A HISTÓRIA DO PENSAMENTO ORTODOXO
REFORMADO
Trechos do livro de Roger Olson, a História da teologia cristã: 2000 anos de
tradição e reformas ; tradução Gordon Chown. — São Paulo: Editora Vida, 2001.
Creio que é importante e valioso para os cristãos conhecer não somente a
doutri na teológica correta (a ortodoxia) mas também as idéias dos que são
considerados hereges dentro da história da igreja. Uma razão para tanto é que
é quase impossível apreciar o significado da ortodoxia sem entender as
heresias que a forçaram a se definir. O que agora conhecemos por ortodoxia
(não a “Ortodoxia Oriental”, mas a ortodoxia como “doutrina teológica correta”)
não nasceu de repente na igreja como Atena saiu da cabeça de Zeus na
mitologia grega. Ela foi crescendo como resultado dos desafios que a heresia
impôs. A fim de compreender corretamente o dogma ortodoxo da Trindade, é
necessário entender os ensinos de Ario de Alexandria, que desafiou
seriamente, no começo do século rv, a crença na eterna trindade de Deus.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 21
A história da teologia cristã começa no século n, cerca de cem anos depois da
morte e ressurreição de Cristo, com o início da confusão entre os cristãos no
Im pério Romano, tanto dentro quanto fora da igreja. Os desafios internos
principais eram semelhantes à cacofonia de vozes que muitos cristãos em
nossos dias chama riam “seitas”, ao passo que os desafios externos eram
semelhantes às vozes que muitos hoje chamariam “céticos”. E dessas vozes
desafiadoras que surgiu a neces sidade e os primórdios da ortodoxia — uma
declaração definitiva daquilo que é teologicamente correto. A única opção era a
confusão total.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 23.
A teologia em si, como a busca da ortodoxia (a doutrina teológica correta), sur
giu dos desafios impostos aos ensinamentos cristãos por sectários que se
apresen tavam diante da igreja e do mundo pagão como cristãos mais genuínos
ou impor tantes do que os principais herdeiros dos apóstolos. Esses desafios à
mensagem apostólica e à autoridade dos sucessores nomeados pelos
apóstolos tiveram tanto sucesso em criar caos e confusão que se tornou
imprescindível o desenvolvimento de uma reflexão teológica formal para
combatê-los. Os bispos, que no segundo século do cristianismo eram simples
supervisores de um grupo de igrejas em uma cidade ou território, responderam
aos críticos e sectários lembrando o que os após tolos tinham ensinado,
reunindo, preservando e interpretando os legados escritos e escrevendo cartas
e opúsculos para circular entre as igrejas. No decorrer desse processo nasceu
a teologia cristã. Com os pais apostólicos, a teologia continuou sua infância e,
somente mais tarde, depois do século 11, com Ireneu e os pais da igreja,
começou a caminhar rumo à maturidade.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 23.
A teologia gnóstica
Um estudioso contemporâneo declarou que o gnosticismo era “a primeira, e
mais perigosa, heresia entre os cristãos primitivos”.1"Os líderes e pensadores
cristãos do século 11 despenderam muita energia para estudá-lo e refutá-lo e,
nesse processo, começaram a desenvolver doutrinas cristãs ortodoxas que
serviriam de contraponto e alternativa aos ensinos gnósticos. Em outras
palavras, o que chamamos “ortodo xia” nasceu do conflito entre os herdeiros
nomeados pelos apóstolos e os gnósticos que alegavam ser transmissores de
uma tradição secreta de doutrina proveniente dos mesmos apóstolos. Um
capítulo posterior tratará de Ireneu de Lião, que apre sentou a primeira
refutação integral escrita do gnosticismo sob a perspectiva cristã ortodoxa. No
momento, veremos o que era o gnosticismo e por que era considera do uma
ameaça tão grave pelos bispos e outros líderes dos cristãos no século 1!em
todo o Império Romano.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 35.
foi o gnosticismo o principal adversário do cristianismo ortodoxo, apostólico e
católico durante todo o século n e “a história da igreja primitiva foi
profundamente influ enciada [...] pela luta contra os gnósticos”.15
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 38.
De muitas maneiras, a inter pretação básica do evangelho feita por Ireneu
estabeleceu uma espécie de base na teologia ortodoxa. Foi somente com a
Reforma protestante do século xvi que o pensamento de Ireneu se tornou um
tanto controvertido, quando os reformadores e os seus herdeiros examinaram a
história da teologia cristã para encontrar os des vios do que consideravam a
verdadeira base e autoridade absoluta: a Bíblia Sagra da.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 80.
Embora Tertuliano fosse mais conhecido por sua rejeição da teologia instruída
pela filosofia, sua contribuição mais importante ao pensamento cristão acha-se
na
descrição cuidadosa e bastante exata da doutrina da Trindade contra a de
Práxeas. Com poucas exceções, as exposições por Tertuliano tanto da doutrina
da Trindade como da humanidade e divindade de Cristo formaram os alicerces
da ortodoxia eclesiástica oficial no Oriente e no Ocidente. Não se sabe até que
ponto e como seu pensamento influenciou os líderes eclesiásticos e os
teólogos em data posteri or, mas os paralelos conceituais são fantásticos. Não
seria exagero dizer que Tertuliano parece ter resolvido essas doutrinas séculos
antes que o restante da igreja as solucionasse, e se os líderes eclesiásticos e
teólogos posteriores tivessem dado ao menos um pouco mais de atenção a
Tertuliano, muitas disputas e controvérsias teológicas poderiam ter sido
evitadas.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 95-96.
