0 notas0% acharam este documento útil (0 voto) 122 visualizações12 páginasAMARAL, Aracy. Artes Plásticas Na Semana de 22. 4a Ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1979. As Ideias No Contexto Da Semana, Pp. 197-216
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AS IDEIAS NO CONTEXTO DA SEMANA
"... B sobretudo que se salba que somos rea
ciondrios, porque ‘nos domina e exalta uma
‘anpirazdo de classcismo consirutor.
:mos nial ao academismo porque ele € 0
sufocador de todas as aspirocées joviais « de
‘todas as iniciativas possantes. bara vencé-lo
desiruimos. Dai o nosso gathardo salto de sar-
‘easmo, de violéncia e de forca. Somos “bo-
: xeurs” na arena. Nao podemos refletir ainda
latitudes de serenidade. Essa vird quando vier
4a vitdria ¢ 0 futuriemo de hoje aleancar 0 seu
deal lssico”™.
OswaLp DE ANDRADE
(1), Onwald de Andrade “Semana de Arte Modern”, in Jornal do
Comrie (Ea. 8. Pano), i for. 1922
197A expressio “reacionérios”, usada por Oswald no
texto que abre este capitulo, significa, evidentemente,
que os modernistas representam uma reagio contra 0
academismo. E embora possa causar espécie em muitos
que ele denomine de ‘‘lassicismo” o movimento revolu-
cionério, isso nos dé contu
Quando Oswald se refere a0 passadisme como “sufo-
cador de todas as aspiracdes joviais ¢ de todas as ini-
Giativas possantes”, esté bem claro que o rejeitado €
sobretudo a auséncia de abertura, ¢ a estratificacdo de
uma arte em fungdo de um tempo que ndo mais existe.
Dai por que a declaracéo citada esta banhada em tom
guerteiro: “nao podemos refletir ainda atitudes de se-
renidade, Essa vird quando vier a vitéria”, ou seja,
passado 0 perfodo de climax revoluciondrio, 0 movi
mento, tornado situacdo, se transformaré em escola.
Para vencer o academismo, entretanto, € preciso
usar de todas as armas, esté-se em guerra: o sarcasmo
que humitha, a violéncia demolidora como a forsa do
ataque. E se através da imprensa os ataques jé se su-
cediam ha dois anos, 0 confronto violento se daria na
primeira grande luta, que foi a Semana de 22. Curioso
que, de certa forma, a linguagem usada por Oswald, bem
como a de Menotti, néo deixam de ter uma seme-
Ihanga com os manifestos de Marinetti (embora rejei
fem sempre a comparacio). Mas o espfrito de luta é 0
mesmo.
Perplexos, os observadores neutros, como os da
facgdo contréria, ainda ndo tinham bem idéia das novas
posighes, que, apenas sabiam, eram contrérias a0 passa
}. Assim € que, num palavrério complicado, o dr.
Francisco Lagreca se refere, em jornal desse més, a “A
nova arte”: “Oswald de Andrade defende galhardamente
ia quase ignota orientagio artistica, tort
critica insubmissa. Quem for justo e alevantar a fronte,,
como hiomem de sua época, concordara que na exposi-
‘¢a0 de trabalhos artisticos que figuram no Municipal, hi
irtadiagées maravilhosas de talento, aromas sonoros de
desconhecidos jardins florescidos, sangue a ferver, ner~
198
vos eletrizados, cartilagens crispadas, enfim, o sopro vital
fremente, de uma ressurreigio de arte"
© despreparo e a dificuldade de rompimento,
‘mesmo pelos modernistas (ou pelos que assim se inti-
tulavam), desse movimento névo de rebeldia expresso
em forma ret6rica caracterizam a Semana como acon-
fecimento na literatura, poesia, miisiea e mas artes
plésticas
AS conferéncias sobre arte ¢ estética: Menott
Negando sempre e mais uma vez o apadrinhamento
de Marinetti (mas em quem sem diivida a manifestagio
se inspirara), Menotti. cm sua palestra do dia 15 nao dei-
xa de fazer um: é e -
Por outro
lado, para combater a Grécia, o conferencista se com-
praz num enumerado sem-fim de citagdes helénicas, de
Marte ¢ Zeus a Menelau e Troia, aos discbulos de Es-
arta, mas © combate aos “truculentos deuses de Ho-
mero”, como ele diz, n3o pode ter deixado de causar
tum prazer substancioso a uma platéia que teria encon-
trado as citagdes familiares. Menotti estabeleceu, poss
velmente, com sua palestra, uma ligagio emocional
efetiva entre os modernistas de fato e aqueles que, numa
cenografica imagem, “ainda esperam ver erguer-se 0 sol
atrés do Partenon em ruinas”™
Cada vez. que em discurso menciona o mundo mo-
derno nao se contém em comparacio com a antiguidade:
“Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindi-
cages obreiras, idealismos, motores, chaminés de fabri-
cas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte! E que o
rufo de um automével, nos trilhos de dois versos, es-
pante da poesia o iltimo deus homérico, que ficou,
anacrénicamente, a dormir e sonhar, na era do jazz-
-band e do cinema, com a flauta dos pastores da Arcé-
dia © os seios divinos de Helena!”
