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METODOLOGIA DO

ENSINO DE FILOSOFIA

Autoria: Dra. Viviane Bonfim Fernandes

2ª Edição
Indaial - 2020

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2020


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
F363m

Fernandes, Viviane Bonfim

Metodologia do ensino de filosofia. / Viviane Bonfim Fernandes.


– Indaial: UNIASSELVI, 2020.

106 p.; il.

ISBN 978-65-5646-023-9
ISBN Digital 978-65-5646-024-6

1. Filosofia - Estudo e ensino. - Brasil. Centro Universitário


Leonardo Da Vinci.

CDD 107

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO.........................................................7

CAPÍTULO 2
O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA............43

CAPÍTULO 3
A SALA DE AULA DE FILOSOFIA...................................................73
APRESENTAÇÃO
A disciplina de Metodologia do Ensino de Filosofia se apresenta como um
importante componente curricular na formação do professor de Filosofia, não só
por criar espaço para a reflexão sobre a relação entre o pensamento filosófico e
a formação humana, mas por refletir os aspectos práticos da ação docente do
professor de Filosofia.

Pensar na ação do docente de Filosofia implica em reconhecer os passos


da reflexão filosófica e seus impactos, tanto na formação da consciência crítica
como na metodologia aplicada pelo docente de Filosofia. Está aí a importância do
estudo da história da Filosofia: também verificar as diversas formas de se definir
e fazer Filosofia.

Além das questões referentes aos conceitos filosóficos propriamente ditos,


pensar nas questões metodológicas do ensino de Filosofia na educação básica
implica também em compreender como e quando esse espaço é concedido.
Assim, faz-se necessário analisar os contextos sócio-políticos dessa concessão e
suas implicações ideológicas em sala de aula.

Depois de discutidas as questões conceituais e políticas que envolvem a


problemática do ensino de Filosofia, cabe refletir sobre a metodologia de ensino
propriamente dita, a relação entre as teorias educacionais e a Filosofia, as
metodologias do ensino de Filosofia, as questões da aprendizagem, bem como
a avaliação de ensino. Todas essas questões serão discutidas ao longo de três
capítulos.

O Capítulo 1 trata dos aspectos ligados ao campo disciplinar em questão,


e sua relação com a formação crítica do homem. Procura refletir sobre o caráter
eminentemente prático da Filosofia, que é o próprio pensar filosófico como parte
indissociável da ação pedagógica, e sua importância na formação de cidadãos
críticos e autônomos. Outro aspecto a ser abordado diz respeito à forma como
o conhecimento foi tratado ao longo do tempo, suas limitações e as novas
possibilidades epistemológicas.

O Capítulo 2 discute os problemas políticos em torno do ensino de Filosofia e


suas implicações no dia a dia da escola. Assim, procura refletir sobre a ausência e
a presença do ensino de Filosofia na educação básica brasileira e sua relação com
a história política do Brasil, observando os interesses em jogo e suas implicações
ideológicas.
O Capítulo 3 aborda as questões teórico-metodológicas do ensino de
Filosofia, pontuando a relação entre teoria e prática. Discorre sobre o método
dialógico como alternativa metodológica, e a importância da avaliação como
ponto central da aprendizagem.

Desse modo, a disciplina possibilita ao acadêmico refletir sobre sua
prática docente a partir dos próprios elementos do pensar filosófico, levando-o
a identificar importância da Filosofia para o desenvolvimento do pensamento e
da criticidade, elementos emancipadores necessários para desenvolver sujeitos
livres, autônomos e conscientes da sua própria história.
C APÍTULO 1
A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender como o conceito de Filosofia se constituiu ao longo do tempo.

� Identificar a importância de Filosofia para a formação do homem crítico.

� Reconhecer o caráter prático da Filosofia.

� Valorizar a filosofia enquanto saber prático e fundamental.


Metodologia do Ensino de Filosofia

8
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Tratar do ensino de Filosofia implica refletir sobre dois conceitos centrais —
Filosofia e Ensino —, para só depois se estabelecer uma relação entre ambos.
Compreender de maneira mais ampla os conceitos de Filosofia e de Ensino,
certamente ajudará a clarear os caminhos para se estabelecer uma metodologia
de ensino mais crítica e mais adequada, dentro de seu contexto do ensino.

A palavra Filosofia, que significa amor pela sabedoria, representou uma


mudança na forma como o homem explicava o mundo a sua volta. Seu conceito
surge na Grécia, e apresenta a razão como meio mais adequado para se conhecer
a verdade. Esse momento aponta a gênese da busca pelo conhecimento de
modo mais apurado, mais consistente, porém ainda especulativo, no sentido de
ser um conhecimento demonstrável apenas racionalmente.

Desse modo, a Filosofia se coloca enquanto o ponto de partida A Filosofia se coloca


de todas as ciências, pois chancela o uso da razão como principal enquanto o ponto
instrumento para se alcançar a verdade. Estudar Filosofia implica de partida de todas
conhecer a história do conhecimento humano. Porém, mesmo estando as ciências, pois
presente na base de todas as ciências, ela não se apresenta enquanto chancela o uso da
razão como principal
conhecimento científico, mas como ponto de partida do desenvolvimento
instrumento para se
da ciência, por tratar do pensamento em busca de explicações racionais. alcançar a verdade.

Já a palavra ensino significa educar, doutrinar, instruir, repassar ensinamentos,


transmitir conhecimentos. Ensinar é educar. Em se tratando do papel do professor
como mediador, e não como mero transmissor de conhecimentos, pode-se dizer
que o ensino envolve a mediação entre o aprendiz e o conhecimento acerca do
mundo, e serve para formar os homens para a vida em sociedade, trazendo-lhes
conhecimentos de fora, como os das reflexões feitas pelos filósofos ao longo da
história, e estimulando o desenvolvimento de suas capacidades internas, que
dizer, sua capacidade de crítica e inquiridora do mundo, por exemplo.

Levando em consideração a abordagem de Freire (1987, p. 68),


Freire (1987, p. 68),
“o educador já não é o que apenas educa, mas o que enquanto educa, “o educador já não
é educado, em diálogo com o educando que ao ser educado também é o que apenas
educa. ” O ato de educar se dá a partir da interação entre educador e educa, mas o que
educando, sendo o próprio processo de educar e ser educado uma via enquanto educa, é
de mão dupla. É nesse sentido que o professor precisa estabelecer o educado, em diálogo
com o educando
diálogo como fonte primordial de acesso à informação, principalmente
que ao ser educado
sobre o próprio educando, colocando-se, também, como ouvinte, para também educa.
que possa aprender com o educando os caminhos necessários para
a sua aprendizagem. Esse é o método dialógico de ensino proposto por Freire

9
Metodologia do Ensino de Filosofia

— o educador e educando participam ativamente do processo de ensino e


aprendizagem.

Já agora, ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém


se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,
mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos
cognoscíveis que, na prática “bancária”, são possuídos pelo
educador que os descreve ou os deposita nos educandos
passivos (FREIRE, 1987, p. 69).

Conforme Freire (1987), os homens se educam em comunhão, ou seja,


a educação não é um processo isolado, mas social, pois não se faz educação
sozinho. Educar é uma via de mão dupla, tendo em vista que não envolve apenas
a ação do professor, o qual precisa dos alunos para que a ação aconteça.

A própria formação do professor depende da ação dos alunos. E para que


a formação do professor se realize, é necessário dar ênfase à prática na sala
de aula. Porém, vale salientar que ela nunca se esgota, porquanto, para que se
melhore a ação docente, sempre há o que aprender com os alunos. Além disso,
o mundo está em constante movimento, e o conhecimento acerca do mundo
também. Isso tudo é resultado da própria ação dos homens no mundo. Portanto, o
processo educacional segue o mesmo ritmo de mudança e atualização.

Freire (1987) alerta sobre os problemas da prática docente, e tece uma


crítica à concepção “bancária” de educação, que consiste na mera transmissão
de conteúdos, e o educador deposita-os nos educandos. Essa prática ainda
muito comum atualmente, típica da educação tradicional, trata o educando como
um ser passivo, um mero receptor, não lhe dando a possibilidade de atuar e se
desenvolver como sujeito no processo de aprendizagem. Entretanto, a proposta
de Freire (1987) consiste justamente no contrário, numa educação que possa
ser capaz de mostrar a capacidade do educando como sujeito construtor de sua
própria história, capaz de ser um sujeito revolucionário, e que, em comunhão com
os outros, possa se libertar das amarras da sociedade que os oprime. Para tanto,
o que deve predominar na sala de aula é o diálogo entre educador e educando,
de modo que os argumentos de autoridade desapareçam, dando espaço para a
liberdade se manifestar, e assim conduzir à libertação social.

A sala de aula de Filosofia, ao revelar a evolução do conhecimento ao


longo do tempo, permite revisitar os diversos modos utilizados pelo homem para
conhecer e pensar a própria realidade. Faz transparecer o aspecto didático da
Filosofia, demonstrando o caminho metodológico da apreensão do conhecimento
pelo homem. Da mesma forma, estimula o uso da racionalidade como modo de
interagir com o mundo. Por conseguinte, a Filosofia se relaciona diretamente
com a Educação, pois o passo a passo do conhecimento também é um método

10
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

de aprendizagem. Ao demonstrar o modo como o homem desenvolveu o


conhecimento a partir da racionalidade, desenvolve nos educandos habilidades
relacionadas ao modo de conhecer e buscar conhecimento.
Filosofia e Educação convergem, haja vista que a Filosofia é a base para a
promoção da consciência crítica no homem, além de um dos objetivos macros da
Educação, que busca formar sujeitos críticos, conscientes, autônomos, livres, e
capazes de se porem no mundo como construtores da sua própria realidade. Para
tanto, muitos caminhos precisam ser percorridos, e a formação filosófica não só
tem a capacidade de desenvolver as estruturas cognitivas como a de fornecer,
em conjunto com as outras áreas do saber, o conteúdo necessário para o seu
desenvolvimento.

2 O CARÁTER PRÁTICO DA
FILOSOFIA
A Filosofia ainda que se apresente de forma teórica — aspecto muito
combatido atualmente —, também possui um caráter essencialmente prático,
tanto por se ocupar com o levantamento de problemas relativos ao mundo e à
existência como por ser necessário resolver essas questões.

Um outro aspecto prático diz respeito à relação entre a forma de


O ensino da
ensinar Filosofia e suas questões teóricas, ou seja, o ensino da Filosofia Filosofia depende de
depende de sua compreensão por parte docente, e cada forma de sua compreensão
conceituar Filosofia implica em uma forma metodológica de ensiná-la. por parte docente,
Logo, o entendimento que o docente tem da Filosofia determina o modo e cada forma de
como ele a ensina. “Tampouco é o mesmo ensino segundo quem seja conceituar Filosofia
implica em uma
o que ensina. E nisso influem desde os conhecimentos filosóficos e
forma metodológica
pedagógicos que se possui até o tipo de vínculo que aque­le que ensina de ensiná-la.
mantém com a filosofia e com o ensino” (CERLETTI, 2009, p. 8).

Não existe um único caminho no ensino da Filosofia. Seu ensino


A prática
depende do modo como o docente se relaciona com os conhecimentos pedagógica não se
filosóficos e educacionais que possui. A formação teórica do docente faz de forma neutra.
concede o tom em sua maneira de ensinar. Temos aqueles que Ela é sempre reflexo
possuem ligação mais forte com a formação filosófica propriamente dita, de uma concepção
e outros com a formação pedagógica. Esses vínculos determinarão o teórica, seja de
forma consciente ou
tipo de professor que se sucederá. Desse modo, a prática pedagógica
não.
não se faz de forma neutra. Ela é sempre reflexo de uma concepção
teórica, seja de forma consciente ou não. Somente se ensina o que se sabe, e
como se sabe. Assim, o professor de Filosofia ensina o seu modo de filosofar.

11
Metodologia do Ensino de Filosofia

Daí a tamanha importância de o docente verificar e revisar constantemente


suas próprias concepções teóricas, sobretudo quando se constata o movimento
inerente à própria realidade que sempre interfere, criando a necessidade de novas
sínteses teóricas.

“Poderíamos perguntar-nos, antes de mais nada, se é real­mente


possível ensinar filosofia sem uma intervenção filosófica sobre os
conteúdos e as formas de transmissão dos ‘saberes filosóficos’; ou
sem responder, univocamente, que é filosofia? ” (CERLETTI, 2009,
p. 7, grifo no original).

Segundo Cerletti (2009), ensinar Filosofia se constitui uma tarefa subjetiva,


de constante atualização, autoformação e transformação de si mesmo. A cada
nova turma, a cada novo contexto, a cada nova reflexão, a ação docente se
transforma. O bom professor é aquele que consegue, de forma ativa e criativa,
construir a sua própria prática a partir dos instrumentos que dispõe, sendo capaz
de repensá-la na medida em que esses elementos se modificam.

Como as teorias filosóficas podem auxiliar na metodologia do


ensino de Filosofia?

Sabe-se que a Filosofia nasce com Tales de Mileto, quando ele procura a
explicação do mundo no próprio mundo, e assim determina a origem de todas
as coisas em um elemento da própria natureza. Dessa forma, acaba saindo da
abordagem mitológica da realidade, em que a origem das coisas e do mundo
se localizavam nas narrativas que misturavam deuses e homens. Tales dá um
salto metodológico, buscando mais clareza nas respostas às perguntas que fazia.
Porém, seu salto metodológico não é de todo absorvido pela tradição filosófica
que a ele se segue. Seu método de buscar no próprio mundo a explicação para ele
mesmo foi deixado de lado. Assim, a ciência empírica, pautada na observação,
que mais tarde foi adiada pela tradição vinda de Parmênides, influenciou Sócrates,
Platão e, por consequência, Aristóteles.

12
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

A tradição ganhou um viés metafísico, pois passou a se ocupar com uma


verdade estritamente racional, que buscava a coerência lógica entre as ideias,
deixando de lado a relação dessas com o mundo e o movimento a ele inerente.
Passou a se apoiar nos atributos da racionalidade para conferir verdade a
seus enunciados, negando tudo que é transitório, e estabelecendo critérios de
veracidade que deixavam de fora o mundo em movimento, entre eles o princípio
da não contradição formulado por Aristóteles: “A é A e não pode ser não A, isto
é, é impossível que uma coisa seja idêntica a si mesma e contrária a si mesma,
ao mesmo tempo e na mesma relação” (CHAUÍ, 2002, p. 365). Esses critérios de
verdade consideram verdadeiro aquilo que é estático e fixo, deixando o movimento
do real fora dos critérios de verdade. Esse princípio acabou influenciando a ciência
moderna, mas está sendo criticado. Observe:

O princípio de explicação da ciência clássica via no


aparecimento de uma contradição o sinal de um erro de
pensamento e supunha que o universo obedecia à lógica
aristotélica. As ciências modernas reconhecem e enfrentam as
contradições quando os dados apelam, de forma coerente e
lógica, à associação de duas ideias contrárias para conhecer o
mesmo fenômeno [...] (MORIN, 2010, p. 20).

Assim, desde os pré-socráticos, a Filosofia foi levada para o campo


estritamente racional, e acabou se distanciando da observação do mundo. A
tradição ocidental passou séculos validando conceitos racionais sem se ocupar
em associá-los à realidade. Partia dela, mas não necessariamente voltava a ela, e
a unidade entre mundo e pensamento se perdeu.

“Eis uma resposta absolutamente cristalina para nossa pergunta: ‘Por que
filosofar?’ Existe necessidade de filosofar porque a unidade está perdida. A origem
da filosofia é a perda do uno, é a morte do sentido” (LYOTARD, 2013, p. 45).
Quanto a isso, só mais tarde a unidade entre os contrários começa a ser pensada
como parte legítima do real, principalmente com o pensamento dialético proposto
por Hegel, também utilizado por Marx.

Mas, por que a unidade se perdeu? Por que os contrários se


tornaram autônomos? Como é que a humanidade, que vivia na
unidade para a qual o mundo e ela própria tinham um sentido, eram
significantes, como Hegel diz na mesma passagem, pôde perder
sentido? (LYOTARD, 2013, p. 46).

13
Metodologia do Ensino de Filosofia

As respostas a essas questões talvez tenham sido dadas por Nietzsche,


quando questiona a dualidade metafísica criada por Anaximandro, e reforçada
por toda a tradição. Dualidade essa que dividiu a concepção de mundo em duas
— o metafísico e o físico. Este deveria ser negado enquanto fonte da verdade,
visto que se refere ao mundo marcado pelo movimento, pela contradição, pela
multiplicidade. Aquele ganha os créditos da verdade, pois é o mundo sem
movimento, o mundo dado racionalmente, o qual as verdades são fixas e eternas,
sendo o mundo confiável. Vale observar que antes de Nietzsche, Hegel já havia
apontado esse problema enquanto relacionado à concepção ligada à ideia de
unidade dos contrários, que foi perdida desde os primórdios da Filosofia:

[a fala de Hegel] […] afirma claramente que a filosofia nasce


simultaneamente à morte de algo. Esse algo é o poder de
unificar. E o que esse poder unificava eram as oposições, que,
sob esse poder, mantinham relação e interação vivas. Quando
esse poder perece, a vida da relação e da interação declina e
aquilo que era unido se torna autônomo, quer dizer, só encontra
sua lei, sua posição em si mesmo. Ali onde reinava uma lei
única que governava os contrários, passa a predominar uma
multiplicidade de ordens separadas, ordens, uma desordem
(LYOTARD, 2013, p. 46).

A multiplicidade parece ter sido o grande problema da tradição, pois a ela é


inerente o movimento. Ela deixa evidente a diversidade do mundo, porém essa
diversidade era vista por Heráclito como tensões opostas e necessárias para que
o mundo pudesse ser harmonioso.

O uno também é chamado de guerra, o que une também é


chamado o que divide. Talvez seja em razão dessa oposição
instalada no núcleo daquilo que rege todas as coisas que
Heráclito diz no fragmento 32: “O uno não quer e quer ser
recolhido e nomeado sob o nome de Zeus”. Mas é seguramente
porque a conjunção do uno que une, a harmonia, e do uno
que divide, da guerra, tem em todos os lugares força de lei
que Heráclito diz no fragmento 54: “A harmonia invisível é mais
forte que a visível” (LYOTARD, 2013, p. 51).

Desse modo, o pensamento de Heráclito demonstra a necessidade da luta


de forças opostas para se ter a unidade do mundo. No entanto, seu entendimento
sobre a unidade dos contrários se perdeu. A partir de Anaximandro e Parmênides,
a rejeição ao múltiplo e ao movimento se tornou evidente, pois passaram a
compreender que os opostos se destruíam, e não mais que a tensão entre eles
formava a unidade harmoniosa do mundo.

Além de Hegel, um dos grandes críticos dessa tradição ocidental foi


Nietzsche, acusando-a de forjar uma verdade metafísica acerca do mundo, visto
que, ao considerar o princípio da não contradição como validador da verdade,
acabou negando as contradições da realidade. Como para Nietzsche a realidade
14
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

se apresenta de modo contraditório, pois está sempre em movimento, essa


verdade racional não contraditória não conseguiria explicar de modo satisfatório
um mundo contraditório por si mesmo.

Logo, Nietzsche demonstra a impossibilidade de a verdade metafísica explicar


o mundo. Quer dizer, conclui que a verdade forjada pelo pensamento ocidental,
que entende o verdadeiro como fixo, imutável e por isso não contraditório,
dissolve-se perante a realidade da vida, como castelos de areia engolidos pelas
ondas do mar. Sua crítica à tradição filosófica põe por terra os critérios de verdade
até então consolidados. Assim, anuncia a crise da razão, que só se consolidou
depois dos sórdidos acontecimentos do século XX.

A formulação generosa de Kant, de uma razão voltada para a


liberdade e que conduziria o homem para um mundo melhor,
não se materializou na realidade. A ideia de um sujeito que
detém a razão, que foi o sustentáculo do processo educacional
e a base da modernidade, é duramente questionada pela
própria complexidade do real. Perde-se a confiança na
razão e no chamado progresso, que era uma espécie de
mito moderno. As atrocidades do século XX, perpetradas
exatamente pelas nações “educadas” - onde a escolarização
e o desenvolvimento tecnológico chegaram a um patamar
mais avançado – podem servir como exemplo de que a razão
pretensamente emancipatória acabou por transformar-se em
força de dominação e destruição (NEUKAMP, 2008, p. 15).

Portanto, a razão crítica de Kant, responsável em emancipar o homem,


não se consolidou como pensavam os iluministas. O que se observou foi uma
extrema especialização e a perda da criticidade. Movimento que os frankfurtianos
chamaram de instrumentalização da razão, ou seja, a perda da capacidade
crítica, que implicou em várias outras perdas, sendo a principal delas a perda
de liberdade, bem como a legitimação de atos que atentaram contra a própria
vida, como as guerras pela disputa de territórios e mercados consumidores, e
o holocausto, com a dizimação dos judeus em nome de uma “raça pura”. Vale
destacar que os argumentos racionais e científicos participaram ativamente do
massacre, e fizeram calar qualquer voz sensata, em que a defesa de interesses
financeiros e a defesa da lógica e coerência dos argumentos ganharam a batalha
contra a “lógica” da vida.

A repercussão desses fatos colocou em xeque-mate toda a estrutura de


valor construída pelo ocidente, desde o pensamento filosófico grego até aquele
momento. Esses valores precisavam ser rapidamente substituídos, antes que
mais genocídios voltassem a acontecer. Dessa forma, a racionalidade ocidental
passou a ser fortemente criticada e combatida por muitos intelectuais. O século XX
bombardeou as estruturas paradigmáticas que permitiram o bombardeamento de
milhares de vidas humanas. A existência humana passa a ser o centro do debate
filosófico e novas possibilidades paradigmáticas começaram a ser desenhadas.
15
Metodologia do Ensino de Filosofia

A crítica de Nietzsche à racionalidade ocidental ganha espaço nos discursos


filosóficos. Nietzsche já havia identificado que a cisão que a Filosofia fez entre a
verdade formulada no campo racional e a verdade efetiva do mundo significava a
decadência do homem.

Em todas as épocas, os mais sábios julgaram da mesma


maneira a vida: ela não vale nada... Sempre e em toda parte
se ouviu o mesmo tom de sua boca, - um tom pleno de dúvida,
de melancolia, de cansaço da vida, de oposição contra a vida.
Mesmo Sócrates disse quando morreu: “viver – isso significa
estar doente por muito tempo: devo um galo a Asclépio
salvador”. […]
Esse jeito irreverente de pensar, que os grandes sábios são
tipos-decadentes, ocorreu-me primeiramente em um caso em
que o preconceito dos eruditos e ignorantes se opõe a ele de
maneira ainda mais forte: reconheci Sócrates e Platão como
sintomas de declínio […] (NIETZSCHE, 2014, p. 17-18, grifo
no original).

Em sua teoria, demonstrou a decadência do pensamento filosófico, pois


colocavam-se negativamente diante da vida e valorizavam tudo que não era vida.
Essa era a negação da vida presente, tanto na filosofia, como na ciência e na
religião.

Porém, vale lembrar que Nietzsche também procurou dar destaque à forma
como o pensamento filosófico surgiu na Grécia, num momento de esplendor, de
contemplação da vida, pois nesse momento a cisão entre pensamento e vida
ainda não havia acontecido. Entretanto, o rumo que a Filosofia grega tomou
depois disso foi catastrófico. A separação entre pensamento e vida implicaria para
Nietzsche na decadência do mundo.

Outro aspecto criticado por Nietzsche foi a mudança da forma como o


homem passou a filosofar depois dos gregos, não mais pela contemplação, mas
pela necessidade de resolver problemas. Assim, a Filosofia perdeu seu esplendor
e passou a negar a vida, trabalhando na contramão da própria existência. Os
acontecimentos do século XX chancelaram as críticas de Nietzsche à razão
ocidental.

Caso você queira conhecer mais sobre os pensamentos de


Nietzsche, consulte a seguinte obra: NIETZSCHE, F. A filosofia na
idade trágica dos gregos. Lisboa: Edições 70, 2018.

16
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

Vale destacar que as motivações filosóficas, de modo geral, partem de


questões ou problemas vivenciados pelos homens. As teorias surgem das
necessidades reais de cada filósofo, ao mesmo tempo em que as concepções
teóricas acabam por voltar à realidade e orientar a ação dos homens, seja na
política, na educação, na ação moral entre outras, o que evidencia o caráter
prático da Filosofia.

