos objetivos
nacionais a despeito dos antagonismos ou pressões’.
Deixemos de lado o jargão esguiano, para nos fixarmos nos dois
polos dessa relação de garantia: Estado e nação. Trata-se de
totalidades e – o que é pior – de totalidades abstratas. No conceito
de Estado não há distinções nem, muito menos, contradições,
segundo essa doutrina: é o imenso aparelho de poder, abrangendo
em bloco todos os que, direta ou indiretamente, são dotados de
mando oficial ou público. No limite, interpretado à luz dessa teoria,
o artigo 86 da vigente Constituição (‘toda pessoa, natural ou
jurídica, é responsável pela segurança nacional, nos limites
definidos em lei’) apresenta um sentido inesperadamente
totalitário: todos e cada um de nós compõem esse Estado, como
aquela multidão de cabeças compunha a figura do Leviatã, no
famoso desenho de capa da primeira edição do livro de Hobbes.
Por outro lado, a doutrina da segurança nacional não fala em
povo, em classes, em comunidade; menos ainda em indivíduos,
cidadãos ou pessoas. Fala em nação (geralmente com maiúscula).
Ainda aqui, o todo é monolítico e perfeitamente abstrato, isto é,
não situado, nem histórica nem sociologicamente.233
Toda atuação do governo, a partir dessa estrutura jurídico-política,
apresenta-se à opinião pública, ao cidadão, à sociedade civil, como uma
ação de controle, domínio, punição. Na prática, o governo aparece como
capataz, agindo no sentido de garantir segurança e desenvolvimento, ordem
e progresso, hierarquia e disciplina, obediência e eficiência. A imagem do
“mestre-escola diante dos alunos”, estabelecendo quantas vezes esses
devem copiar o hino nacional, ou exigindo que seja decorado, essa imagem
é apenas uma metáfora amena.234 O governo se relaciona com a opinião
pública, o cidadão, a sociedade civil, por meio de atos institucionais, atos
complementares, decretos, portarias, proclamações, ordens do dia,
admoestações, determinações, exigências, punições.
Esse caráter do Estado, em face de amplos setores da sociedade civil, em
especial em face da classe operária e do campesinato, esse caráter logo se
configurou em um singular aparelho, conhecido como o “sistema”, que
passou a governar o país. Desde que se instalou a ditadura, a sociedade
brasileira passou a ser governada pelo que os próprios governantes
passaram a denominar “sistema” ou “sistema revolucionário”. Trata-se de
algo que é e não é governo. Não é o general que exerce o Poder Executivo,
nem é ele e os seus ministros. Ou melhor, pode ser o general e alguns
ministros. Mas não é claro quais os ministros, civis ou militares, burocratas
ou tecnocratas, que compartilham os segredos do sistema. O que, sim, se
sabe é que além do governo, por dentro ou por fora, à margem ou por sobre
o governo, existe um aparelho conhecido como sistema. Trata-se de um
aparelho que é fictício, mas efetivo, personificado e difuso, ubíquo e brutal,
civil e militar, político e policial, presente e ausente, forte e abrangente,
estranho e inimigo.
Na prática, o sistema mescla-se com o aparelho estatal e o governo;
incrusta-se profunda e generalizadamente no Estado; combina e articula
civis e militares, economia e política, geopolítica e capital. Seria ilusório
imaginar que o sistema é apenas um invisível aparelho militar-policial, que
se concentra no Conselho de Segurança Nacional (CSN) ou no Serviço
Nacional de Informações (SNI). São órgãos estatais e funcionários,
burocratas e tecnocratas, civis e militares que o compõem de modo efetivo,
ainda que sem vínculos orgânicos nem reconhecimento explícito. Foi quase
que como um lapso que um dos ministros militares do governo do general
João Figueiredo se referiu ao “sistema revolucionário”, ao responder a uma
pergunta de um jornalista sobre “abertura” e “democratização”.235
Em 1968-1978, o Ato Institucional n. 5 foi a expressão mais clara,
indiscutível, da ditadura. Depois, a partir da Emenda Constitucional n. 11,
a sociedade civil continua submetida ao arbítrio dos governantes, ainda que
em termos diversos. Tudo isso é a roupagem jurídico-política que constitui
uma das bases do sistema.
Artigo 2º – O presidente da República poderá decretar o recesso do
Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de
Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só
voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da
República.
§ 1º – Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo-
correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e
exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei
Orgânica do município [...].
Artigo 4º – No interesse de preservar a Revolução, o presidente da
República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional e sem as
limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos
políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar
mandatos eletivos federais, estaduais e municipais [...].
Artigo 6º – Ficam suspensas as garantias constitucionais de
vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício
em funções por prazo certo.
§ 1º – O presidente da República poderá, mediante decreto,
demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer
titulares das garantias referidas neste artigo, assim como
empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de
economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar
militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando
for o caso, os vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.236
Também já foi suficientemente enfatizado, em debate nacional, que a
Emenda Constitucional n. 11, de 1978, ao criar as chamadas ‘medidas
de emergência’ e o ‘estado de emergência’, deu ao presidente da
República um superpoder sem contraste, bem mais rigoroso, sob o
aspecto de segurança da sociedade civil, que o clássico estado de
sítio.237
No interior do aparelho estatal, desenvolveu-se vasta burocracia civil e
militar. Para operar a máquina do Estado, em suas atividades econômicas,
políticas, policiais, militares, culturais, educacionais e outras, o bloco de
poder desenvolveu e diversificou o pessoal burocrático. Em todos os
setores da sociedade brasileira e em todas as suas regiões, áreas e lugares,
em todos os recantos da vida do povo – no público e no privado – o
aparelho da ditadura passou a influenciar e interferir. Para isso, o bloco de
poder acionou vasta burocracia civil e militar. Razoável contingente dessa
burocracia compõe-se de tecnocratas. Compõe-se de funcionários
categorizados, nos diferentes ministérios, superintendências, conselhos,
secretarias, empresas etc. que compõem o aparelho burocrático do Estado.
São milhões de funcionários públicos – burocratas e tecnocratas – que
operam a máquina estatal da ditadura. Dentre os mais categorizados desses
burocratas e tecnocratas, muitos são militares, ou provenientes do meio
militar. É claro que esse é um aspecto importante da fisionomia e dos
interesses do bloco de poder que passou a dominar a sociedade brasileira.
Há um quê de geopolítica nisso tudo.
Listados os titulares dos 360 mais importantes cargos da
administração federal, verificou-se que 101 deles, ou 27,8% do
total, são militares. Isto é, quase um terço dos altos funcionários
federais são militares. A conta foi feita relacionando-se os 20
funcionários mais graduados dos 18 principais organismos
governamentais [...].
Em 1964, se dá mais sólida e profunda intervenção militar no
domínio político entre todas as que se produziram na história
brasileira. Essa intervenção, que vai realizar duravelmente a obra
da conciliação entre a corporação militar e a administração civil do
Estado, tem dois momentos definidos.
O primeiro momento é o da tutela militar do Estado, pura e
simplesmente. Mas nessa etapa os militares não ocupam
diretamente as funções públicas, salvo no primeiro escalão do
Ministério. A administração passa a trabalhar sob a lógica e os
compromissos tipicamente militares. Os quadros do Exército
dentro da administração civil, porém, ainda são limitados. O
segundo momento assinala a penetração direta. Os militares
passam para a reserva e ocupam em profusão cargos
tradicionalmente civis da administração pública. Curiosamente, no
segundo momento, o poder é mais compartilhado do que no
primeiro. Agora, são os burocratas civis que dominam a produção
das informações, conceitos, noções e valores que orientam o
Estado. É claro que o fazem em nome dos militares e sob
inspirações de suas criações doutrinárias e ideológicas. Mas esta é
uma via de mão dupla, em que a produção intelectual de origem
civil e de origem militar é compartilhada. Esses níveis se
influenciam reciprocamente para forjar as políticas
governamentais. O regime, então, ganha os contornos duráveis de
um sistema híbrido, seguramente capaz de sobreviver aos influxos
da distensão política.238
Muitos, muitíssimos funcionários da administração pública foram
contratados pelos governos militares, de modo a aumentar a força e a
eficácia do aparelho estatal. Se deixamos de lado o pessoal das empresas
estatais, tais como Petrobras, Eletrobras e muitas outras, entre 1960 e 1976
o pessoal da administração pública aumentou de 363.669 para 1.379.302.
As exigências da ditadura, enquanto poder político-econômico
profundamente atrelado às exigências do grande capital financeiro e
monopolista, determinaram a ampliação e a dinamização do aparelho
estatal. Foi assim que cresceu e diversificou-se bastante a administração
pública com burocratas e tecnocratas, civis e militares, operando em todos
os lugares e recantos da sociedade civil e da vida do cidadão. Se tomarmos
o total do pessoal empregado em empresas, empregos domésticos e
administração pública (ou seja, os assalariados urbanos), observamos que
os empregados públicos cresceram de 4,6% do total, em 1960, para 7,8%
em 1973.239
A administração pública empregava cerca de um vigésimo dos
assalariados urbanos, entre 1950 e 1970, mas entre 1973 e 1976
esta proporção cresceu para 7 a 8%. Como nestes últimos anos
muitas autarquias e repartições foram transformadas em empresas
(por exemplo, os correios e telégrafos, serviços de águas e esgotos,
de melhoramentos urbanos, rodoviários etc.), o crescimento da
proporção de empregados públicos é algo surpreendente. Ele talvez
seja devido à grande expansão de serviços de consumo coletivo
(educação, saúde, previdência social), que continuam sendo
prestados por órgãos da administração pública.240
Na prática, o sistema tem precisamente todas as características da
ditadura, no que ela tem de ubíqua e brutal, policial e militar, econômica e
política; ditadura essa que faz com que o Estado se revele como uma
realidade forte e abrangente, estranha e inimiga, para as classes
subordinadas, principalmente os operários e camponeses. Ocorre que nem
o povo, nem o cidadão, nem os grupos e classes sociais subordinados têm
qualquer acesso às esferas decisórias do governo, sistema ou ditadura.
Haveria um grupo privilegiado – os ministros da casa, todos os ministros
civis e militares representantes do grande capital financeiro nacional e
estrangeiro, ninguém sabe – que toma decisões e manda que se ponham em
prática decisões sobre questões de economia e política, educação e
geopolítica, transferência de renda e desenvolvimento regional, arrocho
salarial e facilidades para os interesses imperialistas. Em todo o caso, “o
chefe do governo, em condições normais, é também o chefe do sistema”.241
Ou seja, com frequência, o governo, o sistema e a ditadura são uma coisa
só.
Chegamos à tentativa de definição do sistema, de resto
indefinível, pois intangível, ele será o avalista do governo, se
admitirmos que as Forças Armadas são o estabelecimento de
crédito. Acerta quem supuser que o sistema, ordinariamente, é
expresso pelos altos comandos, mais até pelo alto comando do
Exército, mas não estará errando quem vislumbrar parte do sistema
nos chamados órgãos de informação e repressão, desde o SNI aos
centros de informação do Exército, Marinha e Aeronáutica, até os
esotéricos DOI-Codi de todos os Estados. O sistema não é
palpável, como o governo ou como as Forças Armadas, e talvez daí
redunde a sua força, pois num certo momento pode ser expresso
por um consenso ou por um líder militar isolado, por um
pensamento defendido por um grupo seleto de generais ou um
reclamo espraiado até geograficamente.
Importa ressalvar, porém, que o sistema não é o governo, pois
normalmente não se identifica com todas as ações governamentais;
e até se reserva o direito de formar novos governos, de tendências
diversas das anteriores, como no caso Castello-Costa e Silva, ou
Médici-Geisel.
A linha fluida, a fronteira indefinível que acopla o governo ao
sistema, porém, será a mesma que divide o sistema das Forças
Armadas. Porque esse é um produto destas, uma extensão ao
menos teórica de seus anseios e preocupações. Ou alguém poderá
apontar um juiz do Supremo Tribunal Federal ou um senador ou
deputado que represente o sistema? – No máximo, alguns servirão
como seus porta-vozes.
As Forças Armadas – pano de fundo do sistema e do governo –
dão a eles o embasamento – o que não quer dizer que, em todas as
oportunidades, estejam de pleno acordo, mais com os atos
rotineiros de administração governamental, menos com as decisões
fundamentais do sistema. Podem ocorrer divergências, que nem
sempre a hierarquia resolve.242 De forma parcial e imprecisa, o
sistema condiciona as expectativas dos mais importantes atores
políticos e define as suas percepções mútuas dos arranjos
institucionais e inter-relações estruturais [...]. O sistema brasileiro
não é algo de cuja participação os seus membros estejam
explicitamente cientes. Ele é antes um organismo que responde
como um todo, quase de uma forma reflexa, quando uma das suas
partes sente-se ameaçada.243
O que há de reservado, secreto, clandestino na existência do sistema se
revela à luz do dia, indiscutível, arbitrário ou brutal, nas decisões e
atuações que o Estado é levado a adotar. Mesmo porque o sistema, que é e
não é o governo, que é e não é a ditadura, que é e não é o Estado, aparece
na prática, concretiza-se para todos e cada um, nas operações do Serviço
Nacional de Informações, nas atuações da Secretaria de Comunicação
Social (Secom), e na atividade da Secretaria Especial de Informática (SEI),
nas decisões do Conselho de Segurança Nacional (CSN), Conselho de
Desenvolvimento Industrial (CDI), Conselho Nacional de Política Salarial
(CNPS), Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), Conselho de
Desenvolvimento Social (CDS) e muitos outros órgãos do Poder
Executivo. No caso da Secom, por exemplo, ela está atuando inclusive por
intermédio da Empresa Brasileira de Notícias (EBN) e da Empresa
Brasileira de Radiodifusão (Radiobras), conferindo ao governo, ao sistema,
à ditadura, uma imensa capacidade de atuar, manipular, induzir, distorcer,
refazer etc. a opinião pública. A sociedade civil, o cidadão estão
praticamente indefesos diante da poderosa capacidade financeira e
organizatória, econômica e política, que a ditadura confere aos
governantes, ao aparelho reservado, secreto, clandestino, que aparece sob a
denominação de sistema.
Por dentro do sistema, do governo, da ditadura, estão os técnicos. Ao
lado dos burocratas maiores ou menores, reais ou fantoches, nas distintas
hierarquias do aparelho estatal, atuam técnicos civis e militares. São os
técnicos que fazem operar a máquina do Estado, como um vasto aparelho
econômico e político, por dentro e por sobre a sociedade. Não se trata de
considerá-los como categoria social especial: tecnocracia, tecnoburocracia,
burocratas ou burguesia de Estado. O que está em questão é o fato de que
são os técnicos que articulam os interesses das classes dominantes com as
condições gerais da sociedade. São eles que conferem a imagem de algo de
interesse geral ao que é ditado pela grande burguesia financeira e
monopolista. Por sob a alegação de objetividade, pragmatismo, eficiência,
desempenho, modernização, desenvolvimento, progresso, pátria grande,
Brasil Potência e outras, os técnicos trabalham muito na tradução dos
interesses e decisões da grande burguesia financeira e monopolista em
interesses e aspirações da sociedade civil, do cidadão, das classes
subordinadas. É no âmbito da tecnocracia que se realiza a metamorfose do
econômico em político e vice-versa. Em uma linguagem neutra, isenta,
técnica, científica, o tecnocrata civil ou militar traduz, elabora ou
desenvolve os interesses da grande burguesia financeira e monopolista.
Apresentam-se como de interesse geral, nacional, da soberania brasileira,
os interesses do bloco de poder, em especial os da grande burguesia. Pouco
a pouco, as razões do Estado se tornam altamente determinadas pela lógica
do capital. Nesse sentido é que na esfera de atuação da tecnocracia estatal
ocorrem a articulação e a determinação recíprocas entre os interesses
predominantemente econômicos em interesses principalmente políticos. O
segredo da fisionomia, dos movimentos e das modificações da linguagem e
prática da tecnocracia está em que ela propicia a metamorfose do
econômico em político, e vice-versa. Melhor ainda, mais eficaz e mais
direta essa metamorfose quando a tecnocracia pode atuar sob as condições
de uma ditadura de caráter fascista. Sob a proteção do poder estatal
fascista, por dentro do sistema, enquanto aparelho indefinido, mas eficaz,
invisível, mas brutal, clandestino, mas todo-poderoso, a tecnocracia civil e
militar se constitui como órgão estatal dos movimentos e metamorfoses
econômicos e políticos dos interesses da grande burguesia financeira e
monopolista. É assim que a ditadura militar desenvolve e aperfeiçoa
algumas dimensões fascistas do Estado burguês no Brasil.
Os próprios governantes têm interesse em que o governo, o regime, o
Estado e outras modulações do Estado fascistoide instalado no Brasil
apareçam diluídas, encobertas, ambíguas, minimizadas ou misteriosas, sob
a expressão sistema. Apesar das fabulações ideológicas, no entanto, o
Sistema é um aparelho de poder real, inquestionável. Ele é invisível,
secreto, clandestino, mas ativo, onipresente, todo-poderoso e brutal.
Baseado no poder do capital e no monopólio da violência militar-policial, o
sistema divide e separa os cidadãos em confiáveis e suspeitos, militares e
paisanos, otimistas e pessimistas, patriotas e inimigos, subversivos e
corruptos, dóceis e rebeldes, fascistas e comunistas. Sob vários aspectos, os
governantes, camuflados sob o sistema, pensam e agem de forma fascista:
em geral boçal e brutal, contra todos os que não concordam com eles e
decidem falar, questionar, opinar.
Desde que se instalou, a ditadura foi induzida a desenvolver e consolidar
um poderoso, ativo e agressivo aparelho estatal. Trata-se de um Estado de
cunho fascista. A forma pela qual esse Estado se articula com a sociedade
civil e o cidadão, em termos econômicos, políticos, culturais, militares,
policiais e outros, confere-lhe características de cunho muito especial,
fascistas. Vejamos, em forma breve, quais são essas características e que
relações econômicas, políticas e outras elas envolvem e expressam.
Primeiro, a ditadura militar resultou de um movimento golpista
contrarrevolucionário, no sentido de que visou bloquear e fazer regredir o
ascenso político dos trabalhadores, principalmente operários urbanos e
rurais e camponeses. Havia uma conjuntura pré-revolucionária no Brasil
dos anos 1961-1964. Era crescente e generalizado o ascenso político de
operários e camponeses, por dentro e por fora do populismo, do sindicato
urbano, do sindicato rural, da liga camponesa e dos partidos e organizações
de esquerda. Ao mesmo tempo, a crise econômica, com a queda na taxa de
inversões e da renda per capita, afligia bastante a burguesia nacional e
estrangeira. Também se enfraquecia o poder burguês, o Estado burguês,
tanto pela crise econômica e o ascenso político dos trabalhadores como
pelas crescentes controvérsias no âmbito da burguesia, dentro e fora do
aparelho estatal. Nesse contexto, o movimento golpista, comandado e
garantido pelo imperialismo, teve uma conotação claramente
contrarrevolucionária e instalou uma ditadura a serviço do grande capital
financeiro e monopolista. Isso significa que o golpe e a ditadura voltaram-
se primordialmente para uma atuação destinada a bloquear, fazer regredir e
suprimir as organizações políticas, as lideranças e as propostas da classe
operária e do campesinato. Em geral, depois de uma época de
desenvolvimento político e avanço de operários e camponeses, na proposta
e conquista de direitos trabalhistas, liberdades democráticas, organização
política e desenvolvimento da consciência de classe, a burguesia sempre se
empenha em fortalecer o poder estatal, o Estado burguês, de modo a
garantir seu domínio de classe e a continuidade da acumulação
monopolista. Nesse processo, entretanto, continuam a desenvolver-se as
forças produtivas e as relações capitalistas de produção, de tal maneira que
se engendram outras, novas e renovadas condições de organização política
e repolitização do proletariado e do campesinato. Em poucas palavras, a
ditadura militar esconde uma ditadura da burguesia, poderosa, abrangente.
É a ditadura da burguesia, característica do Estado fascista que passou a
desenvolver-se desde 1964, que define as fisionomias, os movimentos e os
significados da ditadura militar. Os governantes desenvolveram uma
ideologia baseada na doutrina de “segurança e desenvolvimento”, que
funda a suspeita de que a sociedade civil é incompetente, amorfa,
infiltrada, potencialmente perigosa, sujeita à “subversão e corrupção”. Essa
já é uma imagem fascista da sociedade e do cidadão, com base na qual os
governantes procuram justificar a necessidade do Estado forte, abrangente,
ativo, repressivo, que oprime o trabalhador, o operário e o camponês,
segundo os interesses do grande capital financeiro e monopolista. Ao
mesmo tempo, os governantes põem em prática todas as políticas que
convêm ao grande capital, à alta finança, ao imperialismo, à grande
burguesia financeira e monopolista. Sob todos os aspectos fundamentais, a
economia política da ditadura é precisamente a economia política da
acumulação monopolista, ditada pela grande burguesia financeira, segundo
os movimentos dos interesses e arranjos do imperialismo.
Segundo, a ditadura colocou-se amplamente, se não de modo exclusivo,
a serviço da grande burguesia financeira e monopolista, interessada na
superexploração do proletariado e do campesinato. O “milagre econômico”
do “modelo brasileiro” apoia-se na produção inclusive de uma taxa de
mais-valia extraordinária, propiciada pela amplitude e brutalidade da
atuação da ditadura contra operários e camponeses. Foi assim que cresceu e
se diversificou bastante a penetração imperialista na economia, política,
educação, indústria cultural, aparelho repressivo e outras esferas públicas e
privadas da sociedade civil brasileira. Foi o próprio imperialismo que criou
a ficção perversa do milagre do modelo. Ao mesmo tempo, foram muitos
os técnicos e as técnicas políticas fascistas que a ditadura importou do
imperialismo estadunidense, além dos que desenvolveu autonomamente.
Os estadunidenses induziram (e colaboraram com) os governantes
brasileiros à formulação e execução de programas e projetos destinados a
modernizar as organizações e as técnicas policiais de controle, espionagem
e repressão de movimentos populares.
Terceiro, desde 1964 intensifica-se e generaliza-se um singular processo
de militarização do Estado e de instituições paraestatais e privadas. O
conjunto do aparelho estatal, totalmente subordinado ao Poder Executivo,
transforma-se numa máquina civil-militar-policial. Tudo passa a ser
definido, controlado, espionado ou punido a partir da ampla atuação dos