Em quarto lugar, a igreja celebrou seu primeiro concílio ecumênico (universal) a
fim de dirimir conflitos doutrinários e eclesiásticos: o Concílio de Nicéia em
325. Foi Constantino quem o convocou c o presidiu. A doutrina formal e oficial
ortodoxa da Trindade foi elaborada, em meio a fortes críticas, e expressa no
credo normalmente conhecido Credo de Nicéia, mas oficialmente chamado
Credo niceno- constantinopolitano (sua versão definitiva foi escrita no Concílio
de Constantinopla em 381). Acabou se tornando a declaração universal da fé
da cristandade e assim permanece para a maior parte dos ramos do
cristianismo.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 143.
A condenação final e definitiva do arianismo que realmente “funcionou” aconte
ceu no Concílio de Constantinopla em 381. Ao longo do meio-século
interveniente, vários bispos e imperadores arianos e semi-arianos ajudaram o
subordinacionismo a se recuperar e, por vezes, a igreja cristã inteira parecia
estar a ponto de rejeitar totalmente a Trindade e de estabelecer como doutrina
ortodoxa algo semelhante ao que as Testemunhas de Jeová acreditam em
nossos dias. A história de como isso foi impedido e de que como a doutrina da
Trindade foi finalmente interpretada e estabelecida, ocupará os dois capítulos a
seguir.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 161.
Concílio dc Constantinopla declarou em 381 que a verdadeira ortodoxia cris tã
necessariamente inclui a crença de que Jesus Cristo era e é verdadeiramente
Deus tanto quanto verdadeiramente humano — consubstanciai com Dcus-Pai e
com os seres humanos.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 201.
Mais uma vez, assim como aconteceu com os principais defensores e
promotores da doutrina ortodoxa da Trindade, os grandes bispos e teólogos
ortodoxos envolvidos na controvérsia cristológica esta vam preocupados em
proteger e preservar o mistério da pessoa de Jesus Cristo e evitavam
explicações que o racionalizassem demais e o esclarecessem. Os defenso res
da doutrina chamada “união hipostática”, que se tornou a doutrina ortodoxa da
pessoa de Cristo no Concílio de Calcedônia em 451, eram a favor do mistério e
não racionalistas que tentavam perscrutar mistérios que deveriam ser deixados
fora do nosso alcance para desvendá-los e torná-los inteligíveis ao
pensamento huma no. Seria transformá-lo numa caricatura popular e estaria
totalmente errado.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 202.
A teologia cristã antes de Agostinho admitia o conceito do relacionamento en
tre Deus e o mundo chamado de sinergismo: a idéia e crença de que a agência
de Deus e a agência humana cooperam mutuamente de algum modo para
produzir a história e a salvação. Os cristãos ortodoxos sempre creram, é claro,
que o poder e a graça de Deus são supremos, mas quase todos os teólogos
pré-agostinianos admi tiam que Deus concede aos seres humanos certo grau
de liberdade para tomar determinadas decisões cruciais. Embora Agostinho
nunca rejeitou totalmente a liberdade humana, o teor global do seu
pensamento milita contra qualquer liber dade genuína dos seres humanos de
frustrar a vontade perfeita de Deus. Deus sempre consegue impor sua vontade,
mesmo quando os seres humanos pecam e realizam ações iníquas. O Deus de
Agostinho é a “realidade que tudo determina”, cujo poder é a característica
principal:
Embora Agostinho faça um esforço enorme para preservar tanto a liberdade
humana quanto a bondade de Deus, está claro que o seu Deus é, acima de
tudo, o governante imperial do universo e a única coisa que não pode ser
sacrificada a nenhum preço é o seu poder absoluto. Essa é a base do pensa
mento de Agostinho, que compõe as doutrinas mais associadas ao seu nome.3
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 260.
Agostinho aca bou tentando refutar não apenas a suposta heresia de Pelágio da
impecabilidade sem a graça auxiliadora, mas também todas as formas do
sinergismo. No fim de sua vida e carreira, Agostinho aceitava somente seu
próprio monergismo como fundamento da doutrina ortodoxa da salvação. O
debate a esse respeito estendeu- se muito além de sua época, entrando no
século seguinte, e repercutiu em todos os séculos da teologia cristã.
Toda a soteriologia de Agostinho decorre de duas crenças principais: a
absoluta e total depravação dos seres humanos depois da queda e o poder e a
soberania absoluta e total de Deus. A interpretação que Agostinho deu a essas
doutrinas é um produto e um determ inante do debate com Pelágio e com seus
defensores m ode rados, chamados semipelagianos. O conceito de Agostinho
no tocante à deprava ção humana é extremamente drástico. Segundo ele,
todos os seres humanos de todas as épocas que já nasceram (à exceção do
Deus-homem, Jesus Cristo) fazem parte de uma “massa de perdição” e são
totalmente culpados e condenados por Deus pelo pecado original de Adão.
