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ELSAESSER - HAGENER. O Cinema Como Espelho - o Rosto e o Close-Up

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3 O CINEMA COMO ESPELHO. O ROSTO E O CLOSE-UP Vemos relances de um projetor de filmes pequeno funcionando, seguidos, numa rapida sequéncia montada, de uma tira de imagens composta de filmes mudos antigos, mios de criangas, um cordeiro sendo abatido, pregos sendo cravados em maos, um escorpiaio, arvores na neve suja, os cadaveres de duas pessoas idosas, uma crianga na cama, a mesma crianga tentando tocar a imagem grande e borrada de um rosto de mulher com os olhos alternadamente abertos e fechados. Ao deixar: visiveis o projetor e a tira de filme, a sequéncia de abertura de Quando duas mulheres ‘pecam (Ingmar Bergman, Suécia, 1966) chama nossa atencao para o fato de estarmos -prestes a ver um filme: uma tecnologia e um artefato que nao devem ser confundidos com a realidade, Além disso, 0 close-up do rosto da mulher projetado sobre uma » superficie translicida e tocado hesitantemente pelo menino retrata-uma relagio arquetipica representada pelo cinema: a de servir de espelho..O foco deste capitulo serio as muitas maneiras de teorizar sobre esse momento em que nos deparamos com uma imagem como se estivéssemos diante de nosso proprio eu refletido. Quando duas mulheres pecam, filme no qual 0 motivo do espelho é utilizado 20 extremo, gira em torno de uma atriz emocionalmente frégil, Elisabeth Vogler (Liv Ullmann), que se vé, depois de um colapso nervoso no palco, sob os cuidados da enfermeira Alma (Bibi Anderson). A aproximagio que se segue € a consequente proximidade entre as duas mulheres provocam néo sé intimidade, mas também tensdes e conflito, retratados como uma confusio temporitia de identidades ~ em tal Grau que mesmo o espectador, as vezes, jd nfo consegue diferencié-las. A certa altura, tum rosto composto é gerado pela combinagio de metade do rosto de cada uma das atrizes olhando num espelho - ou &0 rosto que olha para nés?! Quando alguém estuda —_ Gilles Deleuze (1986, p. 103) cita a pinda de Ingmar Bergman de que essa confusio de identidades fot algo com que as préprias atrizes tiveram de lutar: “Nés deixamos o filme na mesa de montagem e,entio, «Liv disse:'Voct viu como a Bibi é fea?’ ao que Bibi respondeu: Nao sou eu. feia € voce." Teoria do cinema 71 Digitalizado com CamScanner “a a filmografia de Bergman, dé-se conta de que virios filmes tém titulos que anung, a centralidade de espelhos e rostos na obra dele: O rosto (Suécia, 1958), Através de = espelho (Suécia, 1961), Face a face (Suécia, 1976), O rosto de Karin (Suécia, 1984): quais so exatamente as implicagdes do espectador que olha nos olhos de um. T0Sto forg 36 1 pela uestio, do comum? Isso deve ser interpretado pela fenomenologia, pela psicanilis neurociéncia? Abordagens oriundas dessas trés disciplinas foram aplicadas 4 Figura 1. Quando duas mulheres pecam: o espelhamento como contronto com o rosto human. 1970, a teoria do cinema, sobo'signo dt 1.0 potencial reflexivo docinem®.” Aautorreferéncia de tipos diferentes se tornou parte integrante do arsenal estilistico de 'as vanguardas europeias, ela mesma refletida, Por seu turno, pela teoria do cinem* A imersio na ficcio, de repente, pareceu se tornar impossivel, Como discutido nos do , acesso em 23/5/2014. 78 Papirus Editora aedely 4 Digitalizado com CamScanner frequentemente associado ao pecado de vanitas guardam um significado duplo, ex romances fantasticos de E.T.A. Hot ou Oscar Wilde, que, por sua vez, (vaidade). Os espelhos sempre pressando uma personalidade dupla, como nos ffmann, Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson tanto inspiraram 0 cinema expressionista alemao € 0 género do terror em Hollywood. Essas leituras externas/internas do espelho sao importantes da perspectiva histérico-cultural: elas constituer m a base da distincio entre a estética clissica e a romintica, assim modificando a oposicao de Platao em versoes alternativas da vocagio artistica. Em O espelho e a lampada, M.H. Abrams (1953) contrasta duas metéforas complementares da mente: uma equipara a mente aum refletor de objetos externos (no classicismo), a outra, a um projetor radiante que muda a aparéncia do objeto que percebe (no romantismo). A primeira é baseada num conceito de representagio; ja a segunda prioriza a ideia de imaginacao - um contraste que frequentemente reaparece na teoria do cinema também, especialmente quando opde narrativa e realismo no cinema convencional a imaginacao ¢ iluminacao no “cinema puro” de vanguarda ou no cinema postico. Ograu a que pode chegar a complexidade intrinseca da ideia de representagio (como reflexao que espelha), mesmo sem ser justaposta a imaginacao, é amplamente demonstrado na pintura, em particular desde a discussio de Michel Foucault (2002, Pp.17-19) sobre As meninas (1656) de Diego Velézquez, uma pintura merecidamente famosa da familia real espanhola, na qual complexas relagdes de espelho e eixos de visio desestabilizam a posigao fixa do espectador, que se torna mutavel e instavel, retirando de nds a prépria base da “representagio”. De modo parecido, em Um bar no Folies Bergéres (1882) de Edouard Manet, desenrola-se uma rede complexa de telacdes visuais, eixos de visio e sinais espaciais em raz4o do uso de um espelho enorme atrds da mulher no bar, o que complica tanto a estrutura interna da pintura quando nossa prépria posicao em relacao a cena retratada, Como esperamos mostrar, muitas dessas questées filos6ficas e estéticas sao relevantes também para a teoria do cinema, mesmo que suas terminologias (¢ “solugdes”) partam de uma problematica diferente ou se apropriem menos da filosofia classica ou pés-estruturalista e mais da hermenéutica literdria, do marxismo € da psicanilise, Podem-se distinguir heuristicamente trés paradigmas que pertencem ao campo semantico do espelho ¢ de suas conotagdes metaforicas. Primeiro, existe a ideia dominante ~ e um tropo comum na maior parte do cinema clissico ~ que ve © olhar para dentro do espelho como uma janela para o inconsciente, referindo-se 4 um excedente ou excesso de Ego, que 0 espelho é capaz de revelat. Segundo, a metéfora do espelho no cinema aponta para um duplo reflexivo do que esti sendo visto ou mostrado: tais momentos tendem a significar, na teoria do cinema, um efeito de distanciamento ¢ estranhamento, em vez de revelar um significado mais Profundo. Isso mostra como o cinema moderno conhece sua propria historia como. Teoria do ema 79, Digitalizado com CamScanner meio de aparéncias e enganagées, cujo “jlusionismo” tem de ser frustrado, bloqueado ou fragmentado por imagens especulares e reflexdes multiplas. O espelho coma duplo reflexivo-refletivo, que interrompe uma narrativa ¢- como em Quando duas mulheres pecam, de Bergman ~ nos manda de volta a nossa situagio de espectadores de um artefato, é tipico do cinema de autor e das vanguardas da década de 1969, Finalmente, 0 espelho no cinema também pode se referir ao espelho do Outro, conforme os antropélogos 0 identificaram, como um componente de identidade humana, agéncia e comunicagao intersubjetiva. Nesse aspecto, o cinema talvez desempenhe um papel importante na evolucdo cognitiva do ser humano quando se trata das origens da empatia, da simpatia e da interacdo afetiva com os outros, aludindo a uma conexio entre o debate em torno de espelho, rosto e close-up nos estudos de cinema e nas discussdes cientificas dos chamados neurénios espelho, um fendmeno recentemente descoberto em macacos por (neuro)bidlogos evolucionistas e muito debatido entre tedricos do comportamento. A ideia do cinem; do cinema de meados Pete S¢ tornou um paradigma central da tot! possiveis As vezes se soles & meados dos anos 1980, Duas articulaso® em enem s um ado, as eorias de Sighs fren eee Poder sr faclmente separ P™ ‘cud sobre o