órgãos de informação e segurança. Os próprios beneficiários da ditadura,
dentro do aparelho estatal, como simples funcionários, burocratas ou
tecnocratas, passam a temer a espionagem e o policialismo que a ditadura
engendrou e difundiu em todos os níveis e escalões, em todos os Estados e
regiões. Essa intensa e generalizada militarização do poder estatal também
se espraiou pelas diversas e muitas organizações paraestatais e privadas,
tais como ensino, televisão, rádio, escritórios, fábricas etc. Também o
futebol foi submetido a esquemas ditados pelos governantes. Como técnica
esportiva, como organização de atividades lúdicas e recreativas, como
arranjo de interesses econômicos e como indústria cultural, sob todos os
aspectos o futebol foi submetido às exigências da acumulação. Em escala
ainda mais ampla, as condições de trabalho na fábrica foram submetidas às
exigências da doutrina de segurança e desenvolvimento. O princípio da
produtividade, ditado pela economia política do grande capital financeiro e
monopolista, traduziu-se no aumento da taxa de exploração da força de
trabalho operária. Foi assim que a burguesia desenvolveu, aperfeiçoou ou
“modernizou” a organização da fábrica, das forças produtivas e relações de
produção, em termos de eficiência, produtividade, hierarquia e disciplina,
ou outros princípios da economia política ditada pela lógica da acumulação
capitalista. Em outros termos, a violência concentrada e organizada da
sociedade burguesa, conforme ela se articula, cresce e moderniza com o
Estado ditatorial, desenvolveu-se ainda mais como força produtiva. Sob o
fascismo, a violência é transformada em técnica produtiva, em força de
produção complementar, devido à forma pela qual ela é mobilizada, contra
a classe operária, no âmbito da fábrica, sindicato e outras esferas.
Quarto, todas as políticas governamentais tendem a ser planejadas, com
objetivos e meios definidos para a curta, média e longa duração. Todos os
problemas econômicos e políticos são examinados, estudados, pesquisados,
definidos, postos em prática, observados, controlados, redefinidos,
avaliados etc. segundo uma compreensão tecnocrática. Há mesmo uma
geopolítica subjacente e perversa em toda compreensão que os governantes
formulam e desenvolvem sobre questões econômicas, políticas,
educacionais populacionais e outras. As várias partes da sociedade civil, da
mesma forma que as várias regiões do território, tudo remete a uma
compreensão planificada. A doutrina de que a sociedade civil é
incompetente ou perigosa implica uma visão geopolítica, de algo que é ou
pode ser inimigo, precisa ser dominado, pode escapar-se, precisa ser
conquistado, reconquistado. Esse é o contexto prático e ideológico no qual
se insere o sistema federal de planejamento, construído à revelia dos
interesses de grande parte da sociedade civil. No âmbito das forças
produtivas e relações de produção – na indústria e agricultura –, esse
planejamento governamental favorece a dinamização da “produtividade”.
Com isso beneficiam-se os empresários, os compradores de força de
trabalho, a grande burguesia, o capital financeiro e monopolista. Na
prática, o planejamento econômico estatal se constitui como força
produtiva complementar, já que intensifica a “produtividade”, ou a
“racionalização”, das atividades produtivas; isto é, das relações de
produção. Juntamente com a violência estatal concentrada, organizada e
grandemente acrescida, o planejamento se constitui como força produtiva
complementar, ao lado do capital, tecnologia, divisão do trabalho e,
principalmente, força de trabalho.
Quinto, sob vários aspectos, a cultura da ditadura expressa a visão
fascista que os governantes, e a grande burguesia à qual eles servem,
possuem da sociedade civil, cidadão, Estado, história e outras questões
envolvidas na ideologia e prática da ditadura. A ditadura submeteu o
ensino, o rádio, a televisão, a imprensa, o cinema, o teatro, a literatura, as
artes em geral, o futebol, o carnaval; tudo ganhou alguma definição na
geopolítica da segurança e desenvolvimento que passou a fundamentar a
ditadura do capital. Foi assim que se desenvolveu a ideologia e prática da
“modernização” reacionária. Todo problema histórico, envolvendo o povo,
a cultura das classes subordinadas, as lutas políticas populares, tudo passou
a ser folclorizado. Ocorreu uma folclorização generalizada e reiterada da
história do povo, ao mesmo tempo que as questões históricas relativas às
classes dominantes passaram a ser tratadas também de modo tão artificial,
equívoco ou falso que a ideologia dos vencedores, a crônica dos
governantes, transformou muitas realizações culturais em pornocultura.
Muitos acontecimentos históricos, presentes e passados, imediatos ou
remotos, foram reinventados à luz da doutrina de segurança. Os
governantes e os seus ideólogos, cronistas e escribas fizeram o povo
compreender como o lema “ordem e progresso” se dissolve e recria no
lema “segurança e desenvolvimento”, para glória e poder das classes
dominantes; para castigo e sofrença das classes subordinadas.
Sexto, por fim, sob a ditadura militar, como ditadura da burguesia, o
Estado se descola em grande parte da sociedade civil. O Estado forte,
abrangente, repressivo, brutal, monolítico, passa a parecer, e ser, uma
realidade fora da sociedade. A sensação generalizada que muitos passaram
a ter, de que se criara e crescia um abismo entre o Brasil real e o Brasil
legal, não é senão uma forma de expressar a vasta dissociação, o vasto
divórcio, entre o Estado e grande parte da sociedade civil. Esse abismo é
tão grande, tão real e incômodo que os próprios governantes perderam o
sentido do seu governo, desgoverno. Não sabem o que estão governando.
Imaginam que o monopólio da máquina do Estado, que a manipulação dos
instrumentos de mando, que o acionar da repressão, que tudo isso significa
governar. Sem compreender a quem governam, sem sentir ou entender
nenhuma resposta válida das classes subordinadas, oprimidas. Como o
bloco de poder não detém a hegemonia política e moral sobre as classes
subordinadas, porque aparece como um bloco de conquistadores,
estranhos, estranhados, estrangeiros, por isso os governantes não fazem
senão reiterar o seu mando e desmando. Por isso os governantes não
conseguem falar à nação, ao povo, à sociedade civil, ao cidadão e a todas
as categorias que eles negam, e que os negam. Por isso os governantes não
sabem senão baixar determinações, reprimendas, punições, proclamações,
ordens do dia. Foi tão longe a ditadura da burguesia no Brasil, que o Estado
acabou por tornar-se exótico, estrangeiro; no mesmo lugar, encravado.
QUINTA PARTE
A CRISE
15. Ditadura e Contrarrevolução
A ditadura militar instalada no Brasil é apenas a expressão mais visível,
aparente, da ditadura burguesa, fascista, que se realiza na prática das
atividades militares, policiais, econômicas, políticas, culturais e outras do
aparelho estatal. No bloco de poder que se constitui na preparação do golpe
de Estado de 31 de março de 1964, e que se consolidou sob a aparência de
uma ditadura militar-policial, é a grande burguesia, nacional e estrangeira,
que lhe confere sentido e direção, fisionomia e movimento. É verdade que
há os governantes visíveis e invisíveis, burocratas e tecnocratas, civis e
militares, nacionais e estrangeiros, que ficaram com alguma parcela do
poder e da ilusão do poder. Com frequência, são eles que aparecem no
cotidiano da vida da sociedade civil, do cidadão, dos trabalhadores,
operários, camponeses, empregados, funcionários, profissionais liberais,
intelectuais, estudantes e outros. Mas essa é apenas uma dimensão,
importante, porém menor, do poder estatal, do bloco de poder. Na prática, o
bloco de poder é amplamente comandado, ou teleguiado, pela grande
burguesia financeira e monopolista. Ocorre que essa burguesia não exerce
nem precisa exercer diretamente o poder. No arranjo dos interesses
dominantes – em seu sentido e direção, fisionomia e movimento –, ela
prefere exercer o seu mando por intermédio de alguns representantes de
classes e grupos sociais associados no bloco de poder que se constitui e
reproduz com a ditadura: burocratas e tecnocratas, civis e militares,
governando sob o lema “segurança e desenvolvimento”, contra “a
subversão e a corrupção”, em busca da geopolítica da “pátria grande”, de
modo a impor a pax brasiliensis sobre as nações da América do Sul e pela
transformação do Atlântico Sul em mare nostrum. Sob várias formas, o
bloco de poder que se constitui e reproduz com a ditadura conjuga e
reconjuga os interesses do imperialismo com os interesses das classes
dominantes no Brasil. Aliás, em geral, é o imperialismo que garante e
legitima, cria e recria, abre e fecha as condições de possibilidades de
governo e desgoverno, ditadura e democracia, abertura e fechadura, no
âmbito da sociedade brasileira.
Para compreender essas e outras implicações históricas desse Estado,
vale a pena examinar e reexaminar principalmente os problemas
formulados a seguir.
A ditadura formou-se e desenvolveu-se como contrarrevolução. O bloco
de poder que organizou, planejou e deu o golpe de Estado de 31 de março
de 1964, e consolidou-se no controle do aparelho estatal, na prática
realizou uma ampla e brutal contrarrevolução. Foi a resposta da grande
burguesia financeira e monopolista (associada com setores de classe média,
da igreja, militares, policiais, latifundiários, burocratas, tecnocratas e
outros grupos ou facções de classes) ao ascenso político da classe operária
e do campesinato. Nos anos 1961-1964, havia ocorrido um intenso e amplo
desenvolvimento político do proletariado urbano, proletariado rural e
campesinato, em termos de organização, conscientização, reivindicações e
lutas. É claro que esse desenvolvimento político dos trabalhadores da
cidade e do campo, da indústria e da agricultura, já vinha ocorrendo nas
décadas anteriores. Com os desenvolvimentos do capitalismo no campo, a
industrialização cada vez mais intensa, a divisão do trabalho em todos os
setores da produção e administração pública e privada, a urbanização
acelerada, a migração rural-urbana, a proletarização na cidade e no campo,
e outros processos mais ou menos notáveis, desenvolveram-se as classes
sociais. Desenvolveram-se bastante, em termos quantitativos e qualitativos,
as classes assalariadas, os empregados, funcionários e operários, na cidade
e no campo, na indústria, agricultura, comércio e outras atividades
produtivas e administrativas. Os operários e os camponeses ganharam cada
vez mais força política, por sua organização, conscientização e atividade.
Por dentro e por fora do populismo, nos sindicatos urbanos e rurais, nas
ligas camponesas, junto às igrejas, nos partidos, sob várias formas, o
proletariado e o campesinato realizaram um grande avanço político nas
décadas anteriores ao golpe de 1964, em particular nos anos 1961-1964,
quando se desenvolve e agrava a crise do populismo. Sob vários aspectos,
pois, o golpe de 1964 e a ditadura militar organizada desde então foram
uma resposta contrarrevolucionária, da grande burguesia financeira e
monopolista, ao ascenso político dos operários e camponeses.
A rigor, esse enfrentamento político entre o proletariado e o
campesinato, por um lado, e a burguesia nacional e estrangeira, por outro,
com a participação, ao lado dessa, de setores da classe média, da igreja,
latifundiários, militares, policiais e o imperialismo, adquiriu um significado
complexo, menos evidente à primeira vista, mediatizado, porque nos anos
1961-1964 se assinalaram dois processos muito importantes, combinados,
que tornaram a situação ainda mais complicada. Por um lado, caíram de
modo rápido a taxa de inversões e a taxa de renda per capita. Isso unificou
bastante os vários setores da burguesia, incluindo-se aí nacionais e
estrangeiros, grandes, médios e pequenos. Por outro lado, desenvolveu-se,
simultaneamente, uma séria crise do poder burguês. O Estado burguês
entrou em crise, junto com a crise econômica, devido às controvérsias entre
setores burgueses, às pressões do imperialismo contra o populismo, o
nacionalismo econômico, a politização dos trabalhadores, e,
principalmente, devido ao ascenso político de operários e camponeses.
Nesse contexto foi que se organizou o novo bloco de poder e o golpe de
Estado, a ditadura de cunho fascista, sob o mando da grande burguesia
financeira e monopolista. Em 1961-1964, quando os operários e os
camponeses passaram a atuar como classes, com propostas políticas cada
vez mais próprias e firmes, a grande burguesia reage com o golpe, a
ditadura e a organização de um Estado fascistoide.
As forças revolucionárias vêm adquirindo no Brasil, sobretudo a
partir da última grande guerra, um impulso considerável. Não
somente em termos de agregação e acumulação de potencialidades,
mas ainda de consciência coletiva do processo em curso e em que
tão claramente se evidencia a necessidade de reformas substanciais
e profundas de nossas estruturas políticas, econômicas e sociais. A
consciência revolucionária tem hoje no Brasil – e isso já vem de
data relativamente afastada, e ganhando terreno dia a dia –
considerável projeção. Não é por acaso nem por simples
exibicionismo que o golpe de 1º de abril de 1964 se enfeitou do
nome de revolução’. É que seus promotores sabiam, como sabem
da ressonância popular dessa expressão e da penetração que tem
em largas camadas da população brasileira. E a par dessa
consciência revolucionária, as contradições imanentes na vida
brasileira já atingem uma tal agudeza que não há mais como
disfarçá-las, e muito menos com alguns retoques de superfície,
como se faz patente com as medidas que vem adotando o governo
saído do golpe de abril.244
Em 1961-1964, criou-se no Brasil uma situação pré-revolucionária, no
sentido de que avançou bastante a politização dos trabalhadores,
principalmente operários e camponeses, ao mesmo tempo que enfraqueceu,
também bastante, o poder burguês. As classes dominantes, em sentido
amplo, dividiram-se: alguns setores apoiavam o presidente Goulart
(portanto, o Poder Executivo); outro setor concentrava a sua força no Poder
Legislativo; outro, ainda, trabalhava ampla e ostensivamente na
organização do golpe de Estado. É óbvio que os vários setores das classes
dominantes, que estavam formando o núcleo do novo bloco de poder,
também estavam presentes nas esferas do governo e do Legislativo, além
da sua ampla penetração no Poder Judiciário. A despeito disso, no entanto,
enfraquecia-se bastante o poder burguês, devido à crise econômica e
política e ao ascenso político das classes subalternas, principalmente o
proletariado e o campesinato. Foi nesse contexto que se articularam e
desenvolveram os laços de um bloco de poder criado por fora e por dentro
do governo, por fora e por dentro do populismo, composto de civis,
militares e policiais, sob o comando da grande burguesia. Tratava-se de
recuperar e desenvolver a força do poder burguês, pelo controle e
militarização do aparelho estatal. Mas tratava-se, ao mesmo tempo e
principalmente, de bloquear, ou destruir, o ascenso político da classe
operária e do campesinato. Aliás, como indício inegável da conjuntura pré-
revolucionária, foram numerosos os grupos de operários, camponeses,
empregados, funcionários, estudantes e outras categorias sociais que se
dispuseram a pegar em armas para garantir o governo constitucional contra
o golpe de Estado. Muitos trabalhadores da área de Brasília, os candangos,
“manifestaram concretamente sua vontade de ir à luta em defesa de
Goulart”.245 Conforme disse Gregório Bezerra ao governador Miguel
Arraes, em Pernambuco, 1964, referindo-se aos trabalhadores rurais, “essa
massa está disposta a lhe defender mas não tem armas”. Em seguida,
comentou que “em 1964 tive muita gente para a luta mas não tive armas”.
E fez ainda a seguinte observação: “Naquele momento meu modo de
pensar era de que qualquer foco de resistência que durasse um dia ou dois
deflagraria outros e talvez não se consolidasse o golpe que acabava de ser
dado”.246
De fato, em 1961-1964 ocorreu uma profunda e fecunda crise de
hegemonia. O bloco de poder polarizado em torno do populismo, do
governo populista, entrava em crise bastante séria, provocando o
enfraquecimento do Estado burguês. Ocorria o ascenso político
(organização, mobilização, conscientização, luta etc.) dos operários e
camponeses. As massas se transformaram em classes, no sentido de
categoria social organizada, consciente e ativa. As classes subalternas
transformavam-se em classes hegemônicas, no sentido de compreender os
seus interesses especiais e a dinâmica dos interesses das outras classes, da
sociedade. Foi nesse contexto que se desenvolveu, por dentro da crise
econômica e política, uma crise de hegemonia, As classes subalternas
ganhavam força política e começavam a fazer propostas e lutar no sentido
da transformação das estruturas sociais. Nessa época, as opções
capitalismo dependente, capitalismo nacional, socialismo por via pacífica e
socialismo por via revolucionária tornaram-se bastante reais, ainda que em
distintas gradações, como possibilidades do processo político. O golpe de
Estado concretizou a vitória da opção capitalismo dependente, amplamente
determinado pelo grande capital financeiro e monopolista.
A rigor, em perspectiva histórica ampla, a ditadura militar configura uma
dupla contrarrevolução. Por um lado, é uma contrarrevolução no sentido de
golpe de Estado e reação contra as classes operária e camponesa. Nesse
sentido, rompe e destrói amplamente todo um vasto, lento e sistemático
processo de ascenso político das classes oprimidas, operários da indústria,
operários do campo, camponeses, empregados e funcionários pobres. Foi
toda uma época de avanço político, organizatório, de conscientização e luta
que se interrompeu com o golpe e a ditadura. Por outro lado, toda a reação
burguesa e fascistoide havida desde 1964 assinala também uma
contrarrevolução burguesa, contra a própria democracia burguesa. O
assalto ao poder constitucional, representado pelo governo do presidente
João Goulart, representou também, em termos jurídico-políticos e
econômicos, em termos ideológicos e práticos, a destruição das
prerrogativas da sociedade civil, da cidadania, da classe operária e outras,
que haviam sido conquistadas, ainda que limitadamente, entre 1946 e 1964.
Sob esses aspectos, pois, o golpe de Estado de 1964 e a ditadura
desenvolvida desde então representaram os desdobramentos de uma dupla
contrarrevolução.
O golpe de Estado e a ditadura assinalam todo um processo de
restabelecimento do poder e da força do Estado burguês, que se havia
debilitado bastante em 1961-1964. O aparelho estatal foi submetido a
planos, programas e projetos de “modernização”, em termos de suas
atividades econômicas, políticas, militares, policiais, culturais e outras. Em
âmbito ideológico e prático, jurídico-político e econômico, público e
privado, militar-policial e civil, sob vários aspectos, o Estado burguês
ganhou poder e força. Na prática, o fortalecimento do Estado se deu junto
com o fortalecimento do bloco de poder, ao mesmo tempo que a ditadura
transformava o Estado em um órgão atrelado principalmente aos interesses
da grande burguesia financeira e monopolista. Foram as atividades do
aparelho estatal, no âmbito da política salarial e sindical; dos incentivos e
favores à concentração e centralização do grande capital; da
“modernização” do sistema de ensino; da expansão do capitalismo no
campo; da contrarreforma agrária na Amazônia, Nordeste, Sul e outras
partes do país; da repressão econômica, política e cultural – foram essas e
muitas outras políticas governamentais que concretizaram e desenvolveram
o poder e a força do Estado burguês desde 1964. Ao mesmo tempo que se
fortalecia e desenvolvia o bloco de poder, o Estado burguês adquiria novas
dimensões e novo alento. Também nesse sentido a ditadura é a expressão
mais visível da contrarrevolução em curso na sociedade brasileira desde
1964. A máquina do Estado e o caráter fundamentalmente repressivo do
poder estatal são fortalecidos nesses anos, como produtos e condições da
contrarrevolução em marcha.
O bloco de poder que se instala no controle do aparelho estatal, na
prática, está atuando sob a influência dos interesses da grande burguesia
financeira e monopolista. Juntamente com o capital financeiro e
monopolista, estrangeiro e nacional, em geral articulados organicamente,
vários são os grupos e classes sociais que se organizaram em poderoso
bloco de poder; bloco de poder poderoso em termos econômicos, políticos,
militares e policiais. Sob a influência da burguesia imperialista, atuando de
maneira direta, por seus membros, ou indireta, por seus gerentes e técnicos,
o bloco de poder adquiriu a sua fisionomia e os seus movimentos, o sentido
e a direção. Tanto passou a influenciar, de forma decisiva, as diretrizes da
economia política como garantiu o acesso do Estado brasileiro às fontes
internacionais, públicas e privadas, de recursos. Naturalmente, a burguesia
estrangeira (industrial, bancária, comercial) beneficiou-se também da
cumplicidade e associação com a burguesia nativa. Desenvolveu-se uma
acentuada convergência de interesses entre elas, convergência essa
facilitada, ou desenvolvida, pelos gerentes, técnicos, burocratas, tanto das
próprias empresas estrangeiras e nacionais como dos órgãos estatais. Um
conglomerado de burguesias e tecnocracias nacionais e estrangeiras (com
apoio, solidariedade, ou cumplicidade, de militares, policiais,
latifundiários, setores da igreja e da classe média) articulou e dinamizou o
poder estatal, o modelo econômico, o milagre brasileiro, a doutrina de
segurança e desenvolvimento, ou a exploração e a opressão de operários e
camponeses. As razões do Estado, do bloco de poder, do imperialismo e do
grande capital financeiro e monopolista dominaram a sociedade civil,
principalmente a classe operária da cidade e do campo e o campesinato.
Assim, o que está por dentro da ditadura militar é a ditadura da grande
burguesia financeira e monopolista.
Primeiro ela visa, acima de tudo, preservar e fortalecer as
condições econômicas, socioculturais e políticas através das quais
ela pode manter-se, renovar-se e revigorar-se, de maneira a
imprimir ao poder burguês, que ela contém, continuidade histórica
e o máximo de eficácia. Segundo, ela visa ampliar e aprofundar a
incorporação estrutural e dinâmica da economia brasileira no
mercado, no sistema de produção e no sistema de financiamento
das nações capitalistas hegemônicas e da ‘comunidade
internacional de negócios’, com o objetivo de garantir o máximo
de continuidade e de intensidade aos processos de modernização
tecnológica, de acumulação capitalista e de desenvolvimento
econômico, e de assegurar ao poder burguês meios externos
acessíveis de suporte, de renovação e de fortalecimento. Terceiro,
ela visa preservar, alargar e unificar os controles diretos e indiretos
da máquina do Estado pelas classes burguesas, de maneira a elevar
ao máximo a fluidez entre o poder político estatal e a própria
dominação burguesa, bem como a infundir ao poder burguês a
máxima eficácia política, dando-lhe uma base institucional de
autoafirmação, de autodefesa e de autoirradiação de natureza
coativa e de alcance nacional.247
Mas o bloco de poder instalado no aparelho estatal não conseguiu
desenvolver e consolidar a sua hegemonia. Por algum tempo, em especial
durante os anos de sucesso da política econômica, em 1968-1973 houve
razoável apoio político à ditadura, por parte de toda a burguesia, militares,
policiais, oligarquias regionais e setores de classe média. Ao lado do
sucesso da política econômica, de alta concentração e centralização do
