Caderno – Teoria Geral do Direito Privado I (Prof.
João Alberto Del Nero)
Por Marina Gualandi Murad, 188-12
Introdução
- O sistema jurídico está pautado na proteção da pessoa humana e na produção e circulação
de bens e mercadorias. Nesse sentido, as ideias centrais do direito civil referem-se à
personalidade, ao patrimônio e às relações jurídicas.
- A personalidade corresponde à manifestação da dignidade humana e de seus atributos
pessoais e essenciais. De titularidade natural dos seres humanos, ela também é atribuída a
entes artificiais que tomam parte em relações jurídicas (pessoas jurídicas).
- Por ser natural, a personalidade das pessoas naturais é concedida ao nascimento com vida; a
das pessoas jurídicas, atribuída mediante o registro no órgão competente.
- Os dotados de personalidade correspondem aos sujeitos de direito, titulares de relações
jurídicas subjetivas ativas e passivas (direitos e obrigações).
- O patrimônio jurídico representa a gama de relações jurídicas individuais valoráveis
economicamente, ou seja, a universalidade de direitos reais e obrigacionais dotados de valor
pecuniário.
- As relações jurídicas podem ser reais ou obrigacionais. As relações reais manifestam-se entre
sujeitos e objetos de direito, possuem número finito pré-determinado por lei e efeito erga
omnes. As relações obrigacionais manifestam-se entre sujeitos de direito, possuem número
infinito e efeito inter partes.
- Os elementos essenciais das relações obrigacionais são: fato (incidência normativa), sujeitos
(ativo e passivo), garantia (direito de ação material) e objeto (sobre o qual recai a relação).
Numa relação obrigacional, um sujeito corresponde ao polo ativo e outro ao polo passivo. O
sujeito ativo possui, inicialmente, o direito, e o passivo, o dever. Quando esse direito passa a
ser exigível, o sujeito ativo possui a pretensão, e o passivo, a obrigação. Quando essa exigência
não é cumprida, o sujeito ativo possui a ação, e o passivo, a situação de acionado.
Personalidade Jurídica
- A personalidade jurídica corresponde à aptidão a ser titular de direitos e deveres segundo a
ordem jurídica. É, assim, condição para ser sujeito do direito.
- A personalidade é fruto da capacidade jurídica (de direito), isto é, da aptidão a ser sujeito de
direitos (direito ativo) e obrigações (direito passivo).
- Os titulares de personalidade jurídica são as pessoas naturais e as pessoas jurídicas.
Pessoa Natural
- A personalidade jurídica é inerente e inata ao ser humano. Assim, todos os homens são
dotados de capacidade de direito (de gozo).
- Aquisição da Personalidade Jurídica:
- O momento de aquisição da personalidade jurídica varia conforme a teoria adotada por cada
Estado. Os Estados que adotam a teoria natalista conferem personalidade apenas após o
nascimento com vida. Os Estados que adotam a teoria da personalidade condicional conferem
personalidade desde a concepção, conquanto o bebê nasça com vida (o nascituro tem direitos
suspensivos). Os Estados que adotam a teoria concepcionista conferem personalidade desde a
concepção, independente do nascimento com vida ou não.
- O Brasil adota a teoria natalista, mas resguarda os direitos do nascituro.
-> Direitos do Nascituro: por ser considerado sujeito de direito em potencial, o nascituro
apresenta direitos eventuais, sob condição suspensiva, que se confirmarão mediante o
nascimento com vida. Nesse sentido, pode o nascituro ser beneficiado em testamento, ser
objeto de reconhecimento de filiação, ter nomeado curador e ser adotado. Além disso, o
nascituro é titular de direitos personalíssimos.
- Extinção da Personalidade Jurídica:
- A extinção da personalidade jurídica se dá com a morte da pessoa natural. É importante,
portanto, estabelecer o momento da morte ou fazer sua prova para que ocorram os
necessários efeitos matrimoniais e patrimoniais. Em geral, deve-se comprovar a morte pela
certidão de óbito. A morte também pode ser presumida, se for extremamente provável em
dada situação de perigo ou se alguém desaparecido ou feito prisioneiro em campanha não for
encontrado em até dois anos após o término da guerra.