inconsciente inspiraram Jean-L0"® 80 Papirus Editora Digitalizado com CamScanner Baudry a desenvolver sua ideia de “aparato cinematografico” e dispositif modelada segundo a psique humana; por outro, Christian Metz tomou emprestado 0 conceito de Jacques Lacan do inconsciente como linguagem para falar do “significante imaginario’, que alinha o cinema com varias ideias importantes da linguistica estrutural. Baudry vé a relacio entre tecnologia cinematografica e psique; ja Metz argumenta que a imagem cinematogréfica refigura uma auséncia como Presenca €, assim, “significa” por meio de um processo dinamico de substituicao, pelo qual 0 espectador é “capturado” por uma presenga imaginada ou projetada, semelhante ao exemple de Freud do jogo do fort-da, no qual a crianga pequena que joga objetos para longe esta fazendo experiéncias com a auséncia (e 0 retorno) dos pais, bem como se familiariza com a forma mais rudimentar de narrativa. Metz complementou depois essa teoria do cinema narrative como uma cadeia de substituicdes (“metaforas”) e deslocamentos (“metonimias”) com outra ideia lacaniana: a do “estadio do espelho” como momento crucial na formagao da subjetividade humana, que, por sua vez, funde-se com algumas das especulagdes de Baudry."* Embora os detalhes desse estadio do espelho sejam tratados a seguir, e mais uma vez - especialmente em sua implicacao na questao de género no cinema ~ examinados no préximo capitulo sobre “olho e olhar’, deve-se observar, neste ponto, que essas abordagens de base psicanalitica compartilham a ideia de que, no cinema, corpo e mente “regridem” para uma fase anterior do desenvolvimento psicofisiolégico. No ambiente escuro do auditério do cinema a apreensio da realidade se afrouxa, facilitando também, por meio da projecao externa, dptica, tipos diferentes de projecdes internas, psiquicas, € ocasionando uma fusio da “tela onirica” interior com a tela real do cinema. Dai a comparacao de certas figuras e tropos de estilo com os mecanismos identificados por Freud como “trabalho onjrico’, j4 mencionados no capitulo anterior em conexao com as andlises detalhadas de Thierry Kuntzel - “o trabalho do filme” ~ sobre as sequéncias de abertura. Como um dos sucessores - e antagonistas criticos - mais importantes de André Bazin (discutido no Capitulo 1), Christian Metz (1931-1993) requer comentarios adicionais. Pode-se dizer que Metz foi a figura de proa dos estudos de cinema durante os anos 1970. Ele lecionou na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris, durante a maior parte de sua carreira, La, reuniu em torno de si um ntimero crescente de académicos mais jovens, da Franga e de outros paises. Em. cursos (de verao) ministrados em inglés e em tradugdes de sua obra prontamente realizadas, Metz também conseguiu atrair um grande piblico anglo-americano, 9 escola tedrca sofrew um ataque intenso, especialmente dos eiticos neoformalistas ¢cognitvists, Para mais informagdes, ver Carroll (1988b) ¢ a antologia de Bordwell e Carroll (1996). Uma discussion ‘mais neura, mas ainda critica, pode ser encontrada em Allen (1995). Uma apresentagdo invariavelmente five de um ponto de vista interno pode ser encontrada em Mayne (1995). ‘Teoria do cinema 81 Digitalizado com CamScanner dos." Em f que ajudou a disseminar suas ideias na Inglaterra e nos Estados Unidos." Em ji gerais, o pensamento de Metz pode ser dividido em duas Eee uma primeira estruturalista, durante a qual ele tentou sistematicamente estabel a as semelha, eas diferencas entre cinema (como “linguagem”) € ei jumana desert, conforime a linguistica estrutural (ou saussuriana).!” Em outras Palavras, Met adotou literalmente uma das metéforas recorrentes da teoria do cinema desde a5 teorias e priticas da montagem por diretores soviéticos durante os anos 1920: em que sentido se pode falar de uma “linguagem do filme” e, por extensao, de que maneirg se pode dizer que uma sucessio aparentemente arbitraria de imagens transmite um significado preciso (isto é, verbalizavel e sintaticamente correto)? Metz concluiu que ‘© cinema era uma linguagem apenas num sentido restrito (“uma linguagem sem lingua’) e comegou a formular 0 problema de modo mais geral, com a intencio de “compreender como os filmes so compreendidos” (Metz 1974a, p. 145). E essaa questo que, por fim, o leva a abandonar parcialmente qualquer analogia estritamente Linguistica e a buscar uma teoria do espectador de inflexaio mais psicanalitica como geradora e construtora de significado. Essa ideia deu inicio a uma segunda fase em sua obra, que culminou na publicacao de Le signifiant imaginaire: Psychanalyse et cinéma, uma coletanea de ensaios escritos entre 1973 e 1975.'* Nela, Metz argumentou contra as analogias comuns entre cinema e sonho, claborando, em vez disso, as semelhangas estruturais entre cinema e espelho. Ele apontou a riqueza aperceptiva de ambos os tipos de percepcdo visual (abundancia de detalhes, semelhanga entre o mundo representado e 0 mundo real), bem como a irrealidade da imagem (s6 luz e formas projetadas numa superficie plana), mas também se valeu do estédio do espelho de Lacan. A publicacdo, entao, desloca a atengao do filme como texto, linguagem e narragao part 0 filme como suporte imaginério de uma percepcao fragmentada do sujeito que ve e do cinema como “maquina mental” (aparato), que permite que o espectador st perceba “presente para si mesmo” e vivencie como completa e una uma sucessio de sequéncias e planos aparentemente desconectados. Todavia, para Metz (1986, p-45) também existem algumas distingSes cruciais entre imagem especular e image! cinematografica: 14, Para introdugées concisas ao pensamento eas ideias de Met, — primeira fase do pensamento de Metz, ¢ Robert T. Eberwein (p 15, Essa fase se enquadrara, no geral,em nossa primeira o 4s duas principais obras de Metz nese pe ‘ 1968 ¢ 1972, duas partes ~ edigio em ing 1974b), Em ambas as obras, Metz discord. uusou a metéfora da linguagem, 16, _Pode-sedistinguis ainda, uma tercira fase na ob 4 oto de criar uma enunciagio conforme Rolan ver Andrew (1976, pp. 212-240) wein (iu Lehman 1997, pp. 189-206). 1 ntologia do cinema como moldura ejanela js iodo tratam do paradigma do filme como linguaget™ Oe és Metz 1974a, temp. 2000; e Metz 1971 ~ edigio em it 'a do modo extremamente solto como seu professor Je itey is a de Metz, na qual ele enfoca a enunciagio fin id Barthes a entendia (Metz 1991). 82 Papirus Editora 4 Digitalizado com CamScanner Mas o filme é também diferente do espelho natural num aspecto importante: embora tudo possa se refletir bem tanto num quanto noutro, hé uma coisa que nunca encontrard reflexo no filme, que é o corpo do espectador. De determinado Ponto de vista, enti, o espetho repentinamente fica opaco. Essa passagem marca um momento fundamental nessa fase da teoria do cinema: a identificagio do espectador que assiste a um filme é sempre uma construcao que preenche um lugar opaco ou uma falha perceptiva. O olhar para dentro do espelho da tela ja nao se parece ~ como era 0 caso com Balazs - com 0 reconhecimento de um serhumano através de outro. Em vez disso, 0 ‘que acontece é um ato de reconhecimento falso ou desconhecimento, como se alguém reconhecesse 0 outro como ele préprio ou, ao contrario, percebesse (erroneamente) a si mesmo em e como outro. Essencial para essa “identificacdo por meio do desconhecimento” como constitutiva do cinema é a teorizacao de Jacques Lacan (1977) sobre 0 estadio do espelho (stade du miroir), uma ideia complexa e contestada, mas crucial, em razio de seu papel central na teoria do cinema de toda uma geracao. O estadio do espelho descreve uma fase do desenvolvimento infantil entre seis e 18 meses. Nessa idade, a crianca ainda nao consegue controlar a coordenacio motora e os movimentos corporais a ponto de funcionar como um ser auténomo, mas consegue reconhecer a Propria imagem no