capital, apoiada na superexploração de operários e camponeses, a indústria
cultural do imperialismo criou a ilusão do “milagre econômico”, da
“segurança” com “desenvolvimento”. Mas já durante esses anos
desenvolverem-se e agravaram-se as contradições sociais, o que solapou e
destruiu algumas das bases da hegemonia do bloco ditatorial. Logo, desde
1974, ficou cada vez mais evidente a crise de hegemonia em que passou a
debater-se o bloco de poder constituído sob a aparência da ditadura militar.
A classe média, a igreja, a pequena burguesia, militares, burocratas e
tecnocratas, vários setores sociais distanciaram-se do bloco de poder; ou
passaram a manifestar as suas discordâncias com a economia política da
ditadura. A classe operária e o campesinato, que jamais deram qualquer
crédito à ditadura, puderam começar a contar com o apoio ou a aliança de
setores de outras classes sociais. Foi assim que se formou e desenvolveu a
crise de hegemonia, que está na essência da crise da ditadura desde 1974,
em escala cada vez mais larga e funda.
Desde o começo, a ditadura foi, ao mesmo tempo, militar e burguesa.248
Esteve, simultaneamente, marcada pelas razões do poder militar e pelas
razões do capital monopolista. Essa duplicidade do poder estatal aparece,
de forma clara, na sequência das políticas adotadas pelos vários governos.
Todos se guiam pela doutrina de “segurança e desenvolvimento”, que
expressa, ideológica e praticamente, as duas conotações predominantes da
ditadura. Em todos os governos militares, a política econômica é formulada
por tecnocratas que se colocam, de modo claro, na perspectiva do capital
monopolista, em nome da “livre empresa”, das “forças do mercado”, do
“desenvolvimento econômico”, da “reversão de expectativas”, do
“crescimento do bolo”, do “modelo brasileiro de desenvolvimento”, do
“Brasil Potência” e muitos outros artifícios da ideologia dos governantes.
No governo do marechal Humberto de Alencar Castello Branco (1964-
1967), a política econômica foi conduzida principalmente pelo ministro do
Planejamento, o economista e professor Roberto de Oliveira Campos. Os
governos seguintes, do marechal Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e do
general Emilio Garrastazu Médici (1969-1974), tiveram como principal
técnico da área econômica o economista e professor Antonio Delfim Netto,
como ministro da Fazenda. Depois, durante os governos do general Ernesto
Geisel (1974-1979) e general João Baptista Figueiredo (iniciado em março
de 1979), a política econômica passou a ser conduzida principalmente pelo
economista e professor Mário Henrique Simonsen, como ministro da
Fazenda, inicialmente, e do Planejamento, depois. Em 1979, devido ao
agravamento da crise da economia política da ditadura (em decorrência do
novo ascenso político das classes assalariadas, principalmente do
proletariado urbano e rural, e também por causa do agravamento da crise
do capitalismo mundial), Simonsen foi levado a sair do Ministério, em cujo
lugar entrou de novo Delfim Netto. A duplicidade do poder aparece na
sequência das políticas econômicas, trabalhistas, salariais, agrárias,
educacionais, culturais, geopolíticas e outras.
Mas não se trata, simplesmente, de uma ditadura militar a serviço do
poder da burguesia; nem de uma ditadura da burguesia a serviço do poder
militar. É verdade que sempre houve esses e outros arranjos, contraditórios
ou não. Inclusive os arranjos entre o poder militar e o poder econômico
modificaram-se ao longo dos anos. Aliás, sempre foram complexas e
contraditórias as relações entre essas duas dimensões principais da
ditadura. Tanto assim que aí está uma das bases da crise que atingiu, por
dentro, essa mesma ditadura. Uma das mais prováveis razões do paradoxo
de uma ditadura que se propõe a “distensão”, a “abertura lenta e gradual” e
outras medidas destinadas a rearranjar as relações entre o Estado e a
sociedade, uma dessas razões é a contradição gerada nas relações entre o
poder militar e o poder econômico. A outra, obviamente mais importante, é
o crescente divórcio entre as tendências da sociedade civil e as do Estado
ditatorial, já que esse foi posto a serviço do capital monopolista, sob o
mando do imperialismo. Mas há ainda outra razão, fundamental para
explicar o paradoxo de uma ditadura que propõe a “abertura política” ou a
restauração de um “Estado de direito” burguês. Trata-se do crescente
antagonismo de classes, principalmente do descontentamento e revolta do
proletariado e campesinato, as maiores vítimas. Também é conveniente
observar que tanto o antagonismo de classes como o divórcio entre a
sociedade e o Estado não apareceram aos governantes e seus funcionários
de modo claro. Os próprios desencontros entre o poder militar e o poder
econômico não surgem com clareza para os governantes e seus
funcionários. Nem por isso, no entanto, esses diversos antagonismos
deixam de atuar, desenvolver-se. De qualquer modo, a dualidade de poder
– militar e burguês, nacional e estrangeiro, armado e civil – é também o
conteúdo da doutrina de “segurança e desenvolvimento”, como ideologia e
prática.
É desse modo que “segurança e desenvolvimento” aparece como a
última metamorfose de “ordem e progresso”, como a última configuração
da contrarrevolução burguesa. Os dois lemas, cada um no seu tempo, mais
ou menos armados, expressam a essência da contrarrevolução burguesa que
se realiza no Brasil ao longo de muitas décadas, sempre contra o povo: os
trabalhadores, os humilhados e ofendidos da cidade e do campo. Trata-se
de dominar, ou suprimir, as peculiaridades, as diferenças, os debates, as
controvérsias, no nível político, para garantir a realidade da dominação e
exploração dos trabalhadores, dos operários e camponeses. Por isso, falar
em classes e luta de classes passa a ser crime para os militares, tanto
quanto para a grande burguesia, conforme estabelece a Lei de Segurança
Nacional (LSN) da ditadura. Para garantir a continuidade da exploração e
superexploração dos trabalhadores urbanos e rurais, principalmente
operários e camponeses, os governantes pisam e repisam a doutrina de que
todos são iguais: explorados e exploradores, burgueses e operários, civis e
militares, brancos, negros, mulatos, índios e mestiços, e assim por diante.
Em nível ideológico, ou jurídico, simplesmente suprimem-se as diferenças
reais, por meio das constituições, atos institucionais, leis de segurança
nacional e outros instrumentos jurídico-políticos outorgados.
Assim, as três versões da Lei de Segurança Nacional baixadas pela
ditadura (1967, 1969 e 1978) incluem na categoria de crimes contra a
segurança nacional as atividades políticas, as discussões ou mesmo
publicações que revelem “facciosismo ou inconformismo político-social”,
ou induzam à “animosidade” entre as “classes sociais”, entre essas e as
“forças armadas” ou entre as classes sociais e os poderes constituídos.
Note-se que a mesma ideologia fascista que procura negar as contradições
sociais é obrigada a reconhecê-las, para negá-las. Afirma a existência e a
importância das classes e contradições de classes, ao mesmo tempo que
procura suprimi-las nas formulações ideológicas que aparecem nas
proclamações e ordens do dia.
Respondei à pregação de luta de classes com o espírito de
cooperação entre os homens que leva à construção de uma
sociedade próspera, harmônica e justa.249
Na prática, ao lado das especificidades do poder militar, por um lado, e
do poder burguês, por outro, há um amplo espaço de cooperação,
solidariedade e cumplicidade entre o poder militar, enquanto poder
político, e o poder burguês, enquanto poder econômico. São frequentes as
ocasiões em que um e outro aparecem com uma fisionomia só, e não como
um deus bicéfalo, dúplice. É muito expressivo disso tudo o fato de que o
general João Baptista Figueiredo, no exercício do governo desde 1979, fale
como militar a uma nação cuja maioria é composta de civis, paisanos. Ao
mesmo tempo que adota políticas que favorecem ao grande capital, ao
imperialismo, à grande burguesia financeira e monopolista, ao bloco de
poder que formou e garante a ditadura, fala como militar.
Nenhuma outra profissão exige das pessoas que a abraçam tanto
desprendimento e tanta dedicação. Tanta desambição e tanto
sacrifício – pessoal e da família. Nenhuma outra, ainda, forma
amizades tão sólidas e duradouras.250
Essa integração do poder militar com o poder econômico da grande
burguesia nacional e estrangeira teve razoável desenvolvimento nos anos
1961-1964, quando se preparou o golpe de Estado contra o presidente
constitucional João Goulart. A essa época, o Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (Ipes), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), a
Tradição, Família e Propriedade (TFP) e outras organizações mais ou
menos visíveis da grande burguesia atuavam com a participação ostensiva
ou discreta do imperialismo e desenvolviam a associação e a cumplicidade
entre os poderes militar e econômico.251 Em seguida, à medida que se
consolidava a ditadura, desenvolvia-se e consolidava-se uma espécie de
complexo industrial-militar que, por sua vez, iria alimentar e alimentar-se
na ditadura. Logo em abril de 1964 criou-se o Grupo Permanente de
Mobilização Industrial, para dar continuidade à colaboração, que já vinha
ocorrendo anteriormente, entre “as classes produtoras e as Forças
Armadas”.252 Desde essa ocasião, cresceu muito a integração entre o poder
militar e o econômico. Na prática, a produção de armamentos reforçou e
desenvolveu a associação e a cumplicidade entre o poder estatal e o poder
da grande burguesia financeira e monopolista, no âmbito da economia
política da ditadura. Assim, desde que essa se instalou, o complexo
industrial-militar tornou-se uma realidade, produto e condição da
fisionomia e movimento do bloco de poder que passou a dominar a
sociedade brasileira.
A contrarrevolução burguesa embutida no golpe de Estado de 1964 e na
ditadura militar formada desde essa ocasião expressa o desenvolvimento e
– talvez – o encerramento da revolução burguesa no Brasil. Vistos em
perspectiva histórica ampla, o golpe e a ditadura assinalam não apenas uma
ruptura drástica e brutal do processo democrático burguês na história
recente da sociedade brasileira, mas assinalam também o que pode ser uma
manifestação derradeira do tipo de predomínio que a burguesia nacional e
imperialista tem conseguido manter sobre o povo, a sociedade civil, o
cidadão e, principalmente, os operários e camponeses.
Na prática, toda a história política da sociedade brasileira é uma larga
história da contrarrevolução burguesa embutida na formação e
desenvolvimento da sociedade civil e do Estado nacional. Toda a história
do relacionamento do Estado com a sociedade, com o cidadão,
principalmente com os trabalhadores rurais e urbanos, lavradores e
operários, negros, índios, mestiços e brancos, imigrantes e nacionais, no
Nordeste e no Centro-Sul, na Amazônia e no Oeste, em todos os lugares,
toda essa história é uma história de opressão e exploração, na qual o Estado
– mais ou menos militarizado ou civil – é posto a serviço dos interesses da
burguesia estrangeira e nacional. Canudos, Contestado, Lampião, Trombas
do Formoso, Xambioá; ou a Abolição da Escravatura, a Proclamação da
República, a grande greve operária realizada em São Paulo em 1917, os
movimentos democráticos populares, operários e camponeses, ao longo das
décadas do século XX, o golpe de Estado de 1937, o golpe de Estado de
1954 (suicídio de Vargas), o golpe de Estado de 1964, o golpe de Estado de
1968 (quando foi promulgado o Ato Institucional n. 5), a farsa da anistia
política em 1979, a criação de partidos políticos por via ditatorial em 1979,
são muitos e numerosos os fatos que atestam o caráter autoritário ou
ditatorial, militarizado ou não, do modo pelo qual a burguesia e o
imperialismo têm levado o Estado a dominar, oprimir e explorar o povo,
principalmente os operários urbanos, os operários rurais e os camponeses.
Essa é a história do significado ideológico e prático do lema “ordem e
progresso” recriado pela ditadura militar de 1964 no lema “segurança e
desenvolvimento”. Essa é a história da opressão de amplos setores da
sociedade civil, da maioria dos cidadãos, da totalidade dos operários e
camponeses, em face de um Estado em geral atrelado ao grande capital
financeiro e monopolista. Essa é a história da contrarrevolução burguesa no
Brasil, no sentido de revolução de cima para baixo, revolução
conservadora, “modernizante” e reacionária, sem compromissos com o
povo, os trabalhadores da cidade e do campo, operários e camponeses.
Trata-se de um paradoxo – revolução sem revolução – tornado possível
pela importância, força e atuação do imperialismo. Ao associar-se aos
setores agrários, empresariais e latifundiários, e urbanos, industriais,
comerciais e bancários, o imperialismo sempre conseguiu incutir o sentido
e a direção, a fisionomia e o movimento do Estado, autoritário ou
ditatorial, na história da sociedade brasileira. Diante dos movimentos
populares, rurais e urbanos, operários e camponeses, no messianismo,
cangaço, associações de trabalhadores, ligas camponesas, sindicatos rurais,
sindicatos urbanos, seitas, igrejas, partidos, em muitas organizações,
próprias ou emprestadas, diante dos movimentos populares, a burguesia
nacional e estrangeira sempre reagiu de cima para baixo, de forma
opressiva, repressiva, brutal. Tanto no passado mais distante, no século
XIX, como no presente, sob o Estado criado com o golpe de 1964. Ao
longo de toda essa história, o povo brasileiro, principalmente os operários e
camponeses, esteve submetido à ideologia e prática dos lemas “ordem e
progresso”, “segurança e desenvolvimento”, “ordem e desenvolvimento”,
“segurança e progresso”, “ordem e segurança” ou “progresso e
desenvolvimento”.
Fernandes: Desde que se propunham o ‘desenvolvimento’ e a
‘revolução dentro da ordem’ que são compatíveis com o
capitalismo dependente, as classes burguesas buscam a única
revolução nacional por que podem lutar em tais condições, a qual
consiste em consolidar o poder burguês através do fortalecimento
das estruturas e funções nacionais de sua dominação de classe. O
que entra em jogo, portanto, não são as compulsões igualitárias
(por mais formais e abstratas que sejam) de uma comunidade
política nacional, mais ou menos complexa e heterogênea. Mas o
alcance dentro do qual certos interesses especificamente de classe
podem ser universalizados, impostos por mediação do Estado a
toda a comunidade nacional e tratados como se fossem ‘os
interesses da nação como um todo’. Literalmente, pois, revolução
nacional significa, em semelhante contexto histórico-social e
político: 1) integração horizontal, em sentido e em escala
nacionais, dos interesses das classes burguesas; 2) probabilidade de
impor tais interesses a toda a comunidade nacional de modo
coercitivo e “legítimo” [...].
Configura-se, assim, um despotismo burguês e uma clara
separação entre sociedade civil e nação. Daí resulta, por sua vez,
que as classes burguesas tendem a identificar a dominação
burguesa com um direito natural ‘revolucionário’ de mando
absoluto, que deve beneficiar a parte ‘ativa’ e ‘esclarecida’ da
sociedade civil (todos os que se classificam em e participam da
ordem social competitiva); e, simetricamente, que elas tendem a
reduzir a nação a um ente abstrato (ou a uma ficção legal útil), ao
qual só atribuem realidade em situações nas quais ela encarne a
vontade política da referida minoria ‘ativa’ e ‘esclarecida’.253
Coutinho: O regime de exceção vigente é ‘apenas’ a expressão
atual – uma expressão extrema e radicalizada – de uma tendência
dominante na história brasileira. Refiro-me ao caráter elitista e
autoritário que assinalou toda a evolução política, econômica e
cultural do Brasil, mesmo em breves períodos ‘democráticos’.
Como já foi assinalado várias vezes, as transformações políticas
e a modernização econômico-social no Brasil foram sempre
efetuadas no quadro de uma ‘via prussiana’, ou seja, através da
conciliação entre frações das classes dominantes, de medidas
aplicadas ‘de cima para baixo’, com a conservação essencial das
relações de produção atrasadas (o latifúndio) e com a reprodução
(ampliada) da dependência ao capitalismo internacional; essas
transformações ‘pelo alto’ tiveram como causa e efeito principais a
permanente tentativa de marginalizar as massas populares não só
da vida social em geral, mas sobretudo do processo de formação
das grandes decisões políticas nacionais.254
Debrun: Em relação à direita, eu acredito que se ela não
construiu novas sínteses originais foi precisamente porque não teve
que lutar pela hegemonia intelectual. E isso graças ao
esmagamento da sociedade civil. Podemos verificar que a direita
imaginou que o pensamento autoritário estava comprovado pelos
fatos. Na medida em que os tecnocratas civis e militares não
experimentavam, por várias razões, uma resistência insuperável
por parte de nenhum setor da sociedade civil, a conclusão mais
fácil para a imensa maioria deles foi a de que a sociedade era
exatamente como Oliveira Vianna a tinha descrito. Ou seja, uma
matéria amorfa que tinha que ser organizada de cima para baixo.
Esse pensamento era um pensamento tão natural, entre aspas, em
função do resultado da própria práxis desses tecnocratas civis e
militares, que ele nem tinha que ser muito formulado.
Evidentemente, lendo artigos, declarações e discursos, pode-se ver
este pensamento aflorar discretamente e implicitamente entre as
linhas. Mas não havia necessidade de uma grande síntese
intelectual, porque o pensamento para estes homens deixava de se
apresentar como simples pensamento para se transformar em
constatação mera e simples da realidade.
Evidentemente que eles chegavam a esta constatação
esquecendo, voluntária ou involuntariamente, outros fatores que se
bem analisados teriam mostrado, mesmo naquele momento, o
dinamismo da sociedade. Ou pelo menos uma germinação, uma
efervescência da sociedade civil.
Assim, eles não iam além daquilo que eu chamo de aparência
bem fundamentada. É muito difícil para esses homens, em postos
de comando, como o Delfim Netto da primeira época, conceber
que a sociedade brasileira não fosse uma matéria dúctil.255
Sob vários aspectos, pois, a ditadura instalada em 1964 se constitui
numa forma especial, particularmente repressiva, espoliativa e brutal, de
desenvolvimento da contrarrevolução no Brasil. Contrarrevolução em dois
sentidos. Por um lado, contra as conquistas democrático-burguesas
realizadas ao longo dos anos 1946-1964. Por outro, contra o ascenso
político da classe operária e do campesinato, que começavam a delinear a
fisionomia da revolução socialista ao longo desses mesmos tempos e, com
maior clareza, em 1961-1964.
16. Lutas Populares
Como uma das formas assumidas pela contrarrevolução burguesa no
Brasil (na qual se destacam a persistência e a alternância do Estado
autoritário e ditatorial, civil, militar e civil-militar), a ditadura é a
contrapartida da luta das classes subordinadas e superexploradas contra o
domínio burguês e imperialista. Essa é uma longa história; a história de
operários e camponeses, negros, mulatos, índios, mestiços, imigrantes,
brancos, escravos, semiescravos e livres, nos séculos XIX e XX; que essa é
a história da luta pela democracia.
A repolitização e o desenvolvimento político do povo brasileiro,
principalmente de operários e camponeses, mas também de profissionais
liberais, classes médias, empregados, funcionários, são processos que vêm
de longe. A própria dominação burguesa e imperialista, ao agravar a
exploração dos trabalhadores da cidade e do campo e reiterar as soluções
golpistas, autoritárias e ditatoriais, civis e militares, tem provocado uma
conscientização política especial entre operários e camponeses. No campo,
diferentemente da cidade. Mas para todos tem sido longa, larga e árdua a
luta pela democracia, pela cidadania, pelas liberdades democráticas. A
própria experiência populista parece ter sido uma experiência que se
esgotou. Não há dúvida de que vários elementos do bloco de poder
populista reaparecem no bloco de poder que cria e desenvolve a ditadura
militar. Também nesse sentido a ditadura é uma das formas históricas
assumidas pela contrarrevolução burguesa no Brasil. Ao mesmo tempo, no
entanto, essa continuidade da dominação burguesa – desde a democracia
populista à ditadura militar –, essa mesma continuidade do Estado
autoritário e ditatorial desenvolve-se também como experiência política da
classe operária e do campesinato. A revolução democrática que o povo
brasileiro, principalmente os operários urbanos, os operários rurais e os
camponeses, está realizando, ao longo da história da sociedade brasileira,
apresenta avanços e recuos que somente se esclarecem quando vistos à luz
da longa, tortuosa e brutal contrarrevolução desenvolvida pela burguesia
brasileira, em associação com o imperialismo.
Vejamos agora, em forma breve, alguns aspectos dos seguintes
problemas: a classe operária e o populismo; e as lutas sociais no campo.
Assim podemos compreender mais algumas das atuações que a classe
operária e o campesinato têm realizado, ao longo dos anos, no sentido de
criar uma sociedade civil democrática, na qual o Estado não seja estranho e
opressor, estranhado e conquistador; inimigo do povo.
Desde 1964, o populismo acabou. Se renascer, como pode renascer, será
muito mais como manobra ou farsa. Se renascer, revelará muito mais
abertamente o seu caráter de proposta política burguesa, visando orientar
ou manipular a força política das classes assalariadas, em especial dos
operários da cidade e do campo. Eventualmente, poderá ser manipulado
tanto pela ditadura em crise como pelo grande capital monopolista com
sotaque europeu. Sob vários aspectos, o renascimento do populismo poderá
ser absorvido no âmbito das manobras da ditadura, destinadas a garantir o
predomínio dos interesses da grande burguesia monopolista na organização
e atuação do “Estado de direito”.
Em 1964, a própria burguesia nacional, que se havia beneficiado
politicamente do populismo, ajudou a dar o golpe final no governo
populista. O golpe de Estado contra o governo do presidente João Goulart
foi o resultado da mobilização política de forças do imperialismo,
burguesia agrária, latifundiários, burguesia nacional e setores de classe
média; visou bloquear a crescente politização e mobilização das classes
assalariadas, particularmente dos operários urbanos e rurais, além de
camponeses, estudantes, intelectuais e outros grupos sociais. Diante de uma
conjuntura talvez pré-revolucionária, em desenvolvimento nos anos 1961-
1964, na qual estavam amadurecendo as possibilidades de um amplo
avanço popular no cenário político do país, a grande burguesia organizou o
golpe de Estado. Esse golpe foi posto em marcha também com a
colaboração (por omissões ou mesmo ativa) da “burguesia nacionalista”,
que era aliada do governo Goulart e participava da máquina populista. A
deposição desse governo realizou-se sem obstáculos maiores para as forças
reacionárias e fascistas que se mobilizaram para evitar o ascenso popular
no Brasil.
Desde que se formaram, nos anos 1930-1945, as primeiras bases do
populismo, ou trabalhismo getulista, esse sempre revelou seu caráter de
resposta política – positiva, mas habilidosa, real, mas fluida, efetiva, mas
retórica – às reivindicações dos assalariados urbanos, em especial
operários. Nesses anos, Vargas conduziu a política trabalhista do governo –
inclusive e principalmente durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945)
– no sentido de orientar ou manipular a força política do operariado em
formação. Ao mesmo tempo, visava combater, submeter, reprimir ou
suprimir os movimentos políticos que já se haviam desenvolvido bastante