- No caso de morte de dois ou mais indivíduos na mesma ocasião, não se podendo averiguar se
algum morreu antes dos demais, presumir-se-ão todos simultaneamente mortos
(comoriência). Tal definição é importante, principalmente nos casos de morte conjunta de um
casal, para resolver questões relativas à herança, por exemplo.
- No caso de ausência, a morte será presumida quando a lei autorizar a abertura de sucessão
definitiva. A decretação de ausência deve ser exercida por um juiz e ocorre quando o indivíduo
desaparece de seu domicílio, sem deixar notícias ou um representante em seu nome. Quando
decretada a ausência, realiza-se a curadoria dos bens do ausente, por meio da designação de
um curador para administrá-los. Passado determinado tempo, a lei abre sucessão provisória;
se o indivíduo ainda não retornar, abrir-se-á sucessão definitiva e presumir-se-á a morte.
- Capacidade de Fato (de Exercício):
- Todos os seres humanos são dotados de direitos e obrigações e, por isso, apresentam
capacidade de direito. Nem toda pessoa, no entanto, possui aptidão para exercer
pessoalmente tais relações jurídicas e, assim, nem todos possuem capacidade de fato.
- A capacidade de exercício, portanto, pode se encontrar mitigada por fatores ligados à idade e
à sanidade mental. Conforme o grau de mitigação, tem-se a incapacidade absoluta ou relativa.
-> Incapacidade Absoluta (artigo 3º): falta de aptidão para praticar pessoalmente todos atos da
vida civil, em virtude da ausência total de discernimento e de posse das faculdades
intelectuais. São considerados absolutamente incapazes os menores de 16 anos (considerados
imaturos), os enfermos ou deficientes mentais (sem necessário discernimento), e os que
temporariamente não puderem exprimir sua vontade (como o paciente em coma).
-> Incapacidade Relativa (artigo 4º): entre a absoluta incapacidade e a absoluta capacidade, as
pessoas se situam em zona intermediária, pois não gozam de total discernimento ou não
possuem plena posse das faculdades intelectuais para exercer alguns atos da vida civil. São
relativamente incapazes os menores de 18 e maiores de 16 anos, os ébrios habituais
(alcóolatras), os viciados em tóxicos, os deficientes mentais com discernimento reduzido, os
excepcionais (deficiência mental, física ou sensorial) e os pródigos (inclinados à dilapidação do
patrimônio individual).
- Os incapazes, embora não possuam capacidade de exercício, apresentam capacidade de
direito e, portanto, direitos e deveres que podem exigir e dos quais podem ser exigidos. Assim,
é preciso suprir a incapacidade desse indivíduos, para que possam defender seus direitos e
exercer seus deveres. Tal suprimento se dá por meio da representação (incapacidade absoluta)
e da assistência (incapacidade relativa).
-> Representação: o absolutamente incapaz não tem discernimento para praticar quaisquer
atos da vida civil e, portanto, deve ser substituído por um representante, que exercerá
relações jurídicas em seu nome e em seu interesse. A participação do incapaz em atos jurídicos
sofre pena de nulidade (anula-se retroativamente o ato e seus efeitos).
-> Assistência: o relativamente incapaz tem certo grau de discernimento e pode, por isso,
tomar parte em algumas relações jurídicas, desde que benéficas. É necessária, para tanto, a
presença de alguém que analise o ato e confirme que não houve prejuízo ao relativamente
incapaz. O assistente, portanto, é um mero zelador, um coadjuvante, e não um substituto do
incapaz. A participação do incapaz em atos jurídicos sem a presença do assistente sofre pena
de anulabilidade (anula-se o ato caso seja prejudicial)
- A representação e a assistência são exercidas por curadores e tutores. Será designado um
tutor quando a causa da incapacidade for a idade do indivíduo, e um curador caso contrário.
- Emancipação:
- A maioridade oficial, no Brasil, é atribuída aos 18 anos. É possível, no entanto, a antecipação
da maioridade por meio da emancipação, conquanto o menor tenha, pelo menos, 16 anos.
- A emancipação ocorre nos casos de concessão de ambos os pais (ou de um, na falta de
outro); sentença judicial (ouvido o tutor); casamento (autorizado pelos pais ou tutor); exercício
de emprego público efetivo; colação de grau em curso de ensino superior; estabelecimento
civil ou comercial (que garanta economia própria).
