PARA PENSAR A CIDADE
ELEMENTOS PARA O PLANEJAMENTO TERRITORIAL
INSTITUTO JAIME LERNER
PARA PENSAR A CIDADE
ELEMENTOS PARA O PLANEJAMENTO TERRITORIAL
Supervisão Jaime Lerner
Coordenação Ariadne dos Santos Daher
Desenvolvimento Ariadne dos Santos Daher
Ana Cristina Wollmann Zornig Jayme
Alberto Maia da Rocha Paranhos
Marina Schulman
Acompanhamento Paulo Kawahara
Valéria Bechara
Fernando Canalli
Gianna Rossanna De Rossi
Felipe Guerra
Ilana Lerner
Ana Cláudia Franco
Projeto Gráfico Marina Schulman
Ana Luiza Ottersbach
Ilustrações Acervo Instituto Jaime Lerner
Jaime Lerner
Abrão Assad
Débora Ciociola
Fernando Popp
Fernando Canalli
Lucas de Roni Lacerda
Luiz Hayakawa
Paulo Kawahara
I59 Instituto Jaime Lerner
Para Pensar a Cidade: Elementos para o Planejamento Territorial
/ Instituto Jaime Lerner; Imagens Acervo Instituto Jaime Lerner - 1.ed. -
Curitiba, Edição Independente, 2021.
36 KB. PDF
IBSN: 978-65-993556-0-8
1. Fundamentos. 2.A Construção de uma Visão de Futuro. 3. Para Saber Mais.
I.Instituto Jaime Lerner. II. Título.
CDD: 710
CDU: 0071
Instituto Jaime Lerner
www.institutojaimelerner.org
[email protected] R. Bom Jesus 76. CEP: 80035-010. Tel +55 (41) 2141 0700
APRESENTAÇÃO
Pensar sua cidade, pensar seu município, é uma atribuição fundamental e
inescapável dos gestores municipais, bem como dos demais atores locais –
individuais ou coletivos – que desejam contribuir para melhores condições de
vida. Contudo, entre o pensar e o melhorar há o necessário passo do fazer. E,
lembrando o provérbio oriental que visão sem ação é sonho; ação sem visão é
pesadelo, o que deve pautar o caminho do desenvolvimento, portanto, é a ação
refletida.
Foi com isso em mente que elaboramos esta publicação, no intuito de colaborar
com a reflexão sobre o planejamento territorial; sobre a construção partilhada de
uma visão positiva de futuro, tendo por base o conhecimento acumulado ao longo
de décadas de trajetória profissional – minha e dos colegas que compartilham a
missão do Instituto Jaime Lerner.
Neste formato, o Guia partiu de uma produção para a Comunitas, organização
social que, assim como o Instituto, tem entre seus objetivos promover o
desenvolvimento local sustentável. Fez parte da Jornada de Planos de Governo
Municipais, iniciativa da Rede Juntos - sua plataforma aberta de educação
continuada -, e que contemplou algumas centenas de candidatos a prefeito no
pleito de 2020. Sua elaboração, além da equipe residente do Instituto, contou
com a contribuição da arquiteta Ana Cristina Wollmann Zornig Jayme e do
economista urbano Alberto Maya da Rocha Paranhos.
O conteúdo foi organizado em três partes. A primeira apresenta um conjunto de
fundamentos para o planejamento, destacando conceitos basilares, atribuições
e tendências contemporâneas. A segunda aprofunda a construção da visão
de futuro, realçando aspectos estratégicos de um diagnóstico eficiente e da
construção de propostas em temas como uso e ocupação do solo, mobilidade,
patrimônio, infraestruturas e serviços urbanos, habitação, zeladoria, participação
social e desenvolvimento econômico. A terceira foi denominada “para saber
mais” e, como indica o título, elenca uma seleção de referências nacionais e
internacionais para aprofundamento nos temas de maior interesse de cada leitor.
Os croquis que ilustram os diferentes capítulos são parte do acervo do Instituto e
de projetos da Jaime Lerner Arquitetos Associados/Jaime Lerner Planejamento
Urbano e buscam, por meio do traço, exemplificar a materialidade do pensamento
sobre o espaço.
Sem pretender exaurir nenhum dos temas tratados, nosso desejo primordial é
o de propagar uma semeadura de boa qualidade, capaz de vicejar no solo fértil
dos nossos mais de cinco mil municípios; mais de cinco mil oportunidades de
transformação, de construção de trajetórias singulares de desenvolvimento que
se traduzam em maior qualidade de vida para suas populações. E, em que se
pesem as inúmeras ramificações de cada assunto tratado, um norte deve ser
fixado: o de que a cidade deve ser planejada para as pessoas; de que a cidade é o
cenário do encontro, da diversidade e da solidariedade; de que a cidade precisa
de uma estrutura de crescimento que integre vida, trabalho e mobilidade.
Pensar a cidade é dever dos gestores públicos. Mas é mais que isso. Da minha
experiência como prefeito, é também um prazer, uma honra e um privilégio.
Deixo meus votos para que bem o desfrutem, com todo afinco, sinceridade,
responsabilidade, sensibilidade e criatividade que tiverem e forem capazes de
reunir!
INSTITUTO
JAIME LERNER
Instituto Jaime Lerner 7
INSTITUTO JAIME LERNER
O Instituto Jaime Lerner é uma entidade suprapartidária e sem fins lucrativos,
nascida para despertar uma consciência positiva sobre o potencial transformador
das cidades. Sua atuação se apoia no conhecimento de profissionais e parceiros de
reconhecida experiência e, sobretudo, no legado vivo do arquiteto Jaime Lerner,
três vezes prefeito da cidade de Curitiba, duas vezes governador do estado do
Paraná, uma vez presidente da União Internacional dos Arquitetos, e ganhador de
diversos prêmios nacionais e internacionais por sua carreira pensando e atuando
sobre a Cidade.
Acreditamos que cada cidade, da menor à maior, é um agente de mudança
positiva e que o exemplo de uma pode alcançar as suas vizinhas, como um efeito
dominó, melhorando a qualidade de vida da população em cada localidade e,
consequentemente, contribuindo para o desenvolvimento do País. Para que isso
se concretize é necessário fortalecer o poder local, sendo igualmente fundamental
que os gestores das cidades estejam capacitados a promover essa mudança.
É com esta visão estratégica que o Instituto Jaime Lerner pauta suas ações, que
abrangem contribuir na instrumentação das prefeituras para administrações
inovadoras por meio de atividades como cursos, palestras, pesquisas, acervo e
publicações como esta, que procura compartilhar parte deste saber acumulado
com a sociedade brasileira.
Mais informações sobre o Instituto, seus profissionais e sobre os trabalhos aqui
ilustrados podem ser encontrados em https://www.institutojaimelerner.org/ e
https://www.jaimelerner.com/.
PARA PENSAR A CIDADE
ELEMENTOS PARA O PLANEJAMENTO TERRITORIAL
PARTE I: FUNDAMENTOS 10
1.1 O Planejamento Territorial 13
1.2 Para que serve? 19
1.3 Temas de Destaque 21
1.4 Competências do Município e Legislação Imprescindível 23
1.5 Grandes Compromissos Internacionais 27
1.6 Tendências e Conceitos em Destaque 34
1.7 Aproximando Tempos e Prioridades 45
PARTE II: A CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO DO FUTURO 47
2.1 O Diagnóstico Eficiente 50
2.2 A Ferramenta dos Municípios-Espelho 70
2.3 O Sonho que Se Sonha Junto 73
2.4 Recordando o Desenho da Cidade 76
2.5 Por Onde Começar? 78
2.6 Uso e Ocupação do Solo 79
2.7 Mobilidade Urbana 90
2.8 Proteção do Patrimônio Cultural e Ambiental 100
2.9 Infraestruturas Urbanas e Serviços Ambientais 109
2.10 Zeladoria 124
2.11 Habitação de Interesse Social 127
2.12 Algumas Palavras Sobre o Desenvolvimento Econômico Local 136
PARTE III: PARA SABER MAIS 143
3.1 Referências para Aprofundamento - Nacionais 144
3.2 Referências para Aprofundamento - Internacionais 146
3.3 Referências Legislativas 150
3.4 Demais Referências 1 51
3.5 Referências de Bases de Dados 153
CONSIDERAÇÕES FINAIS 155
Lista de Figuras 158
PARTE I
FUNDAMENTOS
FUNDAMENTOS
Ainda que novas tecnologias tenham alterado muito a nossa relação com o espaço
e com o tempo, a concretude da nossa vida se dá atrelada ao território. Pensar,
planejar e propor ideias para essa dimensão é um grande privilégio e uma grande
responsabilidade que os prefeitos podem e devem abraçar.
A Nova Agenda Urbana (2016), compromisso firmado na Terceira Conferência
das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Sustentável – Habitat
III com o horizonte de 2030, posiciona as cidades na vanguarda da mudança
socioeconômica global. Se por um lado elas podem contribuir para o desequilíbrio
ambiental, por outro elas podem ser o local do surgimento de oportunidades e
soluções que servem de inspiração a outras cidades ao redor do mundo.
Tomemos alguns exemplos. O modelo do BRT1 (Bus Rapid Transit) surgiu como uma
solução local nos anos 70 em Curitiba e hoje está em 174 cidades, transportando
mais de 34 milhões de passageiros2. Já a cidade colombiana de Medellín,
considerada nos anos 90 uma das mais perigosas do mundo, foi transformada
por uma abordagem sensível e solidária na arquitetura e no desenho urbano.
1 BRT - Bus Rapid Transit é um sistema de ônibus de alta capacidade que provê um serviço
rápido, confiável e eficiente com a utilização de uma faixa de rodagem exclusiva e prioritária, que
evita congestionamento do tráfego e melhora o fluxo de passageiros. No sistema BRT, as estações
com cobrança pré-paga de tarifa devem estar fora do veículo e o embarque dos passageiros deve
ocorrer no mesmo nível do ônibus.
2 Global BRT Data. Disponível em: http://brtdata.org. Acesso em: 08/08/20
Instituto Jaime Lerner 11
Ou seja, espaços compartilhados e transporte público aprimorado, por exemplo,
contribuem para diluir barreiras econômicas, aumentam o senso de conexão e
pertencimento, e favorecem trocas culturais3.
Para que um município prospere e seus habitantes tenham qualidade de vida, há
muitas expectativas sobre o nível local. Espera-se que as cidades se organizem
para “não deixar ninguém para trás,” assegurando direitos e oportunidades;
que fomentem economias sustentáveis e inclusivas que não inviabilizam a
sustentabilidade ambiental; e que, principalmente, promovam uma governança
urbana com mecanismos de pesos e contrapesos que habilitem e assegurem a
participação dos mais diversos atores do território. Tratam-se, todos, de princípios
e compromissos muito discutidos durante o Habitat III.
Sem dúvida, colocar tudo isso em prática é um grande desafio! É importante
lembrar que não há uma “fórmula mágica” para criar dinâmicas equilibradas no
território. Assim como o ser humano, cada território é único, com sua própria
“personalidade” que precisa ser levada em consideração. Compreender as
especificidades de cada município e extrair delas suas melhores possibilidades é
tarefa do Planejamento Territorial.
Estação Tubo. Ilustração Fernando Popp.
3 10 Ways To Build More Sustainable Cities. Disponível em: https://ensia.com/notable/
sustainable-cities/. Acesso em: 08/08/20
12 Para Pensar a Cidade - Parte I
1.1 O PLANEJAMENTO TERRITORIAL
Cada município é detentor de um conjunto único de características ambientais,
econômicas e sociais que se refletem na infraestrutura física, na cultura e no
patrimônio da cidade. O resultado dessas interações pode levar ao enfrentamento
de múltiplos desafios em várias dimensões, como uso e ocupação do solo,
mobilidade, cultura e lazer, meio ambiente, instituições e representatividade,
conhecimento e habilidades, desenvolvimento econômico, infraestrutura
(água, energia, resíduos e saneamento), gestão e governo eletrônico, serviços e
infraestrutura social (saúde, segurança e inclusão), habitação social, governança…
a lista segue!
Há municípios com áreas menores do que bairros de algumas cidades, enquanto
há outros que, sozinhos, são maiores que países inteiros. Da mesma forma, há
municípios cuja população caberia dentro de poucos quarteirões de uma grande
cidade, enquanto que há outros que têm mais moradores que muitas nações.
Há aqueles que são locomotivas econômicas na indústria, nos serviços, no
agronegócio, ao passo que outros ainda buscam uma vocação.
Há aqueles que perdem população, já outros passam por um crescimento
acelerado. Municípios com tesouros de nosso patrimônio ambiental e cultural;
integrantes ou polos de aglomerações urbanas; componentes de unidades de
conservação; participantes de grandes equipamentos regionais como reservatórios
e barragens. No Brasil são mais de cinco mil realidades e possibilidades a serem
desenvolvidas a partir de seus próprios “ingredientes” combinados em uma
“receita” própria, singular.
Instituto Jaime Lerner 13
Rio de Janeiro, anos 80. Ilustração Abrão Assad.
14 Para Pensar a Cidade - Parte I
O município é a primeira escala do planejamento territorial. Dentro do nosso
quadro constitucional, os municípios são entes federados, com diversas
competências (por vezes privativas, por vezes concorrentes) sobre as quais lhes
cabe atuar e legislar.
Na discussão que ocorreu para a preparação do Habitat III, foram identificados
seis desafios que precisam ser considerados para definir estratégias espaciais
com foco na sustentabilidade:
(a) Forma e configuração de cidades e territórios;
(b) Política fundiária como ferramenta para promover a igualdade e garantir
recursos;
(c) Acesso aos benefícios da urbanização;
(d) Coordenação entre diferentes níveis de planos e políticas e entre setores;
(e) Fornecimento e distribuição de bons espaços verdes e públicos;
(f) Conhecimento sobre desenvolvimento territorial equilibrado e estratégias
espaciais urbanas.
Reitera-se, portanto, a importância da organização do espaço físico para o
desenvolvimento urbano e territorial sustentável. O plano diretor1, um dos
principais instrumentos da política urbana brasileira, pode ser um importante
aliado dos gestores públicos na elaboração das estratégias espaciais. Tem por
função promover o diálogo entre os sistemas naturais, os sistemas urbanos e os
objetivos sociais e econômicos identificando potencialidades e prioridades para
colocar a cidade numa espiral ascendente de desenvolvimento sustentável.
1 A parte II, A Construção de um Sonho que Se Sonha Junto, traz mais informações sobre o Plano
Diretor como ferramenta do Planejamento Territorial.
Instituto Jaime Lerner 15
O planejamento municipal deve abraçar todo o seu território – rural, urbano,
terrestre, marítimo, fluvial, antropizado, natural – e compreender as interfaces
com seus “vizinhos” e as dinâmicas regionais nas quais se insere. Até porque essa
aproximação e interação pode representar a oportunidade de viabilizar soluções
por meio de arranjos institucionais colaborativos.
É importante frisar que os Planos de Governo precisam estar em sintonia com
as diretrizes do Plano Diretor, e ambos irão orientar as peças orçamentárias que
são as ferramentas do setor público que assegurarão a base operacional para
que saiam do papel. O alinhamento entre todos esses instrumentos é chave para
o êxito numa gestão, em um processo contínuo e interativo.
ESTATUTO DA CIDADE
PLANO DIRETOR MUNICIPAL 10 ANOS
(LEIS ESTADUAIS E FEDERAIS)
PROPOSTAS DE CAMPANHA PLANO DE GOVERNO
(DIMENSÕES ESTRATÉGICAS)
2017-2020
04 ANOS
PLANO PLURINANUAL
LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (PROGRAMAS)
2018 2019 2020 2021
CÂMARA MUNICIPAL
LDO (DIRETRIZES)
LOA ( PROJETOS) ANUAL
AUDIÊNCIAS PÚBLICAS 2017 2018 2019 2020
16 Para Pensar a Cidade - Parte I
Nunca é demais reforçar que um dos grandes males enfrentados pela
Administração Pública, em todos os níveis, é o da descontinuidade. Nas mudanças
de gestão, particularmente quando se elegem grupos políticos rivais (mas que
também ocorre com grupos alinhados), com frequência entra em cena o desejo
de “fazer tudo diferente”. Não se trata, é claro, de censurar o ímpeto do prefeito
em imprimir a “sua marca”, mas de compreender que se a cada transição for
se “inventar uma nova roda”, corre-se o risco de nunca sairmos do lugar. Os
tempos da administração pública são lentos e dotados de grande inércia, sendo
sempre sábio manter o curso de políticas “herdadas” que apresentam resultados
positivos.
Na avaliação das heranças a cultivar e a descartar, cabe resgatar as sugestões
do documento de políticas da Habitat III - Estratégias Territoriais Urbanas:
Mercado Imobiliário e Segregação2 para o processo de planejamento:
A organização do espaço físico é fundamental para o desenvolvimento urbano
e territorial sustentável. Isso pode ser alcançado com sucesso por meio de
estratégias espaciais urbanas justas e abrangentes.
O desenvolvimento compacto e a requalificação à escala humana são a base
para uma vida urbana harmoniosa com a satisfação das necessidades básicas,
uma economia vibrante e a proteção do ambiente.
2 Documento de Políticas da Habitat III: 6 - Estratégias Territoriais Urbanas: Mercado Imobiliário e
Segregação. Disponível em: http://uploads.habitat3.org/hb3/Policy-Paper-6-Portugue%CC%82s.
pdf. Acesso em 15/12/2020
Instituto Jaime Lerner 17
A legislação apropriada e medidas de planejamento podem garantir que
parte da riqueza gerada pelos processos de urbanização seja compartilhada
coletivamente, proporcionando segurança de posse e acesso à terra e serviços,
e combater a segregação física e social e melhorar as condições de vida dos
pobres urbanos.
As estratégias urbanas devem garantir que os benefícios e serviços que as cidades
podem oferecer sejam compartilhados por todos, independentemente de renda,
estilo de vida, local de residência e tipo e tamanho do assentamento.
A integração entre níveis de planejamento, setores e desenvolvimento urbano e
rural é essencial para o sucesso das estratégias espaciais urbanas. Ferramentas
úteis para atingir esse objetivo estão disponíveis, incluindo as Diretrizes
Internacionais sobre Planejamento Urbano e Territorial.
Espaços verdes e públicos definem a identidade e o caráter de uma cidade,
expressa sua estrutura física e fornece uma dinâmica à vida na cidade: recreação,
mobilidade, interação e união.
Zona Rural de São José dos Pinhais, 2014. Ilustração Debora Ciociola.
18 Para Pensar a Cidade - Parte I
1.2 PARA QUE SERVE?
Todos nós temos, vez por outra, a experiência de sermos “atropelados” pelos
acontecimentos, de sermos mobilizados à ação por fatos que escapam à nossa
vontade. Em muitos casos, na verdade, a ação é uma re-ação, um agir em resposta
a uma situação que vem posta.
Tais situações, em diferentes intensidades, sempre farão parte da vida de um
município – oportunidades e desafios aparecerão para além do horizonte ou da
capacidade de planejamento.
Contudo, estratégias bem fundamentadas, estruturas resilientes, quadros
técnicos capacitados e canais ágeis de comunicação com a população são os
“para-choques e air-bags” que um Planejamento competente pode oferecer.
O planejamento municipal permite uma “ação proponente”: a diferença entre
viver a reboque de urgências, de “apagar incêndios”, de interesses de ocasião,
e conduzir uma ação que guia o desenvolvimento, antecipa respostas e fomenta
oportunidades.
O termo smart city (cidade inteligente) tem sido muito discutido e muitas vezes o
que vem à mente é o uso massivo de tecnologias para melhorar o funcionamento da
cidade. No entanto, entre tantas definições, GIFFINGER ET AL (2007) destacam
que uma smart city é aquela construída com base na combinação inteligente de
recursos e atividades de cidadãos confiantes, independentes e conscientes.
O Planejamento permite aos gestores e à sociedade formular respostas àquelas
perguntas que fazemos a nós mesmos em diferentes momentos da vida: o que
Instituto Jaime Lerner 19
quero ser quando crescer? onde me vejo daqui 5 ou 10 anos? como chegarei lá,
como me capacitarei, no que vou investir? como vou sustentar a mim e à minha
família? como posso contribuir para tornar o mundo um lugar melhor? Todas
essas questões encontram paralelo em um processo de Planejamento.
É a antítese da famosa frase de Lewis Carroll, de “para quem não sabe para
onde vai, qualquer caminho serve”. O Planejamento permite antecipar passos
desse caminho, inclusive na captação de recursos. É recorrente em nosso país
que recursos se percam por falta de bons projetos. Planejar é também propor,
projetar (e fazer acontecer!).
Brasília, 2009. Ilustração Fernando Canalli.
20 Para Pensar a Cidade - Parte I
1.3 TEMAS DE DESTAQUE
A vida é sistêmica e dinâmica. Como imaginar que o planejamento do território
municipal possa ser algo diferente?
Naturalmente, precisamos de algumas estruturas que ajudem a organizar o
nosso pensamento e materializar a nossa ação – que se manifesta nos diversos
organismos que compõem a administração pública e nas potenciais parcerias com
o setor produtivo e sociedade civil, por exemplo -, mas cabe ter sempre presente
a interdisciplinaridade e a interdependência entre os temas trabalhados.
Por exemplo, o “desenho de uma cidade” é fruto da inter-relação entre sua
base ambiental e a sua estrutura de crescimento, que por sua vez se apoia em
um tripé que envolve uso e ocupação do solo, transporte e sistema viário. A
sustentabilidade obriga um olhar sistêmico entre as questões ambientais, sociais
e econômicas. A resiliência – o famoso “verga mas não quebra”, é a interface
entre rigidez e flexibilidade.
Temas e iniciativas podem ser priorizados em alguns momentos, uma vez que a
realidade com frequência nos obriga a escolhas. Entretanto, ter a visão global
possibilita retornar a um ponto de equilíbrio.
Falaremos mais sobre essa perspectiva global no tópico da “visão de futuro”,
elemento fundamental à construção participativa de um “pacto social municipal”,
uma narrativa comum capaz de mobilizar os esforços da sociedade ao longo do
tempo em direção dos objetivos expressos em um “sonho compartilhado”.
Instituto Jaime Lerner 21
Rio de Janeiro, anos 80. Ilustração Paulo Kawahara.
22 Para Pensar a Cidade - Parte I
1.4 COMPETÊNCIAS DO MUNICÍPIO E
LEGISLAÇÃO IMPRESCINDÍVEL
A Constituição de 1988 marcou a história dos municípios no Brasil,
especialmente porque os tornou membros efetivos da Federação, dotados de
autonomia como a União, os Estados e o Distrito Federal. Com isso vieram os
processos de descentralização intergovernamental e, consequentemente, muitas
responsabilidades, algumas exclusivas, outras privativas, e outras comuns aos
outros entes da federação. A esse aumento de responsabilidade, contudo, não
correspondeu igual ampliação dos recursos à disposição do Município.
Somado a isso, observa-se uma notável evolução da participação social,
potencializada pela disponibilidade de ferramentas acessíveis de redes sociais.
Esse fenômeno que deu mais voz aos cidadãos é algo que só tende a crescer,
e leva a uma maior cobrança do governo pela prestação de serviços públicos
melhores. Essa realidade impõe às administrações municipais a necessidade de
reforçar os processos de planejamento e de buscar formas inovadoras de atuação;
inovação esta que passa por cultivar competências para articular recursos de toda
ordem, desde parcerias com o setor privado ao estabelecimento de consórcios
intermunicipais, fundamentados em conceitos de sustentabilidade, na promoção
do desenvolvimento em seu território.