Como os puritanos diziam no século xvii: “Como Adão pecou, ninguém
escapou”. O próprio Agostinho explicou a situação com mais pompa:
Logo, depois do pecado, ele [Adão] foi levado ao exílio e por causa do pecado,
toda a raça a qual ele deu origem foi corrompida nele e, assim, submetida à
pena de morte. E tanto é assim que todos os descendentes de sua união com a
mulher que o levou ao pecado, que foram condenados ao mesmo tempo com
ele — por serem produtos da concupiscência carnal na qual o mesmo castigo
de desobediência se inflige —, foram maculados pelo pecado original e levados
depois de muitos erros e sofrimentos até o derradeiro e eterno cas tigo que
sofrem em comum com os anjos pecadores, seus corruptores, se nhores e co-
participantes da condenação.21
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 275.
No fim da era da Reforma, não somente a cristandade, mas também o protes
tantismo se dividiu em facções dissidentes, muito além do que se poderia imagi
nar. Na Grã-Bretanha (Inglaterra e Escócia), a Igreja da Inglaterra deu origem a
muitos grupos dissidentes provenientes do movimento puritano original. Muitos
deles eram rebentos do puritanismo ou do presbiterianismo escocês e,
portanto, seguiam a teologia reformada. Discordavam, porém, em relação ao
governo eclesi ástico e outras questões secundárias. A influência da teologia
puritana era maior na América do Norte, para onde milhares de puritanos de
vários tipos emigraram para fugir da perseguição na Inglaterra e estabelecer a
república cristã, nos moldes de Genebra, que não conseguiram em sua própria
pátria. Na Holanda, a igreja reformada dividiu-se em relação à doutrina da
predestinação c surgiu uma nova forma de teologia protestante, conhecida
como arminianismo (proveniente do nome
Jacó Armínio). Alguns protestantes ficaram tão impressionados com os
avanços da razão e da ciência no século xvii e tão tristes e desiludidos com as
guerras religiosas, que tentaram encontrar uma religião de pura razão e assim
nasceu o deísmo. Final mente, surgindo das cinzas das guerras religiosas e da
rebelião contra o racionalismo e ortodoxia morta nos quais boa parte da
teologia protestante havia caído, nasceu o cristianismo do coração no século
xvi. Esse movimento novo, conhecido como pietismo, voltava a atenção mais
para a experiência do que para a doutrina e deu origem ao reavivalismo no
começo do século xviii.
Dessa efervescência do pós-Reforma, nasceram novas denominações e novas
formas de cristianismo. O metodismo e todas as suas ramificações surgiram do
pietismo e do reavivalismo. O movimento batista nasceu do contato de
puritanos com anabatistas europeus na I lolanda. A Igreja Unitária, à qual
pertenceram vários presidentes dos Estados Unidos, foi produto do deísmo e
da religião natural e racional do iluminismo. A teologia arminiana holandesa
influenciou profunda mente os primeiros metodistas, muitos batistas c a Igreja
da Inglaterra com sua ramificação norte-americana, a Igreja Episcopal. Os
próximos capítulos da história da teologia cristã contarão como o
protestantismo se fragmentou ao retornar às raízes de suas diversas
denominações nos debates e controvérsias teológicas no século xvi.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 460-461.
Escandinávia experimentou um grande movimento de renovação espiritual em
meados do século xvii chamado pietismo, que levou a grandes conflitos e
contro vérsia entre os seguidores de Lutero e, posteriormente, entre outros
protestantes.
A Igreja da Inglaterra passou por uma guerra teológica e política angustiante
entre anglicanos e puritanos e vários destes abandonaram a igreja-mãe para
fundar várias denominações, dissidentes c não conformistas, baseadas na
teologia refor mada. No século xvii, a Igreja da Inglaterra e a comunidade
anglicana mundial experimentaram outra grande perda quando os seguidores
deJohn Wesley rompe ram com ela para formar o movimento metodista.
Finalmente, uma nova ordem cultural, chamada iluminismo, surgiu na Europa no
fim das guerras religiosas em meados do século xvii. Com ele surgiu um novo
modelo de pensamento religioso que não nasceu de nenhuma família teológica
da Reforma, mas que acabou influ enciando todas elas. É conhecida como
deísmo e religião natural em suas formas variadas. Boa parte de seus primeiros
partidários e defensores eram protestantes, mas as gerações posteriores
desviaram-se para o ceticismo e o agnosticismo. A influência do deísmo,
dentro e fora das igrejas protestantes estabelecidas, desafiou seriamente a
ortodoxia protestante e lançou os alicerces para a ascensão da teologia
protestante liberal no século seguinte.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 464.