- Estado da Pessoa Natural:
- Indica a situação jurídica do individuo nos contextos político, familiar e individual. É,
portanto, o conjunto de atributos que ele detém e desempenha dentro da sociedade.
-> Político: diferencia os indivíduos em nacionais (natos ou naturalizados) e estrangeiros.
-> Familiar: diferencia os indivíduos com base em critérios matrimoniais (solteiros, casados,
divorciados, viúvos) e familiares (parentes, consanguíneos em linha reta ou colateral).
-> Individual: diferencia os indivíduos com base nos critérios de idade (maiores ou menores),
sexo (homens ou mulheres) e saúde (atributos mentais e físicos).
- Relações Jurídicas:
- As relações jurídicas podem ser obrigacionais (entre pessoas) ou reais (entre pessoa e
objeto). As relações obrigacionais são infinitas, já as reais apresentam número restrito.
- A relação obrigacional subentende a existência de um sujeito ativo, de um sujeito passivo, de
um objeto, de um fato jurídico e de garantia. A garantia refere-se à ação material, por meio da
qual se pode entrar em processo contra indivíduo que falte com o acordo estabelecido na
relação.
- A relação entre pessoas se inicia por meio de um sujeito ativo, detentor do direito, e de um
sujeito passivo, detentor de um dever. Quando tais termos tornam-se exigíveis, o sujeito ativo
passa a deter a pretensão, e o sujeito passivo, a obrigação. Caso o sujeito passivo deixe de
realizar sua obrigação, o sujeito ativo adquire a condição de acionar, e o sujeito passivo, a
condição de acionado.
- A relação real é exclusiva entre um indivíduo e um objeto do direito (coisa material ou não
que constitui um bem de uma relação jurídica), e, portanto, possui efeito erga omnes (contra
todos). Daí a necessidade de estabelecimento de um número pequeno fixado de relações
reais, pois envolvem a participação de toda sociedade em respeitar o direito em questão.
- Direitos da Personalidade:
- O direito, tomando por base fundamental a dignidade da pessoa humana, garante a defesa
de atributos físicos, psíquicos e morais do indivíduo, contra os arbítrios do poder público e das
próprias incursões particulares.
- Os direitos da personalidade, nesse sentido, são direitos privados fundamentais, que devem
ser respeitados como conteúdo mínimo para permitir a existência e a convivência dos seres
humanos.
- São direitos inatos (adquiridos ao nascer), absolutos (erga omnes), extrapatrimoniais (não
avaliáveis pecuniariamente), indisponíveis (irrenunciáveis, inalienáveis), imprescritíveis
(perduram enquanto perdurar a personalidade) e vitalícios (e em alguns casos post mortem).
- Por serem fundamentais, os direitos da personalidade são tutelados pelo Código Civil. Dessa
maneira, aquele que for ameaçado ou lesado em seus direitos da personalidade poderá exigir
que cesse a ameaça ou lesão e reclamar perdas e danos (indenização por danos morais).
Pessoa Jurídica
- A pessoa jurídica é um ente criado por lei para facilitar a atuação humana em certas relações.
A lei lhe confere personalidade, capacitando-a a ser sujeito de direitos e obrigações, para que
possa atingir os fins aos quais foi destinada.
- A pessoa jurídica, assim, é uma criação técnica, cuja personificação é atribuída por força da
lei mediante o reconhecimento de vontade e objetivos próprios. Dessa forma, a pessoa jurídica
adquire personalidade jurídica distinta da dos seus membros.
- A formação da pessoa jurídica exige uma pluralidade de pessoas ou de bens e uma finalidade
específica, bem como um ato constitutivo registrado no órgão competente. É necessária a
vontade humana criadora (animus de constituir entidade distinta dos membros), a observância
das condições legais para sua formação (elaboração e inscrição dos atos constitutivos no
registro competente) e a licitude de sua finalidade.
- A personalidade somente é outorgada à pessoa jurídica no momento da inscrição de seu ato
constitutivo no registro competente. O registro da pessoa jurídica, portanto, tem natureza
constitutiva, por ser o responsável por atribuir a personalidade. É diferente do que ocorre, por
exemplo, com o registro de pessoas naturais, cuja natureza é declaratória, pois a
personalidade já é conferida ao nascimento com vida.