A competência exclusiva dos municípios encontra-se no art. 30 da CF, que
enumera as matérias que só podem ser objeto de atuação do poder público
local, afastando a possibilidade de interferência pelos demais entes federados.
Tratam-se de assuntos exclusivos da municipalidade a elaboração da lei orgânica
Instituto Jaime Lerner 23
e do plano diretor para os Municípios mencionados no Estatuto da Cidade1; a
instituição de regime jurídico único estatutário para os servidores da administração
local; a prestação de serviços públicos de interesse local, seja diretamente ou
mediante concessão ou permissão, na forma da lei; a instituição e arrecadação de
tributos de sua competência; a promoção do adequado ordenamento territorial;
a organização, criação ou supressão de distritos, na forma da legislação estadual,
dentre outras atividades.
Do ponto de vista urbano, o Município detém muitas responsabilidades exclusivas:
planejar o uso e a ocupação do solo em seu território, especialmente em sua
Projeto Nova Luz, São Paulo, 2008. Ilustração Fernando Canalli.
1 O Estatuto da Cidade será mais profundamente abordado na segunda parte deste texto.
24 Para Pensar a Cidade - Parte I
zona urbana; estabelecer normas de construção, de loteamento, de arruamento
e de zoneamento urbano, bem como as limitações urbanísticas convenientes à
ordenação do seu território, respeitadas a legislação federal e estadual pertinentes,
especialmente a Lei nº 10.2572, de 10/07/01, conhecida como Estatuto da Cidade;
conceder licença para localização e funcionamento de estabelecimentos
industriais, comerciais, prestadores de serviços e quaisquer outros, renovar
a licença concedida e determinar o fechamento de estabelecimentos que
funcionem irregularmente; estabelecer servidões administrativas necessárias aos
seus serviços, inclusive aos dos seus concessionários; regulamentar a utilização
dos logradouros públicos e determinar o itinerário e os pontos de parada dos
transportes coletivos; fixar os locais de estacionamento de táxis e demais veículos;
regulamentar, conceder, permitir ou autorizar os serviços de transporte coletivo
e de táxis, fixando as respectivas tarifas; fixar e sinalizar as zonas de silêncio e
de trânsito e tráfego em condições especiais; disciplinar os serviços de carga e
descarga e fixar a tonelagem máxima permitida a veículos que circulam em vias
públicas municipais; tornar obrigatória a utilização da estação rodoviária, quando
houver; sinalizar as vias urbanas e as estradas municipais, bem como regulamentar
e fiscalizar sua utilização; realizar, direta ou indiretamente, a limpeza de vias
e logradouros públicos, a remoção e o destino do lixo domiciliar e de outros
resíduos de qualquer natureza; ordenar as atividades urbanas, fixando condições
e horários para funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e de
serviços, observadas as normas federais pertinentes; dispor sobre os serviços
funerários e de cemitérios; regulamentar, licenciar, permitir, autorizar e fiscalizar a
afixação de cartazes e anúncios, bem como a utilização de quaisquer outros meios
de publicidade e propaganda, exercendo seu poder de polícia administrativa;
cassar a licença que houver concedido, quanto a estabelecimento que se tornar
prejudicial à saúde, à higiene, ao sossego, à segurança ou aos bons costumes,
2 Lei n° 10.257. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm
Instituto Jaime Lerner 25
fazendo cessar a atividade ou determinando o fechamento do estabelecimento;
organizar e manter os serviços de fiscalização necessários ao exercício do seu
poder de polícia administrativa; promover, entre outros, os seguintes serviços:
a) mercados, feiras e matadouros; b) construção e conservação de estradas
e caminhos municipais; c) transportes coletivos estritamente municipais; d)
iluminação pública.
A aprovação do Estatuto da Cidade3, em 2001, recolocou o debate sobre a cidade
e o planejamento urbano na agenda das políticas públicas. Os instrumentos por
nele elencados oferecem condições para que os Municípios assumam novo
protagonismo na gestão urbana. No entanto, mesmo quase 20 anos depois de
sua aprovação, a aplicação desses instrumentos não está ainda consolidada
numa nova ordem urbanística. Sua tradução na legislação local e, mais do que
isso, nas condições de vida nas cidades, ainda permanece um desafio para as
administrações municipais.
São José dos Pinhais, 1978. Ilustração Luiz Hayakawa.
3 Saiba mais sobre o Estatuto da Cidade no Manual do Prefeito, documento disponibilizado no
site do www.ibam.org. Acesso em 08/01/2021.
26 Para Pensar a Cidade - Parte I
1.5 GRANDES COMPROMISSOS INTERNACIONAIS
Os desafios do planejamento e gestão dos territórios dos municípios não são
exclusivos do Brasil, são mundiais. Fóruns, compromissos e agendas globais
como a Habitat ou as Conferências do Clima trazem, em sua essência, certa
esperança no futuro. Esforços em torno de uma ética ou consciência planetária
são bandeiras comuns nesses fóruns e fazem parte de seus resultados. E, de
certa forma, oferecem inspiração, orientação e possibilidades de caminhos a
serem trilhados por municípios e cidades.
A Agenda 2030 e os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
desenvolvidos pela ONU, oferecem uma poderosa ilustração dos desafios e
oportunidades que as cidades apresentam. Trata-se de um plano de ação para
as pessoas, para o planeta e para a prosperidade. Consiste em 17 Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável e 169 Metas, construídos sobre o legado dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), sendo que o PNUD (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento) considera que o desempenho das
cidades será fundamental para o alcance de ao menos 11 dos 17 ODS.
O conjunto de objetivos e metas desta Agenda1 estimula a ação até o ano de
2030 em áreas de importância crucial para a humanidade e para o planeta, do
que destacamos:
1 Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível
em http://svs.aids.gov.br/dantps/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/ods/publicacoes/
transformando-nosso-mundo-a-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel.pdf.
Acesso em 15/12/2020
Instituto Jaime Lerner 27
Pessoas
Acabar com a pobreza e a fome, em todas as suas formas e dimensões, e garantir
que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e
igualdade, em um ambiente saudável.
Planeta
Proteger o planeta da degradação, sobretudo por meio do consumo e da produção
sustentáveis, da gestão sustentável dos seus recursos naturais e tomando medidas
urgentes sobre a mudança climática, para que ele possa suportar as necessidades
das gerações presentes e futuras.
Prosperidade
Assegurar que todos os seres humanos possam desfrutar de uma vida próspera
e de plena realização pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico
ocorra em harmonia com a natureza.
Paz
Promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas que estão livres do medo e da
violência. Não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz e não há paz
sem desenvolvimento sustentável.
Parceria
Mobilizar os meios necessários para implementar a Agenda 2030 por meio de
uma Parceria Global para o Desenvolvimento Sustentável revitalizada, com base
num espírito de solidariedade global reforçada, concentrada em especial nas
necessidades dos mais pobres e mais vulneráveis e com a participação de todos
os países, todas as partes interessadas e todas as pessoas.
28 Para Pensar a Cidade - Parte I
Cidade X, 2012. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 29
A Habitat III, maior conferência global de desenvolvimento ocorrida em 2016,
na cidade de Quito, teve os objetivos de assegurar um compromisso político
renovado ao desenvolvimento sustentável urbano; avaliar as conquistas até
o momento; enfrentar a pobreza urbana; e identificar e contemplar novos e
emergentes desafios. Um dos resultados foi a formulação da Nova Agenda
Urbana, que contribui para a implementação e localização da Agenda 2030 para
o Desenvolvimento Sustentável de maneira integrada, e para a consecução dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas metas, inclusive o ODS
11, focado em tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis.
As questões relacionadas ao clima também têm mobilizado não só países, mas
também cidades. Um exemplo é o C40 Cities - Climate Leadership Group,
que atualmente conecta 97 das maiores cidades do mundo para realizar ações
climáticas que conduzam a um futuro mais saudável e sustentável. Representando
cerca de 700 milhões de cidadãos e um quarto da economia global, os prefeitos
das cidades C40 estão empenhados em cumprir as metas mais ambiciosas do
Acordo de Paris2 em nível local.
2 O Acordo de Paris foi um pacto estabelecido durante a Conferência do Clima das Nações
Unidas em Paris em 2015 (COP 21). É um acordo legal e universal segundo a Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), com a participação de todos os
países membros, tendo entrado em vigor em janeiro de 2020, ainda que o Brasil tenha revisto suas
metas desde então. Maiores informações estão disponíveis, entre outros, em https://wribrasil.org.
br/pt/node/41058 e http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/normas-e-legislacao/tratados/
convencoes-meio-ambiente/acordo-de-paris.pdf/view . Acesso em 02/01/21
30 Para Pensar a Cidade - Parte I
Em relatório recente, desenvolvido em colaboração com o grupo ARUP,
intitulado Deadline 2020: How Cities Will Get the Job Done3 - aponta caminhos
para a redução das emissões de carbono para cada cidadão de uma média de 5
toneladas de CO2eq per capita hoje para 3 toneladas de CO2eq per capita até
2030 e, assim, limitar os efeitos do aquecimento global.
Vejam bem a importância dos municípios pequenos e médios: se todas as cidades
de 100.000 pessoas ou mais agirem de acordo com as recomendações do
relatório, globalmente alcançaremos 40% das reduções de emissões necessárias
para evitar uma mudança climática drástica. As cidades são, portanto, essenciais
para proporcionar o futuro equilíbrio climático.
Outro assunto de destaque é a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC
na sigla em inglês), definida pelos compromissos assumidos por cada país para
redução de suas emissões de Gases de Efeito-Estufa no âmbito da UNFCCC
(United Nations Framework Convention on Climate Change ou Convenção das
Nações Unidas para Mudança Climática).
A NDC do Brasil prevê reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo
dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de
reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005,
em 2030. Ressalte-se que a NDC Brasil reconhece a importância do engajamento
de governos locais e de seus esforços no combate à mudança do clima.
3 Deadline 2020: How Cities Will Get the Job Done. Disponível em https://www.c40.org/
researches/deadline-2020. Acesso em 25/06/18
Instituto Jaime Lerner 31
Para atingir esses objetivos e compromissos será necessário muito investimento
em infraestrutura. Feliz ou infelizmente, não há lugar onde as decisões de
infraestrutura sejam mais críticas do que nas cidades.
Uma análise realizada para o relatório Financiamento Climático para Adaptação
no Brasil - Mapeamento de Fundos Nacionais e Internacionais (2017), elaborado
pelo Instituto Ethos e o WWF4, sugere que mais de 70% dos US$ 93 trilhões
globalmente dedicados à infraestrutura nos próximos 15 anos serão construídos
em áreas urbanas. Isso exigirá investimentos anuais globais de US$ 4,5 - US$ 5,5
trilhões em infraestrutura urbana, dos quais de US$ 0,4 trilhões à US$ 1,1 trilhões
precisam ser gastos na redução das emissões e na melhora da mobilidade e
infraestrutura urbana.
Na arquitetura do financiamento climático o Brasil deu um passo muito importante
com a estruturação do Guia de Acesso ao Fundo Verde do Clima - GCF5, com o
objetivo de informar os atores potencialmente interessados em acessar recursos
do Green Climate Fund (GCF) sobre os procedimentos gerais para a elaboração
de propostas de financiamento para o Fundo.
4 Financiamento Climático para Adaptação no Brasil - Mapeamento de Fundos Nacionais
e Internacionais. Disponível em https://www.ethos.org.br/wp-content/uploads/2017/09/
Publicaca%C3%A7%C3%A3o_Financiamento_Clim%C3%A1tico_compressed.pdf.
Acesso em 15/12/2020
5 Green Climate Fund – GCF é uma iniciativa global única para responder às mudanças
climáticas, investindo em desenvolvimento de baixo carbono e resiliência climática. O GCF foi
estabelecido por 194 países para limitar ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos
países em desenvolvimento. Guia de Acesso ao Fundo Verde do Clima (GCF). Disponível em
http://www.fazenda.gov.br/assuntos/atuacao-internacional/fundo-verde-do-clima/arquivos/guia-
de-acesso-gcf_versao-final.pdf. Acesso em 15/12/2020
32 Para Pensar a Cidade - Parte I
Brasília, 2009. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 33
1.6 TENDÊNCIAS E CONCEITOS EM DESTAQUE
Junto com as agendas, os compromissos e movimentos globais que pontuamos,
alguns conceitos têm assumido grande importância no debate do planejamento
territorial. Este item está organizado em torno de alguns destes conceitos.
Resiliência urbana
Comecemos com a resiliência urbana.
Todas as cidades são vulneráveis a impactos severos em razão de choques e tensões
que podem ser naturais ou provocadas pelo homem. Um relatório divulgado pela
ONU mostrou que os desastres naturais afetaram quase 100 milhões de pessoas
no mundo em 2015, com prejuízos de US$ 66,5 bilhões no ano1. Entre choques
naturais e antrópicos, puxando apenas pela memória recente, poderíamos elencar
os tristes impactos em solo nacional ocasionados pela passagem do ciclone
bomba, que deixou cidades da região sul completamente sem energia; os danos
ambientais e as vidas ceifadas pelo rompimento das barragens de Brumadinho
e Mariana; a greve dos caminhoneiros, que fez desabastecer cidades e abundar
irracionalidades; e as chuvas torrenciais no início de 2020, que afetaram de
maneira impressionante cidades paulistas, fluminenses, mineiras e nordestinas, e
que deixaram muitos desabrigados.
Essas tragédias dão a dimensão da importância de os sistemas urbanos
desenvolverem a capacidade de manter a continuidade de sua performance
durante todos esses choques e tensões, ao mesmo tempo que se adaptam e
1 Desastres naturais afetaram 100 milhões de pessoas no mundo em 2015. Disponível em https://
news.un.org/pt/story/2016/02/1540881-desastres-naturais-afetaram-100-milhoes-de-pessoas-no-
mundo-em-2015. Acesso em 15/12/2020
34 Para Pensar a Cidade - Parte I
se transformam positivamente em direção à sustentabilidade. Assim, uma
cidade/município resiliente é aquele que avalia, planeja e age para se preparar e
responder a diversos perigos, sejam eles repentinos ou de início lento; esperados
ou inesperados. Ao fazer isso, as cidades se tornam mais capazes de proteger
e melhorar a vida das pessoas; de garantir ganhos de desenvolvimento; de
promover e investir em infraestrutura qualificada; e de gerar mudanças positivas.
Para desenvolver a resiliência é importante reconhecer a necessidade de ações
coordenadas entre os vários níveis de governo e suas respectivas estruturas
administrativas. Ainda, de ampliar as equações de governança, a fim de
aglutinar atores não governamentais, como organizações e movimentos sociais,
academia, empresas e lideranças. A participação e a inclusão são chaves para
a melhor compreensão das questões locais, fundamentais para as dimensões
interdependentes desta capacidade. Ademais, as instituições e organizações
de base podem desempenhar o papel imprescindível de coletar, compilar,
compartilhar e aplicar o conhecimento. A combinação de conhecimento
científico, patrimônio cultural e sabedoria popular representa um recurso
importante na construção de uma maior resiliência no município.
Por fim, diante de tantas variáveis, é necessário um projeto urbano aprimorado,
onde “design” é entendido como um processo e um conjunto de técnicas para
lidar com os problemas de uma forma holística e integrada. É essencialmente
uma atividade que aborda simultaneamente as ramificações da vida cotidiana e
a implementação de prioridades nacionais, atendendo às especificidades locais,
com potencial de influenciar a mudança de comportamento2.
2 Urban ecology and resilience. Disponível em: http://habitat3.org/wp-content/uploads/
Habitat%20III%20Policy%20Paper%208.pdf. Acesso em 19/08/20.
Instituto Jaime Lerner 35
Florianópolis, 2007. Ilustração Fernando Popp.
36 Para Pensar a Cidade - Parte I
A resiliência e a escala local
O ONU-Habitat acredita firmemente que trabalhar diretamente com os
governos locais e seus parceiros é essencial, pois são eles o nível de governança
que está mais próximo dos cidadãos. Para apoiar esse processo, desenvolveu
o City Resilience Profiling Program (CRPP), que apoia os governos locais a
desenvolverem sua capacidade de melhorar a reação das cidades face às
adversidades, desenvolvendo um planejamento urbano abrangente e integrado.
Aborda o aperfeiçoando seus processos de gestão, bem como ferramentas para
medir e traçar o perfil da resiliência da cidade para os diversos tipos de perigos.
O programa também disponibiliza uma ferramenta que segue uma abordagem
holística e centrada nas pessoas para analisar toda a cidade a partir de uma
perspectiva de capacidade de recuperação: a City Resilience Profiling Tool
(CRPT)3. Além disso, o ONU-Habitat lançou recentemente o Urban Resilience
Hub4, Núcleo de Resiliência Urbana, que oferece um espaço para que o
conhecimento, as melhores práticas e a inovação floresçam.
Na prática, conforme apontam as diretrizes da ONU, as estratégias passam por:
Otimizar o subsistema urbano e priorizar a saúde humana, sendo que
uma abordagem chave seria a introdução de soluções baseadas na natureza nas
cidades. São bons exemplos investimentos em infraestrutura que utilizem uma
abordagem “azul-verde” integrada para a gestão dos recursos hídricos (incluindo
águas pretas, cinzas e pluviais) e o projeto de espaços verdes urbanos; que
3 Guia City Resilience Profiling Tool. Disponível em: http://urbanresiliencehub.org/wp-content/
uploads/2018/02/CRPT-Guide.pdf. Acesso em 17/08/20.
4 Urban Resilience Hub. Disponível em: https://urbanresiliencehub.org/. Acesso em: 17/08/20
Instituto Jaime Lerner 37
protejam e aumentem a biodiversidade nas cidades; que minimizem a poluição por
meio do gerenciamento eficaz de produtos químicos e de resíduos, minimizando o
efeito de ilha de calor urbana e o efeito “cânion nas ruas” de poluição do ar; que
forneçam diversos espaços verdes públicos abertos e seguros que possibilitem
atividades culturais, comunitárias e recreativas; e que contribuam para a
segurança alimentar e hídrica.
Mudar os padrões urbanos de consumo e produção para se tornar mais
sustentável, que são elementos críticos para alcançar resiliência e sustentabilidade
globais. Projetar intervenções localmente relevantes, como modelos comunitários
compactos que maximizem os co-benefícios das economias de escala (por
exemplo, desenvolvimento orientado para o transporte, zonas de baixa energia)
e garantir que as fontes de recursos críticos que fazem parte dos serviços básicos
e do consumo diário de uma cidade (por exemplo, água potável, alimentos) sejam
seguras e protegidas por políticas em todos os níveis de governança, o que
inclui, por exemplo, vincular a gestão de bacias hidrográficas (que pode cruzar
as fronteiras administrativas) ao plano ambiental da cidade retratam bem essa
estratégia.
Aumentar a resiliência do sistema a choques e tensões físicas, econômicas
e sociais, para proteger seus residentes, sua coesão como comunidade e seu
habitat. Os planejadores de cidades são encorajados a usar planejamento urbano
criativo e inclusivo e modelos de design que incluam o uso flexível e adaptativo
do espaço, o que pode minimizar os impactos adversos dos choques, a exemplo
de parques públicos em zonas costeiras e ribeirinhas que também funcionam
como amortecedores de inundação. Os investimentos em infraestrutura devem
ser acessíveis, confiáveis e adaptáveis, atendendo à demanda de longo prazo,
garantindo a sustentabilidade ambiental e a resiliência climática. As políticas
38 Para Pensar a Cidade - Parte I
também devem garantir que as casas e edifícios, que são ativos importantes das
cidades, sejam projetados e construídos para minimizar os riscos de desastres5.
Resiliência e a COVID 19
Em 2020, diante do surto da COVID-19, a premência de uma maior resiliência
urbana foi posta em evidência. Observamos um esforço imenso de adaptação de
todos os níveis de governo, especialmente o local, que se viu exposto a pressões
diárias para gerenciar essa crise sanitária e socioeconômica, assim como para
adequar os espaços e serviços urbanos a fim de conter a expansão da pandemia.
Esses esforços vão da reorganização dos sistemas de transporte, passando pelo
atendimento de necessidades sociais, até a recuperação da economia.
À medida que se inicia a flexibilização do isolamento social, novos desafios se
apresentam, como a necessidade de repensar a utilização dos espaços públicos,
o mix das funções e atividades urbanas, e as diferentes formas de se locomover
pela cidade. A Covid-19 trouxe impactos importantes para as cidades sem maiores
possibilidades de planejamento ou investimento. Em contrapartida, vimos cidades
se converterem em laboratórios de experiências que podem legar relações mais
sustentáveis ao final da crise (WRI, 2020).
5 POLICY PAPER 8: URBAN ECOLOGY AND RESILIENCE. Disponível em: http://habitat3.org/
wp-content/uploads/Habitat%20III%20Policy%20Paper%208.pdf. Acesso em 17/08/20.
Instituto Jaime Lerner 39
Serra, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
40 Para Pensar a Cidade - Parte I
Os caminhos do urbanismo tático e de uma nova governança
O urbanismo tático vem se apresentando como uma estratégia viável para as
cidades. Ao conferir novos sentidos para os lugares a partir de mudanças rápidas,
reversíveis e de baixo custo, o urbanismo tático cria cidades mais amigáveis aos
moradores e, muitas vezes, motiva as pessoas a repensarem seus hábitos por
meio dos diferentes encontros e trocas que esses espaços possibilitam (WRI,
2018).
Criação de ciclovias, estreitamento das pistas de rolamento, ruas adaptadas
aos pedestres são exemplos de estratégias aplicadas durante a pandemia para
incentivar os moradores a respeitarem o princípio do distanciamento físico.
Muitos prefeitos - em Paris, Winnipeg (Canadá) ou na Cidade do México - estão
desenhando com pequenos toques uma nova trama urbana. Ao demandar espaço,
a Covid-19 remodelou, em poucos meses, delicadamente, o desenho urbano das
grandes metrópoles do planeta: com a pandemia, arranjos que ontem pareciam
ousados se tornaram realidade (Chemin, 2020)6.
Contudo, todas essas tendências precisam de uma boa base de sustentação
para se tornarem realidade. Há um consenso global que essa base é uma nova
governança urbana e estruturas institucionais adequadas, democráticas,
eficientes e inclusivas. A governança urbana consiste em um conjunto de
instituições, diretrizes, mecanismos regulatórios e de gestão nos quais os governos
locais são componentes-chave, mas não exclusivos.
6 A pandemia será capaz de desalienar as cidades? Disponível em: https://outraspalavras.net/
outrasmidias/a-pandemia-sera-capaz-de-desalienar-as-cidades/. Acesso em 18/08/20.
Instituto Jaime Lerner 41
Nossas cidades e seu entorno requerem uma nova governança urbana baseada
em uma tomada de decisão aberta, com a participação ativa dos atores locais e
com o objetivo de definir as melhores políticas para o bem comum. Em termos de
processo político, a sua implementação deve aliar a democracia representativa,
baseada na eleição regular das autarquias locais, e a democracia participativa,
garantindo o envolvimento de todos ao nível local.
A nova governança urbana deve permitir políticas públicas de longo prazo, para
além dos mandatos. Deve também fomentar abordagens integrais, que envolvam
todo o território de forma sistêmica e inteligente. Avanços tecnológicos podem
ajudar as autoridades locais na elaboração de sistemas mais transparentes,
responsáveis, participativos e responsivos. A governança da era digital também
possibilita equipar os cidadãos e as empresas com a capacidade de promover
mudanças na sociedade de maneira ascendente, o que pode levar a uma mudança
fundamental em nossas economias7.