Por mais que a Filosofia ou o pensamento racional quisesse se afastar do


real, esse sempre foi e sempre será o seu ponto de partida e o seu ponto de
chegada. A Filosofia procura resolver os problemas postos pelos homens, e
por mais que eles não queiram enfrentar a instabilidade do movimento do real,
ele sempre estará presente e sempre abalará as estruturas da estabilidade da
verdade metafísica forjada pelo pensamento ocidental.

2.1 A FILOSOFIA E O FILOSOFAR


Se Filosofia é o ato de buscar compreender o mundo, o ser e/ou a existência
por meio de argumentos racionais, coerentes e lógicos, essa busca implica
necessariamente em uma reflexão filosófica, ou seja, o ato de buscar conhecer
implica no ato de refletir.

Se buscar algo se constitui uma ação, por que o ato de buscar


conhecer, o ato de refletir não é considerado uma ação? Ensinar
Filosofia significa ensinar o ato de refletir.

Filosofar é mais do que simplesmente pensar. Significa um pensar mais


profundo, mais racional, mais sistemático. Um pensar que procura colocar os
atributos da racionalidade em seu mais pleno funcionamento. Um pensar que se
propõe a dar mais clareza às explicações acerca do mundo, a partir do uso da
razão.

Assim, o filosofar se caracteriza por ser um pensamento qualificado, racional


ao extremo, por ser um pensamento radical, que envolve tanto o aprofundamento
quanto a máxima visão de conjunto possível sobre uma determinada questão.
Diante disso, será que podemos dizer que filosofar possui uma metodologia
própria? Quais são os requisitos necessários para que se possa diferenciar o

17
Metodologia do Ensino de Filosofia

aspecto meramente racional do homem de uma reflexão filosófica? Tais questões


são cruciais para se pensar no real objetivo do ensino de Filosofia e como
encaminhar seu ensino.

Se ensinar Filosofia significa ensinar um determinado modo de


pensar, podemos ter a seguinte dúvida: É possível ensinar um modo
de pensar? O modo de pensar filosófico pode se caracterizar com um
método?

É importante que o docente procure ter clareza dos passos da reflexão


filosófica, do que caracteriza o pensamento filosófico, para então poder refletir
sobre a sua prática docente. Fazer o autoexame da própria autorreflexão filosófica
contribui na elaboração de estratégias metodológicas de ensino.

Quanto a isso, pode-se observar o exemplo de Sócrates e de sua


insaciabilidade em querer saber. Suas perguntas não se esgotavam, pois sempre
se deparava com novas questões. Seu amor à sabedoria o levava a sempre
desejar saber mais, sendo seu desejo insaciável. A cada resposta uma nova
pergunta emergia.

O filósofo é sempre “um recriador de problemas” (CERLETTI, 2009, p. 25).


Assim como no filosofar, a sala de aula de Filosofia deve valorizar e explorar o
formular e o reformular perguntas, pois elas representam o desejo e a busca pelo
saber.

O filosofar se apoia na inquietude de formular e formular-se


perguntas e buscar respostas (o desejo de saber). Isso pode
sustentar-se tanto no interrogar-se do professor ou dos alunos
e nas tentativas de respostas que ambos se deem, bem como
no de um filósofo e suas respostas (CERLETTI, 2009, p. 20).

O docente de Filosofia não deve ter medo de perguntas. Pelo contrário, elas
devem constituir a essência da aula. Instigar os alunos com perguntas ajuda tanto
a ensiná-los a questionar a realidade e despertar a dúvida e a curiosidade, como
os ensina a formular suas próprias questões, abrindo um novo horizonte a ser
desvelado. Esse perguntar-se constante ajuda a despertar nos alunos problemas
filosóficos, ou seja, questões que os impulsionem a uma reflexão filosófica.

18
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

Afirmamos que a sustentação do caráter filosófico de uma


pergunta é a intencionalidade de quem pergunta. Ado­
tando uma terminologia de inspiração sartriana, não haveria,
então, um perguntar filosófico “em si”, como se as perguntas
filosóficas pudessem ser objetivadas sem o compromisso que
supõe assumi-las em toda a sua magnitude. Poderíamos dizer
que o perguntar filosófico é sempre “para si”. Quem pergunta e
se pergunta filosoficamente intervém no mundo e nele se situa
subjetivamente (CERLETTI, 2009, p. 26).

Demonstrar uma reflexão filosófica em sala de aula requer despertar nos


alunos o que em todo filósofo foi despertado: a intenção e a necessidade de
resolver determinado problema. Portanto, ensinar Filosofia implica em despertar
nos alunos o desejo de saber algo.

A pergunta que se torna um problema filosófico é aquela que traz consigo a


necessidade de ser respondida, que nos leva mais longe no aprofundamento da
reflexão, pois quanto maior o desejo de saber, maior a profundidade da reflexão.
Logo, o que realmente leva o homem a filosofar, o seu desejo de saber, é a
nuance subjetiva do problema filosófico.

No caso específico da filosofia, sustentaremos que há aspectos


da prática do filósofo que podem ser postos de manifesto, de
diferentes formas, nos diversos níveis de ensino; que poderia
haver algo em comum, desde o ponto de vista qualitativo,
entre a atividade de um filósofo e a de alguém que se inicia
no filosofar. Isso quererá́ dizer que, sob certas condições,
qualquer um poderia vir a filosofar. Isso é, qualquer pessoa
poderia fazer-se certo tipo de perguntas filosóficas e tentar, em
alguma medida, respondê-las (CERLETTI, 2009, p. 28).

A proposta de Cerletti (2009) pode elucidar a resposta a uma das questões


lançadas anteriormente, qual seja, se o ato de filosofar pode ser considerado um
método. Se possuem critérios que diferenciam uma reflexão filosófica de um mero
ato de pensar, se qualquer um pode executar essa reflexão independentemente
do grau de profundidade das respostas e da quantidade de conhecimento que se
tem. Dessa maneira, verifica-se que a reflexão filosófica possui um procedimento,
um caminho a ser trilhado, independentemente do conteúdo dos conceitos,
das perguntas e das respostas a que se cheguem. “Obvia­mente, o grau de
profundidade, de dedicação, de referência a outros problemas, de enquadre
teórico, de erudição etc., que tenha essa atividade será́ seguramente diferente da
de um “especialista”. Mas não o faria menos filosófico” (CERLETTI, 2009, p. 28).

É possível, portanto, ensinar a filosofar. Para tanto, faz-se necessário verificar


as condições pelas quais a pergunta está sendo feita, ou seja, se está favorável
a um aprofundamento, e quais são os caminhos a se percorrer para aprofundar
o pensamento, até que se chegue ao ato de filosofar. Se as respostas foram ou

19
Metodologia do Ensino de Filosofia

não encontradas, não é o que está em questão. O prioritário é colocar a dúvida e


abrir espaço para as mais diversas possibilidades de perguntas e de respostas,
que levarão a novas perguntas, e, então, o caminho do conhecimento nunca se
encerrará.

A Filosofia foi feita a partir de perguntas, e também se constitui das respostas


que os filósofos se deram. Para ensinar Filosofia, os dois caminhos precisam
ser percorridos. O primeiro, da reflexão filosófica, é o ato de filosofar em si. O
segundo, é o estudo das perguntas e respostas formuladas ao longo do tempo,
quer dizer, o estudo da história da filosofia.

Essas respostas que os filósofos se deram são,


paradigmaticamente, suas obras filosóficas. Mas é muito
diferente “explicar” as respostas que, em um contexto histórico
e cultural determinado, um filósofo se deu, do que os estudantes
e o professor tentarem se apropriar dos questionamentos desse
filósofo, para que essas respostas passem a ser, também,
respostas a problemas pró­prios. O perguntar filosófico é,
então, o elemento constitutivo fundamental do filosofar e,
portanto, do “ensina filosofia”. Consequentemente, um curso
filosófico deveria constituir-se em um âmbito em que possam
ser criadas as condições para a formulação de perguntas
filosóficas, e no qual se possa começar a encontrar algumas
respostas (CERLETTI, 2009, p. 20-21).

Esse exercício proporciona ao aluno se debruçar sobre a história do


conhecimento humano, demonstrando como perguntas e respostas estão sendo
formuladas ao longo do tempo. Assim, o aluno experimenta os caminhos trilhados
pelos filósofos a partir do estudo da história da filosofia, que é de grande valia na
sua formação cognitiva.

Desse modo, abrem-se dois caminhos possíveis e convergentes no ensino


de Filosofia: aprender a filosofar e conhecer a história da filosofia. Para que esses
caminhos sejam convergentes e não divergentes, é necessário que o professor
saiba utilizar a história da filosofia para ensinar seus alunos a filosofarem.
Segundo Saviani (2004), devemos estudar a história da Filosofia considerando
o processo de reflexão filosófica que os filósofos fizeram acerca dos problemas
de sua época. De modo que, a transmissão pura e simples dos resultados da
reflexão dos filósofos ao longo da história, não constitui propriamente a tarefa da
Filosofia.

20
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

A questão do aprender filosofia e do aprender a filosofar é


inicialmente como dois rios distintos, mas que em algum ponto se
juntam em confluência, a correrem num leito comum, formando um
terceiro e grande rio, que tem elementos de um e de outro, mas que
já não é mais o mesmo, pois se tornou outro rio.

Tratar da origem e do surgimento histórico e geográfico da


filosofia, torna-se necessário para que o iniciante no aprendizado do
filosofar situe essa área do conhecimento no espaço e no tempo, e
não simplesmente pense nesta como algo em si.

O conhecimento da história da filosofia mostrará ao estudante


que a forma de conhecimento filosófico é uma construção humana
e histórica, que surgiu em determinada época e lugar. Ou, por outra
via, que a filosofia surgiu em diferentes épocas e lugares, que não
dá para fixar a sua origem a apenas um tempo e lugar na história.
Como procuram mostrar autores contemporâneos, não sem muitas
controvérsias e contrariedades no meio acadêmico. O que faz da
origem histórica da filosofia um ponto nem um pouco pacífico, como
pode parecer à primeira vista.

A introdução dos estudantes nesse debate pode ser benéfica


para a sua formação filosófica, ao passo que isso irá suscitar
reflexões críticas perante as quais eles terão em algum momento
que se posicionar.

Nesse contato com o conhecimento sobre a origem da filosofia,


percebemos que esse método de produção do saber que vem sendo
produzido ao longo da história, considerado hoje um dos patrimônios
da humanidade, pode não ter uma origem comum, nem única.

Em geral, costumamos considerar apenas a origem grega


da filosofia, porém há quem apresente outras possibilidades. Por
exemplo, os diferentes grupos humanos que viveram nos primórdios
da humanidade os quais desenvolveram diferentes formas de
fazer fogo, moradia, linguagem, também podem ter desenvolvido
diferentes modos de “fazer filosofia”, de produzir este tipo de
saber que é denominado de “saber filosófico” e que se diferencia
substancialmente dos demais saberes humanos, não por sua origem
geográfica, mas por seu método de produção do conhecimento,
pelo tipo de saber que se produz, que é a metodologia da filosofia, o
filosofar.
21
Metodologia do Ensino de Filosofia

Uma metodologia do ensino de filosofia que tenha a história da


filosofia como centro e referencial, deverá considerar a necessidade
de organizar um trabalho com a história da filosofia não como simples
transmissão de conhecimentos do passado, e sim estabelecer
estratégias didático-filosóficas que favoreçam apropriações críticas
e criativas por parte dos discentes do cabedal filosófico já existentes,
para que possam refletir sobre “os problemas com os quais eles se
defrontam”, tendo em vista transformá-los.

É por isso que, no ensino de filosofia na escola básica,


acreditamos ser possível aos estudantes assumirem a atitude
filosófica em suas vidas. É possível aprender a filosofar com a
história da filosofia.

FONTE: Adaptado de Alves (2016, p. 49-52)

1 Por que a filosofia também possui um caráter prático?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Como podemos caracterizar a reflexão filosófica?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Quem está apto a fazer uma reflexão filosófica?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 Como o docente pode despertar o desejo de filosofar em seus


alunos?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 Quais os dois caminhos metodológicos no ensino de filosofia e


como podemos estabelecer uma relação entre eles?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

22
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

3 PARA QUE SERVE A FILOSOFIA?


A Filosofia, enquanto mãe de todas as ciências, é um passo importante
na busca pelo conhecimento. Ela nos conduz ao levantamento de questões
e a reflexões mais profundas sobre a nossa realidade, orientando a ação dos
homens. Desse modo, o caráter prático da Filosofia não se encerra na resolução
ou compreensão racional dos problemas ou da realidade, pois ela também auxilia
na prática. O homem, como ser dotado de racionalidade, pode utilizá-la para
orientar a sua ação. O ensino de Filosofia deve caminhar nessa direção, orientado
para o livre exercício do pensamento e, portanto, para o exercício da liberdade.

A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela


que é prática da dominação, implica a negação do homem
abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como
também a negação do mundo como uma realidade ausente
aos homens.
A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este
homem abstração nem sobre este mundo sem homens, mas
sobre os homens em suas relações com o mundo. Relações
em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não
há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa
(FREIRE, 1987, p. 70).

A educação filosófica libertadora qualifica a vida humana, coloca o aluno


no centro do processo da reflexão, faz ele vislumbrar a possibilidade de assumir
as rédeas da própria realidade de forma consciente e crítica. O exercício da
racionalidade possibilita a formação de sujeitos autônomos, livres. Pensar em
formação humana é pensar no desenvolvimento da capacidade de se autogerir,
de se pôr no mundo de modo crítico. Assim, a Filosofia cria espaço para que o
indivíduo possa se perceber como “Ser” dotado de existência.

A educação libertadora faz com que o homem se veja como parte viva da
realidade, e não separado dela. Homem e mundo se fundem — um está contido
no outro. Essa percepção integrada é que permite o exercício pleno da liberdade,
pois devolve ao homem a compreensão de que ele também é sujeito participante.

Fã de filosofia, jovem de Ribeirão Preto tira mil na


redação do Enem ao citar Sartre para debater internet.

Estudante de 19 anos levou ideias do existencialista francês


para tratar de manipulação de dados do usuário: ‘é preciso ter
responsabilidade’. Para verificar a notícia completa acesse: https://

23
Metodologia do Ensino de Filosofia

g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2019/01/22/fa-de-
filosofia-jovem-de-ribeirao-preto-tira-mil-na-redacao-do-enem-ao-
citar-sartre-para-debater-internet.ghtml. Acesso em: 11 nov. 2019.

Desse modo, a Filosofia serve para despertar o senso crítico, serve para
evitar que alguém seja manipulado pelas falsas ideias, serve para proporcionar ao
homem meios e alternativas de lidar com os conflitos existentes na sua realidade,
serve para aproximá-lo da felicidade. Esse é seu fim, levantado desde a Grécia.
Dessa forma, o professor de Filosofia não deve perder de vista essa condição. O
objetivo sempre presente na Filosofia é a busca de felicidade, do bem-estar, do
bem viver, seja como pano de fundo ou como ponto de partida e/ou chegada do
filosofar.

A formação filosófica não consiste somente no conhecimento


O estudo da história
da Filosofia pode sobre a história da Filosofia, mas, sobretudo, em saber pensar a
proporcionar uma própria realidade. O estudo da história da Filosofia pode proporcionar
fabulosa visão de uma fabulosa visão de conjunto sobre como a humanidade caminha
conjunto sobre e caminhou, e, ainda mais, permite identificar o quanto somos o
como a humanidade resultado desse movimento histórico. Reconhece-se que não somos
caminha e
tão originais quanto pensamos, e que repetimos paradigmas milenares.
caminhou, e, ainda
mais, permite Esse olhar de fora, instiga a busca de novas interpretações, e ajuda a
identificar o quanto identificar problemas conceituais históricos, os quais talvez já estejam
somos o resultado ultrapassados.
desse movimento
histórico. Portanto, o estudo da Filosofia permite criar algo verdadeiramente
novo, por se ter consciência da construção histórica do conhecimento
humano. Então, o docente de Filosofia não deve se contentar em ensinar os
alunos a saberem pensar filosoficamente os problemas atuais, o que já é uma
tarefa muito importante, mas consiste em promover ao aluno a possibilidade de
pensar criticamente os diversos paradigmas construídos ao longo da história e
que ainda estão presentes em nossa sociedade.

É no conhecimento de outros pontos de vista que está a


possibilidade de obter maior amplitude de horizontes e maior
autonomia do pensamento. Escutar as razões dos outros não é
sinal de fraqueza, mas uma manifestação de abertura mental;
não somos obrigados a permanecer ancorados a tais respostas,

24
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

mas não podemos nos considerar totalmente desligados delas,


sob pena de atingir níveis de arrogância tais de considerarmo-
nos superiores a qualquer outra visão. Estar atentos às respostas
dos outros não significa, no entanto, memorizá-las, não significa,
nem mesmo, renunciar à própria identidade, mas quer dizer
capacidade de abertura de um debate a respeito dessas respostas e,
contemporaneamente, estar disponível a possíveis refutações sobre
o próprio modo de estar no mundo; o ecletismo, no fundo, não é sinal
de fraqueza quando, prestando atenção às reflexões dos outros, ele
se converte na capacidade de reelaboração do próprio pensamento
crítico.

A filosofia concebida dessa maneira é educação à


liberdade e à democracia. Devemos escutar as razões dos filósofos,
então, não para saber, mas para praticar essa capacidade inata de
escutar.

Com tal colocação sobre a educação escolar, a abordagem


pragmática pode se inserir bem ao interno da forma pactual histórica,
mas que, ao lugar do manual, escolha-se a palavra viva do filósofo,
o seu documento textual; por meio disso, os estudantes poderão
refletir filosoficamente, atingindo uma consciência mais madura
do próprio tempo, das próprias problemáticas, do novo horizonte
que efetivamente poderá emergir com mais facilidade a partir da
aprendizagem dos filósofos, e será esse tipo de ensino que dará
uma resposta à pergunta que muitos estudantes se fazem: “para que
serve a filosofia?”.

Saber se aproximar do mundo de modo problemático,


sem preconceitos, creio que seja o início de um percurso que
conduz ao amadurecimento pessoal, mantendo os jovens longe do
achatado mundo do conformismo. Com muita frequência, os jovens
permanecem prisioneiros dos esteriótipos, dos lugares comuns,
dos preconceitos que inconscientemente agem no seu imaginário,
aprisionando-os em um julgamento frequentemente sem criticidade.
A escola, canalizando as suas forças, pode conduzi-los a primeiro
reconhecer e depois superar os esteriótipos, ensinando-lhes não
tanto as noções, mas, por meio delas, um modo de ler a realidade
de forma mais crítica. A realidade, de fato, é sempre lida segundo a
categoria mental do sujeito senciente. Portanto, se o estudante não
amadureceu uma ductilidade mental, a sua leitura do real pode ser
limitada e alterada; todas as disciplinas, então, devem ser chamadas

25
Metodologia do Ensino de Filosofia

para realizar essa tarefa, da filosofia à arte, da matemática àquelas


científicas, da língua, italiana ou estrangeira que seja, à história.

FONTE: Adaptado de Girotti (2012, p. 42-49)

Numa sociedade marcada pela massificação da cultura, faz-se necessário


uma formação filosófica consistente, no intuito de combater essa triste realidade.
Como o ensino de Filosofia caminha junto à formação humana, ele se torna
extremamente necessário. No entanto, vale lembrar que o grande descaso que
a Filosofia vem sofrendo nos últimos tempos tem relação direta com o modo
pelo qual essa sociedade vem se organizando. Verifica-se que o interesse
pela produção para o mercado predomina, tendo como consequência direta o
restringimento da “formação humana” ao mero saber fazer, sem compreensão
de mundo e sem saber o porquê do fazer. Perante esse tipo de necessidade, o
ensino de Filosofia faz-se completamente desnecessário.

A sociedade atual está preocupada em formar indivíduos capazes de realizar


tarefas só e somente, poucos são aqueles que dispõe de uma formação que
permita o desenvolvimento do senso crítico.

A percepção de que a educação encontra-se em crise, neste


início de século, é generalizada, ainda que esta crise já venha
arrastando-se há muito tempo. […] Os problemas econômicos
da sociedade e a predominância de um discurso que ligava
diretamente a educação com a obtenção de um espaço no
mercado de trabalho, parecem ter agravado essa crise [...]
(NEUKAMP, 2008, p. 15).

Assim, a educação e o ensino de Filosofia entram em crise, que impacta


diretamente o debate sobre a necessidade de se ter uma formação filosófica.
Nessa sociedade, voltada para a produção e o consumo em massa, a
superficialidade ganha espaço, e a formação reflexiva não é a adequada, pois
a educação não mais precisa formar indivíduos críticos e conscientes. Essa
sociedade fundada no efêmero não necessita de sujeitos ativos, criadores de
sua realidade. “A cultura líquido-moderna não se sente mais uma cultura da
aprendizagem e da aculturação, como as culturas registradas nos relatos de
historiadores e etnógrafos. Em vez disso, parece uma “cultura do desengajamento,
da descontinuidade, do esquecimento” (BAUMAN, 2013, p. 36).

Vive-se em uma sociedade que dá ênfase ao processo científico pragmático


e utilitário, que descamba para uma ciência especializada e sem visão de

26
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

conjunto. A especialização instrumentalizou a razão, retirou dela a sua roupagem


crítica, passou a ser usada para a expansão da produção, foi usurpada pela
necessidade de reprodução do capital. É dentro desse contexto que se insere
hoje o professor de Filosofia, em meio a todo esse conflito, entre um saber
especializado, instrumentalizado para o mercado, e um saber crítico, que abrange
a necessidade de compreensão da totalidade da sociedade, que abrange a ideia
de um sujeito que se percebe e atua no mundo.

Está posto o problema entre a sociedade vigente e a formação


filosófica. As questões que seguem são: Como revalorizar a reflexão
num contexto em que a superficialidade prevalece? Como a formação
filosófica pode ajudar a sociedade a sair do efêmero? Onde estão
as bases paradigmáticas responsáveis por essa condição? Em que
momento o pensamento filosófico contribuiu na construção dessa
sociedade?

Essa desarticulação entre o conhecimento e a vida estabelecido desde


o início do pensamento filosófico gerou e ainda gera uma série de problemas.
O conhecimento construído não foi capaz de explicar as atrocidades ocorridas
no século XX. Logo, a dúvida e o descrédito acerca dessa razão, desvinculada
e descomprometida com a vida, consolidou-se. Surgiu a necessidade de se ter
outros parâmetros conceituais que colocassem o homem e a vida no centro
do processo reflexivo, pois a “abstração inumana”, separada da vida, levou
ao assassinato de milhares de pessoas. Em nome do quê? Que espécie de
racionalidade foi capaz de patrocinar tamanha chacina? Quem seria o vilão desse
desenrolar da história dos homens?

A educação moderna, para Nietzsche, havia substituído os


verdadeiros educadores que seriam os “modelos ilustres” por
uma “abstração inumana” que é a ciência. As universidades
haviam feito do ensino de ciência algo desligado da própria
vida, tornando os eruditos mais preocupados com a ciência do
que com a humanidade, esquecendo que sua verdadeira tarefa
é “educar um homem para fazer dele um homem (NEUKAMP,
2008, p. 55)

Muitos são os fantasmas que surgem para explicar as causas dessa


realidade, porém um deles, como dito anteriormente, foi o caminho para o qual
o capitalismo conduziu a razão humana, instrumentalizando-a, colocando-a

27
Metodologia do Ensino de Filosofia

a serviço da acumulação de capital e não a favor dos interesses dos próprios


homens, deixando de lado a razão crítica apontada por Kant.

1 O que significa uma formação filosófica libertadora?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Como o estudo da história da Filosofia auxilia na formação


humana crítica?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 O que significa a instrumentalização da razão e qual o seu


impacto no professor de Filosofia?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 Como a sociedade voltada para a produção e o consumo em


massa trata a educação e a formação humana?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 É POSSÍVEL ENSINAR FILOSOFIA?


Diante de toda a problemática já apontada da atualidade, em que o descaso
pela educação e pela formação filosófica ficam evidentes, o grau de dificuldade
encontrado para se ensinar Filosofia aumenta. Na sociedade atual, diante da ideia
de que tudo precisa ter uma utilidade imediata, o apreço por um conhecimento
mais aprofundado da realidade soa como uma perda de tempo.

Quanto ao ensino de Filosofia, também cabe refletir outro problema


trazido pela própria tradição, que diz respeito ao significado mais singelo da
palavra filosofia: amor à sabedoria. Considerando que o paradigma construído
historicamente fez uma cisão entre a vida e o pensamento, falar de amor do
aspecto afetivo na sala de aula pode causar um certo estranhamento por parte
daqueles que só valorizam o lado estritamente racional do conhecimento.

