SABERES DOCENTES DO PROFESSOR DE HISTÓRIA MOBILIZADOS NO
COTIDIANO DA SALA DE AULA
Julierme Antonio dos Santos
Mestre em educação cultura e identidades – UFRPE/FUNDAJ
Mestrando do Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória/UFPE
Secretária de Educação de Pernambuco – SEE/PE
[email protected]Resumo: Nosso interesse parte do problema de como professores de história mobilizam
os saberes da formação e da experiência para mediar a relação entre ensino e
aprendizagem? Tendo como objeto os saberes docentes mobilizados no cotidiano da
sala de aula, pretende ser um estudo no campo do ensino da história, no qual os sujeitos
da pesquisa são os professores de história. Assim, nosso objeto de estudo são os saberes
docentes do professor de história. Nosso objetivo principal é analisar como professores
de história mobilizam os saberes da formação e da experiência no cotidiano da sala de
aula. Para responder a esse objetivo pretendemos identificar e analisar as concepções de
"saber docente" do professor de história; identificar as concepções de "saber da
experiência" do professor de história e analisar como estas se expressam no cotidiano da
sala de aula. Nosso trabalho parte de uma abordagem qualitativa, associado a uma
pesquisa exploratória baseada no procedimento de levantamento bibliográfico,
oferecendo assim, subsídios teóricos para alcançar o objetivo de refletir sobre os saberes
docente do professor de história.
Palavras chave: Ensino de história, professor História, saberes docentes,
1. INTRODUÇÃO
Sabemos os desafios na construção de uma agenda emancipadora em educação
escolar, principalmente em relação ao professor de história, no qual a tarefa se mostra
árdua, pois a disciplina história é atribuída um peso maior nas narrativas que envolve o
debate sobre ensino da disciplina (LAVILLE, 1999). Assim objetivamos em um
primeiro momento, identificar e analisar as concepções de "saber docente" do professor
de história do Ensino Médio; nessa seção, pretendemos desenvolver um conteúdo
teórico sobre os saberes docentes e o profissional professor de história, bem como os
saberes necessários à prática docente do professor de história.
Assim, os saberes docentes do professor de história mobilizados no cotidiano da
sala de aula devem ser pensados em uma concepção ampla, composta pela ação
educativa, pelo processo pedagógico, amparada em valores éticos e estéticos,
compreendendo as múltiplas linguagens, e a valorização e respeito à diversidade.
2. SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO PROFESSOR
DE HISTÓRIA
2.1 - Saberes docentes e formação profissional
O que é um saber? O que significa ser docente? E como nós formamos docente?
Estas questões acompanham o debate acadêmico sobre educação no Brasil desde
meados dos anos 80 do século passado e aprofundou-se nesse início de século, mas,
chegamos neste ano ainda necessitando aprofundar mais esse debate. Houve um
aumento substancial na produção cientifica sobre os saberes docentes, uma ampliação
de estudos que procuram localizar as características singulares da ação docente na sala
de aula.
O novo referencial para a formação de professores reconhece que o docente é
um profissional; que a natureza do seu trabalho é definida em função do
entendimento de que o professor atua com e nas relações humanas; que a
gestão da sala de aula, tarefa que é de sua responsabilidade por excelência,
exige o confronto com situações complexas e singulares, cuja solução nem
sempre é dada a priori, mas que requerem soluções imediatas; que o futuro
professor precisa dominar certas competências e saberes para agir individual
e/ou coletivamente, a fim de fazer face às especificidades de seu trabalho.
(BORGES; TARDIF, 2001, p. 14-15).
A ideia acima descrita exemplifica conceitualmente o sentido de pensar os
saberes docentes, é inegável que o aumento dos estudos na área veio acompanhando as
políticas educacionais gerenciais, ou seja, com o progressivo aumento de ações políticas
nas escolas a partir da década de 80, que tinham como princípio o gerencialismo
oriundo das empresas privadas, fez surgir uma base de estudos sobre saberes docente e
que foi aumentando gradativamente.