nos meios operários: anarquista, socialista, comunista, trotskista. Quando
Vargas afirmou, em 1931, que o sindicato era o verdadeiro partido dos
trabalhadores, estava anunciando uma primeira proposta básica do
trabalhismo populista: aceitação e legitimação do sindicato pelo governo;
incorporação do sindicalismo ao aparelho estatal burguês;
institucionalização do peleguismo; rejeição dos partidos, movimentos
políticos e sindicatos de esquerda, tanto os que já se encontravam
organizados como os que poderiam organizar-se futuramente. Tudo isto foi
concretizado principalmente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
de 1943. Estava em marcha outro elemento básico do trabalhismo populista
de Vargas: o “pacto” de classes sociais. Sob o comando da burguesia
nacional, ainda débil, mas ascendente, formava-se um pacto (tácito ou
explícito, conforme a ocasião) reunindo setores de classe média,
intelectuais, burocratas e tecnocratas do aparelho estatal e setores do
operariado nascente. Essa aliança de classes, numa época de crise de
hegemonia, era principalmente nacionalista, favorável ao desenvolvimento
econômico capitalista nacional.
Em 1946, os mesmos interesses burgueses e trabalhistas, reunidos em
torno de Vargas, criaram o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Organizava-se o trabalhismo populista nos moldes da democracia burguesa
que se estava formando. De novo, tratava-se de manter a vida política
operária organizada em sindicatos controlados por uma vasta burocracia,
mesclada de burocracia pública e partidária: PTB, institutos de previdência
social, sindicatos e Ministério do Trabalho. Tudo isso de modo a orientar
ou manipular a força política da classe operária, e rechaçar a participação
de socialistas, comunistas e outras correntes de esquerda na organização e
atividade política da classe operária. Foi assim que entrou em nova fase o
trabalhismo populista – também chamado populismo, ou getulismo – das
forças burguesas que buscavam empolgar as reivindicações econômicas e
políticas da classe operária.
Nos anos 1946-1960, com muitas oscilações, esse populismo se tornou
muito mais complexo do que esperavam Vargas e os seus seguidores mais
diretos. Surgiram tendências populistas por dentro e por fora, à esquerda e
à direita da corrente principal; borguismo, juscelinismo, janguismo e
outras. Nesses anos, ocorreram novos desenvolvimentos do capitalismo no
Brasil. Foi proposto o Plano Salte, como instrumento de atuação do
governo do marechal Dutra. Criaram-se o Banco do Nordeste, o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e a Petrobras, durante o segundo
governo Vargas. Ao mesmo tempo, cresceu a presença do imperialismo,
com a Missão Abbink, de 1949, e a deposição e o suicídio de Vargas, em
1954. Em 1956-1960, o populismo entrou amplamente nos quadros do
governo do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, que favoreceu a
criação da indústria automobilística e provocou nova e profunda
penetração do capital monopolista na economia brasileira. Foi essa a
ocasião em que a grande burguesia detentora desse capital ganhou força
suficiente para propor-se a mudança dos rumos da política brasileira. Foi aí
que o populismo começou a revelar algumas das suas limitações mais
sérias, do ponto de vista da classe operária.
De fato, nos anos 1961-1964, que foram anos de crise econômica e
política, a grande burguesia estrangeira, associada à burguesia nacional, ou
ajudada por essa e outras forças políticas, inclusive o ademarismo, o
janismo e outras, organizou e realizou o golpe de Estado de 31 de março de
1964. Nessa ocasião, o presidente Goulart, principal figura do trabalhismo,
não se havia organizado para resistir ao golpe; não sabia o que estava para
ocorrer, dizia-se. E os outros elementos do populismo também não
puderam oferecer resistência. Aos grupos de operários, camponeses e
outras categorias sociais que pediram armas para resistir ao golpe, nada
responderam; ou disseram que não; que o povo não saberia como usá-las;
que poderia usá-las de forma inadequada, fora de controle, independente. A
burguesia que se havia beneficiado do populismo não estava interessada
em arriscar uma luta que poderia transformar-se em revolução popular. Não
queria um governo de base popular, muito menos de base operária. Aceitou
o golpe de Estado. Golpe providencial, para certos setores do bloco
populista, que estavam aflitos com o ascenso popular e operário no
processo político brasileiro.
Ao longo dos anos de sua vigência, em 1930-1964, o populismo foi
principalmente um movimento político nascido em meios burgueses, criado
para orientar ou manipular a força política das classes assalariadas, em
geral, e dos operários da cidade e do campo, em especial. Tratava-se de
criar uma alternativa política organizada, com o objetivo de afastar os
operários dos movimentos de esquerda. A sua ideologia política falava em
direitos dos trabalhadores, humanização do trabalho, paz social, harmonia
entre o capital e o trabalho. Também falava em nacionalismo,
desenvolvimentismo, industrialização etc., como se tudo isso fosse
beneficiar, de modo automático, os interesses coletivos, todos, inclusive os
operários. Na prática, o populismo, sob as suas formas getulista,
juscelinista e janguista, resultou principalmente numa política de
organização e mobilização de operários, num sistema burocrático que
articulava o sindicalismo, o PTB e o Estado, por intermédio do Ministério
do Trabalho. Foi uma vasta e complexa burocratização da vida política
operária.
Mas os operários não se submeteram passivamente. Aproveitaram a
máquina política do populismo para organizar-se, politizar-se. Avançaram
na sua conscientização do processo político nacional. Não se limitaram às
propostas do trabalhismo populista. Aproveitaram-se dele. Caminharam
adiante. Beneficiaram-se também das contribuições de correntes de
esquerda. A classe operária amadureceu por dentro e por fora do
populismo, à revelia da ideologia da paz social, da harmonia entre o
trabalho e o capital e outras palavras de ordem da burguesia. Compreendeu
que os seus interesses de classe eram diferentes, antagônicos aos da
burguesia. Aproveitando-se das experiências políticas da ocasião, e
reaproveitando-se dos ensinamentos políticos das suas tradições de lutas, a
classe operária avançou além dos limites burgueses e burocráticos do
trabalhismo. Tanto que em 1961-1964 ela apresentou reivindicações e
propostas que as cúpulas do populismo resolveram desconhecer, ou
simplesmente bloquear. Quando alguns setores operários, camponeses e
outros quiseram lutar contra o golpe de Estado, descobriram que o bloco
populista estava despreparado, confuso, omisso ou contra. Populismo, sim.
Mas nada de operários e camponeses com força política, o que os
tornariam classes sociais com poder de barganha e decisão. Isso não.
São várias as razões pelas quais o populismo, se reaparecer, com a queda
da ditadura militar, poderá revelar-se como manobra ou farsa. Muito
provavelmente revelará, de modo mais aberto, o caráter burguês da sua
proposta. Vejamos agora, para finalizar, mais dois aspectos dessa questão.
Primeiro, a ditadura instalada em 1964 é uma ditadura da burguesia, a
serviço do capital monopolista. Essa ditadura assinala o encerramento de
uma época em que nenhuma das classes sociais presentes no processo
político brasileiro revelava condições de impor-se às demais e ao conjunto
da sociedade. Em 1930-1964, havia uma espécie de crise de hegemonia,
que propiciou um pacto de classes sociais. Desde 1964, encerrou-se a
época populista (getulista, juscelinista, janguista e outras conotações),
enquanto uma época de aliança, tácita ou explícita, de classes sociais
relativamente débeis. O golpe de 1964 inicia a época de predomínio
econômico e político da grande burguesia monopolista. Isso significa que
se desenvolveram condições econômicas e políticas mais delineadas, em
termos das diferenças e antagonismos de classes. Modificaram-se as
condições de relacionamento entre as classes, principalmente a burguesia e
o operariado.
Segundo, modificaram-se as condições de trabalho e de vida da classe
operária. Naturalmente, essas condições já se vinham alterando antes,
principalmente desde a criação da indústria automobilística. Mas em 1980
a classe operária encontra-se numa situação que não pode ser comparada
àquela na qual se encontrava antes do golpe. Agora ela é mais numerosa,
diversificada; estende-se por amplas áreas e regiões do país; tornou-se
nacional, sob vários aspectos sociais; e é mais experiente, em termos
políticos. Sofreu e sofre, muito mais, as políticas da ditadura do capital
monopolista. Repolitizou-se, sob a pressão e a brutalidade das políticas da
ditadura. Tem sido superexplorada, por meio do arrocho salarial, do
intervencionismo sindical, da lei antigreve, da repressão política, da
manipulação de estatísticas por tecnocratas do aparelho estatal.
Em perspectiva histórica mais larga, foram profundas as transformações
havidas na sociedade brasileira. E foram acentuadas ou aceleradas em
certas ocasiões. Em geral, conjugaram-se conjunturas imperialistas e
nacionais. Nessa perspectiva, ao mesmo tempo que as modificações
estruturais em curso na sociedade brasileira favorecem a política de
massas, também criam as condições para a política de classes. É assim que
se forma, desenvolve e amadurece a classe operária, que tanto questionará
o populismo como a ditadura militar.
Houve amplas e profundas transformações na sociedade brasileira, desde
1946, quando se reuniu a última Assembleia Nacional Constituinte. Desde
essa época, desenvolveram-se a economia, como um todo, e a
industrialização, em especial. O capital industrial ganhou preeminência
sobre o conjunto da economia e tem provocado mudanças notáveis,
inclusive na agricultura. Formaram-se grandes empresas industriais e
agrícolas. Em outras palavras, desenvolveu-se amplamente a acumulação
capitalista, que explica tanto a concentração da renda como o pauperismo.
Juntamente com a expansão econômica, desenvolveram-se as classes
sociais, na cidade e no campo. Houve uma espécie de reunificação das
burguesias urbana e rural, nacional e estrangeira. Também os proletariados
urbano e rural desenvolveram-se e reunificaram-se, como contingentes do
proletariado brasileiro. O boia-fria do Estado de São Paulo e o peão da
Amazônia pertencem à mesma classe operária nacional, que se
desenvolveu e amadureceu ao longo das últimas décadas.
Simultaneamente, acentuou-se a urbanização, com a expansão dos setores
secundário e terciário da economia. Em 1940, a população rural alcançava
cerca de 70% do total do país; em 1970 ela estava na faixa dos 43%. Ao
mesmo tempo, entre 1940 e 1970, em termos de índices, a população
operária na indústria de transformação passou de 100 para 353; e os
operários de construção civil passaram de 10 para 674.256 Em suma,
transformou-se bastante a estrutura da sociedade. A sociedade brasileira de
1980 não é mais a de 1946.
Nessas décadas cresceu muito o poderio econômico e político da
burguesia detentora do capital monopolista. O capitalismo monopolista,
que já vinha determinando as tendências da economia brasileira em
décadas anteriores, ganhou grande força e expansão desde o governo do
presidente Kubitschek (1956-1960). Internalizou-se bastante na economia
nacional. O Programa de Metas, realizado por esse governo, e o Programa
de Ação Econômica Governamental (Paeg), adotado pelo governo do
marechal Castello Branco, em 1964-1967, deram grande impulso ao capital
monopolista baseado na empresa privada estrangeira. É verdade que houve
crescimento da empresa privada nacional e também do setor produtivo
estatal. Mas foi o grande capital monopolista, baseado nas multinacionais,
que mais floresceu; e mais floresceu com o apoio econômico e político do
poder estatal, ao longo dos anos 1964-1980. Daí as distorções econômicas
e políticas de que padece o poder estatal no país, divorciando-se o Estado
da sociedade civil. Os grupos e classes sociais subalternos tornaram-se
indefesos, em face do poder econômico e político do capital monopolista.
Ao se investirem de poder para governar por meio de atos institucionais,
atos complementares, decretos e portarias, os governos resultantes da
deposição do presidente Goulart iniciaram e desenvolveram um novo ciclo
de contradições no país: a) colocaram o Estado por sobre a sociedade civil,
conferindo-se um poder político praticamente absoluto sobre os cidadãos,
os grupos e as classes sociais, na cidade e no campo; b) por implicação, ou
deliberadamente, tomaram a sociedade civil como incapaz de
autogovernar-se, porque sujeita à corrupção e à subversão, porque sujeita
aos “populistas”, “demagogos”, “carismáticos”; c) criaram as condições
políticas do progressivo divórcio entre o Estado e a sociedade civil; desde o
começo, o poder estatal foi posto como se pairasse acima das gentes. A
crescente hipertrofia do Poder Executivo pouco a pouco alienou vários
grupos e facções das classes que haviam colaborado na deposição do
presidente Goulart. E acentuou-se ainda mais a distância entre o Estado e
as diversas categorias sociais que não haviam apoiado a deposição desse
presidente. A partir de 1975, parece que alguns setores da burguesia –
talvez da burguesia nacional – começaram a rebuscar a sua identidade,
tateando outra vez entre a ficção e a realidade da sua existência econômica
e política.
Tanto pelo que havia de burguês e reacionário no bloco populista, quanto
pela continuidade de vários elementos desse bloco na ditadura militar, e
pelo seu próprio amadurecimento como classe, por tudo isso, para a classe
operária e o campesinato, o populismo somente terá continuidade como
manobra ou farsa. As lutas operárias dos últimos anos e dos dias presentes
mostram como a classe operária compreendeu toda essa história e como
está reagindo às condições de superexploração que o capital monopolista
lhe impôs. As greves e os movimentos políticos, que se multiplicaram e
continuam a multiplicar-se pelos diversos centros urbanos e industriais do
país, são uma demonstração concreta de que os operários desenvolveram
uma compreensão política bastante clara e ampla, tanto dos seus problemas
como dos problemas da sociedade. Foi assim que se repolitizou a classe
operária.
Um pouco diferente, muito diferente, é a história das lutas sociais no
campo. Essas lutas também são parte fundamental da revolução
democrática que o povo brasileiro está realizando há décadas. Vejamos
alguns dados sobre os anos recentes.
No Brasil, a democracia nunca chegou ao campo, nem como ensaio;
apenas como promessa. O pouco que se fez no campo, em favor da
democracia, foi e continua a ser o resultado das lutas de camponeses,
operários rurais e índios. A burguesia agrária – composta de latifundiários
e empresários, nacionais e estrangeiros – sempre impôs o seu mando, de
forma mais ou menos discricionária, às populações camponesas,
assalariadas e indígenas. No campo, a ditadura tem sido muito mais
persistente, generalizada, congênita, do que na cidade. Os latifundiários e
os empresários sempre impuseram os seus interesses, de forma mais ou
menos brutal.
Mas essa situação começa a mudar novamente nos últimos anos. Talvez
haja algo de novo ocorrendo no campo brasileiro. São cada vez mais
numerosos os acontecimentos nos quais índios, camponeses e operários
agrícolas manifestam as suas reivindicações, os seus protestos, as suas lutas
econômicas e políticas. São acontecimentos que já fazem parte
fundamental das lutas sociais ocorridas nas últimas décadas na sociedade
brasileira. O índio sempre luta para defender a sua terra, a sua cultura, o
seu modo de vida. Às vezes a luta chega a provocar a morte de invasores
de sua terra: grileiros, jagunços e outros elementos das vanguardas das
frentes de expansão do capitalismo no campo. Em geral, o índio acaba
sendo expropriado da sua terra, cultura e modo de vida. O camponês,
principalmente o posseiro, lutou e continua a lutar pela sua terra, no
Sudoeste paranaense; no Sul do Pará, inclusive depois de vencida a
guerrilha do Araguaia nos anos 1970-1975; em Trombas de Formoso, em
Goiás, nas lutas de posseiros liderados por José Porfírio; em Rondônia e
muitas outras partes do país. As ligas camponesas, suprimidas pela ditadura
instalada em 1964, são apenas uma das muitas e notáveis manifestações
das lutas dos trabalhadores rurais. E os operários do campo – assalariados
sob as mais diversas formas – estão em constante luta pela sindicalização, a
defesa de melhores salários, transporte seguro e apropriado para gente,
melhores condições de trabalho, garantias trabalhistas. Principalmente os
volantes ou temporários – boias-frias, corumbas, clandestinos, paus-de-
arara, peões e outros – empenham-se cada vez mais nessas reivindicações.
São numerosas as realizações dos camponeses, operários e índios em suas
lutas econômicas e políticas.
Três fatos ocorridos em 1978 – envolvendo posseiros, índios e
trabalhadores volantes – colocam as lutas sociais no campo no contexto da
luta pela democracia no Brasil.
Primeiro, a ditadura decidiu induzir a organização de cooperativas de
trabalhadores volantes nos Estados de São Paulo e Paraná. Procurou forçar
esses trabalhadores rurais a submeter-se a uma organização burocrática,
criada de cima para baixo, à margem do sindicato, para servir aos
interesses dos fazendeiros, latifundiários e usineiros, nas épocas de maiores
demandas de força de trabalho. Essa política está sendo combatida e
desmoralizada pelo próprio trabalhador volante. Ele não se interessa pela
cooperativa. Sabe que há nessa iniciativa a implicação econômica e política
de criar mais um órgão pelego para submeter o proletariado rural.
Segundo, o incidente havido na reserva indígena de Nonoai, no Rio
Grande do Sul, recolocou a questão da luta pela terra por parte do índio e
do trabalhador rural. A reserva, de índios Kaingang, estava sendo pouco a
pouco invadida por famílias de trabalhadores rurais sem-terra. Em 1978 os
índios resolveram expulsar esses posseiros. Nesse momento, entram em
ação a Funai e o Incra. A Funai procura controlar os índios, inclusive
fazendo-os aceitar de volta algumas das famílias de posseiros. E o Incra,
em contato com negociantes de terras do Norte do Estado de Mato Grosso,
procura induzir as famílias expulsas da reserva de Nonoai a migrar para um
lugar chamado Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso. Dessa maneira,
o Incra consegue transformar mais um conflito de terras em negócio de
terras, favorecendo a formação de empresas ou cooperativas de
colonização, nas quais os posseiros são manipulados contra os seus
interesses; submete-os à colonização dirigida. Muitas famílias reconhecem
que, ao aceitar a promessa de formar lavouras na Amazônia, estarão
ajudando a ditadura a escamotear a questão da reforma agrária. “Saindo, eu
iria resolver o problema do governo e iria criar um problema para mim e
para minha família.” Por isso, muitos decidem ficar no Rio Grande do Sul.
“Eu quero conseguir terra no Rio Grande.” Mesmo porque o governo
desses Estados possui terras que poderiam ser entregues aos trabalhadores
rurais: Fazenda Sarandi, Fazenda Sarandi-Anoni, Fazenda Santa Rita,
Coudelaria Saican e Coudelaria Rincão.257 A chamada colonização dirigida
– oficial e particular – tem sido uma das formas de realizar a
contrarreforma agrária no Brasil.
Terceiro, as populações indígenas mais organizadas decidiram lutar
contra o projeto de falsa emancipação de índios e comunidades indígenas.
Essas populações já sabem o que é a expropriação de sua terra, cultura e
modo de vida. Por isso, logo compreenderam que por trás da emancipação
estava a perda da tutela estatal, garantida pelo Estatuto do Índio, que é o
único instituto ao qual essas mesmas populações podem apegar-se. Ao
reduzir o âmbito da tutela estatal e facilitar a emancipação do índio e da
comunidade indígena, a burocracia da Funai estava criando as condições
finais para a expropriação e a destruição das condições de vida dessas
populações. Por isso, vários grupos indígenas manifestaram-se contrários a
essa política. A ditadura teve de ceder. Se não abandonou o projeto de falsa
emancipação, ao menos por enquanto teve de engavetá-lo. Nem por isso,
no entanto, a Funai deixa de atuar como um órgão estatal de cunho
humanitário, sem força para defender o índio em face das pressões dos
negociantes de terras representadas em órgãos estatais como o Incra, a
Sudam e alguns outros.
Esses são apenas três dos numerosos fatos que atestam a continuidade da
luta de camponeses, operários rurais e índios em busca de melhores
condições econômicas e políticas de vida. Nesse sentido, a luta contra a
ditadura está jogando uma batalha muito importante também no mundo
agrário. Com frequência, as forças democráticas da cidade se esquecem
disso; ao contrário dos governantes.
A questão da democracia no Brasil não é uma questão que se resolve
apenas na cidade. Ela implica o campo, as classes sociais rurais. Mais do
que isso, ela implica as relações e as influências recíprocas entre a cidade e
o campo. O peso econômico e político da agricultura, na definição da
fisionomia da formação social capitalista brasileira, precisa ser avaliado se
queremos compreender as condições da criação de uma democracia no
Brasil. É essa realidade que cria as possibilidades de alianças de classes
urbanas e rurais.
Nesse sentido, é oportuno lembrar que a ditadura tem uma das suas
principais bases na agricultura. A burguesia rural – composta de
latifundiários e empresários, nacionais e estrangeiros – foi elemento ativo
na preparação e execução do golpe de 1964. E a luta contra a reforma
agrária, a liga camponesa e o sindicato rural foi uma das suas primeiras
articulações golpistas.
Depois, à medida que se instala e desenvolve, esse Estado busca e
rebusca as suas bases rurais. Abre fronteiras para latifúndio e a empresa
rural. Cria favores e incentivos fiscais e creditícios para a formação e a
expansão de empreendimentos capitalistas no campo. A Amazônia – com
suas populações indígenas, sitiantes, caboclas, de posseiros e outros
trabalhadores rurais – abre-se ao capital monopolista como uma vasta
fronteira; converte-se num espaço de grandes negócios fundiários, em
detrimento de camponeses, índios e operários do campo. A própria ditadura
combate os posseiros, levando-os à proletarização e à lumpenização;
apenas uns poucos são transformados em colonos, nos núcleos de
colonização dirigida, oficial e particular, criados para obstar uma
verdadeira reforma agrária. Também as populações indígenas são
amplamente atingidas pela política de favorecimento da expansão intensiva
e agressiva do capitalismo na região. Por exemplo, não se demarcam as
terras indígenas, que passam ao controle de grileiros, latifundiários ou
empresários. A Funai inclusive reduz ou transfere reservas indígenas,
segundo as pressões dos negociantes de terras, exercidas no âmbito de
órgãos estatais como o Incra, a Sudam e outros. Ao mesmo tempo, o
governo impulsiona a exportação de produtos agrícolas, pecuniários,
extrativos e de mineração, para atender às exigências do modelo
econômico imposto ao Estado brasileiro pelo capital monopolista.
Daí a importância das lutas políticas que ocorrem no campo. É o fato de
que a ditadura está apoiada também na burguesia rural – nacional e
estrangeira – que confere um significado especial, fundamental, às lutas
que estão sendo travadas pelo campesinato, o proletariado rural e o índio.
Os muitos conflitos e as muitas pendências que se multiplicam no Pará e
no Rio Grande do Sul, na Bahia e em Mato Grosso, em praticamente todos