28
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

Se considerarmos que Filosofia significa “amor à sabedoria”,


a primeira dificuldade em ensinar Filosofia consiste em saber se é
possível ensinar a amar. Portanto, o professor de Filosofia esbarra
na seguinte questão: é possível ensinar Filosofia, já que Filosofia
significa amar a sabedoria?

O problema é o fato de que talvez o amor não se constitua como uma escolha
racional. Partindo da hipótese de que não é possível ensinar alguém a amar, talvez
seja possível, no mínimo, possibilitar o despertar desse amor. Para se despertar o
amor de alguém por algo, o primeiro passo deveria ser amar a ambos, quer dizer,
é preciso que o professor ame tanto o conhecimento que ensina como a quem ele
ensina.

Ao longo de dois milênios, o conhecimento se colocou como algo divergente


aos sentimentos, mas, na prática, o conhecimento talvez nunca pôde se separar
efetivamente deles. Entender essas questões aparentemente contraditórias nos
remete ao pensar dialeticamente, em que o conhecimento do mundo não pode
ser separado dele mesmo, como nos fez pensar a razão e a ciência ocidentais até
então.

A ideia de totalidade em Hegel, e depois em Marx, alerta que a abstração


científica é um método do conhecimento utilizado para a análise do mundo,
porém, o processo de sua compreensão não se esgota na abstração, pois é uma
parte do método do conhecimento. Ela separa a parte do todo para uma análise
aprofundada, mas ele precisa retornar para o real, num processo chamado de
síntese. O que havia sido subtraído retorna, volta à totalidade do real, volta ao seu
contexto, às suas mais diversas relações; esse retorno, depois da análise, torna
a visão caótica da realidade mais clara que o momento anterior à abstração. Daí
se faz uma outra abstração, e esclarece outros aspectos, retornando-se ao real,
mais acessível que a visão que se tinha no momento anterior. Esse movimento
se repete até que o caos do começo desapareça, e apareça aos olhos críticos do
homem uma realidade mais conhecida, mais compreensível do que a do início do
movimento.

O problema consiste em que, na história do conhecimento, seja na filosofia ou


na própria ciência, não se chega à síntese, fica-se na abstração racional, separada
do mundo em sua totalidade. Se o cientista ou o filósofo não retornar com o

29
Metodologia do Ensino de Filosofia

pensamento para a realidade, perde o aspecto vivo e dinâmico do conhecimento.


Cristalizam os conceitos, não articulam com o real, e o conhecimento ganha um
caráter estéril.

A questão fundamental, neste caso, está em que, faltando aos


homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão
captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação
constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la. E
não o podem porque, para conhecê-la, seria necessário partir
do ponto inverso. Isto é, lhes seria indispensável ter antes a
visão totalizada do contexto para, em seguida, separarem
ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto,
através de cuja cisão voltariam com mais claridade à totalidade
analisada (FREIRE, 1987, p. 96).

A falta da compreensão crítica da totalidade resulta em uma visão


fragmentada e mutilada do homem e da realidade. Nesse processo, aspectos
do real vão sendo deixados de lado, pois se tornam menores, e passam a ser
vistos até mesmo como capazes de impedir o conhecimento do mundo. Como
é o caso das oposições: conhecimento e sentimento, razão e desejo, colocados
em esferas separadas, como oposições incompatíveis. Não mais se percebia a
unidade entre os dois, pois a unidade foi de fato perdida, de tal modo que não
deveriam se relacionar, e tinham vida própria, independente. Um ofuscava o outro
e até se excluíam, porém, é possível perceber que ambos fazem parte de uma
mesma unidade, e para compreender a vida não é possível separá-los, sendo
necessário perceber a relação entre eles.

O ser humano sempre foi concebido de modo mutilado. Diz-


se homo sapiens, dotado de razão, mas o homem é também
delirante. Castorinas [pensador do século XX] adorava dizer
que o homem é esse animal louco, cuja loucura criou a razão.
Homo é sapiens e demens. Vê-se nessas duas polaridades
que não há fronteiras nítidas entre o delírio e a razão.
Frequentemente, no limite da loucura existe a genialidade
como em Nietzsche (MORIN, 2013, p. 96).

O problema da separação entre pensamento e sentimento, razão e desejo,


faz parte de uma visão fragmentada da realidade. Essa fragmentação foi a
responsável em criar um cenário em que o homem nega a ele mesmo, quando
deixa de validar os seus sentimentos em função da exaltação da razão como
única via possível para se chegar à verdade das coisas.

Todavia, pensar em educação humanizada significa ter uma visão mais ampla
do ser humano e de sua relação com o conhecimento. É necessário entender que
ser humano não é só pensamento, e que o pensamento tem uma ligação direta
com o sentir, pois pensar desperta sentimentos e sentir desperta pensamentos.

30
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

É evidente que a sala de aula trata do aspecto cognitivo, ou seja, trata do


processo de ensino e aprendizagem, do conhecimento do ser humano, mas
isso não significa dizer que o aluno está desprovido de sentimentos, emoções,
desejos, angústias entre outros, em sala de aula. Tanto professor como alunos
carregam consigo a totalidade do seu ser. Pensar envolve sentir, sentir envolve
pensar. No ensino de Filosofia, o pensar precisa carregar consigo o desejo de
saber; as angústias devem se transformar em motivações para o conhecer e
assim sucessivamente.

Enquanto professor que se propõe a ensinar Filosofia, é necessário ter


consciência da relação afetiva, do amor ao conhecimento que carece de nos
alunos. Talvez não seja possível ensinar a amar, mas ajudar a despertar o amor
ao conhecimento por proporcionar o sentimento do prazer da descoberta. E se
conseguir, todo o resto estará certamente mais favorável de acontecer.

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar a


possibilidade para a sua própria produção ou a sua construção.
Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser
aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos,
a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em
face a tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir
conhecimento (FREIRE, 1996, p. 52, grifo no original).

Esse ensinar, como diz Freire (1996), expressa-se na criação de


possibilidades de conhecer, de descobrir, de criar, de produzir e de construir
conhecimento, de sentir prazer na sua descoberta. Traduz-se no despertar a
curiosidade, em deixar fluir as perguntas dos alunos. Em deixá-los se darem
conta da inconclusão do conhecimento. Para tanto, é preciso que tanto os alunos
quanto o professor se sintam à vontade para que o espaço de produção de
conhecimento possa surgir. Ensinar Filosofia é um constante recriar-se em sala
de aula, é um revisitar e revisar o conhecimento permanentemente.

Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são


apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se
sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão.
Aí se encontram as raízes da educação mesma, como
manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão
dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a
educação um quefazer permanente. Permanente, na razão da
inconclusão dos homens e do devenir da realidade (FREIRE,
1987, p. 73).

O caráter permanente do ensino e da aprendizagem ocorre em função


do caráter permanente da própria produção de conhecimento. Uma vez que se
responde a uma pergunta, novas surgirão, pois novos desejos aparecem ou
vice-versa. Assim se dá a essência do filosofar — perguntas geram perguntas

31
Metodologia do Ensino de Filosofia

e respostas, respostas geram perguntas e desejos, desejos geram perguntas e


perguntas geram desejos, e assim segue, pois, o conhecimento não se esgota.
Na medida que o homem se refaz e se recria, suas reflexões e seu conhecimento
acerca do mundo passam pelo mesmo processo, ou seja, são refeitas e recriadas.
O conhecimento está em constante movimento tanto quanto o homem, logo, um
retroalimenta o outro.

Diante de tantas reformulações do conhecimento ao logo do


tempo, onde está a verdade? Como o professor deve se posicionar
perante seus alunos, já que a verdade é tão mutante?

O ensino de Filosofia toca justamente o estudo dos critérios de verdade que


foram construídos ao longo do tempo, demonstrando a tamanha reformulação
que ela sofre. Assim, posicionar-se perante uma verdade é algo muito delicado,
pois observamos que as verdades dizem respeito a contextos sócio históricos, e
que por isso, a depender dos fatores convergentes no momento, o que pode ser
racionalmente a melhor opção, pode não ser contextualmente. Desse modo, é
importante sempre considerar a totalidade do real, ou seja, quando, onde e por
que certas verdades estão sendo produzidas.

A educação envolve compromisso entre as pessoas e os


assuntos a serem explorados. Agora, para que com esse
compromisso não se crie dependência deve também haver
uma distância crítica. Brincar com os tropos da ironia, tragédia
e paródia estão entre os modos com os quais podemos evitar
nos levar, enquanto professores, muito seriamente. Podemos
adotar certas posições sem endossá-las totalmente. Podemos
questionar nossa autoridade, e convidar os outros a questioná-
las, mesmo em contexto que nos dão autoridade independente
se desejamos ou não (BURBULES, 2002, p. 134-135).

O posicionamento do professor em sala de aula deve acontecer de modo que


não iniba o aluno a ter seu próprio posicionamento, pois o livre pensamento deve
ser preservado, principalmente na aula de Filosofia. Por isso, a capacidade crítica
do professor de pôr à prova suas próprias convicções, suas próprias verdades,
deve ser um exercício constante. Dessa forma, o docente acaba por desenvolver
um pensamento crítico em seus alunos: o de sempre repensar as suas verdades e
de desconstruir seus conceitos, por ter ciência de que eles nunca estão prontos e
acabados, e de que sempre surgem de um dado momento, de um dado contexto

32
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

sócio- histórico. É necessário, portanto, admitir que o processo do conhecimento


está sempre em movimento.

Ensinar é doação do conhecimento, das reflexões, dos caminhos cognitivos,


e dos próprios saberes. Ensinar envolve se disponibilizar para com o outro;
envolve se propor a escutar para que, a partir daí, seja possível traçar estratégias
de abordagens capazes de fazer uma ponte entre o conhecimento presente no
aprendiz e os novos conhecimentos que precisam ser apropriados. Ensinar é
partilhar o que se sabe. O professor precisa ter clareza dessa doação, e estar
disposto a fazê-la. “É o amor que introduz a profissão pedagógica, a verdadeira
missão do educador” (MORIN, 2013, p. 73).

Segundo Morin (2013, p. 73), é preciso religar duas culturas separadas: a da


ciência e a das humanidades. “Esta religação permite contextualizar corretamente,
assim como refletir e tentar integrar nosso saber na vida”. O movimento de
“integrar nosso saber na vida” é algo que já vinha sendo discutido na dialética
de Hegel e, posteriormente, por Marx (1999, p. 39-40), quando tratou do método
dialético usado por ele na exposição de O Capital, demonstrou a necessidade de
se fazer o caminho do pensamento de volta ao real, destacando a necessidade
de se retornar à realidade e transformá-la. Esse movimento do pensamento, de
tocar a realidade de volta, é o momento da síntese, em que a parte abstraída para
ser analisada em separado, depois de compreendida pelo pensamento, retorna
ao todo, ampliando o entendimento do real. Assim, o movimento de abstração
e síntese se repete até que todas as partes possam ser compreendidas em sua
totalidade, ou seja, na sua relação com o todo.

A dificuldade de fazer a síntese está na dificuldade de retornar ao todo a


parte abstraída do real, pois o todo traz consigo a complexidade do real. É preciso
enfrentar a complexidade do conhecimento e da vida. O antagônico não se
apresenta como excludente, pelo contrário, conforme Morin (2013, p. 108), “[...]
são antagônicos e, ao mesmo tempo, complementares [...]”.

Nesse ponto, vale destacar como a abordagem dialética do real se diferencia


da ideia de complexidade do real. A dialética trata o processo de mudança como
momentos negativos que são superados, e a teoria da complexidade entende que
os contrários são complementares, criando algo novo. O que a dialética entende
como síntese dos contrários, a unidade do múltiplo, a teoria da complexidade,
entende como complementariedade, em que o múltiplo, os diferentes, se
completam.

Aprender, conhecer, são processos complexos, porque não se


exaurem em procedimentos lógicos, recursivos, reversíveis,
mas implicam a habilidade de ver mais do que o dado, a
manifestação não lógica da lógica, o ausente do que está

33
Metodologia do Ensino de Filosofia

presente, a mensagem da falta de mensagem, o sentido da


falta de sentido, duplos significados (DEMO, 2011, p. 186).

A forma de enxergar o movimento nessas duas abordagens ajuda na


flexibilização do conhecimento cristalizado ao longo do tempo pela tradição
ocidental, que não se permitia enxergar o movimento do real como algo
legítimo. Vale ressaltar que, atualmente, ainda se bebe na fonte que considera
o conhecimento apenas enquanto linear, dentro da sua esterilidade racional, que
imobiliza o mundo. Esse conhecimento linear tem sido acusado de ter sido um
dos fantasmas que levou o ocidente às atrocidades cometidas durante o século
XX. A especialização e a cristalização racional do conhecimento ofuscaram a
vida, a humanidade, e esse é o problema da razão instrumental, que faz o homem
perder sua visão de conjunto, embaçando seu entendimento do real em nome de
uma verdade clara e racional.

1 Quais as dificuldades enfrentadas atualmente pelo ensino de


Filosofia?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Qual a contradição existente entre o significado mais singelo de


Filosofia e a tradição?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Em que consiste o método de abstração científica do real usado


pela tradição ocidental, quais suas limitações e como superá-lo?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 O que significa pensar uma educação humanizadora e como ela


pode mudar a concepção de ensino de Filosofia?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 Quais as dificuldades de se fazer a síntese e a diferença entre


dialética e a teoria da complexidade?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

34
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

Educação após Auschwitz

O tema sobre educação do filósofo alemão Theodoro Adorno, no


texto Educação após Auschwitz, diz respeito às causas pelas quais
nossa sociedade gera pessoas capazes de se tornarem algozes,
como foram os nazistas, ou pessoas que se omitem diante da barbárie
de algozes, como os colaboracionistas com a extrema-direita ou
aqueles que simplesmente “não querem saber” nada a respeito dos
acontecimentos bárbaros. Adorno qualifica essas pessoas, em vários
graus, como possuindo uma “consciência reificada”. O que fazer para
não gerarmos mais essas personalidades?

A ideia básica de Adorno nesse texto é uma ideia platônica.


Semelhante aos prisioneiros da obra Caverna de Platão, hoje somos
prisioneiros da “sociedade administrada”. A noção de “sociedade
administrada” de Adorno funciona como na obra Caverna de Platão.
Em tal sociedade, que é a nossa sociedade industrial, há um véu
ideológico (produzido, como explica o marxismo, pela reificação e
pelo fetichismo) que cobre os rostos de todos nós. Esse véu, como as
sombras na Caverna de Platão, faz com que enxerguemos o que não
é o real como sendo o real, embora seja apenas o existente. Estamos
em uma situação na qual nos imaginamos como sujeitos quando na
verdade somos objetos. Temos que, como o prisioneiro de Platão,
sair da Caverna e encontrar a luz do sol. Porém, diferentemente
da situação do prisioneiro de Caverna de Platão, no caso descrito
por Adorno, estamos envolvidos por algo bem pior. Se fugimos da
Caverna encontramos a luz, ficamos mais cegos ainda, dado que a
luz é muito forte: a luz natural da razão, ela própria, é mais que uma
aliada do mundo moderno no que ele tem de dominador e opressor,
ela é a própria mãe do mundo moderno e, sendo uma luz forte,
cega-nos. O Iluminismo cega. Contra os fenômenos ideológicos de
nossa sociedade atual – o capitalismo em sua fase monopolista e/
ou a “sociedade administrada” -, que nos faz ficar prisioneiros de
nossa ciência e de nossa tecnologia – instrumentos que nos fazem
enxergar como nunca antes! -, estamos impotentes e...cegos! Ou,
quase impotentes.

FONTE: Adaptado de Ghiraldelli (2002, p. 47-48).

35
Metodologia do Ensino de Filosofia

Tamanha é a luz da razão que ofuscou o homem ao ponto de não mais se


perceber como parte viva desse todo. Triste foi o caminho que a humanidade
trilhou e ainda trilha com esse ofuscamento.

A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos


e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a
utilização do trabalho de outros, o capital. As múltiplas coisas
que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais são do que
instrumentos: o rádio que é a imprensa sublimada; o avião de
caça, que é uma artilharia mais eficaz; o controle remoto, que
é a bússola mais confiável (ADORNO; HORKHEIMER, 1985,
p. 18).

Como já foi visto, a razão ofuscante está presente na sociedade atual,


resultado da técnica, da ciência, do pragmatismo, do utilitarismo, os quais só
validam verdades práticas, objetivas, e comprováveis experimentalmente. Essa
razão extremamente aplicada é a tal razão instrumental, resultado do pensamento
linear desenvolvido durante a modernidade. Essa única forma de tratar a razão e
de validar a verdade contribuiu para a sociedade perder a dimensão do humano.
Porém, o problema não está nesse modo de se conhecer, o problema está no
fato de esse ser o único modo que o homem validou de se buscar e conhecer a
verdade.

Antes de mais nada, não cabe excluir o linear da realidade,


porque também lhe faz parte. Nossas tecnologias são
demonstração potente do tratamento linear efetivo – artefatos
tecnológicos, também os eletrônicos, são criaturas rígidas, e
nem por isso menos úteis e sofisticados. Não nos interessaria
inventar avião não linear, pois ninguém estaria disposto a voar
nele, já que lhe faltaria a confiabilidade dos fenômenos estáveis
e estritamente recorrentes (DEMO, 2011, p. 15).

O problema não é a linearidade do conhecimento, pelo contrário, os avanços


que a humanidade atingiu ao nível da técnica e da especialização do conhecimento
foram fantásticos. Esse tipo de conhecimento sozinho não é o suficiente para a
compreensão de mundo, de humanidade. A extrema especialização das mentes
humanas produtoras de super tecnologias perdeu a capacidade perceber a
totalidade da vida. A racionalidade do homem o levou para outros caminhos. É
necessário agora fazer o caminho de volta, terminar a lição de casa, retornar ao
real, reconhecer a complexidade do mundo para assim desvendá-lo.

Para tanto, pode-se considerar duas abordagens importantes, as quais


tratam o real em sua totalidade: a abordagem dialética, como já dito anteriormente,
e a teoria da complexidade. Ambas entendem que os antagonismos e as
contradições fazem parte da dinâmica da realidade, daí o seu caráter complexo.
A dialética estuda a realidade em seu movimento, não a cristaliza. Já a teoria da
complexidade aborda o real como um emaranhado de relações que articulam as
partes, e o conhecimento sobre o real também inclui essas relações, não existindo
36
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

um único caminho a ser seguido, ou seja, pode-se chegar ao conhecimento por


caminhos diversos nesse emaranhado de relações. Desse modo, verifica-se que
o caminho para o conhecimento não se esgota na linearidade da análise.

A não linearidade implica, pois, muito mais que emaranhados,


labirintos, complicações, onde se podem ver processos que
se complicam, mas não se complexificam. Multiplicidade de
coisas não faz complexidade necessariamente, até porque o
complexo pode provir do simples e o simples do complexo.
[…] Possivelmente, a noção simples que temos de coisas
que consideramos simples provém de nossa perspectiva de
captação, não do próprio objeto (DEMO, 2011, p. 16-17, grifo
no original).

Essa é uma nova forma de olhar a realidade e como o conhecimento se


organiza; consiste em perceber as relações presentes nas coisas, em que
uma parte se relaciona com outras, seja direta ou indiretamente. Dessa forma,
é possível transitar de um ponto a outro sem necessariamente usar o mesmo
caminho. Esse modo de interpretar e de perceber a realidade permite tanto a
visão do simples, quando abstraímos a parte do todo, como a visão do complexo,
quando olhamos a parte nas suas mais diversas relações.

[…] na complexidade não linear pulsa relação própria entre o


todo e as partes, feita ao mesmo tempo de relativa autonomia
e profunda dependência. Não basta, ainda, a noção sistêmica,
que desde sempre previu que o todo possui capacidade de
reorganização das partes: a falta de certas partes não precisa
inviabilizar o todo; de certas partes é possível reconstituir o
todo, o equilíbrio sistêmico tende a impor-se, e assim por
diante (DEMO, 2011, p. 17).

Assim, a busca pelo conhecimento ganha relativa autonomia, e pode partir


de qualquer ponto, porém, sua compreensão depende também da compreensão
das relações entre as partes. Não se pode conhecer o todo complexo se as partes
não forem compreendidas dentro de suas relações. Não basta conhecer as partes
profundamente, pois é preciso conhecer profundamente as relações entre as
partes. O complexo é dado a partir das relações entre as partes.

Outro aspecto importante para se pensar a complexidade do mundo é o


fator temporal, tendo em vista que, quando se trata do mundo em movimento,
não é possível voltar no tempo. Esse é o caráter irreversível do tempo, logo, o
conhecimento do real está sempre em movimento e nunca retorna ao que era
antes.

A irreversibilidade refere-se, num primeiro passo, à inserção


temporal: com o passar do tempo, nada se repete, por mais
que possa parecer; qualquer depois é diferente do antes; não
se pode tomar como equação linear entre antes e depois, mas
como não linear. Assim como é impossível voltar ao passado,
37
Metodologia do Ensino de Filosofia

também é impossível ir para o futuro permanecendo o mesmo


(DEMO, 2011, p. 24).

Se o conhecimento quiser apreender o real em seu movimento, a


temporalidade precisa estar presente, e, portanto, a irreversibilidade inerente ao
mundo se apresenta, ou seja, os momentos não se repetem, pois, as relações se
modificam e as partes também. Inserir o aspecto temporal na compreensão de
mundo significa pensar a realidade em sua complexidade real, significa captar o
real em seu movimento, percebendo as peculiaridades de cada momento, suas
variáveis que, ao se transformarem, transformam as relações e consequentemente
o todo.

A dificuldade da tradição em lidar com a complexidade do real a fez criar


caminhos meramente racionais, e com isso acabaram se distanciado da vida. O
movimento inerente à realidade, suas contradições e antagonismos, e a ruptura
de sua unidade, cindiram o mundo entre verdade racional, estática, fixa e eterna
em contraposição ao mundo efetivo, mutável, instável e, portanto, não confiável.
A dificuldade está em lidar com a mutabilidade do mundo e de enfrentar a
instabilidade e a irreversibilidade do real. Agora, parece não haver mais saída,
pois o homem foi encurralado por ele mesmo e necessita enfrentar o caráter
mutável da verdade.

Portanto, é importante considerar a complexidade do real, e ter consciência


de que o pensamento tradicional, linear, não é capaz de validar as contradições
e ambiguidades inerentes ao mundo em movimento, evidenciando, assim, a
necessidade de se explicitar os limites da tradição e as novas abordagens
epistemológicas.

1 Quais os argumentos de Adorno sobre o porquê de nossa


sociedade gerar pessoas capazes de se tornarem algozes?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Quais as características da razão instrumental?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Quais os problemas gerados por uma visão apenas linear do


conhecimento e como superá-los?
_____________________________________________________
_____________________________________________________
38
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

4 Explique como se caracteriza o aspecto temporal da complexidade:


_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Nesse capítulo foram realizadas algumas reflexões iniciais sobre a Filosofia
e seu ensino. Abordou-se o seu caráter prático, a sua utilidade e as possibilidades
de seu ensino. O principal objetivo foi elencar as diversas problemáticas que a
Filosofia passou ao longo do tempo, e que ainda passa. Tudo isso para possibilitar
ao futuro docente que considere, de modo crítico, o processo de construção das
concepções de verdade, ampliando a reflexão sobre o tema e demonstrando a
amplitude dessas questões. Procurou-se evidenciar a relação direta entre o
movimento conceitual da Filosofia e os modos de conhecer, com a metodologia
de ensino aplicada pelo docente.

Para tanto, foi necessário revisitar alguns caminhos percorridos pelo


pensamento filosófico ao longo dos séculos, desde a sua origem, passando
pelas suas crises paradigmáticas até as possibilidades atuais. Não perdendo
de vista o debate sobre a validade e utilidade da Filosofia para a construção do
conhecimento e sua importância na formação de sujeitos livres e autônomos.

Vale lembrar o papel do educador enquanto mediador do conhecimento, e


não apenas como seu transmissor, tendo o diálogo com os educandos como de
fundamental importância no processo educativo e destacando o aspecto dialógico
da educação, em que educador e educando se educam mutuamente.