Essa reflexão está atrelada como exemplo aos termos empregados pelos autores:
profissional, natureza do trabalho, relações humanas, gestão de sala de aula, são ideias
gerenciais que se articulam com a ideia de saberes docentes, saberes necessários para o
professor exercer sua profissão. Ademais, cabe perceber que nesse novo universo
gerencial que se desenhava a escola, se fez necessário também pensar “um repertório de
conhecimentos validos pela pesquisa” (BORGES; TARDIF, 2001, p. 13) possibilitando
sustentar, garantir e legitimar a ação docente cotidiana.
Na atualidade, além de ser um conteúdo para legitimar e garantir a atividade do
professor. Trabalhar saberes docentes é uma questão de afirmação política em favor da
educação, vejamos o caso do “Escola sem partido”, um movimento de forte teor
reacionário que atingiu diretamente a educação e em especial a disciplina de história,
acusada de promover “a alienação da juventude nas ideias comunistas”. Acontece que o
maior argumento desse movimento é afirmar uma ausência de limites legais e teóricos
para o professor, ou seja, segundo eles o professor fala o que quer e da maneira que quer
na sala de aula.
Todavia, esse argumento não se sustenta porque na seara da educação temos
inúmeras leis para determinar e orientar a ação docente a exemplo da CF--88, da LDB-
96, do PNE – 2014/2020 e recentemente da BNCC. Além disso, temos um vasto
referencial teórico sobre ser professor e os requisitos da profissão como bem aponta
(BORGES; TARDIF, 2001). Assim, analisar os saberes docentes é reforçar os
requisitos, a legitimidade de ser professor. É uma ação política, uma “politicidade da
educação” acompanhando Freire (2014; 2005).
O professor de história guarda uma relação profunda com o que ensina, como
bem esclarece Monteiro (2001), na relação em que o professor é um mediador do
conhecimento para o estudante, sempre há algo a aprender. Para nós, os saberes
docentes do professor de história mobilizados no cotidiano da sala de aula devem estar
atrelados aos saberes necessários para facilitar o que Carretero e Chevallard chamam de
“transposição didática”, transpor o conteúdo acadêmico para a sala de aula, como
também ressignificar a pratica docente. O que implica ir além do conhecimento
acadêmico.
Monteiro sintetizando o campo de estudo sobre saberes docente, define a partir
de vários autores a compreensão do conceito. Segundo a autora, os saberes docentes
“constituindo-se em um amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da
formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência”
(MONTEIRO, 2001, p. 130). Afirmação que dialoga com os textos de Tardif, no qual
afirma que:
O saber docente se compõem, na verdade, de vários saberes provenientes de
diferentes fontes [...] embora os seus saberes (saberes dos professores)
ocupem uma posição estratégica entre os saberes sociais, o corpo docente é
desvalorizado em relação aos saberes que possui e transmite (TARDIF, 2014,
p 33 grifos nossos).
As características apontadas por Monteiro (2001) são importantes, e exigem de
nós uma breve analise para contextualizar nosso estudo. Quando pensamos no saber
docente como plural, multiplicidade de contribuições para o saber do professor,
tradicionalmente a formação docente congrega conhecimentos das ciências humanas, da
pedagogia e da área de origem. A pluralidade de ideias, concepções pedagógicas, de
epistemologia formativa está na base do ser professor.
Estratégico no sentido que, a educação escolar como conhecemos tem origem na
modernidade, posicionou a educação formal como um lugar central de construção dos
valores sociais modernos. Hoje, quando localizamos a educação como um caminho
para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, é estratégica a função do saber
docente, no sentido de ter a possibilidade de promover mudanças sociais profundas.
Quando falamos que o saber docente é desvalorizado aqui temos dois caminhos.
O primeiro faz referência a desvalorização político-social que tem a educação, os
problemas estruturais que acompanham a história da educação no Brasil. O segundo
viés é em relação a desvalorização acadêmica, guardada as devidas ressalvas, há certa
dificuldade nas universidades em compreender os saberes docentes como constitutivos
de singularidades, o que demanda conhecimento específicos tanto da formação
acadêmica, como também da experiência, e o conteúdo produzido não pode ser
desprezado.