- Sem o registro, a pessoa jurídica será irregular, e somente terá capacidade processual. Os
membros dessa entidade se responsabilizam integralmente e respondem pessoalmente pelas
obrigações sociais.
- Em alguns casos, universalidades de direito e de massas de bens identificáveis são
considerados como unidade que, mesmo não tendo personalidade jurídica, podem gozar de
capacidade processual e ter legitimidade ativa e passiva para acionar e serem acionadas. São
os grupos despersonalizados, que se formam independentemente da vontade dos membros
ou em virtude de um ato que os vincule a determinados bens, sem que haja affectio societatis.
Como exemplos, têm-se a massa falida (acervo de bens pertencentes ao falido), a herança
jacente (quando não há testamento) ou vacante (sem herdeiros), o espólio (complexo de
direitos e obrigações do falecido) e o condomínio.
- Capacidade e “Presentação” das Pessoas Jurídicas:
- Ao adquirir personalidade, a pessoa jurídica recebe denominação, domicílio, nacionalidade e
capacidade. A capacidade da pessoa jurídica é especial, visto que não poderá, por óbvio,
praticar todos os atos admitidos para a pessoa natural.
- Essa capacidade especial da pessoa jurídica tem seu campo de atuação delimitado pelo ato
constitutivo (contrato, estatuto) e pela lei. A capacidade da pessoa jurídica, assim, é limitada à
finalidade para qual foi criada.
- Por se tratar de um ente sem existência orgânica, a pessoa jurídica deve se fazer presente por
meio de seus órgãos sociais e conselhos deliberativos. Não é um caso de representação, como
ocorre com indivíduos incapazes, e sim de mera “presentação”; a pessoa jurídica se faz
presente por meio de seus integrantes.
- Os órgãos componentes, assim, são os agentes de manifestação e atuação da pessoa jurídica;
são os meios pelos quais ela é encarnada para assumir posições jurídicas ativas e passivas.
- Classificação das Pessoas Jurídicas:
-> Pessoas Jurídicas de Direito Público: podem ser de direito público externo ou interno. As
pessoas jurídicas de direito público interno são a União, os estados, os municípios, os
territórios, o Distrito Federal, as autarquias e as demais entidades de caráter público. As
pessoas jurídicas de direito público externo (internacional) são os Estados e a Igreja Católica.
-> Pessoas Jurídicas de Direito Privado: entidades originadas da vontade humana, propondo-se
à realização de interesses e fins privados, em benefício dos próprios instituidores ou de
determinada parcela da coletividade. Conforme a presença ou não de agrupamento de
indivíduos, as pessoas jurídicas de direito privado são classificadas em universitas personarum
(corporações = associações e sociedades) ou em universitas bonorum (fundações).
-- Associações: entidades formadas pela união de indivíduos para a realização de fins não
econômicos, conforme estabelecido em seus estatutos. A associação pode ter patrimônio,
formado por contribuição de seus membros para possibilitar a manutenção da entidade, mas
não há fim lucrativo nem intenção de dividir lucros. Não há, também, reciprocidade de direitos
e deveres entre os associados, somente entre associado e associação. A qualidade de
associado é intransmissível, salvo em casos de expressa permissão no estatuto. O associado
desligar-se da associação, bem como pode ser por ela excluído, desde que haja justa causa e o
procedimento seja exercido conforme o delimitado pelo estatuto.
-- Sociedades: entidades formadas pela união de indivíduos para a realização de fins
econômicos, conforme estabelecidos nos contratos sociais. Os sócios, assim, apresentam
direitos e deveres recíprocos e se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício
de atividade econômica e a partilha dos lucros. Há dois tipos de sociedade: as empresárias
(exercem atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens) e as simples
(destinadas à prestação de serviços).
+ Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada: pessoas jurídicas constituídas por uma
única pessoa natural, que apresente responsabilidade ilimitada sobre o capital constituído e
integralizado. A empresa individual pode ser originária, quando decorrente de ato de vontade
de criação específica desta modalidade pessoa jurídica, ou superveniente, quando resultar da
concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio (por morte dos
demais sócios ou aquisição da totalidade do capital, por exemplo).