Ao colocar o ensino de Filosofia no centro do debate, detectou-se a


necessidade do autoexame constante do docente, tanto em relação às suas
próprias concepções teóricas como no impacto que elas causam em sua prática
docente. Verificou-se, também, a necessidade de constante atualização do docente
em virtude do movimento inerente da própria realidade e, consequentemente, do
conhecimento. No que se refere ao ensino propriamente dito, foi dado destaque
à necessidade de despertar nos alunos o desejo pelo conhecimento, o amor ao
saber. Para tanto, a crítica à tradição se fez presente no intuito de demonstrar os
problemas por ela criados, que acabou por separar o pensamento da vida.

Discutiu-se sobre a importância da Filosofia na formação de sujeitos críticos,


conscientes de sua realidade, autônomos e livres, capazes de mudarem a sua

39
Metodologia do Ensino de Filosofia

própria história. Nesse âmbito, vale destacar as dificuldades encontradas pelos


docentes de Filosofia mediante uma sociedade imediatista e extremamente
especializada, que fez a razão perder o seu caráter crítico e se tornar apenas um
mero instrumento para a reprodução do capital.

Desse modo, verifica-se a importância da crítica nietzschiana à tradição


ocidental tecida antes da problemática do século XX. Essa crítica ao paradigma
ocidental ganhou força nos dias atuais, e abriu um leque de discussões sobre
novas concepções de verdade, evidenciado a necessidade de reconhecer os
antagonismos, a contradição e as oposições como legítimas e não mais como
vilões do conhecimento.

Cabe destacar, ademais, o aspecto prático do pensamento filosófico,


sobretudo no que diz respeito ao método dialético do conhecimento, que parte do
real e a ele precisa retornar, tendo a mera abstração e análise das partes como
insuficientes para proporcionar a compreensão da totalidade, e a necessidade de
fazer o caminho de volta ao real. Desse modo, expõe-se os limites do pensamento
científico moderno, que ficou apenas na abstração e análise do real, acreditando
que esse conhecimento era suficiente à compreensão do mundo. Assim, foi
possível demonstrar as limitações do pensamento linear e a necessidade de
pensar a realidade como ela é, assumindo o seu caráter complexo, e não mais
fugindo dele.

Inserir o movimento como parte legítima do real e enfrentar a sua


complexidade é um grande desafio para o docente de Filosofia, pois o faz
repensar todas as concepções de verdade legitimadas ao longo da tradição até
então. É necessário estar aberto às novas possibilidades teóricas e metodológicas
e admitir a mutabilidade do mundo, por mais que ainda se procure manter o status
quo do conhecimento.

Trabalhar com ensino de Filosofia perpassa um constante desvelar de mundo.


Portanto, é necessário manter um diálogo aberto com os alunos, propondo em
sala de aula um ambiente favorável ao livre pensamento, e que procure se livrar
das amarras sociais e ideológicas que possam boicotar a manifestação intelectual.

40
Capítulo 1 A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO

REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1985.

ALVES, D. J. Metodologia da filosofia e do ensino de filosofia: tensões e


confluências. EccoS Revista Científica, n. 39, jan./abr. 2016. p. 41-53.
Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71546154004. Acesso em
18 fev. 2018..

BAUMAN, Z. Sobre educação e juventude: conversas com Riccardo Mazzeo.


Rio de Janeiro : Zahar, 2013.

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GHIRALDELLI Jr., Paulo (org.). O que é Filosofia da Educação? 3. ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002. s.p.

CERLETTI, A. O ensino de filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte:


Autêntica, 2009.

CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles.


2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

DEMO, P. Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não linear do


conhecimento. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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GHIRALDELLI JR., Paulo (org.). O que é Filosofia da Educação? 3. ed. Rio de


Janeiro: DP&A, 2002.

GIROTTI, A. Didáticas, metodologias e experiências a respeito do ensino da


filosofia no ensino médio. In: Revista Linhas: Revista do Programa de Pós-
Graduação em Educação. Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 40 - 72, jan./jun. 2012.

LYOTARD, J-F. Por que filosofar? São Paulo: Parábola, 2013.

MARX, K. Para a crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

41
Metodologia do Ensino de Filosofia

MORIN, E. Ciência com consciência. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2010.

MORIN, E. Educação e Complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 6. ed.


São Paulo: Cortez, 2013.

NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos Ídolos: ou como se filosofa com o martelo. 14.


ed. Petrópolis, RJ: Vozes de Bolso, 2014.

NEUKAMP, E. Nietzsche, o professor. São Leopoldo: Oikos / Nova Harmonia,


2008.

SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 15. ed. São


Paulo: Cortez, 1984.

42
C APÍTULO 2
O ENSINO DE FILOSOFIA NA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Conhecer a história política do Brasil e suas implicações no ensino de Filosofia.

� Compreender as políticas educacionais e suas implicações no ensino de


Filosofia.

� Identificar os fatores políticos dificultadores do ensino de Filosofia e suas


consequências na sala de aula.

� Analisar as implicações ideológicas da ausência e presença do ensino de


Filosofia na formação do cidadão brasileiro.
Metodologia do Ensino de Filosofia

44
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Este capítulo trata da história do ensino de Filosofia no Brasil a partir do estudo
dos desdobramentos das políticas educacionais. Sendo possível identificar assim os
direcionamentos curriculares, suas implicações ideológicas e os interesses que estão
em jogo. Refletiremos sobre a via de mão dupla que existe na relação entre educação
e sociedade, na qual uma interfere na outra.

Faz-se necessário estar atento aos diversos significados da palavra ensino, que
abrange não só educar, capacitar, civilizar, formar, habilitar, mas também doutrinar,
domar, disciplinar, treinar entre outros. Pois, é nesse sentido amplo e dúbio que o
ensino de Filosofia e a própria educação podem ser tratados. Assim, cabe a seguinte
reflexão: em que medida o ensino de Filosofia serve para educar num sentido mais
crítico, e em que medida ele serve para domar num sentido mais manipulador e
dominador?

Verificaremos neste capítulo, que a história do ensino de Filosofia no Brasil


transita entre interesses contraditórios entre si. De modo que os sujeitos envolvidos no
processo de ensino acabam imprimindo seus interesses e objetivos, e isso aparece
tanto nas políticas educacionais quanto nos modos de ensinar. Para compreendermos
melhor essas contradições, estudaremos as motivações de ordem econômicas que
estão por detrás das mesmas. Todas essas questões serão tratadas no intuito de
fazermos uma reflexão crítica acerca do impacto das ações políticas na sociedade.

Outro aspecto importante a ser pensado neste capítulo diz respeito à função
da educação perante a sociedade, no sentido de contribuir na transmissão de
conhecimentos necessários à manutenção e desenvolvimento da sociedade de uma
geração para a outra. Ou seja, educar serve para manter o que já foi conquistado
e permitir a atualização e a descoberta de novos modos de viver, relacionar-se,
realizar tarefas, interpretar o mundo entre outras coisas. Isso envolve a forma como
a sociedade lida com a natureza em busca de recursos necessários a sua existência,
na busca de segurança, de conforto, e na forma como os homens se relacionam entre
si.

Entende-se que a educação faz parte do modus operandi da vida em sociedade,


sem ela não seria possível chegar ao modo de vida que se tem hoje. A vida em
sociedade pressupõe a relação de ensino e aprendizagem entre os seus membros.
Sem essa relação, a humanidade necessitaria redescobrir a cada geração, os
modos de fazer e de ser, e isso implicaria em um constante retroceder no tempo.
Daí a grande importância da educação para a humanidade, ela caracteriza o homem
enquanto homem, sendo capaz de contribuir para o desenvolvimento da linguagem
e da memória, possibilitando se chegar ao patamar de desenvolvimento que se tem
hoje.
45
Metodologia do Ensino de Filosofia

Assim, ensino e aprendizagem são de fundamental importância no processo


de humanização. A vida em sociedade se faz, e só se torna viável, em função da
capacidade que o homem tem de transmitir seus conhecimentos ao longo do tempo.
Logo, a educação, seja ela informal ou formal, consciente ou não, sistematizada ou
não, torna-se o centro da vida em sociedade.

À medida em que as sociedades se tornaram mais complexas, os


conhecimentos que necessitavam ser transmitidos para as novas gerações também
se complexificaram e, junto a ele, a necessidade de se aprimorar os processos
de ensino-aprendizagem. O advento da industrialização e sua consequente
urbanização trouxe também o desenvolvimento tecnológico acelerado e a exigência
de amplificação da educação para melhor atender às novas demandas produtivas.
É dentro deste contexto que a educação deixa o âmbito privado e adentra a esfera
pública do Estado.

Este capítulo trata das questões políticas referentes ao ensino de Filosofia na


educação básica brasileira, sua história, ausência e presença, e a sua relação com
as motivações econômicas e estruturais que determinaram certos encaminhamentos.
Trata também de como essas conjunturas impactam diretamente no trabalho do
professor dentro e fora da sala de aula, identificando o modo como os fatores políticos
e ideológicos interferem na dinâmica do ensino e da aprendizagem de Filosofia.

2 AUSÊNCIA E PRESENÇA DO ENSINO


DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA BRASILEIRA
A Filosofia surgiu justamente em um momento de fartura, quando o homem,
vivendo em sociedade e liberado de preocupações relacionadas à sobrevivência,
sentindo-se seguro e acolhido, é capaz de questionar-se sobre a própria existência
e a origem de todas as coisas. A Filosofia surgiu na Grécia em momento de
contemplação e foi justamente a vida em sociedade, com suas vantagens, que
permitiu o seu nascimento. O amor à sabedoria se manifesta mediante certas
condições existenciais, condições essas que não abarcaram toda a sociedade, quer
dizer, foram específicas de um grupo social: a aristocracia.

Uma vez que a filosofia foi despertada nos homens ao longo do tempo, ela não
ficou restrita a uma pequena parcela da sociedade. Pelo contrário, novas demandas
sociais criaram novas necessidades educacionais e com isso, o ensino de Filosofia
se expandiu para além das classes dominantes. Sendo que algumas de suas

46
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

características se tornaram parte das competências necessárias das sociedades


modernas. Isso não significa dizer que o estudo de Filosofia se configure enquanto
uma exigência produtiva direta, mas que é composto de particularidades, as quais
os homens conseguem se colocar na qualidade de homens, aspectos que dizem
respeito ao pôr em exercício os elementos que caracterizam o ser humano enquanto
tal.

Numa sociedade democrática em que todos são considerados cidadãos


livres para fazerem suas escolhas políticas e se manifestarem, e não livres para
desconhecerem as leis sobre as quais vivem, faz-se necessário poder exercer de
modo crítico e consciente seus direitos e deveres. E é sobre esse aspecto da vida em
uma sociedade política e democrática que entra a necessidade do ensino de Filosofia.

As competências que a Filosofia é capaz de desenvolver nos homens se


colocam para além das habilidades e conhecimentos específicos da esfera produtiva
e das exigências básicas do mero saber-fazer para o mercado de trabalho. Elas se
configuram tanto no desejo de querer saber sempre mais quanto de se procurar em
compreender os contextos, não só em suas especificidades, mas abarcando a sua
totalidade, pois só deste modo é possível ao homem se colocar enquanto parte ativa
e construtora da sociedade em que vive.

Por outro lado, a capacidade de se perceber como sujeito social pode não ser
necessariamente um desejo que a sociedade atual tenha em relação à formação
de seus cidadãos. A forma como a sociedade se estrutura atualmente coloca
os trabalhadores ainda na condição de subalternos de uma pequeníssima elite
econômica. E, caso a classe trabalhadora, subalterna, tome consciência dessa
realidade, as consequências podem ser devastadoras para a elite econômica, pois
corre grande risco de não mais poder exercer o seu domínio sobre essas populações.

Estudar a manifestação da Filosofia na educação básica exige


compreender as implicações das competências que ela desenvolve
nas pessoas e na sociedade como um todo. É importante também
observar quais os impactos políticos e sociais de seu ensino, qual a
sua relação com a esfera econômica, quais as competências que se
tem interesse desenvolver e quais não se tem interesse que sejam
desenvolvidas e, para encerrar, quais os tipos de conhecimento que
se espera que os trabalhadores possuam e que dizem respeito às
fronteiras e aos limites impostos também pelo mercado à educação
básica e ao ensino de Filosofia.

47
Metodologia do Ensino de Filosofia

O desenvolvimento das sociedades ao logo da história repercute diretamente


na forma como a sociedade estrutura seu campo educacional. Assim, a preparação
dos trabalhadores para as novas atividades produtivas passa a ocupar o centro
das necessidades educacionais. Quer dizer, a educação formal vê aumentada a
sua responsabilidade perante essa nova realidade, tornando-se vital na formação
dos trabalhadores, no sentido de não só deterem condições de dar manutenção
ao sistema vigente, como também de manterem o seu ritmo de crescimento.

O processo de industrialização e automatização do trabalho junto aos altos


graus de especialização, aprimorou os meios de produção, e a educação formal
que antes estava restrita às classes privilegiadas, precisou adentrar às classes
populares.

Para que a produção possa manter-se, necessita não só de uma constante


atualização dos conhecimentos mínimos indispensáveis para o trabalho, como
também de atualizar constantemente a forma como esses conhecimentos devem
ser transmitidos.

Dentro desse processo, o Estado é acionado pela esfera econômica no intuito


se responsabilizar em promover a formação básica necessária para que esses
trabalhadores sejam capazes de adentrarem a esfera produtiva. É deste modo,
pressionado pelas elites econômicas, que o Estado assume algumas demandas
educacionais, pelo menos o de capacitar seus cidadãos para o exercício das
funções produtivas básicas.

Todas essas variáveis acabaram por colocar a educação formal como


condição fundamental para o desenvolvimento econômico, ficando evidente
a estreita relação que a educação possui com as necessidades produtivas.
Entretanto, vale ressaltar que esse é apenas um aspecto da realidade do homem,
a produção de bens de subsistência. Essa pode ser considerada uma atividade
de ordem primária indispensável em qualquer sociedade, mesmo nas mais
complexas. Entretanto, há de se considerar que a vida em sociedade permite
ao homem extrapolar suas necessidades para além do aspecto apenas de
subsistência.

A vida em sociedade trouxe consigo outras possibilidades, principalmente a


do homem se manifestar enquanto homem. Por esse motivo, os homens percebem
que a vida em sociedade traz muito mais vantagens. Ela contribuiu com a divisão
do trabalho e sua especialização, o que proporcionou enormes benefícios para a
humanidade e, junto a eles, a promoção do próprio homem. É sobre este aspecto,
da promoção do homem enquanto homem, que entra a relevância do ensino de
Filosofia.

48
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Em contrapartida, parece que à medida em que as forças produtivas


avançaram, o desenvolvimento das capacidades reflexivas e intelectuais do
homem perderam valor e foram cada vez mais deixadas de lado.

Numa sociedade em que a produção está voltada para a acumulação e não


para a realização efetiva dos bens de consumo, os valores estão invertidos. Ou
seja, o prioritário, as necessidades humanas, tornaram-se apenas um meio de
reprodução do capital. Sobre esse aspecto é de grande valia ao professor de
Filosofia compreender a conjuntura econômica atual, pois ela interfere diretamente
no contexto educacional. Essa conjuntura que tem como fim a acumulação de
capital, e não o atendimento das necessidades humanas propriamente ditas,
inverte a posição entre o homem e as coisas, colocando as coisas à frente do
homem.

Ao mesmo tempo que o ensino de Filosofia se faz necessário para formar


os cidadãos de uma sociedade democrática, observa-se também a necessidade
de uma formação educacional mais complexa, porém técnica, para que esses
cidadãos tenham a capacidade de assumir as novas tarefas demandadas pelo
desenvolvimento das forças produtivas.

A partir dessas demandas, verifica-se que o movimento histórico da ausência


e presença da Filosofia no ensino básico está diretamente relacionado aos
interesses produtivos, e não necessariamente ao interesse de formar o homem
enquanto sujeito fazedor de sua história. Diante dessa realidade, surge a seguinte
reflexão: em que medida o foco apenas no processo produtivo subtrai do homem
a possibilidade de se desenvolver enquanto tal?

Pensar em uma educação que abarque a formação do ser humano enquanto


ser humano, como proporciona o ensino de Filosofia, pode ser algo que se situe
para além dos interesses que envolvem o Estado e o mercado no que diz respeito
à educação básica. São muitas as polêmicas em torno dessa disputa.

1 Como a educação se mostrou fundamental para o homem ao


longo da história?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Como a educação possibilita a vida em sociedade?


_____________________________________________________
_____________________________________________________
49
Metodologia do Ensino de Filosofia

3 Por que a educação passou a ser uma preocupação do Estado?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 Explique por que o desenvolvimento da capacidade crítica do


homem atualmente vem na contramão do desenvolvimento das
forças produtivas?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 Explique a relação entre a necessidade do ensino de Filosofia e a


vida em uma sociedade democrática?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2.1 A EDUCAÇÃO E O ESTADO


No século XX a elite econômica industrial pressionou o Estado a dar
formação mínima necessária para o trabalhador adentrar o ambiente industrial.
Os interesses da elite urbano-industrial passaram a se sobrepor aos interesses da
antiga elite agrária até então predominante. Fato que ocorreu devido aos novos
interesses produtivos, não mais agrários, e sim industriais. O Estado visava o
desenvolvimento econômico industrial da nação, e para tanto buscou atender às
demandas desse novo setor.

É dentro desse contexto que o Estado brasileiro passa a se comprometer


com a educação básica. E condicionado aos interesses da esfera econômica
restringiu a educação dos cidadãos a uma formação profissional e técnica, sem
se ocupar com a formação de uma consciência crítica de mundo.

Deste modo, levando em consideração que educar envolve muito mais que
ensinar a execução de determinadas tarefas, romper esse condicionamento
e trabalhar na perspectiva de uma educação para além das necessidades de
mercado, não é uma tarefa fácil e se constitui um esforço diário do fazer docente.
Ainda mais no que diz respeito ao ensino de Filosofia, que se ocupa diretamente
com a formação crítica dos educandos.

Assim, verifica-se que ele sofre inclusões e exclusões ao longo da história


da educação no Brasil. Em momentos de maior repressão política, como no

50
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

período da ditadura militar, há a sua exclusão; e em momentos de mais liberdade


democrática, a inclusão. A política está diretamente alinhada aos interesses das
elites econômicas; nos momentos de crise ocorre um enrijecimento do poder e
o cerceamento da liberdade de expressão e manifestação. Já nos momentos
de maior fartura a liberdade se amplia, e com ela também a possibilidade de
manifestações críticas. Pode-se dizer que o ensino de Filosofia está relacionado
diretamente com o pleno exercício da cidadania. Em uma sociedade que restringe
a liberdade de sua população, o ensino de Filosofia não é bem-vindo.

Atualmente, no ano de 2019, não existe mais obrigatoriedade para o ensino


de Filosofia nas escolas, só a necessidade de se desenvolver no educando certas
competências que o ensino de Filosofia promove. Essas competências estão
descritas na Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio, a BNCC/
EM. Porém, sem essa obrigatoriedade, o desenvolvimento dessas competências
acaba sendo diluído em outras disciplinas da área das Ciências Humanas. Dando
espaço para a primazia dos interesses produtivos, boicotando assim a formação
da consciência crítica.

Se a educação se colocar na posição de apenas atender às


necessidades produtivas, para onde vai o ensino de Filosofia?
Será que essa sociedade fará desaparecer a necessidade de
uma formação integral do ser humano? Será que mesmo as elites
econômicas, ofuscadas pelo brilho da acumulação, não mais terão
a necessidade de desenvolverem o espectro reflexivo e crítico da
racionalidade humana? Serão elas engolidas pela sociedade de
mercado?

BNCC: A experiência fragmentada do


saber e o ensino de Filosofia

Anunciada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) no dia


3 de abril de 2018, a Base Nacional Comum Curricular do Ensino
Médio (BNCC/EM) apresenta as novas linhas desenhadas pelo
atual Ministério da Educação (MEC) para este estágio escolar. O

51
Metodologia do Ensino de Filosofia

impacto sobre o ensino da Filosofia é direto, sendo este o momento


de encontro formal dos jovens com o conteúdo de nossa área nas
escolas.

BNCC e a estrutura escolar


Como vai funcionar a BNCC/EM? De acordo com a Lei nº
13.415/2017, estabelece-se que a matriz da BNCC/EM ocupará no
máximo  1.800 horas, sendo complementadas pelos itinerários
formativos, que são a ênfase na formação em áreas específicas
como: “Linguagens e suas tecnologias”, “Matemática e suas
Tecnologias”, “Ciências da Natureza e suas Tecnologias”, “Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas” e, por fim, “Formação Técnica e
Profissional”. Apenas para ficarmos no mérito da aplicação da BNCC
nas escolas, os problemas ressaltam desde o início dessa estrutura,
pois as redes de ensino podem aprovar um currículo comum
reduzido a poucas horas, uma vez que não se prevê o mínimo da
carga horária, mas sim um teto máximo.

Os componentes curriculares na BNCC


A obrigatoriedade das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática
apenas repõe o modelo curricular centrado nestas disciplinas que
sempre tiveram uma elevada carga horária nos currículos escolares,
deixando às demais 11 disciplinas à disputa por algum espaço
nas escolas. O caso da Filosofia e da Sociologia é emblemático.
Não fosse sua obrigatoriedade disciplinar, agora extinta, as suas
duas horas mínimas – e diferenciais - sequer existiriam – conforme
avaliação de pareceres anteriores do próprio Conselho Nacional de
Educação.
Do absurdo da reforma, o MEC sequer escuta suas próprias
estatísticas. Emblemático é o diagnóstico sobre as redações do
ENEM, cuja maior parte foi anulada por falta de aderência ao tema.
Ora, não seria a ausência de disciplinas de Humanidades um dos
fatores para tal problema?
Se é verdade que a Filosofia, embora não tenha mais o estatuto de
uma “disciplina obrigatória”, não se extingue do currículo, é verdade
também que sua função foi diluída na composição curricular por
áreas, em um difícil espaço a ser dividido com as disciplinas de
História, Geografia e Sociologia.

A Filosofia como habilidade e competências na BBCC-EM


As competências da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
da terceira versão da BNCC/EM indicam que o discente, após
concluir o Ensino Médio, deve “reconhecer e combater as diversas

52
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

formas de desigualdade e violência, adotando princípios éticos,


democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos
Humanos”. Eis o momento da BNCC/EM que, talvez, a Filosofia seria
protagonista.
A despeito das versões anteriores da BNCC, a disciplina Filosofia foi
convertida a um capítulo da Ética e Filosofia Política, algo semelhante
ao que versava a LBD aprovada em 1996. Isso representa um
retrocesso histórico, ocasionando na prática a redução das
possibilidades de se trabalhar conteúdos filosóficos nos atuais
termos da BNCC/EM. O aluno fica distante de debates centrais na
formação filosófica mais ampla presente no debate epistemológico,
estético, metafísico e mesmo lógico.
Sobre a ausência da lógica, em particular, a BNCC/EM chega a
ser contrária aos seus próprios fundamentos. Afinal, o documento
ignora sua própria consideração de um jovem que investiga,
lança hipóteses, argumenta, segue a “dúvida sistemática”,
identifica ambiguidades e contradições etc. Todas essas ações
contempladas pelo exercício lógico-filosófico desaparecem nos
atributos das competências e habilidades da área de humanidades. 
Nesta etapa de discussão da BNCC é bom retomar o debate que
consta na lei 13.415/2017, mais precisamente o artigo 3º, § 2º,
que afirma que a Filosofia deve ser incluída, de forma obrigatória,
como estudos e práticas. A propósito, este item foi uma inclusão do
Congresso Nacional visto que o projeto de lei inicial não constava
nada do tipo. Em outros termos, a BNCC/EM precisa especificar
o que significa tratar a Filosofia como “estudos e práticas” e, em
seguida, incluir a disciplina Filosofia obrigatoriamente, respeitando a
deliberação do parlamento federal.
Sem um diálogo direto, é grande o risco de se reproduzir um
currículo mínimo, concentrado em disciplinas obrigatórias mediante
a dispersão dos demais saberes. Isso não é interdisciplinaridade
e sequer flexibilização. Pelo contrário, o MEC apenas inventa a
roda das matrizes curriculares concentradas em detrimento de
um currículo integrado. Perde não apenas a Filosofia, mas todo o
conjunto de saberes na pseudoformação ofertada como novo rumo
em cenário de propaganda. Sobre isso, a necessidade de uma
discussão se faz presente hoje.

FONTE: Adaptado de <http://anpof.org/portal/index.php/es-ES/


artigos-em-destaque/1582-bncc-a-experiencia-fragmentada-do-
saber-e-o-ensino-de-filosofia-2>. Acesso em: 23 set. 2019.