Logo, vamos analisar nas linhas que se seguem, os saberes necessários ao
exercício da prática docente, tema chave quando se estuda os saberes necessários a
formação do professor de história.
2.2 Saberes necessários ao exercício da prática docente
De acordo com Borges e Tardif (2001) em apenas algumas décadas a academia
viu se formar um campo de pesquisas sobre os saberes docentes que extrapola as
fronteiras disciplinares, revelando-se como “objeto de investimentos multi e
transdisciplinares” (p.12). Por isso indagamos: quais são os saberes necessários à
formação do professor de história? – Essa mentalidade construída no mundo positivista
no qual a praticidade é um elemento chave e, como consequência, é comum a fala de
professores revelar a “ausência” de uma definição objetiva, prática sobre os saberes
necessários a formação docente.
Precisamos compreender que definições práticas têm vantagens e sua principal
função é organizar as ideias. Assim, para organizar nossas ideias a respeito dos saberes
docentes considerados essenciais à atuação do professor de história recorremos aos
estudos de Tardif (2014; 2014a; 2000); Freire (2014; 2005), entre outros pensadores
dessa questão tão relevante para a educação e em especial para a disciplina escolar
história.
Pensador importante quando analisamos os saberes do professor é Paulo Freire.
Sua pedagogia sua teologia da libertação centrada no estudante, mas que provoca o
docente a refletir sobre sua prática, a pensar como se constitui como professor e quais
elementos profissionais e de vida estamos levando para a sala de aula.
O trabalho de Freire (2005) é substancialmente destinado a concepção de práxis
política, a ação educativa como instrumento político em favor dos marginalizados.
Assim, os saberes docentes, os conhecimentos necessários para a pessoa se tornar
professor devem ser direcionados para a emancipação dos menos favorecidos. O saber
docente dentro de uma perspectiva freiriana deve compreender a incompletude do ser
humano.
Incompletude é a palavra-chave. Os saberes são instrumentos, meios,
conhecimentos adquiridos pela pessoa que deseja ser professor. Essa construção é
naturalmente incompleta, a cada momento da vida pessoal e profissional do sujeito ele
se constrói como docente. Se admitimos ser um sujeito incompleto o professor estará
aberto a novas experiências de aprendizagem.
Essa incompletude dentro da seara da história pode exemplificar as novas
narrativas históricas que a cada momento estão disponíveis. Se aprendemos um tema em
história de uma forma, possivelmente na atualidade há inúmeras narrativas para esse
mesmo tema. Um professor que se acha acabado, completo em sua formação corre o
risco de desconsiderar outras visões sobre o momento histórico.
A incompletude do ser humano é a chave da pedagogia da autonomia de Freire
(2014; 2005), uma pedagogia humanizadora cujo principal objetivo é a construção de
uma consciência histórica do sujeito presente no mundo. E qual a agenda eminente em
ensino de história na atualidade? Justamente a o desenvolvimento de meios para
despertar de uma consciência histórica mais complexa pelos estudantes.
Quando Freire (2014; 2005) provoca a nossa capacidade crítica como professor,
ao afirmar que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatiazados pelo mundo” (2005, p. 78), está justamente chamando a
atenção do docente para as múltiplas possibilidades em promover os processos de
ensino e de aprendizagem.
Quando abordamos as ligações subjetivas humanizadas entre os sujeitos,
compreendemos que a história é vida. História é a vivência humana passada que
permitiu o acumulo cultural, que é contado por diferentes narrativas. História é humana,
então a educação tem que se tornar humana (FREIRE, 2005), a compreensão da
humanidade do estudante, como sujeito com um passado é um saber necessário ao
exercício da profissão docente.
Ainda na perspectiva freiriana temos a experiência como uma construção da
reflexão sobre a prática, uma formação permanente do docente, “não se pode pensar em
mudar a cara da escola, não se pode pensar em ajudar a escola a ir ficando séria,
rigorosa, competente e alegre sem pensar na formação permanente” (FREIRE, 1995, p.