Menotti, este grande divulgador do modernismo, ¢
que oferecia aos modernistas uma tribuna preciosa no
Q) In Jornal do Comacio (EA. $. Paulo), 18 fev. 1922.
(BA ceaerteta Ge"Menos fo rantrt’ no Jor! 40, Comercio
(ea'S. ehuleh ister To Corel. PonitanaCorreio Paulistano, sem nunca ter de fato sido um deles
apesar de sua exaltaco crescente, nao deixou de pre-
dizer, nfo sem cert “
Opondo aos passadistas em lugar dos discSbulos de
Esparta o futebolista paulista Friedenreich, bem como 0
campeio francés Carpentier, Menotti no. deixa de de-
clarar que & mulher inspiradora das “jeremiadas liricas”
(ou também, poderia ser, dos consagrados-nus artisticos
académicos), & ‘‘mulher-fetiche, & mulher-cocaina, &
mulher-monomania, leternelle Madame” agora se impoe
uma nova imagem: “Queremos uma Eva ativa, bela,
pritica, til no lar e na rua, dangando o tango e dati-
lografando uma conta corrente”. Mas, colo em todo 0
seu discurso, em banindo a mulher, Menotti a exalta,
como em rejeitando o Parnaso faz dele a obsessio de sua
conferéncia modernista: “Morra a Hélade! Organi-
zemos um zé-pereira canalha para dar uma vaia defini-
tiva ¢ formidével nos deuses do Parnaso!”
Numa sucessio alucinante de citagées de “Rolandos
furibundos” a Edu Chaves e Santos Dumont, de Plutio
€ Netuno a “esse desalentado Wilde”, da Acr6pole a0
Lacio ¢ Wagner, Menotti define a arte que esta nas-
precioso: queremos escrever com sangue — que € hu-
- bandeirante”._
Dessa forma, praticamente enunciando os princi-
pios bisicos de Marinetti, esclarece que “assim nascerd
‘uma arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra,
do Homem ¢ do mistério”. Referindo-se a cidade ten-
tacular, & concorréncia, as reivindicagdes operdtias, aos
industriais, ¢, como sempre, & mulher que, apés a
Grande Guerra, quebra “as algemas da sua escravidio
secular”, termina: “Tudo isso — e 0 autom6vel, os fios
clétricos, as usinas, os aeroplanos, a arte — tudo isso
forma os nossos elementos da estética moderna, frag-
‘mentos de pedra em que construiremos, dia a dia, a
Babel do nosso Sonho, no nosso desespero de exilados,
200
I
i
Na porta da “Gazeta”
age
ae
2
© sr, Oswald d’ Andrade,
redactor theatral.
Oswald de Andrade por Ferrignac, em 1918,
de um céu que fulge 1d em cima, para o qual galgamos
na Asia devoradora de tocar com as mios as estrelas!”*.
notti
201
‘ima soberba esa de orate, como a podem
ao eeetipicamente parnasiana, Seu repert6rio é passadista,
apesar das incrustagdes modernistas.