-- Fundações: entidades formadas pela destinação de um patrimônio para um fim social
específico altruísta (não lucrativo). Surgem em decorrência de negócios jurídicos unilaterais,
frutos da vontade do instituidor, conforme estabelecido nos testamentos (mortis causa) ou
escrituras públicas (inter vivos). Para a criação de uma fundação, assim, há a realização de um
negócio jurídico unilateral de dotação de bens livres e do modo de administração, com
posterior elaboração do estatuto (pelo instituidor, pelos administradores ou pelo Ministério
Público) e aprovação deste pelo Ministério Público, para, enfim, ser realizado o registro no
Registro Público. Nas fundações, os fins, estabelecidos pelo instituidor, são imutáveis, de
forma que os administradores se limitam a executar a busca da finalidade fundacional. Os
meios a atingir tais fins podem ser alterados por meio de modificações no estatuto, que devem
ser deliberadas e aprovadas por pelo menos 2/3 dos administradores. A extinção das
fundações é exercida mediante um procedimento especial de jurisdição voluntária, requerido
pelo Ministério Público ou por interessados competentes.
+ Papel do Ministério Público nas Fundações: as fundações, diferentemente do que ocorre
com as corporações (associações e sociedades), não apresentam membros sócios ou
associados, e são autônomas à pessoa do instituidor. Dessa forma, requerem atenção especial
dos órgãos públicos para que sejam administradas de acordo com o estabelecido no estatuto.
O Ministério Público, assim, assume importantes funções em relação às fundações, a dizer:
exame e aprovação do estatuto; fiscalização das atividades e verificação da compatibilidade ao
fim determinado; requerimento de extinção.
- Responsabilidade Civil e Penal das Pessoas Jurídicas:
- Toda pessoa jurídica responde pelos danos civis causados a terceiros, qualquer que seja a sua
natureza e os seus fins. A preocupação fundamental, afinal, é ressarcir o dano, de forma que a
entidade deve responder com seu patrimônio pelos atos de seus dirigentes, administradores
ou empregados que causarem dano a outrem.
- No caso do direito penal, devido à inexistência biológica, não é possível aplicar penas
privativas de liberdade às pessoas jurídicas. Pode-se, porém, aplicar penas restritivas de
direitos, de prestação de serviços à comunidade ou de imposição de multas.
- Desconsideração da Personalidade Jurídica:
- Em caso de fraude e de má-fé de um membro, pode o juiz desconsiderar a existência distinta
da pessoa jurídica de seus membros para que, assim, o responsável responda pelo ato de
forma individualizada.
- Não se trata de se considerar nula a pessoa jurídica, e sim de uma suspensão episódica de sua
personalidade, para evitar injustiças.
- Transformação e Extinção das Pessoas Jurídicas:
- A pessoa jurídica pode passar por processos de transformação, por meio da fusão (duas ou
mais entidades perdem sua personalidade jurídica autônoma para formar uma nova entidade
com personalidade diversa das anteriores) e da cisão (pessoa jurídica divide-se em duas ou
mais, extinguindo-se ou não conforme transferência total ou parcial do patrimônio).
- A extinção da pessoa jurídica resulta na despersonalização definitiva. Pode ser convencional
(deliberada pelos integrantes), administrativa (cassação da autorização de funcionamento) ou
judicial (determinação judicial quando observada uma das hipóteses de dissolução previstas
em lei ou no estatuto). Pode, também, decorrer de insuficiência de capital ou de membros. No
caso das fundações, a simples deliberação dos administradores não pode resultar em extinção,
pois é necessário respeitar a vontade do instituidor.
- Após a extinção, a pessoa jurídica subsiste para fins de liquidação, até se concluir. Finda a
liquidação, cancela-se a inscrição da pessoa jurídica. Caso sobre patrimônio, será destinado
aos fins especificados no negócio constitutivo ou a entidades semelhantes.
Domicílio Civil
- Local em que a pessoa estabelece residência com ânimo definitivo. O domicílio civil se
compõe, assim, de dois elementos: um objetivo (ato de fixação em determinado local) e um
subjetivo (a intenção de permanecer em definitivo).
- É no domicílio que o indivíduo realiza sua atividade jurídica e social e constrói seu centro
familiar, social, de interesses e de negócios.