38).
Para o Freire a educação é um ato político, lecionar história é um ato político,
exigindo do professor posições firmes acerca de sua profissão, principalmente se o
docente segue o princípio de uma reflexão sobre a pratica que se pretende superar a
contradição opressor e oprimido (FREIRE, 2005).
Como salientamos, é na prática que a pedagogia freiriana se define, é o lugar da
construção, modelagem, renovação e invenção dos saberes docentes. E um elemento
que deve ser destacado nessa rede de construção do professor é a curiosidade, “quando a
prática é tomada como curiosidade, então essa prática vai despertar horizontes de
possibilidades” (FREIRE, NOGUEIRA, 1993, p.40). O que é a história sem a
curiosidade? A chave para lecionar e aprender história é a curiosidade sobre o passado
humano.
Ser historiador é ser curioso sobre a vida humana e estar atento à forma como
narramos essa curiosidade. Freire nos alerta sobre nós intelectuais, a necessidade da
curiosidade para superar as dificuldades.
Se tu, intelectual, discutes bem nesse processo, então tomas nas mãos o
conteúdo que esteve vestido pelas dificuldades. Despes o conteúdo através do
discutir possibilidades e superar dificuldades (FREIRE, NOGUEIRA, 1993,
p. 41).
Os saberes da docência como aponta Arroyo, disputam espaço no currículo, este
como um território de conflito, prevalece nos documentos oficiais uma percepção de
mundo distinta da vivência que os professores experimentam no cotidiano. “Os
currículos acumulam muitos saberes, mas sabem pouco dos adultos que os ensinam e
menos ainda das crianças, adolescentes e jovens que os aprendem” (ARROYO, 2013, p.
71).
Como exemplo, temos a construção do texto da BNCC, um documento
indicativo e norteador dos temas e objetivos a serem trabalhados pelo professor de
história. Porém, sua construção material e teórica pouco representa as vivências da
escola1, é um documento moldado na racionalidade tecnocrática, amparado pelas
pedagogias de gerenciamento que desde a década de 80 vem ganhado espaço na seara
da educação (GIROUX, 1997, p. 160), restando aos professores apenas o papel de
implementação.
No meio de tantas competências sofisticadas ensinadas e aprendidas pode ser
oxigenante dedicar tempo conhecendo o quanto foi produzido e acumulado
pelos professores, sobre a função, a condição e o trabalho docente. Trazer
1
http://www.anped.org.br/content/anped-e-bncc-luta-resistencia-e-negacao
tantas histórias e narrativas de vida e de luta de mestres pelos direitos do
trabalho. (ARROYO, 2013, p. 71).
Direito a valorização de seu conhecimento produzido ao longo de sua história.
As narrativas dos professores de história sobre suas atividades devem ser objeto de
estudo, assim colocamos em destaque elementos reais da sala de aula, desconsiderados
em muitos currículos oficiais. Como apresenta Giroux os professores devem ser
apresentados como intelectuais transformadores, que incorporam uma dimensão
política, “tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico” (GIROUX,
1997, p163)
A dimensão política pedagógica está nas palavras de Arroyo, que destaca a
necessidade e o direito de refletir sobre sua formação, sobre sua função e sobre as
condições materialmente difíceis em que se desenvolve a relação entre ensino e
aprendizagem nas escolas. Em relação ao professor de história, a dimensão política é
essência da disciplina, as narrativas sobre o passado contadas pelo docente representam
um recorte epistemológico e político.
Arroyo (2013, p 72) posiciona o conhecimento da função social da educação, a
história de vida do professor e a história de vida dos estudantes como saberes
necessários a prática docente. Segundo o autor, o domínio desses conhecimentos é o
caminho para tornar a escola mais humana, no que Freire denomina de “pedagogia
humanizadora” (FREIRE, 2005, p. 63). Como professor de história, cotidianamente
estamos preocupados em contar narrativas diversas vivenciadas pela humanidade ao
longo do tempo e, em muitos momentos, não conseguimos perceber a singularidade das
narrativas de vida de nossos estudantes.