Os que combateram o movimento, por reaciona-
rismo ou por principio, nao deixaram, como Monteiro
Lobato, de fazer referéncia ao problema de importacéo
de tendéncia (se bem que muitos, como jé mencionamos,
também se detendo nessa tecla muito no sentido do
pasado pelo passado). Paim Vieira refuta igualmente 0
desejo de estar d la page do intelectual e artista dos anos
20, também no campo politico: “Mas aqui na época
no havia ambiente, nés nem critica podiamos fazer do
‘capitalismo pois néo tinhamos capital. Nossa realidade
era a tealidade do fazendeiro rico na cidade, com os
ppretos sambando nos morros. As manifestagdes artis-
ticas desejosas de estar a par do que se fazia na Europa
ram mantidas artificialmente”*.
‘Amadeu Amaral ditia algo semelhante em 1924,
com outras palavras, no O Mundo Literdrio, ao denut
ciar a auséncia de “uma £6” no movimento modernista:
“como das alheias tendéncias s6 se pode importar a
expresso, ¢ no as proprias tendéncias, em sua intrin-
seca vitalidade, as preocupagdes dos novos so estrita-
mente, literalmente... literdrias™. Mas a mudanca
viria, nas posigées modernistas, ¢ precisamente, apés
1924, depois da revolugao de Isidoro.
‘Nao foi somente nossa, contudo, a dificuldade de
assimilago da atte dita moderna, ou seja, a partir do
impressionismo, mas de todos os artistas fora do eixo
de Paris, Mesmo os artistas norte-americanos, forma-
dos em sua maior parte na Europa, revelariam na pi
meira gera¢io 0 problema da importagio brut:
“,. Conseqiientemente, eles produziram quadros que,
cembora corajosos ou provocantes, mostraram apenas um,
conhecimento superficial do vocabulério, néo da gra-
mitica da arte moderna”, escreveu a critica Barbara
Rose a propésito dos artistas americanos presentes no
Armory Show, equivalente, em 1913, & nossa Semana
de Arte Moderna de 22 como manifestagio, embora
(2) Depoim. de A. Pains Via wore, a 5 for. 1970,
(8), Letaard “Aetoyo,"homaacm Liters
ee ote
porate Reina te" Areuvo, Mancina “& Cure
‘Treas ech ret. Mencia oe 8 Fal, Ano Ok
Rote, obve eit, p. R2 Trad. da AL
aquela fosse uma grande mostra internacional de arte
‘moderna com os nomes da escola francesa.
‘Um registro nio pode faltar, em comentétio sobre
‘a Semana, sobre a unido da classe artistica de S. Paulo,
caracteristica do modernismo, na Europa como nos Es
tados Unidos, ¢ fato nunca antes registrado em tani-
festacdo intelectual em nosso pais (e que tampouco se
repetiria). Mesmo sem a perspectiva historica a coesio
destrutiva ndo deixava de chamar a atengio: “Nunca,
0S nossos artistas se congregaram em hostes” — escre-
vetia 0 Correio Paulistano — “ligando num mesmo elo
a pintura, a escultura, a miisica e a poesia. Essas for-
mas das expresses emotivas andaram sempre, se no
divorciadas, pelo menos isoladas ¢ quase interindepen-
dentes. Sob esse ponto de vista, & Semana de Arte
Moderna € digna de nota” *.
© Correio Paulistano do dia 14 faz. um retrospecto
geral do primeiro festival mas sem analisar as obras,
‘expostas, sem mesmo mencionar os nomes dos. arts-
tas, limitando-se a registrar que “no saguéo do tea
tro foi aberta uma exposi¢do de pintura e escultura mo-
dernas, sobre a qual oportunamente falaremos”. Parece
nio ter havido oportunidade pois néo encontramos nes-
se nem em qualquer outro didrio comentérios sobre os
trabalhos expostos.