espelho. Esse reconhecimento repentino, encenado por mimica © apercep¢ao situacional que envolvem a presen¢a materna, entretanto, nao se esgota no puro efeito perceptivo, como no caso dos primatas; ele marca, sim, de acordo com Lacan, a entrada do ser humano nascente na ordem simbélica, isto é, em estruturas sociais como leis, proibigdes e regras de comportamento adequado, bem como na linguagem. Por um lado, a crianga se percebe de fora como completa e independente, assim se objetificando e alienando no ato de se tornar “imagem” para si mesma. Porém, se “a crianga se identifica consigo mesma como um objeto”, como destaca Metz (1986, p. 45), ela também projeta agéncia mais do que capacidades fisicas nessa imagem, assim se identificando com sua imagem como um eu idealizado, originando, de acordo com Lacan, tanto um “eu ideal” (autoprojecao idealizada) quanto um “ideal do eu” (projegao ideal de outro sobre o eu), cuja dindmica contraditéria forma a base de todas as identificagdes, autoimagens e objetos de amor subsequentes: A assungo jubilatoria de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na impoténcia motora e na dependéncia da amamentagao, que € o filhote do homem, nesse estigio de infans, parecer-nos-4, pois, manifestar, numa situagio exemplar, matriz simbélica em que o Eu se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificagdo com 0 outro e antes que a linguagem Ihe testitua, no universal, sua fungao de sujeito, (Lacan 1977) Teoria do cinema 83 Digitalizado com CamScanner 7" Subjacente a toda relagao afetiva conforme esse modelo estaria algum tog desconhecimento projetivo ou autoengano narcisico, sugerindo, por exemplo, queg desejo nao est apenas baseado numa falta (percebida) dentro do eu, ele também, 7 sempre mediado pelo desejo (imaginado) de outra pessoa. Os tedricos do cinema, como Metz e Baudry, reconheceram nesse modely aparentemente confuso e improvitvel do desenvolvimento humano um conceit, poderoso que unificou muitos de seus esforgos parciais ou contraditérios nq explicagio do fascinio que o cinema exerce sobre os espectadores. Nao sé 0 espelho (bidimensional) proporciona 4 imagem plana emoldurada da tela uma analogig melhor do que a da janela, ao inscrever 0 espectador como alguém ativo de algum modo, como também a teoria de Lacan acomodou a ideia do cinema que convida j “regressiio” eao relaxamento do autocontrole, Por semelhanga com o pensamento de Freud sobre as fases subsequentes e complementares do desenvolvimento humano (oral, anal, edipica), Lacan propés que as questdes pertencentes as fases anteriores nunca eram totalmente tratadas ou resolvidas; consequentemente, elas continuavam presentes em todos os momentos como tracos ou camadas residuais, de modo quea possibilidade de regressio é sempre certa, Contudo, igualmente cruciais para a adogio do paradigma do “cinema como espelho” foram a geometria espacial peculiar da idealizacao (eu/outro) e a estrutura temporal da expectativa, inerentes 4 fase do espelho lacaniana. Elas parecem explicar 0s prazeres iterativos, compulsivos e extremamente narcisicos associados ao cinema narrativo, independentemente de 0 estilo e o género serem “realidade” ou “fantasia A identificagao no cinema, entao, seria contingente do estabelecimento com a imagem em movimento nao de uma relacao de aparéncia versus realidade, ou ficgio versus verdade, mas uma relagio imaginéria interna ao espectador, semelhante Aquela subjacente ao advento da autoconsciéncia na crianca, muito embora esst semelhanga permaneca escondida e “ji nfo deva ser apresentada ao espectadot formalmente na tela prateada como no espelho de sua infancia” (Metz 1986, p.46)- Met especifica essa relagdo imaginaria tragando uma distingio entt identificagao priméria e secundaria: esta ultima peptone a & a que geralmente temos e™ mente quando falamos de “identificagio” com personagem de um filmes ji ® primeira € a identificagao (inconsciente) com o olhar (ausente) da camera. ES identificagao primaria é mais fundamental e mais escondida do que a identificags? com os personagens ~ fundamental, porque, em primeiro lugar, possibilita a fies? a narragdo de imagens sucessivas; porque, no Pi alt classico, 0 olhat da cdmera estd incorporado em nosso olhar, dando-nos a ilusto cle dominio vit quando, de ato, estamos sendo conduzidos e dominados pela ctoneei, Em suma, 0 espectador se id . r se identifica consiga mes percepgio (como despertar, como, eam mene como um ato pro alerta): como un a condigo de possibilidade do 84 Papirus Editora Digitalizado com CamScanner objeto percebido, portanto, também como u ° ima espécie de sujeito transcendental, anterior a qualquer Hé. (Metz. 1986, p. 49) ’ A identificagio Primaria, em outras palavras, éum construto tedrico destinado a explicar varias caracteristicas do cinema: ela lev: Be ™ em conta por que normalmente nao notamos (conscientemente) que as im: i < agens que vemos foram gravadas por uma cimera - especificamente para nds; ela sugere por que as imagens ~ mesmo quando nio marcadas como planos de “ponto de vista” - podem provocar uma sensagio ‘ou um impacto “subjetivo” forte; ¢ ela introduz, por meio do conceito filoséfico de “sujeito transcendental’, o problema de como algo pode ser tanto “imaginério” quanto “fundamental’, além de ser também causa ¢ efeito. Com essa fase do espelho cinematografica teoricamente sofisticada ¢ também metaforicamente elegante, uma das questdes mais espinhosas ¢ insoltiveis na teoria do cinema poderia ser novamente abordada: a questo do realismo, que, especialmenteem sua formulacdo baziniana, irritou até mesmo muitos de seus seguidores, ja que parecia privilegiar apenas uma forma de cinema, o neorrealismo, excluindo tanto o cinema hollywoodiano quanto o abstrato ou vanguardista. Foi Jean-Louis Baudry quem elaborou por completo as consequéncias dessa mudanga de foco de janela para espelho a0 se sair bem na explicago de por que o “realismo” (como uma estética) é um estilo e, portanto, um construto, e por queaté o “ilusionismo” (como praticado por Hollywood) pode ter um “efeito de realidade” to poderoso. Isso ocorre porque todos os “efeitos de tealidade” sio, sobretudo, “efeitos de sujeito’, isto é, eles exigem a construgio de um sujeito (“transcendental”) antes que uma representagio seja percebida como “realista’ ou reconhecivel pelo espectador como algo que diz respeito (ou que se dirige) a ele. A imensa influéncia de Baudry no desenvolvimento da teoria do cinema (baseada, como realmente se baseou, em apenas dois artigos) se deveu a uma combinagio astuta de trés tipos de conhecimento: uma nova explicagdo tecnol6gica do cinema; as teorias psicanaliticas de Freud e Lacan (conforme elaboradas por Metz); e uma compreensio filosoficamente mais embasada das questdes relevantes, que combinam a teoria idealista de percepgio e realidade de Platio com o ceticismo epistemoldgico de Kant sobre a possibilidade do conhecimento objetivo. Em vez de comegar com a ideia de cinema como representacio da realidade ‘ou como meio de contar historias, Baudry usou a genealogia tecnoldgica do cinema de uma perspectiva renascentista, a camera obscura, ¢ a dptica cartesiana para uma critica ideolégica de seus efeitos subjetivos, argumentando que a organizagio espacial peculiar dos diferentes elementos do cinema, como alinhamento de projetor, espectador e tela, constituia 0 que ele chamava de “um aparato cinematogeatico bisico” que, em sie por si, jé embasava e circunscrevia os efeitos que poderia exercer sobre o espectador. Ela confirmava que esse aparato imitava no nivel fisico aquilo que 0 individualismo burgués tentou no nivel ideolégico e a perspectiva monocular Teoria do cinema 85 Digitalizado com CamScanner a “centralizagao’, bem como a “imobilizacao” oy 5 lécus de consciéncia € coeréncia, dando 4 impressio de dominio quando este era mero efeito dos ee maquinarios _ épticos, ideol6gicos, narrativos, especulares ~ estabelecidos pelo quadro munca burgués-capitalista. A sensagao do eu, produzida pelo cinema, era, entao, ilusériae real, Incapaz de assumir o controle das forcas que manipulam ou guiam a percepcio, © espectador, contudo, vivencia esses poderosos (€ frequentemente Prazerosos) efeitos de sujeito no enderegamento € na interpelagao dos quais uma Sensacio exacerbada de presenga é 0 resultado, fazendo do “cinema dispositif” uma sintese perfeita de filosofia idealista ocidental e explicagdes freudianas da psique (Baudry, in Rosen 1986, p. 313). JA discutimos como a configuracao psicanalitica destaca a funcao especular do cinema. A dimensio filoséfica segue o exemplo da parabola da caverna, de Platio: tentando explicar por que a percepgio de objetos reais nfio consegue compreender esses objetos em sua esséncia, Plato compara os seres humanos a prisioneiros numa caverna, acorrentados de tal forma que sé conseguem olhar numa direcio. Uma fogueira arde atrés deles e, entre o fogo e os prisioneiros, hd um caminho ao longo do qual pessoas podem se deslocar. Essas pessoas, que esto fora do campo de visio dos prisioneiros, carregam objetos que langam sombras sobre a parede que esta diante dos prisioneiros. Embora estes ultimos nao tenham razao para acreditar que estejam percebendo outra coisa que nao objetos “reais”, os arranjos espaciais deixam claro, para qualquer um que esteja “fora” ou que “transcenda” essas condigées limitantes, que 0 que esta sendo visto é uma realidade secundaria, nao importando quao real e imediato seja o efeito ou impacto sobre o espectador. Na visio de Baudry, a alegoria de Platéo corresponde, com assombrosa clarividéncia, a situagao dos espectadores no cinema: realizou no nivel perceptivo: “captura” de um sé individuo como E, portanto, sua paralisia motora, a impossibilidade de sair de onde esto, que torna impossivel, no caso deles, verificar a realidade, assim embelezando sua apreensio errénea efazendo com que tomem o representativo pelo real - ou, antes, imagem do representativo e sua projecio na tela pelo que a parede da caverna diante deles representa e da qual nio podem desviar (os olhos). Eles esto colados, amarrados, acorrentados & superficie de projegio ~ uma relagio, um prolongamento entre ela e eles que ¢ interdependente de sua inabilidade de se libertar dela, Essa superficie a iltima coisa que eles veem antes de adormecer. (Ibid, p.303) ° et No cinema, 0 arranjo especifico de projecio, tela e puiblico, junto com 0 eftit® de ‘entralizagao” da perspectiva dptica e as estratégias de focalizagao da narragé? aes garantem o fascinio do espectador ou conspiram para isso, mas també™ Bara sua Uansposicfo a um estado de transe no qua ica dificil distinguir 0 “I fore qui dentro’ Assim, a teoria do dispositivo — como ficou conhecido no mun? 86 Papirus Editora 4 Digitalizado com CamScanner anglo-saxio esse amdlgama de critica técnica, historia da arte - parecia, do outro lado da m, multidimensional com um conjunto interli entre cinema, filme, psicanalitica, filoséfica, ideol6gica e de etifora do espelho, oferecer um modelo igado de conceitos para mapear a relacdo 08 sentidos ea consciéncia do espectador, o corpo eo inconsciente: Retorno na diregio de um narcisismo relativo, € ainda mais na diregio de um modo de se relacionar com a realidade, que poderia ser definido como envolvente ¢ em que a separagio entre o proprio corpo e 0 mundo exterior nao esta bem definida, Seguindo essa linha de raciocinio, talvez se possa, entdo, compreender as razbes da intensidade da ligagio do sujeito com as imagens e 0 processo de ‘dentificagao criado pelo cinema. Um retorno a um narcisismo primitivo pela Tegressio da libido (..), a auséncia de delimitagao do corpo: a transfusio do interior para o exterior... (Ibid., p. 313) Por mais engenhosa que tenha sido a teoria do dispositive na época, quando sua prépria dificuldade a tornou realmente persuasiva para uma nova elite académica, ela nao deixou de ter criticos. Primeiro, uma série de objeces veio do campo emergente dos estudos feministas de cinema, em que a cegueira da teoria do dispositivo para as questoes de género ea abordagem “fetichista” da tecnologia foram questionadas, especialmente em dois artigos de Constance Penley, que sustentava que, muito embora a teoria do dispositivo parecesse validar os filmes nao narrativos, experimentais ou “materialistas” como desconstrucées progressistas e criticas do idealismo inerente a esse dispositivo, a vanguarda do cinema ainda estava presa a seu préprio imagindrio, construindo uma espécie de “maquina celibataria” (Marcel Duchamp) do controle masculino frustrado: em outras palavras, mais brinquedos de menino (Penley 1977 e 1985). Desse ponto de vista privilegiado, a teoria do dispositive simplesmente acrescenta outra camada de (auto)engano aos esforgos quase tragicos da teoria dos anos 1970 para se libertar do préprio aprisionamento pelo encanto da imagem em movimento, tanto em seus efeitos de realidade quanto. em seus efeitos de sujeito. Segundo, a teoria do dispositivo nao sé dependia do (controverso) estadio do espelho postulado por Lacan e de uma leitura radical, anti-ideolégica da Perspectiva central renascentista - da qual se diz que descende a visio monocular do cinema -, mas também oferecia uma versio convencional e monolitica demais da historia do cinema, Embora a genealogia do cinema que deriva da perspectiva monocular tenha sido questionada pelo historiador da arte Jonathan Crary (1992),"” —_____ Crary adota uma perspectivafoucaultiana para complicara genealogia da visio “ptica” edo voyeurismo, apontando para a histéria de uma teoria da percepgao mais corporifcada e lembrando seus letores da Popularidade da estereoscopia. Tanto a teoria da percepglo quanto aestereoscopia substituem qualquer Aescendléncia direta do cinema em relagio & perspectiva central e camera obscure, Teoria do cinema 87 Digitalizado com CamScanner os historiadores do primeiro cinema e do pré-cinema também eee Sobre aideia de que os primeiros espectadores da imagem em movimento estivessem, mesmo metaforicamente, “acorrentados” a seus assentos. Em vez disso, as Poltronas escalonadas do auditério, como as conhecemos nas salas de cinema classicas, resultaram de um processo intrigantemente demorado de ‘isciplinamento” do publico, transformando-o de coletividade barulhenta e frequentemente incontrolave| em espectador individualizado, silenciado e cativado (ver também Elsaesser 2000); uma figura que, paradoxalmente, comecou, uma vez. mais, a abrir caminho para espectadores mais méveis diante de todos os tipos de tela, mais ou menos na época em que Baudry formulou sua famosa teoria, o que da a ela, em sua severidade pureza, um teor quase retrospectivo (se nao nostalgico). Embora, no capitulo final, voltemos a proliferacao e a mobilizacao das telas desde a virada digital, vale a pena enfatizar o impacto dos primeiros estudos de cinema e da chamada histéria “revisionista” do cinema sobre a teoria do cinema de inspira¢o psicanalitica. Condensando um debate de dez anos sobre a natureza do primeiro cinema numa formula tinica, facilmente compreensivel, Tom Gunning propés um “cinema de atracdes” como caracteristico do modo inicial de exibigao e comunicacao do cinema. A frase de efeito sugestiva e eficaz enfraqueceu ainda mais 0 poder da teoria do dispositivo, j4 que sugeria que, em toda a historia do cinema, existiu um modelo alternativo para retratar a relagao entre tela, espectador e imagem em movimento: o das “atra¢des” frouxamente conectadas, semiautonomas, que apelam diretamente ao espectador num gesto de manifesta performatividade, em ver de qualquer efeito de realidade embrulhado em efeito de sujeito ou devido a uma recusa ao voyeurismo (Gunning, in Elsaesser 1990, pp. 56-62). A separagao (ideolégica) no primeiro