Florianópolis, 2007. Ilustração Fernando Canalli.
7 Urban Governance, Capacity and Institutional Development. Disponível em: http://habitat3.
org/wp-content/uploadsHabitat%20III%20Policy%20Paper%204.pdf. Acesso em 11/08/20.
42 Para Pensar a Cidade - Parte I
A felicidade é o caminho
Diz um provérbio chinês que “Um homem feliz é como um barco que navega com
vento favorável”. A felicidade definitivamente é um importante indicador para
avaliar o progresso e o bem-estar das cidades, reconhecido por especialistas
de várias áreas. O Relatório Mundial da Felicidade (em inglês: World Happiness
Report8) é uma medição da felicidade publicado pela Rede de Soluções para o
Desenvolvimento Sustentável da ONU (SDSN, na sigla em inglês) que começou a
ser mensurado em 2012.
O tema do relatório 2020 é “Ambientes para a Felicidade”, com atenção especial
para o ambiente social, a felicidade nas cidades e áreas rurais, e o ambiente
natural, incluindo ligações entre felicidade e desenvolvimento sustentável.
As descobertas deste relatório mostram que as pessoas gostam de viver em
comunidades e sociedades com menos desigualdade de bem-estar, e onde a
confiança (em outras pessoas e nas instituições públicas) é alta.
Pessoas em comunidades de alta confiança são muito mais resilientes em face
de uma série de desafios ao seu bem-estar, tais como doenças, discriminação,
desemprego e baixa renda. Só por sentir que podem contar com os outros
ao seu redor e com suas instituições públicas suas dificuldades se tornam
menos dolorosas, trazendo benefícios para todos, especialmente para os mais
vulneráveis.
8 World Happiness Report 2020. Disponível em: https://worldhappiness.report/ed/2020/ .
Acesso em 18/08/20.
Instituto Jaime Lerner 43
Sobre a vida urbana, o Relatório mostra que as cidades mais felizes situam-se nos
países melhor posicionados de acordo com o ranking de felicidade do estudo.
Os moradores da cidade são, em média, mais felizes do que os das áreas rurais,
especialmente nos países nas posições mais baixas do ranking. Entre os países
mais felizes, essa classificação às vezes é invertida. O Relatório apresenta algumas
evidências de que o que pode determinar se as cidades ou áreas rurais são mais
felizes é até que ponto as pessoas sentem que pertencem à comunidade local.
Quanto ao ambiente natural e social mais amplo, o Relatório mostra que os países
mais felizes são também aqueles que fazem mais para tentar cumprir os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Recife, 1976. Ilustração Luiz Hayakawa.
44 Para Pensar a Cidade - Parte I
1.7 APROXIMANDO TEMPOS E PRIORIDADES
Um dos grandes desafios da gestão urbana é compatibilizar o “tempo do
planejamento” e o “tempo político”. O planejamento não é um produto; é um
processo. Ainda que possa ter fases, objetivos, metas, ele não “acaba”. Já o
tempo político é mais acelerado, tem duração determinada, e o capital político
do prefeito está atrelado a sua capacidade de resposta aos anseios da sociedade
local, a partir dos compromissos assumidos em sua plataforma eleitoral.
Uma possível ferramenta para fazer “casar” esses tempos é a “acupuntura
urbana”, que são intervenções precisas, rápidas, focadas no território. As
acupunturas urbanas, assim como as da medicina, têm o objetivo de restaurar
fluxos de energia e promover a saúde integral do organismo urbano por meio
de ações pontuais. Essas ações devem estar atreladas aos objetivos maiores do
planejamento (que transcendem o tempo político – basta lembrar que o horizonte
de um Plano Diretor é de 10 anos), e fazem a “mágica” de trazer ao presente
o futuro: dão materialidade, promovem o exemplo de diretrizes de mais longo
prazo. Essas acupunturas podem ser das mais diversas naturezas: intervenções
efêmeras, como um Festival de Teatro ou de Música; itinerantes e programáticas,
como feiras livres diurnas e noturnas; arquitetônicas, como a reciclagem/restauro
de um imóvel histórico em equipamento-âncora para a renovação de uma área
da cidade; urbanas, como um novo espaço público alicerçado em um patrimônio
ambiental, como um parque ou praça, e assim por diante. Teremos a oportunidade
de voltar a esse assunto na parte da Implementação da Visão de Futuro.
O diagrama a seguir, elaborado a partir do World Economic Forum, sintetiza
alguns passos que não são lineares, nem exaustivos, mas que em alguma medida
podem ajudar a pensar e organizar a transformação do seu território.
Instituto Jaime Lerner 45
01 Identificar o DNA: 04 Identificar e Priorizar 07 Desenvolver Capacidade:
Características-chave da cidade Objetivos: Defensores e incentivadores
devem ser identificadas: a Diferentes objetivos devem da iniciativa devem ser
singularidade da cidade deve ser priorizados com base nos identificados. Gerenciamento e
ser fortalecida por meio de benefícios para as partes capacidade técnica devem ser
usos inovadores dos serviços interessadas, prevalecendo as desenvolvidos.
urbanos. circunstancias e necessidades
imediatas. 08 Finanças e Financiamento:
02 Desafios de Identidade: As taxas cobradas do usuário
Desafios no sistema atual 05 Desenvolver Programas: são suficientes para financiar o
de operação devem ser Programas para atingir desenvolvimento? Qual vai ser
identificados. Esta cidade indicadores de performance a origem do capital?
espera modificar seu devem ser identificados e todas
funcionamento? Que aprenda as partes interessadas devem 09 Almeje Vitórias Rápidas:
com outras cidades. estar envolvidas. Vitórias rápidas devem ser
almejadas para construir a
03 Desenvolver Visões 06 Revisitar Regulamentos: reputação da cidade e atrair
Compartilhadas: Ao adotar serviços urbano pessoas, soluções e capital.
todos as partes interessadas possibilitados pela tecnologia, Maneiras de implementação
(governo, cidadãos, iniciativa a regulamentações devem ser ágeis devem ser encorajadas.
privada, ONGS e academia) revisitadas – compartilhamento
devem desenvolver visões de dados, privacidade e a 10 Gerenciar Benefícios e
compartilhadas e indicadores economia partilhada. Monitorar:
de performance. Apreendam Programas devem ser
com outras cidades. monitorados com regularidade
e as expectativas precisam ser
gerenciadas.
São José dos Pinhais, 2014. Ilustração Paulo Kawahara.
Adaptado e traduzido de World Economic Forum, Shaping the Future of Urban Development &
Services Initiative & PwC Research. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Urban-
Services.pdf. Acesso em 08/01/2021.
46 Para Pensar a Cidade - Parte I
PARTE II
A CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO DE FUTURO
Instituto Jaime Lerner 47
A CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO DE FUTURO
Um dos traços que nos distingue como humanos é a capacidade de raciocínio
abstrato, de criar estórias e narrativas que por vezes alimentam uma herança
comum e alicerçam a construção de uma coletividade. Autores como Yuval Harari1
destacam o poder dessas narrativas em possibilitar que se formem espaços de
cooperação, mesmo entre pessoas que não se conhecem, em prol de objetivos
partilhados.
Ainda que uma cidade seja edificada com tijolos e cimento, é necessário mais.
Pode-se fazer talvez a analogia entre a diferença que fazemos entre “casa” e
“lar”, sendo que ao lar se agrega a dimensão do afeto, da acolhida. Assim devem
também ser as nossas cidades (municípios). Pode parecer “romântico”, mas
o sentimento de pertencimento e de apreço pelo local em que vivemos é um
“ativo” importante para a qualidade de vida de uma população.
Municípios prósperos sabem o que querem e criam um quadro de referência
para tal: um guia construído colaborativamente que dá consistência à mensagem
que se deseja pactuar e difundir; que indica os caminhos que se deseja trilhar;
que acena prioridades claras; que aglutina as forças da sociedade.
Esse guia é a Visão de Futuro. Um olhar estratégico que organiza, integra e
dá coerência às múltiplas facetas do planejamento municipal, estabelecendo
prioridades e tempos, mobilizando recursos e atores. Trata-se de um sonho
compartilhado, uma agenda positiva que ajuda a discernir aquilo que é fundamental
do que é importante, o estratégico do circunstancial.
1 Harari, Yuval N. Sapiens, a Brief History of Humankind. London: London Vintage Books, 2011
48 Para Pensar a Cidade - Parte II
A Visão de Futuro tem que responder essencialmente a três questões: qual o
desenho da cidade (a estrutura física que vai ordenar o seu desenvolvimento);
do que vão viver seus habitantes (a base econômica, tanto de empregos quanto
para a arrecadação local); e como esses elementos se traduzem em maior
qualidade de vida.
Pode ser que o município já tenha uma Visão estabelecida, e o prefeito eleito,
a partir de seus compromissos de campanha, explicita em quais componentes
deseja focar seus esforços, ou mesmo a quais pode dar um novo direcionamento.
Pode ser algo ainda a ser construído, e o novo prefeito oferece seu entendimento
de por onde começar.
São Paulo, 2017. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 49
2.1 O DIAGNÓSTICO EFICIENTE
A principal função de um diagnóstico é “não errar de problema”. É uma etapa
necessária para reconhecer os desafios e oportunidades que se apresentam ao
município e a sua gestão. Ainda que busquemos, sempre que possível, soluções
sistêmicas, que possam ter seus benefícios multiplicados, é necessário ter clareza
de com o que estamos lidando. Recorrendo mais uma vez à medicina para um
paralelo, estamos tratando o sintoma ou a causa?
Um bom diagnóstico cumpre a função de provocar reflexões sobre as vocações
do município e suas melhores alternativas de desenvolvimento, contemplando
análises objetivas como insumo para a construção da visão de futuro. Para tanto,
é fundamental situar os fatos a respeito da cidade, conhecer o contexto e seus
condicionantes.
O diagnóstico, por vezes, acaba por ser um “mecanismo de fuga” (ou de
procrastinação), algo que fazemos enquanto não temos segurança sobre o que
propor. Propor é um ato de coragem, o qual os prefeitos devem exercer. É o que se
espera de um líder. Não se trata, evidentemente, de avançar soluções descoladas
da realidade e sem o envolvimento dos atores locais, mas de compreender que
não podemos ter, de antemão, respostas a todas as variáveis que envolvem um
organismo tão multifacetado quanto é uma cidade/município. Novamente, o
planejamento é um processo e pode ter seus rumos corrigidos/calibrados a partir
do seu monitoramento e de um diálogo constante e atento com a sociedade.
O desejo (ou mesmo a cobrança) de se querer ter todas as respostas antes de
começar é, em parte, responsável pela paralisia que vivenciamos na ação pública.
50 Para Pensar a Cidade - Parte II
Macaé, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 51
Resumidamente, o diagnóstico consiste no levantamento e construção de uma
base analítica que sustente as propostas pensadas para o município. Ao mesmo
tempo, novas ideias podem surgir justamente desse reconhecimento cuidadoso
das características locais. É, portanto, uma via de mão dupla, que conduz à
fundamental ancoragem em cada realidade.
Profissionais capacitados, informações consistentes e processos sérios de diálogo
sobre as demandas comunitárias são “ingredientes” inescapáveis dessa “receita”.
A boa notícia é que nunca tivemos tanta informação e dados à disposição dos
municípios. Além dos órgãos oficiais de governo, recentemente startups com um
propósito social oferecem plataformas digitais de serviços que agrupam em uma
única janela dados oficiais dos municípios do país. É o caso da Datapedia, da
Gove, e da Impulso. Há também outras plataformas de assuntos setoriais que são
excelentes ferramentas de suporte ao diagnóstico como o DataViva.
A seguir, destacamos alguns temas que precisam ser explorados para fundamentar
as próximas etapas do planejamento territorial. Não se trata de um conjunto
exaustivo, mas de um breve rol de assuntos estratégicos que terão maior ou
menor proeminência a partir de cada contexto.
52 Para Pensar a Cidade - Parte II
Base Natural e suas Alterações
Como bem sabemos já desde os primeiros anos da escola, base é base! Nada de
duradouro se constrói sobre fundações precárias.
A base natural – as relações do relevo, da hidrografia, da vegetação, do clima,
as interfaces ecológicas e ecossistêmicas – é o suporte de toda e qualquer ação
humana, e temos aprendido (ainda que nem sempre com a rapidez necessária)
que nossas cidades, bem como o trabalho no campo, precisam estar integradas
da forma o mais harmônica possível a essa “teia da vida”. O preço da negligência
nessa relação é alto, e se revela, por exemplo, em enchentes e deslizamentos
que levam vidas e patrimônios laboriosamente construídos; em problemas
respiratórios decorrentes de um ar poluído e ressecado que onera os sistemas
de saúde; em solos que perdem sua fertilidade e veem secar suas nascentes; em
águas que são um risco de morte ao invés de fonte de vida. A sustentabilidade
ambiental não é um tema esotérico ou uma preferência ideológica: se quisermos
nos ater estritamente a uma compreensão “pragmática”, trabalhar o planejamento
territorial a favor da base ambiental é o caminho da lógica e da economia (e que,
“de quebra”, resulta em ganhos significativos em qualidade de vida).
Temas críticos a diagnosticar: Verificar as necessidades de mitigação de
mudanças climáticas na região; as características geomorfológicas (solo, subsolo,
declividades), que indicam possibilidades e limites de ocupação e transformação
do solo (incluindo áreas de risco e vulnerabilidades); o mapeamento dos corpos
hídricos (rios, riachos, lagos, estuários, enseadas, mares) e dos canais naturais de
drenagem; mapeamento da vegetação em seus diferentes biomas e estágios de
sucessão.
Instituto Jaime Lerner 53
Todos esses aspectos encontram rebatimentos na legislação federal (por vezes
também na estadual e municipal) que balizam o planejamento territorial, e se
apresentam como fortes condicionantes da ocupação urbana, rural e industrial
(ver leis como o Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/121); a Política Nacional
de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/122); o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza (Lei 9.985/003); a Lei das Águas (Lei 9.433/97)4, entre
outras).
Para tanto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibiliza
informações importantes em suas bases de dados. O Serviço Geológico do Brasil
(CPRM) tem também um acervo valioso. Ferramentas abertas como o Google
Earth são úteis para a visualização do território. Imagens de satélites e informações
meteorológicas podem ser buscadas no Instituto Nacional de Meteorologia e
no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Muitos estados e municípios têm
seus próprios bancos de informações, por vezes georreferenciadas, que podem
oferecer importantes subsídios ao Planejamento. O Núcleo de Geotecnologias
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro traz em seu site5 uma lista bastante
completa de fontes de dados geográficos para diversos estados da Federação.
1 Lei 12.651/12. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.
htm
2 Lei 12.608/12. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/
l12608.htm
3 Lei 9.985/00. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm
4 Lei 9.433/97. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm
5 Lista de Fontes de Dados Geográficos - LABGIS-UERJ. Disponível em: https://www.labgis.uerj.
br/fontes_dados_busca.php?g=1. Acesso em 15/11/2020.
54 Para Pensar a Cidade - Parte II
Mazatlán, 2009. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 55
Dinâmica demográfica
A demografia é a ciência que estuda a dinâmica populacional humana,
utilizando pesquisas quantitativas, qualitativas e ferramentas estatísticas para
compor indicadores valiosos para o planejamento territorial tais como taxas
de crescimento, perfil etário e socioeconômico, fluxos migratórios, e tantos
outros. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é a principal
fonte dessas informações no país, que são alimentadas por pesquisas como o
Censo Demográfico (mais completa, que ocorre via de regra a cada dez anos)
e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua),
realizada com maior frequência e de menor abrangência.
O estudo da demografia permite traçar panoramas, detectar tendências e realizar
projeções, o que é necessário à formulação de políticas públicas setoriais (tais
como o uso e ocupação do solo, educação, saúde, emprego, habitação). Permite
também aproximar a gestão e a população, alimentando uma melhor compreensão
de sua composição, características e dinâmicas.
Temas críticos a diagnosticar: De todo o rico universo que pode ser estudado,
três variáveis podem ser destacadas dentro do planejamento territorial. São
elas a taxa de crescimento populacional (que identifica o vigor da dinâmica
local, se o município está estabilizado, ganhando ou perdendo população, o
que repercute em todos os serviços públicos e planos setoriais); a segmentação
por idades (possibilita compreender, por exemplo, a necessidade por creches e
escolas e as tendências de formações de novas famílias, a evolução da população
economicamente ativa, e assim por diante) e a segmentação por extratos
socioeconômicos (vincula-se a modelagens de densidade urbana para determinar
ofertas reais de terrenos para atender a demanda visualizada em cenários de médio
56 Para Pensar a Cidade - Parte II
e longo prazos). Além do IBGE, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
e o Observatório das Metrópoles, entre outros, estudam questões relacionadas à
dinâmica demográfica/socioeconômica e seus rebatimentos territoriais. Ainda, os
governos estaduais e/ou municipais, com frequência, têm órgãos ou secretarias
que trabalham com a análise dessas informações e a identificação de tendências.
Luanda, Angola, 2007. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 57
Respaldo Econômico
O tema do desenvolvimento econômico local é amplo e sistêmico, e requer
olhares de profissionais de campos específicos do conhecimento. Entretanto, há
que se destacar suas interfaces com o Planejamento Territorial, e enfatizar que
é necessário e estratégico entender as vocações econômicas do município e de
sua região. Ainda que a tecnologia possibilite diferentes arranjos de trabalho,
o que se evidenciou no transcorrer dessa pandemia, muito da “economia real”
permanece ancorada no território. Como exemplo da interface entre os dois
temas, as limitações nos deslocamentos encorajaram as pessoas a consumirem
localmente, algo que pode ser favorecido pelo planejamento territorial e gera
oportunidades de trabalho próximas dos locais de moradia.
Temas críticos a diagnosticar: Levantamentos referentes ao histórico/evolução/
composição das diferentes atividades econômicas no espaço e a distribuição
da ocupação econômica dos residentes e sua remuneração e a distribuição
dos setores produtivos locais. Dados valiosos para este estudo podem ser
encontrados junto ao IBGE, começando pelo cálculo do Produto Interno Bruto
(PIB) e do Valor Adicionado (VA) por setor. Cálculos de ocupação de mão de obra
seguem o Cadastro Geral de Empresas (CAGED), que também está disponível no
portal do IBGE. Na esfera municipal, o histórico e a espacialização de atividades
econômicas pode se dar pelo acompanhamento georreferenciado dos alvarás
de construção e de funcionamento com indicação das atividades seguindo a
Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), por exemplo.
58 Para Pensar a Cidade - Parte II
Mobilidade e Acessibilidade
Pelo tempo que consome no cotidiano das pessoas, pela importância que tem
como elemento de estruturação da ocupação do território, por sua interface com
as estruturas econômicas, pelos impactos ambientais e de saúde pública, e por
tantos outros aspectos, a mobilidade é um tema de destaque no planejamento
de um município/região.
É um assunto amplo, que envolve desde a condição das calçadas até a
expansão de um aeroporto internacional, passando pelas novas tecnologias que
instrumentalizam desde o aplicativo para pedir a entrega de uma pizza até o
machine learning que guia os veículos autônomos.
Ainda que o diagnóstico em cada localidade vá revelar muitas especificidades,
poderíamos arriscar, de antemão, que algumas questões serão recorrentes:
calçadas com pavimentos precários e com baixo conforto ambiental;
predominância do espaço viário dedicado ao transporte motorizado particular;
sistemas de transporte coletivo com deficiências estruturais e operacionais;
falta de hierarquia e de continuidade das vias; conflitos entre o tráfego local
e de passagem (muitas e muitas áreas urbanas brasileiras se desenvolveram/
desenvolvem de forma “orgânica” ao longo das margens de rodovias); e números
expressivos de acidentes de trânsito. Todos esses pontos são substantivamente
impactados pelo Planejamento Territorial e são componentes de um bom
diagnóstico.
O ordenamento do território e a mobilidade, para o bem e para o mal, andam de
mãos dadas. Por exemplo, uma cidade “espraiada” (pense num “leite derramado”;
sem forma, densidade, nem hierarquia espacial) dificilmente terá condições
Instituto Jaime Lerner 59
de sustentar um sistema de transporte público com itinerários ágeis e uma
tarifa equilibrada. Espaços disformes não criam os “endereços” que convidam
as pessoas ao passeio e à permanência, fundamentais à segurança pública (os
“olhos da rua”6) e ao comércio/serviços (vitrines, fachadas ativas). Pensar a cidade
implica pensar a mobilidade de forma integrada.
Temas críticos a diagnosticar: Identificar os gargalos de mobilidade na base física
(sistema viário estruturante existente e previsto) e nos modais de transporte (não
esquecer dos pedestres, ciclistas e pessoas com necessidades especiais), bem
como necessidades de expansão, de modo a orientar as propostas. É importante
ter consciência de que o porte do município vai influenciar a viabilidade dos
diferentes modais de transporte, particularmente no que tange os de maior
capacidade (BRT, VLT, VLP, Trem, Metrô). Sempre que possível deve-se buscar uma
rede de transporte com integração física, tarifária e de modais e, portanto, deve-
se verificar a situação atual nesse tocante. A mobilidade equaciona os desejos
de deslocamento, sendo importante, portanto, compreender a distribuição das
funções urbanas em termos de emprego, moradia, lazer, etc.
6 Jacobs, Jane. The Death and Life of Great American Cities.
Os olhos da rua são as pessoas que, consciente ou inconscientemente, utilizam o espaço público
e/ou costumam contemplá-los de suas casas, exercendo uma vigilância natural sobre o que ali
acontece. Jane Jacobs defendia que o espaço público deveria dar suporte ao movimento de
pedestres e à interação das pessoas com os edifícios. E quanto mais ativa, isto é, como mais
pessoas circulando a pé, ocupando e desfrutando o espaço público, a cidade seria cada vez mais
segura.
60 Para Pensar a Cidade - Parte II
Sobre esse tema, as fontes são inúmeras. Destacamos as páginas virtuais do
Ministério da Infraestrutura, do Ministério do Desenvolvimento Regional, da
Empresa de Planejamento e Logística e das Agências Nacionais de Transportes
(ANTT, ANTAQ, ANAC) trazem informações sobre programas e ações em
curso que podem ter impacto no município que está sendo estudado. Há
ainda instituições internacionais que oferecem um excelente material sobre o
tema como o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), o
International Council on Clean Transportation (ICCT) e a iniciativa Transformative
Urban Mobility Initiative (TUMI).
A Nova Agenda Urbana – Habitat III destaca importantes pressupostos e conceitos
sobre o tema, e o WRI-Brasil disponibiliza um rico acervo de informações.
Particularmente sobre o transporte coletivo, fontes como Associação Nacional
de Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Associação Nacional de Transportes
Públicos (ANTP) também trazem publicações e referências. No âmbito local/
regional, as empresas que operam o transporte (coletivo, escolar, funcional,
especial, etc.) podem informar os itinerários, frequência, frota e passageiros
transportados.
Rio de Janeiro, 1986. Ilustração Abrão Assad.
Instituto Jaime Lerner 61
Patrimônio cultural e natural
Um município, assim como uma pessoa, deseja e precisa firmar sua identidade.