os Estados e territórios do país, são uma expressão constante dessa luta por
um regime político no qual também o operário rural, o campesinato e o
índio tenham voz – voz e voto.
É só na aparência que o campesinato, o operário e o índio não lutam
diretamente contra a ditadura. Na prática, estão lutando pela terra, pela
sindicalização, pela proteção ao trabalho assalariado, pelo patrimônio
cultural indígena, pelo crédito ao pequeno lavrador, pelo acesso ao
mercado e por outros objetivos econômicos e políticos. Combatem a
grilagem, a jagunçagem e a superexploração do assalariado rural; as
invasões das terras tribais; as prerrogativas econômicas e políticas de
latifundiários e empresários, junto ao aparelho estatal; a subserviência da
burocracia pública aos interesses do capital monopolista; a aliança entre
jagunços e policiais. Nas lutas por seus objetivos econômicos e políticos,
combatem a prática da ditadura no campo. O posseiro e o peão na
Amazônia, o colono no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, o boia-fria
em São Paulo e no Paraná, o trabalhador de eito, cassaco e corumba em
Pernambuco e outros Estados do Nordeste, os índios em muitas partes do
Brasil, todos estão engajados em lutas sociais que envolvem direta e
indiretamente a organização democrática das relações econômicas e
políticas na sociedade brasileira.
Essa é uma longa história, a história de operários e camponeses,
caboclos, sitiantes, camaradas, peões, clandestinos, boias-frias, corumbas e
muitos outros, na cidade e no campo, na indústria e na agricultura, no
século XX, nas últimas décadas, sob a ditadura militar; que essa é a história
da luta pela democracia.
17. Contradições de Classes e Democracia
É bastante provável que o golpe de 1964 e a ditadura assinalem a época
de encerramento da contrarrevolução burguesa no Brasil. Há vários
indícios de que isso pode estar acontecendo, exatamente por dentro do
processo da contrarrevolução burguesa iniciada em 1964. Dentre os vários
aspectos histórico-estruturais importantes da ditadura, enquanto forma de
desenvolvimento da contrarrevolução burguesa no Brasil, cabe examinar
alguns aqui, de modo breve. Note-se que todos eles se articulam em algum
momento, como manifestações da revolução democrática que o povo
brasileiro em geral, e os operários e camponeses em especial, está
realizando.
O fenômeno provavelmente mais notável do cenário político brasileiro,
no qual se insere a crise da ditadura, é a nova e ampla repolitização do
povo. Operários, camponeses, setores das classes médias, empresários,
intelectuais, estudantes, homens e mulheres, na cidade e no campo,
começaram a dizer o que pensam, dizer que não estão de acordo com a
forma pela qual o governo está tomando decisões sobre questões básicas da
vida nacional. Tanto é o desconforto que já se desenvolveu um amplo
movimento democrático, de grandes proporções, surgido espontaneamente,
em diferentes partes do país. O modo pelo qual o país tem sido governado
provocou uma espécie de união espontânea, tácita ou ostensiva, de amplos
contingentes da população brasileira. Inclusive alguns setores burgueses
começaram a percorrer o caminho de volta, repensar na democracia, pensar
na redemocratização.
Ocorre que há uma crise de hegemonia. Os desenvolvimentos da
inflação e outros problemas econômicos foram suficientes para abrir as
controvérsias entre os governantes e os grupos que os apoiavam. E o povo
está perdendo ou já perdeu o medo; abandonou o fatalismo e a resignação.
A concentração da renda e o pauperismo são lições que amplos setores dos
assalariados urbanos e rurais não precisam aprender nos escritos, são lições
do seu cotidiano.
Sob vários aspectos, é evidente que a ditadura é bicéfala, dúplice, ainda
que articulada. A despeito da dualidade de poderes – militar e burguês –, o
bloco de poder tem encontrado arranjos e rearranjos entre as razões da
geopolítica, que, em última instância, caracterizam o poder militar, e as
razões do capital, que, em essência, definem as razões do poder burguês. É
só nesse sentido que a ditadura militar recobre a ditadura do capital. Mas
este é um momento crucial da crise da ditadura. Toda a sua retórica (ou
ideologia, aliás, medíocre) fica, na prática, desmascarada pelo
florescimento da acumulação imperialista, pelo avanço da concentração e
centralização do capital, pela superexploração a que estão submetidos
operários e camponeses. Essa é a realidade da economia política da
ditadura, que desmascara as suas próprias doutrinas, inclusive porque
desenvolve e aprofunda as contradições de classes. O agravamento das
contradições entre a classe operária e a burguesia, entre outras contradições
estruturais, logo pôs a nu a fisionomia e o movimento do aparelho estatal.
Foi nesse então que a ditadura começou a cair.
Note-se, como aspecto essencial dessa crise, conforme se desenvolve
desde 1974, que o que está em causa é uma crise de hegemonia. Para
alguns setores da sociedade, de repente a ditadura perdeu credibilidade.
Mesmo amplos setores sociais que participam, ou participaram do bloco de
poder, como certos setores da Igreja Católica, classe média e militares,
entre outros, mesmo esses setores não encontram mais razões para confiar
na ditadura, nos governos militares, na tecnocracia civil e militar que a
grande burguesia financeira e monopolista instalou no aparelho estatal. O
recrudescimento da onda inflacionária, os usos da repressão para servir ao
grande capital, a incapacidade de qualquer grupo ou membro do aparelho
de poder de falar à nação, como estadista ou líder nacional, a corrupção, as
mordomias são muitas as razões nas quais amplos setores do bloco de
poder se apegam para retirar o seu apoio, propor outras direções ao país, ou
mesmo aceitar uma aliança tática com o proletariado e o campesinato, as
duas classes contra as quais recaíram mais brutalmente a repressão, a
exploração e a boçalidade da ditadura. É assim que se concretiza a crise de
hegemonia que está no centro da crise da ditadura e na base do progressivo
reforçamento da luta pelas liberdades democráticas. O povo brasileiro,
quase como um todo, e não mais apenas a classe operária e o campesinato,
a maioria da sociedade civil está a dizer, cotidianamente, que exige a
recuperação e o fortalecimento dos direitos democráticos, da cidadania,
liberdade sindical, partidos políticos livres e outras conquistas
democráticas básicas e preliminares. A maioria do povo brasileiro não quer
mais ser governada por decretos, regulamentos, atos institucionais,
proclamações, ordens do dia ou constituições outorgadas. Não. Agora, o
Estado começa a ser “rudemente educado pelo povo”, principalmente pelas
lutas da classe operária e do campesinato.
Os desenvolvimentos das forças produtivas e relações de produção,
conforme foram dinamizadas pela economia política do governo, estão
favorecendo e impulsionando o amadurecimento das classes sociais em
geral, na indústria e agricultura. Em particular, devido a essa mesma
economia política, a classe operária, no campo e na cidade, e o
campesinato têm sido levados a novos e renovados desenvolvimentos
sociais, políticos, econômicos, culturais e outros. Ao mesmo tempo que se
reforça e aprofunda a exploração econômica de operários e camponeses,
que cresce quantitativa e qualitativamente a força de trabalho na cidade e
no campo, também ocorre uma espécie de politização e repolitização
desses mesmos trabalhadores. Sob as condições de produção impostas
pelos governantes, em essência uma ditadura do capital, os operários e
camponeses foram levados a desenvolver, aprimorar, concretizar uma
compreensão política nova e renovada das relações capitalistas de
produção, da exploração da força de trabalho, da dominação burguesa, da
associação e cumplicidade entre a grande burguesia e a ditadura militar.
Em outras palavras, a própria economia política governamental, ao
desenvolver a acumulação monopolista do capital, sob o mando do
imperialismo, desenvolve também as classes sociais em geral, na cidade e
no campo. Nesse contexto é que se desenvolve a classe operária, na
indústria e na agricultura. Ao mesmo tempo, à medida que ocorre a
proletarização também no campo, verifica-se inclusive uma espécie de
recamponesação. Criam-se e recriam-se condições para que um
campesinato pobre, cada vez mais submetido e explorado pelo grande
capital, seja mantido nos poros e interstícios de uma sociedade cada vez
mais impregnada pelas exigências do grande capital financeiro e
monopolista. É nessa configuração histórica que amadurecem, econômica e
politicamente, tanto as relações de produção quanto as classes sociais e os
antagonismos de classes. Sob esse Estado, a classe operária e o
campesinato estão sendo levados a compreender a fisionomia e os
movimentos, tanto da economia política da ditadura quanto da dominação
burguesa.
Na mesma medida em que essa economia política favoreceu a
acumulação monopolista, com a simultânea concentração e centralização
do capital, assim também favoreceu o desenvolvimento intensivo e
extensivo do capitalismo no campo. Houve novos, largos e intensos
desenvolvimentos das forças produtivas e relações de produção, em termos
capitalistas, no campo. Tanto nas áreas em que as formas de produção já
estavam determinadas pelo capital, quanto naquelas em que as formas de
produção eram voltadas, de maneira exclusiva, ou predominante, para o
autoconsumo. Assim é que as extensas áreas de terras tribais, devolutas ou
ocupadas, na região Amazônica e no Centro-Oeste, passaram a ser griladas
ou compradas por grandes negociantes de terras, latifundiários,
fazendeiros, empresários nacionais e estrangeiros. O desenvolvimento
intensivo e extensivo do capitalismo no campo está conduzindo ao
esgotamento da fronteira. As largas extensões de terras tribais, devolutas e
ocupadas por posseiros estão sendo apropriadas – por grilagem, doação
governamental, compra fictícia ou compra real – por grandes negociantes
de terras, latifundiários, fazendeiros e outros. Seja para servir de base a
atividades econômicas, seja para funcionarem como reserva de valor, as
terras da fronteira amazônica estão sendo apropriadas pela grande
burguesia nacional e estrangeira. A região volta a dissolver-se na nação,
mas desta vez de forma mais avançada, em termos de mercado, relações de
produção, propriedade, preço, mercantilização da terra. É nessa medida,
quando a região Amazônica passa a ser mais ampla e fundamente
articulada com a economia do país, com o Estado nacional, é nessa medida
que também se reduz, ou mesmo esgota, mais um espaço de manobra do
bloco de poder. Torna-se cada vez mais problemático, para as classes
dominantes, continuar a jogar com segmentos do exército de trabalhadores
de reserva, deslocando-os do Nordeste para a Amazônia, ou do Nordeste
para o Centro-Sul, como têm feito há décadas. Enquanto a dialética região-
e-nação permitiu que as classes dominantes jogassem com setores do
exército de trabalhadores de reserva, enquanto isso, foi possível que as
estruturas repressivas e espoliativas pudessem ser mantidas, criadas e
recriadas no Nordeste e no Centro-Sul. Nos últimos anos, devido aos
próprios desenvolvimentos da economia, torna-se cada vez mais difícil
continuar a exportação de problemas sociais ou contradições estruturais, do
Nordeste: para o Centro-Sul, como por exemplo em 1956-1960, por
ocasião da criação da indústria automobilística, ou 1967-1973, por ocasião
da operação keynesiana conhecida como programa habitacional e urbano;
para o Planalto Central e a Amazônia, como durante a construção da cidade
de Brasília e da Rodovia Belém-Brasília, em 1956-1960, ou durante a
construção da Transamazônica e outras rodovias da geopolítica
governamental. Assim, enquanto se desenvolve a dialética região-e-nação,
por dentro do desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo na
cidade e no campo, parece cada vez mais esgotar-se uma fronteira de
manobra política da burguesia nacional e estrangeira, no sentido de
transferir, ou manipular, contradições estruturais que se desenvolvem,
recriam e agravam no Centro-Sul, no Nordeste e, pouco a pouco, também
na Amazônia. É nesse sentido que o Brasil, afinal, torna-se uma nação,
uma sociedade nacional. Pouco a pouco, o desenvolvimento das forças
produtivas e relações de produção impulsiona a unificação do mercado
nacional, da sociedade civil, das classes sociais. Nesse então, quando
podem estar se esgotando algumas margens de manobra política das classes
dominantes, estão se criando novas possibilidades de organização,
conscientização e atuação política das classes subalternas. Assim, também,
pouco a pouco, a cidade e o campo são um só.
Por dentro do processo de recrudescimento da contrarrevolução
burguesa, conforme ela ocorre desde 1964, quando o imperialismo penetra
funda e extensamente na sociedade brasileira, precisamente nessa época se
tornam agudas e visíveis as contradições entre as tendências mais
profundas da sociedade nacional e as exigências mais agressivas do
imperialismo. A grande burguesia e o grande capital impuseram-se, de
forma brutal, à sociedade brasileira, por intermédio da aliança de interesses
do imperialismo com as classes dominantes (e os seus associados) no
interior da sociedade brasileira. Sob vários aspectos, o golpe de 1964 e a
ditadura assinalam a força ideológica e prática (econômica, política,
militar, policial etc.) da doutrina da Guerra Fria posta em movimento pelos
governantes dos Estados Unidos desde 1946. Sob muitos aspectos, tem
sido bastante elevado o tributo que grande parte do povo brasileiro,
principalmente os operários e camponeses, tem sido obrigado a pagar à
Guerra Fria, à preeminência econômica, política, militar e policial dos
Estados Unidos na América Latina e no Caribe; salvo Cuba, desde 1959, e
a Nicarágua, desde 1979. Foram extensas e profundas a associação e a
cumplicidade desenvolvidas entre o imperialismo (estadunidense, alemão,
japonês) e a ditadura. Desde 1964, os interesses da grande burguesia
financeira e monopolista, as exigências do grande capital imperialista,
impuseram-se sob novas formas ao Estado e a largas partes da economia e
da sociedade no Brasil. A indústria do anticomunismo, a hipótese do Brasil
Potência, o milagre brasileiro, a promessa estadunidense de fazer do Brasil
o aliado preferencial na América do Sul, a transformação do Brasil em
trampolim de operações econômicas e políticas estadunidenses na África e
no Oriente Médio – são diversas as formas de associação e cumplicidade
da ditadura com o imperialismo. Ao mesmo tempo, no entanto, tornam-se
cada vez mais agudas e visíveis as contradições entre as tendências mais
profundas da sociedade nacional e as exigências do imperialismo.
Repolitiza-se a relação do povo brasileiro com o capital estrangeiro, as
multinacionais, a burguesia financeira estadunidense, alemã, japonesa e
outras. Recoloca-se a questão da sociedade nacional, quase como se o povo
brasileiro tivesse de lutar novamente por sua independência.
Na medida em que a ditadura parece ter desenvolvido o processo da
contrarrevolução burguesa no Brasil, precipitando o encerramento do seu
ciclo de realização, nessa medida a sociedade brasileira pode estar
ingressando em uma época de criação de forças democráticas novas e
renovadas, mais vigorosas do que as que se esboçaram ou floresceram em
tempos passados. Ao provocar o desenvolvimento do proletariado urbano e
rural e do campesinato; impulsionar a reocupação econômica de áreas e
regiões; favorecer a penetração do imperialismo; acelerar a concentração e
centralização do capital financeiro e monopolista; revelar a profunda
associação e cumplicidade entre o poder militar e o poder econômico; ao
precipitar, enfim, o desenvolvimento do processo histórico da
contrarrevolução burguesa no Brasil, por tudo isso pode-se imaginar que a
sociedade brasileira está ingressando em uma época de criação e recriação
de forças democráticas mais vigorosas do que as que se esboçaram ou
floresceram em tempos passados.
São muitas, multiplicadas, as atuações das classes subalternas, na cidade
e no campo, no sentido de questionar, combater, bloquear e destruir a
ditadura. Nas fábricas e bairros, nas fazendas e latifúndios, nos sindicatos
rurais e urbanos, em todos os lugares os operários urbanos, os operários
rurais e os camponeses, sozinhos e associados, entre si e com setores de
outras classes sociais, avançam na discussão, organização e luta pelas
liberdades democráticas. Em todos os lugares, crescem a luta, a
conscientização, a organização de operários e camponeses, sob todas as
suas formas. Todos aprenderam que o principal amigo do povo é o povo
organizado.
O povo, o trabalhador, o operário, o camponês começam por reconhecer
que a ditadura lhes incutiu a paralisia da repressão, do medo. Todos
começam por libertar-se do medo. É chegada a hora de “começarmos a
exigir das autoridades e dos empresários o direito de não termos medo”.258
Tem sido tão boçal e brutal a opressão, principalmente contra os operários
e camponeses, que esses precisaram começar por libertar-se do medo. Ao
mesmo tempo, trata-se de libertar-se da mistificação da indústria cultural
(rádio, televisão, futebol etc.) e burocratização da vida (inclusive o
sindicato) para fazer um caminho próprio, novo, renovado. “O povo
realmente participa, tem vontade de participar, precisa e quer participar. Só
que se pôs um monte de coisas em cima do povo para ele não ter tempo.
Pra nem conseguir pensar. Pra nem conseguir ver seus problemas”.259 Sob
várias formas, devagar ou de repente, o povo recomeçou a tecer os fios da
democracia construída de baixo para cima, sem tutelas, a partir da fábrica,
fazenda, sindicato, partido. São precisos muitos, operários e camponeses,
empregados e funcionários, intelectuais e estudantes, homens e mulheres,
negros, mulatos, índios, mestiços, brancos, católicos, protestantes,
umbandistas, muitos, assalariados da cidade e do campo, para tecer a
manhã da democracia. Em todos os lugares caminha a luta pela
democracia, pelas liberdades democráticas, pela reconquista de todos os
direitos que a ditadura usurpou do povo brasileiro desde 1964; e pela
conquista de direitos democráticos que nunca a burguesia permitiu que o
povo, principalmente a classe operária e o campesinato, conquistasse.
“Aqui vamos indo como sempre, encaminhando diversos trabalhos, quero
dizer em vários níveis: fábrica, bairro e sindicato. Os trabalhos sindicato e
fábrica caminham juntos [...]. No bairro vamos levando os debates de
legislação trabalhista e campanha da fraternidade, Trabalho e Justiça para
Todos”.260
A partir das suas condições reais de vida e trabalho, a partir da reflexão
cotidiana, que realiza sobre a superexploração a que se acha submetido, o
operário desenvolve, aperfeiçoa, a sua compreensão política das relações
de classes, das condições de alienação às quais se acha submetido.
Reconhece o papel do sindicato livre, por exemplo. “O sindicalismo
necessita de autonomia, para que realmente possa discutir as condições de
trabalho”. Pois que “o governo não tem nada a ver com isso”, isto é, deve
ser afastado, impedido de impor-se a essas condições. “Quem tem que
discutir as condições de trabalho é empregado e empregador”. O
fundamental seria “que realmente o sindicato pudesse ser representante dos
trabalhadores”.261 Em todos os lugares, no sindicato e na fábrica, na
vizinhança e no futebol, na família, amizade e trabalho, em todos os
lugares os operários aproximam-se uns dos outros, trocam experiências,
pensam os trabalhos e os dias. E ganham uma compreensão cada vez mais
clara, política e politizada, das suas condições de vida e trabalho.
Compreendem a importância da união, organização e liderança. Nas
comunidades de bairro, nas comissões de fábrica, nos sindicatos, nos
partidos, em todos os lugares. “Normalmente, há um líder: o que fala mais
e formou a equipe. É uma liderança que não é forte, porque o grupo não é
coeso”.262 “Eu acho que líder é aquela pessoa que nasce dentro da classe e
que tem condições de guiar seus liderados. A classe respeita esse líder”.263
É assim que a classe operária retoma, refaz e desenvolve a luta política pela
revolução democrática. Trata-se de um movimento de baixo para cima,
cada vez mais amplo e vigoroso, movimento esse no qual operários,
camponeses e a grande maioria do povo retomam, desenvolvem e
aprofundam a luta pela democracia. “Os trabalhadores se redescobriram
como único setor da sociedade capaz de propor uma transformação na
sociedade”.264 Além do mais, redescobriram politicamente o sentido e o
significado, a fisionomia e o movimento, do poder da burguesia, do Estado
burguês. “O governo usa as armas, é uma luta com armas, só que essas
armas estão do lado errado, estão nas mãos dos que protegem os interesses
do patrão, os que tentam esmagar a classe operária”.265
Todas as manifestações políticas de setores da classe operária – em São
Paulo e Belo Horizonte, em Porto Alegre e Manaus, na cidade e no campo,
em todos os lugares –, todas as manifestações políticas operárias mostram
que a ditadura está sendo combatida por uma nova classe operária. A
superexploração, em condições ditatoriais, sob forte repressão, também
acabou por ser mais uma condição econômica e política da formação,
desenvolvimento e amadurecimento da classe operária. “A classe
trabalhadora brasileira em nenhum momento apoiou o regime que estava
contra ela, e sua resistência não foi eliminada nem mesmo com a
devastação que aqueles que empalmaram o poder em 1964 promoveram
em seus sindicatos e em muitas de suas entidades representativas”.266 Ao
contrário, desde o primeiro instante a classe operária e o campesinato
compreenderam que a força e a brutalidade da ditadura orientaram-se
principalmente contra os trabalhadores, os produtores do lucro da
burguesia. Desde que se instalou, e devido aos seus desenvolvimentos, a
ditadura acabou por criar novas e renovadas condições para a socialização
política dos trabalhadores, operários, camponeses, empregados,
funcionários, intelectuais, estudantes e outros. “Foi o próprio autoritarismo
de todos estes anos, aliado à modernização capitalista da economia, que
criou essa nova força do movimento sindical, porque forjou o ‘novo
operário’, sem ter sido capaz de criar os canais para sua manifestação e
participação ‘institucionais’”.267 À margem das limitações da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), sempre “modernizadas” e reiteradas pelos
governos atrelados aos interesses da grande burguesia financeira e
monopolista, a classe operária desenvolve-se politicamente. Nos bairros,
nas fábricas e sindicatos, as comunidades de base, as comissões de fábrica,
as oposições sindicais criam as novas condições de organização e atuação,
de modo a favorecer o aparecimento de partidos de base operária e
conduzir, ou influenciar, decisivamente, as direções da revolução
democrática. Sob vários aspectos, a classe operária conquistou uma
posição política fundamental, por dentro da economia política da ditadura
militar – ditadura essa que pode significar a última fase do processo da
contrarrevolução burguesa que se desenvolve ao longo da história da
sociedade brasileira.
Ao longo da crise da ditadura, desde 1974, em escala cada vez mais
intensa e geral, amplos setores da população, na cidade e no campo,
juntam-se à luta da classe operária e do campesinato, pela democracia, por
uma revolução de baixo para cima; nos bairros, fábricas, sindicatos,
partidos; nas escolas, nas ruas, campos, construções. Em muitos lugares,
operários, trabalhadores rurais, empregados, funcionários, estudantes,
intelectuais, todos, cada um a seu modo, todos em conjunto, tecem a
revolução que destruirá a ditadura do capital.
Notas