cinema é um pouco diferente. Por um lado, o primeiro cinema exibe, de fato, uma tendéncia de ansiedade latente quanto’ integridade do corpo humano e demonstra medo de sua fragmentagao pela técnica demontagem. £ bem conhecida ahist6ria da resisténcia ao ae Di W. Griffith € seu camera Billy Bitzer encontraram de inicio, quando dividien quadro em vistas parciais. Linda Williams (1981), de uma perspectiva cone fetoeno 3 cronofotografia e a Badweard Muybridge i ara loc: ini i corpo (nu, com género) em movimente, r ant esse fascinio a les apresenta o desmembramento como i a Mo situacdo terri rae 0 ‘atracdo’." Eles elegem mui rivel e comica, em suma, com oe Bim muitos filmes de Méliés, como Dislocan pa tanga, 1901) © O terrivel executor tuy sn ra ocation mysiér co (Franca, 1904), bem como filmes 4" 18. Ver Fisher (1979) e 0 documentérig gor ito e rentério de Nod 1 pictures (Reino Unido, 1975), * Hash Pua TV, Comin Please, or how we: 88 Papirus Editora Digitalizado com CamScanner pretendem mostrar acidentes espetaculares, Por exemplo, How it feels to be run over e Explosion of a motor car (ambos de Cecil M. Hepworth, Reino Unido, 1900). Burch argumentou que esses filmes eram tentativas de. assimilar a desintegra¢ao progressiva da integridade do corpo, trazida para a cultura pela invengao do cinema (bem como pelos regimes modernos de trabalho mecanizado e pelos métodos de produgao em linha de montagem). © cinema burlesco, principalmente aquele levado & perfeicao em Hollywood, continuou essa investigacio de meados dos anos 1910 até o fim dos anos 1920. Os primeiros filmes de Charlie Chaplin, Buster Keaton, Harold Lloyd e Harry Langdon perguntam, como um de seus subtextos sociais, como superar os efeitos drasticos dos emblemas e sintomas da modernidade (carros motorizados, arranha-céus, trabalho fabril, multidées e cidades) sobre 0 corpo ea mente (Paulus e King 2010). O tamanho varidvel da imagem no cinema ea questéo geral de escalae detalhe, J discutidas anteriormente a propésito do close-up e do rosto humano, sublinham a importancia da proximidade ou da distancia da camera em relagdo a aco e do espectador em relacio a tela. Foi a essas ansiedades concernentes ao corpo ea esses deslocamentos perceptivos que 0 cinema “classico” respondeu e reagiu no final dos anos 1910 com um processo de “recentralizagio” e “recalibragéo” em torno da figura humana como norma das relagdes espaciais de escala e proporcio, Aquilo que, na teoria do dispositivo, figura como “causa” e origem, ou seja, 0 cinema classico, pode agora ser visto mais adequadamente como efeito e contra-ataque, num processo que se alterna e oscila desde entao. Seguindo essa linha de pensamento, faz sentido que uma das poucas tentativas europeias de quebrar a hegemonia da narragao hollywoodiana classica de histérias nos anos 1920, especificamente 0 cinema expressionista alemao, recorreu a perspectivas distorcidas e angulos excéntricos e também realizou uma variedade grande de reviravoltas nos motivos do duplo, do espelho e da sombra perdida’ - tirados da literatura romantica do século XIX e 08 quais foi conferida uma urgéncia renovada pela fungao especular mecanizada e quase automatica do cinema. Se alguém concorda com Gunning que o primeiro cinema demonstra uma orientacao autorreflexiva na direcao da exibicio performatica, vai querer associar um, significado diferente ao uso alternadamente estranho e divertido dos close-ups ou as mudangas de escala e perspectiva. Em vez de procurar como podem se (re)integrar & agio circundante, eles devem ser lidos como reviravoltas performticas, como “planos de insercio”, e nao como close-ups num processo gradual de proximidade intensificada, 19, Basta pensar em filmes como Der andere (Max Mack, Alemanha, 1913), Der Student von Prag (Stellan Rye e Paul Wegener, Alemanha, 1913), 0 gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, Alemanka, 1920), golem (Cart Boese e Paul Wegener, Alemanha, 1920), Nosferatu (FW. Murnau, Alemanha, 1922) ¢ Figura de cera (Leo Birinsky ¢ Paul Leni, Alemanha, 1924). Teoria do cinema 89 Digitalizado com CamScanner Um bom exemplo & o filme Os dculos de leitura da vows (George Albert Smith, Reing Unido, 1900), cujos close-ups podem ser interpretados como planos motivados por uma moldura narrativa eoerente, apesar de rudimentar (um menino encontra a lente de aumento da avd sobre a mesa e a aponta sucessivamente para varios objetos), oy simplesmente como uma desculpa narrativa para uma série alternada de tomadas em primeira plano de cenas prosaicas ou perturbadoras: imagens familiares (canto, gatinho) ¢ nio familiares (close-up de um mecanismo de relégio, do olhar severo da av) guandam certa ambivaléncia ~ 0 espectador mio consegue ter certeza de que atitade adotar em relagio a esse novo imediatismo repentino dos objetos do mundo, paradoxalmente se sentindo distanciado e destocado pela proximidade e pela escala incomum deles (ver o Capitulo 1). O efeito perturbador & até mais forte em The big swallow (James Williamson, Reino Unido, 1901), sobre um homem que protesta por estar sendo filmado. Em vez de evitar a cimera invasiva, ele se aproxima mais e mais dela - ¢ de nds - até que, com a boca bem aberta, engole a camera junto com o cinegrafista, estalando 0s libios de prazer. O cémico nesse filme é sua impossibilidade assustadora: no momento critico, a boca gigantesca que enche a tela transgride 0 “espaco em frente’, normalmente invisivel, e deve ter perturbado o ponto de vista do espectador da época de maneira tio dramatica quanto a boca que sai do aparelho de televisio em Videodrome: A sindrome do video (David Cronenberg, Canada/Estados Unidos, 1983). Figura 4. The big swallow & proximidade como deslocamento 90 Papirus Editor y| Digitalizado com CamScanner JA que o close-up no cinema combina a atengio ao detalhe a que estamos acostumados nas miniaturas e maquetes com a monumentalidade que conhecemos dos memoriais ¢ estétuas piiblicas, sempre ht uma tensio, para néo falar da contradigio, entre o desejo de chegar ainda mais perto e 0 oposto, afastar-se, a fim de manter uma perspectiva adequada, Um monumento geralmente tem suas proprias coordenadas espaciais - uma praga vazia, a vista de uma avenida, 0 topo de um morro -, que permitem que nos aproximemos dele num ritmo que se ajusta a seu tamanho. No cinema, onde nao podemos close-up & sempre, por alguma r mover 0 corpo para ajustar a escala, um Ao fundamental, transgressor da escala humana: a0 mesmo tempo, grande demais ¢ préximo demais, um fato geralmente superado pela motivacio narrativa, mas que, no caso de certos diretores - entre eles, sobretudo, Alfred Hitchcock ¢ Fritz Lang -, continua sendo uma alternativa para uma critica radical da ontologia realista do cinema (Elsaesser 2003)2” Quanto a perturbar a sensagao de distancia segura que o espectador tem, The big swallow também guarda uma semelhanga impressionante com a sequéncia de abertura de O desprezo (Jean-Luc Godard, Franga, 1963), na qual testemunhamos a filmagem da propria obra a que estamos assistindo, Na cena de abertura, uma camera ~atrs da qual se pode reconhecer o cinegrafista do filme, Raoul Coutard - se desloca lenta, mas continuamente, de um ponto distante até nosso ponto de observagio, filmando a continuista Francesca, que, junto com a camera, anda na noss Conforme Francesca e a cimera se aproximam do ponto do qual vemos a cena, a camera diegética (a camera que nés vemos) faz. uma panorimica e 0 espectador se vé olhando para dentro do enorme abismo da lente com para-sol. Com O desprezo, chegamos - depois de um breve desvio pelo plano de insergao, pelo close-up e pelo enderecamento direto do primeiro cinema - ao segundo aspecto do paradigma do espelho: a autorreflexividade modernista. Caracteristico das vanguardas dos anos 1960 e 1970, da Nouvelle Vague francesa ao novo cinema alemio, O desprezo centrou