Reproduzimos conteúdos diversos e não contextualizamos com a vida dos
estudantes, Arroyo (2013) e Freire (2014; 2005), quando pensam a pedagogia
humanizadora, é justamente para que o docente se aproxime da realidade dos
estudantes, da comunidade em que a escola se encontra, ou seja, que haja o
reconhecimento do protagonismo juvenil como sujeitos de vivências e histórias.
Em um momento político atual do Brasil, essa aproximação do professor de
história com as histórias do presente é essencial, para que possamos evitar a difusão de
discursos de ódio, que tendem a renascer. Há naturalmente estudantes que aceitaram
essas narrativas, a questão é porque acreditam nesses discursos? Talvez, nós professores
de história estejamos tão distantes da realidade das crianças e jovens que ensinamos,
que não percebamos os motivos sociais que levam a defenderem posições
questionáveis, todavia continuamos a teorizar o tempo constantemente na sala de aula.
Pensar sobre os saberes docentes do professor de história mobilizados no
cotidiano da sala de aula é refletir também sobre a necessidade de o docente conhecer-se
para construir um relacionamento mais humano no ambiente escolar. E nessa
perspectiva de construção de um ambiente escolar mais humano, nos apropriarmos
também dos escritos de Tardif (2014; 2014a; 2000), um referencial obrigatório para
quem caminha nos estudos sobre saberes docentes.
Segundo Tardif (2014; 2014a; 2000), apesar de posição estratégica dos
professores, há uma desvalorização dos saberes docentes. A racionalidade moderna
cientifica conferiu centralidade do conhecimento às universidades, enquanto que os
saberes produzidos no ambiente escolar, que também tem origem na racionalidade
moderna, foram posicionados como meros conhecimentos para atingir o que a
comunidade científica reconhecia como conteúdos e métodos científicos.
Porém, o conhecimento cientifico produzido nas universidades advém de
questões da realidade diária do ambiente escolar, os saberes docentes são objeto de
pesquisas acadêmicas, relegar sua importância equiparando-os a meros instrumentos de
transmissão do conhecimento é retroceder no estudo da educação. São conhecimentos
distintos, mas ligados simbioticamente, dois polos complementares e inseparáveis.
Todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação; e, quanto
mais um saber é desenvolvido, formalizado, sistematizado, como acontece
com as ciências e os saberes contemporâneos, mais se revela longo e
complexo o processo de aprendizagem que exige, por sua vez, uma
formalização e uma sistematização adequadas. (TARDIF, LESSARD,
LAHAYE, 1991, p 218).
Tardif et al apresentam uma pesquisa que se propôs a estudar os saberes
docentes. Segundo os autores, o “saber docente se compõe na verdade de vários saberes
provenientes de diferentes fontes”. (TARDIF, LESSARD, LAHAYE,1991, p 216).
Esses saberes, de acordo com Tardif (2014) dos saberes docente. são os saberes
da formação profissional, aqueles apreendidos na universidade, compreendem as
ciências da educação e a pedagogia, dos quais "o professor e o ensino constituem
objetos de saber para as ciências humanas e para as ciências da educação" (p. 36); os
saberes das disciplinares, que correspondem aos conteúdos das áreas do conhecimento,
disciplinas que "emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de
saberes" (p. 38); os saberes curriculares, ou seja, os conteúdos escolhidos para serem
ensinados, e que "apresentam-se concretamente sob a forma de programas escolares"
(p.38); e os saberes da experiência, que segundo o autor:
Pode-se chamar de saberes experienciais o conjunto de saberes atualizados,
adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente e que não
provêm das instituições de formação nem dos currículos. Estes saberes não se
encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes práticos (e
não da prática: eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas
se integram a ela e dela são partes constituintes enquanto prática docente).
(TARDIF, 2014, p. 48-49).