53
Metodologia do Ensino de Filosofia

1 Quais os fatores em torno da ausência e presença do ensino de


Filosofia na educação básica brasileira?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Qual o espaço do ensino de Filosofia na atual legislação


brasileira?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2.2 HISTÓRIA DO ENSINO DE


FILOSOFIA NO BRASIL
Faz-se necessário agora traçar a trajetória do ensino de Filosofia no Brasil,
considerando desde os primórdios da época colonial até os dias de hoje. Assim,
poderá se constatar como a Filosofia vem sendo tratada nos bancos escolares e
acadêmicos, quem tem acesso a esse tipo de conhecimento, quais abordagens
predominaram, e quais os interesses envolvidos.

A época colonial foi marcada pela educação jesuíta, assim, o ensino de


Filosofia se caracterizou como um reforçador ideológico da dominação cristã
pelo mundo. Os jesuítas se ocuparam em catequizar a população nativa e em
reforçar a fé cristã dos europeus. Deste modo, a elite colonial não escapou dessa
doutrinação, pois os jesuítas também assumiram a formação básica dela, até
que, por questões de ordem política, foram expulsos pelo Marquês de Pombal,
justificando-se que era necessário afastar a Igreja do Estado e formar cidadãos
para servir ao Estado e não à Igreja.

Sem os jesuítas e com o objetivo de formar cidadãos devotos ao Estado


era preciso se pensar uma forma de organizar a educação, já que até então ela
não tinha sido uma preocupação do Estado. Com isso, faz-se uma reforma na
Universidade para combater a doutrina jesuítica de abordagem cristã, o que não
dura muito tempo, pois, em 1759, a ordem religiosa dos franciscanos é autorizada
a se estabelecer no Rio de Janeiro e criar uma cátedra de Filosofia.

Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, a educação na colônia

54
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

sofre uma renovação, pois surge a necessidade de uma estrutura educacional


capaz de formar as elites dirigentes que agora se encontravam em território
brasileiro. Para tanto, fundam-se novos colégios. Nesse contexto, o ensino de
Filosofia não poderia mais ser eclesiástico, era necessário formar dentro dos novos
parâmetros instaurados pela ordem internacional, em que o Iluminismo ganhava
força, instituindo um caráter enciclopédico na educação e mais precisamente no
ensino de Filosofia.

Após a independência, no Brasil Império, essa estrutura educacional


permaneceu. A educação estava voltada apenas à formação das elites dirigentes
e a população como um todo não estava inserida nesse contexto. Cenário que
só se modificou quando as necessidades de uma formação profissional para as
classes populares se consolidaram. A partir de então, em 1834, foram criados
cursos superiores profissionalizantes. O ensino obrigatório de Filosofia adentrou
os currículos escolares em 1938, e continuou com seu caráter enciclopédico
influenciado pelos ideais iluministas.

Durante o século XIX, a esfera econômica impactou a educação brasileira


e o ensino de Filosofia, quando passou a se dar ênfase a uma educação com
abordagem cientificista. Esse período foi marcado pela influência do Positivismo
na educação, em que o entusiasmo pelo desenvolvimento gerado a partir da
industrialização e pelo método científico de investigação, justificou uma educação
voltada para o ensino profissionalizante, quer dizer, direcionada para atender às
demandas do mercado e assim, a abordagem reflexiva passou a ser vista como
inútil e foi deixada de lado.

Em 1891, o Estado demonstrou uma preocupação com a formação da


população, pois viu a necessidade de preparar os trabalhadores para o novo
contexto econômico. Assim, Benjamin Constant declarou tanto a laicidade no
ensino quanto a gratuidade no ensino primário, demonstrando que a educação
começa a ser uma preocupação do Estado. Essa reforma, promovida por
Benjamin Constant, estabeleceu também que o ensino básico deveria se voltar
para a formação do homem como um todo e não apenas para criar condições
de se chegar à educação superior profissionalizante. Entretanto, no que diz
respeito à formação do homem, a única mudança ocorrida foi a inserção de novas
disciplinas científicas no currículo, dando-lhe um caráter mais enciclopédico.

No século XX, com a queda do Império e a Proclamação da República, mais


precisamente em 1908 foi fundada a Faculdade Livre de Filosofia e Letras, porém
com uma abordagem neotomista, ou seja, a Igreja Católica se fazia presente
novamente, mesmo com todo o discurso anterior de afastar a religião da formação
humana.

55
Metodologia do Ensino de Filosofia

Em 1915, o decreto nº 11.530 coloca a Filosofia como disciplina facultativa,


demonstrando assim o pouco valor que ela tinha em relação ao ensino de
Ciências.

Em 1931, com a Reforma de Francisco Campos, estabeleceu-se que a


educação devia voltar-se também para a formação humana integral, abarcando
todas as dimensões da existência do homem. O ensino foi dividido em dois ciclos,
um fundamental – com duração de cinco anos –, e outro complementar, com
duração de 2 anos. Novas disciplinas, como a História da Filosofia que passou a
compor os cursos jurídicos, foram inseridas no currículo do ciclo complementar.

A inclusão se deu em 1942, no decreto nº 4.244 chamado de Lei Orgânica


do Ensino Secundário ou Reforma de Gustavo Capanema. Dividiu a educação
básica em dois ciclos: o ginasial, de quatro anos, e o colegial, de três anos. O
ciclo colegial foi subdividido em duas modalidades, a científica e a clássica. Tanto
na formação clássica quanto na formação científica, o ensino de Filosofia deveria
ocorrer na 3ª série.

A exclusão se deu em 1961, na Lei nº 4.024 - Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. A Filosofia perdeu a sua obrigatoriedade e foi sugerida como
disciplina complementar.

Em 1964, com o golpe militar, a Filosofia foi retirada dos currículos se


tornando facultativa, deste modo, acabou desaparecendo dos currículos. Em
1968, com o aprofundamento do regime militar, tanto professores quanto adeptos
da Filosofia foram perseguidos.

Em 1971, conforme a Lei nº 5.692, a Filosofia some completamente dos


currículos e se priorizou o ensino profissionalizante. O ensino de Filosofia foi
substituído por disciplinas doutrinárias que serviam à manutenção de um sistema
autoritário e repressivo, como a Educação Moral e Cívica (EMC), e Organização
Social e Política do Brasil (OSPB). E assim segue até o fim do regime militar.

Em 1982, a Lei nº 7.044 liberou a obrigatoriedade do ensino profissionalizante,


deste modo, as escolas puderam focar na formação dos estudantes e a Filosofia
voltou a ser pensada como disciplina optativa.

Em 1986, a Filosofia volta a ser recomentada nos currículos.

Em 1996, a Lei nº 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –


LDB –, passa a caracterizar a Filosofia não como uma disciplina, mas como uma
competência a ser desenvolvida. Os conteúdos de Filosofia e Sociologia devem
ser dominados pelos estudantes ao saírem do Ensino Médio, porém, o caráter
disciplinar e obrigatório não aparece no texto.
56
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Em 1999, recomenda-se que a Filosofia complemente os Temas Transversais


dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. Deste modo, reforça-se o
descaso com a Filosofia enquanto disciplina e ela aparece somente enquanto
uma competência a ser desenvolvida.

Em 2001, instituiu-se um projeto de obrigatoriedade das disciplinas de


Filosofia e Sociologia no Ensino Médio, porém, foi proibido pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso, alegando que não havia profissionais suficientes
para atender a demanda das escolas.

Em 2006, o Conselho Nacional de Educação dá um parecer favorável para a


inclusão da Filosofia nos currículos.

Em 2008, Lei nº 11.684 altera o artigo 36 da LDB 9.394/96, que inclui o


ensino de Filosofia e Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries
do Ensino Médio.

Em 2017, Lei nº 13.415 retirou a obrigatoriedade do ensino de Filosofia


no Ensino Médio. Como na época da ditadura, focou no ensino técnico e
profissionalizante, privando a possibilidade de uma formação intelectual, política
e crítica. Além disso, retirou também a obrigatoriedade e gratuidade do Ensino
Fundamental, limitando assim o acesso à educação básica.

Diante dessa trajetória, resta questionar qual o momento histórico se vive


nos dias de hoje, pois, verifica-se que se assemelha à época da ditadura militar,
quando a obrigatoriedade de Filosofia foi retirada dos currículos e o ensino
profissionalizante foi priorizado.

Nesse contexto, cabe algumas reflexões: quais problemas


podem ocorrer em uma sociedade que meramente restringe a
formação humana para atender às demandas do mercado? Será
que a falta de reflexão traz um vazio existencial responsável pelas
chacinas em escolas? Quais reformas precisam ser feitas? Que tipo
de formação o homem brasileiro precisa? Quais os impactos da não
formação intelectual e humana na sociedade brasileira hoje?

57
Metodologia do Ensino de Filosofia

Repensar a forma como o ensino de Filosofia vem sendo tratado ao longo do


tempo reflete os rumos que a educação brasileira vem tomando, e talvez explique
parte dos problemas que a sociedade brasileira vem passando. O foco somente
na formação para o mercado, ou adestramento social, não forma cidadãos; a
alienação política e social certamente promove pessoas sem referências e sem
rumo, dirigidas pela lógica do capital, em que o ser é o ter, e não ter significa
não ser. Sem rumo, sem se situar no mundo, essas pessoas ficam à deriva, ora
exploradas pelo sistema, ora à margem dele.

Consequências do afastamento da Filosofia do Ensino Médio

Apresentamos algumas consequências decorrentes do


afastamento da Filosofia do ensino médio. Elas também têm sido
discutidas e apontadas no interior do movimento de educadores, que
a partir de 1975 tem demonstrado uma preocupação com os rumos
da educação tecnicista, adotada a partir da reforma educacional nº
5.692/71.

Um argumento mais genérico em torno dessas consequências


aponta para as lacunas causadas na formação dos jovens e
adolescentes também pela ausência da Filosofia, assim como das
demais disciplinas humanistas ceifadas pela ditadura.

Esta situação vem ocorrendo no cotidiano escolar, em


decorrência da pouca reflexão e consequente dificuldade de pensar
dos estudantes, pois, diversas gerações foram privadas de todo um
conjunto de conhecimentos fundamentais à sua existência. Com
relação a isso, Ávila, destaca que:

[...] a partir de 1971, o desaparecimento progressivo da filosofia


contribuiu para o empobrecimento da formação cultural da
juventude, a diminuição de sua capacidade e visão global dos
problemas, constituindo-se numa das maiores limitações de
nosso sistema educacional (ÁVILA, 1986, p. 48).

Esse desaparecimento deu-se em decorrência de ações


intervencionistas. No auge da organização do movimento pela
reintrodução da Filosofia ao Ensino Médio, professores de outras
disciplinas também se mobilizaram nessa luta. Os integrantes
da comissão de luta contra os “Estudos Sociais” da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
- FFLCH/USP, no ano de 1978, afirmavam que:

58
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O banimento do ensino da Filosofia dos currículos obrigatórios,


relegado ao elenco das disciplinas optativas, para a satisfação
de um utilitarismo imediatista que leva a marca da contracultura,
desarma os futuros alunos de curso superior daquele espírito
crítico indispensável ao desenvolvimento das aptidões
intelectuais para o exercício de comportamentos mentais,
sadios, como desarma os futuros cidadãos de uma plena
consciência da condição humana (CADERNO DE PESQUISA,
1978, p. 86).

Também Chauí (1978, p. 8) afirma que o ciclo secundário operou


de modo a roubar dos estudantes o direito de serem sujeitos de seu
próprio discurso. Testes e cruzinhas lhes roubaram o pensamento
e a palavra. O audiovisual e a “Disneylândia” dos livros didáticos
os fizeram perder a região expressiva da linguagem, obrigando-os
à dimensão binária e puramente indicativa/denotativa das palavras.
Sem o apoio das imagens, seu pensamento fica paralisado e sua voz
embargada.

Permanece na cultura brasileira um vazio histórico em relação


a este saber. Toda uma geração foi fortemente ferida e levada a
aceitar uma cultura tecnicista, cujos valores negaram o acesso ao
saber filosófico. Não raro, deparamos-nos com dificuldades trazidas
por nossos alunos. Entre elas, podemos apontar a dificuldade
de comunicação, leitura de textos, interpretação e escrita, o
que, obviamente, não tem apenas a ver com a inexistência do
conhecimento filosófico, mas também com o deficiente ensino de
Ciências Naturais e da Língua materna.

Esse processo de privação dos conhecimentos filosóficos e


das demais disciplinas retiradas do ensino médio vem diminuindo a
importância dos cursos de Filosofia nas universidades. Para melhor
ilustrar essa situação, mencionamos o desinteresse pela Filosofia,
retratado por um grupo de estudantes pesquisados em Florianópolis
no início da década de 1980. Segundo o relatório da pesquisa, dos
442 estudantes de ensino médio que responderam ao questionário,
apenas 4 gostariam de cursar Filosofia na universidade. Talvez esta
realidade hoje seja outra.

Decorrente do afastamento da disciplina do ensino médio,

[...] os professores de filosofia formados durante o regime


militar, estão hoje trabalhando em escritórios ou com outros
empregos que não o de lecionar filosofia, (e mesmo) [...] os
professores formados antes de 64 [1964] ficaram muito tempo
sem poder dar aulas e por isso estão, hoje, defasados, situados
em outros espaços culturais (PEGORARO, 1986, p. 11).
59
Metodologia do Ensino de Filosofia

Em pesquisa realizada em 1988, no âmbito das escolas


mineiras pertencentes à rede particular, estadual e municipal, um
grupo de professores do Departamento de Filosofia e Teologia da
PUC-MG constatou que dos 100 professores que se encontravam
lecionando Filosofia, apenas 5% eram habilitados com curso superior
em Filosofia.

Esse dado que, de forma geral, vale para outras regiões, aponta
para uma confirmação de que a qualidade do ensino de Filosofia tem
deixado a desejar, agravada pelo fato de que profissionais de outras
áreas estão lecionando a disciplina no ensino médio.

Outro aspecto a considerar é o preconceito em torno da Filosofia


como conhecimento: ou a Filosofia é confundida com alguma
opinião vaga, fantasiosa ou pretensamente teórica, ou é tomada
como perspectiva teórica geral de alguma instituição, (Filosofia do
governo), ou ainda como aprendizado inútil (a Filosofia não serve
para nada) e utopista, valendo, apenas, como denunciadora dos
problemas. Seja como inutilidade frente aos problemas cotidianos,
seja como forma de um conhecimento ultrapassado e desconectado
da realidade, o núcleo regional da SEAF-RS assim se pronunciou:

[...] a filosofia tornou-se completamente desconhecida


pelas novas gerações e considerada como uma forma de
conhecimento ultrapassada, antiga, irreal, sem ter nada a ver
com o ensino ‘moderno’, atual, ‘pragmático’, ‘produtivo’ etc [...]
(SEAF, 1978, p. 12).

Assim, filosofar tornou-se pejorativamente sinônimo de falar de


coisas distantes da vida das pessoas, como coisa de quem vive nas
nuvens, coisa de desligados ou então, segundo um dizer italiano,
“a Filosofia é uma ciência com a qual ou sem a qual tudo continua
tal e qual”; e ainda: “Eu penso na Filosofia como se esta fosse um
homem num quarto escuro procurando um chapéu preto que não
está dentro do quarto”. Isto é, a Filosofia é uma loucura elegante,
algo completamente sem utilidade, podendo ser compreendida como
ornamento.

FONTE: Adaptado de <http://revistas.udesc.br/index.php/linhas/


article/view/1225/1038>. Acesso em: 25 set. 2019.

60
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

1 Quais consequências podem ser atribuídas ao afastamento do


ensino de Filosofia dos bancos escolares?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Qual o impacto no ensino de Filosofia ser tratado apenas como


competência a ser desenvolvida nos alunos sem a obrigatoriedade
da disciplina?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Qual a consequência da má qualidade do ensino de Filosofia por


profissionais não habilitados para tal tarefa?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 INTERESSES EM JOGO
O quadro traçado anteriormente demonstra a submissão da educação
à economia de mercado, pode-se verificar que o tom dado na formação dos
cidadãos brasileiros não contempla uma formação reflexiva capaz de despertar
a criticidade. Deste modo, falta também a essas pessoas o despertar perante à
realidade.

Assim, a educação se apresenta como um campo de disputa entre os


interesses das classes que compõe a sociedade. Nesse campo de disputa,
prevalecem os interesses da classe detentora do capital, a qual acaba por
determinar os rumos tanto da sociedade quanto da educação. Deste modo, a
população precisa ser preparada para a reprodução do capital, ou seja, precisa
receber o tanto de instrução necessária para a produção de bens e serviços
direcionados à acumulação de capital, e claro, à manutenção da riqueza da
classe dominante. Vale ressaltar aqui o papel da educação enquanto reprodutora
da estrutura de dominação existente.

A educação […] é concebida como uma prática social, uma


atividade humana e histórica que se define no conjunto das
relações sociais, no embate dos grupos ou classes sociais,

61
Metodologia do Ensino de Filosofia

sendo ela mesma forma específica de relação social. O sujeito


dos processos educativos aqui é o homem e suas múltiplas
e históricas necessidades (materiais, biológicas, psíquicas,
afetivas, estéticas, lúdicas). A luta é justamente para que a
qualificação humana não seja subordinada às leis do mercado
e à sua adaptabilidade e funcionalidade […] (FRIGOTTO,
2003, p. 31).

O problema posto é que os interesses do capital não correspondem aos


interesses humanos como um todo, a produção de bens e serviços que deveria
ter como finalidade atender às necessidades humanas não possuem esse
fim. Todos os esforços têm sido feitos no sentido de produzir riqueza para a
acumulação abstrata de valor e dinheiro, o que não corresponde ao atendimento
das necessidades da classe produtora dessa riqueza, sendo a educação
um instrumento utilizado contra o próprio bem-estar social. E para que essa
reprodução aconteça, torna-se necessário alinhar a formação técnica e social
com estes interesses. Deste modo, a educação ao promover a formação técnica
necessária para a produção da riqueza capitalista, ao mesmo tempo promove
também o adestramento social e ideológico capaz de manter os trabalhadores
incapazes de perceber e contestar as condições sociais que lhes são impostas
pelo sistema.

Assim, esses trabalhadores sem uma formação intelectual consistente,


tomam como verdadeiro a imediaticidade fenomênica (FRIGOTTO, 2003, p.
27) da sociedade capitalista, ou seja, tomam como verdadeira a necessidade
crescente de acumulação de capital que traz consigo um aceleramento da
produção e do consumo, que aparecem como necessidades reais do homem, mas
que na verdade são necessidades da acumulação. Não são capazes de perceber
a real origem da opressão que sofrem e, com a construção de falsos discursos
sobre o real, tomam como verdade ideias que distorcem a realidade, visando a
manutenção das relações de exploração. A não formação crítica implica em criar
uma sociedade de pessoas repetidoras dos discursos dominantes. E deste modo,
o sistema que os subjuga acaba se perpetuando.

Por outro lado, ao mesmo tempo que a ideologia dominante é disseminada e


aceita pela maioria sem ser questionada, há ainda uma parcela da população que
mesmo mediante condições tão adversas luta em prol de uma formação humana
crítica e libertadora. Uma educação que busque a superação dessa sociedade
pautada na exploração do homem sobre o homem, em que a educação é restrita
e precária.

A análise da educação no Brasil – desde o Império e a sua “boa sociedade”


às démarches da República Velha e até os dias atuais da República – traça-nos
um quadro de extrema perversidade. Somente em 1930 se efetiva um esforço

62
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

para a criação de um sistema nacional de educação, mas chegamos em 1993


colocando no texto da nova LDB, barganhada e aprovada na Câmara dos
Deputados, com a obrigatoriedade real apenas até o quinto ano de escolaridade.
Aproximadamente 7 milhões de crianças estão fora da escola, mais de 20 milhões
de analfabetos absolutos e 80% da população com uma alfabetização precária
(FRIGOTTO, 2003, p. 36).

A entrada e a saída do ensino de Filosofia na educação brasileira só


ajudam a reforçar o seu caráter perverso, pois se a população não tem acesso
à alfabetização, quem dirá a uma formação intelectual mais sólida. A bandeira
de luta de muitos educadores das áreas de Ciências Humanas se constitui em
viabilizar condições que proporcionem uma educação integral completa, que
contemple o homem em todas as suas dimensões e que seja capaz de incluir as
classes populares dentro desse projeto emancipador.

Uma educação integral completa envolve considerar o homem em sua


totalidade, enquanto um ser biológico, social, psicológico e intelectual, em
que cada uma dessas dimensões precisa ser vista e considerada no processo
de formação. É preciso atender às condições biológicas, físicas e materiais
necessárias para se poder ter uma vida saudável. É preciso fornecer condições
de dignidade humana mútua entre os cidadãos de uma sociedade, livre de
preconceitos e levando sempre em conta a condição do homem como ser cultural
e histórico.

Independentemente ou não da escola, os seres humanos


acumulam conhecimento. A realidade na sua dimensão social,
cultural, estética, valorativa etc., historicamente situada, é o
espaço onde os sujeitos humanos produzem seu conhecimento.
Trata-se de uma realidade “singular e particular”. É a partir
desta realidade concreta que se pode organicamente definir
o “sujeito do conhecimento” e os métodos, as formas de seu
desenvolvimento. Este, para ser democrático, deve tender à
universalidade (FRIGOTTO, 2003, p. 177).

É por esse prisma da universalidade que se deve pensar em uma educação


que realmente possa abarcar o ser humano em sua totalidade, possibilitando
o exercício de sua condição humana, de sujeito livre em uma sociedade
democrática. A questão posta é verificar em que medida esse homem é livre
nessa sociedade de mercado em que a formação humana o restringe apenas ao
seu aspecto produtivo.

Vale pensar aqui a perspectiva de uma educação transformadora que


implica em formar para o rompimento do sistema vigente e envolve lutar contra
a sociedade de classes enquanto limitadora da liberdade e da autonomia do
homem. Se educar é educar para a liberdade, faz-se necessário criar condições

63
Metodologia do Ensino de Filosofia

para o exercício da mesma. Uma educação libertadora, na sociedade atual, é por


si revolucionária.

No plano da concepção da realidade histórica não estamos,


pois, diante de um embate novo, mas apenas de questões e
problemas que assumem um conteúdo histórico específico
dentro das novas formas de sociabilidade capitalista. Na
verdade, são questões que engendram um velho debate
travado, não apenas no âmbito da economia clássica liberal
(Adam Smith e Stuart Mill) e clássica marxista (Marx e Engels),
mas, mais amplamente, no conjunto do pensamento que
embasa o ideário da sociedade capitalista e das perspectivas
que lhe são antagônicas.

Por esta razão, podemos perceber que a explicitação do papel social da


educação, ou especificamente da relação entre o processo de produção e os
processos educativos ou de formação humana, vem marcada por concepções
conflitantes e sobretudo antagônicas (FRIGOTTO, 2003, p. 29).

O problema das incongruências entre as necessidades do sistema produtivo


frente às necessidades da formação humana é histórico, como dito por Frigotto
(2003), ou seja, verifica-se uma contradição entre essas duas necessidades.
A consequência dessas incongruências tem sido a redução e a subjugação
dos trabalhadores à lógica da exploração, em que as necessidades do sistema
produtivo se sobrepõem às necessidades de uma efetiva formação humana,
comprometendo assim a concepção educacional que valoriza o homem em sua
integralidade.

Deste modo, é possível verificar que o campo educacional se constitui a


partir de um intenso jogo de interesses. A tensão se encontra entre as propensões
da classe dominante – a elite econômica da sociedade, a fim de manter a sua
posição de classe exploradora –, e as reais necessidades da classe trabalhadora
que carece de uma educação que leve em consideração a autonomia e a
emancipação do homem como um todo, com o fim de se libertar da condição de
exploração e subjugação.

Para tanto, faz-se necessário também a superação da visão de sociedade


fragmentada entre dominantes e dominados, a partir da efetivação do conceito de
universalização e democratização da educação. Por mais que se tenha, em alguns
momentos da história e em alguns grupos sociais um discurso democrático na
educação, na prática não é isso que se verifica. O caráter universal da educação
não se efetivou e boa parte de população brasileira não adentra as escolas, o
cenário de evasão é desastroso e o rendimento tem piorado.

Essa situação só reflete os encaminhamentos políticos que o Brasil vem

64
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

dando à educação, encaminhamentos esses que se caracterizam por uma


formação não intelectual, não reflexiva e voltada para atender às mínimas
necessidades de reprodução do capital, sendo que nem a isso tem atendido a
contento. Os impactos da negligência com a educação são sentidos diretamente
na sociedade e na economia.