aatengao na fungao do duplo reflexivo. Junto com obras representativas de Bergman, Fellini e Antonioni, o filme de Godard se distancia de si mesmo e se aproxima de nés, enquanto se observa no processo da prépria filmagem. Se alguém fizer um levantamento de algumas das obras candnicas desses diretores no cinema de arte europeu dos anos 1960, obterd um denominador comum, da reviravolta modernista no cinema. Lembre-se de que nossos dois primeiros Paradigmas ~ 0 passo que cruza um limiar (a porta) ou o olhar através de uma divisio transparente (a janela) — estavam, essencialmente, decretando ou especificando as regras basicas de um contrato entre espectador e filme. Porém, conforme o cinema comega a perder piiblico para a televisio e fica inseguro quanto ao tipo de espectador com 0 qual pode contar, seus realizadores voltam o olhar para si mesmos ou ~ através —___ 20. Para questbes de escala e dimensdes, ver Doane (2003) Teoria do cinema 91 Digitalizado com CamScanner da devolugao do olhar e do espelhamento do rosto - tentam decifrar 0 olhar do. outro, Portanto, nao surpreende que muitos desses filmes tentem chegar a um acordo como processo criativo em si: os protagonistas de quatro filmes importantes do Periodo sig todos artistas ativos. Em O desprezo, Michel Piccoli interpreta o roteirista Paul Javal, em Quando duas mulheres pecam, de Bergman, discutido no inicio deste capitulo, Liv Ullmann encarna a atriz Elizabeth Vogler; em Blow-up, depois daquele bejo, de Antonioni (Reino Unido/Itélia, 1966), David Hemmings ¢ 0 fotégrafo Thomas; ¢, finalmente, Marcello Mastroianni, em , de Federico Fellini (Itdlia, 1963), assume 0 papel do diretor de cinema Guido Anselmi. Todos 0s quatro personagens enfrentam uma crise de criatividade que gira em torno de suas relagdes com seus meios de expresso artistica e com o mundo: Javal teme ter se vendido ao capital, Vogler fica muda no palco, Thomas (que nao tem sobrenome no filme) acredita que cena de um assassinato em uma de suas fotografias ¢ Anselmi é incapaz de terminar seu filme. Visto que esses filmes tematizam 0 ato criativo e suas condigdes de possibilidade, eles refletem ou envolvem o proceso de sua propria criago. Figura 5. Blow-up, depois daquele beijo: Thomas representa sua crise criativa. Por um lado, isso pode ser visto como um duplo e, portanto, um enriquecimento do mundo que representa, mas, a0 mesmo tempo, requer també™ tum isolamento hermético que desestabilize o papel que o espectador esta destinal® @ assumir,incerto quanto ao lado do espelho em que se colocar num dado momem!©- Na verdade, nao € s6 0 processo criativo que se torna problemitico; 0 sets identidade dos personagens vacila, frequentemente assinalado pelo limite ent® realidade ¢ fantasia, que se torna indistnto, Em todos esses exemplos, as revirav0l™S reflexivas do cinema se aproximam de um ato de apagamento de si, no sentido & 92 Papirus Editora d Digitalizado com CamScanner queas varias construcdes em abismo se parecem com olhares para dentro do espelho, sugerindo que 0 cinema de arte europeu modernista duvida das condigées e também das justificagdes de sua prdpria existéncia, Nesses filmes, esse autoquestionamento & tematizado como uma crise que afeta uma telacao préxima e intima: “desprezo” pelo outro num casal, na guerra dos sexos (O desprezo); 0s efeitos de ricochete ou péndulo na sobreidentificagao miitua de dois Personagens que jé nao podem ser separados (Quando as mulheres pecam); um questionamento radical da confianga que se tem na propria percepgio (Blow-up, depois daquele beijo); ou uma crise de identidade criativa, conforme as exigéncias do mundo externo e os proprios deménios internos conspiram para enfraquecer todas as energias e fazer com que a tinica reacao possivel seja 0 cinismo ou o reftigio no passado (8 %4). O desenvolvimento em diregao ao cinema reflexivo derivou de varias fontes. Inicialmente, 0 neorrealismo italiano estimulara um acesso direto & realidade por meio do filme (ver 0 Capitulo 1), mas jé estava claro, desde o temps mort, ou “tempo morto” — os trechos de inacao aparentemente sem enredo nos primeiros filmes de Michelangelo Antonioni, como Crimes da alma (Itélia, 1950), que depois se tornariam elemento de referéncia em seu estilo -, ou desde os protagonistas que vagam sem rumo em Romance na Itdlia (Roberto Rossellini, Itélia/Franca, 1954), que essa representagao da realidade (intima e psicolégica dos personagens) fragmentaria e desintegraria a narrativa de construgao classica, impulsionada por objetivos claros e determinados. Segundo, nos anos 1960, a teoria da comunicagio e a pratica teatral de Bertolt Brecht se tornaram uma forga cultural importante. Uma das metas fundamentais de Brecht era tornar 0 espectador ativo como juiz critico, desconfiando de um realismo que tomasse a aparéncia fenoménica ou a motivacio psicolégica como medida de verdade. Terceiro, a reflexividade critica no cinema era — até o final dos anos 1960 - também nutrida por um movimento geral em direc a ago politica por meio da estética revolucionaria, frequentemente entendida como um modo de desconstruir 0 realismo fenoménico, o que fez com que aquilo que era resultado de relagoes de poder histéricas especificas de opressio ou injustic¢a parecesse uma “segunda natureza”, As varias lutas pela liberagdo (feminina, gay e lésbica, negra, P6s-colonial, do terceiro mundo etc.) avidamente adotaram esse modelo estético de questionar, subverter e desconstruir a narrativa clissica.”* A estética reflexiva modernista também reivindicou para si outra das teorias de Brecht, a do “distanciamento”, que queria romper 0 contrato mutuamente conivente do “faz de conta” entre o espectador e a pega teatral. No cinema, como vimos, esses efeitos de duplo e espelhamento e 0 jogo de distancia e proximidade, 21. Para exemplos dessa discussio, ver ‘Teshome (1982) ¢ Pines ¢ Willemen (1989). Para mais sobre a apropriago feminista dessa perspectiva, ver 0 Capitulo 4. Para mais sobre a reviravolta pés-colonialista ’ha teoria do cinema, ver 0 Capitulo 5. Teoria do cinema 93 Digitalizado com CamScanner no entanto, eram comuns desde o inicio, fosse com intengio critica e desconstrutiva ‘ou como reviravolta de enredo, piada ou outra maneira de envolver 0s espectadores nas tomadas ¢ tomadas duplas da autoexposigao performativa. Porém, nos anos 1960, uma nova urgéncia ou incerteza se ligou a esse tipo de reflexividade: ja nio bastava simplesmente contar uma historia; uma narrativa tinha de assegurar sew direito de ser, recontando seu proprio surgimento junto com a historia (¢, as vezes, ar da histéria) que provocara o ato da narragio em primeiro lugar. Como linguagem de um cinema de crise, essa estética modernista, contudo, mostrou-se sctremamente inventiva na transposigio habil do duplo € do espelhamento - como itagdo, adiamento, subterfiigio ou autoavaliagao critica ~ para formas narrativo- pictoricas distintas, fosse por meio da narrativa em abismo (um filme dentro de um filme), do enquadramento pictorico que destacava a construgdo da mise-en-scéne, cou de uma parifrase acentuada de tradicionais clichés de enredo, padroes de género e citagdes-pastiche. O espectador j4 nao entra num filme através da ficgio da janela transparente nem cruzando limiares claramente marcados, um depois do outro, Quer se pense no filme como metifora visual do espelho, movendo-se para frente enquianto mantém um olho fixo no proprio reflexo traseiro, quer se prefira a imagem mais deleuziana da “dobra” - que indica “o lado de dentro do lado de fora’, no qual 6 duplo se dobra sobre si mesmo, de tal modo que o anverso nto pode ser separado do verso (Deleuze 1988, pp. 96-97 e Deleuze 2006) -, esta claro que, durante os anos 1960, os termos alterados da relagao entre espectador e filme falaram a ansiedadesea novas possibilidades tao vivamente quanto falou o momento igualmente “complexo” de quando o cinema foi “inventado” pela primeira vez. Retrospectivamente, 2 extrema reflexividade do cinema nos anos 1960 marca tanto o climax criativo quanto ‘a cangio do cisne do cinema europeu de autor. Entre os diretores mais favordveis 20 legado de Hollywood, como R.W, Fassbinder ou Todd Haynes, 0 motivo do espelho (emprestado de Douglas Sirk) assume a fungio mais diretamente critica de export @ hipocrisia ou duplicidade social. Como pés-modernismo dosanos 1980, entretanto, a crenga nas | possibilidades criticas da reflexividade retrocederam muito. As formas subsequentes de ironia ¢ parédia jé ndo alimentam um impeto discordante, mas se ae emblema de uma postura resignada ¢, portanto, basicamente afirmativa. Todavia, nao se deve duvidat essencialmente da possibilidade critica da reflexividade: melhor distinguir ent™¢ formas diferentes de autorreferéncia, a fim de ae nai meri seus usos e contextos. Um filme como Cisne negro (Darren A. a Beads U dos 2010) demonstra com competéncia como esses ar; 4 ont podem ser sabiamente combinados num suspens Laat a companhia de balé compettva de Nova York mate cIne ee ene ps espelhos ¢ a constante (auto)vigilincia que essa Ta TES Nina (Natalie Portman) é levada aos limites de 5 eeu cas ua psique por varios personagens 44° is e estruturais 94 Papirus Editora ; 4 Digitalizado com CamScanner atuam como duplos imaginarios - a amiga ¢ rival Lily (Mila Kunis), a ex-diva Beth (Winona Ryder) e a mae opressora (Barbara Hershey), que abandonou a prépria carreira no interesse da filha. Sob pressio de todos os lados, somos jogados dentro do mundo de Nina, no qual ¢ cada vez mais dificil distinguir entre a percepgao dela ea realidade que a circunda, Aqui, 0 espelho do autoconhecimento ¢ 0 espelho da vanitas se desmantelam um no outro, 4 medida que um mundo que se assemelha a uuma sala de espelhos encena o drama interior do autorreconhecimento paradoxal. No cinema “clissico’, geralmente somos poupados (ou destituidos) do sentimento de que estamos caindo num abismo ou nos desintegrando no vazio da automultiplicagao, das reflexdes interminaveis. Contudo, é exatamente esse sentimento de ficar sem chao que torna o espelho um lugar privilegiado de incerteza ontolégica, gragas ao fato de que o espelho absorve essa falta de chao da imagem cinematogréfica e a transforma numa reflexao dupla, Alice no pais das maravilhas (1865), de Lewis Carroll, nao foi o primeiro texto a explorar as qualidades magicas do espelho, que pode até virar 0 mundo (e sua ordem) de cabega para baixo e tird-lo dos trilhos. Entretanto, no cinema - e ha poucos filmes sem um plano especular que chame nossa atengdo para um momento crucial da trama ou do desenvolvimento do protagonista -, a fungao do espelho oscila entre ontoldgica e psicolégica: frequentemente, aponta para a instabilidade psiquica do heréi ou da heroina.” Muitas sequéncias famosas de filmes enfocam certos momentos narrativos essenciais como um olhar no espelho: em M, o vampiro de Dusseldorf (Fritz Lang, Alemanha, 1931), © assassino de criancas Beckert (Peter Lorre) faz caretas diante do espelho, como se zombasse do perfil psicoldgico feito pela policia; em Orfeu (Jean Cocteau, Franca, 1950), um espelho permite que o Orfeu enlutado retorne ao reino dos mortos; ¢ em O eclipse (Michelangelo Antonioni, Italia/Franga, 1962), Vittoria (Monica Vitti) nao consegue e nao quer se olhar no espelho. Da mesma forma, em Repulsa ao sexo (Roman Polanski, Reino Unido, 1965), Carol (Catherine Deneuve) tem sua primeira alucinagao diante do espelho. Talvez, nesse aspecto, a cena de espelho mais famosa de todas seja a sequéncia de Taxi driver (Martin Scorsese, Estados Unidos, 1976), na qual Travis Bickle (Robert De Niro) se dirige a si mesmo como 0 outro antagénico ("Voce esta falando comigo!?”), abrindo novas dimensées de anormalidade no transtorno de personalidade do herdi. Nao por acaso, essa cena foi adaptada numa instalagao de arte por Douglas Gordon (“Through a looking glass’, 1999), que vira © espaco intradiegético do avesso a0 duplicé-lo no espaco da galeria e envolver o spectador, assim multiplicando e complicando ainda mais o enderecamento direto Que Travis usa quando fala com o espelho. Em numerosos melodramas, filmes de mulheres ¢ filmes noirs ~ de Suspense Phillips Smalley e Lois Weber, Estados Unidos, 1913) a Enganar e perdoar (Cecil > 22. Sobre planos especulares no primero cinema russo,ver‘Isivian (20003), Teoria do cinema 95 Digitalizado com CamScanner de Dama fantasma (Robert Siodmak, Estadog 7 i 15), 7 B, DeMille Estados Unidos, 1915) ‘Welles, Estados Unidos, 1947), de Unidos, 1944) a A dama de Shanghai (Orson Me earass)e Ones Tudo o que o céu permite (Douglas Sirk, Estados Uni 6 a ena a alma (Rainer Werner Fassbinder, Alemanha, 1974), de am a y esconl ecida (Max Ophiils, Estados Unidos, 1948) a Mal do século (Tod syns cing Unidos Estados Unidos, 1995), de Delirio de loucura (Nicholas Rays Estados Unidos, 1956) a Cidade dos sonhos (David Lynch, Estados Unidos, 2001) ~» 0 plano especular marca um momento de ruptura e duplicacdo que simultaneamente torna 0 espectador consciente da fragilidade da ilusdo cinematogrifica e 0 mergulha ainda mais fundo na (geralmente, dupla) personalidade do protagonista. Podemos contrastar esses exemplos “psicopatolégicos” com 0 uso ontolégico - e também comico - do espelho na rotina do espelho de O diabo a quatro (Leo McCarey, Estados Unidos, 1933), dos Irmaos Marx, que jé havia sido prefigurada por Charlie Chaplin em Carlitos no armazém (Estados Unidos, 1916) e por Max Linder em Sete anos de azar (Estados Unidos, 1921). Ela é reencenada de modo estranho por Arnold Schwarzenegger em O vingador do futuro (Paul Verhoeven, Estados Unidos, 1990), bem como alterada para 0 registro da audicao ~ no lugar da visio - em A estrada perdida (David Lynch, Estados Unidos, 1997), com o convite do Homem Misterioso (Robert Blake) a Fred Madison (Bill Pullman), numa festa, para que “ligue para ele” no telefone da casa do proprio Fred. Espelho e rosto, percepcao, consciéncia e aco podem ser reunidos ainda de outra forma ~ ¢ esse é 0 aspecto final do paradigma do espelho para o qual queremos nos voltar. Ele nos tira dos estudos de cinema tradicionais e leva para a 4rea do cognitivismo e da neurociéncia. O estudo da mente no sé fez progressos notaveis em seus respectivos campos como também, cada vez mais, tem inspirado 0s académicos que trabalham nas humanidades, em particular nos estudos de cinema. chien sh noob el on os an 1300 se tratar de nada menos a . eee eas alguns i que uma revolucéo neurocientifica.”> Esses neurdnios, cuja presenga esté comecando a ser de! reseng monstrada també: manos, poderiam ajudar a explicar uma série de fendm ee continuam enigmaticos (por exemplo, de imitacao, a possibilidade de empati enos psicolégicos que, até hojé © aprendizado humano pelo comportamet z Para com 0s outros).”* Os neurdnios espelh? : r0 : determinados movimentos e ages com erage OeseTvamOS 05 Outros realize 96 Papirus Editora Digitalizado com CamScanner pode ser medida quando nés mesmos realizamos a operaco (por exemplo, quando esticamos 0 braco para pegar alguma coisa) e quando nés observamos esse mesmo movimento sendo realizado por outra pessoa. Os neurénios espelho, portanto, parecem extinguir, superar ou fundir a diferenca entre ativo e passivo, entre dentro e fora, entre o eu eo outro. Alguns cientistas levantam a hipotese da existéncia de um sistema inteiro de neurdnios espelho, cujo funcionamentoe orquestragio precisos no cérebro humano, porém, ainda estao Por ser esclarecidos. Do ponto de vista desses neurénios espelho, parece nao haver diferenca entre ver e fazer — claro, o potencial que esse novo campo de Pesquisa oferece a teoria do cinema neurdnios espelho controlam ni ai se encontra, é . Os (0 86 a imitagio motora, a chave do aprendizado humano, como também a empatia ea compaixao em relagao a outros seres humanos. Portanto, deveria ser Sbvio por que uma teoria cientificamente verificavel sobre compaixio e empatia pode ter consequéncias de grande alcance para a teoria do cinema ~ comegando de onde a teoria do dispositivo parou, ou a partir do momento em que foi considerada um fracasso, em raza comprovadas (‘Tan 2013, pp. 337-367) 0 de demasiadas suposiges nio Figura 6. M, o vampiro de Dusseldorf. 