- O conceito de domicílio, assim, difere dos conceitos de moradia e residência. A moradia se
refere ao local onde determinada pessoa se estabelece temporariamente (estadia, habitação).
A residência representa o lugar onde a pessoa se estabelece habitualmente, sem levar em
conta o ânimo de ali permanecer.
- No caso das pessoas naturais, admite-se a possibilidade de existência de vários domicílios
para uma única pessoa. É o caso, por exemplo, de um sujeito que reside em um local com sua
família, mas realiza seus negócios jurídicos e relações profissionais em outro; ambos
constituem, pois, seu domicílio. Já no caso de falta de domicílio, quando a pessoa não tem
residência permanente, considera-se domicílio o lugar onde tal pessoa for encontrada no
momento da ação (domicílio aparente).
- É relevante ao Estado que o indivíduo constitua domicílio para fixar um local no território
onde poderá ser encontrado para fiscalização de suas obrigações. No âmbito do direito civil, é
importante o estabelecimento de domicílio para determinar o foro competente a propor ações
a determinado réu. Via de regra, a ação será proposta no foro do domicílio do réu; caso possua
vários, poderá ser no foro de qualquer desses; caso não possua algum, será demandado onde
for encontrado ou no domicílio do autor da ação.
- No caso das pessoas jurídicas de direito privado, o domicílio corresponde à sede, conforme
indicada no estatuto, contrato social ou ato constitutivo equivalente. Caso, porém, a sede não
se encontre especificada no ato constitutivo, a lei fixa como domicílio da pessoa jurídica o
lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações. Caso, ainda, possua
diversas filiais em lugares diferentes, considera-se que cada local constitui o domicílio para os
atos nele praticados.
- No caso das pessoas jurídicas de direito público, o domicílio da União corresponde ao Distrito
Federal; o dos estados e territórios, às capitais; o dos municípios, ao local onde funciona a
administração municipal; o das demais pessoas jurídicas públicas, ao lugar onde funcionarem
as diretorias e administrações.
- Espécies de Domicílio:
-> Voluntário: decorre do ato de livre vontade do sujeito, conquanto seja capaz, que fixa
residência em um determinado local com a intenção de ali permanecer.
-> Domicílio Legal (Necessário): decorre do mandamento da lei, em virtude da condição
especial de determinadas pessoas, independentemente de qualquer manifestação de vontade.
Assim, têm domicílio legal o incapaz (local onde reside o representante ou o assistente), o
servidor público (local onde exerce permanentemente suas funções), o militar (local onde
serve ou sede do comando a que se encontra imediatamente subordinado), o marítimo (local
onde o navio estiver matriculado) e o preso (local em que cumpre a sentença).
-> Especial (de Eleição): decorre do acordo entre as partes de um contrato, em que
especificam como domicílio o lugar onde desejam que se exercitem e cumpram os direitos e
obrigações referentes ao negócio (foro de contrato ou foro de eleição).
Bem Jurídico
- Utilidade material ou imaterial, economicamente apreciável ou não, que é objeto de uma
relação jurídica, de direito subjetivo, pessoal ou real.
- Os bens são classificados conforme considerados em si mesmos (corpóreos ou incorpóreos;
móveis ou imóveis; fungíveis ou infungíveis; consumíveis ou inconsumíveis; divisíveis ou
indivisíveis; singulares ou coletivos) e conforme reciprocamente considerados (principais ou
acessórios; públicos ou particulares). Há que se falar, ainda, dos bens de família e dos bens
fora de comércio.
- Bens Considerados em Si Mesmos:
-> Corpóreos ou Incorpóreos: os bens corpóreos têm existência material, perceptível pelos
sentidos. Os bens incorpóreos têm existência ideal e abstrata, intangível e criada por força do
direito; são direitos da pessoa sobre as coisas, sobre o produto de seu intelecto ou em relação
a outras pessoas. Somente os bens corpóreos podem ser objeto de compra e venda; os
incorpóreos, de cessão.
-> Móveis ou Imóveis: os bens imóveis não podem ser transportados sem alteração de sua
substância. Os bens móveis são passíveis de deslocamento, sem qualquer prejuízo substancial.
A alienação de bens imóveis exige formalidades dispensáveis para os bens móveis. Além disso,
os bens imóveis apresentam maior prazo de usucapião (10 ou 15 anos) do que os bens móveis
(3 ou 5 anos).