M uller des creve com exatidão essa teologia pós-Reforma protestante do final
do século xvi (exatamente quando Armínio estava começando seu ministério
em Amsterdã) como “ortodoxia confessional mais rigorosamente definida em
seus limites doutrinários do que a teologia dos reformadores primitivos, mas,
ao mesmo tempo, mais ampla e mais diversificada no emprego de material de
tradição cristã, particularmente do material fornecido pelos doutores medievais
[em teologia]”.7Embora poucos (ou talvez nenhum) desses praticantes do
escolasticismo protestante reconhecessem explicitamente sua dívida para com
fontes documentais católicas romanas, os sis temas de pensamento ortodoxo
protestante que desenvolveram dependia muito das referidas fontes e,
sobretudo, de seus métodos de dedução lógica e especulação metafísica.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 467.
Como vimos, depois da morte dos primeiros reformadores, seus herdeiros or
todoxos e escolásticos elevaram à importância primordial as questões da
exatidão doutrinária e litúrgica. Alguns críticos diriam que as igrejas nacionais
protestantes magisteriais da Europa e da Grã-Bretanha declinaram até se
tornarem “ortodoxia morta” que crê na regeneração batismal, no clericalismo e
no constantinismo. Essa situação provocou a reação dos ministros das igrejas
estatais chamada pietismo. Entre outras coisas, ela tentava vincular
ajustificação à conversão, e a regeneração ao começo de uma vida de
santificação verdadeira. Também censurava a ênfase exagerada à ortodoxia
doutrinária e a indiferença diante da experiência espiritual como sinal autêntico
do cristianismo e criava lemas como: “melhor uma heresia viva do que uma
ortodoxia morta!”. E para a história do pietismo e de sua tentativa de reformar a
teologia protestante nos séculos xvi e xvii que agora dirigiremos nossa atenção.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 483.
A ortodoxia luterana desprezava essa distinção a não ser quando seguia as
linhas doutrinárias. O cristianismo autêntico era equiparado com o batismo, o
culto e a doutrina apropriados dentro da tradição luterana. Os pietistas
rejeitavam esse conceito por considerá-lo banal e superficial. Queriam
identificar o cristianismo autêntico em termos da experiência genuína da
transfor mação interior pelo Espírito de Deus. Para eles, portanto, os critérios
verdadeiros do cristianismo eram a ortopatia (os sentimentos certos) e a
ortopraxia (o viver certo), além da ortodoxia (a crença certa). E os três nunca
podem estar separados. Além disso, acreditavam e argumentavam que a
maneira mais confiável de garantir a ortodoxia era promover a ortopatia e a
ortopraxia. A experiência certa e o viver certo conduziriam necessariamente à
crença certa.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 489.
No fim de Pia desicieria, o autor revela o propósito fundamental do pietismo: a
doutrina do “homem interior”ou do “novo homem”.Esse conceito provém dire
tamente de Arndt. Spener redefiniu o cristianismo autêntico, sem se centrar 110
batismo e na ortodoxia, enfatizando a experiência da transformação interior:
“Nossa religião cristã inteira consiste no homem interior ou no novo homem,
cuja alma é a fé e cujas expressões são os frutos da vida, e todos os sermões
devem visar esse propósito”.
Não basta escutarmos a Palavra apenas com os ouvidos, pois devemos
deixá- la penetrar em nossos corações, para que com ele possamos
escutar a voz do Espírito Santo, ou seja, com grande emoção e conforto
sentir a confirmação do Espírito e o poder da Palavra. Nem basta sermos
batizados, mas o homem interior, que revestimos de Cristo no batismo, deve
também se revestir de Cristo e dar testemunho dele na vida exterior.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 493.
Os puritanos da Nova Inglaterra, livres dos empecilhos das leis da igreja e do
estado da Inglaterra, começaram a exigir que os candidatos à afiliação, além de
fazerem a confissão de fé calvinista ortodoxa, oferecessem relatos
pormenorizados de sua conversão e demonstrassem os sinais de graça em
suas vidas. Diferentemente dos pietistas alemães, os puritanos da Nova
Inglaterra não enfatizavam os sentimentos e desconfiavam dos estados
emocionais.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 493.
O cristianismo evangélico é uma subcultura multifacetada notoriamente difícil
de definir com precisão. Dois elementos, no entanto, caracterizam-no de modo
especial: os legados vivos de Edwards e de Wesley, puritano e metodista.
Primeiro, a teologia e a vida evangélicas têm uma doutrina conservadora, no
sentido de pro curar preservar e manter as doutrinas cristãs clássicas dos pais
da igreja e dos reformadores. Tanto Edwards quanto Wesley resistiram ao que
consideravam in clinação para o racionalismo, a heresia e a acomodação à
cultura. Tinham se com prom etido com a ortodoxia cristã.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 528.
O segundo legado deixado por Edwards e Wesley ao evangelicalismo contempo
râneo é a “ortodoxia ardente”. Isto é, ambos afirmaram que o mero
assentimento cristão nominal à exatidão doutrinária não transforma ninguém
automaticamente em cristão verdadeiro. A experiência transformadora com
Deus é o que torna uma pessoa verdadeiramente cristã e essa é a melhor
garantia da ortodoxia. Eles rejeita vam o sacramentalismo, o confessionalismo e
o racionalismo religioso e defendiam a piedade resultante da conversão, a fé
como confiança e não mero assentimento e a crença em um Deus sobrenatural
que opera no mundo de modo imediato, por ca minhos que em geral são
misteriosos. Ao mesmo tempo, nem Edwards nem Wesley foram literalistas
crassos na interpretação das Escrituras e ambos repudiavam o obs curantismo
impensado e a alienação cultural. Não eram o que alguns no mundo moderno
chamam “fundamentalistas”. Edwards e Wesley, a despeito das profundas
diferenças em relação à graça e ao livre-arbítrio, são as raízes ou os pilares da
vida e do pensamento evangélico anglo-americano contemporâneo.