0 assassino de criangas se reconhece como alguém Marcado pelo lado de fora. Teoria do cinema a7 Digitalizado com CamScanner Para 0 corpo do espectador, essa teoria implica uma conexao total entre o; sentidos e 0 processamento da informacio pelo cérebro: a correlacao Corpo-cérebro, © controle sensério-motor, o ver o fazer (quando considerados da perspectiva da atividade cerebral) se tornam a mesma coisa. A literatura sobre 0 assunto ainda nig ¢ extensa (tum primeiro exemplo se dedica a Quando duas mulheres pecam, de Bergman, o filme com que abrimos este capitulo),* mas esta crescendo; contudo, ainda temos de ver que tipo de teoria geral do cinema e da experiéncia cinematografica essas novas teorias apresentarao acerca do espelho ¢ do rosto. Talvez a antiga polaridade entre as teorias fenomenolégico-realista e discursivo-construtivista possa ser superada e substituida por outra, mais abrangente. Do contrario, a teoria do cinema poderia continuar a refletir os paradigmas dominantes nas humanidades, atualmente muito preocupados com 0 status incerto do corpo em ambientes midiatizados e tecnoldgicos, donde o interesse nos sentidos e na experiéncia mediada, em diferentes modos de armazenagem (meméria, trauma, arquivo) € no contato (pele e toque, afeto), bem ‘como na transposicio de metéforas dominantes nas ciéncias da vida, tal como a do computador como modelo para o cérebro. A titulo de resumo e conclusio, talvez ajude sondar 0 campo semantico do espelho uma vez mais, agora enfocando paradoxos, antinomias e contradigées ocultos, a fim de torné-los produtivos. O primeiro é 0 paradoxo de exteriorizagio e interiorizagdo. A passagem do primeiro cinema para 0 cinema classico pode ser descrita como uma transformagao do status do espaco da tela e do espaco do auditério - de recepgio coletiva em “espaco fisico” (complementada por acompanhamento musical, palestras, interaco performatica) para o espectador absorto individualmente em espaco imaginario (aquele da diegese do filme “centralizando” o espectador). O close-up conclui e sela essa mudanga de um espago real para um espaco virtual, trocando alguns ganhos (espaco diegético coerente, imersio do espectador no universo narrativo, tempo linear) por algumas perdas (espago fisico, recepgao coletiva, tempo ciclico, enderecamento direto). Noss? Soe ear ee ansformay la numa tensio intrinseca: 0 close-1 monumentalidade intima ou uma intimidade monumental? up exibe um? Se recordarmos as duas primeiras modalidades de cinema discutidas 10S Capitulos 1 € 2, outro paradoxo do espelho surge do fato de que janels e maldt Porta e tela, assim que perdem a transparéncia e a permesbilidade, tornam-S© essa superficie refletora: o espelho é, entio, Por assim dizer, si : 1 sme ite a forms da crise ou a manifestagio-limite dos outros dois paradignes, Sea respecti”® transformagéo, como sugerido, tem a ver com a natureaa cna, Tas Scoot” entre filme ¢ espectador. Em outro nivel, mais filosdfico c oe pends . 25. Ver. por exemplo, Rugg (2007), Brown (2012) e Heimann ef al. (2014), 98 Papirus Edito: A Digitalizado com CamScanner transparéncia na imagem é intensifica i ida ¢ resolvida pelo surgimento do rosto: porque alguém nos devolve o olhar, jé na (0 olhamos através de um meio transparente. Olhamos para o rosto na tela ¢, Junto com ele, para o nosso proprio olhar, agora com forca transitiva. Ao mesmo tempo, o espectador do filme esta acostumado a se identificar com o olhar dos outros e acostumado a se fundir com 0 olhar da tela, a fim de evitar 0 olhar ditigido para 0 eu, Dentro desse conjunto, o close-up oscila entre uma autorreflexividade aumentada, na qual a posigao do préprio espectador é acentuada, ¢ uma identificagéo aumentada, na qual ele se rende a outro personagem, O rosto, assim, torna-se um objeto representativo bastante instavel, assinalando até 9 colapso da representacao em perspectiva, se quisermos colocar isso em termos pictéricos, representativos e nos termos da histéria da arte. O close-up pareceria, simultaneamente, reafirmar ¢ questionar a calibragéo basica do cinema classico em torno do corpo humano e da “camera no nivel do olho” Orosto considerado como uma imagem-afeicao eo close-up engendram outro paradoxo, 0 paradoxo de motilidade e inexpressividade, Muito embora pudéssemos dizer, com Balizs, que o cinema redescobre o rosto como meio expressivo, ele o faz reduzindo drasticamente a motilidade ea mobilidade. Hoje, ao assistir a filmes antigos, muitos espectadores se divertem com 0 estilo teatral de atuagao e das Tepresentagées espalhafatosas das emogées: os olhos arregalados de terror, o cenho franzido ou o rosto inteiro enrugado numa careta. A preferéncia contemporanea pelo minimalismo na atua¢ao é comprovada, por exemplo, no fato de que, hoje, Buster Keaton, que tinha © apelido de “grande rosto imperturbavel’ é frequentemente mais valorizado que Charlie Chaplin como intérprete. Os atores masculinos so considerados excelentes quando tém olhos grandes e rostos em grande medida inexpressivos: Henry Fonda, Paul Newman, Clint Eastwood jovem. Em Era uma vez no oeste (Estados Unidos/ Itélia, 1968), Sergio Leone destaca a “paisagem desértica” do rosto classico através de alternancias de planos panoramicos (Vale dos Monumentos) e close-ups (0 rosto de Fonda). Os menores, quase imperceptiveis, movimentos expressivos do rosto em close-up sio os que mais nos afetam como espectadores. © paradoxo da presenca pura e do signo decodificavel traz mais uma vez para 0 primeiro plano as tensGes entre as teorias mimético-realista e simbélico-semistica, que constituem duas tradicdes importantes na teoria do cinema. Essa tensio se torna palpavel no “plano de reacio” de um rosto como o recurso padronizado de desfecho de um capitulo de novela: por um lado, a expressividade exagerada produz um excesso emocional com a intengao de gerar afetos fortes o bastante para durar até 0 episddio seguinte, que apresentard o “contracampo” que ficou guardado. Por Outro lado, essa imagem carregada afetivamente € nao so inteiramente convencional Nesse género em particular como também investida de importancia narrativa por sua integracdo numa histéria, uma importancia que requer uma forma direcionada para © signo de compreender, em vez de “apreender’, a narrativa, como 0 close-up fez em Dreyer ou como o plano de insergao faz no “cinema de atragoes”. Teoria do cinema 99 Digitalizado com CamScanner Figura 7. O diabo a quatro: o espelho como falta de fundamento ontoligico. Finalmente, 0 paradoxo de escala ¢ tamanho indica, mais uma vez, como © espago ea relagio entre espectador e tela sio decisivos para o cinema. Como ji observamos na dinamica entre monumento e detalhe, o close-up oscila entre sentit- se intimamente conectado ao tamanho e perturbado por ele. O clo: ip de um Fost estd préximo demais e é grande demais, assim, produz uma espécie de vazio, porque a proximidade do close-up (conforme o termo jé indica) néo permite recuo. Nese sentido, 0 espectador é engolido pelo espaco (como em The big swallow e na aberturt de O desprezo), tanto que perde toda sensagio de proporgio e nao consegue gtthat ou manter distancia. O proximo capitulo detalhara os mecanismos que o cinen™ Dees pardons epee tabi qu ie GO caracteristico do cinema. esperar, essa ancoragem tera um preco, , como eta de 100 Papirus Edi Digitalizado com CamScai 4 nner

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