-- Classificação dos Bens Imóveis: os bens podem ser imóveis por natureza (solo e tudo quanto
se lhe incorporar), por acessão física, industrial ou artificial (tudo quanto o homem incorporar
permanentemente ao solo, de modo que não o possa retirar sem destruição ou dano), por
acessão intelectual (tudo quanto o proprietário intencionalmente destina e mantém no
imóvel) e por determinação legal (direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram,
bem como o direito à sucessão aberta).
-- Classificação dos Bens Móveis: os bens podem ser móveis por natureza (suscetíveis de
movimento próprio ou de remoção por força alheia sem alteração da substância ou da
finalidade), por antecipação (são incorporados ao solo com destino de serem, posteriormente,
destacados e convertidos em móveis) e por determinação legal (as energias, os direitos reais
sobre móveis e as ações correspondentes, os direitos pessoais patrimoniais e as respectivas
ações).
-> Fungíveis ou Infungíveis: os bens fungíveis podem ser substituídos por outros de mesmo
gênero, qualidade e quantidade. Os bens infungíveis são de natureza única, insubstituível. Os
bens fungíveis podem ser considerados infungíveis por vontade das partes.
-> Consumíveis ou Inconsumíveis: os bens consumíveis se exaurem imediatamente após a
utilização. Os bens inconsumíveis permitem uso contínuo, sem agravamento do perecimento
progressivo e natural. Os bens consumíveis não podem constituir objeto de certos direitos,
como é o caso do usufruto. Os bens consumíveis podem ser considerados inconsumíveis por
vontade das partes.
-> Divisíveis ou Indivisíveis: os bens divisíveis podem ser fracionados em porções reais e
distintas, formando cada qual um todo perfeito, sem alteração na sua substância, diminuição
considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam. Os bens indivisíveis não podem
passar pelo mesmo processo. Os bens podem ser indivisíveis por natureza, por convenção e
por determinação legal. Os bens divisíveis podem ser considerados indivisíveis por vontade das
partes.
-> Singulares ou Coletivos: os bens singulares são coisas individuais e distintas, consideradas
em si mesmas como tais. Os bens coletivos são compostos por várias coisas singulares, iguais
ou não, reunidas idealmente (não materialmente) e consideradas em conjunto de maneira a
formar um todo sujeito à denominação e regime jurídico únicos. Os bens singulares podem ser
simples (partes componentes de mesma espécie ligadas naturalmente) ou compostos (partes
componentes de diferentes espécies ligadas artificialmente). Os bens coletivos podem ser
universalidades de fato (pluralidade de bens singulares, agrupados pela vontade da pessoa,
tendo destinação comum; ex: rebanho, biblioteca) ou universalidades de direito (complexo de
relações jurídicas formado por força da lei para a unificação das mesmas relações; ex:
patrimônio, herança).
- Bens Reciprocamente Considerados:
-> Principais ou Acessórios: os bens principais possuem autonomia estrutural, existem por si
sós. Os bens acessórios não possuem autonomia estrutural, sua existência supõe a do
principal. Salvo em disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal. Os
bens acessórios podem ser naturais (aderem naturalmente ao principal, sem intervenção
humana), industriais (derivados do trabalho humano) e civis (resultam de uma relação de
direito e não de uma relação material). Como bens acessórios, podem-se citar os frutos, os
produtos, as pertenças e as benfeitorias.
-- Frutos: utilidades que a coisa principal (frugífera) produz periodicamente. São destacáveis
sem provocar diminuição ou destruição da substância da coisa principal. Podem ser
classificados em pendentes (ligados a coisa frugífera), percebidos (colhidos, destacados),
estantes (destacados e armazenados), consumidos (destacados e utilizados) e percipiendos
(deveriam ter sido destacados, mas não o foram). Em termos legais, é garantido ao possuidor
de boa-fé (possui acreditando ter o direito) o direito aos frutos percebidos.
-- Produtos: utilidades que a coisa principal produz não periodicamente. São destacáveis, mas
provocam diminuição ou destruição gradual da substância da coisa principal. A ausência de
periodicidade e a diminuição da coisa principal, assim, são os pontos de distinção entre os
frutos e os produtos. O proprietário do solo (coisa principal) é considerado o senhor dos
produtos gerados, salvo em casos de preceito jurídico especial de terceiro.