A implicação do descaso com a formação humana pode se desdobrar em


problemas mais graves no que diz respeito às relações do homem consigo
mesmo, com os outros e com a natureza. Esse problema já é um resultado da
própria forma como a sociedade capitalista se organiza, que coloca acima de
todas as coisas a acumulação de capital, subjugando as demais necessidades a
essa lógica.

A ausência da Filosofia enquanto disciplina obrigatória demonstra que os


encaminhamentos que o Estado vem dando à educação têm seguido essa lógica.
E isso fica evidente não só na forma como legisla, mas também nos discursos
que justificam a necessidade de desenvolvimento da nação a partir de um ensino
profissionalizante, voltado para a técnica, o que significa, um saber-fazer sem se
compreender o porquê.

O discurso desenvolvimentista defensor do ensino profissionalizante se


transformou numa ideologia latente que passou a ser reproduzida indistintamente,
gerando um eco de desprezo pela formação intelectual na sociedade que se
diz reflexiva. O resultado dessa difusão ideológica deixa evidente os interesses
daqueles que se beneficiam dessa estrutura produtiva.

O mais importante nesse caso é que os trabalhadores não se deem conta


de que, nessa estrutura social e produtiva, é lhes negado o acesso à riqueza que
eles mesmos produzem. Caso, esse sistema que procura esconder a realidade
opressora falhe, o risco desses trabalhadores se rebelarem contra o sistema é
muito alto. Assim, faz-se necessário mantê-los muito ocupados com o trabalho
para que não tenham espaço para questionarem e aprofundarem qualquer
questão quanto à própria realidade.

A problemática exposta é um efeito do modo como essa sociedade se


organiza para a produção de seus bens, sendo resultado histórico dos rumos
traçados pela ação do homem ao longo do tempo. Ou seja, o que se tem hoje
é um efeito de construções anteriores, quer no campo da produção, quer no
campo das estruturas sociais ou no campo dos conhecimentos e verdades que
sustentam essas estruturas. Daí a importância de se visitar o passado, a fim de
analisar as ações e discursos que estão na base dos problemas hoje enfrentados
pela educação e pela sociedade como um todo.

65
Metodologia do Ensino de Filosofia

1 Por que o campo educacional se constitui um campo de disputa


social e quais interesses prevalecem?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Qual é o papel da educação enquanto reprodutora do capital?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Quais são as implicações de uma formação meramente técnica e


que despreza o pensamento crítico?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 Como a educação pode ajudar a superar a sociedade de classes?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 PROBLEMAS E DIFICULTADORES
DO ENSINO DE FILOSOFIA
Diante de toda problemática que envolve a relação entre a educação e a
sociedade, o ensino de Filosofia vem sofrendo duros golpes. O que se observa é
um crescente descaso com a formação crítica e intelectual e a desvalorização do
ensino de Filosofia enquanto disciplina necessária à formação humana.

É importante notar primeiro quais os motivos que levaram a Filosofia aos


bancos escolares. Desde os gregos, quando surgiu, ela foi responsável em
despertar no homem a necessidade de conhecer e sistematizar o mundo a sua
volta. Assim, contribuiu para o desenvolvimento das capacidades racionais do
homem e por consequência do conhecimento científico. Então, foi o pontapé
inicial de todo conhecimento atual.

A Filosofia sistematizou o modo de se chegar ao conhecimento verdadeiro,


desenvolveu a lógica e as bases metodológicas do conhecimento científico e
foi a partir dela que o homem desenvolveu a ciência de hoje. Tudo isso passa

66
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

a ser considerado secundário e até mesmo desnecessário atualmente. Como


dito anteriormente, foram muitos os fatores sociais, políticos e econômicos que
convergiram para que a Filosofia chegasse a esse nível de desvalorização.

Essa forma de tratar a Filosofia dificulta muito a tarefa do professor em


sala de aula, visto que os alunos chegam desinteressados e a consideram
um aprendizado menos importante que as outras disciplinas. E, sem que haja
interesse por parte do aprendiz, o processo aprendizagem é dificultado e acaba
não se efetivando. Por isso, o professor de Filosofia, antes de qualquer coisa,
precisa recuperar o interesse do aluno pelo conhecimento que a Filosofia é
capaz de oferecer. Ele precisa despertar nos alunos as suas faculdades racionais
adormecidas pelo modo como está organizada a sociedade hoje.

Como já tratado aqui, a formação intelectual e crítica não tem sido alvo do
atual sistema produtivo, ficando reservada a poucos. Ao mesmo tempo, a lógica
dessa sociedade de mercado acaba por contaminar todas as esferas sociais,
difundindo assim a efemeridade inerente ao sistema governado pela lógica da
acumulação. Ou seja, numa sociedade em que a produção de bens tem como fim
a acumulação, quanto mais se produz, mais necessidade de consumir se cria para
a acumulação se consolidar. Deste modo, faz-se necessário que a mercadoria
seja comprada para que o dono do capital possa obter lucro. Caso isso não
ocorra, logicamente, o produtor terá prejuízo. Se o comprador vai efetivamente
usufruir das características físicas da mercadoria, pouco importa ao capitalista.
Esse movimento produtor de lucros acaba por se dar freneticamente, e o efeito
da necessidade de se produzir mais para lucrar mais é o responsável pela rapidez
com que se consome. Deste modo, as relações sociais também acabam seguindo
a mesma lógica, tornam-se voláteis e superficiais, assim como as relações de
mercado.

A superficialidade do consumo mexe na cognição dos consumidores e essa


volatização das mercadorias liquidifica as relações sociais, como já verificado por
Bauman (2001) que retrata a fluidez do mundo moderno.

É dentro dessa perspectiva que o ensino de Filosofia sofre mais um golpe;


a sociedade de mercado estabelece relações fluidas que interferem diretamente
no modo como as pessoas encaram a realidade. A superficialidade do consumo
germina em outros terrenos, cria novos hábitos, transformando a cognição e o
conhecimento algo fluido e superficial.

Assim, a sala de aula de Filosofia parece estar na contramão de tudo que é


moderno e efervescente. A Filosofia como seu conhecimento conceitual, denso,
profundo, reflexivo e crítico aparece com pesar, cansaço e exaustão perante a

67
Metodologia do Ensino de Filosofia

sociedade fluida, liquida, leve e mutante. Essa contradição alinhada a uma ética
utilitarista na qual é bom aquilo que é imediatamente útil, transforma a Filosofia
em um tipo de conhecimento inútil, totalmente dispensável, de modo que o
professor de Filosofia precisa a todo tempo, demostrar a utilidade da Filosofia
numa sociedade estruturalmente tão superficial, incapaz de perceber as benesses
da ação reflexiva crítica.

O sentimento de autonomia e liberdade que a Filosofia é capaz de despertar


no homem, o desvelamento de mundo que ela proporciona, mesmo que árido e
doloroso, faz com que o homem se perceba enquanto um ser livre, autônomo,
capaz de fazer a negação de sua realidade, capaz de criar novas realidades.

A Filosofia abre perspectivas, possibilidades, caminhos novos são


vislumbrados e trilhados a partir dessa capacidade que em algum momento de
sua história ele teve a oportunidade de desenvolver. E contraditoriamente, esse
mesmo homem, se encantou com sua própria criação, tornando-se cada vez mais
ofuscado, ignorante da própria condição de criador.

Como a Filosofia pode recuperar seu status de conhecimento


que trouxe o homem até aqui? Para onde caminha o homem ao se
tornar escravo de sua própria criação? Essas são questões cruciais
que envolvem a reflexão sobre a realidade hoje. E meio à falta de
humanidade nas relações entre os homens e a falta de uma visão
mais profunda e crítica acerca da relação dos homens com o mundo,
o que se pode esperar do futuro?

Assumir a condição de professor de Filosofia em meio a tantos percalços


significa remar contra a maré. Envolve trabalhar em prol da condição livre e
autônoma do homem, pois a Filosofia desperta a consciência crítica, emancipa o
homem criticamente, o liberta cognitivamente possibilitando a busca da efetivação
do agir autônomo.

68
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Alienação
Anteriormente, a alienação tinha um caráter predominantemente
ético em dois sentidos: no da liberdade: resultava de uma decisão
consciente, e até certo ponto livre, de aderir a padrões estrangeiros,
embora a forma torrencial com que estes fluíam sobre nós tornasse
extremamente precária a nossa liberdade de escolha; e no sentido mais
amplo do ethos: não constituímos um ethos nacional, fascinados pelo de
outras nações.
Na realidade, o segundo sentido completa o primeiro, já que o ethos
resulta de uma consciência decidida a assumir-se; e uma consciência
só se assume quando a realidade que a modela e lhe dá substância se
afloram.
Atualmente, a alienação é mantida sobretudo por uma razão que
se poderia denominar como técnica: não se sabe como imprimir outro
giro à máquina, como estabelecer novos modos de funcionamento em
que os dentes mordam a nossa substância nacional, transformando-se
em inteligência a nossa práxis.
Todos querem a mudança, mas os processos adotados até agora
de boa fé, em muitos casos, não levam a esse resultado: a máquina
roda no vazio, tal qual uma moenda sem a matéria para espremer
ou a fiandeira sem o fio para rodar. O que falta a nossa engrenagem
é o dente assentado na polpa da realidade: é o método da práxis. As
estruturas formais da universidade em que temos de descobrir o modo
pelo qual seu dinamismo já nasça da própria estrutura, e a transcenda.
Através dessa sutil deformação, reduzimos problemas de ideias,
de objetivos, de qualidade, a problemas de tecnicidade. Admite-se a
existência de uma teoria pura e de uma tecnologia pura em economia,
em educação, em ciência política etc., assim como a existência de uma
categoria de especialistas numa política de meios, desligada de uma
política de fins. Importam-se técnicos de outros países ou de outras
regiões do país, para planejar os meios, com o argumento de que
dessa forma não interferem nos fins. Acontece que os meios nascem
dos fins, não existindo uma tecnicidade dos meios que seja autônoma;
os técnicos brasileiros ou estrangeiros só podem ensinar os meios dos
seus fins, que não poderiam servir aos nossos. Uma prova de que não é
possível isolar a política dos meios, da política dos fins, sob o argumento
da pura tecnicidade dos meios, está em que os técnicos, nacionais ou
estrangeiros, quando não estão presos organicamente à estrutura de
seu pensamento os fins de sua sociedade e de sua cultura, aplicam os
seus instrumentos ao status quo do país com o qual colaboram, sem
discuti-lo, o que vale como uma homologação pura e simples dos fins
que esse status quo já representa.

FONTE: Adaptado de <file:///C:/Users/01914606990/Downloads/60426-


127403-1-PB.pdf>. Acesso em: 26 set. 2019.

69
Metodologia do Ensino de Filosofia

O texto anterior demonstra como a alienação é consequência do processo de


anulação das capacidades críticas das pessoas e da difusão de falsas verdades,
nas quais se prega que o conhecimento verdadeiro advém somente da técnica
em detrimento de outros modos de conhecer.

Observa-se nesse contexto, a exaltação de um cientificismo e de um


conhecimento técnico, imediatista, esvaziado de significados. Esse único modo
de pensar e ver a realidade anula a capacidade do homem se perceber como
sujeito ativo e construtor de sua realidade, alienando-o de sua própria consciência,
tornando sua ação desarticulada de outras realidades. Ao considerar somente os
fins imediatos dados pelo uso da técnica sem considerar a totalidade do processo,
o homem caminha para uma ação que o separa dos verdadeiros objetivos
produtivos, que é a própria realização do homem.

1 Quais os fatores estudados são dificultadores do ensino de


Filosofia?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Como a superficialidade do consumo interfere a sociedade como


um todo?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Como o pensamento meramente técnico é capaz de criar


alienação?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
E para finalizar, cabe relembrar o papel da Filosofia na formação do ser
humano que consiste principalmente no desenvolvimento da criticidade, pois é a
partir daí que se torna possível a tomada de consciência sobre a realidade e de
como agir nela, sendo o ponto de partida da conquista da liberdade. A formação
filosófica permite o desenvolvimento da capacidade intelectual e reflexiva dando
condições à construção de uma sociedade com sujeitos mais aptos a viverem a
condição de cidadãos numa democracia.
70
Capítulo 2 O ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Neste capítulo foi exposta a problemática da educação e do ensino de


Filosofia, retratando a luta de forças contrárias presentes nessa realidade. De
um lado a elite econômica tensionando o sucateamento da formação crítica da
classe trabalhadora, de outro os defensores de uma sociedade mais justa, menos
desigual e mais democrática. Forças que explicitam as contradições presentes
na nossa realidade e a necessidade de um exercício diário de reafirmação do
objetivo da educação, do ensino de Filosofia e a sua relação com a sociedade.

A busca por uma educação de qualidade que contribua para a garantia


da liberdade dos membros da sociedade significa a luta por uma sociedade
efetivamente democrática. Ou seja, oportunizar a formação crítica implica em
promover a democracia que ainda está longe de se consolidar plenamente perante
uma sociedade desigual. É por esse motivo que muitos intelectuais entendem
que só será possível uma educação libertadora quando a sociedade de classes
for superada. Assim, a emancipação do homem e sua autonomia implicam na
dissolução da estrutura social que permite a desigualdade. Porém, para que
isso aconteça, faz-se necessário oportunizar a todos o acesso à educação de
qualidade, uma educação capaz de despertar o senso de coletividade.

71
Metodologia do Ensino de Filosofia

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

CARMINATI, J. C. (Des) Razões da retirada da Filosofia do Ensino Médio no


Brasil. Revista Linhas. UDESC, v. 5, n. 2, 2004. Disponível em: http://revistas.
udesc.br/index.php/linhas/article/view/1225/1038. Acesso em: 23 set. 2019.

CARNEIRO, S.; LINDBERG, C. BNCC: A experiência fragmentada do saber e


o ensino de Filosofia. ANPOF – Associação Nacional dos Pós-graduandos em
Filosofia, Brasília, c2019. Disponível em: http://anpof.org/portal/index.php/es-ES/
artigos-em-destaque/1582-bncc-a-experiencia-fragmentada-do-saber-e-o-ensino-
de-filosofia-2. Acesso em: 23 set. 2019.

FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed, São Paulo:


Cortez, 2003.

MENDES, D. T. Notas para a filosofia da educação brasileira. Forum. Rio


de Janeiro, v.1, n.1, p. 93-110, jan./mar. 1977. Disponível em: file:///C:/
Users/01914606990/Downloads/60426-127403-1-PB.pdf. Acesso em: 26 set.
2019.

72
C APÍTULO 3
A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Inteirar-se das diversas abordagens teóricas que fundamentam o exercício do


pensar filosófico.

� Dominar os aspectos teóricos-metodológicos que permeiam a prática escolar


do ensino de filosofia.

� Analisar as teorias educacionais e suas implicações metodológicas.

� Apropriar-se do método dialógico como alternativa para a construção do


pensamento filosófico em sala de aula.
Metodologia do Ensino de Filosofia

74
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Este capítulo trata das questões teóricas e metodológicas que perpassam
o ensino de Filosofia. Para tanto, procura-se fazer uma análise das diversas
abordagens presentes nos discursos pedagógicos e como elas aparecem na
sala de aula. Reflete também acerca de como a epistemologia do professor se
reflete em suas aulas, quer dizer, de como os referenciais teóricos do professor
influenciam na sua forma de ensinar.

Considerando que um dos aspectos que a Filosofia estuda é o modo como o


homem desenvolveu e continua desenvolvendo o conhecimento, ensinar Filosofia
envolve não só revisitar esses modos de conhecer, como também implica na
maneira como o docente se apropria deles. Vale questionar qual abordagem ou
abordagens epistemológicas se manifestam na ação docente.

É importante ressaltar que a reflexão sobre a prática docente ajuda no ajuste


metodológico necessário para que os objetivos traçados anteriormente sejam
atingidos. Essa reflexão envolve estabelecer estratégias metodológicas pautadas
em determinados posicionamentos teóricos. Uma ação refletida envolve a busca
de coerência entre o que se deseja e o que se faz para alcançar os objetivos.

Para se estabelecer uma metodologia de ensino adequada, faz-se necessário


também conhecer o contexto dos educandos, seus valores, seus desejos, suas
visões de mundo, sua cultura, suas dificuldades, entre outros. Essa compreensão
da realidade dos educandos é de suma importância para que o educador de fato
consiga fazer com que os educandos aprendam. Para alcançar esse objetivo, vale
considerar a abordagem metodológica da aprendizagem significativa de Ausubel
que diz respeito aos organizadores prévios, necessários às construções das
pontes cognitivas entre o conhecimento dos educandos e o conhecimento escolar.

Outro aspecto metodológico importante que este capítulo tratará com mais
detalhes é o método dialógico de Paulo Freire, pois promove a comunicação entre
educador e educando e permite ao educador extrair do educando informações
necessárias para que possa pensar em estratégias de abordagens que realmente
sejam válidas para o educando, no sentido de promover uma educação voltada
para a autonomia do homem.

75
Metodologia do Ensino de Filosofia

A UNIASSELVI disponibiliza na sua plataforma virtual de


aprendizagem um conjunto de materiais que irão auxiliar nos seus
estudos. Você pode conferi-los acessando www.uniasselvipos.com.
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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO
ENSINO DE FILOSOFIA
Todas as pessoas possuem formas de ver o mundo e de pensar a
realidade. Sejam elas conscientes ou não, essas formas moldam e direcionam
o olhar, atuando como lentes que direcionam para o que se considera mais
importante. Essas lentes que condicionam o olhar das pessoas são chamadas de
paradigmas. Os paradigmas são modos de pensar que determinam a percepção
de mundo dos sujeitos. Diversos foram os paradigmas que os homens criaram
ao longo do tempo. Como os paradigmas reforçam um determinado olhar sobre
a realidade, no contexto da sala de aula eles direcionam o tipo de metodologia
a ser empregada pelo professor. Ou seja, as concepções teóricas do docente, o
modo como enxerga e entende a realidade e o conhecimento acerca dela, serão
decisivos quanto a seu modo de ensinar. E é neste ponto, teoria e prática, que
eles se relacionam.

A ação humana é por si uma ação pensada, ou seja, o ser humano planeja
suas ações no pensamento antes de agir. Deslocando essa ideia para o campo da
Filosofia e da Pedagogia, a ação pedagógica, enquanto ação humana, também é
pensada, ou seja, pretende ser refletida e, portanto, planejada. Neste ponto vale
destacar a importância da epistemologia do professor. Ela interfere diretamente
tanto no modo como ele pensa quanto no modo como age pedagogicamente.
Assim, a metodologia de ensino aplicada pelo professor de Filosofia é resultado
direto da lente que ele escolheu para olhar a realidade.

O modo como o professor se comporta em sala de aula reflete o modo como


ele enxerga e interpreta o real, por isso, é preciso estar atento aos modelos e
concepções teóricas próprias, pois elas darão o tom da metodologia a ser aplicada
em sala. Por mais que se queira aplicar este ou aquele determinado método, vale
checar se realmente ele está coerente e em sintonia com a lente escolhida pelo
professor para perceber o mundo a sua volta.

76
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

Porém, importa destacar que os homens possuem a capacidade de se verem


de fora, de saírem de si, de refletirem sobre seu próprio modo de pensar, podendo
deste modo, criticá-lo e redirecioná-lo. E assim caminha também o processo
metodológico do ensino, num constante movimento entre teoria e prática. A cada
ação dada por um modo de pensar, o educador reflete e questiona sua prática,
avalia e refaz a teoria que ao ser modificada, levará a uma nova prática. A reflexão
sobre a prática pedagógica, a qual os objetivos traçados anteriormente são
confrontados com os resultados alcançados, leva a uma constante atualização,
tanto teórica quanto prática.

Sendo assim, vale refletir sobre algumas concepções epistemológicas


presentes na prática docente para que o professor possa se olhar de fora e
identificar tanto que tipo de professor é quanto que tipo de professor quer ser, pois
determinadas concepções epistemológicas implicam em determinados modos de
agir.

A EPISTEMOLOGIA DO PROFESSOR

Nós não conseguiremos chegar ao aluno e intervir positivamente


na sua capacidade de aprender, fazendo treinamentos, modificando
técnicas e propondo macetes.
Temos que produzir um amplo processo de reflexão
epistemológica no qual os “formadores” se deem conta de que
nada de significativo acontecerá enquanto não romperem com as
concepções de conhecimento e de aprendizagem que vigoram em
nossas escolas.
Não que isso seja suficiente, trata-se de uma condição
necessária. Sem isso não saímos do lugar. A escola minimiza
os processos de aprendizagem na medida que trabalha sobre
pressupostos epistemológicos ingênuos, do senso comum
(empiristas ou aprioristas; estes frequentemente inatistas). A ciência
contemporânea e, a fortiori, a ciência do futuro, não teria feito o
que fez se não tivesse rompido essas barreiras epistemológicas na
direção de um construtivismo, cuja base epistemológica é dada por
um modelo interativo.
Então, poderemos compreender Giambatista Vico quando diz: “A
humanidade é a obra dela mesma”. Poderemos, então, compreender
uma obra fascinante como a de Piaget que diz que “Tudo o que a
gente ensina a uma criança, a criança não pode mais, ela mesma,
descobrir ou inventar”. Poderemos, então, compreender o que Piaget

77
Metodologia do Ensino de Filosofia

quer dizer com aprendizagem no sentido amplo, com equilibração


majorante, com abstração reflexionante etc.
Poderemos compreender, enfim, que o ser humano se faz; que
sua explicação está nele mesmo, que é de dentro dele mesmo que
tirará os materiais de sua própria construção, que ele é seu grande
mistério. É a partir dessa compreensão que se descobrirá a beleza
do mundo.

FONTE: Adaptado de <http://www.revistas.uniube.br/index.php/rpd/


article/view/76/376> Acesso em: 26 set. 2019.

1 O que são paradigmas e como eles se relacionam à metodologia


de ensino?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Por que a epistemologia do professor está diretamente relacionada


à metodologia de ensino?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Qual a relação entre teoria e prática pedagógica?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

2.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS


Com o passar do tempo, as reflexões sobre o campo educacional ampliaram-
se, a capacidade do homem de se colocar fora de si permitiu um olhar crítico
perante o ato educacional. Assim, foi possível verificar a forte influência que a
educação possui sobre a sociedade. Num primeiro momento se percebeu a função
redentora da educação, e esse olhar a colocava como “salvadora” dos males
sociais nos quais os indivíduos, ao se educarem, seriam capazes de melhorar a
sociedade como um todo. Nesse sentido, a educação seria a responsável para

78
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

resolver os problemas sociais, capacitando os indivíduos a viverem em sociedade.


Essa abordagem, mesmo ingênua, reconhece o papel social da educação.

Outra percepção sobre a função da educação perante a sociedade diz


respeito ao seu papel de mantenedora do sistema vigente, e harmonizadora dos
valores e ideologias dominantes. Essa posição teórica identificada como crítico
reprodutivista expõe o caráter reprodutor da estrutura social e produtiva.

Em contraponto ao aspecto redentor e reprodutor da educação perante a


sociedade, verifica-se também a força transformadora da mesma. Em momentos
de mudança social, a educação exerce a tarefa de conduzir a sociedade em
direção às mudanças necessárias.

É dentro dessas três tendências que as correntes pedagógicas transitam.


Em se tratando do ensino de Filosofia, observamos que elas se manifestam na
abordagem dada pelo professor em sala de aula, o que se reflete na escolha dos
conteúdos e no modo de avaliar.

O ensino também pode se manifestar de modo autoritário ou democrático,


dependerá dos objetivos do sistema político vigente. Num sistema político
democrático se pressupõe a necessidade de formar pessoas capazes de
exercerem a sua cidadania, e é sobre essa perspectiva que a metodologia do
ensino de Filosofia será tratada.

2.2 EDUCAÇÃO PARA A DEMOCRACIA


Segundo Saviani (2003), quando menos se falou em democracia na escola,
mais ela se fez presente e quando mais se falou nela foi quando a educação
se tornou mais autoritária. Ou seja, no período da educação tradicional (antes
do movimento escolanovista), a formação clássica se fazia presente para todas
as classes sociais, inclusive às classes populares, dando-lhes acesso a uma
formação mais sólida a nível científico e humanístico. Neste momento, o ensino
era unitário e o mesmo para todas as classes sociais.