Alguns municípios, mais longevos, colecionam os tesouros de gerações em seu
espaço. Outros são como “jovens rebeldes”, que querem “cortar amarras” e se
voltar para o futuro. Alguns se “olham no espelho” e não conseguem saber muito
bem o que são, tal a pluralidade de suas facetas. Outros se reconhecem pela
música, pela pintura, pelo teatro; pelo verde de suas florestas preservadas ou
dos campos cultivados; pelo azul cristalino de suas águas ou pela vertigem do seu
céu; pelos vínculos com povos ancestrais ou pela acolhida de imigrantes.
Compreender essas camadas da história, da memória, dos afetos, da natureza,
das raízes e das ambições é passo fundamental à construção da Visão de Futuro
e, por consequência, do diagnóstico. É a combinação desses elementos que
ajuda a evidenciar a singularidade de um lugar, a moldura de suas paisagens, o
que pode vir a se tornar um atrativo tanto para moradores quanto para visitantes
e investidores.
O patrimônio cultural de um povo é o repositório de sua alma, e se expressa em
dimensões materiais e imateriais. O patrimônio natural é o repositório da alma
do mundo, o genoma da biosfera. Ambos devem ser inventariados e nutridos no
processo de Planejamento Territorial.
O patrimônio material é “forma” que se faz tangível, por exemplo, em edificações
privadas ou públicas, residências ou edifícios corporativos, teatros, museus,
universidades; em espaços públicos como praças, largos e parques; em unidades
de conservação e em cavernas com pinturas rupestres. Os habitantes de uma
cidade podem se identificar com obras de arte urbana, como um conjunto de
62 Para Pensar a Cidade - Parte II
esculturas ou um mural, ou itens do mobiliário, como bancos ou postes de luz
típicos de um determinado período. O testemunho de uma maneira de vida ou
de um ciclo produtivo também deve ser protegido e valorizado – uma técnica
construtiva vernacular, um galpão industrial ou um moinho também podem ser
parte do patrimônio cultural do município. Já o imaterial é “conteúdo”, e se
expressa, por exemplo, na riqueza das festas, feiras, cardápios e manifestações
típicas que ocorrem de Norte a Sul do país, com caráter folclórico, religioso,
erudito e popular.
Temas críticos a diagnosticar: É importante que o diagnóstico reconheça e valorize
o município como “repositório e custódia da memória socioterritorial”, a partir de
elementos do patrimônio natural e cultural, material e imaterial local cabendo,
portanto, identificar e inventariar esses elementos. Órgãos de abrangência
nacional, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
e internacional, como a UNESCO, disponibilizam bons conteúdos de referência.
Muitos estados (e alguns municípios) têm seus institutos específicos e/ou
secretarias de cultura que são fontes de um saber acumulado. O levantamento
do patrimônio natural (para além dos itens que são comuns ao tópico da Base
Natural) pode ser complementado com informações disponíveis em organismos
como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA/UNEP), a WWF-
Brasil, a CI-Brasil, além dos órgãos governamentais nos âmbitos municipais e
estaduais, bem como várias organizações sociais que atuam nas esferas locais e
regionais.
Instituto Jaime Lerner 63
São Paulo, anos 70. Ilustração Abrão Assad.
64 Para Pensar a Cidade - Parte II
Dinâmica Territorial e “Qualidade de Vida”
O Planejamento Territorial busca equacionar as necessidades/aspirações por
moradia, mobilidade e “vida”, três pilares da qualidade do ambiente construído.
“Vida” aqui é entendida como o conjunto das atividades que a população
desempenha em seu cotidiano, como o trabalho, o estudo, a saúde, a cultura, o
lazer e a sociabilidade.
Abrange as questões de densidade (tanto populacional quanto das edificações), de
diversidade (de renda, de idade, de tipologias construtivas, de usos compatíveis),
e de identidade e coexistência (a construção de um sentimento de comunidade
inclusivo, no qual o pertencimento não gera exclusão, mas se enriquece com as
diferenças). Falaremos mais sobre isso nos próximos tópicos.
Essa é uma “categoria síntese”, no sentido que a “qualidade” desejada depende
do entrelaçar de diversos fatores que são esmiuçados nas leituras setoriais. Por
exemplo, há que se avaliar a existência de porções do território onde ocorre
uma excessiva segregação funcional (zonas exclusivamente residenciais ou
exclusivamente comerciais e industriais), entendendo-se que essa segregação
tem impacto negativo sobre a mobilidade, forçando deslocamentos que podem e
devem ser evitados. Se a pessoa precisa pegar o carro (ou o ônibus) para comprar
o pão pro café da manhã ou o remédio para dor de cabeça é porque há falhas
na organização das funções urbanas. Perguntas a se fazer, por exemplo, são:
há espaços públicos de qualidade em quantidade suficiente, bem distribuídos
para que todos possam ter acesso? Há um ambiente cultural e econômico que
favorece a criatividade e a inovação, que convida a permanência dos jovens e
atrai outros profissionais?
Instituto Jaime Lerner 65
Outras análises básicas, mas fundamentais, são estudadas nesse tema: qual porção
do território do município precisa ser vocacionada ao uso urbano ou ao uso rural,
considerando não só atividades da agropecuária, mas também a proteção de
mananciais de abastecimento público e ecossistemas importantes? Há distritos
urbanos crescendo em meio às áreas rurais? Parcelamentos clandestinos que
se aproveitam de falhas na fiscalização? Há necessidade de áreas de expansão
urbana e, se existentes, estão bem dimensionadas? Precisa-se reservar espaços
para obras importantes de infraestrutura?
Temas críticos a diagnosticar: Nesse tocante coletam-se e mapeiam-se a
distribuição e a tipologia das funções urbanas procurando identificar, por exemplo,
vetores de crescimento imobiliário, clusters (agrupamentos) de atividades,
conflitos de uso, áreas deprimidas (que perdem população e investimentos) ou em
crescimento, demandas por moradia dos diferentes estratos socioeconômicos,
incluindo aglomerados subnormais, deficiências na cobertura dos serviços e
equipamentos públicos (tais como transporte, iluminação, coleta de lixo, água,
esgoto, drenagem; rede de creches, escolas e postos de saúde), presença de
atividades culturais e de lazer, centralidades, adequação dos parâmetros de
uso e ocupação do solo, entre outros. É fundamental ter a visualização dessas
informações sobre o território, ainda que se usem técnicas analógicas de
mapeamento. Novamente, a Nova Agenda Urbana – Habitat III traz conceitos
relevantes nesse assunto. O contato direto com a comunidade e informações de
outras secretarias de governo (no âmbito municipal e estadual) podem ser fontes
importantes, mas é necessário que o município progressivamente construa seu
banco de dados georreferenciados para poder bem diagnosticar essas questões,
incluindo, além de dados próprios, dados baseados em protocolos de cooperação
com entidades que possam contribuir com informações relevantes.
66 Para Pensar a Cidade - Parte II
Santiago de Los Caballeros, 2009. Ilustração Fernando Popp.
Instituto Jaime Lerner 67
Participação cidadã
Em que se pese a importância de se contar com profissionais capacitados, o
planejamento tecnocrático, feito isoladamente em repartições ou escritórios,
felizmente, caiu em desuso. Seja pela mobilização dos atores sociais, seja por
imperativos legais, seja por uma consciência profissional, a participação da
sociedade deve ser um dos alicerces do Planejamento. Há uma exigência crescente
por parte da sociedade em relação a transparência dos processos: a população
quer entender a priorização de investimentos e a utilização dos recursos públicos.
E vale sempre lembrar que a diversidade, a união de pluralidades de visões e
opiniões podem constituir uma fortaleza no processo do planejamento, posto
que é uma das chaves para gerar pertencimento.
Há que se identificar e conceber estratégias para se comunicar com as diferentes
“tribos”, que englobam movimentos sociais, ONGs, Academia, entidades de
classe, representantes do setor produtivo, formadores de opinião, entre outros.
O objetivo aqui é triplo: aproximar o planejamento das pessoas, abrindo canais
frutíferos de comunicação; trabalhar uma “pedagogia territorial”, promovendo o
diálogo entre diferentes forças da sociedade e uma compreensão interdisciplinar
dos desafios; e construir vínculos de transparência e corresponsabilidade, pois a
pactuação da visão de futuro e sua realização é uma tarefa de todos.
Temas críticos a diagnosticar: Mapear os atores sociais, canais existentes de
comunicação e fóruns de participação. Analisar os processos pelos quais o
governo local mobiliza a sociedade no processo de gestão da cidade, assim como
segmentos pressionam o governo para avançar em agendas específicas. Novas
tecnologias, como aplicativos e plataformas, são também caminhos a explorar para
coletar informações e para a comunicação entre o poder público e a população.
68 Para Pensar a Cidade - Parte II
Gestão territorial
Aqui, o objetivo é analisar se o processo de desenvolvimento e crescimento
urbano está ou não gerando valor para a cidade e seus habitantes. Procura-se
entender se a gestão territorial está eficiente, se a população e suas atividades
estão bem distribuídas no espaço. Apesar de mais de 70% dos municípios
brasileiros dependerem das transferências estaduais e federais - representam
aproximadamente 80% do total das receitas disponíveis - é preciso ter em mente
a importância de aumentar as receitas próprias. O Banco Mundial recomenda
ter como meta que pelo menos 50% das receitas sejam geradas no nível local.
Isso irá conferir mais autonomia e capacidade ao Município para executar as suas
prioridades.
Temas críticos a diagnosticar: Verificar se o município tem Planta Cadastral e Planta
Genérica de Valores, bem como instrumentos/métodos de atualização. Deve-se
considerar as aplicações de normas de loteamento, edificação, uso e ocupação
do solo, bem como das alíquotas do IPTU, ITBI e ISSQN e outras tributações
pertinentes. É interessante complementar esse estudo com a avaliação da gestão
fiscal dos últimos cinco anos, uma visão rápida dos gastos correntes e de dívidas
ativas e passivas, de forma que o planejamento possa colaborar com sugestões
para o reforço da capacidade fiscal. Existe uma iniciativa do governo federal
chamada Tesouro Fiscal Transparente7, a partir de onde é possível solicitar dados
a nível estadual e municipal.
7 Tesouro Fiscal Transparente. Disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/
contabilidade-e-custos/relatorios-contabeis-e-fiscais-de-estados-df-e-municipios. Acesso em
16/12/2020.
Instituto Jaime Lerner 69
2.2 A FERRAMENTA DOS MUNICÍPIOS-ESPELHO
No Planejamento, é útil e interessante buscarmos referências de outras realidades,
“boas práticas” que nos servem de inspiração e que podem sinalizar trilhas um
pouco mais suaves que o proverbial “caminho das pedras”.
Nessa busca, que serve tanto para refinar o diagnóstico quanto para inspirar
propostas, ficamos muito tentados a fazer comparações e extrapolações. Há
uma “febre” de índices e rankings mundo afora, e estar bem posicionado pode
representar, inclusive, vantagens para atrair investimentos.
Estabelecer comparações, contudo, é uma tarefa delicada e, na hora de utilizá-las
como ferramenta diagnóstica, é sábio selecionar referências que permitam traçar
paralelos coerentes dentro do conjunto de variáveis que se deseja avaliar. Na
linguagem dos negócios, é o “benchmarking”.
A ferramenta dos “Municípios-Espelho” visa comparar o município-foco a outros
municípios com características e condições similares. O objetivo é situar os
resultados da gestão de cada qual a fim de relativizar o quão bem ou mal situado
está o município em questão, processo fundamental para identificar e propor
possíveis melhorias.
70 Para Pensar a Cidade - Parte II
Essa análise de benchmarking pode abranger diversas variáveis em análise
no diagnóstico e incluem, no mais das vezes, os seguintes itens: (i) volume de
população residente, sua taxa de crescimento e sua composição etária e
socioeconômica; (ii) PIB total e per capita, bem como a composição dos Valores
Agregados Brutos; (iii) elementos de análise setorial, tais como a frota veicular,
o desenvolvimento educacional, a saúde e morbidade, o atendimento de água,
esgoto, drenagem e lixo, etc. É também importante ponderar essas leituras pelo
contexto regional (o padrão socioeconômico da região, por exemplo).
A sistemática dos “municípios-espelho” abre também a possibilidade, por
exemplo, de analisar a gestão financeira e fiscal das prefeituras, visando, inclusive,
o aprendizado das boas práticas. A fim de se minimizarem distorções, cabe realizar
essa análise dentro de um horizonte mais alargado de tempo (alguns anos), para
evitar que o recorte escolhido seja um momento especialmente bom ou ruim na
vida do município-foco.
São fontes úteis para subsidiar essa análise dados do Censo, do CAGED, e os
Índices Firjan de Desenvolvimento Municipal e de Gestão Fiscal, além do Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil, produzido pelo PNUD. Como já mencionado,
há também startups que podem ajudar nesse processo, como a GOVE.
Instituto Jaime Lerner 71
Macaé, 2010. Ilustração Paulo Kawahara.
72 Para Pensar a Cidade - Parte II
2.3 O SONHO QUE SE SONHA JUNTO
Munidos da compreensão de camadas da realidade de cada Município a partir
das leituras trazidas pela etapa do diagnóstico, temos agora alguma clareza sobre
os principais desafios, condicionantes, oportunidades e vocações que guiarão às
respostas àquelas perguntas fundamentais da Visão de Futuro (recordando, qual
o desenho da cidade/município; do que vão viver seus habitantes; e como esses
elementos se traduzem em maior qualidade de vida).
Assim como no Diagnóstico, alguns temas são particularmente estruturantes
para a elaboração de propostas, e serão colocados em destaque nos tópicos
subsequentes.
Entretanto, gostaríamos de reiterar que, ainda que para fins didáticos esses temas
sejam apresentados separadamente, são nas interfaces, interações e sinergias
entre eles que encontramos as melhores soluções.
Para ilustrar, podemos pensar na proposta de criação de um parque: ele irá
ajudar a conservar parte do patrimônio ambiental do município; pode fazer parte
do desenho da cidade ao estruturar um eixo de ordenamento; contribuir para a
macrodrenagem da região e para minimizar ilhas de calor; criar um endereço de
encontro para a população, em toda sua diversidade, capaz de acolher atividades
de esporte, lazer e cultura; pode ser um laboratório para o desenvolvimento
tecnologias inovadoras em serviços públicos (iluminação, comunicação, educação,
mobilidade, etc.); pode acolher construções icônicas do município, tanto novas
quanto reciclando/restaurando elementos do patrimônio edificado; fortalecer
a compreensão, por parte da sociedade, da importância do planejamento
territorial; ser uma vitrine da atuação do poder público e da educação cívica da
Instituto Jaime Lerner 73
população nos espaços de convivência coletiva; pode fortalecer a base tributária
do município, a partir da valorização dos imóveis em sua área de influência; pode
fazer parte de uma estratégia municipal mais ampla de adensamento controlado
do município, transferindo potencial construtivo das áreas que estão sendo
protegidas para áreas onde se deseja canalizar o crescimento imobiliário. Esses,
e muitos mais, podem ser os “efeitos colaterais” de um “simples parque”, bem
concebido e implantado no território municipal.
Aliás, como já nos havia dito Leonardo da Vinci, a simplicidade é o último grau
da sofisticação. Como é difícil, no contexto em que vivemos, no qual somos
constantemente chamados a ponderar uma complexa matriz de ramificações e
desdobramentos de cada iniciativa, lembrar que a singeleza e a autenticidade
apontam, com frequência, para o melhor caminho.
Prefeitos, olhem seus municípios com atenção e generosidade. Pensem nos
recantos de suas infâncias, nos pontos de encontro dos seus pais (ou de seus
filhos); naquilo que vocês sentem falta quando se ausentam; nos cartões-postais
que têm orgulho de mostrar para seus visitantes; naquilo que transformariam caso
fosse possível encontrar o “gênio da lâmpada”. Imaginem todos esses atributos
valorizados, conectados, reconhecidos, apropriados, prósperos.
O arquiteto Jaime Lerner, sempre que tem a oportunidade de iniciar um trabalho
em um novo município, pergunta ao prefeito duas coisas. A primeira, qual é o
maior problema/dificuldade que o município enfrenta, ao que normalmente se
responde sobre os desafios econômicos, sociais, ambientais, de infraestrutura e
de gestão que cada qual de depara. A segunda, qual o seu sonho para o município
– o qual não seja, “simplesmente”, a resolução desses problemas, mas a aspiração
maior, o cenário desejado, a Visão de Futuro.
74 Para Pensar a Cidade - Parte II
Raul Seixas já cantou que sonho que se sonha junto é realidade.
Prefeitos, qual é o seu sonho para sua cidade?
Tamboré, 1988. Ilustração Abrão Assad.
Instituto Jaime Lerner 75
2.4 RECORDANDO O DESENHO DA CIDADE
O desenho da cidade deve partir de sua base ambiental, das condicionantes e
oportunidades colocadas pela natureza, em conjunto com as grandes tendências
socioeconômicas e vocações locais/regionais diagnosticadas. O relevo, a
hidrografia e a vegetação não são obstáculos ao desenvolvimento econômico e
imobiliário, mas sim aliados na construção do cenário urbano/municipal desejado.
Recordem que cidades notadamente belas como o Rio de Janeiro, Sydney, Cidade
do Cabo, Vancouver, entre outras, são assim consideradas por integrarem em suas
paisagens natureza e urbanização. Outras, como Curitiba e Nova Iorque, aliaram
a base natural às soluções urbanísticas e fizeram disso parte de sua identidade e
reconhecimento.
O desenho da cidade é fundamental para o seu sucesso como estrutura urbana,
antevendo como o seu crescimento será acomodado e orientando investimentos
tanto públicos quanto privados. Como premissa geral, deve perseguir uma forma
compacta, utilizando adequadamente as densidades e centralidades urbanas para
a formação da paisagem; para a solução das infraestruturas; e para a promoção
da diversidade e integração dos usos, das tipologias edificadas e das faixas de
renda.
Essa estrutura-mestra antecipa o futuro, usando a força de uma construção
socialmente pactuada para conduzir tendências, e não apenas ficar à sua mercê.
Clareza nesse direcionamento permite aliar a pujança do setor imobiliário a favor
da consolidação do cenário desejado. Um município desprovido dessa estrutura,
onde apenas o valor da terra e interesses setoriais (públicos e privados) guiam seu
crescimento, condena-se a ser ocupado de forma desordenada, o que acabará
76 Para Pensar a Cidade - Parte II
por cobrar um preço alto na qualidade de vida de sua população e por minar sua
sustentabilidade. A existência desse desenho concorre para que se estabeleçam
parâmetros de crescimento, evitando que ocorra na forma de “remendos e
enxertos”, com projetos implantados casuisticamente, sem uma lógica conjunta.
Brasília, 2009. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 77
2.5 POR ONDE COMEÇAR?
O uso e ocupação do solo, o transporte público e o sistema viário compõem a
espinha dorsal do desenho da cidade/município, a estrutura que vai acomodar
e conduzir seu crescimento. Já a sustentabilidade requer, “minimamente”,
equilibrar aspectos sociais, econômicos e ambientais. Todos os municípios
brasileiros enfrentam, em maior ou menor medida, dificuldades no provimento
de infraestruturas básicas e no atendimento das necessidades habitacionais das
populações mais vulneráveis. Muitos não valorizam de forma consistente seu
patrimônio natural e cultural, desperdiçando oportunidades de desenvolvimento
e de fortalecimento de sua identidade.
Todo esse conjunto precisa ser sensível às novas tecnologias, à capacidade
de absorver e se recuperar de choques/crises (resiliência), e à necessidade
de uma gestão pública competente e transparente, flanqueada por sólidas e
representativas equações de governança local.
São José dos Pinhais, 2014. Ilustração Debora Ciociola.
78 Para Pensar a Cidade - Parte II
2.6 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
Reforçamos aqui duas vertentes estruturantes sobre o tema: o quadro normativo
básico e alguns conceitos fundamentais, que já foram sinalizados no capítulo dos
Fundamentos.1
É na concepção (e, por suposto, na implantação) da estratégia de ordenamento
territorial do município que as maiores contribuições para a sustentabilidade e
para a resiliência podem ser dadas, gerando um padrão de ocupação que possibilita
conduzir os diferentes usos para as áreas que lhe são melhor vocacionadas:
conservação, urbanização, uso agropecuário, industrial, etc.
Touros, 2006. Ilustração Fernando Canalli.
1 A parte I, Fundamentos, apresenta informações detalhadas sobre Tendências e conceitos em
destaque.
Instituto Jaime Lerner 79
A figura a seguir ilustra esse raciocínio, explicitando a relação entre uma faceta da
sustentabilidade e forma urbana.
Adaptado de Bertaud, A e Richardson, A. W (2004), Transit and density: Atlanta, the United
States and Western Europe. Disponível em http://courses.washington.edu/gmforum/Readings/
Bertaud.pdf
80 Para Pensar a Cidade - Parte II
O plano é evitar que o “pau nasça/cresça torto” pois, como sabemos, depois é
sempre mais complicado e custoso tentar “endireitar”... A grande maioria dos
municípios brasileiros têm menos de 300 mil habitantes, um porte muito mais
manejável para trabalhar do que depois que a população passa da casa do milhão.
A Nova Agenda Urbana – Habitat III traz muitas informações relevantes a esse
respeito. Em 2019, o Ministério do Desenvolvimento Regional iniciou o processo
de elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). A PNDU
está sendo construída com base em um desenho de processo, com esferas de
participação e uma forte aposta na lógica de redes de colaboração e na força da
inteligência coletiva.
A PNDU tem entre seus objetivos reduzir as desigualdades socioespaciais,
contribuindo para que se equilibrem benefícios e ônus do processo de
urbanização. Também almeja apoiar os municípios na implementação de suas
agendas urbanas, por meio da elaboração de políticas e da revisão ou elaboração
de instrumentos de desenvolvimento urbano. A previsão é de que a PNDU seja
lançada em meados de 2021 .
Para a discussão das propostas, entretanto, gostaríamos de reiterar alguns temas
fundamentais, particularmente no tocante à “cidade”.
Instituto Jaime Lerner 81
Rio de Janeiro, anos 80. Ilustração Paulo Kawahara.
82 Para Pensar a Cidade - Parte II
O principal instrumento da política urbana é o Plano Diretor, que é normatizado
a partir do Artigo 182 da Constituição Federal, da Lei Federal 10.257/012
(Estatuto da Cidade) e, dependendo do contexto, da Lei Federal 13.089/153
(Estatuto da Metrópole). Dentre seus vários objetivos, lhe cabe ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes. É o fiel da balança local na promoção do equilíbrio entre o direito à
propriedade e a função social da terra. Reforçamos que o Plano Diretor olha para
o município como um todo, e abrange temas além do ordenamento territorial.
Dependendo do porte do município, haverá também a obrigatoriedade da
elaboração de Planos Setoriais (planos específicos para a Mobilidade, Habitação,
Meio Ambiente, etc.), o que não significa que aqueles menores não poderão
também fazê-los.
É no Plano Diretor que se estabelecerão macrozonas rurais, urbanas e de expansão/
distritos industriais/logísticos, os quais serão delimitados em leis municipais
específicas (a Lei do Perímetro Urbano, por exemplo). Para cada um desses
compartimentos o município definirá, também por meio de legislação dedicada,
os parâmetros de uso (quais atividades: residencial, comércio, serviços, industrial,
institucional, etc., em suas diversas tipologias) e de ocupação do solo (com que
intensidade: lotes mínimos, coeficientes de ocupação e de aproveitamento,
taxas de permeabilidade, densidades desejadas, recuos, etc.). É o que urbanistas
carinhosamente chamam de Lei de Zoneamento.