Enquanto Edwards e Wesley criavam o cristianismo evangélico moderno, ou
tros reformadores religiosos tentavam levar o protestantismo para uma direção
totalmente nova e diversa, orientados pela razão mais do que pelo coração. O
deísmo (ou a religião natural) foi um movimento do século xvn e início do
século xviii que queria reformar a teologia protestante para torná-la mais
razoável e compatível com o mundo moderno que desabrochava. E a
importante história desse movi mento de renovação da teologia que agora
estudaremos.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 529.
d o s os movimentos cujas histórias são contadas na presente seção têm uma
coisa em comum. Consideravam a Reforma protestante incompleta ou, de
alguma forma, errada e procuravam completá-la ou corrigi-la. Cada movimento
com seus respectivos líderes tinha sua própria visão do que estava errado no
protestantismo dos séculos xvii e xvni e um programa diferente para corrigi-la
ou completá-la. Armínio e os remonstrantes reagiram contra o “endurecimento
das categorias” pela ortodoxia protestante e especialmente contra o
tratamento escolástico que a teologia reformada deu à doutrina da
predestinação. Os arminianos queriam cor rigir a teologia reformada tirando-a
do caminho monergista e conduzindo-a rumo ao sinergismo evangélico. O
pietismo reagiu contra a “ortodoxia morta” no luteranismo pós-Reforma na
Alemanha, especialmente contra a tendência de mui tos teólogos para
equiparar o cristianismo autêntico com o assentimento às fórmu las e sistemas
doutrinários corretos. Queriam completar a Reforma enfatizando um com
ponente negligenciado da soteriologia protestante: a experiência cristã da
regeneração e da santificação. Os puritanos e os metodistas, de modo muito
dife rente, esforçaram-se por completar a Reforma protestante do cristianismo
de lín gua inglesa. Os puritanos entendiam que o caminho correto encontrava-
se em uma forma distintamente britânica de teologia e eclesiologia reformadas.
Os metodistas mapearam um caminho dc renovação que incluía a ênfase na
experiên cia cristã da conversão e o ideal da perfeição cristã.
Surgiu outro movimento dentro do seio da teologia protestante da pós-Refor-
ma com uma visão inteiramente diferente de como melhor completar a Reforma
protestante. Enfatizava a autoridade da razão em todas as questões, inclusive a
reli gião, e sonhava com uma religião universal e razoável que vencesse as lutas
sectári as, a superstição e a autoridade arbitrária e irracional e introduzisse o
cristianismo em uma nova era de paz, iluminação e tolerância. Esse movimento,
conhecido diversamente como religião natural ou deísmo, não possuía nenhum
profeta ou fundador e nenhuma organização formal. Seus seguidores eram
relativamente pou cos. Muitos porta-vozes do cristianismo protestante
organizado condenaram-no de ateísmo e seus líderes de infiéis. Apesar disso,
o deísmo conseguiu deixar uma marca indelével no cristianismo e na religião
em geral na Europa Ocidental e na América do Norte. Muitos dos que
despertaram e formaram o nacionalismo mo derno na Grã-Bretanha, na França
e nos Estados Unidos simpatizavam com o deísmo. Uma denominação
pequena, porém influente, chamada unitarismo foi fundada na Inglaterra e na
Nova Inglaterra em fins do século x v iii, baseada sobre tudo nessas idéias. A
despeito da grande oposição por parte de todos os ramos do cristianismo
tradicional, inclusive dos outros movimentos reformadores, e a des peito de
não ter conseguido estabelecer o sonho da religião universal, natural e racional,
o deísmo infiltrou-se sutilmente na trama e urdidura da teologia moder na
ocidental e tornou-se um dos precursores do que veio a ser conhecido como
teologia protestante liberal dos séculos xix e xx.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 531-532.
Depois da Reforma protestante, surgiu uma tendência em desfazer esse equilí
brio delicado entre a Palavra e o Espírito. A ortodoxia protestante enfatizava so
mente a Palavra, de modo que sua autoridade residia na inerrância de suas
propo sições (reivindicações à verdade) e de sua coerência interna. O Espírito
Santo pas sou a desempenhar um papel cada vez menor na sua visão de
autoridade cristã. O apelo à inerrância das reivindicações das Escrituras e à sua
consistência interna suplantou o apelo ao testemunho interior do Espírito. O
experimentalismo pro testante (incluindo o pietismo e o metodismo, bem como
movimentos mais radi cais como o quacres) enfatizava o Espírito sem
desprezar a Palavra. Alguns “entu siastas religiosos” mais radicais defendiam
novas revelações para suplementar as Escrituras. Todos os movimentos
protestantes entendiam que a razão tinha sido corrompida pelo pecado e que
necessitava ser saneada pela graça para poder captar as verdades divinas que
iam além dos poucos itens básicos da teologia natural, como a existência de
Deus e a imortalidade da alma. Não davam muita ênfase ao papel da razão
natural no conhecim ento religioso. N a m elhor das hipóteses, a ra zão era uma
ferramenta útil para o entendimento das Escrituras e para argumentar contra as
religiões falsas e as heresias. Nenhum grande reformador ou teólogo
protestante do século x v i ao x v iii considerava a razão natural, destituída da
graça, m uito útil para a teologia.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 534.