Ronald de Carvalho
A palestra de Ronald de Carvalho, amplamente
anunciada pelos jornais e intitulada “A pintura e a es-
cultura moderna do Brasil”; realizada na primeira noite,
nao foi publicada na integra por nenhum dos jornais,
de Sio Paulo. O Jornal do Comércio (Ed. de Sio
Paulo) do dia seguinte registra, apenas, que “a con-
ferencista discorreu sobre as diversas manifestagdes da
pintura ¢ escultura moderna no Brasil, passando em re-
vista 0s diversos trabalhos atualmente expostos no sa-
‘gudo do Municipal, fazendo ver que nenhum deles obe-
decia a nenhuma escola, procurando cada artista set
pessoal, tendo a tinica preocupacdo dar-nos seus tra-
balhos, dando vazio ao seu temperamento artistico, sem
peias académicas, nem preconceitos estéticos.
routtdys Reine de Arie — Semana de Aste Moder“Na peroragio elevou um hino ao Brasil novo €
forte concitando os paulistas a procurarem os seus ar-
tistas que to bem sabiam interpretar quer no mérmore,
como na tela ou na poesia, a violenta ¢ forte vida ame-
ricana. As iltimas palavras do orador foram ditas de-
baixo de vibrantes aplausos” *
Mas a nebulosidade das idéias © das afirmacoes
de Ronald de Carvalho nio passaria despercebida. No
dia seguinte, O Estado de S. Paulo, com sutil ironia,
refere-se & sua “dissertacdo sobre as moglernas corren:
tes estéticas na pintura e na escultura do Brasil”. Numa
alusio clara a aparente falta de conviceig do conferen-
cista, diz o jornal: “Esse interessante trabalho em que
‘© autor, com grande modéstia, atribuiu a alguns jovens
artistas ‘as suas prOprias idéias sobre arte, afirmando o
cardter eclético da moderna pintura brasileira, mas
acentuadamente nacional nos seus carasteristicos. fun-
damentais ¢ na sua concepsao, se bem compreendemos
as suas palavras, pareceu a alguns um pouco contradi
t6rio com as afirmacdes de certos corifeus desse movi
‘mento por muitos denominado futurismo. Mas, evi-
dentemente, 0 engano deve ser nosso”, conclui 0 co-
menté
Mério de Andrade: “A escrava que nao é Isaura”
Uma palestra sobre estética pronunciada no Mu-
nicipal naqueles dias tumultuados foi. a de Mario de
Andrade, a tarde do dia 15, 4*feira, intitulada “A es-
crava que no é Isaura”. Anunciada por Menotti de for-
(2) Semana Arte Modena” — A fa de ote no Matic
rt’ n tore de Comte {2a Pah. I de
‘No volume Eimdor Braslever, de nora de Ronald de Carvao, ¢
em 1924 no Rode Jaco, hiv um vaso caput sole "ane
a taj dy ance nendta ed te nse oe he
yogis & ma cfr. a tan Sfp’ dame ni
Bee Oh eee oe a, eee
enn, Rovaid de: Caryaibo la tpe-
:
Besa Stes a Seeman ar
eee eae ea
tee Se eee
0)
eS Paulo Ie foe 82
204
Mario de Andrade por Tanita, leo s/ tla, 1922, col. de
ma provocante, como: “. . .Mério de Andrade, 0 diabé.
lio, diré coisas infernais sobre as alucinantes criagdes
dos pintores futuristas, justificando as telas que tanto
escndalo e tanta grita tém causade no hall do Munici
pal. $6 isso valeria a noitada. Renato de Almeida, Vil-
la-Lobos, 0 genial Villa-Lobos, garantirio 0 éxito do
resto da noitada” "*, havia uma tempestade no ar desde
antes da conferéncia, diante do piblico exaltado, Con-
ta Anita: “Mério ndo tinha voz para empolgar as mas-
sas, Sua voz desaparecia no barulho das vaias e gritaria.