2 Lei Federal 10.257/01. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2001/lei-10257-
10-julho-2001-327901-publicacaooriginal-1-pl.html
3 Lei Federal 13.089/15. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13089.htm#:~:text=L13089&text=LEI%20N%C2%BA%2013.089%2C%20
DE%2012%20DE%20JANEIRO%20DE%202015.&text=Institui%20o%20Estatuto%20da%20
Metr%C3%B3pole,2001%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.
Instituto Jaime Lerner 83
A Lei de Zoneamento de Uso e de Ocupação do Solo é um instrumento crucial
para a política urbana, e suas revisões precisam acompanhar as revisões do Plano
Diretor (o que, pelo Estatuto, deve ocorrer com uma periodicidade de até 10
anos). Mas por que crucial?
Essa é a ferramenta-base para o município construir a paisagem que deseja,
moldando, por exemplo, eixos de adensamento e centralidades (porções do
território que servem de referência à população pela concentração de atividades e
serviços); equilibrando e aproximando as funções urbanas (a moradia, o trabalho,
o estudo, o lazer), buscando sempre a maior diversidade de usos compatíveis e a
mistura de faixas de rendas e de tipologias, a fim de não se criarem “guetos” nem
de ricos, nem de pobres. No Zoneamento se podem reservar porções específicas
à habitação social e à regularização fundiária (as famosas ZEIS – Zonas Especiais
de Interesse Social), bem como criar zonas de restrição à ocupação ou de uso
controlado, seja por fragilidades do terreno, seja por interesses de preservação.
Ao se estabelecerem os parâmetros do zoneamento, prescreve-se, “por tabela”,
qual a função social que a cidade está definindo para cada uma dessas porções
do território, o que abre espaço para a aplicação de instrumentos urbanísticos
previstos no Estatuto, tais como o IPTU Progressivo, a Edificação Compulsória e
a Desapropriação com Títulos da Dívida Pública.
É também aí que se oportunizam outros instrumentos de grande valia para o
planejamento e a gestão urbana, e para a consolidação do Desenho da Cidade,
tais como a Transferência do Direito de Construir, a Compra de Potencial
Construtivo, e as Operações Urbanas Consorciadas.
84 Para Pensar a Cidade - Parte II
Depois de quase 20 anos de sua promulgação, é possível proceder uma análise
crítica do Estatuto da Cidade, seus sucessos e limitações. Contudo, fato é que
ele disponibiliza um ferramental valioso aos planejadores e gestores públicos que
muitas vezes é subutilizado por limitações das estruturas técnico-administrativas
locais (cabendo, portanto, capacitação e investimento), e por falta de vontade
política e de confrontar interesses muitas vezes poderosos e entrincheirados.
Nesse tocante, cabe aos gestores públicos adotarem uma postura proativa
na construção de arranjos de governança que viabilizem ações em prol da
coletividade e dos menos favorecidos.
Entreverdes, 2015. Ilustração Paulo Kawahara.
Instituto Jaime Lerner 85
Uma outra questão importante que se reflete no Zoneamento diz respeito a
relação umbilical entre as infraestruturas urbanas, a mobilidade e os parâmetros
de uso e ocupação.
Por exemplo, áreas dotadas de infraestruturas mais robustas e com maior presença
de equipamentos e serviços públicos podem receber parâmetros que promovam
um maior adensamento construtivo e populacional (maiores densidades),
enquanto que aquelas onde há maior precariedade podem ter seu adensamento
limitado. Naquelas onde há maior oferta de transporte público pode-se restringir
o espaço para o automóvel. É esse o espírito do “Transit Oriented Development”
(TOD, para os iniciados), ou “Desenvolvimento Orientado pelo Transporte”.
Três pontos ainda antes de finalizarmos esse tópico.
A hierarquia viária, ou seja, a classificação das vias em função de seu porte,
capacidade e tipo de tráfego (ver a Política Nacional de Mobilidade Urbana - Lei
Federal 12.587/124; a NBR 9050/1994; e o Código de Trânsito Brasileiro - Lei Federal
nº 9.503/975) é um poderoso elemento de organização territorial, e deve guardar
estreita relação com o planejamento do uso e da ocupação do solo. Cuidados
nesse sentido também evitam descontinuidades excessivas da malha urbana, que
impactam de forma negativa a construção de itinerários do transporte público e
da coleta de lixo, por exemplo.
4 Lei Federal 12.587/12. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/
lei/l12587.htm
5 Lei Federal 9.503/97. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503compilado.
htm
86 Para Pensar a Cidade - Parte II
Rio de Janeiro, 2007. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 87
Os municípios podem (e devem) estabelecer legislação específica a esse
respeito, regulando e parametrizando essa hierarquia (Lei do Sistema Viário) e a
compatibilizando com o Zoneamento. Há que se prever, entre outros, maneiras de
se trabalhar com Polos Geradores de Tráfego (equipamentos que tendem a atrair
um grande número de veículos como shopping-centers, rodoviárias, universidades,
centros atacadistas, entre outros tantos) e a necessidade de Estudos de Impacto
de Vizinhança - EIV (que não se restringem a questão de tráfego, mas a todas
as intercorrências de empreendimentos de maior porte de diversas naturezas),
onde se estabelecem as contrapartidas que os empreendedores deverão realizar
para mitigar ou compensar essas externalidades conforme o caso.
Falando em empreendimentos de grande porte (habitacionais, inclusive) e
potencial impacto poluente, tais como a duplicação de uma rodovia, a implantação
de um porto, de um distrito industrial, de um aterro sanitário, de um condomínio
a partir de 100 hectares, entre outros, recordamos que há a necessidade do
Licenciamento Ambiental, que segue um rito específico de aprovação, o qual
inclui a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório
de Impacto Ambiental (RIMA). Normas a esse respeito são encontradas nas
Resoluções nº 001/866 e nº 237/977 do CONAMA.
Finalmente, precisamos sempre lembrar que as cidades são para pessoas. Sua
escala, suas distâncias, seus espaços, precisam sempre ser pensados nessa
relação. Caminhar por uma rua bem arborizada, com um pavimento confortável
que permite acomodar com folga as mesas de um pequeno café, ao longo de
vitrines convidativas em edifícios que também abrigam a moradia e o trabalho.
6 Resolução CONAMA n° 001/86. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/res/
res86/res0186.html
7 Resolução CONAMA n° 237/97. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/res/
res97/res23797.html
88 Para Pensar a Cidade - Parte II
Poder ir de bicicleta com a família (ou sozinho!) a um parque e uma praça da
vizinhança com alegria e segurança. Ir para o trabalho ou para a escola em um
transporte público pontual e confortável, despreocupado de onde estacionar.
Contemplar edificações bem cuidadas, com uma comunicação gráfica que não é
uma poluição visual. Ter próximas à moradia opções de cultura e lazer. Normas
específicas para a organização das interfaces entre a vida pública e privada
podem ser expressas nos Códigos de Postura e de Obras do município. Mas
é no entendimento mais profundo do que modela uma estrutura urbana que a
alquimia da qualidade de vida acontece.
Uberlândia, 1990. Ilustração Fernando Popp.
Instituto Jaime Lerner 89
2.7 MOBILIDADE URBANA
A mobilidade é um dos maiores desafios com os quais as cidades se deparam;
seu mau equacionamento é um obstáculo à prosperidade e à qualidade de
vida urbana. O lado bom do desafio é que se olharmos com atenção vamos nos
deparar com muitas oportunidades que oferecem respostas à questão climática
e à inclusão social.
Como vimos no tema anterior, seu enfrentamento passa pela construção de uma
estrutura urbana equilibrada, que minimiza a necessidade de deslocamentos de
rotina e aproxima os destinos.
Há que se ter sempre em mente que o porte do município (tanto em termos
populacionais quanto físicos), sua inserção regional, sua geografia, seu padrão de
ocupação e sua dinâmica de crescimento têm grande influência na concepção e na
factibilidade das soluções. Entretanto, em uma abordagem geral, há atributos que
são da “competência privativa” deste tema, bem como todo um novo vocabulário
com o qual o prefeito precisa se familiarizar.
Comecemos falando dos sistemas responsáveis por carregar a massa da
população. Mesmo em uma cidade bem estruturada e compacta haverá um
contingente importante de deslocamentos diários em função de destinos mais
especializados (uma universidade, hospital, atividades econômicas específicas,
eventos artísticos-culturais) e da dinâmica socioeconômica local ou regional/
metropolitana. Para atender essa dimensão haverá a necessidade de um sistema
de transporte coletivo eficiente, digno e confiável, cuja utilização deve ser uma
escolha do usuário, não algo que se atura até se poder comprar um carro ou uma
moto.
90 Para Pensar a Cidade - Parte II
Um bom sistema de transporte coletivo tem algumas características básicas.
A primeira delas é a construção de uma rede integrada. O sistema não pode
ser um emaranhado de linhas; há que se formar uma trama interconectada, que
multiplica as possibilidades de deslocamento e a cobertura territorial. Essa rede
deve ser composta por serviços hierarquizados (por exemplo, nem todas as linhas
têm o mesmo carregamento, o que permite racionalizar trajetos e dimensionar de
forma diferente a tipologia dos veículos, a frota e a frequência) com múltiplas as
oportunidades de troca e conexão. A integração modal, física, tarifária e temporal
é premissa importante na constituição dessa rede, tornando-a mais ágil e de fácil
utilização aos passageiros.
A rede de mobilidade deve integrar todos os modais (tipos de transporte)
disponíveis, compatíveis e viáveis na cidade. Metrô, trem, ônibus, táxis, barcas,
carros, bicicletas – cada qual operando dentro de suas características da forma
mais eficiente possível.
Rio de Janeiro, anos 80. Ilustração Abrão Assad.
Instituto Jaime Lerner 91
Para a maioria das cidades do mundo, os sistemas em superfície (particularmente
com ônibus) trazem consigo as virtudes de menor custo e maior flexibilidade –
tanto no tempo quanto no espaço - para implantação (pensando, por exemplo,
nos custos de implantação e na sustentabilidade da tarifa). Como já vimos, a
cidade de Curitiba foi pioneira na criação do Bus Rapid Transit (BRT), um sistema
que progressivamente incorporou características operacionais e de performance
que só se via no modal metroviário, tais como a prioridade na circulação por meio
de vias dedicadas e preferência nos cruzamentos; embarque/desembarque pré-
pago e em nível; veículos especialmente desenhados para maior capacidade de
passageiros; e breves intervalos entre a passagem de cada ônibus.
Jaime Lerner. Metronizar o ônibus.
92 Para Pensar a Cidade - Parte II
Dentro das características de cada município, é importante prestar atenção
também na malha ferroviária e em antigas estações/paradas, que por vezes
sobrevivem, ainda que degradadas e obsoletas. Caminhos férreos, estações
e suas áreas lindeiras têm um grande potencial, com frequência dormente, na
composição das soluções de mobilidade. Tais serviços podem ser revitalizados
para que operem dentro da capacidade que os avanços tecnológicos permitem.
Podem também ancorar projetos urbanos que aproveitem vínculos identitários
(há cidades que “nasceram” em função dessas estações ou paradas) e o potencial
construtivo dessas áreas, posicionadas frequentemente em pontos de destaque
dentro do tecido urbano, para integrar moradia, trabalho e mobilidade.
Aliás, grandes “nós” (hubs) da rede de mobilidade, seja do modal que forem, são
campos férteis para a formação de consórcios imobiliários, parcerias público-
privadas, concessões, enfim, uma série de ferramentas para a construção de
soluções concertadas.
Ponta Grossa, 1988. Ilustração Abrão Assad.
Instituto Jaime Lerner 93
Ainda, muitos municípios têm também o privilégio de contar com corpos hídricos
(rios, lagoas, estuários, baías e mares) para incrementar suas alternativas de
deslocamento. Lembrando apenas algumas capitais (Rio de Janeiro, Salvador,
Manaus, Vitória, etc.), entre tantas outras cidades brasileiras, possuem o potencial
para envolver esses caminhos d’água (que nunca tem buracos!) em suas soluções
de mobilidade urbana e metropolitana.
Frequentemente, a implantação e a operação dos sistemas de transportes
urbanos se dão em parcerias entre o setor público e a iniciativa privada por
meio de contratos de concessão. Nesses contratos ficam estabelecidas as
responsabilidades de cada parte em termos de investimentos em infraestrutura,
frota, características e frequência dos serviços, bases tarifárias, etc. Idealmente,
o sistema operaria sem necessidade de subsídio direto na tarifa, mas é raro que
isso ocorra.
A pandemia da Covid-19 trouxe novos desafios aos sistemas de transporte
coletivo. A queda de passageiros e os ajustes na frota e operação dos sistemas
para evitar a contaminação levaram a perdas estimadas pela NTU de cerca de
R$ 3,73 bilhões até o fim de junho de 20201. Isso tem levado a uma pressão de
revisão do modelo de concessão utilizado no Brasil.
Nesse tocante, novamente, a articulação entre o uso do solo e o sistema de
transporte/viário se mostra crucial. Quanto maior for a renovação dos passageiros
ao longo do itinerário (passageiros que sobem e descem do veículo, pagando uma
nova passagem) melhor para o equilíbrio da tarifa, o que acontecerá se ao longo
1 Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) - Covid-19 e o transporte
público por ônibus: Impactos no setor e ações realizadas. Disponível em: https://www.ntu.org.br/
novo/upload/Publicacao/Pub637280058369726793.pdf. Acesso em 16/12/2020.
94 Para Pensar a Cidade - Parte II
do trajeto houver atividades que alimentem o desejo de destino das pessoas,
bem como moradias.
Finalmente, os modos leves de deslocamento (pedestres, ciclistas, patinetes)
têm assumido, acertadamente, uma importância cada vez maior no debate e nas
soluções de mobilidade.
O caminhar pela cidade, confortável e seguro, é um dos indicadores da saúde
do ambiente urbano, e que precisa ser pensado tanto para o jovem atleta quanto
para o idoso, o cadeirante, o deficiente visual, os pais com carrinho de bebê, o
passo da criança e do entregador de compras, e de quem mais pudermos imaginar.
Percorrer passeios arborizados, amplos, bem iluminados e com um mobiliário
urbano atraente, que tangenciam fachadas de construções diversificadas e bem
conservadas, com a sensação de segurança trazida pela presença dos demais
transeuntes e dos “olhos” das edificações lindeiras fazem parte do imaginário de
uma cidade “civilizada”, uma ambiência que estimula sua vivência positiva. É a
“walkability”, ou “caminhabilidade”.
As bicicletas também vêm ganhando protagonismo, enriquecendo as opções de
deslocamento saudável dentro do tecido urbano. Não só como consequência
do contexto de pandemia do ano 2020, mas seguramente impulsionado por ele,
o modal cicloviário cada vez mais transcende o papel de lazer ou esporte para
se tornar a opção dos deslocamentos casa/escola/trabalho. Cabe, assim, aos
gestores, não apenas acomodarem, mas incentivarem essa tendência, abrindo
espaços seguros na malha urbana (como ciclovias e/ou ciclofaixas), ofertado
as infraestruturas de apoio necessárias (como paraciclos e/ou bicicletários)
nos espaços públicos, e criando os mecanismos legislativos que convidem os
empreendimentos privados a bem atender esses ciclistas.
Instituto Jaime Lerner 95
Observem que não destacamos até agora o carro. Figura ainda onipresente em
nossas cidades, almeja-se que sua importância diminua à medida que opções
melhores para o viver coletivo se instalam. Não se trata de não se ter o carro,
ou de proibir seu uso, mas de enquadrá-lo em uma posição que não o deixa
reinar absoluto nos deslocamentos urbanos cotidianos. Menos carros no dia-
a-dia da cidade significa menos congestionamentos e menor necessidade de
estacionamento, liberando áreas importantes, particularmente as centrais, para
usos mais nobres. Sem contar que é uma grande contribuição ao planeta, já que
24% das emissões diretas de CO2 provêm da queima de combustível.2
Chegamos, assim, ao momento ideal para falar de “Mobility as Service”, ou
“Mobilidade como Serviço.” A partir de novas tecnologias, de mudanças de
mentalidade/comportamento, e de alternativas inovadoras e criativas para
antigos problemas, tem emergido um rol de serviços que se aglutinam na forte
tendência em que muitos modais (do helicóptero ao patinete) são operados e
ofertados na forma de serviços urbanos, dispensando a propriedade do veículo.
Dock-dock, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
2 Tracking Transport - More efforts needed. Tracking Report . IEA, 2019. Disponível em: https://
www.iea.org/reports/tracking-transport-2020 . Acesso em: 05/01/21
96 Para Pensar a Cidade - Parte II
Seja nas modalidades “sharing” (de carros, bicicletas, etc.), onde os usuários
normalmente pagam pelo tempo utilizado, com liberdade de retirada e entrega
em diversos pontos da cidade, seja na forma de serviços por aplicativos (como o
uber e seus competidores), essas convenientes formas de se deslocar pela cidade
na opção porta-à-porta “vieram para ficar”. Ainda que em alguns casos possam ter
o aporte de recursos públicos para sua instalação/atuação, é terreno fértil para a
atuação do setor privado. Aqui é importante um olhar especial de planejamento,
ao mesmo tempo que todas essas novas formas de serviço são bem-vindas é
preciso cuidar para não “canibalizarem” o transporte coletivo urbano.O desafio
é encontrar o equilíbrio e a interação entre todas essas formas para gerar um
sistema atrativo e que consuma energia de forma eficiente.
O Fórum Econômico Mundial, em parceria com várias organizações, chegou a 10
princípios que podem nortear a estruturação deste sistema :
Princípio 1 - Centrado no usuário: o sistema é projetado e operado com base nas
necessidades coletivas e individuais de todos o público que atende.
Princípio 2 - Projetado para ser adaptável: o sistema é projetado para ser
adaptável às capacidades e condições operacionais da área geográfica onde está
implantado, aos comportamentos e necessidades de seus usuários e às melhorias
em tecnologias.
Princípio 3 - Padrões e protocolos abertos: o setor privado precisará desempenhar
um papel de liderança no estabelecimento de padrões e protocolos abertos
para a criação e uso de intercâmbios de dados compartilhados relacionados à
mobilidade e interfaces de programação de aplicativos.
Instituto Jaime Lerner 97
Princípio 4 - Colaboração público-privada: os governos precisarão atuar como
articuladores para aumentar a colaboração dentro e entre os setores público e
privado para permitir que o sistema opere em todos os modos, localizações e
funcionalidades.
Princípio 5 - Participação e valor: manter a capacidade do setor privado de
derivar valor da oferta de seus produtos, serviços e propriedade intelectual
é essencial para encorajar uma ampla participação e a plena realização de um
sistema de mobilidade integrado e contínuo.
Princípio 6 - Governança ágil: o governo deve empreender esforços ativamente
para reduzir a complexidade institucional e criar modelos de governança mais
focados para facilitar a coordenação e colaboração ágil com o setor privado e
outros governos.
Princípio 7 - Financiamento: os governos precisarão criar instrumentos de
nanciamento e modelos de negócios inovadores que permitam a vários atores
do setor privado subscrever o custo de um sistema integrado e contínuo e
compartilhar os benefícios monetários potenciais.
Princípio 8 - Medição de desempenho: indicadores de desempenho padronizados
devem ser estabelecidos para medir o impacto na acessibilidade, sustentabilidade,
segurança, e ciência e integração.
Princípio 9 - Aprendizagem e melhoria: uma coalizão público-privada deve ser
formada e incumbida de compartilhar o conhecimento e as melhores práticas.
98 Para Pensar a Cidade - Parte II
Princípio 10 - Escala e crescimento: um grupo de trabalho público-privado
de líderes deve ser estabelecido para definir e abordar as decisões de
enquadramento fundamentais e permitir uma série de pilotos do sistema em
várias áreas geográficas.
No horizonte, carros autônomos e sistemas coletivos que utilizam tecnologias
como o blockchain prometem “fortes emoções” no tema da mobilidade urbana!
Quem viver, verá!
Rio de Janeiro, 2010. Ilustração Fernando Popp.
Instituto Jaime Lerner 99
2.8 PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL E AMBIENTAL
Lençóis Maranhenses, Chapada Diamantina, Baía do Sancho, Cataratas do
Iguaçu... estas são algumas feições do nosso generoso território que exemplificam
a exuberância com a qual o Patrimônio Natural pode se expressar. O Patrimônio
Cultural1, por sua vez, se refere a tudo, de pinturas rupestres a postes de luz, que é
produzido pela cultura de determinada localidade, e que, devido a sua relevância
histórica, cultural ou científica, deve ser preservado2. Ao Patrimônio (em suas
várias formas) está vinculado o sentimento de identidade e a autoestima de um
povo; é através do patrimônio que os habitantes de uma localidade reconhecem
suas histórias pessoais, familiares e comunitárias. Deve ser conhecido para que
seja preservado, e para que possa enriquecer e retroalimentar o desenvolvimento
sustentável local e os laços de pertencimento.
A memória edificada
Dentro do amplo tema do patrimônio cultural, começaremos por ressaltar a
“memória edificada”, a sua expressão como patrimônio material. Há uma rica
literatura e esse respeito, dentre as quais destacamos a Carta de Veneza3,
referência básica para a preservação do patrimônio.
1 IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/218. Acesso em 16/12/2020.
2 Convenção para a proteção do patrimônio mundial, cultural e natural. Disponível em: http://
portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Conven%C3%A7%C3%A3o1972.pdf. Acesso em
08/01/2021.
3 Carta de Veneza. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/
Carta%20de%20Veneza%201964.pdf. Acesso em 08/01/2021.
100 Para Pensar a Cidade - Parte II
O patrimônio material pode estar presente no município, por exemplo, em
construções públicas ou privadas; em espaços como largos e praças; e em
monumentos, obras de arte e mobiliário urbano. E ainda que a dimensão do belo
possa ser uma das motivações para a preservação dessas obras, o testemunho
de um modo de viver, de fazer, dos valores de uma determinada época, são
igualmente importantes.
Há que se compreender também a dimensão temporal. As cidades brasileiras
são, em sua grande maioria, muito “jovens”, principalmente se as comparamos
com expoentes do patrimônio cultural mundial como é o caso, por exemplo, de
muitas cidades europeias. Entretanto, se não nos preocuparmos em proteger
facetas importantes dessa juventude, nunca acumularemos um legado para as
gerações futuras.
São José dos Pinhais, anos 80. Ilustração Abrão Assad.
Instituto Jaime Lerner 101
A herança de um povo
Compõem também a herança cultural de uma nação, de um estado, de uma cidade,
aspectos menos tangíveis: seu patrimônio imaterial. Ele se expressa na língua de
um povo, em grandes obras de sua literatura e das artes visuais; na expressão de
seu folclore, religiosidade, musicalidade e gastronomia; e em técnicas e saberes
vernaculares que se transmitem de geração para geração.
O Brasil é particularmente profícuo nesse sentido, e cada uma de suas regiões
tem o que manifestar e celebrar dessa riqueza e diversidade.
O gestor público precisa estar atento à essa dimensão, à rica dialética de unir
tradição e inovação, legado e “progresso”, ao conceber e implantar estratégias
municipais de desenvolvimento.
Cais Mauá, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
102 Para Pensar a Cidade - Parte II
O legado da Natureza
Em termos de biodiversidade, poucos países “são páreos” para o Brasil e seus
múltiplos ecossistemas. Nossa geografia também nos presenteia com formações
de valor universal excepcional, tanto do ponto de vista estético quanto científico.