Para muitos teólogos acadêmicos dc 1901, a teologia liberal parecia ser a ten
dência inevitável do futuro. Ela deixaria no esquecimento as centenas de
séculos de ortodoxia seca e empoeirada e de tradicionalismo autoritário, bem
como os constrangimentos das contínuas derrotas da teologia nos conflitos
com a ciência moderna. Demonstraria que o cristianismo autêntico e a teologia
válida não são contra o novo e moderno espírito dessa era, mas trabalham a
favor dele, visando a um mundo melhor para toda a humanidade.
A visão triunfalista dos teólogos protestantes liberais foi prematura. Embora
esse novo tipo de teologia fosse uma influência a ser levada em conta na
teologia protestante, não ficaria sem contestação.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 547.
Já em 1901, teólogos protestantes orto doxos da Europa e da América do Norte
uniram forças para lutar contra ela. Não demorou a surgir entre eles uma
coalizão de teólogos, pastores e cristãos leigos cultos para criar uma batalha
teológica contra o que chamavam de “modernismo” da teologia. Essa nova e
intensa forma de tradicionalismo ortodoxo se tornaria conhecida como
“fundamentalismo”. Arraigados na ortodoxia protestante e im pulsionados pelo
espírito militante antimodernista (especialmente em teologia), os
fundamentalistas fizeram uma campanha para eliminar das denominações pro
testantes as influências liberais e modernistas. Acusaram a teologia liberal de
ser uma religião diferente do cristianismo, de ser unitarismo disfarçado, mais
racionalista e humanista do que centralizado no evangelho. Um dos principais
teólogos da reação fundamentalista foi J. Gresham Machen (1881-1937),
presbiteriano conservador, leal à Confissão de fé de Westminster e às verdades
atemporais descobertas e consagradas pelos teólogos protestantes ortodoxos
dos séculos xvi e xvn. Além disso, havia forte ênfase à inerrância e verdade
literal do registro bíblico e à falsidade da ciência c filosofia modernas, que eram
céticas e evolucionistas. M achen deu o grito de guerra com Christianity and
liberalism [Cris tianismo e liberalismo]3, publicado quando o fundamentalismo
estava no auge da sua influência. Nesse livro, Machen se esforçou para
desmascarar a teologia libe ral, apresentando-a como falso evangelho e
religião alternativa ao cristianismo genuíno.
O fundamentalismo não foi a única resposta à teologia protestante liberal. M ui
to mais destrutiva, talvez, tenha sido a crítica dos chamados teólogos neo-
ortodo- xos, vários dos quais tinham sido alunos nos seminários e
universidades de teólo gos liberais de destaque, como AdolfHarnack, autor de
What is Christianity? [O que éo cristianismo?]. Os teólogos neo-ortodoxos
eram protestantes que buscavam suas raízes mais na Reforma, especialmente
em Lutero, do que na ortodoxia protestante ou no puritanismo. Estavam
dispostos a adaptar alguns aspectos do cristianismo ao pensamento modôrno,
mas acreditavam que a teologia protestante liberal tinha se acomodado muito
radicalmente à modernidade. O eminente pensador neo-orto doxo norte-
americano, I I. Richard Niebuhr, da Escola de Teologia de Yale, decla rou que,
na teologia liberal, “um Deus sem ira levou homens sem pecado para um reino
sem julgamento pela ministração de um Cristo sem cruz”.4Na Europa, o teólogo
suíço Karl Barth (1886-1968) dirigiu a revolta neo-ortodoxa contra a teo logia
protestante liberal e desenvolveu a teologia mais influente do século xx. Para
muitos observadores da teologia moderna, Barth consta como grande
reformador à altura de Lutero, porque, assim como o alemão do século xvi, o
autor suíço do século xx derrotou quase que sozinho a oposição e recuperou a
imagem do evan gelho cristão em tempos de crise.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 548.
A maioria dos pensadores escolásticos e ortodoxos protestantes, no entanto, é
monergista segun do o padrão clássico agostiniano-calvinista. Para muitos
deles, essa é a única e ver dadeira forma protestante de pensar no
relacionamento entre Deus e o homem na salvação e na história. Sinergistas
protestantes de vários tipos protestam contra esse exclusivismo e reivindicam
para o sinergismo evangélico um papel na tradição pro testante que remonta ao
próprio início. Essa divisão é ilustrada na história deJoão Wesley que se
desentendeu com George Whitefield quanto à predestinação. Mui tos líderes e
pensadores protestantes procuram ligar o abismo entre aqueles que, como
Wesley, defendem o livre-arbítrio humano junto com a graça divina e aque les
que, como Whitefield, insistem que a salvação só pode ser um dom gratuito se
Deus fizer tudo e o ser humano for inteiramente passivo. Poucos conseguiram,
porém, combinar as duas perspectivas e, de tempos em tempos, a controvérsia
volta a irromper, o que demonstra que ela ainda é uma falha na base do
pensamen to protestante.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 549-550.