Resolvew, pois, ler sua conferéncia: “A escrava que ni
era Isaura”, da escadaria do saguio. Pegou, pois, 0
pessoal de surpresa © leu, nervoso mas resolvido, sua
(11) Helos, “CrOnies Soci” Im Correo Palitane, 15 fev. 1922
205célebre conferéncia. O saguiéo ¢ a escadaria ficaram
repletos ¢ quando o pessoal da vaia deu com o que es-
fava se passando, recomegou mas logo cessou, pois 0
Mitio tinha terminado”. E acrescenta & pintora pau-
lista: ‘Foi com esta conferéncia que apareceram as pri-
‘meiras idéias modernas na literatura paulista”
Na verdade, foram as primeiras idéias divulgadas,
posto que em forma de reflexdes jé 0 tinham sido,
pelo préprio Mério de Andrade, no, “Preféicio In-
teressantissimo”, da Paulicéia Desvairada, escrito, se-
gundo a dedicatoria, a 14 de dezembro de 1921, embora
© livro s6 saisse no decorrer de 1922. *
Nesse “preficio” Mério abordaria, em forma de
pensamentos anotados, uma série de problemas a serem
Tetomados na “Escrava”. Refere-se ao “belo horrivel”,
a0 “belo da natureza” e ao “belo da arte. Na tentativa
de abrasileiramento da nossa lingua escrita jé aqui
surgem os seus “‘milhores”, paralelamente a mengao
‘a Marinetti, além de Walt Whitman, Rodin, Epstein ©
‘outros. Quase como uma resposta ao discurso de Me-
notti na Semana, Mario diria também que “Escrever
arte moderna nao significa jamais para mim represen-
tar a vida atual no que tem de exterior: automéveis,
cinema, asfalto. Se estas palavras freqiientam-me o li-
vyro no & porque pense com elas eserever moderno, mas
porque sendo meu livro moderno, elas tém nele sua ra-
‘io de ser” ®.
Assim, no movimento em que é uma dentincia
clamar que Si0 Paulo é um
Galicismo a berrar nos desertos da Américal
contra o europeismo vigente, Mério é também um dos
rimeiros, ou 0 primeiro a registrar a contradi¢ao que
ermanece:
Sou um tupi tangendo um alaide!
jd antevendo o nativismo, o movimento de voltar-se pa-
1a 0 pais para descobrir-lhe as grandezas ocultas, que
seria a caracteristica do modernismo pés-Semana.
(2 Ate Mate, canted ae.
3) rane Dewairaga”CPoexet Comphist") 0. Com
eas te Mato de Andrade, Li. Martin Ea 8 Pal, 7.3
206
Mas, 0 ensaio de Mario de Andrade, “A Escrava
que no ¢ Isaura” — publicado em janeiro de 1925 —
deve, provavelmente, ser um desenvolvimento dessa pa-
lestra da Semana, constituindo uma das primeiras tenta-
tivas de formulagao de idéias estéticas modernas em nos-
so pais, jé nele incluidos os mais jovens poetas, de Ma-
fuel Bandeira, Luiz Aranha a Sérgio Milliet, dos nossos,
entre outros. “Analisando o Belo na natureza ¢ numa
obra de arte, Mario aponta neste ensaio a diferenci
so: “Quem procurar 0 Belo da Natureza numa obra,
de Picasso nio 0 acharé. Quem nele procurar o Belo
artistico, origindrio de euritmias, de equilibrios, da sen-
sagdo de linhas ¢ de cores, da exata compreensio dos
meios pict6ricos, encontrar 0 que procura” ,
A selecdo para a transposico da natureza através
da obra de arte pelo artista € também abordada por
Mirio nesse trabalho: “A natureza existe fatalmente,
sem vontade prépria. O poeta cria por inteligéncia,
or vontade prépria.
“Querer que ele reproduza a natureza € mecani-
ziclo, rebaixé-lo,
“Desconhecer os direitos da inteligéncia é uma
ignominia,
“A incompreenséo com que os modernistas de
todas as artes so recebidos provém em parte disso”
Em nota de rodapé, Mario aduz: “As outras partes sao:
& preguica de mudar, a falta de amor, a ma vontade, a
inveja e a burrice” »
Numa referéncia bem clara & reagdo do piiblico
diante da exposigéo de Anita de 1917 como diante das
obras expostas no Municipal na Semana de 22 diz, logo
adiante: “O espectador procura na obra de arte a na
tureza e como néo a encontra, conclui
(ou mistificago! O autor € idiota”. E cita a seguir a
frase de Epstein: “Il y a toujours alternative: Crest
idiot” et “Se suis idiot»,
0 lt tat ct ot ta
SESE feel oer a ate
& e,abeetenagto a Klazon, onde também enuncin cs Pitepios 66
Siam 9
nee
207A palavra de Graca Aranha
Futurices
“De um eritico que passa
© parecer 0 meu ouvido apanke:
A exposigio de Artistas
Futurstas
Néo tendo eraga
arranha!
‘ Fee
A esperada palavra do académico que apoiara
‘© movimento, prestigiando os mogos rebeldes, além de
ter, como disse René Thiollier, produzido “no énimo
da assisténcia a impressio de uma desconveniéncia,
grave", no causou impacto maior, e, segundo Plinio
Salgado, foi somente o discurso de Menotti, no dia 15,
que “pode ser considerado, com certas restrigées, um
traco luminoso entre 0 Passado ¢ 0 Presente, projetan-
do-se no Futuro”, Nesse seu artigo “A questo artis-
ica", publicado na A Gazeta, acrescenta o futuro lider
ireitista que “A nebulosidade metafisica do sr. Graca
‘Aranha, que repisou conceitos velhos de empoada filo-
sofia, nao esclareceu suficientemente a tumultuosa es-
tética”
Em verbosidade digna de um académico, Graca
Aranha iniciara sua conferéncia na noite de abertura
a Semana, ou seja, na 2#-feira dia 13, referindo-se &
exposicdo de arte presente no saguao do Teatro: “Para
muitos de vés a curiosa ¢ sugestiva exposicao que glo-
riosamente inauguramos hoje, é uma aglomeragio de
MME grees Gio apie ee
Dr cea anon mene nae
elas: pins oo aise aici
zombeteiros, so seguramente desvairadas interpreta-
do, Comrie
cite 88
7) Sob @ tse, “Futuies, “Reset Ja Jom
ga.) fs esi Aer‘ es “Rea
i) René Thole, ob cit.
want?) Pio Sedo, “A “questo anc’, A Gesre, 29 tev.
i
EAE pe es
~
Tae aes
‘raga Aranha”, desenho de Tursila do Amaral, “hors texte”
in Rfnon, nt 89, dean. 1922-23.
spice i aaa
Jes da natureza ¢ da vida". O autor de Estétic
Vida menciona a seguir que “outros” “horrores” vos
esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta colecto
de disparates, uma poesia liberta, uma mtisica extrava-
vante mas transcendente viréo revoltar aqueles que rea
‘gem movidos pelas forcas do Passado”, O grande pro-
(aly “Aries ¢ asta — Semana de Arie Moderna in O Briedo
ste J Peadoy 18 fv 19
209"0 Eviado de S. Paulo”
reproduzindo na integra
de Graga Avant,
pugnador de “nossa integragdo no cosmos pelas emogdes,
detivadas dos nossos sentidos, vagos, indefiniveis sen-
timentos que nos vem das formas, dos sons, das cores,
dos tatos, dos sabores nos levam 4 unidade suprema
com 0 Todo Universal”, ao mesmo tempo afirma: “Ig-
‘oro como justificar a fungao social da Acedemia” e
jd € @ sua conferéncia um cAntico a0 papel hist6rico
da Semana: “A remodelacao estética do Brasil iniciada
na mésica de Villa-Lobos, na escultura de Brecheret,
na pintura de Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Vicente do
Rego Monteiro, Zina Aita, ¢ na jovem ¢ ousada poesia
serd a libertagio da arte dos perigos que a ameagam,
de inoportuno arcadismo academismo e do provincia-
nismo”. Rejeitando 0 academismo j4 em 1922 (ou seja,
dois anos antes de sua famosa retirada da Academia
Brasileira de Letras) Graca denuncia-o dizendo que
“por ele tudo 0 que a nossa vida oferece de enorme,
de espléndido, de imortal, se torna mediocre e triste”.
que surge: “Sio estas pinturas extravagantes, estas es-
culturas absurdas, esta miisica alucinada, esta poesia
aérea e desarticulada, Maravilhosa aurora!”