Alguns municípios têm o privilégio de abrigar em seus territórios exemplares
dessas formações e trechos desses ecossistemas: um tesouro insubstituível.
Outros já passaram por um processo de antropização mais intenso, e as feições
naturais já foram muito alteradas.
Contudo, seja na situação que for, e como já abordamos em outros pontos deste
texto, compreender a importância do patrimônio ambiental local para a qualidade
de vida e para a sustentabilidade e resiliência dos assentamentos humanos, e
encontrar formas de protegê-lo, é item inescapável na agenda de qualquer gestor
urbano.
Balizam o planejamento e a gestão ambiental nos municípios brasileiros o Código
Florestal, criado em 1965 e atualizado em maio de 2012 (Lei Federal 12.6514), o qual
define as áreas de preservação e seus limites; e o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza, criado em julho de 2000 (Lei Federal n. 9.9855),
que elenca e define uma série de instrumentos que servem ao planejamento
estratégico e a gestão do patrimônio ambiental, além das normas estaduais e
municipais que tratam do tema.
4 Lei Federal 12.651. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/
l12651.htm
5 Lei Federal 9.958. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm
Instituto Jaime Lerner 103
Serra, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
104 Para Pensar a Cidade - Parte II
Instrumentos para a proteção e a gestão do Patrimônio
A primeira e principal linha de defesa para a proteção do Patrimônio, natural ou
cultural, é o seu reconhecimento como tal. Esse reconhecimento possibilita a sua
valorização, e uma das formas para se conseguir isso é fazer com que ele participe
do dia a dia das pessoas. O Patrimônio tem que ser visível e vivido, não pode ser
percebido como um elemento estático que é um entrave ao “desenvolvimento”.
A conscientização e engajamento dos agentes econômicos e da população são,
portanto, essenciais a qualquer estratégia.
A gestão pública conta com alguns instrumentos para proteger os marcos de
relevância patrimonial no município.
Um deles, bastante conhecido, é o Tombamento: um reconhecimento em nível
municipal, estadual, federal ou mundial (UNESCO), expresso na forma de lei ou
decreto, que confirma a importância do bem cultural ou natural a ser preservado.
Este “selo”, que atesta o seu valor para a comunidade e em tese o protege de
ser descaracterizado, é de grande valia. Entretanto, sozinho, não garante sua
preservação no tempo, sendo necessário pensar nos mecanismos econômico-
financeiros que assegurarão sua proteção e manutenção.
Um caminho é aliar a força do setor privado nesses esforços de preservação
e valorização. As leis de incentivo à cultura e mecanismos fiscais/tributários,
como a diferenciação de impostos, são ferramentas importantes.
As possibilidades de reciclagem/retrofit de edificações é também um
mecanismo útil, o qual, se bem encaminhado, pode contribuir para atender a
demanda habitacional, por equipamentos públicos e comunitários, espaços
Instituto Jaime Lerner 105
culturais, centros comerciais, etc., ao dotar de um novo conteúdo construções
que estão subutilizadas ou cujos usos se tornaram obsoletos. Retrofits ou
reciclagens também podem ser aplicados em áreas inteiras, onde um novo uso
seria de maior interesse para a cidade: pensar, por exemplo, zonas industriais ou
portuárias desativadas. Seja em que escala for, o objetivo é que a população faça
uso cotidiano desses espaços e seja lembrada de sua história.
Cabe especial destaque a transferência do direito de construir. É um instrumento
eficaz, usado com sucesso por alguns municípios e que foi incorporado ao
arsenal do Estatuto da Cidade, o qual permite aliar o interesse econômico do
proprietário e a dinâmica do mercado imobiliário, contribuindo para a proteção
tanto do patrimônio edificado quanto do natural: possibilita-se transferir (ou
mesmo vender) o potencial construtivo de um terreno onde existe uma bem de
interesse de preservação para outra propriedade, com a contrapartida manter
conservado o imóvel e/ou as condições naturais do sítio (um bosque, por
exemplo). Para que possa ser aproveitado em sua plenitude é necessário que
esteja em sintonia com a Lei de Zoneamento, a fim de que o potencial transferido
seja recebido em áreas aptas e convergentes com o Desenho da Cidade que se
pretende construir. Ainda, há a abertura de trabalhar com essas transferências em
escala metropolitana/regional a partir de mecanismos anunciados no Estatuto
da Metrópole, visando a proteção/formação de corredores de biodiversidade,
mananciais de abastecimento público, paisagens singulares, entre outros.
Vale destacar ainda uma estratégia que vem ganhando visibilidade no contexto
nacional, e que abre possibilidades muito ricas de trabalhar simultaneamente
com todas as dimensões do Patrimônio: a Paisagem Cultural6. Essa chancela se
6 Paisagem Cultural. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/899/. Acesso em
08/01/2021.
106 Para Pensar a Cidade - Parte II
caracteriza por valorizar e proteger a inter-relação entre a ação humana e a base
natural, e as singularidades dela decorrentes.
No âmbito urbano, a valorização dessas singularidades pode resultar também em
uma candidatura bem-sucedida à Rede de Cidades Criativas da UNESCO7, que
se propõe a promover a cooperação com e entre cidades que identificaram a
criatividade como ativo estratégico para o desenvolvimento urbano sustentável,
com destaque para as atividades e indústrias culturais.
O Patrimônio, se valorizado em cada uma de suas dimensões, pode se tornar
cartões-postais de um município/região, locais onde se constroem memórias e
que alimentam sua imagem, sua dimensão simbólica, seu orgulho cívico. E também
é justamente esse o motor de uma atividade econômica que, até o advento da
pandemia, crescia de forma exponencial e ininterrupta há anos: o turismo. Ainda
que venha a precisar reconfigurar algumas de suas bases, o ímpeto humano por
expandir seus horizontes, por viajar, não se entregará.
7 Creative Cities Network. Disponível em: https://en.unesco.org/creative-cities/home. Acesso
em 15/12/2020.
Instituto Jaime Lerner 107
Orla de Natal, 1988. Ilustração Abrão Assad.
108 Para Pensar a Cidade - Parte II
2.9 INFRAESTRUTURAS URBANAS E
SERVIÇOS AMBIENTAIS
As infraestruturas urbanas são condicionantes do bem-estar na cidade e de
sua prosperidade. São muito mais que uma capinha de “anti-pó” ou mesmo de
asfalto. Quando planejadas e implantadas em consonância com a Visão de Futuro
pactuada, são poderosos elementos para promover a sua consolidação.
O planejamento cuidadoso da infraestrutura pode representar ao longo do
tempo uma economia substantiva de recursos econômico-financeiros, naturais
e energéticos para a cidade e seus cidadãos, racionalizar investimentos, abrir
oportunidades de desenvolvimento econômico, e melhorar a qualidade de vida.
Pertencem ao “guarda-chuva” das infraestruturas urbanas/municipais os temas
do saneamento (água, esgoto, drenagem, lixo), energia e iluminação pública,
informação e comunicação. São ingredientes da resiliência urbana (capacidade da
cidade de se adaptar e sobreviver a mudanças) e fatores-chave nas estratégias de
diminuição do impacto das cidades para prevenir/minimizar o câmbio climático.
E há outros temas envoltos por este guarda-chuva, que pelo tamanho já virou
guarda-sol! As Nações Unidas apontam como indicador de qualidade da vida
urbana a existência de percentuais consideráveis de áreas públicas, entre
sistema viário, equipamentos comunitários (escolas, creches, postos de saúde),
praças, parques e demais áreas verdes. Ter estratégias para assegurar esses
espaços necessários de antemão, conforme a cidade cresce e se consolida, é
fundamental, prevenindo onerosas e desgastantes desapropriações posteriores
e deslocamentos desnecessários para o atendimento das necessidades do dia-
Instituto Jaime Lerner 109
a-dia. Entra aqui a ideia da “cidade de 15 minutos1”, na qual o acesso às áreas
verdes e aos serviços básicos de educação, saúde e atenção à criança, bem como
comércio e serviços de bairro, estejam num raio de 15 minutos em tempo de
deslocamento a pé da moradia da pessoa.
Conforme vimos no tópico da mobilidade, um passo fundamental do planejamento
territorial é definir diretrizes adequadas de sistema viário, que é por onde
circularão, via de regra, o transporte coletivo, a coleta de resíduos sólidos, e onde
estarão acomodadas (na superfície ou subterrâneas) as redes urbanas. Há que
se lembrar, contudo, da escala humana, e que superdimensionar esses espaços
pode ter efeitos tão negativos quanto subdimensioná-los.
Cabe lembrar que nossas ruas são espaços públicos de excelência, que fazem
parte da nossa vivência do dia a dia urbano. Participam das nossas oportunidades
de manifestação, encontro e troca, da imagem e da dimensão simbólica da cidade.
Devem ser o espaço no qual não apenas passamos, mas podemos permanecer. Em
quantos dos nossos bairros ainda sobrevive o feliz hábito de colocar uma cadeira
na calçada ao fim da tarde e bater um papo com os vizinhos, ou o de parar nos
engraxates que atendem no centro para se inteirar dos fatos políticos do dia? Ao
valorizar nossas ruas, valorizamos a nossa dimensão cívica, coletiva; ao tratá-las
como “sobras”, como algo que está meramente além do espaço privado que me
pertence por trás dos muros que o “protegem”, contribuímos para empobrecer e
tornar mais insegura a vida na cidade.
A palavra-chave que desequilibra a relação infraestrutura e sustentabilidade
é o desperdício. Desperdício gerado pelo dimensionamento incorreto das
1 Cidade de 15 minutos. Disponível em: https://www.consumidormoderno.com.br/2020/01/30/
cidade-15-minutos-revolucionar/. Acesso em 07/01/21
110 Para Pensar a Cidade - Parte II
infraestruturas, para mais ou para menos. Pela ineficiência (quiçá incompetência)
na provisão desses serviços. Pelo consumo irresponsável. Pelo planejamento
equivocado ou inexistente do desenho da cidade. Pela falta de articulação no
planejamento e provisão das diversas redes, a ausência de uma visão integrada
que acaba onerando a todos. Reduzir esse desperdício é a estratégia, urgente.
Conquistando espaços para as infraestruturas
Um dos mecanismos mais importantes para o município assegurar os necessários
espaços para a implantação do sistema viário, equipamentos públicos/
comunitários e o sistema de áreas verdes é a Lei de Parcelamento do Solo, que
tem que ser pensada tanto para os espaços urbanos quanto rurais. Aplicam-se
aos processos de parcelamento os percentuais que os empreendedores devem
destinar como área pública em cada projeto.
Nas áreas rurais, o INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária,
estabelece, a partir da Instrução Normativa 17-B, os principais critérios a serem
seguidos. Já a lei-mestra do Parcelamento do Solo Urbano é e Lei Federal
6.766/792 (com as alterações principais da 9.785/99 e demais leis correlatas).
Grosso modo, a 6.766/79 estabelecia um percentual mínimo de doação de 35% da
área da gleba. O Estatuto da Cidade possibilitou aos municípios, por meio de seus
planos diretores, estabelecerem critérios específicos, definindo, por exemplo,
percentuais mínimos para áreas verdes e para a implantação de equipamentos
públicos, para além do sistema viário.
2 Lei Federal 6.766/79. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766compilado.
htm
Instituto Jaime Lerner 111
Outro aspecto do parcelamento do solo que precisa ser avaliado com muito
cuidado pelos municípios são os condomínios horizontais (os “condomínios
fechados”). Do ponto de vista da legislação federal, esse é um campo em que
há muitas lacunas. Há a Lei Federal 4.591/643, que pertence a um outro contexto
histórico, e pouco diz sobre as contrapartidas que os empreendedores de
condomínios horizontais devem à cidade. Ainda que haja casos em que se
trabalhar com uma fração ideal ao invés de um lote possa ser vantajoso para a
cidade (facilitar a preservação de um maciço florestal ou de áreas de nascente,
por exemplo), esses empreendimentos interrompem a continuidade do sistema
viário, criam com frequência “paredes cegas” (o que limita a mistura de usos e
empobrece a experiência do pedestre) e, ao agregar densidade populacional ao
espaço urbano, aumentam a demanda por serviços e equipamentos públicos sem
prover à cidade as necessárias contrapartidas. Assim, cabe ao município legislar
de forma atenta sobre o tema.
Serra, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
3 Lei Federal 4.591/64. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm
112 Para Pensar a Cidade - Parte II
Os serviços essenciais que a Natureza pode prestar às cidades, e as nossas
contrapartidas
Afirmar que a nossa sobrevivência depende dos serviços ambientais que a
natureza desempenha é redundar no óbvio. Contudo, a importância de se planejar
a ocupação do território a favor de sua base ambiental, e a premência de se investir
em infraestruturas de saneamento são frequentemente escamoteadas. Ainda que
venham se registrando melhoras, são tristes os índices de coleta e tratamento de
esgoto e de resíduos sólidos em nossos municípios, um dos atestados do longo
caminho que ainda temos a percorrer para constituirmos uma sociedade mais
decente. A recente aprovação da Lei Federal 14.026/204, que atualiza o marco
legal do saneamento básico, abriu algumas possibilidades que podem facilitar aos
municípios melhorarem a prestação desses serviços essenciais.
O primeiro dos componentes do saneamento é a provisão de água potável. O
Instituto Trata Brasil5, com base em dados oficiais, aponta que ainda são mais de
35 milhões de brasileiros sem acesso a esse serviço. Ainda que estejamos em um
país onde a oferta hídrica na natureza seja elevada, tal oferta não se encontra
uniformemente distribuída no território, o que leva a frequentes situações de
escassez. Os municípios precisam planejar de forma criteriosa o atendimento de
suas demandas por água ao longo do tempo, levando em consideração os usos
não só urbanos, mas também para a indústria e a agricultura, planejamento esse
que se torna mais complexo em regiões metropolitanas/aglomerações urbanas.
4 Lei Federal 14.026/20. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/
Lei/L14026.htm
5 Instituto Trata Brasil. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/. Acesso em 07/01/21
Instituto Jaime Lerner 113
O desenho da cidade desempenha um importante papel nesse equacionamento.
Ao se definir sua estrutura de crescimento, os limites e intensidades da urbanização,
preservam-se no território áreas de mananciais de abastecimento público (que
podem ser rios, lagos, represas ou aquíferos subterrâneos) que requerem uma
estratégia específica de gestão territorial de forma a se manterem íntegras.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado pela Lei
Federal 9.433/976, traz uma série de instrumentos como os Comitês de Bacia
Hidrográfica e a outorga onerosa a fim de viabilizar esses processos. Os caminhos
das águas não seguem limites político-administrativos, portanto as suas soluções
também precisam trilhar outras fronteiras. Cabe aqui uma palavra sobre o
Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)7, uma ferramenta que encoraja a
conservação dos ecossistemas a partir de incentivos econômicos aos proprietários
de imóveis urbanos ou rurais que possuam áreas naturais capazes de fornecer
serviços ambientais.
Seguindo no caminho das águas, temos outro pilar do saneamento ambiental que
é a drenagem urbana, um dos temas no qual o desenho inteligente da cidade
pode surtir resultados de grande impacto.
Em boa parte do país, sujeita a chuvas torrenciais (grande intensidade de
precipitação em curtos intervalos de tempo), é fundamental compreender que a
manutenção da integridade da malha hídrica e de suas várzeas, de remanescentes
de área vegetada e de índices razoáveis de permeabilidade do solo (algo que se
6 Lei Federal 9.433/97. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm
7 Pagamentos por serviços ambientais - Aspectos teóricos e proposições legislativas.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/
textos-para-discussao/td-105-pagamento-por-servicos-ambientais-aspectos-teoricos-e-
proposicoes-legislativas. Acesso em 08/01/2021.
114 Para Pensar a Cidade - Parte II
define na lei de uso e ocupação) são cruciais ao equacionamento da drenagem
urbana. A incompreensão dessa premissa basilar resulta, a cada ano, no “show de
horrores urbanos”, “estrelando” bueiros explodindo, barrancos desmoronando,
ladeiras que viram cascatas e ruas que se transformam em cópias pobres dos
“canais de Veneza”, sem falar na trágica e irreparável perda de vidas.
A história e a experiência em nossas cidades demonstram que as custosas obras
de engenharia retificando e canalizando rios não surtiram o resultado desejado.
Nesse padrão climático é fundamental retardar o tempo que água leva para
chegar às estruturas de drenagem, sejam às construídas, sejam às naturais. Um
sistema de áreas verdes (parques, praças, canteiros, reservas particulares) é
ferramenta de excepcional valia nesse processo, ao aliar soluções de drenagem,
preservação de áreas naturais, desenho urbano e equipamentos de lazer/esporte
para a comunidade. Cabe ressaltar que a coleta adequada do lixo e a varrição
pública são essenciais para que as redes de drenagem não sejam obstruídas e
funcionem a contento.
Serra, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 115
Cada lote tem também o seu papel a desempenhar. Definir taxas mínimas de
permeabilidade do solo nos parcelamentos urbanos favorece a recarga do lençol
freático (que alimenta as nascentes, rios e lagos), ao mesmo tempo em que
participa do sistema de macrodrenagem, ajudando a retardar os picos de cheias.
Ou seja, se você acha que não tem “mal nenhum” em colocar calçamento em
todo o seu lote, pense de novo... Dispositivos legais que incentivem a retenção de
água nos lotes (tais como cisternas) e que encorajem o reuso das águas pluviais
para irrigação de jardins, limpeza de calçadas, etc., também são úteis.
Em termos de esgoto, o Instituto Trata Brasil aponta que quase cem milhões
de brasileiros não têm acesso a esse serviço, e que apenas 46% do esgoto
produzido é tratado8 (em que se pesem grandes variações regionais em ambas
as estatísticas). Só em 2017, por exemplo, o país lançou aproximadamente 5.622
piscinas olímpicas de esgoto não tratado na natureza (algo como 14 milhões m3).
É um volume colossal que afeta a saúde da população, o turismo, o patrimônio
ambiental e a própria percepção de cidadania. Como falar verdadeiramente em
desenvolvimento sustentável em um quadro como esse?
Considerando as precariedades na prestação desse serviço, há uma outra variável
a ser reconhecida e trabalhada. Em pesquisa realizada pelo Ibope em 2012 para o
Instituto9, 75% das pessoas disseram que nunca cobraram nenhuma providência
da prefeitura com relação à falta de saneamento, e 50% dos entrevistados
afirmaram que não pagariam para ter seus esgotos ligados à rede.
8 Instituto Trata Brasil. Esgoto. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/
principais-estatisticas/no-brasil/esgoto. Acesso em 05/01/21
9 Instituto Trata Brasil. A percepção do brasileiro quanto ao saneamento básico e a
responsabilidade do poder público. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/estudos-
completo/itb/a-percepcao-do-brasileiro-quanto-ao-saneamento-basico-e-a-responsabilidade-
do-poder-publico. Acesso em 05/01/21
116 Para Pensar a Cidade - Parte II
Essa falta de consciência de governantes e governados gera prejuízos nas mais
diversas escalas. A título de ilustração, o Instituto Trata Brasil cita dados da
Organização Mundial de Saúde, que estima que para cada US$ 1 investido em
saneamento, haveria um retorno quase sextuplicado, considerando menores
custos de saúde, aumento da produtividade e redução no número de mortes
prematuras. Em nosso país, apenas em 2018, o Instituto aponta que foram
registradas mais de 230 mil internações por doenças de veiculação hídrica no
SUS.10
Os sistemas de tratamento de esgoto passaram por grandes avanços tecnológicos
nas últimas décadas, permitindo até mesmo reutilizar suas “sobras” para geração
de energia (assim como os resíduos sólidos) e fertilização do solo. Aliar a
capacidade de regeneração da natureza para a purificação das águas servidas em
wetlands também tem possibilitado resultados interessantes. Soluções técnicas
não faltam. Vontade política e conscientização, sim.
A coleta e a destinação final dos resíduos sólidos são o quarto pilar do
saneamento ambiental. É um tema de grande amplitude, que trata de resíduos
tóxicos (embalagens de tintas, solventes, agrotóxicos), hospitalares, inertes
(caliça, tijolos, madeira), vegetal (limpeza de jardins, poda de árvores), e domiciliar,
entre outros, cada qual sujeito a regras específicas (ver Lei Federal 12.305/1011).
Assim como o esgoto, as deficiências na provisão desse serviço causam grandes
prejuízos à sociedade e ao ambiente. Seu equacionamento passa também por
10 Instituto Trata Brasil. Saúde. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-
estatisticas/no-brasil/saude#:~:text=Em%202018%20foram%20registradas%20mais,das%20
doen%C3%A7as%20por%20veicula%C3%A7%C3%A3o%20h%C3%ADdrica%C2%B9. Acesso
em 05/01/21
11 Lei Federal 12.305/10. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/
lei/l12305.htm
Instituto Jaime Lerner 117
uma forte necessidade de boas estratégias de comunicação e educação, pois
enquanto as pessoas acharem normal jogar lixo na rua ou um sofá velho no rio,
teremos um longo caminho a percorrer.
A regra geral para a maior sustentabilidade no tema são: reduzir, reutilizar e
reciclar. Quanto menor a quantidade de lixo que precisar ser encaminhada para
seu destino final, seja em aterros ou incinerada, melhor. Há, inclusive, correntes
contemporâneas em estudos econômicos que ressaltam as possibilidades da
economia circular12 e de um design “do berço ao berço” (C2C - cradle to cradle13),
conduzindo à eliminação da ideia de “lixo”.
Mas enquanto não chegamos lá, o primeiro passo é a separação do lixo que
realmente precisa ser encaminhado à disposição final dos demais. Nesse processo,
cada moradia, cada escritório, cada escola, cada estabelecimento comercial pode
e deve ser uma unidade de triagem. Para que a iniciativa seja bem-sucedida é
necessário contar com o engajamento da população, o que requer campanhas de
educação ambiental.
Cooperativas de catadores podem fazer parte do sistema de coleta, triagem e
comercialização desses resíduos em conjunto com as estruturas do município.
Incentivos e estratégias de troca podem ser destinados às comunidades onde o
sistema viário não permite o acesso dos caminhões de coleta.
12 Economia circular. Disponível em: https://www.ellenmacarthurfoundation.org/pt/economia-
circular/conceito. Acesso em 08/01/2021.
13 Ideia Circular. O que é cradle to cradle? Disponível em: https://www.ideiacircular.com/o-que-
e-cradle-to-cradle/. Acesso em 08/01/2021.
118 Para Pensar a Cidade - Parte II
Consórcios intermunicipais podem ser formados para racionalizar o serviço,
encurtando trajetos, maximizando a frota, melhor posicionando as estações de
transbordo e concentrando o ponto do destino final, diminuindo assim o impacto
ambiental na região e os custos de operação.
Se os serviços ambientais são fundamentais à sustentabilidade urbana, a questão
energética também o é. Áreas verdes e permeáveis (chamadas também “green
infrastructures”) inseridas na trama da cidade são cruciais ao conforto ambiental,
contribuindo para dispersar ilhas de calor e diminuir gastos com a climatização
das edificações, o que também minimiza o impacto energético. A utilização
de fontes alternativas, tais como a tecnologia para captação da energia solar,
avança de forma que cada construção poderá se transformar em uma unidade
geradora. Associadas às “smart grids” (redes inteligentes), que aliam as redes de
alimentação, armazenamento e distribuição à tecnologia da informação, unidades
e redes permitirão ganhos substantivos de eficiência no sistema, resultando em
economia para os consumidores.
Estudos citados pelo ONU-Habitat14 indicam que áreas verdes urbanas trazem
também benefícios econômicos diretos aos citadinos. Em algumas cidades,
aumentar a cobertura arborizada em 10% pode reduzir a energia utilizada na
climatização dos ambientes em 10%. A proximidade às áreas verdes públicas
tende a aumentar o valor das propriedades em 3%. Outro estudo referenciado15,
conduzido na cidade de Nova Iorque, calculou o valor monetário de suas 5 milhões
de árvores, estimando seu impacto no valor dos imóveis, ganhos em sequestro de
14 UN-Habitat. Urban Planning for City Leaders. United Nations Human Settlements Programme,
2013.
15 Center for Urban Forestry Research; USDA Forest Service, Pacific Southwest Research
Station. New York City, New York Municipal Forest Resource Analysis. March 2007 in http://www.
milliontreesnyc.org/downloads/pdf/nyc_mfra.pdf. Acesso em 08/01/2021.
Instituto Jaime Lerner 119
carbono e quantidade de energia conservada pela provisão de sombra. Concluiu
que para cada dólar gasto em arborização, os benefícios para cada residente
eram de US$ 5,60. Recomendações internacionais divulgadas pelo ONU-Habitat16
sugerem a quantidade mínima de 8m2 de área verde por habitante na média geral
da cidade, em que se pese também a necessidade de se distribuir essa oferta no
território de forma que toda a população possa ter acesso.
São Caetano, 2006. Ilustração Fernando Popp.
16 UN-Habitat. State of the World’s Cities 2012/2013 – Prosperity of Cities. United Nations
Human Settlements Programme, 2012 in https://sustainabledevelopment.un.org/content/
documents/745habitat.pdf. Acesso em 08/01/2021.
120 Para Pensar a Cidade - Parte II
Informando, comunicando e incluindo
A disponibilidade e o acesso às tecnologias da informação e da comunicação
no município são fatores determinantes de inclusão social e desenvolvimento
econômico, devendo fazer parte do planejamento das infraestruturas urbanas.
Um dos “efeitos colaterais” dessa pandemia foi evidenciar o abismo profundo
que existe no acesso a essas ferramentas, e a sua importância como fator de
resiliência econômica (na capacidade dos negócios de se adaptar, preservar ou
mesmo gerar postos de trabalho) e social (permitindo a manutenção de laços
afetivos em um momento de isolamento).
Essas ferramentas tecnológicas fazem encolher o espaço e o tempo e multiplicam
as oportunidades de criação e inovação, tanto em processos industriais quanto
nos setores de comércio e serviços. A provisão adequada dessas redes possibilita
aproximar na cidade o emprego da habitação, o que também tem grande impacto
na sustentabilidade urbana. Essa aproximação chega no seu limite nas situações
de home office, na qual o trabalho e a moradia ocupam o mesmo endereço, e
que tendem a ter impactos importantes no equilíbrio no território das funções
urbanas, algo que a pandemia também acelerou. A provisão dessas tecnologias
requer também redes ao mesmo tempo robustas e flexíveis, capazes de atender
demandas sempre crescentes, bem como de se atualizarem com rapidez, sob
pena de se tornarem rapidamente obsoletas.
E ainda que a tecnologia não seja o elemento definidor de uma “cidade inteligente”,
também não é inteligente desconsiderar o potencial que essas ferramentas têm
de otimizar a prestação de serviços urbanos, de estreitar a comunicação entre a
Instituto Jaime Lerner 121
população e os gestores públicos, de ser o fio para tecer redes de aprendizagem
compartilhada, e de ser fermento para a inovação e o empreendedorismo.
Destaques para a implantação, expansão e gestão das infraestruturas
Auxilia a planejar, implantar e gerir as infraestruturas construir um sistema de
informações georreferenciado, no qual se encontram o mapeamento ambiental do
município; sua planta cadastral e a espacialização da dinâmica urbana por meio de
parcelamentos do solo aprovados/em aprovação e dos alvarás de funcionamento
por tipologias; mapeamento dos equipamentos públicos e comunitários; dados
censitários; redes das concessionárias de serviços públicos, entre outros temas.
O reconhecimento das fragilidades do território é elemento crucial para conduzir
a ocupação urbana para áreas mais aptas, minimizando o risco de perda de bens
materiais e de vidas atreladas a cheias e acidentes geológicos, por exemplo,
ocorrências estas cada vez mais frequentes com as alterações que já se percebem
no clima global.
Essas fragilidades também têm impactos diretos nas infraestruturas e serviços
urbanos. Por exemplo, uma rede de coleta de esgoto tradicional funciona por
gravidade, ou seja, áreas que não tenham uma declividade mínima requererão
soluções técnicas mais sofisticadas (e caras). Solos hidromórficos (turfa), comuns
em planícies aluviais, não são aptos ao uso urbano, e demandam fundações
também mais complexas e custosas. Um caminhão de lixo ou um ônibus terão
dificuldades de atender áreas em declividades muito acentuadas, e assim por
diante.
122 Para Pensar a Cidade - Parte II
Cabe ressaltar que esse reconhecimento, desassociado de estratégias concretas
de controle do uso e da ocupação do solo e de uma política habitacional que
atenda a todas as camadas da sociedade, terá a efetividade de se tentar enxugar
gelo. Em termos de instrumentos legais, versa de forma complementar sobre
esse tema a Lei Federal 12.608/1217, que institui a Política Nacional de Proteção e
Defesa Civil.
Recorda-se que uma estrutura urbana diversificada e compacta, acompanhada
do planejamento adequado das densidades, são fundamentais para o bom
equacionamento econômico-financeiro das infraestruturas e serviços urbanos.
Uma ocupação rarefeita onera sobremaneira a implantação de redes de
distribuição, por exemplo, onde o “rateio” do investimento é em parte feito pelo
número de economias ou habitantes atendidos dentro da extensão da rede; ou
torna inviável o equilíbrio tarifário em um sistema de transporte público ou de
coleta de lixo, ao ter que percorrer distâncias muito longas atendendo poucos
usuários. Um ambiente excessivamente denso pode também se tornar bastante
oneroso devido às soluções tecnológicas necessárias à provisão do serviço
(uma solução de metrô, por exemplo). Assim, diversidade de usos, tipologias e
rendas também é crucial, favorecendo “subsídios cruzados” dentro do território
municipal.
Palmas, 2016. Ilustração Debora Ciociola.
17 Lei Federal 12.608/12. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/
Lei/L12608.htm
Instituto Jaime Lerner 123
2.10 ZELADORIA
O termo zeladoria é uma palavra inteligente para comunicar os cuidados diários
com a cidade/município. Fazendo a analogia com o zelador de um prédio ou de
uma escola, é quem tem a responsabilidade, na esfera dos espaços coletivos,
de cuidar da troca de uma lâmpada que queima, do reparo de uma peça de
mobiliário, da substituição de um vidro quebrado, da pintura de um muro pichado,
de providenciar a limpeza dos corredores e pátios, de cortar a grama do jardim e
trazer as flores da estação.
Tudo isso encontra eco nas tarefas que o poder público desempenha (ou que
deve desempenhar) na manutenção cotidiana das infraestruturas do município: a
iluminação e arborização públicas; a conservação de jardins, praças e parques; a
varrição das ruas, a desobstrução das redes de drenagem e dragagem de corpos
hídricos; a coleta e destino adequado às diferentes categorias de resíduos sólidos;
a manutenção do mobiliário urbano (como bancos, lixeiras, floreiras, pontos de
ônibus, placas de sinalização); os reparos e melhorias na pavimentação das vias e
ciclovias, e a responsabilização dos proprietários pela realização e manutenção
das calçadas; a valorização de monumentos e marcos urbanos; e a conservação
(pintura, limpeza, etc.) dos equipamentos públicos e comunitários.
Vale lembrar que cada morador é um importante ativo para dar conta dessa
árdua tarefa. Pensar na estruturação de uma plataforma de relacionamento com
o cidadão é uma boa alternativa para ter uma visão sistêmica das demandas da
cidade e agilizar a execução dos serviços públicos municipais.
124 Para Pensar a Cidade - Parte II
Dentro da psicologia social, um do experimento famoso se expressa na “teoria
das janelas quebradas”1, proposta por James Q. Wilson e George Kelling, que
estudaram a correlação entre índices de criminalidade e o grau de desordem/
deterioração em diferentes comunidades. A extrapolação dessa teoria para o
planejamento territorial sugere que a integridade do ambiente de convívio das
pessoas favorece tanto a sua conservação física quanto o estabelecimento de
relações sociais mais positivas, o que pode encontrar sua expressão na zeladoria
dos espaços municipais.
A zeladoria seria, ao fim e ao cabo, o testemunho do amor do prefeito pelo seu
município, do seu compromisso diário como gestor, a manifestação do “exemplo
que vem de cima” e que pode, com tempo, persistência e perseverança, ser
internalizado pela população, de forma que esse amor reverbere e passe a fazer
parte da identidade e da cultura local em uma expressão constante de civilidade,
cidadania e gentileza.
1 Broken windows theory. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/broken-windows-
theory. Acesso em 08/01/2021.
Instituto Jaime Lerner 125
Florianópolis, 2007. Ilustração Fernando Canalli.
126 Para Pensar a Cidade - Parte II
2.11 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
Abordar com propriedade o tema da moradia é uma tarefa de grande envergadura
e, seguramente, não será o nosso olhar, em algumas poucas páginas, que irá
exaurir o tema, tão pouco apresentar uma solução inédita. Queremos, contudo,
deixar aos representantes eleitos um convite a reflexões mais aprofundadas e
marcar algumas posições que consideramos fundamentais.
O que é uma moradia?
O abrigo sempre foi e sempre será uma necessidade humana primordial. Das
cavernas aos condomínios verticais, as pessoas sempre montaram para si alguma
estrutura de proteção, acolhimento, convívio, intimidade; uma referência. Essa
necessidade humana representa, grosso modo, cerca de 70% da ocupação de
uma cidade.
Para aqueles que talvez não tivessem refletido a respeito anteriormente, a
pandemia que atravessamos evidenciou o abismo socioeconômico que é uma das
características mais marcantes da sociedade brasileira, e a impossibilidade do
“ficar em casa”, “manter o isolamento/distanciamento”, e “lavar com frequência
as mãos” para tantas famílias que habitam em condições precárias de salubridade
e de adensamento.
Em um outro nível, as limitações de mobilidade que nos foram colocadas, a
possibilidade do home office para alguns, as aulas para as crianças e jovens em
modalidades remotas, nos relembraram a dimensão de santuário que a nossa casa
pode representar, a necessidade de um pouco mais de espaço para a família, as
possibilidades de uma pequena varanda ou jardim, e a conveniência de ter perto
Instituto Jaime Lerner 127
da moradia um comércio que atenda as necessidades cotidianas. Pontuamos
esses aspectos para enfatizar que soluções adequadas de habitação de interesse
social precisam abranger todas essas camadas do “morar” que a Covid-19 nos
ajudou a recordar e que, historicamente, as políticas habitacionais destinadas a
essas populações insistem em esquecer.
Cabe lembrar que de acordo com o Comentário Geral n. 04, de 12 de dezembro
de 1991, do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização
das Nações Unidas (ONU), a moradia não é apenas um abrigo das condições
climáticas. É um local limpo, seguro, e de um tamanho mínimo para habitação.
Possui saneamento básico e acesso a infraestrutura e serviços públicos essenciais
como água, esgoto, energia elétrica, coleta de lixo, transporte coletivo e
iluminação pública. A estes adicionamos ainda o acesso aos equipamentos sociais
e comunitários como postos de saúde, áreas de lazer e estruturas educacionais e,
primordialmente, oportunidades de trabalho.
Assim, projetos habitacionais para as faixas de mais baixa renda precisam ser
pensados integrados às cidades; concebidos de forma que a sua escala possa
se “fundir” à malha urbana existente ou ao seu prolongamento, de forma a não
favorecer a criação nem de estigmas nem de guetos. Não é tarefa simples, mas
existem boas referências mundo afora e o engenho humano, quando assim se
inclina, é capaz de soluções extraordinárias. Mas tem que “inclinar”, ou seja,
querer, priorizar, investir.
128 Para Pensar a Cidade - Parte II
Recife, 1976. Ilustração Luiz Hayakawa.
Instituto Jaime Lerner 129
Equacionando necessidades e possibilidades
Não se pode minimizar a dimensão econômico-financeira no trato da questão
habitacional. Sendo um bem de raiz de grande valor, a maior parte dos imóveis
depende, para sua construção ou aquisição, de financiamentos de longo prazo
ou de expressivos volumes de poupança própria. No Brasil, uma das principais
fontes de financiamento para a habitação é o FGTS.
Nas sociedades emergentes há escassez desses recursos e seu custo tende a
ser elevado. Amplos segmentos da população não têm acesso a esses caminhos
e acabam por “resolver” sua necessidade de moradia edificando de forma
precária em lotes urbanizados nas periferias; em soluções clandestinas, como
parcelamentos e construções ilegais, favelas, invasões e cortiços; ou ainda em
situações de desalento, se abrigando sob viadutos, marquises, terminais de
transporte e afins...
O desafio de encontrar maneiras de tornar acessível a todos os estratos da
sociedade um produto digno e honesto é universal. Naturalmente, as camadas
mais afluentes da população são atendidas pelos mecanismos normais de
mercado, tanto creditícios quanto de oferta de produtos. Conforme comentamos,
contudo, as classes de menor poder aquisitivo, com frequência, não conseguem
acesso à moradia por meio destes mecanismos tradicionais e, em nossa realidade,
há ainda um contingente importante de pessoas que não participa da economia
formal. Configura-se um desencontro severo entre oferta e demanda que gera
uma série de conflitos de difícil administração no território urbano, com amplas
externalidades socioeconômicas, ambientais e prejuízos à qualidade de vida das
pessoas; os dolorosos contrastes entre a cidade “legal” e a “ilegal”.
130 Para Pensar a Cidade - Parte II
Precisamos de equações de equilíbrio melhores para atender essa questão,
revisitando as variáveis do preço da terra, das infraestruturas, da eficiência
dos processos construtivos e da qualidade dos materiais, a carga tributária, a
capacidade de pagamento, e o crédito disponível tanto para a construção quanto
para a compra. Repensar quais as tarefas podem ser melhor desempenhadas
pelo setor privado e pelo poder público.
Nesse revisitar, vale a pena recordar alguns pontos. Temos déficits quantitativos
(ou seja, falta de moradias) e déficits qualitativos (ou seja, insuficiências e
precariedades em termos de infraestruturas e serviços urbanos). Temos,
particularmente nas áreas centrais de muitas de nossas cidades, substantivo
estoque construído subutilizado, por vezes abandonado. Precisamos pensar
melhores formas de fazer esses déficits e superávits se encontrarem.
Outro aspecto fundamental é a disponibilidade de áreas para acomodar os
empreendimentos habitacionais. No planejamento estratégico da cidade essa
disponibilidade está ligada às taxas anuais de crescimento demográfico, às
densidades almejadas, às possibilidades de reconversão de terrenos antes
ocupados com usos que se tornaram obsoletos, à pertinência da expansão do
perímetro urbano e com que desenho. Lembramos que instrumentos como a lei
de parcelamento, a delimitação de ZEIS, o IPTU progressivo, a transferência não
onerosa de potencial construtivo, a outorga não onerosa de potencial construtivo,
operações urbanas consorciadas, parcerias público-privadas, entre outros,
podem ser ferramentas para a composição de um “banco de terras” destinado a
abrigar moradias de interesse social, bem como para o financiamento das políticas
habitacionais sociais do município.
Instituto Jaime Lerner 131
Luanda, Angola, 2007. Ilustração Fernando Canalli.
132 Para Pensar a Cidade - Parte II
Ponderações sobre a regularização fundiária/urbanização
É recorrente na paisagem das nossas cidades a presença de “aglomerados
subnormais” (nomenclatura do IBGE) os quais, via de regra, precisariam ser
“regularizados”. O enfrentamento da questão habitacional não pode prescindir
de propor soluções para essas áreas, as quais passarão pelos passos da
urbanização e provisão de infraestrutura, bem como da titularidade. Urbanização
e infraestrutura são necessárias para a salubridade, segurança e dignidade da
população residente; e a titularidade (legalização fundiária) para a cidadania e
capacidade de poupança pessoal.
São passos básicos em um processo dessa natureza cadastrar as famílias
residentes para melhor entender a dinâmica socioeconômica do local. Na
sequência, verificar quais são as áreas que não tem viabilidade técnica para
serem ocupadas (risco geológico, por exemplo) e discutir as possibilidades de
realocação, preferencialmente para a mesma comunidade ou próximo a ela, com
as pessoas envolvidas. A partir daí, verificar qual o novo desenho de ocupação
possível; quais tipologias edilícias são compatíveis com a cultura do local; como
abrir espaço para implantar uma malha viária mínima que permita uma melhor
conexão com o entorno e a chegada de serviços públicos como o transporte e a
coleta de lixo; que formas há de dotar a região de infraestrutura de água, esgoto,
drenagem, energia, telecomunicações, bem como de melhores espaços públicos,
áreas verdes, equipamentos comunitários. E, “detalhe”, equacionar os recursos
que viabilizarão essas intervenções.
Instituto Jaime Lerner 133
Algumas ferramentas jurídicas/de planejamento que são úteis a esses processos,
tais como os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que permitem
flexibilizar em porções do território a legislação urbanística, podem ser de grande
valia. A Lei Federal nº 13.465/171, que versa sobre a regularização fundiária em
áreas urbanas (a Reurb) e rurais, apresenta também alguns instrumentos arrojados
para contribuir com essas políticas.
Modalidades de autoconstrução, total ou parcial, podem ser linhas auxiliares
para realização do sonho da casa própria. Seja como parte de um projeto de
regularização, seja em novos empreendimentos, programas habitacionais podem
prover o lote urbanizado, acompanhado de apoio técnico e linhas de crédito
especiais para a compra de material de construção, como um caminho que
pode diminuir o montante do investimento público e captar a força de trabalho,
criatividade e solidariedade dos futuros moradores. Outra possibilidade é ter o
lote urbanizado e a construção com um módulo mínimo (privilegiando as áreas
da moradia que exigem uma resolução técnica mais apurada, como cozinha e
banheiro), deixando que cada morador ao longo do tempo e de suas possibilidades
vá completando sua residência.
Finalmente, há que se avaliar a pertinência de se complementarem as alternativas
de acesso à moradia para além da aquisição do imóvel, incorporando ao rol de
possibilidades instrumentos como o aluguel social e o arrendamento residencial,
nos quais o uso e a propriedade não estão necessariamente atrelados.
1 Lei Federal n° 13.465/17, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/
lei/l13465.htm
134 Para Pensar a Cidade - Parte II
Rio de Janeiro, anos 80. Ilustração Paulo Kawahara.
Instituto Jaime Lerner 135
2.12 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO LOCAL
Abordar o desenvolvimento econômico mereceria, por si só, uma publicação
específica, tal a sua importância para a vida das pessoas e para a capacidade
de ação dos governos. O que procuraremos brevemente pontuar aqui são duas
“frases-chave” para provocar uma reflexão sobre o assunto: uma cidade que é
boa para viver é boa para visitar e investir; e do que vão viver os habitantes deste
local?
O desenvolvimento econômico requer o equacionamento de uma matriz
multifatorial. Nesse caminho algumas questões básicas são... básicas! Já
abordamos em capítulos anteriores alguns aspectos de infraestrutura, sem os
quais não é possível prosperar. A educação é um tema inescapável, e cabe ao
município prover os primeiros anos dessa jornada que pode ser verdadeiramente
transformadora, nutrindo e inspirando o “patrimônio” mais fundamental de uma
nação – seu povo – nesses passos iniciais. A saúde básica, o saneamento ambiental,
são alicerces de uma vida digna, e seu provimento também está na alçada dos
gestores municipais.
Há que se considerar ainda que existe uma série de variáveis macroeconômicas,
conjunturas nacionais e internacionais e estruturas tributárias que influenciam o
ambiente econômico local e que estão fora do campo de ação dos municípios. E
ainda que assim seja, sendo esse o nível de governo mais próximo das pessoas,
sobram demandas para recursos que são limitados. Cabe, portanto, aos gestores
locais o papel de construir pontes com outras esferas de governo, bem como
com os atores econômicos e a sociedade civil, a fim de alavancar recursos e
catapultar investimentos. O outro lado da moeda também é verdadeiro. Muitas
136 Para Pensar a Cidade - Parte II
Organizações Sociais (que podem captar recursos no Brasil e no exterior) e
empresas (via ações de responsabilidade social, por exemplo) atuam em frentes
de capacitação e desenvolvimento que poderiam ser mais frutíferas se alinhadas
às vocações locais e aos esforços do poder público, a partir da construção de
uma agenda comum convergente.
“Estar com as contas em ordem” é uma condição necessária para que o município
tenha capacidade de investimento, tanto a partir de recursos próprios quanto
para acessar outras fontes de financiamento. Há que se exercer uma disciplina
fiscal responsável, procurando manter sobre controle as despesas de custeio, e
dispender os recursos públicos com zelo e inteligência. Dentro dessa vertente,
é necessário que o município tenha o conhecimento e o controle da situação da
arrecadação e da destinação dos tributos municipais. Cabe que esse conhecimento
seja acompanhado por uma política de transparência e de comunicação para que
a sociedade melhor compreenda a importância desses recursos para a vida da
cidade (ajudando a diminuir a sonegação, por exemplo) e seu destino.
Um passo possível para se refletir com maior profundidade sobre o
Desenvolvimento Econômico, ampliando o debate para o conjunto da sociedade
local, é elaborar um plano específico sobre o tema, a partir de provisões mais
amplas do Plano Diretor. Pode ser um Plano Setorial, um Plano Estratégico, uma
Agenda de Desenvolvimento, enfim, há diversos caminhos, os quais podem,
inclusive, ser enriquecidos com subsídios especialmente desenvolvidos por
organismos como PNUD, Cepal, Banco Mundial, BNDES, entre outros1.
1 Como exemplos, podem ser vistos
https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/2062/1/Desenvolvimento%20
Economico%20Local_P.pdf. Acesso em 08/01/2021.
https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/31406/S003217_pt.pdf?sequence
Instituto Jaime Lerner 137
Rio de Janeiro, 2015. Ilustração Lucas de Roni Lacerda.
138 Para Pensar a Cidade - Parte II
No tópico do diagnóstico eficiente já abordamos algumas informações que são
essenciais a compreensão da realidade do município sobre o tema, o que requererá
estatísticas confiáveis. Relembrando algumas das perguntas fundamentais a
serem respondidas:
quais setores da economia local empregam/ocupam mais gente?
quais setores geram mais renda para quem está ocupado ali?
quais setores arrecadam mais tributos para o Município?
quais setores são mais independentes na produção local?
como é a questão da formação local para o trabalho e a empregabilidade (relação
da educação com o trabalho)?
como são as matrizes de insumo/produto e de insumo/consumo locais?2
Matte Leão, 2003. Ilustração Fernando Popp.
2 A primeira é de onde vem os insumos para o que se produz no Município e para onde são
vendidos; a segunda é de onde vem as coisas que são consumidas no Município e isso é mais
importante no caso da segurança alimentar, tema que vem ganhando cada vez mais relevância.
Instituto Jaime Lerner 139
Questões dessa natureza são guias para a compreensão do panorama local e
para se traçar caminhos futuros, inclusive como a abertura para se debruçar
sobre alternativas menos “convencionais” de desenvolvimento local, incluindo
uma perspectiva mais holística, abrangente e adaptável aos desafios do século
XXI.