Os saberes disciplinares correspondem aos conteúdos epistemológicos dos
vários campos do saber, no nosso caso, o conteúdo historicamente produzido pelo
homem. Como pondera Seffner, “de modo sucinto, os saberes da disciplina compõem-
se dos conhecimentos, teorias, métodos, conceitos, autores e tradições de uma
determinada disciplina. Em nosso caso, os saberes da disciplina são os conteúdos de
História” (2010, p 214).
Já, os saberes da formação profissional, o qual se refere aos saberes necessários
para trabalhar com esse conteúdo histórico e as formas, meios e instrumentos possíveis
de utilizar para fazer com que esse conteúdo chegue aos estudantes. Sintetizadas na
ciência da educação e na pedagogia. Para Tardif, Lessard, Lahaye, saberes da formação
profissional é “o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de
professores” (1991, p. 219).
Cabe mencionar que os saberes da formação profissional têm como
característica a forte presença de conhecimentos produzidos nas universidades, são
saberes selecionados e compartilhados pelas instituições universitárias por meio da
formação inicial e continuada.
O outro saber que consideremos em nosso texto é a saber da experiência, que
segundo Tardif os professores “no exercício de sua função e na prática de sua profissão,
desenvolvem saberes específicos, fundados em seu trabalho cotidiano e no
conhecimento de seu meio” (TARDIF, LESSARD, LAHAYE, 1991, p 220). São
saberes singulares, construídos no chão da escola a partir das múltiplas vivências
cotidianas dos docentes e que merecem destaque em nossos escritos.
Desse ponto de vista, em educação, a profissionalização pode ser definida,
em grande parte, como uma tentativa de reformular e renovar os fundamentos
epistemológicos do ofício de professor e de educador, assim como da
formação para o magistério. (TARDIF, 2000, p. 07/08)
Como parte do movimento de profissionalização, os saberes docentes são a
busca de organicidade e de construção dos fundamentos epistemológicos da profissão
docente.
2.3 Quais os elementos do saber docente do professor de história?
Iniciamos essa seção com uma provocação para pesarmos as singularidades que
envolvem o ensino da história. O debate sobre saberes docentes, como salientamos
anteriormente, avançou significativamente, todavia, esse avanço se concentra em maior
quantidade na seara da “educação”. Ou seja, os principais estudos são frutos de pós-
graduação em educação ou de autores ligados a ao campo mais pedagógico do ensino,
como Tardif (2014; 2014a; 2000) e Freire (2014; 2005). Logo, o que pretendemos em
um breve texto é aproximar esse conhecimento geral e amplo para a área da história.
Batista Neto amparado também nos estudos de Tardif, denomina os saberes
disciplinares como aqueles que “dizem respeito aos diversos campos do conhecimento
historicamente produzidos, que se encontram delimitados e institucionalmente
organizados” (2006, p. 02). Ou seja, são os conhecimentos específicos de cada área do
conhecimento, que foram selecionados, organizados e definidos como saberes
essenciais daquela área do conhecimento humano. Definição que retorna a nossa
provocação, há elementos do saber docente do professor de história que são diferentes
dos saberes para outras áreas?
Refletindo sobre características singulares do ensino da história destacamos: a
problematização, a contextualização, a percepção múltipla da realidade humana, a
empatia e a Interdisciplinaridade. Não queremos esgotar essa lista, podemos acrescentar
outras capacidades necessárias à construção dos saberes do professor de história,
todavia nos concentramos nessas opções e as justificativas.