-- Pertenças: coisas acessórias destinadas, de modo duradouro, a conservar ou facilitar o uso
das coisas principais. Não são partes integrantes da coisa principal. Como exemplo de
pertenças, podem-se citar as máquinas de uma fábrica, os implementos agrícolas e os
aparelhos de ar condicionado.
-- Benfeitorias: obras realizadas pelo homem na estrutura da coisa principal, com o propósito
de conservá-la (benfeitorias necessárias), melhorá-la (benfeitorias úteis) ou embelezá-la
(benfeitorias voluptuárias). São criadas sempre de modo artificial (atividade humana), sem que
haja aumento considerável de volume da coisa principal (o que configuraria uma acessão
artificial). É garantido ao possuidor de boa-fé o direito de ser indenizado pelas benfeitorias
necessárias e úteis, e lhe é facultativo o levantamento das benfeitorias voluptuárias, se puder
fazê-lo sem prejuízo da coisa principal. Ao possuidor de má-fé, só é garantido o direito de
indenização das benfeitorias necessárias.
-> Bens Públicos ou Particulares: os bens públicos integram o domínio nacional, sendo
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Municípios,
Territórios e Distrito Federal). Todos os outros bens são particulares, seja qual for a pessoa a
que pertencerem. Os bens públicos subdividem-se em:
-- Bens de Uso Comum do Povo: destinam-se ao uso generalizado do povo. O Poder Público,
assim, tem apenas a sua titularidade, concedendo a sua utilização a todos.
-- Bens de Uso Especial: destinam-se a determinada espécie de serviço público. O Poder
Público, assim tem sua titularidade e exerce sua utilização.
-- Bens Dominicais: constituem patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como
objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades. Não dispondo a lei em
contrário, também são dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público
a que se tenha dado estrutura de direito privado.
- Bens de Família:
- O bem de família voluntário corresponde ao prédio urbano ou rural, com suas pertenças e
acessórios, destinado a domicilio familiar, conforme instituído pela entidade familiar (casal,
união estável, família monoparental) ou por terceiro (testamento ou doação).
- A administração do bem de família voluntariamente instituído cabe aos cônjuges, aos
companheiros ou à cabeça da prole (pai ou mãe solteiros). Na falta de qualquer um desses,
cabe ao filho mais velho, se for maior, ou ao tutor deste, se for menor.
- O bem de família apresenta impenhorabilidade limitada (isento de dívidas posteriores a sua
instituição, salvo as de tributos relativos ao próprio) e inalienabilidade relativa (destina-se
exclusivamente ao domicílio e sustento familiar, podendo ser alienado apenas com o
consentimento dos interessados e dos representantes legais).
- A dissolução da sociedade conjugal (separação, divórcio) não extingue o bem de família.
Somente no caso de morte de um dos cônjuges poderá o sobrevivente requerer a extinção do
bem de família, se for o único bem do casal.
- A extinção definitiva do bem de família voluntariamente instituído se dá com a morte de
ambos os cônjuges, conquanto os filhos já houverem atingido a maioridade e não se
encontrem sob curatela.
- Além do bem de família voluntariamente instituído, o direito reconhece o bem de família
legal, em que a lei traduz a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio da entidade
familiar, isentando-o de dívidas de qualquer natureza contraídas pelos cônjuges ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam (ressalvadas hipóteses previstas em lei).
- Coisas Fora do Comércio:
- Bens não passíveis de circulação e transferência de um patrimônio para o outro. São, assim,
inapropriáveis e inalienáveis.
-> Naturalmente Inapropriáveis: são as coisas comuns a todos, os bens de uso inexaurível,
como o mar e a luz solar.
-> Legalmente Inalienáveis: bens que, embora materialmente apropriáveis, têm sua livre
comercialização vedada por lei para atender a interesses econômicos e sociais. São os bens
públicos de uso comum do povo, os bens de família e as terras ocupadas pelos índios, por
exemplo.
-> Voluntariamente Inalienáveis: bens que, por ato de vontade, em negócios gratuitos, são
excluídos do comércio jurídico, por meio da cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade.