Herculano Pires - Introdução À Filosofia Espírita
Herculano Pires - Introdução À Filosofia Espírita
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Conteúdo resumido
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I – Introdução .............................................................................. 4
Perfil da Filosofia Espírita .................................................... 4
Do indivíduo como representação coletiva ........................... 6
II – Filosofia e Espiritismo........................................................ 10
O que é Filosofia? ............................................................... 10
O que é Espiritismo? ........................................................... 11
A tradição filosófica............................................................ 14
III – Teoria Espírita do Conhecimento ................................... 17
Como conhecemos? ............................................................ 17
O que conhecemos? ............................................................ 20
O processo gnosiológico ..................................................... 23
IV – Fideísmo Crítico ................................................................ 25
V – Ontologia Espírita .............................................................. 32
VI – Existencialismo Espírita ................................................... 42
VII – Cosmossociologia Espírita .............................................. 50
Ficha de Identificação Literária............................................... 59
3
I
Introdução
5
Kardec enfrentou os poderes da época e proclamou o advento da
Era Espírita. Elaborou os seus fundamentos, apoiado nas bases
tríplices da Ciência, da Filosofia e da Religião. A Filosofia
Espírita definiu-se como o fulcro de um novo ciclo da evolução
humana. Não se trata de um fato ocasional ou isolado, mas do
resultado de todo o processo histórico do pensamento, ou da
razão, como queria Hegel, em seu desenrolar na temporalidade.
6
perigosa se fez sentir no campo das manifestações paranormais,
através de profetas, oráculos e pitonisas. João Batista, degolado
por ordem de Herodes, é talvez o símbolo mais vigoroso da
profecia social como revolta contra a sagração artificial dos reis-
deuses. Mas a representação coletiva atingiu o seu ponto máximo
na figura do Messias – o sol fecundador das messes após as
agruras do inverno, segundo a tese mitológica. Os messias eram
os salvadores e ao mesmo tempo os vingadores, os que vinham
salvar os humildes e castigar os poderosos. Investidos da sagra-
ção divina pelo próprio Deus, centralizavam, na sua individuali-
dade privilegiada, os poderes da Terra e do Céu. Os seus ensinos
constituíam uma revelação divina; pela boca desses arautos
falava o próprio Deus.
Kardec analisou esse processo e definiu as revelações messi-
ânicas como pessoais e locais, típicas das civilizações isoladas,
dirigidas a uma comunidade determinada em sua localização
geográfica. Nos fins do ciclo de isolamento, quando a síntese
sócio-cultural greco-romana tentava abranger o mundo e criava
condições novas de vida, o messias judeu, Jesus de Nazaré – que
mais tarde seria designado, significativamente, pelo nome do
messias grego: Cristo, apresentou-se ainda como revelador
pessoal e local, mas já abrindo perspectivas, em seus ensinos,
para a universalidade que caracterizaria o desenvolvimento do
Cristianismo, rompendo ao mesmo tempo o sociocentrismo
judeu e as pretensões romanas de hegemonia. A reação, tanto
judaica quanto romana, foi esmagadora, mas não conseguiu deter
o fluxo natural da evolução humana. A Igreja Cristã, formada
segundo os modelos judaico e pagão, por força das determinan-
tes históricas, apresenta-se então como curiosa síntese do Tem-
plo de Jerusalém e do Capitólio. A Cadeira de São Pedro substi-
tui, ao mesmo tempo, a Cadeira de Moisés e o Trono de César. O
Deus-Pai de Jesus se reveste das características de Júpiter Capi-
tolino e Roma volta a dominar o mundo. O Bispo de Roma
transforma-se na representação coletiva das massas bárbaras
convertidas ao Cristianismo. Na figura do Papa concentram-se os
poderes da Terra e do Céu.
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Entretanto, no milênio medieval o processo dialético prosse-
gue, lento e seguro. Um mundo novo está fermentando nas
querelas absurdas e uma nova revelação está sendo elaborada nas
suas entranhas psíquicas. A Filosofia Grega inflama o pensamen-
to cristão, despertando-o para a compreensão dos poderes do
homem, do valor intrínseco do ser humano. O dogma da encar-
nação humana de Deus, reflexo das teorias egípcias e indianas do
avatar búdico, produz efeitos contraditórios. De um lado, reforça
temporariamente o conceito do homem-deus do passado; de
outro lado, desperta a atenção dos pensadores para os poderes
divinos do homem. A subversão vai se confirmar nessa linha
com o desenvolvimento do Humanismo. A Ciência renascerá das
cinzas de Aristóteles e o homem se fará o revelador racional dos
mistérios encobertos pela mística religiosa.
As revelações pessoais e locais estão definitivamente supera-
das. Os messias do passado tornam-se místicos ignorantes,
incapazes de revestir-se dos poderes da representação coletiva. A
Revolução Francesa proclamará a supremacia da razão sobre
todo o passado fideísta. Kardec poderá então distinguir dois tipos
de revelação, ambos divorciados da mística e do mistério: a
revelação científica, feita pelos pesquisadores dos mistérios da
Natureza, e a revelação espiritual, feita através da mediunidade e
da pesquisa dos fenômenos paranormais, das condições do
mundo supra-sensível. A partir desse momento as revelações
pessoais, locais ou não, não terão nenhum sentido. A verdade
não pertence a ninguém em particular, a nenhum profeta, messi-
as ou vidente. É um patrimônio comum, ao alcance de todos os
que se esforçam para descobri-la. A revelação é coletiva.
O indivíduo como representação coletiva existiu e funcionou
nas dimensões do passado, como exigência natural de um mundo
fechado em si-mesmo, incapaz de superar os condicionamentos
sócio-mesológicos de cada civilização isolada, entregue às suas
próprias forças. No mundo novo que surgiu da abertura cristã,
tendo por paradigma a especulação ateniense e por bússola a
mensagem racional do Evangelho, não há mais lugar para a
autoridade individual no tocante à problemática da verdade, que
brota do real-em-si e não das interpretações individuais, sujeitas
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a condicionamentos desconhecidos. Nenhum indivíduo trans-
formado em representação coletiva e nenhum colégio de ilumi-
nados por sabedoria infusa pode decretar a verdade. A Filosofia
dedutiva e sistemática do passado cedia lugar à lógica indutiva,
liberta das predeterminações arbitrárias dos sistemas.
9
II
Filosofia e Espiritismo
O que é Filosofia?
O que é Espiritismo?
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Assim, temos alguns dados: o Espiritismo é uma doutrina so-
bre o mundo, dá-nos a sua interpretação e nos mostra como nos
devemos conduzir nele. Mas como nasceu essa doutrina, em que
cabeça apareceu pela primeira vez? Dizem que foi na de Allan
Kardec, mas não é verdade. O próprio Kardec nos diz o contrá-
rio. Os dados históricos nos revelam o seguinte: o Espiritismo se
formou lentamente através da observação e da pesquisa científica
dos fenômenos espíritas, hoje parapsicologicamente chamados
de fenômenos paranormais. Os estudos científicos começaram
seis anos antes de Kardec, nos Estados Unidos, com o famoso
caso das irmãs Fox em Hydesville. Quando Kardec iniciou as
suas pesquisas na França, em 1845, já havia uma grande biblio-
grafia espírita, com a denominação de neo-espiritualista, nos
Estados Unidos e na Europa. Mas foi Kardec quem aprofundou e
ordenou essas pesquisas, levando-as às necessárias conseqüên-
cias filosóficas, morais e religiosas.
O Livro dos Espíritos nos oferece a súmula do trabalho gi-
gantesco de Kardec. Mas se quisermos conhecer esse trabalho
em profundidade temos de ler toda a bibliografia kardeciana: os
cinco volumes da codificação doutrinária, os volumes subsidiá-
rios e mais os doze volumes da Revista Espírita, que nos ofere-
cem o registro minucioso das pesquisas realizadas na Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas. E precisamos nos interessar
também pelos trabalhos posteriores de Gabriel Delanne, Ernesto
Bozzano, Camille Flammarion e Léon Denis (este último o
continuador e consolidador do trabalho de Kardec).
Veremos, assim, que Kardec partiu da pesquisa científica, o-
riginando-se desta a Ciência Espírita; desenvolveu, a seguir, a
interpretação dos resultados da pesquisa, que resultou na Filoso-
fia Espírita; e, finalmente, tirou as conclusões morais da concep-
ção filosófica, que levaram naturalmente à Religião Espírita. É
por isso que o Espiritismo se apresenta como doutrina de tríplice
aspecto. A Ciência Espírita é o fundamento da Doutrina. Sobre
ela se ergue a Filosofia Espírita. E desta resulta naturalmente a
Religião Espírita. Muitas pessoas se atrapalham com isso e
perguntam: “Como uma doutrina pode ser, ao mesmo tempo,
Ciência, Filosofia e Religião?” Mas essa pergunta revela a
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ignorância do processo gnosiológico. Porque, na verdade, o
conhecimento se desenvolveu nessa mesma seqüência e em todas
as formas atuais de conhecimento repete-se o processo filogené-
tico.
No Espiritismo, porém, esse processo aparece bem preciso,
bem marcado por suas fases sucessivas, entrosadas numa se-
qüência lógica. Podem alguns críticos alegar que Kardec não
partiu da pesquisa, mas da crença. Alguns chegam a afirmar que
foi assim, que ele já acreditava nas comunicações espíritas antes
de iniciar o seu trabalho de investigação. Mas essa afirmação é
falsa, a suposição é gratuita. Basta uma consulta às anotações
íntimas de Obras Póstumas e às biografias do mestre para se ver
o contrário. Quando lhe falaram pela primeira vez em mesinhas
falantes, Kardec respondeu como o fazem os céticos de hoje:
“Isso é conversa para fazer dormir em pé”. Só deixou essa atitu-
de cética depois de constatar a realidade dos fenômenos. Então
pesquisou, aprofundou a questão e levou-a às últimas conse-
qüências, como era, aliás, de seu hábito, do seu feitio de investi-
gador. Charles Richet lhe faz justiça (embora discordando dele)
em seu Tratado de Metapsíquica.
Encarando a obra de Kardec pelo seu aspecto científico, sem
os preconceitos que têm impedido a sua justa avaliação, ela nos
parece inatacável. Alega-se que o seu método de pesquisa não
era científico, mas foi ele o primeiro a explicar que não se podi-
am usar na pesquisa psíquica os métodos das ciências físicas. O
desenvolvimento da Psicologia provaria mais tarde que Kardec
estava com a razão. Hoje, as pesquisas parapsicológicas o con-
firmam. No tocante ao aspecto filosófico, o desenvolvimento
atual das investigações mostram a posição acertada do Espiritis-
mo como doutrina assistemática, “livre dos prejuízos de espírito
de sistema”, como declara O Livro dos Espíritos, utilizando a
conjugação dos métodos indutivo e dedutivo para o esclareci-
mento da realidade em seu duplo sentido: o objetivo e o subjeti-
vo. A Filosofia Espírita se apresenta como antecipação das
conquistas atuais do campo filosófico e abertura de perspectivas
para o futuro.
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A tradição filosófica
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III
Teoria Espírita do Conhecimento
Como conhecemos?
O que conhecemos?
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na introdução de O Livro dos Espíritos. A Filosofia Espírita
define a alma como o espírito encarnado. O princípio inteligente,
quando manifestado na matéria, produz a vida, segundo o nosso
restrito conceito de vida. Assim, ele anima a matéria, é a ânimo
dos latinos, a alma das coisas e dos seres. No homem, a alma é o
espírito que anima o corpo. Quando o homem morre sua alma
volta ao estado de espírito, liberta-se da função de alma. Não
existem almas do outro mundo, pois estas, na verdade, são
espíritos. Mas o que é que o conhecedor conhece, o que é que
conhecemos através da nossa faculdade perceptiva e da nossa
capacidade intelectiva? Há o conhecimento das coisas exteriores
e o das coisas interiores. Há a percepção objetiva, que estabelece
a relação sujeito-objeto, e a percepção subjetiva, que faz do
sujeito o seu próprio objeto. Isso quer dizer, em termos episte-
mológicos (na teoria das ciências) que há Ciência e há Filosofia.
Como já vimos, a Ciência investiga os objetos exteriores, a
Filosofia investiga a si-mesma, é o pensamento debruçado sobre
si-mesmo. Podemos retornar às explicações de Platão: há o
mundo sensível e o mundo inteligível. Temos acesso ao sensível
por meio da percepção, captamos, sentimos, percebemos as
coisas exteriores. Temos acesso ao inteligível por meio da razão
e da intuição. São essas as duas faces da realidade, o verso e o
reverso da moeda com que pagamos o direito de saber. Desde o
tempo dos gregos a nossa Civilização Ocidental vem se debaten-
do entre esses dois campos do conhecimento. Hoje, temos o
mundo dividido em duas partes: numa se desenvolve o pensa-
mento materialista como ideologia oficial dos Estados; noutra o
pensamento espiritualista na mesma posição. Nem uma nem
outra dessas formas de pensamento, dessas sistematizações do
conhecimento, conseguiu trazer nem poderá trazer ao homem a
solução dos seus problemas. A Filosofia Espírita se coloca entre
ambas e nos oferece a solução dialética, nos termos da velha e
boa dialética de Hegel, mostrando o equívoco desse divisionismo
artificial e anunciando o advento da compreensão global da
realidade.
Espírito e matéria, ensina a Filosofia Espírita, são os dois e-
lementos constitutivos do Universo. Sobre ambos paira o poder
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unificador que é Deus. Essa, diz O Livro dos Espíritos, é a
trindade universal. Mas a realidade não se fecha apenas nesse
tríptico, nesse esquema geral. Ela é una em essência, mas é
múltipla nas suas manifestações. A lei cósmica é a da diversida-
de da unidade. Querer reduzir o real a um dos seus aspectos, o
materialista ou o espiritualista, é simples utopia. A própria
história da Filosofia nos mostra a impossibilidade de uma inter-
pretação esquemática da realidade. Os esquemas das diversas
escolas filosóficas serviram apenas de muletas do pensamento,
em sua busca da verdade. Hoje, os filósofos compreendem que
as escolas servem como pontos de observação, como posições
estratégicas e não como trincheiras definitivas no campo de
batalha do conhecimento. Não mais se formulam grandes siste-
mas. A época dos sistemas passou. A sistemática foi substituída
pela problemática: importam os problemas, não as explicações
conclusivas.
A Filosofia Espírita foi uma antecipação dessa nova atitude
filosófica. Na mesma época em que surgiam os dois últimos
grandes sistemas filosóficos: o Positivismo de Augusto Comte e
o Marxismo, os Espíritos diziam a Kardec que era necessário
apresentar ao mundo uma Filosofia racional, “livre dos prejuízos
do espírito de sistema”. E lhe davam as linhas mestras do novo
pensamento através do processo dinâmico do diálogo, que hoje
está consagrado em todo o mundo. A forma de perguntas e
respostas de O Livro dos Espíritos, às vezes considerada como
antiquada por alguns espíritas sequiosos de novidades, é hoje a
forma preferida para a busca de soluções em todos os setores das
atividades humanas. O diálogo é a maiêutica de Sócrates e a
dialética de Platão e de Hegel ressuscitadas em nosso tempo e o
instrumento mais prático de conhecimento no plano social. E foi
através dele que surgiu a Filosofia Espírita, no diálogo mediúni-
co de Kardec com os Espíritos.
A mediunidade se apresenta como a oportunidade do diálogo
paranormal. A palavra paranormal é simplesmente uma substitu-
ta da palavra sobrenatural. Classifica o fenômeno natural inabi-
tual a que se referia Richet. Na proporção em que os homens
avançam na evolução espiritual, o diálogo mediúnico se integra
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na normalidade. Quando Sócrates dialogava com o seu daimon
(demônio ou espírito protetor) ou quando Joana D'Arc dialogava
com as suas vozes, ou quando Abrahão Lincoln (à maneira do
patriarca bíblico) dialogava com os Espíritos na Casa Branca, em
Washington, não estavam fora da Natureza nem de normalida-
des. Só a ignorância das leis naturais que regem a comunicação
interexistencial (a comunicação mediúnica entre os diferentes
planos de existência) levou os homens a tratarem o assunto com
prevenção e excesso de superstição. O diálogo mediúnico que
fez a Donzela de Orléans a empunhar a espada e salvar a França,
que levou Sócrates a impulsionar o conhecimento, que fez Lin-
coln assinar a lei de libertação dos escravos nos Estados Unidos,
que orientou Mackenzie King no governo do Canadá, e assim
por diante, levou Kardec a formular a Doutrina Espírita e ofere-
cer ao mundo a maior síntese filosófica de todos os tempos, que
é a Filosofia Espírita.
O processo gnosiológico
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estado positivo em que predominam as Ciências. Kardec acres-
centou a essa teoria, por sugestão de um leitor da Revista Espíri-
ta (Veja-se o n.° de abril de 1858) o estado psicológico iniciado
pelo Espiritismo. Vemos hoje o acerto desse acréscimo. As
ciências psicológicas dominam o mundo atual e já se abriram
para o futuro através da investigação parapsicológica. A Huma-
nidade avança, segundo a observação de Simone de Beauvoir,
que não é espírita, “num constante devir”. O homem se liberta da
matéria, emancipando-se como espírito.
Mas o Espiritismo não é apenas a fase derradeira do processo
gnosiológico em que nos encontramos como componentes da
Humanidade terrena. Ele apresenta também, em si-mesmo, as
características de um processo gnosiológico especial. A Teoria
do Conhecimento nos mostra que as fases sucessivas do conhe-
cer se repetem no desenvolvimento do Espiritismo. Através do
seu aspecto científico ele nos oferece a captação sensorial do
mundo fenomênico, dessa faixa da Natureza em que o espírito se
manifesta no sensível, e a captação extra-sensorial do inteligível,
da realidade espiritual. Através da Filosofia Espírita nos dá a
interpretação racional do Universo e do Homem numa visão
integral. Através da Religião Espírita, – moral, normativa e
jamais ritual, sacramental, destituída de resíduos mágicos –
determina a orientação adequada, no plano existencial, à nossa
conduta em face da realidade ampla que conseguimos descorti-
nar.
Assim, a Teoria Espírita do Conhecimento explica, ao mesmo
tempo, o problema do conhecer em sua expressão mais simples e
em sua expressão mais complexa. Aprendemos, graças a ela, que
o processo gnosiológico é uma conquista e uma integração.
Conquistando pelo conhecimento progressivo o saber espírita
integramo-nos na realidade multidimensional da era cósmica.
Não pensamos mais em termos geocêntricos, organocêntricos ou
antropocêntricos e por isso mesmo não vivemos mais apegados a
temores e superstições. O Espiritismo nos confere a emancipação
espiritual de cidadãos do Cosmos. Pertencemos à Humanidade
Cósmica.
24
IV
Fideísmo Crítico
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E podemos ir além, acrescentando que neste momento, quan-
do um foguete cósmico é lançado no espaço (façanha que tem
servido para novas e ingênuas esperanças de parte dos negadores
sistemáticos), o poder da Fé se confirma e se demonstra. Por
outro lado, o lançamento de um foguete é um ato de submissão a
Deus. Pois o que faz a inteligência humana para conseguir essa
realização, senão curvar-se ante a realidade das leis universais e
obedecer rigorosamente a essas leis, sob pena de acabar numa
catástrofe?
A Filosofia Espírita não é dicotômica, não divide a realidade
em duas partes, não abre um abismo entre matéria e espírito.
Pelo contrário, sua posição é monista, sua cosmovisão é global.
As leis naturais, físicas, psíquicas, morais ou metafísicas são
todas leis de Deus. A Fé humana do vendedor que confia em si
mesmo, a Fé científica do sábio que confia na ordem universal, a
Fé mística do crente que confia no seu santo ou no seu Deus são
todas manifestações de uma mesma lei, que é estudada em O
Livro dos Espíritos como lei de adoração. Essa lei universal
levou Pierre Gaspar Chaumette a entronizar a bailarina Candeille
no altar da Catedral de Notre Dame como a Deusa Razão; fez o
filósofo positivista Augusto Comte cair de joelhos ante a deusa
Clotilde de Vaux; obrigou Marx e Engels a proclamarem a classe
operária como o Messias da redenção socialista; e só encontrou,
apesar de tudo isso, na Filosofia Espírita a sua análise, a sua
crítica e a sua explicação racional.
31
V
Ontologia Espírita
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Na Filosofia Espírita esse mistério se aclara através da reve-
lação e da cogitação. A revelação, como vimos, pode ser huma-
na ou divina. No caso é divina, pois reservamos para o campo
humano a expressão clássica da técnica filosófica: a cogitação.
Os Espíritos revelaram a existência do Ser pela comunicação
mediúnica (e a provaram pela fenomenologia mediúnica), mas os
homens confirmaram essa existência pela cogitação, pela pes-
quisa mental do problema. Todos conhecemos a expressão de
Descartes, Cogito, ergo sum (penso, logo existo). Kardec não
repetiu Descartes, mas acrescentou um verbo novo ao pensar,
ampliando o conceito da presença de Deus no homem. Podemos
interpretar assim a posição de Kardec: “Sinto Deus em mim,
logo existo”. É o que vemos no capítulo 10 de O Livro dos
Espíritos, onde a questão é assim colocada no item 6: “O senti-
mento intuitivo da existência de Deus que trazemos em nós seria
efeito da educação e o produto de idéias adquiridas?” A resposta
dos Espíritos é esta: “Se assim fosse, porque os vossos selvagens
teriam também esse sentimento?”
A essas duas perguntas, a esse duelo que travou com os Espí-
ritos, Kardec acrescenta no comentário ao mesmo item: “Se o
sentimento da existência de um Ser supremo fosse apenas o
produto de um ensino, não seria universal e só existiria, como as
noções científicas, entre os que puderam receber o ensino.” O
conceito espírita de Deus, portanto, como todos os nossos con-
ceitos, se origina no plano do sentimento, da afetividade humana.
O homem, primeiramente, sente que Deus existe. É o caso do
selvagem, que Feuerbach acusou de medroso (criando Deus pela
imaginação aterrorizada diante da Natureza) e que Spencer dotou
de uma capacidade de abstração mental inaceitável, tanto numa
apreciação psicológica como antropológica e histórica. Primeiro
sentimos, depois pensamos. Há um livrinho de Emmanuel,
Pensamento e Vida, recebido psicograficamente, por Chico
Xavier, que explicará bem esse processo para aqueles que dese-
jarem conhecê-lo do ponto de vista espírita.
Talvez agora se torne mais clara a nossa afirmação anterior
que a Fé pertence à própria substância do Ser. Ao criar os seres
(ou Espíritos), Deus lhes imprimiu sua marca, segundo Descar-
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tes, e essa marca é a idéia de Deus, inata no homem. Mas Kardec
se refere a um sentimento intuitivo que precede à idéia e esse
sentimento é que representa a verdadeira marca do obreiro em
sua obra. Assim, primeiro sentimos Deus e depois pensamos
nele. O Ser está em nós por essa intuição, mas nós também
somos seres. Cada criatura humana é um ser espiritual, mas é
também um ser físico ou um ser corporal. Esse problema do Ser
físico, hoje colocado pela chamada Ontologia do Objeto, é
puramente verbal e, portanto, abstrato no plano da Filosofia
atual. Mas na Filosofia Espírita é um problema concreto e susce-
tível de verificação experimental. Encontramo-lo no item 605 de
O Livro dos Espíritos, que assim o coloca: “Se o homem não
possui uma alma animal, que por suas paixões o rebaixe ao nível
dos animais, tem o seu corpo, que freqüentemente o rebaixa a
esse nível, porque o corpo é um ser dotado de vitalidade, que
possui instintos, mas não inteligentes, limitados aos interesses de
sua conservação.”
Nas experiências de exteriorização da sensibilidade e da mo-
tricidade realizadas pelo Cel. Albert de Rochas, diretor do Insti-
tuto Politécnico de Paris, foi possível constatar-se a realidade
desse ser vital, que os antigos conheciam mas tomavam por uma
espécie de alma humana, como vemos a partir dos gregos. Tam-
bém em experiências de desdobramento mediúnico e em sessões
de materialização e efeitos físicos vários observadores reconhe-
ceram materialmente a existência de uma espécie de corpo
fluídico mais denso e pesado que o perispírito, que ao retirar-se
do corpo material do médium embaraçava o perispírito e ao
mesmo tempo deixava o corpo carnal em estado de morte apa-
rente. É o chamado corpo vital de certas doutrinas espiritualistas
antigas, um ser que realmente corresponde à natureza animal do
nosso corpo e é o responsável direto pelas nossas funções vege-
tativas. Assim, a Filosofia Espírita satisfaz as exigências atuais
de ligação do pensamento filosófico com os dados da investiga-
ção científica, o que aliás constitui uma de suas características
fundamentais.
O Ser, portanto, não é apenas o Espírito, é também o perispí-
rito e o corpo vital. Isso a partir do desencadeamento da Década,
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ou seja, da multiplicação do Ser único ou supremo, que é Deus.
Existe uma idéia geral de Ser, um conceito do Ser que foi bem
definido em Aristóteles e na Bíblia. Para Aristóteles, o Ser é
“aquilo que é”. Na Bíblia é Deus quem fala, embora figurada-
mente, e se explica: “Eu sou o que é”. Esse conceito desce do
plano divino para o humano em Descartes, quando verifica, no
cogito que ele é porque pensa. Mas o próprio Descartes volta ao
conceito divino ao afirmar a existência de Deus no homem, ao
encontrar essa existência no fundo do cogito, ou seja, da sua
cogitação filosófica. Então, Deus é e se afirma na intuição carte-
siana de um Ser Supremo, como se afirma no sentimento intuiti-
vo kardeciano. Parmênides, eleata, dizia que o pensamento do
Ser é o próprio Ser. E o Ser, para ele, era uma esfera pensante (a
esfericidade correspondendo à perfeição) mas como pensante,
era ativo em si mesmo. Isso nos lembra a afirmação de Aristóte-
les de que Deus é o ato puro, ou seja, o Ser absoluto em que
todas as potencialidades se encontram atualizadas, realizadas em
ato.
Na Filosofia Espírita o conceito do Ser abrange todas as cate-
gorias daquilo que é, concordando, portanto, com o pensamento
filosófico antigo e moderno. Mas ela tem as suas peculiaridades.
A definição do Ser supremo, por exemplo, nos é dada no item 1
de O Livro dos Espíritos, da seguinte maneira: “Deus é a inteli-
gência suprema, causa primária de todas as coisas.” Houve quem
considerasse essa definição como antropomórfica, pois a inteli-
gência é característica do homem. Essa crítica peca por ignorân-
cia: ignora que no Espiritismo o homem é criação de Deus e
reflete no finito os seus atributos infinitos. Antes de pertencer ao
homem, a inteligência é de Deus. Mas vejamos as proposições
que surgem dessa definição: Deus é apresentado como inteligên-
cia porque é a causa de efeitos inteligentes; esses efeitos consti-
tuem todo o Universo e todos os seres; a inteligência é o aspecto
de Deus mais acessível à nossa compreensão e mais suscetível de
verificação para nós no plano fenomênico ou existencial. No
comentário ao item 5 Kardec explica: “Para crer em Deus é
suficiente lançar os olhos às obras da Criação. O universo existe;
tem, portanto, uma causa. Duvidar da existência de Deus seria
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negar que todo efeito tem uma causa e avançar que o nada pode
fazer alguma coisa.”
Na resposta à pergunta 14 de O Livro dos Espíritos, quando
Kardec insiste numa definição mais completa de Deus, vemos a
seguinte afirmação dos Espíritos: “Deus existe, não o podeis
duvidar e isso é o essencial.” Não precisamos examinar o resto
da resposta, pois o exame desta simples sentença coloca-nos em
várias pistas. São três proposições que surgem dessa afirmação:
1) A afirmação de Deus como realidade absoluta e funda-
mental;
2) A afirmação da existência de Deus, que coloca Deus no
plano existencial, como realidade concreta e acessível
aos nossos sentidos;
3) A afirmação da impossibilidade de se negar Deus, que
não apenas é mas também existe, e de cujo ser e existir
somos partícipes.
A primeira proposição é “Deus existe”, mas se desdobra logi-
camente em duas, afirmando primeiro a realidade de Deus como
Ser e a seguir afirmando a existência de Deus. Deus como Ser é
essência, como existência se projeta no plano fenomênico. Essa
dedução provém do aspecto existencial do Espiritismo, formula-
do independentemente das chamadas Filosofias da Existência
mas contemporâneo delas. O existir de Deus é visível na Nature-
za, no Universo com suas leis: “Para crer em Deus é suficiente
lançar os olhos às obras da Criação”. Isto levou alguns teólogos a
acusarem o Espiritismo de panteísmo, mas o próprio O Livro dos
Espíritos trata do assunto, repelindo por antecipação a acusação
dos teólogos. A existência de Deus é reconhecida pelas religiões
positivas como imanência. Ora, a imanência de Deus na Nature-
za é a sua própria existência, é a sua forma de existir no plano
fenomênico. Se o Espiritismo for panteísta todas as religiões
superiores também o são, e isso de maneira irrevogável.
A terceira proposição é a de que não podemos duvidar da e-
xistência de Deus. Ela reforça as duas anteriores. Não podemos
duvidar da existência de Deus porque ela implica a nossa própria
existência e a do Universo em que existimos. Negar Deus seria
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negar a nós mesmos e negar a toda a realidade que nos cerca.
Mas a Filosofia Espírita nos mostra também que não podemos ir
além na afirmação dessa realidade suprema. Temos os nossos
limites: somos Espíritos encarnados em corpos animais, subme-
tidos a uma experiência sensorial que restringe a nossa percep-
ção e o nosso entendimento. Falta-nos um sentido, diz o item 10
de O Livro dos Espíritos, para podermos penetrar a natureza
íntima de Deus. A tentativa de “entrar num labirinto” para expli-
car o que nos é inexplicável só poderia levar-nos ao engano e
estimular o nosso orgulho. Entretanto, como vimos pela afirma-
ção do item 10, o Espiritismo não é agnóstico. A Filosofia Espí-
rita é evolucionista e sustenta que o homem chegará a compre-
ender Deus em maior amplitude e profundidade, na proporção
em que desenvolver as suas potencialidades espirituais.
Mas quando descemos do Ser supremo para os seres múlti-
plos que povoam o universo o problema se torna mais fácil.
Compreendemos sem dificuldade que Deus cria os seres com os
elementos constitutivos do Universo. A imagem simbólica do
Gênese: “Deus criou o homem do limo da terra” adquire um
sentido profundo e grave. A expressão bíblica se nimba de luz e
poesia. Não é mais um absurdo nem uma infantilidade: é a
expressão de um processo cósmico de criação. Deus não faz o
homem de barro num sentido vulgar, mas é do barro da terra,
através da ação progressiva das suas leis que Ele arranca no
correr dos milênios os seres da matriz do não-ser. Os Espíritos
são os seres múltiplos e finitos que Deus cria com o barro simbó-
lico do princípio inteligente, envolvidos na ganga do fluido
universal e do princípio material. São como sementes mergulha-
das na terra para germinar.
Mas a ontologia espírita, como todas as demais, implica ainda
os problemas de essência, existência e forma. Os dois primeiros
desses problemas obrigam-nos a uma referência histórica. O
essencialismo filosófico sofreu um abalo em nossa época com o
desenvolvimento do existencialismo. As chamadas Filosofias da
Existência encaram as coisas em sua realidade imediata, ao
contrário do clássico procedimento dos essencialistas que bus-
cam a substância das coisas. Na verdade, trata-se de um simples
38
método de abordagem do problema filosófico. Mas na Filosofia
Espírita encontramos a síntese dessas posições. Os seres têm
essência e essa essência se desenvolve através da evolução: é o
princípio inteligente. Essa essência se reveste de formas diversas
no processo evolutivo: a variedade infinita dos seres forma uma
gigantesca escala que as Ciências distribuem em numerosas
classificações de espécies, tanto na Mineralogia quanto na Botâ-
nica, na Zoologia e na Antropologia. Essência e forma constitu-
em a existência. Tudo o que existe se constitui de uma essência
que toma determinada forma e se reveste de matéria. A forma,
como Aristóteles já descobrira, não pertence à matéria mas dela
se apossa para amoldá-la. Procede de um elemento intermediá-
rio: o fluido universal, que em suas modificações diversas se
apresentava como magnetismo, eletricidade, princípio vital.
Lemos no item 27 de O Livro dos Espíritos: “Ele se coloca entre
o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, susce-
tível, em suas inumeráveis combinações com esta e sob a ação
do Espírito, de produzir infinita variedade de coisas, das quais
não conheceis mais que ínfima parte.”
Essa expressão: “é fluido, como a matéria é matéria” mostra
que a denominação de fluido tem um sentido hipostásico. Espíri-
to, fluido e matéria são as hipóstases (ou as faixas) do real. A
realidade ontológica reflete a realidade cósmica. No ser humano
essa realidade se apresenta no complexo espírito, perispírito e
matéria. Entre os dois últimos existe ainda o fluido vital, como
já vimos. Toda essa complexidade, entretanto, é simplesmente a
expressão pluralista de um monismo fundamental. A essência é
que tudo domina. Ela é a realidade última. Mas só através da
existência conseguimos atingi-la. Temos de penetrar as capas
existenciais do Ser para encontrá-lo na sua realidade essencial. É
por isso que o Espiritismo tem o seu aspecto existencialista:
vivemos na existência, evoluímos através das existências suces-
sivas, vemos todas as coisas na perspectiva existencial, mas
buscamos em tudo a sua essência, pois sabemos que somente
nela iremos encontrar o real.
A ontologia espírita oferece-nos uma visão dialética das coi-
sas e dos seres. Aprendemos que a realidade aparente é ilusória
39
(como a própria Física hoje nos mostra) mas que é também
necessária para chegarmos à realidade verdadeira. O ser humano
está no ápice da escala evolutiva existencial. Acima dele se
abrem as perspectivas de outra existência, a dos Espíritos que
superaram o domínio da matéria e que as religiões chamam
anjos, devas, arcanjos e assim por diante. Esses Espíritos conser-
vam sua individualidade após a morte do corpo e a conservam
através da evolução nos mundos superiores. Só a parte formal é
perecível: o corpo e o perispírito. A essência do Espírito é indes-
trutível, pois representa a atualização das potencialidades do
princípio inteligente, uma construção ou criação de Deus para
fins que ainda ignoramos. Como a essência é a mesma em todos
os Espíritos, encarnados e desencarnados ou encarnados em
mundos inferiores ou superiores, a comunicabilidade dos Espíri-
tos é uma lei universal, regida por princípios naturais, como os
de afinidade, justiça e amor. Essa lei de comunicabilidade mostra
na prática o absurdo da teoria existencial e a incomunicabilidade
proposta por Kierkegaard. As dificuldades da comunicação
humana decorrem do estágio evolutivo da Terra, mas já estão
sendo superadas por todas as formas de desenvolvimento materi-
al e psíquico, particularmente pelo desabrochar progressivo da
percepção extra-sensorial, no processo de aprimoramento medi-
único do homem terreno.
Um problema difícil é o da transição do princípio inteligente
para o reino hominal, após a evolução nos reinos inferiores. Em
O Livro dos Espíritos Kardec se esquivou a esse problema,
embora os Espíritos o tenham colocado em algumas passagens. É
em A Gênese, o volume final da Codificação, que ele resolve
enfrentá-lo através de comunicações com Galileu, dadas na
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas pelo médium Camille
Flammarion. Ali se define, no n° 19 do capítulo VI do referido
livro, como uma “iluminação divina”, esse momento decisivo. O
Espírito então recebe, “com o livre-arbítrio e a consciência, a
noção dos seus altos destinos”. E a comunicação acentua: “Uni-
camente a datar do dia em que o Senhor lhe imprime na fronte o
seu augusto selo o Espírito toma lugar no seio da Humanidade.”
40
Há uma espécie de seres que não figura na ontologia espírita:
a dos seres condenados para sempre ou voltados eternamente ao
mal. A Filosofia Espírita não admite essa concepção aberrante da
justiça e do amor de Deus. Há diversidades no processo de
evolução dos Espíritos, em virtude do livre-arbítrio, indispensá-
vel ao desenvolvimento da responsabilidade espiritual. Mas não
há nem pode haver seres maus por natureza, pois isso estaria em
contradição com o princípio da criação de todos os seres por
Deus. Durante um século o Espiritismo foi acusado de demonía-
co por negar a existência de espíritos eternamente maus. Agora,
a própria teologia católica se modifica em suas bases para,
graças a alguns pensadores corajosos, aproximar-se da concep-
ção espírita. É conhecido o livro revolucionário de Giovanni
Papini sobre o Diabo e suas conclusões favoráveis à posição
espírita. Menos conhecida é a posição do padre Teilhard de
Chardin, que não avançou tanto como Papini, mas acabou afir-
mando que o condenado não fica excluído da ordem divina.
Aliás, em linhas gerais, Chardin é uma espécie de aproxima-
ção conceptual do Espiritismo, um referendum católico à Dou-
trina Espírita.
A escala espírita que figura em O Livro dos Espíritos, a par-
tir do n° 100, oferece-nos um esquema ontológico da evolução
do homem. Não se trata, como lembra Kardec, de um esquema
rígido, mas de uma simples classificação em linhas gerais, para
orientação dos estudiosos. Encontramos ali as diversas ordens e
graus dos Espíritos, encarnados e desencarnados, com que nos
defrontamos neste mundo. É uma classificação espiritual que
tem a sua aplicação psicológica no tocante aos encarnados,
oferecendo-nos uma curiosa tipologia que muito nos auxiliará
nas relações sociais. A Psicologia Espírita, hoje em desenvolvi-
mento, mostrará a validade e o interesse da escala espírita na
orientação dos estudos de tipologia e caracteriologia. Como se
vê, andam enganados os que pensam que o Espiritismo é uma
espécie de fuga à realidade. Além de mostrar-nos as dimensões
ocultas do real, ele nos oferece possibilidades de maior compre-
ensão e controle da realidade aparente ou existencial que enfren-
tamos na vida terrena.
41
VI
Existencialismo Espírita
42
realizam graças ao Absoluto, ao Transcendente que supera a
Existência (aceitação dos conceitos metafísicos do Ser e do
Valor numa perspectiva religiosa); para o terceiro grupo, as
possibilidades são o que são, ou seja, possíveis em si-mesmas, de
maneira que não podem tornar-se impossíveis, nem apresentar-se
como necessidades. A frustração de um possível não o anula,
pois ele continua como possível, da mesma maneira por que uma
hipótese pode ser submetida a uma experiência negativa, mas
continuar válida e posteriormente se comprovar. A posição de
Abbagnano representa uma síntese, uma solução dialética dos
impasses em que caíram os dois grupos anteriores. E por isso
mesmo se aproxima da posição espírita.
Ao mencionar a ecstase da Filosofia Espírita estamos reco-
nhecendo nela uma estrutura ontológica. A Filosofia Espírita é
um Ser conceptual, como todos os sistemas filosóficos, mas livre
dos prejuízos do espírito de sistema, porque sua estrutura é
dinâmica e aberta, sem nenhuma ossatura dogmática. Explique-
mos: os dogmas da Filosofia Espírita são princípios de razão e
não postulados de fé, são os filamentos de uma estrutura lógica e
por isso mesmo flexíveis. Assim, podemos discernir nessa estru-
tura as suas hipóstases ou regiões ontológicas:
1) a ecstase, no sentido berkeleano de relação inicial, em
que o ser permanece fechado em si-mesmo; é o momento
em que a Filosofia Espírita nasce do sensível, do concre-
to, pelo processo científico da indução, a partir do exame
dos fenômenos; o momento em que ela se fecha na exis-
tência como um ser no mundo;
2) a ecstase, em que ela se abre na própria indução em dire-
ção à transcendência, na formulação de seus princípios
metafísicos;
3) a ecstase, em que ela se define como uma nova concep-
ção do Ser, uma nova cosmovisão, que partiu de um pon-
to existencial terreno para abranger todo o Universo.
Assim, o que chamamos de Existencialismo Espírita é a Filo-
sofia Espírita da Existência, a parte dessa Filosofia que encara o
homem no mundo, da mesma maneira que o ser aí a que se
43
referia Heidegger. Até o aparecimento do Espiritismo o pensa-
mento espiritualista era platônico: admitia o pressuposto de uma
realidade metafísica da qual decorria toda a realidade física. O
Espiritismo assumiu a posição aristotélica: buscar na realidade
concreta a sua essência possível e dela partir para as induções
metafísicas. O Livro dos Espíritos começa com a afirmação da
existência de Deus, mas já vimos que essa existência se prova na
própria existência do mundo, que Deus pode ser encontrado num
simples lançar de olhos sobre a natureza. Temos de figurar
Kardec-educador, a estudar o ser humano para poder educá-lo;
Kardec-magnetizador, a estudar a influência magnética do ho-
mem e entre os homens para poder conhecê-los melhor; Kardec-
cientista, a observar os fenômenos físicos em sessões mediúnicas
e posteriormente a investigar os problemas do desprendimento
espiritual durante o sono, numa série de experimentações rigoro-
samente controladas, para podermos compreender a posição
existencial do Espiritismo na abordagem do problema do Ser.
Os problemas comuns das Filosofias da Existência são preci-
samente os problemas espíritas: o Homem como um ser no
mundo; a Existência como uma forma peculiar da vivência
humana, uma atualização absoluta (segundo Bochenski) e um
constante refazer-se no tempo; o ser humano como um projeto
que atravessa a Existência, que nela aparece feito (a facticidade
humana se constituindo de subjetividade, afetividade e liberda-
de), de maneira que o homem é um ser atirado ao mundo com o
nascimento, para avançar em direção à morte, através do deses-
pero, da angústia, da dor. As Filosofias da Existência procuram
resolver esses problemas pela investigação fenomenológica, a
partir dos dados do existir, que é, na verdade, a própria vivência
do mundo. Essa vivência se caracteriza pela percepção da fragi-
lidade humana que gera o desespero e a angústia do homem. Nas
correntes espiritualistas, como em Marcel, a angústia é substituí-
da pela esperança conferida pela fé, mas essa solução metafísica
não consegue repercurtir nos demais pensadores. Heidegger
considera o homem como ser para a morte, mas essa definição
pessimista é atenuada pela sua afirmação de que o ser se comple-
ta na morte.
44
Toda essa temática existencial está presente na Filosofia Es-
pírita. Bastaria lembrarmos, por exemplo, o livro famoso de
Léon Denis, um clássico do pensamento espírita e continuador
da obra de Kardec, intitulado O Problema do Ser, do Destino e
da Dor, para vermos como a posição existencial da Filosofia
Espírita se entrosa na corrente existencial da atualidade. Mas O
Livro dos Espíritos, contemporâneo das obras de Kierkegaard, o
iniciador dessa moderna corrente filosófica, já coloca os proble-
mas existenciais de maneira precisa, como veremos a seguir.
Comecemos pelo problema da facticidade. Com o nascimen-
to, o homem aparece feito no mundo. Sua Facticidade se compõe
do seu corpo e do seu psiquismo (corpo e espírito), de sua afeti-
vidade e sua liberdade (sua capacidade de percepção e seu livre-
arbítrio) e esta facticidade está carregada de possíveis, das possi-
bilidades que irão se desenvolver na existência. O homem parte,
como uma flecha, do ventre materno para o berço, deste para a
vivência do mundo (atravessando a existência como um projétil)
para atingir o seu alvo na morte. Numa perspectiva puramente
existencial o homem, na sua facticidade, não tem mais do que
possibilidades, mas estas possibilidades vão se atualizar na
existência, nos limites permitidos pelas circunstâncias. Não há,
portanto, uma essência no homem, considerado o homem como o
existente, mas apenas possibilidades. Sartre define a essência do
homem como um suspenso na sua existência, pois a essência
humana vai ser elaborada através da sua vivência no mundo.
Essa essência, portanto, só se completa com a morte, com o fim
da existência. Isto nos lembra a imortalidade memorial do Posi-
tivismo de Comte. O que o homem fez na existência é que
constitui a sua essência. Com a morte o homem se acaba e sua
essência permanece no mundo como um simples fato cultural.
Não obstante, a vida do homem é uma paixão inútil, um esforço
constante de superação, de transcendência. O animal vive, mas o
homem existe, e esse existir se caracteriza pela paixão, pelo
impulso de transcendência conscientemente dirigido. Só existe o
homem que segue esse impulso.
É fácil compreender que as filosofias da Existência, à manei-
ra do que Kardec dizia das Ciências, avançam paralelas ao
45
Espiritismo até certo ponto e depois se detêm, perplexas diante
do mistério. O momento em que elas se detêm é o limiar da
interexistência, esse intermúndio em que o ser se completa na
morte, mas no qual se passam também fatos da mediunidade. É
nesse momento que o Existencialismo se transcende a si-mesmo
para transformar-se em Interexistencialismo. A Filosofia Espírita
da Existência não se limita ao existir no mundo, como um fato
simplesmente fenomênico, mas graças ao conceito de mediuni-
dade oriundo da investigação científica objetiva e nela desenvol-
vido descobre o existir no intermúndio (que os gregos já conhe-
ciam como o existir dos deuses) e descobre ainda o suceder das
existências no mundo como um processo palingenésico inerente
a toda a Natureza (que os gregos também conheciam).
Assim, a Filosofia Espírita, em sua ecstase existencial, ilumi-
na os problemas obscuros do Existencialismo. A facticidade
misteriosa se explica pelo fazer anterior do Ser, através do
desenvolvimento do princípio inteligente e sua projeção na
existência como ser humano. Atravessando a existência, como
um projétil (o projeto existencial) o homem completa na morte
não o seu próprio Ser, mas o ser do corpo que chegou aos limites
de suas possibilidades, nem a sua própria essência, mas apenas a
essência de uma existência, através da vivência das experiências
necessárias ao seu atualizar progressivo.
Para a Filosofia Espírita o corpo não é uma instância ontoló-
gica, mas uma instância existencial. Da existência material o ser
passa para a existência espiritual, mudando de instância existen-
cial: substitui o corpo físico pelo corpo energético do perispírito.
E na existência espiritual encontramos ainda o problema existen-
cial da facticidade com todas as suas implicações. O Espírito
aparece feito no plano espiritual, dotado de um corpo que foi
elaborado anteriormente, de um psiquismo que se desenvolveu
na vivência mundana, com sua afetividade e sua intelectualidade
preparadas nas existências sucessivas e consumadas na derradei-
ra existência material. Não obstante, e até por isso mesmo, a
existência espiritual é uma transcendência da existência material,
é o momento em que a síntese do em-si e do para-si, que Sartre
considera impossível, se realiza no em si-para-si, ou seja, na
46
existência espiritual que, para os gregos, era divina e os levava a
chamar os Espíritos de deuses.
Mas o conceito de mediunidade ilumina também a existência
terrena, dando-lhe uma nova dimensão. O existente ou homem no
mundo adquire a condição espírita de interexistente ou homem
no intermúndio. O avanço das Ciências Psicológicas está com-
provando essa realidade já demonstrada pelo Espiritismo e
sustentada pela Filosofia Espírita. A descoberta da percepção
extra-sensorial provou que os rígidos limites existenciais não
correspondem à realidade existencial. Há, na própria existência
terrena, corporal, mundana, uma realidade psíquica superando e
envolvendo a realidade puramente vital do homem. E quando
Heidegger se refere ao ser no mundo, como Mitsein (ser com
outros, o ser social) e à Mitdasein, ou coexistência (vida social),
temos de acrescentar a esses dois conceitos a dimensão mediúni-
ca das testemunhas de que falava o apóstolo Paulo, dos outros
espirituais que nos envolvem e, portanto, da convivência espiri-
tual que experimentamos através da existência.
Para a Filosofia Espírita da Existência o existente se define
pela mediunidade. Esta consiste na faculdade normal (nem
sobrenatural nem paranormal) de percepção extra-sensorial e,
portanto, de comunicação com os existentes do intermúndio. A
dinâmica e a mecânica dessa comunicação são estudadas em
O Livro dos Médiuns, que é um desenvolvimento dos problemas
mediúnicos de O Livro dos Espíritos. O existente atualiza as suas
possibilidades mediúnicas que lhe ampliam a consciência de si-
mesmo e da sua natureza existencial, através do desenvolvimen-
to mediúnico, que não é apenas o sentar-se à mesa de sessões
para receber espíritos, mas principalmente aguçar a visão espiri-
tual, entendendo-se por visão todo o complexo da percepção
extra-sensorial. Esse aguçamento equivale a um transcender dos
limites existenciais, pois é um liberar progressivo da percepção
global do espírito, um escapar da prisão sensorial orgânica para
outras dimensões da realidade. O existente, com essa atualização
dos seus possíveis espirituais, torna-se um interexistente, um ser
no intermúndio. Mas o intermúndio não é um conceito espacial e
sim um conceito hipostásico, não é quantitativo, mas qualitativo.
47
A intuição grega dos deuses se converte na realidade espírita dos
Espíritos e a do intermúndio espacial na realidade do intermún-
dio psíquico.
O interexistente não é apenas intuição, nem apenas hipótese,
ou formulação teórica. Pelo contrário, o interexistente é uma
realidade histórica, antropológica, que podemos encontrar em
todos os tempos e lugares. Foram interexistentes os videntes e
profetas de todas as épocas, os xanãs e pajés das tribos selva-
gens, os oráculos, as pitonisas, os taumaturgos de todas as religi-
ões. São interexistentes os médiuns e os paranormais de hoje, os
gênios de todas as épocas, os fundadores e propagadores de
religiões. A História da Filosofia oferece-nos as figuras de
Sócrates, Platão, Plotino, Descartes e Bergson como interexisten-
tes. Na História da Psicologia temos o caso recente de Karl Jung.
Na História Política e Militar as figuras de Joana D'Arc, Abraão
Lincoln, Makenzie King (do Canadá), Lord Dowding (Coman-
dante da RAF na defesa de Londres durante a última guerra
mundial), e assim por diante. Os casos famosos de Francisco
Cândido Xavier e José Pedro de Freitas (Arigó) foram objeto de
estudos numerosos, inclusive um estudo do primeiro como
interexistente, publicado no livro Chico Xavier, Quarenta Anos
no Mundo da Mediunidade, de Roque Jacintho. O conceito
espírita de interexistente se comprova na realidade histórica e na
realidade cotidiana das nossas próprias existências, quando não
em nós mesmos.
O problema da comunicação, que a partir de Kierkegaard o
Existencialismo colocou de maneira dramática – Kierkegaard
rompeu o noivado porque não podia comunicar-se nem mesmo
com a noiva, considerando como única forma de comunicação a
do homem com Deus (o outro, segundo sua expressão) – esse
problema é amplamente resolvido pela Filosofia Espírita da
Existência. A comunicação é uma categoria filosófica do Espiri-
tismo que tem amplitude cósmica. Vemos em O Livro dos Espí-
ritos que o fluido universal é o veículo do pensamento, assim
como o ar é o veículo da palavra. O homem pode comunicar-se
às maiores distâncias. Daí a validade da prece, que é forma de
comunicação. As experiências atuais de telepatia à distância
48
confirmaram essa tese espírita, a ponto de levarem os cientistas
soviéticos, materialistas, a se empenharem nas pesquisas telepá-
ticas.
O aguçamento da visão espiritual pelo desenvolvimento me-
diúnico implica um problema filosófico de comportamento. A
Filosofia Espírita da Existência coloca esse problema em termos
de moralidade. Opõe-se assim aos sistemas orientais de desen-
volvimento artificial das faculdades psíquicas, por entender que
esses sistemas perturbam o equilíbrio existencial do homem. Só
a moralidade, a evolução moral do ser e, portanto, o desenvolvi-
mento de suas potencialidades espirituais pode permitir à criatura
humana o aguçamento de sua visão espiritual. Cada existência é
um processo condicionado pelas anteriores e pela preparação do
Ser no mundo espiritual. Tem o seu plano e os seus limites,
sendo estes determinados pelo grau de desenvolvimento real do
Ser e pelos compromissos que o ligam às circunstâncias terrenas.
Qualquer tentativa de fuga a esses determinismos existenciais –
o que pode ser feito em virtude do livre-arbítrio – atenta contra o
equilíbrio moral do Ser. Assim, a Filosofia Espírita da Existência
revela mais uma vez sua natureza de síntese do Conhecimento:
coloca-se entre as posições contrárias ao edonismo materialista
ou existencialista, de um lado, e do absenteísmo religioso ou
místico, de outro lado, postulando a obediência às leis naturais, o
que, no caso da concepção existencial, equivale ao respeito pela
existência e seus fins.
49
VII
Cosmossociologia Espírita
55
sua participação na vida espiritual ou sua atividade ocul-
ta ou ostensiva na própria vida corporal.
2) Astrossociologia – Estudo das relações sociais de ordem
espiritual entre os diversos Mundos: migrações de Espíri-
tos, manifestações de Espíritos de outros planetas na Ter-
ra e vice-versa, possibilidade da percepção anímica ou
extra-sensorial nas relações interplanetárias e interespa-
ciais em geral.
A Parassociologia está bem exposta em O Livro dos Espíri-
tos, nos capítulos VIII e IX do Livro II.
A cosmossociologia se encontra nos capítulos IV, V e VI do
Livro II. Os capítulos X e XI do mesmo Livro II completam a
Cosmossociologia Espírita, estudando as ocupações e missões
cósmicas dos Espíritos e as suas atividades telúricas na vida
planetária.
O Livro dos Médiuns é o compêndio básico para o estudo dos
vários tipos de relações da Parassociologia e da Cosmossociolo-
gia.
O Evangelho Segundo o Espiritismo é o código moral da vida
espírita e, portanto, o livro em que os princípios normativos da
Sociologia Espírita se encontram definidos e explicados.
O problema das relações interplanetárias, hoje colocado pelas
pesquisas astronáuticas, figura no cap. III da primeira parte de O
Livro dos Espíritos, itens 55 a 58, sob o título de “Pluralidade
dos Mundos”. O astrônomo Camille Flammarion, que era mé-
dium psicógrafo e trabalhava com Kardec na Sociedade Parisien-
se de Estudos Espíritas, publicou uma obra sobre o mesmo
assunto. As relações astronáuticas, entretanto, só poderão efeti-
var-se entre Mundos semelhantes quanto à densidade física de
sua constituição. Na pergunta 56 O Livro dos Espíritos aborda o
problema da diferença da constituição física dos diversos plane-
tas e, conseqüentemente, da diferença dos organismos corporais
de seus habitantes. Nada impede, entretanto, que os Mundos
mais diversos se comuniquem entre si pelas vias mediúnicas,
pois o Espírito é sempre o mesmo em toda parte.
56
Os Mundos nascem e morrem. Lemos no item 41 de O Livro
dos Espíritos: “Deus renova os Mundos, como renova os seres
vivos.” A Escala dos Mundos nos mostra que eles evoluem. E o
item 185 desta obra esclarece: “Os Mundos também estão sub-
metidos à lei do progresso. Todos começaram como o vosso, por
um estado inferior, e a própria Terra sofrerá uma transformação
semelhante, tornando-se um paraíso terrestre quando os homens
se fizerem bons.” Assim, os Mundos formam uma coletividade
cósmica. Estão ligados entre si pela rede das leis universais,
pelas incessantes comunicações dos Espíritos através do Cos-
mos, pelas migrações individuais e coletivas dos seres no proces-
so evolutivo. O item 176 de O Livro dos Espíritos afirma: “To-
dos os mundos são solidários”.
A solidariedade dos Mundos é uma decorrência natural da u-
nidade e organicidade do Cosmos. A concepção espírita do
Universo é monista. Há na Terra muitos homens, em diversos
graus de evolução (item 176) que nela se encontram pela primei-
ra vez, e nem por isso se diferenciam dos outros. O Espírito
humano é um só e tem a flexibilidade necessária para conformar-
se, em cada Mundo, às suas exigências e ao seu tipo específico
de cultura. Dessa maneira não há razão para os temores que
certas pessoas revelam no tocante à possibilidade de criaturas de
outros planetas invadirem a Terra. Na verdade, elas estão cons-
tantemente invadindo, como nós, os terrícolas, também invadi-
mos outros Mundos. A Humanidade é cósmica e as leis univer-
sais equilibram a sua distribuição nos diferentes Mundos.
As distâncias espaciais, como antigamente as distâncias entre
os continentes na Terra, só podem ser vencidas por criaturas que
tenham alcançado elevado grau de evolução. As naves interpla-
netárias que chegarem à Terra só podem ser tripuladas por
criaturas de uma civilização superior à nossa. É o nosso prima-
rismo que nos leva a imaginar invasões interplanetárias destrui-
doras. À proporção que superamos os nossos conflitos na Terra
nos tornaremos mais aptos a compreender a harmonia do Univer-
so, a unidade espiritual das criaturas e a solidariedade dos Mun-
dos. Então estaremos em condições de receber os nossos irmãos
de outros planetas, que poderão trazer-nos, como fazemos hoje
57
entre os países civilizados, as contribuições de suas diferentes
culturas para enriquecerem a nossa.
–0–
58
Ficha de Identificação Literária
Notas:
1
Esta obra foi lançada em 1983 (nota do digitalizador).
60