Um dos maiores nomes da ciência do século XIX foi o naturalista Charles Darwin,
que, ao propor a teoria biológica da seleção natural, definiu “evolução” como
“descender com modificações” a partir de um mecanismo de seleção natural que
faz com que as populações se tornem adaptadas, ou cada vez mais integradas a
seus ambientes ao longo do tempo3. As espécies que não se adaptam, perecem.
Estamos atravessando um momento de nossa história que vem exigindo de
nós – indivíduos, coletivos, instituições, governos – uma imensa capacidade de
adaptação. Avaliar o que podemos manter, o que precisamos modificar. E a frente
do desenvolvimento econômico é uma das quais essa necessidade se mostra
com particular contundência. As cidades estão cada vez mais conectadas a fluxos
financeiros globais que as colocam em competição constante por investimentos
voláteis. Novas tecnologias colocam em xeque antigas “certezas” (e empregos),
em grande velocidade, gerando sentimentos de ansiedade e desalento. A
consciência dos passivos ambientais acumulados e de suas consequências já
não nos permitem uma relação meramente “extrativista” dos recursos naturais. A
consciência dos passivos sociais acumulados e suas consequências nos obriga o
respeito e o resgate da dignidade de cada ser humano.
3 Darwin. Disponível em: https://pt.khanacademy.org/science/biology/her/evolution-and-natural-
selection/a/darwin-evolution-natural-selection. Acesso em 08/01/2021.
140 Para Pensar a Cidade - Parte II
O trabalho de sanar esses déficits históricos, ao mesmo tempo que se criam
alternativas consistentes no presente e se alicerçam caminhos futuros é uma
tarefa hercúlea, e que, portanto, precisa do engajamento amplo e sincero da
sociedade, e da capacidade de se aventurar por esse “admirável mundo novo”.
Nesse ponto, os agentes econômicos precisam exercer a sensibilidade e a
compreensão de que os avanços tecnológicos não podem se restringir a ganhos
financeiros resultantes da substituição do ser humano pela máquina, travestidos
de maior produtividade e “modernidade”; tão pouco como mera estratégia de
redução de gastos com encargos sociais e tributos. Em contrapartida, os governos
precisam se esforçar na promoção de um bom ambiente de negócios e no cultivo
do patrimônio humano da nação.
Outro aspecto a destacar na interface tecnológica são as possibilidades de se
utilizá-la para reforçar a comunicação entre governo e população, tanto para
receber demandas e agilizar seu atendimento como para promover a educação
cívica e a melhor compreensão da dimensão coletiva da cidade. Por exemplo,
plataformas e aplicativos podem indicar as origens e os destinos dos recursos
públicos e como se relacionam com os impostos e demais obrigações devidas
por pessoas e empresas, explicitando as responsabilidades de todos os atores
envolvidos, por exemplo.
O futuro é, por definição, terra incógnita, mas temos à disposição algumas
ferramentas promissoras para desbravá-lo. Não são poucas as oportunidades
da economia do conhecimento, contanto que tenhamos o “material humano”
preparado para tal. A economia criativa é outra avenida, com interfaces
potenciais imensas com o patrimônio cultural e natural de uma gente/região. A
frente do empreendedorismo, com mais ou menos conteúdo tecnológico, para
Instituto Jaime Lerner 141
um povo acostumado a “dar nó em pingo d’água” como o nosso, se fomentado
com o apoio adequado que instituições como o Sebrae e outras entidades do
Sistema S, por exemplo, podem oferecer, tem muitas condições de prosperar.
Novas compreensões de desenvolvimento, como a economia circular (que visa
eliminar a geração de resíduos e promover uma utilização contínua dos recursos),
o pagamento por serviços ambientais, a economia de baixo carbono, e tantas
outras frentes semelhantes, trazem oportunidades inéditas de atuação para a
iniciativa privada, com possibilidades de geral riqueza, emprego e renda em bases
mais generosas e sustentáveis.
Há um provérbio secular em inglês que diz que time and tide wait for no man; não
temos como alterar a marcha do tempo, nem as marés do mundo e, portanto, não
devemos procrastinar o inexorável. Lembrando as palavras do arquiteto Jaime
Lerner, inovar é começar. Comecemos.
Florianópolis, 2007. Ilustração Fernando Popp
142 Para Pensar a Cidade - Parte II
PARTE III
PARA SABER MAIS
Instituto Jaime Lerner 143
3.1 REFERÊNCIAS PARA
APROFUNDAMENTO: NACIONAIS
Por uma nova cultura urbana
Uma excelente leitura complementar para melhor entender o Planejamento
Territorial e a construção de Visão de Futuro é o material produzido pelo Instituto
Jaime Lerner em parceria com a Câmara Brasileira da Indústria e Construção
(CBIC) e o Senai, Por uma Nova Cultura Urbana.
O conjunto de Cartilha Ilustrada e Caderno de Referências tem por objetivo
estimular as cidades para que elaborem Planos de Desenvolvimento Estratégico
(PDE), visando ações de longo prazo e com foco nos cidadãos. Além de aprofundar
conceitos apresentados nesse Módulo, o material ainda apresenta exemplos e
ilustrações que ajudam a compreensão do que é um Plano de Desenvolvimento
Estratégico e como construí-lo. O Caderno e Cartilha são de livre acesso e
encontram-se disponíveis entre as publicações do site do Instituto Jaime Lerner1.
1 Instituto Jaime Lerner. Publicações. Disponível em: https://en.institutojaimelerner.org/
publica%C3%A7%C3%B5es. Acesso em 08/01/2021.
144 Para Pensar a Cidade - Parte III
Manual do prefeito
O Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM é uma associação civil
sem fins lucrativos, criada em 1º de outubro de 1952, com sede no Rio de Janeiro.
Tem a missão de promover, com base na ética, transparência e sem vínculo
político-partidário, o desenvolvimento institucional da Administração Pública
com foco na escala a municipal e fortalecer sua capacidade de formular políticas,
prestar serviços e fomentar o desenvolvimento, objetivando uma sociedade
democrática e justa.
Em 1967 o IBAM produziu O Manual do Prefeito1, agora já em sua 15a edição,
publicada em 2016. Este documento referencial traz informações sobre as
atribuições legais dos municípios e seus gestores, o desenvolvimento local, a
gestão demográfica e o desenvolvimento institucional.
1 IBAM. Manual do Prefeito. Disponível em: http://www.ibam.org.br/media/arquivos/estudos/
manual_prefeito15ed2017_2.pdf Acesso em 08/01/2021.
Instituto Jaime Lerner 145
3.2 REFERÊNCIAS PARA
APROFUNDAMENTO: INTERNACIONAIS
ONU-Habitat
O ONU-Habitat é o programa das Nações Unidas para assentamentos humanos
e desenvolvimento urbano sustentável. Foi estabelecido em 1978 como resultado
da Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos
e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat I), realizada em Vancouver,
Canadá, em 1976. A segunda conferência (Habitat II) se deu em Istambul, Turquia,
em 1996.
O Habitat III1 foi a Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e
Desenvolvimento Urbano Sustentável realizada em Quito, Equador, de 17 a 20 de
outubro de 2016.
Teve a participação e contribuições de todos os Estados Membros e diversas
organizações da sociedade civil, níveis locais e regionais de governanças e
academia. Foi o primeiro encontro global das Nações Unidas após a adoção da
Agenda 2030 para o ODS, oferecendo a oportunidade para discutir o desafio
de como as cidades, vilas e aldeias são planejadas e administradas para que
cumpram seu papel como impulsionadores do desenvolvimento sustentável e,
portanto, moldem a implementação de novos objetivos de desenvolvimento
global e mudança climática.
1 Habitat III. Disponível em: https://habitat3.org/. Acesso em 08/01/2021.
146 Para Pensar a Cidade - Parte III
Nova Agenda Urbana:
Mencionada diversas vezes ao longo desse Módulo, A Nova Agenda Urbana2
é o documento produzido pelo ONU-Habitat para guiar os esforços em torno
das ações urbanas em prol do Desenvolvimento Sustentável. Foi adotada
oficialmente após a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e
Desenvolvimento Sustentável – Habitat III, que ocorreu em Quito, em 2016. A
agenda tem por objetivo repensar a maneira como as cidades e aglomerados são
planejados, desenhados, financiados, desenvolvidos, governados e administrados.
Está disponível em Português no site habitat3.org
WRI-Brasil
O World Resources Institute (WRI) no Brasil faz parte de uma instituição
global de pesquisa, presente em mais de 50 países. Promovem a proteção do
meio ambiente, oportunidades econômicas e bem-estar humano, estudando
e promovendo a implantação de soluções sustentáveis para clima, florestas e
cidades.
Possui um programa específico para cidades, ligado ao WRI Ross Center para
Cidades Sustentáveis, que trabalha com desenvolvimento urbano, mobilidade
urbana sustentável e mobilidade ativa. O seu acervo de informações, mencionado
na segunda etapa deste módulo, está disponível em seu site3.
2 ONU-HABITAT. Nova Agenda Urbana.
Disponível em: http://habitat3.org/wp-content/uploads/NUA-Portuguese-Brazil.
pdf?fbclid=IwAR2koIM7MtgBh6i57G4fxWeWpbK52Jr7sXIrGdBbJF81bF2GSzY527FWdAY
3 WRI Brasil. Disponível em: https://wribrasil.org.br/pt/o-que-fazemos/cidades. Acesso em
08/01/2021.
Instituto Jaime Lerner 147
Banco Mundial
O Grupo Banco Mundial, também conhecido como Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, se define, em seu website, como uma
agência especializada independente do Sistema das Nações Unidas e a maior
fonte global de assistência para o desenvolvimento.
Possui 187 países membros e atua como uma cooperativa de países,
disponibilizando seus recursos financeiros e base de conhecimentos para apoiar
os esforços das nações em desenvolvimento a alcançarem um crescimento
sustentável e equitativo.
Fórum Econômico Mundial
O Fórum Econômico Mundial, World Economic Forum, também conhecido
pela sigla FEM em português, é uma organização internacional localizada em
Genebra, na Suíça. Sua principal meta é melhorar as condições atuais do mundo
por meio de ações planejadas e executadas por líderes mundiais, economistas,
empresários e investidores.
Procuram compreender a situação nos diferentes países quanto a globalização
e desenvolvimento econômico do comércio mundial, meio ambiente, política
internacional e qualidade de vida, trabalhando nas esferas social, política e
econômica.
148 Para Pensar a Cidade - Parte III
UNESCO: Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
A UNESCO, Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura,
foi criada em 1945 com objetivo de contribuir para a paz através da educação, da
ciência e da cultura. Desde 1960, atua também na preservação e restauração de
espaços de valor cultural e histórico - tópico muito relevante para os aspectos
de preservação de património, educação, identidade cultural, orgulho cívico e
potencial turístico do planejamento territorial.
C40 Cities
A C40 conecta 96 das maiores cidades do mundo para agirem em relação a
mudança climática. Sua plataforma compartilha pesquisas, estudos de caso e
muitas informações relevantes a sustentabilidade no contexto urbano.
FMI - Fundo Monetário Internacional
O Fundo Monetário Internacional, FMI, foi criado para promover a estabilidade
monetária e financeira no mundo. Trabalha oferecendo empréstimos a juros
baixos para países em dificuldades financeiras e exigindo, em contrapartida,
comprometimento com as metas macroeconômicas, como equilíbrio fiscal,
reforma tributária, desregulamentação, privatização e concentração de gastos
públicos.
Instituto Jaime Lerner 149
3.3 REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS
Estatuto da Cidade - Lei Federal n. 10.257/01
A lei federal de n.º 10.257 de 2001, é conhecida por Estatuto da Cidade1 e tem
por objetivo regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, sobre a
política de desenvolvimento urbano e da função social da propriedade. Procura
democratizar a gestão das cidades brasileiras através de instrumentos de gestão,
dentre os quais se destaca o Plano Diretor - mandatório para aglomerados
urbanos a partir de vinte mil habitantes e para municípios com em situações de
especial interesse turístico, patrimonial ou ambiental.
A legislação está organizada em cinco capítulos: Capítulo I Diretrizes Gerais – art.
1º a art. 3º; Capítulo II Dos Instrumentos da Política Urbana; Capítulo III Do Plano
Diretor – art. 39 a art. 42; Capítulo IV Da Gestão Democrática da Cidade – art. 43
a art. 45; e Capítulo V Disposições Gerais – art. 46 a art. 58
Estatuto da Metrópole - Lei Federal n. 13.089/15
O Estatuto da Metrópole2 estabelece diretrizes gerais para o planejamento,
gestão e execução das funções públicas em regiões metropolitanas e aglomerados
urbanos. Institui também normas sobre o Plano de Desenvolvimento Urbano
Integrado e demais instrumentos de governança interfederativa.
1 SENADO FEDERAL. Estatuto da Cidade. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/
bitstream/handle/id/70317/000070317.pdf?sequence=6%20Calizaya,
2 Lei Federal 13.089/15. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/
Kujrw0TZC2Mb/content/id/30169311/do1-2015-01-13-lei-no-13-089-de-12-de-janeiro-
de-2015-30169307
150 Para Pensar a Cidade - Parte III
3.4 DEMAIS REFERÊNCIAS
Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12) : Esta atualização do Código
Florestal Brasileiro de 1965 coloca ao cidadão proprietário de áreas de Áreas de
Proteção Permanente (APP) e Reserva Legal (RL) a responsabilidade quanto a
tal. Todo e qualquer exercício de direito quanto à propriedade fica condicionado
às limitações impostas pelo Código.
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) : O objetivo desta lei é a
preservação e recuperação da qualidade ambiental. Ela proíbe a poluição e
obriga ao licenciamento e regulamentação da utilização dos recursos naturais.
Fica aqui instituído o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente).
Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) : Essa norma dispõe sobre as penalizações
das pessoas jurídicas que cometem crimes ambientais como crimes contra a flora
e crimes de poluição ambiental.
Agrotóxicos (Lei 7.802/89) : Essa lei fala sobre os processos referentes à
agrotóxicos, da pesquisa até o destino final dos resíduos e suas embalagens.
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (Lei 12.305/10) : Aqui ficam
estabelecidos os princípios, instrumentos e diretrizes referentes a gestão
integrada e gerenciamento de resíduos sólidos.
Recursos Hídricos (Lei 9.433/97): Essa ordem institui a Política e o Sistema
Nacional de Recursos Hídricos, condicionando as intervenções em águas públicas
à autorização do órgão competente.
Instituto Jaime Lerner 151
Área de Proteção Ambiental (Lei 6.902/81): Em conjunto com a Lei 9.985/00
estabelece as diretrizes para criação das Estações Ecológicas, áreas de diferentes
ecossistemas que devem ter 90% de seu território intocado e 10% pode receber
fins e usos acadêmicos, e as Áreas de Proteção Ambiental (APA’s), propriedades
privadas de interesse de preservação que podem ser regulamentadas pelo órgão
público competente.
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC - Lei 9.985/2000) : Lei
que categoriza e garante os direitos do conjunto de unidades de conservação
(UC) federais, estaduais e municipais.
Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/1979): Normatiza os parâmetros
para loteamentos urbanos, garantindo sua proibição em áreas de preservação
ecológicas, terrenos alagadiços ou de risco à população.
Lei Patrimônio Cultural (Lei 25/1937): Organiza a Proteção do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - bens de valor etnográfico, arqueológico, os
monumentos naturais, sítios e paisagens de valor ambiental ou cultural.
152 Para Pensar a Cidade - Parte III
3.5 REFERÊNCIAS DE BASES DE DADOS
Encontrar dados e mapeamentos já foi um problema para os governos municipais.
Hoje em dia, no entanto, a quantidade de dados disponíveis para livre-acesso
online é abundante. Contudo, uma vez que muitas das empresas detentoras dos
dados não são obrigadas por lei a disponibilizar as informações aos municípios,
reiteramos a importância de se criar uma base de dados própria da prefeitura
e firmar acordos com as entidades que possam alimentá-la. Aqui listadas estão
as bases de dados mais comumente consultadas no contexto do planejamento
territorial.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
https://cidades.ibge.gov.br/
Índice FIRJAN de Gestão Fiscal (IFGF)
https://www.firjan.com.br/ifgf/
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM)
https://www.firjan.com.br/ifdm/
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA)
https://www.ipea.gov.br/ipeageo/sobre.html
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM)
https://www.cprm.gov.br/
Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)
https://portal.inmet.gov.br/
Instituto Jaime Lerner 153
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
http://www.inpe.br/
O Núcleo de Geotecnologias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
https://www.labgis.uerj.br/
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
https://www.icmbio.gov.br/portal/
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA/UNEP)
https://www.unenvironment.org/pt-br/sobre-onu-meio-ambiente
WWF-Brasil
https://www.wwf.org.br/wwf_brasil/organizacao/
Tesouro Fiscal Transparente
https://www.tesourotransparente.gov.br/
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED)
https://www.gov.br/trabalho/pt-br/assuntos/empregador/caged
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil PNUD
http://www.atlasbrasil.org.br/
Fundação Getulio Vargas (FGV)
http://dapp.fgv.br/tudo-sobre/dados-abertos/
154 Para Pensar a Cidade - Parte III
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Instituto Jaime Lerner 155
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Governar uma cidade atendendo às necessidades do presente sem perder de
vista os passos necessários aos caminhos do futuro consiste em um verdadeiro
desafio.
É preciso entender a diferença (e a convergência) entre ser a melhor cidade do
mundo e a melhor cidade para o mundo, e estar disposto a ir mais longe do que se
imagina possível. Ousar; ousar sonhar em conjunto; ousar mobilizar a sociedade;
ousar inovar; ousar começar!
Por mais bem-intencionada, preparada e eficiente que seja a gestão pública, a
amplitude dos desafios requer o compartilhamento e o diálogo. Cabe, portanto,
aos políticos e administradores da cidade fortalecer a capacidade dos sistemas
urbanos de enfrentarem um problema, ou uma grande variedade de problemas,
bem como de produzirem uma ampla gama de valores públicos1
O imperativo ético preconizado pela ONU de “não deixar ninguém para
trás” precisa se transformar num mantra para obtermos o engajamento e o
comprometimento das pessoas e das instituições com uma nova agenda de
desenvolvimento urbano que transforme as cidades em ambientes mais inclusivos,
acessíveis e sustentáveis.
1 LANDRY, C. The art of city-making. Routledge, 2006.
156 Para Pensar a Cidade - Parte III
O princípio da COLABORAÇÃO, a partir de um propósito estabelecido que faz
sentido a uma comunidade, parece ser o ponto de partida a ser considerado para
a definição de qualquer estratégia à qual se almeja alguma chance de sucesso.
Além disso, não podemos perder a perspectiva de interdependência num mundo
globalizado, nem da diversidade que precisa ser respeitada e valorizada.
Se queremos cidades melhores para seus habitantes e mais leves para o planeta
precisamos compreender a força da sinergia para alcançar um propósito maior.
Sinergia que floresce em um trabalho orientado de cocriação e que frutifica em
desenvolvimento, conhecimento e prosperidade.
Essa é uma estratégia mais do que tendencial. É destino e necessidade.
Serra, 2010. Ilustração Fernando Canalli.
Instituto Jaime Lerner 157
LISTA DE FIGURAS
PARA PENSAR A CIDADE: ELEMENTOS DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL
Serra. Ilustração de Fernando Canalli, 2010.
Instituto Jaime Lerner. Arte digital por Arthur Cordeiro, 2020.
PARTE I: FUNDAMENTOS
Aracaju. Ilustração de Abrão Assad, 1977 10
Estação Tubo. Ilustração de Fernando Popp, s/ data 12
Rio de Janeiro. Ilustração de Abrão Assad, anos 80 14
São José dos Pinhais. Ilustração de Debora Ciociola, 2014 18
Brasília. Ilustração de Fernando Canalli, 2009 20
Rio de Janeiro. Ilustração de Paulo Kawahara, anos 80 22
São Paulo. Ilustração de Fernando Canalli, 2008 24
São José dos Pinhais. Ilustraçãi de Luiz Hayakawa, 1978 26
Cidade X, Ilustração de Fernando Canalli, 2012 29
Brasília. Ilustração de Fernando Canalli, 2009 33
Florianópolis. Ilustração de Fernando Popp, 2007 36
Serra. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 40
Florianópolis. Ilustração de Fernando Canalli, 2007 42
Recife. Ilustração de Luiz Hayakawa, 1976 44
Esquema Adaptado de World Economic Forum: São José dos Pinhais. 46
Ilustração Paulo Kawahara, 2014
PARTE II: A CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO DE FUTUTO
Rio de Janeiro. Ilustração de Fernando Canalli, 2009 47
São Paulo. Ilustração de Fernando Canalli, 2017 49
Macaé. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 51
Mazatlán. Ilustração de Fernando Canalli, 2009 55
Luanda. Ilustração de Fernando Canalli, 2007 57
Rio de Janeiro. Ilustração de Abrão Assad, 1986 61
São Paulo. Ilustração de Abrão Assad, anos 70 64
Santiago de los Caballeros. Ilustração de Fernando Popp, 2009 67
Macaé. Ilustração de Paulo Kawahara, 2010 72
Tamboré. Ilustração de Abrão Assad, 1988 75
158 Para Pensar a Cidade - Parte III
Brasília. Ilustração de Fernando Canalli, 2009 77
São José dos Pinhais. Ilustração de Debora Ciociola, 2014 78
Touros. Ilustração de Fernando Canalli, 2006 79
Figura Adaptada de Bertaud, A e Richardson, A. W. 2004 80
Rio de Janeiro. Ilustração Paulo Kwahara, anos 80 82
Entreverdes. Ilustração Paulo Kawahara, 2015 85
Rio de Janeiro. Ilustração de Fernando Canalli, 2007 87
Uberlândia. Ilustração de Fernando Popp, 1990 89
Rio de Janeiro. Ilustração de Abrão Assad, anos 80 91
Metronizar o Ônibus. Ilustração de Jaime Lerner, s/data 92
Ponta Grossa. Ilustração de Abrão Assad, 1988 93
Dock Dock. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 96
Rio de Janeiro. Ilustração de Fernando Popp, 2010 99
São José dos Pinhais. Ilustração de Abrão Assad, anos 80 101
Cais Mauá. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 102
Serra. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 104
Orla de Natal. Ilustração de Fernando Canalli, 1988 108
Serra. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 112
Serra. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 115
São Caetano. Ilustração de Fernando Popp, 2006 120
Palmas. Ilustração de Debora Ciociola, 2016 123
Florianópolis. Ilustração de Fernando Canalli, 2007 126
Recife. Ilustração de Luiz Hayakawa, 1976 129
Luanda. Ilustração de Fernando Canalli, 2007 132
Rio de Janeiro. Ilustração de Paulo Kawahara, anos 80 135
Rio de Janeiro. Ilustração de Lucas de Roni Lacerda, 2015 138
Matte Leão, Curitiba. Ilustração de Fernando Popp, 2003 139
Floranópolis, Ilustração de Fernando Popp, 2007 142
PARTE III: PARA SABER MAIS
Florianópolis, Ilustração de Fernando Canalli, 2007 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tamboré, Ilustração de Abrão Assad, 1988 155
Serra. Ilustração de Fernando Canalli, 2010 157
Instituto Jaime Lerner 159
www.institutojaimelerner.org
[email protected]R. Bom Jesus 76. CEP: 80035-010. Tel +55 (41) 2141 0700