Em depoimento sobre a Semana diria Candido
Motta Filho, anos depois, ter retido um didlogo entre
Mario e Oswald: “Eu no acredito no modernismo de
Graga Aranha”. Oswald: “ re
sna!_Nem por isso é
‘menos respeitivel a estatura de um Graca Aranha que
demonstra uma idealismo ao dizer, em pleno climax dos
acontecimentos que “O que hoje fixamos no é a renas-
‘eenga de uma arte que nao existe. E 0 proprio como-
vente nascimento da arte no Brasil”, e com otimismo
que somente a ocasido poderia té-lo levado a expressar,
acrescentou: “e como nao temos felizmente a pérfida
(22) “Novos depoimente_stire a, Semana de Arte Moderna” in
0 Bite eS pat Sea Ne, 1d ae 9
2u|& cemana ful
i
Hind
i
FE
i
fh
WW ATALIANG
SANGUINARIO
|
i
“A Semana Futurist” in A Gazeta, com a polémica “Pro”,
de Mario de Andrade, e “Contra", de Candido Motta Fitho
digdo de 4 fev. 1922.
212
sombra do passado para matar a imaginagéo, tudo
promete uma admirével “florada” artistica” =,
Na Estética da Vida Graca Aranha abordara, com
feito, alguns conceitos, como 0 do Belo, dissociando-o
da Arte, assim como também libertando-a “da idéia do
Stil” *, "Pela projeco do autor nos meios artisticos ¢
inteleciuais, pode calcular-se a repercussio dessas no-
vvas idéias ¢ dai o explicar-se 0 interesse dos modernis-
tas pelo grande maranhense.
‘Ao mesmo tempo, refletindo sobre o problema re-
presentacional da arte refere-se a Wagner, que “notou
‘com exatidéo” onde as outras artes dizem: isto significa
‘a misica diz: isto 6” *. Dai adviria a concentracdo na |. Z-
estruturacio plistica da obra pictérica pelos modernos,
com nenhuma ou menor preocupacéo pela temética, ¢, |
‘embora atribuisse 3 “emogio estética” o valor das no-
vas obras, Graga Aranha nao deixa, de certa forma, de
Iutar pela nova forma de expresso. Nao ha razio, diz,
le, “‘para se repelir 0 esforco dos artistas” que pro-
curam comunicar através de formas “por mais originais
€ inovadoras que parecam. As dissondncias musicais,
© cubismo e outras transformacdes de valores artisticos
obedecem a ess= movimento intimo, que aspira a real-
gar a expresso essencial de cada arte ¢ transmitir a
emogio estética pelos seus meios absolutos, emancipa-
dos de toda a relatividade” *.
Ainda fiel a0 prinefpio académico da pintura em
fungo da arquitetura", ou seja, rejeitando de certa
forma 0 nfo utilitarismo citado anteriormente, Graga
Aranha chega a contradi¢ées. Transparece, a0 mesmo
tempo, sua nio-adeso ao cubismo, Se bem que men.
cione nao ter ele sido “inteiramente nocivo”, trazendo
a pintura “maior largueza ¢ maior preciso de desenho
pela representacio total dos volumes” no compreende
© cerebralismo do movimento da escola de Paris diante
das alteragdes por que passava o mundo: “Parece que
2 te gm — Semana de Ase Modena” in 0 Estado
(OA) Graga Arash in A Entice da Vide, 9p. 363.
%.
(2) Na pitura © que we expraia € a decoapfo, | E nese fants
4. cSlonde, tebuense advert series, "oma are fil © saperfical
strode forma’ © de cr" Loum,
213© artista hesita diante do abismo ¢ disfarga, brincando
com a forma, a cor ¢ 0 som”,
‘A dimenséo de um Graca Aranha, na Semana, s6
€ compardvel & de Paulo Prado que, com seu apoio
precioso, possibilitou a realizacio da manifestacio hi
6rica, E mesmo encerrada a Semana, Paulo Prado
tentaria ainda obter a atengio de René Thiollier, resis
tente ante as idéias novas falando-lhe da “Arte Mo-
derna, arte pura, sem escolas, sem programas, sem pre-
conceitos, — Arte, com maidiscula, abertd a todos, des-
de que tenham talento, livre, © até mesmo andrquica,
‘mas viva ¢ fecunda, com todos os encantos de mocidade
alegre ¢ revoltada”®. Paulo Prado consegue, assim,
resumir em poucas linhas a posigio ideolégica da Se-
mana, destrutiva ¢ vital, em sua liberdade sem peias
em relagdo a academismos consagrados’ Pois, como
escreveu Menotti, “uma arte sem movimento”, hoje,
“atulhada de arcaismos e cadaveres decompostos, atra-
vanca 0 caminho da nossa evolugio social” *.