1 - Coordenadora do Centro de Estudos Octavio Ianni e Professora


Associada da UERJ.

2 - Para a crítica desta tentativa espúria de passar uma borracha na


história recente do país e nos desmandos e crimes da ditadura brasileira,
escrevi uma contribuição à reflexão coletiva sobre a desconstrução da
memória em “Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964-1985): nada a
“devidamente comemorar”, apenas a repudiar”, disponível em
https://esquerdaonline.com.br/colunistas/elaine-behring/.

3 - Adoto a caracterização de civil-militar, considerando que as


organizações empresariais compõem a sociedade civil e que outros de seus
segmentos apoiaram o golpe de 1964, ainda que muitas organizações
operárias e populares compusessem um outro campo da mesma sociedade
civil, que ademais é o território par excellence da contradição de classes,
ainda que não exclusivamente.

4 - Quando escrevo essas linhas o Brasil se encontra perplexo diante de


80 tiros disparados pelo Exército Brasileiro, sobre um automóvel onde
estava uma família negra, no Rio de Janeiro, mais uma violenta expressão
do racismo estrutural, sendo que o Estado brasileiro vem tratando o caso
como um mero “incidente” segundo declaração pública (e inaceitável) do
ministro da Justiça.

5 - Refiro-me ao projeto autointitulado neodesenvolvimentista, no qual


num novo contexto, entre os anos de 2003-2015, se repôs sob nova direção
política a perspectiva da conciliação de classes, o Partido dos
Trabalhadores, e outros fundamentos.

6 - Octavio Ianni não faz referência mais precisa a esta categoria, que
marca o pensamento de Ruy Mauro Marini (1973), restando aqui um eixo
de investigação sobre seu entendimento deste debate. A categoria mais-
valia extraordinária também aparece, em geral, conectada à
superexploração.

7 - Para um acompanhamento destes desdobramentos, conferir alguns


textos do historiador Felipe Demier no site Esquerda On Line,
https://esquerdaonline.com.br/colunistas/felipe-demier/

8 - Ministério do Planejamento, Programa de ação econômica do


governo (1964-1966), com uma apresentação do ministro Roberto Campos,
Documentos Epea, n. 1, novembro de 1964, p. 13.

9 - Reforma administrativa, Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de


1967, Art. 7°.

10 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, in: Mário Henrique Simonsen e Roberto de Oliveira
Campos, A Nova Economia Política, José Olympio Editora, Rio de Janeiro,
1974, p. 47-78, citação das p. 51-52.

11 - Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, Programa


de Ação Econômica do governo (1964-1966), citado, p. 16.

12 - Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, op. cit., p,


13.

13 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, citado, p. 66.

14 - Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Diretrizes de


governo, julho de 1967, p. 14-16.

15 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, citado, p. 63-65.
16 - Ministério de Planejamento e Coordenação Econômica, Plano
Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, tomo I, v. 1, “Estrutura
geral e estratégia de desenvolvimento”, março de 1967, p. 11.

17 - Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Programa


Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970), Estudo Especial: A
industrialização brasileira: diagnóstico e perspectivas, Rio de Janeiro,
1969, p. 43.

18 - Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Programa


Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970), cit., p. 56.

19 - R. A. Amaral Vieira, Intervencionismo e autoritarismo no Brasil,


Difel, São Paulo, 1975, p. 106.

20 - João Paulo dos Reis Velloso, “O modelo brasileiro de


desenvolvimento”, trecho de conferência proferida pelo ministro do
Planejamento aos estagiários da Escola Superior de Guerra, no Rio de
Janeiro. Revista Paranaense de Desenvolvimento, n. 24, Curitiba, 1971, p.
7-16; citações das p. 10-16.

21 - Victor da Silva e Mircea Buescu, 10 anos de renovação econômica,


Apec, Rio de Janeiro, 1974, p. 44.

22 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, citado, p. 69-70.

23 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, citado, p. 69.

24 - República Federativa do Brasil, Projeto do II Plano Nacional de


Desenvolvimento, PND (1975-1979), Brasília, setembro de 1974, p. 39.

25 - República Federativa do Brasil, Projeto do II PND, citado, p. 119.


26 - República Federativa do Brasil, Projeto do II PND, citado, p. 15-20.
Consultar também: R. A. Amaral Vieira, Intervencionismo e autoritarismo
no Brasil, citado, p. 111-144.

27 - “Bases para a formulação do III PND”, publicado sob o título


“Planalto divulga esboço do novo PND”, Folha de S.Paulo, 22 de junho de
1979, p. 21.

28 - Ruy Miller Paiva, Salomão Schattan e Claus F. French de Freitas,


Setor agrícola do Brasil, Secretaria da Agricultura, São Paulo, 1973, p.
125.

29 - Consultar: Francisco de Oliveira, Elegia para uma Re(li)gião


(Sudene, Nordeste, Planejamento e Conflitos de Classes), Paz e Terra, Rio
de Janeiro, 1977; Maria de Nazareth Bandel Wanderley, Capital e
propriedade fundiária, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1978.

30 - Estudos da CNBB-CEP, Pastoral da Terra, Posse e Conflitos, 2ª ed.,


Edições Paulinas, São Paulo, 1977, esp. cap. 2.

31 - Gabriel Bolaffi, “Habitação e urbanismo: o problema e o falso


problema”, Ensaios de Opinião, n. 3, Rio de Janeiro, 1975, p. 73-83;
citação da p. 78. Também: Paulo de Tarso Venceslau, Reflexões sobre o
papel dos investimentos urbanos no padrão de acumulação de capital no
Brasil, Emplasa, São Paulo, 1979; Victor da Silva e Mircea Buescu, 10
anos de renovação econômica, Apec, Rio de Janeiro, 1974, p. 87-91.

32 - Ministério da Educação e Cultura, Reforma Universitária, Relatório


do Grupo de Trabalho, agosto, 1968, p. 20. Consultar também: Marcio
Moreira Alves, Beabá dos MEC-Usaid, Edições Gernasa, Rio de Janeiro,
1968.

33 - Consultar: I PBDCT; II PBDCT; Eduardo A. de Almeida Guimarães


e Ecila M. Ford, “Ciência e tecnologia nos planos de desenvolvimento:
1956/73”, Pesquisa e Planejamento, v. 5, n. 2, Rio de Janeiro, dez. de 1975,
p. 385-432.

34 - Werner Baer, A industrialização e o desenvolvimento econômico do


Brasil, 2ª edição revista e aumentada, Fundação Getúlio Vargas, Rio de
Janeiro, 1975, p. 237. A primeira edição dessa obra data de 1966.

35 - Werner Baer, A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico


do Brasil, op.cit., p. 278.

36 - Jorge Vianna Monteiro e Luiz Roberto Azevedo Cunha, “A


organização do planejamento econômico: o caso brasileiro”, Pesquisa e
Planejamento Econômico, v. 3, n. 4, Rio de Janeiro, dezembro de 1973, p.
1.045-1.064; citação da p. 1.052.

37 - Roberto de Mello Ramos, “Incentivos fiscais e financeiros à


empresa privada”, Ipea Boletim Econômico, n. 5/6, Brasília, 1974, p. 21-
32; citação da p. 22.

38 - Celso Lafer, O sistema político brasileiro, Editora Perspectiva, São


Paulo, 1975, p. 90-91.

39 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, citado, p. 50.

40 - Antônio Delfim Netto, Planejamento para o desenvolvimento


econômico, Livraria Editora Pioneira, São Paulo, 1966, p. 13-14.

41 - João Paulo dos Reis Velloso, Brasil: a solução positiva, Abril-Tec.


Editora, São Paulo, 1978, p. 46.

42 - Mário Henrique Simonsen, Brasil 2001, Apec Editora, Rio de


Janeiro, 1969, p. 190.
43 - Fernando Portela, “A luxuosa e amarga decadência de um
personagem que já foi dono do Brasil: o tecnocrata”, Jornal da Tarde, São
Paulo, 30 de junho de 1979, p. 4-5; citação da p. 4.

44 - Frederico Heller, “O papel de Simonsen na política econômica”, O


Estado de S. Paulo, São Paulo, 3 de julho de 1979, p. 34.

45 - Hélio Jaguaribe, “Brasil: estabilidade social pelo colonial


fascismo?”, publicado por Celso Furtado (coordenador), Brasil: tempos
modernos, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1968, p. 25-47; citação da p. 40.

46 - Celso Lafer, O sistema político brasileiro, Editora Perspectiva, São


Paulo, 1975, p. 90.

47 - Stefan H. Robock, O desenvolvimento brasileiro em debate,


prefácio de Antônio Delfim Netto, trad. de Leo Magarinos de Souza Leão,
Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1977, p. 234-235.

48 - Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, Programa


de ação econômica do governo 1964-1966, Documentos Epea, n. 1,
Brasília, 1964, p. 20.

49 - Carlos Geraldo Langoni, “Um panorama da moderna economia


brasileira”, Jornal do Brasil, “Livro”, Ano 3, n. 65, Rio de Janeiro, 7 de
dezembro de 1974.

50 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, in: Mário Henrique Simonsen e Roberto de Oliveira
Campos, A nova economia brasileira, Livraria José Olympio Editora, Rio
de Janeiro, 1974, p. 47-48; citação das p. 51-52.

51 - Werner Baer, A industrialização e o desenvolvimento econômico do


Brasil, 2ª edição revista e aumentada, Editora da Fundação Getúlio Vargas,
Rio de Janeiro, 1975, p. 251.
52 - Carlos von Doellinger e Leonardo C. Cavalcanti, Empresas
multinacionais na indústria brasileira, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1975, p.
33-34.

53 - Luciano G. Coutinho e Henri-Philipe Reichstul, “O setor produtivo


estatal e o ciclo”, in: Carlos Estevan Martins (organizador), Estado e
capitalismo no Brasil, Hucitec-Cebrap, São Paulo, 1977, p. 55-93; citação
da p. 73.

54 - Luciano G. Coutinho e Henri-Philipe Reichstul, op. cit., p. 76.

55 - Octavio Ianni, Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-


1970), 3ª edição, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979;
Carlos Estevan Martins (organizador) Estado e capitalismo no Brasil,
citado; Victor da Silva e Mircea Buescu, 10 anos de renovação econômica,
Apec Editora, Rio de Janeiro, 1974; Fernando A. Rezende da Silva,
Avaliação do setor público na economia brasileira, Ipea/Inpes, Rio de
Janeiro, 1972; Werner Baer, A industrialização e o desenvolvimento
econômico do Brasil, 2ª edição, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro,
1975.

56 - João Paulo dos Reis Velloso, Brasil: a solução positiva. Abril-Tec


Editora, São Paulo, 1977, p. 73-74.

57 - Luciano G. Coutinho e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, “O


desenvolvimento do capitalismo avançado e a reorganização da economia
mundial no pós-guerra”, Estudos Cebrap, n. 23, São Paulo, 1978, p. 5-31;
citação da p. 22.

58 - Wilson Suzigan, “As empresas do governo e o papel do Estado na


economia brasileira”, in: Fernando Rezende e outros, Aspectos da
participação do governo na economia, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1976, p.
77-134; citação da p. 102.
59 - Wilson Suzigan, “As empresas do governo e o papel do Estado na
economia brasileira”, citado, p. 104. Siglas adotadas: EG, Empresa do
Governo; EMN, Empresa Multinacional; EPN, Empresa Privada Nacional.
Em 1976, o patrimônio líquido distribuía-se do seguinte modo: estatais
52,2%, nacionais 27,7% e estrangeiras 20,1%; e o faturamento alcançava
24,3%, 37,4% e 38,3%, respectivamente. Conforme João Paulo dos Reis
Velloso, Brasil: a solução positiva, Abril-Tec Editora, São Paulo, 1978, p.
80-83.

60 - Eli Diniz e Renato Raul Boschi, Empresariado nacional e Estado


no Brasil, Forense – Universitária, Rio de Janeiro, 1978, p. 124-133.
Referências retiradas no cap. III, de autoria de Renato R. Boschi.

61 - Eli Diniz e Renato R. Boschi, op. cit., p. 134. Citação extraída do


cap. III, de autoria de Renato R. Boschi.