A segunda grande linha divisória dentro da teologia protestante aconteceu du
zentos anos depois que Armínio se opôs abertamente ao monergismo calvinista
da Igreja Reformada dos Países Baixos. Durante séculos, os protestantes
sustentaram firmemente o princípio soía scriptura, mesmo quando usaram a
razão, a tradição e a experiência como ferramentas da interpretação bíblica.
Entretanto, muitos pensa dores protestantes, especialmente da ampla e
profunda tradição ortodoxa protes tante do escolasticismo, chegaram a tratar
certas declarações doutrinárias da histó ria eclesiástica como padrões
inquestionáveis de exatidão teológica. O Credo Niceno era aceito por quase
todos os protestantes até as igrejas unitaristas o rejeitarem abertamente, no
fim do século xviii, sob a influência do deísmo. Por causa dessa defecção,
outros protestantes rejeitaram o unitarismo por considerá-lo seita heré tica ou
mesmo falso cristianismo. A Confissão de Fé de Westminster e os dois
catecismos de Westminster tornaram-se, para muitos na tradição protestante
re formada, quase anexos autênticos das Escrituras em termos de autoridade.
A mai oria dos teólogos protestantes de todas as denominações reconheceu
que não po dia haver nenhuma dúvida séria contra a crença implícita Deus
transcendente e pessoal que age, às vezes, de modo sobrenatural (assim como
na ressurreição corpórea de Cristo) e cuja graça é mais poderosa do que a
natureza. Em outras palavras, todos os pensadores protestantes sustentaram
com firmeza uma certa cosmovisão cristã básica que sofreu cada vez mais
pressão por parte da filosofia e da ciência do iluminismo no século xviii.
Nesse palco, surgiram os racionalistas religiosos, os deístas, os céticos e
outros pensadores iluministas da Europa e dos Estados Unidos, cuja maioria
alegava ser cristã protestante e inclusive de uma “ordem superior”. Para eles, a
modernidade, um novo Zeitgeist (espírito da era), dificilmente definível, tornou-
se referência de verdade à altura das Escrituras e da tradição ou mesmo
superior a elas. A própria razão tornou-se praticamente sinônimo do
pensamento iluminista, que constituía a modernidade, e não podia ser
sacrificada nem por amor à preservação da tradição cristã. Para os pensadores
profundamente impressionados pelos avanços irreversíveis e positivos da
ciência moderna e da filosofia, havia duas opções se quisessem per manecer
cristãos. Primeiro, eles podiam desenvolver abertamente formas moder nas
próprias de cristianismo protestante como alternativas à ortodoxia protestante.
O unitarismo era um empreendimento desse tipo e rejeitava publicamente as
nor mas clássicas cristãs e protestantes da fé, como Nicéia e Calcedônia e a
Confissão e Catecismo de Westminster. Esses “livres pensadores” protestantes
rapidamente se desviaram do cristianismo clássico para uma variedade de
experiências com a filo sofia da religião e com a espiritualidade mística. O
transcendentalismo de Ralph Waldo Emerson foi uma experiência que tinha
pouco ou nada de cristã. De muitas maneiras, parecia uma mistura sincretista
de cristianismo com hinduísmo.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 550-551.
Depois do grande impacto da teologia protestante liberal, houve uma forte
reação dos teólogos comprometidos com as formas de ortodoxia protestante.
Por volta de 1910, o grande teólogo e estadista holandês, Abraham Kuyper
(1837- 1920), declarou:
Não há dúvida [...] de que o cristianismo está sendo ameaçado por grandes e
graves perigos. Dois sistemas de vida estão se degladiando em um combate
mortal. O modernismo certamente construirá um mundo só seu com base no
homem natural e construirá o próprio homem com base na natureza; enquanto
que, por outro lado, todos aqueles que reverentemente se ajoelha rem diante
de Cristo e o adorarem como o Filho do Deus vivo e como o próprio Deus
tentarão salvar a “herança cristã”. Essa é a luta que acontece na Europa, na
América do Norte e que se dá em defesa dos princípios na qual minha própria
pátria está empenhada e à qual eu mesmo estou dedicando todas as minhas
energias há quase quarenta anos.1
Vários outros pensadores e líderes protestantes pensavam da mesma forma,
que a teologia liberal estava ameaçando destruir o cristianismo autêntico e até
mesmo a “herança cristã” na cultura ocidental.
Dentre a ortodoxia protestante surgiu uma teologia militante em reação à teolo-
gia liberal e ao pensamento moderno em geral que foi chamada de
fundamentalismo. Embora procurasse simplesmente preservar a teologia
protestante clássica e impe dir a acomodação liberal ao pensamento moderno,
o fundamentalismo acabou desenvolvendo uma nova forma de teologia
protestante racionalista, separatista e absolutista. Isto é, a teologia
fundamentalista plenamente desenvolvida produziu sistemas absolutos de
proposições doutrinárias internamente coerentes que devem ser aceitos na
íntegra, sem questionamento, ou totalmente rejeitados. Qualquer pessoa que
questionasse um único ponto do sistema doutrinário protestante
fundamentalista seria acusada de heresia ou mesmo de apostasia. Era uma
reação exacerbada típica do fundamentalismo extremo ao relativismo
doutrinário da teologia liberal.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 569.