Entendia-se que o modelo tradicional de ensino tratava todos do mesmo


modo não considerando as diferenças sociais, e ao classificar os alunos pela nota
acabava reproduzindo a estrutura social desigual. O que evidenciava a dificuldade
de as classes populares aprenderem, visto que, ao adentrarem à escola não
possuíam conhecimentos prévios necessários para acompanhar os conteúdos
escolares propostos. Por isso a educação tradicional foi criticada e considerada
autoritária, pelo fato de não possuir uma reflexão acerca do processo de exclusão
daqueles que não tinham um bom rendimento escolar.
79
Metodologia do Ensino de Filosofia

O modelo tradicional de ensino começou a ser questionado e outras


propostas educacionais mais inclusivas começaram a ser esboçadas. Foi
quando o movimento da Escola Nova (década de 1930) ganhou destaque, e sua
proposta metodológica começou a ser aplicada na escola. O ensino passou a ser
centrado no aluno e não mais no professor, os conteúdos e o ritmo com o qual se
trabalhava passaram a ser determinados pelas demandas dos alunos, fazendo
o professor perder seu papel diretivo no processo de ensino-aprendizagem. O
problema desse método mais “democrático” de ensino é o fato de destituir as
classes populares de um conhecimento mais sólido, mais teórico, mais abstrato,
que permite o desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo. Esse modo de
ensino acabou por esvaziar a formação das classes populares.

Enquanto o problema do ensino tradicional estava na estrutura social


vigente, em que uns possuíam mais acesso à cultura letrada e outros quase
nenhum, o modo como se procurou resolver essa questão não atingiu a base
do problema. A solução encontrada acabou por alterar os conteúdos e o ritmo
do ensino para as classes populares, tendo como resultado o aprofundamento
da estrutura social desigual. Foi justamente quando se reconheceu que as
classes populares precisavam de uma atenção diferenciada, que elas sofreram a
mutilação conteudista de acesso aos conhecimentos reflexivos e críticos. Ou seja,
o objetivo que era incluir, gerou mais exclusão. Quando se pensou na inclusão
das classes populares, no sentido de se procurar entender e resolver os motivos
das dificuldades dos alunos, teve-se como resultado a redução dos conteúdos
clássicos. A partir de então, a educação começa a caminhar em direção a uma
escola dualista, em que se tem uma educação para as elites e outra para as
classes populares. Esse dualismo se dava, num primeiro momento, com os
diferentes níveis de ensino, em que as classes populares só ascenderiam no
máximo ao ensino secundário com ênfase na formação profissional e meramente
técnica, não alcançando o nível superior

Esse movimento, que tem como modelo pedagógico o foco no aluno e


nas necessidades que ele traz, ficou conhecido como Escola Nova. E por mais
que tivesse como objetivo a democratização do ensino, acabou aprofundando
as diferenças da estrutura social e econômica, reforçando as desigualdades
presentes na sociedade e abrindo os caminhos para a tendência tecnicista que
adentrou com toda força na formação das classes populares.

A educação tecnicista ocupou a formação básica adentrando no ensino


secundário, hoje ensino médio. Essa tendência vem cada vez ganhando mais força
e adentrando o ensino superior também, desprovendo o ensino de uma formação
humana que permita ao aluno pensar enquanto sujeito, enquanto ser humano
existente. A necessidade do mercado parece estar ditando os rumos da educação
e ganhando a máxima prioridade e, deste modo, a formação para a cidadania

80
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

acaba sendo deixada de lado. O problema é o abandono dado à formação do


homem para o exercício da cidadania, na medida em que possa efetivamente
exercer seus direitos e deveres. O foco para a formação para o mercado corre o
risco de transformar o homem em mera ferramenta da máquina produtiva.

Deste modo, o movimento da Escola Nova, que pretendia a inclusão das


classes populares na estrutura de ensino, teve como resultado o sucateamento
do ensino para essas classes, diferenciando-o do ensino das elites. Por isso,
Saviani critica esse modelo que acabou destituindo as classes populares de uma
formação integral voltada para o humano, e não somente para o trabalho.

1 Por que, segundo Saviani, quando menos se falou em democracia


na escola foi quando mais ela esteve presente?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Quais os problemas do modelo tradicional de ensino?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Qual a proposta metodológica da Escola Nova e quais foram os


problemas por ela gerados?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 Onde se encontra o real problema da dificuldade das classes


populares acompanharem o sistema de ensino e quais os
resultados dos encaminhamentos que foram dados no que diz
respeito a essa questão?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 Quais os problemas que o movimento da Escola Nova trouxe no


âmbito educacional posterior?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

81
Metodologia do Ensino de Filosofia

No processo de aprendizagem da Escola Nova, o capital cultural


de cada sujeito discente é fator determinante. Por capital cultural,
em sentido estrito, entende-se o conjunto de recursos, competências
e predisposições herdadas do meio. O mesmo impõe-se “como
uma hipótese indispensável para dar conta da desigualdade de
desempenho escolar de crianças provenientes das diferentes
classes sociais” (BOURDIEU, 2007, p. 73). “... o rendimento escolar
da ação escolar depende do capital cultural previamente investido
pela família” (BOURDIEU, 2007, p. 74), das disposições e interações
individuais. O trabalho escolar, por si só́ , não é garantia de que a
aprendizagem escolar necessariamente ocorrerá. Ela depende de
muitos fatores. Assim, não se trata de pensar que alguns alunos têm
aptidão, dom para os estudos, enquanto outros não os têm. Mas, de
considerar que “[...] a aptidão ou o dom são, também, produtos de
um investimento em tempo e em capital cultural (BOURDIEU, 2007,
p. 73).

O tempo, aqui, deve ser visto sob duas perspectivas: a do


investimento e a da necessidade. A acumulação de capital cultural
depende, inicialmente, do capital cultural familiar. E, quanto
mais forte for o capital cultural familiar, mais rapidamente, e
quantitativamente, o jovem realizará seu processo de acumulação.
Quanto menos capital cultural, mais tempo ele levará para cumular e
mais tempo necessitará dispender para compensar o atraso. Nessa
condição, quanto menos tempo ele investir, ou lhe for possibilitado
investir, menos acumulação ele poderá́ realizar. Além disso, cabe
ainda ressaltar que muitos jovens, pela condição econômica
familiar, precisarão iniciar alguma atividade econômica, fato este
que dificultará e até́ mesmo impedirá, por vezes, a continuidade de
acumulação de capital cultural pela via escolar. Para Bourdieu (2007,
p. 76), “[...] o tempo liberado da necessidade econômica [...] é [...]
condição da acumulação inicial”. A relação que cada um estabelece
com a sociedade é de interdependência, de “[...] troca constante
e recíproca entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo das
individualidades” (SETTON, 2002, p. 63). Porém, a escola não deve
contentar-se em apenas atuar de maneira a reproduzir as condições
de capital cultural já́ adquirido por cada indivíduo, mas de fazê-los
aumentar. Como afirmam as novas Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, aprovadas pela Câmara de Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução Nº 2, de
30 de janeiro de 2012, o currículo deve possibilitar a “apropriação de

82
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

conceitos e categorias básica, e nado o acúmulo de informações e


conhecimentos, estabelecendo um conjunto necessário de saberes
integrados e significativos”. Ora, apropriar-se de alguma coisa não
é simplesmente reter, mas fazer uso daquilo que se reteve. Assim,
para que a aprendizagem filosofia seja significativa, o aluno não
deve somente reter conceitos e categorias filosóficas, mas saber
usá-las apropriadamente no desvelamento da própria realidade. “O
aluno não deve se tornar filósofo, mas se apropriar ativamente da
filosofia” (HELLER, 1983, p. 25).

FONTE: Adaptado de <https://revistas.ufpr.br/nesef/article/


view/54764>. Acesso em: 26 set. 2019.

2.3 EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA


Pensar em uma educação efetivamente democrática significa formar para a
autonomia, quer dizer, formar o homem em sua integralidade, possibilitando que
ele se perceba enquanto parte ativa da realidade e capaz de transformá-la.

A formação integral, que contempla a totalidade do ser humano, é de


fundamental importância para despertar o sentimento de autonomia. Essa
totalidade envolve compreender o homem para além das necessidades de
subsistência, incluindo aspectos referentes a sua existência histórica e social. O
estudo e a compreensão de que o hoje é um resultado da ação do homem ao
longo do tempo, proporciona a percepção de que se essa realidade foi construída
pelos homens, deste modo, sendo homem, logo o educando se reconhece
enquanto construtor da mesma.

Essa compreensão de mundo coloca o educando no centro do processo


histórico, devolvendo a ele a possibilidade de se pôr como sujeito ativo e não
passivo de sua realidade. Pois, ao se perceber como construtor de sua própria
realidade, recupera o que lhe foi perdido ao longo do tempo, a sua liberdade.
Educar para a autonomia significa educar para a liberdade.

Nada melhor do que a Pedagogia de Paulo Freire para demonstrar o papel


libertador que a educação pode proporcionar ao ser humano. Ao se dedicar à
alfabetização de adultos, Paulo Freire contribuiu para a inserção das classes
populares no universo social, pois destituídas de leitura e escrita, não se sentiam

83
Metodologia do Ensino de Filosofia

parte da sociedade. Ensinar esses adultos a ler e escrever proporcionou a


possibilidade de recuperação da autoestima dos mesmos já há muito tempo
perdida nas estruturas de dominação social.

Paulo Freire trouxe à tona o debate sobre como ensinar a partir da realidade
do próprio educando, suas perspectivas teóricas envolvem a prática da liberdade
e a emancipação das classes populares. Propõe em Pedagogia do Oprimido a
superação da relação de opressão, em que a mera mudança de posição entre
opressor e oprimido não resolve o problema. E para superar a relação de
opressão, o primeiro passo é a formação crítica das classes populares para que
possam recobrar a consciência de mundo e sua autonomia perante ele.

Essa formação parte da valorização da cultura do educando a partir do


método dialógico, no qual a comunicação entre educador e educando recobra sua
autoestima contribuindo também no desenvolvimento do senso crítico.

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa,


nem tampouco, pode nutrir-se de falsas palavras, mas de
palavras verdadeiras, com que os homens transformam
o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é
modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta
problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo
pronunciar (FREIRE, 1987, p. 78).

Essa prática é libertadora no sentido de que o educando começa a se


reconhecer enquanto ser dotado de existência, enquanto parte do real, pois ao
ser ouvido e ao poder se expressar recobra em si mesmo o senso de liberdade
e autonomia. É na interação comunicativa entre educador e educando, entre
educandos e educandos que a prática da liberdade é vivenciada, até que os
homens em conjunto possam se libertar das relações de opressão.

[…] não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia


do mundo e os que não a querem; entre os que negam
aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham
negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim
se encontram negados do direito primordial de dizer a
palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto
desumanizante continue (FREIRE, 1987, p. 79).

Pois, para Paulo Freire (1987), é a partir do diálogo que os homens ganham
significação entre eles, se não há possibilidade de diálogo é porque há relação
de opressão, de subjugação. Sendo o diálogo uma exigência existencial, a
educação não pode ter um caráter autoritário, nem ser um depósito de ideias nos
educandos, não pode ser descomprometida com o mundo, nem um processo de
imposição de verdades.

84
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

A pedagogia de Paulo Freire (1987) se apresenta como um método de


transformação do real, que procura traçar os caminhos para a superação das
relações de opressão e das desigualdades entre os homens, formando para o
exercício do pensamento crítico, autônomo e libertador. Procurando conduzir
os homens para a ação revolucionária através da superação da contradição
que vivem, pois, uma vez se fazendo seres para si, somente será capaz de se
desenvolver em uma sociedade livre.

Paulo Freire visa como papel essencial da educação a proposta


de fazer os alunos livres, curiosos, insubmissos. Kant em sua forma
de conceber a educação pensa que um dos objetivos principais do
ensino é libertar os discentes de preconceitos para que possam
progredir em sua formação intelectual e cultural “A educação prática
ou moral (chama-se prático tudo que se refere à liberdade) é aquela
que diz respeito à construção (cultura) do homem, para que ele
possa viver como um ser livre (KANT, 1996, p. 34). Nesse sentido,
Kant estabelece como objetivo principal da educação, a formação
dos estudantes para que eles possam exercer a sua liberdade e
sejam autônomos para que não fiquem submetidos ao julgo de outras
pessoas como os professores para a construção de suas ideias e de
sua formação cultural. O que, infelizmente, ocorre em alguns casos é
que os docentes muitas vezes, ao invés de promoverem um ensino
para que os alunos pensem por si, promovem aulas em que os
alunos ficam acorrentados ao que outras pessoas disseram, fazendo
com que a tarefa filosófica perca o seu significado “ensinar exige
liberdade” liberdade que faça com que os discentes exercitem a sua
capacidade de pensarem por si fazendo com que eles assumam uma
atitude filosófica, refletindo acerca do que é dito e podendo expressar
as suas opiniões na sala de aula, possibilitando o diálogo.

A capacidade de problematização sobre o ensino de filosofia


é uma das competências essenciais que um professor de filosofia
pode utilizar para despertar o desejo dos alunos rumo a uma
tentativa de elaboração de uma resposta, estimulando dessa forma,
o pensamento crítico do aluno. A filosofia não surgiu do nada como
uma simples abstração ou devaneio desvinculado da realidade
vigente dos primeiros pensadores, ela nasceu a partir de problemas
concretos que foram constatados pelos filósofos e que se esforçaram
tentando responder essas mesmas questões a luz de seu tempo.

85
Metodologia do Ensino de Filosofia

Desse modo os professores podem incitar os seus alunos na medida


em que conseguem fazer em sua prática docente com que um
determinado conteúdo de filosofia apresente-se como um problema
que pode e deve ser pensado pelos alunos, fazendo com que eles se
sintam inquietos e busquem dar algum tipo de solução, estimulando
assim uma reflexão crítica e a capacidade do filosofar por parte dos
educandos.

FONTE: Adaptado de <file:///C:/Users/01914606990/


Downloads/4744-Texto%20do%20artigo-8469-1-10-20171005.pdf> .
Acesso em: 30 set. 2019.

1 O que Bourdieu entende como capital cultural e como ele pode


interferir no desempenho escolar do aluno?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 O que envolve uma formação integral que contemple a totalidade


do homem, e qual impacto ela pode causar no mesmo?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Em que consiste o método dialógico na pedagogia de Paulo


Freire e como ele pode contribuir para a superação da relação de
opressão?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 Como o método dialógico pode ser usado na sala de aula de


filosofia?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

86
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

2.4 AS TEORIAS CRÍTICO-


REPRODUTIVISTAS E A PEDAGOGIA
HISTÓRICO-CRÍTICA
A pedagogia histórico-crítica surge em contraposição às teorias crítico-
reprodutivistas, que ao perceberem o papel da educação como reprodutora do
status quo acabou gerando um clima de pessimismo perante os educadores.
Deste modo, a teoria histórico-crítica da educação surge propondo a perspectiva
de uma escola capaz também de transformar a realidade social.

Entretanto, vale aqui considerar o diagnóstico feito pelas teorias crítico-


reprodutivistas para se compreender quais os aspectos do papel da escola,
enquanto reprodutora da sociedade, serão necessários romper. Pautadas em
teóricos como Bourdieu, Passeron, Althusser, Baudelot e Establet, as teorias
crítico-reprodutivistas reconhecem que a educação possui uma forte dependência
da sociedade. É preciso compreender como se dá essa relação de dependência
para que as estratégias propostas pela teoria histórico-crítica para o seu
rompimento possam ser pensadas. Deste modo, o estudo das teorias crítico-
reprodutivistas é de fundamental importância para se detectar os mecanismos de
dominação.

As teorias crítico-reprodutivistas demonstram que “em vez de democratizar,


a escola reproduz as diferenças sociais, perpetua o status quo e, por isso, é uma
instituição altamente discriminadora e repressiva” (ARANHA, 1996, p.188). A
importância dessa concepção de escola é desfazer a ilusão da autonomia absoluta
do sistema escolar, ou seja, demonstra que a escola não é um espaço neutro,
pelo contrário, conforme Bourdieu e Passeron, a escola dissimula uma verdadeira
violência simbólica. Sendo um espaço de convencimento, de imposição de ideias,
em que “as pessoas são levadas a agir e a pensar de uma determinada maneira
imposta, sem se darem conta de que agem e pensam sobre coação” (ARANHA,
1996, p. 188-189).

Outro filósofo que contribuiu com a abordagem das teorias crítico-


reprodutivistas foi Louis Althusser que apresenta a escola como aparelho
ideológico de Estado. Partindo do pensamento de Karl Marx sobre ideologia
dominante, entende que a escola é um espaço de difusão dessa ideologia que
tem a função de mascarar a exploração do trabalhador pela difusão de valores
burgueses.

Baudelot e Establet apresentam a tese da teoria dualista da escola,


entendem que em uma sociedade dividida em classes não seria possível ter

87
Metodologia do Ensino de Filosofia

uma escola unitária. Desse modo, faz-se necessário duas escolas radicalmente
diferentes, opostas, heterogêneas e antagonistas. “As duas grandes redes de
escolaridade são a SS (Secundária Superior) e a PP (Primária Profissional), que
corresponderiam à divisão da sociedade em burguesia e proletariado” (ARANHA,
1996, p. 192). Assim, a escola reafirma a diferença entre as classes sociais
separando o trabalho intelectual (SS) do trabalho manual (PP), e assegura a
manutenção da estrutura capitalista de produção. “A divisão em redes não se dá
no final da escolarização, como se poderia supor, pois desde o começo os filhos
dos proletários estão destinados a não atingir níveis superiores, encaminhando-
se para as atividades manuais” (ARANHA, 1996, p. 192).

Diante do quadro traçado pelas teorias crítico-reprodutivistas da escola, para


que não se caia num pessimismo imobilista, faz-se necessário pensar alternativas
para a mudança social, assim como pensar a escola como meio de transformação
e não de mera reprodução. Para tanto, a pedagogia histórico-crítica também
denominada de pedagogia dialética ou pedagogia crítica-social dos conteúdos,
desenvolvida pelo educador e filósofo Dermeval Saviani, faz um contraponto
perante as teorias crítico-reprodutivistas.

Saviani, baseado na realidade brasileira e nos conhecimentos sobre Marx,


Gramsci, Kosik, Suchodolski, Snyders e Álvaro Vieira Pinto, aponta os problemas
da falta de um sistema brasileiro de educação. Pois, a educação no Brasil
encontra-se desprovida de planejamento e intencionalidade claras, apresentando
incoerências internas e externas (ARANHA, 1996). Isso ocorre pelo fato de os
professores não participarem ativamente do processo decisório, receberem
ordens de cima, desconexas entre si, e baseadas em teorias produzidas fora do
contexto brasileiro. Tem-se como resultado uma estrutura educacional insuficiente,
pois as decisões são, muitas vezes, pautadas em modelos e teorias pedagógicas
externas, ou seja, em experiências diferentes da realidade brasileira e, por isso,
acabam não atingindo os resultados desejados.

Assim, Saviani propõe uma teoria educacional que abarque essa realidade.
Sua pedagogia histórico-crítica entende que a escola deve ser um lugar de
socialização por meio da apropriação do conhecimento produzido histórica e
socialmente, sendo capaz de formar cidadãos críticos e ativos socialmente, para
Saviani, “[...] o ponto de partida e o de chegada do processo educativo é sempre a
prática social” (ARANHA, 1996, p. 216).

Como prática pedagógica Saviani propõe o método científico dialético da


economia política utilizado por Marx para fazer o desvelamento da realidade. O
que pretende é partir de uma visão caótica do todo a uma visão da totalidade
do real, rica em determinações e relações numerosas pela mediação da análise,
ou seja, das abstrações e determinações mais simples (SAVIANI, 2003). Assim,

88
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

o método de ensino se constituiria em partir de uma visão caótica da sociedade


fazendo abstrações simples, e retornaria à realidade social até que ela apareça
com clareza aos olhos do educando. Fazendo esse movimento de análise e
síntese se chegaria a uma visão da totalidade viva, ou seja, da compreensão da
própria realidade, esse seria o papel da educação, desvendar o real.

Outro aspecto a ser destacado da pedagogia histórico-crítica diz respeito


ao método dialético como método de transformação da própria realidade. É
necessário partir de uma dada realidade, refletir e agir sobre a realidade de modo
a transformá-la.

Entendo, pois, que o processo educativo é a passagem da


desigualdade à igualdade. Portanto, só é possível considerar o
processo educativo em seu conjunto como democrático sob a
condição de se distinguir a democracia como possibilidade no
ponto de partida e a democracia como realidade no ponto de
chegada. Consequentemente, aqui também, vale o aforismo:
democracia é uma conquista; não um dado. Este ponto,
porém, é de fundamental importância. Com efeito, assim
como a afirmação das condições de igualdade como uma
realidade do ponto de partida torna inútil o processo educativo,
também a negação dessas condições como uma possibilidade
no ponto de chegada inviabiliza o trabalho pedagógico. Isto
porque, se eu não admito que a desigualdade é uma igualdade
possível, ou seja, se não acredito que a desigualdade pode
ser convertida em igualdade pela mediação da educação
(obviamente não em termos isolados, mas articulada com as
demais modalidades que configuram a prática global), então,
não vale a pena desencadear a ação pedagógica (SAVIANI,
2003, p. 78)

Assim, o ato pedagógico pressupõe a ação social e a formação de sujeitos


capazes de modificar o meio em que vivem; sem essa possibilidade, a ação
pedagógica não teria valor. Saviani (2003) alerta para a necessidade de se
alcançar uma condição social efetivamente igualitária e democrática, pois sem
a possibilidade de transformação social, o ato educativo estaria destituído de
sentido. Nesse aspecto, a pedagogia histórico-crítica visa a transformação social,
a melhoria das condições existenciais, sendo uma pedagogia voltada para a
prática social.

89
Metodologia do Ensino de Filosofia

1 Por que para Bourdieu e Passeron a escola não é um espaço


neutro?
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_____________________________________________________

2 Qual a relação entre as classes sociais e a escola segundo


Baudelot e Establet e como isso ocorre na sociedade capitalista?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

3 Por que, segundo Saviani, o Brasil não possui um sistema


educacional?
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_____________________________________________________

4 Como a teoria histórico-crítica entende a educação?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 Qual método a pedagogia histórico-crítica utiliza em sua prática


educacional e como ele funciona?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

6 Quais transformações Saviani propõe para que a educação seja


possível como prática social, e em qual condição que não valeria
a pena desencadear a ação pedagógica?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

Ninguém adentra ‘inocente’, tal qual uma tabula rasa, em algum


campo profissional. De modo especial, no caso da educação, quem
assume a condição de agente educativo para exercer determinadas
funções já terá passado de algum modo pela escola. Dessa forma,
já teve contato, ainda que de maneira espontânea, assistemática,

90
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

com teorias educacionais. Quando se é apresentado a uma teoria


de maneira mais formal, dominantemente o primeiro movimento
tende a ser de adesão pré-crítica. Esse caráter pré-crítico denuncia
um fenômeno relativamente comum: as flutuações da consciência
pedagógica, que podem ser definidas como “a adesão pré-crítica
da consciência pedagógica a estruturas conceptuais limitadas pelos
interesses das várias teorizações e práticas humanas centradas
em seus objetos específicos. ” Isso significa que os professores e
os pedagogos tendem a passar de uma orientação teórica a outra
dentre aquelas que se encontram em circulação, ao sabor das
circunstâncias configurando certo modismo pedagógico. E as teorias
que se encontram em circulação com algum poder de atração
sobre a consciência pedagógica são aquelas que correspondem às
ideias dominantes que, como lemos em A ideologia alemã de Karl
Marx, são as ideias da classe dominante. Trata-se, pois, das teorias
hegemônicas que dão expressão universal aos interesses da classe
dominante, apresentando-os como correspondentes aos interesses
de toda a sociedade.

O papel da teoria crítica – isto é, aquela teoria que, por


colocar-se na perspectiva dos interesses dos dominados, consegue
ver os limites, as insuficiências e inconsistências das teorias
hegemônicas – é desmontá-las contextualizando-as histórica,
social e epistemologicamente. Historicamente, a desmontagem
implica mostrar quando, como e em que contexto surgiram e se
desenvolveram; socialmente, cabe indicar a que interesses ocultos
elas servem e como justificam esses interesses; epistemologicamente
a desmontagem evidenciará seus pressupostos, a concepção sobre
a qual se apoia, a lógica de sua construção com as incoerências,
inconsistências e contradições que a caracterizam. Tudo isso
sem deixar de reconhecer seus possíveis acertos e eventuais
contribuições, que serão incorporados ao serem superados pela
teoria crítica.