‘A posico e prestigio de Graga Aranha fizeram
com que, durante muitos anos, ele fosse considerado
como um mestre dos modernistas. Nada menos pre-
ciso, embora 0 seu prestigio tivesse impulsionado a
projecio do movimento: “A repercussio extraordiné-
ria alcangada por esse discurso” — escreveu anos de-
pois Manuel Bandeira, sobre o discurso de Graca na
Semana, esclarecendo com deciséo os fatos — assim
I ae arn eas ect mene recs ela
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Em's inde ito Regis, Vale Chul, 9 romance
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G9) “René Tholier, obra cit, p. 52
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tindn nent carta Met: “aay en, 1908 seo nos Ineunon inet
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214
‘como “o desconhecimento das verdadeiras origens do
‘modernismo levaram a um erro de fato, que ainda hoje
persiste, de apresentar os iniciadores do movimento co-
mo disefpulos do autor da Estética da Vida. A verdade
€ que néo houve influéncia de Graga Aranha sobre os
mogos, mas, a0 contrério, estes é que influenciaram o
confrade mais velho, como esté patente no romance
CAE idee We ne Ca Ab Tost as2 9
antevé, de certa forma, na oragao de abertura de Graga
Aranha na Semana, a substincia de seu discurso hist6~
tico de 1924, a0 romper com a Academia Brasileira de
Letras.
Mas 20 piiblico chocado diante da nova misica.
tocada na Semana (Poulenc, Villa-Lobos), como dian-
te dos quadros expostos ¢ dos poemas sem rima, A
Gazeta afirma que “sons sucessivos sem nexo esto
fora da arte musical: so ruidos, so estrondos; pala-
vras sem nexo légico esto fora do discurso: so dispa-
ales como tantos e tio cabeludos que nesta semana
conseguiram desopilar os nervos do piiblico paulista,
que raramente ria bandeiras despregadas” *. A esse
artigo, assinado por “A. F.” segue-se outro, que con-
dena 0 excesso de liberdade na arte, afirmando que,
passado “o periodo de mania, isto é, de movimentos
desordenados, viré a fase de prostragio e indiferenca,
até a imobilidade absoluta, a mumificacio”. Assim, a
“Suma Liberdade” “viveré cansada, enfarada”, recor-
dando “o tempo em que, relativamente tolhida” “bai
lava dentro de um citculo luminoso e restrito” "> A
esse terror diante do desconhecido e que para manter 0
status quo na arte se apega ao passado se aplicam bem.
as palavras por nés jé citadas de Paulo Prado sobre o
“sopro vivificador” que se sentia nas “tentativas modes-
tas de renovacao e liberdade” dos modernistas. Por-
‘que no fundo de todos os que se consideravam insulta-
‘dos pelos modernistas estava o medo da mudanga. Foi
‘© que fez Paulo Prado escrever a René Thiollier comen-
tando 0 sentido do movimento jovem: “Eo desenvol-
(1) Manuet Bandeirs, obra ct. p13
(G2), "Nous Ge ane" -A. Semana fyursta”, ig Garta, 16 Seve
9, atin atu A sees oon 4,8.‘vimento da tese que eu, se fosse escritor ¢ jornalista,
escreveria, & moda de Barrés, com este titulo — A Arte
A SEMANA COMO “PREPARADORA”
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ARTES PLASTICAS
NA SEMANA DE 22
Subsidios para uma histéria da renovagdo
das urtes ne Brasil
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