Problematização, podemos afirmar que é a base da atividade daqueles que
escolheram a área da história como atividade profissional, nossa maior função é dar
caráter de problema aqueles vestígios, como também colocar em questão muitos fatos
presentes. Um bom professor, também é um sujeito que compreende bem a importância
de colocar dúvidas e questionamentos. A ideia da problematização, na atualidade
ganhou novos elementos com a perspectiva da utilização de diferentes linguagens no
ensino da história, como filmes, fotografia, cordel, entre outros. Como pondera
Azevedo:
A simples incorporação de diferentes linguagens não representa inovação nas
práticas pedagógicas. Seu uso deve estar associado a uma metodologia de
ensino que tome por base a problematização do conhecimento. Dessa forma,
pensamos tais linguagens como um caminho para a aprendizagem do
conhecimento histórico apoiado no exercício da observação, leitura,
interpretação, comparação, escrita e mesmo expressão criativa dos alunos,
tudo, sem dúvida, bem orientado pelo professor, detentor, nesse sentido,
também, de saberes das ciências da educação ou saberes profissionais
(AZEVEDO, 2015, p 187)
Contextualização a capacidade de analisar e compreender o contexto de
ocorrência dos fatos, ou seja, o docente em história compreende os fatos além das
narrativas oficiais. É nossa função como historiadores, ao nos depararmos com vestígios
do passado, procurar localizar esse fragmento no caminho histórico da humanidade, ou
seja, contextualizarmos o vestígio em sua época determinada.
Ademais, bem sabemos que necessitamos ter uma percepção múltipla da
realidade humana, a capacidade de perceber as várias realidades da vivência humana,
existem múltiplas narrativas sobre um mesmo fato, o que permite afirmar existirem
múltiplas realidades, a depender de quem observa. Como professores de história, cabe a
nós, percebermos essas narrativas e, na medida do possível, proporcionar aos nossos
estudantes um entendimento dessas múltiplas realidades, como também termos o
cuidado para não ficar apenas em uma e considerá-la como a única existente.
Situação que exige do professor de história empatia, a capacidade de se projetar
na realidade do outro. Na construção da consciência histórica a empatia é um elemento
essencial, ela é um movimento necessário que o historiador deve ter em se projetar na
realidade estudada, com o objetivo de compreender melhor aquele universo,
possibilitando a mediação de conteúdo para os estudantes com menores equívocos.
O que exige de nós interdisciplinaridade, a história como área do saber por
natureza é interdisciplinar, o estudo e o ensino da história congregam elementos de
outros campos do saber. “A postura interdisciplinar envolve uma determinada forma de
conceber e se relacionar com o conhecimento socialmente produzido” (FONSECA,
2003, p 106). Ou seja, se consegue vivenciar as intensas relações entre as pessoas, entre
as pessoas e a cultura humana construída ao longo da história.
Se tomarmos como exemplo a civilização grega, fazemos uso da linguagem para
contar a história, os elementos artísticos deixados servem como fontes, conteúdo, a
matemática explica a cronologia ou mesmo os aspectos arquitetônicos das construções
gregas, a geografia permite localizar a civilização e sua expansão territorial entre outras
possibilidades. Ou seja, o ensino da história por natureza é multi e interdisciplinar.
Essa breve analise provocativa sobre os elementos do saber docente do professor
de história que são diferentes dos saberes para outras áreas, não se esgota. Nosso texto é
apenas um curto momento de estudo sobre essa temática.
3. CONCLUSÃO
Uma das perspectivas para o ensino de história atual é superar o descompasso
entre o conhecimento histórico produzido na academia e o conhecimento histórico
escolar. Seffner (2010) traz esse debate para um local pequeno na perspectiva de um
espaço físico, porém torna-se gigantesco, em uma perspectiva social. No caso, o espaço
em questão é a sala de uma. O local no qual o professor de história media a consciência
histórica, no qual articula “o passado com as orientações do presente e com as
determinações do sentido com as quais o agir humano organiza suas intenções e
expectativas no fluxo do tempo” (ABUD, 2005, p 28). Conceito ministrado por meio de
aulas.
A sala de aula é um local privilegiado de produção do conhecimento, como
construção física e social singular, a academia deve se nutrir desse ambiente, pois, é ela
que forma os professores. Por isso, deve assumir que a grande maioria dos recém-
formados em história vão atuar na educação, e permitir que o curso de graduação em
história se aproxime da educação e da pedagogia, ou seja, que o haja na pratica uma
relação entre os saberes curriculares, que são os conteúdos epistemológicos da
disciplina. Como também os saberes da formação profissional, os conteúdos da ciência
da educação e a pedagogia.
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