Em suma, a desmontagem das teorias hegemônicas se


movimenta na luta pela hegemonia, que consiste em um processo de
desarticulação-rearticulação, trata-se de desarticular os interesses
dominantes expressos nas teorias hegemônicas, aqueles elementos
que estão articulados em torno deles, mas não lhes são inerentes, e
rearticulá-los em torno dos interesses populares que, expressos na
teoria crítica, adquirem a consistência, a coesão e a coerência de
uma concepção elaborada.

91
Metodologia do Ensino de Filosofia

Mas os trabalhadores não podem aspirar à hegemonia sem


passar da condição de classe em si para a condição de classe para
si, o que implica a elevação cultural das massas, que é obra da
educação. A elaboração de uma teoria da educação radicalmente
crítica se põe, portanto, como um instrumento necessário para
orientar a intervenção deliberada e sistemática nos vários níveis
e modalidades das redes de ensino, visando assegurar a toda a
população uma educação de elevado padrão de qualidade, adequado
aos seus interesses e necessidades.

FONTE: Adaptado de Saviani (2017, p. 718 -719).

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS
PARA O ENSINO DE FILOSOFIA
Tratar de um método específico para o ensino seria compreender a educação
e o educando como estáticos, como objetos dados fixamente, os quais se
pudessem extrair conceitos fixos e estáveis. Considerando a educação como uma
atividade humana dotada de sentido e intencionalidade, fica difícil estabelecer
um parâmetro fixo e objetivo pelo qual se possa traçar um método de ensino.
Por isso, é preferível se referir a caminhos metodológicos, pois cada docente,
dentro de seu perfil e do perfil dos discentes, deve traçar as suas possibilidades
de caminhos metodológicos.

Diante das tendências pedagógicas vistas anteriormente, pôde-se vislumbrar


diversas formas de se perceber a educação e de se encaminhar seus objetivos.
Levando em conta o ensino de Filosofia e seus objetivos – como a formação do
homem crítico e consciente de sua própria realidade –, percebe-se a estreita
relação e sua tamanha importância para que a educação possa atingir seu principal
objetivo: formar sujeitos conscientes e construtores da realidade em que vivem.
Nesse sentido, o ensino de Filosofia se encontra alinhado aos principais objetivos
da educação transformadora, que trabalha com a possibilidade de formar sujeitos
autônomos e livres, e de proporcionar ao homem a possibilidade de se manifestar
enquanto tal. É sobre essa perspectiva que os caminhos metodológicos do ensino
de Filosofia serão abordados.

92
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

É possível que um professor possa se manter neutro de sua


posição filosófica no ensino da filosofia? Existe uma maneira única
de ensinar a filosofia? Uma receita pronta que remediaria todos
os problemas enfrentados pelos docentes de filosofia em sala da
aula? Em suma, é possível uma metodologia na prática do ensino
de filosofia que desperte nos alunos uma atitude crítica em relação
ao mundo e faça deles pessoas mais autônomas? (MATOS &
MEDEIROS, 2015, p.130)

3.1 EDUCAÇÃO DIALÓGICA


No processo de ensino-aprendizagem o diálogo entre professor e aluno é
uma ferramenta primordial na metodologia de ensino, pois a partir dele é possível
não só traçar estratégias de ensino como também fazer os ajustes necessários
para que o aluno realmente aprenda.

Ao longo da história da Filosofia é possível verificar o uso desse método,


a começar por Sócrates com a maiêutica, na qual o diálogo é o caminho que
leva à busca da verdade a partir de construção de conceitos. O método socrático
considera o diálogo como parte necessária para se perceber os enganos da
opinião e se alcançar a essência das coisas.

No campo pedagógico, o diálogo aparece como principal aspecto da


pedagogia de Paulo Freire, denominado de método dialógico. No contexto
da educação, o método dialógico consiste não só em ajudar na condução do
pensamento do aluno para a reflexão sobre a própria realidade, mas em fazer
esse aluno se perceber enquanto ser na medida em que ele é posto numa relação
horizontal, pois para que o diálogo aconteça não pode haver relação de opressão.
Assim, o educando se percebe enquanto sujeito.

O método dialógico de Paulo Freire aparece em contraposição ao que


ele chama de educação bancária, na qual os conteúdos são depositados nos
educandos de modo arbitrário. Esse tipo de método educacional parte do
pressuposto que os alunos são seres passivos, vazios de conhecimento, e que
a escola é responsável em depositar neles os conhecimentos necessários para a
vida em sociedade.

93
Metodologia do Ensino de Filosofia

Freire identifica que a educação bancária não inclui as classes populares


no processo de ensino-aprendizagem, pois os que não se mostram capazes de
acompanhar os conteúdos depositados em sala de aula são classificados como
incompetentes. Desse modo, a educação bancária se caracteriza como autoritária
e reprodutora das desigualdades sociais.

Diferente disso, Freire percebe que as classes populares se encontram


desprovidas da linguagem e do conhecimento cultural específicos das classes
mais privilegiadas e por isso acabam fracassando na escola. Para resolver esse
problema, demonstra a necessidade do educador se utilizar da linguagem das
classes populares para a partir de aí construir novos conceitos e significados.

Em se tratando do ensino de Filosofia, o método dialógico de Freire ajuda


o professor de Filosofia a se aproximar não só da linguagem dos alunos como
também dos seus conceitos e significações acerca do mundo. Pois a partir deles
será possível pensar numa abordagem capaz de atingir os alunos cognitivamente
e despertar neles o desejo de conhecer. É preciso conhecer o universo cognitivo
dos alunos para poder construir novas significações junto com eles, assim, a
aprendizagem deixa de ser mecânica, voltada apenas para a memorização.

3.2 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA


Em se tratando de uma metodologia de ensino que leve em conta a
significação dos conteúdos e não a sua memorização, vale ressaltar a abordagem
dada por Ausubel sobre aprendizagem significativa. Para ele, o mais importante
para que aprendizagem seja de fato significativa em sala de aula são os
conhecimentos que os alunos já possuem. Assim, é importante que o professor
inicie sua abordagem a partir daquilo que o aluno já sabe. Deste modo, Ausubel
destaca a importância dos organizadores prévios para que a aprendizagem
deixe de ser mecânica e passe a ser significativa. Os organizadores prévios são
os conceitos necessários para que novos conhecimentos sejam inseridos, são
organizadores da aprendizagem, de modo que o professor precisa ter claro quais
são esses conceitos, se o aluno já os possuem, e como pode despertá-los nos
alunos para depois introduzir os novos conteúdos. Desse modo, os organizadores
prévios precisam levar em conta os conhecimentos prévios que os alunos trazem
para a sala de aula, para a partir deles se construírem pontes cognitivas capazes
de conduzir o conhecimento do aluno até o conhecimento que se pretende que
ele alcance.

Os organizadores prévios consistem na ambientação necessária para se


introduzir um novo conhecimento. Essa ambientação ou preparação cognitiva

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Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

parte dos conhecimentos já consolidados nos alunos em direção à construção de


novos significados. No que diz respeito ao ensino de Filosofia, trata-se de partir
da visão de mundo dos alunos, do conhecimento do dia a dia deles, em direção a
um conhecimento mais profundo e mais reflexivo.

Os conhecimentos já presentes na cognição dos alunos são o ancoradouro


necessário para a recepção dos novos conhecimentos trazidos pelo professor.
Depois dessa recepção, dos novos conhecimentos trazidos pelo professor
na cognição do aluno, vale considerar o processo de acomodação desses
conhecimentos. O que ocorre é um processo de interação, em que os conceitos
mais relevantes dos alunos interagem com os novos conceitos, modificando a
cognição. Esses conceitos mais relevantes funcionam como ancoradouros dos
novos e também acabam se modificando a partir dessa interação.

Para Ausubel, a estrutura cognitiva possui uma hierarquia conceitual,


e a cada nova interação conceitual essas estruturas se reorganizam. No caso
da aprendizagem mecânica, há pouca ou nenhuma interação com a estrutura
cognitiva. Neste caso, o conhecimento adquirido se distribui de forma arbitrária,
sem se ligar aos conceitos existentes, e a aprendizagem se dá de modo não
significativo. Para a aprendizagem ser significativa é preciso que os novos
conhecimentos se estabeleçam na estrutura cognitiva de modo não arbitrário,
daí a importância dos organizadores prévios que servem de âncoras para a nova
aprendizagem.

3.3 O MÉTODO DIALÉTICO


A concepção dialética está presente na história da Filosofia desde os gregos.
O método da maiêutica socrática consiste no próprio método dialético, no qual a
contraposição de ideias leva a um novo conhecimento. Mais tarde, a dialética vai
ser trazida por Hegel como um método de interpretação do real, capaz de captar
a realidade em seu movimento.

Hegel procura descrever o movimento do real a partir da dialética, como um


movimento de negação e contradição que dá origem a uma nova realidade. Marx
se apropria desse método e o aplica para o estudo do movimento das sociedades
ao longo do tempo. Deste modo, verifica que toda grande mudança social está
marcada por momentos de contradição e negação.

Ao aplicar a dialética como método de ensino, verifica-se a necessidade


de um constante movimento de reperspectivação das abordagens, na medida
em que o professor procura melhorar suas abordagens para melhor atingir os

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Metodologia do Ensino de Filosofia

alunos. Outro aspecto importante é considerar o movimento do real como fator


preponderante na sala de aula. À medida que a escola reflete a sociedade e se
encontra sempre em movimento, a dinâmica da sala de aula precisa acompanhar
o movimento do real, de modo que a forma ou o modo como os conteúdos são
trabalhados também sigam esse fluxo de mudança.

Tratar a dialética enquanto método de ensino inclui considerar o movimento


no processo de construção do conhecimento acerca da realidade em movimento.
Esse método parte de uma realidade que se apresenta como caótica para a
compreensão humana para uma realidade mais clara, não mais caótica. Para
isso, utiliza-se de mais dois métodos: análise e síntese, como visto anteriormente.

O método de análise, já realizado pela ciência, consiste em abstrair as


determinações mais simples do real para entendê-las, isso se dá a partir da
análise das partes que compõem o todo. Essas partes, uma vez compreendidas,
são devolvidas ao todo. Esse movimento de volta, no qual se retorna ao todo com
as partes já analisas e esclarecidas, consiste no método de síntese.

O retorno das partes à totalidade viva compõe a unidade do real, e faz-se


colocando-as de volta as suas relações concretas. Esse movimento traz à tona
as contradições entre elas, porém mais esclarecidas, de modo que, pouco a
pouco, a realidade complexa vai ganhando contornos mais nítidos, não mais se
apresentando de modo caótico, mas como uma totalidade viva, compreensível e
entendível.

O método de síntese é a grande novidade que o método dialético apresenta


ao entendimento do real em seu movimento. Trazer as partes depois de
analisadas de volta ao todo é um movimento que ciência não faz em virtude das
contradições contidas nas relações entre as partes. Essas contradições sempre
foram negadas ao longo da história da Filosofia; o princípio da não contradição
descrito por Aristóteles e seguido pela ciência moderna não admite a contradição
como parte do real. O método dialético ao estudar o real em seu movimento
considera a contradição como inerente ao movimento, e a legitima enquanto
conhecimento válido.

O método dialético aplicado à educação consiste em educar o homem para


a transformação, para o amanhã, trazendo a percepção do homem enquanto um
ser coletivo, social e histórico, que compreende o movimento inerente à realidade
social e se reconhece como capaz de fazer a contradição histórica necessária
para no movimento de transformação social. O desvelamento da realidade social
empodera o homem do seu papel no processo histórico, pois evidencia tanto a
origem das relações de dominação e manipulação social quanto os mecanismos
de manutenção e escondimento dessa realidade. Uma vez desfeita a visão caótica
do todo, a ação social para a transformação dessa realidade passa a ser possível.
96
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

A concepção dialética da educação opõe-se fundamentalmente


à concepção metafísica. Para a metafísica, “a educação seria a
realização daquilo que deve ser o homem”. Tudo depende de que é o
homem: a sua essência. A pedagogia existencialista, ou a “pedagogia
da existência” como é chamada por Suchodolski (1960, p. 16 e 47)
– pedagogia que considera o indivíduo em luta dramática para ser
ele mesmo, embora opondo-se à pedagogia da essência, não deixa
de ser igualmente metafísica. O conflito entre essas duas correntes
de pensamento pedagógico permanece no interior da metafísica.
Tanto uma quanto outra consideram a educação do homem como um
“caso” individual; consideram a educação como um bem particular,
uma conquista pessoal. No primeiro caso teríamos a atualização
de uma essência pré-dada. No segundo caso, a conquista de uma
essência pela luta individual.

Em oposição à pedagogia metafísica, a pedagogia dialética


sustenta que a formação do homem se dá pela elevação a
consciência coletiva realizada concretamente no processo de
trabalho (interação) que cria o próprio homem. A educação identifica-
se como o processo de hominização. A educação é o que se pode
fazer do homem amanhã. Não é a atualização de uma essência do
passado, nem a perseguição dramática de uma perfeição individual
impossível, permanente, sempre a meio caminho da humanidade.
Enquanto a pedagogia da essência é extremamente determinista,
mecânica, a concepção existencialista é voluntarista e pessimista, a
pedagogia dialética da educação é social, científica, uma pedagogia
voltada para a construção do homem coletivo voltada, portanto, para
o futuro.

A pedagogia dialética, fundada no pensamento dialético, afronta


decididamente a questão da formação do homem como uma tarefa
social. Não centra “no estudante” ou “no professor” o ato pedagógico,
como quer a pedagogia liberal do nosso tempo, fugindo da questão
central da formação do homem que são suas condições reais de vida
na sociedade, suas “múltiplas determinações”. Para a pedagogia
dialética a questão central de pedagogia é o homem enquanto ser
político, a libertação histórica, concreta do homem contemporâneo.
Ao contrário, do compromisso das pedagogias tradicionais, da
essência e da existência, é com a formação do homem individual, a
formação do líder, do dirigente que defenda a continuidade de uma
ordem social em que predomina o interesse da burguesia.

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Metodologia do Ensino de Filosofia

Não se trata de realizar uma síntese entre a pedagogia da


essência e a pedagogia da existência. Trata-se de pôr a pedagogia
sobre outros trilhos, uma pedagogia que não se comprometa com
os interesses burgueses, reacionários, mas se comprometa com os
interesses das classes subalternas, com os interesses revolucionários
das classes populares. Essa perspectiva nos permite evitar a utopia
da consciência, que entende solucionar o conflito entre a pedagogia
idealista e a pedagogia da existência através da formação da
consciência. Trata-se de dar à educação uma perspectiva de classe,
uma estrita concepção de classe.

FONTE: Adaptado de Gadotti (2012, p. 176-177).

1 Em que consiste o método dialógico de Paulo Freire e a que


prática educativa ele se contrapõe?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

2 Como o método dialógico pode contribuir no ensino de Filosofia?


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3 Qual o papel dos organizadores prévios para uma aprendizagem


significativa e como eles podem ser aplicados na sala de aula de
Filosofia?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

4 Qual a contribuição do método dialético para a educação?


_____________________________________________________
_____________________________________________________

5 Segundo Gadotti, qual a perspectiva de classe que método


dialético traz para a educação?
_____________________________________________________
_____________________________________________________

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Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

4 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
NO ENSINO DE FILOSOFIA
O processo de avaliação reflete as bases teóricas e metodológicas adotadas
pelo professor. Desse modo, vale refletir sobre os modos de avaliar e seus reais
efeitos nos educandos. Uma avaliação feita sem critérios pode incorrer em
desencontros entre os objetivos traçados e os atingidos.

Considerando que o principal objetivo da sala de aula é a aprendizagem


dos alunos, é importante compreender a avaliação a partir desse critério,
e fazer dela não um espaço de acerto de contas, mas de reorganização e
ajustes metodológicos. O processo avaliativo deve servir como um instrumento
diagnóstico tanto da aprendizagem dos alunos como do método de ensino-
aprendizagem utilizado pelo professor. Assim a avaliação deve ser capaz de
auxiliar no encaminhamento das abordagens necessárias para que o aluno
aprenda.

4.1 AVALIAÇÃO QUANTITATIVA VS


AVALIAÇÃO QUALITATIVA
A forma como avaliamos reflete diretamente no modo como os alunos se
portam mediante o conteúdo apresentado pelo professor. Portanto, vale refletir
sobre que tipo de avaliação que aplicamos e se ela realmente está alinhada com
os objetivos educacionais traçados.

A estrutura formal da educação básica organiza a avaliação de modo que


acaba valorizando a abordagem quantitativa na medida em que os professores
mensuram o conhecimento dos alunos a partir de um número que represente o
rendimento deles. A ênfase dada na nota acaba prejudicando o aspecto qualitativo
da aprendizagem, invertendo o seu real objetivo. Deste modo, a avaliação passa a
ser vista como um instrumento de quantificação da aprendizagem e consequente
classificação dos alunos.

Quais seriam os problemas de se tratar a avaliação de modo


quantitativo? Não seria a aprendizagem um processo qualitativo?
Como medir qualidade com um indicador de quantitativo?

99
Metodologia do Ensino de Filosofia

Quando se estabelece um critério quantitativo para expressar qualidade,


alguns equívocos acabam ocorrendo. A necessidade de gerar uma média
numérica camufla os conhecimentos que o aluno deixou de aprender, dificultando
o processo diagnóstico da avaliação para encaminhamentos necessários à
aprendizagem dos conteúdos não aprendidos.

Assim, a avaliação se transforma em um instrumento classificatório, tornando


a relação entre aluno e professor autoritária, na qual o professor avalia não para
diagnosticar pontos que precisam ser melhorados, mas para situar o aluno numa
escala de conhecimento. Assim, o momento da avaliação se transforma em um
acerto de contas entre professor e aluno.

Pensar em uma avaliação diagnóstica envolve planejamento e constante


acompanhamento dos alunos. O diagnóstico é feito desde o início do processo
de ensino-aprendizagem. Portanto, a avaliação feita no final do processo serve
apenas para quantificar o que o aluno aprendeu, mas não serve mais para
adequar a metodologia do professor para que o aluno que não aprendeu possa
aprender. É importante que o professor esteja atento ao tempo necessário para
os ajustes metodológicos. Faz-se necessário avaliar os alunos a todo instante,
desde as atividades realizadas até no diálogo em sala de aula. Todos os espaços
de interação entre professor e aluno devem servir como avaliação diagnóstica, na
qual o professor obtém informações sobre como anda a aprendizagem do aluno.

Os problemas da avaliação quantitativa


versus avaliação qualitativa

Qual a razão de transformar conceitos em notas? Não seria a


mesma coisa, uma vez que ambos expressam juízos de qualidade
sobre o nível de aprendizagem dos alunos? De fato, equivalem-se
na medida em que expressam qualificação da aprendizagem, porém
se diferenciam na medida em que a notas, expressão numérica da
qualidade da aprendizagem, possibilitam uma passagem indevida da
qualidade para a quantidade e os conceitos verbais, por si mesmos,
não permitem esse contrabando. Como a escola possui uma prática
de avaliação que necessita esse contrabando de transformação da
qualidade em quantidade, ela transforma facilmente as expressões
verbais da avaliação em expressões numéricas.

Mas, por que a escola necessita desse contrabando? Necessita


pelo fato de trabalhar com média de notas e não com um mínimo

100
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

necessário de conhecimentos. Isso significa que para fazer a média,


que só pode ser feita a partir de quantidades e não de qualidades,
não se admite operações matemáticas, a escola necessita,
indevidamente, transformar qualidade em quantidade. Se, ao
contrário, a escola trabalhasse com um mínimo de conhecimentos,
ela não teria necessidade de fazer médias e, por isso, não precisaria
contrabandear qualidade e quantidade. Então, os conceitos estariam
efetivamente expressando a qualidade de aprendizagem do aluno
naquela unidade de conhecimento e não uma média de elementos
sobre os quais não se pode fazer média.

O contrabando entre qualidade e quantidade é uma forma pela


qual os alunos podem ser aprovados sem deter os conhecimentos
necessários numa unidade de ensino. Essa transformação indevida,
de qualidade em quantidade, impossibilita ao professor diagnosticar
a real situação do aluno e, consequentemente, ao aluno de tomar
consciência de sua situação em termos de aprendizagem. Fatos
esses que dificultam o avanço do aluno, uma vez que não estão
sendo utilizados instrumentos para que ele possa progredir na
apropriação ativa dos conhecimentos.

FONTE: Adaptado de Luckesi (2011, p. 114-115).

4.2 AVALIAÇÃO COMO INSTRUMENTO


DEMOCRÁTICO
A avaliação deve servir enquanto um instrumento democrático no sentido de
servir à real aprendizagem do aluno, e não a uma mera classificação. Por isso,
ela precisa estar presente durante todo processo de ensino, e não como uma
forma de matematizar a aprendizagem no final do processo, quando já não há
mais tempo hábil de se dar os encaminhamentos necessários.

Deste modo, avaliar se transforma em um ato de amor, pois serve à


aprendizagem do aluno na medida que verifica se o processo de ensino e
aprendizagem está acontecendo. Sendo importante destacar que o processo de
ensino também está posto no momento da avaliação, ou seja, a avaliação não
só avalia se o aluno aprendeu, mas ao mesmo tempo se o professor conseguiu
ensinar.

101
Metodologia do Ensino de Filosofia

Se os alunos não aprendem, a metodologia de ensino deve ser modificada


ou os conteúdos anteriores, necessários para a aquisição de determinado
conhecimento, precisam ser revistos. “Ou seja, a avaliação deverá ser assumida
como um instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se
encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para
que possa avançar no seu processo de aprendizagem” (LUCKESI, 2011, p. 115,
grifo do original).

1 Quais os problemas da avaliação quantitativa?


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2 Por que a avaliação quantitativa acaba se transformando em um


instrumento autoritário?
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_____________________________________________________

3 Como a avaliação deve ser concebida dentro de uma relação


democrática entre professor e aluno?
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_____________________________________________________

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Refletir sobre a sala de aula de Filosofia envolve tomadas de posições, pois a
ação pedagógica não é neutra, e causa impactos na sociedade enquanto prática
social. Por isso, ela deve estar prenhe de intencionalidades. Nesse sentido,
o professor ou professora necessita fazer o movimento de reflexão a cada ato
pedagógico, para que possa se avaliar e readequar sua prática aos objetivos que
pretende alcançar.

Essa atitude de reflexão e readequação é o próprio exercício do movimento


dialético do fazer docente. Partir da perspectiva de que a sala de aula não é uma
realidade estática já é um bom caminho para que a prática docente possa atingir
seus objetivos.

102
Capítulo 3 A SALA DE AULA DE FILOSOFIA

É fundamental compreender o papel do professor como promotor de


uma educação que desperte o senso crítico, trazendo um sentimento de
reconhecimento do educando e da sua relevância enquanto parte da história.
Deste modo, o educador oportuniza no educando identificar possibilidades de
transformar a sua própria realidade.

Vale também destacar a necessidade de o educador compreender a


linguagem dos educandos no sentido de acolher a sua percepção de mundo e,
a partir daí, por meio do diálogo, ressignificar e ampliar seus conceitos acerca da
realidade.

Neste capítulo, pôde-se verificar também a contribuição da aprendizagem


significativa, que a partir dos organizadores prévios promove a significação dos
conteúdos em sala de aula, contribuindo para que a aprendizagem não seja
mecânica e sim, provida de significados que adentram a realidade cognitiva e
prática do aluno.

O posicionamento em prol de uma sociedade mais democrática e mais


igualitária compõe os objetivos educacionais tratados nesse texto. Com isso,
pretendeu-se pensar o ato educacional como transformador, capaz de contribuir
na construção de uma sociedade mais justa. Sem esta perspectiva, a educação
seria uma ação desprovida de sentido, pois educar para a manutenção de
relações de opressão, para justificar a desigualdade, para manipular as massas,
não significa educar, e sim adestrar.

Sob o ponto de vista de que a educação serve para a promoção do homem,


não cabe esconder a realidade desigual e opressora em que vive a maior parte
da população. Considerando que essas relações são mantidas a partir de um
sentimento de inferioridade que as classes dominantes difundem nas classes
dominadas, é preciso desfazer esse sentimento. A partir do ato educacional, a
autoestima das classes dominadas precisa ser recuperada. Para isso, o docente
não dever reproduzir a estrutura autoritária e classificatória que está posta, é
preciso pensar alternativas para um ensino mais democrático capaz de dissolver
a suposta superioridade da classe dominante e construir uma sociedade cada vez
mais horizontal, na qual os homens possam se enxergar mutualmente de modo
digno.

103
Metodologia do Ensino de Filosofia

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Metodologia do Ensino de Filosofia

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