62 - “A monopoly game”, Newsweek, Nova Iorque, 18 de junho de 1979,


p. 47.

63 - “Joint-ventures desagradam”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 de


julho de 1979, p. 23. Registro de formulações do advogado Thomás
Fellsberg, presidente da Associação Brasileira de Leasing

64 - Duarte Pereira, L. Strauss e P. Araújo, “Novo recorde da dívida


externa: 50 bilhões de dólares”, Movimento, n. 225, São Paulo, 4 de
novembro de 1979, p. 12-13; citação da p. 13.

65 - Francisco de Oliveira, A economia da dependência imperfeita,


Edições Graal, Rio de Janeiro, 1977, p. 99.

66 - Francisco de Oliveira, A economia da dependência imperfeita,


citado, p. 103. Quanto à divisão da economia em departamentos e às
articulações desses, o mesmo autor esclarece: “Adotaremos, aqui, a
seguinte divisão: Departamento I, produtor de bens de capital ou, em
sentido lato, de bens de produção, pois inclui os chamados bens
intermediários, que são também capital constante; Departamento II,
produtor de bens de consumo para os trabalhadores, que estamos
chamando de bens de consumo não duráveis; e Departamento III, produtor
de bens de consumo para os capitalistas, que estamos chamando de bens de
consumo duráveis”. Conforme nota 1, p. 77.

67 - Maria da Conceição Tavares, Da substituição de importações ao


capitalismo financeiro (ensaios de economia brasileira), Zahar Editores,
Rio de Janeiro, 1972, p. 255 e 256. Consultar também Paul Singer, A crise
do “milagre”, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1976, esp. p. 112-119.

68 - Francisco de Oliveira, “Planejamento e poder: o enigma


transparente”, mimeo., Cebrap, São Paulo, 1978; Armando Boito Jr. e
Décio Saes, “Três teses equivocadas (a respeito de quem domina o Estado
brasileiro), Movimento, n. 198, São Paulo, 16 de abril de 1979, p. 6.
Francisco de Oliveira, A economia da dependência imperfeita, Edições
Graal, Rio de Janeiro, 1977; Luciano G. Coutinho e Luiz Gonzaga de
Mello Belluzzo, “O desenvolvimento do capitalismo avançado e a
reorganização da economia mundial no pós-guerra”, Estudos Cebrap, n.
23, São Paulo, 1978, p. 5-31.

69 - Wilson Suzigan e outros, Crescimento industrial no Brasil:


incentivos e desempenho recente, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1974, p. 11.

70 - Edmar L. Bacha e outros, Análise governamental de projetos de


investimento no Brasil: procedimentos e recomendações, 2ª edição,
Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1972, p. 74.

71 - Carlos Geraldo Langoni, A economia da transformação, Livraria


José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1975, p. 185. Consultar também
Carlos A. Afonso e Herbert de Souza, O Estado e o desenvolvimento
capitalista no Brasil, Editora paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977.

72 - Wilson Suzigan e outros, Crescimento industrial no Brasil:


incentivos e desempenho recente, citado, p. 205.
73 - Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, Programa
de ação econômica do governo 1964-1966, citado, p. 33.

74 - Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, op. cit., p.


34.

75 - Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, O


programa de ação e as reformas de base, 2 v., Documentos Epea, n. 3,
Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, dezembro de 1965, v. 11, p.
273.

76 - Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Diretrizes de


governo: programa estratégico de desenvolvimento, Brasília, julho de
1967, p. 112.

77 - República Federativa do Brasil, Projeto do II Plano Nacional de


Desenvolvimento – PND (1975-1979), Brasília, setembro de 1974, p. 119.

78 - “Governo não aceita a negociação coletiva”, O Estado de S.Paulo,


São Paulo, 3 de agosto de 1979, p. 28.

79 - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos


Socioeconômicos (Dieese), 10 anos de política salarial, 2ª edição, São
Paulo, 1976, p. 17-19. A 1ª edição desse trabalho é de 1975.

80 - Dieese, 10 anos de política salarial, citado, p. 93.

81 - Maria Hermínia Tavares de Almeida, “O sindicato no Brasil: novos


problemas, velhas estruturas”, Debate & Crítica, n. 6, São Paulo, 1975, p.
49-74; citação das p. 64-65.

82 - Roberto Santos, Leis sociais e custo da mão de obra no Brasil,


Edições LTR, São Paulo, 1973, p. 239-240.
83 - José Eduardo de Carvalho Pereira, Financiamento externo e
crescimento econômico no Brasil: 1966-1973, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro,
1974, p. 182.

84 - Dieese, 10 anos de política salarial, citado, p. 4-6. Em 1979, a


inflação está em franca aceleração. E os salários em esvaziamento. Diante
da crescente pressão dos operários, o governo decide estabelecer o reajuste
semestral dos salários. Mesmo assim, o poder aquisitivo desses continua a
cair. Em julho de 1980, a taxa de inflação correspondente aos últimos 12
meses alcançava mais de 100%.

85 - General Ernesto Geisel, Mensagem ao Congresso Nacional,


Brasília, 1975, p. 123-124.

86 - Falam os operários, Caderno n. 6, Centro de Estudos Noel Nutels,


Rio de Janeiro, 1978, p. 1-2.

87 - “Distúrbios causam morte em Belo Horizonte”, O Estado de


S.Paulo, São Paulo, 31 de julho de 1979, p. 20.

88 - Marechal Castello Branco, discurso pronunciado em Ipatinga,


Minas Gerais, no dia 1º de maio de 1965, publicação do Departamento de
Imprensa Nacional. Conforme Argelina C. Figueiredo, “Intervenções
sindicais e o novo sindicalismo”, Dados n. 17, Rio de Janeiro, 1978, p.
135-155; citação extraída da p. 138.

89 - Marechal Arthur da Costa e Silva, Mensagem ao Congresso


Nacional, Brasília, 1968, p. 116-117.

90 - Argelina C. Figueiredo, op. cit., p. 138.

91 - Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins, O Estado e a


burocratização do sindicato no Brasil, Editora Hucitec, São Paulo, 1979, p.
117.
92 - Roberto Santos, Leis sociais e custo de mão de obra no Brasil,
Edições LTR, São Paulo, 1973, p. 232-433.

93 - Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins, O Estado e a


burocratização do sindicato no Brasil, Editora Hucitec, São Paulo, 1979, p.
119-120.

94 - Art. 1º do Decreto-Lei n. 1.632, de 4 de agosto de 1978.

95 - O Estado de S.Paulo, São Paulo, 15 de agosto de 1979, p. 29

96 - Folha de S.Paulo, São Paulo, 15 de agosto de 1979, p. 20.

97 - Wanderley J. M. de Almeida e José Chautard, FGTS: Uma política


de bem-estar social, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1976, p. 31.

98 - Wanderley J. M. de Almeida e José Luiz Chautard, op. cit., p. 34.

99 - Vicente Dianezi Filho, “Rotatividade, desemprego e redução


salarial”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 22 de julho de 1979, p. 39

100 - Victor da Silva e Mircea Buescu, 10 anos de renovação


econômica. Aspec Editora, Rio de Janeiro, 1974, p, 79.

101 - Victor da Silva e Mircea Buescu, op. cit., p. 82. Consultar também:
Vera Lucia B. Ferrante, FGTS: ideologia e repressão, Editora Ática, São
Paulo, 1978.

102 - Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Operários e políticos (estudo sobre


os trabalhadores de construção civil em Brasília), mimeo, Universidade de
Brasília, 1978, p. 142.

103 - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos


Socioeconômicos (Dieese), 10 anos de política salarial. 2ª edição, São
Paulo, 1976, p. 57-67. A 1ª edição desse trabalho data de 1975.

104 - Walter Leser, “Crescimento da população e nível de saúde na


cidade de São Paulo”, Problemas Brasileiros, n. 134, São Paulo, 1974, p.
16-36.

105 - Luiz Roberto Serrano e Dirceu Brisola, “Aumentando a velocidade


das máquinas”, Opinião, n. 57, Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1973, p.
3.

106 - Murilo Carvalho e outros, “Não, não é campo de concentração”,


Movimento, n. 181, São Paulo, 18 a 24 de dezembro de 1978, p. 12-16;
citação da p. 13.

107 - Maria Hermínia Tavares de Almeida, “O sindicato no Brasil:


novos problemas, velhas estruturas”, Debate & Crítica, n. 6, São Paulo,
1975, p. 49-74; citação das p. 67-68.

108 - Carlos von Doellinger e Leonardo C. Cavalcanti, Empresas


multinacionais na indústria brasileira, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1975, p.
68.

109 - Antonio Delfim Netto, “Importância da agricultura para a


inflação”. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 19 de agosto de 1979, p. 58.

110 - Fiesp-Ciesp, Análise da interdependência entre a agricultura e a


indústria, Serviço de Publicações Fiesp-Ciesp, São Paulo, 1973, p. 45.
Fiesp: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; Ciesp: Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo.

111 - Fiesp-Ciesp, Análise da interdependência entre a agricultura e a


indústria, citado, p. 14-16.
112 - José de Souza Martins, Capitalismo e tradicionalismo, Livraria
Pioneira Editora, São Paulo, 1975, p. 60-61.

113 - Fiesp-Ciesp, Análise da interdependência entre a agricultura e a


indústria, citado, p. 45.

114 - Itaboraí Martins, “Mão de obra, um drama cada vez maior na


construção civil”, O Estado de S.Paulo, São Paulo, 11 de setembro de
1973, p. 29.

115 - Geraldo Müller, Penetração das empresas transnacionais nos


complexos agroindustriais de pecuária de carne, pecuária de leite, cereais,
oleaginosas e fumo, mimeo., Cebrap, São Paulo, 1979. Geraldo Muller,
Estado, estrutura agrária e população, Vozes-Cebrap, Petrópolis, 1980.
Plinio Sampaio, Capital estrangeiro e agricultura no Brasil, Vozes-Cebrap,
Petrópolis, 1980.

116 - José de Arimatéa Rodrigues, “O papel da agricultura no processo


de desenvolvimento e as políticas governamentais para o setor agrícola”,
Revista de administração pública, v. 12, n. 3, Rio de Janeiro, 1978, p 9-37;
citação da p. 36.

117 - Centro de Estudos Agrícolas, Agropecuária (Preços médios e


índices de: arrendamentos, vendas de terras, salários e serviços, 1966 a
1978), Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1979, p. 93.

118 - “Greve começa a paralisar usinas de cana em Pernambuco”, Jornal


do Brasil, Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1979, p. 8.

119 - Vinicius Caldeira Brant, População e força de trabalho no


desenvolvimento da agricultura brasileira, mimeo., Cebrap, São Paulo,
1979, p. 67.

120 - José Francisco Graziano da Silva e José Gracia Gasques,


Diagnóstico inicial do volante em São Paulo, Unesp, Botucatu, 1976, p.
11.

121 - “Peões vivem a rotina do medo no Araguaia”, O Estado de


S.Paulo, São Paulo, 9 de março de 1973. Conforme transcrição em
Reforma agrária, ano IV, n. 1-2, Brasília, 1974, p. 7-10.

122 - Ruy Miller Paiva, “Os baixos níveis de renda e de salários na


agricultura brasileira”, conforme Claudio R. Contador (org.), Tecnologia e
desenvolvimento agrícola, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1975, p. 195-231;
citação da p. 202.

123 - Conjuntura econômica, v. 33, n. 7, Fundação Getúlio Vargas, Rio


de Janeiro, 1979, p. 73.

124 - Centro de Estudos Agrícolas, Agropecuária, citado, p. 87.

125 - Ruy Miller Paiva, “Os baixos níveis de renda e de salários na


agricultura brasileira”, in: Claudio R. Contador (org.), Tecnologia e
desenvolvimento agrícola, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1975, p. 195-231;
citação das p. 204-205.

126 - Paulo Cavalcanti, O caso eu conto como o caso foi: da Coluna


Prestes à queda de Arraes (Memórias), Editora Alfa-Omega, São Paulo,
1978, p. 401 e 403.

127 - Fernando Portela, Guerra de guerrilhas no Brasil, Global Editora,


São Paulo, 1979. Palmeira Doria, Sergio Buarque, V. Carelli e J. Sautchut,
A guerrilha do Araguaia, Editora Alfa-Omega, São Paulo, 1978; Clovis
Moura (apresentação), Diário da guerrilha do Araguaia, Editora Alfa-
Omega, São Paulo, 1979.

128 - Murilo Carvalho, “A guerra camponesa de Trombas de Formoso”,


Movimento, n. 164, São Paulo, 21 de agosto 1978, p. 7-9.
129 - José F. Graziano da Silva (coordenador), Estrutura agrária e
produção de subsistência na agricultura brasileira, Editora Hucitec, São
Paulo, 1978, p. 230-231.

130 - Otávio Guilherme Velho, Frente de expansão e estrutura agrária,


Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1972; Octavio Ianni, Colonização e
contrarreforma agrária na Amazônia, Editora Vozes, Petrópolis, 1979;
George Martine, Migrações internas e alternativas de fixação produtiva:
experiências recentes de colonização no Brasil, mimeo., Brasília, 1978.

131 - José Vicente Tavares dos Santos, Colonos do vinho, Hucitec, São
Paulo, 1978, p. 95, 129 e 132. Consultar também: Lilia M. Ribeiro de
Lima, Notas para o estudo da expansão do capitalismo em Santa Cruz,
mimeo., Cebrap, São Paulo, 1976.

132 - José F. Graziano da Silva (coordenador), Estrutura agrária e


produção de subsistência na agricultura brasileira, Editora Hucitec, São
Paulo, 1978, p.230.

133 - José F. Graziano da Silva e Oriowaldo Queda, “Distribuição da


renda e posse da terra na produção e consumo de alimentos”, in: Jaime
Pinsky (org.) Capital e trabalho no campo, Editora Hucitec, São Paulo,
1977, p. 127-146; citação da p. 140.

134 - José F. Graziano da Silva (coordenador), Estrutura agrária e


produção de subsistência na agricultura brasileira, Editora Hucitec, São
Paulo, 1978, p. 250.

135 - Fernando Portela, Guerra de guerrilhas no Brasil, Global Editora,


São Paulo, 1979; Murilo Carvalho, “A guerra camponesa de Trombas do
Formoso”, Movimento, n. 164, São Paulo, 21 de agosto de 1978, p. 7-9;
Lúcio Flávio Pinto, Amazônia: o anteato da destruição, 2ª edição, Grafisa,
Belém, 1977; Otávio Guilherme Velho, Frentes de expansão e estrutura
agrária, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1972; José de Souza Martins,
Expropriação & violência, Editora Hucitec, São Paulo, 1980.
136 - Vinicius Caldeira Brant, População e força de trabalho no
desenvolvimento da agricultura brasileira, mimeo., Cebrap, São Paulo,
1979, p. 70.

137 - Paulo Cavalcanti, O caso eu conto como o caso foi (da Coluna
Prestes à queda de Arraes), Editora Alfa-Omega, São Paulo, 1978, p. 401-
403. Consultar também: Inquérito Policial-Militar n. 709, O comunismo no
Brasil, 4 v. Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1967, 4º, p. 378-
393; Amélia Cohn, Crise regional e planejamento, Editora Perspectiva,
São Paulo, 1976; Francisco de Oliveira, Elegia para uma re(li)gião,
Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977; Antonio Callado, Os Industriais
da seca e os Galileus de Pernambuco, Editora Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, 1960; José Arlindo Soares, Lutas sociais em Pernambuco na
conjuntura nacional populista 1956-1964, mimeo., Recife, 1979; Francisco
Julião, Que são as Ligas Camponesas?, Editora Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, 1962.

138 - Aluísio Alves, citado por Manoel Correia de Andrade, A terra e o


homem no nordeste, Editora Brasiliense, São Paulo, 1963, p. 241-242.

139 - Sudene “Projetos. apresentados ao governo da República Federal


Alemã”, Sudene – boletim econômico, v. 1, n. 1, Recife, 1962, p. 9-135,
citação das p. 11-12.

140 - Miguel Arraes, Palavra de Arraes, Editora Civilização Brasileira,


Rio de Janeiro, 1965, p. 101-102.

141 - Francisco de Oliveira, Elegia para uma Re(li)gião, Editora Paz e


Terra, Rio de Janeiro, 1977, p. 97.

142 - Gregório Bezerra, entrevista ao Pasquim, n. 500, Rio de Janeiro,


26 de janeiro de 1979, p. 10-21; citação da p. 20.

143 - Gregório Bezerra, Memórias, 2 partes, Editora Civilização


Brasileira, Rio de Janeiro, 1979, 2ª parte, p. 176.
144 - Miguel Arraes, na declaração registrada em “Arraes: não há
subversão, apenas a fome de milhares de famílias”, Folha de S.Paulo, São
Paulo, 24 de maio de 1963, p. 5.

145 - General Emilio Garrastazu Médici, “Médici alerta para o drama do


Nordeste”, discurso proferido em Recife, a 6 de junho de 1970. Transcrito
por Alberto Tamer, Transamazônica, solução para 2001, Apec, Rio de
Janeiro, 1970, p. 249-253.

146 - General Médici, op. cit., p. 249-250.

147 - Otávio Guilherme Velho, Frentes de expansão e estrutura agrária,


Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1972; Lúcio Flávio Pinto, Amazônia: no
rastro do saque, Editora Hucitec, São Paulo, 1980; Dennis J. Mahar,
Desenvolvimento econômico da Amazônia, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro,
1978; José de Souza Martins, Expropriação & violência, Editora Hucitec,
São Paulo, 1980.

148 - Antonio Octavio Cintra, “A política tradicional brasileira: uma


interpretação das relações entre o centro e a periferia”, in: Jorge Balan,
Centro e periferia no desenvolvimento brasileiro, Difusão Europeia do
Livro, São Paulo, 1974, p. 29-77; citação das p. 67 e 72.

149 - George F. Patrick, Desenvolvimento agrícola do Nordeste,


Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1972, p. 35.

150 - George F. Patrick, op. cit., p. 159.

151 - Ruy Miller Paiva, “Os baixos níveis de renda e de salários na


agricultura brasileira”, Cláudio A. Contador (org.), Tecnologia e
desenvolvimento agrícola, Ipea/Inpe, Rio de Janeiro, 1975, p. 202-203.

152 - Geneton Moraes Neto, “Fome, desespero. É a seca, é o Nordeste”,


O Estado de S.Paulo, São Paulo, 29 de abril de 1979, p. 36.
153 - Geneton Moraes Neto, op. cit., p. 36. Em 1980, certas áreas da
região nordestina de novo são atingidas pela seca, e os mesmos problemas
ressurgem.

154 - Celso Furtado, “Para o Nordeste, quinze anos perdidos”, Folha de


S.Paulo, São Paulo, 27 de maio de 1979, p. 38.

155 - Manuel Figueroa, O problema agrário do Nordeste do Brasil,


Hucitec; Sudene, São Paulo-Recife, 1977, p. 68-69.

156 - “Greve começa a paralisar usinas de cana em Pernambuco”, Jornal


do Brasil, Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1979, p. 8. Em 1980, voltam as
greves dos canavieiros. “Polícia dispersa com violência reunião de
trabalhadores em PE”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 de setembro de
1980, p. 14.

157 - General João Baptista Figueiredo, discurso proferido em Recife,


transcrito em “No Nordeste, miséria choca Figueiredo”, O Estado de
S.Paulo, São Paulo, 19 de outubro de 1979, p. 26.

158 - Ricardo Ribeiro de Carvalho, “As viagens do presidente”, Jornal


da República, São Paulo, 19 de outubro de 1979, p. 5.

159 - Diálogo do general Figueiredo com José e Maria, operários da


cana. Conforme Ricardo Ribeiro de Carvalho, “As viagens do presidente”,
Jornal da República, São Paulo, 19 de outubro de 1979, p. 5.

160 - Cid Sampaio, citado por Villas-Boas Corrêa, “Arraes em


Pernambuco”, Isto É, n. 142, São Paulo, 12 de setembro de 1979, p. 16-17.

161 - Villas-Boas Corrêa, op. cit., p. 17.

162 - Gilberto Freyre, “Norte, Nordeste e Sul na formação brasileira”,


Problemas brasileiros, ano XIV, n. 153, São Paulo, maio de 1976, p. 9-14;
citação da p. 13.

163 - Miguel Arraes, em entrevista a J. B. Natali, “Arraes quer união da


oposição” Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 de novembro de 1978, p. 12.

164 - Armando D. Mendes, “O anúncio de uma nova Amazônia”,


publicado por José Marcelino Monteiro da Costa (org.) Amazônia:
desenvolvimento e ocupação, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1979, p. 9-36;
citação das p. 17-19: Consultar também: Armando D. Mendes, Jean
Hebette, Edna M. Ramos Castro e Roberto da Costa Ferreira, A invenção
da Amazônia, mimeo., Belém, 1974; Armando D. Mendes, Instrumentos
para invenção da Amazônia. Cadernos Naea, n. 5, Belém, 1978.