A marca da ortodoxia protes tante foi o retorno e a prática do método
escolástico de teologia em seu pensamen to e a forte ênfase às Escrituras com
o verbalm ente inspiradas, proposicionalm ente infalíveis e mesmo inerrantes.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 572.
A teologia liberal seguiu cada vez mais na direção do imanentismo sob a influên
cia de Hegel e da filosofia pós-hegeliana. M uitos teólogos liberais
desconsideraram a transcendência e liberdade de Deus e enfatizaram o
relacionamento benevolente de Deus com o mundo, a ponto de insinuar que
Deus é prisioneiro desse relacio namento. Hegel declarou: “Sem o mundo, Deus
não é Deus”. E Barth responde: “Deus pode ser Deus sem o mundo, mas
decidiu não ser”.A ortodoxia protestante enfatizava tão fortemente a
transcendência e soberania de Deus, que o relaciona mento entre Deus e o
mundo parecia algo meramente externo a ele. Para o teísmo cristão clássico —
e a ortodoxia protestante tentou reforçar essas categorias —, o mundo não
acrescenta absolutamente nada a Deus. Deus é actuspurus, puro ato”. Nada em
Deus é uma possibilidade. A perfeição de Deus é estática. A resposta de Barth
a isso é: “Deus decidiu não ser perfeito sem o mundo”. Em Jesus Cristo, Deus
abre totalmente a sua própria vida para um relacionamento genuíno com o
mundo, de tal maneira que ele o afeta também internamente e não apenas
externa mente. Embora a doutrina de Deus proposta por Barth seja paradoxal,
Barth sus tenta que os paradoxos fazem parte do mistério de Deus, a respeito
do qual refleti mos. Entendia que as teologias liberal e protestante
conservadora são formas de racionalismo porque buscam uma coerência
perfeita. Segundo Barth, se Deus é Deus, o pensamento finito não pode chegar
a uma síntese perfeitamente coerente em relação a ele. Ele deve simplesmente
seguir a revelação divina para onde quer que esta o guie e dar-se por satisfeito
se ela levar a impasses nos quais pensamentos aparentemente opostos devam
ser igualmente acolhidos.
Uma terceira contribuição importante da teologia de Barth encontra-se na dou
trina da salvação. A teologia liberal era quase totalmente universalista. Isto é,
de pois de Schleiermacher, quase todos os teólogos protestantes liberais
sustentavam reconciliação final de Deus com todas as criaturas. A tendência
era rejeitar a ira de Deus como uma idéia primitiva que Jesus veio eliminar,
demonstrando que Deus é Pai, um conceito interpretado de modo sentimental
pela maioria dos liberais.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 599-600.
Os pensadores neo-ortodoxos mantiveram o sonho da unidade cristã, mas
insistiam que ela não daria certo com as fórmulas legalistas e impostas da
ortodoxia doutrinária nem com um ecumenismo fundamentado em um
denominador comum que abandonasse totalmente a ortodoxia. Ela teria de
acontecer com uma renovação da teologia reforma da da Palavra de Deus. Os
neo-liberais e os fundamentalistas, no entanto, não queriam apanhar o trem de
Barth e, na década de 1950, a situação pareceu chegar a um impasse
desesperador.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 607-608.
em nenhuma parte das Escrituras ou dos ensinos dos apóstolos aparece o con-
ceito de creatio ex nihilo (a criação a partir do nada). Nem podemos encontrar
claramente expressa a idéia da trindade e da unidade de Deus. […] Essas e
muitas outras doutrinas ortodoxas são fruto muito mais da reflexão sobre a
revelação divina do que da revelação. Esse fato em nada as priva de sua
veracidade. Isso significa apenas que elas representam a linguagem de
segunda ordem da igreja. A linguagem de primeira ordem é a linguagem da
revelação. Desenvolver a linguagem de segunda ordem na doutrina e aplicá-la
na igreja tornou-se necessário para evitar que o cristianismo chegasse à
futilidade de ser compatível com toda e qualquer coisa.
O empreendimento de desenvolver, preservar e defender a ortodoxia era consi-
derado necessário pelos pais da igreja antiga e pelos reformadores do século
xvi e seus herdeiros pelo bem da salvação. […] os reformadores entenderam
que a tarefa teológica era um ato de sobrevivência. Sem doutrina, não haveria
como manter o evangelho de Jesus Cristo distinto e claro.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 629.
Sem uma visão da verdade, a proclamação do evangelho seria impossível. E
sem a proclamação do evangelho, a salvação seria improvável. Esse era o
raciocínio por trás dos ensinos, às vezes aparentemente obscuros, dos pais e
reformadores da igreja.
OLSON Roger 2001 E. História da Teologia Cristã, pg. 630.