165 - José Marcelino Monteiro da Costa, “Amazônia: recursos naturais,


tecnologia e desenvolvimento”, publicado por José Marcelino Monteiro da
Costa (org.), Amazônia: desenvolvimento e ocupação, citado, p. 37-88;
citação das p. 55 e 57.

166 - General-de-Brigada Lauro Alves Pinto, comandante do


Grupamento de Elementos de Fronteira, GEF, Fator de integração na
Amazônia, apresentação de Arthur Cézar Ferreira Reis, editado pelo
governo do Estado do Amazonas, Manaus, 1966, p. 9.

167 - General Lauro Alves Pinto, comandante do colégio militar, “A


participação das Forças Armadas na ocupação da Amazônia”, publicado
por general Afonso Augusto de Albuquerque Lima e outros, Problemática
da Amazônia, Editora da Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro,
1969, p. 245-259; citação da p. 259.

168 - General Carlos de Meira Mattos, A geopolítica e as projeções do


poder, prefácio de Luis Viana Filho, Livraria José Olympio Editora, Rio de
Janeiro, 1977, p. 109-110.

169 - Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Diretrizes de


governo: programa estratégico de desenvolvimento, Brasília, junho, 1967,
p. 138.

170 - República Federativa do Brasil, Projeto do II Plano Nacional de


Desenvolvimento, PND, (1975-1979), Brasília, 1974, p. 52.

171 - Lúcio Flávio Pinto, Amazônia (O anteato da destruição), 2ª


edição, Grafisa, Belém, 1977, p. 19.

172 - Roberto Santos, “Sistema de propriedade e relações de trabalho no


meio rural paraense”, publicado por José Marcelino Monteiro da Costa
(org.) Amazônia: desenvolvimento e ocupação, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro,
1979, p. 103-140; citação da p. 107.

173 - José Alberto Magno de Carvalho e outros, “Migrações internas na


Amazônia”, publicado por José Marcelino Monteiro da Costa (org.),
Amazônia: desenvolvimento e ocupação, citado, p. 193-243; citação das p.
242-243.

174 - Dennis J. Mahar, Desenvolvimento econômico da Amazônia,


Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1978, p. 41.

175 - Lúcio Flávio Pinto, Amazônia, citado, p. 19.

176 - Lúcio Flávio Pinto, Amazônia, citado, p. 23

177 - Dennis J. Mahar, Desenvolvimento econômico da Amazônia,


citado, p. 38.

178 - J. F. Graziano da Silva (coordenador), Estrutura agrária e


produção de subsistência na agricultura brasileira, Editora Hucitec, São
Paulo, 1978, p.47.

179 - Nélio Lima, “Agravam-se lutas entre posseiros e jagunços no


Pará”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 4 de novembro de 1979, p. 7.
180 - Paulo Fontenelles, “Estamos à beira de um massacre”, depoimento
a Murilo Carvalho, Movimento, n. 224, São Paulo, 21 de outubro de 1979,
p. 12-13; citação da p. 12.

181 - José de Souza Martins, “Terra e liberdade: a luta dos posseiros na


Amazônia Legal”, Plural, n. 4, São Paulo, 1979, p. 39-50; citação das p.
48-49. Consultar também, do mesmo autor: Expropriação & violência,
Editora Hucitec, São Paulo, 1980.

182 - Consultar: Fernando A. Rezende da Silva, Avaliação do setor


público na economia brasileira (estrutura funcional da despesa)
Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1972; Fernando Rezende, Jorge V. Monteiro,
Wilson Suzigan, Dionísio Carneiro e Flavio P. Castelo Branco, Aspectos da
participação do governo na economia, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro, 1976;
Edmar Lisboa Bacha, Aloisio B. Araújo, Milton da Mata e Rui L.
Modenesi, Análise governamental de projetos de investimentos no Brasil
(procedimentos e recomendações), 2ª edição, Ipea/Inpes, Rio de Janeiro,
1972; Werner Baer, A industrialização e o desenvolvimento econômico do
Brasil, 2ª edição revista e aumentada, Fundação Getúlio Vargas, Rio de
Janeiro, 1975; Francisco de Oliveira, Planejamento e poder, mimeo., 30ª
Reunião Anual da SBPC, São Paulo, julho de 1978.

183 - Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de 1964.

184 - Wanderley Guilherme dos Santos, Poder & política, crônica do


autoritarismo brasileiro, Forense-Universitária, Rio de Janeiro, 1978, p.
80-81.

185 - Roberto de Oliveira Campos, “A experiência brasileira de


planejamento”, in: Mário Henrique Simonsen e Roberto de Oliveira
Campos, A nova economia brasileira, Livraria José Olympio Editora, Rio
de Janeiro, 1974, p. 47-78; citação das p. 51-52.

186 - “A Lei Orgânica da Magistratura”, O Estado de S.Paulo, São


Paulo, 3 de julho de 1979, p. 21.
187 - “A Lei Orgânica da Magistratura”, citado. Consultar também Hélio
Bicudo, “A justiça piorada”, Movimento, n. 204, São Paulo, 28 de maio de
1979, p. 7.

188 - Olga Curado, “Informação, a comunidade fechada”, O Estado de


S.Paulo, São Paulo, 10 de junho de 1979, p. 12.

189 - “O SNI no contra-ataque”, Veja, n. 505, São Paulo, 17 de maio de


1978, p. 44-56; citação da p. 47.

190 - “O SNI no contra-ataque”, citado, p. 49.

191 - “O SNI no contra-ataque”, citado, p. 49.

192 - “Pires: Exército perdeu 300 em guerrilhas”, O Estado de S.Paulo.


São Paulo, 27 de junho de 1979, p. 6.

193 - “Intervenção, sempre que a segurança correr risco”, O Estado de


S.Paulo, São Paulo, 27 de junho de 1979, p. 6.

194 - Fernando Gabeira, Carta sobre a anistia, Codecri, Rio de Janeiro,


1979, p. 33.

195 - Fernando Gabeira, op. cit., p. 39-40. Consultar também Antônio


Carlos Fon, Tortura, A História da Repressão Política no Brasil. Comitê
Brasileiro pela Anistia, São Paulo, 1979.

196 - Decreto n. 1.077, de 26 de janeiro de 1970.

197 - “As diretrizes da Secom”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 27 de


maio de 1979, p. 14.

198 - Clarence W. Hall, “A nação que se salvou a si mesma”, Seleções


do Reader’s Digest, Rio de Janeiro, novembro de 1964, p. 93-120, citação
das p. 97-98.

199 - General José Luiz Torres Marques, “Comunistas tentam


confundir”, publicado em “General denuncia: a subversão voltou a agir”, O
Estado de S.Paulo, São Paulo, 28 de novembro de 1979, p. 6.

200 - General Breno Borges Fortes, “O Brasil e a segurança


continental”, Hora Presente, ano VI, n. 15, São Paulo, 1974, p. 213-218;
citação da p. 216.

201 - Evandro Paranaguá, “Um plano contra a imprensa alternativa” e


“A íntegra do documento”, O Estado de S.Paulo, São Paulo, 18 de abril de
1979, p. 14. Consultar também Fernando Morais, As pressões do governo
brasileiro contra a imprensa independente, mimeo., Conselho Parlamentar
de Defesa dos Direitos Humanos, São Paulo, 1979.

202 - Manoel Gonçalves Ferreira Filho, A reconstrução da democracia,


Ed. Saraiva, São Paulo, 1979, p. 100-102. Consultar também general
Augusto Fragoso, “Legislação de Segurança Nacional”, Segurança e
desenvolvimento, ano XXIV, n. 162, Rio de Janeiro, 1975, p. 49-85.

203 - Ministro do Supremo Tribunal Militar (STM), almirante Júlio de


Sá Bierrenbach, “Bierrenbach isenta ex-ministro de culpa”, Folha de
S.Paulo, São Paulo, 7 de outubro de 1979, p. 10.

204 - Otávio Gonzaga Júnior, Secretário de segurança pública,


desembargador, em entrevista a Carlos Alberto Luppi, “A Polícia não pode
dar beijinhos”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 10 de setembro de 1979, p.
10.

205 - Consultar J. M. de Aguiar Barros, “A utilização político-ideológica


da delinquência”, Encontros com a Civilização Brasileira, n. 20, Rio de
Janeiro, 1979, p. 11-19; Edmundo Campos Coelho, “A criminalização da
marginalidade e a marginalização da criminalidade”, Revista de
administração pública, v. 12, n. 2, Rio de Janeiro, 1978, p. 139-161.
206 - Lei de Segurança Nacional, Decreto-Lei n. 898, de 29 de setembro
de 1969.

207 - Ricardo Carvalho, “Auditoria pode decidir esta semana sobre


Galdino”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 de janeiro de 1979, p. 5.

208 - Ricardo Carvalho, “O caso Galdino”, Cadernos de Opinião, n. 14,


Rio de Janeiro, 1979, p. 17-22; citação da p. 17.

209 - José de Souza Martins, “Linguagem sertaneja”, Folhetim, n. 104,


São Paulo, p. 5.

210 - Dizeres do cartaz carregado por um operário durante o enterro de


Santo Dias da Silva, no dia 31 de outubro de 1979, em São Paulo.

211 - Michel Debrun, “Pensar, pensamos. Mas...”, Folhetim, n. 142, São


Paulo, 7 de outubro de 1979, p. 5-6; citação da p. 5.

212 - Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e Justiça, Editora


Campus, Rio de Janeiro, 1979, p. 100-101.

213 - Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e Justiça, citado, p.


123.

214 - Luís Flávio Rainho, Os peões do grande ABC, Editora Vozes,


Petrópolis, 1980. Octavio Ianni, O ABC da classe operária, Editora
Hucitec, São Paulo, 1980.

215 - Carlos Benedito de Campos Martins, A empresa cultural no Brasil


(Um estudo de caso sobre o ensino superior privatizado), mimeo. São
Paulo, 1979. Tese de mestrado apresentada na PUC, em São Paulo.

216 - Secretário da Segurança Pública e Desembargador Octavio


Gonzaga Júnior, em entrevista a Carlos Alberto Luppi, “A polícia não pode
dar beijinhos”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 10 de setembro de 1979, p.
10.

217 - Simon Schawartzman, “A estrutura da sociedade”, O Estado de


S.Paulo, São Paulo, 15 de junho de 1979, p. 2.

218 - Coronel Toledo Camargo, porta-voz do Palácio do Planalto,


conforme transcrição feita em “Camargo: O povo não está apto para a
democracia plena”, O Estado de S.Paulo, São Paulo, 26 de novembro de
1977, p. 4.

219 - General Argus Lima, “Argus Lima: Direitos emanam do Estado”,


O Estado de S.Paulo, São Paulo, 11 de setembro de 1976, p. 14. Consultar
também Getúlio Bittencourt, “Situação é transitória”, Folha de S.Paulo,
São Paulo, 3 de julho de 1977, p. 5.

220 - Murilo Macedo, Ministro do Trabalho, “Ministro do Trabalho ou


do Capital?”, Jornal da República, São Paulo, 29 de agosto de 1979, p. 1.

221 - Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e justiça, Editora


Campus, Rio de Janeiro, 1979, p. 105.

222 - Wanderley Guilherme dos Santos, Em defesa do “Laissez-faire”,


mimeo., edição Cedec-Cebrap-OAB, São Paulo, 1979, p, 49.

223 - Wanderley Guilherme dos Santos, Em defesa do “Laissez-faire”,


citado, p. 50.

224 - Carlos Chagas, “A rendição das massas”, O Estado de S.Paulo,


São’ Paulo, 29 de novembro de 1979, p. 2.

225 - Geraldo Vandré, “Disparada”, 1966.


226 - Geraldo Vandré, “Para não dizer que não falei de flores”
(“Caminhando...”), 1968.

227 - Raduan Nassar, Lavoura Arcaica, romance, Livraria José Olympio


Editora, Rio de Janeiro, 1975, p. 154, 155-156 e 163.

228 - Chico Buarque e Ruy Guerra, Calabar, 3ª edição, Editora


Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1974, p. 88.

229 - Gianfrancesco Guarnieri, Ponto de partida, fábula em um ato, com


música de Sérgio Ricardo, Editora Brasiliense, São Paulo, 1976, p. 64-65.

230 - Desemb. Antonio de Arruda, prof. Tarcísio Meirelles Padilha, cel.


Ferdinando de Carvalho, proc. Danton Pinheiro de Andrade Figueira,
Política nacional (conceitos fundamentais), Editora Franciscana, São
Paulo, 1971, p. 19

231 - Desemb. Antonio de Arruda e outros, Política nacional, citado, p.


19. Também sobre essa compreensão do Estado brasileiro consultar Revista
brasileira de estudos políticos, n. 21, Número Especial sobre Segurança
Nacional, Belo Horizonte, julho de 1966; José Alfredo Amaral Gurgel,
Segurança e democracia, 2ª edição, Livraria José Olympio Editora, Rio de
Janeiro, 1976; ten.-cel. Enjobas José de Castro Camargo, Estudo de
problemas brasileiros, Biblioteca do Exército-Editora, Rio de Janeiro,
1979.

232 - Desemb. Antonio de Arruda e outros, Política nacional, citado, p.


23

233 - Fábio Konder Comparato, Segurança e democracia, mimeo.,


edição Cedec-Cebrap, São Paulo, 1979, p. 28-29.

234 - Carlos Chagas, “A crise e a mentalidade”, O Estado de S.Paulo,


São Paulo, 6 de dezembro de 1979, p. 2.
235 - “Pires diz que ninguém vai incendiar o país”, O Estado de S.Paulo,
São Paulo, 31 de agosto de 1979, p. 5.

236 - Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968.

237 - Fábio Konder Comparato, Segurança e democracia, citado, p. 28.

238 - Walder Góes, “Militares ocupam 1/3 dos cargos federais”, O


Estado de S.Paulo, São Paulo, 25 de novembro de 1979, p. 18-19, citação
da p. 18.

239 - Paul Singer, Evolução da estrutura social brasileira: 1950 a 1976,


mimeo., Cebrap. São Paulo, 1979, p. 25.

240 - Paul Singer, Evolução da estrutura social brasileira: 1950 a 1976,


citado, p. 26

241 - Carlos Chagas, “Governo, sistema e Forças Armadas”, O Estado


de S.Paulo, São Paulo, 27 de outubro de 1977, p. 2.

242 - Carlos Chagas, “Governo, sistema e Forças Armadas”, O Estado


de S.Paulo, São Paulo, 27 de outubro de 1977, p. 2.

243 - Ronald M. Schrieider, The Political System of Brazil, Columbia


University Press, Nova Iorque, 1971, p. 333-334. Consultar também
Walder Góes, “Militares ocupam 1/3 dos cargos federais”, O Estado de
S.Paulo, 25 de novembro de 1979, p. 18-19; Walder Góes, O Brasil do
general Geisel, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1978; Eliezer R. de
Oliveira, As Forças Armadas: política e ideologia no Brasil (1964-1969),
Editora Vozes, Petrópolis, 1976; Philipe C. Schmitter, “The Portugalization
of Brazil?”, publicado por Alfred Stepan (org.), Authoritarian Brazil, Vale
University Press, New Haven, 1976, cap. 6.
244 - Caio Prado Jr., A revolução brasileira, Editora Brasiliense, São
Paulo, 1966, p. 20-21.

245 - Assis Tavares, “Causas da derrocada de 1º de abril de 1964”,


Revista Civilização Brasileira, n. 8, Rio de Janeiro, 1966, p. 9-33; citação
da p. 24.

246 - Gregório Bezerra, entrevista ao Pasquim, n. 500, Rio de Janeiro,


26 de janeiro de 1979, p. 10-21; citação da p. 20.

247 - Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil, Zahar


Editores, Rio de Janeiro, 1975, p. 304.

248 - A propósito dos anos iniciais da ditadura, em 1964-1968, consultar


Carlos Castelo Branco, Os militares no poder, 2 vols., Editora Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1976 e 1977.

249 - General-de-divisão Alacyr Frederico Werner, conforme transcrição


feita em “General alerta para ação de comunistas”, O Estado de S.Paulo,
São Paulo, 18 de dezembro de 1979, p. 5.

250 - General João Baptista Figueiredo, “Quero uma democracia real”,


O Estado de S.Paulo, São Paulo, 22 de dezembro de 1979, p. 5.

251 - Eloy Dutra, Ibad, Sigla da corrupção, Editora Civilização


Brasileira, Rio de Janeiro, 1963; Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(Ipes), O governo e a empresa privada no processo de desenvolvimento,
São Paulo, 1964; “As sombras do Ibad”, Veja, n. 445, São Paulo, 1977, p.
3-6; Hermano Alves, “O mapa da mina”, Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 20 de novembro de 1964, p. 6.

252 - Rafael Noschese, discurso, “Instalado na Fiesp o Grupo


Permanente de Mobilização Industrial”, O Estado de S.Paulo, São Paulo,
1º de maio de 1964, p. 24. Consultar também “Brasil vende armas”, Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1979, p. 18; José Casado, “O
Brasil vai à guerra”, Coojornal, n. 45, Porto Alegre, setembro de 1979.

253 - Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil, Zahar


Editores, Rio de Janeiro, 1975, p. 301-302.

254 - Carlos Nelson Coutinho, “A democracia como valor universal”,


Encontros com a Civilização Brasileira, n. 9, Rio de Janeiro, 1979, p. 33-
47, citação da p, 41.

255 - Michel Debrun, “Pensar, pensamos. Mas...” , Folhetim, n. 142, São


Paulo, 7 de outubro de 1979, p. 5-6; citação da p. 5.

256 - Braz José de Araújo, “Mudanças na estrutura social brasileira”,


publicado por J. A. Guilhon Albuquerque, Classes médias e política no
Brasil, Paz e Terra, Rio, 1977, p. 83-114.

257 - Najar Tubino, “Um novo tipo: o gaúcho-retirante”, Coojornal, n.


30, Porto Alegre, julho de 1978, p. 7-8.

258 - Luiz Inácio da Silva, Lula, “Seis mil na posse de Luiz Inácio”,
Folha de S.Paulo, São Paulo, 22 de abril de 1978, p. 1.

259 - Depoimento de uma representante de uma comunidade de base da


periferia de São Paulo, no debate sobre “Democracia e participação
popular”, realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia 20 de
junho de 1977. Conforme Nazira Abid Oliveira Vargas, Mudança social:
terá o povo seu jeito próprio de fazer as coisas... , mimeo., São Paulo,
1977.

260 - Santo Dias da Silva, carta a Paulo, datada de São Paulo, 6 de


março de 1978. O operário Santo, metalúrgico e líder da oposição sindical,
foi assassinado no dia 30 de outubro de 1979, quando participava de um
piquete de greve, em frente da fábrica Sylvania, em Santo Amaro, na área
da grande São Paulo.
261 - Declarações de um dirigente sindical, registradas por Luís Flavio
Rainho, Os peões do grande ABC, mimeo., São Paulo, 1978, p. 238-239;
Editora Vozes, Petrópolis, 1980.

262 - Declaração de operário, registrada por Celso Frederico, A


vanguarda operária, Edições Símbolo, São Paulo, 1979, p. 142.

263 - Declaração de dirigente sindical, registrada por Luís Flavio


Rainho, Os peões do grande ABC, citado, p. 246.

264 - Luiz Inácio da Silva, líder operário metalúrgico, em “Nada


mudaria sem nossa participação”, ABCD Jornal, n. 50 São Bernardo do
Campo, dezembro de 1979, p. 7.

265 - Ana Maria do Carmo e Silva, mulher do operário metalúrgico


assassinado pela repressão ditatorial no dia 30 de outubro de 1979, em
“Não vitória sem sangue”, Movimento, São Paulo, 11 de novembro de
1979.

266 - Marcelo Gato, “Considerações sobre a questão sindical e


democracia”, Temas de Ciências Humanas, n. 5, São Paulo, 1979, p. 125-
148; citação da p. 129.

267 - Luiz Werneck Vianna, “A democracia começa na fábrica”,


Folhetim, n. 142, São Paulo, 7 de outubro de 1979, p. 14.
Table of Contents
Nota Editorial
Apresentação: Octavio Ianni e a Ditadura do Grande Capital
Prefácio
Primeira Parte: A Grande Burguesia
1. Planejamento e Dominação
2. A Tecnocracia Estatal
3. As Formas do Capital
4. Capital Imperialista
Segunda Parte: A Classe Operária e o Campesinato
5. A Política Salarial
6. A Repressão da Classe Operária
7. Mais-Valia Extraordinária
8. A Proletarização no Campo
9. A Expropriação do Trabalhador Rural
Terceira Parte: A Questão Regional
10. A Reconquista do Nordeste
11. A Geopolítica da Amazônia
Quarta Parte: A Sociedade e o Cidadão
12. O Aparelho de Poder
13. A Criminalização da Sociedade Civil
14. O Estado Fascista
Quinta Parte: A Crise
15. Ditadura e Contrarrevolução
16. Lutas Populares
17. Contradições de Classes e Democracia
Notas

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